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RESENHAS 171

até o final da década de 1950, quando o judaísmo As realidades que as


organizado se tornou mais e mais retrógrado. O
melting pot significaria o fim inexorável do judaís- “tribos urbanas” criam
mo! Passou-se, então, a se defender a tese de uma
sociedade pluralista, na qual cada grupo etno-cul-
tural teria seu lugar assegurado. José Machado PAIS e Leila Maria da Silva BLASS
Os capítulos 5, “Jugo dos mandamentos (orgs.). Tribos urbanas: produção artística e identi-
(Mitzvot)”, e 6, “Múltiplos desafios enfrentados dades. São Paulo, Annablume, 2004. 234 páginas.
pelas judias convertidas à ortodoxia”, merecem
atenção especial. O jugo dos mandamentos é pesa- Fraya Frehse
do, e seu aprendizado, terrível. É preciso praticar
613 preceitos, dos quais 365 (como os dias do ano) Ao elegerem como tema primordial de estu-
são negativos e 248 (correspondentes à noção que do as chamadas “tribos urbanas”, os organizado-
um rabino do passado tinha das partes do corpo res deste livro sabiam que pisavam num chão já
humano), positivos. Some-se a isso o que os bastante palmilhado, nas últimas décadas, pelas
judeus chamam de “muralhas adicionais” (gader), ciências sociais devotadas ao contexto urbano.
isto é, normas para garantir que nenhum dos man- Um chão, por isso mesmo, marcado por pontos
damentos básicos seja infringido. É regra pra nin- de vista específicos a respeito da noção de “tribo
guém botar defeito! Quanto às mulheres converti- urbana”.
das, além de uma interessante discussão sobre o A partir de 1985 o sociólogo francês Michel
papel subalterno da mulher no judaísmo, aliás Maffesoli começava a utilizar o termo “tribo urba-
como em todas as demais religiões, Marta Topel na” em seus artigos, e em 1988 surgia o seu Le
fornece um quadro comovente sobre como a femi- temps des tribus: le déclin de l’individualisme
nilidade consegue se expressar, às vezes até com dans les sociétés postmodernes. O uso da noção
alguma faceirice em circunstâncias tão plúmbeas. era metafórico, para dar conta de formas suposta-
Pessoalmente acho que os judeus ortodoxos mente novas de associação entre os indivíduos na
são nocivos à sociedade, entre outras razões, por
“sociedade pós-moderna”: o autor fala em “neo-
que não trabalham. Dedicam todo o seu tempo ao
tribalismo”. Seriam essencialmente “micro-gru-
estudo das escrituras e de suas interpretações.
pos” que, forjados em meio à massificação das
Alguns, com com um pouco de neurônios a mais,
relações sociais baseadas no individualismo e
reinterpretam velhas interpretações já interpreta-
marcados pela “unissexualização” da aparência
das. São sustentados por doações de judeus pouco
física, dos usos do corpo e do vestuário, acaba-
religiosos que talvez esperem obter alguma indul-
gência à moda do Papa Julio 2º. Quando essas riam, mediante sua sociabilidade, por contestar o
doações não bastam, os prosélitos são despacha- próprio individualismo vigente no mundo con-
dos para Israel, onde viverão às custas do Estado. temporâneo.
De um tema complexo, controvertido e muito Alguns anos depois, José Guilherme
atual, Marta Topel produziu uma uma bela obra. Magnani (1992) retomava, no contexto brasileiro
e numa perspectiva antropológica, a noção de
“tribo urbana” a fim de problematizar o seu uso
Notas ambíguo não apenas na mídia, mas também em
“pesquisas e trabalhos ditos científicos” – embora
1 Pogrom, nome russo dado às perseguições em não haja no texto qualquer referência explícita a
massa dos judeus durante o século XIX. Maffesoli. O antropólogo brasileiro argumenta em
favor de contextualizações do emprego da metá-
GABRIEL BOLAFFI é sociólogo, professor fora, já que o “domínio original” de tribo seria a
aposentado da Faculdade de Arquitetura e etnologia e, no âmbito desta, a análise de formas
Urbanismo da Universidade de São Paulo. de organização social que transcendem os parti-
cularismos dos grupos domésticos e locais
(Magnani, 1992, p. 49). Já a utilização do termo
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em relação às chamadas “sociedades complexas” circunstância – “a ritualização de identidades


aludiria ao contrário: a pequenos grupos delimi- sociais” – e de um ponto de partida analítico – a
tados, com regras particulares. Dado que a metá- metáfora da “tribo urbana”. Esta é enfocada,
fora mais evoca – o “primitivo, selvagem, natural, segundo Machado Pais, como heteronomia liga-
comunitário” – do que recorta (Idem, p. 50), o da, por um lado, a manifestações de resistência à
autor questiona seu uso como categoria analítica adversidade – conforme com a idéia de “atrito”,
em pesquisas sobre o contexto urbano: tratar-se- etimologicamente implícita ao termo “tribo” (p.
ia de um denominador comum empobrecedor da 12); por outro, a formas de sociabilidade orienta-
diversidade vigente na paisagem urbana. das por normas de natureza estética e ética que
As abordagens de Maffesoli e, em particular, implicam maneiras peculiares de ritualizar “víncu-
a de Magnani são importantes interlocuções para los identitários”, sobretudo relacionados à produ-
os autores da coletânea Tribos urbanas: produção ção artística (p. 18).
artística e identidades. O livro resulta, como assi- A partir dessa base comum vêm à tona as
nala Leila Blass na “Apresentação”, de um projeto diferenças entre os estudos. São três as cidades
de pesquisa de mesmo título que congregou, enfocadas: São Paulo, Recife e Lisboa. Alguns
entre 2001 e 2004, pesquisadores e colaboradores autores concentram-se em grupos em torno dos
portugueses e brasileiros ligados ao Instituto de quais se ritualizam identidades: uma banda musi-
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e ao cal jovem de Portugal, os “Dundumba”, inspira-
Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências dos em sons e ritos tribais africanos (capítulo 1,
Sociais da PUC de São Paulo, no âmbito de um por Machado Pais); os “carecas de Cristo” de São
programa de cooperação internacional financiado Paulo, formados por skinheads evangélicos (capí-
pela brasileira Coordenação de Aperfeiçoamento tulo 2, por Márcia Regina da Costa); integrantes
de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo por- de duas escolas de samba paulistanas (capítulo 8,
tuguês Gabinete de Relações Internacionais da por Leila Blass). Um segundo conjunto de capítu-
Ciência e do Ensino Superior (Grices). Assumindo los parte de manifestações estéticas em torno das
como pressuposto o uso metafórico de “tribo quais identidades são celebradas: a tatuagem e o
urbana” ainda nos dias de hoje, nos meios de body-piercing em Portugal (capítulo 3, por Vítor
comunicação de massa e no senso comum, os Sérgio Ferreira); o “mangueBit” na qualidade de
autores da coletânea pretendem atentar para as movimento musical recifense (capítulo 4, por
realidades sociológicas criadas por essa etiqueta. Lídice Araújo); o hip hop como base identitária de
Conforme aponta José Machado Pais na jovens “marginalizados” nas grandes metrópoles
“Introdução”, se “tribo urbana” é uma heterono- (capítulo 5, por João Lindolfo Filho); a referência
mia – classificação atribuída a determinados indi- à África nas “sonoridades juvenis negras” no
víduos por terceiros, definindo “outros” estra- Brasil (capítulo 6, por António Contador). Enfim,
nhos, “ex-óticos” porque fora da ótica da um terceiro tipo de abordagem assume o espaço
normalidade (p. 9) –, integra de formas bem espe- urbano, notadamente três praças públicas da
cíficas os indivíduos por ela designados, o que “Baixa” lisboeta, como referência para uma etno-
equivale a dizer que as classificações são integra- grafia sobre a constituição diária de ajuntamentos
das de modo também peculiar nas falas e com- fugazes de imigrantes ali em meio ao trânsito
portamentos desses indivíduos. Como jovens são (capítulo 7, por Cristiana Bastos). Neste caso, a
objeto primordial do uso da metáfora, questões autora alerta de antemão para a impropriedade da
que inspiram, para Machado Pais, a coletânea, utilização do termo “tribos urbanas” (p. 183).
são: de quem se trata? Esses jovens identificam-se Essa variedade de perspectivas fornece ao
com a etiqueta? Quais as razões, os fins e os efei- leitor uma ampla plêiade de dados sobre contex-
tos desse processo de classificação? (p. 10). tos sociais variados unidos por uma matriz lin-
Os oito capítulos que perfazem a publicação güística comum: o português. São, em Machado
dialogam, cada um à sua maneira, com essas Pais, imaginários musicais e de sociabilidade for-
questões. São estudos de caso unidos em torno temente referenciados pela memória de um pas-
de um cenário – “contextos urbanos” –, de uma sado que, não vivido, é mitificado como tribal e
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africano. Costa, por sua vez, constrói uma história dos Dundumba, o autor discorre sobre a impor-
dos carecas de Cristo que ressalta a política de tância da noção de tribo para o tipo de manifes-
conversão empreendida por pastores evangélicos tação artística produzida pela banda. Compreende-
em relação a jovens nas grandes cidades brasilei- se assim o porquê da tese do sociólogo sobre os
ras a partir de finais dos anos de 1980. Já Ferreira “revivalismos tribais”: a heteronomia torna-se
conduz à sociogênese não apenas das práticas de signo de autonomia; “tribo” torna-se metáfora de
marcação corporal na Europa desde a Idade formas de integração social numa “urbanidade
Média, mas também à do seu “renascimento” no deficitária de coesão social” (p. 39).
Portugal contemporâneo. De marginais, transfor- Para além do esforço dos outros estudos de
mam-se em bens de consumo juvenis que pro- explorar teoricamente os efeitos da metáfora, na
movem o corpo a “imagem corporal” dotada de prática os resultados interpretativos mais satisfató-
um estilo próprio, crucial para a produção de rios aparecem quando se secundariza “tribo urba-
identidades grupais e/ou pessoais. Araújo traz o na” (ver, por exemplo, os estudos de Ferreira,
leitor de volta ao Brasil, em particular às ruas do Costa e Blass) ou mesmo deixa de lado o termo
bairro do “Recife Antigo” da década de 1990 – a (ver o texto de Bastos). Até num “movimento” apa-
grupos, vocabulário e tipo de letra musical envol- rentemente homogêneo como o “mangueBit” há,
vidos na consolidação sociológica do movimento como mostra Araújo, diferentes leituras por parte
musical que, preconizando a associação entre os de jovens de classes sociais diversas, e é por meio
sons da terra recifense, cujo signo máximo seria o dessas leituras que o “movimento” se torna signifi-
“mangue”, e influências técnicas globais, é pela cativo. Como, então, falar em uma tribo, apenas?
autora denominado “MangueBit” (embora na Existe, de fato, o risco de simplificação dos
mídia apareça como “mangue beat”). O capítulo processos sociais em questão, o que se aplica não
de Bastos é um retorno a Lisboa que confronta só às manifestações culturais tematizadas. Falar de
usos do espaço urbano por parte de “lisboetas “jovens”, “cultura jovem”, do “afrodescendente”
comuns”, nativos, com aqueles de “migrantes” em geral nas metrópoles brasileiras e do mundo
referenciados como “africanos”, “chineses”, “esla- (ver estudo de João Lindolfo Filho) envolve a
vos”. Para os primeiros, seria crucial a díade casa- possibilidade de um certo anacronismo – como se
rua; para os últimos, a praça. Enfim, uma última o jovem fosse um só, no passado e no presente,
volta ao Brasil: Blass trata das quadras e dos des- no Brasil, na Europa, nos Estados Unidos.
files de escolas de samba paulistanas e, às vezes, Associar, por sua vez, a “identidade sonora” dos
das cariocas, explorando dois momentos da pro- “jovens negros” brasileiros em geral a uma “Áfri-
dução artística carnavalesca: a apresentação do ca mítica” e aos ancestrais escravos, sem ancorar
enredo aos integrantes das escolas e o desfile pro- os argumentos empiricamente (ver texto de
priamente dito. António Contador), deixa dúvidas sobre o con-
Tal pletora de referências assegura à coletâ- texto musical em jogo.
nea uma inegável relevância etnográfica, sobretu- As dificuldades de modo algum obliteram o
do quanto a algumas formas recentes de sociabi- caráter instigante da problematização teórica que
lidade juvenil no Brasil e em Portugal. O livro inspira o livro. Com efeito, se, como apontou
apresenta lado a lado análises que o leitor até Magnani e é reiterado por Machado Pais, há ine-
então só podia encontrar em monografias especí- gáveis ambigüidades no uso da metáfora “tribo
ficas. Assim, adquirem-se indícios das referências urbana” pelas ciências sociais, interessante é, para
culturais subjacentes a algumas realidades juvenis essas mesmas ciências sociais, que classificações
em grandes cidades brasileiras e portuguesas forjam realidades: falas, comportamentos, modos
hoje: uma certa África, um certo evangelho, um de pensar e de viver, manipulação de coisas e de
certo tipo de música; enfim, apropriações especí- corpos que viram signos de identidade. É o que
ficas do termo “tribo urbana”. Eunice Durham (2004 [1977], p. 231) definiu como
A meu ver, é Machado Pais que demonstra “dinâmica cultural”: o processo de constante reor-
essas apropriações e teoriza a respeito delas. ganização das representações na prática social por
Partindo das falas de seu informante privilegiado, meio de “uma manipulação simbólica que é atri-
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buto fundamental de toda prática humana”, asse- MAGNANI, José Guilherme Cantor. (1992), “Tribos
gurando que as representações sejam produto e urbanas: metáfora ou categoria?”. Cader-
condição de práticas sociais. É nessa dinâmica que nos de Campo. Revista dos Alunos de
identidades se (re)constroem, inclusive aquelas Pós-Graduação em Antropologia da
tematizadas pelos autores da coletânea. USP, 2 (2): 49-51.
Contemplada à luz dessas ponderações, a
coletânea aparece centrada essencialmente na FRAYA FREHSE, doutora em antropologia
dinâmica das relações sociais em cada caso, fican- pela Universidade de São Paulo, é
do em segundo plano o que os “produtos artísti- pesquisadora do Núcleo de Antropologia
cos” respectivamente abordados podem revelar Urbana (NAU) da mesma Universidade e pro-
sobre as realidades sociológicas suscitadas pela fessora de antropologia na Escola de
heteronomia “tribo urbana”. O que o tipo de Sociologia e Política de São Paulo.
sonoridade, de letra musical, de tatuagem indica,
nesse sentido? Há vínculos entre a expressão cul-
tural e a configuração sociológica? Formulo essas
perguntas levando em conta que o livro resulta,
como explicita Machado Pais no início da
“Introdução”, da reflexão conjunta de sociólogos
e antropólogos portugueses e brasileiros (p. 9).
Certamente o desafio é grande. Sobretudo
porque os pesquisadores têm formações teórico-
metodológicas variadas – é tentador, também
aqui, recorrer à metáfora das “tribos”. Nota-se, por
exemplo, que alguns autores falam em “tribos” e
outros em “tribus”, sem que se explicite o porquê
deste último emprego: uma filiação à noção fran-
cesa de “tribus”, utilizada por Maffesoli?
Se esse tipo de iniciativa é sempre um desa-
fio, é importante persistir. A coletânea deixa
entrever diálogos que são cruciais nesses tempos
de “globalização”. São diálogos sobre fenômenos
sociais comuns a contextos urbanos distintos. E
são ainda, talvez por isso mesmo, diálogos sobre
interesses intelectuais também semelhantes,
embora sejam diversos os contextos institucionais
que os abrigam.

BIBLIOGRAFIA

DURHAM, Eunice. (2004 [1977]), “A dinâmica cul-


tural na sociedade moderna”, in
_________, A dinâmica da cultura, São
Paulo, Cosac Naify.
MAFFESOLI, Michel. (1988), Le temps des tribus: le
déclin de l’individualisme dans les
sociétés postmodernes. Paris, Méridiens
Klincksieck.

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