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africano. Costa, por sua vez, constrói uma história dos Dundumba, o autor discorre sobre a impor-
dos carecas de Cristo que ressalta a política de tância da noção de tribo para o tipo de manifes-
conversão empreendida por pastores evangélicos tação artística produzida pela banda. Compreende-
em relação a jovens nas grandes cidades brasilei- se assim o porquê da tese do sociólogo sobre os
ras a partir de finais dos anos de 1980. Já Ferreira “revivalismos tribais”: a heteronomia torna-se
conduz à sociogênese não apenas das práticas de signo de autonomia; “tribo” torna-se metáfora de
marcação corporal na Europa desde a Idade formas de integração social numa “urbanidade
Média, mas também à do seu “renascimento” no deficitária de coesão social” (p. 39).
Portugal contemporâneo. De marginais, transfor- Para além do esforço dos outros estudos de
mam-se em bens de consumo juvenis que pro- explorar teoricamente os efeitos da metáfora, na
movem o corpo a “imagem corporal” dotada de prática os resultados interpretativos mais satisfató-
um estilo próprio, crucial para a produção de rios aparecem quando se secundariza “tribo urba-
identidades grupais e/ou pessoais. Araújo traz o na” (ver, por exemplo, os estudos de Ferreira,
leitor de volta ao Brasil, em particular às ruas do Costa e Blass) ou mesmo deixa de lado o termo
bairro do “Recife Antigo” da década de 1990 – a (ver o texto de Bastos). Até num “movimento” apa-
grupos, vocabulário e tipo de letra musical envol- rentemente homogêneo como o “mangueBit” há,
vidos na consolidação sociológica do movimento como mostra Araújo, diferentes leituras por parte
musical que, preconizando a associação entre os de jovens de classes sociais diversas, e é por meio
sons da terra recifense, cujo signo máximo seria o dessas leituras que o “movimento” se torna signifi-
“mangue”, e influências técnicas globais, é pela cativo. Como, então, falar em uma tribo, apenas?
autora denominado “MangueBit” (embora na Existe, de fato, o risco de simplificação dos
mídia apareça como “mangue beat”). O capítulo processos sociais em questão, o que se aplica não
de Bastos é um retorno a Lisboa que confronta só às manifestações culturais tematizadas. Falar de
usos do espaço urbano por parte de “lisboetas “jovens”, “cultura jovem”, do “afrodescendente”
comuns”, nativos, com aqueles de “migrantes” em geral nas metrópoles brasileiras e do mundo
referenciados como “africanos”, “chineses”, “esla- (ver estudo de João Lindolfo Filho) envolve a
vos”. Para os primeiros, seria crucial a díade casa- possibilidade de um certo anacronismo – como se
rua; para os últimos, a praça. Enfim, uma última o jovem fosse um só, no passado e no presente,
volta ao Brasil: Blass trata das quadras e dos des- no Brasil, na Europa, nos Estados Unidos.
files de escolas de samba paulistanas e, às vezes, Associar, por sua vez, a “identidade sonora” dos
das cariocas, explorando dois momentos da pro- “jovens negros” brasileiros em geral a uma “Áfri-
dução artística carnavalesca: a apresentação do ca mítica” e aos ancestrais escravos, sem ancorar
enredo aos integrantes das escolas e o desfile pro- os argumentos empiricamente (ver texto de
priamente dito. António Contador), deixa dúvidas sobre o con-
Tal pletora de referências assegura à coletâ- texto musical em jogo.
nea uma inegável relevância etnográfica, sobretu- As dificuldades de modo algum obliteram o
do quanto a algumas formas recentes de sociabi- caráter instigante da problematização teórica que
lidade juvenil no Brasil e em Portugal. O livro inspira o livro. Com efeito, se, como apontou
apresenta lado a lado análises que o leitor até Magnani e é reiterado por Machado Pais, há ine-
então só podia encontrar em monografias especí- gáveis ambigüidades no uso da metáfora “tribo
ficas. Assim, adquirem-se indícios das referências urbana” pelas ciências sociais, interessante é, para
culturais subjacentes a algumas realidades juvenis essas mesmas ciências sociais, que classificações
em grandes cidades brasileiras e portuguesas forjam realidades: falas, comportamentos, modos
hoje: uma certa África, um certo evangelho, um de pensar e de viver, manipulação de coisas e de
certo tipo de música; enfim, apropriações especí- corpos que viram signos de identidade. É o que
ficas do termo “tribo urbana”. Eunice Durham (2004 [1977], p. 231) definiu como
A meu ver, é Machado Pais que demonstra “dinâmica cultural”: o processo de constante reor-
essas apropriações e teoriza a respeito delas. ganização das representações na prática social por
Partindo das falas de seu informante privilegiado, meio de “uma manipulação simbólica que é atri-
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buto fundamental de toda prática humana”, asse- MAGNANI, José Guilherme Cantor. (1992), “Tribos
gurando que as representações sejam produto e urbanas: metáfora ou categoria?”. Cader-
condição de práticas sociais. É nessa dinâmica que nos de Campo. Revista dos Alunos de
identidades se (re)constroem, inclusive aquelas Pós-Graduação em Antropologia da
tematizadas pelos autores da coletânea. USP, 2 (2): 49-51.
Contemplada à luz dessas ponderações, a
coletânea aparece centrada essencialmente na FRAYA FREHSE, doutora em antropologia
dinâmica das relações sociais em cada caso, fican- pela Universidade de São Paulo, é
do em segundo plano o que os “produtos artísti- pesquisadora do Núcleo de Antropologia
cos” respectivamente abordados podem revelar Urbana (NAU) da mesma Universidade e pro-
sobre as realidades sociológicas suscitadas pela fessora de antropologia na Escola de
heteronomia “tribo urbana”. O que o tipo de Sociologia e Política de São Paulo.
sonoridade, de letra musical, de tatuagem indica,
nesse sentido? Há vínculos entre a expressão cul-
tural e a configuração sociológica? Formulo essas
perguntas levando em conta que o livro resulta,
como explicita Machado Pais no início da
“Introdução”, da reflexão conjunta de sociólogos
e antropólogos portugueses e brasileiros (p. 9).
Certamente o desafio é grande. Sobretudo
porque os pesquisadores têm formações teórico-
metodológicas variadas – é tentador, também
aqui, recorrer à metáfora das “tribos”. Nota-se, por
exemplo, que alguns autores falam em “tribos” e
outros em “tribus”, sem que se explicite o porquê
deste último emprego: uma filiação à noção fran-
cesa de “tribus”, utilizada por Maffesoli?
Se esse tipo de iniciativa é sempre um desa-
fio, é importante persistir. A coletânea deixa
entrever diálogos que são cruciais nesses tempos
de “globalização”. São diálogos sobre fenômenos
sociais comuns a contextos urbanos distintos. E
são ainda, talvez por isso mesmo, diálogos sobre
interesses intelectuais também semelhantes,
embora sejam diversos os contextos institucionais
que os abrigam.
BIBLIOGRAFIA