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Introdução

TRAZENDO PARA HOJE UMA PALAVRA DE ONTEM

Um dos grandes desafios da interpretação bíblica é cultural. A Bíblia foi escrita para pessoas de
outro tempo. Isso pode parecer estranho, mas vou já explicar. Quando, por exemplo, o apóstolo
Paulo sentou-se para escrever a sua carta aos efésios, ele não estava pensando nos cristãos
brasileiros. Sua atenção estava voltada para pessoas do século I, que viviam dentro da cultura greco-
romana-judaica. O mesmo podemos dizer do autor do Apocalipse. Quando João escreveu sua obra,
utilizou uma linguagem simbólica que era comum principalmente aos cristãos judeus de seu tempo.
Em sua época, eram comuns os escritos apocalípticos, que buscavam transmitir mensagens de
reforço na fé em linguagem cheia de imagens e significados ocultos.

Hoje, quando lemos As Escrituras, ficamos às vezes desnorteados com algumas expressões e,
pior ainda, podemos compreendê-las mal. Daí, podemos inferir que a primeira tarefa do intérprete
bíblico é entender o que as Escrituras significaram para os seus primeiros destinatários. A partir
desse ponto, é que podemos estabelecer qual a aplicação da mesma para hoje.

Serão válidos para hoje o ósculo santo, o véu no rosto para a oração (1Co 11:13, 16:20)? Para
respondermos isso precisamos primeiro saber: "o que significava o ósculo e o véu na sociedade
daquele tempo?" Somente a partir daí é que poderemos transpor essa barreira cultural, e fazer das
Escrituras algo vivo para o homem do século vinte e um. Para isso existem vários instrumentos
disponíveis já em língua portuguesa: dicionários e manuais, introduções e comentários, livros
dedicados há reconstruir os tempos bíblicos e atlas que permitem-nos visualizar o arranjo político-
geográfico dos tempos do Velho e Novo Testamentos.

Entretanto, um desafio maior, descortina-se a mente perquiridora: Como compreender o sentido


espiritual do Evangelho? Além das próprias Escrituras Sagradas, quais fontes seguras poderemos
nos deter para saciar nossa sede de entendimento e compreensão para que os antigos textos façam
sentido para as nossas vidas atuais?

Com o objetivo de contribuir com o dicernimento espiritual do Evangelho, nos propomos a


reunir em dois volumes, os textos de alguns autores já consagrados no meio espírita e a inclusão de
outros textos apartir de exegetas fora do âmbito espírita, com o fim de aclarar raciocínios e intuir o
sentido mais profundo de cada versículo do Evangelho de Marcos.

Cabe exclusivamente a cada estudante, com a plena liberdade de pensamento, extrair as


conclusões que melhor se enquadrem em sua atual compreensão e persepção dos ensinamentos dos
textos de Marcos, que traduzem a espiritualidade como Pedro (seu Mentor) viveu e sentiu a
mensagem do Divino Mestre Jesus.
André Luiz Bezerra
Bezerra
Coordenador do Estudo do Evangelho de Marcos e
Elaborador das Apostilas do Curso
Fortaleza, 9 de fevereiro de 2008

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Introdução

ESTRUTURAÇÃO GERAL DO EVANGELHO DE MARCOS

Convém um esclarecimento a respeito da estruturação do Evangelho de Marcos. Isto nos trará


elementos que coadjuvarão na jornada exegética das perícopes. O Evangelho de Marcos pode ser
dividido pelo espaço geográfico. Jesus inicia sua atividade na Galiléia, com incursões pelas
imediações. Em seguida, encaminha-se à capital, Jerusalém, onde irá se consumar a sua missão.

Dentro desta prospectiva, podemos criar a seguinte estrutura 1:

Introdução (1,1-1-3)

1a Parte: A casa de Jesus: Galiléia (1,14-8,26)


I. O ministério galilaico (1,14-3,6)
II. O alto ministério galilaico (3,7-6,13)
III. O ministério fora da Galiléia (6,14-8,26)

2a Parte: O caminho para Jerusalém (8,27-16,8)


I. Cesaréia de Filipe: a jornada para Jerusalém (8,27-10,52)
II. O ministério em Jerusalém (11,1-13,37)
III. A narrativa da Paixão e Ressurreição em Jerusalém (14,1-1-16,8)

Acréscimo conclusivo (16,9-20)

O evangelho também pode ser divido pela trama do texto. A sua divisão será esboçada em dois
grandes blocos temáticos. No primeiro bloco de 1,14-8,26, o evangelista trabalha com a pessoa de
Jesus e sua identidade. Através da maneira de ser e de atuar, Jesus vai revelando sua identidade. No
segundo bloco, de 8,27 a 16,8, deseja-se mostrar como se deve compreender a messianidade de
Jesus: Jesus é o Cristo. Sua maneira de ser provoca conflito com o sistema dominante da sociedade.
Ele resiste até o fim e paga com a própria vida.

Dentro desta prospectiva podemos criar a seguinte estrutura 2:

I. Prólogo (1,1-1-3): apresentação do Messias.

II. Primeira Parte (1,14-8,26):


Quem é Jesus? O ministério de Jesus de Nazaré.

III. Segunda Parte (8,27-16,8):


Aos poucos vai se esclarecendo quem é Jesus.
Jesus é o Messias sofredor.

IV. Conclusão canônica: aparição de Jesus ressuscitado.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo
Índice9

ESQUEMA ESTRUTURAL DO CAPÍTULO 9

Introdução............................................................................................................ 6

V. 1 O discípulo de Cristo deve levar a sua cruz (Mt 16:28; 9:27)........................... 6

Vv. 2 a 8 A transfiguração (Mt 17:1-8; Lc 9:28-36)............................................................ 6

Vv. 9 a 13 A vinda de Elias (Mt 17:9-13)............................................................................... 14

Vv. 14 a 29 A cura de um jovem possesso (Mt 17:14-21; Lc 9:37-43)................................... 18

Vv. 30 a 32 De novo Jesus prediz a sua morte e ressurreição.............................................. 24


(Mt 17:22-23; Lc 9:43b-45)

Vv. 33 a 37 O maior no reino dos céus (Mt 18:1-5; Lc 9:46-48)............................................ 25

Vv. 38 a 41 Jesus ensina a tolerância e caridade (Lc 9:49-50).............................................. 31

Vv. 42 a 48 Os tropeços (Mt 18:6-9; Lc 17:1-2)....................................................................... 33

Vv. 49 e 50 Os discípulos o sal da terra (Mt 5:13; Lc 14:34-35)............................................ 40

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Capítulo 9

Introdução

O trecho de 9:14 a 10:31 do Evangelho de Marcos mostra Jesus como professor para Seus
discípulos. O tempo do ministério terrestre de Jesus estava se encaminhando para o término, que
culminaria com Sua morte numa cruz romana, em Jerusalém. Daí a preocupação em ministrar aos
discípulos as lições imprescindíveis à vida e ao ministério deles, como continuadores de Sua obra.
Essas lições, dadas há dois mil anos, são válidas e atuais para nós hoje, cabendo a nós estudá-las
e pô-las em prática.
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

V. 1 – O discípulo de Cristo deve levar a sua cruz (Mt 16:28; Lc 9:27)


Conclusão dos versículos 34 a 38 do capítulo 8

Tantas vezes quantas um espírito tiver de se reencarnar, tantas vezes terá de experimentar a
morte. A expressão morte, que Jesus aqui usa, simboliza a reencarnação, isto é, o tempo de vida que
um espírito passa encarnado. E para que consignamos não mais experimentar a morte, devemos
viver conforme Jesus nos ensina, pois quem observa seus preceitos renasce para a Vida Eterna, isto
é, para a vida livre na pátria espiritual, sem mais necessidade de descer ao cárcere da matéria. E a
vida normal do espírito é a que ele vive no mundo espiritual, isento das vicissitudes da matéria.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 16)

Vv. 2 a 8 – A transfiguração (Mt 17:1-8; Lc 9:28-36)

I
Interessante observar o cuidado dos três evangelistas, em relacionar o episódio da chamada
"Transfiguração" com a "Confissão de Pedro" ou, talvez melhor, com os ensinos a respeito do
Discipulado (cfr. Lucas).
Mateus e Marcos precisam a data, assinalando que o fato ocorreu exatamente SEIS DIAS
depois, ao passo que Lucas diz mais displicentemente, "cerca de oito dias". Como nenhum dos
narradores demonstra preocupações cronológicas em seus Evangelhos, chama nossa atenção esse
pormenor. Como também somos alerta dos pelo fato estranho de João, testemunha ocular do
invulgar acontecimento, tê-lo silenciado totalmente em suas obras, embora nos tenha ficado o
testemunho de Pedro (2.ª Pe. 1:17-19).
A narrativa dos três é bastante semelhante, embora Lucas seja o único a tocar em três pontos: a
oração de Jesus, o sono dos discípulos, e o assunto conversado com os desencarnados.
Começa a narrativa dos três, dizendo que Jesus leva ou "toma consigo. (paralambánai) Pedro,
Tiago e João, e os leva "à parte". (...)
Os três discípulos que acompanharam Jesus foram por Ele escolhidos em várias circunstâncias
(cfr. Mt. 26:37; Mc. 5:37; 14:33; Lc. 8:51), tendo sido citados por Paulo (Gál. 2:9) como "as colunas
da comunidade". Pedro havia revelado a individualidade de Jesus pouco antes, e fora o primeiro
discípulo que com João se afastara do Batista para seguir Jesus; João, o "discípulo a quem Jesus
amava" (cfr. Jo 13:23; 19:26; 21:20) e talvez mesmo sobrinho carnal de Jesus; Tiago, irmão de João,
foi decapitado em Jerusalém no ano 44 (At. 12:2), tendo sido o primeiro dos discípulos, escolhidos
como emissários, que testemunhou com seu sangue a Verdade dos ensinos de Jesus.

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Capítulo 9

Com os três Jesus "subiu ao monte" (Lucas), ou "os ELEVOU a um alto monte". Mas não se
identifica qual o monte. Surgiu, então, a dúvida entre os exegetas: será o Hermon ou o Tabor? O
Salmo diz "que o Tabor e o Hermon se alegram em Teu Nome" (89:12).
Alguns opinam pelo Hermon, a 2.793 m de altura, perto do local da "confissão de Pedro",
Cesaréia de Filipe. Objeta-se, todavia, que é recoberto de neve perpétua e que, situado em região
pagã, dificilmente seria encontrada, no dia seguinte, no sopé, a multidão a esperá-lo, enquanto
discutia com os demais discípulos, que haviam permanecido na planície, sobre a dificuldade que
tinham de curar o jovem epiléptico.
Outros preferem o Tabor. Além dessas razões, alegam: que "seis dias" são tempo suficiente para
chegar com calma de volta à Galiléia. O Tabor é um tronco de cone, com um platô no alto de cerca
de 1 km de circuito; fica a sudeste de Nazaré situado no final do planalto de Esdrelon, que ele
domina a 320 m de altura (562 m acima do nível do mar e 800 m acima do Lago de Tiberíades).
Tem a seu favor a tradição desde o 4.º século, atestada por Cirilo de Jerusalém e por Jerônimo que,
ao escrever (...), afirmava (...) "subia ao monte Tabor, onde o Senhor se transfigurou".
Objetam alguns que lá devia haver um forte, de que fala Flávio Josefo (...), mas isso só ocorreu
36 anos depois, na guerra contra Vespasiano.
Do alto do Tabor, fértil em árvores odoríferas, contempla-se todo o campo do ministério de
Jesus: Caná, Naim, Cafamaum, uma parte do Lego de Tiberíades, e, 8 km a noroeste, Nazaré.
Chegam ao cume, Jesus se põe a orar (Lucas) e, durante a prece, "se transfigura". Mateus e
Marcos não temem usar metemorphôthê, "metamorfoseou-se", que exprime uma transformação com
mudança de forma exterior. Lucas evita esse verbo, preferindo metaschêmatízein ("revestir outra
forma"), talvez para que os pagãos, a quem se dirigia, não supussessem uma das metamorfoses da
mitologia.
Essa transformação se operou no rosto, que tomou "outra forma"; embora não se diga qual, a
informação de Mateus é que "resplandecia como o sol". Também as vestes se tornaram "brancas
como a luz" (Mateus) ou "brancas qual nenhum lavandeiro seria capaz de alvejar” (Marcos) ou
"brancas e relampejantes" (Lucas).
Mateus e Marcos falam em "visão" (ôphthê, aoristo passivo singular, "foi visto"), enquanto
Lucas apenas anota que "dois homens", que eram Moisés e Elias, conversavam com Ele.
Moisés, o libertador e legislador dos israelitas, servo obediente e fiel de YHWH, e Elias, o mais
valoroso e adiantado intérprete, em sua mediunidade privilegiada, do pensamento de YHWH. Agora
vinham ambos encontrar, aniquilado sob as vestes da carne, aquele mesmo YHWH, o "seu DEUS",
com o simbólico nome de JESUS: traziam-Lhe a garantia da amizade e a fidelidade de seus serviços,
sobretudo nos momentos difíceis: dos grandes sofrimentos que se aproximavam. Lucas esclarece
que a conversa girou exatamente em torno do "êxodo", ou seja, da saída de Jesus do mundo físico,
que se realizaria em Jerusalém dentro de pouco tempo, através da porta estreita de incalculáveis
dores morais e físicas. Embora desencarnados, continuavam servos fiéis de "seu Deus". Digno de
nota o emprego desse mesmo termo "êxodo" por parte de Pedro (2.ª Pe 1:15), quando se refere à sua
próxima desencarnação” E talvez recordando-se dessa palavra, Lucas usa o vocábulo oposto
(eísodos) "entrada" (At. 13:24) ao referir-se à chegada de Jesus no planeta em corpo físico.
Como vemos, trata se de verdadeira e legítima "sessão espírita", realizada por Jesus em plena
natureza, a céu aberto, confirmando que as proibições, formuladas pelo próprio Moisés ali presente,
não se referiam a esse tipo de sessões, mas apenas a "consultar" os espíritos dos mortos sobre
problemas materiais (cfr. Lev. 19:31 e Deut. 18:11), em situações em que só se manifestam espíritos
de pouca ou nenhuma evolução. Tanto assim que era condenado o médium "presunçoso" que
pretendesse falar em nome de YHWH, sem ser verdade (mistificação) e o que servisse de
instrumento a "outros" espíritos (Deut. 18:20).

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Capítulo 9

Mas conversar com entidades evoluídas, jamais poderia ter sido condenado por Moisés que
assiduamente conversava com YHWH e que, agora mesmo, o estava fazendo, embora em posição
invertida.
Quanto à presença de Elias, que Jesus afirmou categoricamente haver reencarnado na pessoa de
João Batista, (cfr. Mat. 11:14) observemos que o episódio da "transfiguração" se passa após a
decapitação do Batista (cfr.Mt. 14:10 e Mc. 6:27).
Por que, então, teria o precursor tomado a forma de uma encarnação anterior? Que isso é
possível, não há dúvida. Mas qual a razão e qual o objetivo? Só entrevemos uma resposta: recordar o
tempo em que, sob as vestes carnais de Elias, esse Espírito fiel e ardoroso servira de médium e
intérprete ao próprio Jesus, que então respondia ao nome de YHWH.
Outras indagações fazem os hermeneutas: como teriam os discípulos reconhecidos Moisés, que
viveu 1500 anos antes e Elias que viveu 900 anos antes, se não havia nenhum retrato deles coisa
terminantemente proibida (cfr.Êx. 20:4; Lev. 26:1; Deut. 4:16, 23 e 5:8)? No entanto, ninguém
afirmou que os discípulos os "reconheceram". Lucas, em sua frase informativa, diz que "viram dois
homens"; depois esclarece por conta própria: "que eram Moisés e Elias". Pode perfeitamente
deduzir-se daí que o souberam por informação de Jesus (que os conhecia muito bem, como YHWH
que era). Essa dedução tanto pode ser verídica que, logo depois, ao descerem do monte os quatro
(vê-lo-emos no próximo versículo) a conversa girou precisamente sobre a vinda de Elias antes do
ministério de Jesus. Como poderia vir, se ainda estava "no espaço"? E o Mestre lhes explica o
processo da reencarnação.
Também em Lucas encontramos outra indicação preciosa, que talvez lance nova luz sobre o
episódio. Diz ele que "os discípulos estavam oprimidos pelo sono, mas conservando-se plenamente
despertos" (tradução de diagrêgorêsantes, particípio aoristo de diagrêgoréô, que é um verbo
derivado de egrêgora, do verbo egeírô, "despertar").
Quiçá explique isso que o episódio se passou no plano espiritual (astral, ou talvez mental). Eles
estavam em sono, ou seja, fisicamente em transe hipnótico (mediúnico), com o corpo adormecido;
mas se mantinham plenamente despertos, isto é perfeitamente consciente nos planos menos densos
(astral ou mental); então, o que de fato eles viram, não foi o corpo físico de Jesus modificado, mas
sim a forma espiritual do Mestre e, a seu lado, as formas espirituais de Moisés e Elias.
Inegavelmente a frase de Lucas sugere pelo menos a possibilidade dessa interpretação. Mais tarde,
na agonia, é também Lucas que chama a atenção sobre o sono desses mesmos três discípulos (Lc.
22:45).
Mateus e Marcos parecem indicar que Pedro fala ainda na presença de Moisés e Elias, mas
Lucas esclarece que ele só se manifestou depois que eles desapareceram. Impulsivo e extrovertido
como era, não conseguiu ficar calado. E sem saber o que dizer, propõe construir três tendas, uma
para cada um dos visitantes e uma para Jesus.
Interessante observar que em Marcos encontramos o vocábulo que deve ter sido usado por
Pedro "Rabbi", enquanto Mateus o traduz para "Senhor" (kyrie) e Lucas para "Mestre" (epistata, ver
vol. 2). Pergunta-se qual a razão das tendas. Talvez porque já era noite? Mas quantas vezes dormira
Jesus ao relento, sem que Pedro se preocupasse ... Alguns hermeneutas indagam se a expressão
"construir tendas" não terá, por eufemismo, significado apenas "permanecer lá", isto é, não mais
voltar à planície. E a hipótese é bastante lógica e forte, digna de ser aceita.
Pedro não obteve resposta. Estava ainda a falar quando os envolveu (literalmente "cobriu") a
todos uma nuvem (Mat.: de luz), e os três jogaram-se de rosto ao chão, aterrorizados. Na escritura, a
nuvem era um sinal da presença de YHWH (cfr. Êx. 16:10; 19:9,16; 24:15,16; 33:9-11; Lev.16:2;
Núm. 11:25, etc.). Daí pode surgir outra interpretação, que contradiz a primeira hipótese, de haver-
se passado a cena no plano espiritual.

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Capítulo 9

A nuvem poderia ser o ectoplasma que tivesse servido para materialização dos espíritos e que,
ao desfazer-se a forma, tomava aspecto de nuvem difusa, até o ectoplasma ser absorvido pelo ar. O
mesmo fenômeno, aliás, também atestado por Lucas apenas (At. 1:9) se observou ao dispersar-se o
ectoplasma utilizado para a materialização do corpo astral de Jesus após a ressurreição; nessa
circunstância, dois outros espíritos aproveitaram o ectoplasma para materializar-se e dizer aos
discípulos boquiabertos, que fossem para seus afazeres; e logo após desaparecerem. Também aqui
parece coincidir o aparecimento da nuvem com o desaparecimento dos dois espíritos.
Quando a nuvem os cobriu, foi ouvida uma voz (fenômeno comum nas sessões de
materialização, e conhecido com o nome de "voz direta"), que proferiu as mesmas palavras ouvidas
por ocasião do "Mergulho de Jesus" (Mt 13:17; Mc 1:11; Lc 3:22): "este é meu filho, o Amado, que
me alegra"; e os três evangelistas acrescentam unanimemente: "ouvi-o".
No entanto, Pedro testemunha ocular do fato repete a frase sem o imperativo final: "recebendo
de Deus Pai honra e glória, uma voz assim veio a Ele da magnífica glória: este é meu Filho, o
Amado, que me satisfaz. E essa voz que veio do céu, nós a ouvimos, quando estávamos com Ele no
monte santo" (2ª Pe 1:17-18).
Após a frase, que Marcos, com um hápax (exápina) diz "ter cessado", tudo voltou à
normalidade. Mas, segundo Mateus, eles permaneceram amedrontados. Foi quando Jesus, tocando
os, mandou-os levantar-se, dizendo que não tivessem medo. Levantando-se, eles viram apenas Jesus,
já em seu estado físico normal.
Termina Lucas informando que tal impressão causou o fato, que os três nada disseram a
ninguém "por aqueles dias". Esse silêncio aparece como uma ordem dada por Jesus aos três, "ao
começarem a descer o monte", fixando-se o prazo: "até que o Filho do Homem se levante dentre os
mortos" (ou "seja ressuscitado").
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 4)

II
A "transfiguração" de Jesus é classificada com o termo metamorfose, típica dos mistérios
iniciáticos gregos, fundamento da Mitologia. Muitas dessas metamorfoses são narradas pelos
escritores iniciados nesses mistérios. Se os profanos pensam que são reais, enganam-se: são
simbólicas da passagem de um estado a outro, ou de um estágio ao seguinte. Apuleio, por exemplo,
simboliza e mergulho de Lúcius na matéria densa (encarnação), imaginando sua metamorfose num
asno. As peripécias do animal são as ocorrências normais da vida humana na Terra. No fim, a
iniciação nos mistérios de Ísis o faz voltar, muito mais experiente, à vida hominal, dedicando-se
totalmente ao Espírito.
A metamorfose de Jesus, porém, foi de outro tipo: passou da carne ao Espírito, desintegrando
momentaneamente a matéria em energia luminosa, embora ainda conservasse as características
hominais da conformação externa, mas muito mais belas, por serem Energia Espiritual Radiante e
Puríssima.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 4)

III
O Monte Tabor, esta localizado a sudoeste do lago de Tabarich e a 11 quilômetros a sudeste de
Nazaré, com cerca de 1.000 metros de altura.
(Allan Kardec, A Gênese, capítulo XV, item 43)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

IV
É ainda nas propriedades do fluido perispirítico que se encontra a explicação deste fenômeno. A
transfiguração é um fato muito comum que, em virtude da irradiação fluídica, pode modificar a
aparência de um indivíduo; mas, a pureza do perispírito de Jesus permitiu que seu Espírito lhe desse
excepcional fulgor. Podendo o Espírito operar transformações na contextura do seu envoltório
perispirítico e irradiando-se esse envoltório em torno do corpo qual atmosfera fluídica, pode
produzir-se na superfície mesma do corpo um fenômeno análogo ao das aparições. Pode a imagem
real do corpo apagar-se mais ou menos completamente, sob a camada fluídica, e assumir outra
aparência; ou, então, vistos através da camada fluídica modificada, os traços primitivos podem
tomar outra expressão. Se, saindo do terra-a-terra, o Espírito encarnado se identifica com as coisas
do mundo espiritual, pode a expressão de um semblante feio tornar-se bela, radiosa e até luminosa;
se, ao contrário, o Espírito é presa de paixões más, um semblante belo pode tomar um aspecto
horrendo.
Assim se operam as transfigurações, que refletem sempre qualidades e sentimentos
predominantes no Espírito. O fenômeno resulta, portanto, de uma transformação fluídica; é uma
espécie de aparição perispirítica, que se produz sobre o próprio corpo do vivo e, algumas vezes, no
momento da morte, em lugar de se produzir ao longe, como nas aparições propriamente ditas. O que
distingue as aparições desse gênero é o serem, geralmente, perceptíveis por todos os assistentes e
com os olhos do corpo, precisamente por se basearem na matéria carnal visível, ao passo que, nas
aparições puramente fluídicas, não há matéria tangível.
Quanto à aparição de Moisés e Elias cabe inteiramente no rol de todos os fenômenos do mesmo
gênero. De todas faculdades que Jesus revelou, nenhuma se pode apontar estranha às condições da
humanidade e que se não encontre comumente nos homens, porque estão todas na ordem da
Natureza. Pela superioridade, porém, da sua essência moral e de suas qualidades fluídicas, aquelas
faculdades atingiam nele proporções muito acima das que são vulgares. Posto de lado o seu
envoltório carnal, ele nos patenteava o estado dos puros Espíritos.
(Allan Kardec, A Gênese, capítulo XIV, item 39 e capítulo XV, item 43)

V
“E eis que estavam falando com ele dois varões, que eram Moisés e Elias.” (Mc 9:4)

Várias escolas religiosas, defendendo talvez determinados interesses do sacerdócio, asseguram


que o Evangelho não apresenta bases ao movimento de intercâmbio entre os homens e os espíritos
desencarnados que os precederam na jornada do Mais Além...
Entretanto, nesta passagem de Lucas, vemos o Mestre dos Mestres confabulando com duas
entidades egressas da esfera invisível de que o sepulcro é a porta de acesso.
Aliás, em diversas circunstâncias encontramos o Cristo em contacto com almas perturbadas ou
perversas, aliviando os padecimentos de infortunados perseguidos. Todavia, a mentalidade
dogmática encontrou aí a manifestação de Satanás, inimigo eterno e insaciável.
Aqui, porém, trata-se de sublime acontecimento no labor. Não vemos qualquer demonstração
diabólica e, sim, dois espíritos gloriosos em conversação íntima com o Salvador. E não podemos
situar o fenômeno em associação de generalidades, porqüanto os “amigos do outro mundo”, que
falaram com Jesus sobre o monte, foram devidamente identificados. Não se registrou o fato,
declarando-se, por exemplo, que se tratava da visita de um anjo, mas de Moisés e do companheiro,
dando-se a entender claramente que os “mortos” voltam de sua nova vida.
(Emmanuel; Caminho, Verdade e Vida; 67 - Os Vivos do Além)

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Capítulo 9

VI
“E saiu da nuvem uma voz que dizia: Este é o meu amado Filho, a ele ouvi.” (Mc 9:7)

O homem, quase sempre, tem a mente absorvida na contemplação das nuvens que lhe surgem
no horizonte. São nuvens de contrariedades, de projetos frustrados, de esperanças desfeitas.
Por vezes, desespera-se envenenando as fontes da própria vida. Desejaria, invariavelmente, um
céu azul a distância, um Sol brilhante no dia e luminosas estrelas que lhe embelezassem a noite.
No entanto, aparece a nuvem e a perplexidade o toma, de súbito.
Conta-nos o Evangelho a formosa história de uma nuvem.
Encontravam-se os discípulos deslumbrados com a visão de Jesus transfigurado, tendo junto de
si Moisés e Elias, aureolados de intensa luz.
Eis, porém, que uma grande sombra comparece. Não mais distinguem o maravilhoso quadro.
Todavia, do manto de névoa espessa, clama a voz poderosa da revelação divina: “Este é o meu
amado Filho, a ele ouvi!”
Manifestava-se a palavra do Céu, na sombra temporária.
A existência terrestre, efetivamente, impõe angústias inquietantes e aflições amargosas. É
conveniente, contudo, que as criaturas guardem serenidade e confiança, nos momentos difíceis.
As penas e os dissabores da luta planetária contêm esclarecimentos profundos, lições ocultas,
apelos grandiosos.
A voz sábia e amorosa de Deus fala sempre através deles.
(Emmanuel; Caminho, Verdade e Vida; 32 – Nuvens)

VII
O fenômeno, que se produziu no monte Tabor, em presença de Pedro, Tiago e João, foi uma
formidável manifestação espírita, que teve por fim mostrar a elevação espiritual de Jesus, afirmar a
sua missão como Cristo, filho do Deus vivo, Cristo de Deus, e enunciar, sob um véu que a nova
revelação levantaria mais tarde, as promessas para o futuro. Retomando, momentaneamente, diante
daqueles discípulos, por meio da transfiguração, os atributos da natureza que lhe era própria, se bem
que velados ainda, pois de outro modo eles não lhes teriam podido suportar o brilho, Jesus lhes dava
uma idéia da sua grandeza espiritual e da glória da vida por que eles ansiavam.
A presença, visível para os discípulos, de Moisés e Elias que, como outros Espíritos, tanto e
ainda mais elevados, rodeiam incessantemente a Jesus, foi um meio de que se serviu este para lhes
ferir a imaginação e de, por assim dizer, confirmar, diante dos mesmos discípulos, a sua elevação
espiritual e que Ele era o Cristo, o Messias prometido. Ambos, Moisés e Elias, haviam anunciado o
Messias; a presença ali dos dois como que sancionava e santificava, aos olhos dos Apóstolos, a
missão que Ele, Jesus, desempenhava.
A voz que saiu da nuvem e que se foi perdendo no espaço, depois de haver dito: “Este é o meu
filho bem-amado, em quem pus todas as minhas complacências; escutai-o, afirmava, dessa forma,
em nome do Todo-Poderoso, do Pai, a missão de Jesus, como sendo o Cristo, filho do Deus vivo.
Atestando, aquela presença, a intervenção dos Espíritos junto dos homens, o fato de que
tratamos foi a revelação, aos apóstolos, da realidade das manifestações espíritas. Constituía, pois,
uma promessa feita para o futuro, promessa que se cumpre agora, quando tais manifestações se
produzem ostensivamente por toda a parte, explicadas e tornadas compreensíveis pela Nova
Revelação outorgada ao mundo mediante tais manifestações.
Verifica-se, pois, que são chegados os tempos então preditos. Nessas condições, a Revelação
Espírita é bem o outro Consolador, o Espírito da Verdade, que Jesus, o Messias prometido por
Moisés e Elias, a seu turno prometeu.

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Capítulo 9

10

Assim como há dois mil anos se cumpriu a promessa desses dois grandes profetas, hoje se
cumpre o que prometeu Aquele cujo advento constituíra objeto daquela promessa.
Escolhidos por serem os que apresentavam condições físicas mais favoráveis a torná-los aptos,
mediunicamente, à produção da manifestação espírita que se ia dar, os três discípulos, Pedro, Tiago
e João, caíram nesse estado de sonolência, de torpor, em que ficam os médiuns, quando se dá uma
forte manifestação espírita. E o fato da transfiguração se produziu para eles, com o esplendor
correspondente à elevação dos Espíritos que no mesmo fato tomavam parte. Os Espíritos, como o
ensina a Doutrina Espírita, têm a faculdade de tornar-se visíveis e tangíveis, sob a forma humana, e
transfigurar-se, reunindo em torno de si os fluídos luminosos que sejam necessários ao fenômeno.
A resplendência que tomaram as vestes de Jesus, as quais, segundo diz o Evangelista, eram de
alvura tal, que nenhum pisoeiro da Terra jamais poderia consegui-la, foi uma confirmação da
elevação sem par do Cristo, pois que aquelas palavras, entendidas em espírito e verdade, significam
que na Terra ninguém jamais poderia igualá-lo em elevação.(...)
Quanto mais elevado, tanto mais luminoso se revela o Espírito às vistas humanas. Do mesmo
modo, quanto mais elevado é um planeta na escala dos mundos, tanto mais branca e refulgente é a
sua luz. Os mundos espirituais, que qualificamos de celestes, aos quais só têm acesso os puros
Espíritos, são, na hierarquia dos mundos, os que projetam luz mais branca e mais brilhante. Também
entre os puros Espíritos, que em pureza são todos iguais, por haverem todos chegado à perfeição
moral, há hierarquia, sob o ponto de vista da ciência universal, pois que se distinguem pela soma de
suas aquisições intelectuais. Todos, através da eternidade, se vão cada vez mais aproximando de
Deus, tendo do Criador mais perfeito conhecimento, sem, no entanto, poderem jamais igualá-lo, nem
abrangê-lo com o olhar, ou lhe suportar as irradiações, quando se acercam do foco da onipotência,
para se inspirarem nas vontades daquele que é o Pai de tudo o que é.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 105)

VIII
À medida que se aproxima o instante do desencarne de Jesus, mais ele se preocupa em
fortalecer a fé e o bom ânimo de seus discípulos. E recorre a todos os meios para que eles possam,
depois, desassombradamente espalharem a nova doutrina, fortificados pela lembrança das provas
que o Mestre lhes dera.Transfigurando se diante de Pedro, Tiago e João e fazendo com que Moisés e
Elias aparecessem ao seu lado, Jesus deu a seus discípulos uma prova segura e concreta da
imortalidade da alma. Quando ele desencarnasse no alto da cruz, estes discípulos se recordariam da
cena da transfiguração e não perderiam a fé. Foi tão real a materialização dos dois profetas ao lado
de Jesus, que Pedro pede permissão para levantar os tabernáculos, um para cada um. Esta idéia foi
afastada não só pela impossibilidade de executá-la, como também porque Jesus quer que seu
tabernáculo seja o nosso próprio coração, purificado pela fiel observância de seus ensinamentos.
A voz que ouviram era um hino de glória, que os espíritos superiores entoavam em louvor ao
Mestre. Tomada em seu sentido simbólico, a transfiguração significa que as provas materiais,
quando cumpridas de conformidade com as leis divinas, transfiguram o espírito, tornando-o puro e
luminoso. A transfiguração pertence à categoria dos fenômenos de efeitos físicos e já foi observada
nas sessões experimentais de efeitos físicos, nas quais se assistiu a médiuns se transfigurarem e
tornarem-se luminosos.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 17)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

11

IX
É de se perguntar por que, seis dias depois (Mc. 9:2) da confissão de Pedro, do anúncio dos
sofrimentos e morte do Messias (8:27- 33), da repreensão de Jesus a Pedro e de sua advertência de
que é mister tomar a cruz e segui-Lo (8:32-34), Jesus foi transfigurado (9:2-7)? A resposta parece
ser que este fato ajudou a fortalecer a fé dos discípulos, depois de tanto anúncio ruim (sofrimentos,
rejeição, cruz e morte). Assim, pela transfiguração, os discípulos (Pedro, Tiago e João) tiveram um
vislumbre da divindade de Jesus. Ele sofreria, seria rejeitado e morto, é verdade, mas ressuscitaria
como vencedor sobre a morte (Mc 8:31). Esse ato da transfiguração ficou tão vívido na mente
daqueles discípulos que a presenciaram que, anos depois, Pedro diria: "Nós mesmos fomos
testemunhas oculares de Sua majestade... quando estávamos com Ele no monte santo (II Ped. 1:16-
18). O anúncio de morte e cruz seguido da cena gloriosa da transfiguração mostra algo interessante
da pedagogia de Jesus: Ele sempre tinha algo bom e positivo a oferecer aos seus seguidores, após
coisas ruins e desalentadoras terem sido previstas e anunciadas. Do contrário, a fé poderia dar lugar
ao desânimo e abandono da carreira cristã.
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

X
Narram os Evangelhos que o fenômeno da transfiguração de Jesus aconteceu no alto do monte
Tabor, localizado a 11 quilômetros da cidade de Nazaré, com 588 metros acima do nível do mar e
aproximadamente 300 metros em relação à base.
Portanto, um local muito isolado, propício para uma reunião mediúnica especial. Tão especial,
que foram convidados “em particular” somente Pedro e os irmãos João e Tiago, os três discípulos
que mais se destacariam no colégio apostólico, “considerados com as colunas” pelo apóstolo Paulo
(Gálatas, 2:9).
Sabe-se que a transfiguração é um fenômeno mediúnico raro em que o médium apresenta as
feições do Espírito comunicante. Mas há também a possibilidade, raríssima, de haver uma mudança
fisionômica associada a forte luminosidade emanada do próprio médium ou/e de elevadas Entidades
Espirituais em sintonia com ele.
No episódio do Tabor, os evangelistas registraram: “as suas vestes tornaram-se resplandecentes
e sobremodo brancas, como nenhum lavandeiro na ndecentes e sobremodo brancas, como nenhum
lavandeiro na terra as poderia alvejar” (Mc 9:3), “o seu rosto resplandecia como o Sol e as suas
vestes se tornaram-se brancos como a luz” (Mt 17:2) e “aconteceu que, enquanto ele orava, a
aparência do seu rosto se transfigurou e suas vestes resplandeceram de brancura” (Lc 9:29).
Analisando estas passagens evangélicas, Allan Kardec elucidou: “a pureza do perispírito de
Jesus permitiu ao seu Espírito dar-lhe um brilho excepcional.” (A Gênese, cap. XV, q.44)
Em prece a Jesus, Irmão X (Pseudônimio do Espírito de Humberto de Campos) também
abordou esta passagem com as seguintes palavras: “(...) não apenas ensinaste a bondade, praticando-
a impecavelmente, mas revelaste os segredos da morte. Conversaste com as almas desencarnadas
padecentes, através dos enfermos que Te procuravam, transfiguraste as próprias energias no cimo
do Tabor, dando ensejo a que se materializassem, diante dos discípulos extáticos, Espíritos gloriosos
de Tua equipe celeste.” (Antologia Mediúnica do Natal)
E qual a grande lição da transfiguração de Jesus?
Emmanuel responde-nos:
“Todas as expressões do Evangelho possuem uma significação divina e, no Tabor,
contemplamos a grande lição de que o homem deve viver sua existência, no mundo, sabendo que
pertence ao Céu, por sua sagrada origem, sendo indispensável, desse modo, que se desmaterialize, a
todos os instantes, para que se desenvolva em amor e sabedoria, na sagrada exteriorização da virtude
celeste, cujos germens lhe dormitam no coração.” (O Consolador)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

12

Vv. 9 a 13 – A vinda de Elias (Mt 17:9-13)

I
Aqui temos um dos ensinos mais claros e explícitos de Jesus, mas há dois milênios vem ele
sendo premeditadamente mal interpretado. Pensadamente se torce a doutrina explicada pelo Mestre,
para adaptá-la às próprias convicções e aos convencionalismos ditados pela falta de conhecimento
da realidade.
São então trazidos à balha nos comentários de hermeneutas e exegetas, os mais deslavados
sofismas, que contradizem frontalmente o texto.
Reconstituamos a cena, tal como está narrada pelos dois evangelistas.
Em Marcos, encontramos a causa que provocou a pergunta. Tinham os discípulos gravados na
memória a proibição de Jesus e, a esse respeito, vinha sendo mantida acesa discussão a propósito da
frase: “ter-se levantado dentre os mortos".
Apesar da discussão, não se fez a luz e não chegaram eles a uma conclusão satisfatória.
Com efeito, havia muitos dados que pareciam contraditórios entre si. Malaquias previra o
retorno de Elias à Terra, antes do Messias, na qualidade de Seu precursor. Jesus declarara (Mt
11:14) a respeito de João Batista, então encarnado: "e se quereis aceitá-lo, ele mesmo (João) é o
Elias que tinha que vir". Mas, logo após, João Batista fora retirado da cena, decapitado.
Agora, mais uma complicação surgira: eles acabavam de ver e ouvir Elias, com a forma de
Espírito. Como explicar-se ali a presença de Elias? Elias não havia renascido na pessoa de João
Batista? E então, por que apareceu Elias, e não o Batista? E havia mais: se estava previsto que a
missão de Jesus chegava ao fim (assunto tratado durante a visão, confirmando as palavras anteriores
de Jesus), não haveria tempo suficiente para que Elias reencarnasse e viesse "preparar o caminho
para o Senhor".
De fato, a confusão era procedente e eles resolveram interpelar o Mestre, expondo-Lhe suas
dúvidas numa pergunta que as englobasse: "como dizem os escribas que Elias deve vir primeiro"
(dei elthein prôton)?
Jesus aceita e ratifica o ensino dos escribas baseado nas Escrituras: não há dúvida de que Elias
vem antes.
Eis as respostas com suas variantes nos dois Evangelhos: Mateus: "Sem dúvida Elias vem
(érchetai, presente do indicativo) e restaurará todas as coisas. Mas eu vos digo que ELIAS JÁ VEIO
e não o conheceram, mas fizeram com ele tudo o que quiseram: assim também o Filho do Homem
há de padecer da parte deles". Marcos: "Com efeito, tendo vindo primeiro, Elias restauraria todas as
coisas e (como também está escrito do Filho do Homem) padeceria muitas coisas e seria rejeitado.
Mas digo-vos que (tal como está escrito a respeito dele) também ELIAS VEIO e fizeram-lhe tudo o
que queriam.
Mesmo assim confuso, o sentido do texto de Marcos concorda com o sentido do de Mateus em
suas linhas básicas: ELIAS JÁ VEIO e, não tendo sido reconhecido, foi assassinado o Mas Elias JÁ
VEIO.
Após essa resposta incisiva, os raciocínios se aclararam: eles haviam degolado "Elias", quando
degolaram João Batista, e por isso Elias apareceu em espírito. De fato, o Espírito não morre. Só
morre a personalidade terrena, única que recebe um nome. A conclusão é óbvia: o Espírito
(individualidade) é um só, que vivifica sucessivamente várias personagens. O mesmo Espírito, pois,
vivificara Elias e, novecentos anos depois, vivificara a personagem João Batista. Assim sendo, o
Espírito era o mesmo, e podia apresentar-se com qualquer das duas formas, a seu gosto: ou Elias, ou
João Batista.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

13

Tudo se esclarecia definitivamente e "os discípulos entenderam finalmente que, quando Jesus
lhes falara de Elias, Ele se referira a João Batista, nova encarnação de Elias".
E foi assim que o compreendeu Gregório Magno que vamos repetir "Em outro passo o Senhor,
interrogado pelos discípulos sobre a vinda de Elias, respondeu: Elias já veio (Mt. 17:12: Mc. 9:12) e,
se quereis aceitá-lo, é João que é Elias (Mt. 11:14). João, interrogado, diz o contrário: eu não sou
Elias (Jo 1:21). É que João era Elias pelo Espírito (individualidade) que o animava, mas não era
Elias em pessoa (personagem). O que o Senhor diz do Espírito, João o nega da pessoa".
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, vol. 4)

II

VER REFERÊNCIA BÍBLICA DE MARCOS NO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

9 11 a 13 IV 4

III
Chamando a atenção dos discípulos para o fato de haver Elias voltado à Terra na pessoa de João
Batista, Jesus assentava as bases da Revelação Espírita, que Ele, mais tarde, no seu colóquio com
Nicodemos, deixaria veladamente entrever e que, depois, os Espíritos do Senhor trariam aos
homens, nos tempos marcados por Deus, explicando-lhes, em espírito e verdade, a lei natural e
imutável da reencarnação, seu princípio fundamental, suas regras, fins e conseqüências. Talhava
assim Jesus a pedra angular sobre que repousaria o edifício do futuro.
Aquelas suas palavras que, cobertas pelo véu da letra, grande influência haviam de exercer no
porvir, sob o império do espírito, pouca importância tinham para os apóstolos, dada a natureza da
época em que foram ditas, pois a reencarnação, se bem não constituísse lei entre os hebreus, estava
no domínio das crenças da maioria deles, embora já a houvessem combatido os “espíritos fortes”,
como erros da superstição. Jesus, portanto, ressuscitando Elias na pessoa de João Batista, não fez
mais do que ressuscitar essa velha crença, mostrando a lei natural e imutável do renascimento, de
cuja aplicação entre nós a reencarnação daquele profeta era apenas um exemplo, dentro da ordem
geral da Natureza, pelo que respeita ao reino humano.
E não nos devemos admirar de que os discípulos houvessem feito ao Mestre aquela pergunta,
visto que, nas condições sociais em que viviam, pouco sabiam da história sagrada, porqüanto a
ciência teológica era, na Igreja Hebraica, o que ainda é em nossos dias: uma luz que se oculta, para
que não esclareça a multidão e não lhe patenteie as feridas que a Escritura, essa pobre desfigurada,
recebeu das interpretações humanas.
Falando de João, disse Jesus a seus discípulos que os escribas e fariseus não haviam
compreendido que aquele que pregava o arrependimento e o advento do Redentor era o Elias cuja
volta o Antigo Testamento prometera e os discípulos logo compreenderam que Ele se referia ao
Batista, que este era o mesmo Elias que as profecias anunciavam, como tendo que ser o Precursor do
Cristo. (...)
(...) Quando foi Elias, deu grande brilho à tradição hebraica e anunciou, nas suas profecias, que
teria de ser o precursor do Cristo. Quando reencarnou em João, filho de Zacarias e Isabel, foi esse
precursor.
Essas três figuras formam o emblema de uma tríplice missão desempenhada em três épocas
diferentes, e, por meio da aparição de Moisés e de Elias, no Tabor, aos três discípulos, foram elas
postas ao alcance das inteligências humanas, quando Jesus ensinou aos homens que João Batista
fora Elias, que volvera à Terra. (...)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

14

(...) O princípio da reencarnação esteve esquecido durante muito tempo e convinha que assim
acontecesse, porque preciso se tornara que um véu fosse lançado entre os homens cheios de vícios,
de charlatanices, de superstições, e os mistérios de além-túmulo, até que a Humanidade, pelos
progressos realizados, se mostrasse apta a apreender esses mistérios e, com eles, a lei natural da
reencarnação, que então lhe seria, pelos Espíritos do Senhor, revelada, como o está nos ensinos da
Terceira Revelação, em espírito e verdade, no seu fundamento e nas suas conseqüências, lei que, de
par com aqueles mistérios, desvenda aos homens as sendas da expiação, da reparação e do
progresso, sempre abertas ao Espírito que, trilhando-as, chegará à perfeição moral e, assim, à
realização de seus destinos, por virtude da justiça de Deus, cujos tesouros de bondade e misericórdia
são inesgotáveis.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 106)

IV
Conquanto tenham sido anunciados com antecedência os missionários, que assentariam as bases
da reforma espiritual do planêta, quando iniciaram seus trabalhos, não foram reconhecidos. E além
de tudo, foram perseguidos e combatidos. Jesus não escaparia à regra geral: sofreria também o
combate e a perseguição que tôda idéia nova acarreta a seus pregadores.
Jesus pedia a seus discípulos que guardassem sigilo, por causa da incompreensão dos homens da
época, os quais ainda não estavam preparados para compreenderem tudo quanto Jesus fazia ou
ensinava. Era preciso que o tempo lhes fosse aumentando o cabedal de conhecimentos espirituais, a
fim de aprenderem o significado das palavras e dos atos de Jesus. Caso os discípulos espalhassem
certas particularidades que o Mestre lhes mostrava, possívelmente surgiriam dúvidas, confusão e
mesmo até o descrédito de sua missão.
Dizendo que Elias já viera, Jesus demonstra a seus discípulos a reencarnação dos espíritos, os
quais se reencarnam periodicamente, não só para progredirem e saldarem o passado culposo, como
também para desempenharem tarefas em benefício da coletividade.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 17)

V
Além dos quatro notáveis fenômenos (transfiguração, materialização ou ectoplasmia,
fenômeno luminoso ou psicofotismo – Mt 17:5 e o fenômeno de voz direta), naquele dia uma
informação ainda seria revelada aos discípulos.
O profeta Elias, naquela época já desencarnado há aproximadamente 800 anos, era esperado
pelos judeus como precursor do tão aguardado Messias (ou Cristo), anunciado pelos profetas, há
séculos, que seria enviado por Deus como o redentor para salvar o mundo e Israel, isto é, restaurar o
poder temporal da pátria judaica.
Portanto, em face da nova confirmação pela Voz celestial: “Este é o meu amado Filho”, é
compreensível a seguinte pergunta dos discípulos, estranhando que só naquele momento, no Tabor,
surgiu Elias, não agindo portanto como precursor de Jesus: “Por que dizem então os escribas que é
mister que Elias venha primeiro?” (Malaquias, 4:5).
E a resposta do Mestre foi suficientemente cristalina: “Elias já veio e não o conheceram, mas
fizeram-lhe tudo o que quiseram. Assim farão eles também padever o Filho do homem.”, permitindo
um entendimento perfeito dos discípulos: “Então entenderam que lhes falara de João Batista.”
Sim, Elias reencarnado na figura de João Batista, havia sido, recentemente, decapitado e,
brevemente, o Cristo seria crucificado.
E por que, materializado, João Batista se apresentou como Elias, sem os seus conhecidos traços
físicos da última reencarnação?

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Capítulo 9

15

Sabemos que os Espíritos Superiores têm poder mental para imprimir em seu corpo espiritual
(perispírito) a aparência que lhe seja conveniente. E nesse episódio, com certeza, havia razões para
esse procedimento, entre elas, a confirmação da revelação do profeta Malaquias e da Lei das Vidas
Sucessivas.
É também oportuno recordar o capítulo 1 do Evangelho de Lucas, que registra a mensagem do
Anjo Gabriel ao velho Zacarias, anunciando-lhe o nascimento de seu futuro filho João Batista.
Naquele moimento, o Anjo afirmou-lhe: “Ele precederá o Senhor com o espírito e virtude do profeta
Elias (...) e assim preparar para o Senhor um povo bem disposto.” (vers. 17)
(Mediunidade na Bíblia, Hércio M. C. Arantes)

VI
Elias já voltara na pessoa de João Batista. Seu novo advento é anunciado de modo explícito.
Ora, como ele não pode voltar, senão tomando um novo corpo, aí temos a consagração formal do
princípio da pluralidade das existências.
(Allan Kardec, A Gênese, capítulo XVII item 33)

VII
Leitura obrigatória do capítulo IV de O Evangelho segundo o Espiritismo.

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Capítulo 9

16

Vv. 14 a 29 – A cura de um jovem possesso (Mt 17:14-21; Lc 9:37-43)

I
Neste episódio, Mateus e Lucas apresentam um resumo de Marcos, que narra a cena com
pormenores vividos, reproduzindo, ao que parece, o que a memória privilegiada de Pedro conservou
do fato. Seguiremos Marcos em nossos comentários, acrescentando-lhe as achegas novas que
porventura encontremos nos dois outros.
Lucas, por exemplo, anota que eles "chegaram no dia seguinte", donde concluir-se que a
"Transfiguração" ocorreu durante a noite, e eles desceram do monte na manhã do outro dia.
Nas últimas curvas da descida, já deve Jesus ter percebido pequena aglomeração no sopé. Além
dos nove discípulos, que não haviam escalado a montanha, aguardavam a comitiva numerosas outras
pessoas que discutiam animadamente.
A aparição súbita de Jesus causou surpresa no povo. Não há necessidade de supor (como
Teofilacto, Cajetan, Jansênio, Cornélio a Lápide e outros) que o rosto de Jesus ainda conservasse um
resquício do brilho da transfiguração, tal como é narrado de Moisés ao descer do Sinai (Êx. 34:29).
Bastaria o inesperado da chegada, num momento crítico de dificuldade para surpreender a todos. O
povo voltou-se imediatamente e correu a saudá-Lo. Recebidas as saudações - que, para serem
assinaladas, devem ter sido muito efusivas - dirige-se o Mestre não a Seus discípulos, mas aos
escribas que viu ali presentes.
Porque os discípulos estavam tão cabisbaixos e confusos, que davam a impressão de terem sido
derrotados.
Com efeito, já tantas vezes haviam expulsado obsessores, sentindo-se alegres com os resultados
obtidos (cfr. Mc 6:13), que não conseguiam descobrir por que não dominaram este. E logo diante da
primeira tentativa falhada, a dúvida cresceu, automaticamente diminuindo-lhes a fé a respeito de
suas possibilidades. Daí ao fracasso total foi um passo. E os escribas devem ter aproveitado o ensejo
para menosprezar os nove e, através deles, o próprio Jesus, o que mais os magoou. Ora, o fracasso
era natural: o “espírito" era surdo, e portanto não podia ouvir as "ordens" verbais.
Jesus indaga da aglomeração qual o assunto do litígio com Seus discípulos. Notemos, de
passagem, a confiança de Jesus em Seus seguidores. Qualquer mestre humano e cioso de suas
prerrogativas (isto é, vaidoso) interpelaria os próprios discípulos: "que é que vocês fizeram em
minha ausência sem minha ordem"? E estaria pronto a repreender os discípulos, para não perder o
prestígio diante dos adversários.
Jesus age diferente (como sempre!). Interpela "os outros", já se colocando na atitude de
defender Seus escolhidos.
Mantendo-se silenciosos, demonstraram respeito e confiança no Mestre justo e bom, que saberia
defendê-los e ensinar-lhes o caminho certo.
Quem falou foi "um da multidão", um anônimo, que explicou a situação. Trouxera seu filho
(Lucas esclarece que era "único", como de outras vezes, em 7:12 e 8:42) e que estava possuído por
um espírito obsessor mudo (mais tarde Jesus esclarecerá que era também surdo). E Marcos coloca
nos lábios do pai aflito a descrição dos sofrimentos do filho. Mateus resume as súplicas do pai em
uma palavra: "lunático". Dizia-se lunático o epiléptico, porque as crises violentas geralmente
coincidiam com a lua nova. Marcos e Lucas citam apenas, como expressões do pai, a possessão pelo
obsessor. Era crença antiga que a epilepsia era provocada pela incorporação de um obsessor
violento. E hoje, com o conhecimento trazido pelo Espiritismo, sabemos com segurança que,
excetuada pequena percentagem de casos devidos a lesões ou disritmia cerebral, todo o grande
volume restante é realmente isso: ação de obsessor violento em incorporação total (possessão).

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

17

Digno de nota que, contrariamente ao que sói acontecer, a descrição da enfermidade em Marcos
contém mais pormenores médicos que a de Lucas: convulsões violentas, gritos inarticulados
seguidos de queda, o espumar e o rilhar de dentes, a contração dos músculos e o retesamento dos
membros e, finalmente, após a crise, a prostração absoluta com palidez cadavérica, chegando enfim
ao sono.
Depois da descrição, vem a queixa, embora em termos respeitosos e quase desculpando os
discípulos: "eles não tiveram força".
Jesus, depois de repreender os presentes pela falta de fé, numa frase em que revelava profundo
amargor, lamentando se de ter que permanecer entre criaturas tão retardadas, pede que o garoto lhe
seja trazido.
Mas logo que o obsessor enfrentou o Mestre, deu mais uma demonstração de sua violência,
prostrando o menino na habitual convulsão: bastava a presença de Jesus, com Seus poderosos
fluidos, para perturbá-lo.
Observemos, com atenção que Jesus não se "afoba", não se apressa, mas, antes de agir, indaga
dos antecedentes, a respeito da época em que se iniciara a obsessão. O pai informa que o fato ocorria
"desde a infância", embora não especifique a idade. E, aproveitando que estava novamente com a
palavra, roga a Jesus que se compadeça, mas já antecedendo o pedido de uma condicional: diante do
fracasso dos discípulos, a dúvida se instalara em seu íntimo, e ele diz com sinceridade "se podes
alguma coisa".
Jesus aproveita para dar uma de Suas lições, quase com ironia: "se podes?... Mas tudo é possível
àquele que crê".
O pai não se descoroçoa: humilde reconhece que ele crê no poder de Jesus, mas também
confessa que sua fé não é das maiores; pede Lhe, pois, que ajude sua falta de fé, realizando a cura do
filho. Nesse ponto, a aglomeração dos curiosos passantes crescia, e Jesus ordena com autoridade
(egô epistássô soi) que o espírito se retire e não mais volte a importunar o menino. A obediência foi
imediata, mas não devido às "palavras" de Jesus, e sim ao poder magnético altíssimo, cujo impacto
vibratório o espírito já havia sentido desde o momento em que Lhe chegara à presença.
O desligamento foi feito com violência e o menino, gritando, teve outra convulsão e caiu ao
chão desacordado. O povo, apavorado e palpiteiro como sempre, murmurava entre si: "morreu". O
Mestre não dá ouvidos ao desânimo: abaixa-Se, segura a mão do menino e o desperta: com toda a
naturalidade, ele se levanta, e Jesus o restitui sadio a seu pai.
Na última frase de Marcos há uma observação a fazer: os verbos egeírô e anístêmi são
traduzidos com freqüência nas edições correntes, ambos como "ressuscitar". Ora, não é possível
entender-se aqui: "Jesus o tomou pela mão e o ressuscitou e ele ressuscitou-se", o que seria absurdo.
Em trechos desse tipo, este e outros, é que percebemos o sentido real que era atribuído a esses
verbos, e neles baseamos nossa tradução constante de egeírô = despertar, e anístêmi = levantar-se.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, vol. 4)

II
“Imediatamente, o pai do menino, clamando com lágrimas, disse:
Eu creio, Senhor! ajuda a minha incredulidade.” (Mc 9:24)

Aquele homem da multidão, em se aproximando de Jesus com o filho enfermo, constitui


expressão representativa do espírito comum da humanidade terrestre. Os círculos religiosos
comentam excessivamente a fé em Deus, todavia, nos instantes da tempestade, são escassos os
devotos que permanecem firmes na confiança. Revelam-se as massas muito atentas aos cerimoniais
do culto exterior, participam das edificações alusivas à crença, contudo, ante as dificuldades do
escândalo, quase toda gente resvala no despenhadeiro das acusações recíprocas.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

18

Se falha um missionário, verifica-se a debandada. A comunidade dos crentes pousa os olhos nos
homens falíveis, cegos às finalidades ou indiferentes às instituições. Em tal movimento de
insegurança espiritual, sem paradoxo, as criaturas humanas crêem e descrêem, confiando hoje e
desfalecendo amanhã. Somos defrontados, ainda, pelo regime de incerteza de espíritos infantis que
mal começam a conceber noções de responsabilidade.
Felizes, pois, aqueles que, à maneira do pai necessitado, se acercarem do Cristo, confessando a
precariedade da posição Intima. Assim, em afirmando a crença com a boca, pedirão, ao mesmo
tempo, ajuda para a sua falta de fé, atestando com lágrimas a própria miserabilidade.
(Emmanuel; Pão Nosso; 123 - Condição Comum)

III
Destes trechos evangélicos se vê que os discípulos de Jesus, apesar de investidos por Ele no
poder de curar os enfermos e de afastar dos obsidiados os Espíritos obsessores, não puderam
expulsar daquele rapaz, que lhes fora trazido, o perseguidor que o atormentava. Entretanto,
apresentado o moço ao Mestre, este ameaçou o “demônio” que sobre ele atuava e no mesmo instante
cessou a obsessão de que era agente tal “demônio”. Enquanto se achava com seus discípulos, Jesus
os preparava para desempenhar as missões que lhes iam ser confiadas, sobretudo quando Ele
houvesse terminado a sua entre os homens. Eram ainda incipientes as faculdades mediúnicas de seus
discípulos, tinham que se desenvolver, para serem exercidas cada vez em maior escala, até
alcançarem toda a amplitude a que haviam de chegar. O mesmo se dá com os médiuns atuais; mas,
ao passo que aqueles atingiram o seu pleno desenvolvimento sob as vistas de Jesus (...).
Quanto ao não haverem podido os discípulos expelir do rapaz, a que se referem os Evangelistas,
o “demônio”, a causa de tal insucesso está assinalada na resposta que Jesus deu, quando eles lhe
perguntaram por que não tinham conseguido “lançá-lo fora”. Foi por causa da vossa pouca fé, disse
o Divino Mestre, acrescentando: “Os demônios desta casta não podem ser expulsos senão pela prece
e pelo jejum”. Ocorre, entretanto, perguntar como é que, já tendo eles produzido, dentro de certos
limites, fatos considerados “milagrosos”, pela assistência que lhes dispensava o Mestre, quando os
mandara às cidades vizinhas, com o poder de curar os enfermos e expulsar os demônios (Mt 10:8),
ficaram sem essa assistência naquele caso do lunático. É que Jesus lhes quis significar não se terem
eles ainda tornado capazes de cumprir com segurança a tarefa que lhes cabia, preservando-os desse
modo do orgulho a que, na condição de homens, poderiam dar entrada em seus corações e levando-
os a reconhecer que ainda precisavam fortalecer a fé, tornar absoluta a confiança, que deviam
depositar naquele em cujo nome iam falar e agir, para estarem aptos a realizar com firmeza as obras
que o viam praticar pelo só poder da sua vontade, em virtude da sua perfeita pureza. Foi, ao mesmo
tempo, um exemplo, para os que de futuro viessem a ser os continuadores da obra dos discípulos. De
fato, se estes, edificados como eram, constantemente, pelos ensinos, conselhos e exemplos do
Mestre, santificados pela sua presença, ainda estavam sujeitos a fracassos, como o que nesta
passagem dos Evangelhos se registra, quão maiores não hão de ser esses fracassos, na atualidade,
entre nós, que carecemos de fé, que não sabemos orar e que não praticamos o jejum espiritual!
A fé, alavanca poderosa, capaz por si só de levantar o mundo, constitui o meio único de que
podemos lançar mão eficazmente, para afastar os Espíritos atrasados e sofredores. Da fé nasce a
prece que, se, além de fervorosa e perseverante, é acompanhada do jejum espiritual, acaba sempre
por tocar o Espírito culpado, o esclarecer e encaminhar para a verdade.
Que é a fé? Que é a prece? Que é o jejum? Em que consistem este e aquelas?
Disse Jesus ao pai do moço: Se puderes crer, todas as coisas são possíveis àquele que crê.
Cumpre notar que, dizendo isso, o Mestre falou figuradamente, como, aliás, de ordinário, sucedia.
Mas, dentro da figura de que usou, está a verdade. Efetivamente, que prodígios não pode a fé
operar?

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

19

Que é o que não consegue essa alavanca prodigiosa, essa força motriz incoercível, esse calor
fecundante, que dá à alma a essência pura da crença, sem sombras, na existência de Deus, no seu
amor e na sua misericórdia infinitos, que a faz librar-se às regiões luminosas do espaço e subir até ao
seu Criador, sem mesmo perceber como e por que sobe. A fé consiste na confiança absoluta, sem a
mais ligeira dúvida, sem vacilações. Ë uma virtude difícil, senão impossível de definir-se e quase
incompreensível para nós outros, pobres pecadores de todos os instantes, cheios de imperfeições e
fraquezas. Dizemo-la incompreensível para nós, porque, propensos a considerá-la apanágio somente
de Espíritos elevados, por verificarmos que, nas ocasiões em que mais necessária nos é, ela nos
falece a nós que a todos os instantes recebemos provas da bondade e misericórdia extremas de
Nosso Senhor Jesus Cristo; que estudamos e aceitamos, com lágrimas de reconhecimento, as lições
por Ele dadas e exemplificadas até ao cimo do Gólgota, vemos, no entanto, que, noutros irmãos,
menos aparelhados de outras virtudes, ela é forte, esclarecida e sábia, como deve ser em todo cristão,
segundo ensinam os Evangelhos.
A verdade, porém, é que: àquele que crê, todas as coisas são possíveis, por isso que em torno
dele se grupam os Espíritos do Senhor, para assisti-lo. À fé se alia sempre a esperança e ambas se
desdobram em caridade. Não tendo ainda os nossos corações bastante abertos para agasalharmos
essas virtudes, esforcemo-nos, pelo estudo, pela meditação dos ensinos e exemplos do nosso
Salvador e dos seus apóstolos, por fortalecê-los em nossos espíritos, aprendendo a pedir somente o
que possa ser de justiça aos olhos de Deus. Sim, Senhor, eu creio; ajuda a minha pouca fé. — Na
humildade e simplicidade do seu coração, aquele pai não se sentia bastante forte em sua fé, para
merecer tal graça; porém, esse mesmo temor militava por ele e lhe facultou ser atendido pela
bondade infinita. Aí temos o valor e o alcance da prece!
Orai e jejuai, disse-nos o Bom Jesus. Mas, que é orar? Será repetir palavras mais ou menos
harmoniosas, mais ou menos sonoras, mais ou menos humildes, ditas de lábios para subirem ao
Senhor? Jejuar será abster-nos de alimentos quaisquer, necessários à sustentação do nosso corpo
material e indispensáveis ao regular funcionamento do nosso organismo?
Não. Não nos iludamos. Não é prece uma reunião de palavras que se repetem todos os dias, por
ofício, como meio de ganhar a vida, e que acabam tornando-se maquinais. A prece poderosa, a prece
de Jesus são os atos da vida praticados com o pensamento em Deus, e sempre a Deus reportados. É
um arroubo contínuo do pensamento, uma aspiração incessantemente dirigida ao Criador e a guiar-
nos na prática da verdade, da caridade e do amor, a bem do nosso progresso moral e intelectual e do
progresso dos nossos irmãos. O jejum que Jesus nos recomendou consiste em nos abstermos de
pensamentos culposos, inúteis, frívolos mesmo; em sermos sóbrios na satisfação das nossas
necessidades materiais, reservando o supérfluo para o repartirmos com os nossos irmãos a quem
falte o necessário; em sermos sinceros na modéstia, na regularidade dos costumes, na austeridade do
proceder. Tais são o jejum e a prece que expelem os “demônios” da pior espécie, os “demônios”
que nos tornam cegos, surdos e mudos. Jesus não precisava recorrer à prece ocasional, porque, puro
Espírito, Espírito perfeito, investido de onipotência sobre os Espíritos impuros, (...) porque a sua
missão já era um ato de fé e amor, uma prece ativa e permanente, que o colocava (mesmo posta de
lado a sua superioridade espiritual) acima de todos os Espíritos, pelo poder e pela persuasão.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 107)

IV
Vv. 14 a 17 - Este é um caso de possessão. Em nossos dias, é comum comparecerem aos
Centros Espíritas infelizes irmãos, apresentando este gênero de loucura. Não são loucos; são
simplesmente vítimas de espíritos desencarnados que os perseguem. O Espiritismo, demonstrando a
causa de grande número de sofrimentos tidos por loucura, é o melhor remédio para os supostos
loucos.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

20

Vv. 18 a 27 - O simples fato de alguém se intitular discípulo de Jesus, e o suficiente para


adquirir a autoridade necessária para falar em nome dele. A autoridade espiritual se consegue através
da moralidade. É preciso cultivar a fé viva, a pureza de pensamentos, de palavras e de atos, a fim de
que os espíritos inferiores obedeçam irresistívelmente a quem os mandar. Os discípulos ordenavam
ao espírito obsessor que abandonasse a vítima; porém vacilavam na fé, duvidavam de si próprios, o
que fornecia forças para o obsessor desobedecer-lhes.
O cultivo da fé, isto é da confiança ilimitada na bondade divina desenvolve dentro de nós uma
alta força magnética, que convenientemente usada pela nossa vontade, é capaz de operar prodígios,
sempre que for utilizada para beneficiar nosso próximo. Não devemos, é claro, tomar ao pé da letra a
figura de que Jesus se serve para exemplificar o poder da fé.
Todavia, remover o mal, os vícios e os erros dos corações dos homens é tarefa talvez maior que
mandar um monte se mova do lugar. Contudo, Jesus nos adverte de que por pequenina que seja
nossa fé, sempre conseguiremos influir favoravelmente no sentido de melhorar a nós e a nossos
semelhantes.

Vv. 28 e 29 - Aqui Jesus faz referência aos espíritos inferiores, refratários ao influxo do bem e
que por isso exigem fervorosa oração e alto padrão de moralidade dos que os doutrinam. A oração
fervorosa é aquela que se faz ao Pai, cheia de amor pelo irmão infeliz, que ainda se compraz na
ignorância. O jejum que Jesus recomenda é o jejum espiritual, que consiste na abstinência dos
vícios, da imoralidade, e na renúncia a bem do próximo, jejum esse que dá forças ao doutrinador
para lidar com os espíritos rebeldes. (Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 17)

V
Após a transfiguração, Jesus e os três discípulos que com Ele tinham estado desceram do monte
e se encontraram com os demais discípulos que haviam tentado, sem sucesso, expulsar o “demônio”
de um menino. Qual fora o problema? Jesus não lhes dera autoridade para expulsar “demônios”?
(confira Mc 3:14-15), e eles já não tinham feito isso antes? (confira Mc 6:12-13).
Sim, eles haviam expulso “demônios”, mas parece que isto se tornou coisa rotineira e eles
acabaram por achar que era algo normal, quem sabe até mágico, as expulsões. Jesus detectou o
problema que resultou no fracasso dos Seus discípulos quanto a expulsar o “demônio”: era a falta de
oração e jejum (sendo que este último seja, talvez, um acréscimo ao texto, uma vez que não aparece
em todos os manuscritos de Marcos que foram encontrados).
Então, que ninguém se engane com o pensamento de que meras palavras, mesmo em nome de
Jesus, possam pôr o “demônio para correr”. É necessário o preparo espiritual (...). Oração, jejum e
muita dependência e confiança em Deus, eis os ingredientes para se ter sucesso na luta contra os
"poderes espirituais do mal" (Efés. 6:12). (Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

VI
Nesta passagem evangélica, como em muitas outras, o Nazareno curou doentes chamados
endemoninhados, isto é, criaturas acometidas de uma enfermidade provocada pelo demônio.
E quem são os demônios à luz do Espiritismo?
Temos de partir do princípio de que Deus é Pai de todas as criaturas, assistindo aos seus filhos,
indistintamente, com bondade, misericórdia e justiça infinitas. Assim, fomos criados simples e
ignorantes, mas destinados à perfeição que se alcançará com o progresso intelectual e o progresso
moral, obedecendo a uma Lei Divina ou Natural (Livro dos Espíritos, Livro Terceiro, Lei de
Progresso).

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Capítulo 9

21

Podemos classificar todos os seres que vivem na crosta terrestre e em outros Mundos habitados,
incluindo os respectivos Planos Espirituais, em várias categorias evolutivas, isto é, em todos os
graus de adiantamento moral e intelectual.
Nas categorias inferiores existem Espíritos, encarnados ou desencarnados, ainda profundamente
inclinados para o mal, prejudicando seriamente os seus semelhantes. Aqui estariam classificados os
chamados demônios, mas na Doutrina Espírita não se usa essa expressão, porque ela é habitualmente
utilizada para caracterizar seres perversos, eternamente voltados para o mal, conceito errôneo que
contraria profundamente o Amor Paternal do Criador. Basta lembrarmos-nos de duas Parábolas do
Cristo: da Ovelha perdida e do Filho pródigo (Lc 15:1-a e 11:32).
Sabemos que o intercâmbio mental, com base nos princípios de sintonia, entre encarnados e
desencarnados é intenso, pois todas as criaturas têm o seu grau de mediunidade. As influências
espirituais sobre a mente humana podem podem provocar perturbações, ou mesmo enfermidades, de
vários graus, caracterizando as obsessões.
O amplo socorro, esclarecedor e magnético, aos obsediados e obsessores é um trabalho
humanitário habitual nos Centros Espíritas, quando então se busca seguir as pegadas do Mestre que,
por exemplo, ao atender o endemoninhado (...), vemo-lo “a conversar fraternalmente com o obsesso
que lhe era apresentado, ao mesmo tempo que se fazia ouvido pelos desencarnados infelizes.”
Realmente, conforme assinala André Luiz na abertura do livro Desobsessão: “o pioneiro
número um da desobsessão, esclarecendo Espíritos infelizes e curando obsidiados de todas as
condições, foi exatamente Jesus.”
(Mediunidade na Bíblia, Hércio M. C. Arantes)

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Capítulo 9

22

Vv. 30 a 32 – De novo Jesus prediz a sua morte e ressurreição (Mat. 17:22-23 e Luc. 9:43 b-45)

I
Quando Jesus se retira do Tabor, após a cura do obsediado, "atravessa a Galiléia", procurando
manter-se incógnito durante a viagem, a fim de completar ensinamentos a Seus discípulos.
Aproximava-se a hora da experiência máxima, o momento supremo de pôr em prática os maiores
ensinamentos que ministrara a respeito da personalidade. Queria que ficasse bem impresso em suas
mentes que, aos discípulos, não bastava aprender, mas era imprescindível experimentar
pessoalmente. Isso era dito em tom de ensinamento (edidasken tous mathêtãs autou).
E entre as lições é acrescentado que o Filho do Homem será "entregue nas mãos dos homens".
O verbo paradídotai é o mesmo empregado quando se fala que "Judas o entregou". O fato de "ser
entregue nas mãos dos homens" era considerado o maior suplício imaginável, e já David preferira a
peste: "caiamos nas mãos de YHWH, pois suas misericórdias são grandes, mas que eu não caia nas
mãos dos homens" (2.º Sam. 24:14). E também o Eclesiástico (2:18) repete: "cairemos nas mãos do
Senhor, não nas mãos dos homens". E isto porque os homens não sabem perdoar.
(...) Os discípulos ouvem a recomendação do Mestre (...), mas não alcançam a profundidade dos
mesmos. Só sabem, por enquanto, observar o lado externo: se Ele é o Messias, como poderá ser
sacrificado? Não há dúvida que logo se acrescenta que "será despertado" (Mateus) ou "se levantará"
(Marcos) ao terceiro dia. Mas de qualquer forma, fica a impressão de que eles não querem entender
a coisa totalmente.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, vol. 4)

II
Jesus revelava antecipadamente os acontecimentos que se iam dar, a fim de tocar mais
fundamente o espírito dos discípulos e lhes aumentar a fé. Predisse-lhes que “habitaria com os
mortos”, a fim de tornar mais frisante a sua ressurreição. O que eles, porém, compreenderam foi,
apenas, que o Senhor se preparava para morrer, que corriam o risco de perder o Mestre bem-amado,
crentes de que este pertencia, pelo seu invólucro corpóreo à humanidade terrena. Ao mesmo tempo,
receavam interrogá-lo, porque a ressurreição, após uma morte que, no parecer deles, seria real,
material, povoava de dúvidas os Espíritos, quanto à possibilidade de tal fato, mesmo como um
milagre, dúvidas de que lhes nascia o temor de interpelarem a Jesus.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 108)

III
A missão de Jesus estava quase terminada aqui no plano terreno. Sua ação como encarnado
findava, para que ele a recomeçasse no plano espiritual, onde trabalha e trabalhará até a consumação
dos séculos, em beneficio de seus pequeninos tutelados que somos todos nós. Aproximava-se o
momento de ele voltar para o Alto.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 17)

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Capítulo 9

23

Vv. 33 a 37 – O maior no reino dos céus (Mt 18:1-5; Lc 9:46-48)

I
Como se dá com freqüência, embora sendo o mais curto no cômputo total, o Evangelho de
Marcos é o que apresenta mais pormenores e maior vivacidade; neste trecho, em poucas palavras ele
situa a cena, esclarecendo que realmente "residia" em Cafarnaum; e, após citar o nome dessa que
Mateus chamou "a sua cidade. (cfr. Mat. 9:1), acrescenta: estando em sua casa (en têi oikíai).
Mateus inverteu a ordem dos outros dois, e atribui a iniciativa da conversa aos discípulos, que
se teriam dirigido ao Mestre com uma indagação teórica; parece, com isso, querer desculpar a
ambição do grupo, do qual ele mesmo fazia parte. Apresenta, pois, o colegiado acercar Jesus, e a
perguntar inocentemente, como ávidos de conhecimento: "então, quem é o maior no reino dos
céus"? Observemos que, pelo tom, não se trata deles, pessoalmente, mas é uma questão de tese. A
resposta do Rabbi, no entanto, é fielmente transcrita, concordando com a dos outros dois intérpretes.
Marcos, ao invés, dá a iniciativa a Jesus, que lhes pergunta maliciosamente (tal como em Lucas)
"em que pensavam eles no caminho"... E Lucas explica a seus leitores que o Mestre "lera o
pensamento" que neles surgira.
Antes de prosseguir, seja-nos lícito estranhar que, nas traduções deste trecho, aparece em Lucas
"surgiu uma DISCUSSÃO entre eles ... e Jesus lendo o PENSAMENTO deles"... Ora, no original, a
mesma palavra dialogismos aparece nos dois versículos seguidos. Por que razão é ela traduzida de
dois modos diferentes (e tão diferentes!), a primeira como discussão e a segunda como pensamento,
à distância de duas linhas e no mesmo episódio? Não conseguimos perceber o móvel dessas
"nuanças sutis".
Também em Marcos a pergunta é feita com o verbo dialogízein (no texto dielogízesthe,
"pensáveis"). Mas logo a seguir aparece o verbo dieléchthêsan (aoristo depoente de dialégomai)
pròsallêlous, que se traduz: "conversavam uns com os outros". Mas de uma conversa em pequenos
grupos, que entre si sussurravam um descontentamento, deduzir-se que se tratava de uma
DISCUSSÃO, a distância é grande... O descontentamento já vinha grassando há tempos entre eles,
como sempre ocorre entre discípulos, que se julgam mais competentes ou pelo menos mais
"espertos" que o mestre, para "ver" as coisas e resolvê-las com acerto. Apesar de Jesus lhes haver
ensinado que "o discípulo não é maior que seu mestre" (cfr. Mt. 10:24; Lc. 6:40), eles eram humanos
e achavam, talvez, que a escolha de Jesus e a "autoridade" que conferira a Pedro, não estava cem por
cento perfeita: outros melhores havia.
E eram relembrados "fatos": Jesus se hospedara em casa de Pedro (que morava com seu irmão
André, as esposas de um e de outro, e os filhos; cfr Mc. 1:29) quando podia ter escolhido uma casa
mais tranqüila, maior, mais cômoda. Quando chegou a época de pagar a didracma (Mt. 17:27) Jesus
recorre a um expediente "fora do normal" para pagar por si e por Pedro, sem pensar em fazê-lo pelos
"outros", nem mesmo por André... Havia desagradado o encargo de cada um dos outros pagar por si
mesmo, embora o gesto elegante de Jesus se justificasse plenamente, em relação ao discípulo que o
hospedava em seu próprio lar, naturalmente arcando com todas as despesas de alimentação,
vestuário, etc. Sem dúvida, Pedro podia fazê-lo com folga, já que não devia ser pequena a receita
que percebia da "companhia de pesca", de que ele e André tinham sociedade com Zebedeu. Mas
havia mais: o Mestre tinha até mudado o nome dele para Kêphas (Pedro), sendo-lhe conferidas
prerrogativas de chefe sobre os outros (ver acima). Ora, tudo isso, e talvez outras coisas que
desconheçamos, tinham deflagrado uma crise de ciúmes e ambições ocultas, algumas mal disfarça
das (como veremos mais tarde a de Judas Iscariotes que, julgando não ter o próprio Jesus capacidade
e dinamismo suficientes para sua tarefa messiânica, entrou em entendimentos com o Sinédrio para
que assumisse a direção da obra, ficando Jesus apenas com o encargo de dar ensinamentos
espirituais e fazer "milagres").

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

24

Então, quem REALMENTE seria o CHEFE, após o tão anunciado assassinato do Mestre? Pedro
podia ser o mais velho, mas seria o mais sábio? seria o administrador mais competente? seria o mais
fiel intérprete das idéias? Seria o mais culto? o mais prudente? Prudente? ... Não fora Pedro
repreendido por Jesus, que o chamara "antagonista"? Não fracassara na tentativa imprudente de
pretender imitar o Mestre andando sobre as águas? Com esse seu temperamento vivo e emotivo, não
estava sempre a intervir inoportunamente, nos momentos mais impróprios? ... Tudo porque Jesus
ainda não dera a "chave" para resolver a questão, que só foi revelada após sua paixão, quando, por
três vezes seguidas perguntou a Pedro "se O amava" (cfr. Jo 21:15-17). O AMOR VERDADEIRO
do discípulo pelo Mestre é o que realmente decide sobre a escolha do sucessor.
Cada um dos outros julgava-se com alguma qualidade superior a Pedro, pretendendo que essa
qualidade o predispunha melhor ao posto de chefe ... "afinal, quem era DE FATO o maior entre
eles"?
Uma solução direta e radical do caso poderia provocar mágoas em Seus escolhidos. Com a
sabedoria profunda e delicada de sempre, Jesus resolve apresentar aos doze uma parábola em ação,
de compreensão mais pronta e fixação mais duradoura que as de simples narrativa.
Chama uma "criancinha". Quem era? Curiosidade ociosa. Jesus acha-se ’"em casa", ou seja, na
casa de Pedro, com quem morava também André. Qual a criancinha que lá havia para ser chamada?
A resposta mais pronta é que deveria tratar-se de um dos filhos ou filhas de Pedro ou de André. Que
Pedro tinha filhos parece não haver dúvidas, pois a tradição o diz e mesmo alguns "Pais da igreja" o
atestam (Clemente de Alexandria e Jerônimo). Mas qual prova teríamos da criancinha? Os outros
discípulos também deviam ter filhos, podendo tratar-se de algum deles (segundo a tradição, o único
discípulo que não contraiu matrimônio foi o evangelista João, que, à época da morte de Jesus devia
contar entre 20 e 21 anos). Mas havia também o grupo das discípulas que acompanhavam o Mestre
(Mc 15:41). É verdade que as narrativas evangélicas calam sistematicamente o fato de estar alguém
casado; a não ser o aceno à sogra de Pedro (Mt. 8;14; Mc. 1;30; Lc. 4:38), não se fala em nenhum
casamento, nem do Mestre, nem dos discípulos. Só algumas figuras a látere aparecem como
formando casais.
No século 9.º afirmaram que a criancinha teria sido Inácio de Antióquia, mas sem qualquer
prova (teria sido revelação mediúnica?). De qualquer forma, não importa quem tenha sido o
garotinho; o que conta é o fato. Vamos a ele.
Jesus chama uma Criancinha e a "carrega ao colo" ou "a abraça". O particípio enagkalisámenos,
do verbo enagkalízomai, é composto de en + agkálê, que exprime "nos braços recurvados", podendo
exprimir uma ou outra das traduções. Entre todos aqueles homens, a ternura de Jesus pela criança é
emocionante.
E Ele a apresenta como modelo a ser imitado, numa lição que nos foi transmitida em duas
variantes. MATEUS: "se não nos modificardes e vos tornardes (ou seja, "voltardes a ser") crianças,
NÃO PODEIS entrar no reino dos "céus".
E continua: "quem se diminuir será o maior". O verbo tapeinôsei exprime exatamente
"diminuir-se" ou "tornar-se pequeno"; diríamos, em linguagem moderna, "miniaturizar-se". Não é,
pois, da humildade que aqui se trata, já que a criança não é humilde: é pequena. A oposição, na
parábola, é salientada entre a pequenez, a simplicidade e a sinceridade (Sinceridade no sentido
etimológico: "isento, puro, sem mistura". Tanto que os antigos faziam derivar a palavra da
expressão "sinecera". (...) Esse mesmo termo foi empregado por Paulo (Filip. 2:8), testificando que,
Jesus "se diminuiu (apequenou-se, etapeínôsen), tornando-se obediente até a morte".
MARCOS acrescenta uma frase: "quem quiser ser o primeiro, seja o último de todos", lição que
voltar á na parábola do banquete (cfr. Lc.14:7-11), e além disso: "o servidor de todos. Essas idéias
voltam em Mt.20:26-27 e Mc. 10:43-44; e também de si mesmo disse o próprio Jesus (Mt. 20:28):
"o Filho do Homem veio para SERVIR, e não para SER SERVIDO".

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

25

O mesmo conceito aparece sob outra forma em Lucas: "o que dentre vos for o menor de todos,
esse será grande".
Terminada a lição do "apequenamento" e do "serviço", os três sinópticos concordam na
conclusão, que se resume numa garantia para o futuro: "quem recebe uma criancinha assim EM
MEU NOME (epí tôi onómati mou, ou seja, "por minha causa") é a mim que recebe".
Trata-se, portanto, de uma delegação ampla de credenciais, feita em caráter geral a todas as
crianças em todos os tempos, para representá-Lo como embaixadores perante todos os adultos da
humanidade.
E essa delegação vai ampliada mais ainda, quando confessadamente declara o Mestre que Ele
apenas sub-delega, pois "quem O recebe, recebe Aquele que O enviou". Marcos utiliza um
hebraísmo típico genuíno e, confessamo-lo, saborosíssimo: "e quem me recebe, não é a mim
(propriamente) que recebe, mas Aquele que me enviou".
Os hermeneutas dividem-se em três grupos principais, a fim de esclarecer que crianças são
essas:
1. simbolizariam os próprios discípulos enviados por Jesus, conforme a regra estabelecida no
cap. 12 da Didachê, que ordena aos cristãos que recebam "quem quer que venha em nome do
Senhor";
2. seriam o símbolo de todas as crianças, que devem ser acolhidas sempre pelos adultos;
3. seriam não apenas as crianças assim classificadas por causa de sua idade física, mas, além
delas, todas as crianças intelectuais ou morais, os "espíritos-novos" (embora adultos na idade do
corpo), que não tivessem alcançado desenvolvimento e amadurecimento mental.
De qualquer forma, entende-se com a lição que, por menor que seja a criatura, devemos sempre
considerá-la como legítimo representante na Terra do Cristo e, por conseguinte, que devemos tratá-
la como o faríamos pessoalmente ao próprio Mestre Jesus.
Tolstoi bem o compreendeu em seu conto: "A Visita de Jesus".
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, vol. 4)

II
O maior ou menor será julgado em relação AO REINO DOS CÉUS, isto é, à maior ou menor
unificação com o Cristo, e não em relação a dons e faculdades da personagem. Não são a agudeza
intelectual, o desenvolvimento da cultura, as atividades mentais nem físicas, a força emocional, os
dons artísticos, numa palavra, não são as qualidades personalísticas que decidirão sobre a
grandeza de uma criatura, mas única e exclusivamente seu grau de união com o Cristo é que medirá
sua evolução. Daí não terem sido escolhidos os expoentes da época para discípulos de Jesus, mas
somente aqueles cuja evolução lhes permitia atingirem o maior grau de unificação com o Mestre
único (cfr. M. 23:10) de todos nós.
Desde que se diminua, não terá dificuldade em tornar-se o "servidor de todos" (cfr. Mt. 23:11),
o "diácono" que serve sem exigir pagamento, nem recompensa, nem retribuição, nem gratidão.
Servir desinteressadamente, e continuar servindo com alegria, mesmo se observar indiferença; sem
contar os benefícios prestados, ainda que receba grosserias; sem magoar-se porque, depois de
ajudar com sacrifício e sofrimento, dando de si, o recebedor passa por nós e não nos cumprimenta,
e faz até que nos não conhece... Pequenino, diminuído, como invisível micróbio que nos ajuda a
viver, oculto em nossas entranhas, e de cuja existência nem sequer tomamos conhecimento.
Realmente assim agem as crianças: prestam favores e não esperam o "muito obrigado": viram
as costas e seguem seu caminho. Servem, e passam.
Para (...), além das interpretações que vimos acima, há outros pormenores a considerar.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

26

Pode tratar-se (e trata-se evidentemente) da acolhida em nome do Cristo das crianças que
encontramos abandonadas ou desarvoradas, em qualquer idade física que se encontrem, a qualquer
religião a que pertençam, qualquer que seja a pigmentação da pele (como fez, por exemplo, Albert
Schweitzer). Outra interpretação - e cremos que de suma importância - refere-se às crianças que
chegam através da carne; cada filho que recebemos, em nome ou por causa do Mestre, é como se a
Ele mesmo recebêssemos. E ao recebê-Lo é realmente ao Pai que recebemos, pois a Centelha divina
lá está naquele pequenino templo da Divindade. Essa interpretação mostra-nos a linha de
comportamento a ser seguida pelos discípulos: jamais recusar receber uma criancinha entre nossos
braços, e não preocuparnos com o caminho por que chegam até nós.
Há ainda a considerar a relação existente entre individualidade eterna (e adulta) e a
personagem (recém-criada, infantil) que recebemos a cada nova encarnação. A individualidade tem
que receber, em nome do Cristo que em nós habita, a personagem que lhe advém pela necessidade
cármica, aceitandoa com as deficiências que tiver, e amando-a com o mesmo amor; sabendo
perdoar-lhe os desvios e desmandos que servirão maravilhosamente para exercitar a humildade;
educando-a e dirigindo-a pelo melhor caminho que lhe proporcione evolução mais rápida;
compreendendo que a personagem reproduz EXATAMENTE a necessidade maior do Espírito
naquele momento da evolução, e portanto sem rebelar-se contra qualquer coisa que lhe não pareça
perfeita e que lhe traga dificuldades e embaraços.
Mais. Na linguagem iniciática, o trecho assume novos matizes.
(...) Nas antigas Escolas, os graus eram comparados às idades das criaturas. (...) visava a
conhecer qual o caminho para atingir as mais altas culminâncias da perfeição; quais as
características dos maiores na senda evolutiva. E Jesus vê-se constrangido a esclarecê-los. Leva em
conta que três deles (Pedro, Tiago e João) estão em grau mais elevado que os outros, (...) ao passo
que os demais estavam em planos mais baixos (...). Serve-se, então, da terminologia típica das
iniciações nos mistérios gregos (mais uma vez) e recorda-lhes que o primeiro passo é o da
"infância", segundo essa terminologia: CRIANÇAS (iniciantes dos primeiros planos) quando ainda
estavam em busca do "mergulho" e da "confirmação"; HOMENS FEITOS, os iniciados que já
haviam superado o terceiro grau (vencendo as tentações e dominando a matéria) e o quarto grau
(obtendo a união com o Cristo Interno); esses eram chamados também "perfeitos" (teleios) ou
"santos" (hágios).
Para confirmar o que afirmamos, basta ler 1.° Cor. 3:1-3; e 13:11, e também Ef. 4:13-14: "até
que todos cheguemos à unidade da fé, e do pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de
homem feito (ou perfeito), à medida da evolução plena do Cristo, para que não sejamos mais
meninos, jogados de um lado para outro, e levados ao redor por todos os ventos de doutrina, etc.".
(...) Nessa interpretação, "tornar-se como criancinha" é rejeitar toda cultura externa, toda "a
sabedoria do mundo, que é estultice" (1.ª Cor. 3:19), para recomeçar a caminhada em outra
direção; diríamos ainda: fazer tábula rasa de tudo o que se aprendeu, a fim de poder penetrar os
segredos dos "mistérios do reino". Com efeito, se alguém pretender entrar na Escola Iniciática da
Espiritualidade Superior, trazida por Jesus, a primeira coisa a fazer é tomar-se como criança
intelectual, nada sabendo da sabedoria (...), para poder reaprender tudo de novo, como as crianças
fazem, da Vida Espiritual, conquistando, dessarte, a verdadeira sabedoria de Deus.
Notemos ainda que os três evangelistas empregam o verbo déchomai, que se traduz "receber",
mas no sentido de "ouvir", aceitar (um ensino). Não se trata, pois, só de "receber como hóspede em
casa", mas de "aceitar o ensino" (cfr. o termo correspondente em aramaico, Kabel). Teríamos:
quem aceitar o ensino de um desses meus discípulos (que se tornaram criancinhas) por minha causa
é como se a mim mesmo ouvisse e aceitasse; e quem aceitar um ensino eatá aceitando o ensino do
Pai que me enviou. Responsabilidade pesadíssima dos intérpretes da Boa-Nova!
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, vol. 4)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

27

III
VER REFERÊNCIA BÍBLICA DE MARCOS NO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

9 35 a 37 VII 6

IV
"E ele, assentando-se, chamou os doze e disse-lhes: Se alguém quiser ser o primeiro, será o
último de todos e servo de todos." - (Mc, 9:35.)

Ser dos primeiros na Terra não é problema de solução complicada.


Há maiorais no mundo em todas as situações.
A ciência, a filosofia, o sacerdócio, tanto quanto a política, o comércio e as finanças podem
exibi-los, facilmente. Os homens principais da ciência, com legitimas exceções, costumam ser
grandes presunçosos; os da filosofia, argutos sofistas do pensamento; os do sacerdócio, fanáticos
sem compreensão da verdadeira fé. Em política, muitos dos maiorais são tiranos; no comércio,
inúmeros são exploradores e, nas finanças, muitos deles não passam de associados das sombras
contra os interesses coletivos.
Ser dos primeiros, no entanto, nas esferas de Jesus sobre a Terra, não é questão de fácil acesso à
criatura vulgar. Nos departamentos do mundo materializado, os principais devem ser os primeiros a
serem servidos e contam com a obediência compulsória de todos. Em Cristianismo puro, os espíritos
dominantes são os últimos na recepção dos benefícios, porquanto são servos reais de quantos lhes
procuram a colaboração fraterna.
É por isto que em todas as escolas cristãs há numerosos pregadores, muitos mordomos, turbas
de operários, cooperadores do culto, polemistas valiosos, doutores da letra, intérpretes competentes,
reformistas apaixonados, mas raríssimos apóstolos. De modo geral, quase todos os crentes se
dispõem ao ensino e ao conselho, prontos ao combate espetaculoso e à advertência humilhante ou
vaidosa, poucos surgindo com o desejo de servir, em silêncio, convencidos de que toda a glória
pertence a Deus.
(Emmanuel; Vinha de Luz; 56 – Maiorais)

V
Nestas palavras de Jesus, temos mais uma lição de caridade, de amor, de amparo ao fraco, de fé,
humildade e simplicidade. “Aquele que quiser ser o primeiro seja o último, o servo de todos”, disse
Ele. (...) Aquelas palavras suas significam: Não procureis elevar-vos pelas vossas próprias forças,
porque elas vos trairão; não acrediteis valer mais do que os vossos irmãos, aos olhos de vosso pai;
nem desejeis sobrepor-vos a eles; procurai, ao contrário, ajudá-los a se elevarem, dando-lhes o
melhor dos conselhos: o do exemplo.
Supunham os discípulos que o Senhor tinha preferência por um deles, que João era o mais
amado. Daí o ciúme que lhes nasceu no intimo, tal a miserabilidade da carne, mesmo entre os bons,
ciúme, entretanto, desculpável, até certo ponto, por provir do grande amor que consagravam ao
Mestre. Esse o sentimento que lhes trouxe ao espírito a idéia de saberem qual era o maior e motivou
a discussão em que se empenharam. João, porém, não era o mais amado, era, antes, o que mais
amava, o que o impelia a aproximar-se mais de Jesus, dando isso lugar a que os outros pensassem
que lhe coubera a melhor parte. “Se não vos converterdes e não vos tornardes quais crianças, não
entrareis no reino do céu”, advertiu o Divino Mestre. Quer dizer, se não abandonardes as idéias e
tendências humanas, não chegareis à perfeição. A criança é o símbolo da inocência.
O pensamento de Jesus, ao servir-se de tal símbolo, era este: Se não vos fizerdes simples e
inocentes, o orgulho vos impedirá a entrada no reino dos céus, ou: não sereis moralmente perfeitos.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

28

Quando disse que aquele que, em seu nome, recebe a uma criança, recebe-o a Ele, quis
significar que, pondo-nos ao alcance do fraco e do simples, de partilharmos com este o que
possuirmos em inteligência, em força, em saber, tê-lo-emos a Ele ao nosso lado.

Mc 9:37-39 — O que consta nestes versículos mostra que a ninguém é lícito sofrear os impulsos
da fé, nem pretender forçar que os outros caminhem pela senda que se lhe abriu, quando podem,
seguindo a que a essa fica paralela, chegar ao fim que lhes cumpre atingir. Mostra, portanto, quão
errados andam e divorciados de seus ensinos os intolerantes, que entendem de impor a todos a
tirania mística, dizendo-lhes: crede como eu, adorai como eu, do contrário sereis condenados às
penas eternas.
Eis aqui a doutrina do Cordeiro de Deus: Não lho proibais, que lícito não vos é impedir que
quem quer que seja pratique o bem. Aquele que não é contra mim (estas são, textualmente, as
palavras do Mestre) por mim é. Compare-se essa doutrina à que, por questões de fórmulas, de
palavras, de ritos, excomunga as criaturas de Deus e as condena a suplícios atrozes, praticando
contra elas inomináveis crueldades, e dizei se os que assim procedem seguem o Cristo e podem, sem
blasfemar, usar do seu nome. Que importava que aquele irmão não pertencesse ao número dos que
seguiam a Jesus, se, Espírito esclarecido, compreendendo a missão do Messias prometido, possuído
de fé viva e ardente, ia, por seu lado, pregando aos homens que escutassem o Mestre, de quem
apenas ouvira falar, e praticando o que este pregava? Certo de que, com o apoio do nome de Jesus,
atraía sobre si as graças do Senhor, ele expulsava os Espíritos impuros, sustentado por Espíritos
superiores, que lhe secundavam os esforços. Era uma pedra insulada, mas que servia para a
construção do edifício, como tantas outras houve, há hoje e haverá no futuro.
Qualquer que seja o caminho que trilharmos, desde que o palmilhemos praticando a caridade,
espalhando o bem, em nome de Jesus, aí descobriremos as marcas de seus pés e seremos com Ele e
Ele será conosco, e faremos milagres, quais esse de que fala Mc 9:38, isto é, atos que se efetuam
pela vontade de Deus, segundo leis verdadeiras e imutáveis da Natureza, ainda desconhecidas dos
homens mas existentes de toda a eternidade, que essa é a significação única que devemos dar àquele
termo e não o de derrogação das leis naturais, como o pretende a Igreja Romana.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 110)

VI
A infância é o símbolo da pureza e da inocência. Para que sejamos grandes no reino dos céus, é
preciso que nós nos tornemos puros e inocentes como as crianças. Belíssima é a comparação que
Jesus faz entre uma criança e uma alma que quer penetrar nas regiões felizes do Universo, e ser
grande diante de Deus, o Pai Celestial. Para isso, antes de tudo, deve tornar-se inocente e pura. E
Jesus, que era a inocência e a pureza suprema, toma o coração infantil como sua representação na
terra. (Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 18)

VII
Jesus apresentou aos discípulos o ensinamento sobre a verdadeira grandeza: grande aos olhos de
Deus é quem mais serve (9:35). Jesus mesmo exemplificou este conceito em Sua vida, vindo "para
servir e dar a Sua vida em resgate por muitos" (Mc. 10:45). Assim, o conceito humano de grandeza e
importância foi subvertido por Cristo. Grandes não são os que ocupam os mais altos postos neste
mundo, nem os mais ricos e de status mais elevado, mas os que vivem para servir. Grande é aquele
que serve com o espírito despretensioso de uma criança, geralmente símbolo de falta de malícia, de
segundas intenções ao fazer algo por alguém (9:36-37 e 42). Se quisermos ser grandes, lembrados
até mesmo após nossa morte, vivamos para servir, para ajudar, para fazer o máximo de bem que
pudermos, tal como Jesus, Madre Tereza de Calcutá, e muitos outros cujas vidas foram uma bênção
ao mundo. (Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)
COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2
Capítulo 9

29

Vv. 38 a 41 – Jesus ensina a tolerância e caridade (Lc 9:49-50)

As últimas palavras de Jesus, "receber em meu nome", fizeram que João se recordasse de um
episódio que com ele se passou, embora não possamos saber a ocasião nem o local, que os
narradores silenciaram.
Sabemos, realmente, que a tolerância não era a característica fundamental, naqueles primeiros
anos ardorosos de juventude, de João e de seu irmão Tiago (cfr. Lc. 9:54), tanto que Jesus os apelida
de "filhos do trovão" (cfr.Mc. 3:17).
Foi-lhes chocante, pois, e aborreceu-os fortemente o fato de uma criatura, que não seguia o
Mestre, expulsar um obsessor em nome de Jesus: Imediatamente eles se aproximaram e o proibiram
de continuar com esse "abuso". Julgavam que, com isso, estavam defendendo a honra do Mestre
querido, e, ao mesmo tempo, pretendiam garantir para si e para seus companheiros, o "privilégio" do
uso exclusivo do nome de Jesus, como um monopólio religioso... Essa mentalidade teve (e tem!)
numerosos seguidores, sobretudo na Idade Média e nos tempos que se lhe seguiram, não se
conseguindo, porém, até hoje extirpá-la totalmente, entre os cristãos de todos os matizes.
Pela frase de João temos a impressão de que esse exorcista operava com êxito, coisa que não
ocorreu com os filhos do sacerdote Ceva (Cfr. At. 19:13-16) que fracassaram na tentativa com o
mesmo nome de Jesus. Naquela época eram realmente numerosos os exorcistas, judeus e não-
judeus, que se fixavam em certos locais ou perambulavam pelas cidades, exercendo essa profissão.
Com a ordem de Jesus, de que fossem recebidas as crianças em Seu nome, João sente que talvez
tenha agido precipitadamente, e pede a opinião do Mestre, que a dá com franqueza, ensinando que
se deve olhar a intenção, e que esta não deve ser prejulgada má à primeira vista.
A regra de Jesus é clara; "quem não é contra vós, está do vosso lado: é a vosso favor"; e torna-se
evidente que, se alguém trabalha em nome de Jesus, não pode, logo a seguir, falar mal dele.
Realmente, só o fato de usar o nome de Jesus prova bem que é ou pelo menos pretende ser, seu
discípulo.
E para salientar que não há necessidade de "seguir" a doutrina, mas basta um simples ato de
humanidade para atrair bênçãos, acrescenta uma imagem corriqueira da vida diária: basta que vos
dêem um copo d’água em meu nome, porque sois de Cristo.

A preocupação máxima da personagem egoística, que vive e vibra no mundo divisionista da


matéria, é manter ciosamente os "direitos" conquistados. Ignora que "onde começa o direito,
termina o amor" (Pietro Ubaldi). A individualidade, que sabe e reconhece que é una com o Cristo
Cósmico e, portanto com todas as individualidades que existem, é que ama sem limitações de
"direitos", conhecendo apenas humilde e desprendidamente seus deveres do serviço.
A lição, pois, procede plenamente. Vemos a personagem humana, exaltada pelo ciúme (que
freqüentemente se camufla com o eufemismo de "zêlu") a protestar e perseguir, sob a alegação de
que não pode falar e agir em nome do Mestre quem não for seguidor da escola que os homens
regulamentaram e impuseram como sendo a única que é "dona" de Jesus, muito embora na prática
venham a contradizer os ensinos teóricos do Mestre. Tudo isso, porém é sobejamente conhecido,
para que percamos tempo em comentários.
A lição diz-nos que devemos superar todas essas divisões, considerando correligionários e
irmãos todos os que falam, pregam e agem em nome de Cristo, embora em línguas diferentes ou sob
outras formas verbais. Cristo é um só manifestando-se através dos grandes avatares: Mesquisedec,
Rama, Hermes, Crishna, Gautama o Buddha, Quetzalcoatl, Jesus, Bahá'u'lláh, Ramakrishna, ou
qualquer outro. CRISTO revelou-se sempre e ainda se revela universalmente a todas as criaturas,
em todas as latitudes e meridianos, em todas as épocas, em todos os idiomas, embora os homens.

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Capítulo 9

30

(...) cada grupo humano segue uma senda diferente dos outros: são, pensam eles, "outras"
religiões... são adversários... antagonistas... diabólicos... E cada grupo SE atribui a única e total
posse da verdade, classificando todos os outros no "erro"... São crianças, que não alcançam a
compreensão adulta do Homem feito, o qual já percebe, pela individualidade, que TODOS os
caminhos levam ao mesmo e único Deus que habita DENTRO DE TODOS indistintamente, de
qualquer religião que seja. E o único testemunho que apresentam a favor dessa "propriedade", é a
palavra deles mesmos: eles SE DIZEM donos do "Deus verdadeiro", e ai de quem não acreditar
neles!
Quando a humanidade tiver evoluído suficientemente para superar a fase materialista e
divisionista das personagens transitórias, ela compreenderá que “tudo está cheio de Deus" (pánta
plêrê theôn, Aristóteles), e que o caminho que leva a religar-nos a Deus, é o CRISTO UNIVERSAL
(Cósmico), sob qualquer das denominações por que Se tenha manifestado a nós, em qualquer época,
em qualquer clima: "Eu sou o CAMINHO da Verdade e da Vida (Jo 14:6).
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, vol. 4)

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Capítulo 9

31

Vv. 42 a 48 – Os tropeços (Mt 18:6-9; Lc 17:1-2)

I
Antes de passarmos à análise do texto, examinemos alguns vocábulos. Os moinhos (rêhhajm)
eram de dois tipos: o leve (portátil) chamados "moinhos de homem (rêhhaim shel'adâm) e os
pesados, denominados “moinhos de burro" (rêhhaim shel hamôr), porque essa alimária era utilizada
para fazer girar a pedra móvel (a que chamamos mó) ou "cavaleiro" (rekhebh), que pisava o grão
rodando sobre a outra pedra de baixo (petah tahtith), também dita "que dormia" (shakkâbh).
Os gregos também distinguiam o moinho a mão (cheiromylé, cfr. Êx. 11:5; Juizes 9:53 e Mat.
24:47) e moinhos de burro (epimylion). A mó deste segundo era dita líthos mylikós. Os romanos os
conheciam, bastando lembrar Ovídio: pumíceas versat asella molles (Fastos, 6, 318), isto é: "a
burrica gira as mós de pedra-pomes".
A figura "pendurar uma mó ao pescoço" aparece em Qidduchin 29-b, quando o Rabbi Jochanan
diz: "casar-se e depois estudar a Lei, é condenar-se a estudá-la com uma mó no pescoço".
Quanto a lançar ao mar alguém com um peso, diz Suetônio (Augustus,67) que foi suplício
usado: oneratos gravi póndere cervícibus praecipitavit in flumen, ou seja: "precipitou (-os) no rio,
carregados com grande peso nos pescoços". Entre os israelitas, porém, o afogamento era suplício
inaceitável, porque privava a vítima de sepultura.

ESCÂNDALO
Muitas vezes aparece em o Novo Testamento a palavra "escândalo" (grego skándalon), que
literalmente significa "pedra de tropeço. ou “armadilha para fazer alguém cair". Assim também o
verbo skandalízein que é "provocar a queda" (escandalizar).
Pelas frases "escandalizar os pequenos" e pelas ações, certificamo-nos de que se trata de
palavras ou ações que "desviam do rumo certo" (em grego hamartánô, em latim peccare, este
composto precisamente de pés, “pé", e cádere, "cair", dando a idéia de "tropeço" que provoca a
queda). O exemplo de Paulo é totalmente esclarecedor. Vejamos:

1) aos romanos: "Sei e estou persuadido no Senhor, de que nenhuma coisa é, em si, impura (a não
ser para aquele que a tem como tal) ... Bom é não comer carne, nem beber vinho, nem fazer alguma
coisa em que teu irmão se escandalize" (Rom. 14:14, 21).
2) aos coríntios: "Quanto ao comer as carnes sacrificadas aos ídolos, sabemos que um ídolo nada é
no mundo... A comida, porém, não nos recomendará a Deus : não somos piores se não comermos
nem melhores se comermos. Mas vede que essa liberdade vossa não venha de alguma forma a ser
pedra de tropeço para os fracos... Por isso, se a comida serve de pedra de tropeço a meu irmão,
jamais comerei carne, para que eu não sirva de pedra de tropeço para meu irmão" (l.ª Cor. 8:4 e 13).
Compreendemos, então, que essa "pedra de tropeço" ou esse “escândalo" não é somente o ver e
admirar-se: é o afrouxar a vigilância e imitar o ato, embora a consciência do escandalizado o
condene por isso. O que torna má e prejudicial uma ação, não é a ação em si, mas o que nossa
consciência o julga.
Se sabemos que beber cerveja não constitui "pecado", mas o vizinho ao lado julga que o seja,
diante dele procuraremos evitar esse ato, pois ele poderia ser levado a imitar-nos e a ficar com a
consciência pesada, criando a vibração do remorso, que atrairia infalivelmente o carma negativo. O
sofrimento que, por esse fato, lhe adviesse, seria causado por nós; e, como co-responsáveis, também
sofreríamos. E quiçá mais do que pudéssemos supor, pois responderíamos por todas as
consequências decorrentes de um ato que talvez, para nós, não tivesse representado nada ou quase
nada.

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Capítulo 9

32

Estamos dando exemplos de coisas pequenas, de somenos importância, mas sabemos todos que
há coisas muito mais graves, cujo remorso pode provocar carmas negativos que necessitem duas ou
mais encarnações para serem queimados. Quanto mal, quanto atraso podemos causar a
companheiros de jornada terrena, se não tivermos a delicadeza de "sentir" o que podemos ou não
fazer e dizer perante eles!
Esse é o escândalo, o tropeço, que é fatal ocorrer. Mas, ai daquele que for o causador: receberá
pelo "choque de retorno" toda a carga que tiver jogado sobre os ombros dos irmãos ou irmãs.
O "escândalo" ou "pedra de tropeço", consiste, também, em desviar irmãos .menores" (em
evolução, em inteligência, em conhecimentos) do caminho certo, influindo para que se afastem de
grupos onde se acham bem; ou para que abandonem a religião que lhes fala à alma. Daí o erro do
proselitismo: cada um deve modificar seu modo de pensar de dentro para fora, quando chegar a
necessidade íntima, e não por influências e pregações externas.
Vejamos agora a tradução corrente, que diz: "é necessário que o escândalo venha". Não pode
essa tradução, na verdade, ser taxada de errada, mas corresponde muito mais ao grego anágkê o
português "fatal" ou "inevitável". Cremos não ser preciso demonstrar a diferença entre "é
necessário" e "é inevitável".
Jerônimo já descobrira a traição ao original, quando escreveu que "se fosse necessário o
escândalo, não haveria culpa da parte de quem o ocasionasse; mas, ao contrário, cada um por sua
culpa faz cair". A expressão de Lucas anéndekton estin confirma nossa asserção: "é inevitável".
Em Sua vida terrena, Jesus evitava escandalizar, como, por exemplo, no caso da didracma (cfr.
Mat. 17:24-27). E Paulo refere-se ao escândalo em Rom. 14:21; 1.ª Cor. 8:13 e 2.ª Cor. 11:29).
Examinemos, agora, o enfático conselho que, comparativamente, é dado: seria melhor o suicídio
por afogamento, que a provocação do escândalo.
A razão salta aos olhos: o suicídio traz sofrimento bárbaro, do qual só nós responderemos
perante a Lei, sofrendo-lhe pessoalmente as conseqüências dolorosas. O escândalo, que induz ao
mal, na armadilha que preparamos, escondendo um perigo (portanto intencionalmente, cfr. Sab.
14:11) traz resultados danosos aos outros, multiplicando nossa responsabilidade pelo número de
pessoas que desviamos do caminho com o nosso exemplo ou as nossas palavras. E sofreremos a dor
de nosso erro e do carma dos erros de todos os que fizemos sair da estrada certa, numa reação em
cadeia incalculável e imprevisível.
A ignorância poderá atenuar; mas o peso será total se o fizermos conscientes, quer motivados
por espírito de maldade, só para prejudicar, quer levados por orgulho ou pela vaidade ferida.
Examinando, agora, as três comparações da amputação da mão, do pé e da extração do olho,
vemos o que significa a comparação com o suicídio.
(...) a simples leitura atenta do texto demonstra que essas amputações são realizadas no corpo
astral, antes da encarnação. Com efeito, "é melhor entrar NA VIDA" - isto é, na vida FÍSICA da
matéria densa, coxo, manco ou cego de um olho, que nascer aqui perfeito e ser lançado na "geena"
dos vícios e das lutas, que tanto nos fazem sofrer. Sim, porque ninguém poderia supor que essa
"vida" de que fala Jesus, se referia ao "céu". Que adiantaria ficar nesse céu mitológico na condição
de coxo, de cego ou de manco, se: 1.º lá não haveria mais perigo de cair; 2.º lá tudo é perfeito; 3.º se
lá não se produzem mais escândalos?

PROVA DA REENCARNAÇÃO
Este trecho constitui uma das mais insofismáveis provas de que Jesus, pelos próprios textos
evangélicos, aceitava a doutrina da reencarnação. De que a reencarnação era ensinada clara e
categoricamente.
Não sabemos por que os adeptos do Espiritismo e das doutrinas reencarnacionistas só costumam
evocar as provas de Nicodemos e de Elias-Batista, e deixam de lado esta preciosidade.

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Capítulo 9

33

Essas palavras evangélicas explicam incontestavelmente a questão dos nascimentos diferentes: a


razão das crianças que nascem aleijadas, cegas, surdas, ou com qualquer deficiência, enquanto
outras surgem no planeta, perfeitas e saudáveis.
Dá-nos ainda a compreender que, se algumas crianças nascem aleijadas por motivo de carmas
negativos, outras assim renascem, por escolha pessoal, antes da encarnação, a fim de evitar quedas
sucessivas ou retardamentos prejudiciais na evolução; então voluntariamente interrompem o
caminho do erro e enveredam pela senda do auto-aperfeiçoamento, sentindo-se privadas, na vida da
carne, daqueles órgãos que constituíram sua desgraça no passado.
Constituem estes versículos (43, 44, 45 46, 48) uma das provas, para certas seitas, da
"eternidade" do fogo do inferno. Não há a menor razão para isso. O "fogo inextinguível", segundo
Emmanuel, é o fogo do Amor Divino, que faz que todos se purifiquem de seus erros. Nós diríamos,
o "fogo do carma", que não se apaga enquanto a catarse não estiver terminada, e esse fogo causa
"choro e ranger de dentes" em todos os que a eles estão sujeitos. Essa expressão aparece em Mat.
8:12; 13:50; 22:13; 24:51; 25:30; Luc. 13:28.

Várias considerações há que fazer, em pesquisa mais apurada, além das que já foram aduzidas.
Inicialmente, é mister insistir no ensinamento verdadeiro do trecho.
Sabemos que os evangelistas reproduziram, em anotações rápidas e fragmentárias, os ensinos
de Jesus e as palavras do Cristo através Dele para que não fossem esquecidos nem distorcidos
pelos futuros membros (...) "Assembléia do Caminho", sobretudo por parte dos encarregados da
explicação da doutrina.
Dessa forma, destinavam-se os Evangelhos à memorização Ensinos especializa dos para os
irmãos (adelphós): assim eram denominados os que se filiavam à Irmandade da Escola. Só entre
eles era usado o título de irmão. E os autores dos escritos inspirados bem o sabiam, classificando os
companheiros como irmãos ou santos (sadio, purificados).
Sabiam, também, o que significavam as expressões "pequenos", "pequeninos” ou "crianças,
criancinhas": eram aqueles que estavam pretendendo ingresso ou começando a freqüentar as
reuniões ainda exotéricas, os “infantes” espirituais. Assim como "cachorrinhos" ou “cães" eram os
profanos, totalmente afastados do espiritualismo. Quando um "desses pequeninos" era aceito e
inscrito nos primeiros cursos da Escola, recebia o nome de "catecúmeno”.
Não foram escritos, pois, os Evangelhos, com endereço popular, com destino a profanos
daquela época. Essa intenção básica refletiu-se durante séculos na igreja romana, que reservava a
leitura e o estudo evangélico apenas aos "clérigos". Quando a humanidade, muito mais tarde,
conquistou a maturidade que a tornou apta a compreender os textos, veio à Terra o grande
missionário Lutero, com a tarefa específica de vulgarizar os Evangelhos entre o grande público.
Mas os escritores sabiam que as anotações que registravam nos papiros e pergaminhos
poderiam cair (e caíram mesmo) em mãos profanas, sem qualquer condição, nem moral nem
intelectual, de penetrar-lhes a profundidade do ensino. Daí a necessidade absoluta de transmitir o
ensino verdadeiro mas de forma velada ("não deis coisas santas aos cães nem pérolas aos porcos",
Mt 7:6). Essa forma alegórica e simbólica seria entendida apenas pelos possuidores das "chaves de
decifração". Quem conhecia o "segredo do cofre", poderia abri-lo a qualquer momento.
Doutro lado, só os fatos essenciais, cuja interpretação pudesse servir de ensino, é que foram
anotados. Não havia necessidade, nem convinha que se lançasse na publicidade incontrolada do
papel, um "tratado" completo. Aos que haviam cursado a Escola, bastariam pontos essenciais
acenados, quer sob forma parabólica ditada por Jesus, quer sob o disfarce de falas e exemplos,
quer sob a forma alegórica ou simbólica de ensinos rápidos, em que o essencial era resumido,
apenas como esquema mnemônico.

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Capítulo 9

34

Outra vantagem havia nessa maneira de expor assuntos capitais para a evolução, mas
perigosos como armas de dois gumes para os que não houvessem conquistado o direito de acesso
ao santuário: ao cair entre mãos profanas, as palavras seriam entendidas segundo seu sentido
corrente vulgar, e isso permitiria que, mesmo com o obscurantismo que sucederia na era Pisces, o
ensino pudesse ser aproveitado em sua forma material, acessível às mentalidades pouco
espiritualizadas da massa ignara.
Obra de suma responsabilidade, reveladora da profunda psicologia de seus autores. Como
escreveu Renan, em outras palavras, “negar a genialidade de Jesus acarretaria dificuldade muito
maior: a de admitir a genialidade dos quatro evangelistas”.
Com a natural evolução da humanidade, chegaríamos a compreender o sentido real e profundo
dos ensinos evangélicos. Questão de tempo e de ascensão espiritual dos homens. A obra foi
confiada aos pergaminhos. A semente foi plantada. Os frutos chegariam no tempo devido.

A lição que aqui se acha oculta sob a frase chocante, de que era preferível o suicídio ao
"escândalo" é dirigida particularmente aos encarregados do ensino nas Escolas. Para o vulgo, ela
assusta e faz evitar as ações erradas que possam fazer cair os companheiros fracos.
Mas aos que seguem a carreira do mestrado, ela admoesta que um ensino errado - quer
provocado por estudo desidioso que não chega a quebrar a capa da ignorância, quer por
improvisação de conceitos (dado que a vaidade não deixa confessar a inconsciência) - equivale a
um suicídio da pior espécie.
Quem, ao exaltar-se na cátedra, arrasta os "pequenos” de compreensão e os de boa-fé a
acreditar nele, pessoa humana, que se constitui ídolo vivo, intitulando-se "mestre" em busca de
gloríolas, arca com responsabilidade tão imensa, que chega a equivaler a um suicídio moral.
Quem ensina, por falta de conhecimento ou, pior ainda, de sinceridade, a ir em busca de um
Deus externo e mau, severo e vingativo, inconstante e, volúvel que, mesmo exigindo dos homens que
perdoem “setenta vezes sete", ele mesmo não perdoa e lança seus "filhos" num inferno eterno, é tão
culpado perante a Lei como se cometesse um suicídio.
Quem distorce as verdades evangélicas, interpretando-lhes as palavras para apoiar suas idéias
(e não no sentido real), por vezes até opostas ao ensino de Jesus, está de fato preparando
armadilhas para que os pequenos retardem sua evolução. Seu sofrimento será maior que o do
suicídio, na vida fora da matéria.
Todos esses tipos de "escândalos" são inevitáveis que ocorram, em vista do atraso dos homens,
imbuídos de vaidade ignorante e de presunção orgulhosa.
Entretanto, melhor seria se se apresentassem diante dos homens com sincera honestidade: coxo
ou manco de conhecimento ou meio cego de compreensão, e humildemente confessassem sua
ignorância do assunto, sem a vaidade de "saber tudo". Muito melhor que arcar com a
responsabilidade de um ensino errôneo ou personalístico. O carma negativo que se colhe quando se
age mal – sobretudo quando é conscientemente - é terrível, porque "o verme do remorso não morre
e o fogo da consciência não se extingue".
No vers. 47 de Marcos, a expressão "entrar na vida" é substituída por "entrar no reino de
Deus". Com efeito, quem não ensina certo não tem possibilidade de realizar, na Terra, a união
divina, sintonizando com o Pai.
Todos nós sabemos ser constituídos de uma individualidade que se condensa em personagem,
para conquistar a evolução. Mas precisamos compreender que essa condensação é literalmente
uma condensação, ou seja, o Espírito ilimitado se reduz num corpo relativamente minúsculo,
embora permaneça o Espírito com as mesmas características ilimitadas. Então, enquanto está preso
na personagem, está também "nos céus", ligado ao Pai (“vendo-Lhe incessantemente a face”).

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

35

Não podemos dizer que "uma parte" no Espírito se condensa, e "outra parte" permanece
ilimitada, porque o Espírito não tem "partes", já que não possui extensão nem dimensão: é UM
TODO inespacial, adimensional, ilimitado, vibracionalmente consciente em todos os planos,
inclusive no plano divino geração Dele (At. 17:28).
Por isso, mesmo que nossa consciência atual não o saiba nem o perceba, nós (o Espírito)
"estamos em Deus, Nele nos movemos e existimos e somos geração Dele" (At. 17:28).
Por menor e mais involuída que se apresente a nós a criatura, ali está a manifestação visível,
com forma, de um Espirito invisível e divino em sua essência. Logo, não há motivo para desprezar
alguém por ser ignorante, pobre, pequeno, aleijado ou criminoso. Estas são as "aparências"
externas da personagem "filha do mal", criatura do Anti-Sistema, vibração condensada no polo
negativo de um Espírito que vive incessantemente consciente no polo positivo.
A sublimidade do ensino chega a estarrecer-nos, sem dúvida. Mas está claro na palavra de
Jesus. É nova concepção da Vida, da existência do ser. Trata-se de verdadeira revelação
consoladora e estimulante.
Quando os homens souberem disso e se convencerem dessa realidade, o ambiente da Terra se
modificará totalmente.
Verdade essa que foi vivida pelos Grandes Seres, e agora é permitida: sua divulgação ampla,
pois soou a hora de alertar a todos da REALIDADE sublime de nossa divindade substancial. A
revelação gradativa reserva-nos grandes surpresas, e ainda outras coisas há que dizer, que virão a
seu tempo determinado.
Aproveitemos este ensejo para meditar a respeito do que é um Filho do Homem: um ser que
conquistou, a duras penas, a consciência do que ele verdadeiramente é: um Espírito unido ao Pai
pela vibração mística que constitui sua essência mais profunda. A personagem, transitória e
carregada de defeitos, é veículo temporário e deficiente, que apenas representa a exteriorização
mínima e sem importância de uma realidade que está acima de nossa mais fértil imaginação.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, vol. 6)

II
9: 43 – Geena (Forma grega) ou Hinom (forma hebraica)
Vale situado a sudoeste de Jerusalém, entre a estrada que vai para Belém e a que vai para o mar
Morto. Estava na divisa entre Judá e Benjamim (Js 15.8). Ali se queimavam crianças no culto a
MOLOQUE (2Rs 23.10). Mais tarde era lugar onde se queimava lixo. Geena é a forma grega do
hebraico ge-hinom, que quer dizer "vale de Hinom". A palavra geena ocorre 12 vezes no NT e é
traduzida por "inferno" (Mt 5.22).
(Dicionário bíblico Ebenezer)

III
No planeta atrasado em que habitamos, as encarnações, em geral, são concedidas aos Espíritos
que as pedem, para expiação e reparação de faltas que anteriormente cometeram. Consistem as
expiações em sofrimentos físicos e morais, sofrimentos esses que, muitas vezes, são causados pelos
maus atos, maus conselhos, maus exemplos de outros que, obstinados no mal, se tornam assim
causas ou instrumentos de escândalo. Constitui este, para o que lhe experimenta as conseqüências,
uma como punição de suas culpas e, portanto, um fator do seu progresso.
Necessário é, pois, que haja escândalo no mundo, visto que só mediante eles muitas
consciências despertam para o reconhecimento dos erros praticados e para o arrependimento, e que,
pelo contacto com os vícios, e que as virtudes se fortalecem e deles triunfam. Ai, porém, dos que
ocasionem o escândalo, e ai também, ainda que menor lhes seja a culpa, dos que se deixem levar até
ao escândalo.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

36

Mais valera não houvessem encarnado, antes de estarem bastante amadurecidos para uma vida
melhor.
Qualquer que seja o sacrifício que nos custe a destruição, em nossas almas, de todas as causas
do mal, preferível é que o façamos, a que nos tornemos causa de escândalo, com o que nos
condenaremos a sofrer, durante séculos talvez, na vida errante do Espírito culpado, uma tortura de
todos os momentos, sem que nos sorria a esperança de ver-lhe o fim, enquanto o arrependimento não
nos abrir o coração para aninhá-la, induzindo-nos ao desejo de baixarmos de novo ao mundo, para,
numa outra vida, expiar e reparar o mal praticado.
O fogo exprime emblematicamente a expiação, como meio de purificação e, assim, de
progresso, para o Espírito culpado.
O sal, entre os hebreus, era o emblema da purificação de toda vítima oferecida em oblata ao
Senhor. Recorrendo sempre aos costumes, preconceitos e tradições hebraicas, para compor a
linguagem figurada de que necessitava usar, Jesus ainda aqui apresentou a infância como emblema
da pureza e da virtude.
O filho do homem veio salvar o que estava perdido. — Estavam perdidos os que se haviam
desencaminhado, por não mais obedecerem aos mandamentos, por os terem falseado, fazendo das
tradições o fundamento de seus dogmas. Esses os que o filho do homem viera salvar, abrindo-lhes
uma estrada nova, em seguimento da de que se tinham afastado. Com o correr dos tempos,
entretanto, também essa nova estrada ficou atravancada de dogmas, de tradições, de interpretações
grosseiras, escombros confusos do edifício que Ele erguera a tão grande altura, com extrema
simplicidade e clareza, proclamando entre os homens e para a Humanidade inteira que toda a lei e os
profetas se contêm nestes dois mandamentos: amar a Deus acima de todas as coisas e amar o
próximo como a si mesmo, abstração feita de todos os diversos cultos exteriores, e prescrevendo que
não adorassem o Pai nem de cima do monte, nem em Jerusalém; que o adorassem, como Ele quer
ser adorado, em espírito e verdade, isto é, como servos e membros da Igreja universal do Cristo,
cujo templo é o nosso planeta e cujos fiéis são os que praticam aquele duplo amor, pelo exemplo e
pela palavra, para que se lhe cumpra a promessa, de haver — um só rebanho conduzido por um só
pastor. Assim tendo acontecido, volta Ele hoje a salvar, por meio da Nova Revelação e por
intermédio dos Espíritos seus servidores, os que se perderam em meio daqueles escombros e
reconduzi-los, em nome do Espírito da Verdade, ao caminho que leva a Deus.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 112)

IV
Vv. 42 - Os que desviam seu próximo da crença em Deus, e do bem que promana da fé viva, e
das consolações que se originam da certeza da imortalidade da alma, cometem um grande crime,
porque se fazem agentes das trevas, e trabalham para que o mal se perpetue na face da terra. São
péssimas as conseqüências que um tal proceder acarreta para os infelizes, que se entregam à ingrata
tarefa de apagarem a luz que clareia o caminho das criaturas para Deus; rudes sofrimentos os
aguardam no caminho do porvír.

Vv. 43 a 48 - Temos aqui a lei das causas e dos efeitos. Cada um é punido naquilo por que
pecou. Se os órgãos do corpo, ao invés de servirem para o bem, são utilizados para o mal, deverão
ser suprimidos do futuro corpo, no qual o espírito se reencarnará. Assim o espírito se penitenciará do
erro cometido e aprenderá a servir-se nobremente dos instrumentos que o Senhor lhe emprestou para
seu progresso. Pela aplicação dessa lei, os que consagram sua inteligência ao mal, serão compelidos
à idiotia; os que abusam do poder, serão rebaixados à subalternidade; os que menosprezam o dom da
saúde, terão de viver em organismos enfermos; enfim, cada um sofrerá em si próprio o efeito do erro
cometido.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

37

Quanto à expressão fogo do inferno, não a devemos tomar no sentido de “lugar de eternos
suplícios”; porém, como sendo a intranqüilidade que agita a alma e a faz penar até que não corrija o
mal praticado. Uma vez que, pelo esforço e boa vontade, a alma se livra das manchas que lhe
queimam a consciência, cessará o “fogo do inferno” que a consumia.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 18)

V
VER REFERÊNCIA BÍBLICA DE MARCOS NO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

9 42 a 47 VIII 12 a 17

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

38

Vv. 49 e 50 – Os discípulos o sal da terra (Mt 5:13; Lc 14:34-35)

I
O sal (cloreto de sódio) possui a qualidade de, como agente catalítico, ativar o gosto dos
alimentos, condimentando-os e tornando-os saborosos. Em si mesmo, não é aceitável, mas
acrescentado na medida justa, produz o paladar agradável dos próprios alimentos a que é adicionado.
Além disso, tem a propriedade de conservar os alimentos, evitando-lhes a deterioração. Duas
qualidades preciosas.
No entanto, se o sal se torna insulso, perde ambas, e para nada mais serve.
Jesus compara seus discípulos, não apenas os apóstolos, (pois se dirigia à multidão que O ouvia)
ao sal: de per si nada valem, mas com sua presença dão sabor às realidades da vida e conservam os
demais cristãos livres da corrupção. Mas, se perderem as qualidades catalisadoras, se tornarão
inúteis.
O discípulo, que se une ao Cristo, influi com sua própria aura psíquica na elevação espiritual
de toda a humanidade. Tal como ocorre com o sal nos alimentos, ativa-lhes o paladar, tornando-os
mais saborosos, e conserva-os na via certa. Basta essa irradiação poderosa para transformar a
humanidade, ajudando-a mais do que se lhe atendesse às necessidades materiais, físicas,
emocionais ou intelectuais.
Mais do que assistência social à saúde, à fome, ao vestido, carece a humanidade de paz
interior, de tranquilização da aura. E isso é obtido por meio das radiações espirituais daquele que
se tornou o verdadeiro sal da Terra, com sua unificação com o Cristo Interno.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 2)

II
Para nenhuma coisa mais fica servindo, senão para se lançar fora e ser pisado pelos homens.
A comparação que Jesus faz entre o sal e seus discípulos é bastante explícita. O bom sal salga,
preservando da corrupção. Os modernos discípulos de Jesus são os espíritas e, particularmente, os
médiuns, chamados a fazer brilhar novamente no mundo os preceitos do Evangelho, no momento
em que desaparecem soterrados nas abominações dos altares. Cumpre-lhes lutar para que a
corrupção não arruíne o corpo e a alma da humanidade.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 5)

III
Para que se apreenda o pensamento do divino Mestre neste passo, preciso é se compreendam
bem as figuras em que Ele o envolveu, ou, antes, a comparação de que se serviu para exprimi-lo. O
sal, substância incorruptível e preservadora de toda corrupção, representa aqui o conhecimento que,
da verdade, já o homem possua, por efeito dos ensinamentos que tenha recebido e que lhe cabe
espalhar. Se o sal, porém, perde o sabor, se fica insípido, de nenhuma utilidade se torna, para nada
mais presta, senão para ser posto fora.
Assim, o homem, ou, de modo mais geral, o Espírito, sua moralidade, seu amor a Deus, sua
submissão às leis divinas, sua fiel observância de todos os mandamentos que vêm de Deus e do seu
Cristo, decorrendo tudo isso do aproveitamento daqueles ensinos, são o que lhe constitui o saber. Se
não há esse aproveitamento, se, deixando-se dominar por maus pendores, o homem perde de vista a
meta que lhe cumpre atingir, perde ele igualmente o seu sabor, passa a ser sal insípido.
Desde então, tem que ser posto fora, o que significa: tem que ser afastado do convívio dos que
conservaram o sabor e submetido, para novamente o adquirir, a sofrimentos e torturas morais, na
erraticidade, adequados àquele efeito e, depois, à reencarnação na Terra, ou em planetas inferiores a
este, onde, por meio das provas, correspondentes aos seus delitos, se purifique e eleve.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 9

39

Uma época tem que vir, a da regeneração humana, em que somente Espíritos bons deverão
habitar o nosso mundo. Nessa época, os que, tendo até então aí encarnado, se conservarem culpados
e rebeldes, estacionários na senda do progresso, serão afastados dele, “lançados fora”. Irão
reencarnar em mundos apropriados às suas condições morais, onde terão que permanecer, até que se
lhes ache vencida a obstinação no mal e a cegueira voluntária.
De modo particular, as figuras do sal da Terra, da luz do mundo, da lâmpada que se não deve
esconder, para que possa alumiar e esclarecer, se aplicam aos que se constituem propagadores de
uma parcela da verdade divina, apóstolos de uma revelação vinda do Alto.
Como divulgá-la, como lhes cumpre, pela palavra e pelo exemplo, eles se constituem o sal que
preserva da corrupção as almas, a luz que ilumina as consciências, a lâmpada cujo foco atrai os que
anseiam por sair das trevas em que caíram. Assim, os espíritas são, no presente, ou devem ser, o sal
da Terra, a luz do mundo, relativamente à revelação nova, como os apóstolos e os discípulos do
Cristo o foram relativamente à que ele trouxe à Humanidade.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 18)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

40

ESQUEMA ESTRUTURAL DO CAPÍTULO 10

V. 1 Jesus atravessa o Jordão (Mt 19:1-2 e Jo. 10:40-42)........................................... 43

Vv. 2 a 12 A questão do divórcio (Mt 19:3-12; Lc 16:18)..................................................... 43

Vv. 13 a 16 Jesus abençoa as crianças (Mt 19:13-15; Lc 18:15-17)....................................... 55

Vv. 17 a 22 O jovem rico (Mt 19:16-22; Lc 18:18-23)............................................................ 58

Vv. 23 a 31 O perigo das riquezas (Mt 19:23-30; Lc 18:24-30)............................................. 62

Vv. 32 a 34 Jesus ainda outra vez prediz sua morte e ressurreição..................................... 69


(Mt 20:17-19; Lc 18:31-34)

Vv. 35 a 45 O pedido de Tiago e João (Mt 20:20-28)............................................................. 73

Vv. 46 a 52 A cura do cego de Jericó (Mt 20:29-34; Lc 18:35-43)......................................... 84

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

41

V. 1 – Jesus atravessa o Jordão ou a Volta a Transjordânia (Mt. 19:1-2 e Jo. 10:40-42)

A expressão de Marcos ekeithen anastás lembra o mesmo em 7:24. Era um modismo hebraico
comum (vaiaqom, cfr. Gên. 22:3 e Núm. 22:14, 21, etc.) indicando o início de uma viagem.
O fato de que temos aqui notícia é que Jesus, (...), retira-se para além Jordão, nos arredores de
Betânia, no local em que o Batista costumava mergulhar nas margens do Jordão (Jo 1:28 e 10:40-42)
(...). Exatamente aí Jesus iniciara Sua "vida pública" (João, 4:23) e aí convocara seus primeiros
discípulos (João 1:35-43). Os moradores locais ainda se recordavam bem de João (Batista), “que não
dera sinais exteriores", mas que falara certo quando se referiu a Jesus, recém-chegado, dizendo que
era o Esperado. Essa fé valeu de muito, pois foram curados “todos” os que a Ele recorreram.
Daí por diante, Jesus permanece naquela região (eis tà hória), indo a Efraim ou Efrém na
Samaria, nos arredores e regressando a Jericó, donde se dirigirá a Jerusalém, onde será crucificado
na páscoa (...).
A Peréia (Transjordânia) era uma região que se estendia por uns 100 km nas margens orientais
do Jordão, entre o lado de Tiberíades ao norte e o mar Morto ao sul. O rio limitava-a a oeste e
Filadélfia a leste, Péla ao norte e Maquérus ao sul. Sua capital, antes denominada Betharamphtha,
fora cognominada Lívias por Herodes, o grande, em homenagem à esposa de Augusto, e
engrandecida por Herodes Antipas que, porém, preferia residir em Maquérus. Lívias ficava defronte
de Jericó, na outra margem do Jordão que, nesse ponto, tinha vários vaus. permitindo travessia fácil.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 5)

Vv. 2 a 12 – A questão do divórcio ou Libelo de repúdio (Mt 19:3-12; Lc 16:18)

I
Este trecho tem suscitado discussões teológicas e éticas, e não seremos nós que pretenderemos
dizer a última palavra. Trata-se da indissolubilidade ou não do matrimônio e da liceidade de novas
núpcias após o divórcio.
Aqui o assunto é tratado com mais pormenores, provocado por uma pergunta de "alguns" (o
grego não traz artigo, deixando indeterminado o sujeito no texto).
Na época de Jesus havia duas escolas bastante influentes: a de Hillel, mais humana e tolerante e
a de Chammai, rigorosa e exigente. Vejamos, então, o discutido texto do Deuteronômlo (24:1-4):
"Se um homem toma uma mulher e coabita com ela, assim será se não achar benevolência diante
dele porque descobriu nela um costume inconveniente, escreverá carta de repúdio, dar-lha-á nas
mãos dela e a despedirá de sua casa. E, saindo, ela se torna de outro homem: o segundo homem, se
não gostar dela e escrever-lhe carta de repúdio e lhe der nas mãos dela e a despedir de sua casa; e se
morrer o segundo homem que a tomou para sua mulher, não poderá o primeiro homem que a
despediu, voltando atrás, tomá-la como sua mulher, depois de suja, porque isso é abominação diante
do Senhor teu Deus: e não sujarás a terra que o Senhor teu Deus te deu em partilha".
Segundo Hillel, bastaria que o homem se desgostasse ou descobrisse qualquer defeito nela (até
se queimasse um prato de comida), para que fosse lícito repudiá-la. Chammai, porém, era inflexível:
só se houvesse realmente um "costume inconveniente", isto é, se a mulher lhe fosse infiel
entregando-se a outro homem, é que se lhe poderia dar carta de repúdio. A mulher podia casar-se,
depois disso, com outro homem.
O caso da mulher é o único previsto, porque o homem tinha plena liberdade de fazer o que
quisesse com seu corpo, do qual era dono absoluto, ao passo que o corpo da mulher pertencia ao
homem que o "comprara".

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

42

O homem não precisava repudiar a mulher para ter outra ou outras esposas, desde que tivesse
meios para pagar os 50 siclos1 poderia comprar quantas virgens quisesse e coabitar com todas a um
tempo. Na época de Moisés não havia "casamento" no sentido em que hoje o entendemos (civil e
religioso ou contrato e "sacramento"): o homem era polígamo (e os mais evoluídos seres, os
patriarcas, reis e sacerdotes, os homens de bem, conviviam maritalmente com várias mulheres). A
regulamentação, pois, foi escrita por Moisés quanto ao repúdio, que nada tem que ver com a
monogamia nem com a indissolubilidade de um vínculo que só surgiu posteriormente, com a
evolução da humanidade e das leis sociais.
Não havia, mesmo na época de Jesus, cerimônia religiosa para o casamento, mas apenas, nas
famílias, uma festa, em que, numa procissão, a noiva era levada por seus pais, que já haviam
recebido o dinheiro (o célebre “dote”) à casa do noivo, mesmo que esse já possuísse uma, dez ou
vinte outras mulheres como esposas. Só era adúltera a mulher, porque o fato de entregar seu corpo a
outro homem constituía um "roubo" a seu dono, que lhe havia comprado exatamente o corpo.
Na época de Jesus, embora menos ampla, a poligamia ainda proliferava, permitida por lei. Para
esses hábitos Jesus falou, e não para o costume que mais tarde se implantou (em grande parte por
obra da legislação romaria e da influência do cristianismo) da monogamia.
O que Jesus afirmou foi que, uma vez que o homem houvesse adquirido uma esposa (ou várias
delas) não a deveria jamais repudiar, a não ser por motivo de infidelidade, isto é, a não ser que ela se
entregasse a outro homem, caso em que poderia libertá-la para que fosse viver com seu novo amor.
"O que Deus juntou, um homem não separe", pois "os dois se tornaram uma só carne": isto é, uma
vez unidos, não deve haver repúdio, não deve ser expulsa de casa a mulher com que se coabitou,
pois isso seria um atentado contra o mandamento de "amar ao próximo tanto quanto a si mesmo".
Depois de conviver com a mulher, é criminoso pô-la para fora de casa, a não ser que ela
quisesse ir por sua espontânea vontade, para aderir a outro. Quem o fizer, a leva a talvez adulterar
(roubar o marido de outra); e se o fizer e colocar outra no lugar dela, está adulterando com a
primeira, isto é, está sendo infiel àquela à qual se uniu numa só carne; e quem receber a repudiada e
unir-se a ela, igualmente adultera, porque se está unindo à que pertence a outro homem.
Então, vemos taxativamente condenado o repúdio, a expulsão de casa, quando ainda existe o
laço de amor, pelo menos de um lado. Quando, todavia, esse laço foi rompido de fato, porque ela se
entregou a outro por amor, aí o motivo mais forte existe: a ligação feita por Deus o foi com outra
pessoa: dê-se-lhe a liberdade de escolher seu caminho.
A pergunta dos fariseus prende-se, precisamente, à causa do repúdio; se é lícito repudiar "por
qualquer motivo" (katà pásan aitía). E Jesus utiliza-se da mais perfeita técnica rabinica para
responder, reportando-se ao texto do Pentateuco e citando suas palavras ipsis lítteris, segundo a
versão dos LXX, como era de seu hábito, e não no original hebraico:
"Não sabeis que o criador (ktísas) desde o princípio macho e fêmea os fez"?

Está citado o vers. 27 do cap. 1.º do Gênesis, que se lê:

no hebraico (1) no grego (A)


"Elohim fez o homem à sua imagem, à imagem "E o deus fez o homem, segundo a imagem do
de elohim o fez, macho e fêmea os fez". deus o fez, macho e fêmea os fez".

1
Siclos - Peso básico usado nos antigos sistemas semíticos de medição. Não se conhece o peso exato do siclo. Alguns
estimam que pesasse entre 11,3 e 11,47 gramas.
COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2
Capítulo 10

43

Logo a seguir, emendando as frases com uma simples vírgula, prossegue citando o vers. 24 do
cap. 2.º do Gênesis: e disse:

no hebraico (2) no grego (B)


"Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe e "Por essa razão deixará o homem o pai dele e a
será ligado com sua mulher e serão uma carne". mãe e se unirá à mulher dele e serão os dois uma
carne".

Daí tira a conclusão: "O que Deus juntou, um homem não separe".
Até aqui, nada existe a respeito da monogamia: apenas é salientado que não se deve repudiar a
mulher com quem se coabita, porque, unindo-se, ambos passaram a constituir um só corpo físico; e
o repúdio representaria quase a amputação de uma metade do todo.

Na realidade, lemos no vers. 2 do cap. 5.º do Gênesis:

no hebraico (3) no grego (C)


"Macho e fêmea os fez e abençoou-os e fez o "Macho e fêmea fê-los e abençoou-os e chamou
nome dele homem (adám) no dia em que o fez". o nome dele adám no dia em que os fez".

Portanto, há uma só unidade macho e fêmea, e seu nome é um só, adám ("homem"),
englobando o ser completo, o duplo macho-fêmea.
Tudo isso, a nosso ver, refere-se à constituição do Espírito, que não possui distinção sexual, mas
engloba em si a dupla possibilidade masculina e feminina.
Quando se trata da plasmação dos veículos físicos, é que a característica dominante prevalece
sobre a outra, então dá-se a encarnação como homem (varão) ou como mulher. Tanto que, no
próprio Gênesis, logo no cap. 2.º (após haver dito que foi feito adám macho e fêmea, com a ordem
de multiplicar-se na terra), volta o texto a dizer: "e não existia o homem (adám) para trabalhar a
terra" (Gên. 2:5). Como assim? Então o elohim, que já aqui é chamado YHWH, resolve formar (o
verbo hebraico não é mais baráh, criar, mas itsér, formar) o homem "do pó da terra", isto é, revesti-
lo de matéria física densa. Aí, nessa situação de encarnado, é que o sexo dominante prevalece.
Então, resolve o "elohim YHWH" dar-lhe uma companheira do sexo feminino, "que lhe seja a
contraparte" literalmente: "E disse elohim-YHWH, não é bom ser o homem separado, farei para ele
uma auxiliar, sua contraparte".
Temos, portanto, dois tempos distintos: a constituição (ou "criação") do Espírito bi-sexual, e a
formação do corpo físico no qual só se desenvolve uma das duas características. Ora, a união de dois
corpos carnais de pólos opostos recompleta o Espírito bivalente: é um só Espírito em dois corpos. E
quando estes se unem, por meio do ato sexual, as duas tendências, que se encontravam separadas,
tornam a unificar-se.
A objeção dos fariseus é feita em tom de defesa da própria idéia. Sente-se que a primeira
pergunta foi colocada por um discípulo de Chammai: "será que qualquer motivo é suficiente para
repudiar a mulher, como diz Hillel"? Agora entra um dos discípulos de Hillel: "mas Moisés ordenou
o repúdio"... E Jesus, imediatamente, corrige: Moisés PERMITIU o repúdio, o que é bem diferente...
Mas por que permitiu? Pela dureza de coração (pròs tên sklerokardían) que não se sensibiliza pela
desgraça alheia e, egoisticamente, resolve as coisas de acordo com sua comodidade e seu prazer: se
não gosta mais da mulher, manda-a embora, sem pensar nos males que lhe podem advir, ao invés de
suportá-la e tratá-la bem até o fim, mesmo que seja ao lado de outras mulheres.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

44

“De início, porém, não foi assim”. Realmente, só é conhecido o caso do repúdio de Abraão
contra Hagar, por exigência de Sarah (cfr. Gên. 21.9-14), embora tivesse esse ato "parecido bem
duro aos olhos de Abraão, por causa de seu filho" (Ismael).
Repete-se, então, o ensino dado em Mt 5:32, com as mesmas palavras: "Digo-vos, porém, que
quem repudia sua mulher, a não ser por infidelidade, e casa com outra, adultera; igualmente,
também, quem casa com a repudiada, adultera"
O último versículo de Marcos crêem alguns ter sido acrescentado pelo evangelista, porque
escreveu para os cristãos romanos, e nessa cidade era permitido a mulher repudiar o marido, coisa
que a legislação israelita jamais admitiria. Lembremo-nos, todavia, que em 25 A.C. a irmã de
Herodes o Grande, Salomé, repudiou seu marido Costobar "apesar das leis judaicas" diz Flávio
Josefo; e também Herodíades deixara seu tio e marido Herodes Filipe, para casar com Herodes
Ântipas; por verberar isso, o Batista foi decapitado. E talvez a situação do momento, em que esse
mesmo Ântipas repudiara a filha de Nabateu 4.º, houvesse dado margem às perguntas dos fariseus.
Aqui entra Marcos, esclarecendo que o diálogo com os fariseus parou aí. O resto foi dito aos
"discípulos", em particular, "em casa" onde os ensinos podiam ser aprofundados espiritualmente.
Vem então a objeção dos discípulos: "Se essa é a condição do homem em relação à mulher, não
convém casar". Seria arriscado trazer para casa a mulher e depois ter que sofrê-la o resto da vida, por
pior que ela fosse. Ainda aqui não se fala de monogamia, que sómais tarde Paulo exigiria daqueles
que pretendessem o cargo de inspetores ("bispos"): "Se alguém aspira a ser inspetor, deseja belo
trabalho; deve pois o inspetor ser irrepreensível, homem de uma só mulher", ... (l.ª Tim. 3:1-2).
No entanto, esse mesmo Paulo permite que a mulher cristã, abandonada pelo marido incrédulo,
se case novamente, e vice-versa (l.ª Cor. 7:15); é o chamado "privilégio paulino". Mas recomenda a
monogamia: "Bom é que o homem não toque mulher mas, por causa das fornicações, cada um tenha
sua mulher e cada uma seu homem" (l.ª Cor, 7:1-2). (Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 6)

II
Analisemos, agora, o que se entendia por "adultério" na lei mosaica: era a infidelidade da esposa
ou da noiva ao seu senhor. Perante a lei, portanto, só a mulher casada e a noiva podiam cometer
adultério. O homem tinha plena liberdade de ação: se tivesse relações sexuais com moças solteiras,
nada de mal havia; no máximo, se fosse colhido em flagrante, pagava uma multa de 500 ciclos de
prata ao pai da moça e a levava como uma esposa mais (Deut. 22:28-29), podendo assim ampliar à
vontade o seu harém, desde que pudesse sustentá-las todas. Simplesmente, pois, "comprava mais
uma propriedade, ao pai, antigo "dono" da donzela.
A mulher é que, se casada, não podia entregar-se a outro homem, pois esse fato constituía um
roubo ao marido dela, já que ela era propriedade dele. Por isso o adultério era uma infidelidade ao
seu senhor. A lei mosaica mandava que, se eles fossem surpreendidos em flagrante, fossem mortos a
pedradas ambos caso a mulher tivesse marido ou noivo (Lev.20:10 e Deut.22:23); a ela, porque fora
infiel a seu dono; a ele, porque lesara uma propriedade alheia.
Jesus não aprova essa barbaridade: prefere o perdão, como vemos em João,8:1-11.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 2)

III
Depois, ligado ainda a esse assunto, vem a questão do repúdio da esposa (jamais o inverso se
podia dar!) permitido por lei (Deut. 24:1), mesmo que o motivo fosse unicamente "não achar graça
em seus olhos ou encontrar nela alguma coisa que fosse feia"...
Jesus continua a autorizar o repúdio da mulher (ou divórcio) e o repete em Mat. 19:9-10, mas
restringe essa atitude ao único caso em que a esposa tenha tido relações sexuais com outro homem
(infidelidade).

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

45

Nesse caso, o libelo de repúdio a deixaria livre, podendo unir-se ao outro.


Entretanto, se o repúdio não for por causa de infidelidade da esposa, então o marido, pondo-a
para fora de casa, a empurraria para o adultério; e quem a acolhesse também cometeria adultério
porque, de fato, ela não estaria divorciada, isto é, os vínculos matrimoniais não estariam dissolvidos.
Assim também o entende a igreja grega ortodoxa, que afirma: a infidelidade conjugal, por parte da
esposa, dissolve os vínculos matrimoniais.
Lucas não cita a exceção: reproduz apenas a regra geral, que proíbe o repúdio.
Nada se fala, entretanto, do caso de uma separação espontânea e voluntária dos dois cônjuges,
quando agissem de comum acordo. A prescrição é clara e taxativa: que o homem não cometa a
injustiça de repudiar a esposa, depois que viveu com ela; dando quase a entender tratar-se do caso
em que ela não quer, e ele a põe pela porta afora. A própria exceção apontada como lícita (quando
ela mesma, a esposa, prefere sair de casa para unir-se a outro homem) parece confirmar que, quando
o afastamento é voluntário de ambos os lados, nada existe que os impeça de reconquistar a
liberdade.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 2)

IV
A união divina é superior a todos e a tudo, nem está sujeita a quaisquer leis criadas pelos
homens.
O grande perigo reside em não saber distinguir-se se o movimento provém do Eu Profundo ou
se é ocasionado por uma atração do físico. E como a maioria da humanidade ainda vibra no plano
emocional (animal) há necessidade de regras e freios que contenham os abusos.
Eis, pois, alguns sinais que, se existirem todos concomitantemente, podem fazer conhecer se, na
realidade, o Amor é Espiritual, isto é, se nasce do Eu Profundo:
1.º - não requer retribuição de espécie alguma, continuando irresistível, firme e sólido mesmo se
desprezado e ferido;
2.º - não alimenta qualquer paixão (não é "apaixonado") mas, ao contrário, é equilibrado, e não
visa a ligações sexuais físicas, embora estas possam ocorrer como consequência desse amor, mas
não como seu objetivo; qualquer fanatismo, porém, é anti-natural;
3.º - embora não seja o primeiro numa existência carnal (pois, de modo geral, o homem evoluído
passa por três fases: o amor vital, o amor artístico e o amor místico; já nas mulheres é mais difícil
encontrar essas variantes, pois cada uma pertence a um tipo definido: ou é vital, visando à
procriação de filhos; ou é artístico, inspirando o homem; ou é místico, elevando-o a Deus, E nele
permanece durante toda a existência terrena), é na realidade o único verdadeiro, que prescinde das
formas físicas belas ou feias, da idade, da condição social, etc.;
4.º- mesmo que apareçam outras atrações físicas por outras criaturas encarnadas (em geral mais
moças e mais belas), o amor Espiritual permanece com a mesma intensidade, vibrando no plano do
espírito;
5.º - não há absolutamente nenhum movimento íntimo de ciúme, pois se sabe que só o Espírito vale,
nada valendo as formas físicas. E o Amor Espiritual quer a felicidade do ser amado, e não,
egoisticamente, a própria felicidade;
6.º - O Amor Espiritual supera todos os defeitos (físicos e morais) do ser personalístico, não os
levando jamais em consideração: é como se não existissem, pois ama-se o espírito, a
individualidade, e a personalidade é apenas uma casca exterior que hoje existe e amanhã termina;
7.º - jamais se leva em conta qualquer sacrifício que seja necessário fazer para o benefício
espiritual da criatura amada, não se aceitando qualquer retribuição, nem se magoando se não
houver gratidão: a alegria da doação é pela doação em si, não pelo resultado que daí possa advir;

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

46

8.º - nenhum outro ser poderá ocupar, no Espírito que ama, o lugar do Espírito amado, embora a
personalidade possa ligar-se, temporariamente, a outras personalidades. Mas o ser amado é
insubstituível e indispensável à vida espiritual;
9.º - para a felicidade espiritual do ser amado, o Espírito que ama sabe usar, se necessário, de
rigor, energia e até rudeza, a fim de corrigir-lhe os defeitos da personalidade que lhe prejudicam a
evolução do Espírito;
10.º - a franqueza e lealdade entre os dois é absoluta e não há jamais segredos entre ambos, pois a
vida de um é um livro aberto diante do outro, mesmo quando se trate dos movimentos mais íntimos
e ocultos. Por isso, onde um procura ocultar do outro qualquer coisa que seja, o amor não é
espiritual. Isso vale para o campo espiritual (experiências íntimas), para o intelectual
(conhecimentos), para o emocional (amores), para o etérico (sensações) e para o físico: em nenhum
plano há segredos e coisas escondidas: tudo é encarado com a maior naturalidade, porque, na
realidade, os dois constituem um só Espírito é um só corpo. Numa palavra, em síntese: o Amor
Espiritual é o que sempre dá e se doa, sem jamais pretender receber e sem magoar-se nem diminuir
seu amor, se deixar de receber em qualquer campo. (Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 2)

V
Quando o amor é realmente do Espírito, proveniente das Centelhas Divinas, muito mais fácil se
torna o Encontro Supremo na união das duas Centelhas, através dos veículos manifestantes. Esse é
o verdadeiro e real Esponsalício Místico, e a união é realizada em prece, que circunda o Espírito de
celestial aura, e durante a qual os corpos são esquecidos e quase não sentidos, percebendo-se
apenas a fusão mística do eu pequeno com o Eu Profundo. A personalidade experimenta a sensação
de haver mergulhado num vácuo de luz, produzindo-se um relâmpago que supera quaisquer
emoções e sensações etéricas; o Espírito expande-se fora do tempo e do espaço, perdendo
totalmente a noção da matéria, e entra em êxtase, consumido pelo Fogo do Amor Divino, como que
perdido na vastidão do infinito. Daí ter escrito Paul Brunton: "A união permanente com outrem só
existe quando se descobriu o Eu Permanente". A fim de comprovar que essa teoria não é nossa,
apresentamos uma transcrição, embora algo longa, do jesuíta Padre Pierre Teilhard de Chardin -
O Padre Teilhard de Chardin, Jesuíta, foi um dos maiores cientistas de nosso século, no domínio da
geologia e da antropologia, tendo descoberto o "homo pekinensis" em suas pesquisas. Portanto,
profundo teólogo "doublé" de abalizado homem de ciência, justamente no ramo específico do estudo
da evolução humana na terra - extraída de sua obra "L’énergie humaine".

Vejamos suas palavras textuais:


"Que a sexualidade teve primeiramente a função dominante de assegurar a conservação da
espécie, não há dúvida ... Mas desde o instante crítico da Hominização, outra função, mais
essencial, foi atribuída ao amor - função de que apenas começamos a ver a importância: quero
dizer a síntese necessária dos dois princípios masculino e feminino na edificação da personalidade
(segundo nosso modo de classificação, deve ler-se: na edificação da INDIVIDUALIDADE) humana.
Nenhum moralista nem psicólogo jamais duvidou que os dois encontrassem uma
complementação mútua no jogo da função reprodutora. Mas esse término era considerado até
agora como efeito secundário, acessoriamente ligado ao fenômeno principal da geração. Agora, se
me não engano, a importância dos fatores, de acordo com as Leis do universo pessoal, tem que
inverter-se: O homem e a mulher para o filho - ainda, e por muito tempo, enquanto a vida terrestre
não tiver chegado à maturidade. Mas o homem e a mulher um para o outro, cada vez mais e para
sempre ... Se o homem e a mulher existem são principalmente uma para o outro, então
compreendemos que, quanto mais se humanizarem, tanto mais sentem, só por isso, uma necessidade
major de aproximar-se...

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Capítulo 10

47

No indivíduo humano a Evolução não se fecha: continua mais longe, para uma concentração
mais perfeita, ligada à diferenciação ulterior, ela mesma conseguida pela união. Pois bem,
diríamos, a mulher é, precisamente, para o homem, o termo susceptível de produzir esse movimento
para o alto. Pela mulher, e só pela mulher, pode o homem escapar ao isolamento, em que sua
perfeição arriscaria prendê-lo. Então é mais rigorosamente exato dizer que a malha do Universo é,
para nossa experiência, a Mônada pensante. A molécula humana completa já é, agora, um elemento
mais sintético, e portanto mais espiritualizado do que a pessoa indivíduo - ela é uma dualidade,
composta ao mesmo tempo do masculino e do feminino. E aqui aparece em sua amplitude, a função
cósmica da sexualidade. Ao mesmo tempo vemos aqui as regras que nos guiarão na conquista dessa
energia terrível em que passa, através, de nós, em linha direta, a potência que faz convergir sobre si
mesmo o Universo. A primeira dessas regras é que o amor, conforme as leis gerais da união
criadora, serve à diferenciação dos dois seres que ele aproxima. Portanto, nem um deve absorver o
outro nem, menos ainda, perderem-se os dois nos gozos da posse corporal, que significaria queda
no plural e volta ao nada. É a experiência corrente. Mas só se compreende bem isso nas
perspectivas do Espírito-Matéria.
O amor é uma conquista aventurosa: só se mantém e desenvolve, como o próprio Universo, por
uma perpétua descoberta. Então só se amam legitimamente aqueles cuja paixão os conduz, a
ambos, e um através do outro, a uma posse maior de seu ser. Assim, a gravidade das faltas contra o
amor não é ofender não sei que pudor ou que virtude: mas desperdiçar, por negligência ou volúpia,
as reserva da personalização do Universo. Esse desperdício é que explica as desordens da
"impureza". E ele ainda, em grau mais elevado nos desenvolvimentos da união, conduz a uma
alteração mais sutil do amor: quero dizer o "egoísmo a dois"...
Em virtude do mesmo princípio que obriga os elementos "simples" a completar-se no par, deve
também o par continuar além de si os acréscimos que seu crescimento requer. E isto de duas
maneiras: de um lado procurando, fora, outros grupamentos da mesma ordem aos quais associar-
se; de outro lado, o CENTRO para os quais os dois amantes convergem, ao unir-se, deve manifestar
sua personalidade no coração mesmo do círculo em que buscaria isolar-se sua união. Sem sair de
si, o casal só acha seu equilíbrio num terceiro acima dele. Que nome daríamos a esse "intruso"
misterioso? Enquanto os elementos sexuados do Mundo não haviam atingido o estado da
personalidade, a progenitura podia representar a única realidade em que, de qualquer modo, se
prolongavam os autores da geração. Mas logo que o amor começou a aparecer, não só entre os
pais, mas entre duas pessoas, então teve que descobrir-se, mais ou menos confusamente, acima dos
amantes, o TERMO final em que seriam, ao mesmo tempo salvas e consumidas, não só a raça como
sua personalidade ... E então aparece como necessário à consolidação do amor, muito mais que o
filho, o CENTRO TOTAL em si mesmo. O amor é uma função a três termos: o homem, a mulher e
Deus. Toda sua perfeição e seu êxito estão ligados ao balanceamento harmonioso desses três
elementos".
A citação está longa, mas explica bem nosso pensamento. Continuemos lendo Teilhard de
Chardin:
"Manifesta-se aqui uma grande diferença entre os resultados aos quais leva nossa análise de
um Universo pessoal, e as regras admitidas pelas antiga moral. Para esta, pureza era geralmente
sinônimo de separação dos sexos. Para amar, era indispensável renunciar. Um termo expelia o
outro. O "binômio" homem-mulher era substituído pelo binômio homem-Deus (ou mulher-Deus):
essa era a lei da suprema virtude. Muito mais gera! e satisfatória parece-nos ser a fórmula que
respeita a associação dos três termos em conjunto.
A pureza, diremos nós, exprime simplesmente a maneira mais ou menos distinta em que se
manifesta, acima dos seres que se amam, o Centro Último de sua coincidência. Não é mais questão
de renunciar, mas apenas de unir-se a um maior do que si mesmo

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Capítulo 10

48

O mundo não se diviniza por supressões, mas por sublimação. Sua santidade não é feita por
eliminação mas por concentração das seivas da Terra. Assim se realiza, uma nova ascese - muito
mais laboriosa, mas mais compreensível e operante que a antiga - a noção do Espírito-Matéria.
Sublimação: então conservação; mas também, e mais ainda, transformação. Se é verdade que o
homem e a mulher se unirão tanto mais a Deus, quanto mais se amarem um ao outro - não é menos
certo que quanto mais se unirem a Deus, mais se verão conduzidos a amar-se de maneira mais
sublime. Em que direção imaginaremos que se efetuará essa evolução ulterior do amor? Sem
dúvida para uma diminuição gradual do que ainda representa (e necessariamente) o lado
admirável, mas transitório, da reprodução. A Vida nós o admitimos, não se propaga apenas por
propagar-se, mas para acumular elementos necessários à sua personalização. Então, quando se
aproximar para a Terra a maturação de sua Personalidade, os Homens terão que reconhecer que
para eles não haverá simplesmente a questão de controlar os nascimentos; mas que importa
sobretudo dar plena expansão à quantidade de amor, liberto do dever da reprodução.
Sob a pressão dessa nova necessidade, a função essencialmente personalizante do amor se
desligará mais ou menos totalmente do que foi, em certo tempo, o órgão da propagação, a "carne".
Sem cessar de ser físico, para ficar no físico, se fará mais espiritual. O sexo, para o homem, se
expandirá no puro feminino. Não é este, na realidade, o sonho mesmo da castidade? Pelo amor do
homem e da mulher, liga-se um fio que se prolonga diretamente ao coração do Mundo".
"O Amor é a mais universal, a mais formidável e a mais misteriosa das energias cósmicas". E
ainda: "É o universo que realmente caminha para o homem através da mulher: toda a questão
(questão vital para a Terra ...) é que eles o saibam".
E mais: "Que o homem perceba a Realidade Universal que brilha espiritualmente através da
carne, e descobrirá a razão do que, até então, o decepcionava e atrapalhava seu poder de amar.
Diante dele está a mulher como a atração e o Símbolo do Mundo: ele só poderá abraçá-la, em
grandecendo-se por sua vez até a medida do Mundo". E: "a lei geral e suprema da moralidade é:
limitar a força (o amor), eis o pecado".
No momento supremo da união das Centelhas, há um átimo em que as criaturas se sentem
"morrer", desaparecendo a consciência da personalidade; nesse átimo sublime o centro da
existência se fixa no coração e "a personalidade se transforma em impersonalidade", sentindo, a
seguir, a sensação de "haver nascido de novo”.
"Se o Ser Supremo não fosse a mais alta forma de felicidade possível para o homem, este nada
aproveitaria de seus prazeres; com efeito, no instante em que o prazer atinge o clímax, esse é o
instante em que ele abandona, ao mesmo tempo, seu desejo que está satisfeito e o ego, que está na
raiz do desejo: então, involuntariamente, no espaço de um relâmpago, ele faz a experiência da
Supraconsciência. Nesse instante experimenta o mais alto grau de prazer que lhe possa dar a
realização de um desejo particular.. Mais adiante escreve esclarecendo sua idéia: "O ponto
essencial a fixar, é que num relâmpago repentino de desapego (depois que o prazer sensual ou o
desejo está satisfeito), numa fração infinitesimal de segundo, surge docemente essa suprema
felicidade que a alma do homem irradia. A sensação de desaparecimento do eu pessoal produz um
estado extraordinário e único de libertação. No momento em que o desejo é satisfeito o eu se sente
livre de um fardo e por certo tempo, o mental volta realmente à sua fonte secreta, e experimenta a
felicidade da Supraconsciência".
Ora, se isso ocorre com os homens comuns, sem que eles o saibam, que não ocorrerá com
aqueles que já experimentaram o Encontro Sublime? De tudo isso se conclui, finalmente, que Jesus
sabia o que dizia, quando afirmou: "O que Deus uniu, o homem não separe".
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 2)

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Capítulo 10

49

VI
VER REFERÊNCIA BÍBLICA DE MARCOS NO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

10 2 a 12 XXII 2a5

VII
Criados todos simples e ignorantes, mas dotados das faculdades necessárias a avançar, para o
destino que lhes é comum, usando do livre-arbítrio e da razão e, assim, recebendo o prêmio ou o
castigo a que fizeram jus, isto é, experimentando as sanções da lei imprescritível do progresso,
moral e intelectual, a que todos se acham sujeitos, para chegarem todos à perfeição, herança que o
Pai celestial reserva a seus filhos, sem exceção nenhuma, é certo que apenas alguns Espíritos
ascendem a essa perfeição sem jamais se desviarem do carreiro santo que lhes foi traçado.
Esses constituem as falanges dos Espíritos puros, imaculados, que têm por morada as regiões
etéreas mais próximas do centro da onisciência — Deus, Os outros formam as dos que faliram mais
ou menos gravemente e para os quais, em conseqüência, se cria a necessidade de encarnar e
reencarnar, a fim de se depurarem gradativamente, mediante expiações, provações e reparações, e
conquistar, progredindo, a perfeição moral.
Compreende-se, pois, que o corpo, pela sua mesma natureza, não é mais do que um instrumento
facultado ao Espírito, para que, no meio planetário correspondente ao gênero e à gravidade dos seus
delitos, passe pelas provas que, fazendo-lhe nascer no intimo o arrependimento, o levem de
reparação em reparação e, conseguintemente, de progresso em progresso, ao fim providencial
colimado. Ora, sendo a encarnação o meio de se efetivar o progresso dos Espíritos que delinqüem, a
existência de sexos diferentes, nos corpos que eles então têm que tomar, se tornou necessária, para
que, mediante a procriação, esses corpos se reproduzissem, pois, de outro modo, não haveria para o
Espírito possibilidade de encarnar.
Da obrigatoriedade imperiosa da procriação, gerou-se a necessidade da união de corpos
sexualmente distintos. O casamento, porém, se bem do ponto de vista material atenda a essa
necessidade, corresponde, no entanto, a um objetivo muito mais alto, em relação ao qual os corpos
do homem e da mulher nenhum valor têm aos olhos do Senhor, para quem ambos só valem como
Espíritos, porqüanto o Espírito é que é o ser por Ele criado, com o destino a que há pouco nos
referimos, nada mais sendo que instrumento de depuração o corpo que o Espírito temporariamente
reveste.

Assim, o casamento que, na ordem material, tem por fim a procriação, na ordem moral traduz
execução da lei de amor, pelo que tem de ser a união íntima, a fusão, por bem dizer, de duas almas,
o que justifica as palavras emblemáticas da Gênese: serão dois numa só alma.
Ora, se, no matrimônio, a verdadeira união é de Espíritos, por isso que o fim moral prepondera
com relação ao material, embora este também seja providencial, a conclusão a tirar-se é que ele só se
realizará com acerto, oferecendo garantias seguras ao preenchimento do fim principal, quando for
uma união que se efetue espontaneamente, por virtude de mútua simpatia e isento de preocupações
subalternas. Então, sim, será uma união perfeita e indissolúvel, pois que, interrompida pela morte, se
reatará na erraticidade, conservando-se ali, onde como disse Jesus não há “marido e mulher”, qual
laço forte, a prender, pela eternidade em fora, os que o hajam formado para se prestarem apoio
mútuo na sua ascensão através do infinito.
Mas, então, como se explica que Moisés tenha autorizado o divórcio, contrariamente às
palavras da (Gênese, quando diz: “Não separe o homem o que Deus uniu”? Fê-lo, por causa da
dureza do coração humano, declarou-o Jesus.

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Capítulo 10

50

A princípio, as necessidades materiais constituíam o móvel único da união do homem e da


mulher. Depois, tornando-se a multiplicidade dos filhos uma riqueza, o que se verificou ao surgirem
ou desenvolverem-se os povos pastores, a mulher estéril entrou a ser perseguida e até mesmo
eliminada. À vista dessa situação, que a ansia pelo aumento das populações criou para a mulher,
dando lugar, depois, a que todos os pretextos servissem para o abandono da esposa, que era o que
ocorria ao tempo de Moisés, procurou este remediar ao mal, autorizando o divórcio, que, ao menos,
preservava a estéril dos maus tratos a que se via sujeita.
Aos novos abusos que daí decorreram cuidou Jesus de remediar, só admitindo o divórcio no
caso de adultério.
Conforme já dissemos, o casamento é, de fato, indissolúvel, quando é a união de dois entes que
se sentem atraidos um para o outro por forte simpatia toda espiritual, que, no propósito sincero de se
auxiliarem mutuamente nas suas provas, espontaneamente se ligam pelos laços de um afeto, também
de natureza espiritual, independente de quaisquer formalidades religiosas e civis, apenas atraindo
para si, humildes e submissos, pela prece do coração, as bênçãos e graças do Pai celestial.
Nesse caso, sim, os dois passam a ser uma só carne, que ao homem não é dado, nem possível,
separar, por ter sido Deus quem os uniu, isto é, por se haver a união deles efetuado segundo as vistas
de Deus, que, conseguintemente, a santificou, abençoando-a. Semelhantes uniões, no entanto, ainda,
por ora, constituem apenas, para a nossa Humanidade, um ideal. Na Terra, por enquanto, mau grado
a todas as pomposas solenidades de que o cercam, o casamento perde o caráter sagrado que devera
ter, para ser, na grande maioria dos casos, a legalização de um contrato comercial, no cumprimento
de cujas obrigações as duas partes contratantes se mostram mais ou menos escrupulosas.
Dizendo não separasse o homem o que Deus unira, Jesus cortou cerce o abuso do século em que
Ele desceu à Terra e pôs um óbice à corrupção dos séculos que se seguiriam. Não disse, porém, que
vivessem forçosamente unidas, em comum, duas criaturas que não possam aproximar-se uma da
outra, sem se excitarem reciprocamente à prática de faltas, que implicam transgressão da lei de
caridade.
O divórcio não pode existir, aos olhos do Senhor, senão quando um Espírito, pelos seus
exemplos ou palavras, impele ao mal um outro com quem antipatize. Aí, conceda-o ou não a lei
humana, existe, de fato, o divórcio, porque, então, há, na ordem moral, adultério. Ora, em tal caso,
não será melhor separar os galhos da árvore, do que deixar que esta dê maus frutos?
É uma contingência que há de desaparecer por efeito da gradual depuração da Humanidade, mas
que ainda subsistirá por longo tempo, até quando os homens, ainda tão presunçosos de seus
costumes e da sua moralmente hedionda civilização, deixarem de orgulhar-se do merecimento que
supõem ter.
A sociedade humana ainda está muito escravizada aos preconceitos, aos abusos, aos vícios, para
que se execute a reforma das leis terrenas sobre o casamento, no sentido de pô-las de acordo com a
lei natural da união perante Deus. Isso será obra do tempo e do progresso verdadeiro. Cada dia,
entretanto, traz o seu grão de areia, que se sobrepõe aos precedente mente trazidos, e esses grãos,
acumulando-se, acabarão por formar muralha impenetrável aos vícios da Humanidade.
Torne-se o casamento uma aliança determinada por mútua inclinação, por uma poderosa e
irresistível simpatia, de onde se origine puro e sincero amor; uma aliança que, ao influxo desse
sentimento, se efetive para recíproca sustentação e apoio, no desempenho dos encargos da
existência, nos sofrimentos e infortúnios que advenham como provas, para a depuração espiritual, e
o divórcio perderá toda razão de ser, porque caso não haverá em que seja aplicável.
Enquanto, porém, as nossas naturezas se não houverem modificado tão profundamente quanto é
preciso, para que o casamento, de acordo com a lei natural, seja a. união, aos olhos de Deus, ao
mesmo tempo livre e indissolúvel, conformemo-nos com as leis que nos regem, observando as
formalidades que elas impõem para a celebração do matrimônio.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

51

E, para prescindirmos, como espíritas, das bênçãos religiosas que as Igrejas humanas pretendem
indispensáveis à santificação do ato matrimonial, lembremo-nos de que estamos cercados de levitas
— os bons Espíritos, os mensageiros divinos, sempre prontos a nô-las conceder em nome do Senhor,
e de que, se nos esforçarmos por praticar o casamento, segundo a lei natural perante Deus, com
relação a nós se cumprirão estas palavras do Divino. Mestre: Já não sois dois, mas uma só carne; não
separe o homem o que Deus uniu.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 123)

VIII
Como encarnados, os discípulos de Jesus se achavam sob a influência dos preconceitos
hebraicos e, assim, encarando o casamento apenas do ponto de vista das satisfações sensuais,
consideravam um embaraço a obrigação de conservarem a mulher que escolhessem, houvesse que
houvesse. Daí o terem dito: “Se tal é a condição do homem com relação à esposa, não convém
casar”. Entendiam que não convinha ao homem casar-se, desde que lhe cumpria, sob pena de
incorrer em adultério, guardar a esposa escolhida, acontecesse o que acontecesse.
Eles não perceberam a alusão que Jesus fazia, em mente, aos tempos futuros em que, depuradas
as criaturas, a união do homem e da mulher será simultaneamente livre e indissolúvel, segundo a lei
natural, à face de Deus, porque será a reunião de dois corpos para a reprodução e a ligação de duas
almas pelo laço divino da lei do amor.
Supunham, fazendo a observação que fizeram, falar por inspiração própria. Entretanto, haviam
recebido do Alto a inspiração e a ela obedeceram, tanto mais facilmente, quanto era conforme às
idéias que alimentavam em virtude daqueles preconceitos. Receberam-na, para abrirem ensejo a que
o Mestre desse, como deu, veladamente, um novo ensino, destinado a ser explicado e desenvolvido
pela revelação atual, tendo por objetivo, com o lhes dar a compreender os motivos de incapacidade
ou de abstenção do casamento, indicar aos homens a maneira por que hão de proceder para praticar,
de acordo com a lei divina, a união simultaneamente livre e indissolúvel do homem e da mulher.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 124)

IX
O casamento é uma instituição divina. Por meio do casamento, Deus providencia os corpos
materiais para os espíritos encarnarem e progredirem; porque, como sabemos, é só pelo trabalho
incessante, que o espirito realiza, ora nos círculos materiais, ora nos espirituais, e que se efetua sua
evolução.
No ambiente do lar, encontramos os elementos indispensáveis para novos surtos de progresso e
de redenção. É também no aconchego do lar, que ensaiamos nossos primeiros passos de amor para
com nossos semelhantes. À medida que formos evoluindo, alargaremos o círculo de nosso amor, até
que o amor que hoje dedicamos à nossa família, o dedicaremos à humanidade. Erram por
conseguinte, os que querem ver no casamento apenas a influência das leis materiais. Ao lado das leis
materiais, quase que instintivas, funcionam também puras e santificantes leis morais. Se as leis do
instinto ligam os corpos, as leis morais ligam as almas, e determinam cinco espécies de casamentos,
em nosso planeta, a saber:

CASAMENTOS POR AFINIDADE: Almas gêmeas isto é, com o mesmo grau de evolução,
unem-se para progredirem juntas. Dão-nos o exemplo do casamento perfeito. O lar é harmonioso. A
vida exemplar que o casal vive, constitui um modelo.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

52

CASAMENTOS DE PROVAS: O casamento é uma prova de resignação, paciência, tolerância


e fraternidade. Espíritos de diversos graus evolutivos reúnem-se no mesmo lar, onde se esforçam por
viverem em harmonia, apesar da disparidade de gostos, de idéias e de inclinações, que os separam.

CASAMENTOS DE EXPIAÇÃO: Espíritos culpados, que erraram juntos em encarnações


anteriores, reúnem-se no mesmo lar, para retificarem os erros do passado.

CASAMENTOS DE RESGATE: O casamento é de resgate, quando os membros da família


procuram resgatar dívidas, que contraíram uns para com os outros, em encarnações anteriores.
Assim, o homem que atirou à lama uma mulher, na encarnação seguinte poderá pedir para vir a ser
seu marido, para dignificá-la. A mulher, por cuja causa um homem se desviou, poderá, em futura
encarnação, servir-lhe de arrimo, para ajudá-lo a voltar ao reto caminho. Os pais que se descuraram
da educação moral dos filhos, poderão pedir nova encarnação, em que lhes seja concedido
trabalharem para a melhoria de seus filhos extraviados, resgatando desse modo, o mal que lhes
causaram.

CASAMENTOS DE RENÚNCIA: O casamento é de renúncia quando um ou os dois cônjuges,


embora não mais necessitando de encarnações terrenas, contudo se encarnam para apressarem o
progresso de seus familiares, que se atrasaram no caminho da evolução.
Como vemos além de formarem uma só carne, marido e mulher obedecem a sublimes leis
morais, que não podem ser transgredidas impunemente.

Quando o egoísmo fala mais alto, endurecendo os corações dos cônjuges, estes facilmente
desprezam as leis morais, que lhes presidia à união, e o casamento é, ordinariamente, rompido.
Entretanto, ainda assim o Evangelho proibe a união dos cônjuges com terceiros, dando desta
maneira a entender claramente, que os laços do casamento são indissolúveis aqui na terra enquanto
os dois cônjuges estiverem encarnados.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 19)

X
A questão do divórcio foi motivada por uma pergunta maliciosa dos fariseus: "É lícito ao
marido repudiar sua mulher?". Talvez para intrigar Jesus com Herodes Antipas, que havia se
separado de sua esposa e desposado a cunhada e sobrinha Herodias, após tomá-la de seu legítimo
esposo Filipe (ver Mc. 6:17-19). O fato é que Jesus aproveitou a pergunta, capciosa ou não, para
corrigir distorções quanto ao divórcio.
É sabido que nos dias de Cristo havia duas escolas teológicas: a de Hilel, que, baseada em Deut.
24:1 e 2, permitia ao homem que achasse algo "indecente" numa mulher o direito de, por qualquer
razão, se divorciar da esposa. A outra escola, de Shammai, era mais conservadora e interpretava a
"coisa indecente", de Deut. 24:1 e 2 como atos sexuais ilícitos, e só assim permitia o divórcio.
Se ficarmos só com o que aparece no Evangelho de Marcos, Jesus parece ter sido ainda mais
conservador do que o ensinamento de Shammai, indicando que nem o adultério poderia dar direito a
alguém a novas núpcias. Daí necessitarmos ir ao Evangelho de Mateus para termos o completo
ensinamento de Jesus sobre o assunto. Em Mt 19:9, Jesus disse que divórcio e novo casamento era
permitido somente em caso de "relações sexuais ilícitas" (no grego "Pornéia" = que envolve
qualquer ato sexual ilícito: bestialidade, homossexualismo, fornicação, adultério, etc.). Assim, Jesus
Se aproximou do que era ensinado pela escola teológica mais conservadora, a escola de Shammai.
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

53

Vv. 13 a 16 – Jesus abençoa as crianças (Mt 19:13-15; Lc 18:15-17)

I
Temos a impressão de que a chegada das crianças, acompanhadas das mães, veio interromper os
ensinos que eram dados aos discípulos. Daí sua impaciência e o gesto, aliado à voz, para impedir a
aproximação bulhenta e irrequieta.
Foram trazidas, como é hábito no oriente, para que o Mestre, já conhecido como taumaturgo, as
abençoasse, colocando-lhes a mão sobre a cabeça e orando por eles.
As bênçãos eram muito comuns entre os israelitas, por parte dos mais velhos, para augurar pelo
futuro dos mais moços. O Antigo Testamento traz vários exemplos dessas bênçãos, sendo célebres
as de Jacob a seus doze filhos (Gên. 49:1-28) e a de Moisés às doze tribos (Deut. 33:1-29). Também
o toque das mãos, com a emissão do magnetismo do taumaturgo, era tida como segura base e
garantia de felicidade presente e futura.
Quando Jesus observou a cena da invasão e o esforço que faziam Seus discípulos para manter à
distância as crianças e suas mães, “zangou-se” (êganáktêsen, de aganaktéô). Aliás já dera provas de
apreciar os pequeninos (cfr. Mt 18:1-5; Mc 9:33-37; Luc. 9:46-48), e de tomá-los como modelos, em
vista de seu modo de agir.
A frase “Deixai virem a mim as crianças” tornou-se uma das mais citadas e queridas dos
cristãos. E Jesus conclui: “delas é o reino de Deus”.
E abraçava (enagkalisámenos) e punha-lhes a mão sobre a cabeça, em passes que lhes deviam
trazer grandes benefícios materiais, morais e espirituais.
E a lição foi dada: “em Deus como uma criança, de verdade vos digo, quem não receber o reino
de modo algum entrará nele”.
Dizem os exegetas que o reino de Deus é aqui apresentado como um DOM (que pode ser
recebido) e como um LUGAR (aonde se pode entrar). Essa é a compreensão mais comum e
difundida: o reino de Deus ou dos céus, é o “céu”, aquele dos anjos tocando harpas sobre as
nuvens, no qual os “lugares” são conquistados ainda nesta vida, e às vezes até “vendidos”.
Quantos erros fatais trouxe essa interpretação durante tantos séculos!
Nem dom, nem lugar, mas CONQUISTA: um estado de consciência em que “se entra” ou se
penetra, “recebendo-o” quando se atinge determinado estágio evolutivo de elevadíssima freqüência
vibratória espiritual.
O reino dos céus tem que ser recebido como uma criança recebe o que lhe damos: com
interesse e participação alegre de todo o ser. E nele só se penetra quando nos tornamos crianças,
isto é, com a naturalidade e humildade normais à infância, que confia e ama, sem distinções nem
exigências: por mais que a mãe seja nervosa e rigorosa com seu filho pequenino e o castigue e nele
bata, ele só sabe refugiar-se, mesmo depois das pancadas, no colo dessa mesma mãe, para chorar
sua dor, e para reconquistar o mais depressa possível o amor daquela que é tudo para ele: é o amor
integral, confiante, ilimitado e sem rancores, pleno e fiel.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 6)

II
No estilo da Escola iniciática, “criança” tem outro sentido: são os que se aproximam, ansiosos
de penetrar no grupo fechado dos discípulos, mas ainda não suficientemente maduros para
acompanhar o aprendizado sério que aí é ministrado: são as “crianças espirituais” que não podem
receber o pábulo forte, como observa Paulo: “eu, irmãos não vos pude falar como a espirituais,
mas como a carnais, como a criancinhas em Cristo. Leite vos dei de beber, não vos dei comida,
porque ainda não podíeis.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

54

Ainda agora não podeis, porque ainda sois carnais” (1.ª Cor. 3:1-3).
Acontece, porém, que não pode ser neste sentido que é exigido “ser criança”: não se vai pedir a
uma criatura mais evoluída, que volte atrás em seu adiantamento, para tornar-se de novo simples
“aspirante”, embora muitas vezes o aspirante demonstre maior entusiasmo e mais ardor que aqueles
que já estão à frente, e, quase sempre, é bem mais humilde que aqueles, porque reconhece melhor
suas deficiências e sua ignorância, enquanto os “ adiantados” se incham de vaidade.

De uma forma ou de outra, é indispensável possuir certas qualidades, para que se alcance o
reino dos céus. Sem pretender enumerar todas, poderemos citar, como próprio das crianças em tenra
idade, as seguintes qualidades:

1 – a HUMILDADE, que está sempre disposta a reconhecer sua incapacidade e a esforçar-se por
aprender, sem pretender ser nem saber mais que o instrutor; e essa qualidade é básica na infância,
que aceita o que se lhe ensina com humildade e fé;
2 – o AMOR, que se prontifica sempre a perdoar e esquecer as ofensas. A criança pode brigar a
sopapos e pontapés, e sair apanhando, mas na primeira ocasião vai novamente brincar com quem a
maltratou, esquecendo-se totalmente do que houve;
3 – a ÂNSIA DE SABER, coisa que as crianças possuem até chegar, por vezes, ao ponto de
exasperarem-nos com suas perguntas constantes, embaraçosas e indiscretas, jamais dando-se por
integralmente satisfeitas;
4 – a PERSEVERANÇA que, quando quer uma coisa, não desiste, mas usa de todas as artimanhas
até conseguí-la, com incrível persistência e teimosia, obtendo o que quer, às vezes, pelo cansaço que
causa aos adultos;
5 – a INOCÊNCIA, sem qualquer malícia, diante de quaisquer cenas e situações; para as crianças
tudo é “natural” e limpo, mormente se são educadas sem mistérios nem segredos, pois a maldade
ainda não viciou suas almas;
6 – a SIMPLICIDADE, tudo fazendo sem calcular “o que dirão os outros”, sem ter preconceitos
nem procurar esconder qualquer gesto ou ato, mesmo aqueles que os adultos hipocritamente
classificam como “vergonhosos.;
7 – a DOCILIDADE de deixar-se guiar, confiantemente, pelos mais idosos, sem indagar sequer
“aonde vão”. Não podem imaginar traições nem enganos, porque eles mesmos são incapazes de
fazê-lo, e julgam os outros por si.

Se tivermos essa conduta, simples e natural, como a criança (isto é, sem forçar), estaremos com
as qualidades necessárias para poder “receber” estado de consciência superior que traz à alma a paz
que Cristo dá e a felicidade plena do Espírito.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 6)

III
VER REFERÊNCIA BÍBLICA DE MARCOS NO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

10 13 e 16 VIII 3e4

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

55

IV
Jesus repetia essas palavras, a fim de que se gravassem na memória dos discípulos. O
pensamento era sempre o mesmo, expresso em termos diferentes, em ocasiões e lugares diversos. Á
simplicidade do coração e a humildade do espírito são, ao mesmo tempo, a base, a fonte, o meio e o
caminho para se alcançarem as virtudes, a depuração, o progresso, que levam à pureza, à perfeição.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 125)

V
Destes tais é o reino dos céus, significa que somente os que alcançaram a pureza e a inocência
das crianças, estão em estado de merecerem a felicidade, que se origina sempre de uma consciência
sem mácula.
Estas palavras de Jesus também são uma ordem, para que as crianças sejam instruídas em seu
Evangelho, desde pequeninas. Embaraçar as crianças e mesmo repeli-las para que não se acerquem
de Jesus, simboliza a indiferença dos pais em não cuidarem da educação evangélica de seus
filhinhos. Proceder assim é um erro de lamentáveis conseqüências espirituais; porque os pais se
esquecem de indicar aos filhos o caminho que facilmente os conduziria a Deus.
É muito comum depararmos com pais espíritas, que militam nas fileiras do Espiritismo como
médiuns ou como pregadores, e não sabem encaminhar seus filhos para o caminho da espiritualidade
e da evangelização, deixando-os entregues a si mesmos. O resultado é que os filhos inexperientes,
privados do auxílio da experiência dos pais, desviam-se com facilidade, preparando colheitas de
lágrimas e de sofrimentos para si próprios e para os pais que não souberam, ou não quiseram guiá-
los pelo caminho reto.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 19)

VI
Jesus já havia falado das crianças e da atitude delas em, geralmente, fazer as coisas sem malícia
e segundas intenções (como, por exemplo, extrair lucro ou ganho com o ato praticado) e de serem
exemplos de humildade (Mar. 9:34-36 e 42). Agora, retomou o assunto, tendo em vista o
preconceito dos discípulos para com elas, quando foram trazidas para serem abençoadas por Jesus
(10:13).
Ante a repreensão dos discípulos para com as crianças (10:13), Jesus Se "indignou" com o
tratamento dado a elas. Sua indignação foi uma justa reação a uma situação de injustiça.
As crianças sempre foram vistas como seres problemáticos, sem muita importância e até um
estorvo aos adultos. Têm sofrido muitos abusos, sendo vítimas da violência e até abusos sexuais.
Jesus, no entanto, valorizou estes pequenos seres e os citou como exemplos dos que hão de herdar o
reino de Deus (Mar. 10:14-16). Talvez porque elas possuem as virtudes da inocência, confiança
inabalável, sem o dolo dos adultos, são humildes e dependentes dos pais. (CHAMPLIN, R. N. O
Novo Testamento Interpretado, Vol. 1. São Paulo: Candeia, 1995, pág. 746) – São estas as virtudes
que todos deveriam buscar.
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

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Capítulo 10

56

Vv. 17 a 22 – O jovem rico (Mt 19:16-22; Lc 18:18-23)

I
Quem era esse moço, na época, não se chega a saber pelas vias normais da história. Mateus e
Marcos dizem "alguém", enquanto Lucas afirma tratar-se de "certo potentado" (archôn, principal,
chefe, príncipe).
Passado o episódio, desaparece totalmente eclipsado.
Outro pormenor de Lucas é que o moço, embora muito rico, se apresenta humilde, pois se
ajoelha para falar com Jesus.
Marcos e Lucas anotam o diálogo que parece ter sido o original: "Bom mestre, que farei para ter
em partilha a vida imanente" (didáskale agathé, tí poiêsô hína zôên aiônion klêronomesô;) Mateus
torce a frase "Mestre, que farei de bom"?
Jesus rejeita o título de "bom", que só deve ser atribuído a Deus, demonstrando mais uma vez
(cfr. Mat. 23:9; João 14:28 e 17:13) não julgar-se Deus, mas simples homem. Aceita, porém, o
epíteto de mestre (didáskalos, mestre no sentido de "professor") porque realmente o era. Jerônimo
procura, com belo malabarismo, justificar o dogma da divindade de Jesus: "porque chamara bom o
mestre, mas não confessara que era Deus, aprende que, embora sendo um homem santo, não era
bom em comparação com Deus".
Lemos em Mateus: "se queres entrar na vida, segue os mandamentos". Ao que o moço indaga
pois, "de que modo"? As traduções correntes trazem "quais"; mas para essa indagação, teria que ser
usado o interrogativo tiná.
Em Marcos e Lucas, Jesus responde logo: "segue os mandamentos" e os cita.
Há divergência aqui também. São comuns aos três sinópticos os quatro negativos:
1- não matarás;
2- não adulterarás
3- não furtarás
4- não dirás falso testemunho.
Marcos acrescenta: "não defraudarás", ou seja, não negarás a quem quer que seja o que lhe for
devido, bastante sintomático para quem era rico e podia, portanto, explorar os semelhantes.
Dos positivos, os três citam: honrarás pai e mãe; mas Mateus aduz ainda: "ama teu próximo
como a ti mesmo" (Lev. 19:18).
Ao todo, então, temos sete preceitos julgados básicos para a personagem, afim de permitir que o
Espírito "entre na vida":
1- não matar, não causar prejuízo físico ao corpo, próprio ou alheio, dispensando a esse veículo os
cuidados necessários à sua manutenção;
2- não adulterar, afastando-se dos preceitos religiosos dos guias espirituais, para buscar emoções
em outros cultos;
3- não furtar, causando prejuízos materiais, nem a si mesmo (desperdício) nem a outros;
4- não dizer falsos testemunhos, afim de não causar prejuízos morais, por meio de mentiras e
calúnias, contra si e contra outros;
5- não defraudar, pagando ou dando menos que o justo e o contratado; nem contratar por preços
menores que os exigidos pela justiça e pela humanidade, abusando das necessidades e da fome
alheias;
6- honrar pai e mãe no serviço prestado com amor filial, atendendo às necessidades deles como eles
atenderam às nossas, em nossa primeira infância;
7- amar o próximo, tanto quanto amamos a nós mesmos, no serviço humano prestado à humanidade,
sem distinção de pessoas, de credos, de raças, de idades, de condições sociais, de laços sanguíneos.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

57

Conforme vemos, regras práticas e eficientes para a vida diária. Nada de altos vôos místicos e
ascéticos: preceitos para o comum dos homens normais e ainda materializados e apegados às
personagens terrenas. Ao ouvir as condições, o jovem retruca com simplicidade: "tudo isso tenho
feito ou observado (ephylaxa, perfeito de duração) desde minha mocidade". Essas últimas palavras
faltam em alguns códices, mas possuem todas as características de autenticidade: é comum aos
jovens falar de sua mocidade como de algo distante no passado.
Depois dessas palavras, Jesus olha para ele (emblépsas) e o ama (agapésen, de agapáô, que é o
amor com predileção afetuosa, anotação privativa de Marcos, talvez por informação de Pedro que
assistiu à cena. Voltando-se, então, para o jovem, Jesus convida-o a participar de Sua Escola,
tornando-se Seu "discípulo".
Mas para isso era indispensável aspirar à perfeição e, portanto, renunciar a todos os bens
terrenos: "vai, vende tudo o que tens e distribui entre os mendigos (diadós, "dar em todas as
direções", bem mais forte que o simples dós, usado o primeiro por Lucas). O choque foi violento
demais e o rapaz ficou triste (Luc. perílypos), com o sobrecenho carregado (Marcos: stygnasas) e
afastou-se. Nunca mais dele se fala no Novo Testamento, como se tivesse desencarnado.
A primeira observação a fazer é que, no episódio, narrado com simplicidade, o moço se afasta
triste e macambúzio, e no entanto Jesus não manifestou tristeza: apenas aproveitou a cena para
tecer comentários e dar ensinos aos discípulos com referência às riquezas, sobre que já falara (cfr.
Mat. 6:24 e Luc. 16:13).
A atitude do jovem foi normal e humana, e Jesus não o repreende. Apenas assinala que a
perfeição requer renúncia efetiva e total. Isso denota que não existe perfeição no modo de agir do
moço, embora não esteja, por isso, condenado: pode ter acesso à vida.
Nesse terreno, muitos exemplos encontramos de criaturas que se elevaram espiritualmente, isto
é, que evoluíram, em tarefas outras, também indispensáveis à humanidade, ainda que não
constituam "perfeição" espiritual. Assim os grandes industriais, comerciantes, artistas de todos os
matizes podem firmar-se no bem, sendo fiéis aos preceitos básicos requeridos na citação de Jesus.
Observemos que a perfeição é de alguns poucos, no sentido religioso. Se todos os homens se
dedicassem à perfeição religiosa e à espiritualidade, a evolução planetária ficaria paralisada. Há
missionários que vêm com tarefas espirituais e missionários que vêm com tarefas materiais,
cuidando da parte econômica e financeira; os que plantam, os que colhem, os que armazenam para
a revenda; os que desenham, os que constroem, os que decoram os edifícios; os que fabricam,
estocam e distribuem as mercadorias, em troca do dinheiro que lhes possibilite prosseguir na
produção de benesses; os que estudam, pesquisam e aplicam o resultado de sua ciência para
proveito das criaturas humanas e dos animais e plantas; os que captam a inspiração para compor,
os que orquestram e os que executam para deleite dos homens; os que legislam, julgam e governam
cidades e povos na manutenção da ordem; os que defendem acusados, os que curam doentes, os que
assistem nos templos, todos sem exceção, todas as profissões e trabalhos que apresentam SERVIÇO,
dos mais elevados aos mais humildes, podem ser levados à Vida, embora nem todos alcancem a
perfeição. A resposta estava no mesmo nível da pergunta: para entrar na vida, são indispensáveis,
mas bastam, os preceitos citados.
Todavia, se alguém busca a PERFEIÇÃO, há que primeiro desvencilhar-se de toda carga
externa, de tudo o que está agregado de fora, de todas as posses (grandes ou pequenas) que tragam
apego e vontade de defendê-las contra assaltos e preocupações de que não sejam roubadas, e
cuidados para que se não estraguem. Daí a necessidade de vender TUDO e de distribuí-lo aos
mendigos, aos que ainda desejam posses materiais. Para conseguir a perfeição, a caminhada é
longa e árdua, e qualquer carga impede que se entre através do “buraco da agulha", a “porta
estreita" de que fala o Mestre (cfr. Mat. 7:13).

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

58

(...) O episódio do "moço rico" ensina-nos ainda a luta que se trava dentro de nós mesmos
quando, chamados pelo Cristo Interno a maior perfeição, temos pena de atender, porque os
benefícios materiais e o conforto que desfrutamos nos acenam com prazeres maiores e mais
imediatos, que esse atendimento a Voz silenciosa nos forçaria a largá-los. Como deixar de gozar a
comodidade de um apartamento novo, o deleite de ficar conversando, em poltrona anatômica,
diante da televisão, à noite, para sacrificar-nos a estudar, a freqüentar uma reunião, a escrever um
artigo? Desculpamo-nos com a "indispensável assistência à família", embora o motivo principal
nós o empurremos para o porão do subconsciente e nem dele tomemos conhecimento. Deixar de ir a
um cinema? Ora, trata-se de uma higiene mental necessária a quem luta a semana inteira. Estudar
aos domingos? Ah! esses pertencem à família!
E o chamado do Cristo para que nos dediquemos mais e mais, vai ficando postergado,
irrespondido... Vem então a solução "sábia", que pensamos desculpar-nos integralmente:
"Pessoalmente não posso, mas arranjo meios, dinheiro, vantagens... faço minha parte ... quando me
aposentar" ... Então, deixamos para o Cristo os ossos reumáticos da velhice, e isso mesmo, porque
na velhice já não temos mais esperança de arranjar novos empregos que nos proporcionem lucros
ainda maiores. Bem tipicamente escolhido o exemplo do moço rico. Porque na mocidade é que
realmente se torna difícil o abandono do que se tem e do que se sonha, se aspira e se espera ter,
para mergulhar numa vida de renúncia. Ricos "velhos" são mais facilmente encontrados com
disposição de sacrificar uma parte, embora mínima, de seus bens ("sabe, tenho meus filhos, não
posso prejudicá-los: a própria lei me proíbe fazer doações com o dinheiro que lhes constituirá a
herança"!). No entanto, procuram doar alguma coisa para "comprar" um post mortem menos
angustiado, pois lhes dói a consciência, ao recordar-se das maneiras pouco legítimas ou totalmente
ilegítimas com que, por meia da exploração ignóbil dos semelhantes, conquistaram aqueles bens.
Então, quando sentem o peso dos anos e, olhando para o chão, já recurvados sob o guante do
tempo, vêem o retângulo da sepultura a lentamente abrir-se, amedrontam-se e se tornam generosos,
a isso compelido pelos gritos dissonantes do remorso.
É o que diz o velho adágio: "o diabo, depois de velho, fez-se ermitão".
Quem ama, procura doar-se o mais cedo possível. Qual o noivo que diz à noiva querida: "vou
enriquecer primeiro; quando me aposentar, casarei contigo"? Assim, porém, fazem os jovens com o
Cristo Interno que os convoca ao Amor. (Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 6)

II
VER REFERÊNCIA BÍBLICA DE MARCOS NO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

10 19 XIV 3

III
O mancebo que, impelido por uma influência espírita, foi ao encontro de Jesus, tinha que servir
de exemplo e de lição aos que o cercavam. Naquela circunstância, como sempre que era oportuno e
conveniente, o divino Mestre recorreu a imagens e locuções materiais, para tocar e impressionar
fortemente as inteligências da época, extirpar o egoísmo e o apego aos bens terrenos e preparar o
advento do Espírito, para quando o reinado da letra houvesse produzido todos os seus frutos.
Protestando contra o qualificativo de bom, que lhe fora dado, Ele, que era bom por excelência, o
fez intencionalmente, para de antemão proscrever a sua divinização e sustentar o monoteísmo,
mostrando que, em face do Deus de Israel, ninguém o poderia tratar como Deus, senão no sentido
das palavras do Profeta (Salmo 81:1-6): Deus assiste sempre ao conselho dos deuses e, colocado no
meio deles, julga os deuses; sem deixar, entretanto, de ser, como todos os Espíritos criados, filho do
Altíssimo, do Deus dos deuses. Sois deuses e todos sois filhos do Altíssimo (Salmo citado).

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

59

Disse o Mestre: Meu pai e eu somos um. Mas, também disse, referindo-se a seus discípulos:
Rogo por eles e pelos que hão de crer em mim, pela palavra deles, a fim de que todos sejam um,
como tu, meu Pai, és em mim e eu em ti, a fim de que também sejam um em nós. Estou neles e tu
estás em mim, para que sejam consumados na unidade. (JOÃO, capítulo 17º, versículo 21 ao 23.)
Quer isto dizer que, purificando-nos, adquirindo a perfeição moral, é que nos aproximaremos de
Jesus, chegaremos a estar em relação direta com Ele, porque teremos chegado à condição de puros
Espíritos e alcançaremos a vida eterna, que consiste em conhecê-lo e conhecer o Pai.
Respondendo ao mancebo, Jesus lhe recordou o Decálogo, que contém os mandamentos a que
os homens devem obedecer e que se resumem no seguinte: não fazermos aos outros o que não
quisermos que nos façam; fazer aos outros tudo o que quiséramos nos fizessem, amando-os como a
nós mesmos, praticando para com eles a justiça e a caridade, material e moral, com devotamento e
renúncia.
Entretanto, precisamos entender bem, segundo o espírito, as palavras do Mestre, a fim de não
deduzirmos delas que, para servir a Deus, devamos despojar-nos de tudo o que possuirmos.
Daquelas palavras o que decorre é que nenhum fruto produz a prática das virtudes e dos
mandamentos, se não é escoimada de egoísmo e santificada pela caridade. A caridade e o
esquecimento de si mesmo faltavam ao mancebo. Foi por isso que Jesus lhe disse: Ainda te falta
uma coisa, velando com a letra da imposição de um sacrifício absoluto dos bens humanos, para
melhor tocar a inteligência dos homens materiais a quem falava, o espírito do ensinamento moral
que lhes ministrava e que era o de que, onde está o tesouro, aí costuma estar sempre o coração da
criatura humana, do que ali mesmo deu prova o mancebo, com a tristeza que lhe causou a resposta
obtida. Por pressentir, lendo-lhe o pensamento, essa tristeza, foi que Jesus disse, no momento em
que ele se afastava, quando, pois, ainda podia ouvi-lo: “Quão difícil é que os que possuem riquezas
entrem no reino de Deus, no reino dos céus”. Proclamou assim o princípio — Fora da caridade não
há salvação, e preparou as gerações futuras a compreenderem que uma das provas mais temíveis, um
dos maiores obstáculos a todo progresso moral é a riqueza, quando não se torna instrumento e meio
de praticarem-se a caridade e o amor do próximo.
Porém, a caridade não consiste em dar do supérfluo. A verdadeira caridade sai do coração e o
devotamento a acompanha sempre. Mas, ninguém pode ser devotado a seus irmãos, sem a renúncia
de si mesmo, porqüanto grandes sacrifícios impõe o devotamento que tenha por móvel a caridade.
Assim, caridade, devotamento e abnegação formam uma trilogia inseparável.
A caridade, para o ser, de fato, exige o desinteresse absoluto, não só quanto a qualquer
remuneração material como também quanto às recompensas celestes, porque, do contrário, ainda
será egoísmo. Ela tem que ser praticada, colimando o bem que possa produzir, por amor do próximo
exclusivamente.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 128)

IV
Para que ao desencarnar, o espírito atinja as regiões superiores do mundo espiritual, não lhe
basta somente guardar os mandamentos divinos. É preciso que além de uma vida nobre e pura, tenha
a coragem suficiente de se desprender das coisas da terra.
Respondendo Jesus ao moço rico, que se desfizesse do que possuía em benefício dos que nada
tinham, mostrou-lhe que ainda lhe faltava a virtude da renúncia, isto é, pensar nos outros antes de
pensar em si. E lhe demonstrando que precisava adquirir a virtude da renúncia, Jesus ensinou ao
moço rico que o excessivo apego às riquezas da terra, amarra a alma às regiões inferiores, e não a
deixa elevar-se para Deus. Ao dizer Jesus que só Deus é bom, dá-nos uma lição de humildade, pois,
por nós próprios nada somos, se a bondade divina não nos amparar.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 19)

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Capítulo 10

60

Vv. 23 a 31 – O perigo das riquezas ou a Dificuldade dos ricos (Mt 19:23-30; Lc 18:24-30)

I
Neste trecho, temos os primeiros comentários feitos por Jesus, enquanto se afastava o jovem
rico, triste e preocupado (stygnasas, "de sobrecenho carregado") com a luta íntima que nele se
travara entre a vontade incontrolável de seguir o Mestre, e o apego descontrolado a seus bens, entre
o amor ao Espírito e o amor à matéria.
Marcos anota que Jesus "olhou em torno de si" (periblepsámenos), observando com penetração
psicológica o efeito que nos discípulos causara a cena, e o que produziriam suas palavras. E disse:
"Como os ricos entram com dificuldade no reino dos céus!" O advérbio dyskólôs, "dificilmente", é
usado apenas aqui nos três sinópticos.
A impressão recolhida no semblante dos discípulos foi de horror. Justamente eles pensavam que
os ricos entrariam muito mais facilmente: que não consegue um homem com dinheiro? Então Jesus
resolve aprofundar o espanto e chocá-los, para que jamais esqueçam a lição, e faz uma comparação
que os deixa boquiabertos: "é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, que um rico
entrar no reino dos céus".
Teofilacto, no século 11°, em seus comentários evangélicos (Patrol. Graeca vol. 123) sugere
que, em lugar de kámelos, "camelo", devia ler-se cámilos, "cabo", "corda grossa", aceitando a
hipótese já lançada por Cirilo de Alexandria, em sua obra "Contra Julianum", cap. 6.º. Mas isso nada
resolve. Além do que a expressão de Jesus encontra eco nos escritos rabínicos: "ninguém sonha com
uma palmeira de ouro, nem com um elefante a passar pelo buraco de uma agulha" (Rabbi Raba, cfr.
Strack e Billerbeck). Ora, na época de Jesus os camelos eram comuns à vida cotidiana, ao passo que
os elefantes constituíam recordações vagas de séculos atrás, por ocasião das guerras macedônicas. E
o mesmo Jesus utiliza outra comparação com o camelo: "vós, que coais um mosquito e engolis um
camelo" (Mat. 23: 24).
A exclamação cheia de ternura, com que Jesus se dirige a seus discípulos, chamando-os "meus
filhos" (tékna) parece querer abrandar o choque traumático que lhes causara. Na expressão "os que
têm riquezas", o substantivo empregado é chrêmata, que engloba bens móveis e imóveis, ao passo
que ktêmata exprime apenas os imóveis.
No vers. 24 alguns códices trazem "Filhos, como é difícil aos que confiam nas riquezas entrar
no reino dos céus". Esse adendo, na opinião dos hermeneutas, é glosa antiga, para justificar os ricos
que não queriam desfazer-se de suas riquezas, mas cuja amizade interessava ao clero. Knabenbauer
esclarece muito atiladamente: "se é uma glosa, foi acrescentada adequada e oportunamente; pois não
condena as riquezas, mas aqueles que a elas se apegam além da medida".
O trauma leva os discípulos (Lucas diz "os ouvintes") a interrogar-se entre si: "e quem poderá
salvar-se"?
Realmente todos os seres humanos têm posses, embora os de alguns sejam constituídos de
alguns trapos para cobrir a nudez. Há então clara distinção entre pobreza efetiva e pobreza afetiva. A
primeira, por maior que seja, talvez a posse de simples lata velha para beber água, pode envolver
apego que provoque briga se alguém lha quiser tirar: enquanto a segunda, mesmo que se possuam
bens quantiosos, é mantida com a psicologia do mero gerente ou mordomo, sem nenhum apego
afetivo em relação a ela.
Após a explicação de que a Deus nada é impossível, que corta o espanto com a faca da
esperança, afiada na pedra da fé e umedecida com o azeite da confiança no Amor divino, Pedro
anima-se e "começa a interrogar" a respeito dos discípulos. Não transparece, em sua indagação, nem
egoísmo nem ambição, mas a curiosidade temperamental e ansiosa, típica dos inquietos: "e nós?
Afinal, nós deixamos tudo e te seguimos ... que acontecerá a nós"?
A resposta de Jesus, registrada por Mateus, tem um pormenor que não aparece nos outros.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

61

Analisemos: amén légô humin (em verdade vos digo) hóti hymeis hoí akolouthésantés moi (que
vós que me seguistes), en têi palligenesíai (na reencarnação), hotan kathísêi ho hyiós toú anthrôpou
(cada vez que se sente o filho do homem) epi thrônou doxês autoú (sobre o trono de sua glória)
kathêsesthe kaì hymeis (sentareis também vós) epì dôdeka thronoús (sobre doze tronos) krínontes
tàs dôdeka phylàs toú Israêl (discriminando as doze tribos de Israel).
Temos que assinalar a expressão en têi paliggenesíai, "na reencarnação", termo familiar aos
pitagóricos e estóicos, para exprimir o que chamamos hoje, ainda, de reencarnação: o renascimento
na matéria do espírito imortal; com ele também era designada outrora a "transformação do mundo",
nos passos evolutivos que o planeta vai conquistando através dos milênios. Flávio emprega a palavra
para exprimir a restauração de Israel, sentido provavelmente corrente na época, entre os israelitas, o
que fez que os discípulos pensassem que Jesus vinha operar essa restauração; e isso quiçá tenha
provocado o pedido de Tiago e de João (Marc. 10:35) logo a seguir. Philon de Alexandria usa essa
palavra para designar o renascimento do planeta após o dilúvio. E Paulo de Tarso (Tito, 3:5) com o
sentido material de reencarnação e o sentido espiritual de nascimento na individualidade ou
transição do psiquismo ao espírito, tendo como resultado o surgir do "homem novo".
Outra observação quanto ao "trono de glória", que o Talmud denomina kissê kakkabod, quando
diz: "Há sete coisas que precederam de 2000 anos o mundo: a Torah, o trono de glória, o jardim do
Eden, a geena, a penitência, o santuário de sabedoria, e o nome do Messias. Onde estava escrita a
Torah? Com fogo negro sobre fogo branco, estava ela colocada nos joelhos de Deus, e Deus estava
sentado no trono de glória, e o trono de glória se mantinha no firmamento, que está acima da cabeça
dos animais sagrados".
Jesus fala nos "doze tronos", contando ainda com Judas e nas "doze tribos" de Israel que, já à
Sua época, não mais se achavam divididas, pois séculos antes tinham sido conquistadas e dominadas
pela tribo de Judá, unificando-se num só bloco. Sua existência, pois, era apenas simbólica.
Essa frase consolida a interpretação de "palingenesia" dada por Flávio Josefo: a restauração do
reino de Israel, tornando a dividi-lo em doze tribos soberanas, cada uma das quais seria governada
por um dos doze discípulos. Os Apocalipses (cfr. 4.º Esdras 7:75) falam na renovação messiânica do
mundo, "quando o Todo-Poderoso vier renovar Sua criação". Mas embora se acreditasse que o
Messias julgaria o mundo (cfr. Mat. 25:31ss), neste trecho é dito que o julgamento seria feito pelos
doze, a exemplo dos "juizes" de Israel (como os "sufetas" de Cartago). Já Paulo fala que "os santos
julgarão o mundo" (l.ª Cor. 6:2).
A promessa de julgar (ou discriminar) é benefício honroso, mas transitório, pois é um "ato", que
logo finalizará.
Outras coisas, porém são ditas, a seguir, estendendo a todos os discípulos, contemporâneos e
futuros, que tiverem abandonado tudo "por causa dele". Marcos acrescenta: "E por causa do
Evangelho (1).
(1) A palavra Evangelho ("Boa-Notícia") é freqüente no vocabulário de Marcos, sendo
empregada oito vezes: 1:1; 1:14; 1:15; 8:35; 10:29; 13:10; 14:9 e 16:15, contra 4 vezes em
Mateus, 4:23; 9:35; 24:14 e 26:13, e nenhuma vez nos outros dois evangelistas.
A enumeração do que se abandona compreende: casas, pai, mãe, esposa, filhos, irmãos, irmãs e
campos.
Quem, pois, deixar tudo isso, receberá "o cêntuplo AGORA, nesta oportunidade" (nyn en tôi
kairôi toútôi), que só podemos interpretar como "nesta presente vida física", pois logo a seguir se
fala "no eon vindouro", ou seja, na próxima existência.
A promessa de abandonar UM e ganhar CEM tem trazido dificuldades aos hermeneutas da letra.
Jerônimo, porém, já dissera: "quem pelo Salvador deixar as coisas, recebe as espirituais",
interpretação também apoiada por Ambrósio.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

62

Outros acenam à ampliação de bens e de "família" espiritual que lucram todos os que deixam a
família sanguínea, tendo como pais os superiores (Jesus, aqui mesmo, chama seus discípulos de
"filhos"); como irmãos, todos os companheiros de crença (cfr. 2.ª Pe. 1:4, etc.); os "convertidos" são
chamados "filhos" (cfr. Gál. 4:19; 1.ª Cor. 15:58; 2.ª Cor. 6:11-13) e Paulo chega a chamar "mãe", à
mãe de Rufus (Rom. 16:13); quanto aos bens, eram eles colocados em comum (cfr. At. 2:44; 4:32;
11:29, 30; 16:15; Gál. 2:10 e 2.ª Cor. 8:1 a 9:15).
Lebreton diz que "a renúncia nos torna senhores da riqueza, ao invés de escravos dela",
lembrando Paulo: "como nada tendo, mas tudo possuindo" (2.ª Cor. 6:10).
Marcos avisa que esse cêntuplo virá "com perseguições", embora seja promessa contida nos três
sinópticos que, "no eon vindouro", o renunciante alcançará a "vida imanente".
O ensinamento todo termina com uma máxima axiomática: "muitos primeiros serão últimos, e
últimos serão primeiros". O venerável Beda comenta: "vê Judas, que de apóstolo se tornou apóstata
e dize que muitos primeiros serão últimos; vê o ladrão, que na cruz se tornou confessor, e no mesmo
dia em que foi crucificado por seus pecados, gozando com Cristo no paraíso, e dize que também os
últimos serão os primeiros".

Após o exemplo dado com o episódio do "moço rico", chegam as lições teóricas explicativas,
com outros exemplos e parábolas, que vamos agora começar a ver.
O comentário do Mestre precisa ser interpretado em espírito, lembrando-se, mais uma vez, que
o "reino dos céus" não é O CÉU, para o qual a alma iria após a morte física, lá permanecendo para
a eternidade; mas antes, uma conquista realizada AQUI, NA TERRA.
Observamos que foi isso que o moço rico pediu: a VIDA IMANENTE, na união definitiva com o
Cristo Interno. E o Cristo, manifestando-se através de Jesus, ensinou-lhe - nós o vimos - que para
obtê-la com perfeição era mister vender tudo e distribuir o resultado aos mendigos, para depois
segui-LO internamente. O que dificulta as interpretações das igrejas dogmáticas é ficarem rasteiras
na letra material. Realmente, enquanto houver riquezas e bens, NÃO É POSSÍVEL a união íntima e
permanente, porque a preocupação com a gerência dos bens, por maior que seja o desapego, distrai
a criatura, levando-a para fora de si, e portanto desligando-a de seu interior, do Cristo.
Mais fácil seria passarmos um camelo pelo buraco de uma agulha, que servirmos a dois
senhores tão opostos: Deus Interno (Espírito) e Dinheiro externo (matéria, que é satanás). Temos
que desfazer-nos do segundo, se quisermos conquistar o primeiro.
A Deus é possível chamar com tanta insistência um rico, que ele abandone tudo e "se salve",
embora criatura humana alguma o consiga.
Estudemos, agora, o vers. 28 de Mateus em seus vários sentidos ocultos e simbólicos.
Anotemos de início que o Cristo deixa de responder à primeira parte da pergunta de Pedro:
"nós que deixamos tudo o que nos pertencia (tà idíia), para só esclarecer o segundo inciso: "te
seguimos", dando a entender que o importante não é tanto "abandonar tudo", mas sim "seguí-Lo".
Reproduzamos o versículo: "Vós que me seguistes, na reencarnação, cada vez que o Filho do
Homem se sentar sobre o trono de sua glória, também Vós sentareis sobre doze tronos,
discriminando as doze tribos de Israel".
Vimos que a interpretação primeira feita pelos discípulos dizia respeito à libertação de Israel e
sua soberania absoluta no mundo, tanto que Salomé, mãe de Tiago e João, pede para seus filhos os
lugares mais honrosos à direita e à esquerda do novo Rei (Marc. 10:35).
Outra interpretação que dura há séculos refere-se à "renovação do mundo", confundida com a
parusia, ou seja, a segunda vinda de Jesus ao planeta para julgá-lo. Já aqui os apóstolos serão
juizes de toda a humanidade.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

63

Observemos que há uma citação nominal não apenas dos bens terrenos (casas e campos), mas
dos parentes de primeiro grau, um a um, sejam consangüíneos, como pai, mãe, filhos, irmãos e
irmãs, como não-consangüíneos, a esposa (ou esposo). A igreja, com a vida monástica, colocou à
letra a aplicação dessas palavras; e os monges abandonam mesmo seus parentes, chegando até, em
algumas ordens a trocar de nome, para dedicar-se ao serviço do Cristo, numa renúncia total e
absoluta. Magnífico exemplo, apesar dos defeitos "humanos" que sobrevieram às regra, rígidas, isto
é, ao abuso que se introduziu no uso. Mas, terrenamente o sentido é esse mesmo: Cristo acima de
tudo, mesmo dos amores mais belos e legítimos. Se houver objeções, dificuldades, lutas, tudo deve
ser deixado para seguir o Cristo. Se houver amor por parte desses parentes, eles acompanharão o
seguidor do Cristo. Se o não acompanharem, é porque mais amam a si mesmos e a suas
comodidades, que ao Cristo e ao buscador do Cristo: que fiquem, pois, onde mais lhes agrada. Os
atletas se libertam, por vezes, até das vestes que lhes impedem ou atrapalham a carreira.
Assim deve fazer aquele que resolve correr atrás do Amor que nos chama com gemidos
inenarráveis (Rom. 8:26). Mas não apenas os parentes "externos" deverão ser abandonados para
seguir-se o Cristo: também os parentes "internos" que constituem nossa própria personagem:
veículos físicos, sangue e emoções, fenômenos do astral, raciocínios e vaidades intelectuais, tudo
tem que ser sacrificado, se constituir óbice para seguir o Cristo. No entanto, a todos os que
deixarem essas coisas, será dado cem vezes mais EM VALOR, pois conseguirão o domínio de tudo.
Que importam as coisas materiais transitórias, a quem possui o Espírito imperecível? Cem vezes
mais vale este. E o amor do Cristo é superior ao amor de cem mães, de cem pais, de cem esposas,
ou filhos, ou irmãos, ou irmãs, e a posse do Espírito faz sentir a nulidade da posse temporária tão
rápida e ilusória de um pedaço do planeta, ou de uma casa que a poeira do tempo destrói e
derruba.
A interpretação materialista da igreja romana, como sói acontecer, acena com centenas de
irmãos encarnados nas ordens religiosas, e centenas de casas conventuais de pedra, não
compreendendo que nenhuma vantagem espiritual traria isso ao seguidor do Cristo: trocaria uma
ilusão material por outras cem, mas todas transitórias e perecíveis. A promessa refere-se ao
abandono do material para conquista do espiritual. Tanto que Marcos esclarece "com
perseguições" por parte de todos os que permanecem presos à matéria (satanás).
E o final do versículo reforça esta interpretação quando adita: "e a VIDA IMANENTE", ou
seja, a permanente unificação interna do Espírito com o Cristo.
Aqui lembramos ainda uma vez que a "vida eterna" das traduções correntes nada significaria,
já que essa vida eterna TODOS OS ESPÍRITOS a possuem por intrínseca natureza, inclusive os
maus. Quanto mais avançamos na interpretação dos textos evangélicos, mais solidificamos nossa
convicção de que é certo o caminho que palmilhamos.
Resta-nos examinar a última frase: "muitos últimos serão primeiros, e muitos primeiros serão
últimos". O espanto de muitos espiritualistas, qualquer que seja sua situação ou "posto", será
incalculável, ao se verem preteridos na vida espiritual por pecadores, ateus, materialistas. Mas não
menor será o assombro destes ao se verem acima daqueles que eles consideravam luminares vivos e
indiscutíveis da vida religiosa. Os homens julgam pela aparência, pelas posições, pelas vestes e
pela "virtude" externa. Mas nada disso significa realidade intrínseca, nem serve de qualificação
para a vida espiritual. Apenas o SER, a vibração específica do Espírito, é que situa o homem no
plano vibratório próprio. Ora, quantas vezes a bondade do materialista será achada superior à do
espiritualista, pelo simples fato de que o primeiro é bom sem nada esperar de retribuição, ao passo
que o segundo se faz de bom na secreta e íntima esperança de obter um lugar no "céu" ou em
"Nosso Lar"... O que torna sua bondade simples jogo de interesses e expectativa de polpudas
recompensas espirituais após a desencarnação.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 6)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

64

II
VER REFERÊNCIA BÍBLICA DE MARCOS NO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

Versículos Capítulos ESE Itens


17 a 25 XVI 7
29 e 30 XXIII 6
31 XX 2

III
Vv. 26 e 27 - Aos discípulos que, ante o que Ele dissera ao mancebo, lhe perguntaram: Quem
pode então salvar-se? respondeu apenas: O que é impossível para os homens é possível para Deus.
Mas, se só Deus nos pode salvar, para que servem as obras e a fé? É esta uma objeção que
formulada tem sido muitas vezes e para a qual somente nós, os espíritas, encontraremos resposta,
desde que meditemos os ensinos da Terceira Revelação.
Os que a formulam se colocam no mesmo ponto de vista dos discípulos, que se mostram
espantados com o que Jesus dissera ao mancebo e induzidos a interpelá-lo como o fizeram, porque,
atentando unicamente na letra, só perceberam as dificuldades da conquista do reino dos céus. Não
perceberam os meios que ao Espírito são concedidos, para vencer essas dificuldades. Pode, por
acaso; o homem, na sua curta existência terrena, depurar-se bastante para se considerar salvo?
Poderão seus atos ser tão bons e sua fé tão viva que lhe assegurem a salvação?
Ora, se só a perfeição nos levará aos pés do Senhor, à salvação, quem senão Ele, por terno e
indulgente, nos salva com o conceder-nos tempo, para que todos nos purifiquemos, com o relevar-
nos as dívidas, a nós, maus servos, até que as possamos pagar? Concedendo às suas criaturas todo o
tempo de que elas hajam mister, faculta-lhes Deus um agente poderoso, com cujo auxilio chegam
elas sempre a alcançar a meta, por mais afastadas que desta se achem e por mais escabrosa que seja
a estrada que lhes cumpre percorrer. Assim sendo, quem, de fato, nos salva, senão Deus, que só Ele
é bom, só Ele tem indulgência e longanimidade, só Ele tem nas suas mãos a duração do tempo?
O homem carece de capacidade para julgar por si mesmo do grau de pureza que lhe é necessário
a elevar-se. Somente Deus pode julgar. À Revelação Espírita estava reservado esclarecer, aos olhos
de todos, na época predita pelos Espíritos do Senhor, órgãos do Espírito da Verdade, o sentido das
palavras de Jesus, velado pela letra, e indicar os meios que Deus faculta a seus filhos, para vencerem
todas as dificuldades e atingirem o fim. Esses meios são o renascimento, a reencarnação, a princípio
expiatória e precedida, no espaço, da expiação proporcionada e apropriada às faltas cometidas;
depois, e por fim, gloriosa, visto que dá ao Espírito entrada no reino de Deus, no reino dos céus, isto
é, lhe permite alcançar a perfeição moral. Eis por que e como é Deus e só Deus quem nos salva.

Vv. 29 e 30 - Também são figuradas as palavras de Jesus constantes nestes versículos.


Entendidas segundo o espírito, o que se verificará é que Ele apontou, como exemplo, aqueles
sacrifícios, por serem os maiores que o homem possa fazer.
O amor, que traz em si a humildade e a caridade, para ser verdadeiro, eficaz, frutuoso, reclama
atividade e perseverança na senda do progresso, objetivando, em cada criatura, o seu próprio
aperfeiçoamento e o de seus irmãos. Ora, muitos dos que se houverem posto a caminho antes dos
outros chegarão últimos ao fim, por não terem avançado com perseverança naquela senda. Esses são
os que contam consigo mesmos e julgam caminhar com mais segurança e passar adiante dos demais.
A conseqüência será verem seus passos obstados pelo orgulho e retardada, portanto, a sua marcha.
Assim é que, tendo sido dos primeiros a se porem a caminho, serão os últimos a chegar.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 129)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

65

IV
Vv. 23 a 25 - O poder e os gozos materiais que a riqueza proporciona; o orgulho que alimenta
nos corações; a sedução que exerce sobre as almas; tudo isso torna a prova da riqueza uma das mais
difíceis, que um espírito tem de suportar no caminho da perfeição.
A riqueza é cheia de méritos para o futuro espiritual de uma alma, quando é bem empregada;
porque a riqueza é uma das alavancas do progresso do mundo. Os ricos são os despenseiros dos bens
materiais de Deus. E como tal, devem zelar para que nada falte aos que nada possuem. E que não
seja por meio da fria caridade, que se limita a distribuir apenas algumas moedas; mas sim, pelo
exercício da caridade ativa, que consiste em promover o trabalho, a instrução, o bem-estar e a
moralização da família humana. E como, ordinariamente, o rico se esquece de seus deveres de
mordomo, e usa, egoisticamente, só para si próprio, os bens que lhe foram confiados, torna-se difícil
sua ascenção para Deus.

Vv. 29 e 30 - Os interesses espirituais deverão sempre ser colocados acima dos interesses
materiais, e mesmo acima dos laços transitórios da família. Por mais que amemos a casa, os irmãos,
as irmãs, o pai, a mãe, a mulher, o marido, os filhos e nossas riquezas, jamais consintamos que nos
sirvam de embaraço em nosso caminho para a espiritualidade. Especialmente os médiuns e todos os
que foram convocados para a luta no campo do Espiritismo, nunca deverão deixar que os obstáculos
criados no ambiente doméstico, lhes façam esquecer de seus deveres sublimes. É comum os
familiares de um médium servirem de tentação para desviá-lo do desempenho de suas
responsabilidades mediúnicas. Às vezes, nossos entes queridos ainda não alcançaram o grau de
compreensão espiritual, que lhes possibilitaria avaliarem o que significa o trabalho na seara de Jesus.
E nesse estado de incompreensão, criam dificuldades de toda a sorte, perturbando o trabalho do
discípulo fiel. É contra essa espécie de tentação, que Jesus quer que nos precatemos. Ele aqui nos
quer dizer que sejamos suficientemente fortes para não cedermos, colocando acima de tudo, o
trabalho divino que nos foi confiado.

Vv. 31 - Nem sempre os que primeiro recebem as palavras de Jesus, têm o ânimo
suficientemente forte para perseverarem até o fim, na observância de seus ensinamentos. Há os que
se desviam ou recebem as lições com indiferença, sendo-lhes necessário longo período retificador,
antes de conquistarem o reino dos céus. E acontece que há os que recebem as palavras de Jesus por
último, e se esforçam de tal modo por segui-las, que facilmente alcançam e deixam para trás os que
primeiro as ouviram. Vemos suceder a mesma coisa no Espiritismo: quantos há que ouvem as lições
espíritas desde cedo e, no entanto, nenhum progresso espiritual conseguem; e quantos ingressam no
Espiritismo já no fim de suas encarnações, e ainda produzem ótimos frutos espirituais para suas
almas.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 19)

V
Outro importante ensinamento de Jesus é com relação à riqueza.
Sabe-se que os judeus criam que riquezas e saúde eram vistas como bênçãos divinas, enquanto
pobreza e doença eram vistas como castigos de Deus devido a algum pecado cometido (veja caso do
cego de nascença, em João 9). Na parábola do Rico e Lázaro, Jesus subverteu tal crença: colocou o
rico no "inferno" e o pobre e doente Lázaro no "seio de Abraão" (confira Luc. 16:19-31). Se
riquezas e saúde sempre fossem sinal da bênção e do favor divino, o jovem rico não precisaria de
Jesus, pois ele era rico, jovem e sadio. No entanto, correu ao encontro de Jesus. Aparentemente, era
até religioso, pois se prostrou aos pés de Jesus e indagou sobre como herdar a vida eterna.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

66

Embora o moço rico desejasse a vida eterna, ele queria um atalho para consegui-la. Não estava
disposto a pagar o preço do discipulado, que é a renúncia ou o desapego às coisas deste mundo. Mas
não se pode "servir a Deus e às riquezas" (Mat. 6:24).
Não que haja algo errado em ser rico. Abraão, Isaque, Davi, Salomão e muitos personagens da
Bíblia foram ricos ou extremamente ricos. O problema está em tomar a riqueza como sinal da
bênção e aprovação divinas e não buscar a confissão e o perdão para os pecados, ou fazer dela um
meio de salvação, fazendo caridade, dando esmolas, com o fim de, através de boas obras, comprar a
salvação. Outro problema com as riquezas terrenas é que elas podem fazer com que nos esqueçamos
da verdadeira riqueza, indestrutível e à prova de ladrões (cf. Mat. 6:19). Bem empregadas, contudo,
podem ser uma bênção, pois muito bem se pode fazer com elas, especialmente para com os menos
afortunados e carentes de toda sorte.
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

67

Vv. 32 a 34 – Jesus ainda outra vez prediz sua morte e ressurreição (Mt 20:17-19; Lc 18:31-34)

I
Encontramos aqui mais uma advertência de Jesus a respeito do que se passaria em Jerusalém. É
o terceiro aviso em Mateus (cfr. 16:21 e 17:22-23); o terceiro em Marcos (cfr. 8:31 e 9.30); e o
quarto em Lucas (cfr. 9:22 e 44; e 17:25). Interessante observar que Lucas, o não-israelita, é o único
a referir-se às profecias.
"Subir a Jerusalém" era a expressão corrente, consagrada pelo uso (cfr. 2.º Reis 16:5; Mat.
20:17, 18; Marc. 10:33; Luc. 2:42; 18:31; 19:28; João, 3:12; 5:1; 7:8; 11:55).
Mateus e Marcos avisam que será entregue primeiro aos principais sacerdotes e escribas que "o
condenar ão à morte", entregando-o aos gentios para a execução (técnica muito usada, também. na
igreja romana, que condena e entrega "ao braço civil", para que seja executada a sentença por ela
proferida).
Lucas, entretanto, nada diz dos principais sacerdotes e dos escribas: avisa que será entregue (por
quem?) diretamente aos gentios. Será que, não sendo judeu, não quis magoá-los, procurando
desculpá-los do crime, deixando velada a ação anterior do sinédrio, de que também não fala?
Na descrição do que ocorrerá, cada narrador acrescenta um pormenor:
Mateus: para ser escarnecido (empaíxai), flagelado (mastigôsaí) e crucificado (staurôsai);
Marcos: será escarnecido (empaíxousin), cuspido (emptysousin), flagelado (mastigôsousin) e
assassinado (apoktenoúsin);
Lucas: será escarnecido (empaichthêsetai), injuriado (hybristhêsetai) cuspido (emptysthêsetai),
e, flagelado (mastigôsantes) o matarão (apoktenoúsin autón).
No entanto todos concordam que não será o fim. Mateus assevera que "no terceiro dia será
despertado" (têi trítêi hêmérai egerthêsetaì); Marcos que "no transcurso de três dias se levantará
(metá treis hemérais anastêsetai); e Lucas (têi hemêrai têi trítêi enastêsetai).
A expressão de Marcos metá treis hemêrais é geralmente traduzida como "após três dias", o que
não corresponde à verdade dos fatos. Não há dúvida que metá, preposição com acusativo de sentido
temporal, pode significa: "depois". Mas encontramos também, o sentido de "no transcurso de", "no
decurso de", "no curso de", "no lapso de": cfr. Bailly, Dict. Grec-Français, in verbo: "Com idéia de
tempo, o sentido é "durante": meth'hêméran, durante o dia, Heródoto, 1, 150; Euripedes, Oreste, 58;
Bacantes, 485; metá dyo étê, durante dois anos, no transcurso de dois anos, F. Josefo, Bell. Jud. 1,
13, 1; metátríton étos, Teofrasto, História das Plantas, 4, 2, 8, no lapso de três anos". Portanto, a bem
da verdade, traduzimos: "no decurso de três dias", e não "depois de três dias".
Observe-se que, desta vez, não houve protesto por parte dos discípulos, como ocorrera no
primeiro anúncio dos sofrimentos.
Na caminhada para Jerusalém, Jesus segue à frente (ên proágôn autóus), com passo firme, qual
Chefe intrépido. Os discípulos e as mulheres (cfr. Mat. 20:20 e Marc. 15:41) se acham espantados, e
até apavorados (ethamboúnto kaì ephoboúnto). Apesar de palavras tão claras, os discípulos não
compreenderam. Tão fortes eram os preconceitos, em relação ao Messias, que julgavam fosse tudo
simbólico: como poderia o "vencedor dos romanos" ser assassinado, se ele reinaria soberano sobre
Israel?
A todo aquele que se acha na Senda, é pedido o sacrifício árduo de uma subida íngreme e
difícil. Ninguém jamais evoluiu "sur des roulettes".
Nem todos os sofrimentos e dores são provocados pelos resultados (carmas) de ações
passadas: muitas vezes (e proporcionalmente tanto mais, quanto maior é a evolução da criatura) a
dor é causada pelo espasmo do empuxo para cima, ao serem arrancadas as raízes do psiquismo
animal, do 'terreno árido e pedregoso do pólo negativo, para que o homem se transforme no super-
homem.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

68

Quanto mais baixo na escala da espiritualidade está o indivíduo, menos sofrimento existe, de
vez que ele se afina com as vibrações vigentes no Anti-Sistema. À proporção que se vai elevando, na
transmutação de psychê em pneuma, mais profundas e conturbadoras e violentas e dolorosas as
reações externas e internas.
Com efeito, do lado de fora da personagem, vemos aparecer grupos de pessoas, encarnadas e
desencarnadas, que atacam por todos os meios imagináveis aqueles que iniciam a subida: convites
insistentes para deter-se e novamente mergulhar nos velhos erros; atrações quase irresistíveis por
parte de seres do sexo oposto, pretendendo enlear na teia de novos compromissos cármicos;
facilidades financeiras à vista, generosamente oferecidas em troca do abandono dos novos
caminhos iniciados, e tantos outros recursos de que o Anti-Sistema dispõe com largueza, para
prender em seu âmbito o maior número de psychês, já que na hora fim que estas lhe faltarem, sua
existência entrará em colapso fatal e desaparecerá.
Mas a luta é pior dentro da própria psychê, na transformação profunda que opera para tomar-
se pneuma. Analisemos.
As criaturas humanas, hoje, possuem e utilizam largamente a psychê que herdaram e
desenvolveram através de toda a caminhada evolutiva pelos reinos animal e hominal. Mas a essa
psychê se vai somando o pneuma, que vai conquistando terreno à psychê. O pneuma começou no
reino hominal com o aparecimento do chacra coronário no alto da cabeça (coronário, de corona,
"coroa"). Esse aparecimento é descrito simbolicamente no Gênese (3:24) da seguinte forma:
"Expulsou o homem do paraíso (da irresponsabilidade animal e do desconhecimento moral) e ao
oriente do Jardim do Éden (oriente de órior, "nascer"; ou seja, no ponto em que começa a criatura:
o alto da cabeça) pôs os querubins (rodas de fogo turbilhonantes) e o chamejar de uma espada que
girava por todos os lados (o chacra ígneo de mil pétalas que gira incandescente vertiginosamente)
para guardar o caminho da árvore da vida", isto é, para impedir que, uma vez iniciado o estágio
hominal com o surgimento, embora rudimentar de um pneuma (Espírito) representado pelo chacra
coronário ausente nos animais, jamais pudesse a criatura regressar ao estágio animal, ainda que
dele estivesse bem próximo evolutivamente.
Mas a vibração passou a ser de outro tipo, com outro timbre, e uma vez adquirido o pneuma,
não mais poderia ser perdido.
Então, aí temos o início do processo.
E a evolução no reino hominal consiste em fazer diminuir, cada vez mais, a psychê, e em fazer
crescer, cada vez mais, o pneuma, que paulatinamente vai conquistando a psychê; ou melhor,
paulatinamente a psychê se vai transformando em pneuma e morrendo.
A evolução tende a abolir a emotividade psíquica animal, substituindo-lhe o sentimento elevado
espiritual, numa transmutação lenta de várias dezenas de milênios.
Ocorre que o psiquismo coletivo sente que as forças se lhe vão diminuindo gradativamente, e,
como é óbvio, tende a reagir e a deter a evolução a fim de não desaparecer. Então, os elementos
mais afinados com o psiquismo animal inferior, recebem os impulsos de força psíquica (logicamente
negativa), e tentam por todos os modos impedir a transformação que, como vimos, é lenta e
dolorosa.
Esses elementos influenciados pelo psiquismo inferior açulam e procuram injetar em todos os
campos, em todos os povos, por todos os meios (a imprensa periódica, as revistas, os livros, a
publicidade, o rádio e a televisão, o cinema e o mais que exista) com palavras suaves e figuras
embelezadas e atraentes, o que de mais baixo impera no homem.
Forcejam por despertar-lhe os instintos emotivos mais violentos, através da parte animal do
sexo desenfreado e do sensualismo gozador. Com isso, visam a retardar o máximo que puderem, a
transmutação da psychê em pneuma.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

69

Muito é conseguido daqueles que estão atrasados, após mais de cem mil anos de exercícios no
estágio hominal. Mas de outro lado, confortadoramente, há alguns que conhecem os segredos das
coisas, e que aprendem a reagir positivamente.
É a esse sacrifício doloroso que nos referimos acima, pelo qual passam todos os que pretendem
progredir espiritualmente. Cada passo dado na Senda da iniciação corresponde a um conjunto
específico de dores físicas, morais e espirituais, sem as quais não é possível renascer na escala
imediatamente superior. A própria natureza nos ensina isso com múltiplos exemplos. Basta abrir os
olhos da mente: para nascer um ponto acima de onde se achava, a criança passa nove meses no
sepulcro de uma caverna sombria, mergulhada na água e comprimida, e para sair de lá, tem que
atravessar uma "porta estreita", que a aperta dolorosamente, forçando-a a chorar logo que atinge a
luz: a dor foi muito grande! O homem, para dar um passo além, precisar atravessar o pórtico da
chamada "morte", em que o corpo astral é arrancado do físico, causando sensações dolorosas e
angustiantes. Os mesmos passos são exigidos no reino animal e até mesmo no vegetal: a semente
sentir-se-á esmagada sob a terra fria, úmida e escura, experimentando uma espécie de
apodrecimento, em que se rompe, para que de dentro surja a árvore frondosa, o arbusto modesto ou
a ervinha humilde. Tudo poderá ser denominado a dor da expansão, o sacrifício do crescimento, o
sofrimento da ascensão. Mas isso constitui uma exigência da natureza em qualquer campo, sem
exceção.
Nos graus superiores, a criatura não é mais forçada pela natureza ao progresso, mas
conscientemente o busca; assim como no curso primário obrigamos nossos filhos ao estudo, embora
o curso superior esteja na dependência da vontade livre de cada um deles.
Assim, exemplificando para nós, Jesus anuncia mais uma vez a Seus discípulos, as dores que O
esperam e, que Ele terá que superar para obter mais um passo evolutivo, e também para ajudar ao
planeta a evolver globalmente com todos os seus moradores.
Para iniciar a etapa dolorosa, é indispensável que haja uma "entrega" (parádosis) nas mãos
daqueles que poderão causar-lhe as dores previstas e necessárias a cada caso. Já vimos (vol. 4) que
o substantivo parádosis e o verbo paradídômi são vocábulos estritamente iniciáticos, das Escolas
gregas, com sentido preciso. Não se trata, pois, de uma "traição", mas de uma "tradição", algo de
previsto pela Lei, algo de preparado e acompanhado pelos mentores encarregados de ajudar a
evolução do candidato, assim como os enfermeiros terrenos preparam um doente que precisa de
tratamento cirúrgico para o ato operatório, mas não o abandonam, nem antes, nem durante, nem
depois, só lhe dando "alta" quando tiver superado a crise e estiver "fora de perigo de recaída", com
seu corpo curado. Os mentores espirituais e Mestres agem da mesma forma com Seus discípulos:
jamais os abandonam. E são incomparavelmente mais cuidadosos que os melhores enfermeiros
terrenos ...
As dores atingirão a parte física e a astral com a flagelação e a crucificação: a parte moral
com a zombaria e o desprezo (cuspir na face); a personagem total com a separação violenta do
espirito (assassinato).
Se durante todo esse processo o candidato conseguir manter-se firme e inalterado na Mente e
no Espírito, conservando intacta sua paz interior, e inabalável sua fidelidade, a vitória lhe sorrirá
brilhante, e seu Mestre o receberá de braços abertos: terá renascido um degrau acima, dominando
a morte. Liquidando definitivamente as emoções, superando todo o estágio hominal, e iniciando a
caminhada no nível de super-homem ou de Filho do Homem. Nesse ponto, não há mais necessidade
de reingressar na matéria. Mas muitos o fazem em missão sacrificial, para "salvar" humanidades e
ajudar a evolução de Seus irmãos menores, ainda atrasados na estrada, enleados nos cipós
grosseiros das paixões e afundados nos charcos pegajosos das emoções descontroladas do
psiquismo animal predominante, donde é tão difícil sair.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 6)

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Capítulo 10

70

II
Jesus, neste passo, repetiu a predição que já fizera da sua “morte” e da sua “ressurreição”,
acrescentando e precisando novas particularidades.
(...) Jesus, predizendo-os, fundamentava os acontecimentos que iam ocorrer e desse modo dava
maior peso às suas afirmativas. As narrações dos Evangelistas se completam, como sempre, uma
pelas outras.
Os discípulos não compreenderam, dessa vez, melhor do que das precedentes, o sentido exato
das palavras do Mestre. Não atinavam, sobretudo, com o que poderia ser a “ressurreição” de Jesus.
Tinham o entendimento obscurecido, quanto a esse ponto, a fim de que os fatos pudessem suceder
sem obstáculos.
Os apóstolos, diz um dos Evangelistas, muito admirados e receosos, seguiam o Mestre, quando
a caminho de Jerusalém. É que temiam os sacerdotes e os principais Judeus, sentindo que seria
difícil escapar-lhes.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 131)

III
Jesus caminha ao encontro de seu glorioso suplicio. Deixa a Galiléia para não mais tornar a ela
em seu corpo carnal. O cenário risonho e florido das margens do lago, o povo bom que o escutava
carinhosamente, os sítios tranqüilos em que orava, as crianças que o seguiam brincando, tudo vai ser
substituído por Jerusalém, a cidade das controvérsias, das discussões, dos sacerdotes orgulhosos e
dos rituais religiosos. Em viagem para a cidade fatal, Jesus não se esquece de prevenir os discípulos
do que se vai passar. Assim ele os fortificava na fé, para que não vacilassem nos instantes supremos.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 20)

IV
A faculdade de pressentir as coisas porvindouras é um dos atributos da alma e se explica pela
teoria da presciên-cia. Jesus a possuía, como todos os outros, em grau eminente.
Pôde, portanto, prever os acontecimentos que se seguiriam à sua morte, sem que nesse fato algo
haja de sobrenatural, pois que o vemos reproduzir-se aos nossos olhos, nas mais vulgares condições.
Não é raro que indivíduos anunciem com precisão o instante em que morrerão; é que a alma deles,
no estado de desprendimento, está como o homem da montanha: abarca a estrada a ser percorrida e
lhe vê o termo.
Tanto mais assim havia de dar-se com Jesus, quanto, tendo consciência da missão que viera
desempenhar, sabia que a morte no suplício forçosamente lhe seria a conseqüência.
A visão espiritual, permanente nele, assim como a penetração do pensamento, haviam de
mostrar-lhe as circunstâncias e a época fatal. Pela mesma razão podia prever a ruína do Templo, a de
Jerusalém, as desgraças que se iam abater sobre seus habitantes e a dispersão dos judeus.
(Allan Kardec, A Gênese, capítulo XVII itens 20 e 21)

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Capítulo 10

71

Vv. 35 a 45 – O pedido de Tiago e João (Mt 20:20-28)

I
Lucas (18:34) salientara que os discípulos "nada haviam entendido e as palavras de Jesus
permaneciam ocultas para eles, que não tiveram a gnose do que lhes dizia". Mateus e Marcos
trazem, logo depois, a prova concreta da verdade dessa assertiva.
Mateus apresenta o episódio como provocado pela mãe de Tiago e de João, com uma
circunlocução típica oriental, que designa a mãe pelos filhos: "veio a mãe dos filhos de Zebedeu
com os filhos dela", ao invés do estilo direto: "veio a esposa de Zebedeu com seus filhos". Trata-se
de Salomé, como sabemos por Marcos (15:40) confrontado com Mateus (27:56). Lagrange apresenta
num artigo a hipótese de ser Salomé irmã de Maria mãe de Jesus, portanto sua tia.
Sendo seus primos, o sangue lhe dava o direito de primazia. Em nossa hipótese, demos Salomé
como filha de Joana de Cuza, esta sim, irmã de Maria. Então Salomé seria sobrinha de Maria e
prima em 1.º grau de Jesus (sua "irmã"), sendo Tiago e João "sobrinhos de Jesus", como filhos de
sua "irmã" Salomé. Então, sendo seus sobrinhos, a razão da consangüinidade continuava valendo.
Além disso, Salomé como sua irmã, tinha essa liberdade, e se achava no direito de pedir, pois dera a
Jesus seus dois filhos e ainda subvencionava com seu dinheiro as necessidades de Jesus e do Colégio
apostólico (cfr. Luc, 8:3 e Marc. 15:41).
Como na resposta Jesus se dirige frontalmente aos dois, Marcos suprimiu a intervenção
materna: realmente eles estavam de pleno acordo com o pedido, tanto que, a seu lado, aguardavam
ansiosos a palavra de Jesus. A interferência materna foi apenas o "pistolão" para algo que eles
esperavam obter.
Como pescadores eram humildes; mas elevados à categoria de discípulos e emissários da Boa-
Nova, acende-se neles o fogo da ambição, que era justa, segundo eles, pois gozavam da maior
intimidade de Jesus, que sempre os distinguia, destacando-os, juntamente com Pedro, dos demais
companheiros, nos momentos mais solenes (cfr. Mat, 9:1; 17:1; Marc. 1:29; 5:37; 9:12; 14:33; Luc.
8:51). Tinham sido, também, açulados pela promessa de se sentarem todos nos doze "tronos",
julgando Israel (Mat. 19:28), então queriam, como todo ser humano, ocupar os primeiros lugares
(Mat. 23:6 e Luc. 14:8-10).
A cena é descrita com pormenores. Embora parente de Jesus, Salomé lhe reconhece o valor
intrínseco e a grandeza, e prostra-se a Seus pés, permanecendo silenciosa e aguardando que o Mestre
lhe dirija a palavra em primeiro lugar: "que queres"?
Em Marcos a resposta é dos dois: "Queremos" (thélomen) o que exprime um pedido categórico,
não havendo qualquer dúvida nem hesitação quanto à obtenção daquilo que se pede: não é admitida
sequer a hipótese de recusa : "queremos"!
Jesus não os condena, não os expulsa da Escola, não os apresenta à execração pública, não os
excomunga; estabelece um diálogo amigável, em que lhes mostra o absurdo espiritual do pedido,
valendose do episódio para mais uma lição. Delicadamente, porém, é taxativo na recusa. Sabe dizer
um NÃO sem magoar, dando as razões da negativa, explicando o porquê é obrigado a não atender
ao pedido: não depende dele. Mas não titubeia nem engana nem deixa no ar uma esperança inane.
Pelas expressões de Jesus, sente-se nas entrelinhas a tristeza de quem percebe não estar sendo
entendido: "não sabeis o que pedis" Essa resposta lembra muito aquela frase proferida mais tarde,
em outras circunstâncias: "Não sabem o que fazem"! (Luc. 23:34).
Indaga então diretamente: "podeis beber o cálice que estou para beber ou ser mergulhado no
mergulho em que sou mergulhado"? A resposta demonstra toda a presunção dos que não sabem,
toda a pretensão dos que ignoram: "podemos"!

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Capítulo 10

72

Jesus deve ter sorrido complacente diante dessa mescla de amor e de ambição, de disposição ao
sacrifício como meio de conquistar uma posição de relevo! Bem iguais a nós, esses privilegiados
que seguiram Jesus: entusiasmo puro, apesar de nossa incapacidade!
Cálice (em grego potêrion, em hebraico kôs pode exprimir. no Antigo Testamento, por vezes, a
alegria; mas quase sempre é figura de sofrimento.
Baptízein é um verbo que precisa ser bem estudado; as traduções correntes insistem em
transliterar a palavra grega, falando em batismo e batizar, que assume novo significado pela
evolução semântica, no decorrer dos séculos por influência dos ritos eclesiásticos e da linguagem
litúrgica. Batismo tomou um sentido todo especial, atribuído ao Novo Testamento, apesar de
ignorado em toda a literatura anterior e contemporânea dos apóstolos. Temos que interpretar o texto
segundo a semântica da época, e não pelo sentido que a palavra veio a assumir séculos depois, por
influências externas.
Estudemos o vocábulo no mais autorizado e recente dicionário ("A Greek English Lexicon", de
Liddell & Scott, Londres, 1966), in verbo (resumindo): Baptizô, mergulhar, imergir: xíphos eis
sphagên, "espada mergulhada na garganta" (Josefo); snáthion eis tò émbryon “espátula no recém-
nascido" Soranus, médico do 2.º séc. A.C.; na voz passiva: referindo-se à trepanação (Galeno).
Ainda: báptison seautòn eis thálassau e báptison Dionyson pros tên thálassan, "mergulhado no
mar" (Plutarco); na voz passiva com o sentido de "ser afogado”, Epicteto, "mergulho alguém no
sono" (5.º séc. A.C.) e hynnôi bebantisméns “mergulhado no sono letárgico" (Archígenes, 2.º séc.);
baptízô eis anaisthesían kaì hypnon, "mergulhado na anestesia e no sono" (Josefo); psychê
bebaptisménê lypêi "alma mergulhada na angústia" (Libânio sofista, 4.º séc. A. D.)".
Paulo (Rom , 6:3-4) fala de outra espécie de batismo: "porventura ignorais que todos os que
fomos mergulhados em Cristo Jesus, fomos mergulhados em sua morte? Fomos sepultados com ele
na morte pelo mergulho, para que, como Cristo despertou dentre os mortos pela substância do Pai,
assim nós andemos em vida nova".
Até agora tem sido interpretado este trecho como referente aos sofrimentos físicos de Tiago,
decapitado em Jerusalém por Herodes Agripa no ano 44 (cfr. Atos, 12:2) e de João, que morreu de
morte natural, segundo a tradição, mas foi mergulhado numa caldeira de óleo fervente diante da
Porta Latina (Tertuliano) e foi exilado na ilha de Patmos (Jerônimo).
As discussões maiores, todavia, se prendem à continuação. Pois Jesus confirma que eles
beberão seu cálice e mergulharão no mesmo mergulho, mas NÃO CABE a Ele conceder o lugar à
sua direita ou esquerda! Só o Pai! Como? Sendo Jesus DEUS, segundo o credo romano, sendo UM
com o Pai, NÃO PODE resolver? Só o Pai; E Ele NÃO SABE? Não tem o poder nem o
conhecimento do que se passaria no futuro? Por que confirmaria mais uma vez aqui que o Pai era
maior que Ele (João, 14:28)?
Como só o Pai conhecia "o último dia" (Mat. 24:36). Como só o Pai conhecia "os tempos e os
momentos" (At. 1:7). Como resolver essa dificuldade? Como uma "Pessoa" da Trindade poderá não
ter conhecimento das coisas? Não são três "pessoas" mas UM SÓ DEUS?
Os comentadores discutem, porque estão certos de que o "lugar à direita e à esquerda" se situa
NO CÉU. Knabenbauer escreve: "nem o Messias, estando na Terra, pode dar os primeiros lugares no
Céu aos que agora pedem, como se pretendesse mudar ou ab-rogar o decreto do Pai eterno". Os
séculos correram sobre as discussões infindáveis, sem que uma solução tivesse sido dada, até que no
dia 5 de junho de 1918, após tão longa perplexidade, o "Santo Ofício" deu uma solução ao caso.
Disse que se tratava do que passaria a chamar-se, por uma "convenção teológica", uma
APROPRIAÇÃO, ou seja: "além das operações estritamente trinitárias, todas as obras denominadas
ad extra (isto é, "fora de Deus") são comuns às pessoas da Santíssima Trindade; mas a expressão
corrente - fiel à iniciativa de Jesus - reserva e apropria a cada uma delas os atos exteriores que tem
mais afinidade com suas relações hipostáticas".

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

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Em outras palavras: embora a Trindade seja UM SÓ DEUS, no entanto, ao agir "para fora", ao
Pai competem certos atos, outros ao Filho, e outros ao Espírito Santo. Não sabemos, todavia, como
será possível a Deus agir "para fora", se Sua infinitude ocupa todo o infinito e mais além!
Os dois irmãos, portanto, pretendem apropriar-se dos dois primeiros lugares, sem pensar em
André, que foi o primeiro chamado, nem em Pedro, que recebeu diante de todos as "chaves do
reino". Como verificamos, a terrível ambição encontrou terreno propício e tentou levar à ruína a
união dos membros do colégio apostólico, e isso ainda na presença física de Jesus! Que não haveria
depois da ausência Dele?
Swete anota que os dez se indignaram, mas "pelas costas" dos dois, e não diante deles; e isto
porque foi empregada pelo narrador a preposição perí, e não katá, que exprimiria a discussão face a
face.
Há aqui outra variante. Nas traduções vulgares diz-se: "não me pertence concedê-lo, mas será
dado àqueles para quem está destinado por meu Pai". No entanto, o verbo hetoimózô significa mais
rigorosamente "preparar". Ora, aí encontramos hétoímastai, perfeito passivo, 3ª pessoa singular;
portanto, "foi preparado".
Jesus entra com a sublime lição da humildade e do serviço, que, infelizmente, ainda não
aprendemos depois de dois mil anos: é a vitória através do serviço prestado aos semelhantes. O
exemplo vivo e palpitante é o próprio caso Dele: "Vim" (êlthen) indica missão especial da
encarnação (cfr. Marc. 1:38 e 2:17; e Is. 52:13 a 53:12). E essa vinda especial foi para SERVIR
(diakonêsai), e não para ser servido (diakonêthênai), fato que foi exaustivamente vivido pelo Mestre
diante de Seus discípulos e em relação a eles.
O serviço é para libertação (lytron). Cabe-nos estudar o significado desse vocábulo. "Lytron" é,
literalmente "meio-de-libertação", a que também se denomina "resgate". O resgate era a soma de
dinheiro dada ao templo, ao juiz ou ao "senhor" para, com ela, libertar o escravo. O termo é
empregado vinte vezes na Septuaginta e corresponde a quatro palavras do texto hebraico
massorético: a kôfer, seis vezes; a pidion e outros derivados de pâdâh, sete vezes; a ga'al ou
ge'ullah, cinco vezes, e a mehhir, uma vez; exprime sempre a compensação, em dinheiro, para
resgatar um homicídio ou uma ofensa grave, ou o preço pago por um objeto, ou o resgate de um
escravo para comprar-lhe a liberdade. E a vigésima vez aparece em Números (3:12) quando o termo
lytron exprime a libertação por substituição: os levitas podiam servir de lytron, substituindo os
primogênitos de Israel no serviço do Templo.
Temos, portanto, aí, a única vez em que lytron não é dinheiro, mas uma pessoa humana, que
substitui outra, para libertá-la de uma obrigação imposta pela lei.
Em vista disso, a igreja romana interpretou a crucificação de Jesus como um resgate de sangue
dado por Deus ao Diabo (!?), afim de comprar a liberdade dos homens! Confessemos que deve
tratar-se de um deus mesquinho, pequenino, inferior ao "diabo", e de tal modo sujeito a seus
caprichos, que foi constrangido a entregar seu próprio filho à morte para, com o derramamento de
seu sangue, satisfazerlhe os instintos sanguinários; e o diabo então, ébrio de sangue, abriu a mão e
permitiu (!) que Deus pudesse carregar para seu céu algumas das almas que lhe estavam sujeitas...
Como foi possível que tantas pessoas inteligentes aceitassem uma teoria tão absurda durante
tantos séculos?... Isso poderia ocorrer com espíritos inferiores em relação a homens encarnados,
como ainda hoje vemos em certos "terreiros" de criaturas fanatizadas, e como lemos também em
Eusébio que transcreve uma notícia de Philon de Byblos, segundo o qual os reis fenícios, em caso de
calamidade, sacrificavam seus filhos mais queridos para aplacar seu "deus", algum "exu"
atrasadíssimo.
Monsenhor Pirot diz textualmente: "entregando-se aos sofrimentos e à morte, é que Jesus pagará
o resgate de nossa pobre humanidade, e assim a livrará do pecado que a havia escravizado ao
demônio"!

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Capítulo 10

74

Uma palavra ainda a respeito de polloí que, literalmente, significa "’muitos". Pergunta-se: por
que resgate "de muitos" e não "de todos"? Alguns aduzem que, em vários pontos do Novo
Testamento, o termo grego polloí corresponde ao hebraico rabbim, isto é, "todos" (em grego
pántes), como em Mat. 20:28 e 26:28; em Marc. 14:24; em Rom. 5:12-19 e em Isaías, 53:11-12).
Sabemos que (Mat. 1:21) foi dado ao menino o nome de Jesus, que significa "Salvador" porque
libertará "seu povo de seus erros"; e Ele próprio dirá que traz a libertação para os homens (Luc.
4:18).

Esta lição abrange vários tópicos:


a) o exemplo a ser evitado, de aspirar, nem mesmo interior e subconscientemente, aos
primeiros postos;
b) a necessidade das provas pelas quais devem passar os candidatos à iniciação: "beber o
cálice" e "ser mergulhados";
c) a decisão, em última instância, cabe ao Pai, que é superior a Jesus (o qual, portanto, não é
Deus no sentido absoluto, como pretendem os católicos romanos, ortodoxos e reformados);
d) a diferença, mais uma vez sublinhada, entre personagem e individualidade, sendo que esta
só evolui através da LEI DO SERVIÇO (5.º plano).

Vejamo-lo em ordem.
I - É próprio da personagem, com seu "eu" vaidoso e ambicioso, querer projetar-se acima dos
outros, em emulação de orgulho e egoísmo. São estes os quatro vícios mais difíceis de desarraigar
da personagem (cfr. Emmanuel, "Pensamento e Vida", cap. 24), e todos os quatro são produtos do
intelecto separatista e antagonista da individualidade.
O pedido de Tiago (Jacó) e de João, utilizando-se do "pistolão" de sua mãe, é típico, e reflete o
que se passa com todas as criaturas ainda hoje. Neste ponto, as seitas cristãs que se desligaram
recentemente do catolicismo (reformados e espiritistas) fornecem exemplos frisantes.
Entre os primeiros, basta que alguém julgue descobrir nova interpretação de uma palavra da
Bíblia, para criar mais uma ramificação, em que ele EVIDENTEMENTE será o primeiro, o "chefe".
O mesmo se dá entre os espiritistas. Pululam "centros" e "tendas" que nascem por impulso
vaidoso de elementos que se desligam das sociedades a que pertenciam para fundar o SEU centro
ou a SUA tenda: ou foram preteridos dos "primeiros lugares à direita e à esquerda" do ex-chefe; ou
se julgam mais capazes de realização que aquele chefe que, segundo eles, não é dinâmico; ou
discordam de alguma interpretação da doutrina; ou querem colocar em evidência o SEU "guia",
que acham não estar sendo bastante "prestigiado" (quando não é o próprio "guia" (!) que quer
aparecer mais, e incita o seu "aparelho" a fundar outro centro PARA ELE!); ou a criatura quer
simplesmente colocar-se numa posição de destaque de que não desfrutava (embora jamais confesse
essa razão); ou qualquer outro motivo, geralmente fútil e produto da vaidade, do orgulho, do
egoísmo e da ambição. Competência? Cultura? Adiantamento espiritual? Ora, o essencial é
conquistar a posição de "chefe"!
Há ainda muitos Tiagos e Joões, e também muitas Salomés, que buscam para seus filhos ou
companheiros os primeiros lugares, e tanto os atenazam com suas palavras e reclamações, que
acabam vencendo. Que se abram os olhos e se examinem as consciências, e os exemplos aparecerão
por si mesmos.
Tudo isso é provocado pela ânsia do "eu” personalístico, de destacar-se da multidão anônima;
daí as "diretorias" dos centros e associações serem constituídas de uma porção de NOMES, só para
satisfazer à vaidade de seus portadores, embora estes nada façam e até, por vezes, atrapalhem os
que fazem.

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Capítulo 10

75

II - As "provas" são indispensáveis para que as criaturas sejam aprovadas nos exames. E por
isso Jesus salienta a ignorância revelada pelo pedido de quem queria os primeiros postos, sem ter
ainda superado a" dificuldades do caminho: "não sabeis o que pedis"!
O cálice que deve beber o candidato é amargo: são as dores físicas, os sofrimentos morais, as
angústias provocadas pela aniquilação da personalidade e pela destruição total do "eu" pequeno,
que precisa morrer para que a individualidade cresça (cfr. João 3:30); são as calúnias dos
adversários e:, sobretudo, dos companheiros de ideal que o abandonam, com as desculpas mais
absurdas, acusandoo de culpas inexistentes, embora possam "parecer" verdadeiras: mas sempre
falando pelas costas, sem dar oportunidade ao acusado de defender-se: são os martírios que vêm
rijos: as prisões materiais (raramente) mas sobretudo as morais: por laços familiares; as torturas
físicas (raras, hoje), mas principalmente as do próprio homem, criadas pelo "eu" personalístico,
que o incita a largar tudo e a trocar os sacrifícios por uma vida fácil e tranquila, que lhe é tão
simples de obter ...
Mas, além disso, há outra prova: o MERGULHO na "morte".
Conforme depreendemos do sentido de baptízô que estudamos, pode o vocábulo significar:
mergulhar ou imergir na água; mergulhar uma espada no corpo de alguém; mergulhar uma faca
para operar cirurgicamente; mergulhar alguém no sono letárgico, ou mergulhar na morte.
Podemos, pois, interpretar o mergulho a que Jesus se refere como sendo: o mergulho no
"coração" para o encontro com o Cristo interno; o mergulho que Ele deu na atmosfera terrena,
provindo de mundos muito superiores ao nosso; o mergulho no sono letárgico da "morte", para
superação do quinto grau iniciático, do qual deveria regressar à vida, tal como ocorrera havia
pouco com Lázaro; ou outro, que talvez ainda desconheçamos. Parece-nos que a referência se fez à
iniciação.
Estariam os dois capacitados a realizar esse mergulho e voltar à vida, sem deixar que durante
ele se rompesse o "cordão prateado"? Afoitamente responderam eles: "podemos"! Confiavam nas
próprias forças. Mas era questão de tempo para preparar-se. João teve tempo, Tiago não ... Com
efeito, apenas doze anos depois dessa conversa, (em 42 A.D.) Tiago foi decapitado, não
conseguindo, pois, evitar o rompimento do "umbigo fluídico". Mas João o conseguiu bem mais
tarde, quando pode sair com vida (e Eusébio diz "rejuvenescido") da caldeira de óleo fervente, onde
foi literalmente mergulhado.
A esse mergulho, então, parece-nos ter-se referido Jesus: mergulho na morte com regresso à
vida, após o "sono letárgico" mais ou menos prolongado, que Ele realizaria pouco mais tarde.
Esse mergulho é essencial para dar ao iniciado o domínio sobre a morte (cfr. "a morte não
dominará mais além dele", Rom. 6:9; "por último, porém, será destruída a morte", 1.ª Cor. 15:26;
"a morte foi absorvida pela vitória; onde está, ó morte, tua vitória? onde está, ó morte, teu
estímulo"? , 1.ª Cor. 15:54-55; "Feliz e santo é o que tem parte na primeira ressurreição: sobre
estes a segunda morte não tem poder, mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com Ele
durante os mil anos": Apoc. 20:6). De fato, a superação do quinto grau faz a criatura passar ao
sexto, que é o sacerdócio.
Modernamente o sacerdócio é conferido por imposição das mãos, com rituais específicos, após
longa preparação. No catolicismo, ainda hoje, percebemos muitos resquícios das iniciações
antigas, como podemos verificar (e o experimentamos pessoalmente).
Em outras organizações que "se" denominam "ordens iniciáticas", o sacerdócio é apenas um
título pro forma, simples paródia para lisonjear a vaidade daqueles de quem os "Chefes" querem,
em retribuição, receber também adulações, para se construírem fictício prestígio perante si
mesmos. O sacerdócio REAL só pode ser conferido após o mergulho REAL, efetivo e consciente,
plenamente vitorioso, no reino da morte. Transe doloroso e arriscado para quem não esteja à
altura: "podeis ser mergulhados no mergulho em que sou mergulhado"?

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

76

A morte, realizada em seu simulacro, no sono cataléptico era rito insubstituível no Egito, onde
se utilizava, por exemplo, a Câmara do Rei, na" pirâmide de Quéops, para o que lá havia (e ainda
hoje lá está), o sarcófago vazio, onde se deitavam os candidatos. Modernamente, Paul Brunton
narra ter vivido pessoalmente essa experiência (in "Egito Secreto"). Também na Grécia os
candidatos passavam por essa prova, sob a proteção de Hades e Proserpina, nos mistérios
dionisíacos; assim era realizado em Roma (cfr. Vergílio, e Plotino); assim se, fazia em todas as
escolas antigas, como também, vimo-lo, ocorreu com Lázaro.
Superada essa morte, o vencedor recebia seu novo nome, o hierónymos (ou seja, hierós,
"sagrado"; ónymos, "nome"), donde vem o nome "Jerônimo"; esse passava a ser seu nome
sacerdotal, o qual, de modo geral, exprimia sua especialidade espiritual, intelectual ou artística;
costume que ainda se conserva na igreja romana, sobretudo nas Ordens Monásticas. O catolicismo
prepara para o sacerdócio com cerimônias que lembram e "imitam" a morte, da qual surge o
candidato, após a “ordenação", como "homem novo" e muitas vezes com nome diferente.

III - Já vimos que Jesus, cônscio de Sua realidade, sempre se colocou em posição subalterna e
submissa ao Pai, embora se afirmasse "unido a Ele e UNO com Ele" (João, 10:30, 38; 14:10, 11,
13; 16:15, etc. etc.).
Vejamos rapidamente alguns trechos: "esta é a vontade do Pai que me enviou" (João, 6:40),
logo vontade superior à Sua, e autoridade superior, pois só o superior pode "enviar" alguém; "falo
como o Pai me ensinou" (João, 8:28), portanto, o inferior aprende com o superior, com quem sabe
mais que ele; "o Pai me santificou" (João, 10.36), o mais santo santifica o menos santo; "O Pai que
me enviou, me ordenou" (João, 12:49), só um inferior recebe ordens e delegações do superior; "falo
como o Pai me disse" (João, 12:50), aprendizado de quem sabe menos com quem sabe mais; "o Pai,
em mim, faz ele mesmo as obras" (João, 14:11), logo, a própria força de Jesus provém do Pai, e
reconhecidamente não é sua pessoal; "o Pai é maior que eu" (João, 14:28), sem necessidade de
esclarecimentos; "como o Pai me ordenou, assim faço" (João, 14:31); "não beberei o cálice que o
Pai me deu”? (João, 18:11), qual o inferior que pode dar um sofrimento a um superior? "como o
Pai me enviou, assim vos envio" (João, 20:21); e mais: "Quem me julga é meu Pai" (João, 8:54);
“meu Pai, que me deu, é maior que tudo" (João, 10:29); "eu sou a videira, meu Pai é o viticultor"
(João, 15:1), portanto, o agricultor é superior à planta da qual cuida; "Pai, agradeço-te porque me
ouviste" (João, 11:41), jamais um superior ora a um inferior, e se este cumpre uma "ordem" não
precisa agradecer-lhe; "Pai, salva-me desta hora" (João, 12:27), um menor não tem autoridade
para “salvar" um maior: sempre recorremos a quem está acima de nós; e mais: "Pai, afasta de mim
este cálice" (Marc. 14:36); "Pai, se queres, afasta de mim este cálice" (Luc. 22:42); "Pai, perdoa-
lhes porque não sabem o que fazem" (Luc. 23:34), e porque, se fora Deus, não diria: "perdoo-lhes
eu”? e o último ato de confiança e de entrega total: "Pai, em tuas mãos entrego meu espírito" (Luc.
23:46), etc.
Por tudo isso, vemos que Jesus sempre colocou o Pai acima Dele: "faça-se a tua vontade, e não
a minha" (Mat. 26:42, Luc. 22:42). Logo, não se acredita nem quer fazer crer que seja o Deus
Absoluto, como pretendeu torná-Lo o Concílio de Nicéia (ano 325), contra os "arianos", que eram,
na realidade, os verdadeiros cristãos, e dos quais foram assassinados, em uma semana, só em
Roma, mais de 30.000, na perseguição que contra eles se levantou por parte dos "cristãos"
romanos, que passaram a denominar-se "católicos".
Natural que, não sendo a autoridade suprema, nem devendo ocorrer as coisas com a
simplicidade suposta pelos discípulos, no restrito cenário palestinense, não podia Jesus garantir
coisa alguma quanto ao futuro.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

77

Daí não poder NINGUÉM garantir “lugares determinados" no fabuloso "céu", como
pretenderam os papas católicos ao vender esses lugares a peso de ouro (o que provocou o protesto
veemente de Lutero); nem mesmo ter autoridade para afirmar que A ou B são "santos" no "céu”,
como ainda hoje pretendem com as "canonizações". Julgam-se eles superiores ao próprio Jesus,
que humilde e taxativamente asseverou: "não me compete, mas somente ao Pai"! A pretensão
vaidosa dos homens não tem limites!...

IV - A diferença entre a personagem dominadora e tirânica, representada pelo exemplo dos


"governadores de povos" e dos "grandes", e a humildade serviçal da individualidade" é mais uma
vez salientada.
Aqueles que seguem o Cristo, têm como essencial SERVIR ATRAVÉS DO AMOR e AMAR
ATRAVÉS DO SERVIÇO.
Essa é a realidade profunda que precisa encarnar em nós. Sem isso, nenhuma evolução é
possível. O próprio Jesus desceu à Terra para servir por amor. E esse amor foi levado aos extremos
imagináveis, pois além do serviço que prestou à humanidade, "deu sua alma para libertação de
muitos". Esta é uma das lições mais sublimes que recebemos do Mestre.
Quem não liquidou seu personalismo e passou a “servir", em lugar de "ser servido", está fora
da Senda.
DAR SUA ALMA, que as edições vulgares traduzem como "dar sua vida", tem sentido especial.
O fato de "dar sua vida" (deixar que matem o corpo físico) é muito comum, é corriqueiro, e não
apresenta nenhum significado especial, desde o soldado que "dá sua vida" para defender, muitas
vezes, a ambição de seus chefes, até a mãe que “dá sua vida" para colocar mundo mais um filho de
Deus; desde o fanático que "dá sua vida" para favorecer a um grupo revolucionário, até o cientista
que também "dá sua vida" em benefício do progresso da humanidade; desde o mantenedor da
ordem pública que "dá sua vida" para defender os cidadãos dos malfeitores, até o nadador, que "dá
sua vida" para salvar um quase náufrago; muitas centenas de pessoas, a cada mês, dão suas vidas
pelos mais diversos motivos, reais ou imaginários, bons ou maus, filantrópicos ou egoístas,
materiais ou espirituais.
Ora, Jesus não deu apenas sua vida, o que seria pouca coisa, pois com o renascimento pode
obter-se outro corpo, até bem melhor que o anterior que foi sacrificado. Jesus deu SUA ALMA, Sua
psychê, toda a Sua sensibilidade amorosa, num sacrifício inaudito, trazendo-a de planos elevados,
onde só encontrava a felicidade, para "mergulhar" na matéria grosseira de um planeta denso e
atrasado, imergindo num oceano revolto de paixões agudas e descontroladas, tendo que manter-se
ligado aos planos superiores para não sucumbir aos ataques mortíferos que contra Ele eram
assacados. Sua aflição pode comparar-se, embora não dê ainda idéia perfeita, a um mergulhador
que descesse até águas profundas do oceano, suportando a pressão incomensurável de muitas
toneladas em cada centímetro quadrado do corpo. Pressão tão grande que sufoca, peso tão
esmagador que oprime. Nem sempre o físico resiste. E quando essa pressão provém do plano astral,
atingindo diretamente a psychê, a angústia é muito mais asfixiante, e só um ser excepcional poderá
suportá-la sem fraquejar.
Jesus deu Sua psychê para libertação de muitos. Realmente, muitos aproveitaram o caminho
que ele abriu. Todos, não. Quantos se extraviaram e se extraviam pelas estradas largas das ilusões,
pelos campos abertos do prazer, aventurando-se no oceano amplo de mâyâ, sem sequer desconfiar
que estão passeando às tontas, sem direção segura, e que não alcançarão a meta; e quantos,
também, despencam ladeira abaixo, aos trambolhões, arrastados pelas paixões que os enceguecem,
pelos vícios que os ensurdecem, pela indiferença que os paralisa; e vão de roldão estatelar-se no
fundo do abismo, devendo aguardar outras oportunidades: nesta, perderam a partida e não
conseguiram a liberdade gloriosa dos Filhos de Deus.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

78

Muitos, entretanto, já se libertaram. São os que se esquecem de si mesmos, os que deixam de


existir e se transformam em pão, para alimentar a fome da humanidade: a fome física, a fome
intelectual, a fome espiritual; e transubstanciam seu sangue em vinho de sabedoria, em vinho de
santidade, em vinho de amor, para inebriar as criaturas com o misticismo puro da plenitude
crística, pois apresentam a todos, como Mestre, apenas o Cristo de Deus, e desaparecem do
cenário: sua personalidade morre, para surgir o Cristo em seu lugar; seu intelecto cala, para
erguer-se a voz diáfana do Cristo; suas emoções apagam-se, para que só brilhe o amor do Cristo. E
através deles, os homens comem o Pão Vivo descido do céu, que é o Cristo, e bebem o sangue da
Nova Aliança, que é o Cristo, e retemperam suas energias e se alçam às culminâncias da perfeição,
porque mergulham nas profundezas da humildade e do amor.
Essa é a libertação, que teve como lytron ("meio-de-libertação") a sublime psychê de Jesus.
Para isso, Ele deu Sua psychê puríssima e santa; entregando-a à humanidade que O não entendeu...
e quis assassiná-Lo, porque Ele falava uma linguagem incompreensível de liberdade, a linguagem
da liberdade, a linguagem da paz, a linguagem da sabedoria e do amor.
Deu sua psychê generosa e amoravelmente, para ajudar a libertar os que eram DELE: células
de Seu prístino corpo, que Lhe foram dadas pelo Pai, ao Qual Ele pediu que, onde Ele estivesse,
estivessem também aqueles que Lhe foram doados (João, 17:24), para que o Todo se completasse, a
cabeça e os membros (cfr. 1.ª Cor. 12:27). A esse respeito já escrevemos
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 6)

II

10 35 a 45 VII 6

III
“Mas entre vós não será assim.” — Jesus. (Mc 10:43)

Desde as eras mais remotas, trabalham os agrupamentos religiosos pela obtenção dos favores
celestes.
Nos tempos mais antigos, recordava-se da Providência tão-só nas ocasiões dolorosas e graves.
Os crentes ofereciam sacrifícios pela felicidade doméstica, quando a enfermidade lhes invadia a
casa; as multidões edificavam templos, em surgindo calamidades públicas.
Deus era compreendido apenas através dos dias felizes.
A tempestade purificadora pertencia aos gênios perversos.
Cristo, porém, inaugurou uma nova época. A humildade foi o seu caminho, o amor e o trabalho
o seu exemplo, o martírio a sua palma de vitória. Deixou a compreensão de que, entre os seus
discípulos, o princípio de fé jamais será o da conquista fácil de favores do céu, mas o de esforço
ativo pela iluminação própria e pela execução dos desígnios de Deus, através das horas calmas ou
tempestuosas da vida.
A maior lição do Mestre dos Mestres é a de que ao invés de formularmos votos e sacrifícios
convencionais, promessas e ações mecânicas, como a escapar dos deveres que nos competem,
constitui-nos obrigação primária entregarmo-nos, humildes, aos sábios imperativos da Providência,
submetendo-nos à vontade justa e misericordiosa de Deus, para que sejamos aprimorados em suas
mãos.
(Emmanuel; Caminho, Verdade e Vida; 155 – Entre os Cristãos)

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Capítulo 10

79

IV
"O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir". - Jesus. (Mc 10:45)

A Natureza, em toda parte, é um laboratório divino que elege o espírito de serviço por processo
normal de evolução. Os olhos atilados observam a cooperação e o auxílio nas mais comezinhas
manifestações dos reinos Inferiores.
A cova serve à semente. A semente enriquecerá o homem.
O vento ajuda as flores, permutando-lhes os princípios de vida. As flores produzirão frutos
abençoados. Os rios confiam-se ao mar. O mar faz a nuvem fecundante.
Por manter a vida humana, no estágio em que se encontra, milhares de animais morrem na
Terra, de hora a hora, dando carne e sangue a benefício dos homens.
Infere-se de semelhante luta que o serviço é o preço da caminhada libertadora ou santificante.
A pessoa que se habitua a ser invariavelmente servida em todas as situações, não sabe agir
sozinha em situação alguma. A criatura que serve pelo prazer de ser útil progride sempre e encontra
mil recursos dentro de si mesma, na solução de todos os problemas.
A primeira cristaliza-se. A segunda desenvolve-se.
Quem reclama excessivamente dos outros, por não estimar a movimentação própria na
satisfação de necessidades comuns, acaba por escravizar-se aos servidores, estragando o dia quando
não encontra alguém que lhe ponha a mesa. Quem aprende a servir, contudo, sabe reduzir todos os
embaraços da senda, descobrindo trilhos novos.
Aprendiz do Evangelho que não improvisa a alegria de auxiliar os semelhantes permanece
muito longe do verdadeiro discipulado, porquanto companheiro fiel da Boa Nova esta informado de
que Jesus veio para servir, e desvela-se, a benefício de todos, até ao fim da luta.
Se há mais alegria em dar que em receber, há mais felicidade em servir que em ser servido.
Quem serve, prossegue...
(Emmanuel; Fonte Vida; 82 – Quem Serve, Prossegue)

V
A mãe de Tiago e João estava com os dois. Ela e eles dirigiram sucessivamente a palavra ao
Mestre. Este, porém, só respondeu, como era natural, aos dois discípulos.
O batismo a que Jesus aludia, dizendo que lhe cumpria recebê-lo, era o sacrifício a que teria de
submeter-se e não a água que João lhe derramara sobre a cabeça. Era também, de modo geral, o
martírio que os apóstolos, seguindo-lhe o exemplo, teriam de sofrer.
Com o que disse, relativamente ao lugar a que os dois discípulos aspiravam, fez ressaltar a
supremacia divina, com referência a qualquer outro Espírito, por mais elevado que seja.
Ante a indignação de que se tomaram os outros dez apóstolos contra Tiago e João, cujo pedido
interpretaram como significando que os dois se consideravam superiores aos demais, o Mestre lhes
deu o ensinamento simples e conciso, que os Evangelistas registraram, objetivando encaminhar o
homem para a humildade, o desinteresse e a renúncia de si mesmo, para o devotamento a todos. Esse
ensinamento deu fruto entre os discípulos e os primeiros cristãos. Os homens, porém, o olvidaram e
deixaram de praticar, desde o dia em que, passados os tempos apostólicos, fizeram da Igreja do
Cristo um reino deste mundo, pactuando com as potências da Terra, ou, por vezes, lutando contra
elas, caminho pelo qual foram levados ao orgulho, à ambição, à ânsia de predomínio, à intolerância,
ao abuso, às aberrações, aos excessos que aquelas fontes de erros e de paixões fazem jorrar. Daí o
desprestígio em que caiu e vemos a Igreja de Roma.
Mas, são chegados os tempos em que as palavras do Mestre se têm de cumprir e tornar verdades
práticas. Importa, pois, que nós outros, os espíritas, sejamos os primeiros a dar exemplos de
humildade, de desinteresse, de renúncia e de devotamento.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

80

Disse Jesus: “O filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida pela
redenção de muitos”. Foi efetivamente o que fez. Segundo as suas palavras, Ele veio dar a vida pela
redenção de muitos. Por que não de todos? Será por que haja estabelecido duas categorias, uma de
“eleitos”, outra de “réprobos”, quando disse que muitos serão os chamados e poucos os escolhidos?
Não, certamente. Já vimos como e por que os chamados são muitos, são mesmos todos, e poucos
serão os escolhidos. Precisamos compreender, em toda a sua grandiosidade, o sentido das palavras
do Mestre, ponderando que o caminho está aberto a todos nós, que todos temos o livre-arbítrio e a
lei de amor, para nos guiarem os passos nesse caminho, de modo que o percorramos com segurança
e sem desvios.
Aquela restrição se explica e justifica, porque, sem dúvida, ao tempo da purificação do nosso
mundo, haverá Espíritos rebeldes e obstinados, que serão afastados deste planeta e mandados para
outros, de categoria inferior, onde terão que expiar suas rebeldias e obstinações, e progredir, sob as
vistas de outro Cristo de Deus. Assim, nem todos chegarão ao fim debaixo da mesma direção, mas
todos hão de chegar. A mesma restrição ainda nos faz ver de que modo Jesus foi e é o nosso
redentor e como devemos compreender que haja realizado a obra da nossa redenção, excluindo toda
idéia de que esta se operou por haver Ele tomado sobre si e expiado, pelo sacrifício do Gólgota, as
nossas culpas, isentando-nos da responsabilidade delas. De semelhante idéia nasceu um dos erros
mais grosseiros que a Igreja Romana propina e pelo qual desvirtua a significação real daquele
sacrifício, tornando-o um ato de “expiação substitutiva”, que seria visceralmente contrário à justiça
perfeita e ao amor infinito de Deus. (Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 132)

VI
Vv. 35 a 40 - Todos aqueles que aspiram a um lugar para o qual ainda não estão preparados,
demonstram orgulho, embora sintam-se com a coragem necessária para suportarem os riscos, que a
conquista do posto que ambicionam, acarreta. Mesmo que os filhos de Zebedeu bebessem o cálice
do Mestre, ainda assim não teriam assento ao lado dele, por não estarem à altura da evolução
espiritual de Jesus. Ao responder-lhes Jesus, que os lugares à sua direita ou à sua esquerda
dependiam da vontade de Deus, quis dizer-lhes que esses lugares não se davam a qualquer um, mas
unicamente aos que se tinham tornado dignos de ocupá-los. Este episódio simboliza também o
grande número de pedidos inconsiderados que continuamente sobem aos pés do Altíssimo. Destes
pedidos, uns não podem ser atendidos, por faltar-lhes merecimento; e outros, porque se fossem
atendidos, perturbariam a evolução espiritual dos que os formulam. Por isso, é muito conveniente
que analisemos muito bem os pedidos que fizermos a Deus em nossas orações; devemos primeiro
ver se merecemos o que pedimos e depois, se uma vez atendidos, o que pedimos não nos irá trazer
perturbações.

Vv. 41 a 45 - Estes versículos explicam claramente a resposta que Jesus dá aos filhos de
Zebedeu. Quanto mais elevada é a situação de um espírito na hierarquia espiritual, tanto maiores são
seus deveres, e mais extensa sua responsabilidade. Os altos postos espirituais requisitam de quem os
ocupa, extrema dedicação aos irmãos menores, os quais estão sob sua assistência direta. Os espíritos
elevados renunciam a serem servidos, para servirem aos pequeninos, que a misericórdia do Pai
colocou sob a proteção e a tutela deles. Tal é o exemplo que Jesus nos lega. Sua vida é um contínuo
devotamento ao próximo; chegou a renunciar à própria personalidade, e por fim deu a vida para
remissão até dos mesmos que o levaram ao suplício da cruz. Em nossos dias, os espíritas são os
discípulos que vieram para servir. E no humilde labor evangélico, como médiuns abnegados, como
doutrinadores amorosos e como instrutores carinhosos, passam desapercebidos das grandezas
terrenas, mas edificando o reino de Deus no recesso dos corações sofredores, aos quais vieram
servir. (Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 20)

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Capítulo 10

81

VII
Diferentemente dos livros de biografias, a Bíblia relata também as fraquezas de seus
personagens. Dois deles: Tiago e seu irmão João pediram os primeiros lugares no reino, que
pensavam tratar-se de um reino terrestre. Evidenciam, assim, seu egoísmo, em prejuízo dos demais.
Eles querem grandezas humanas. Querem ser grandes.
Jesus vai deixou claro que a grandeza no reino de Deus é medida por padrões diametralmente
opostos aos do mundo: grande no reino de Deus é quem mais serve (10:43), o primeiro é o que se
põe na posição de servo para com os demais (10:44). O exemplo maior disso foi dado pelo próprio
Senhor: Ele "não veio para ser servido, mas para servir..." (10:45).
Chamou também a atenção no relato do pedido de Tiago e João, a indignação dos demais
discípulos para com o pedido destes dois (Mar. 10:41). Mas não era indignação justa, contra a falta
de entendimento quanto à natureza do reino que Cristo viera instaurar. A indignação era motivada,
com toda a certeza, pelo fato de tal pedido ser lesivo a eles, que ambicionavam a mesma coisa: e se
Jesus resolvesse conceder o pedido? O que restaria aos outros dez discípulos senão os lugares
considerados sem muita importância aos olhos humanos?
A lição do pedido de Tiago e João é bastante atual: a grandeza divina se mede pelo espírito de
servir ao próximo, tal como Jesus o fez. É essa grandeza no serviço que deve ser buscada por todo
seguidor de dEle. Essa é a grandeza que perdura. A grandeza mundana se dissipa com a morte
dAquele que, aos olhos dos homens, era considerado grande.
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

82

Vv. 46 a 52 – A cura do cego de Jericó ou a Cura de Bartimeu (Mt 20:29-34; Lc 18:35-43)

I
De início precisamos resolver uma dificuldade. Mateus e Marcos dizem que a cura foi efetuada
ao sair de Jericó e Lucas que foi ao entrar na cidade. Estudemos a topografia.
A cerca de 26 ou 30 km de Jerusalém, havia uma cidade antiqüíssima, chamada Jericó,
construída perto da fonte de Eliseu. Cidade desde Números e Deuteronômio, ficou célebre quando
os israelitas, sob o comando de Josué, a tomaram, ao entrar na Terra Prometida, tendo sido
derrubadas suas muralhas ao som das trombetas e dos gritos dos soldados hebreus. Era chamada a
"cidade das palmeiras" (Deut. 34:3), pois estava num oásis fértil. Suas ruínas foram descobertas nas
escavações de 1908-1910.
Acontece que Herodes o Grande, e mais tarde Arquelau, aproveitando o oásis, construíram outra
cidade mais ao sul, com o mesmo nome, no local em que o Ouadi eI-Kelt desemboca na planície.
Local maravilhoso para morar no inverno, porque as montanhas da Judéia o protegiam contra os
ventos frios de oeste. Foram construídos grandes palácios suntuosos, com piscinas luxuosas, um
anfiteatro e um hipódromo, termas e templos, etc. Jericó tornou-se a segunda cidade da Palestina em
importância e extensão, depois de Jerusalém.
Para os israelitas Mateus e Marcos, a Jericó verdadeira era a "velha", pois a nova era "pagã".
Para o grego Lucas, Jericó era a cidade nova. Compreende-se, então, que ao sair da velha e entrar na
nova cidade, tenha o cego encontrado Jesus. Tanto assim que, logo a seguir Lucas narra o episódio
de Zaqueu, que habitava a cidade nova.
Mas os cegos eram dois ou só havia um? Mateus diz que eram dois, contra a opinião de Marcos
e de Lucas, que afirmam ter sido um, sendo que o primeiro lhe dá até o nome, demonstrando estar
muito bem informado do que ocorreu. Alguns exegetas alegam que de fato os cegos costumavam
andar em duplas, para se distraírem conversando durante as longas horas de espera, e para se
consolarem de seu infortúnio. Observamos, entretanto, que Mateus gosta de dobrar, como no caso
dos dois cegos, narrado em 9:27, dos dois obsidiados de Gerasa (8:28), embora Marcos (5:1-20) e
Lucas (8:26-36) digam ter sido um.
Também aqui os exegetas dividem suas opiniões, procurando justificar: um dos cegos,
Bartimeu, tomou a iniciativa e chamou sobre si a atenção; o outro, que o acompanhava, nem foi
quase notado, a não ser por Mateus, presente à cena, pois Marcos ouviu o relato de Pedro, e Lucas
só veio a saber dos fatos muito mais tarde, pela tradição oral. É o que diz Agostinho: "daí porque
Marcos só quis recordar aquele único, cuja cura adquiriu uma fama tão grande com esse prodígio,
quanto era conhecida a calamidade dele".
De qualquer forma, a anotação de Marcos e Lucas, de que se tratava de "mendigos" (prosaítês),
confirma a realidade, já que, àquela época, não havia preocupação de aproveitar os estropiados:
desde que a criança nascesse defeituosa, só havia um caminho: a mendicância.
O local escolhido pelos dois era excelente: passagem obrigatória para todos os peregrinos que,
por ocasião da Páscoa que se aproximava, vinham da Transjordânia e da Galiléia, dirigindo-se para
Jerusalém.
Quanto ao nome, dado em “arameu” observamos que geralmente (cfr. Mc. 3:17; 7:11, 34;
14:26) é dado primeiro o nome, e depois o significado; no entanto aqui se inverte: primeiro aparece
a tradução, "filho de Timeu", e depois o nome "Bartimeu". Portanto, nome patronímico, como tantos
outros (cfr. Barjonas, Bartolomeu, Barjesus, Barnabé, Baraquias, Barrabás, Barsabás, etc.).

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

83

Ao perceber a pequena multidão bulhenta que passava, o cego indagou de que se tratava, e foi
informado de que era o taumaturgo-curador Jesus o Nazareno, filho de David.
A Palavra "Nazareno" aparece com mais frequência sob a forma "Nazoreu" (nâshôray e
nazôraios, em hebr. e grego). (...) Com efeito, nos evangelhos temos onze vezes a forma nazoreu
(Mt. 2:23 e 26:71; João, 18:5,7, e 19:19; Atos, 2:22; 3:6; 4:10; 6:14; 22:8; 24:5 e 26:9) contra seis
vezes a forma "nazareno" (Marc. 1:24; 10:47; 14:67 e 16:6, e Luc. 4:34 e 24:19).
Ao saber de quem se tratava, o cego gritou em altos brados, pedindo compaixão. A multidão
tenta faz ê-lo calar-se, mas ele não quer perder aquela oportunidade e grita mais forte ainda.
Marcos dá pormenores vivos: Jesus pára e manda chamá-lo. Lucas, médico, é mais preciso na
linguagem: Jesus "manda que o tragam até Ele". O espírito leviano da alma coletiva demonstra sua
psicologia: já não mais o repreendem para que se cale; ao invés, o encorajam e ajudam, como se
tudo proviesse da generosidade deles!
Ao saber-se chamado, o cego arroja de si o manto, para não atrapalhá-lo na rapidez dos
movimentos, e levanta-se de um salto, lépido e esperançoso. Jesus pergunta-lhe o que quer Dele:
dinheiro? A resposta do cego é clara: "Senhor (Marcos manteve o arameu Rabboni) que eu veja de
novo"! O verbo anablépô dá a entender que não se tratava de cego de nascença.
Como sempre, Jesus atribui a cura, que foi instantânea, à fé ou confiança (pistis) do cego. A
certeza de obter o favor era tão firme, que foi possível curá-lo.
E o cego "acompanhou Jesus pela estrada", feliz de estar novamente contemplando a luz e de
poder ver o homem que o tirara das trevas.

Aqui novamente deparamos com um fato que simboliza uma iluminação obtida por um espírito
que sabe o que quer e que quer o que sabe. Não é pedida nenhuma vantagem pessoal, mas a luz da
compreensão.
Bartimeu (filho do "honorável"), embora mergulhado nas trevas em que o lançaram seus erros,
ainda sabe reconhecer o momento propício de uma invocação, para obter a visão plena do espírito,
e sabe seguí-la depois que a obteve, acompanhando Jesus pela estrada da vida.
Apesar de muita gente querer impedir que o cego grite por compaixão, este não desiste de sua
pretensão.
Sua confiança é ilimitada; e esse espírito está enquadrado na primeira bem-aventurança:
"felizes os que mendigam o espírito, porque deles é o reino dos céus".
O mendigar a plenos pulmões, diante da multidão, sem deixar vencer-se pelas vozes que nos
querem obrigar a calar, tem esse resultado: "entramos no reino dos céus", seguindo o Cristo na
estrada, sem mais largá-Lo. Realmente, é esse o primeiro passo para o início da caminhada na
Senda: VER com o intelecto aberto e com a alma liberta dos preconceitos mundanos. E, uma vez
obtida a luz, saber abandonar tudo, para seguir o Mestre excelso.
Hoje não temos mais o Mestre Jesus em corpo a perambular pelas ruas de nossas cidades. Mas
quantas vezes passa o Cristo por nós e, distraídos, deixamos escapar a oportunidade.
Passa o Cristo no meio da multidão azafamada, preocupada pelos negócios, interesseira de
vantagens materiais, e não sabemos descobri-Lo, e deixamos desvanecer-se o ensejo.
Passa o Cristo entre os furacões e as tempestades de nossa alma, e nós, atormentados e
dominados pelas emoções, nem reparamos em Sua passagem.
Passa o Cristo silencioso nas solidões tristes das horas vazias, nos abandonos cruéis de todos
os amigos, nas fugas amedrontadas de nossos companheiros, e não percebemos Sua vibração
misteriosa e profunda a convocar-nos ao Seu coração amoroso.
Quantas vezes já terá passado o Cristo, sem que o tenhamos percebido!
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 6)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

84

II
“E ele, lançando de si a sua capa, levantou-se e foi ter com Jesus.” —(Mc 10:50)

O Evangelho de Marcos apresenta interessante notícia sobre a cura de Bartimeu, o cego de


Jericó.
Para receber a bênção da divina aproximação, lança fora de si a capa, correndo ao encontro do
Mestre, alcançando novamente a visão para os olhos apagados e tristes.
Não residirá nesse ato precioso símbolo?
As pessoas humanas exibem no mundo as capas mais diversas. Existem mantos de reis e de
mendigos. Há muitos amigos do crime que dão preferência a “capas de santos”. Raros os que não
colam ao rosto a máscara da própria conveniência. Alega-se que a luta humana permanece repleta de
requisições variadas, que é imprescindível atender à movimentação do século; entretanto, se alguém
deseja sinceramente a aproximação de Jesus, para a recepção de benefícios duradouros, lance fora de
si a capa do mundo transitório e apresente-se ao Senhor, tal qual é, sem a ruinosa preocupação de
manter a pretensa intangibilidade dos títulos efêmeros, sejam os da fortuna material ou os da
exagerada noção de sofrimento. A manutenção de falsas aparências, diante do Cristo ou de seus
mensageiros, complica a situação de quem necessita. Nada peças ao Senhor com exigências ou
alegações descabidas. Despe a tua capa mundana e apresenta-te a Ele, sem mais nem menos.
(Emmanuel; Caminho, Verdade e Vida; 98 – Capas)

III
Perguntou-lhe Jesus: - Que queres que eu faça? (Mc 10:51)

Cada aprendiz em sua lição.


Cada trabalhador na tarefa que lhe foi cometida.
Cada vaso em sua utilidade.
Cada lutador com a prova necessária.
Assim, cada um de nós tem o testemunho individual no caminho da vida.
Por vezes, falhamos aos compromissos assumidos e nos endividamos infinitamente, No serviço
reparador, todavia, clamamos pela misericórdia do Senhor, rogando-lhe compaixão e socorro.
A pergunta endereçada pelo Mestre ao cego de Jericó é, porém, bastante expressiva.
"Que queres que eu faça?"
A indagação deixa perceber que a posição melindrosa do interessado se ajustava aos
imperativos da Lei.
Nada ocorre à revelia dos Divinos Desígnios.
Bartimeu, o cego, soube responder, solicitando visão. Entretanto, quanta gente roga acesso à
presença do Salvador e, quando por ele interpelada, responde em prejuízo próprio?
Lembremo-nos de que, por vezes, perdemos a casa terrestre a fim de aprendermos o caminho da
casa celeste; em muitas ocasiões, somos abandonados pelos mais agradáveis laços humanos, de
maneira a retornarmos aos vínculos divinos; há épocas em que as feridas do corpo são chamadas a
curar as chagas da alma, e situações em que a paralisia ensina a preciosidade do movimento.
É natural peçamos o auxílio do Mestre em nossas dificuldades e dissabores; entrem entes, não
nos esqueçamos de trabalhar pelo bem, nas mais aflitivas passagens da retificação e da ascensão,
convictos de que nos encontramos invariavelmente na mais justa e proveitosa oportunidade de
trabalho que merecemos, e que talvez não saibamos de pronto, escolher outra melhor.
(Emmanuel; Fonte Viva; 89 - Em Nossa Marcha)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 10

85

IV
(...) Quanto às curas, Ele as operou, como as outras de que já tratamos, por ato exclusivo da sua
vontade e pela ação do seu poder magnético. Se tocou os olhos dos cegos, coisa de que não tinha
necessidade, foi para mostrar aos discípulos o que lhes cumpria fazer.
Operando a de Bartimeu, filho de Timeu, só com o pronunciar estas palavras: Vai, tua fé te
sarou, quis impressionar fortemente as massas, mostrando aos homens o poder de que dispunha.
Cegos que somos do coração e da inteligência, digamos com fé: Senhor, que os nossos olhos se
abram”, e recobraremos a vista moral e espiritual. Digamos com fé: Mestre, faze que eu veja, e
veremos, porqüanto a luz espírita clareará as trevas que nos envolvem, projetando o fulgor de seus
raios na estrada reta e segura que temos de percorrer.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 134)

V
A cura do cego é um fenômeno material, perfeitamente enqüadrado nas leis que regem as curas
pelo fluido magnético curativo, que Jesus irradiava em alto grau, e sabia manejar. Todavia, além da
parte puramente material deste fato, devemos ver nele também a parte moral. Sentados à beira da
estrada da vida, quantos cegos espirituais aguardam a passagem do Mestre para curá-los da cegueira
espiritual, em que vivem O Espiritismo é o moderno enviado a percorrer os caminhos da terra,
abrindo os olhos das almas para contemplarem os resplendores da imortalidade.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 20)

VI
O incidente da cura de Bartimeu (e de seu colega, conforme o relato de Mateus 20:29-34) serve
para mostrar o que é um discípulo-modelo sob a ótica de Marcos. Não é Pedro, nem Mateus, nem
outro qualquer dos discípulos: é Bartimeu (filho de Timeu), e as razões são as seguintes:
1. Este cego reconheceu em Jesus o "Filho de Davi", o Messias enviado por Deus (10:47), coisa
que muitos em Israel, especialmente os líderes, deixaram de fazer;
2. Ele teve fé em Jesus e em Seu poder para curá-lo (10:47);
3. Ele tem a persistência que se espera de um verdadeiro discípulo. Ao ser repreendido e pedido
para que se calasse, ele gritou ainda mais; (10:48);
4. Ele lançou de si a capa – algo que o impedia de ir até Jesus, ou seja, lançou de si tudo o que
possuía para ir a Jesus (Mar. 10: 50);
5. Ao ser curado, seguiu Jesus "pelo caminho" (Mar. 10:52), sem se importar com os riscos
dessa caminhada ou seguimento. (E Jesus caminhava para a cruz, em Jerusalém).
É interessante perceber que a última imagem que Pedro guardou de Bartimeu, e que passou a
Marcos na escrita deste Evangelho, é a de que Bartimeu seguia Jesus "pelo caminho" (10:52).
Estaríamos dispostos a fazer o mesmo? Seguir Jesus quando o que se pode receber em conseqüência
disto é a morte ou sofrimento? Para Bartimeu, estar com Jesus valia a pena, mesmo que isto pudesse
acarretar-lhe problemas. Não é isto que se espera de um verdadeiro discípulo de Jesus?
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

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Capítulo 11

86

ESQUEMA ESTRUTURAL DO CAPÍTULO 11

Introdução............................................................................................................ 89

Vv. 1 a 10 A caminho de Jerusalém (Mt 21:1-9; Lc 19:28-40; Jo 12:12-19)....................... 89

V. 11 Em Jerusalém (Mt 21:10-11; Lc 19:28-40).......................................................... 93

Vv. 12 a 14 A figueira sem fruto (Mt 21:18-22)...................................................................... 94

Vv. 15 e 16 A purificação do templo (Mt 21:12-13; Lc 19:45-46; Jo 2:14-17)...................... 97

Vv. 17 a 19 O Ensino no templo (Mt 21:14-17; Luc. 19:47-48).............................................. 102

Vv. 20 a 23 O poder da fé (Mat. 21:20-22; Luc. 17:5-6)......................................................... 103

Vv. 24 a 26 A Oração (Mt. 6:5-15; Lc. 11:1-4)........................................................................ 106

Vv. 27 a 33 A autoridade de Jesus e o batismo de João (Mt 21:23-27; Lc 20:1-8)............... 108

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Capítulo 11

87

Introdução

O capítulo 11 de Marcos, em que é relatado o episódio da figueira amaldiçoada e dos


vendedores expulsos do Templo, não aparece inocentemente neste ponto exato da narrativa. Jesus e
o grupo de discípulos chegam a Jerusalém, ali onde o confronto com as autoridades judaicas atingirá
p seu máximo. A entrada triunfal em Jerusalém (11,1-11) marca uma divisão na narrativa. O
episódio é continuação de uma longa fase de ensinamento sobre o comportamento ideal do discípulo
(8:22 a 10:52). O capítulo é construído da seguinte maneira:

A - vv. 1-11: entrada triunfal em Jerusalém

B – vv. 12-14: Jesus amaldiçoa a figueira

C – vv. 15-19: os vendedores são expulsos do Templo

B’ – vv. 20-26: os discípulos constatam que a figueira secou

A’ – vv. 27-33: questiona-se no Templo a autoridade de Jesus

Esta estrutura é reforçada pelas entradas – em Jerusalém e no Templo – e saídas, bem como
pelas menções à noite e à manhã. De manhã, Jesus entra em Jerusalém e no Templo. À noite, sai e
vai para Betânia (v. 11). No dia seguinte, sente fome (v. 12). A figueira na estrada tem muitas
folhas, mas não tem figos. Então Jesus proncuncia o julgamento (vv. 13-14). Ele e seus discípulos
chegam a Jerusalém e entram n oTemplo. Jesus expulsa os vendedores e derruba as mesas dos
cambistas (vv. 15-18). À noite, eles saem da cidade (v. 19). De manhã, o grupo toma o mesmo
caminho da véspera e passa novamente pela figueira: a árvore secou até as raízes (vv. 20-21). Jesus
aproveita para falar da fé e da prece (vv. 22-25). No Templo, a autoridade de Jesus é questionada
pelos sumos sacerdotes, escribas e anciãos (vv. 23-27). Segue-se uma série de confrontos (cap. 12).
Afinal, Jesus deixa o Templo (13,1).
(O Leão Ruge, Guy Bonneau)

Vv. 1 a 10 – A caminho de Jerusalém (Mt 21:1-9; Lc 19:28-40; Jo 12:12-19)


(A entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, conforme a Bíblia de João Ferreira)

I
Quando Jesus e Seus discípulos se aproximavam de Jerusalém, após a longa viagem em que
atravessaram a Galiléia, a Peréia, passando por Jericó, subindo o maciço da Judéia, atingindo
Betânia, Betfagé e o Monte das Oliveiras, dá-se a cena que acabamos de ler.
Interessante notar que a palavra Betfagé significa "casa dos figos verdes"; é derivada de Beith
pa'gê (por Beith Pa'gin, já que paggâh, paggim quer dizer "figo não-maduro"). A cidade de Betfagé
é unanimemente identificada hoje com a aldeia de et-Tour.
Jesus envia dois de Seus discípulos, sem especificar quais, sabendo por antecedência o que
encontrarão e o que lhes será objetado.
(...) A anotação de Marcos e Lucas de que no jumento ninguém havia montado, era para
significar que esse animal estava apto a participar de uma cerimônia religiosa iniciática. Essa crença
de que o animal, para ser utilizado, não devia ter sido ainda subjugado, era comum aos hebreus (1) e
aos romanos (2).

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

88

(1) "Fala aos filhos de Israel que te tragam uma novilha vermelha, perfeita, em que não haja defeito
e que ainda não tenha levado jugo" (Núm, 19:2); "Os anciãos tomarão da manada uma novilha que
ainda não tenha trabalhado nem tenha puxado com o jugo" (Deut. 21:3); "Tomai duas vacas
paridas sobre as quais não tenha sido posto o jugo" (1.º Sam. 6:7).

(2) "escolhe também outras tantas novilhas intactos de jugo" (Virgílio); "o, triunfo! farás esperar os
carros de ouro e, as novilhas virgens de jugo"? (Hortêncio); "uma novilha, diz Febo, se te
apresentará nos campos solitários, que não sofreu nenhum jugo e imune do curvo arada" (Ovídio).

Realmente acharam o jumentinho logo à entrada da aldeia (Betfagé) amarrado do lado de fora
da porta, na rua e, sem mais aquela, começaram a soltá-lo. Protestos erguem-se, naturalmente, da
parte dos donos.
Mas a frase típica: "O Mestre tem necessidade deles e logo os restituirá", tranquiliza-os. A cena
supõe conhecimento do Mestre por parte dos donos do jumento, coisa viável em lugar pequeno; não
há necessidade de recorrer-se a "milagre".
A frase "os discípulos colocaram seus mantos sobre eles" exprime que realmente isso pode ter
sido feito, cobrindo-se os dois animais; mas o resto: "e fizeram Jesus montar sobre eles", não se
refere aos dois animais, mas aos mantos colocados sobre o jumentinho.
Esse fato descreve hábito comum no oriente, quando o animal não está selado: o manto
amaciava a dureza da espinha do animal. Também o fato de estender pelo chão da estrada os mantos
já é citado em 2.º Reis (9:12-13), após a unção de Jeú como rei.
Os discípulos não entenderam bem o que se passava. Só mais tarde ligaram os fatos à cena a
que assistiam (...).
Mas não deixaram de entusiasmar-se e dar "vivas", juntamente com a pequena multidão que se
formou.
Hosana é uma exclamação de alegria, correspondendo exatamente ao nosso "viva"! Já aparece
no Salmo 119:25, recitado por ocasião da festa da páscoa e em toda a oitava da festa dos
Tabernáculos. O sétimo dia dessa festa era dito "dia dos hosanas" (hosanna rabba).
A frase "Bendito o que vem em nome do Senhor é do Salmo 118:26, que faz parte do hallel
(salmos recitados durante a páscoa).
Assim discípulos e peregrinos constituíam pequeno coro jubiloso, ladeando Jesus, que seguia
montado no jumentinho.
João, com sua agudeza crítica, começa a levantar o véu de tudo o que se vai passar, com
aquela frase simples, mas profundamente reveladora: "a princípio Seus discípulos não entenderam
isso; mas quando Jesus se transubstanciou (doxázâ), então se lembraram de que isso estava escrito
sobre ele e do que havia sido feito". Ora, o evangelista não diz "nesse momento eles não
entenderam", mas sim "a princípio", o que denota que só bastante tempo depois, e "quando Jesus se
transubstanciou" é que conseguiram compreender. As traduções correntes trazem: "quando foi
glorificado". Mas quando é que Jesus foi glorificado na Terra? A transubstanciação, sim, houve,
após a ressurreição e a chamada "ascensão", que estudaremos a seu tempo. Mas fixemos que só
então os discípulos compreenderam o sentido dessa entrada em Jerusalém montado num jumentinho
que jamais recebera jugo.
Hoje, após a transubstanciação, é fácil deduzir as razões do fato.
(...) Jesus vai submeter-se (...) para o altar do holocausto, onde será imolado qual "cordeiro
pascal", sem mancha, sem defeito. Mas só a parte animal de seu ser poderá submeter-se ao
sacrifício. Preciso é, pois, que haja um símbolo, demonstrando que essa parte animal (Seus veículos
físicos, que sofrerão o holocausto), estava intata, imune do jugo de qualquer imperfeição. O
símbolo foi o jumentinho, sobre que nenhum ser humano tivera domínio.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

89

Além disso releva notar o simbolismo esotérico do ato em si. (...) E o símbolo escolhido é
perfeito: Jesus monta sobre o jumento, dominando-o e subjugando-o totalmente, e recebendo por
isso a consagração e as "palmas" da vitória.
Esta é a única vez que lemos ter Jesus montado num animal: no momento supremo em que Se
dirigia ao Santuário para imolar-Se, (...), conforme lemos: "Ele, nos dias de sua carne (durante Sua
vida física) tendo oferecido preces e súplicas com forte clamor e lágrimas ao Que podia libertá-lo
da morte, e tendo sido ouvido por Sua reverência, aprendeu, embora fosse Filho, a obediência, por
meio das coisas que sofreu (martírios e crucificação) e, por se ter aperfeiçoado (recebendo o grau
da iniciação maior), tornou-se autor da libertação para (...) todos os que a Ele obedecem, sendo
por isso chamado por Deus SUMO SACERDOTE DA ORDEM DE MELQUISEDEC" (Hb. 5:7-10).
Toda a alegria e festa popular não penetraram no imo do coração do Mestre, que continuava
triste, chegando a chorar pelo que antevia dever suceder a Jerusalém (vê-lo-emos dentro em
pouco). Sabia que todos endeusavam a personagem transitória, e que os gritos de alegria eram
apenas exterioridades emotivas: aqueles mesmos gritariam, dias mais tarde, "mata-o, crucifica-o"!
Assim, qualquer criatura que tiver em torno de si multidões ululantes de alegria, endeusadores
contumazes a bater palmas, feche seus olhos e mergulhe dentro de si mesma. As demonstrações de
entusiasmo provocam a queda daqueles que vivem ainda voltados para fora, a procurar com os
olhos a aprovação dos homens e a buscar o maior número de seguidores. Trata-se de uma das
provações mais árduas e difíceis de vencer. Os elogios embriagam mais que o vinho, dão mais
vertigens que as alturas e jogam no abismo mais rápido que as avalanchas. E isso porque, na
realidade, os elogios emotivos trazem ondas torrentosas de fluidos pesados, que derrubam no
precipício da vaidade todos aqueles que os recebem com o mesmo sintoma de emotividade
satisfeita. Quantos vimos cair, ruindo por causa dos elogios! Jesus, o modelo da Individualidade, já
estava imune aos gritos louvaminheiros. Não obstante, não os impede, não os proíbe; não
repreende a multidão, como queriam que o fizesse os fariseus: "moderados"!
Não adiantaria, responde Jesus tranqüilo e frio: “as próprias pedras gritariam"!
Como? E por quê? Hipérbole, não há dúvida, bem no estilo oriental. Todavia, o plano astral
naquela região e naqueles dias devia estar vibrante de expectativa. E sendo o povo judeu, como
sempre ficou demonstrado através dos séculos, altamente sensitivo, com a mediunidade à flor da
pele, não há dúvida de que a manifestação dos desencarnados deve ter influído fortemente os
encarnados. Para o Mestre, que percebia o plano astral e sua vibração e agitação inusitada, devia
ter-se afigurado que, se os seres animados fossem impedidos de manifestar os desencarnados, os
próprios seres inanimados saltariam rumorosamente de alegria.
Mas o exemplo é precioso para todos nós, sobretudo em certas fases de nossa vida, quando um
grupo de criaturas, voluntariamente ou não, com consciência do que estão fazendo ou não, se reúne
em redor de nós com a intenção de derrubar-nos. E para consegui-lo mais fácil e rapidamente, usa
o melhor instrumento de sapa que pode existir na Terra: o elogio. É mister compreender que a
personagem transitória nada vale, porque passa apenas alguns minutos na Terra. Só o Espírito
eterno é que conta. E ele não é afetado por esse gênero de encômios barulhentos: o único aplauso
que aceita é o da própria consciência, segura de que está cumprindo seu dever.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II
Aqui, como sempre, o ensinamento do manso Nazareno é o mesmo: a humildade, a santa
humildade que purifica o coração, desarma os poderosos, lava de suas impurezas a alma e a leva aos
sacratíssimos pés do Altíssimo. Nem pompa, nem luxo teve a sua entrada em Jerusalém, que se
tornou triunfal apenas pelo entusiasmo que suas virtudes despertaram na multidão. Ele era sempre
modesto e simples, como a moral que pregava e exemplificava.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

90

(...) Os discípulos, em multidão, clamavam: Hosana! Oh! que suas vozes, abafando os
queixumes da Terra, continuem a clamar homens ao Senhor, Àquele que traz a paz aos humildes e
aos pequeninos, que faz se curvem as frontes dos soberbos e dos orgulhosos! As palavras dos
profetas Isaías (42:1, 2 e 11) e Zacarias (9:9), lembradas pelo Evangelista, encerravam, sob o véu da
letra, uma alusão à graduação espírita de Jesus, nosso rei, que até nós desceu. Ë nosso rei, por isso
que, preposto por Deus, é o protetor e o governador do nosso planeta, a cuja formação presidiu,
encarregado do seu desenvolvimento, do seu progresso e de conduzir à perfeição a Humanidade que
o veio habitar. A manifestação, de que o Mestre foi objeto, tinha de se produzir. Se os homens a ela
se houvessem oposto, as mesmas pedras clamariam, isto é, os Espíritos que o cercavam teriam feito
se ouvissem vozes, entoando louvores ao “filho de David”, àquele que, aos olhos dos homens, era o
filho de David. (Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 135)

III
O fato aqui narrado pertence à categoria dos fenômenos de clarividência, ou visão a distância. A
visão material é limitada; porém; a visão da alma, isto é, a clarividência é ilimitada. Jesus, possuidor
dessa faculdade, pôde divisar na aldeia a jumenta e o jumentinho, e saber que seu proprietário não
negaria o pedido, que os discípulos lhe fariam. Agindo de acordo com as profecias, queria Jesus dar
aos discípulos uma demonstração concreta de que ele era o Cristo a fim de que tivessem a coragem
suficiente para pregarem o Evangelho a todos os povos, quando, depois de desencarnar, os incum-
bisse desse trabalho. No momento não prestavam atenção a esses pequeninos fatos; mas no futuro,
relembrando a vida do Mestre, do que fez e do que falou, e comparando-a com as profecias dos
profetas de Israel, compreenderiam claramente que Jesus era o Messias prometido; e cheios de fé e
de esperança, espalhariam a boa nova entre todas as nações.
A fama de Jesus se tinha espalhado por toda parte. Ao saber de sua chegada, o povo acorreu
para vê-lo, e numa manifestação espontânea de apreço, entoa-lhe louvores. Mais tarde, esses
mesmos corações, guiados pelos sacerdotes interesseiros, pediriam a libertação de Barrabás e a
condenação do Justo. É esta mais uma lição moral que Jesus legou àposteridade de seus discípulos:
ensinou-os, pelo exemplo, a não confiarem na fragilidade dos corações humanos.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 21)

IV
O interessante nesta viagem à Jerusalém é o fato de Jesus seguir à frente dos discípulos, e
resolutamente caminhar para a morte. Isso demonstra que Jesus sabia o que Lhe aconteceria em
Jerusalém e entendia que fora para isto mesmo que Ele viera a este mundo: "para dar Sua vida em
resgate por muitos" (Mar. 10:45). A exemplo dos reis de Israel no passado (ver I Reis 1:33-35),
Jesus entrou em Jerusalém, no último domingo de Seu ministério terrestre antes de sua morte,
montado num jumento. Ao fazer isto, apresentou-se claramente como o Rei-Messias, enviado de
Deus para Israel. Esta entrada fora profetizada uns 500 anos antes pelo profeta Zacarias (9:9 e 10).
Por que Jesus, imitando os reis de Israel, entrou em Jerusalém montado num jumento? Não
poderia ser num belo e vigoroso cavalo? O fato é que os cavalos eram vistos como símbolo de
imponência e agressividade, uma vez que eram utilizados na guerra, puxando carroças de guerra ou
montados por lanceiros. O jumento, ao contrário, é símbolo de serviço, animal dócil (um pouco
lerdo, é verdade – daí não ser empregado na guerra). O fato de ser manso e serviçal representa bem a
Jesus que exemplificou estas mesmas características de mansidão e serviço. Diferentemente de
outras vezes em que entrara sem muito barulho em Jerusalém, agora Jesus queria chamar a atenção
para a Sua pessoa, queria que vissem a obra de salvação que estava prestes a realizar na cruz, que
ocorreria cinco dias depois, na sexta-feira da última semana de Seu ministério terrestre.
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

91

Vv. 11 – Em Jerusalém (Mt 21:10-11 e Lc 19:28-40)

Já dentro da cidade, nota-se desusada agitação entre os peregrinos. Muitos já conheciam aquele
Rabbi que jamais cursara academias, mas que era sábio e falava com autoridade maior que a dos
doutores, respondendo a todas as perguntas e embaraçando com suas o sacerdócio organizado,
escandalizando o clero, desrespeitando os padres, afrontando as autoridades políticas dos judeus,
embora nunca tivesse atacado os romanos dominadores. Muitos dos peregrinos, contudo, nada
sabiam dele. Tinham vindo de longe, de outras terras, para a festa da páscoa e não estavam a par do
que Se passava na Palestina.
Tudo era novidade ansiosamente perquirida. Como, porém, o Rabbi da Galiléia era o assunto
central de todas as conversas, tendo sua cabeça já condenada pelo Sinédrio, vinham aos poucos a
saber dos fatos, geralmente ampliados como de hábito. E quando batiam os olhos naquela figura
estranha, mais alta que o comum dos judeus (Jesus media 1,82 m de altura, quando a média dos
judeus era entre 1,60 me 1,70 m) perguntavam curiosos "quem era". A informação vinha das turbas,
da massa do povo: "é o profeta Jesus, aquele célebre de Nazaré da Galiléia" de que tanto se fala.
Entrando no templo onde a afluência dos enfermos (cegos e coxos) era grande - a ocasião era
propícia para esmolar, pois os peregrinos sempre gostam de "comprar" a benevolência da Divindade
com dádivas a pobres - as curas multiplicavam-se. E, pior de tudo, as crianças, que tinham ouvido na
véspera os gritos alegres dos discípulos e do povo, repetiam na balbúrdia própria da infância e na
inspiração da inocência: "Hosana! Viva o Filho de David"! E isto no templo!
Ora, o clero judeu, como todos os cleros ciosos de suas prerrogativas que julgam divinas, não se
conteve... E como temiam os protestos diretos perante os garotos, que bem podiam voltar-se contra
eles em assuadas e zombarias, vão ao responsável, pedindo-lhe que ele mesmo os faça calar.
À pergunta ingênua e tola: "ouves os que eles estão dizendo"? Jesus tranqüilo responde; "NAI,
isto é, SIM, ouço... E para fazer calar os sacerdotes - não as crianças - joga-lhes em cima a frase do
Salmo (8:2). Nada mais tinham que fazer ali: perplexos, mordiam-se os lábios de raiva...
E Jesus, simples e majestoso, sem apressar o passo, dá-lhes as costas e sai, juntamente com Seus
discípulos, indo pernoitar em casa de Seus amigos queridos em Betânia.
Observemos que Jesus entra na cidade, dirige-se ao templo e espalha benefícios por onde
passa, arrostando o perigo de alma forte. Não provoca ninguém. Mas também não abaixa a cabeça
diante dos poderosos que O querem dominar. Humilde e bom diante dos pequenos, dos fracos, dos
enfermos, revela-se altivo e com respostas prontas, muitas vezes mordazes e que tonteiam, quando
defrontado pelos que se julgam autoridades e estão cheios de empáfia.
(...) O exemplo tem que valer para todos os que Lhe seguem os passos. Humildade não é
sinônimo de covardia. Ao contrário: é saber servir a quem merece, mas também saber "dar o troco
na mesma moeda" a quem injusta e deslealmente queira prejudicar a obra. Em muitas ocasiões os
primeiros cristãos demonstraram que haviam apreendido o espírito da lição e dos exemplos de
Jesus e, talvez por estarem Dele mais próximos no tempo, assimilaram-Lhe melhor o ensino. Hoje é
que "cristão" passou, em muitos casos, a significar covardia diante dos que "podem matar o corpo,
embora não tenham poder de perder a alma" (Mt 10:28). Então, olhamos entristecidos as
acomodações que se fazem para "salvar a vida" transitória e fugitiva da matéria. Onde estariam as
TESTEMUNHAS ("mártires") do Mestre, se Ele tivesse pregado hoje? Prudência, sim. Medo, não.
Respeito, sim. Covardia, não. Humildade, sim. Subserviência, não. Caminhemos altaneiros e firmes,
acompanhando os passos do Mestre e se, com isso, tivermos a ventura de sofrer prisões, pancadas e
morte, não tenhamos receio: o Espírito é imortal e novamente voltará à matéria, para continuar sua
trajetória gloriosa, que nenhuma força e nenhum poder humano são capazes de deter, assim como
todo o poderio do judaísmo e do império romano não detiveram o cristianismo.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

92

Vv. 12 a 14 – A figueira sem fruto (Mt 21:18-22)

I
O episódio é narrado por Mateus e Marcos que coincidem em alguns pormenores, diferindo em
outros.
Analisemos.
1 - Dizem ambos que, "saindo de manhã de Betânia para voltar à cidade, Jesus teve fome".
Há várias objeções muito sérias. Teria Marta, tão completa dona-de-casa que seu próprio nome
tem esse significado, teria ela permitido que o Mestre saísse de sua casa onde se hospedava sem
tomar o de jejum? O ar matinal provocou a fome? Mas por andar distância tão pequena, logo ao sair
de Betânia, diante de Betfagé? Não convence...
2 - Jesus viu "à beira da estrada uma figueira". Só tinha folhas. Jesus "foi ver se achava algo
para comer".
Mas como poderia fazê-lo, se em abril não era época de figos, como bem anota Marcos? Será
que Jesus ignorava o que todos sabiam, até as crianças?
3 - Jesus afinal, decepcionado, amaldiçoa a figueira. Mateus adianta o final do episódio (que
Marcos deixa em suspenso para o dia seguinte) e faz que a figueira "seque instantaneamente".
Algumas considerações.
Os figos-flor começam a aparecer na Palestina, em fins de fevereiro, antes das folhas, mas só
amadurecem em fins de junho. No entanto, na figueira selvagem ("figueira braba") apesar de
brotarem normalmente as flores, elas secam e caem antes de amadurecer. Vemos, então, claramente,
que não era "culpa" da figueira o fato de não ter frutos...
Vejamos alguns comentaristas o que dizem.
João Crisóstomo, depois de classificar a exigência de Jesus de encontrar frutos de "exigência
tola", por não ser estação de figos, afirma que a maldição da figueira foi apenas para conquistar a
confiança dos discípulos em Seu poder: era um símbolo de "Seu ilimitado poder vingativo" (!).
Jerônimo diz que "o Senhor, que ia sofrer aos olhos de todos e carregar o escândalo de Sua cruz,
precisava fortalecer o ânimo de Seus discípulos com Este sinal antecipado".
Outros dizem que não queria figos, mas dar uma lição aos discípulos. Outros que se trata de
uma "parábola de ação", bastante comum entre os profetas.
Quando as contradições ou os absurdos são evidentes, trata-se de símbolos e não, realmente,
de fatos. Ponderemos com lógica. Causaria boa impressão aos discípulos uma injustiça flagrante
do Mestre, ao condenar, por não ter frutos, uma figueira que não podia ter frutos? A demonstração
de poder não teria sido, ao mesmo tempo, um exemplo de atrabiliário despotismo, além de injusto,
desequilibrado e infantil? Que lucro adviria para Jesus e para os discípulos, por meio de uma ação
intempestiva e de tamanho ridículo?
Não, não é possível aceitar o fato como ocorrido. Houve, realmente, uma lição. E por que foi
escolhido o símbolo da figueira sem figos, ou com figos ainda verdes, porque estavam em abril?
Observemos que, ao sair de Betânia para Jerusalém, a primeira aldeia que "tinham à frente;"
era BETFAGÉ, que significa, precisamente, "CASA DOS FIGOS NÃO-MADUROS"!...
Ora, ao sair de Betânia, a conversa do caminho girou em torno do poder daquele que mantém
fidelidade absoluta e inalterável ao Pai, a Deus, ao Espírito. Daí a lição destacar a capacidade de a
criatura dominar os elementos da natureza com o poder mental. E o exemplo é apresentado ao vivo:
se, quiserem, poderão fazer secar até as raízes, ou fazer crescer rapidamente, uma árvore, e poderão
até mesmo erradicar montanhas, como veremos pouco adiante. Se fora apenas para "demonstrar
poder", seria muito mais didático e lógico que Jesus fizesse a figueira sem frutos frutificar e produzir
de imediato, figos maduros!...

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

93

Há, pois, evidentemente, profunda ligação entre a figueira sem figos e o nome da aldeia de
Betfagé, o que vem explicar-nos a "motivação" da aula. Quanto ao ensinamento em si que
poderemos entender dessas poucas linhas que resumem, como conclusão, uma conversa que se
estendeu por dois quilômetros e meio? Trata-se, é claro, de uma conclusão, e dela teremos que
partir para deduzir pelo menos os pontos essenciais da mesma.
Façamos algumas tentativas. Quando o Espírito necessita colher experiências por meio de uma
personagem que esteja sendo vivificada ou animada por ele, e essa personagem não corresponde
em absoluto, não produzindo os frutos, mas apenas as folhas inúteis das aparências, o único
remédio que resta ao Espírito, para que não perca seu tempo, é secar ou cortar a ligação, avisando,
desde logo que, naquele eon, naquela "vida", ninguém mais aproveitará dela qualquer resultado
positivo.
Cabe à personalidade aceitar os estímulos do Espírito e produzir frutos, seja ou não "época" de
fazê-los. O Espírito precisa avançar, e temos por obrigação corresponder à sua expectativa, sem
exigir épocas especiais. Tal como o médico deixa a refeição sobre a mesa ou sai do aconchego do
leito a qualquer hora e com qualquer tempo para atender a chamados urgentes, assim o cristão tem
que passar por cima de tudo; abandonando conforto, amores, amizades, comodismos, riquezas,
vantagens, para obedecer incontinenti aos apelos do Espírito, que não obriga, mas convida e pede e
solicita "com gemidos inenarráveis" (Rom. 8:26). Se o não fizermos, não desencarnaremos
instantaneamente, mas secaremos até as raízes as ligações com a Espiritualidade Superior, que
verifica não poder contar conosco nessa existência pelo menos. Mais à frente veremos uma
parábola, a dos dois filhos, que vem ilustrar o que acabamos de afirmar. Assim compreendemos
algumas das expressões empregadas na conclusão da lição evangélica e que, no sentido literal, são
incompreensíveis, por absurdas. Jesus "teve fome", ou seja, quando a Individualidade manifesta
alguma necessidade vital; "vê uma figueira com folhas", isto é, uma personagem com
possibilidades; "vai ver se encontra frutos", vai verificar se pode aproveitá-la para o serviço.
Nada encontra, porque a desculpa é exatamente "não tenho tempo"... "não é minha hora"...
"não está ainda na época - preciso gozar a mocidade, aposentar-me, esperar enviuvar... mais
tarde"! ... O que falta, em realidade, é amor e boa-vontade, porque não há "horas" para evoluir. O
progresso é obrigação de todos os minutos-segundos, e não se condiciona a "estações" nem
"épocas". Lógico que, diante da falta de disposição, tem que vir a condenação. Não é,
propriamente, a "maldição". Trata-se do verbo kataráomai, depoente, composto de katá, "para
baixo" e aráomai, "orar", já que ará é "oração".
Essa condenação ou execração é introduzida pelo advérbio mêkéti, que exprime apenas "não
mais". Não é, pois, uma proibição para a eternidade, mas uma verificação, tanto que o tempo
empregado é o subjuntivo, e não o imperativo nem o optativo. Portanto, o Espírito diz, em outros
termos: "de agora em diante, percam-se as esperanças de obter fruto de ti nesta encarnação".
A lição, portanto é lógica e oportuna. Abramos os olhos enquanto é tempo!
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II
O relato intercala a entrada triunfal em Jerusalém, quando a multidão aclama Jesus enquanto
Messias davídico, e os questionamentos dos membros do Sinédrio a respeito da procedência de sua
autoridade. Portanto, as noções de identidade e autoridade são primordiais para entendermos
corretamente a importância do episódio da figueira. Os vendedores expulsos do Templo são o
elementos central. A origem do relato é hipotética. Viu-se sucessivamente neste relato: uma lenda
etiológica, uma parábola encenada, uma narrativa construída a partir de uma parábola ou
simplesmente uma interpretação errônea de determinadas palavras de Jesus. Seja como for, é mais
interessante examinar o sentido e a função do relato dentro do Evangelho.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

94

No relato de Marcos, Jesus quer comer figos, embora não seja época. O evangelista o diz
explicitamente, mas certamente a sua intenção não é ridicularizar Jesus. Devemos entender esta
precisão temporal, bem com a menção da figueira e das folhas, como elementos que apontam para
um símbolo e identificam a chave da interpretação. O Antigo Testamento é rico em imagens tiradas
da natureza. Até a da figueira. Por exemplo:
Estou decidido a acabar com eles – oráculos do Senhor -, não há uva na videira! Não há figos
na figueira! As folhas estão murchas. Eu os entregarei a quem passe por cima deles (Jr 8:13).
A maior parte dos textos proféticos em que entra a imagem da figueira visa condenar as
anomalias do Templo e a corrupção do seu sistema artificial. Conforme o Antigo Testamento,
Marcos emprega a imagem da figueira como representação da nação de Israel. Porém, na sua
narrativa, a árvore não tem frutos, é estéril, inútil, apesar de as folhas enganarem os olhos.
Analisando a estrutura do capítulo, vemos que o conjunto aponta para as instituições religiosas
judaicas, sobretudo o Templo (VV. 15-19). Este último, apesar de sua bela aparência – as folhas da
figueira -, não dá os frutos esperados. O significado profético do julgamento é simbolizado pela ação
violenta de Jesus, que expulsa os vendedores e derruba as mesass dos cambistas. Sua identidade
messiânica não é reconhecida pelas autoridades religiosas judaicas que dirigem o Sinédrio e o
Templo. Elas deveriam dar frutos em todas as épocas, de modo a reconhecer o Messias, mas falham
(13:35). Merecem, portanto, o julgamento, simbolizado pela figueira seca até as raízes (v. 20).
(...) Marcos visa às autoridades judaicas, indiretamente por meio da imagem da figueira que não
dá frutos (...) e Marcos também se dirige aos indivíduos que se associam de tal forma às instituições
que acabam não dando mais frutos, perdendo o sabor. Na comunidade do evangelista, a estruturação
e a institucionalização devem ter acarretado certa perda de vitalidade e, apesar da bela aparência das
folhas, não produziram nada de bom.
(...) Que lições podemos tirar daí para os dias de hoje?
(O Leão Ruge, Guy Bonneau)

III
VER REFERÊNCIA BÍBLICA DE MARCOS NO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
Capítulo Ítens
XIX 9 e 10

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

95

Vv. 15 e 16 – A purificação do templo (Mt 21:12-13; Lc 19:45-46; Jo 2:14-17)


(A Expulsão dos Exploradores, Pastorino)

I
Interessante observar que João coloca o episódio no início da vida pública de Jesus; Mateus e
Lucas o citam no domingo em que Jesus entra triunfalmente em Jerusalém, e Marcos na segunda-
feira seguinte, pela manhã. Quando se realizou realmente? Ou será que a cena se repetiu duas vezes?
Não há possibilidade de solucionar a questão com segurança absoluta, Mas parece, como pensam
muitos exegetas, que a razão está com João. No libelo acusatório da quinta-feira seguinte, a última
acusação (Mat.26:60) é a de que Jesus falara da destruição do Templo e de sua reconstrução em três
dias.
Ora, se o episódio se houvesse verificado quatro ou cinco dias antes, que “se recordava” de
havê-lo ouvido dizer isso. Os três sinópticos só falam de Jesus em Jerusalém nessa época: natural
que, por comodidade, tivesse aí colocado o episódio.
Os vendedores permaneciam no ádrio do templo (hierô), único local em que podiam penetrar os
gentios (isto é, os não-judeus), e não dentro do templo propriamente dito (naós). Alinhavam-se as
mesas no pórtico, como de uso nas vias públicas, e vendiam bois, ovelhas, pombos, farinha, bolos,
incenso, óleo, sal e vinho. Além disso, havia os cambistas, que trocavam dracmas gregas, e denários
romanos, por siclos judeus, únicas moedas aceitas como ofertas. A troca era feita com ágio
(cóllybos).
Todos, vendedores e cambistas, contribuíam com percentagens para os sacerdotes, e Rabbi
Simeão Ben Gamaliel queixa-se dos altos preços extorsivos cobrados pelos vendedores do Templo.
Marcos anota que Jesus protestou também contra a travessia do Templo, a carregar pacotes.
Esse costume foi condenado no Tratado Barakoth do Talmud. Com efeito, para evitar uma volta
grande, o povo se acostumou a carregar suas cargas atravessando o Templo de leste a oeste.
Marcos é o único evangelista que traz as citações completas. A de Isaías (56:7) segundo os
LXX: “minha casa será chamada casa de oração para todas as nações”. E a de Jeremias (7:11),
quando esse profeta exorta os israelitas a melhorarem suas vidas; pois se continuassem a roubar, a
matar e a mentir, entrando no Templo com seus crimes, .esta casa, que é chamada de meu nome, se
tornaria a vossos olhos um covil de salteadores..
Outro argumento a favor de João, colocando a expulsão no início da vida pública, é que o fato
constitui uma confirmação das palavras do Batista (.entre vós está aquele de quem não suspeitais.,
Jo, 1:26) e da profecia de Malaquias (3:1): “depois disso, o Anjo do Testamento, que esperais
impacientemente, fará sua aparição no Templo”.
Segundo João, Jesus faz um chicote de cordinhas (é usado o diminutivo) ou cordéis, para
enxotar os animais (não poderia fazê-lo com carícias!); mas aos homens dirige a palavra candente,
derrubando as mesas donde caíram as moedas dos cambistas.
Para uma ação desse tipo, não houve necessidade de “milagre”: a intervenção repentina e
inesperada, com autoridade, desconsertou-os, e eles obedeceram sem reação, inibidos de espanto.
Muito mais tarde é que os discípulos se lembraram das palavras do Salmo (69:9), citadas
segundo os LXX, no futuro: “o zelo da Tua casa me devorará”.
---:---:---:---:---
O fato da expulsão dos “exploradores” do Templo, bem aceito pela teologia católica, quer
romana, quer reformada, sofre grandes restrições no ambiente espiritista. Convictos da bondade de
Jesus, de seu amor para com os pecadores e humildes, não querem admiti-Lo violento. Parece-nos
haver confusão entre violência e energia, entre bondade e complacência. Pode e deve haver bondade
enérgica, freqüentemente indispensável na educação de crianças rebeldes, sem que haja violência.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

96

A moleza de caráter (muitas vezes chamada “benevolência”) pode em certos casos constituir até
crime. Cruzaríamos os braços diante de um bandido que estivesse para assassinar um bando de
crianças, e se tivéssemos força capaz de detê-lo sem matá-lo? E nossa conivência, sob a capa
cômoda da .caridade., não seria cumplicidade?
Não se alegue que Jesus “perdeu a linha”, porque nenhum evangelista deixa supó-lo.
Repreender com severidade, derrubar uma mesa de cambista, pegar um feixe de pequenas cordas
para enxotar animais, é um gesto de justa indignação que supõe grande elevação espiritual diante da
profanação de um lugar sagrado. Vem isto provar-nos que não devemos - nem podemos - pactuar
com o abuso, sobretudo de negociar nos lugares destinados à oração.
Quanto ao “chicote” de cordéis, não é necessário supor-se uma “figura”, dizendo que era o
chicote “da palavra”. Não se diz no Evangelho que Jesus espancou os exploradores, mas apenas que
fez o chicote, com ele espantando os animais, que não podiam entender as palavras candentes que
dirigiu aos homens.
O episódio não pode ser posto em dúvida, quando vem narrado nos quatro evangelistas. E em
muitas outras ocasiões podemos observar o retrato de um Jesus másculo e forte. Jamais o vemos
fraco e covarde.
Seria inadmissível que um Espírito, com a autoridade de Jesus que criou o planeta, aqui
chegasse com um caráter mole e efeminado. A força moral de Jesus, assim como sua energia, é bem
confirmada pelas palavras duras com que enfrentava os enganadores do povo, que faziam da religião
simples degraus para subir no conceito popular e para adquirir prestígio e honrarias, ou posição
política, ou riquezas e isenção de obrigações.

Desse fato, narrado pelos quatro evangelistas, deduzimos um ensinamento valioso. Trata-se da
autoridade e severidade com que devemos tratar nossos veículos inferiores, quando nos querem eles
levar por falsos caminhos, para a fraude, para a simonia.
A individualidade não pode consentir que a personalidade transforme o Templo de Deus, de
nosso Pai, em “covil de salteadores”, onde, se acoitem vícios e enganos, a hipocrisia e a “venda”
das coisas que devem servir para o sacrifício à Divindade; não podemos vender nosso “espírito”
por favores em benefício de nossa comodidade e nosso conforto.
Quantas vezes a personalidade acha “natural” fraudar o Templo de Deus, trocando a justiça e
a retidão por lucros incontestáveis de sensações e emoções! Quantas vezes permitimos que a
animalidade assuma o papel principal, acima da espiritualidade. Quantas vezes consentimos em
constituírem nossos veículos inferiores um aglomerado de vendilhões e exploradores das coisas
sagradas, comprando prazeres sórdidos com sacrifício de nossas potencialidades sacrossantas, seja
nas sensações, seja nas emoções, seja no intelectualismo viciado!
Jesus ensina-nos a agir prontamente, com rapidez, energia e autoridade, com severidade e zelo,
mostrando-nos que jamais podemos compactuar com essas profanações do Templo de Deus.
Exemplificamos que, se necessário, usemos de um chicote de cordas para expulsar o animalismo, a
covardia, o comodismo, a falsidade, a agiotagem dos “cambistas” que trocam o Reino dos Céus
pelos bens da Terra; que sacrificam as riquezas imperecíveis por gozos momentâneos e ilusórios;
que nos atrasam a caminhada e aprofundam no solo, pelo qual caminharemos, espinhos dolorosos
que colheremos nas estradas futuras.
Energia, sim, rigor, intransigência, autoridade irretragável, dureza incomplacente com todos
os veículos inferiores que devem servir ao Espírito, e não escravizá-lo a seus caprichos, a seus
prazeres, a suas loucuras. Mesmo sem violência contra eles, jamais fraquejar nem amolecer: a
energia deve ser varonil e autoritária.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 1)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

97

II
VER REFERÊNCIA BÍBLICA DE MARCOS NO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

XXVI 6e7

III
Quanto ao tráfico, tendo por objeto o reino de Deus, constitui uma impiedade. Os Judeus, como
se sabe, resgatavam suas faltas por meio do sacrifício de vítimas propiciatórias e os mercadores lhes
forneciam as vítimas, os vasos com perfumes, o que tudo era trazido para o templo e aí vendido.
Essa a origem daquele tráfico. Depois, o negócio se ampliou e o templo, que era considerado a casa
de Deus, se tornou sede de toda sorte de transações comerciais. A Bolsa dos tempos atuais, com as
suas baixezas, teve um modelo no templo de Israel.
Entretanto, se atentarmos bem nas palavras de Jesus quando dali expulsou os que negociavam,
veremos claramente que esse seu ato não obedeceu ao pensamento de defender a pureza de um
templo de pedra, apresentando-o como lugar verdadeiramente sagrado, em que tais coisas
constituíam uma ofensa à Divindade. Ele, que ensinara ser Deus espírito, e só dever ser adorado em
espírito e verdade, estaria em contradição consigo mesmo, se expulsasse do templo os vendilhões,
por ser ali a casa de Deus. Cumpre também atentemos nas suas palavras: “Minha casa será chamada
por todos, etc.” Se aquela fosse a “sua” casa e a casa de Deus, Ele, dizendo isso, se teria declarado
Deus. Aquele ato, pois, foi todo simbólico e, à luz da Nova Revelação, o seu simbolismo se faz
claramente compreensível. O mundo terreno, como todos os que o Criador semeou pelo espaço
infinito, é uma das inúmeras casas existentes na infinita morada do Senhor do Universo e é também
um templo, onde a cada uma de suas criaturas corre o dever de adorá-lo na prática do amor, cuja lei
é a lei das leis. Casa, portanto, de oração, Ele o é igualmente, porqüanto orar é trabalhar na obra do
progresso comum, trabalhando cada qual pelo seu próprio progresso intelectual e moral.
Preposto pelo Pai à formação e ao governo dessa casa, tem Jesus a devorá-lo, na frase do
profeta, o zelo dela e, tomado desse zelo, não obstante o seu amor ilimitado, ou, antes, impelido por
esse amor, não hesita em expulsar da casa que lhe foi confiada e que, como tal é a “sua” casa, do
templo onde só em espírito e verdade, conforme Ele o ensinou e exemplificou, se deve adorar a
Deus, isto é, praticando a caridade, a fraternidade, a justiça e o perdão, aqueles que, mercadejando
com as coisas santas, a transformam em covil de ladrões.
Mercadejam com as coisas santas os que, sendo Espíritos, como o são todos os homens, só
prestam culto à matéria; os que, em vez do amor, cultivam o ódio, em vez da caridade, praticam a
intolerância, movidos pelo egoísmo e pelo orgulho; os que, escravos de paixões subalternas, se
esforçam por escravizar ao erro os seus semelhantes, a fim de melhor dominá-los; os que, em suma,
se servem das faculdades espirituais, que lhes foram outorgadas para se elevarem gradualmente e se
aproximarem do centro de toda a perfeição, empregando-as em rebaixar aquele que é esse centro,
para dele fazerem cúmplice de seus delitos e iniqüidades.
Esses, os que transformam a casa do Pai em covil de ladrões. Esses, portanto, os que daí serão
expulsos, chegado o momento em que da presença deles deva ser expurgado o templo, para não
continuarem a constituir-se pedra de escândalo aos que, redimidos pela dor, se hajam tornado
capazes da verdadeira oração, da oração do trabalho santificado pelo amor e pela humildade.
E para onde serão expulsos os que sejam encontrados por Jesus no templo a mercadejar com as
coisas santas? Para outras casas da morada infinita do Pai, casas que, como templos que também
são, outras tantas oficinas de trabalho são igualmente, mas onde o trabalho é mais árduo, mais
penoso, mais amargo, tão áspero e doloroso que dará aos que a Ele se vejam compelidos a impressão
aflitiva de haverem perdido um paraíso, de terem sido expulsos de um éden, que tal se lhes afigurará
o mundo donde foram banidos.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

98

É isso o que Jesus simbolizou no fato, que os Evangelistas referiram, de ter expulsado do templo
de Jerusalém os mercadores que lá assentaram suas bancas. Não foi, decerto, repetimos, o zelo por
uma edificação material, onde Deus não habita, que o levou a Ele, que pregava a adoração do Pai em
espírito e verdade, a vergastar com o látego de fogo da sua palavra de verdade os que ali
comerciavam.
Expulsando-os de lá, ensinava, sobretudo, aos homens a expulsar com energia as paixões e os
vícios de seus corações que, acima dos mundos, são os templos mais grandiosos que o Senhor, Ele
próprio, edificou para ser adorado por seus filhos, templos onde passa a habitar eternamente, desde
que neles só se encontrem virtudes — os anjos de sua glória.
Dessa expulsão podemos e devemos concluir que tempo virá em que, praticando os homens a lei
do amor, não mais eles adorarão o Pai nem no monte, nem em Jerusalém, mas em espírito e verdade,
em que, por todas as nações, a Terra será chamada “casa de oração”.
Com a prudência e a habilidade do oculista que, operando a catarata, prepara o cego para ver a
luz, os Espíritos do Senhor, como mensageiros do Espírito da Verdade, vêm e virão levantar
progressivamente o véu que rouba às vistas humanas a verdade, a fim de que o que era secreto seja
conhecido e o que estava oculto se torne patente. Eles vêm e virão encaminhar os homens, mediante
a prática da humildade, do desinteresse, da justiça, do amor e da caridade, da renúncia de si mesmos,
da indulgência, do perdão e do olvido das ofensas e das injúrias, do devotamento entre todos e por
todos, para a verdadeira fraternidade, que só ela pode estabelecer e estabelecerá entre todos, com
sinceridade, a igualdade e a liberdade, pela reciprocidade e pela solidariedade, efetivando desse
modo a regeneração humana, que o Mestre predisse e prometeu.
E, quando a unidade fraternal estiver consumada, o reino de Deus estará estabelecido. Então, no
nosso planeta depurado (nova Jerusalém) aparecerá em todo o seu fulgor espírita o nosso protetor e
governador, Jesus nosso Mestre e nosso Rei, e reboará por toda a parte o brado imenso que os
homens, regenerados, tornados verdadeiramente irmãos, soltarão em conjunto e em uníssono, como
outrora a multidão, quando da sua entrada em Jerusalém: Bendito o rei que vem em nome do
Senhor! E os Espíritos que houverem preparado e efetuado a regeneração, a purificação da
Humanidade, farão de novo ouvir o cântico dos anjos que conduziram os pastores ao presepe de
Belém: Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na Terra aos homens de boa-vontade!
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 135)

IV
Jesus inicia a luta contra a classe parasitária dos sacerdotes, e contra as religiões organizadas
para explorarem o povo.
E na mesma hora, à vista dos traficantes do altar, cura cegos e coxos, para ensinar aos
sacerdotes que os bens divinos se recebem de graça e de graça devem ser distribuídos. Em nossos
dias os templos continuam impuros.
Os sacerdotes modernos, presos aos interesses materiais, das religiões organizadas com fins
lucrativos, não compreendem esta lição do Evangelho. Houve, é certo, alguns poucos sacerdotes,
que assimilaram muito bem este trecho evangélico, e tentaram pô-lo em prática, procurando corrigir
a Igreja. Contudo, não o conseguiram, porque o terreno não estava preparado para isso. Mas as luzes
espirituais começam a acender-se por todos os recantos do globo, clareando os caminhos do porvir e
preparando grandes transformações religiosas. E os sacerdotes de boa vontade, e verdadeiros
discípulos de Jesus, conseguirão limpar os altares das explorações e das abominações, depois do ano
2000, quando tudo será propicio para as renovações e regeneração no terreno religioso.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 21)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

99

V
A expulsão dos cambistas (pessoas que trocavam moedas de outras localidades "pelas moedas
de meio siclo, que era a quantia exata do imposto anual do templo", cf. CHAMPLIN, R. N. O Novo
Testamento Interpretado, vol. 1, pág. 513, São Paulo: Candeia, 1995), e dos que vendiam pombas
(pessoas pobres podiam oferecer estas aves em sacrifício, conforme Lev. 12:8), justamente no Pátio
dos Gentios, único lugar onde um gentio podia adentrar o templo e orar a Deus, foi realizada por
Jesus para mostrar Sua autoridade de Messias enviado por Deus. É claro que este gesto despertou a
ira dos principais sacerdotes e escribas (Mar. 11:18), pois se viram desafiados em sua autoridade
quanto ao governo do templo e aos lucros extorsivos que auferiam com a venda dos animais para o
sacrifício. Ao mexer na autoridade e no bolso dos sacerdotes, Jesus selou Sua condenação. Sua
morte, portanto, era questão de somente mais alguns dias.
O ato de Jesus em expulsar os cambistas e vendilhões do templo, mostra que há tempo de calar
e falar, de aguardar e de agir. Jesus, agora, agia, pois não podia morrer sem demonstrar Sua justa ira
para com a profanação do lugar de oração e da desonestidade dos que deveriam ser modelos de
honestidade e dedicação ao serviço de Deus: os líderes religiosos que, até hoje, são tentados a servir
a Deus e às riquezas (muitas vezes mal adquiridas).
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

100

Vv. 17 a 19 – O Ensino no Templo (Mt 21:14-17; Lc. 19:47-48)

Estes (...) pequenos trechos dão-nos conta das atividades de Jesus durante a semana da Páscoa.
Muitos comentadores estranham o que se encontra referidos nas narrativas evangélicas, como
realizado nos seis dias que vão de domingo, quando entra triunfalmente em Jerusalém, até a sexta-
feira, em que foi crucificado. Tantos são os episódios, os discursos, as atividades que, de fato,
dificilmente poderiam caber em seis dias. Baste dizer que levaremos provavelmente dois volumes
para comentá-los. No entanto, como grande parte do ensino traz em si o simbolismo, acreditamos
que houve alguma razão para essa aglomeração de acontecimentos. Não apresentamos, neste local,
nenhuma hipótese para decifração dessa dúvida. O que for aparecendo, iremos gradativamente
comentando.
Dizem-nos, pois, os trechos que Jesus durante o dia ensinava no Templo, e "às noites pernoitava
no monte chamado Olival", embora já tenhamos lido que, também, se dirigia a Betânia.
O Monte das Oliveiras ficava entre Jerusalém e Betânia. Mas Jesus não estava só: seguiam-No
os doze e mais as mulheres, que não abandonavam a comitiva. Será que todos dormiam ao relento,
quando tão perto havia um lar com acomodações para todos? Esse tipo de perguntas está fadado a
ficar sem resposta.
O fato é que as "autoridades" haviam resolvido matá-Lo, para que lhes não perturbasse a vida;
era melhor para salvação de todos que Ele fosse riscado na face da Terra. Assim poderia permanecer
o statu quo, sem quaisquer contratempos políticos.
Mas matá-Lo à vista de todos poderia provocar uma rebelião na massa que adorava ouví-Lo.
Buscavam, então, um modo de conseguí-lo às ocultas. E o descobrirão, como veremos, dando até a
esse sacrifício o caráter de castigo a um criminoso.
O verbo "madrugava (orthrízein) é hápax no Novo Testamento, embora seja freqüente seu
emprego nos LXX. Releva salientar que alguns manuscritos (13, 69, 124, 346 e 566) colocam, após
o vs. 38, o episódio da "adúltera" (João, 7:53 a 8;11), talvez influenciados pelo verbo "madrugar".

As autoridades - religiosas, civis ou militares que se encontram momentaneamente no ápice da


vida social ou política, sempre se acreditam os donos da situação e os únicos competentes para
governar, julgando os que estão abaixo coma inimigos potenciais que, se subirem, ocasionarão a
desgraça do país (embora só causem a deles próprios pessoalmente). Dessa forma, qualquer pessoa
ou entidade que lance idéias diferentes ou até mesmo que apenas conquiste crédito e força perante
a massa popular, já de antemão está condenada como inimiga pública merecedora de ser
combatida.
Foi sempre assim em todos os setores. Na antiguidade, o meio de acabar com esses líderes que,
permanecendo fora do grupo governamental, subiam no conceito popular, era a morte: eliminados,
cessava o perigo. Atualmente outros são os processos utilizados. Um dos mais correntes é o
silêncio, pois quanto mais deles se falar, maior é a propaganda. Outro meio de largo emprego é a
difamação, embora para isso se inventem calúnias.
De qualquer forma, porém, TÊM QUE SER DESTRUÍDOS, para salvar os homens que ocupam
os postos chaves.
Como lição para nosso aproveitamento, temos a alternância do trabalho, durante as horas do
dia, a serviço das multidões, com o período de oração contemplativa nas horas silenciosas da noite,
com a elevação espiritual na paz da meditação, simbolizada pela expressão monte (elevação) das
Oliveiras (da paz). Sendo, entretanto, tão necessitada a humanidade, o serviço deve começar bem
cedo (madrugada) no local de nosso trabalho, que deve constituir, qualquer que seja ele, um templo
de amor e dedicação.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

101

Vv. 20 a 23 – O Poder da Fé (Mt. 21:20-22; Lc. 17:5-6)

I
Marcos coloca a comprovação da figueira que secou nas palavras de Pedro, que o observa na
manhã de terça-feira.
O fato em si, já o vimos, não importa: vale a lição, cujas conclusões foram anotadas pelos
evangelistas.
A fidelidade (pístis) é essencial. Assim como a certeza intelectual de que o que se quer se
realizará.
Não pode haver hesitação nem dúvida, nem no intelecto (confiar) nem no coração (fidelidade da
união com o Eu Real).
De fato diakrithête exprime, literalmente, "julgar dentro de si", ou seja, ficar pensando se
poderá conseguir-se ou não, calculando as possibilidades e probabilidades, e agir com uma ponta de
desconfiança intelectual.
Observemos, no entanto, que a prece não conhece limite: "TUDO QUANTO PEDIRDES"
(pánta ósa). Todavia, é necessário ter uma certeza absoluta, como "se já tivéssemos recebido o que
pedimos": temos que considerar o fato consumado; agir com a convicção plena de já ter o que
queremos.
Em Lucas não se fala do episódio da figueira. Mas a resposta de Jesus por ele citada, em
esclarecimento do pedido dos emissários, lembra o fato, tanto mais porque não se fala em
"montanha", mas em "sicômoro" (sykáminos) que, como vimos, é palavra composta de figueira
(syké). O encadeamento da frase torna-se, até, mais lógico: falando de árvore, cabe mais o termo
"desarraiga-te (ekrizóthéte) e planta-te no mar; e ele vos teria obedecido".
Pode parecer, em português, que haja solecismo violento no texto de Lucas. No entanto,
quisemos manter os tempos do original grego, que dá a seguinte construção: "Se TENDES
fidelidade (condição real: ei échete), DIRIEIS (condição possível no presente: elégete án) a este
sicômoro desarraiga-te e planta no mar. e ele vos TERIA OBEDECIDO (condição possível no
futuro: hypêkousen án).

A lição dirige-se, aos iniciados mais avançados da Assembléia do Caminho. Aos outros, tudo
parecia um sonho. Eram palavras bonitas, mas esperanças vãs. Ora, quando jamais se poderia
conseguir, com a mente, destacar do solo uma montanha e lançá-la ao mar? Consolo e animação
para a humanidade, com uma esperança impossível...
A humanidade acha-se ainda no ciclo da lagarta feia e pesadona, colada às folhas. Se alguém
lhe disser que um dia se tornará leve e multicolorida borboleta, levantará os "ombros" e dirá em
seu coração: "lérias"!
Mas alguns daquele grupo, (e alguns de outros grupos atuais), já sabiam, por havê-lo visto que
breve seriam borboletas. E alguns já haviam sabido, através dos ensinos ministrados nos círculos
"secretos" da Assembléia (ekklêsía) que a força mental segura e bem dirigida, pode obter coisas
assombrosas mesmo na parte material. Talvez tivessem ouvido falar no que aconteceu com as
pirâmides do Egito e do Peru, na época dos grandes Iniciados Atlantes. Sem dúvida tinham
conhecimento da ação daqueles que são chamados Devas no oriente, e anjos no ocidente, quando
ativos, no governo da natureza.
Como fazem a acomodação dos solos, como provocam a libertação de gases incandescentes
sob a forma de vulcões, como armam as tempestades para purificar a atmosfera, como conseguem
afundar e reerguer continentes nos oceanos encapelados, como dominam águas, ventos e
eletricidade.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

102

De certo fora-lhes explicado que tudo obedece a ordens mentais de extraordinária força, pois
os próprios universos em manifestação constituem indiscutivelmente a projeção mental (o
Pensamento) do ser a que vulgarmente denominamos "Deus".
Ora, como Centelhas e partículas dessa mesma Divindade que se fragmentou em sem-número
de criaturas atualmente também já pensantes e, portanto, com a mesma capacidade mental, embora
finita em grau e natureza, os homens adquiriram a capacidade criadora, ainda que limitada e
infinitamente menos poderosa que a plenitude (o plêrâma) divina.
Como exemplo final do ensino dado a respeito da Força Mental, foi escolhida uma árvore
inútil, pois não conseguia amadurecer os frutos (lembrémo-nos: Betfagé! ) e esta, durante a
exposição da teoria, foi sacrificada através de uma ordem, e "secou desde a raiz" (exêramménên ek
rhizôn).
Eis aí: é possível admitir-se que o fato realmente se deu. Mas é mister ler nas entrelinhas, para
compreender o episódio. Os narradores, que não podiam estender-se sobre o ensino esotérico,
tiveram que "inventar" uma história. E a história inventada acontece que não convence ao nosso
intelecto perquiridor, pois repugna ao bom-senso.
Por aí verificamos que os ensinos grafados nos Evangelhos constituem "conclusões" de ensinos
extensos, resumos de lições profundas, ou pequenas histórias e parábolas que tinham por mira
apenas fazer recordar aos iniciados, o que eles haviam aprendido oralmente, mas devia ficar
oculto.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II
Com a parábola da figueira que secou, quis Jesus lembrar a seus discípulos e a quantos o
seguiam estes ensinamentos que já lhes dera: a árvore que não dá frutos é condenada; em tempo
algum deve o homem ser estéril; jamais deve deixar de dar frutos, trabalhando sem cessar pelo seu
progresso e pelo progresso de seus irmãos.
Perguntando-lhe os discípulos, que já tinham a percepção das coisas espirituais: Como secou
assim num instante? O Mestre apenas respondeu: “A fé tudo pode”, o que equivalia a dizer que a sua
vontade forte fora a causa determinante do fato que os surpreendia.
O exemplo, de molde a tocar a imaginação dos que o seguiam, fazendo-lhes compreender a
necessidade de não serem estéreis em tempo algum, foi também de molde a lhes ensinar o poder e a
força da vontade, se apoiada na fé, ensino que era necessário aos seus discípulos, para que fossem
instrumentos simultaneamente dóceis e inconscientes dos Espíritos do Senhor, que os assistiriam no
desempenho de suas missões, quando Ele, o Mestre, não mais na Terra estivesse.
A figueira secou subitamente, por lhe terem sido retirados da seiva, a uma ordem mental de
Jesus, juntamente com a essência espiritual, que foi levada para outro ponto, os fluídos que dão vida
à planta e os fluídos necessários à vegetação material.
A parábola da figueira que secou teve por objeto concitar o homem a utilizar a existência
terrena, progredindo, mediante a expiação e a reparação de suas faltas, e adverti-lo também de que o
Espírito culpado, que até à época em que deva operar-se a separação do joio e do bom grão,
permanecer surdo às inspirações de seus guias e dos bons Espíritos, não mais dará frutos na Terra:
será rechaçado para mundos inferiores, correspondentes ao grau da sua culpabilidade e às
necessidades do seu progresso, do seu adiantamento.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 136)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

103

III
Aqui assistimos a uma aplicação de fluidos. Foi por meio de fluidos, que Jesus manipulava
muito bem, que se secou a figueira. Com este ato, Jesus quis mostrar a seus discípulos o quanto pode
a fé. A luta que mais tarde os discípulos travariam para a propagação do Evangelho, exigiria deles
uma fé inabalável. E Jesus, por todos os modos, procura aumentar-lhes e fortificar-lhes a fé.
O que é a fé?
É a confiança que temos em Deus, nosso Pai. É o arrimo com Q qual faremos a jornada através
das reencarnações. É a alavanca com a qual removeremos as pesadas montanhas de ignorância, que
atravancam o mundo. É a lima, com a qual desgastaremos as manchas acumuladas em nosso
perispírito e que o impedem de brilhar.
O Espiritismo renova em nossos dias a fé em todos os corações. Demonstrando racionalmente a
finalidade de nossa vida na terra, ensinando-nos o que há por detrás do túmulo, revelando-nos a
causa do sofrimento, e a Justiça que a ele preside, eplicando de maneira clara e precisa os fenômenos
ate aqui tidos por milagres, e patenteando aos olhos dos homens as leis que os regem, o Espiritismo
faz com que seus adeptos tenham uma fé firme e inabalável, porque é uma fé racional.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 21)

IV
Hoje, não nos parece ser ecologicamente correto Jesus amaldiçoar uma figueira a ponto de
matá-la. Por que Marcos relatou isto? Que lição Jesus queria passar aos discípulos de então e dos
séculos vindouros?
Mesmo sem ser tempo de figos, a figueira estava com folhas (Mar. 11:13), o que indicava que
poderia ter frutos. Na verdade, ocorreu, na linguagem de hoje, uma "propaganda enganosa". Parecia
ter figos, mas só tinha folhas. Ou seja, a aparência da figueira era enganosa.
Um dia após ser amaldiçoada a figueira secou. A lição a ser aprendida do episódio é que no
reino de Deus não há lugar para o fingimento, para falsas aparências. O cristão tem que ser autêntico
e verdadeiro. Deve parecer e ser.
Também se pode pensar que Jesus usou o episódio da figueira sem frutos para mostrar o fim do
povo judeu como a nação escolhida, especialmente do que ocorreria com sua capital, Jerusalém:
como a falta de frutos ocasionou a maldição e morte da figueira, assim, a falta dos frutos da fé em
Jesus como o Messias, Sua rejeição e morte na cruz, fariam com que Jerusalém fosse invadida e
destruída pelos exércitos romanos (ano 70 d.C.) e o povo judeu disperso pelo mundo (135 d.C.).
Como é com nossa vida? Aparentamos ser cristãos e não apresentamos os frutos que
deveríamos ter? Nossa religião é só fingimento, ou somos cristãos genuínos – de palavras e atos
também, como ensinou Tiago, irmão de Jesus, ao dizer que "a fé sem as obras é morta" (Tia. 2:26)?
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

VER REFERÊNCIA BÍBLICA DE MARCOS NO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

Versículos Capítulo Ítens


20 a 23 XIX 9 e 10

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo
Capítulo11
11

104

Vv. 24 a 26 – A Oração (Mt. 6:5-15; Lc. 11:1-4)

Desta máxima: “Concedido vos será o que quer que pedirdes pela prece”, fora ilógico deduzir
que basta pedir para obter e fora injusto acusar a Providência se não acede a toda súplica que se lhe
faça, uma vez que ela sabe, melhor do que nós, o que é para nosso bem. É como procede um pai
criterioso que recusa ao filho o que seja contrário aos seus interesses. Em geral, o homem apenas vê
o presente; ora, se o sofrimento é de utilidade para a sua felicidade futura, Deus o deixará sofrer,
como o cirurgião deixa que o doente sofra as dores de uma operação que lhe trará a cura.
O que Deus lhe concederá sempre, se ele o pedir com confiança, é a coragem, a paciência, a
resignação. Também lhe concederá os meios de se tirar por si mesmo das dificuldades, mediante
idéias que fará lhe sugiram os bons Espíritos, deixando-lhe dessa forma o mérito da ação.
Ele assiste os que se ajudam a si mesmos, de conformidade com esta máxima: "Ajuda-te, que o
Céu te ajudará"; não assiste, porém, os que tudo esperam de um socorro estranho, sem fazer uso das
faculdades que possui. Entretanto, as mais das vezes, o que o homem quer é ser socorrido por
milagre, sem despender o mínimo esforço.
(Allan Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo XXVII item 7)

II
“E, quando estiverdes orando, perdoai.” — Jesus. (Mc 11:25)

A sincera atitude da alma na prece não obedece aos movimentos mecânicos vulgares. Nas
operações da luta comum, a criatura atende, invariavelmente, aos automatismos da experiência
material que se modifica de maneira imperceptível, nos círculos do tempo; todavia, quando se volta
a alma aos santuários divinos do plano superior, através da oração, põe-se a consciência em contacto
com o sentido eterno e criador da vida infinita.
Examine cada aprendiz as sensações que experimenta em se colocando na posição de rogativa
ao Alto, compreendendo que se lhe faz indispensável a manutenção da paz interna perante as
criaturas e quadros circunstanciais do caminho.
A mente que ora, permanece em movimentação na esfera invisível.
As inteligências encarnadas, ainda mesmo quando se não conheçam entre si, na pauta das
convenções materiais, comunicam-se através dos tênues fios do desejo manifestado na oração. Em
tais instantes, que devemos consagrar exclusivamente à zona mais alta de nossa individualidade,
expedimos mensagens, apelos, intenções, projetos e ansiedades que procuram objetivo adequado.
É digno de lástima todo aquele que se utiliza da oportunidade para dilatar a corrente do mal,
consciente ou inconscientemente. É por este motivo que Jesus, compreendendo a carência de
homens e mulheres isentos de culpa, lançou este expressivo programa de amor, a benefício de cada
discípulo do Evangelho:
“E, quando estiverdes orando, perdoai.”
(Emmanuel; Pão Nosso; 45 - Quando Orardes)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

105

III
Após o episódio da figueira seca, segue uma magnífica exortação sobre a fé e a prece (11:22-
26). Trata-se, na realidade, de um aviso aos discípulos para que, ao contrário das autoridades
judaicas, dêem frutos. A fé ilimitada em Deus, a prece sincera e confiante, a atitude de perdão são
frutos que o evangelista quer sentir em sua própria comunidade. Neste caso, o mar em que se atira a
montanha pode simbolizar a destruição da (...) “montanha da Casa do Senhor” (Mq 4:1), isto é, o
Templo. A não ser que se trate simplesmente da imagem de um amontoado de problemas e
dificuldades, sem relação direta com o Templo.
Para uma comunidade que passa por momentos difíceis – perseguições, conflitos internos de
autoridade -, que sofre com a falta de amor e de fé, o ecangelista mostra as incríveis possibilidades
da fé, da prece e do perdão.
(O Leão Ruge, Guy Bonneau)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

106

Vv. 27 a 33 – A autoridade de Jesus e o batismo de João (Mt 21:23-27; Lc 20:1-8)

I
Diariamente Jesus ensinava no templo. Numa dessas ocasiões, chegam a Ele os sacerdotes
principais, ou seja, os que pertenciam ao Sinédrio, em companhia de seus colegas os anciãos do
povo e os escribas, para interpelá-Lo.
Observavam aquele galileu, de condição social inferior, que jamais lhes havia seguido os cursos
acadêmicos e que, não obstante, demonstrava sabedoria profunda em Suas palavras, poder mágico
em Suas ações, irresistível força de liderança popular, movimentando as massas como em tempo
algum haviam eles conseguido.
das curas instantâneas que efetuara; das respostas irretorquíveis que lhes dera, muitas vezes,
obrigando-os a retirar-se cabisbaixos e silenciosos, embora remordendo-se de despeito; das peças
que lhes havia pregado em várias circunstâncias, como no episódio da "adúltera"; do que ouviam
contar Dele, trazido por testemunhas oculares da Galiléia; da tão falada ressurreição de Lázaro havia
alguns dias apenas; e de tantas outras "façanhas" que, realmente, homens como eles, cultos e de alta
categoria social e religiosa, não só não podiam realizar, como nem compreender.
Animam-se, pois, e vão perguntar-Lhe, talvez movidos por íntima sensação de estar diante de
algum profeta: - Com que poder oculto fazes todas essas coisas? Quem te deu esse poder (exousía é
o poder baseado em dynamis, "força", de realizar érgon "trabalho ou ação").
Quiçá tinham a esperança de ser-lhes revelado o segredo espiritual, que eles, como autoridade
pretendiam ter o direito de saber, e que os animasse a estudar o caso, aceitando-o, se convencidos da
proveniência divina, ou rejeitando-o se não fosse provada essa origem com plena nitidez.
Haviam perguntado duas coisas e ansiosamente aguardavam a resposta. Jesus utiliza o processo
rabínico, de responder com outra pergunta, mas salienta que, em vez de duas, lhes fará uma só: -
Respondei-me: o mergulho de João era do céu ou dos homens? Se mo responderdes, direi donde me
vem esse poder...
Pronto! Outra peça pregada ... Cochicham entre si e verificam que, qualquer que fosse a
resposta, estavam presos pelo pé. O texto é claro e apresenta-nos a angustiosa dúvida da embaixada.
O melhor era declarar a ignorância a respeito, como se lhes coubesse ignorar, a eles, a autoridade
religiosa mais alta de Israel! - Não sabemos! O Mestre retorque-lhes altaneiro, declarando que
tampouco lhes diria donde lhe vinha Seu poder. Sabe-o, mas não dirá.

Quase todos os espiritualistas que proliferam atualmente, ou que tais se julgam, fazem questão
de apresentar e apregoar títulos que receberam de homens, ou que eles mesmos inventaram. Citam
Centros freqüentados, Ordens, Associações e Fraternidades a que pertencem "há tantos e tantos
anos"; honrarias conquistadas (às vezes compradas ...), milagres realizados, nomes "iniciáticos"
precedidos de "sri" ou seguidos de "ananda" que alguém lhes deu ou que se atribuíram, e mais
medalhas, e cargos do "Mestres (ou "gurus”, que é mais bonito e impressiona mais ...), e fitas de
"veneráveis", e "crachats" de valor internacional, etc. etc. Muitas vezes também enumeram as
amizades que tem com grandes homens, os contatos com personagens importantes, como se isso
valesse algo ... Não se lembram de que os motoristas, copeiros e cozinheiros dessas criaturas tem
contato muito mais íntimo!
Jesus ensina-nos como devemos agir: nada temos que dizer. Mas também não há necessidade
de manifestar nem de internamente envaidecer-nos pelo fato de nada dizer. SIMPLICIDADE, acima
de tudo: nada vale nossa personalidade temporária, que hoje é a amanhã fenece como a erva do
campo; trata-se apenas de um "veículo" que transporta nosso EU verdadeiro e que, uma vez
envelhecido e imprestável, é abandonado à margem do caminho; e nosso EU verdadeiro, o Espírito,
é idêntico ao de todas as demais criaturas: que razão nos sobra de envaidecer-nos?

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

107

Portanto, há uma só coisa que fazer: TRABALHAR e SERVIR.


Qual a fonte de origem de nossos atos, de nossos conhecimentos? Não interessa. O que importa
é se falamos e agimos CERTO: pela árvore se conhece o fruto.
Por que inflar-nos de orgulho se, como médiuns, se manifestam por nosso intermédio nomes de
seres respeitados pela humanidade? Teria direito de orgulhar-se a caneta, por ser usada por um
sábio?
Que faz ela mais que a caneta, que presta idêntico serviço na mão de uma criança que aprende
a escrever?
A função é a mesma, o resultado - escrever - o mesmo.
Certa vez, conversando com Francisco Cândido Xavier, ele citou-nos o nome de um espírito
"graúdo" na Espiritualidade que estava a nosso lado. Retrucamos que não podíamos acreditar, pela
nossa pequenez.
Mas, talvez observando uma vibração de vaidade em nós, apesar das palavras, Chico logo
advertiu: - Não se envaideça não, porque quanto mais errada a criatura, mais necessidade tem de
um ajudante forte!
E pensamos: realmente, quanto mais recalcitrante o animal, mais hábil tem que ser o peão!
A vaidade é dos piores vícios. Mas se torna muito mais grave, quando ataca os espiritualistas,
sobretudo aqueles que, por circunstâncias diversas, se encontram à frente de instituições. (...) Ora,
a vaidade oblitera a inspiração, porque dissintoniza e corta as intuições; e o resultado é fatal:
passamos a ensinar segundo nosso ponto-de-vista, e não segundo a VERDADE. Ensinemos sempre
que os ouvintes devem usar a razão para analisar nossos ensino" (leia-se por exemplo, Allan
Kardec, "Livro dos Médiuns", números 261 a 267), pois ninguém na Terra possui autoridade
absoluta e infalível; todos estamos estudando e aprendendo, e apenas passamos adiante aquilo que
vamos conquistando com esforço, pela grande dificuldade do assunto espiritual.
Portanto, não citemos "a fonte", já que não sabemos qual seja ...
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II
Os que interpelaram o Cristo sobre a autoridade com que Ele fazia aquelas coisas e procedia da
maneira que todos viam, eram príncipes dos sacerdotes, escribas e fariseus, os quais, tendo sido
testemunhas dos atos de João, não se renderam à evidência. Não havendo percebido em que fonte
hauria Ele a sua força, ainda menos compreenderiam e admitiriam o testemunho da sua palavra.
Se lhes respondera que o poder lhe vinha de Deus, houvera-os provocado a apressar o termo da
sua missão. O que deixou transparecer claramente, evitando responder de modo direto à pergunta
que lhe fora feita.
Promessas realizáveis no futuro e estímulo para o presente é o que se nos depara nestas palavras
suas:
“Os publicanos e as meretrizes vos precederão no reino dos céus”. Foi como se dissera:
“Esses são filhos rebeldes, que tardam em ir trabalhar na vinha do Pai de família, que só vão
tardiamente, “quando arrependidos, mas que vão; ao passo que vós, “orgulhosos, que destes na
Igreja os primeiros passos, “que dissestes: “Vou, Senhor”, mas ficastes parados, que “haveis mesmo,
muitas vezes, retrogradado, chegareis “tarde, muito tarde ao reino dos céus, pois que será “mister
compreendais a vossa falta. Tereis, entretanto, “que ir e ireis para a “vinha”, tereis que trabalhar com
“ardor, a fim de recuperardes o tempo perdido. Quando, “porém, chegardes, os publicanos e os de
má vida, que “se arrependeram a tempo, que cumpriram a sua tarefa, “lá estarão desde muito à vossa
espera, para vos estenderem as mãos e vos ajudarem a transpor a entrada”.
Ouçam os príncipes dos sacerdotes, os escribas e os fariseus dos nossos dias, que tiverem
ouvidos de ouvir. (Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 137)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 11

108

III
É fora de dúvida que se Jesus curava os enfermos e ensinava o povo a viver de acordo com as
leis divinas, o poder só lhe poderia ter sido dado por Deus, e a autoridade com que falava, provinha
também de Deus. Entretanto, os sacerdotes se recusavam a render-se à evidência, e procuravam por
todos os meios confundir Jesus.
Jesus não respondeu diretamente à pergunta, o que de nada adiantaria para aqueles corações
endurecidos e cheios das vaidades do mundo. Limitou-se a dar-lhes um exemplo que os esclareceria,
se quisessem entender; mas para isso era necessário tornarem-se humildes, e de melhores
sentimentos, a fim de compreenderem os ensinamentos divinos.
O Espiritismo, revivendo em nossos dias o Cristianismo em sua pureza primitiva, sofre as
mesmas argüições que sofreram Jesus e. seus discípulos. As religiões organizadas fecham os olhos
para os benefícios que o Espiritismo espalha, e não querem ver que as lições da Doutrina Espírita
conduzem a humanidade a Deus.
E os sacerdotes modernos, como os do tempo de Jesus, perguntam: Donde vem ao Espiritismo
semelhante poder e autoridade?
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 21)

IV
Os eventos relatados neste trecho do Evangelho de Marcos (11:27 a 12:44) provavelmente
ocorreram todos na terça-feira da Semana da Paixão. Foi um dia bastante carregado de controvérsias
com a liderança judaica, que buscava alguma palavra ou ato de Jesus para incriminá-Lo e levá-Lo à
morte.
Faríamos bem se considerássemos a maneira sábia e prudente com que Jesus lidou com a
oposição e acusação, a fim de tirarmos lições para nossos dias, para quando passarmos por situações
semelhantes.
O relato de Mc 11:27-33 tem que ver com a "autoridade" (no grego = exousía) de Jesus para
fazer o que fazia (e a última coisa que tinha feito em Jerusalém fora expulsar os cambistas e
vendilhões do Templo, cf. Mc. 11:15-18).
Não tendo estudado com os rabis escribas e fariseus, Jesus era visto como alguém sem
credenciais para interferir no andamento das coisas que ocorriam no Templo, alguém não autorizado
para reformar a religião. Por isso, perguntaram-Lhe de onde vinha Sua autoridade (11:28).
Sabiamente, Jesus perguntou sobre o batismo de João: "era do céu ou dos homens?" (11:29-30).
Por que Jesus mencionou João Batista? A resposta é que Jesus estava dizendo que Sua autoridade
era da mesma procedência da de João: Deus. João também não estudara com os rabis, mas o povo
reconhecia nele a autoridade divina. Assim também ocorria com Jesus. Sua autoridade provinha de
Deus, à semelhança da que fora dada a João Batista.
Quando os principais sacerdotes, escribas e anciãos, responderam que não sabiam de onde era o
batismo de João (11:33), foi para não terem que admitir que Deus pode capacitar alguém que não
obteve uma educação formal, mas que mesmo assim pode ser usado por Deus, como João Batista e o
próprio Jesus (e também a maioria dos profetas do passado, como o boiadeiro Amós, o pastor de
ovelhas Davi, o habitante da rústica Gileade, Elias, entre outros). Além disso, se admitissem a
origem divina da autoridade de João, ficariam em situação difícil, pois João disse que Jesus era o
"Cordeiro de Deus", e eles não O haviam rejeitado.
Não corremos hoje, o mesmo risco de acharmos que só os escolarizados estão "autorizados" a
falar da fé em Cristo?
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

109

ESQUEMA ESTRUTURAL DO CAPÍTULO 12

Vv. 1 a 12 A parábola dos lavradores maus (Mt 21:33-46; Lc 20:9-18)............................. 112

Vv. 13 a 17 A questão do tributo (Mt 22:15-22; Lc 20:19-26)............................................... 121

Vv. 18 a 27 Os Saduceus e a ressurreição (Mt 22:23-33; Lc 20:27-40)................................. 126

Vv. 28 a 34 O grande mandamento (Mt 22:34-40; Lc 10:25-27)........................................... 133

Vv. 35 a 37 O Cristo, Filho de Davi (Mt 22:41-46; Lc 20:41-44)........................................... 138

Vv. 38 a 40 Jesus censura os escribas (Mt 23:1-12; Lc 20:45-47).......................................... 141

Vv. 41 a 44 A oferta da viúva pobre (Lc 21:1-4)................................................................... 146

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

110

Vv. 1 a 12 – A parábola dos lavradores maus (Mt 21:33-46; Lc 20:9-18)

I
A parábola, comum aos três sinópticos (como a do "Semeador"), inicia com uma frase de Isaias
(5:1-2), em que o profeta descreve a nação israelita como uma vinha cultivada por YHWH. Esse
início esclarece com clareza insofismável que a parábola se referia aos judeus. A frase de Isaías é
citada, por Mateus, literalmente.
Uma vez plantada a vinha, foram providenciadas as defesas e utilidades: a palissada em volta,
para defendê-la contra as inundações das chuvas hibernais; o lagar (lat. tórcular, gr. lênós, hebr.
yéqêb), que consistia numa pedra com inclinação, cavando-se, em planos mais baixos, locais para
onde escorria o vinho que depois fermentava; a torre servia para que os encarregados da vinha
pudessem subir para vigiá-la: era a torre de vigilância.
Tudo preparado, o proprietário entregou avinha a um grupo de lavradores, para que a
cuidassem, e fez longa viagem fora do país (apedêmêsen, de apodêmô).
Na época da vindima, manda buscar "sua parte nos frutos", o que significa pretender receber
não em dinheiro, mas in natura.
Ocorre que todos os servos que envia são mal recebidos, espancados e até mortos. A alusão
também se torna explícita: os profetas enviados por YHWH, dono da vinha (Israel) regressavam de
mãos vazias, e muitos sofreram ofensas, pancadas e até a morte (cfr. Elias, Eliseu, Jeremias, Daniel,
Zacarias e até o Batista).
Daí Jesus passa a falar de si: por último, manda seu filho querido, dizendo: "a este respeitarão".
Na alegoria parabólica pode admitir-se. Na vida real, porém, é comportamento inconcebível. Se
o proprietário tem força para castigar os lavradores, como o fez mais tarde, por que mandar o filho
sozinho, e não com uma escolta para defendê-lo?
Os lavradores, que já se supunham donos da vinha (como o clero se julga dono da igreja e os
sinedritas se achavam donos de Israel), decidem matar o herdeiro, para legitimar a posse dos bens
materiais.
Matam-no e jogam o cadáver fora do cercado da vinha (Marcos). Em Mateus e Lucas, o filho é
morto já fora, o que pode explicar-se pelo fato de ter Jesus sofrido a crucificação "fora da porta de
Jerusalém" (Hebr. 13:12) ou então por influência do que ocorria com o "bode expiatório", ou ainda
do sucedido a Naboth (1.º Reis, 21:13), que foi levado fora da vinha e lapidado. Parece, pois, que a
lição original é a de Marcos.
Esta foi a primeira vez que Jesus falou em Seu sacrifício perante o público, fora do círculo
restrito de Seus discípulos.
À pergunta: "Que fará o dono da vinha aos lavradores" temos, em Mateus, a resposta dada pelos
ouvintes; em Marcos e Lucas, dada pelo próprio Jesus. Agostinho preocupa-se com essa divergência
e dá uma explicação que não satisfaz, dizendo que "sendo os discípulos membros de Jesus, as
palavras deles Lhe podem ser atribuídas". Ora, não vemos importância maior em que a resposta seja
colocada na boca deste ou daquele, pois se trata de simples questão de estilo literário.
O teor da resposta é óbvio e lógico: o dono da vinha castigará aqueles lavradores e entregará a
vinha a outros honestos.
Lucas introduz um protesto popular, com uma expressão muito comum em latim ("absit!") e em
grego ("mê génoito!"), que poderíamos dar com uma expressão bastante corrente entre nós: "Deus
nos livre!". Mas a alegoria foi tão clara, que todos os fariseus e sacerdotes perceberam que se referia
a eles, embora não pegassem o sentido daquele "Filho que foi assassinado", pois jamais aceitariam
que esse fosse Jesus.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

111

Nunca admitiriam que um operário-carpinteiro, que não pertencia ao clero sacerdotal


"escolhido", pudesse ser enviado divino, tal como hoje o Vaticano não aceitaria, em hipótese
alguma, um leigo, fora de seu quadro religioso, como emissário divino. Bastaria citar uma Joana
d'Arc, um Lutero, um Giordano Bruno, e a lista cresceria muito mais. O clero (basta dizer que a
palavra "clero", que eles se atribuem, significa exatamente "escolhidos") é sempre idêntico em todas
as religiões, em todos os climas, em todas as épocas: são os "donos" de Deus, os únicos que sabem,
que podem, que mandam...
Até que a vinha passe a outras mãos. Como a vaidade humana destrói as criaturas!
***
Mas o Mestre não pára aí. Prossegue na lição, com um adendo que confirma Sua parábola.
Por isso indaga ironicamente se eles "nunca tinham lido" as palavras do Salmo (117:22-23).
Fazendo parte do hallel, haviam sido elas oficialmente cantadas dois dias antes.
Aqui traduzimos literalmente: "uma pedra (em grego sem artigo) que os construtores recusaram,
essa se transformou em cabeça de ângulo". A expressão hebraica é 'eben pinnâh; o grego a exprime
de diversas formas: líthos gôniaíos ("pedra angular"), akrogôniaíos ("ponta de ângulo") ou kephalê
gônías ("cabeça de ângulo", como aqui). Aparece no Antigo Testamento em Job (38:6), em Isaías
(28:16) e no Salmo citado; no Novo Testamento nestes três Evangelhos e mais em Atos (4:11), na
carta aos Efésios (2:20) e na primeira de Pedro (2:6-7).
Depois Jesus continua citando livremente (cfr. Is. 8:14-15 e 28:15 e Dan. 2:32-35): "o que cai
sobre essa pedra, será contundido; sobre quem ela cair, ela o peneirará (likmêsei, de likmáô). As
traduções correntes interpretam: "esmagará", mas o verbo tem sentido preciso: "peneirar", para que
o vento carregue a palha e fique, sobre a peneira, apenas o grão.
Para lhe dar sequência ao pensamento, sem interrupções, invertemos a ordem dos versículos de
Mateus, colocando o 44 antes do 43, concordando a ordem do texto com os de Marcos e Lucas.
No final, em Mateus, Jesus diz taxativamente: "Por isso será tirado de vós o Reino de Deus, e
será dado a um povo que faz os frutos dele". O mesmo evangelista acrescenta (sem necessidade) que
os sacerdotes e fariseus compreenderam que se referia a eles. Mas se foi dito categoricamente isso
mesmo!
Todos os comentaristas concordam quanto à clareza meridiana da interpretação alegórica, dada
pelo próprio Mestre, de que a autoridade hierática passaria dos judeus aos cristãos, chegando
Jerônimo a escrever: "foi-nos arrendada, pois, a vinha, e arrendada com a condição de darmos ao
Senhor o fruto nas épocas próprias, e de sabermos em qualquer tempo o que tenhamos que falar e
que fazer".
Essa a evidente intenção do ensino para as personagens terrenas, para os sacerdotes de todas as
épocas e nações, quando se arrogam a prerrogativa de serem os únicos privilegiados, com tal
prestígio diante de Deus, que o Criador tem que pedir-lhes licença e obter o nihil obstat antes de agir
entre os homens!

Mas há outras lições a transparecer da parábola, com grande clareza. Vejamos, inicialmente,
no âmbito restrito da criatura humana.
O dono da vinha é o Espírito que planta, cerca, prepara, aprimora um corpo físico para, por
meio dele, extrair frutos para seu aprendizado e sua evolução. Uma vez tudo pronto, entrega a
vinha aos cuidados da personagem, sob o comando do intelecto, e ausenta-se para longa viagem a
outro país, isto é, recolhe-se a seu plano, deixando que o intelecto dirija toda a produção dos frutos
por sua conta. No entanto, nas épocas próprias, o Espírito deseja recolher a parte que lhe toca dos
frutos produzidos, e para isso manda mensageiros preparados, "cobradores" das dívidas cármicas,
que vão experimentar se conseguem dobrar e comover o lavrador ao qual foi confiada a vinha.

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Capítulo 12

112

Mas, não tendo havido progresso, esses obsessores (encarnados ou desencarnados) que se lhe
aproximam e lhe entram no círculo ambiental, do parentesco ou das amizades ou da aura espiritual,
ainda são repelidos com rebeldia e insubordinação. Outros e mais outros vão chegando, e por vezes
cresce a irritação. Por vezes, não satisfeito com o maltrato infligido aos afins encarnados ou aos
estranhos que encontra, chega até o homicídio.
O senhor da vinha, o Espírito, verifica que a personagem por ele criada e o intelecto a que a
confiou, não tem condição de recuperação. Não atende às lições que lhe foram ensinadas: "ama a
teu próximo como a ti mesmo" (Mat. 19:19); "harmoniza-te com o adversário enquanto estás no
caminho com ele" (Mat. 5:25); "perdoa setenta vezes sete" (Mat. 18:22); "ama teus inimigos" (Mat.
5:44), etc.
Ainda uma tentativa será feita: o Espírito enviará seu próprio filho amado, sua própria Mente,
por meio de fortes intuições, de remorsos, por vezes até de quadros mentais e vozes que surgem,
para chamar o intelecto à razão.
Mas, empedernido em sua maldade, ambiciosa e crente de que poderá tornar-se eterno como o
Espírito, herdando a vida (a "vinha") que, de fato, não lhe pertence, mas apenas lhe foi confiada, a
personagem expulsa de si mesmo todas essas vozes incômodas e mata-as, para procurar apoderar-
se da vida.
Quando vê que tudo está perdido, o Espírito resolve solucionar pessoalmente o caso. Regressa,
pois, junto dessa personagem e perde-a, fazendo-a desfazer-se pela "morte", para então entregar a
vinha a outros lavradores: a outro intelecto, com a esperança de conseguir, então, colher os frutos
de que necessita para seu progresso.
Embora totalmente nova e original, essa interpretação parece-nos válida, e confirma
amplamente a doutrina da REENCARNAÇÃO, inclusive o processo utilizado pelo Espírito para
plasmação das personagens que lhe são necessárias; o afastamento que o Espírito opera para
deixar que a personagem tenha liberdade de ação, de tal forma que, os que ainda não se uniram ao
Espírito, têm até dificuldade em reconhecê-lo e acreditam que seu verdadeiro EU seja apenas o eu
personalístico; e deixa mesmo entrever a suposição de que, se a personagem, numa vida, conseguiu
produzir para o Espírito, frutos opimos e valiosos, este poderá fazê-la reencarnar de novo, uma e
mais vezes, a fim de aproveitar-lhe ao máximo as qualidades já desenvolvidas anteriormente.
Tentemos, agora, uma interpretação mais ampla, nos domínios dos símbolos.
A VINHA representa a "sabedoria espiritual”, ou seja, a interpretação simbólica dos ensinos
dados. Então, a plantação da vinha exprime os ensinamentos superiores, cuidadosa e
carinhosamente ministrados por Mensageiro Divino, com todas as atenções dispensadas aos
pormenores: a palissada em volta, a fim de evitar penetração das águas (interpretações puramente
alegóricas) vindas de fora; o lagar , onde a usa do conhecimento deve ser pisada, para dela extrair-
se o vinho da sabedoria, abandonando sob os pés o bagaço da erudição; os poços (corações) onde
deve a sabedoria ser guardada para fermentar pela meditação; e a torre de vigilância, onde o
discípulo possa permanecer desperto, sem dormir, nas observações de tudo o que ocorre, para não
se deixar surpreender por ataques inopinos e traiçoeiros que poderiam derrubá-lo.
Uma vez tudo pronto, os discípulos são deixados sós, a fim de executar, isto é, de VIVER os
ensinos que receberam. Têm tudo perfeito e pronto: resta ver se renderão os frutos que deles se
esperam.
De tempos a tempos chegam Mensageiros Superiores, para arrecadar os frutos que a Escola
devia ter produzido.
Mas infelizmente ocorre que as Escolas todas sofrem do mesmo mal das criaturas que as
constituem: entram em decadência. "A resistência de uma corrente se mede pelo elo mais fraco". E
os Mensageiros não são reconhecidos, por falta de capacidade dos discípulos...

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Capítulo 12

113

Estamos vendo que esta interpretação coincide, em parte, com a que é emprestada à parábola,
mas em nível mais amplo e mais elevado: não mais se trata de poder físico, da constituição material
eclesiástica de Israel ou do cristianismo, e sim do sistema doutrinário, dos princípios sapienciais.
Realmente Israel recebeu a vinda (a sabedoria); mas a interpretação que lhe foi dada foi literal
(pedra), ou no máximo alegórica (água), não conseguindo manter a simbólica (vinha).
O Cristo diz que a vinha será dada a outro povo. Todos interpretam como sendo o
Cristianismo. E é.
Mas ocorre que três séculos depois da partida de Jesus (o Espírito), o verdadeiro cristianismo
(arianismo) foi violenta e sanguinariamente massacrado pelo que se intitulou "catolicismo
romano”, e tudo voltou ao mesmo ponto anterior em que estavam os judeus: interpretação literais
ou no máximo alegóricas.
A sabedoria simbólica, o ensino espiritual e profundo, desapareceram. E o catolicismo passou
a agir talqualmente o judaísmo: feriu, martirizou, ofendeu e matou todos os Emissários divinos que
lhe vieram para cobrar os frutos dos ensinos simbólicos. Quando qualquer desses Mensageiros
Celestes encarnados na Terra tentavam abrir-lhe os olhos e relembrar-lhe os ensinamentos
profundos, as fogueiras da Inquisição ("santa"!) sufocavam-lhes a voz, o fogo queimava-lhes as
carnes, "para maior glória de Deus"!
De tempos a tempos, "sempre que há um enfraquecimento da Lei e um crescimento da
ilegalidade por todas as partes, ENTÃO EU me manifesto. Para salvação do justo e destruição dos
que fazem o mal, para o firme estabelecimento da Lei, EU volto a nascer, idade após idade"
(Bhagavad Gita, 4:7-8): é o FILHO AMADO que volta à Terra, para restabelecer os ensinos
simbólicos da Lei.
Por isso encontramos as encarnações sublimes de Hermes, de Krishna, de Gautama, de
Pitágoras, de Jesus o Cristo e, mais recentemente, de Bahá'u'lláh e de Gandhi, todos "Filhos
Amados", além de talvez outros de que não temos conhecimento.
Mas todos são perseguidos e quase sempre assassinados. Não pelo povo, mas exatamente pelo
clero, pelos sacerdotes, pelas autoridades eclesiásticas, justamente por aqueles que tinham o dever
de recebê-Los, de reconhecê-Los, de acatá-Los e beber-Lhes as lições, honrando-Os como Filhos do
Dono da Vinha!
Quando terá a humanidade suficiente evolução para agir certo?
***
Mas a segunda parte traz outros esclarecimentos.
"Uma pedra, que foi recusada pelos construtores, transformou-se em cabeça de ângulo" - ou
seja, um trecho literal, que não foi compreendido e foi mal interpretado (rejeitado) pelos
construtores, isto é, pelos exegetas e autoridades, esse é transformado em base para construção
futura do edifício evolutivo, como "chave mística" para o crescimento espiritual da criatura. Por
exemplo: todos os textos comprobatórios da reencarnação, rejeitados pelas autoridades
eclesiásticas da igreja de Roma, já se tornaram hoje pedra angular, quase a ponto de serem
comprovados cientificamente...
"Essa transformação é operada pelo Senhor”, pelo Espírito, o senhor da vinha, e é coisa que "se
torna admirável a nossos olhos".
O chocar-se contra essa pedra, que se tornou "cabeça de ângulo", isto é, o combater as
interpretações simbólicas e místicas, extraídas da primitiva pedra simples, contunde, machuca, os
opositores. Mas se a interpretação nova cair sobre as criaturas, essa interpretação as peneirará.
Realmente, a nova interpretação tem por objetivo peneirar os discípulos, deixando que o vento
carregue os imaturos, os incapazes, os de má-vontade, ficando aproveitados aqueles que estiverem
aptos para entender e praticar os ensinamentos apresentados com as interpretações novas.

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Capítulo 12

114

Aí temos, pois, uma previsão de que os próprios trechos literais, os fatos narrados, as
parábolas, tudo o que ficou cristalizado na letra das Escrituras, deve ser transformado pelo Espírito
em "cabeças de ângulo", com interpretações profundas, pois só assim poderão produzir frutos na
época própria.
Por isso não tememos fazer essas interpretações, inteiramente novas, que vimos fazendo nesta
obra.
São tentativas de transformar as pedras rejeitadas em cabeças de ângulo.
Com isso, estamos tentando a seleção dos seres que, de futuro não muito longínquo, deverão
receber o Cristo de volta entre nós, quando Sua Santidade o Espírito se dignar atender aos
chamados que ansiosamente todos Lhe fazemos, repetindo com o Apocalipse (22:20): "Vem, Senhor
Jesus"! E também estamos tentando preparar as criaturas, já amadurecidas, para receber de volta
o Cristo QUE NASCERÁ NELAS MESMAS. Essas criaturas que, sequiosas de Espírito, repetem as
palavras proféticas do Vidente de Patmos. “Vem, Senhor Jesus"!
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II
O povo de Israel constitui o emblema da parábola. Ele recebera do Pai celestial sucessivas
revelações da verdade divina, por intermédio dos profetas e, afinal, por Moisés, no monte Sinai.
Bem poucos têm sido, entretanto, com relação ao número total das criaturas que hão composto a
Humanidade até aos nossos dias, os que as receberam como deviam e trilharam o caminho que elas
lhes traçavam. Veio depois o Messias, o “herdeiro”, no dizer da parábola, ampliá-las e foi repelido e
sacrificado, como os mensageiros que o precederam.
Vem agora a revelação que todos deviam esperar, de acordo. com a promessa do Filho de Deus,
para completar e dar início à fase de renovação do nosso planeta e de transformação moral da
Humanidade, e ainda as mesmas hostilidades encontra.
Israel é a vinha que o Senhor plantou; a sebe de que a cercou representa os cuidados que tomou
para que conservada fosse a lembrança do seu nome. O lagar éo emblema da provação, da expiação,
da reencarnação, em suma. A torre seria a habitação indestrutível dos vinhateiros, se houveram
cuidado devidamente da vinha. Os servos do dono desta são os profetas que repetidamente têm
vindo fazer sentir aos homens que não estavam trilhando o caminho que lhes fora indicado.
As palavras dos vinhateiros: “Este é o herdeiro (referência ao Cristo), vamos, matemo-lo e a
herança será nossa”, tiveram por fim mostrar a cegueira dos que, recusando dar a Deus o que é de
Deus, repelindo todas as advertências que lhes foram feitas e ainda o são, pensavam nada terem que
recear daquele a quem ofendiam e ainda ofendem com a ingratidão e o endurecimento que
demonstram.
Os a quem se aplicavam essas palavras da parábola naturalmente estão, em parte ao menos,
reencarnados na Terra. O que elas objetivavam mostrar se aplica a esses, como a nós outros. A
geração daquele tempo não passou, conforme o disse Jesus, nestes termos: “Esta geração não
passará sem que tenhais visto vir o filho do homem na sua glória”. (Mt 24º:34; Lc 21:32.)
O povo judeu representa os vinhateiros, até à “morte” de Jesus. A partir de então, a vinha foi
retirada do poder dos “maus” vinhateiros e dada a “outros”, Os cristãos substituíram os Judeus e
foram até ao presente os novos vinhateiros. A vinha que o Senhor lhes arrendou é a Humanidade
inteira e a sebe com que a cercou é a lei de amor, que o seu Filho bem-amado desceu a pregar pela
palavra e pelo exemplo. O lagar, como sempre é a reencarnação, mediante a qual se extraem dos
frutos da vinha, expremendo-se-lhes a parte material e perecível, o “espírito”, que se não altera e
dura eternamente. Constituem-no, pois, as provas, as expiações, em suma todas as conjunturas
difíceis por que passamos, para que os nossos Espíritos se depurem e desprendam da matéria, que é,
para eles, o cadinho da purificação.

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Capítulo 12

115

A torre, que é o nosso planeta, será a habitação indestrutível dos vinhateiros que houverem
cuidado da vinha, o lugar seguro onde eles depositarão o suco da uva, quando lhe houverem dado,
pelo trabalho, a propriedade e a pureza de que necessita para ficar guardado nela. Será, portanto, o
nosso planeta, quando se houver tornado mundo superior.
Assim, com relação aos que receberam a vinha com todos os elementos para cultivá-la e fazê-la
produzir e que continuam a ofender, imitando os que os antecederam, e a repelir os emissários do
Senhor, que nos trazem precioso auxílio para o trabalho que nos incumbe, esta parábola mostra o
prêmio e as penas que receberão, quando soar a hora de proceder-se à separação dos que mereçam
permanecer no planeta depurado e os que hajam de ser dele expulsos como maus vinhateiros, Estes
serão os que se houverem obstinado em repelir a nova explosão do amor do Pai, expressa na
Revelação Espírita, o Consolador prometido pelo seu Filho, bem-amado, até ao momento em que
Este, conforme também o prometeu, vier, na majestade do seu poder, trazer aos bons e diligentes
trabalhadores da vinha o prêmio da sua presença gloriosa, assinalando ser chegado o tempo de
figurar a Terra entre os orbes regenerados.
Por haver Ele dito que aquela geração não passaria. sem que houvesse visto o Filho do homem
vir na sua glória, conclui-se que a mesma geração ainda revive na Terra, ao menos em parte,
reencarnados muitos dos Espíritos que a compunham. Os novos vinhateiros, portanto, são ainda os
mesmos e, assim, a parábola, dita com relação a eles, também a nós se aplica. Ora, as circunstâncias
em que nos vemos são tais, que não podemos alimentar dúvidas quanto ao que nos espera, se não
cuidarmos devotadamente da vinha do Senhor. Outro não virá a ser o nosso destino, senão o de nos
vermos compelidos a encarnações em planetas inferiores à Terra na atualidade, depois de passarmos
pelos tormentos e angústias de acerbos remorsos, na erraticidade, caso não tratemos de aceitar
solícitos o auxílio que nos trazem os emissários do nosso Senhor e Mestre e de empregar os maiores
esforços por libertar-nos de todos os vícios e paixões, que são os nossos únicos inimigos, para pra-
ticarmos, sobretudo pelo exemplo, a moral que Ele personifica.
Perseverando nesses esforços e multiplicando-os cada vez mais, é que devemos aguardar, e para
ela concorrer, a transformação do nosso mundo, a sua elevação da condição em que ainda se
encontra, de mundo material, para a de mundo fluídico, transformação que se operará, não de um
momento para outro, porém pouco a pouco, gradativamente, através de fases assinaladas por esses
fenômenos a que chamamos calamidades, flagelos. À medida que ela se for operando, os maus
vinhateiros irão sendo expulsos e, completada que esteja, o Senhor, o dono da vinha implantará em
todos os corações o seu reino. O Senhor é Deus, que reina nos corações puros.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 138)

III
Jesus continua a profligar os sacerdotes que se esqueceram de seus deveres sagrados.
O pai de família é Deus. A vinha é a humanidade. Os lavradores aos quais a vinha foi arrendada,
são sacerdotes aos quais foi atribuido o dever de zelarem espiritualmente pelas almas encarnadas na
terra. Os servos enviados para receberem o fruto da vinha, são os diversos missionários que, de tem-
pos em tempos, Deus envia à terra para indicarem novos rumos de progresso, e cujas revelações
cumpria aos sacerdotes estudarem, e ensinarem ao povo. Todavia, sempre aconteceu que o interesse
da classe sacerdotal é manter o povo na ignorância, para melhor explorá-lo. E por isso os
missionárÍôs sempre foram combatidos, perseguidos e mortos. O herdeiro é Jesus, que também foi
morto. E depois dele, quantos não morreram nas fogueiras? Mas um dia, o Pai tirará a vinha dos
maus lavradores. Ë justamente o que estamos presenciando em nossos dias. As religiões organizadas
do planeta, estacionadas em simbolos e formalidades, ritos e pompas exteriores, estão em completa
decadência. E em lugar de todas elas, surge o Espiritismo, que traz em seu seio os novos vinhateiros
do Senhor.

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Capítulo 12

116

Jesus foi rejeitado pelos sacerdotes de seu tempo, e seus ensinamentos, combatidõs. O tempo,
porém, demonstrou, e dia a dia mais demonstra, que é sobre seu Evangelho que se está erguendo o
verdadeiro edifício religioso, que abrigará a humanidade.
Jesus, por conseguinte, é a pedra de cabeça do ângulo do maravilhoso edifício que se erguerá na
terra.
Como os sacerdotes dão poucos frutos para o reino de Deus, em virtude de mais se interessarem
pelos bens terrenos, eles perdem, atualmente, o caráter de guias espirituais da humanidade. E ao
Espiritismo é confiada a grande tarefa de produzir frutos para o reino de Deus.
Os sacerdotes perceberam que Jesus se referia a eles. Todavia, o orgulho, os preconceitos, e os
lucros que auferiam, não os deixavam entrever que Jesus pregava a verdadeira religião.
O mesmo sucede hoje com o Espiritismo: apesar de reviver o puro Cristianismo, as religiões
organizadas o combatem.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 21)

IV
A parábola contada por Jesus, dos arrendatários de uma vinha está diretamente relacionada à
questão da autoridade de Jesus rejeitada pela liderança judaica (11:27- 33). Assim como rejeitaram a
autoridade divina de Jesus sobre suas vidas e conduta, também rejeitaram a soberania do Filho do
dono da vinha (Jesus) e O mataram (12:7).
A metáfora de Israel como a vinha do Senhor era bem conhecida, através do texto de Isaías 5:1-
7. Em Isaías, a vinha do Senhor deu frutos bravos, em vez de frutos doces e bons (uma aplicação à
apostasia e rebelião de Israel para com o seu Deus). Na parábola de Cristo, o problema não está com
a vinha (pois ela produz frutos que podem ser colhidos – indicação de que eram bons), mas com os
arrendatários que não quiseram reconhecer a autoridade do legítimo dono da vinha, matando-lhe
primeiramente os empregados (uma aplicação aos profetas enviados por Deus) e finalmente seu
próprio Filho (uma clara alusão a Jesus – o "Filho amado" do Pai, cf Mar. 1:11).
Para nós, a questão de aceitar ou não a autoridade divina em nossa vida é algo de vida ou morte
– como o foi para os líderes religiosos dos dias de Cristo. Se nos submetermos à autoridade divina,
nossa oração será: "não se faça o que eu quero, e sim, o que Tu queres" (Mar. 14: 36), e isso nos
leva ao caminho da salvação. Se não nos submetermos, faremos nossa vontade, que é perversa,
egoísta e má, e nos colocamos no caminho da perdição eterna. A verdade é que, se Jesus não for o
primeiro em nossa vida, Ele não será nada para nós, pois, no que diz respeito à salvação, não há
meio termo: ou somos de Cristo, por inteiro, ou nossa experiência religiosa é uma hipocrisia
completa.
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

V
O sentido dessa parábola (...) trata-se da vinda à Terra dos profetas dos tempos antigos e, por fim, do
próprio Filho de Deus.A imagem do dono de casa que planta a vinha e, com todo o cuidado, a cerca de
tantas facilidades, mostra o imenso Amor do Criador para com Suas criaturas, ao lhes oferecer tudo
quanto necessitam em seu labor nas materialidades, que ao mesmo tempo constitui para elas o caminho
para o amadurecimento espiritual.
Na seqüência fica claro que essas criaturas, os seres humanos, não se comportaram como
administradores leais do maravilhoso mundo posto à disposição deles. Rejeitaram os Precursores e os
profetas dos tempos antigos e, por último, assassinaram o próprio Filho de Deus. Fazendo uso errado da
prerrogativa de que foram presenteados, o livre-arbítrio, agiram de modo contrário ao desejado pelo
dono da vinha.

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Capítulo 12

117

O assassínio do Filho de Deus era uma possibilidade conhecida pela Luz, em vista da profundidade
espiritual em que já se encontrava a humanidade, uma possibilidade que de modo algum se teria
efetivado se os homens tivessem acolhido a Mensagem de Jesus no coração. Para quem ainda mantém
seu espírito aberto há de causar espanto, ao ler essa parábola, que as interpretações atuais sejam
unânimes em condenar os assassinatos dos profetas dos tempos antigos, como crimes brutais que
realmente foram, mas não o praticado contra Jesus. Contudo, a parábola não faz nenhuma distinção entre
os dois casos, ao contrário, deixa claro que a morte do filho do dono da casa foi um ato mau, perverso,
não previsto e muito menos ainda desejado, tendo constituído uma circunstância agravante dos crimes
praticados anteriormente. Os lavradores, pois, não respeitaram nem mesmo o filho do dono da casa,
como este esperava, e sim o mataram.
(...) Em seguida, Jesus esclarece as conseqüências da atitude errada dos lavradores maus: O Reino
de Deus só será alcançado por aquele que produzir bons frutos, que, portanto, se ajustar às leis da
Criação. Agir contra essas leis equivale a cair sobre a pedra angular2, representada pela Palavra
encarnada que foi Jesus (cf. At4:11), sendo, portanto, “ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular”
(Ef2:20), oriundo de Deus para ensinar os homens como cumprir essas leis. Se não cumpri-las, a
respectiva pessoa só conseguirá se machucar e até mesmo ser despedaçada, pois a pedra não será
com isso de modo algum abalada. E sobre quem a pedra cair, este será reduzido a pó, isto é, quem
agir contra essas leis receberá infalivelmente sobre si o retorno de sua má ação, através da
reciprocidade. Para estes, a pedra angular, a lei viva, se torna então uma “pedra de tropeço”, em que
“muitos tropeçarão e cairão, serão quebrantados, enlaçados e presos” (Is8:15). Daí também as
palavras de Jesus: “Bem-aventurado aquele que não achar em mim motivo de tropeço” (Lc7:23).
Por outro lado, o efeito inverso, reservado a quem cumpre as leis da Criação, também já havia
sido descrito pelo profeta Isaías: “Será uma pedra preciosa, angular, bem firme. Aquele que confiar
nela não tropeçará. Usarei o direito como cordel de medir e a justiça como nível” (Is28:16,17).
Confiar na justiça da lei é o mesmo que confiar no Senhor, de todo o coração, deixando de se apoiar
no raciocínio cismador: “Confia no Senhor de todo o coração e não te estribes no teu próprio
entendimento” (Pv3:5).
(Roberto C. P. Junior, Visão Restaurada das Escrituras)

VI
O pai de família é Deus; a vinha que ele plantou é a lei que estabeleceu; os vinhateiros a quem
arrendou a vinha são os homens que devem ensinar e praticar a lei; os servos que enviou aos
arrendatários são os profetas que estes últimosmassacraram; seu filho, enviado por último, é Jesus, a
quem eles igualmente eliminaram. Como tratará o Senhor os seus mandatários prevaricadores da lei?
Tratá-los-á como seus enviados foram por eles tratados e chamará outros arrendatários que lhe
prestem melhores contas de sua propriedade e do proceder do seu rebanho.
Assim aconteceu com os escribas, com os príncipes dos sacerdotes e com os fariseus; assim
será, quando ele vier de novo pedir a cada um contas do que fez da sua doutrina; retirará toda a
autoridade ao que dela houver abusado, porquanto ele quer que seu campo seja administrado de
acordo com a sua vontade.
Ao cabo de (...) séculos, tendo chegado à idade viril, a Humanidade está suficientemente
madura para compreender o que o Cristo apenas esflorou, porque então, como ele próprio o disse,
não o teriam compreendido. Ora, a que resultado chegaram os que, durante esse longo período,
tiveram a seu cargo a educação religiosa da mesma Humanidade? (...)

2
Pedra angular - A pedra angular, principalmente a da base, mantinha unidas duas paredes de uma construção. Era
empregada como guia para as outras pedras, de modo que todas elas tinham de se ajustar à pedra angular do alicerce,
para que o prédio pudesse ser construído.
COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2
Capítulo 12

118

Em seu nome, os homens se anatematizaram mutuamente e reciprocamente se amaldiçoaram;


estrangularam-se em nome daquele que disse: Todos os homens são irmãos. Do Deus infinitamente
justo, bom e misericordioso que ele revelou, fizeram um Deus cioso, cruel, vingativo e parcial;
àquele Deus, de paz e de verdade, sacrificaram nas fogueiras, pelas torturas e perseguições, muito
maior número de vítimas, do que as que em todos os tempos os pagãos sacrificaram aos seus falsos
deuses; venderam-se as orações e as graças do céu em nome daquele que expulsou do Templo os
vendedores e que disse a seus discípulos: Dai de graça o que de graça recebestes.
Que diria o Cristo, se viesse hoje entre nós? Se visse os que se dizem seus representantes a
ambicionar as honras, as riquezas, o poder e o fausto dos príncipes do mundo, ao passo que ele, mais
rei do que todos os reis da Terra, fez a sua entrada em Jerusalém montado num jumento? Não teria o
direito de dizer-lhes: Que fizestes dos meus ensinos, vós que incensais o bezerro de ouro, que dais a
maior parte das vossas preces aos ricos, reservando uma parte insignificante aos pobres, sem
embargo de haver eu dito: Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros no reino
dos céus? Mas, se ele não está carnalmente entre nós, está em Espírito e, como o senhor da parábola,
virá pedir contas aos seus vinhateiros do produto da sua vinha, quando chegar o tempo da colheita.
(Allan Kardec, A Gênese, capítulo XVII item 30)

VII
A palavra de Jesus se tornou a pedra angular, isto é, a pedra de consolidação do novo edifício da
fé, erguido sobre as ruínas do antigo. Havendo os judeus, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus
rejeitado essa pedra, ela os esmagou, do mesmo modo que esmagará os que, depois, a
desconheceram, ou lhe desfiguraram o sentido em prol de suas ambições.
(Allan Kardec, A Gênese, capítulo XVII item 28)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

119

Vv. 13 a 17 – A questão do tributo (Mt 22:15-22; Lc 20:19-26)


(A Moeda de César, Pastorino)

I
Tal como já lemos em Mateus (12:14), o Sinédrio reuniu-se em Conselho (symbólyon élabon),
para estudar o melhor modo de embaraçar Jesus, obrigando-O a pronunciar-Se de tal forma, que
pudesse ser apanhado em armadilha, para ser condenado. A embaixada oficial do Sinédrio (fariseus,
escribas e anciãos) fora posta fora de combate, com a resposta a respeito do poder de Jesus e, logo a
seguir, com a alusão clara à perda do cetro religioso por parte dos judeus. Reúnem-se, então, e
resolvem pegá-Lo numa emboscada que lhes pareça infalível. Mas eles mesmos não podiam voltar,
porque já eram conhecidos de Jesus e do povo. Que fazer?
Resolveram mandar pessoas desconhecidas. Escolheram discípulos seus (talmidê hakhâmim),
que seriam acompanhados por herodianos, que poderiam acusar logo que fosse proferida qualquer
palavra ofensiva aos dominadores romanos. Eram chamados "discípulos dos fariseus" os que
cursavam a Escola Rabínica, antes de obter o título final de "Rabino" (ou Rabbi). Os herodianos
eram judeus fiéis a Herodes, que muita questão faziam de unir-se aos romanos, aplaudindo-os,
embora os não suportassem, só para não perderem as posições conquistadas. Os fariseus eram
inimigos dos herodianos, que eles desprezavam, mas decidiram unir-se a eles, para terem
testemunhas insuspeitas perante as autoridades romanas.
Com efeito, a reunião chegara a esse resultado: era necessário preparar-Lhe uma armadilha tal,
que O apanhassem de qualquer forma. Os verbos empregados pagideúsôsin (Mateus e Lucas) e
agreúsôsin (Marcos) pertencem ao vocabulário de caça: "apanhar em armadilha ou laço" (pagís).
Para isso, era mister que Jesus firmasse uma doutrina (lógos) que O comprometesse perante o
procurador romano (hêgemôn, como em Mat. 27:2 e At. 23:24, 26), ou perante Seus seguidores.
A pergunta foi escolhida com cuidado e os emissários bem treinados.
Apresentaram-se respeitosos e dirigiram-se a Jesus dando-Lhe o título de Mestre, no sentido de
"professor" (didáskale), fazendo um preâmbulo bem preparado, em que elogiavam exatamente Sua
franqueza e honestidade doutrinária, Sua coragem e desassombro diante de todos, não "olhando os
rostos", isto é, não tendo "respeitos humanos", sem ligar à posição social, aos cargos, à riqueza, etc.;
de tudo isso sobejas provas havia.
Embora todos os judeus pagassem os impostos e tributos aos romanos, faziam-no a contragosto.
Judas o Gaulanita já pregara abertamente contra os tributos exigidos por Quirinius dizendo que isso
constituía crime de lesa-majestade contra a soberania única de Deus. Não deviam os judeus pagar
tributos aos homens, mas apenas o Templo tinha direito de cobrá-los, porque era a representação de
Deus.
A questão, portanto, foi sobre a liceidade do pagamento do tributo. Que eram obrigados a pagar,
não havia dúvida. Mas diante da consciência, era lícito? Dizer SIM, incompatibilizaria Jesus com
todos os judeus, que o desacreditariam como o messias. Dizer NÃO era a condenação certa como
revoltoso contra Roma, e lá estavam os herodianos para testemunhar contra Ele.
A pergunta foi feita de forma a só poder ter duas respostas: sim ou não. Impossível escapar: "é-
nos lícito dar o tributo a César, ou não? Damos ou não damos"?
Jesus percebe a malícia e o declara: "por que me tentais, hipócritas"?
Começa, então, a preparar a resposta, numa dialética perfeita. Pede uma prova concreta: quer
ver a moeda do tributo (e aqui se percebe a ironia). As "regras do jogo" exigiam que, mesmo se Ele
a tivesse consigo, devia pedir que a prova fosse trazida pelos adversários. Trouxeram-na.
Vem a segunda investida. Jesus estava farto de saber que a imagem ou efígie (eikôn) era de
César, assim como a inscrição (epigraphê). Mas ainda aqui era preciso que eles o dissessem. E
disseram: "é de César".

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

120

Jesus os tinha na mão: o adversário confessava que a moeda do tributo (o denário) era romana.
Tudo estava pronto para a resposta. E Jesus calmamente conclui: - Então devolvei o que é de
César a César, e o que é de Deus, a Deus!
Traduzimos apódote por "devolver", sentido real, sem dúvida muito melhor que o dai das
traduções correntes.
Com essa resposta, que nenhum deles esperava, Jesus estabeleceu irrecusavelmente a doutrina
do respeito à autoridade civil legitimamente constituída, tema que seria desenvolvido mais tarde por
Paulo, na carta aos romanos (13:1-8).
Anotemos que a palavra alêthês ("verdade") é empregada, nos sinópticos, apenas neste trecho,
embora João a use com larga frequência. Também o termo de Marcos (agreúsôsin) é hápax
neotestamentário.
Diante dessa resposta, os emissários "murcharam" e não mais puderam abrir a boca. Mas
intimamente admiraram Sua sabedoria. E retiraram-se, olhando uns para os outros...
Só tinham mais um recurso: era confiar a missão aos saduceus, que tentariam ver se O
confundiam.

Perfeitas todas essas deduções. Procuremos meditar.


A "moeda do tributo", cunhada no metal, representa o corpo humano, moldado em células de
matéria orgânica. Tem, pois, a efígie de seu possuidor, e seu nome em epígrafe. Ora, se o corpo
possui gravado a imagem da personalidade, é porque pertence a ela, e a esse corpo devem ser
prestados os serviços de que ele carece. Nada do que lhe pertence deve ser-lhe negado.
No entanto, o Espírito, "partícula" divina, tem sua parte. E não será lícito prejudicar um em
benefício do outro. Nem tirar de César (do corpo) para dar ao Espírito, nem tirar de Deus (o
Espírito) para dar ao corpo.
A divisão é nítida: devolver ao corpo tudo o que este nos tiver dado de experiências e lições, e
tratá-lo com o cuidado de que necessitar. Mas sem lesar a parte devida ao Espírito.
Daí o equilíbrio indispensável em nosso comportamento, sem exageros nem para um lado nem
para o outro. Porque, no final das contas, o Espírito é que se condensou no corpo: a autoridade
divina é que se manifesta em César.
Outra lição que podemos aprender, refere-se aos grupos. Muito comum que se misturem
negócios de César nos setores divinos. Em outros termos, que as instituições espiritualistas se
fundamentem no reinado de César.
Lógico que, estando num planeta material, cujo valor de troca é a moeda de César, as
organizações espiritualistas necessitem dessa parte para atuar no mundo. Mas pensamos- salvo
erro - que essa parte deva ser conquistada "com o suor do rosto", e não constituída apenas pelo
resultado de apelos e doações. Daí acharmos que todas as agremiações que tratam do Espírito
deveriam possuir a látere uma indústria puramente comercial que sustentasse a obra, onde
trabalhariam dando seu tempo e seu esforço os dirigentes da obra, mas sem que houvesse mistura
de uma em outra (1).
(1) Pondo em prática esse pensamento, dirigimos, para sustentar nossas publicações, a revista,
etc., uma Agência de Publicidade, cujo lucro reverte para cobrir o déficit das edições. O mesmo
ocorre, por exemplo, com o "Lar Fabiano de Cristo", que sustenta milhares de crianças através da
CAPEMI (Caixa de Pecúlio dos Militares-Beneficente), onde os diretores de ambas trabalham sem
perceber nenhum salário.
A idéia de "fazer caridade" na dependência da "caridade" dos outros, pode ser cômoda e até
pode estar certa. Mas não "sentimos" assim, por acharmos que, da mesma forma que, com nosso
trabalho provemos a alimentação física de nossos filhos, também com nosso trabalho devemos
prover a alimentação espiritual de nossos irmãos.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

121

Mas cremos que a lição principal é puramente simbólica e mística, não literal nem alegórica.
Vimos que a moeda, que tem duas faces, traz o cunho de uma personalidade: a efígie que
retrata a criatura que foi plasmada pelo Espírito. Além da efígie aparece a inscrição (epígrafe),
com o nome atribuído a essa personagem no curso da evolução no planeta Terra.
Ora, a personagem é a condensação do Espírito, e o representa na Terra, tal como a moeda é a
condensação de um valor convencional, garantido pela autoridade e poder da pessoa cuja imagem
nela se encontra gravada. E tal como a moeda passa de mão em mão, sempre adquirindo benefícios
para quem a possua, assim a personagem vai de contato em contato, comprando experiências para
o Espírito, que a criou e possui.
O valor da moeda, convencional, está inscrito nela. Assim o valor do Espírito também se
encontra manifesto na personagem: ora elevado, ora baixo. De acordo com a evolução do Espírito,
assim será o valor gravado na personagem. Daí podermos avaliar mais ou menos um, pela
expressão do outro. Lógico que a moeda não é César, mas o representa. Assim, embora sendo a
condensação do Espírito, a personagem não é ele, mas apenas o representa, materializado no
mundo. Temos, então, três graus, sobre os quais fala o Mestre: a moeda, César e Deus. Assim
também temos três graus nessa simbologia: a personagem, a individualidade e o Deus-Imanente-
Transcendente.
A moeda, em si mesma, nada vale, pois seu valor é somente convencional e transitório, tal
como as personagens humanas, que como meteoros passam sobre a Terra, muitas vezes atribuindo-
se um valor que não possuem absolutamente ... A individualidade (César) tem valor bem maior pois
constitui a garantia subjacente do valor da moeda (personagem). À individualidade devemos
restituir aquilo que lhe pertence: as experiências adquiridas, o aprendizado conquistado. Mas o
Supremo Bem, a Verdade total, e a Beleza Perfeita, Deus, jamais pode ser omitido.
Vale a moeda (personagem) só enquanto tem, entre os homens, o curso garantido pela
individualidade eterna. Mas o que valoriza esta é a Centelha Divina, que a sustenta, constituindo-
lhe a essência profunda.
Compreendemos, portanto, a lição nesse sentido muito mais amplo, nesse nível muito mais
elevado. É mister que jamais deixemos de devolver, por meio da personagem (moeda) o tributo
devido à individualidade (César) e o tributo devido a Deus: vida espiritual absoluta, na qual a
personagem terrena (moeda) simboliza apenas o "meio-de-troca" ou a expressão-do-tributo.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II

VER REFERÊNCIA BÍBLICA DE MARCOS NO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

Capítulo Itens
XI 6e7

III
Estas palavras de Jesus, mau grado a tudo que se tenha dito, provam que Ele não viera pregar a
subversão social, mas apenas o progresso moral. O respeito às leis humanas é para o homem um
dever e, muitas vezes, uma provação. Aplique-se ele, portanto, pelo seu proceder, a abrandar,
modificar, suavizar as que tanto lhe pesam. Se aquelas leis, ou algumas delas, parecem, ou são, de
fato, injustas, iníquas, arbitrárias, só de nós mesmos nos devemos queixar, por isso que tais leis
existem unicamente por não querermos caminhar todos pelo caminho reto que nos traça a lei divina
do amor, por nos obstinarmos em não cumprir o preceito de não fazermos aos outros o que não
queiramos que nos façam.

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Capítulo 12

122

Destarte, bem se vê que não serão as revoluções, nem o derribamento de tronos, nem os
derramamentos de sangue, nem as crueldades ainda de tão corrente uso, que nos hão de outorgar a
liberdade e de tornar menos áspero o viver terreno. A liberdade nasce do cumprimento do dever, da
pureza do coração, do amor e da caridade, que implicam a justiça, o respeito a si mesmo e aos
outros.
O abrandamento das leis depende, pois, exclusiva-mente, da conduta dos homens. Trabalhe cada
um pela sua própria reforma e o pesado jugo que elas impõem se quebrará por si mesmo e as
reformas sociais se operarão sem abalos, suavemente.
Se já compreendêssemos bem as coisas, a obra de redenção não seria deferida para amanhã,
como ainda o é. Julgando-se muito esclarecidos, os homens permanecem cegos! Ë assim que ainda
fazem correr sangue, para fertilizar a Terra; que desencadeiam a guerra, para obterem a paz; que
ateiam o incêndio, para construir. Cegos, eles ainda não conseguiram divisar o verdadeiro caminho;
surdos, ainda não lograram atender aos seus interesses reais. E tão orgulhosos são, no entanto, do
seu saber!
As palavras: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, ditas principalmente para
o futuro, ainda não foram compreendidas e, menos ainda, bem praticadas. Só o serão, quando todos,
inclusive César, derem a Deus o que é de Deus, pela prática do duplo amor ao mesmo Deus e ao
próximo, o que envolve a da fraternidade, da qual, exclusivamente, resultarão a igualdade e a
liberdade, na paz, na ordem e na hierarquia, baseada esta tão-só no grau de pureza moral adquirida.
Se compreendidas aquelas palavras houvessem sido, não existiria jamais o poder temporal do
papa, não haveria “príncipes da Igreja”, nem a história registraria os conflitos, muitas vezes
cruentos, em que tanto se empenharam esses príncipes com os da Terra.
Tampouco, as discórdias, o ódio, a guerra teriam devastado os filhos do Senhor.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 144)

IV
“E Jesus, respondendo, disse-lhes: Dai, pois, a César o que é de César,
e a Deus o que é de Deus.” — (Mc 12:17)

Em todo lugar do mundo, o homem encontrará sempre, de acordo com os seus próprios
merecimentos, a figura de César, simbolizada no governo estatal. Maus homens, sem dúvida,
produzirão maus estadistas. Coletividades ociosas e indiferentes receberão administrações
desorganizadas. De qualquer modo, a influência de César cercará a criatura, reclamando-lhe a
execução dos compromissos materiais. É imprescindível dar-lhe o que lhe pertence.
O aprendiz do Evangelho não deve invocar princípios religiosos ou idealismo individual para
eximir-se dessas obrigações. Se há erros nas leis, lembremos a extensão de nossos débitos para com
a Providência Divina e colaboremos com a governança humana, oferecendo-lhe
o nosso concurso em trabalho e boa-vontade, conscientes de que desatenção ou revolta não nos
resolvem os problemas. Preferível é que o discípulo se sacrifique e sofra a demorar-se em atraso,
ante as leis respeitáveis que o regem, transitoriamente, no plano físico, seja por indisciplina diante
dos princípios estabelecidos ou por doentio entusiasmo que o tente a avançar demasiadamente na
sua época.
Há decretos iníquos? Recorda se já cooperaste com aqueles que te governam a paisagem
material. Vive em harmonia com os teus superiores e não te esqueças de que a melhor posição é a do
equilíbrio. Se pretendes viver retamente, não dês a César o vinagre da crítica acerba. Ajuda-o com o
teu trabalho eficiente, no sadio desejo de acertar, convicto de que ele e nós somos filhos do mesmo
Deus.
(Emmanuel; Pão Nosso; 102 – Nós e César)

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Capítulo 12

123

V
Conquanto a questão do tributo fosse uma cilada, que armavam a Jesus, pois aos Judeus
aborrecia pagá-lo, e nada podiam fazer contra os Romanos conquistadores, que o recebiam, Jesus
aproveita o ensejo para legar uma lição aos encarnados. Como espíritos encarnados que somos,
devemos respeitar as leis da terra, sem que nos esqueçamos de cumprir as leis divinas.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 22)

VI
Havendo falhado em denegrir a pessoa e autoridade de Jesus, os líderes religiosos armaram-Lhe
a "cilada perfeita": a questão do tributo a César (no caso, Tibério – um ímpio e vil governante). Se
Jesus apoiasse o tributo imperial, Se exporia ao ódio dos extorquidos judeus; se não apoiasse, seria
denunciado aos romanos como revolucionário e agitador do povo judeu.
Magistralmente, Jesus calou os líderes judaicos com as célebres palavras: "Dai a César o que é
de César, e a Deus o que é de Deus" (12:17). Com isto, Jesus estabeleceu a importante questão de
que o cristão é cidadão de dois mundos: o terrestre, com todas as obrigações a ele inerentes, e ao
mundo celeste com todas as implicações que isto acarreta. O cristão não vive alienado do mundo,
pois é "sal e luz" (Mat. 5:13-16), vivendo para fazer uma diferença saudável na comunidade; mas
sem se esquecer de sua cidadania celestial, atuando como "embaixador" de Deus para com os que
estão à sua volta (2 Cor. 5:20). Mas, no caso de conflito entre as reivindicações destes dois mundos,
o "reino de Deus e sua justiça" têm prioridade. Como disse Pedro: "Antes, importa obedecer a Deus
do que aos homens" (Atos 5:29). Mas, se os reclamos do mundo não se chocarem com os do reino
de Deus, então o cristão deve atender às palavras de Paulo: "a quem tributo, tributo; a quem imposto,
imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra. A ninguém fiqueis devendo coisa alguma,
exceto o amor ..." (Rom. 13:7 e 8).
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

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Capítulo 12

124

Vv. 18 a 27 – Os Saduceus e a ressurreição (Mt 22:23-33; Lc 20:27-40)

I
Chegou a vez dos saduceus. Salomão (cfr. 1.º Reis, 2:35) constituiu Sadoc (Zadok) sacerdote.
Era da tribo de Levi. E seus descendentes assim ainda se mantiveram, como atesta Ezequiel (40:46)
fiéis a YHWH, para servi-lo. Quando foram condenados outros elementos e famílias levitas, YHWH
abriu uma exceção para os saduceus: "mas os sacerdotes levitas, filhos de Sadoc, que cumpriram as
funções prescritas de meu santuário, quando os filhos de Israel se desviaram de mim, esses se
chegarão a mim para servir-me" (Ez. 44:15). Já no tempo de Jesus estava bem firmado o partido
político-religioso dos saduceus, que constituíam a aristocracia sacerdotal entre os judeus,
dificilmente "descendo" a discutir com a plebe: os doutores, fariseus e anciãos é que agitadamente
tomavam a si essa tarefa.
A questão proposta ao Rabi Nazareno era, provavelmente, velha objeção jamais solucionada, e
argumento irrespondível, quando apresentado aos fariseus e doutores para combater a "ressurreição".
Strack e Billerbeck (o.c. t.3, pág. 650) cita o Tratado Jebannoth (4, 6b, 35) que traz um desses
"casos": eram treze irmãos, sendo doze casados, mas todos estes morrem sem filhos; o décimo
terceiro recebe as doze viúvas e fica, com cada uma, um mês do ano; após três anos, está com trinta
e seis filhos. Eram "casos" que visavam a demonstrar o "absurdo" da ressurreição.
Os casos citados prendem-se à chamada "Lei do Levirato" (Núm.25:1-10): "Se irmãos moram
juntos e um deles morrer e não tiver filhos, a mulher do defunto não se casará com gente estranha,
de fora; mas o irmão de seu marido estará com ela, recebê-la-á como mulher fará a obrigação de um
cunhado, com ela".
Chamamos a atenção do leitor para o que escrevemos atrás (vol. 6): o adultério só existia para
as mulheres.
A questão foi proposta, e a resposta aguardada ansiosamente.
Sem alterar-se, diz-lhes Jesus que "não conhecem as Escrituras, pois quando os espíritos se
erguem (ressurgem) abandonando os corpos cadaverizados, são COMO os anjos do céu: nem (os
homens) se casam, nem (as mulheres) se dão em casamento". Essa resposta, porém, constituía uma
afirmativa teórica, que podia ser aceita ou recusada de plano.
Sabendo disso, Jesus traz um argumento irrespondível, citando exatamente uma frase do Êxodo
(3:6), pois os saduceus só aceitavam o Pentateuco como divinamente inspirado. Aí se encontra a
palavra de YHWH: "Eu sou o deus de Abraão, o deus de Isaac, o deus de Jacob". Ora, os três já
haviam morrido, para a Terra. No entanto, YHWH - afirma Jesus de acordo com a crença dos
fariseus - não é um deus de mortos, mas de vivos.
Aprofundemos o estudo dentro do possível.
Aprendamos, primeiramente, a lição que nos é dada a respeito do reerguimento do espírito,
após abandonar à terra seu corpo imprestável, na chamada "ressurreição dos mortos" (anástasis ek
tõnnekrõn). Note-se, de passagem, que jamais fala o Novo Testamento em ressurreição DA CARNE
invenção muito posterior; só fala em ressurreição "dos mortos", valendo esse DOS como ponto de
partida, ablativo (em inglês from).
Sabemos que a grande massa de catalogados como pertencentes à espécie hominal, na
realidade ainda não atingiu plenamente esse estágio, pois se acha pouco acima da escala animal
não racionalizada.
São seres recém-saídos do reino animal, que "ainda não têm espírito" (Jud. 19), isto é, que
ainda não tomaram consciência de serem espíritos, mas se julgam somente "o corpo". Estes,
quando perdem esse corpo e o largam no chão da terra, permanecem adormecidos, (como os
bichos), com vaga percepção de que existem, mas incapazes de pensar. Apenas "sentem" sensações
(etérico) e emoções (astral).

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Capítulo 12

125

O intelecto não está ainda firmado independentemente. Por isso, vão e voltam de seguida,
automaticamente, para reaver outro corpo, para o qual se sentem irresistivelmente atraídos. Isso
ocorre com os animais já individualizados e com os seres humanos ainda animalizados, que
constituem a imensa maioria da massa terrestre. Ainda "não são dignos", por incapacidade
intelectiva á evolutiva de verdadeiramente ressurgir, ou seja, de - fora da matéria poderem levar
vida indepente, livre e consciente.
Não se trata, pois somente de dignidade moral, mas de capacidade evolutiva (kataxiôthéntes, de
katarióô, "julgo alguém digno de algo"). Ninguém pode ser digno de receber alguma coisa que não
entenda.
Dessa forma não chegam a viver no plano astral: apenas vegetam, aguardando o novo e
inevitável mergulho na matéria densa. E não "vivem"; mas continuam "mortos": então, não
ressurgiram dos mortos! Incapacidade por atraso, por involução. Não são dignos por não terem
aquele mínimo grau de evolução necessária.
Aqueles, todavia, que já alcançaram um grau evolutivo que os faça perceber seu novo estado
no mundo astral; aqueles que despertam fora do corpo, consciente de si, (...) esses "são dignos de
ressuscitar": afastam-se, de fato, de seus cadáveres que debaixo da terra apodrecem, erguem-se
(egeírô) realmente do meio dos outros "mortos", e penetram na vida espiritual semelhante à dos
mensageiros divinos. Sabem que são filhos de Deus. Sabem que são homens ressuscitados ("filhos
da ressurreição"). Sabem que jamais morrerão: estão vendo que não existe a morte. Sabem que não
há necessidade, para eles, nesse novo estado, de uniões sexuais, e que todo amor é sentimento, mais
que emoção. E sabem que o amor é a chave da vida. Preparam-se, então, para futuros encontros no
planeta denso, para recomeçarem suas experiências de aprendizado ou de resgate.
A propósito, encontramos um trecho de um livro ainda inédito do Professor Pietro Ubaldi (cap.
16, "O Meu Caso Parapsicológico", da obra "Um Destino Seguindo Cristo"), que vem confirmar
tudo isso. Escreveu ele:
"Nos primitivos não desenvolvidos no supraconsciente, ativos apenas no plano físico, a vida é
somente a corpórea e a morte dá a sensação da anulação final, e é, por isso, olhada com terror.
Mas isso não quer dizer que eles não sobrevivam. Mas sobrevivem caindo na inconsciência ou
ficando com a capacidade de pensar apenas no nível do subconsciente animal, o faz realmente
sofrer essa sufocante diminuição vital, que é o que torna terrível a morte.
Extinto o cérebro, que era a zona dentro da qual estava limitada toda a consciência que o
indivíduo possuía, mentalmente é como se este fosse finito, mesmo que sobrevivam em seu
subconsciente resíduos de reminiscências terrestres. Para tais indivíduos, a vida é a do corpo no
plano físico, por isso temem perdê-la e, perdida, a procuram, reencarnando-se para tornar a viver
no plano físico deles, o único em que se sentem vivos. Pelo contrário, no indivíduo que alcançou
desenvolvimento mental e nível de consciência psicocêntrico mais avançado que o normal, a
sobrevivência da personalidade, após a morte, advém sem nenhuma perda de consciência, em
estado lúcido, sem a sensação da anulação e da morte".
Prossigamos em nosso raciocínio: então, enquanto lá vivem, todos se sentem irmãos, amando-
se profunda, sincera e fraternalmente, sem exclusivismos nem ciúmes. Que importa se a mulher
pertenceu corporalmente aos sete? Não é mais de nenhum, pois aquele corpo que foi possuído, não
mais existe: filha da ressurreição, imortalizada no amor universal, semelhante aos angélicos
mensageiros do plano astral, compreende que a união de corpos é totalmente superada quando se
perdem esses corpos.
O Mestre, entretanto, reforça sua lição, pois é preciso fixar categoricamente o princípio
irrecusável da vida após a morte. E o texto trazido para comprová-lo, jamais fora utilizado pelos
rabinos com essa interpretação espiritual. Mas é taxativo.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

126

Quando Moisés, no Sinai, ouve a voz de seu espírito-guia, YHWH, (naquela época o espírito-
guia era chamado "Deus"), ele deseja saber de quem se trata. E YHWH, sem zangarse, identifica-se
como sendo o mesmo espírito-guia "de teu pai (Amram), de Abraão, de Isaac e de Jacob". Não diz:
"FUI o deus de" ... mas diz: "SOU o deus de" ... A diferença é sutil, mas filosoficamente importante:
YHWH continua sendo o espírito-guia ou deus de Amram, de Abraão, de Isaac, e de Jacob. Então,
eles continuam vivos! Quem se daria ao trabalho de querer guiar algo que deixou de existir
(morreu)?
E o acréscimo de Lucas traz um impacto de grandiosidade magnificente e confortadora, numa
das mais sublimes lições, que o Cristo jamais deu aos homens: "para Deus, todos vivem".
Vejamos o original: pántes gàr autôi zôsin. Podemos interpretá-la de quatro maneiras
diferentes:
a) "pois para ele (Deus) todos vivem (são vivos);
b) "pois todos vivem para ele (Deus)";
c) "pois todos vivem por ele (Deus)" - considerando-se o autôi como dativo de agente; embora
só seja este usado, em geral, com verbos na voz passiva no perfeito ou no mais que perfeito ou com
adjetivos.
d) "pois todos vivem nele (em Deus)" - caso em que teria que subentender-se a preposição en.
Os dois primeiros significados são traduções literais, rigorosamente dentro da expressão
original, sem nenhum desvio interpretativo; e como procuramos manter sempre o máximo de
fidelidade ao original, usamos em nossa tradução o primeiro sentido, que é o mais fiel ao texto,
inclusive quanto à ordem das palavras.
Há que penetrar, portanto, o significado do texto tal como chegou até nós. E, sem a menor
dúvida, para Deus, que é a Vida substante a todas as coisas e a todos os seres, tudo o que existe
partilha de Sua Vida, e logicamente vive. A morte seria o aniquilamento, isto é, a não-existência, o
nada. E sendo Deus TUDO, o nada não pode coexistir onde o Tudo impera: teríamos que imaginar
"buracos vazios" no Todo.
Então, o ensino é perfeito: "para Deus, todos vivem", não importa se revestidos de matéria
pesada ou dela libertos em planos superiores de vibração. Este o sentido REAL da frase.
Mas esse mesmo sentido REAL é consentâneo com o ensino que se oculta nessa idéia: "todos
vivem EM Deus". Se Deus é a substância última de tudo o que existe (pois só Ele É), concluímos
licitamente que tudo existo NELE. Daí a exatidão da frase paulina: "pois todos vivemos nele”,
embora aí Paulo empregue a preposição: en autôi gàr zômen (At. 17:28), a fim de que o sentido de
sua frase não ficasse dúbio, como ficou no texto de Lucas (autor, aliás, tanto do Evangelho quanto
dos Atos. Por que, num, teria usado a preposição e no outro a teria omitido?).
Terminada a exposição, procuremos penetrar SENTINDO a sublimidade do ensino, que deve
ser sempre repetido, para não correr o risco de ser olvidado e para que aprofundemos dia a dia o
alcance ilimitado de sua expressão.
Aprendamos que nossa vida, que se manifesta de fora, é a exteriorização da VIDA interna, que
constitui, simplesmente, a expressão do Deus imanente em nós. Anotemos entrementes que não
somos privilegiados, nós os humanos. Se a vida é comprovada pelo movimento intrínseco, tudo o
que vive, se move por força intrínseca (a força divina); e o corolário brilha legítimo a nossos olhos:
tudo o que se move por impulso íntimo, tem vida.
Se outrora, por ignorância científica, nossos ancestrais negavam movimento intrínseco (e
portanto vida) às matérias inorgânicas (ferro, ouro, pedra, cobre, etc.), verificamos hoje que a
classificação deixou de ter perfeita exatidão, pois desde os átomos, tudo está em celeríssima
movimentação por impulso intrínseco; então, os próprios átomos do ferro, do ouro, da pedra, do
cobre, etc., têm vida.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

127

Vida própria? Não: vida cósmica, isto é, vida divina, porque a Divindade lhes é a substância
última.
Mas também os seres orgânicos, animais e homens inclusive, não possuem vida própria, pois
"todos vivem NELE", todos usufruem a manifestação da vida de Deus.
Essa VIDA é a Divindade, o Espírito (-Santo), que se manifesta em Som (Palavra, Verbo,
Logos, isto é VERDADE), o qual, por sua vez, se manifesta em movimento intrínseco, que cria e
sustenta tudo, ao qual denominamos o CRISTO Cósmico: é o movimento "Permeado" ou "Ungido"
(Cristo) pela VIDA VERDADEIRA.
Isso não é criação nossa: o próprio Cristo, manifestado em Jesus, o ensinou quando disse: "EU
(o Cristo) sou o CAMINHO DA VERDADE (da Palavra ou Logos) e DA VIDA (Espírito)" (João,
14:6).
É assim que, iluminada pela Luz, a humanidade pode entrever a grande REALIDADE e
descobrir o rumo, estabelecer a rota, demarcar o roteiro, e seguir adiante, até atingir a meta: luzes
ofuscantes que nos apresenta a Beleza Divina!
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II
“Ora, Deus não é de mortos, mas, sim, de vivos. Por isso, vós errais muito.” Jesus (Mc 12:27)

Considerando as convenções estabelecidas em nosso trato com os amigos encarnados, de quando


em quando nos referimos à vida espiritual utilizando a palavra “morte” nessa ou naquela sentença de
conversação usual. No entanto, é imprescindível entendê-la, não por cessação e sim por atividade
transformadora da vida.
Espiritualmente falando, apenas conhecemos um gênero temível de morte — a da consciência
denegrida no mal, torturada de remorso ou paralítica nos despenhadeiros que marginam a estrada da
insensatez e do crime.
É chegada a época de reconhecermos que todos somos vivos na Criação Eterna.
Em virtude de tardar semelhante conhecimento nos homens, é que se verificam grandes erros.
Em razão disso, a Igreja Católica Romana criou, em sua teologia, um céu e um inferno artificiais;
diversas coletividades das organizações evangélicas protestantes apegam-se à letra, crentes de que o
corpo, vestimenta material do Espírito, ressurgirá um dia dos sepulcros, violando os princípios da
Natureza, e inúmeros espiritistas nos têm como fantasmas de laboratório ou formas esvoaçantes,
vagas e aéreas, errando indefinidamente.
Quem passa pela sepultura prossegue trabalhando e, aqui, quanto aí, só existe desordem para o
desordeiro. Na Crosta da Terra ou além de seus círculos, permanecemos vivos invariavelmente.
Não te esqueças, pois, de que os desencarnados não são magos, nem adivinhos. São irmãos que
continuam na luta de aprimoramento. Encontramos a morte tão-somente nos caminhos do mal, onde
as sombras impedem a visão gloriosa da vida.
Guardemos a lição do Evangelho e jamais esqueçamos que Nosso Pai é Deus dos vivos
imortais.
(Emmanuel; Pão Nosso; 42 – Sempre Vivos)

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Capítulo 12

128

III
Por si mesmas se explicam estas palavras, que Jesus dirigiu aos Saduceus, com referência à
ressurreição dos mortos: “Não lestes, no livro de Moisés, o que Deus lhe disse na sarça: Eu sou o
Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacob? Ora, Deus não o é dos mortos, mas dos vivos,
pois que todos para Ele são vivos. Fazendo que um Espírito superior dissesse a Moisés: “Eu sou o
Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob”, mostrou o Senhor onipotente que Abraão, Isaac e Jacob
existiam, estavam vivos e não mortos. Assim, por aquelas palavras dirigidas a Moisés, Deus
proclamara e Jesus, lembrando-as, proclamava de novo aos Saduceus, aos discípulos e a todos os
homens — a sobrevivência da alma, sua imortalidade e sua individualidade, após a morte do corpo;
proclamava a vida permanente e imortal dos Espíritos, que todos vivem, quer no estado corporal,
quer no estado espírita, sob as vistas do Pai.
O Mestre preparava desse modo as gerações futuras a compreenderem que a vida espírita é a
vida primordial e normal do Espírito; que o que chamamos “morte” não é mais do que a cessação,
para o Espírito, de um exílio temporário, cujo termo chega quando o mesmo Espírito se despoja do
corpo material que, para ele, não passa de uma vestidura de provações, de expiação, de progresso,
vestidura que apenas determina uma modificação temporária na sua vida normal. De um modo como
de outro, o Espírito vive sempre sob as vistas de Deus, pois que a morte mais não é do que um passo
mediante o qual ele volta da vida corpórea à vida espírita.
Os Saduceus eram os materialistas da época. Consideravam Deus como o arquiteto que construiu
o edifício: o homem como a pedra que a ação do tempo reduz a pó.
Não observamos na atualidade análogas inconseqüências? homens que admitem a crença em
Deus e negam a existência da alma e sua imortalidade?
Com relação às palavras que, segundo o Êxodo, capítulo 3º, versículo 6, Deus disse a Moisés:
“Eu sou o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob”, há a observar que Deus, conforme já temos
ponderado, não se comunica diretamente com os homens. O que houve, no caso, foi uma
manifestação espírita. Aliás, não se diz que Moisés viu a Deus, mas que o ouviu. O Espírito
superior, incumbido da manifestação, tomou uma forma luminosa, não uma forma humana, e
produziu uma luz deslumbrante.
Moisés era médium de efeitos físicos, audiente e vidente. Ainda quando, porém, não o fosse, as
coisas necessariamente se teriam passado da mesma forma. O Espírito superior, que chegou à
perfeição, que se tornou puro Espírito, é senhor da natureza e de todos os fluídos, deles dispondo à
sua vontade, de acordo com as necessidades e as circunstâncias.
(...) Reunindo-os e concentrando-os, assimilando seu perispírito às regiões terrenas, ele produziu
o som da palavra humana, articulada e uma luminosidade ofuscante, com a aparência de fogueira,
dando lugar aos fenômenos de que trata o Êxodo,(19:16 a 19, e 20:19), fenômenos apropriados a
causar forte impressão no povo hebreu, que ainda muito tempo teria que ser conduzido pelo terror,
pois outra maneira não havia de fazê-lo observar a lei, o Decálogo, transmitido a Moisés no monte
Sinai.
Essas manifestações, como todas as que vêm referidas no Antigo e no Novo Testamento, foram
qualificadas de “milagres”, porque, não tendo e não podendo ter conhecimento das causas de que
derivavam, nem das leis que as regiam, a inteligência humana daquela época não lograva explicá-
las. Hoje, têm que ser reconhecidas e aceitas como simples fenômenos espíritas, de natureza física,
como fatos naturais, conseguintemente, por todos os que estudam a ciência espírita e experimentam
no campo da sua fenomenologia.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 145)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

129

IV
A palavra ressurreição significa o ato de o espírito desencarnar, e ressurgir pleno de vida no
mundo espiritual. Os laços do sangue unem determinadas pessoas sob uma mesma família, somente
aqui na terra. E então temos a relação de parentesco: pais e filhos, marido e mulher etc. Porém, no
mundo espiritual cessam as relações transitórias de parentesco, para dar lugar apenas à relação
fraternal; todos somos irmãos e filhos de um único Pai, que é Deus.
Jesus nos ensina que Deus não é pai de mortos, porque não existem mortos. Nós somos espíritos
imortais, habitantes temporários da terra, onde usamos um corpo de carne. Quando este corpo não
servir mais para nosso progresso, nós desencarnamos, isto é, deixaremos o corpo e passaremos a
viver no mundo espiritual, continuando nossa vida pela eternidade.
A morte não existe, O que chamamos morte é o simples fenômeno de se desatarem os laços que
prendiam o espírito ao corpo. Uma vez desatados esses laços, o espírito passa para o mundo
espiritual; e o corpo se desintegra, volvendo para o grande reservatório da natureza. Do outro lado
do túmulo a vida continua plena, bela e cheia de magníficas oportunidades de elevação para Deus.
Dizendo Jesus que Deus é pai de Abrahão, de Isaac e de Jacob, quis dizer-nos que ele é o pai de
todos, não importa quem seja o indivíduo, suas posses, sua cor, seu credo político ou religioso.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 22)

V
Causa admiração o fato de inimigos tradicionais como os fariseus, saduceus e outros grupos
judaicos se unirem para matar Jesus. Em Marcos 12: 13-17, a questão do pagamento do tributo a
César fora levantada pelos fariseus (grupo religioso que pregava a salvação pelas obras) e
herodianos (partidários da realeza dos Herodes). Agora, os saduceus (grupo de judeus que não
acreditavam nem em anjos, nem na ressurreição, cf. Atos 23:8) se uniu aos demais grupos ou
partidos judaicos na oposição a Cristo, e tentaram confundi-Lo teologicamente, no tocante à
existência ou não da ressurreição.
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

VI
A reencarnação fazia parte dos dogmas dos judeus, sob o nome de ressurreição. Só os saduceus,
cuja crença era a de que tudo acaba com a morte, não acreditavam nisso. As idéias dos judeus sobre
esse ponto, como sobre muitos outros, não eram claramente definidas, porque apenas tinham vagas e
incompletas noções acerca da alma e da sua ligação com o corpo. Criam eles que um homem que
vivera podia reviver, sem saberem precisamente de que maneira o fato poderia dar-se. Designavam
pelo termo ressurreição o que o Espiritismo, mais judiciosamente, chama reencarnação. Com
efeito, a ressurreição dá idéia de voltar à vida o corpo que já está morto, o que a Ciência demonstra
ser materialmente impossível, sobretudo quando os elementos desse corpo já se acham desde muito
tempo dispersos e absorvidos. A reencarnação é a volta da alma ou Espírito à vida corpórea, mas
em outro corpo especialmente formado para ele e que nada tem de comum com o antigo.
(...) Não há, pois, duvidar de que, sob o nome de ressurreição, o princípio da reencarnação era
ponto de uma das crenças fundamentais dos judeus, ponto que Jesus e os profetas confirmaram de
modo formal; donde se segue que negar a reencarnação é negar as palavras do Cristo.
(...)Sem o princípio da preexistência da alma e da pluralidade das existências, são ininteligíveis,
em sua maioria, as máximas do Evangelho, razão por que hão dado lugar a tão contraditórias
interpretações. Está nesse princípio a chave que lhes restituirá o sentido verdadeiro.
(Allan Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo IV itens 4, 16 e 17)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

130

VII
DIAGRAMA

Diversos sentidos que se pode interpretar a expressão “RESSURREIÇÃO” na Bíblia

Note-se, que jamais fala o Novo Testamento em


ressurreição DA CARNE
VIII
SADUCEUS
Seu nome é provavelmente originário de Sadoc, sumo sacerdote da época de David (2.º Sam. 8:
17). Mais partido político do que grupo religioso, era constituído de personagens importantes
influentes e não muito numerosos, que organizaram, em 200 A.C., um senado (gerousía), que tinha
autoridade sobre toda a nação. Um século depois, sob Alexandre (77-68 A.C.), os fariseus
conseguiram introduzir-se nesse conselho, que passou a denominar-se Sinédrio. Os fariseus
opunham-se aos saduceus porque estes acatavam com subserviência as dominações estrangeiras,
desde que não perdessem sua influência política; porque só aceitavam a lei escrita, recusando as
tradições; porque não admitiam a sobrevivência do espírito, nem os anjos, ensinando que a alma
morria com o corpo (Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas); porque ridicularizavam os rituais tão
queridos aos fariseus, embora fossem mais rigorosos que eles nos julgamentos, exigindo pena do
talião, para mostrar-se inflexíveis no cumprimento da lei.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 1)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

131

Vv. 28 a 34 – O grande mandamento (Mt 22:34-40; Lc 10:25-27)

I
Já haviam todas as classes feito o interrogatório: fariseus, seus discípulos, herodianos, escribas e
saduceus.
Todos haviam ficado inibidos diante da prontidão das respostas e da Sabedoria que revelavam.
Adianta-se, então, um doutor da lei, que Mateus classifica como nomikós (única vez que nele
aparece esse título, embora Lucas o empregue seis vezes), que exprimia uma classe diferente e mais
elevada que os simples escribas (grammateús). Os nomikói eram quase juristas, exegetas, ou mesmo
"doutores" no sentido legítimo da especialidade das leis.
Pelo que lemos em Marcos, estava admirado da Sabedoria de Jesus (talvez fosse um dos que O
haviam elogiado abertamente: "falaste bem” (Luc. 20:39). Quer "experimentá-Lo (peirázôn), aqui
mais no sentido de "senti-Lo". E pergunta qual o grande mandamento (Mateus) ou o primeiro
(Marcos), que antecede os demais.
Ora, os "mandamentos" eram exatamente 613, sendo dois "yahwistas" que rezavam: "Eu sou o
Senhor teu Deus", e "Não adorarás outro Deus além de mim". E mais 611 "mosaicos". Observe-se
que a palavra que exprime "lei" é TORAH, e como os números, em hebraico, são expressos com as
letras do alfabeto (veja "Sabedoria" número 57, de setembro de 1968), temos exatamente que
TORAH dá a soma 611, ou seja: thau = 600; vau = 6; resh = 200 e hê = 5 (600 - 6 + 200 + 5 = 611).
Desses 613 mandamentos, 248 eram positivos ("faze" miswôth 'aséh) e 365 negativos ("não faças"
miswôth lô ta 'aséh).
Jesus cita as palavras de Deuteronômio (6:4), - apenas substituindo forças", do original, por
"inteligência" - que são as primeiras do Shêma. O shêma (é a primeira palavra do trecho que
significa "escuta") era constituído dos seguintes textos: Deut. 6:4-9; 11:13-21; Núm. 15:34-41. Nos
manuscritos e nas Bíblias em hebraico, a letra 'ayn, da palavra shêma ("escuta") e o dálet da palavra
'ehâd ("um") são escritas em tamanho maior, a fim de destacar a importância do versículo; essas
duas consoantes unidas compõem o vocábulo 'êd ("testemunha") porque Israel deve ser a
testemunha de YHWH diante dos povos.
Todo israelita deve recitar esses textos duas vezes por dia, de manhã, ao nascer do sol, e à tarde,
ao sol-pôr. Por isso, escreviam-nos em pergaminho, que colocavam em caixetas, presas a correias.
Estas eram amarradas em torno do antebraço esquerdo, na altura da coração, e na testa, entre os
olhos: é o chamado tephillin ("orações") em aramaico, totaphôt em hebraico e phylacterion
("amuleto") em grego.
O hábito de pendurar o philactérion vem da interpretação literal do Deuteronômio (6:8) quando,
ao falar dos mandamentos, lá se acha escrito: "amarrá-los-ás em tua mão para te servir de sinal e
serão como um frontal entre teus olhos" (cfr. Êx. 13:9). Jerônimo, já na 4.º século anota (Patrol. Lat.
vol. 26, col. 168) que essas palavras são metafóricas, e não devem ser interpretadas à letra, como
faziam as "beatas" de seu tempo (superstitiosae muliérculae), que carregavam ao peito cruzes,
livretos, "breves", etc.
As palavras citadas por Jesus eram sabidas de memória por qualquer israelita. No entanto, por
sua conta, sem ser interrogado, acrescenta o "segundo" mandamento, o amor ao próximo, prescrito
por Moisés (Lev. 19:18). E sublinha, com ênfase, que, "pendurados" (krématai) nestes dois
mandamentos estão toda a lei e os profetas, pois não há outro mandamento que seja maior que estes.
O doutor da lei rendeu-se de corpo e alma, como bem anotou Victor de Antióquia no 5.º século:
abriu-se seu espírito para receber o impacto do fluxo crístico, e elogia o Nazareno diante de todos os
seus colegas: "Mestre, disseste bem, na verdade, que UM é". Como bom israelita, não podia proferir
o nome sagrado.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

132

E conclui: "Amar a Deus e ao próximo vale mais que todos os holocaustos e sacrifícios". E aqui
demonstra concordar com o que disseram os profetas (cfr. 1.º Sam. 15:22; Prov. 21:3; Jer. 7:21-23;
Os. 6:6).
Jesus penetra-o com olhar profundo e atesta: "Não estás longe do Reino de Deus"!
Diante dessa lição categórica deveriam terminar - se os homens tivessem real evolução - todas
as discussões e distinções religiosas. Que importa se alguém presta homenagem a Deus de modo
diferente do que eu faço? O que importa é amá-lo acima de tudo, com todo o coração (Kardía,
Espírito), com toda a alma (psychê, sentimento) e com toda a inteligência; (diánoia, racionalidade).
São as três divisões clássicas: o coração que representa a Centelha Divina, que se individualiza em
pneuma (Espírito); a alma que exprime a vida que o espírito fornece à personagem, e a inteligência
como símbolo dessa mesma personagem incarnada, na qualidade de sua faculdade mais elevada e
dirigente do corpo físico (sôma).
O ensino joga em profundidade, recomendando a fidelidade absoluta e o amor total ao nosso
deus: ama o TEU DEUS. Onde e quando não havia possibilidade de aprofundamentos teológicos a
respeito da Divindade (o Absoluto Imanifestado), mister se tornava uma representação palpável e
sensível, na pessoa do Espírito-Guia da raça: YHWH. Toda Revelação tem que ser feita
proporcionalmente à capacidade daqueles que a recebem, senão se perde. Não pode ensinar-se
cálculo integral nem teoria dos "quanta" a “quem ainda se esforça por decorar a tabuada de
multiplicar”. Não há cabimento em teorizar com argumentos metafísicos diante de espíritos
primários. O aprofundamento era reservado aos discípulos da Assembléia do Caminho. E
justamente porque o "doutor da lei" deu mostra de haver penetrado o âmago do ensino, diz-lhe o
Mestre que "não se acha longe do Reino de Deus".
A seqüência dada por Jesus aos dois mandamentos é de molde a fazer, nos compreender que a
ligação é íntima entre eles. O "nosso" Deus habita em cada um de nós. Cada criatura, pois, é a
manifestação de "nosso" Deus. E como ainda não conseguimos amar sem conhecer (nihil vólitum
quin cógnitum), e como é impossível a nós, seres finitos, "conhecer" o infinito temos que amar o
"nosso" Deus com todo nosso Espírito, nossa Alma e nossa inteligência, POR MEIO DO AMOR A
NOSSO PRÓXIMO, que é também a exteriorização do "nosso" Deus.
Qualquer outro preceito é secundário, e nada vale, se este não for vivido a cada minuto-
segundo de nossa vida.
Ações externas - holocaustos e sacrifícios, preces e reuniões mediúnicas, missas e cultos,
pregações e esmolas - nada valem, se não estiverem "penduradas" (como é expressivo o termo
krématai!) nesse mandamento maior , primeiro e básico. O amor é superior à oração: "se estiveres
no altar ... e te lembrares que teu irmão tem alguma queixa contra ti, vai primeiro reconciliar-te
com teu irmão, e depois vem orar" (Mat. 5:23-25). Leia-se, também, 1.ª Coríntios, capítulo 13.
O discípulo que SABE isso e que já consegue VIVER esses preceitos, desconhece raivas,
despeitos, ofensas, desprezos, vaidade, mágoas, ressentimentos, numa palavra, todas essas
infantilidades, tão próprias do homem do mundo, cuja personalidade cresce em prejuízo do
Espírito. O discípulo deve amar a Deus acima de tudo, tudo perdoando, tudo relevando, tudo
compreendendo, porque seu amor a Deus é superior a qualquer contingência. Por isso, não trairá
jamais a tarefa que lhe foi confiada, não a abandonará e não a desviará de sua meta, ainda que
tenha que carregar sozinho sua cruz, morrendo para o mundo: renascerá para a plena vida do
amor espiritual!
A humanidade precisa compreender o que é "amar a Deus", o que é entregar-se de corpo e
alma, por amor ao serviço prestado aos semelhantes, distribuindo de si mesmo a seiva do
conhecimento e da própria vida.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

133

O Mestre ensinou e praticou. Deu o preceito e o exemplo. Explicou a lição e viveu-a:


abandonado, perdoou a todos os que o abandonaram (mas que voltaram depois das "dores") e até a
quem pretendia tornar política Sua missão espiritual e mudar os rumos dos acontecimentos que
haviam sido predeterminados pelas Forças Superiores. Seu Amor tudo superou, porque Seu amor se
dirigia, em primeiro lugar, ao Pai, "acima de tudo", e em segundo lugar "ao próximo; esse amor ao
próximo que perdoa, releva, desculpa e esquece, mas nem por isso se deixa envolver para trair as
ordens recebidas do Alto.
O testemunho de Jesus para o doutor, é de que "não estava longe do Reino de Deus": realmente
a compreensão é o primeiro passo para conduzir-nos à ação. E uma vez liberadas as forças ativas
do progresso, a própria lei de inércia não nos deixa mais parar a meio do caminho.
Ensino de alta relevância para as Escolas iniciáticas: a meta está acima de tudo, e TUDO o
que atrapalhar a caminhada deve ser sacrificado, tem que ser dominado, vencido e esquecido.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II
VER REFERÊNCIA BÍBLICA DE MARCOS NO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

Versículos Capítulo ESE Itens


28 a 31 XI 4
28 a 31 XV 5

III
“E Jesus respondeu-lhe: O primeiro de todos os mandamentos é:
Ouve, ó Israel, o Senhor é nosso Deus, o Senhor é um só.” (Mc 12:29)

Replicando ao escriba que o interpelou, com relação ao primeiro de todos os mandamentos,


Jesus precede o artigo inicial do Decálogo de observação original que merece destacada.
Antes de todos os programas de Moisés, das revelações dos Profetas e de suas próprias bênçãos
redentoras no Evangelho, o Mestre coloca uma declaração enérgica de princípios, conclamando
todos os espíritos ao plano da unidade substancial. Alicerçando o serviço salvador que Ele mesmo
trazia das esferas mais altas, proclama o Cristo à Humanidade que só existe um Senhor Todo-
Poderoso — o Pai de Infinita Misericórdia.
Sabia, de antemão, que muitos homens não aceitariam a verdade, que almas numerosas
buscariam escapar às obrigações justas, que surgiriam retardamento, má-vontade, indiferença e
preguiça, em torno da Boa Nova; no entanto, sustentou a unidade divina, a fim de que todos os
aprendizes se convencessem de que lhes seria possível envenenar a liberdade própria, criar deuses
fictícios, erguer discórdias, trair provisoriamente a Lei, estacionar nos caminhos, ensaiar a guerra e a
destruição, contudo, jamais poderiam enganar o plano das verdades eternas, ao qual todos se
ajustarão, um dia, na perfeita compreensão de que “o Senhor é nosso Deus, o Senhor é um só”
(Emmanuel; Pão Nosso; 105 - Observação Primordial)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

134

IV
Amemos o Senhor nosso Deus acima de todas as coisas: a Ele, origem e vida de tudo o que é, a
Ele o pai bondoso e justo de tudo o que vive, o juiz reto de todas as nossas ações.
Amemos o Senhor nosso Deus acima de tudo, porqüanto nesse amor hauriremos forças para
cumprir todos os nossos deveres, para adquirir todas as virtudes. O amor de Deus é a força da alma,
a quem Ele deu a esperança da vida eterna. É esse amor que nos aquece os corações, engendra a fé e
produz a caridade.
Amemos o nosso próximo como a nós mesmos, porqüanto, se não possuirmos o sentimento
grandioso da fraternidade, não praticaremos os atos a que ele dá lugar, seremos ramos secos. Do
amor a Deus nascem a submissão, a resignação, a esperança. Praticá-lo consiste em obedecer às leis
divinas.
Do amor ao próximo, como a nós mesmos, nasce a caridade, sem a qual não faremos boas
obras.
A caridade está no socorro que devemos prestar aos nossos irmãos pela nossa inteligência, pelo
nosso coração, pela nossa mão direita, deixando esta a outra na ignorância do que fez.
Precisamos ser brandos e humildes, para sermos caridosos, pois que o orgulho afastará de nós o
“pobre”, tornando-lhe penoso, qualquer que seja a Sua pobreza, o auxílio material, moral ou
intelectual, que lhe dispensamos.
Sejamos brandos e humildes, para sermos caridosos, pois que a brandura e a humildade atraem
os mais inacessíveis, animam os mais tímidos, consolam os mais aflitos, purificam os mais
gangrenosos. Não sejam, porém, somente dos lábios a nossa brandura e a nossa humildade, porque
então já não seremos caridosos.
Nesses dois mandamentos se contém toda a lei e os profetas, disse Jesus. Praticando-os, material,
como intelectual e moralmente, somos levados ao cumprimento de todos os nossos deveres no seio
da grande família humana, debaixo de todos os pontos de vista, social, familiar e individual.
Faze isso e viverás. As obras levam prontamente à vida eterna, a essa vida em que o Espírito,
caminhando nas vias da perfeição moral, não mais sofre a morte, libertado que está dos laços da
matéria, das constrições da carne.
Replicando, por estas palavras, à resposta do doutor da lei: “Não estás longe do reino de Deus”,
o divino Mestre sancionou expressamente aquela resposta, em que se proclama coisa de muito maior
valia do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios, do que todas as fórmulas e todos os cultos, a
doutrina que se consubstancia no amor a Deus e ao próximo; que ensina a adoração do Pai em
espírito e verdade, isto é, no altar do coração, pela prática daquele duplo amor; que demonstra ser
essa a única religião verdadeira, a religião de Deus, a religião universal, que há de levar o gênero
humano à unidade e, pois, à realização de seus destinos, pela solidariedade na fraternidade.
Citando estas palavras do Deuteronômio, capítulo 6º, versículo 4: “Ouve, Israel: o Senhor teu
Deus é o Único Deus” e dizendo ao doutor da lei: Respondeste sabiamente e: não estás longe do
reino de Deus, Jesus sancionava o que o doutor acabara de dizer, isto é, que “na verdade, não há
senão um só Deus, que outro não há além dele”.
Desse modo recusava, se eximia de toda divindade como Cristo, proclamando, para base do
Cristianismo, que Deus é UNO, indivisível, conforme já o proclamara Moisés para Israel. Sim, Jesus
nunca pretendeu divinizar-se. Por nenhuma de suas palavras jamais conferiu a si mesmo o titulo de
Deus, ao passo que muitas vezes elas se referem a um Deus único, como, por exemplo, quando
declarou que seu Pai era maior do que Ele; quando se dirigiu a Deus, por estas últimas e solenes
palavras, proferidas pouco antes da hora do sacrifício: “A vida eterna, porém, consiste em que eles
conheçam por único Deus verdadeiro a ti, meu Pai, e a Jesus Cristo, que tu enviaste”. (Jo 17:3).
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 146)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

135

V
Jesus substitui o Decálogo, isto é, os dez mandamentos de Moisés, pelos dois simples e
explícitos mandamentos acima.
Quem ama a Deus sobre todas as coisas, presta culto em espírito e verdade unicamente a ele,
que é nosso Pai, não adorando imagens de qualquer espécie, e respeitando seu sagrado nome.
Santifica não somente um dos dias da semana, mas todos os dias, todas as horas e todos os minutos,
por meio de um viver reto e digno.
Quem ama ao próximo como a si mesmo, honra a seu pai e à sua mãe, não mata, não comete
adultério, não levanta falso testemunho, e não cobiça coisa alguma de quem quer que seja. Tinha
pois razão Jesus, ao ensinar ao fariseu orgulhoso e tentador, que amar a Deus sobre todas as coisas e
ao próximo como a si mesmo, é um mandamento que resume admiravelmente toda a lei de Moisés e
tudo o que disseram os profetas.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 22)

VI
Entre tantas ciladas e controvérsias com fariseus, saduceus e herodianos, há pelo menos uma
pergunta sincera: "Qual é o principal de todos os mandamentos?" (12:28), feita por um dos escribas,
que pela pergunta "viera para aprender e não para tentar" Jesus (CHAMPLIN, R. N. O Novo
Testamento Interpretado, vol. 1. São Paulo: Candeia, 1995, pág. 766).
A resposta de Jesus a esse escriba sincero é o que poderíamos chamar de ABC espiritual: "Amar
a Deus de todo o coração – emoções; de toda a alma – os mais profundos afetos; e de todo o
entendimento" – faculdades intelectuais (cf CHAMPLIN, R. N. op. cit, pág. 537). Este é o primeiro
grande mandamento, que abre caminho para o segundo: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo"
(Mar. 12:30-31). Quão simples e quão profundo é o resumo que Jesus faz dos santos reclamos da lei
divina! Tudo começa e tudo se resume no amor, que é a mola propulsora de toda boa obra. Será que
é por isso que uma das mais simples e profundas definições sobre Deus é justamente a que de que
Ele "é amor" (1 João 4:8)?
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

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Capítulo 12

136

Vv. 35 a 37 – O Cristo, Filho de Davi (Mt 22:41-46; Lc 20:41-44)

I
Depois de ter sido posto à prova, como se tivesse sido "examinado" a respeito de Seus
conhecimentos, tendo-Se saído bem de todos os quesitos que Lhe foram propostos, volta-se agora o
Mestre e lança uma só pergunta, dirigida ao grupo de fariseus ali na expectativa. E de tal sutileza foi,
que nada puderam responder, nem mesmo conseguiram sair do embaraço com um sofisma! Só o
silêncio. Emudeceram.
E depois disso, "ninguém ousou mais fazer-lhe perguntas": o Mestre estava muito acima de
todos eles, reconheciam-no, e nada adiantava terçar armas de inteligência e de conhecimento. Só
poderiam vencê-lo, como queriam, com as armas da violência. E, como todos os involuídos do Anti-
Sistema, apelaram para a violência, cuidando destruí-Lo, sem sequer desconfiar que essa mesma
violência por eles praticada representava um imperativo histórico, e provocou para Ele a conquista
de mais um passo evolutivo e a vitória total sobre a "morte".
Isso ocorre com frequência entre as criaturas do pólo negativo: pensando que destroem,
provocam evolução; crendo deter, impulsionam maior velocidade; julgando que derrubam, elevam;
pretendendo matar, dão vida mais abundante.
Jesus pede as opiniões deles a respeito do Cristo (no sentido de "messias"). "De quem é filho"?
A resposta poderia ter sido dada por qualquer pessoa, qualquer criança israelita: filho de David. A
referência é dos protetas: Is. 11:1; Jer. 23:5; 30:9; 33:15; Ez. 34:23; 37:24; Os. 3:5; Amós, 9:11.
Isaías o diz "saído do tronco de Jessé" (l.c.); denomina-o Immanu-ei' ("Deus conosco"); e
qualifica-o de "maravilhoso conselheiro, poderoso Deus, eterno pai, príncipe da paz" (Is. 9:6), que
os LXX traduzem como "Anjo do Grande Conselho". Miquéias (5:2) diz que "as saídas do messias
são desde os tempos antigos, desde a eternidade", e Daniel afirma que o Filho do Homem tem
origem celestial e se apresenta diante do "Ancião dos Dias" (Dan. 7:13). Também os apócrifos
dizem o mesmo (cfr. 4.º Esdras e Henoch, 37:71).
A exegese bíblica era o "forte" dos fariseus e escribas. Todos os textos eram estudados e
perquiridos (embora, na prática, apenas intelectualmente), mas muitos trechos resultavam obscuros,
inexplicáveis, incompreendidos. É um desses trechos que Jesus sorteia como ponto de exame,
embora sabendo que todos eles "cristalizariam" diante do enunciado da pergunta.
O Salmo (110:1) é citado pelo texto dos LXX: "disse o Senhor ao meu Senhor", pois o texto
hebraico massorético está: "disse YHWH ao meu Senhor".
E a pergunta sibilina: se é filho dele, como o chama Senhor?
Os comentaristas das teologias ortodoxas escapam da dificuldade dizendo simplesmente que
em Jesus há duas naturezas, a humana, descendente de David, e a divina, como segunda pessoa da
Trindade.
Entreviram a realidade, mas não na compreenderam in toto, por faltar-lhes dados concretos de
um conhecimento que foi perdido através das gerações, que se voltaram para as exterioridades,
perdendo contato com as lições-mestras das iniciações antigas.
Provém a confusão da má interpretação dos textos escriturísticos, tomados à letra e moldados
segundo teorias pré-fabricadas, ao invés de serem olhados no sentido em que foram escritos. Daí
confundir-se causa, com efeito, atribuindo ao Cristo o segundo lugar ao invés do terceiro, na
expressão da Divindade, esquecendo-se, ao mesmo tempo, a imanência, e só se considerando a
transcendência. Daí o conceito distorcido e o privilégio incompreensível, da Divindade imanente só
em Jesus, ao passo que em todas as outras criaturas estava imanente o Diabo, de cujas mãos o
messias teria vindo arrancar a humanidade...
Essa concepção teológica, basicamente distorcida, foi causa de muitos outros erros
conseqüentes.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

137

(...) Atualmente, pelo contato refeito com as doutrinas iniciáticas antigas (sobretudo através do
Espiritismo, da Rosacruz e da Teosofia) torna-se clara e evidente a pergunta de Jesus, que distingue
categoricamente o CRISTO, de JESUS. Baseado na ignorância dos fariseus e escribas não iniciados
coloca-os diante de uma pergunta que jamais poderiam responder.

Hoje é compreensível o ensino, pois já foi revelado, não obstante possibilite, ainda, duas
interpretações:

I - CRISTO CÓSMICO
A LUZ (Espírito-Santo), baixando Sua vibração, (...) gera as vibrações perceptíveis do CRISTO
CÓSMICO (filho realmente UNIGENITO) que dá origem a tudo ("todas as coisas foram feitas por
ele, e sem ele nada foi feito", João, 1:3) e sustenta tudo, porque está imanente, dentro de tudo: "O
Verbo (Pai) se fez (transformou-Se em) carne (matéria) e construiu seu tabernáculo dentro de nós"
(João, 1:14).
Esse Cristo Cósmico, portanto, o terceiro aspecto que a Trindade assume, está DENTRO DE
TUDO, e nós O denominamos didaticamente, o Cristo INTERNO, a Centelha Divina, o Átomo
Monádico, etc.
Em nós outros, a personagem é demais grosseira e O oculta totalmente, sendo Ele como uma
lâmpada acesa dentro de um revestimento de barro opaco e rude. Em Jesus, ser humano
evoluidíssimo, o revestimento da personagem estava purificado: é como uma cobertura de cristal
puríssimo, que deixa ver a lâmpada acesa em seu interior. Por isso, olhando para Jesus, vemos nele
O Cristo em todo o Seu esplendor. Essa visão começou a dar-se quando, em profundo ato de
humildade, Ele aniquilou a sua personalidade, ao submeter-se ao mergulho diante de João Batista,
seu inferior hierárquico. Foi a última renúncia de Jesus, ao seu eu menor personalístico, anulado
daí em diante. Por isso, Ele passou a denominar-se, com justiça, JESUS, O CRISTO.
Daí dizermos que os cristãos das religiões ortodoxas não deixam de ter sua razão, quando
afirmam que em Jesus havia duas naturezas: a humana (Jesus) e a divina (o Cristo). Só que eles
limitam a Jesus esse que lhes parece um "privilégio", quando, ao invés, isso deverá ocorrer com
todos os seres.

(...) A palavra Christós em grego significa precisamente "ungido", ou seja "permeado" pela
Força Cristônica divina e não simplesmente "mediunizado" nem "unificado" a outro ser humano,
ainda que esse outro ser esteja, ele mesmo, "permeado" pela Força Cristônica.
(...) à época, eram "segredos iniciáticos", os letrados nas Escrituras - título que bem exprime o
que eram: intérpretes da letra - não podiam perceber o alcance da pergunta, e calaram. O ponto
sorteado para exame era de curso superior, e eles estavam no curso primário: só o silêncio lhes
cabia.
Mas a tese ficou posta, para que a humanidade, mais tarde, pudesse basear-se nessas palavras
a fim de penetrar o sentido profundo e oculto.
Mas não podemos deixar de salientar o que se diz de David: que falou "em espírito", isto é,
mediunizado por um Espírito que era Santo: escreveu divinamente inspirado.
Salientemos, ainda, a diferença importantíssima que existe entre os dois termos: a DIVINDADE
ABSOLUTA, Suprema e Impenetrável, e DEUS, termo que se refere a um Espírito-Guia.
Os deuses tinham manifestações várias, de acordo com sua evolução própria, desde o Deus-
Máximo da Terra, Melquisedek, o Ancião dos Dias até o Deus Guia-Nacional dos judeus, o "nosso"
Deus, YHWH, e os guias individuais de cada criatura.

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Capítulo 12

138

A hierarquização é segura e rígida, mas todos, por falta de outro termo, são chamados
"deuses": os elohim que plasmaram como arquitetos o planeta e presidiram à evolução de todos os
seres e do homem, que eles fizeram à sua semelhança; os elohim que dirigiam outras nações,
embora alguns bem atrasados ainda, como Moloch, Baal, etc., de espírito sanguinário; os elohim
que dirigiam o Egito, a Grécia, a Fenícia, a Babilônia, a Caldéia, a Índia, Roma, as Gálias, etc.
etc., todos eram denominados "Deus".
Nem por isso, entretanto, se justifica o crasso erro histórico de classificar esses povos de
"politeístas" no sentido moderno dessa palavra, pois embora os "deuses" (Espíritos-Guias) fossem
numerosos, a DIVINDADE SUPREMA era urna só para todos (a massa ignara do povo é que não
entendia isso, como até hoje). Eles eram "politeístas", sim, mas no sentido que os antigos
emprestavam a esse termo: reconheciam muitos Espíritos Guias (deuses). E o "monoteísmo"
mosaico apenas dizia reconhecer UM ÚNICO ESPÍRITO GUIA para todos os israelitas: YHWH, e
proibia contato psíquico com outros Espíritos-Guias "estrangeiros"...
Todos, porém, - pelo menos os espíritos evoluídos - só aceitavam uma Divindade Suprema e
Absoluta. Nasceu a confusão da ignorância que via, nos Espíritos Guias, a Divindade Máxima,
coisa corriqueira aos indivíduos profanos, que jamais passaram pelas Escolas iniciáticas, existentes
desde o longínquo passado (e diga-se de passagem: que ocorreu até mesmo entre os próprios
israelitas e seus sucessores, os católicos, que elevaram o Espírito Guia YHWH à Suprema
Divindade, personalizando e dando forma humana ao Absoluto...).
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II
Fazendo essa observação, tinha Jesus por fim: dar a ver que nenhum laço carnal o unia a David,
nem, portanto, à sua descendência; que não pertencia à Humanidade; 2º mostrar a distância que
havia entre o Espírito de David e o do Cristo de Deus. Quaisquer que fossem a humildade, a doçura,
o desprendimento de Jesus, não devemos esquecer a sua origem. Ele é o filho de Deus, não como
sendo o próprio Deus, mas, como uma das suas criaturas, filho do Altissimo. filho de Deus e irmão
dos homens, como qualquer Espírito criado. É nosso irmão, porém, puro Espírito, Espírito de pureza
perfeita e imaculada e, como tal, nosso Senhor, nosso Mestre.
A questão que Ele propôs aos fariseus e à qual nenhum pôde responder, só a nova revelação a
resolveria plenamente, porque só ela daria a conhecer, em espírito e verdade, a natureza e a origem
do Cristo, sua missão, sua autoridade, seus poderes com relação ao nosso planeta e à Humanidade
terrestre, o modo e as condições em que se verificou o seu aparecimento na Terra, para dar
cumprimento à sua missão terrena. Estas palavras alegóricas: “Disse o Senhor a meu Senhor: Senta-
te à minha direita até que eu reduza todos os teus inimigos a te servirem de escabelo para os pés, isto
é, até que se haja completado a obra de regeneração, diziam respeito, veladamente, à missão de
Jesus que, com relação ao nosso planeta, ocupa a direita do Pai, por ser, como é, o encarregado do
progresso da Terra, o Espírito que a protege e governa no tocante à depuração e à transformação
física, moral e intelectual da sua Humanidade.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 149)

III
Os sacerdotes explicam as Escrituras pelo lado material unicamente, isto é, ao pé da letra, sem
lhe entenderem o significado espiritual. Daí a contradição que Jesus lhes aponta nos textos sagrados,
e para a qual não puderam dar-lhe explicação. Por parte da carne, Jesus podia descender de David;
porém, não pelo lado do espírito. Pelo lado espiritual Jesus é infinitamente superior a David, o qual,
compreendendo isto, o chama de seu Senhor, em seus salmos inspirados.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 22)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

139

Vv. 38 a 40 – Jesus censura os escribas (Mt 23:1-12; Lc 20:45-47)

I
Lição pública, fora dos muros da Assembléia do Caminho; ao lado dos discípulos estavam
fariseus, saduceus, escribas, anciãos e a massa do povo fiel. Jesus inicia um discurso, em que
focaliza a posição do clero de Sua época e de todas as épocas, os sacerdotes de Sua religião e de
todas as religiões, as autoridades eclesiásticas de Seu país e de todos os países: a raça humana é a
mesma, ainda hoje, e onde entra o elemento humano, com ele entram a vaidade, a cobiça e a
hipocrisia - os três vícios focalizados nesta lição.
De início, salienta que "se sentaram" (ekáthisan), por iniciativa própria, os escribas e fariseus.
Não foram aí colocados por ordem superior, mas assaltaram as cadeiras e os púlpitos, de onde
pregam - MAS NÃO PRATICAM - a doutrina de Moisés.
O assalto é consumado, por vezes, por via diplomática ou política, por influência de elementos
de projeção intelectual ou social; mas doutras vezes é assalto à mão armada, como ocorreu no século
4.º, quando, por exemplo, o cristianismo se transformou em "catolicismo".
Amarram (desmeúousin, isto é, unem os fardos entre si) fardos pesados e insuportáveis (baréa
kaì adysbastakta) e os colocam sobre os ombros dos fiéis, embora eles mesmos não queiram movê-
los nem com um só dedo (dáktylô).
Jesus passa a enumerar outros atos errados: tudo o que fazem, é para serem vistos e aplaudidos
pelos homens, em triste vaidade exibicionista. Para isso, "alargam seus filactérios", ou seja, colocam
em lugares bem visíveis, símbolos religiosos, como vimos no capítulo anterior. Hoje, as cruzes
chamadas episcopais são bem grandes, douradas ou de ouro e com pedrarias preciosas, pendentes de
correntes de ouro; e mais: "alongam suas túnicas", em batas ou batinas pretas, brancas, roxas,
púrpuras; e mais: "gostam dos primeiros lugares nos banquetes e das primeiras cadeiras nas
sinagogas". Bastará trocar "sinagogas" por igrejas, onde o clero tem especiais regras para acomodar-
se hierarquicamente; e também os fiéis adquirem o direito de possuir "genuflexórios" próprios, nas
primeiras filas, de acordo com a importância de seu donativo à sua igreja, e conforme os títulos que
possuam: as "autoridades" e os benfeitores" têm direito às primeiras filas (contrariamente ao que nos
deixou escrito Tiago em sua epístola, 2:1-8; vale a pena reler). E mais ainda: "gostam das saudações
nas praças", esperando que todos beijem suas mãos ou seus anéis de ouro, quando não seus pés,
revestidos de sandálias bordadas a ouro.
Não pára aí: "gostam de ser chamados mestres". Mas logo vem o conselho positivo: "vós - meus
discípulos - não vos chameis mestres: todos sois irmãos". O "mestre", em hebraico RAB (ou
RABBI, "meu mestre", ou RABBAN, "nosso mestre") era o título usual e corrente dado pelo povo
aos homens letrados, escribas e fariseus - coisa que Jesus adverte jamais dever ser praticada pelos
que O seguem. A advertência, porém, continua sendo letra morta...
Mais ainda: "a ninguém na terra chameis vosso pai". Os hebreus, inicialmente, só davam o título
de "Pai" (AB) a Abraão, Isaac e Jacob (e o nome de "Mãe" só a Sara, Rebeca, Lia e Raquel). Mas os
escribas mais em evidência gostavam de ser chamados "pai" - havendo até um livro com esse título:
Pirqê Abhôth, "Sentenças dos Pais" - Ainda hoje, os sacerdotes católicos, desobedecendo
frontalmente à ordem taxativa e indiscutível de Jesus (a Quem chamam seu "Deus"!) fazem chamar-
se e assinam-se PAl ou PADRE, ou PÈRE, ou FATHER etc., em qualquer língua. Os primeiros
escritores, são chamados os "Pais da Igreja". E chegam até ao máximo de denominar SANTO PAI
(ou PADRE) a seu chefe.
Interessante observar que a vaidade inominável não está circunscrita aos encarnados:
acompanha a personagem para além da sepultura, e vemos os "pretos velhos" da Umbanda (e muitos
kardecistas) com o mesmo prazer, querendo ouvir-se chamar "pai"...

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

140

Em Mateus, nas traduções vulgares, parece haver uma repetição, onde se lê: "não vos chameis
mestres, porque vosso mestre é um só, o Cristo". O termo aqui empregado não é didáskalos, como
acima, mas kathêgêtês, hápax neotestamentário, que significa: "guia que vai à frente e ensina o
caminho", ou "diretor espiritual", ou "mentor".
A razão é dada: um só é vosso mentor: o Cristo!
Em Mateus, segue-se a lição de humildade, mais uma vez repisada: "o maior de vós, será vosso
servidor", mas não apenas dizendo-se "servo dos servos de Deus", e colocando-se num trono
dourado, para que todos lhe beijem os pés ("dizem, mas não fazem"!). E ainda a frase repetida:
"quem se exaltar será apequenado, e quem se apequenar, será exaltado".
Marcos e Lucas trazem mais uma frase violenta: dilapidam as casas das viúvas, e fazem, como
desculpa, longas orações". Ainda hoje. A pretexto de ofícios e missas e "gregorianas", conseguem,
com a promessa de libertar as almas dos maridos falecidos, fartas "esmolas" das viúvas, para que
obtenham "indulgências". Estes, diz Jesus, "receberão maior condenação".
Encontramos, pois, avisos oportunos para que os discípulos de Jesus não imitem o clero judaico
da época do Mestre. Inutilmente foi dada a lição, porque os homens, imperfeitos ainda, vaidosos e
cúpidos, fazem exatamente o inverso do que lhes foi ordenado. Com isso provam que perderam
totalmente sua ligação com o Cristo, preferindo ligar-se a seus adversários, por Ele condenados.
Resumamos, para maior fixação mnemônica, os itens:
1. intitulam-se sucessores do Mestre, tendo-se sentado nas cadeiras dos apóstolos para
comandar;
2. dizem-se "servos", mas agem como senhores;
3. impõem obrigações, que eles mesmos não cumprem;
4. procuram aparecer, exibindo roupas compridas (diferentes das dos outros homens) e grandes
símbolos religiosos, em material precioso;
5. reservam para si os primeiros lugares nas igrejas e nos banquetes;
6. fazem tudo para serem saudados e homenageados nas praças, dando a beijar suas mãos;
7. requisitam "esmolas" das viúvas, em troca da promessa de missas e longas orações;
8. julgam-se e dizem-se "mestres";
9. fazem-se chamar PAIS (ou PADRES, que é o mesmo) por todos;
10. inculcam-se como guias e "diretores espirituais" das almas.
Qualquer semelhança será mera coincidência? Inegavelmente Jesus era PROFETA, com ampla
e segura visão do futuro!
Assim NÃO DEVE e NÃO PODE agir o discípulo VERDADEIRO de Jesus: este tem que
SERVIR por amor, e AMAR através do serviço.
O discípulo real SABE que não é "mestre" de ninguém; de fato, é o servidor incondicional, sem
dia nem hora para o serviço, sem condições nem exigências, sem distinções nem restrições: servir
inteira e alegremente a cada momento, "dando de si sem pensar em si".
Ao homem profano comum, ainda sob a legislação mosaica dirigida à personagem, bastará
"amar o próximo como a si mesmo" (Lev. 19:18); ao discípulo, todavia, foi dado outro
mandamento: "amar o próximo como Jesus nos amou", dando até a vida, se necessário, pelo
próximo.
Se isso for feito por amor e renúncia, não será considerado suicídio indireto nem suicídio lento
(desculpas cômodas de muitos médiuns que não querem trabalhar em certas horas). Não: isso será
a expansão máxima do Amor, que nos foi pedida como testamento, pelo Mestre que, não satisfeito
com o ensino, deu o exemplo, e deixou que O imolassem por nosso amor.
Mas de toda a lição há uma frase que sobressai pela profundidade: "um só é vosso Mentor: o
Cristo".

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

141

Observemos que Jesus - que falava - não se dá como sendo Ele o Mentor nosso: distinguindo
bem Sua pessoa sublime da sublimidade maior do Cristo Divino, que em todos e em cada um
"construiu seu tabernáculo" indica como ÚNICO MENTOR e guia esse Cristo Interno.
Nenhum homem - nem Ele mesmo, Jesus - pode fazer-nos progredir: só o CRISTO dentro de
cada um de nós.
Alerta, pois, a todos os espiritualistas que se julgam, se dizem ou deixam chamar-se mestres ou
mentores.
Não iludam as criaturas, nem se enganem a si mesmos: ninguém pode ser mentor de ninguém:
o nascimento do Cristo, é virginal em cada um, e só ocorre quando o "Espírito Santo" obumbra a
criatura, fazendo-Se sentir pela união mística profunda.
No máximo, podem abrir-se as janelas, para mostrar o céu estrelado ou o sol a brilhar acima
do horizonte; mas não pode dar-se a visão aos cegos: a criatura, para discernir o que mostramos,
tem que ter capacidade de "visão". Pode escancarar-se uma porta, para facilitar o trânsito da
criatura; mas não se pode carregá-la no colo nem fornecer-lhe pernas. Podem tirar-se os véus que
encobrem os grandes símbolos, e mostrar toda a nudez puríssima da verdade; mas jamais terá
alguém capacidade para fazer que a criatura compreenda Ou olhando, logo vêem, ou, tendo olhos,
nada enxergam; ou ouvindo, logo percebem, ou, tendo ouvidos; nada escutam; ou tendo
inteligência; logo compreendem, ou, possuindo intelecto, nada entendem em seus corações...
Ninguém - nenhum ser humano - pode dizer-se Pai, Mestre, Mentor:
PAI - só o Ancião dos Dias, Melquisedek;
MESTRE - só a encarnação crística que nos traz os ensinos;
MENTOR - só o Cristo, no âmago mais profundo de nosso ser, tão no profundo, que é
necessário mergulhar quase no infinito para perceber-Lhe a presença em nós mesmos...
Mas quando descobrimos esse Mentor sublime, esse Guia divino, daí por diante Ele será nosso
CAMINHO; que nos conduzirá à VERDADE de nosso Mestre e à VIDA de nosso Pai.
Esse Cristo Interno divino só se encontra através do EU verdadeiro, como no-lo ensinou nosso
Mestre: "Ninguém vai ao Pai senão através do EU" (João; 14:6), que é precisamente o Cristo
Interno, o "Caminho".
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II
VER REFERÊNCIA BÍBLICA DE MARCOS NO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

Capítulo Ítem
XXVI 4

III
Em todos os tempos, houve sempre doutores que pregam e ensinam, mas não praticam a moral
que preconizam. Aí está o escolho.
A semente que dessa forma lançam pode cair em bom terreno e produzir. Mas, também, amiúde
se perde, porqüanto o exemplo constitui o melhor ensinamento.
Poderá o discípulo que preparamos queixar-se da severidade dos costumes que lhe impomos, se
a observar nos nossos? Se nos vir indulgente para com os outros. deixará de compreender a
indulgência? Se lhe fizermos ver como se pratica a caridade, não será mais pronto em se mostrar
caridoso? Não amará seus irmãos, se com ele praticarmos o amor?
Não imitemos, pois, os escribas e fariseus orgulhosos. Tornemos, ao contrário, leve o peso aos
nossos irmãos, mostrando-lhes, por nós mesmos, como pode ser carregado sem fadiga.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

142

Lembremo-nos de que Jesus disse: “Observai e fazei o que vos disserem; porém, não os imiteis
nas suas obras, porqüanto o que dizem não fazem”. Referia-se aos escribas e fariseus, que pregavam
e ensinavam sentados na cadeira de Moisés.
Se o Cristianismo e, sobretudo, o Catolicismo, não têm produzido os frutos evangélicos, que
deviam produzir, é porque essas palavras do Mestre se tornaram freqüentemente aplicáveis aos
escribas e fariseus dos modernos tempos que, assentados na cadeira que Ele ocupou, pregam e
ensinam, como os de outrora, o que não praticam. Ë sempre mais fácil falar do que obrar.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 150)

IV
“Guardai-vos dos escribas que gostam de andar com vestes compridas.” — Jesus. (Mc 12:38)

As letras do mundo sempre estiveram cheias de “escribas que gostam de andar com vestes
compridas”.
Jesus referia-se não só aos intelectuais ambiciosos, mas também aos escritores excêntricos que,
a pretexto de novidade, envenenam os espíritos com as suas concepções doentias, oriundas da
excessiva preocupação de originalidade.
É preciso fugir aos que matam a vida simples.
O tóxico intelectual costuma arruinar numerosas existências.
Há livros cuja função útil é a de manter aceso o archote da vigilância nas almas de caráter
solidificado nos ideais mais nobres da vida. Ainda agora, quando atravessamos tempos perturbados
e difíceis para o homem, o mercado de idéias apresenta-se repleto de artigos deteriorados, pedindo a
intervenção dos postos de “higiene espiritual”.
Podereis alimentar o corpo com substâncias apodrecidas?
Vossa alma, igualmente, não poderá nutrir-se de ideais inferiores, na base da irreligião, do
desrespeito, da desordem, da indisciplina.
Observai os modelos de decadência intelectual e refleti com sinceridade na paz que desejais
íntima-mente, Isso constituirá um auxílio forte, em favor da extinção dos desvios da inteligência.
(Emmanuel; Caminho, Verdade e Vida; 28 – Escritores)

V
Até aqui vimos o Mestre ensinando quais as regras que devem ser postas em prática, pelos que,
verdadeiramente, procuram a elevação espiritual. Agora Jesus inicia a censura aos escribas e aos
fariseus, isto é, a todos os que se arvoram em guias religiosos dos homens. Nestas censuras, Jesus
enumera os erros em que não devem incidir os ministros do Senhor. Aos espíritas, aos quais, nos
tempos atuais, foi outorgado o trabalho máximo de reacender na terra a chama sagrada do
Cristianismo, e de reviver a era apostólica, oferecem estas censuras ensejo para profunda meditação.
Impõe-se aos espíritas, mormente aos de responsabilidades definidas no campo do Espiritismo,
muita vigilância para não incidirem nos mesmos erros dos escribas, fariseus e seus modernos
seguidores e tão asperamente censurados por Jesus. Este capítulo patenteia a nossos olhos a
hipocrisia dos supostos guias religiosos da humanidade, não importa a que credo pertençam.
O povo hebreu foi monoteísta desde sua origem. A missão sublime dessa raça foi a de trazer à
terra o culto de um Deus único, Supremo Criador do Universo.
A crença num Deus Uno constituiu a base da religião dos israelitas. Moisés assenhoreou-se
dessa crença, deu-lhe forma, estabeleceu leis, e fundou o Mosaísmo, que se tornou a religião oficial
de Israel.
Moisés deu a seu povo duas espécies de leis: as leis espirituais, que tratavam das relações do
culto devido a Deus; e as leis materiais, que regiam a nação politicamente.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

143

Aos poucos, as leis espirituais foram esquecidas e substituidas por um sistema de práticas
exteriores, em que não trans parecia mais o antigo espírito religioso. Os escribas e os fariseus,
encarregados de zelarem pela lei, isto é, pela religião de Moisés, moldaram-na de acordo com suas
conveniências, de sorte que a lei existia para os outros, que não para eles.
Tal sucede com o catolicismo, que sobrecarregou o Cristianismo de tanta materialidade,
apagando dele até o mais leve traço dos ensinamentos simples e puros de Jesus.
É mister que os Espíritas vigiem sem cessar, e zelem muito bem pela Doutrina Espírita, a fim de
que ela prossiga sempre iluminando as consciências e purificando os corações, segundo o
Evangelho, jamais deixando que nela se imiscuam práticas que lhe alterem a pureza e a simplicidade
primitivas.

Vv 38 - Não é a prática de uma caridade espetacular, nem o uso de distintivos ou de trajes


religiosos, o que demonstra aos olhos de Deus um homem verdadeiramente religioso.
O homem verdadeiramente, religioso traz por único distintivo um coração puro e uma
consciência tranqüila. Tolera o modo de pensar dos outros, por não se julgar o único detentor da
verdade. Cultiva a pureza de pensamentos, de palavras e de atos. Exteriormente não usa distintivos,
nem fardamentos ou vestes que indiquem a religião que professa.
Ao passo que poderá passar por religioso aos olhos dos homens, mas não o é aos olhos de Deus,
quem não tem o coração puro nem a consciência tranqüila; quem faz o bem por calculado interesse;
quem não cultiva a pureza de pensamentos nem de palavras nem de atos; quem é intolerante; para
estes, não adianta o uso de emblemas ou de vestes religiosas; enganam os homens, mas não
enganam a Deus.

Vv. 39 - Os ministros religiosos, esquecidos de que seus lugares são junto dos sofredores que
enxameiam pela terra, procuram aliança com os grandes e com os poderosos, e se esforçam por tirar
o máximo proveito material do cargo que ocupam. Evidentemente não são mais ministros do
Senhor, mas ministros das coisas da terra.
A verdadeira religiosidade se expressa pela humildade posta a serviço do próximo, e não pelo
orgulho, o qual exige ser servido. É prova de orgulho e presunção querer alguém intitular-se mestre
das coisas divinas. Mesmo os que desempenham cargos religiosos, qualquer que seja a religião a
que• pertençam, são simples espíritos em aprendizado na escola terrena.

Vv. 40 - Todas as religiões têm os seus escribas e fariseus hipócritas que fecham a porta dos
céus a si e aos outros. São aqueles que, vivendo em completo desacordo com a doutrina que
professam e pregam, contribuem para que a descrença se espalhe entre os homens, fazendo da
religião um meio de explorar o próximo, e não o de encaminhá-lo para Deus.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 23)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

144

Vv. 41 a 44 – A oferta da viúva pobre (Lc. 21:1-4)

I
A frase "sentado em frente ao tesouro" revela-nos que Jesus se achava no ádrio das mulheres.
Este era um quadrado cercado de três lados por colunas, sobre as quais havia uma galeria, de onde as
mulheres podiam assistir às cerimônias litúrgicas. No quarto lado estava uma larga escada
semicircular, com quinze degraus (o templo de Jerusalém dessa época, construído por Herodes, já
não tinha as medidas áureas, nem obedecia aos símbolos esotéricos) que levava ao "ádrio de Israel".
Num desses degraus sentara-se Jesus, para breve descanso.
Daí via-se, à esquerda, o Tesouro (gazophilácio), que consistia em treze salas (Chekkina), cada
uma das quais exteriorizava um "tronco", de gargalo estreito em cima, que alargava na parte de
baixo, donde serem chamados shofarôth ("trombetas"). Aí eram lançadas as esmolas para o gasto do
templo. Os exibicionistas trocavam a importância que desejavam dar em moedinhas de cobre
(chalkón), para terem grande número e fazerem bastante barulho ao serem lançadas, atraindo dessa
forma a atenção dos demais peregrinos.
O Mestre estava a olhar aquela multidão, que tanto se avolumava nos dias da Páscoa, enquanto
observava as reações dos discípulos, que se admiravam, arregalando os olhos e cutucando-se,
quando algum ricaço, ruidosamente, despejava sua bolsa cheia de moedas, causando um tilintar que
trazia alegria aos corações dos sacerdotes que serviam no tempo.
Nisso surge pobre viúva, que deixa escorregar, envergonhada, dois leptas (dois centavos!). Um
sorriso fugaz dançou sub-reptício nos lábios dos discípulos, revelando compaixão por aquele gesto
inútil. Marcos esclarece seus leitores de Roma que o lepta vale um quadrante, ou seja, a quarta parte
do asse. O lepta era a menor fração monetária, e pesava cerca de um grama. Ao ver o gesto da viúva
- que Lucas qualifica com o hápax neotestamentário penichrá (paupérrima) e depois a diz ptôchê
(mendiga) - e ao observar o desdém "compassivo" dos discípulos, o Mestre, que via além das
aparências chama-lhes a atenção para o fato e explica: - Olhem, ela deu mais que todos...
Os olhares dos discípulos se transformam em outros tantos pontos de interrogação duvidosos,
até que o Mestre completa a frase: “todos deram do que lhes sobrava, mas esta deu tudo o que tinha
para viver”. Todos eles abaixaram as pálpebras de seus olhos: as cenas exteriores deviam
desaparecer, para que pudesse sua visão ser preenchida pela luz que lhes nascia na meditação a
respeito de ensino tão inopinado e contundente.
E não era para menos. Invertiam-se de golpe todos os valores até então vigentes! Naquela
época, - como ainda hoje para as personagens, sem exceção - vale mais quem mais dá: nos templos,
nas igrejas, nos centros espíritas, nas associações e fraternidades, e até na vida particular: "temos que
dar um presente mais caro a Fulano, que foi quem nos deu mais"!... E as pessoas jurídicas dão títulos
de "benemérito", de "sócio vitalício", de "presidente de honra"... Ninguém olha com olhos
espirituais para a empregadinha que tirou de seu sustento, deixando de tomar uma "média", para
doar um tostãozinho: dá-se-lhe em troco um sorriso de favor complacente, com um agradecimento
pro forma, e logo se esquece o gesto que tanto lhe custou!... A personagem ambiciosa, materialista,
interesseira, só avalia as pessoas pelos valores materiais; só ajuda se é ajudado; só dá bons
ordenados a quem traz lucros maiores para a organização, como no comércio que rende preito a
Mammon. Os que dão pouco rendimento material, os que se dedicam doando de si mesmos, mas
sem aumentar os lucros, os que dão espiritualmente - esses nada valem para as instituições, mesmo
as que se ufanam de ser espiritualistas. Só quando a humanidade atingir o Espírito (...), é que poderá
mudar-se o padrão de aferimento de valores. Por enquanto, nem sequer ouvindo durante dois mil
anos a lição do "óbulo da viúva", os cristãos conseguiram despertar da matéria para o Espírito.
Ainda não subimos da personagem à individualidade, não aprendemos a lição do Mestre, não
fugimos da orientação de Mammon para a de Cristo (...).

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 12

145

Doloroso e lamentável. Sobretudo porque observamos isso nos ambientes mais


"espiritualistas", ou que tais se crêem e se dizem.
Nas igrejas, "Santas-Casas", e Centros Espíritas, é comum vermos o retrato do doador da sede
e dos benfeitores, embora não se saibam mais os nomes das médiuns passistas "anônimos" e das
irmãs de caridade, que deram sua vida para atender aos enfermos.
Após essa "lamentação" extensa, procuremos os elementos positivos do ensino, para buscar
sua realização. A escala de valores, para a Individualidade, é aferida pelo grau de renúncia e de
sacrifício que cada criatura tenha a capacidade de realizar.
Mas não é fácil apurar esse grau, porque aqueles que são capazes de renúncia, também
renunciam à palavra auto-elogiosa; e os que aprenderam a sacrificar-se, nem sequer percebem o
que estão fazendo: esse sacrifício lhes é tão natural e espontâneo, que apenas verificam que estão
cumprindo sua obrigação; uns e outros só sabem que "são ser-vos inúteis, que fizeram o que deviam
fazer" (Luc. 17:10). Se eles mesmos não se reconhecem superiores, como o farão os outros que não
têm olhos de águia para descortinar as grandes altitudes?
Não obstante, os que seguem espiritualmente os cursos da Escola de Jesus, são obrigados a
mudar o metro-padrão de sua conceituação. Lembremos o apreço que no oriente é dado aos
chamados gurus, que ensinam mais pelo exemplo que pelas palavras, mais pela vivência que pelas
pregações. Como disse Gandhi ao missionário cristão, que lhe perguntava qual o melhor meio de
atingir os hindus: "VIVER o Evangelho é o meio mais eficiente... Gosto dos que nunca pregam, mas
vivem... A rosa não precisa pregar: simplesmente esparze seu perfume" (Harijan).
Portanto, este é o modo de agir. Mas com a capacidade de observação espiritual bem
alertada, procuremos sentir o perfume da vivência de nossos companheiros, para dar mais valor
aos valores reais, e menores às contribuições materiais, embora isso venha a chocar e ofender
fundamente as personagens deles, que julgam muito mais importante a ajuda financeira que a
espiritual. Se sofremos com esse nosso modo de agir evangélico, consolemo-nos: o Mestre foi
crucificado por não ceder às injunções terrestres dos terrenos, e nós, por mais que soframos, ainda
não temos o merecimento suficiente para morrermos mártires... Compreendamos, pois que somos
iguais a todos, e não atingimos o grau que aqui assinalamos!
Uma nota mais: não esqueçamos que Jesus afirma que "a viúva deu toda a sua vida" (bíon) ao
templo. Embora possa essa palavra ser traduzida como "seu sustento", o símbolo da doação da
vida, de todos os minutos de nossa vida ao Espírito, é de importância, para calcularmos o valor que
é atribuído, pelo Mestre, ao trabalho espiritual. (Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II
VER REFERÊNCIA BÍBLICA DE MARCOS NO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

Capítulo ESE Ítem


XIII 6

III
Gazofilácio - Espécie de mealheiro, ou arca, onde, no templo, se deitavam as ofertas.
Quadrante - Moeda do valor de cerca de um centavo.

Toda caridade é meritória, quando feita com desinteresse, sem orgulho, nem ostentação. Maior,
porém, do que e. do rico que dá do que tem em abundância, sem de nada se privar, é a dádiva
daquele que dá o que lhe é indispensável a outro a quem falta o necessário. Esse mais adiantado se
acha na via da caridade do coração. Daí vem que o óbolo da viúva e do pobre pesam mais na balança
de Deus do que o ouro do rico. (Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 154)

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Capítulo 13

146

ESQUEMA ESTRUTURAL DO CAPÍTULO 13

Introdução............................................................................................................. 149

Vv. 1 e 2 O sermão profético. A destruição do templo (Mt 24:1-2; Lc 21:5-9)................ 149

Vv. 3 a 13 O princípio das dores (Mt 24:3-14; Lc 21:17-19)................................................ 151

Vv. 14 a 20 A grande tribulação (Mt 24:15-22; Lc 21:20-24)................................................ 156

Vv. 21 a 23 Falsos Cristos e falsos profetas (Mt 24:23-28)............................................... 159

Vv. 24 a 27 A vinda do Filho do homem (Mt 24:29-31; Lc 21:25-28)................................... 161

Vv. 28 a 32 A parábola da figueira (Mt 24:32-41; Lc 21:29-33)............................................ 165

Vv. 33 a 37 Exortação à vigilância (Mt 24:42-44; Lc 21:34-36)............................................. 168

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 13

147

Introdução

O capítulo 13 do Evangelho de Marcos é denominado "Pequeno Apocalipse". Neste capítulo,


Jesus fez predições que abrangem desde os Seus dias (incluindo o momento) atuais (da) história
humana, quando “Ele voltará em glória”, para "reunir Seus escolhidos" (13:26 e 27).
O capítulo 13 de Marcos pode ser dividido em 3 seções: a iminente destruição do Templo (13:1-
4), futuras perseguições (13:5-25) e a vinda do Filho do Homem (13: 26-37).
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

Vv. 1 e 2 – O sermão profético. A destruição do templo (Mt 24:1-2; Lc 21:5-9)

I
Neste trecho, há discordância entre os narradores. Enquanto Mateus nos mostra Jesus já fora do
templo a retirar-se, Marcos coloca o episódio no momento mesmo da saída, e Lucas não nos diz o
local: apenas, pelo aceno aos "donativos", faz supor que estivessem ainda no templo, embora nada
impeça que a referência a eles tenha sido feita fora do ambiente.
Pela seqüência, vemos que Jesus saiu pela porta de leste, descendo pelo declive do Cedron para,
logo após, subir a rampa do monte das Oliveiras. Desse local a vista era maravilhosa, podendo
contemplar-se toda a magnificência do templo. Flávio Josefo assim no-lo descreve: "Tudo o que
havia no exterior do templo alegrava os olhos, enchia de admiração e fascinava o espírito: era todo
coberto de lâminas de ouro tão espessas que, desde o alvorecer, se ficava tão ofuscado quanto pelos
próprios raios solares. Dos lados em que não havia ouro, tão brancas eram as pedras que essa massa
soberba parecia, de longe, aos estrangeiros que o não conheciam, uma montanha coberta de neve".
Toda essa riqueza fora aí colocada por Herodes o Idumeu, que ampliara o templo de Zorobabel:
o pórtico de Salomão, uma cobertura sobre colunas, corria a leste; o pórtico real dominava o
Tiropeu. Os recintos internos e o tesouro assombravam os visitantes e constituíam o orgulho dos
israelitas.
Ora, os discípulos de Jesus participavam desse ufanismo, e por isso um deles lembra-se de
chamar a atenção do Mestre para a maravilhosa construção. A resposta de Jesus constituiu uma
ducha de água gelada sobre o calor do entusiasmo deles. "Não ficará aqui pedra sobre pedra".
A profecia cumpriu-se à risca no dia 9 de âb (agosto) no ano 70. Flávio Josefo anota que Tito
Lívio fez tudo para salvar o templo da destruição. Mas, depois que uma tocha, lançada por um
soldado, iniciou o incêndio "que se propagou como um relâmpago", Tito ordenou que não só a
cidade, mas o próprio templo fossem totalmente arrasados.
(...) as predições como toda linguagem profética, apresentam temática confusa, de forma a não
elucidar senão aos que tenham consigo a "chave", que não devia ser divulgada ao grande público, a
fim de evitar pânico, precipitações e erros prejudiciais.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 13

148

II
As grandezas do mundo, por mais sólidas que aparentem ser, o tempo as destruirá. Civilizações
milenárias desapareceram, cidades populosas se transformaram em pó, e monumentos gigantescos
se desfizeram em casos. Tudo o que é matéria, ou que repousa em bases materiais, mais cedo ou
mais tarde, terá de sofrer as transformações próprias da matéria. Tal não acontece com os bens
espirituais.
Os bens espirituais são indestrutíveis; constituem patrimônio da alma, a qual acompanham pela
eternidade. Os bens materiais são instrumentos com os quais cada um de nós trabalhará para
conseguir os bens espirituais. É por isso que Jesus não ensinou aos homens outra coisa, a não ser
como conquistar os bens espirituais.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 24)

III
Pelo relato de Marcos, os discípulos fizeram uma única pergunta relacionada à destruição do
Templo: "Quando sucederão estas coisas, e que sinal haverá quando todas elas estiverem para
cumprir-se?" (13:4). Já em Mateus, são duas as perguntas: "Quando sucederão estas coisas
[destruição do Templo] e que sinal haverá da Tua vinda e da consumação do século?" (24:3). Parece
que, pela luz do relato de Mateus, os discípulos associavam a destruição do Templo ao fim do
mundo. Mas, como sabemos, entre os dois eventos haveria, pelo menos, dois mil anos. Jesus, em
Sua misericórdia para com Seus discípulos, não entrou em detalhes quanto a esse longo tempo entre
os dois eventos, mas mesclou os sinais relativos a eles. Isto foi feito para o bem dos discípulos, pois,
provavelmente, ficariam desanimados em saber que a vinda de Cristo3 demoraria ainda
aproximadamente dois mil anos.
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

3
O homem contemporâneo já pode compreender que o retorno do Cristo é o próprio advento do Espiritismo
(Consolador), conforme promessa de Jesus em João cap. XIV, vv. 15 a 17 e 26.
COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2
Capítulo 13

149

Vv. 3 a 13 – O princípio das dores (Mt 24:3-14; Lc 21:17-19)

I
Na opinião unânime dos comentadores, este trecho é reputado um dos mais difíceis dos
Evangelhos.
Sabemos pela narrativa de Marcos que os quatro discípulos, que foram os primeiros a ser
admitidos na Escola (João, 1:14-20) - Pedro e André (irmãos) Tiago e João (irmãos) - fizeram a
Jesus a pergunta de esclarecimento a respeito da previsão da destruição do templo; em Mateus,
porém, a indagação tem duas fases:
a) quais os sinais que precederão a destruição do templo;
b) quais os que assinalarão o término do (...) ciclo (que as traduções vulgares interpretam como
"fim do mundo").
Observemos que no original não está escrito télos toú kósmou (fim do mundo), mas synteleía
toú aiônos (término do (...) ciclo). Os israelitas opunham ôlâm hazzêh ("este ciclo") a ólâm habbâ
("o outro ou o próximo ciclo").
Entre as primeiras comunidades ("centros") cristãs, teve muita voga a crença de que a mudança
de eon se daria muito breve, com a "chegada" (parusia) de Jesus.
A palavra parusia (grego parousía) tem o sentido preciso de "presença" ou “chegada”. Já desde
três séculos antes de Cristo designava as visitas triunfais de reis e imperadores às cidades de seus
domínios ou não: "chegavam" tornando-se "presentes". Os cristãos aplicavam o termo ao "retorno de
Jesus à Terra, que era aguardado para aquela época tanto que a demora desanimou a muitos que, por
isso, abandonaram o cristianismo.
As interpretações deste trecho são várias:
1 - Trata-se apenas do fim do ciclo, dizem, entre outros, Irineu, Hilário, Apolinário, Teodoro de
Mopsuesto, Gregório o Grande, etc .
2 - Tem duas fases distintas, uma referente à destruição de Jerusalém (vers. 4 a 22) , outra ao
término do ciclo (vers. 23 a 51), é a opinião de Borsa, João Crisóstomo e muitos modernos.
3 - As duas referências se misturam, sem divisão nítida, pensam Agostinho, Beda,
Knabenbauer, Battifol, Lagrange, Durand e muitos outros modernos. Maldonado afirma que os
apóstolos fizeram as duas perguntas confuse (confusamente) e que Jesus respondeu também
confusamente, para que ninguém soubesse quando seria o "fim do mundo". O raciocínio peca pela
base, já que as perguntas foram nitidamente duas e em seqüência lógica.
Em segundo lugar, não é digno de um "mestre" esclarecer "confusamente a seus discípulos,
ainda que esses fizessem confusão nas perguntas, o que não é o caso: isso revelaria falsidade no
ensino, hipótese que não pode sequer ser aventada em relação a Jesus. Eis as palavras do jesuíta:
"julgaram os apóstolos serem simultâneos esses dois acontecimentos: o fim do templo e o fim do
mundo; Cristo não quis tirá-los desse erro".
Preferimos aceitar a explicação mais lógica, de que a "mistura" foi feita pelos narradores, dentro
do estilo profético clássico, que encontramos em Isaías (8:21; 13:13; 19:2, etc.), em Ezequiel (5:12,
etc.), em muitos outros apocalipses e até, modernamente, em Nostradamus.
Analisemos o trecho, dentro da interpretação generalizada, respigando alguns tópicos:
Vers. 5 - "Muitos virão (apoiados) sobre meu nome", e não apenas “muitos virão em meu
nome". Não se refere somente aos que se apresentam como representantes do Cristo, "em nome
dele", mas daqueles que falam dizendo-se "O Cristo", fundamentados na autoridade desse nome. O
grego não diz en onómatí, mas claramente epi tôí onómati mou. Encontramos exemplos dessa
mesma época: Simão o Mago (At. 8:9-11); Teudas, sob o procurador Fadus; outros cujos nomes não
nos foram conservados; outro sob o procurador Félix.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 13

150

Vers. 6 e 7- Guerras e lutas entre nações. Nessa época sabemos de muitas: nas Gálias, no
Danúbio, na Germânia, na Bretanha, com os Partos. Lutas em 68 entre Galba, Oton, Vitélia e
Vespasiano; lutas na Palestina; revoluções sob Cumano (entre 48 e 52), sob Gessio Floro (entre 64 e
66); massacres entre gregos e judeus em Cesaréia, em Ascalon, em Ptolemaida, em Tiro, em Hipos,
em Gadara, em Damasco, em Alexandria: "cada cidade parecia dividida em dois campos inimigos".
A opinião de Tácito também é valiosa e insuspeita (1).
(1) Tácito assim descreve essa época: "Empreendo uma obra fecunda em catástrofes, atroz de
combates, discordante pelas sedições, sendo cruel a própria paz: quatro príncipes mortos pela
Espada, três guerras civis, muitas estrangeiras e outras mistas; êxitos no oriente, derrotas no
ocidente; perturbada a Ilíria, cambaleantes as Gálias, a Bretanha dominada e logo perdida; Suevos e
Sármatas revoltadas contra nós; o Dácio celebrado pelas nossas derrotas e pelas deles; os próprios
Partos quase pegando em armas por engano de um falso Nero. Além disso, a Itália afligida por
novas calamidades, que se repetiam após longa série de séculos; cidades engolidas ou arrasadas no
litoral tão fértil da Campânia; Roma desolada por incêndios, vendo consumir-se os mais antigos
santuários; o próprio Capitólio queimado pela mão dos cidadãos; a religião profanada, adultérios
escandalosos, o mar coberto de exilados, os rochedos tintos de sangue.
Mais atroz na cidade a crueldade: a nobreza, a fortuna, as honras, a recusa mesmo das honras
tida como crimes, e a morte como preço da virtude. Os prêmios dos delatores tão odiosos quanto os
crimes, pois uns tomavam como despojos o sacerdócio ou o consulado, outros a procuradoria e o
poder palaciano, tudo derrubando pelo ódio ou pelo terror. “Os escravos corrompidos contra seus
senhores, os libertos contra seus protetores, e os que não tinham inimigos, opressos por seus
amigos”.
Todo esse aparato de horrores não denota, entretanto, o fim: é apenas "o princípio das dores de
parto" (no original: archê ôdínôn), não simples "dores". O termo é técnico, exprimindo uma dor que
tem, como resultado, um evento feliz: uma dor que provoca um avanço, uma criação física ou
mental.
As acusações entre cristãos são atestadas por Tácito (2).
(2) Também aqui Tácito nos esclarece com os seguintes palavras após descrever o incêndio de
Roma: "Assim para abolir os boatos, Nero supôs culpados e infligiu tormentos refinados àqueles
que, odiados por suas ações, o povo chamava Cristãos. O autor desse nome, Cristo, fora supliciado
pelo procurador Pôncio Pilatos no império de Tibério. Reprimida no presente, a detestável
superstição novamente irrompia, não só na Judéia, onde nascera, mas pela própria Roma, aonde
chegam de todas as partes e são celebrados os cultos mais horrorosos e vergonhosos. Foram
primeiro presos os que confessavam, depois, por indicação deles, enorme multidão, acusados não
tanto pelo crime do incêndio, como de ódio pelo gênero humano".
Quanto à divulgação da Boa Nova, Paulo escreveu (Rom. 10:18): "Sua voz espalhou-se por toda
a Terra e suas palavras às extremidades do mundo habitado". Realmente, no texto não é dito que o
Evangelho será pregado "em todo o mundo" (hólôi tôi kósmôi) mas em "toda a Terra habitada"
(hólêi têi oikouménêi). Essa palavra (donde deriva "ecumênico") era usada entre os gregos para
exprimir o território deles, em oposição ao dos bárbaros; entre os romanos, era o império romano,
em oposição aos demais povos.
Nessa mesma época, entre 30 e 70, temos notícias de tremores de terra na Ásia menor, na
Assíria, na Macedônia, em Creta, na Itália: em 61 e 62 na Laodicéia, Colosso e Hierápolis; em 63,
com a erupção do Vesúvio, em Nápoles, Herculanum e mais três cidades menores; o incêndio de
Roma em 64. A fome, sob Cláudio, assolou Roma e Palestina (cfr. At 11:28).

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 13

151

O comparecimento ante os tribunais também é abundantemente citada não só pelos autores


profanos, como no Novo Testamento: discípulos presos (At. 4:3 e 5:18-40); citados perante o
Sinédrio (At. 8:1-3; 9:1, 2, 21; 26:10; 28:22; Rom. 15:30-31); Tiago é condenado e decapitado (At.
12:2); Pedro é preso e condenado (At. 12:3-17); Paulo é apedrejado em Listra (At. 14:18), é açoitado
e preso em Filipos (At. 16:22-24); fica preso quatro anos em Jerusalém (At. 21:33) em Cesaréia (At.
24:27) em Roma (At. 28:23, 30-31); é levado diante do procônsul Gálio (At. 18:14), do Sinédrio de
Jerusalém (At. 23), de Félix (At. 24:25), de Festus (At. 25:9) do rei Agripa (At. 26) e de Nero (2.ª
Tim. 4:17-19).
Aí temos, pois, um apanhado que justifica a interpretação corrente do trecho, de que os
acontecimentos previstos se referem ao mundo exterior da personagem, às ações que vêm de fora.

O segundo comentário ainda é bem mais difícil. Que sentido REAL está oculto, sob essas
palavras enigmáticas?
O aviso inicial é de uma clareza ofuscante: "Vede que ninguém vos desvie do caminho certo"
(1). O comentarista sente-se perplexo e assustado, temeroso de incorrer nesse aviso prévio de
cuidar-se, para não se deixar levar por fantasias.
(1) Não podemos considerar errada a tradução que fazem as versões vulgares do verbo planáô,
por "enganar"; mas o sentido preciso desse verbo, "desviar do caminho certo" é muito mais
expressivo e corresponde bem melhor ao que se diz no contexto.

Oremos, suplicando que a inspiração não nos falte, e que não distorçamos a luz que nos vem do
Alto, a fim de não nos desviarmos nem tirarmos os outros do caminho certo.
Assistimos ao trabalho da Individualidade para fazer evoluir a personagem, com seus veículos
rebeldes, produto do Anti-Sistema. A figuração do Cristo diante da multidão simboliza bem a
individualidade a falar através da Consciência, para despertar a multidão de pequenos indivíduos,
representados pelo governo central, que é o intelecto. Imbuído de todo negativismo antagônico, o
intelecto leva a personagem a rejeitar as palavras da Verdade que para ela, basicamente situada no
polo oposto, soam falsas e absurdas. O Espírito esforça-se por explicar, responde às dúvidas:
esclarece os equívocos, todavia nada satisfaz ao intelecto insaciável de noções de seu plano, onde
vê tudo distorcido pela refração que a matéria confere à idéia espiritual, quando esta penetra em
seu meio de densidade mais pesada. Quando verifica que não tem argumentos capazes para rebater
o que ouve, rebela-se definitivamente e interrompe qualquer ligação com o Eu interno, voltando-se
para as coisas exteriores, supondo que a matéria (as pedras) possam anular a força do Espírito.
Diante de tal atitude violenta e inconquistável, a Individualidade esconde-se, isto é, volta a seu
silêncio, abandonando a si mesma a personagem, e sai do templo, ou seja, larga a personagem e
passa a viver no Grande-Todo, no UNO, indivisível, sem deixar contudo de vivificar e sustentar a
vida daquela criatura mesma que a rejeitou com a violência. Um dos casos, talvez, em que,
temporária ou definitivamente, a Individualidade pode desprender-se da personagem que, por não
querer aceitar de modo algum o ensino, continuará sozinha a trajetória, tornando-se "psíquica",
mas "não tendo Espírito" (Judas, 19).
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II
VER REFERÊNCIA BÍBLICA DE MARCOS NO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

Versículos Capítulo ESE Ítem


5e6 XXI 4

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 13

152

III
A resposta de Jesus a seus discípulos, quanto ao sinal da sua vinda e ao fim do mundo, teve por
escopo manter alerta os povos, para pressentirem os acontecimentos que na marcha ordinária dos
séculos teriam de ocorrer, assinalando as fases de progresso, de depuração e de transformação da
Terra e da Humanidade, (...) quando este se achar em condições de ser incluido na categoria dos
orbes purificados.
Com a que deu, referente aos falsos cristos, quis acautelar as criaturas humanas contra os que,
fazendo de suas palavras uma arma de dominação e assumindo o encargo de conduzir os povos, por
falsas veredas os encaminham, mediante leis falsas e abusivas.
Quanto aos “grandes prodígios” que aparecerão no céu, em se atentando no espírito e no
objetivo dessas palavras, ressalta que Jesus não aludia a sinais materiais, conforme supuseram os
que, interpretando-as falsamente, consideraram as revoluções de certos planetas, como anúncio do
fim do mundo. Os prodígios a que Ele se referia são as influências opostas sob que os homens se
acharão, como se têm achado muitas vezes, apropriadas a lhes desenvolver o raciocínio e o livre-
arbítrio e a pôr o espírito em condições de, no futuro, discernir melhor. Aludia também às
perseguições religiosas que já se verificaram no passado e que talvez estejam na iminência de
recomeçar, mesmo no seio de povos que se dizem civilizados, tudo com a sua razão de ser na
marcha dos acontecimentos humanos, como meio de encaminhar o planeta e a Humanidade, através
de sucessivas transformações, ao ponto de poderem receber o Mestre em toda a sua glória.
Nem um só cabelo das vossas cabeças se perderá. Quer isto dizer que, qualquer que seja a sorte
da matéria, o Espírito triunfará. Pela vossa paciência possuireis vossas almas: Pela nossa paciência,
seremos senhores de nós mesmos e nos poremos a salvo de cometer qualquer ato, ou de dizer
qualquer palavra, que possam prejudicar o adiantamento do nosso Espírito. E este Evangelho do
reino será pregado por todo o orbe. As verdades que Jesus ensinou se disseminarão e tornarão o
único farol cuja luz guiará a Humanidade, pelo caminho que a levará, possuída de fé, cheia de amor
e caridade, até ao seu Criador. O Espiritismo veio para fazer chegar mais depressa o momento
predito pelo Mestre, impelindo os homens a receber a boa nova, a ouvir com alegria a pregação do
Evangelho da paz e do amor. Então virá o fim. Virá, porque, praticando sincera-mente todos os
homens a lei do amor, trabalhando com ardor, em comum, pelo progresso de todos e de cada um, os
Espíritos se desligarão mais prontamente da matéria que, por sua vez, mudará de natureza,
acompanhando a marcha ascensional do Espírito. Aqueles que se conservarem rebeldes, refratários
aos ensinamentos, aos exemplos, às revelações; que persistirem no endurecimento, na incredulidade,
irão sendo gradativamente afastados para outros planetas. Assim, um momento virá em que,
coincidindo com o acabamento da transformação planetária, essa separação estará terminada. Terá
chegado, então, o fim. (Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 155)

IV
Vv. 3 e 4 - Com o afirmar-lhes que do templo não ficaria pedra sobre pedra, compreenderam os
discípulos que Jesus lhes predizia uma grande transformação, que nosso planeta sofreria. E ávidos
de saber, perguntam-lhe quando teriam lugar os acontecimentos. É a essa transformação que Jesus se
refere neste capítulo, e cujos sinais precursores enumera a seus discípulos. Sabemos que os mundos,
de um modo geral, se dividem em cinco classes: primitivos, de expiação e de provas, de
regeneração, felizes e divinos. Os mundos, como os individuos, também progridem, e de uma classe
inferior passam para uma superior. A Terra já foi um mundo primitivo; pertence agora à classe dos
mundos de provas e de expiações, e está prestes a passar para a classe dos mundos de regeneração.
Todavia, a passagem de uma classe para outra não se opera sem profundos abalos, por vezes
penosos, porque é necessário que se destrua tudo o que não for compatível com o grau de progresso
que a Terra alcançou.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 13

153

As instituições retardatárias deverão desaparecer, e os indivíduos que não se enquadrarem na


nova ordem das coisas, deverão desencarnar e deixar definitivamente o planeta. Eles irão encarnar-
se em outros mundos, cujos ambientes estejam de acordo com o grau de desenvolvimento espiritual
que já possuem, e onde recomeçarão o trabalho de aperfeiçoamento.
Agora, por alto, Jesus descreve os principais pontos pelos quais reconheceremos, que são
chegados os tempos da prestação de contas. Por certo, não será de uma hora para outra que tudo
acontecerá; porém, a transformação se processará, gradual e lentamente.
Vv. 7 - Para que a humanidade progrida não são necessárias as guerras. A evolução se processa
gradativamente, sem provocar abalos, e sem produzir ruínas. Entretanto, como os homens não
querem obedecer à lei do progresso, e se apegam em demasia às instituições e às idéias do passado,
produzem-se os atritos, os quais incentivados pelo egoísmo humano, degeneram em conflitos, donde
advém o caráter penoso das transições.
Vv. 8 - A instituição da fraternidade universal é um dos mais belos aspectos da lei da evolução.
As guerras, com seu sinistro cortejo de pestes e de fome, originam-se do fato de os homens não
obedecerem à lei da fraternidade. E os terremotos parecem advertir aos homens da fragilidade das
coisas terrenas.
Vv. 9 - Realmente, depois da partida de Jesus acelera-se a decadência do Império Romano.
Começa o longo período das guerras, que culminou na espantosa catástrofe a que acabamos de
assistir. Os discípulos também sofrem cruéis perseguições; a princípio, por parte dos pagãos; depois,
pelas religiões oficiais. E ainda hoje, os que procuram seguir os ensinamentos do Mestre, e pregar o
Evangelho a seus irmãos, se não sofrem a perseguição física, não escapam à perseguição moral.
Vv. 10 - E quando o Evangelho tiver sido pregado a todos os povos, de maneira que ninguém
possa alegar ignorância, então Deus fará sua justiça. Parece-nos que já estamos vivendo esse tempo:
qual é a parte do mundo em que ainda não penetrou o Evangelho? E o Espiritismo começou acelerar
ainda mais a pregação do Evangelho pelo mundo todo. E as calamidades às quais estamos
assistindo, provocando o desencarne violento de milhares de espíritos, como que estão separando os
que devem ficar e os que devem partir.
Vv.13 - Aqueles, todavia, que persistirem na fé e na fiel observância dos ensinamentos de Jesus,
certos de que na ocasião oportuna o Senhor manifestará sua justiça, serão salvos, isto é, terão o
direito de viverem na terra regenerada, tranqüila e feliz.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 24)

V
Nos versos 5 – 13 do capítulo 13, Jesus mencionou sinais relativos à destruição de Jerusalém,
no ano 70 d.C. e ao fim do mundo. De alguma forma, os sinais para a destruição de Jerusalém se
repetiriam, em maior escala, quando o fim do mundo se aproximasse. Jesus falou do surgimento de
falsos Messias (na primeira revolta dos judeus, de 66 – 70 d.C., apareceram três falsos messias: João
de Giscala, Simão Bar Giora e Eleazar. Na segunda revolta de 131 – 135 d.C., apareceu o falso
messias Simão Bar Cokhba), de terremotos e fomes (uma severa fome ocorreu na Judéia, no ano 44
d.C., sendo mencionada em Atos 11:28, e vários terremotos ocorreram entre o ano 31 a 70 d.C. – em
Creta, no ano 46 ou 47; em Roma, em 51; na Prígia, em 60, e na Campânia, em 63), e de
perseguições religiosas (a igreja cristã primitiva sofreu primeiro às mãos dos judeus e depois da
parte de Roma pagã. Mais tarde, a igreja cristã sofreu às mãos da própria igreja – a igreja
denominada "católica", no que conhecemos como "Santa Inquisição"). Todos esses sinais aparecerão
em escala ainda maior nos dias finais da História. A boa nova está em Mc. 13:13: "Aquele, porém,
que perseverar até o fim, esse será salvo", e que, na hora de testemunhar da fé, o Espírito falará por
intermédio das testemunhas (13:11).
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 13

154

Vv. 14 a 20 – A grande tribulação (Mt 24:15-22; Lc 21:20-24)

I
Como nenhumas outras, também estas palavras de Jesus não devem ser tomadas ao pé da letra,
conforme foram. Em espírito e verdade, elas são alusivas aos vícios de que cumpre a Humanidade se
depure e aos abalos físicos por que a Terra tem de passar, para sua depuração e transformação, que
se hão de efetuar em correspondência com a depuração e a transformação moral e física da mesma
Humanidade.
Aproximam-se os tempos, é certo, pois a abominação da desolação (entenda o que lê aquele que
ler) se acha implantada onde não deverá estar e se estende por sobre os homens.
Os vícios se ocultam à sombra dos átrios dos templos. A luxúria, a avareza, a inveja, o orgulho,
o luxo se apoderaram dos corações, que só deveram abrigar o amor de Deus e do próximo.
Ai das ‘mulheres então grávidas e das que amamentarem! Sim, ai delas, pois que as criancinhas
estarão confiadas a esses guias infiéis, que lhes profanam as inteligências juvenis, semeando nelas
frutos de iniqüidade. Aquela exclamação do divino Mestre, considerada do ponto de vista das
revoluções físicas, inevitáveis para a renovação planetária, objetivava, acima de tudo, pôr em
destaque a grandeza das calamidades que sobrevirão e não pouparão nem a criancinha de peito, nem
o nascituro, ferindo as mães nas suas mais caras esperanças.
Pedi que vossa fuga não se dê no inverno, nem ‘num dia de sábado. O sábado era o dia do
repouso, como é hoje o domingo, e o inverno é a estação de ásperos rigores. Dizendo isso, tinha
Jesus em mente concitar-nos a estar vigilantes e a orar ao Senhor, a fim de não sermos
improvisamente surpreendidos na preguiça; a fim de nos acharmos preparados para comparecer
perante Ele, de modo a não termos que suportar o sofrimento, a expiação.
Nunca houve, nem haverá jamais tribulação semelhante. Ë que, desde que se formou o globo
em que habitamos, suas transformações não têm ido além de um aperfeiçoamento da matéria, ao
passo que as que se hão de ainda produzir transformarão progressivamente essa mesma matéria em
substâncias fluídicas apropriadas às necessidades dos novos corpos humanos. Maior, portanto, do
que as até então sofridas será a aflição desses dias vindouros, quer do ponto de vista das subversões
físicas parciais, quer do das conseqüências que daí advirão para os que se conservarem
obstinadamente rebeldes ao progresso, ou retardatários, os quais, ao tempo daquela depuração e
transformação, se verão afastados do nosso e relegados para planetas inferiores.
Estejamos certos, porém, de que o Senhor jamais privará qualquer de seus filhos, por mais
culpado que possa ser, da faculdade e dos meios de se tornar melhor. Assim, os que forem exilados
deixarão de encarnar na Terra, mas as suas reencarnações sucessivas seguirão seu curso, se bem que
noutro meio, até que, tendo-se emendado, se façam merecedores de volver à primitiva pátria.
Todos nos achamos no declive e a caminho dessa finalidade; mas, ninguém nos diz que tais
catástrofes, inevitáveis em se tratando de uma renovação planetária, se hajam de produzir
simultaneamente, ou amanhã, nem que durarão de um sol a outro. Semelhantes transformações não
se operam de um momento para outro; demandam séculos e séculos, que nada são para Aquele que
os deixa sair do seu pensamento e cuja infinita misericórdia de infinitos meios se serve para
despertar todos os seus filhos do letargo em que tenham caído e encaminhá-los para á conquista da
felicidade eterna.
Não nos acabrunhemos com a perspectiva dessas revoluções catastróficas; antes, preparemo-nos
para delas sairmos vencedores, deixando o homem velho entre os destroços do velho mundo e
renascendo no planeta renovado. Referindo-se à Jerusalém hebraica, Jesus abarcava com o seu
pensamento o mundo, figurado por aquela cidade. Tal como esta, o mundo, a Humanidade hão de
suportar muitas vicissitudes, muitos assaltos, O terror se espalhará entre os homens, pois os inimigos
que mais devemos temer se reunirão em maior número, para os assaltar.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 13

155

Esses inimigos são os nossos vícios.


A Jerusalém atual será destruída; mas, uma outra reconstruiremos, eterna, cujos felizes
habitantes nada mais terão que recear. O tempo, a reencarnação, o progresso, dentro da marcha dos
acontecimentos planetários e humanos, executarão a obra de renovação, assim de ordem física, pelo
que toca à Terra, como de ordem física e moral, pelo que concerne à Humanidade.
“E Jerusalém será pisada pelos Gentios, até que se cumpram os tempos das nações”, disse Jesus,
aludindo à época que mediana entre a em que isso era dito e a que começa pela nova era do puro
Cristianismo, do advento do Espírito.
O tempo das nações se terá cumprido, quando estiver implantado no mundo terreno o reinado
universal da lei do amor e da caridade, que se hão de estender qual manto, para cobrir todos os filhos
da Terra e conduzi-los, pela reciprocidade e pela solidariedade, à unidade fraternal.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 156)

II
Vv.14 - A abominação da desolação significa os atos reprováveis cometidos pelos ministros
dessas religiões, que se tornaram verdadeiros lobos, de pastores que deveriam ser.
As religiões que se entregam à abominação persistirão durante todo o tempo da transição.
Surgindo o Espiritismo, preparador dos tempos novos, esta nova doutrina esclarecerá defi-
nitivamente a humanidade. E, uma vez esclarecida, a humanidade abandonará paulatinamente as
religiões erradas, as quais desaparecerão da face da terra, cessando assim as abominações que se
cometem à sombra dos altares.

Vv. 15 e 16 - Nestes versículos, Jesus fala simbolicamente. Sair da Judéia e fugir para os
montes significa que se desejarmos ingressar no mundo novo, que será inaugurado, devemos
abandonar a excessiva preocupação da vida material, e voltarmos a um viver mais simples e mais
espiritualizado. Não descer do telhado para levar coisa alguma de sua casa, significa que não
devemos levar para o novo mundo as idéias do passado, porque nesse mundo que se inaugurará,
novos problemas e novas idéias nos aguardam. Não voltar do campo para buscar a túnica, significa
que devemos ser vigilantes, para que quando os tempos novos chegarem, estejamos preparados; pois
se não o estivermos, não haverá mais oportunidade para que nós nos preparemos.

Vv. 17 e18 - Isto é, devemos orar e vigiar para que, quando tivermos de passar pelas duras
provas, estejamos preparados para suportá-las cristãmente, tirando delas o máximo proveito para o
burilamento de nossos espíritos. As provas, leves ou penosas, são para todos, e não será pelo fato de
estarmos estudando e começando a compreender o Evangelho, que ficaremos isentos delas.
(...) em tempo dc inverno, Jesus simboliza o chamado do Altíssimo, que pode dar-se quando
menos o esperamos, ou em dias de adversidade. Nos tempos antigos, principalmente na época de
Jesus, em que não havia comodidades para as viagens, o inverno era a estação imprópria para
empreendê-las. (...) Por conseguinte, o viajor que não se aparelhasse de antemão, depararia com
grandes dificuldades. Assim, o indivíduo que descuida do seu preparo espiritual, deixando-o para
depois, poderá ser surpreendido na ocasião menos adequada para seu espírito e, além de perder a
oportunidade, seu sofrimento será muito grande. Aqui Jesus adverte também os médiuns de que não
se descuidem de estarem sempre alertas para o bom desempenho de seu medianato. Jamais
saberemos quando se apresentará a oportunidade de darmos o supremo testemunho de fé, de
renúncia e de amor a Deus e ao próximo. Roguemos pois que sejam quais forem as circunstâncias
com que nos defrontarmos, nunca recuemos no cúmprimento de nossas tarefas mediúnicas, e do
preparo de nossas almas.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 13

156

Vv. 19 - Dado que nos últimos tempos a humanidade passará pelas mais ásperas provas, para
que o Altíssimo proceda à seleção dos espíritos, é muito natural que a aflição reinará em toda a face
do planeta, provocada pelos próprios homens. Para que cada um tivesse mérito se fosse escolhido e
não se queixasse se fosse repelido, os homens teriam plena liberdade de usar o seu livre-arbítrio
como melhor entendessem.

Vv. 20 - As calamidades provocadas pela maldade dos homens serão tardas, que se não houver
a intervenção da Providência Divina, nada será respeitado na terra. Mas, a Providência Divina estará
vigilante, e no momento oportuno porá um paradeiro à loucura dos homens, para que não sejam
tragados na voragem os espíritos a caminho da regeneração.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 24)

III
Daniel (11:31) havia predito o aparecimento de um poder (Roma nas fases pagã e papal) que
profanaria o Santuário, tiraria o sacrifício diário e estabeleceria a "abominação desoladora". Em sua
fase pagã, Roma destruiu o Santuário judaico, fez cessar os sacrifícios e profanou o lugar sagrado.
(Roma papal tentaria substituir a contínua ministração de Cristo no santuário Celestial pela
intercessão dos sacerdotes e dos "santos").
Chama a atenção o fato de que, para Jesus, a "abominação desoladora" predita por Daniel, ou,
nas palavras de Marcos, "o abominável da desolação" (Mar. 13:14), ainda estava no futuro em
relação ao tempo em que aqui viveu, ainda não havia se cumprido, como querem afirmar os teólogos
liberais e da alta crítica, dizendo que Antíoco Epifânio IV é quem cumpre a predição de Daniel
quanto à "abominação desoladora". Se Jesus a coloca ainda no futuro, como teria se cumprido a
predição com Antíoco Epifânio IV, um rei selêucida, que reinou de 175-164 a.C.?.
Os cristãos levaram a sério a predição de Jesus acerca do "abominável da desolação". Quando
os exércitos romanos invadiram a Judéia e cercaram Jerusalém os cristãos aguardaram o momento
certo para fugir. Este veio quando o general Céstio, aparentemente sem motivo algum, levantou o
cerco, e deixou Jerusalém. Os cristãos aproveitaram a oportunidade e fugiram para Pela, a leste do
Jordão, cerca de 78 km ao norte de Jerusalém.
A desgraça que se abateu sobre Jerusalém foi imensa. A cidade e o Templo foram destruídos e a
morte abateu cerca de um milhão de judeus por meio da fome, peste e espada. A tragédia poderia ter
sido evitada se tão somente tivessem os judeus aceitado Jesus de Nazaré como o Messias enviado
por Deus. Ele quis ajuntar os judeus "como a galinha ajunta os seus pintinhos", mas eles não o
quiseram (Mat. 23:37 e 38). A lição a ser aprendida acerca do que ocorreu a Jerusalém é a de que,
uma vez que a misericórdia divina é rejeitada entra em ação a Sua justiça, mas Ele a executa com
pesar no coração, pois "é amor" (1 João 4:8).
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

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Capítulo 13

157

Vv. 21 e 23 – Falsos Cristos e falsos profetas (Mt 24:23-28)

I
Estas palavras encerram um aviso aos homens, para que estejam precatados contra os que, em
nome do Cristo, tentarem desviá-los da lei de amor e de caridade que Ele pregou.
Pronunciou-as Jesus, antevendo as dissidências que as ambições humanas originariam em sua
Igreja, fundada no amor, e que arrastariam as criaturas ao egoísmo, ao orgulho e a todos os
sentimentos materiais que as levaram ao extremo de negar Deus.
Os falsos cristãos e falsos profetas farão prodígios e portentos tais, que, se fora possível,
enganariam até os escolhidos. Também estas palavras do Mestre se referem aos esforços que foram
e serão empregados para desviar os homens da obediência pura e simples às leis de Deus e do seu
enviado e para forçá-los a se submeterem a um código religioso de origem humana, contrafação da
mais grandiosa e mais simples moral que se possa querer e esperar. Referem-se, igualmente, aos
esforços empregados pelos pastores infiéis e às ciladas urdidas aos rebanhos, a fim de fazê-los
enveredar por falsos caminhos.
Em suma, Jesus, nesta passagem, aludiu a tudo quanto se fez, faz e fará para afastar da luz os
homens e encaminhá-los para as trevas, quaisquer que sejam os meios empregados.
Onde quer que esteja o corpo, aí se reunirão as águias. Onde quer que estejam os encarnados, aí
se reunirão desencarnados, para produzirem esses fatos, esses fenômenos, que os primeiros tomam
por prodígios, por milagres, considerando-os uma derrogação das leis da Natureza; porém, que não
são mais do que uma aplicação dessas leis, e que tanto podem ser produzidos por más, como por
boas influências ocultas, com o auxílio de faculdades orgânicas especiais, que o mais indigno, do
mesmo modo que o mais digno dos encarnados pode possuir.
A revelação e a ciência espíritas nos ensinam que a simples produção de fenômenos espíritas,
de fenômenos mediúnicos, de modo algum constitui o critério pelo qual possamos e devamos
reconhecer a moralidade e a veracidade daquele por cujo intermédio eles se operem, nem, portanto,
se nos achamos em presença de um verdadeiro ou falso Cristo, de um verdadeiro ou falso profeta.
Por grandes, pois, que sejam os prodígios ou portentos que observemos, se aquele que os produz
tentar divorciar-nos da prática do amor e da caridade, da prática dos ensinamentos e exemplos do
Mestre, da lei simples e pura que Ele nos legou, não lhe demos crédito, não o sigamos.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 157)

II
VER REFERÊNCIA BÍBLICA DE MARCOS NO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

21 e 22 XXI 4

III
Em sua marcha evolutiva, a humanidade se defrontará com numerosos problemas espirituais.
Aparecem então os pretensos salvadores, que com teorias absurdas, posto que engenhosas, desviam
o povo do reto caminho traçado por Jesus em seu Evangelho. Esses falsos Cristos aparecem não só
no terreno religioso, como também no terreno científico. Assim é que temos visto as religiões
organizadas, encerradas em suas pompas e práticas exteriores ou no rigorismo da letra, não
oferecerem a seus adeptos a compreensão exata das leis divinas, entravando temporariamente o
progresso espiritual deles. E a ciência, por meio de suas orgulhosas negações, contribuir para que o
sombrio materialismo fechasse a porta do mundo espiritual a grande número de almas.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 24)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 13

158

IV
Os falsos profetas pululam por toda a parte, e em todos os setores das atividades humanas,
procurando sempre desviar as criaturas de Deus, e interpretando os mandamentos divinos segundo
suas conveniências. Com a autoridade que adquiriram no campo científico, os falsos profetas da
ciência pretendem negar as coisas espirituais. E os falsos profetas religiosos, sacerdotes de religiões
formalísticas e materializadas, adaptando as leis divinas aos seus interesses, enganam os seus
adeptos. No campo do Espiritismo também temos os falsos profetas, constituídos pelos médiuns
interesseiros e ambiciosos, desviados do reto caminho, seduzidos pelo brilho das coisas terrenas e
corrompidos pela moeda; vendem sua mediunidade, preferindo auferir com ela proveitos materiais e
não espirituais.
(...) No meio da desordem geral, todos buscarão um recurso para se salvarem. E então
aparecerão salvadores, cujo único intuito é tirarem proveito da situação. Os mais absurdos sistemas
serão inventados para tirarem a humanidade do caos em que se precipitou. Todavia, os escolhidos,
isto é, os espíritos evangelizados, não se enganarão, por uma razão muito simples: porque sabem que
a salvação está no Evangelho, cujos preceitos deverão servir de base a toda reforma útil que se fizer
nas instituições humanas. É evidente que os que se enganarem deverão queixar-se de si próprios,
uma vez que o Evangelho aí está para adverti-los sobre o verdadeiro modo de viverem segundo a
vontade divina.
Quanto à salvação, não virá personificada num homem. Mas sim, será o produto do esforço de
todos os espíritos do bem, encarnados e desencarnados, para o completo triunfo do Evangelho.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 24)

V
Após mencionar os sinais da destruição de Jerusalém, Jesus mencionou sinais específicos sobre
os falsos cristos. De vez em quando, aparecia alguém com esta pretensão, por exemplo, o reverendo
Moon, David Koresh etc.
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 13

159

Vv. 24 a 27 – A vinda do Filho do homem (Mt 24:29-31; Lc 21:25-28)

I
As referências aqui feitas ao escurecimento do Sol e da Lua, à queda das estrelas, etc., foram
um novo aviso que, veladamente, Jesus deu dos acontecimentos de ordem física e de ordem moral
que hão de suceder, até ao momento em que o reino de Deus se estabeleça em todos os corações. No
tocante à ordem física, aludia Ele às revoluções parciais e sucessivas, que ocasionarão a
transformação do nosso planeta, porém, não bruscamente e sim por obra dos séculos.
O nosso globo que, como todos, saiu dos fluídos Incandescentes e impuros, isto é, carregado de
substâncias próprias à constituição da matéria, tem que, despojado de todos os princípios materiais,
imergir nos fluídos puros. Para lá chegar, tem que seguir, quanto à decomposição da matéria, a
mesma progressão que seguiu para a sua composição. Antes, porém, já nós teremos passado por
imensa modificação, as raças se terão renovado pela encarnação de Espíritos mais bem preparados e
tudo terá progredido. (...) O sinal do Filho do Homem, que, segundo a predição de Jesus, há de
aparecer no céu, é o advento do reinado do amor e da caridade. O joio será então completamente
separado do trigo, isto é, os obstinados no mal serão afastados do nosso planeta e a Humanidade,
regenerada, estará pronta para receber em seu coração o reino do Senhor.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 158)

II
Estando os homens preocupados unicamente em salvaguardar seus interesses materiais, e
completamente esquecidos do estudo e da observância das leis divinas, as trevas espirituais se
tornarão espessas na face do planeta. Quando estas trevas espirituais se tornarem mais densas, de
novo os homens verão brilhar nos céus o sinal salvador. Esse sinal já refulge nas sombras da terra,
iluminando o caminho para os que choram na escuridão espiritual: é o Espiritismo, o qual reafirma
na terra o poder e a majestade de Jesus.
Estamos em plena fase evangelizadora; passada ela, proceder-se-á à seleção dos espíritos; os
endurecidos no mal e rebeldes à lei divina, serão enviados a mundos inferiores, compatíveis com
seus estados, onde reiniciarão o trabalho de aperfeiçoamento de suas almas; os em vias de
regeneração poderão continuar no plano terrestre; e a Terra passará a ser um planeta de paz, ordem e
espiritualidade. Quando começarmos a perceber os sinais que Jesus aqui enumera, é porque estamos
às portas das grandes transformações morais e materiais, que farão nosso planeta se colocar num
plano superior na categoria dos mundos. Não aleguemos ignorância. Se bem analisarmos as
condições em que se encontra a Terra atualmente, facilmente perceberemos que estamos vivendo os
dias decisivos. (Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 24)

III
Uma severa tribulação desencadeou-se contra os cristãos (primeiro às mãos de Roma Pagã e
depois de Roma Papal, tendo este último terminado um pouco antes de 1798), o Sol se escureceu e a
Lua não deu sua claridade (19 de maio de 1780) e as estrelas caíram do céu (a chuva de meteoritos
ocorrida em 13 de novembro de 1833). Logo a seguir, "os poderes do céu serão abalados" (13:25) –
uma alusão à comoção dos elementos naturais (terremotos, estrondo de tempestade prestes a vir,
correntes de água deixando de fluir, nuvens negras se chocando, sol aparecendo à meia-noite, ilhas
habitadas desaparecendo, chuvas de grandes pedras etc4. Isso tudo prepara o cenário para o maior e
mais espetacular evento desta terra: a vinda gloriosa de Cristo5 (Mc. 3:26-27).
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

4
Estaria Jesus se referindo ao desequilíbrio da natureza (aquecimento global) provocado pelo homem atual?
5
Como já mencionado anteriormente, o Cristo já veio, manifestando-se através da IIIª Revelação, ou seja, o Espiritismo
COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2
Capítulo 13

160

IV
Comentários de Allan Kardec a respeito dos versículos 1 ao 27

Jesus anuncia o seu segundo advento, mas não diz que voltará à Terra com um corpo carnal,
nem que personificará o Consolador. Apresenta-se como tendo de vir em Espírito, na glória de seu
Pai, a julgar o mérito e o demérito e dar a cada um segundo as suas obras, quando os tempos forem
chegados. (...) Os judeus, porém, imaginavam que lhes seria dado ver tudo o que Jesus anunciava e
tomavam ao pé da letra suas frases alegóricas.
Aliás, algumas de suas predições se realizaram no devido tempo, tais como a ruma de
Jerusalém, as desgraças que se lhe seguiram e a dispersão dos judeus. Sua visão, porém, se projetava
muito mais longe, de sorte que, quando falava do presente, sempre aludia ao futuro. (...) É
evidentemente alegórico este quadro do fim dos tempos, como a maioria dos que Jesus compunha.
Pelo seu vigor, as imagens que ele encerra são de natureza a impressionar inteligências ainda rudes.
Para tocar fortemente aquelas imaginações pouco sutis, eram necessárias pinturas vigorosas, de
cores bem acentuadas. Ele se dirigia principalmente ao povo, aos homens menos esclarecidos,
incapazes de compreender as abstrações metafísicas e de apanhar a delicadeza das formas. A fim de
atingir o coração, fazia-se-lhe mister falar aos olhos, com o auxílio de sinais materiais, e aos
ouvidos, por meio da força da linguagem. Como conseqüência natural daquela disposição de
espírito, à suprema potestade, segundo a crença de então, não era possível manifestar-se, a não ser
por meio de fatos extraordinários, sobrenaturais. Quanto mais impossíveis fossem esses fatos, tanto
mais facilmente aceita era a probabilidade deles.
O Filho do homem, a vir sobre nuvens, com grande majestade, cercado de seus anjos e ao som
de trombetas, lhes parecia de muito maior imponência, do que a simples vinda de uma entidade
investida apenas de poder moral. Por isso mesmo, os judeus, que esperavam no Messias um rei
terreno, mais poderoso do que todos os outros reis, destinado a colocar-lhes a nação à frente de todas
as demais e a reerguer o trono de David e de Salomão, não quiseram reconhecê-lo no humilde filho
de um carpinteiro, sem autoridade material.
No entanto, aquele pobre proletário da Judéia se tornou o maior entre os grandes; conquistou
para a sua soberania maior número de reinos, do que os mais poderosos potentados; exclusivamente
com a sua palavra e o concurso de alguns miseráveis pescadores, revolucionou o mundo e a ele é
que os judeus virão a dever sua reabilitação. Disse, pois, uma verdade, quando, respondendo a esta
pergunta de Pilatos: «És rei?» respondeu: «Tu o dizes.»
É de notar-se que, entre os antigos, os tremores de terra e o obscurecimento do Sol eram
acessórios forçados de todos os acontecimentos e de todos os presságios sinistros. Com eles
deparamos, por ocasião da morte de Jesus, da de César e num sem-número de outras circunstâncias
da história do paganismo. Se tais fenômenos se houvessem produzido tão amiudadas vezes quantas
são relatados, fora de ter-se por impossível que os homens não houvessem guardado deles
lembrança pela tradição. Aqui, acrescenta-se a queda de estrelas do céu, como que a mostrar às
gerações futuras, mais esclarecidas, que não há nisso senão uma ficção, pois que agora se sabe que
as estrelas não podem cair.
Entretanto, sob essas alegorias, grandes verdades se ocultam. Há, primeiramente, a predição das
calamidades de todo gênero que assolarão e dizimarão a Humanidade, calamidades decorrentes da
luta suprema entre o bem e o mal, entre a fé e a incredulidade, entre as idéias progressistas e as
idéias retrógradas. Há, em segundo lugar, a da difusão, por toda a Terra, do Evangelho restaurado na
sua pureza primitiva; depois, a do reinado do bem, que será o da paz e da fraternidade universais, a
derivar do código de moral evangélica, posto em prática por todos os povos.
Será, verdadeiramente, o reino de Jesus, pois que ele presidirá à sua implantação, passando os
homens a viver sob a égide da sua lei. Será o reinado da felicidade, porquanto diz ele que - «depois
dos dias de aflição, virão os de alegria».

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 13

161

Quando sucederão tais coisas? «Ninguém o sabe, diz Jesus, nem mesmo o Filho.» Mas, quando
chegar o momento, os homens serão advertidos por meio de sinais precursores. Esses indícios,
porém, não estarão nem no Sol, nem nas estrelas; mostrar-se-ão no estado social e nos fenômenos
mais de ordem moral do que físicos e que, em parte, se podem deduzir das suas alusões.
É indubitável que aquela mutação não poderia operar-se em vida dos apóstolos, pois, do
contrário, Jesus não lhe desconheceria o momento. Aliás, semelhante transformação não era possível
se desse dentro de apenas alguns anos. Contudo, dela lhes fala como se eles a houvessem de
presenciar; é que, com efeito, eles poderão estar reencarnados quando a transformação se der e, até,
colaborar na sua efetivação. Ele ora fala da sorte próxima de Jerusalém, ora toma esse fato por ponto
de referência ao que ocorreria no futuro.
Será que, predizendo a sua segunda vinda, era o fim do mundo o que Jesus anunciava, dizendo:
«Quando o Evangelho for pregado por toda a Terra, então é que virá o fim?»
Não é racional se suponha que Deus destrua o mundo precisamente quando ele entre no
caminho do progresso moral, pela prática dos ensinos evangélicos. Nada, aliás, nas palavras do
Cristo, indica uma destruição universal que, em tais condições, não se justificaria.
Devendo a prática geral do Evangelho determinar grande melhora no estado moral dos homens,
ela, por isso mesmo, trará o reinado do bem e acarretará a queda do mal. É, pois, o fim do mundo
velho, do mundo governado pelos preconceitos, pelo orgulho, pelo egoísmo, pelo fanatismo, pela
incredulidade, pela cupidez, por todas as paixões pecaminosas, que o Cristo aludia, ao dizer:
«Quando o Evangelho for pregado por toda a Terra, então é que virá o fim.» Esse fim, porém, para
chegar, ocasionaria uma luta e é dessa luta que advirão os males por ele previstos.
(Allan Kardec, A Gênese, capítulo XVII itens 54 a 58)

V
Tendo que reinar na Terra o bem, necessário é sejam dela excluídos os Espíritos endurecidos no
mal e que possam acarretar-lhe perturbações. Deus permitiu que eles aí permanecessem o tempo de
que precisavam para se melhorarem; mas, chegado o momento em que, pelo progresso moral de
seus habitantes, o globo terráqueo tem de ascender na hierarquia dos mundos, interdito será ele,
como morada, a encarnados e desencarnados que não hajam aproveitado os ensinamentos que uns e
outros se achavam em condições de aí receber. Serão exilados para mundos inferiores, como o
foram outrora para a Terra os da raça adâmica, vindo substituí-los Espíritos melhores.
A doutrina de um juízo final, único e universal, pondo fim para sempre à Humanidade, repugna
à razão, por implicar a inatividade de Deus, durante a eternidade que precedeu à criação da Terra e
durante a eternidade que se seguirá à sua destruição. Que utilidade teriam então o Sol, a Lua e as
estrelas que, segundo a Gênese, foram feitos para iluminar o mundo? Causa espanto que tão imensa
obra se haja produzido para tão pouco tempo e a beneficio de seres votados de antemão, em sua
maioria, aos suplícios eternos.
Moralmente, um juízo definitivo e sem apelação não se concilia com a bondade infinita do
Criador, que Jesus nos apresenta de contínuo como um bom Pai, que deixa sempre aberta uma senda
para o arrependimento e que está pronto sempre a estender os braços ao filho pródigo. Se Jesus
entendesse o juízo naquele sentido, desmentiria suas próprias palavras.
Ao demais, se o juízo final houvesse de apanhar de improviso os homens, em meio de seus
trabalhos ordinários, e grávidas as mulheres, caberia perguntar-se com que fim Deus, que não faz
coisa alguma inútil ou injusta, faria nascessem crianças e criaria almas novas naquele momento
supremo, no termo fatal da Humanidade. Seria para submetê-las a julgamento logo ao saírem do
ventre materno, antes de terem consciência de si mesmas, quando, a outros, milhares de anos foram
concedidos para se inteirarem do que respeita à própria individualidade?

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 13

162

(...) O juízo, pelo processo da emigração, (...) é racional; funda-se na mais rigorosa justiça, visto
que conserva para o Espírito, eternamente, o seu livre-arbítrio; não constitui privilégio para
ninguém; a todas as suas criaturas, sem exceção alguma, concede Deus igual liberdade de ação para
progredirem; o próprio aniquilamento de um mundo, acarretando a destruição do corpo, nenhuma
interrupção ocasionará à marcha progressiva do Espírito. Tais as conseqüências da pluralidade dos
mundos e da pluralidade das existências.
Segundo essa interpretação, não é exata a qualificação de juízo final, pois que os Espíritos
passam por análogas fieiras a cada renovação dos mundos por eles habitados, até que atinjam certo
grau de perfeição. Não há, portanto, juízo final propriamente dito, mas juízos gerais em todas as
épocas de renovação parcial ou total da população dos mundos, por efeito das quais se operam as
grandes emigrações e imigrações de Espíritos.
(Allan Kardec, A Gênese, capítulo XVII itens 63 a 67)

VI
RECOMENDAMOS COMO LEITURA OBRIGATÓRIA O CAPÍTULO XVIII
SÃO CHEGADOS OS TEMPOS – A GÊNESE – ALLAN KARDEC

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Capítulo 13

163

Vv. 28 a 32 – A parábola da figueira (Mt 24:32-41; Lc 21:29-33)

I
Jesus se serviu da parábola, da comparação com a figueira e outras árvores apenas para exprimir
e desenvolver os pensamentos que acabara de externar sobre o aparecimento do sinal do filho do
homem, no céu, sobre a proximidade da nossa redenção. Teve por fim, com esta parábola, chamar
mais vivamente a atenção dos que o ouviam, impressioná-los mais fortemente pelo que ia
acrescentar e prender a atenção das gerações que haviam de suceder-se, sobretudo das que, como a
nossa, veriam despontar no horizonte, com a nova revelação, o predito advento do Espírito da
Verdade e estavam destinadas a compreender, em espírito, as suas palavras.
Esta geração não passará, sem que todas essas coisas se tenham cumprido. Compreendidas
segundo o espírito que vivifica, por estas palavras, Jesus se referia à geração de Espíritos que,
vivendo então na Terra, encarnados, nela viveram mais tarde e tornarão a viver, reencarnados,
quando o nosso planeta atravessar as últimas fases da sua transformação física e a Humanidade as
últimas da sua transformação física e moral: quando, pois, se estiver cumprindo tudo o que Ele
predisse. Passará o céu e a Terra, mas as minhas palavras não passarão. — Tudo o que é de ordem
física, no espaço, na imensidade, com relação ao nosso, como a todos os mundos, passa pelo
cadinho da transformação. Quer isto dizer que, de acordo com as leis de destruição, de reprodução e
de progresso, tudo se renova, depura e modifica, percorrendo a escala que vai do infinitamente
pequeno ao infinitamente grande, na vida e na harmonia universais. Mas, as palavras de Jesus, órgão
do Senhor onipotente, não passarão, porque são imutáveis e eternas, como eternos e imutáveis são,
na ordem física, na ordem intelectual e na ordem moral, a lei do progresso, para o Espírito, e as leis
naturais, na ordem material e na ordem fluídica. Elas não passarão, porque são ao mesmo tempo
princípio fundamental, condição e meio de progresso nos mundos inferiores, de provações e
expiações, como são o caminho único que pode levar o homem aos mundos superiores, preparando-
lhe o acesso a esses mundos e fazendo-o penetrar neles.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 159)

II
Vv 30 - Isto é, a geração que hoje escuta minhas palavras, estará encarnada na terra, quando
tiverem lugar os acontecimentos que predigo.
Vv 31 – Sendo os ensinamentos de Jesus uma lei moral universal emanada de Deus, as coisas
materiais poderão desaparecer, sem que suas palavras deixem de prevalecer para os espíritos.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 24)

III
Encerrando estes sombrios presságios, é oportuno transcrever aqui uma página de Emmanuel em
seu livro “Há dois mil anos”, em que este instrutor reproduz as palavras de Jesus, ditadas num
ambiente espiritual, logo depois de sua partida da terra: “Entre a Manjedoura e o Calvário, tracei
para minhas ovelhas o eterno e luminoso caminho... O Evangelho floresce agora, como a seara
imortal e inesgotável das bênçãos divinas. Não descansemos, contudo, meus amados, porque tempo
virá na terra, em que todas as suas lições serão espezinhadas e esquecidas... Depois de longa era de
sacrifícios para consolidar-se nas almas, a doutrina da redenção será chamada a esclarecer o governo
transitório dos povos; mas o orgulho e a ambição, o despotismo e a crueldade, hão de reviver os
abusos nefandos de sua liberdade! O culto antigo, com suas ruínas pomposas, buscará restaurar os
templos abomináveis do bezerro de ouro.

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Capítulo 13

164

Os preconceitos religiosos, as castas clericais, os falsos sacerdotes, restabelecerão novamente o


mercado das coisas sagradas, ofendendo o amor e a sabedoria de Nosso Pai, que acalma a onda
minúscula no deserto do mar, como enxuga a mais recóndita lágrima da criatura, vertida no silêncio
de suas orações, ou na dolorosa serenidade de sua amargura indizível!...
Soterrando o Evangelho na abominação dos lugares santos, os abusos religiosos não poderão,
todavia, sepultar o clarão de minhas verdades, roubando-as ao coração os omens de boa vontade!...
Quando se verificar o eclipse da evolução de meus ensinamentos, nem por isso deixarei de amar
intensamente o rebanho de minhas ovelhas tresmalhadas. Das esferas de luz, que dominam todos os
círculos das atividades terrestres, caminharei com meus rebeldes tutelados, como outrora, entre os
corações impiedosos e empedernidos de Israel, que escolhi um dia, para mensageiro das verdades
divinas, entre as tribos desgarradas da imensa família humana! Quando a escuridão se fizer mais
profunda nos corações da terra, determinando todos os progressos humanos para o extermínio, para
a miséria e para a morte, derramarei a minha luz sobre toda a carne, e todos os que vibrarem com o
meu reino, e confiarem nas minhas promessas, ouvirão as nossas vozes e apelos santificadores!
Dentro das suaves revelações do Consolador, pela Sabedoria e pela verdade, meu verbo se
manifestará novamente no mundo, para as criaturas desnorteadas no caminho escabroso. Sim,
amados meus, porque o dia chegará, no quál todas as mentiras humanas hão de ser confundidas e a
claridade das revelações do céu. Um sopro poderoso de Verdade e Vida varrerá toda a terra, que
pagará, então, à evolução de seus institutos, os mais pesados tributos de sofrimento e de sangue...
Exausto de receber os fluidos venenosos da ignomínia e da iniqüidade de seus habitantes, o próprio
planeta protestará contra a impenitência dos homens, rasgando as entranhas em dolorosos
cataclismas... As impiedades terrestres formarão pesadas nuvens de dor, que rebentarão no instante
oportuno, em tempestade de lágrimas na face escura da Terra. E, então, das claridades de minha
misericórdia, contemplarei meu rebanho desditoso, e direi como os meus emissários: Oh, Jerusalém,
Jerusalém!... Mas, Nosso Pai, que é a sagrada expressão de todo o amor e sabedoria, não quer que se
perca uma só de suas criaturas transviadas nas tenebrosas sendas da impiedade!... Trabalharemos
com amor na oficina dos séculos porvindouros, reorganizaremos todos os elementos destruidos,
examinaremos detidamente todas as ruínas, buscando o material passível de novo aproveitamento e,
quando as instituições terrestres, reajustarem sua vida na fraternidade e no bem, na paz e na justiça,
depois da seleção natural dos espíritos, e dentro das convulsões renovadoras da vida, organizaremos
para o mundo um novo ciclo evolutivo, consolidando, com as divinas verdades do Consolador, os
progressos definitivos do homem espiritual.” (Emmanuel, “Há dois mil anos”)

IV
Apesar de Jesus não ter mencionado o dia da Sua vinda (e ninguém deveria tentar marcar data
para esse evento), Ele empregou a figueira como ilustração da atitude que cada seguidor Seu deveria
ter: atenção para os sinais. Como se presta atenção à figueira, quando seus ramos se renovam – e
isso indica a proximidade da chegada do inverno, assim os cristãos deveriam atentar à situação
religiosa, social e até para a degradação ecológica do mundo, e perceber a proximidade do retorno
de Cristo. Ainda sobre a parábola da figueira, há um dito de Cristo que têm intrigado os estudiosos
da Bíblia: o que Jesus queria dizer com "Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que
tudo isto aconteça" (Mar. 13:30)? Várias tentativas de esclarecer o versículo têm sido propostas, mas
cremos que as seguintes são mais prováveis:
1) Como, primeiramente, Jesus fez alusão aos sinais da destruição de Jerusalém, no ano 70 d. C.,
aquela geração presenciou os sinais mencionados por Jesus (guerras, fomes, terremotos, perseguição
religiosa e a invasão dos romanos que traria a "abominação desoladora", destruindo o Templo e
massacrando os habitantes de Jerusalém). Assim, o "tudo" de Mar. 13:30 se refere aos sinais que
indicavam a destruição de Jerusalém;

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Capítulo 13

165

2) Outra possibilidade é que depois que o Evangelho fosse pregado "a todas as nações" (cf 13:10),
não viria outra geração, mas Jesus viria na geração que presenciasse os últimos sinais, dentre os
quais está a pregação do evangelho ao mundo todo.
Então, devemos deixar a questão do tempo da Segunda Vinda com o Senhor, e ficar alertas,
trabalhando ativamente para Ele, cuidando das atividades diárias de tal forma que glorifiquemos Seu
nome e sendo uma bênção aos que nos rodeiam.
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

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Capítulo 13

166

Vv. 33 a 37 – Exortação à vigilância (Mt 24:42-44; Lc 34:36)

I
“Do dia e da hora ninguém o sabe, nem os anjos do céu NEM MESMO O FILHO, senão só o
Pai”. Dizendo isso, quis Jesus que os homens compreendessem quão orgulhoso e inútil é o
pretenderem sondar o futuro, que só Deus conhece. Ao mesmo tempo, quis infirmar desde logo a
idéia da divindade que, pela sua presciência, sabia lhe havia de ser atribuída, idéia cuja duração só
seria permitida pelo tempo que necessário fosse à transformação do culto material em culto espi-
ritual. Deus releva sempre os erros que, em matéria de crenças, são cometidos de boa-fé.
Unicamente o orgulho e a hipocrisia, a felonia e a mentira são punidos, porqüanto só as faltas
tornam culpada a criatura. (Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 160)

II
"Olhai, vigiai e orai, porque não sabeis quando chegará o tempo." - Jesus. (Mc 13:33)

Marcos registra determinada fórmula de vigilância que revela a nossa necessidade de mobilizar
todos os recursos de reflexão e análise.
Muitas vezes, referimo-nos ao "orai e vigiai", sem meditar-lhe a complexidade e a extensão.
É indispensável guardar os caminhos, imprescindível se torna movimentar possibilidades na
esfera do bem, entretanto, essa atitude não dispensa a visão com entendimento.
O imperativo colocado por Marcos, ao princípio da recomendação de Jesus, é de valor
inestimável à perfeita interpretação do texto. É preciso olhar, isto é, examinar, ponderar, refletir,
para que a vigilância não seja incompleta. Discernir é a primeira preocupação da sentinela.
O discípulo não pode guardar-se, defendendo simultaneamente o patrimônio que lhe foi
confiado, sem estender a visão psicológica, buscando penetrar a intimidade essencial das situações e
dos acontecimentos.
Olhai o trabalho de cada dia. O serviço comum permanece repleto de mensagens proveitosas.
Fixai as relações afetivas. São portadoras de alvitres necessários ao vosso equilíbrio. Fiscalizai as
circunstâncias observando as sugestões que vos lançam ao centro d’alma. Na casa sentimental,
reúnem-se as inteligências invisíveis que permutam impressões convosco, em silêncio. Detende-vos
na apreciação do dia; seus campos constituídos de horas e minutos são repositórios de profundos
ensinamentos e valiosas oportunidades. Olhai, refleti, ponderai!... Depois disso, naturalmente,
estareis prontos a vigiar e orar com proveito. (Emmanuel; Vinha de Luz; 87 – Olhai)

III
Neste trecho Jesus nos recomenda a máxima vigilância. Não deixemos para amanhã nossa
reconciliação com as leis divinas. Amanhã, poderá ser muito tarde. Só Deus, Nosso Pai, sabe quando
se dará a depuração do planeta, e quando cada um de seus filhos será chamado ao mundo espiritual.
Por isso, é necessário que estejamos sempre preparados, para que possamos ser contados no número
dos escolhidos. Sejamos trabalhadores previdentes, e não sigamos o exemplo dos que se entregam
exclusivamente aos gozos e aos vícios e às mil e uma distrações que a matéria proporciona,
esquecidos de cuidarem de suas almas, corrigindo suas imperfeições. Estes serão apanhados
desprevenidos, de surpresa, e o despertar deles para a realidade que não quiseram ver, lhes será
doloroso. Preparemo-nos, por conseguinte, o melhor que pudermos, sem perda de tempo, porque ao
se aferirem os valores espirituais dos aprendizes do Evangelho, será aproveitado quem demonstrar
boa aplicação das lições recebidas. A vigilância e o preparo devem ser contínuos, em virtude de
ninguem saber quando soará sua hora. (Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 24)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

167

ESQUEMA ESTRUTURAL DO CAPÍTULO 14

Introdução............................................................................................................. 170

Vv. 1 e 2 O plano para tirar a vida de Jesus (Mt 26:1-5; Lc 22:1-2)................................ 170

Vv. 3 a 9 Jesus ungido em Betânia (Mt 26:6-13; Jo 12:1-8)............................................... 172

Vv. 10 e 11 O pacto da traição (Mt 26:14-16; Lc 22:3-6)....................................................... 176

Vv. 12 a 16 Os discípulos preparam à Páscoa (Mt 26:17-19; Lc 22:7-13)............................ 181

Vv. 17 Início da Ceia (Mt 26:20; Lc 22:14)..................................................................... 184

Vv. 18 a 21 O traidor é indicado (Mt 26:21-25; Lc 22:21-23; Jo 13:21-32)........................... 186

Vv. 22 a 25 A ceia do Senhor (Mt 26:26-30; Lc 22:19-20)...................................................... 194

Vv. 26 Saída do Cenáculo (Mt 26:30; Lc 22:39; Jo 18:1a).............................................. 202

Vv. 27 a 31 Pedro é avisado (Mt 26:31-35; Lc 22:31-34)........................................................ 204

Vv. 32 a 42 Jesus no Getsêmani (Mt 26:36-46; Lc 22:39-46)................................................. 207

Vv. 43 a 50 Jesus é preso (Mt 26:47-56; Lc 22:47-53; Jo 18:1-11)......................................... 214

Vv. 51 e 52 Jesus seguido por um jovem................................................................................ 221

Vv. 53 Na Casa de Caifás (Mat 26:57; Luc. 22:54; João, 18:24)..................................... 222

Vv. 54 Pedro segue Jesus (Mt 26:58; Lc 22:55; Jo 18:15).............................................. 223

Vv. 55 a 65 Jesus perante o Sinédrio (Mt 26:59-68; Lc 22:63-71)......................................... 223

Vv. 66 a 72 Pedro nega a Jesus (Mt 26:69-75; Lc 22:55-62; Jo 18:16-18,25-27)................... 232

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

168

Introdução

Este capítulo abrange acontecimentos da vida de Jesus desde Sua unção em Betânia, na casa do
ex-leproso Simão, até Sua agonia e prisão no Getsêmani. Provavelmente, estes eventos tenham
ocorrido na quarta e na quinta-feira da Semana da Paixão, ou seja, nos últimos dias do ministério
terrestre de Jesus, pois na sexta-feira, Ele seria julgado na casa do sumo sacerdote (Mar. 14:53 e 66),
crucificado no Gólgota (14:22) e no domingo ressurgiria.
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

Vv. 1 e 2 – O plano para tirar a vida de Jesus (Mt 26:1-5; Lc 22:1-2)

I
Ao terminar a grande lição, o Mestre anuncia aos discípulos que a "páscoa" ou "festa dos
ázimos" se celebrará daí a dois dias. Estamos, pois, na noite de terça ou na manhã de quarta-feira, já
que essa festa era celebrada das 18 horas de quinta até as 18 horas de sexta-feira.
Recordemos que o primitivo nome de "páscoa" era pesah hu'la YHWH (em grego páscha estì
kuríôi) ou seja a passagem de YHWH" (Êx. 12:11). Diz mais, que nessa páscoa "o Filho do Homem
será entregue para ser crucificado". A comunicação é feita com tranquila solenidade.
Logo a seguir o evangelista modifica o cenário, e sobre o palco aparece a reunião das
autoridades, isto é, dos sacerdotes, escribas e anciãos. Mateus e Lucas citam os escribas, que Mateus
omite, como em outros passos (cfr. 21:23; 26:47; 27:1, 3, 12, 20). A reunião é realizada no "palácio"
(aulê) do Sumo Sacerdote. O sentido de aulê pode ser o próprio "palácio" (como em Mt 26:3, 38;
Mc. 14:54 e 15:16; Lc. 11:21 e Jo 18:15) ou o "pátio do palácio", sobretudo quando acompanhado
do adjetivo "exterior" (cfr. Mt. 26:69; Mc. 14:66 e Lc. 22:55).
A páscoa era comemorada rigorosamente a 14 de nisan, com a imolação do cordeiro, enquanto a
"festa dos ázimos" durava uma semana, durante a qual só poderiam comer-se pães sem fermento e
alimentos sem sal nem azeite, (cfr. Êx. 12:1-20 e 39).
A resolução era consumar-se o sacrifício às ocultas, e não durante a festa, a fim de não provocar
tumulto entre o povo. Mas os desígnios espirituais nem sempre coincidem com as intenções
humanas.
Dada toda a parte teórica da lição, já está soando o momento de chegar-se à parte prática,
vivendo-se tudo o que foi ensinado. Isso é anunciado com palavras bastantes claras para todos.
A partir deste ponto da permanência de Jesus na Terra, em carne, torna-se de cristalina
evidência que todas as ocorrências e palavras assumem característica dúplice:
A) a parte externa, exotérica, para os profanos, que só percebem os fatos físicos, os gestos, as
atitudes, os diálogos, numa palavra, o que ocorre com a personagem;
B) a parte interna, esotérica, que é representada simbolicamente pelas ocorrências exteriores,
mas que se realiza em outro plano, em outra dimensão, relacionando-se com a individualidade, e
que constitui em última análise, a verdadeira lição a aprender.
Jesus terminou "todos esses ensinos" teóricos (pántas tous lógous toútous) e faz a revelação que
a exemplificação prática está para começar dentro de dois dias, durante os quais será feita toda a
preparação mística indispensável. Tratava-se da "passagem" de um grau iniciático a outro, a
"travessia'" da "porta estreita". Realmente, era esse o significado atribuído à palavra "páscoa" por
aqueles que "entendiam" do assunto. Tanto assim que a "páscoa" era chamada por Flávio Josefo
(Ant. Jud.) hyperbasía, isto é, "passagem"; por Filon era dita diabatêria, "travessia"; por Gregorio
Nazianzeno “heortê diabatêrios”, "festa da travessia".

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

169

Para essa "travessia" o Filho do Homem "tinha que ser entregue (paradídotai) para ser
crucificado (staurôthênai)". Para o ato, reuniu-se o alto poder espiritual de seu povo, o povo de
Israel, na cidade-santa Jerusalém.
Embora as personagens que o compunham nem sequer desconfiassem do papel que estavam
desempenhando na economia planetária pois só "viam dos tetos para baixo" e só consideravam os
corpos físicos visíveis - não obstante a Lei utiliza as criaturas para execução de seus fins, mesmo
sem nada revelar-lhes: os homens são marionetas pretensiosas que julgam agir de acordo com suas
convicções inabaláveis e sua plena liberdade de escolha...
Sacerdotes, anciãos e escribas (o Sinédrio) RESOLVEM matá-lo, mas desejam fazê-lo às
ocultas, sem que o povo perceba, a fim de evitar tumultos e possíveis represálias. Pretendem, pois,
executá-lo DEPOIS da festa da páscoa. Mas os desígnios dos Espíritos Superiores são outros: há de
ser exatamente na celebração solene da PASSAGEM ("páscoa"). E o meio de consegui-lo será
posto em realização, conforme predições proféticas anteriores.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II
Vv. 1 - Começam os preparativos para o sacrifício de Jesus. Até aqui ele pregoü as leis da
fraternidade, do amor a Deus e ao próximo, e ensinou como socorrer espiritualmente aos deserdados
do mundo. Agora ele exemplificaria como perdoar aos inimigos, como orar pelos que perseguem e
caluniam, como cada um deverá carregar pacientemente sua cruz, e como ser obediente aos
desígnios do Altíssimo.
No sacrifício de Jesus não há fatalidade; se ele o quisesse poderia evitá-lo. Ele tinha seu livre-
arbítrio, e dependia apenas dele aceitar ou repelir a prova que o Altíssimo lhe oferecia.
Diariamente vemos pessoas rejeitarem as provas que lhes estão destinadas; é verdade que o que
devemos, embora o resgate seja protelado momentaneamente, voltará mais tarde, às vezes em
circunstâncias desfavoráveis; as conseqüências dos atos de vidas anteriores não podem ser preteridas
indefinidamente; um dia terão de ser resolvidas.
Com muito mais facilidade Jesus poderia livrar-se, tanto mais que ele nada devia de existências
anteriores; estava em suas mãos afastar o sofrimento que se avizinhava. Entretanto, preferiu sujeitar-
se à vontade de Deus, a fim de beneficiar pelo exemplo aos sofredores da terra. Depois do sacrifício
de Jesus, os que sofrem haurem forças em seu exemplo para suportarem resignadamente seus
próprios padecimentos; os que são caluniados e perseguidos aprenderam a orar pelos seus
perseguidores e caluniadores; os que são maltratados, humilhados, escarnecidos, vilipendiados e
sacrificados, tomam Jesus por modelo, perdoam e esquecem. Se o Altíssimo não nos tivesse dado
Jesus por Mestre e exemplificador de suas leis, que modelo teríamos aqui na terra para nos
basearmos com relação aos que nos causarem males e danos?
Não sendo o sacrifício de Jesus uma fatalidade, uma vez que estava em suas mãos aceitá-lo ou
não, gerou-se ele, todavia, da incompreensão dos homens, os quais combateram as idéias que Jesus
nos veio trazer. Houve e haverá em todos os tempos, grupos de interessados em que as idéias novas
não triunfem para tirarem proveito da situação. Estes grupos iniciam os movimentos contrários, e
recebem reforços dos ignorantes, dos comodistas, e dos que temem qualquer mudança no regime em
que vivem. Foi o que sucedeu com Jesus e seu Evangelho. Mas o Altíssimo dispõe de infinitos
meios para fazer brihar a Verdade. E quando os perseguidores julgaram que os ensinamentos de
Jesus estavam mortos, eles ressurgiram com redobrado vigor, e espalharam-se pela terra com a
rapidez de relâmpago.
Vv. 2 - O povo amava Jesus. Convivendo com os humildes, granjeara no seio da classe
sofredora inúmeros amigos. E como sua prisão nada tinha que a justificasse, os sacerdotes temiam o
protesto popular que dela resultaria. (Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 26)

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Capítulo 14

170

Vv. 3 a 9 – Jesus ungido em Betânia (Mt 26:6-13; Jo 12:1-8)

I
Por João, sabemos que SEIS DIAS antes da festa da Páscoa, ou seja, sábado, dia 1 de abril do
ano 31, Jesus estava em Betânia, na casa de Simão, o leproso, tomando parte numa ceia.
Quem era esse Simão? Supõem alguns que seja o mesmo Simão o fariseu que convidou Jesus a
jantar (Luc. 7:36). Mas seria muita coincidência que, na mesma casa, se repetisse a mesma cena, em
duas ocasiões distintas, por duas mulheres diferentes, porque, evidentemente, o andamento do fato é
totalmente diverso, e Maria de Betânia não era, positivamente, a "’pecadora", como Jerônimo já
dissera. Diz o mesmo autor que o epíteto "leproso" deve ter sido mantido como recordação de
prístina enfermidade curada por Jesus, tal como Mateus continua a denominar-se "coletor-de-
impostos" mesmo após abandonar a profissão. Outros sugerem que Simão deve ser o pai de Lázaro,
já que a família estava aí reunida: Marta servia à mesa, Lázaro estava presente e Maria ungiu-lhe o
corpo. E o evangelista sublinha: "Lázaro, o morto que Jesus despertou dos mortos".
Mateus fala em "perfume caríssimo", enquanto Marcos e João definem "’nardo autêntico". O
nardo (nardostachys jatamansi), da família das valerianas, era planta que provinha da Índia. Plinio o
diz nardum índicum e o descreve: "pode dizer-se muitas coisas da folha do nardo, como principal
nos perfumes. O legítimo se conhece pela leveza, pela cor ruça e pela suavidade do cheiro, agradável
de sabor mas fortemente adstringente na boca. O preço da espiga é de cem denários por uma libra".
Depois de industrializado em perfume, o nardo devia custar três ou quatro vezes mais. No entanto, o
mesmo naturalista avisa, logo adiante, que há falsificação do nardo: é o nardo sírio, o gaulês, o
céltico e o cretense, cujo valor é muito menor. O perfume era embalado em pequenas ânforas de
alabastro ou de ônix, artísticas, com gargalo fino e comprido, de muita elegância.
Uma contradição forte, porém, deparamos. Mateus e Marcos asseveram que o perfume foi
derramado na cabeça, enquanto João diz que o foi nos pés, que Maria enxugou com os cabelos dela.
Como explicar o fato, já que João estava presente à ceia, que descreve com pormenores silenciados
pelos outros? Terá havido confusão com a cena da "pecadora" (Lc 7:39)? Pela distância entre os
episódios e a época em que João escreveu seu Evangelho (cerca de meio século depois), pode
realmente admitir-se uma confusão ou lapso de memória. Os outros dois evangelistas escreveram a
menos distância no tempo.
Pelas palavras de Jesus a posterióri, e por serem duas testemunhas a afirmar a unção na cabeça,
aceitamos essa versão como verdadeira, embora a dúvida não possa ser historicamente resolvida.
Em decorrência da quebra do precioso vaso de alabastro e do perfume que escorreu, recendendo
pela casa toda, alguns dos discípulos (João limita o protesto a Judas) lamentaram o "desperdício", já
que podia ter-se vendido aquela preciosidade, distribuindo o produto pelos mendigos. Trezentos
denários era o salário de um trabalhador durante um ano!
Mas Jesus levanta Sua voz em defesa de Maria, como o fizera com a "pecadora" (Luc. 7:40). E
diz que "mendigos sempre os tereis convosco". Já o testificara o Deuteronômio (15:11): "não
faltarão pobres no meio do povo". E o Mestre prossegue: "mas a mim nem sempre tereis". Era uma
despedida. Depois, vem a justificação do ato: "ela me ungiu o corpo (logo não foram apenas os pés)
para o sepultamento (entaphiásmon). E a seguir a profecia: "onde quer que esta boa-nova seja
difundida, no mundo inteiro, será narrado o que ela fez, em sua memória" (é o hebraico zikkârôn e o
arameu dukerânâ, a comemoração de um fato ou de uma pessoa). Nessa defesa, Marcos registrou
belíssima frase de Jesus: "Ela fez o que pode"! Mais tivesse podido, mais teria feito. João acusa
Judas, abertamente, de ladrão: carregava o dinheiro do grupo, porque estava a seu cargo a guarda da
caixinha (glôssóxomon, que exprimia primitivamente uma caixeta, onde se guardavam as linguetas
da flauta, cfr. 2.º Crôn. 24:8-10).

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Capítulo 14

171

Muito mais importante o episódio no setor das iniciações.


Jesus mesmo o revela: "o perfume serviu para preparar o corpo para os ritos do sepultamento
(entaphiásmon).
Por isso, Maria realizou "uma bela ação" (kalòn érgon ergázomai).
Interessam-nos aqui apenas as ações fundamentais. Observamos que o trio de Betânia estava
novamente reunido, executando um ritual iniciático, como se, da outra Escola, tivessem querido
seus membros colaborar com Jesus na conquista do 5° grau. Surge um pormenor de grande
importância: passa-se a cena SEIS dias antes da grande imolação de Jesus, que ocorrerá no
SÉTIMO dia após a unção prévia.
Então, em resumo: SEIS dias antes do Sacrificio, que será sangrento (diferente do de Lázaro), o
mesmo grupo sacerdotal reunido (Lázaro, Marta e Maria), na mesma cidade de Betânia, embora na
residência de Simão, e sem outras testemunhas que os discípulos do colégio apostólico, sendo já
aqui Lázaro, o morto que regressou dos mortos, o assistente, Marta a diaconissa (servia, Martha
diêkónei) e Maria a celebrante, esta unge o corpo de Jesus, derramando sobre Sua cabeça uma
libra de nardo autêntico, proveniente da Índia, onde Jesus provavelmente passara alguns anos de
Sua juventude (cfr. Nicolau Notovitch, "A Vida Desconhecida de Jesus"). Era, pois, algo de especial
e de específico, que chegara da região dos Mestres de Sabedoria.
Cerimônia tocante, comovedora e sublime. E quando é objetado pelos que não sabiam do rito,
que poderia ter sido o perfume vendido para dar-se o dinheiro aos mendigos, Jesus ergue a voz
tentando explicar a realidade do que ocorrera em relação ao simbolismo.
Unamos as frases dos três narradores: "Deixai-a. Por que lhe causais dissabor? Realizou em
mim uma bela ação (érgon é a palavra específica do trabalho espiritual). Ela fez o que pode: ungiu
meu corpo (temos a impressão de que o nardo escorreu da cabeça, por todo o corpo, até os pés, que
então Maria enxugou com seus cabelos) preparando-o antecipadamente para o sepultamento".
Com efeito, o nardo era adstringente, da família das valerianas, e portanto anestésico ou
analgésico. E essa preparação foi antecipada, porque não houve tempo de ungi-lo após a
crucificação. Tendo sido pregado na cruz às 15 horas, seu corpo foi retirado do madeiro antes das
18 horas, permanecendo portanto pouco mais de duas horas na cruz. E logo a seguir, às pressas,
para que não se ferisse o sábado que começava às dezoito horas, foi colocado no túmulo virgem de
José de Arimatéia, sem tempo para qualquer preparação próxima com unguentos.
A unção com nardo deu a Seu corpo uma vibração particular, fortalecendo as células
epidérmicas e mesmo penetrando no derma, para que pudesse suportar as dores e ferimentos que
Lhe iam ser causados pelos maus tratos, flagelações e ferimentos contuso-perfurantes que O
atormentariam nos dias tristes que estavam por chegar. Nada sabemos, mas talvez essa unção com
nardo autêntico é que tenha provocada, no sudário, que ainda hoje se conserva em Turim, a
impressão, em negativo fotográfico, das marcas do corpo de Jesus, por inteiro.
Outra frase de Jesus, que merece atenção: "deixa-a, para que o conserve para o dia de meu
sepultamento". Conservar o que? Parece que o corpo. Não pode compreender-se aí outro sentido.
Havia mister que o corpo pudesse suportar tudo, resistindo a todas as feridas e pancadas. Que
sabemos nós das propriedades do nardo legitima? E da absorção que as células podem fazer dessa
essência aromática, conservando-a em si durante sete dias? De qualquer forma, o ritual é de suma
beleza. E que se trata de um ritual, o próprio Jesus se encarregou de salientar, explicando a
finalidade do ato de Maria. E até hoje, dois mil anos depois, jamais falhou Sua profecia: onde quer
que se pregue a Boa Nova, esse gesto de Maria é narrado para sua maior glória: ter colaborado no
supremo sacrifício de Jesus, fazendo tudo o que podia para ajudá-Lo.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 6)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

172

II
De novo, neste passo, a seus discípulos anunciou Jesus “sua morte”, segundo a maneira de ver
dos homens, e também a sua crucificação. Aquela mulher foi, por influência espírita, induzida a
fazer o que fez, porque o seu ato se prestava a pôr em relevo a presciência do Mestre, quanto a essa
“morte” e a essa crucificação, pois que, ao verificar-se o acontecimento predito, todos se lembrariam
daquele ato e das palavras que Ele proferira com relação ao futuro.
Quebrando o vaso de alabastro, cheio de precioso perfume, e derramando-o sobre a cabeça de
Jesus, rendia ela uma homenagem ao Senhor. Ainda cegos pela matéria os discípulos só
compreendiam os fatos materiais. O Mestre procurava sempre fazer que os compreendessem sob o
aspecto espiritual. A escolha de um perfume para essa lição obedeceu à razão de que, pela natureza
essencial dos perfumes, eles dão a ver que os sacrifícios que se hajam de praticar, tendo-se em vista
o Espírito, não devem ser buscados unicamente nas coisas de ordem material, mas também nas de
ordem espiritual.
Fora um ato de amor e desinteresse, o daquela mulher, e, portanto, um sinal de ascendência
do Espírito sobre a matéria.
Pobres, tê-los-eis sempre convosco, ao passo que nem sempre me tereis a mim, disse Jesus,
aludindo, pelo que lhe tocava, ao seu aparecimento na Terra, aos tempos e à duração desse
aparecimento, para o desempenho da sua missão terrena. Aludia também à duração da sua vida
humana ao ver dos homens.
Falando dos pobres da Terra, referia-se preferente-mente aos que se encontram num estado de
inferioridade qualquer, aos que, sobretudo, o são moral e intelectualmente. Nos planetas inferiores,
como o nosso, sendo a pobreza, tanto material, como moral, uma efetivação de provas, sempre
haverá pobres de uma e outra categoria; enquanto não se ache concluída a separação dos bons e dos
maus. Cumpre, porém, notar que da elevação de um planeta não decorre o nivelamento das
faculdades.
Entre nós, sempre haverá pobres, ainda quando hajam do nosso mundo desaparecido a pobreza
material e a pobreza moral. Qualquer que seja o grau de depuração do planeta terreno, nele haverá
sempre, entre os Espíritos depurados, que o habitarão, muitos menos adiantados do que outros. Esses
são os intelectualmente pobres, aos quais os ricos em inteligência, em saber, darão com abundância
o que possuem. Não devemos esquecer que, como o dizem os Evangelistas na obra a que nos repor-
tamos para a elaboração desta, que, do ponto de vista intelectual, há sempre, entre os Espíritos,
hierarquia, no tocante à ciência universal, mesmo quando todos tenham atingido a perfeição moral.
Não devemos esperar que deixe de existir na Terra a pobreza material, enquanto não
desaparecerem, dentre nós, todas as enfermidades morais, de que temos de curar-nos, renascendo
multiplicadas vezes. Despojemo-nos, portanto, dos nossos vícios, quer advenham da carne, quer do
Espírito, que deve dominar a matéria, pois, do contrário, talvez os ricos de hoje venham a ser os
pobres de amanhã.
O desaparecimento, a cessação completa da pobreza material, de maneira que cada um viva
folgadamente do seu labor, será um sonho, enquanto a nossa depuração moral não nos houver
suavizado as futuras expiações. Por aí se vê quão ilusórias são as pretensões, que muitos alimentam,
de tornar partilhadas igualmente por todos as riquezas, mediante revoluções, transformações
políticas, ou mediante ainda a decretação de legislações especiais, cujos efeitos serão
contraproducentes, desde que, longe de contribuírem para estabelecer a fraternidade humana,
somente concorrem para acirrar entre os homens os ódios, que os separam e inimizam.
As associações e instituições de beneficência, já existentes em todos os países, são boas, porque
provam em muitos o desejo de fazer o bem, de socorrer os seus irmãos. Mas, sem desprezarmos os
socorros materiais, esforcemo-nos por socorrer o moral dos homens, porque, expulsa do nosso
planeta a miséria moral, terá nele cessado a miséria material.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

173

Quando isso ocorrer, as criaturas humanas, prestando-se mútuo e esclarecido auxílio,


trabalharão todas em comum, na obra também comum. Quão longe, porém, ainda está essa bendita
era, em que havemos de entrar um dia!
Preparemo-nos, nada obstante, para ela, empregando com esse objetivo todos os nossos esforços,
organizando, sob o influxo de sentimentos de humildade e desinteresse, de justiça, de amor e
caridade, sociedades para o trabalho de ordem material, de ordem moral e de ordem intelectual.
Dêem os ricos abundantemente aos pobres, levando cada um a tais associações o tributo das faculda-
des de que possam dispor, a fim de que se espalhem e desenvolvam a educação e a instrução moral e
intelectual, que expliquem aos homens e lhes façam compreender: o amor a Deus acima de tudo e ao
próximo como a si mesmos, os modos e meios de praticar-se esse duplo amor, de praticar-se, com
observância da liberdade na ordem e da ordem na liberdade, o máximo de mutualidade, de
solidariedade, de fraternidade, fonte e regra de todos os direitos e deveres, máximo que deverá con-
sistir em — um por todos e todos por um, em todas as associações, de qualquer natureza que sejam,
em todas as esferas da atividade humana: individual, comum ou social.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 168)

III
É de notar-se a humildade de Jesus, hospedando-se em casa de um leproso. Pela lei de Moisés,
eram os leprosos declarados impuros. Jesus, não fazendo caso das convenções humanas, leva ao
mísero leproso o conforto de sua presença.
Este versículo encerra uma profunda lição, digna de ser posta em prática por todos os que,
realmente, querem observar o Evangelho. Jesus preferia a amizade e a companhia dos que passavam
pelas provas e sofriam suas expiações, abandonados e esquecidos dos homens. Ninguém melhor do
que ele conhecia a lei de causa e efeito; portanto, sabia perfeitamente porque cada um sofria;
contudo, não se arvorava em juiz, mas em amigo, ajudando os sofredores a bem carregarem suas
cruzes. Neste ponto Jesus era muito diferente da maioria da humanidade, a qual procura sempre a
companhia e a amizade dos influentes e dos ricos, dos sãos e dos poderosos, desprezando os que lhe
são inferiores, quer em saúde, quer em riqueza, quer em poder. Semelhante proceder é contrário à lei
da fraternidade, que manda não fazermos acepção de pessoas. Hoje, graças às revelações do
Espiritismo, sabemos que o sofrimento pelo qual cada um passa, é justo; é a expressão da justiça do
Altíssimo, que dá a cada um segundo suas obras de encarnações passadas. Se é justo o que cada um
sofre, nem por isso devemos afastar-nos do sofredor, o qual para reabilitar-se, não pode prescindir
de nossos amparos e auxílios fraternais. Se o Espiritismo nos mostra a causa, o Evangelho nos diz
que é nosso dever ajudar a cada um dos sofredores da terra a bem cumprirem suas penas.
O ato de a mulher ungir os pés de Jesus com seu bálsamo precioso, traduz um sentimento de
gratidão. Mulher pecadora sentindo-se reanimada pelas palavras do Mestre, e fortificada para
começar o resgate de suas faltas, não encontrou outro meio de expressar o reconhecimento de que
estava possuída, senão perfumando aquele que a tinha tirado da lama.
Tal acontece com os espíritos que atravessam várias encarnações, atolando-se cada vez mais no
lodo das paixões inferiores. Um dia, tocados pelos ensinamentos do Mestre, deixam a má vida, e
felizes e reanimados para o bem, elevam a Jesus uma prece de profundo agradecimento. Semelhante
prece é qual um bálsamo precioso, vertido de corações que pulsam de amor por Aquele que lhes
indicou o Caminho, a Verdade e a Vida.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Hunildes, capítulo 26)

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Capítulo 14

174

Vv. 10 e 11 – O pacto da traição (Mt 26:14-16; Lc 22:3-6)

I
Aparece aqui a figura de Judas, "O chamado Iscariotes". Mateus e Lucas escrevem Iskariótês,
enquanto Marcos só grafa Iskaríoth. Os comentaristas inclinam-se para considerar essa uma palavra
composta de ISH ("homem") e KARIOTH ("de Cariot") que é uma localidade da Judéia, já
citada em Josué (15:25). O hebraico QERIYOT significa "desfiladeiro", embora os LXX tenham
traduzido como "cidades" (hai póleis), plural do QERIY AH, correspondente ao árabe QARAIYA.
0 evangelista assinala que esse Judas "era um dos doze", portanto um dos discípulos da Escola,
a par de tudo o que ocorria, e encarregado das finanças (João, 12:6).
Apresentando-se aos "principais sacerdotes", ofereceu-se para "entregá-lo" (paradôsô). Mateus
afirma que Judas propôs receber dinheiro; Marcos, que os sacerdotes prometeram pagar-lhe, sem
que ele o pedisse; e Lucas que os sacerdotes combinaram pagar-lhe e ele consentiu. Marcos e Lucas
anotam que os sacerdotes "alegraram-se" ao ver facilitada sua tarefa.
A quantia fixada foi de trinta siclos (não "denários") que era a moeda oficial do Templo. Já no
Êxodo (22:12) fora determinado que, em caso de morte acidental causada a um escravo, devia o
senhor ser indenizado com trinta siclos de prata. O ciclo valia 120 denários; portanto 30 siclos
somavam 3.600 denários.
Em Zacarias (11:12-13) lemos: "Eu lhe disse: se vos parecer bem, dai-me a minha paga; e se
não, deixai-vos disso. Pesaram, pois, por minha paga trinta moedas de prata. YHWH disse-me:
arroja-as ao oleiro, esse belo preço por que fui apreçado por eles. Tomei as moedas de prata e
arrojei-as ao oleiro na Casa de YHWH". Inegável que há, na narrativa do sucedido com Judas, uma
alusão a esse trecho de Zacarias, tanto mais que o simbolismo prossegue, dizendo-se que as moedas
foram restituídas e "arremessadas do santuário" (Mat. 27:3-5) e "com elas foi comprado o campo do
oleiro" (Mat. 27:9).
Entramos numa parte cujo comentário se torna ainda mais difícil. Vemos Judas, um dos doze,
entregar o Mestre e não se importar de, por esse ato, receber dinheiro. João (12:6) diz claramente
que "ele era ladrão".
Como interpretar esotericamente o comportamento de Judas?
Diante das personagens humanas, Judas é o protótipo do traidor sujo e desprezível, que
atraiçoa a quem o beneficiou, em troca de miseráveis moedas, arrependendo-se depois, mas muito
tarde. Já foram escritos muitos volumes de comentários desse "gesto infame", e apareceram muitas
teorias a respeito desse comportamento estranho.
No entanto, temos que considerar o outro lado do fato. Jesus afirma "que melhor fora que não
houvera nascido" (Mat. 26:24 e Marc. 14:21) o que não deixa de comprovar a reencarnação como
veremos a seu tempo. Essa frase pode interpretar-se como terrível condenação da personagem, mas
também podemos olhá-la como lamentação a respeito do tremendo choque de retorno que essa
personagem receberia, por ainda não achar-se à altura de perceber toda a magnitude cósmica de
seu gesto" e se desesperaria.
Considerando o fato sob a luz da economia planetária, o papel de Judas na entrega de seu
Mestre foi um ato altamente sublime: exerceu a mesma tarefa do sacerdote que oferece e imola a
vítima no altar dos holocaustos. Meditemos nessa "entrega" como a legítima parádosis (ou traditio)
do iniciado que vai galgar mais um degrau na Senda, e precisa ser entregue ao Colégio Sacerdotal
a fim de submeter-se aos ritos prescritos nos cerimoniais secretos. O sacerdote que, nas Escolas
Iniciáticas egípcias e gregas introduzia (entregava) o candidato ao colegiado de sacerdotes (neste
caso o "Sinédrio"), para que fosse submetido à prova da "Morte de Osíris", é que se constituía
espontaneamente como FIADOR ou AVALISTA do candidato; e isso em virtude de bem conhecê-lo,
sabendo e jurando acerca de sua capacidade de sofrer todas as provas e vencê-las.

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Capítulo 14

175

Se houvesse fracasso do candidato, o sacerdote ofertante era incriminado como incompetente,


perdendo a confiança dos Mestres que passavam a considerá-lo incapaz de apresentar qualquer
outro candidato; mas se este vencesse? seu "fiador" moral era homenageado por isso, merecendo
maiores considerações de todos.
Mas, como admitir isso? Lamentavelmente nossa ignorância ainda é tão grande, que não
vemos meios de responder a essa pergunta. No entanto, porem ser aventadas algumas hipóteses.
O papel de Judas foi fundamental no Drama do Calvário, que foi representado à maneira dos
Dramas Sacros de Elêusis, sem que houvesse faltado nenhum pormenor. Ora, as Forças Superiores
não podiam permitir que uma tarefa tão ingente e de tão grandes conseqüências para a
humanidade, ficasse à mercê de uma criatura "fora do palco": só um dos elementos da peça poderia
representá-lo com segurança, sem perigo de fazer fracassar todo o conjunto. Daí, antes que
permitir que o Sinédrio agisse, ter sido um dos próprios discípulos que marcou a hora e os minutos
do início solene da cerimônia sacra iniciática estabelecida por Jesus, quando lhe diz (João 13:27):
"faze já o que tens que fazer".
Função de tão grande responsabilidade e importância devia ser confiada a quem tivesse a
capacidade de executá-la sem falhas. Mas - pobre homem! - o choque que recebeu, depois de
cumprida a incumbência, foi tão violento, que ele se descontrolou e desesperou: "melhor lhe fora
que não houvera nascido"!
A personagem não resistiu ao embate das forças mentais da época que o condenaram.
E mais ainda: a repercussão no terreno das personagens foi esmagador e tão atroz que perdura
até hoje, a uma distância de quase dois mil anos! Todavia, a ação no plano espiritual foi assinalada
como altamente meritória: o Espírito de Judas teve a inominável coragem de representar o papel
mais triste da história, de submeter-se à pecha de "traidor", e de sofrer todas as conseqüências do
desprezo e dos pensamentos contrários condenatórios de bilhões de criaturas durante milhares de
anos, e isso com o objetivo de colaborar no drama sacro da cerimônia iniciática a que Jesus, seu
Mestre, tinha que submeter-se! Seu sacrifício, voluntariamente aceito por seu Espírito (seu Eu
profundo) garantiu-lhe elevação no campo da coragem moral; no entanto, a fraqueza da
personagem encarnada não conseguiu atingir esse ápice e se desesperou, ao ver o Mestre e amigo
iniciar e levar a termo as cerimônias necessárias, com toda as violências previstas, até a aparente
morte na cruz.
As cenas desse tipo de iniciação, a que Judas assistira, quando realizadas na pessoa de Lázaro,
não tiveram as características de violência e derramamento de sangue, como Jesus. Ao contemplar,
pois, seu Mestre na Cruz, lanceado no peito, veio-lhe a dúvida atroz de que talvez não conseguisse
sobreviver como Ele havia predito na Escola. Cresceu a dúvida em seu peito, e julgou que tudo
fracassara.
Não teve coragem de esperar o fim: fraquejou em sua parte humana sensitiva da emoção que
ainda não estava aniquilada pela razão e pela intuição.
Essa foi a grande perda, para ele: a dúvida, a falta de confiança em seu Mestre. E se o plano
falhara e ali estava à morte Aquele que ele mesmo entregara ao Sinédrio - não para morrer, mas
apenas para submeter-se a uma cerimônia iniciática - então também o discípulo que o "entregara"
não devia viver.
Olhando-se sob esse prisma que acabamos de expor, descobrimos novas luzes no gesto de
Judas, tão condenado e, apesar disso, tão indispensável a todo o desenvolvimento da evolução
humana.
Para que se destaque a luz, é indispensável a sombra. Tudo possui um pólo positivo e um pólo
negativo. E essa lei não podia falhar em tão sublime obra-prima do Espírito. Mas ambos os pólos
são partes opostas mas integrantes do mesmo corpo: ambos têm que existir para que haja
equilíbrio, pois não pode haver um sem o outro.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

176

Assim, não haveria JESUS sem JUDAS, nem ocorreria a sublimação de um sem o sacrifício do
outro, não poderia elevar-se um sem que o outro se abaixasse: "é mister que ele cresça e eu
diminua". Judas cumpriu sua tarefa, anulando-se e sacrificando-se durante milênios, para que
Jesus fosse exaltado na mesma proporção durante o mesmo período.
A questão monetária constitui um pormenor adrede preparado para escurecer mais o lado da
sombra, a fim de ressaltar melhor a iluminação do positivo, além de constituir, como sempre,
símbolo marcante.
TRINTA é um número que aparece com frequência nas Escrituras judaicas, não só porque
constitui o limite de idade para início da vida pública (cfr. Gên. 41:46; Núm. 4:3, 35; 2.º Sam. 5:4;
1.º Crôn. 23:3; Luc. 3:23), como também na medida do mês (Núm. 20:30; Judit, 3:15 e 15:13; Dan.
6:7,12) sendo uma das medidas da arca (Gên. 6:15) e de outras construções (1.º Reis, 7:2, Judit,
1:2) além de outros testemunhos.
Temos, nesse número, o símbolo (vol. 1) de haver-se completado o desenvolvimento da
personagem encarnada, ou seja, a multiplicação do TRÊS (que representa o Filho) pelo DEZ (que é
o ciclo terminado).
Neste caso temos, no TRINTA, o símbolo de que havia sido completado o ciclo da existência da
personagem encarnada de Jesus. Tanto assim que a tradição diz que viveu 33 anos, isto é, 30 mais
os três da perfeição. Na realidade, já vimos que deve ter permanecido, nessa vida exotérica, cerca
de 37 anos ou 38 anos.
Ademais, Judas, em todas as listas de Emissários, sempre foi colocado em 12.º lugar (cfr. Mat.
10:2-4; Marc. 3:16-19; Luc. 6:14-16; At. 1:13, onde Judas não é citado). Ora, o arcano 12
corresponde, no alfabeto hebraico, à letra lamech, cujo valor numérico é precisamente 30.
Outras observações nesse setor: na correspondência dos doze emissários com as doze tribos de
Israel, Judas é comparado a DAN (1). Um e outro equivalem ao signo de Escorpião, no zodíaco. O
signo de escorpião representa a "geração" do veículo mais denso (serpente), em sua energia mais
baixa, através do sexo físico que é, nos seres humanos, uma herança do estágio animal; mas
representa, também, a "regeneração" (águia), que atinge em seu vão os mais altos planos. Esse
signo, portanto, quando em ação, simboliza a destruição definitiva do eu personalístico que provém
da evolução do psiquismo animal, para o nascimento integral e absoluto do Eu Profundo não mais
sujeito à reencarnação.
(1) Segundo Sábado Dinotos ("Dicionário Hebraico-Português") a tribo de Dan povoou a Grécia
("danai") e o norte da Europa, permanecendo de seu nome um resquício em "DANemark", em
DANúbio, etc.
Então compreendemos a atuação de Judas ("escorpião") no Drama do Calvário e exatamente
nesse ponto histórico: porque aqui encontramos a aniquilação total da personagem terrena Jesus,
numa final absorção dela por parte do Cristo de Deus, que nascera e se desenvolvera através de seu
Eu Interno.
De DAN, rezava a tradição talmúdica, surgiria o antimessias; e lemos no Gênesis (49:17) "Dan
será uma serpente no caminho, uma víbora na Senda, que morde os calcanhares ao cavalo, de
modo que caia para trás seu cavaleiro"; interessante observar que, no Apocalipse (7:5-8), são
enumeradas as doze tribos de Israel, mas a de Dan é substituída por Manassés, filho de José (do
Egito). Da mesma forma Judas desaparecerá da relação dos doze Emissários, sendo substituído por
Matias (At. 1:26). O escorpião desaparecera, tendo-se tornado "águia".
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

177

II
Aproximava-se o momento de se cumprirem os fatos preditos, e Jesus, falando daquele modo
aos discípulos, confirmava as predições já feitas. Enviados por Ele, Pedro e João encontram o
homem que lhes fora indicado e tudo se passa como Ele anunciara. Esses fatos, que se verificavam
em Jesus, de presciência, de visão a distância, bem como a influência oculta que concorria para que
eles se produzissem, já ficaram explicados, quando estudamos outros pontos já considerados.
Quanto à traição de Judas, não resultou de uma predestinação. Aceitá-la como tal importaria em
negar a justiça de Deus.
Judas, que era um Espírito desejoso de adiantar-se, mas orgulhoso e por demais confiante nas
suas forças; pedira, antes de encarnar, lhe fosse concedido participar da obra do Cristo, esperando
tirar dessa participação abundantes e preciosos frutos. Em vão seus guias lhe fizeram ver os escolhos
contra os quais iria chocar-se. A nada quis atender.
Jesus conhecia a Judas e lhe aceitara o concurso. A lição terrível que o esperava fá-lo-ia sair
afinal purificado de todos os vícios que ainda o dominavam. Foi tendo em vista esse futuro, patente
a seus olhos, que o Mestre consentiu naquele ato de Judas, que, além de orgulhoso, era invejoso e
amante do luxo (180). Quantos e quantos Judas não existem ainda neste mundo e quão tremenda é a
expiação que os espera!
Os bons Espíritos nos dizem: Queridos irmãos, desconfiai todos, todos sem exceção, de vós
mesmos, pois que estais sempre prontos a dar entrada a “Satanás”, ao “demônio” do orgulho e da
inveja, e muito prontamente sucumbis às suas sugestões. Guarde-vos o Senhor, porqüanto a queda é
fácil, mas o reerguimento é terrível!“
Os discípulos, dizem os Evangelhos, fizeram o que o Mestre lhes determinara, tudo se passou
como lhes fora dito e prepararam tudo para que Ele celebrasse a Páscoa com os doze, portanto com
Judas Iscariotes, também, o qual, sabia-o Ele, o havia de trair. E, com efeito, celebrou com seus
discípulos aquela festa, não numa sinagoga ou num templo construído pelos homens, mas num
amplo cenáculo todo mobilado. Como cumpria acontecesse, tal festa, a ceia pascal, serviu, sob o
império e o véu da letra, de base a um culto exterior. Em espírito e verdade, porém, foi um ato
puramente espiritual, emblemático, cujo sentido, alcance e aplicações em seguida veremos.
A vida de Judas demonstra até que extremo funesto pode o orgulho obstinado levar a criatura
que se exalta, julgando-se capaz de tudo, pelo seu saber e pelo seu poder. Faz, entretanto, manifesta,
ao mesmo tempo, a justiça e a misericórdia de um Deus, cuja mão paternal está sempre pronta a
estender-se para o filho indócil, a fim de o levantar da queda, que lhe deve servir de lição.
Com efeito, Judas, tendo falido no desempenho da missão que pedira, por ser esta superior às
suas forças, achou, pela infinita bondade de Deus, meio de se erguer e regenerar no crisol do
arrependimento, do remorso, da expiação, da reparação, do tempo, do progresso, de forma a reaver o
seu lugar entre os servidores fiéis e devotados de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Quando recebia os ensinamentos que acabamos de resumir, o médium, que servia de
instrumento à transmissão deste conjunto de revelações que nos iluminam o carreiro por onde
chegaremos aos pés do Nosso Senhor e Mestre, escreveu inopinadamente as duas comunicações que
se seguem e que constituem grandiosas lições, fontes de esperança e de coragem para todos, a todos
ensinando que, por maior que seja o crime, ou a falta da criatura, jamais é tão grande quanto à
bondade de Deus.
São estas as comunicações:
“Oh! como é grande esse Deus que permite que o “filho culpado encontre, na sua própria
indignidade, o “ponto de apoio que o ajudará a subir para a perfeição!
“Oh! quanto é bom aquele que está sempre pronto “a perdoar ao que sinceramente se arrepende,
que pensa “com suas mãos benfazejas as chagas dos nossos corações culpados, que nelas derrama o
bálsamo da esperança e as cicatriza com o auxílio da expiação!

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Capítulo 14

178

“Bendito sejas tu, meu Deus! — JUDAS ISCARIOTES”.


“O amor do Senhor se estende por sobre todas as suas criaturas. Vinde, pois, a Ele, cheios de
confiança. Não são os inocentes os que precisam de perdão. Não são os fortes os que precisam de
amparo. Vinde, filhos que chorais as vossas faltas, o Senhor vos enxugará as lágrimas. Vinde, filhos
fracos e enfermos, o Senhor vos dará parte maior e mais ativa do seu amor. Vinde confiantes. Como
vós, também nós falimos. Como vós, também fomos culpados, amargamos as nossas faltas e
expiamos os crimes que cometêramos e as fraquezas que nos fizeram sucumbir, por meio de longo e
penoso labor numa série extensa de existências humanas, que prepararam e realizaram a nossa
purificação, graças à qual o Senhor nos admitiu a gozar da sua alegria”.
“Imitai-nos, portanto, irmãos bem-amados. Todos “tendes, mais ou menos, o que expiar, tendes
que pedir “perdão. Vinde com confiança aos pés do vosso pai, confessai vossas faltas perante o seu
tribunal. O juiz é“reto, o juiz é justo, mas também é pai. Sua indulgência “há de sempre prevalecer
sobre a sua justiça; suas sentenças Ele as profere sempre dentro dos limites das vossas forças. É
Credor paciente e brando; esperará que possais pagar a vossa dívida”.
“Oh! vinde! Possa a mão que vos estendemos sustentar-vos, fazendo-vos compreender que em
nós achareis grandes tesouros de amor”.
“Judas, é hoje um espírito regenerado no crisol do “arrependimento, do remorso, da expiação,
da reencarnação e do progresso. Tornou-se um dos auxiliares humildes, ativos e devotados do
Cristo. Este exemplo vos mostra que não deveis nunca repelir QUALQUER de vossos irmãos e
ainda menos exclui-lo da paz do Senhor”. (JOSÉ DE ARIMATÉIA. — SIMÃO DE CIRENE)
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 169)

III
Não resta a menor dúvida de que não foi o desejo de possuir as trinta moedas de prata, o que
levou Judas a trair o Mestre. O motivo que influiu no ânimo de Judas para que agisse mal, foi
político. Os judeus, nessa época, viviam sob o jugo romano. Os patriotas israelitas ansiavam por
recuperar a liberdade perdida. Judas pertencia ao grupo dos que, por meio de uma revolução,
queriam libertar a Judéia. Iludido pela simpatia que Jesus desfrutava no seio do povo, e pela boa
acolhida que Jerusalém lhe tributara, Judas não via em Jesus um missionário celeste, mas um chefe
de partido. Judas quis precipitar os acontecimentos políticos, entregando o Mestre à prisão; julgava
que houvesse reação, os partidários se reuniriam, e se faria a tão ambicionada revolta contra os
Romanos.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 26)

IV
Este complô ocorreu dois dias antes da Páscoa (14:1), portanto, muito provavelmente, na
quarta-feira da Semana da Paixão.Enquanto Jesus estava em Betânia (14:3), os líderes religiosos
tramaram a morte de dEle. Para isso, contaram também com a ajuda de Judas Iscariotes – discípulo
de Cristo. Judas, que já não esperava nada mais de Jesus em termos de honras e riquezas num reino
terrestre, resolveu participar do complô contra Jesus, indo oferecer sua ajuda aos líderes judaicos, e
deles recebeu promessa de dinheiro (14:10). Se Judas já estava decepcionado com Jesus por ver que
o Mestre não seria um rei terrestre, ficou mais decepcionado ainda, e até magoado, diante da
repreensão pública de Jesus a ele, quando aprovou o gesto amoroso da mulher que ungiu os pés dEle
com valioso perfume (esta é Maria, irmã de Marta e Lázaro, conforme João 12:3), e condenou a
hipocrisia de Judas (e de alguns outros discípulos), em seu fingido interesse pelos pobres (14:4-9.
Confira também João 12: 4-8).
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

179

Vv. 12 a 16 – Os discípulos preparam à Páscoa (Mt 26:17-19; Lc 22:7-13)

I
Anotam os narradores que "era o primeiro dia dos ázimos". Pelo que sabemos de Flávio Josefo a
festa durava oito dias cheios, pois no dia da imolação do cordeiro, 14 de nisan, não devia encontrar-
se na casa nenhum alimento fermentado, nenhum condimentado com sal, nenhum temperado com
azeite. Para evitar descuidos, desde a véspera, 13 de nisan, os donos da casa percorriam-na em todos
os recantos, catando qualquer migalha de fermento, para que fosse queimado a tempo. Era, assim,
denominado "primeiro dia dos ázimos" o dia 13. No entanto, também era permitida uma antecipação
da imolação do cordeiro.

PÁSCOA
A imolação do cordeiro pascal, seu cozimento e sua consumação eram realizados ao pôr do sol
do dia 14 de nisan, e a FESTA DA PÁSCOA, propriamente, era comemorada no dia 15. Ora,
sabemos que Jesus foi crucificado "no dia em que devia comer-se o cordeiro", isto é a 14 de nisan.
Então, forçosamente, o cordeiro foi imolado e comido, por Ele e por seus discípulos, no dia 13
(o primeiro dia dos ázimos). Essa antecipação podia realizar-se:
1.º - Quer porque o próprio Jesus tenha resolvido fazê-lo, para seguir a grande massa popular,
que recuava de um dia a imolação, quando o dia 15 caía num sábado, para que não violassem os
preceitos do repouso depois das 18 horas da sexta-feira. Isso apesar de a Michna estabelecer: "a
páscoa é superior ao sábado", não havendo necessidade dessa antecipação (cfr. Mechitta e Gem.
Pesachim).
2.º - Quer porque o Sinédrio, levado pela opinião dos sacerdotes da Casa de Boethus, que
tinham grande influência, tivessem recuado oficialmente a cerimônia, para não ferir o repouso
sabático.
Com esses dados, podemos estabelecer a data da crucificação de Jesus, já que sabemos que foi
crucificado numa "sexta-feira 14 de nisan": com efeito, durante a procuradoria de Pilatos na
Palestina, só três vezes o 14 de nisan coincidiu com a sexta-feira: no ano 27 (a 11 de abril); no ano
30 (a 7 de abril ) e no ano 33 (a 3 de abril). Alguns autores, (João Crisóstomo, Craeca; Teofilacto,
Pseudo-Victor, Catena, Eutímio) opinam que prôtos, "primeiro" dia dos ázimos, deveria ler-se pro,
isto é "na véspera" do dia dos ázimos (1).
(1) Pelos dados mais recentemente descobertos, devemos trazer um acréscimo à cronologia que
expusemos no 1 vol, pois a crucificação só teria podido dar-se no ano 30 (dia 7 de abril), quando
então teríamos que recuar de 28 para 27 o mergulho de João; ora, no mesmo vol. 1 chegamos à
conclusão de que o mergulho realizou-se no ano 29. Tendo Jesus nascido a 7 A.C., e tendo
completado seu primeiro ano de vida no ano 6 A.C., no ano 29 teria "cerca de 30 anos", ou mais
precisamente 34 anos. Nesse passo, a crucificação não poderia ter ocorrido no ano 30, em vista das
numerosas atividades relatadas nos Evangelhos. Temos, portanto, que adiar para o ano 33 (dia 3 de
abril) a crucificação. Ai, então, compreendemos o porquê da tradição unânime que vem de longa
data, de que Jesus "morreu aos 33 anos". Deve-se ao erro do diácono Dionísio o Pequeno, que
estabeleceu o nascimento no ano 1 de nossa era, pois se fixara no dito de Lucas (3:23) de que Jesus
tinha "cerca de 30 anos", e de que sua crucificação ocorrera no ano 33. Contudo, tendo Jesus
nascido a 7 A.C. ou seja, o ano 747 da fundação de Roma, sua crucificação ocorreu no ano 33 (785
de Roma), quando contava, quase, 38 anos, ou seja estava no 37.º ano de sua vida, embora não
tivesse completado os 38.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

180

Os discípulos tomam a iniciativa de perguntar ao Mestre onde quer que seja preparada a Páscoa.
Jesus encarrega Pedro e João de irem à cidade - o que denota que estavam fora de Jerusalém - e lá
prevê o que está para acontecer: ao entrar (logicamente pela Porta de Siloé, onde se localizava a
Fonte) encontrariam um homem a carregar água.
Observemos a originalidade: àquela época eram só as mulheres (escravas ou, nas famílias
pobres, as donas da casa) que exerciam esse mister: um homem, mesmo servo, a fazê-lo, constituía
uma exceção.
Ao encontrá-lo, deviam segui-lo para ver aonde se dirigia e onde entrava: com isso, localizariam
a casa de "um tal" (pròs tòn deína), maneira de evitar a citação nominal por parte dos narradores. As
suposições foram várias ao longo dos séculos: era a casa de Nicodemos, a de José de Arimatéia ou
de qualquer outra personagem importante cujo nome não devia ser citado para evitar perseguições,
ou mesmo do pai de Marcos, que era casado com Maria, a irmã de Pedro, e que morava em
Jerusalém (cfr. At. 12:12, 17). Mas é inútil querer adivinhar!
Ao encontrar o dono da casa, diriam: "o Mestre pergunta: onde é o meu aposento (tò katályma
mou) para comer a páscoa com meus discípulos"? E Mateus acrescenta: "comerei a páscoa em tua
casa" (pròs se, equivalente a parà soi, que o francês traduz otimamente: chez toi). A expressão tò
katályma designava o aposento de hóspedes (cfr. 1.º Reis, 1:5 e Ecli. 14:25). Tudo isso demonstra
que havia realmente intimidade grande e confiança absoluta de parte aparte.
O anfitrião mostraria um "sobrado grande" (anágaion méga), o que revela casa grande de
pessoas ricas.
Anotemos que essa palavra anágaion é um hápax neotestamentário, pois o termo comum para
expressar o sobrado era hyperôon ("o andar de cima"). Ocupava, geralmente, todo o pavimento
superior, abarcando todos os cômodos do térreo, e se mantinha normalmente mobiliado com tapetes,
almofadas e divãs, para condignamente receber os hóspedes, permitindo-lhes comer e dormir.
Jesus regressa a Betânia com os discípulos, deixando Pedro e João encarregados dos
preparativos, naturalmente auxiliados pelos escravos e empregados da casa.
A refeição da ceia pascal consistia em pão sem fermento, em salsa ritual (haroseth), em
chicóreas amargas (merôrim), tudo cozido sem sal nem azeite (cfr. Êx. 12:8 e Núm. 9:11).
Eis a primeira preparação para o início do Drama Sacro para a emancipação do homem.
Aparece um sinal (sêmeion) que é mostrado (deíknymi) com clareza tão grande e evidência tão
brilhante, que admira não ter sido comentado em todos os tons durante esses quase dois mil anos,
um sinal que anuncia a possibilidade e a época em que se promoverá a libertação ou redenção para
a humanidade terrena.
Hão de ocorrer todas as modificações preditas nos capítulos que anteriormente comentamos -
E "toda esta geração estará presente para vê-lo" – mas só se dará início à passagem (páscoa) no
signo de AQUÁRIO: sim, encontrarão um homem a carregar um cântaro de água.
Isso representa, desde a mais remota antiguidade, o signo de aquário, que figura no zodíaco
egípcio de Denderah com duas ânforas. Todas as tradições orientais relacionam esse arquétipo com
o final de um ciclo que traz em si o germe de novo princípio (ouróboros). Aquário é o princípio da
dissolução e decomposição das formas, e da imediata proximidade da libertação, por meio da
destruição do que é meramente fenomênico.
Mas o signo do aquário constitui simplesmente o sinal (sêmeion) reconhecedor da época. A
realidade do ágape místico virá ao encontrarmos o" dono da casa" (oikodêspótês), que simboliza o
Eu profundo, a Individualidade, que já mantém "mobiliado" o aposento de cada um. Notemos, de
fato, que Jesus pergunta pelo "”MEU aposento", e embora não seja abertamente revelado, esse
aposento está no "sobrado alto", no "primeiro andar" (anágaion).

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

181

O termo exprime, literalmente "acima" (aná) "a terra" (gáios, de gês). Não é na parte material,
onde encontramos o aposento secreto do encontro e da passagem, aquele "aposento" (tameíon)
onde já devemos estar habituados a "entrar e, fechada a porta, orar em secreto" (Mat. 6:6): é
"acima da terra” (anágaion), acima do nível material.
Essa a razão por que Marcos e Lucas não usaram o termo vulgar e comum hyperôo, que
exprimia o andar de cima reservado primitivamente às mulheres e, mais tarde, aos escravos. Com
uma palavra nova, altamente significativa, quiseram chamar a atenção dos discípulos para o
sentido oculto. E criaram o novo termo, dantes inexistente na língua grega. Por aí ficamos sabendo
que as figurações alegóricas que se passam na terra (en tês gês), representadas na matéria densa,
constituem mero e pálido reflexo sombrio da realidade vivida "acima da terra".
Onde? Dizem alguns autores que a ação primordial foi realizada no plano astral. Outros
admitem que o foi mesmo no físico denso, e que a humanidade e o planeta conseguiram deter sua
descida evolutiva que já se avizinhava da destruição total da "alma" (cfr. Rudolf Steiner, "Pierres
de construction pour la connaissance du Mystère du Golgotha", Paris, 1947) e iniciar o caminho do
regresso, quando o sangue de Jesus (seu duplo etérico) penetrou na terra, infundindo-lhe novas
energias divinas.
Quanto a nós - salvo erro - pensamos que a REALIDADE foi integralmente vivida no plano
espiritualmental, enquanto o reflexo se fazia sentir no plano astral e, secundariamente, em
repercussão inevitável, no plano físico, único testemunhado pelos discípulos diretos.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II
A Páscoa é uma cerimônia anual de agradecimentos a Deus, e remonta à mais alta antigüidade.
Foi instituida por Moisés em memória da saída do povo hebreu do Egito, onde eram escravos. O
Cristianismo recebeu esta herança do Judaísmo, porém, não mais comemora por meio dela a partida
das terras do Egito; mas sim, atualmente, relembra, pela Páscoa, a ressurreição de Jesus. É uma festa
de alegria e de esperanças e essencialmente familiar, como o Natal. É quando a família cristã
recorda a gloriosa materialização do Mestre ante seus discípulos, depois de ter desencarnado na
cruz, provando que a morte não existe, e que depois do túmulo a vida continua eterna e mais bela
ainda.
Jesus mandou seus discípulos à casa dum tal, isto é, de quem melhor os acolhesse; não havia
preferências; onde fossem bem acolhidos, ali celebrariam a Páscoa. Assim também os ensinamentos
de Jesus se dirigem à humanidade, sem preferências por determinada seita. Todavia, germinam
apenas na alma de quem preparou seu coração para bem recebê-los.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 26)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

182

Vv. 17 – Início da Ceia (Mt 26:20; Lc 22:14)

I
Aqui vemos que Jesus chegou com os doze, proveniente talvez de Betânia, depois do repouso
vespertino, após o banho reconfortador, quando a tarde já vinha caindo: estávamos pois cerca das 18
horas de 13 nisan (embora, para os judeus, fosse essa a primeira hora de 14): era a hora legal para
realizar-se a ceia pascal.
No original lemos sempre apenas o verbo "reclinados" (anakeiménoi) mas, para boa
compreensão, temos que acrescentar "à mesa".
Os judeus não usavam mais comer o cordeiro segundo a prescrição legal (Êx. 12:11) isto é, de
pé, com roupa de viagem (embora vejamos que Jesus despe o manto de viagem para o lava-pés e
depois torna a vesti-lo), com o manto cingido e um bastão na mão. Haviam aderido ao costume
"pagão": reclinados num tapete, com o braço esquerdo apoiado numa almofada, deixando livre o
braço direito para tomar os alimentos, que eram levados à boca com a mão, geralmente servindo-se
diretamente da travessa.
Numerosos estudos foram realizados, pela observação dos costumes da época, para saber a
posição dos discípulos. A conclusão mais lógica (cfr. P. Prat, "Les Places d'honneur chez les Juifs
Contemporains du Christ", em "Recherches", 1925, pág. 512-522; e em "Jésus-Christ", e Talmud de
Babilônia, Berakhot) aponta-nos que a mesa tinha forma de U. Era dividida em três porções, donde
o nome de triclinium (três leitos) com um leito no meio (lectus medius) de face para a entrada da
sala; um à esquerda (lectus summus) e outro à direita (lectus imus). O lugar de honra era à esquerda
(hyper autón) do chefe, que ficava um pouco de costas para seu convidado principal, e o segundo à
direita (hyp'autón). Dessa forma, Jesus devia estar ao centro, com Pedro à sua esquerda e João à sua
direita, o que lhe facilitou recostar a cabeça no peito de Jesus para falar-lhe a voz baixa. Logo ao
lado de João devia estar Judas, por ser o ecônomo, encarregado de chefiar todo o serviço da refeição.
Os narradores falam apenas da presença dos discípulos na ceia: o próprio dono da casa não tomou
parte na cerimônia.
A primeira parte do drama é armada no sobrado, com a presença do candidato e dos
sacerdotes (lembremo-nos de que o termo "sacerdote" - de sacer, "sagrado" e dos,dotis,
"parte,dote" - exprime essencialmente nos costumes antigos ,o "sacrificador", aquele que abate as
vítimas do holocausto).
Cada um dos elementos principais terá sua tarefa específica, como iremos vendo na
continuação das narrativas, embora só três deles apareçam como realmente atuantes: Pedro, João
e Judas. Os outros nove perdem-se na multidão anônima, até depois da ressurreição, onde alguns
deles ainda são recordados.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II
Jesus baixou ao convívio de seus discípulos, para lhes dar ensinamentos verbais, capazes de os
impressionar, tendo sempre o cuidado de ligar esses ensinos aos fatos e às tradições do Antigo
Testamento. Não voltará a nós, senão quando a semente que plantou e que vem germinando há
longos séculos se tenha tornado árvore carregada de frutos. Quer isto dizer que não voltará, visível
aos homens, senão quando houvermos atingido tal grau de desenvolvimento, que lhe seja possível
manifestar-se na plenitude da sua natureza espiritual.
A Páscoa é um símbolo; nada mais que um símbolo. É o selo aposto pelo Mestre aos
ensinamentos que ministrava pela palavra. É a confirmação da lei de amor e da união que deve
reinar entre os homens.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

183

Ë o derradeiro e solene apelo por Ele feito à prática dessa lei e dessa união, portanto, à
fraternidade universal. Ë a comunhão a que convidou e convida os homens, servindo-se dos
emblemas do pão e do vinho, aos quais comparou o seu corpo e o seu sangue.
Assentados todos à mesa do festim, todos temos que nos servir igualmente do mesmo alimento
e que beber pelo mesmo cálice, O pão tem que ser o mesmo para todos, pois que o sacrifício do
Salvador se verificou para servir de exemplo a todos; o vinho a todos os sequiosos tem que
dessedentar, visto que seu “sangue” o Salvador o derramou por todos.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 170)

III
Havendo passado a quarta-feira em Betânia, Jesus e os discípulos se dirigiram para Jerusalém na
quinta-feira. Nesse dia, os preparativos para a Ceia Pascoal foram feitos, e à noite a Ceia foi servida.
Seria a última Páscoa na companhia de Jesus, e a primeira cerimônia de Santa Ceia que substituiria a
celebração da Páscoa para os cristãos.
A Santa Ceia é uma ocasião em que se misturam os sentimentos de tristeza e alegria. Tristeza
porque nos lembramos do sofrimento e morte do imaculado Filho de Deus; alegria porque em cada
celebração podemos nos lembrar da promessa de Jesus: "Jamais beberei do fruto da videira, até
aquele dia em que hei de beber, novo, no reino de Deus" (Mar. 14:25). Estes dois sentimentos
(tristeza e alegria) foram resumidos por Paulo, quando se referiu à Santa Ceia: "Por que todas as
vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha" (1
Cor. 11:26).
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

184

Vv. 18 a 21 – O traidor é indicado (Mt 26:21-25; Lc 22:21-23; Jo 13:21-32)

I
O estudo deste trecho é de importância capital para a compreensão plena dos ensinos dados no
Grande Drama do Calvário.
Estavam reunidos à mesa, ainda comendo (esthiontôn autôn), quando revela aos demais
discípulos que o drama tem início, pela entrega da vítima, que é Ele mesmo, nas mãos do clero
organizado, para o sacrifício. E esse ato será realizado por um dentre os doze. O gesto está iminente,
tanto que os verbos estão, o primeiro no futuro imediato (paradôsei, entregará), os outros no
presente do indicativo (paradídotai, é entregue) e no presente do particípio (paradidoús, que temos
que traduzir pelo futuro do pretérito, entregaria).
João, por estar mais próximo, salienta em sua narrativa que Jesus "agitou-se em espírito"
(etaráchthê tôi pneúmati) e assegurou como testemunho da verdade (kaì emartirêsen) que um dos
doze o entregaria.
A revelação brusca faz cair o mal-estar em todos, como o salientou Agostinho: "cada um estava
seguro de si, mas duvidava de todos os outros". Ergue-se um vozerio de todos os lados: "serei eu"?
Dentre todas as vozes faz-se ouvir a de Judas, que conhecia sua tarefa, mas não podia revelá-la. Tem
que perguntar, para que seu silêncio não o denuncie (cfr. Jerônimo). Jesus o confirma: "tu o
disseste"!
Alguns comentadores assinalam que todos se dirigem a Jesus denominando-O didáskale, e que
Judas o diz Rabbi. Mas além da equivalência absoluta dos dois tratamentos, há que lembrar que os
galileus utilizavam muito mais o idioma grego, ao passo que os judeus preferiam o aramaico.
A resposta ao grupo foi apenas indicação de que ali estava presente aquele de quem falara: esse
o sentido de "mete comigo a mão no prato", coisa que Marcos traduz "come comigo" e Lucas "está
comigo à mesa". Expressões equivalentes.
Mas ninguém ouve a resposta de Jesus a Judas. Nem Pedro que, indócil, quer saber quem é, e
acena com a cabeça (é o sentido do grego neúô) para João, que se designa com um circunlóquio: "o
discípulo que Jesus amava". A pergunta é feita em voz baixa. Jesus diz-lhe que vai dar um pedaço de
pão (psomíon) mergulhado (bápsô, do verbo báptô) provavelmente no vinho: tão óbvio, que não era
mister dizê-lo ...
Molha o pão no vinho e passa-o a Judas, em deferência toda especial, pois aos outros dá apenas
o pão seco e faz passar a taça de vinho, na qual todos bebem.
João assinala que, com o pão, "entrou nele o antagonista". Ao verificar que tudo correra de
acordo com o previsto, Jesus dá-lhe ordem de desencadear os acontecimentos: "o que fazes, faze-o
depressa". Diz João que "ninguém entendeu". Revelada a trama, ninguém protestou!
Comportamento estranho! Judas recebeu o pão embebido em vinho, comeu-o e saiu. Já era noite
fechada.
Nesse momento, Jesus anuncia a transubstanciação, que analisaremos no segundo comentário.
Avançamos, cada vez mais, para a realização do Grande Drama. Após o exemplo de
humildade, é iniciada a refeição da ceia pascal anualmente celebrada.
A certa altura, sente o Mestre o aviso de Seu Eu profundo, que peremptório Lhe diz ter chegado
sua hora. Seu espírito se agita, pois os veículos mais densos terão que passar por uma prova dura,
difícil, quase sobre-humana, mas é NECESSÁRIO, e Jesus não titubeia, não hesita. Resolve ordenar
o início, dar a partida do Ato Sacro, e fazer Suas últimas recomendações, antes de ser coagido a
desaparecer do cenário físico. Começa dizendo que "está determinado que o Filho do Homem vá", e
Ele irá; mas lamenta profundamente o homem que tem a ingrata tarefa de entregá-Lo (1) às
autoridades eclesiásticas para o sacrifício sangrento: esse homem sofrerá terríveis impactos, mas
terá que cumprir sua obrigação até o fim, terá que beber o cálice até as fezes.

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Capítulo 14

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(1) Anotamos mais uma vez que o verbo empregado insistentemente paradídômi, é
característico das cerimônias iniciáticas.
Os discípulos ficam preocupados. Mas o Mestre acrescenta: "esse homem está comendo
conosco: é um dentre vós"! Maior preocupação os assalta e o peso da dúvida lhes penetra o ânimo.
Embora soubessem o que estava para ocorrer, desconheciam qual o "escolhido" (o "clérigo") que
deveria executar o gesto indispensável, tomando a posição de "antagonista" oficial de Jesus, para
ser condenado durante milênios pela humanidade. Era um gesto que requeria força e heroísmo sem
limites: precisava-se de um voluntário disposto a sacrificar-se. Qual deles seria o escolhido?
Jesus aduz que "era melhor que esse homem não tivesse nascido", tal a dificuldade quase
insuperável a vencer. E, com essa frase, mais uma vez revela abertamente a realidade da
reencarnação, da qual já falara outras vezes, não insistindo mais no assunto porque era convicção
profunda e arraigada em todos eles de que assim ocorre com as criaturas. Mas convenhamos que
para dizer que "melhor fora que não tivesse nascido", era mister a certeza de que ele existia antes
de nascer, e ter-lhe-ia sido muito melhor permanecer em estado de espírito, não se metendo numa
dificuldade tão grande, não se sujeitando a um sofrimento tão atroz. De fato, se o espírito fosse
criado por Deus no momento do nascimento, como ensinam certas seitas religiosas, a frase de Jesus
constituiria uma blasfêmia contra Deus, pois isso seria uma crítica direta contra um ato divino!
Jesus teria acusado Deus de ter criado um espírito, quando seria melhor que o não tivesse feito!
Ora, não podemos admitir uma crítica desse teor, contra Deus, nos lábios de Jesus. A conclusão é
que o espírito de Judas preexistia à encarnação (ao nascimento) e, mais ainda, que aceitara a difícil
missão. Conhecendo-lhe as asperezas, Jesus confessa-se penalizado pelo que sofrerá e diz que
melhor fora se não tivesse aceito e reencarnado, pois teria evitado as atrocíssimas dores futuras.
Todos se entristecem preocupados, e querem saber qual deles terá a triste incumbência. Judas,
embora já o soubesse, também indaga, para ouvir a confirmação. A resposta de Jesus "tu o
disseste", equivale a: "já o sabes, por que o perguntas?" Por isso não vemos aí o simples "sim".
Pedro, (a emoção) não resiste à curiosidade e acena com a cabeça para que João pergunte ao
Mestre.
Jesus retruca-lhe que dará um pedaço de pão mergulhado no vinho, indicando o escolhido;
recordemos que ainda hoje assim é dada a "comunhão" na igreja ortodoxa: um pedaço de pão
mergulhado no vinho. Assim fortalecido, Judas sai.
Mas, para os profanos, a verdade tinha que ser encoberta pelo véu das coisas ocultas. Por isso,
o "discípulo que Jesus amava” fala que "o antagonista entrou nele junto com o pão”. Realmente,
neste ponto Judas inicia sua carreira de "antagonista": voluntária e espontaneamente se coloca no
pólo oposto, para começar a receber os impactos de ódio e desprezo, a fim de que seu Mestre
receba toda a onda de simpatia e de amor por parte da humanidade.
Mas que era uma coisa sabida e esperada, prova-o o fato de que nenhum dos discípulos
protesta contra Judas. Ninguém o ataca. Ninguém o acusa. Ninguém se revolta. Ninguém o
condena. Ninguém procura defender seu Mestre contra Judas. Todos aceitam passivamente calados
o fato que, em quaisquer outras circunstâncias, forçosamente faria que todos se levantassem como
um só homem para detê-lo de seu intento. Não. Nada disso ocorre: só o silêncio da aceitação.
Para justificar essa imóvel passividade dos discípulos, João escreve aquela frase
incompreensível a quem quer que raciocine: julgaram que Jesus o mandara fazer compras (mas
àquela hora da noite!) ou distribuir esmolas (mas de noite?). Evidente que se trata de uma desculpa
na qual o narrador, em verdade, não foi muito feliz: basta um pingo de reflexão, para verificar-se
que ela não convence, em absoluto. Mas era necessário dizer alguma coisa, para justificar a
impassibilidade dos discípulos que assistiam à "acusação" e a aceitaram sem uma palavra de
protesto. Nem o temperamental Pedro se rebelou! E no entanto, ficou sabendo com segurança de
quem se tratava ... Por que? Porque todos sabiam o que se passava.

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Capítulo 14

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Dado o passo inicial, Jesus anuncia que vai dar-se a transubstanciação. Analisemos as frases
de João, cheias de sentido profundo.
"Agora o Filho do Homem é transubstanciado e Deus se transubstancia no Filho do Homem":
o Cristo interno, a Divindade que em tudo habita, a Essência última de todas as coisas, encontra
campo para expandir-se e manifestar-se plenamente no Filho do Homem, por sua aceitação total do
sacrifício para subir um degrau na evolução, demonstrando o caminho à humanidade. Deus o
permeia, o penetra, o infinitiza. E "se Deus se transubstancia" pela unificação mística "no Filho do
Homem, também Deus transubstanciará o Filho do Homem em Deus". Ou seja, se Deus se
transmuda em homem, o homem se transmuda em Deus; se Deus se expande no homem, o homem se
expande em Deus; se Deus se torna homem, o homem se torna Deus.
E essa transubstanciação de Essência, de manifestação, de unificação total de tudo no Todo,
não é para depois, no "céu": é AGORA: imediatamente, neste instante, Deus transubstanciará o
Filho do Homem em Deus.
Realizada essa fase inicial da divinização do homem, pela humanização de Deus, é lançado o
grande símbolo que permitirá a perpetuação desse ato por toda a humanidade nos séculos
seguintes: o homem daí por diante poderá, quando o queira, transubstanciar-se também em Deus.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II
Devemos fazer com os nossos irmãos transviados o que Jesus fez com o duodécimo discípulo, a
ovelha desgarrada, que mais tarde o bom-pastor carregaria aos ombros e reconduziria ao aprisco.
Embora soubesse que ele o havia de trair, que era um discípulo prevaricador, o Mestre permite que
Judas se sente à mesa com os onze discípulos fiéis, que partilhe com estes do mesmo alimento e
beba pelo mesmo cálice, para que escute, receba aquele último apelo. E, ao aproximar-se o momento
de deixar a Terra, não teve para o infiel, como para os que o insultavam e flagelavam, senão uma
palavra de perdão: Perdoa-lhes, meu Pai; eles não sabem o que fazem.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 170)

III
Vv. 18 - Como já sabemos, Jesus percebia o que se estava tramando a seu respeito por meio da
clarividência, faculdade que possuia em alto grau. Para ele nada havia encoberto, pois, podia ver em
quadros fluídicos o desenrolar dos acontecimentos. Judas, que já tinha dado os passos necessários
para entregar o Mestre, emitia pensamentos que o denunciavam; e Jesus via os quadros formados
pelos pensamentos de Judas a respeito da traição.
A clarividência é uma faculdade da alma, que está sempre em relação com o progresso
espiritual, já conseguido pela alma. Quanto maior for o adiantamento espiritual de um espírito, tanto
maior será sua clarividência.
A clarividência de Jesus lhe permitia ler no perispírito de cada sofredor que o procurava, o
resultado das reencarnações passadas e o que pensava para o futuro. Desse modo, ele verificava se o
sofredor merecia ou não a cura que solicitava.
A clarividência é o estado normal dos espíritos desencarnados; quando encarnados, só
excepcionalmente ela se manifesta, como, por exemplo, no caso de Jesus. A matéria em-bota essa
faculdade da alma; e para que o espírito a possua, estando encarnado, é necessária muita renúncia,
muito desprendimento das coisas materiais, extrema dedicação a seus semelhantes, e muita pureza
de pensamentos.

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Capítulo 14

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Vv. 19 e 20 - Jesus aqui nos dá um belíssimo exemplo de amor, tolerância e perdão. Apesar de
saber que um de seus discípulos o trairia, nem por isso deixa de tratar bem a todos, sem fazer
distinção. O próprio discípulo culpado é admitido à sua mesa com carinho e benevolência.
Os discípulos se entristeceram quando ouviram a afirmação de jesus, porque conheciam o ódio
que os sacerdotes lhe votavam. E por isso, recearam que fossem compelidos a atraiçoarem o Mestre,
embora não o quisessem. E perguntado, Jesus lhe responde qué era um daqueles em quem confiara.

Vv. 21 - Jesus lhes explica que não recuaria ante o suplício. Entretanto, advertia o traidor de que
seu erro lhe acarretaria grandes sofrimentos para o futuro. E assim foi: durante muitos séculos, Judas
se reencarnou na terra, afrontando inúmeros perigos e tormentos, sempre lutando pela sagrada causa
de Jesus, até se reabilitar da falta praticada. Sua falta se originou da falsa interpretação que deu à
missão de Jesus.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 26)

IV
As Razões de Judas

No processo interminável aberto por altos clérigos, a grande acusação contra Judas é a de ter
entregue Jesus a seus inimigos mortais.
Há 2.000 anos, questionamos seu gesto: por que este homem que, durante pelo menos dois anos,
seguiu cada passo de Jesus, que como ele fez milagres e expulsou os demônios, que o amou a ponto
de abandonar tudo para se unir ao seu destino,
por que este homem, de repente, traiu seu mestre, e ainda, o fez por uma soma irrisória? Há um
mistério em Judas.
Além das interpretações metafísicas, psicológicas ou religiosas que marcaram o curso dos
séculos, retiraremos de uma abordagem estritamente histórica, uma explicação original que tem,
acima de tudo, o mérito fundamental de não desmentir as Escrituras.
Eis a idéia: judeu nacionalista, Judas espera que Jesus liberte Israel do jugo romano. Ora, apesar
da imensidão de seus poderes milagrosos, apesar de movimentar uma multidão entusiasta, Jesus não
age. Decepcionado com esta "passividade", Judas entrega Jesus para obrigá-lo a descobrir a
dimensão do seu poder.
Assim, no momento em que os guardiões do Templo o fossem prender, Jesus agiria de modo a
mudar o rumo dos acontecimentos. Esta análise conduz para a idéia de que Judas era um Zelote.
Simão, um dos discípulos de Jesus, é também um zelote. É fato consumado. Havia outros?
Provavelmente. O sobrenome de Tiago e João - fils du tonerre (filho do trovão) - não era devido à
sua natureza combativa? Simão Pedro, chamado por Jesus de Bar-Jona, recebia este estranho epíteto
em razão do seu vínculo com a seita dos baryonim, coligados com os zelotes (baryon significando
em aramaico "portador de punhal", sicarius em latim).
E Judas? Nenhuma discussão a seu respeito. Em primeiro lugar, há a indicação filológica: Judas
Iscariotes, aproximação aramaica de Judas Sicarus. Há, sobretudo, a exegese proposta por Oscar
Cullmann: existiriam três palavras para designar o partido político da resistência judia ao poder
ocupante. São as seguintes: a palavra grega zelotès, a palavra aramaica Kenana, com sua derivada
grega kananaios ou kananitès e a palavra latina sicarius.
Da mesma forma Simão, chamado por Lucas de Zelota, é chamado, por Marcos e Mateus, de
Simão, o Kananaios. Ora, em um versículo de João (XIV,12), o nome de Judas é seguido do epíteto
Kannanitès, o que não pode, evidentemente, ter outra explicação senão a mesma que lavara Marcos
e Mateus a assim chamarem Simão. Desde então não há dúvida de que Judas fora membro do
partido dos zelotes.

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Capítulo 14

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E Judas? Nenhuma discussão a seu respeito. Em primeiro lugar, há a indicação filológica: Judas
Iscariotes, aproximação aramaica de Judas Sicarus. Há, sobretudo, a exegese proposta por Oscar
Cullmann: existiriam três palavras para designar o partido político da resistência judia ao poder
ocupante. São as seguintes: a palavra grega zelotès, a palavra aramaica Kenana, com sua derivada
grega kananaios ou kananitès e a palavra latina sicarius.
Da mesma forma Simão, chamado por Lucas de Zelota, é chamado, por Marcos e Mateus, de
Simão, o Kananaios. Ora, em um versículo de João (XIV,12), o nome de Judas é seguido do epíteto
Kannanitès, o que não pode, evidentemente, ter outra explicação senão a mesma que lavara Marcos
e Mateus a assim chamarem Simão. Desde então não há dúvida de que Judas fora membro do
partido dos zelotes.
Na época de Jesus, a vontade que movia estes homens era a de quebrar o jugo romano. E este
objetivo, isto é claro, só poderia ser atingido ao se recorrer à violência ramada. Numerosos ativistas
já haviam se refugiado na clandestinidade. Vários deles foram presos, torturados, crucificados. Todo
o povo judeu estava neste momento sob a dominação romana; Israel era uma nação militarmente
vencida. Mas, quanto mais Roma afirmava seu poder, tornando toda insurreição ilusória - os mais
antigos se lembram dos 2.000 judeus crucificados em Jerusalém pelas legiões de Varus - mais a
esperança messiânica crescia. Essa esperança se resume em uma frase: Deus sozinho pode salvar
tudo. Ora, eis que Jesus anuncia a vinda iminente do Reino de Deus. Esta é sua missão original.
Assim, menos importa passa a ser a mensagem que Jesus levou, ao longo de sua vida, aos seus
ouvintes: "Em verdade vos digo: já não beberei do fruto da videira, até aquele dia em que o beberei
de no Reino de Deus " (Mc XIV,25). É questão de meses, quase de dias: "Pois vos digo: não tornarei
a comê-la, até que ela se cumpra no Reino de Deus." (Lc XXII,16).
Esta crença messiânica está presente em Judas como em cada judeu, misturada com ímpeto
combativo e fé ardente. Este Jesus, que multiplica os milagres e ressuscita os mortos, é seguramente
e somente ele, que deve restabelecer o Reino de Deus. Judas acredita piamente nisso. E, com os
outros apóstolos que partilharam a última refeição com Jesus, após sua ressurreição, o questionaram:
"Senhor, é agora o momento em que você vai restaurar o reino em Israel? Está aí a origem do mal
entendido. Podemos dizer que a tragédia de Judas começa com este mal-entendido. Primeiro há o
simbolismo deste instante solene no qual Jesus inaugura seu sermão. "Jesus reuniu seus doze
discípulos. Conferiu-lhes o poder de expulsar os espíritos imundos e de curar todo mal e toda
enfermidade" (Mt V,1). Doze, igual às doze tribos de Israel. Através desta instituição, Jesus de
Nazaré afirma sua autoridade política no seio da nação judaica. Ao menos foi no que Judas
acreditou. Ele submeteu-se, imediatamente, ao poder carismático de seu mestre; sabia que Jesus
tinha o estofo de um líder de revolta. Aliás, o discurso de Jesus fora proferido para desenganá-lo?
Não. Em seus tímpanos, ainda ecoavam as implacáveis palavras carregadas de esperanças
frustradas: "Não julgueis que vim trazer a paz à Terra. Vim trazer não a paz, mas a espada" (Mt
X,34). Ou ainda este outro: "Mas agora, disse-lhes ele, aquele que tem uma bolsa, tome-a; aquele
que tem uma mochila tome-a igualmente; e aquele que não tiver uma espada, venda sua capa para
comprar uma."(Lc XXII, 36). Como Judas, homem simples, homem do povo, combatente valoroso
de sua nação, pode entender estas palavras senão como um chamamento à rebelião?
E, mais desconcertantes, são os atos de Jesus - atos de violência armada e organizada - que, de
outro ponto de vista, poderiam ser entendidos como desejo de poder. A começar pelo ataque dirigido
contra o Templo, quando Jesus, no arrebatamento da cólera sagrada, derruba as bancadas dos
comerciantes, varre com um chicote improvisado de cordas as moedas que brilham sobre os
tabuleiros, solta o santo gado, sob o olhar dos comerciantes: "Fora bandidos! Vocês fizeram de uma
casa de preces uma casa de comércio!" Tudo isso compõe um ataque frontal. Ora, esta violência não
é a de um profeta? Judas acredita nisso. Quem não acreditaria? Esta soberba violência fortifica sua
fé homem de Nazaré.

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Capítulo 14

189

O que é certo é que o ato revolucionário de Jesus parece a Judas um gesto messiânico,
anunciador de um final feliz. Esta convicção tomou força com a entrada triunfal de Jesus em
Jerusalém. Neste momento seus discípulos se contavam aos milhares.
O evangelho fala, em diversos lugares, de "multidões". Judas diz a si mesmo: "Este homem
capaz de suscitar de maneira espontânea o fervor das massas, este homem é também o único que
será capaz de se fazer seguir por elas". E Judas sabe que, com fins políticos, nenhum movimento de
libertação pode ser bem-sucedido sem a adesão popular. Portanto, Jesus é idealmente o homem da
situação. Estando a multidão disposta a saudá-lo como Messias, crescem as esperanças de sucesso e
de vitória.
A subida à Cidade Santa soa para Judas como o momento da vitória. A Páscoa carrega todos os
anos para Jerusalém impressionantes multidões, parecidas com as das grandes peregrinações.
Quando Jesus decide, ao deixar Cafarnaum, voltar a Jerusalém, uma multidão toma o mesmo
caminho. Sua espetacular entrada é como um ato de desafio para as autoridades judias e romanas.
Nesta explosão de entusiasmo, todo mundo, evidentemente, espera que Jesus faça publicamente um
ato de Messias, que ele se faça consagrar rei de Israel, todo mundo crê em seu triunfo, mesmo seus
inimigos. Jesus é, no Domingo de Ramos, inteiramente dono da situação, e podemos dizer que, a
dois de sua morte, está, positivamente, a dois passos da vitória.
Judas sabe disso também. Ele olha e escuta. O que vê primeiro é um formigamento de homens e
de mulheres, uma massa fervorosa, frenética, transtornada de alegria, vinda de todas as portas da
grande cidade, pronta para a tomada da torre Antônia - onde se encontrava o quartel romano - ao
primeiro sinal de seu rei. O que Jesus escuta são cantos de entusiasmo, aclamações sem fim, mas
também palavras, discursos carregados de sentido, como os que ele próprio proferiu ao fariseu que,
misturado à multidão, lhe implora que restabeleça a ordem entre os seus discípulos: Digo-vos: se
estes se calarem, clamarão as pedras!
Para Judas, não há dúvida possível: o sinal é dado. A guerra de libertação é declarada. Jesus,
eleito do Senhor, anunciado pela Escritura, vai, enfim, lançar-se para a ação. Como Judas estaria
errado? Como poderia não acreditar que a vitória de Ramos seria a última etapa ante a realização do
objetivo final, ou seja, a libertação do povo escolhido? Como poderia estar enganado?
Contudo, Judas se engana. Jesus não tem armadura. É um homem com as mãos vazias, não é
um combatente. É mesmo, o contrário de um homem da guerra. Esta batalha, ganha aos olhos de
todos, Jesus fará tudo para perdê-la. E o que ele faz? Nada. Ou, faz sim: fala. Fala por duas horas
intermináveis. Em suma: Jesus esquiva-se. Poucos dias depois, ele dará a Pôncio Pilatos a famosa
resposta que resumirá, e esclarecerá, esta derrota consentida: Meu reino não é deste mundo. Por
estas palavras, Jesus dá à palavra messias um sentido puramente espiritual, muito distante do
messianismo material dos zelotes. Eis o que Judas não compreendeu. Nunca se insistiu o bastante
sobre a ambigüidade dos atos e das palavras de Jesus.
Judas está, portanto, desorientado. Sua fé em Jesus posta à prova. Já não pode acreditar nele:
quem é este messias que se recusa a desencadear a Guerra Santa quando o povo entusiasmado está
pronto para segui-lo, e que logo falará da necessidade de comer da sua carne, de beber o seu sangue
para conseguir a vida eterna? Judas procura compreender... Judas espera.
De fato, ele não pode deixar de acreditar na vitória: tão perto de acontecer! É insano! Ele quer
tirar a limpo. Assim, vai obrigar Jesus a manifestar seu poder através de atos e justificar, desta
forma, perante o mundo, suas pretensões messiânicas. O abismo entre a fé e a pregação de Jesus é
insuportável neste momento para Judas. Para ele, o dilema é simples: o Cristo será triunfante ou não.
Judas vai, portanto, colocar Jesus na parede. Vai força-lo a escolher entre a realeza através de
seu poder de comandar e a morte que é o prêmio dos impostores. De onde a idéia de uma traição
"reveladora" da verdadeira natureza do Cristo. Aliás, esta conjectura não exclui que Judas tenha
acreditado que Jesus era realmente o Messias.

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Capítulo 14

190

Ao contrário, ao entregá-lo a seus inquisidores, o homem de Iscariotes está certo de que Jesus
manifestará sua legitimidade messiânica. O Cristo se revelará em toda a sua força e Israel será salva.
A esperança de Judas é tão forte que ele está convencido de que, mesmo se Jesus for morto, ele
ressuscitará no instante seguinte para reaparecer no céu flamejante à direita de seu Pai, como rei de
Israel e do mundo.
Disse a si mesmo: onde está o risco? Aquele que ressuscita os mortos não é o mestre da vida?
Esta teoria de um Judas cheio de fervor e que "entrega" Jesus para empurrá-lo à ação, obrigando-o
desta forma a atingir seu objetivo, foi desenvolvida por Goethe. A traição de Judas torna-se aqui
uma forma de ato de fé. A tomada de consciência de seu erro, leva-o ao suicídio. Eis uma hipótese
de fato digna de crença. Conduz a inocentar Judas que, desta forma, teria "traído" sem intenção
culpável. O ato de Judas não seria senão o resultado de um erro de interpretação dos ensinamentos
desconcertantes, é preciso confessar - do Nazareno.
Qualquer que tenha sido o grau de fé de Judas, no momento da "passagem ao ato", é
estritamente impossível, tanto moralmente quanto penalmente, condenar seu gesto.
Pois é o gesto de um homem de sentido e de verdade. Qual significado pode ter a fuga de Jesus
aos olhos de Judas, aos seus olhos de zelote? Quem traiu neste momento? É trair forças a se afirmar
aquele que se diz o Salvador... no instante da vitória final? É traição tentar precipitar acontecimentos
que os profetas, há séculos anunciaram? É traição querer obrigar o homem, que encarna a esperança
de seu povo, a matar seus inimigos?
Para Judas a traição é a única forma de rasgar o véu. Não nos esqueçamos de que Judas é um
sicário. Judas mantém-se fiel à libertação de Israel. A traição é uma espécie de prova, um pouco
como este procedimento judiciário medieval de onde deve sair a verdade. A traição se inscreve em
uma lógica radical: a este estado do combate messiânico, é preciso acelerar o final, isto é, passar à
ação. O desfalecimento imprevisível de Jesus justifica a urgência de introduzi-lo à força no antro
dos seus adversários para obrigá-lo a manifestar seu poder de líder sobrenatural. Se Jesus não pode
fazê-lo sozinho, o exercito celestial voará ao seu encontro e Javé, em sua glória, imporá ao mundo
seu messias.
De tudo isso, nada aconteceu. Jesus é sacrificado sem que a legião de anjos o tenha libertado de
sua cruz. Judas constata seu erro. Ele se enganou, contra tudo que esperava, e de boa-fé.
ESTE ERRO MERECE VINTE SÉCULOS DE PUNIÇÃO?
(Dr. Remy Bijaoui, advogado do tribunal de Paris, autor de "O Processo de Judas".)

V
OS ZELOTES

Extremistas de oposição a Roma, ultra-extremistas do nacionalismo puro e duro, vêem na


opressão romana a causa dos males do povo eleito e só reconhecem a autoridade de Deus. Estes
patriotas religiosos, que chamaremos nos nossos dias resistentes ou terroristas, segundo um ponto de
vista, intentam, apesar da desproporção de forças, inúmeros motins armados. Em vão, mas o que
importa! Essas sublevações inscrevem-se na concepção messiânica do seu combate. É somente
através da rebelião, comandada por um messias chefe de guerra que o inimigo será expulso de Israel.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

191

VI
Judas Iscariotes

Em 1935, o Espírito de Humberto de Campos, visitando a cidade de Jerusalém durante a


Semana Santa daquele ano, nas margens do Cedron, entrevistou o Espírito de Judas Iscariotes que
encontrava-se sentado numa pedra a observar a cidade Santa e meditava profundamente, eis os
trechos principais desta esclarecedora entrevista:
- É uma verdade tudo quanto reza o Novo Testamento a respeito da sua personalidade, na
tragédia da condenação de Jesus?
- Em parte... Os escribas que redigiram os Evangelhos não atenderam às circunstâncias e às
tricas políticas que, acima dos meus atos, predominaram na nefanda crucificação. Pôncio Pilatos e o
tetrarca da Galiléia, além dos seus interesses individuais na questão, tinham ainda a seu cargo
salvaguardar os interesses do Estado romano, empenhado em satisfazer às aspeirações religiosas dos
anciãos judeus. Sempre a mesma história. O Sinedrim desejava o reino do Céu, pelejando por Jeová
a ferro e fogo; Roma queria o reino da Terra. Jesus estava entre essas forças antagônicas, com a sua
pureza imaculada. Ora, eu era um dos apaixonados pelas idéias socialistas do Mestre; porém, o meu
excessivo zelo pela doutrina me fez sacrificar o seu fundador. Acima dos corações, eu via a política,
única arma com a qual poderia triunfar e Jesus não obteria nenhuma vitória com o desprendimento
das riquezas. Com as suas teorias nunca poderia conquistar as rédeas do poder, já que, em seu manto
de pobre, se sentia possuído de um santo horror à propriedade. Planejei, então, uma revolta surda,
como se projeta hoje em dia na Terra a queda de um chefe de Estado. O Mestre passaria a um plano
secundário e eu arranjaria colaboradores para uma obra vasta e enérgica, como a que fez mais tarde
Constantino Primeiro, o Grande, depois de vencer Maxêncio às portas de Roma, o que, aliás, apenas
serviu para desvirtuar o Cristianismo. EAntregando, pois, o Mestre a Caifás, não julguei que as
coisas atingissem um fim tão lamentável e, ralando de remorsos, presumi que o suicídio era a única
maneira de me redimir aos seus olhos.
- E chegou a salvar-se pelo arrependimento?
- Não. Não consegui. O remorso é uma força preliminar para os trabalhos reparadores. Depois
da minha morte trágica, submergi-me em séculos de sofrimento expiatório da minha falta. Sofri
horrores nas perseguições infligidas em Roma aos adeptos da doutrina de Jesus e as minhas provas
culminaram em uma fogueira inquisitorial6, onde Vítima da felonia e da traição, deixei na Terra os
derradeiros resquícios do meu crime, na Europa do século XV. Desde esse dia em que me entreguei
por amor do Cristo a todos os tormentos e infâmias que me aviltavam, com resignação e piedade
pelos meus verdugos, fechei o ciclo das minhas dolorosas reencarnações na Terra, sentindo na fronte
o ósculo de perdão da minha própria consciência.
(...) Vejo-o ainda na cruz, entregando a Deus o seu Destino... Sinto a clamorosa injustiça dos
companheiros que o abandonaram inteiramente e me vem uma recordação carinhosa das poucas
mulheres que o amparavam no doloroso transe. Em todas as homenagens a Ele prestadas, eu sou
sempre a figura repugnante do traidor. Olho complacentemente os que me acusam sem refletir se
podem atirar a primeira pedra... Sobre o meu nome pesa a maldição milenária (...) Pessoalmente,
porém, estou saciado de justiça, porque já fui absolvido pela minha consciência, no tribunal dos
suplícios redentores. Quanto ao Divino Mestre (...), infinita é a sua misericórdia e não só para
comigo, porque, se recebi trinat moedas vendendo-o aos seus algozes, há muitos séculos Ele está
sendo criminosamente vendido no mundo, a grosso e a retalho, por todos os preços, em todos os
padrões do ouro amoedado...
(Crônicas de Além-Túmulo, Espírito de Huberto de Campos, médium Chico Xavier)

6
Reencarnação de Judas como Joana D’Arc, queimada no ano de 1431. Em 1920 foi canonizada pela Igreja Romana.
COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2
Capítulo 14

192

Vv. 22 a 25 – A Ceia do Senhor ou a Transubstanciação (Mat. 26:26-29; Luc. 22:15-20)

I
Vejamos o texto literal, estudando-o quanto aos termos.
A expressão "desejei ardentemente" corresponde ao grego: epíthymía epethymêsa, literalmente:
"desejei com grande desejo", tal como se lê em Gên. 31:30, versão dos LXX.
"Até que se plenifique" (héôs hótou plêrôthêí) ou seja, até que atinja sua plenitude, sua
amplitude total.
"Tomando um pão" (labôn ártan) sem artigo, do mesmo modo que mais adiante "tomando uma
taça" (labôn potêrion) , onde Lucas (vs. 17) usa "tendo apanhado" (dexámenas, de déchomai).
"Tendo abençoado" (em Mateus e Marcos, eulogêsas) ou "tendo dado graças" (eucharistêsas)
nos três narradores. Na realidade são quase sinônimos, pois a bênção consistia num agradecimento a
Deus pelo alimento que ia ser ingerido, suplicando-se que fosse purificado pela Bênção divina (cfr.
Êx. 23:25).
"Partiu o pão" (éklase tòn árton): era o hábito generalizado entre os judeus, quando à mesa o
anfitrião tirava pedaços de pão e os distribuía aos convivas em sinal de amizade e deferência.
"Tomai, comei" (lábete, phágete) sem copulativa "e" (kaì).
"Isto é o meu corpo" e "isto é o meu sangue" (toúto estin tò sômá mou e toúto estin tò haímá
mou). O pronome toúto é neutro e significa "isto". No entanto, surge a dúvida: não será neutro
apenas para concordar com os substantivo sôma e haíma que também são neutros? Pela construção,
mais adiante (João, 22:38) onde se lê: "este é o grande mandamento" (autê estin ho megálê entolê),
pode interpretar-se que o pronome venha em concordância com os substantivos. Deveria então
preferir-se a tradução: "este é meu corpo" e "este é meu sangue". Teologicamente, tanto "este"
quanto "isto" exprimem a mesma idéia, embora 'isto' seja mais explícito para exprimir a
transubstanciação.
"Sangue do testamento" (em Lucas: "do novo testamento") lembra Moisés (Êx. 24:8) quando
esparziu o sangue dos bois sobre o povo, em que fala do "sangue do testamento" que muitos
traduzem como "sangue da aliança". Lucas exprimiu a idéia de outra forma: "esta taça é o novo
testamento em meu sangue" (toúto tò potêrion hê kainê diathêkê en tôi haímatimou). A palavra
grega diathêkê exprime literalmente as "disposições testamentárias", tanto no linguajar clássico
quanto no popular (koinê), como vemos nas inscrições funerárias e nos "grafitti" da época.
De qualquer forma, vemos, nessa frase, a abolição total dos sacrifícios sangrentos, pois as
"disposições testamentárias" são feitas através do simbolismo do vinho transubstanciado no sangue.
O sangue "que é derramado" (tò ekchynnómenon), no particípio presente; portanto, simbolismo
do vinho na taça, representando o que seria mais tarde derramado quando o sacrifício se realizasse
no Calvário. O sangue que é derramado "em relação a muitos" (perì pollôn, Mat.) ou "sobre muitos"
(hypèr pollôn, Marc.) ou "sobre vós" (hypèr hymõn, Luc). Também o pão, em Lucas, é dito "que é
dado sobre vós" (tò hypèr hymõn didómenon).
A taça (potêrion) utilizada era a comum destinada ao vinho, e o uso de agradecer a Deus e fazê-
la passar por todos os convivas, já é assinalado quanto à "taça do Qiddoush" na Michna.
A expressão "não mais beberei do produto da videira até o dia em que o beberei convosco no
reino de Deus", se compreendêssemos como alguns fazem, o "reino de Deus" como sendo "o céu",
nós teríamos irrespondivelmente um "céu" semelhante ao dos maometanos, com bons vinhos
(lógico, os vinhos do céu não poderiam jamais ser ruins!) e talvez até com as célebres "huris".
No entanto, Loisy ("Les Evangiles Synoptiques) reconhece que o sentido literal das palavras
desse trecho justificam plenamente o comportamento das igrejas cristãs desde os primeiros séculos.
Os teólogos muito se preocupam se Jesus também comeu e bebeu o pão e o vinho, que deu e fez
passar entre os discípulos: querem saber se Ele comeu o próprio corpo e bebeu o próprio sangue...

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Capítulo 14

193

Vejamos.
Jerônimo diz que sim: "ele-mesmo conviva e alimento, ele mesmo que come e é comido".
Agostinho é da mesma opinião: isto é: "tendo saboreado o sacramento de seu corpo e de seu sangue,
exprimiu o que quis". João Crisóstomo diz que para evitar a repulsa dos discípulos em comer carne
humana e beber sangue, ele mesmo comeu e bebeu primeiro.
Mas os imperativos são por demais categóricos e estão todos na segunda pessoa do plural, o que
exclui a participação da primeira.
Mateus e Marcos colocam a transubstanciação depois da saída de Judas.
Lucas, que confessa (1:3) ter tido todo o cuidado com a cronologia histórica dos fatos, coloca a
transubstanciação antes da saída de Judas, versão que é aceita por João Crisóstomo.
Ainda estavam comendo (esthióntôn autôn) quando Jesus lhes anuncia que "desejou
ardentemente" comer com Seu colégio iniciático aquela refeição pascal, antes de sofrer (páthein),
ou seta, antes de submeter-se experimentalmente aos transes dolorosos daquele grau iniciático.
Nesse "jantar pascal" Ele lhes deixará Suas "disposições testamentárias" (diathêkê), que
consistem no ensino da transmutação da matéria ou transubstanciação; na ordem de realizar
sempre as refeições em memória Dele; e nas últimas revelações e ensinos, promessas e profecias
para o futuro da humanidade.
A razão é que, depois desse jantar, o Filho do Homem não terá outra oportunidade até que se
plenifique o "reino de Deus", atingindo seu sentido pleno e total. Já vimos que essa expressão
"reino de Deus" ou "reino divino" ou "reino dos céus" ou "reino celeste" é equivalente às outras que
tanto empregamos: reino mineral (matéria inorgânica), reino vegetal (matéria orgânica), reino
animal (psiquismo), reino hominal (racionalismo), reino divino (Espírito). Então, o sentido exato
das palavras pode ser: até que o Espírito esteta plenamente vigorando nas criaturas, estando
superadas definitivamente todos os outros reinos inferiores. Enquanto não tenha sido atingido esse
objetivo na Terra, não mais provará o Filho do Homem nem o jantar pascal, nem o produto
(genémata) da videira.
Após essas palavras, mais uma vez o Cristo passa a agir e a falar através de Jesus, utilizando
Seu instrumento humano visível, mas diretamente proferindo as palavras. Não são as frases ditas
pelo homem Jesus, mas são ditas pelo Cristo de Deus pela boca de Jesus.
Pega então um pão, um dos que estavam sobre a mesa, e abençoa-o, como se deve fazer a
qualquer alimento antes de ingeri-lo: agradecer ao Pai a graça de tê-lo obtido, e sobre ele suplicar
as bênçãos divinas. De acordo com o uso judaico, o chefe da casa parte pedaços do pão e dá a cada
conviva um pedaço.
O essencial da lição, a novidade, portanto, é a frase: "ISTO É O MEU CORPO". Há um ensino
magistral nesse gesto e nessas palavras: o pão é o corpo crístico que serve de alimento à parte
espiritual do homem, pois lhe sustenta os veículos inferiores durante a romagem terrena.
Representação perfeita, sem que se precise chegar ao exagero de dizer que o "pão eucarístico" é, de
fato, "o corpo, o sangue, a alma e a divindade, e os ossos de Jesus".
Deu-se a confusão porque não houve suficiente compreensão da distinção entre Jesus, o ser
humano excepcionalmente evoluído, e o Cristo divino que Lhe era a essência última, como o é de
todas as coisas criadas, visíveis e invisíveis. Assim como podemos dizer que Jesus é "o corpo do
Cristo", porque o Cristo está nele, assim também pode dizer-se do pão (como de qualquer outra
substância) que se trata, em verdade do "corpo do Cristo". Não foi o fato de ser abençoado que
assim o tornou (não é a "consagração" na missa que transubstancia o pão em alimento divino), mas
qualquer pedaço de pão, qualquer alimento, tem como essência última a Essência Divina, já que a
Divindade É, enquanto tudo o mais EXISTE, ou seja, é a manifestação dessa mesma essência
divina: tudo é a expressão exteriorizada dessa Divindade que está em tudo, porque está em toda a
parte sem exceção.

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Capítulo 14

194

Por que terá o Cristo de Deus escolhido o pão? Mesmo não considerando que era (e é) o
alimento mais difundido na humanidade, temos que procurar alcançar algo mais profundo.
Nas Escolas iniciáticas egípcias e gregas, o simbolismo é ensinado sob a forma da ESPIGA DE
TRIGO; nas Escolas palestinenses dá-se um passo à frente, apresentando-se o PÃO, que constitui a
transubstanciação do trigo, após ter sido moído e cozido, símbolo já definido quando Melquisedec
oferece pão ao Deus Altíssimo (Gên. 14:18). Assim como o trigo, produto da natureza, criação do
Verbo, é transmudado em pão pelo sofrimento de ser moído e cozido, assim o pão se transmuda em
nosso corpo após o sofrimento de ser mastigado e digerido. Então o pão se torna, pelo
metabolismo, corpo humano, da mesma maneira que o corpo humano, após ser açoitado e
crucificado, se transmudará em Espírito.
Daí, pois, a expressão toúto estin tò sômá mou ter sido traduzida por nós em "ISTO é o meu
corpo, no sentido de ser aquilo que estava em Suas mãos não ser mais "pão": não era mais" este
pão", mas "ISTO", pois sua substância fora transmudada simbolicamente.
Logo a seguir temos que considerar o vinho. Apanhando de sobre a mesa uma taça de vinho
(no original sem artigo) novamente agradece ao Pai a preciosa dádiva, e afirma igualmente: "ISTO
é meu sangue do Novo testamento". Tal como Moisés utilizou o sangue de bois como símbolo das
disposições testamentárias de YHWH com o povo israelita, assim o Cristo apresenta, por meio de
Jesus; o vinho como símbolo das disposições testamentárias novas que são feitas pelo Pai à
humanidade.
Assim como o pão, também o vinho está mais avançado que a uva, símbolo utilizado nas
Escolas iniciáticas egípcias e gregas. Ao invés do produto da videira (tal como a espiga produto do
trigo) representava a transubstanciação da terra-mãe, que se transmudava em alimento. Mas na
Palestina, um passo à frente, empregava-se o vinho, símbolo da sabedoria (vol. 1 e vol. 4) obtido
também, como o pão, através da dor: a uva é pisada no lagar e depois o líquido é decantado por
meio da fermentação.
Quanto à oferenda do pão e do vinho, como substitutos dos holocaustos sangrentos de vítimas
animais, já a vemos executada como sublime ensinamento por Melquisedec, conforme lemos na
Torah (Gên. 14:18): Melquisedec, rei de Salém, ofereceu pão e vinho, pois era sacerdote do Deus
altíssimo".
Aí, pois, encontramos a origem dos símbolos escolhidos pelo Cristo, por meio de Jesus, que era
precisamente "sacerdote da Ordem de Melquisedec" (Hebr. 6:20) e que, com o passo iniciático que
deu no Drama sacro do Calvário, se tornou "sumo sacerdote da mesma ordem" (Hebr. 5:7-10). A
indicação de uma Escola sacerdotal, portanto, é mais que evidenciada: o sacerdócio do Deus
Altíssimo (não de YHWH) é exercido por Melquisedec, Hierofante máximo da ordem que tem seu
nome, da qual fazem parte Jesus e outros grandes avatares.
Essa Ordem de Melquisedec é conhecida atualmente como a Fraternidade Branca, continuando
com o mesmo Hierofante, o "Ancião dos Dias", o Deus da Terra, o Pai místico de Jesus, o único
que, na realidade, neste planeta, tem o direito de ser chamado "pai” (Mat. 23:9).
Então entendemos em grande parte qual a meta a que somos destinados: onde está o Pai, de
onde Jesus proveio e para onde estava regressando (João, 13:1 e 3), pois o desejo maior de Jesus é
que vamos para onde foi: "que onde eu estou, vós estejais também" (João, 17:24). Mas tudo isso
será estudado com Suas próprias palavras nos próximos capítulos.
Essa interpretação explica a expressão: "não mais beberei o produto da videira" ou "comerei a
páscoa", até quando convosco o faça no reino (na casa) do Pai: compreende-se, porque se trata da
Terra, e não do "céu". O sangue, foi dito em Mateus, é derramado em relação a muitos para
"abandono dos erros" (eis áphesintôn hamartiôn). Inaceitável a tradução "remissão dos pecados",
pois até hoje, quase dois mil anos depois, continuam os "pecados" cada vez mais abundantes na
humanidade. Que redenção é essa que nada redimiu?

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Capítulo 14

195

Lucas tem uma frase de suma importância, que é repetição de Paulo (l.ª Cor. 11:24 e 25), tanto
em relação ao pão, quanto em relação ao vinho: "fazei isto em recordação de mim, todas as vezes
que o beberdes" (toúto poieíte eis tên esmên anámnêsin hosákis ean pínete). Quem fala é O
CRISTO. Daí podermos traduzir com pleno acerto: "fazei isto para lembrar-vos do EU" que, em
última análise, é o CRISTO INTERNO.
Nem o grego nem o latim podiam admitir a construção permitida nas línguas novilatinas, que
podem considerar o pronome pessoal como substantivo, antepondo-lhe o artigo: o eu, do eu, para o
eu; em virtude das flexões da declinação, eram forçados a colocar o pronome nos casos gramaticais
requeridos pela regência. Daí as traduções possíveis nas línguas mais flexíveis: "em minha
memória", ou "em memória de mim" ou mesmo, em vista do conjunto do ensino crístico, "em
memória DO EU". Confessamos preferir a última: "para lembrar-vos DO EU" que se refere ao
Cristo Interno que individua o ser. Sendo porém o Cristo que falava, nada impede que se traduza:
em minha memória, ou "para lembrar-vos de mim".
Portanto, pão e vinho representam, simbolicamente, o corpo e o sangue do Eu profundo, do
Cristo; a matéria de que Se reveste para a jornada evolutiva no planeta.
Pedimos encarecidamente que o leitor releia, antes de prosseguir, o que está escrito no vol. 39,
páginas 143 a 155.
***
Há mais um ponto importante a focalizar: é quando diz: "fazei isto em memória de mim,
TODAS AS VEZES QUE O BEBERDES".
Então não se trata apenas de uma cerimônia religiosa com dia e hora marcados: mas todas as
vezes que nos sentarmos a uma mesa, para tomar qualquer alimento, todas as vezes que comermos
pão ou que bebermos vinho, devemos fazê-lo com a certeza de que a essência divina (que constitui a
essência desse alimento sob as formas visíveis e tangíveis transitórias) penetra em nós para
sustentar-nos, transubstanciando-nos em Sua própria essência, transformando nosso pequeno "eu"
personativo em Seu Eu profundo, no Cristo interno que nos sustenta a vida.
Por isso devemos tornar instintivo em nós o hábito de orar todas as vezes que nos sentarmos' à
mesa: uma prece de agradecimento (eucharistía), de tal forma que qualquer bocado deglutido se
torne uma comunhão nossa com a Essência Divina contida em todos os alimentos e em todas as
bebidas, quaisquer que sejam, inclusive no ar que respiramos, pois "em Deus vivemos, nos
movemos e existimos" (At. 17:28).
Temos que considerar (e já foi objeto de estudos desde a mais alta antiguidade) que havia duas
partes totalmente destacadas e distintas na prática dessa "ação de graças" em relação à comida e à
bebida: uma era ensinada aos fiéis comuns, para neles despertar o sentimento de fraternidade real;
a outra era reservada aos componentes da Escola iniciática Assembléia do Caminho.
Tratemos inicialmente da primeira. Vejamos apenas alguns textos que confirmem o que
afirmamos, para que o leitor forme um juízo. Quem desejar aprofundar-se, consulte a obra de
Joseph Turmel, "Histoire des Dogmes", Paris, 1936, páginas 203 a 525 (são 322 páginas tratando
deste assunto).
A cerimônia destinada aos fiéis em geral consistia num jantar (o termo grego deípnon
designava a refeição principal do dia, realizada geralmente à noite, tanto que muitos traduzem
como "banquete" e outros como "ceia"). Em diversos autores encontramos referências a esse jantar,
que Paulo denomina deípnon kyríakon ("jantar do Senhor").
Esse tipo de refeição em comum, de periodicidade semanal, já se tornara habitual entre os
judeus devotos. Iniciava-se com a passagem por todos os presentes da "Taça do Qiddoush", que
continha o vinho da amizade pura. Era uma cerimônia de sociedades reservadas, mantenedoras das
tradições orais (parádôsis) dos ensinos ocultos, de origem secular, que com suas transformações e
modificações resultou naquilo que hoje tem o nome de Maçonaria.

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Capítulo 14

196

Nessa refeição comia-se e bebia-se à vontade, só sendo rituais a taça de vinho inicial com sua
fórmula secreta de bênção, o pão também abençoado e depois partido e distribuído pelo que
presidia, e a taça final de vinho; cada um desses rituais era precedido e seguido de uma prece, de
cujos termos exotéricos a Didachê conservou-nos um resquício "cristianizado" posteriormente. Mas
a base é totalmente judaica. A ordem desse cerimonial foi-nos conservada inclusive pelo evangelho
de Lucas (ver acima vers. 17, 19 e 20).
PAULO DE TARSO (l.ª Cor. 11:20-27) afirma que recebeu o ritual diretamente do Senhor. E
neste ponto repete as palavras com a seguinte redação: "O Senhor Jesus, na noite em que foi
entregue, tomou um pão e, tendo dado graças (eucharistêsas) partiu e disse: Isto é o meu corpo em
vosso favor (toúto moú estin tò sôma tò hypèr hymôn); fazei isto em memória de mim. Igualmente
também a taça depois do jantar, dizendo: Esta taça é o novo testamento no meu sangue; fazei isto
todas as vezes que beberdes, em memória de mim."
Ora, esse texto da carta aos coríntios é anterior, de dez a vinte anos, à redação escrita de
qualquer dos Evangelhos. E isso é de suma importância, pois foi Lucas quem escreveu essa epístola
sob ditado de Paulo, que só grafou a saudação final (cfr. 1.ª Cor. 16:21). Logo, aí se baseou ele na
redação de seu Evangelho.
Nessa mesma carta Paulo avisa que, no jantar, devem esperar uns pelos outros, pois se trata de
uma comemoração: quem tem fome, coma em casa (ib. 11:34) e não coma nem beba demais, como
estava ocorrendo entre os destinatários da missiva, pois enquanto uns ficavam com fome, outros já
estavam embriagados.
PEDRO (2.ª Pe. 2:13) ataca fortemente o desregramento e a devassidão dos sensuais ao
banquetear-se com os fiéis.
JUDAS, o irmão do Senhor (epist. 12), queixa-se dos que abusam dos jantares cristãos.
A DIDAQUÊ ("Doutrina dos Doze Apóstolos"), escrita no século I, fala no "jantar de ação de
graças"; diz como deve ser realizado, quais as preces que precedem e quais as que devem ser
recitadas "depois de fartos" (metà de tò emplêsthênai oútôs eucharistêsete, 10,1). No final desse
capítulo, em que se registra o texto da prece, há um acréscimo interessante: "aos profetas (médiuns)
é permitido darem as graças como quiserem (toís de prophêtais epitrépete eucharístein hósa
thélousin).
PLÍNIO O JOVEM, no ano 112, fala que os cristãos se reuniam ad capiendum cibum
promiscuum tamen et innoxium, "para tomar alimento coletivo, mas frugal" (Carta a Trajano,
10,97).
TERTULIANO, no ano 197, escreve que os jantares cristãos têm o nome de agápê, que significa
"amor" e jamais ferem a modéstia e a boa educação; e prossegue (Patr. Lat. vol. 1, col. 477, "De
Ágapis", 39,21): "Ninguém se põe à mesa antes de saborear-se uma oração a Deus. Come-se
quanto tomam os que têm fome; bebe-se quanto é útil a homens sóbrios. De tal forma se fartam,
como quem se lembra de que deve adorar a Deus durante a noite; conversam como quem sabe que
o Senhor ouve. Depois da água para as mãos e das lanternas, cada um é convidado a cantar a Deus
no meio, ou tirando das Santas Escrituras ou de seu próprio engenho; por aí se julga como tenha
bebido. Igualmente uma oração encerra a refeição".
Aí temos, pois, claramente exposto o ágape cristão dos primeiros tempos, destinado aos fiéis
que amigável e amorosamente se reuniam uma vez por semana, no die solis, que passou a
denominar-se dies domínica.
***
Outro sentido, entretanto, era dado à modesta ceia de pão e vinho, realizada pelos iniciados,
que emprestavam significado todo especial ao rito que lhes era reservado. Vejamos alguns
testemunhos.

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Capítulo 14

197

JUSTINO MÁRTIR, no ano 160 (quarenta anos depois de Plínio e quarenta anos antes de
Tertuliano) já escrevia: "Saudamo-nos mutuamente com um beijo, quando terminamos de orar.
Depois é trazido pão e vasilhas com vinho e com água ao que preside aos irmãos. Recebendo-os dá
louvor e glória ao Pai de todas as coisas em nome do Filho e do Espírito Santo, e ação de graças
(eucharistía) pelas dádivas Dele recebidas em abundância ... Depois que quem preside fez preces e
todo o povo aclamou (com o Amén), aqueles que são chamados servidores (diáconoi) distribuem o
pão e o vinho e a água sobre os quais foram dadas graças, a todos os presentes, e os levam aos
ausentes".
E na 1.ª Apologia (66,1-4) escreve mais: "E esse alimento é chamado entre nós ação de graças
... Mas não tomamos essas coisas como um pão comum nem como bebida comum. Mas do mesmo
modo que Jesus Cristo, nosso libertador, se fez carne (encarnou) pelo Lógos de Deus, e teve carne e
sangue para nossa libertação, assim também, pela oração do ensino dele, aprendemos que o
alimento sobre o qual foram dadas graças, do qual se alimentam nosso sangue e nossa carne pelo
metabolismo (katà metabolên), são a carne e o sangue daquele Jesus que se fez carne (encarnou).
Pois os apóstolos, nas Memórias que escreveram, chamadas Evangelhos, transmitiram que assim
lhes foi ordenado, quando Jesus, tomando o pão e tendo dado graças, disse: Fazei isto em memória
de mim, isto é o meu corpo. E tomando a taça, igualmente dando graças, disse: Isto é o meu sangue.
E só a eles distribuiu. Certamente sabeis ou podeis informar-vos de que, tornando-se imitadores, os
maus espíritos ensinaram (isso) nos mistérios de Mitra; pois são dados um pão e um copo de água
aos iniciados do Forte (Mitra) com certas explicações complementares". (Não percamos de vista
que os mistérios de Mitra antecederam de seis séculos a instituição dos mistérios cristãos.)
No "Diálogo com Trifon o Judeu" (70,4) Justino escreveu: "Ora, é evidente que também fala o
profeta (Isaías, 33:13-19) nessa profecia sobre o pão que nosso Cristo nos mandou comemorar,
para lembrar sua encarnação por amor dos que lhe são fiéis, pelos quais também sofreu, e sobre a
taça, que aparece em recordação de seu sangue, nos mandou render ação de graças".
Vemos, pois, a interpretação de algo mais profundo que o simples "jantar"; e isso é mais
explicitamente comentado por IRINEU, no ano 180 ("De Sacrificio Eucharistiae", 4, 17, 5), onde
escreve: "Mas, dando também a seus discípulos o conselho de oferecer a Deus as primícias de suas
criaturas, não como a um indigente, mas para que eles mesmos não fossem infrutíferos nem
ingratos, tomou da criação aquele que é o pão, dizendo: Isto é o meu corpo. E igualmente a taça
que é daquela criatura que, segundo nós, confessou ser seu sangue, e ensinou a nova oblação do
novo testamento; recebendo-a dos apóstolos, a igreja oferece, no mundo inteiro, a Deus, àquele que
nos fornece os alimentos, primícias de suas dádicas no novo testamento".
Aí, portanto, temos uma interpretação bastante ampla: o alimento ingerido com ação de graças
é um atestado vivo de gratidão a Deus, pelo sustento que Dele recebemos; os quais alimentos, sendo
criações Suas, representam Seu corpo, isto é, são a manifestação externa de Sua essência que
subestá em tudo.
Mas outro autor vai mais longe:
CLEMENTE DE ALEXANDRIA, no ano 200, escreve: "Segundo os apóstolos, o leite é a
nutrição das crianças, e o alimento sólido é a nutrição dos perfeitos (teleisthai, "iniciados").
Entendamos que o leite é a catequese, a primeira nutrição da alma, que a nutrição sólida é a
contemplação (epoptía) que vê os mistérios. A carne e o sangue do
Verbo (sárkes autaì kaì haíma toú Lógou) é a compreensão do poder e da essência divina...
Comer e beber (brôsis gàr kaì posis) o Verbo divino, é ter a gnose da essência divina (hê gnôsis estí
tês theías ousías)".
Clemente de Alexandria compreendia bem os mistérios cristãos porque fora iniciado em Elêusis
antes de ingressar na Igreja. Por isso explica melhor, com os termos típicos da Escola Eleusina.

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Capítulo 14

198

Dele ainda temos: "O Cristo, que nos regenerou, nutrenos com Seu próprio leite, que é o Verbo
... A um renascimento espiritual corresponde, para o homem, uma nutrição espiritual. Estamos
unidos, em tudo, ao Cristo o Somos de sua família pelo sangue, por meio do qual nos libertou.
Temos sua amizade pelo alimento derivado do Verbo... O sangue e o leite do Senhor é o símbolo de
sua paixão (páthein) e de seu ensino".
E mais adiante: "O sangue do Senhor é dúplice: há o sangue carnal com o qual nos libertou da
corrupção; e há o sangue espiritual (tò dè pneumatikós) do qual recebemos a cristificação. Beber o
sangue de Jesus significa participar da imortalidade do Senhor".
Aí temos o pensamento e a interpretação desse episódio, cujo símbolo já fora dado também no
protótipo de Noé, citado pelo próprio Jesus, quando o patriarca se inebriou com o vinho da
sabedoria. Na ingestão do vinho oferecido em ação de graças, nosso Espírito se inebria na união
crística, participando da "imortalidade do Senhor". Trata-se, pois, da instituição de um símbolo
profundo e altíssimo, que aqueles que dizem REVIVER O CRISTIANISMO PRIMITIVO não podem
omitir em suas reuniões, sob pena de falharem num dos pontos básicos do ensino prático do Mestre:
não é possível "reviver o cristianismo primitivo" sem realizar essa comemoração. Evidentemente
não se trata de descambar para os rituais de Mitra, como ocorreu outrora pela invigilância dos
homens que "paganizaram" o cristianismo. Mas é fundamental que se realize aquilo que o Mestre
Jesus ordenou fizéssemos: TODAS AS VEZES que comêssemos pão ou bebêssemos vinho, devemos
fazê-lo em oração de ação de graças, para lembrar-nos Dele e do Eu, do Cristo Interno que está em
nós, que está em todos, que está em todas as coisas visíveis e invisíveis; do Qual Cristo, o pão
simboliza o corpo, e o vinho simboliza o sangue, por serem os alimentos básicos do homem: o pão
plasmando seu corpo, o vinho plasmando seu sangue (1).

(1) Esdrúxulo deduzir daí que o corpo de Jesus não era de carne. Contra isso já se erguera a voz
autorizada de João o evangelista em seu Evangelho (1:14) e em suas epístolas (l.ª João, 4:2 e 2.ª
João, 7) e todas as autoridades cristãs desde os primeiros séculos (cfr. Tertuliano, De Pudicicia, 9 e
Adversus Marcionem, 4:40, onde escreve: "Tendo (o Cristo) tomado o pão e distribuído a seus
discípulos, Ele fez seu corpo (corpus suum illum fecit) dizendo: Isto é o meu corpo, isto é a figura
de meu corpo (hoc est corpus meum dicendo, id est figura córporis mei). Ora, não haveria figura,
e Cristo não tivesse um corpo verdadeiro. Um objeto vazio de realidade, como é um fantasma, não
comportaria uma figura. Ou então, se Ele imaginasse fazer passar o pão como sendo seu corpo,
porque não tinha corpo verdadeiro, teria devido entregar o pão para nos salvar: teria sido bom
negócio, para a tese de Marcion, se tivessem crucificado um pão"!
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II
O pão e o vinho nada mais são que símbolos. Nunca Jesus pensou em dar-lhes uma aplicação
material. Porém, o que ocorreu tinha que ocorrer, pois que, para a matéria, só a matéria. Daí,
entretanto, não se segue permaneça o erro, que até agora foi mantido pela rotina, pela cegueira, pela
obstinação. Bom é consagrem os homens um dia a recordar a ceia do Mestre com seus discípulos, à
rememoração do devotamento daquele modelo excelso que baixou até nós, para fazer que até Ele
nos elevemos.
Os primeiros discípulos, cumprindo a recomendação expressa nas suas derradeiras palavras, se
reuniam para, em comum, fazerem um repasto comemorativo do último em que com Ele haviam
tomado parte. Mais tarde, nas reuniões dos que lhes sucederam, cenas escandalosas se deram. Em
vez da fraternidade que devia reinar entre todos, passou a imperar o orgulho. Os cristãos tiveram que
pôr termo a tais abusos e instituíram a “comunhão”, tendo por simbolos o pão e o vinho.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

199

Posteriormente, as dificuldades e perigos, que havia, de se reunirem em grande número, os


levaram a instituir a comunhão dada pelo sacerdote aos discípulos que se apresentavam para recebê-
la. Essas transformações se foram operando sucessivamente no curso das perseguições de que os
cristãos eram vítimas em Roma. Tiveram, como se ve, a sua razão de ser.
Se, depois, as palavras do Mestre — Fazei isto em minha memória — tomadas à letra, deram
lugar ao dogma da “presença real”, da “transubstanciação”, causa de intermináveis controvérsias, foi
porque o homem se apega sempre à crosta superficial, sem cogitar da seiva que a vivifica.
Devemos, sem dúvida, comemorar a Ceia Pascal, em memória do Mestre, mas pela prece do
coração, apoiada em atos de uma vida íntegra, pura, humilde, ativa e consagrada ao bem de todos os
membros da grande família humana. Aquele que se julgue no dever de aproximar-se do Senhor pelo
ato ritualístico da comunhão, faça-o, porém, só emprestando valor ao ato espiritual.
Que se prostre, para isso, curvada a fronte, aos pés do sacerdote, mas sem atentar no homem,
nem se preocupar com a matéria e sim elevando sua alma a Deus, lembrando-se das virtudes
praticadas pelo seu Enviado e escutando aquelas palavras suas — Fazei isto em minha memória.
Cristãos, quem quer que sejais — romanos, gregos ou protestantes — praticai o ato material
comemorativo, se as exigências do vosso coração, ou mesmo os hábitos da vossa infância a isso vos
impelem. Nunca, porém, o pratiqueis preocupados com a opinião dos homens. Suportai, se for
preciso, a censura injusta; mas, sejam puras as vossas ações, ditem-nas a verdade e o amor.
Comemoremos a Ceia Pascal, vendo, naquele que a ela presidiu, o Manso Cordeiro a ser
imolado para salvação da Humanidade inteira.
Comemoremo-la, com o mesmo sentimento com que celebramos as nossas festas intimas; para
expandir as satisfações da nossa alma, para estreitar os laços do amor, da amizade que nos ligam aos
que nos são caros. Reunamo-nos com os nossos irmãos em torno de uma mesa, simbolizando essa
reunião a unidade em que devemos estar com Jesus, idêntica à em que Ele se acha com o Pai que
está nos céus, o seu Deus e nosso Deus (JOÃO, 17: 21 e seguintes); simbolizando a fraternidade que
nos deve prender uns aos outros, como filhos que somos do mesmo Pai.
Façamo-lo em perfeita comunhão de crença e com o propósito de pautarmos os nossos
pensamentos, palavras e obras pela doutrina ensinada e exemplificada pelo Mestre divino, doutrina
que Ele simbolizou no pão que distribuiu a seus apóstolos; com o de tonificarmos os nossos
corações com o licor que Ele os fez beber, semelhante ao sangue que verteu no Calvário, símbolo do
seu amor sem limites, o qual, seiva vivificante daquela doutrina, não se deteve ante o supremo
sacrifício de imolar-se para nos mostrar o caminho da redenção. Se fizermos assim, em espírito e
verdade, a nossa comemoração, demonstraremos haver bem compreendido as sagradas letras.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 170)

III
Com a prisão do Mestre e seu conseqüente sacrifício, a vida em comum que todos tinham
vivido, ficaria rompida. O Mestre subiria para sua luminosa esfera espiritual, e os discípulos se
espalhariam pelo mundo, pregando o Evangelho, e dando cumprimento à missão de que estavam
revestidos. Somente depois de terem concluído seu trabalho aqui na terra, é que voltariam a reunir-
se a Jesus, na pátria espiritual.
Notemos aqui a perfeita confiança de Jesus no Pai Celestial; apesar de saber que rudes provas se
aproximavam, não deixa de elevar, em cânticos, seu pensamento a Deus.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 26)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

200

Vv. 26 – Saída do Cenáculo (Mt 26:30; Lc 22:39; Jo 18:1a)

I
Pequeno versículo, mas que traz a confirmação do hábito israelita de finalizar a ceia pascal com
a recitação do hino (hymnêzantes) de ação de graças (eucharistía), que consistia na segunda parte do
Hillel, que era cantado depois da quarta e última taça de vinho. A segunda parte do Hillel era
composta dos salmos 113 a 11o. Lucas e João não citam esse pormenor.
“Saíram” (...) para o “monte das Oliveiras”. (...) o cenáculo ficava perto da porta de Siloé.
Então, o caminho seguido pode ter sido:
a) subir em linha reta e descer diretamente para o Cedron e o Getsemani, atravessando o cabeço
do Ophel,
b) ou descer a encosta do Tiropeu em escadaria (recentes escavações puseram essa escada à
vista), sair pela porta de Siloé, e dobrar à esquerda, atravessando o pequeno vale do Cedron, hoje
denominado Sitti Maryam. Aí estava um dos uádis do Cedron, classificado de .torrente .
(cheimárros) porque só tinha água no inverno, na época as grandes chuvas, permanecendo seco no
resto do ano.
A distância não ultrapassava a medida permitida para os sábados. Deviam ser, concordam os
comentadores, cerca das 22 horas.
Por Lucas (cfr. 21:37) sabemos que era hábito de Jesus orar à noite naquele local, ali
pernoitando quando não desejava ir até Betânia.
Essa torrente do Cedron é citada (2.º Sam. 15:23 ) no episódio da fuga de David. perseguido por
Arquitofel.
Depois da prece, dirige-se Jesus com Seus discípulos para orar no monte das Oliveiras.
Como já vimos de outras vezes, para orar Jesus sempre “sobe a um monte”, isto é, eleva suas
vibrações; pois só subindo a frequência vibratória, conseguirá sintonizar com a altíssima faixa que
venha a atingir a Casa do Pai.
Além disso, temos que considerar o simbolismo não apenas do “monte”, como também do
nome desse monte: “das oliveiras”. Desde Noé, a oliveira simboliza a PAZ.
Tendo elevado Suas vibrações, automaticamente penetra na esfera da Paz interna, que nada
poderá alterar, pois se torna inatingível às vibrações barônticas do “mundo”.
Aí temos, pois, uma lição que a todos nós servirá: nos grandes momentos que precedem ou
acompanham os passos decisivos de nossa vida, mesmo quando as forças negativas do Anti-Sistema
nos atacam, precisamos subir a sintonia e penetrar na paz, a fim de não sermos atingidos em nosso
Eu profundo pelos distúrbios provenientes do mundo externo.
Nessa atmosfera de paz dinâmica interna profunda, pode cair sobre nós qualquer avalanche,
que nosso Eu não se perturba, embora a personagem transitória possa angustiar-se externamente.
Mas a individualidade não se altera, e acaba conseguindo dominar e controlar a personagem.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 8)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

201

II
Evangelho Gnóstico de João

Antes que fosse preso pelo julgamento dos judeus, o Mestre nos reuniu a todos e disse:
“Antes que eu seja entregues a eles, cantaremos um hino ao Pai e, em seguida, iremos ao encontro
daquilo que nos espera
Ele pediu que nos déssemos as mãos em roda e colocando-se no meio, disse:"Respondei-me
Amém."
Começou , então a cantar um hino que dizia: "Gloria ao Pai". E nós ao redor lhe
respondíamos:"Amém".
"Glória á Graça; glória ao Espírito; glória ao Santo; glória a sua glória." - Amém.
"Nós o louvamos, ó Pai; nós lhe damos graças, ó Luz em que não habita as trevas." - Amém.
"Agora direi porque damos graças:"
"Devo ser salvo e salvarei." - Amém.
"Devo ser liberto e libertarei."-Amém.
"Devo ser gerado e gerarei."-Amém.
"Devo ouvir e serei ouvido."-Amém.
"Devo ser lembrado e sempre lembrarei."-Amém.
"Devo ser lavado e lavarei."-Amém.
"A Graça dança em conjunto, eu devo tocar a flauta, dançai todos."-Amém.
"O reino dos anjos cantam louvores conosco."-Amém
"Ao universo pertence àquele que participa da dança."-Amém.
"Quem participa da dança, não sabe o que vai acontecer."-Amém.
"Devo ir mas vou ficar."-Amém.
"Devo honrar e devo ser honrado."-Amém.
"Não tenho morada mas estou em todas os lugares."-Amém.
"Não tenho templo mas estou em todos os templos."-Amém.
"Sou um espelho para aquele que me contempla."-Amém.
"Sou uma porta para aquele que bate."Amém.
"Sou um caminho para ti que passa."Amém.
"Se seguires minha dança, compreendes o que falo, guarda silêncio sobre meus mistérios."
"Tu, que participa da dança, compreende o que faço, pois a ti pertence esse sofrimento.!
"Tu não poderia de maneira alguma compreender o que sofre, se Eu não tivesse sido enviado como
Logos do Pai."
"Viste o que sofro, me viste sofrendo, e não ficaste incessível, mas sim profundamente perturbado."
"Tu, que pela perturbação alcançaste a sabedoria, tens em mim um leito: repousa em mim."
"Saberás quem sou quando Eu tiver partido. O que pareço ser agora, não sou. Tu verás quando
vieres."
"Se soubesse como sofrer, seria capaz de não sofrer mais. Aprende a sofrer e tornar-te-ás capaz de
não mais sofrer."
"O que não sabes, eu mesmo vou ensinar. Sou teu Deus. Quero andar no mesmo ritmo das almas
santas. Aprende comigo a palavra da sabedoria."
"Dize-me de novo: Glória ao Pai; glória ao Logo; glória ao Espírito Santo.
"Tu queres saber o que sou? Com a palavra revelei tudo, e não fui de modo algum revelado."
"Compreende bem: Eu estarei aqui. Quando tiveres compreendido, diz: Glória ao Pai !"-Amém.
Depois do Canto dos Salmos, saíram para o monte as Oliveiras.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

202

Vv. 27 a 31 – Pedro é avisado (Mt 26:31-35; Lc 22:31-34)

I
O verbo skandalízô, de uso apenas bíblico, tem o sentido de "colocar uma pedra para fazer
tropeçar", derivando-se do substantivo skándalon (tò). Mas a transliteração portuguesa
"escandalizar" reproduz razoavelmente o significado original, pois a pedra é colocada "moralmente",
para provocar a queda espiritual dos fracos e desprevenidos.
"Ferirei o pastor" - é citação livre de Zacarias (13:7) que se referia ao rei Sedecias.
O testemunho dos quatro evangelistas deve ser lido como complementação mútua, dando a
impressão de que se trata de uma conversa surgida à mesa, que cada um reproduziu à sua maneira:
Pedro inicia perguntando aonde irá o Mestre, e Jesus explica que ninguém poderá segui-Lo nesse
momento: só mais tarde. Mas Pedro, que é homem de “fazer já e não deixar para depois", retruca
que "aplicou sua alma sobre ele", repetindo a expressão de Jesus quando falou do "Bom Pastor", que
"aplica sua alma sobre suas ovelhas (João, 10:11; vol. 59, págs. 118/119). Diz estar disposto a tudo.
Jesus adianta que todos serão experimentados, pois uma vez que ele estiver ferido, todos os
discípulos se dispersarão.
Pedro, inflamado, protesta que jamais o abandonará. Jesus novamente esclarece que orou por
ele, para que, mesmo tendo fugido, sua fidelidade sintônica não fraquejasse por degradação de
vibrações. Todavia, uma vez que se recuperasse, devia sustentar os companheiros. Pedro afirma
repetindo teimosa e entusiasticamente, que está pronto a ser preso e morto com seu Rabbi. Então,
para provar-lhe que "o Espírito (individualidade) está pronto, mas a carne (personagem) é fraca"
(Mat. 26:41), Jesus demonstra saber que, antes de o galo cantar pela segunda vez (de madrugada)
Pedro, por três vezes, terá negado conhecê-Lo.
Pedro quer ir com o Mestre agora. Mas o antagonista (a personagem calculadora) reivindica seu
direito de sacudir o homem violentamente (joeirar) como se faz ao trigo para separar o grão da
palha.
As traduções vulgares trazem: "Satanás obteve permissão" (de Deus): é a famosa, embora falsa,
concepção de um deus antropomorfo a conversar amigavelmente com o Senhor Diabo! Mas o verbo
grego usado exêitêsato (de exaitéô, na voz média) significa "reclamar para si, reivindicar". E já
sabemos que o antagonista do Espírito (individualidade) é a personagem, com seu intelecto
discursivo, convencido de que nele apenas reside toda a realidade de seu ser, nada mais havendo
além do corpo físico com suas sensações, suas emoções e seu intelectualismo!
Na frase "quando tornares, apoia teus irmãos" (traduzido vulgarmente: quando te arrependeres,
confirma teus irmãos") apoiou-se o Concílio Vaticano I (Const. De Ecclesia, cap. IV) para
fundamentar a "infalibilidade papal". Estranha base, que quebrou e se reconstituiu, para afirmar-se
que "não pode quebrar!"
Os comentadores falam muito na "temeridade" de Pedro. Mas Jerônimo (Patrol. Lat. vol. 26,
col. 198) o defende: Non est teméritas, nec mendacium, sed fides est Apóstoli Petri et ardens
affectum erga Dóminum Salvatorem, isto é: "não é temeridade nem mentira, mas a fé e o afeto
ardente do apóstolo Pedro para com o Senhor Salvador".
O "canto do galo" (veja atrás) assinalava a terceira vigília que, no princípio de abril, época em
que se passam os fatos, terminava às cinco da madrugada. Não procede a objeção de que era
proibido criar galináceos em Jerusalém, pois diziam os fariseus que, ao ciscar, podiam fazer vir à
superfície do solo vermes "imundos": sempre os havia, embora não fossem criados soltos, conforme
podemos verificar (cfr. Strack e Billerbeck). Além disso, cremos que se trate mais de uma referência
à hora.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

203

Os propósitos podem ser os mais ardorosos, mas a personagem se acovarda diante da dor.
Embora neste caso de Pedro, como teremos a seu tempo, nada disso tenha ocorrido: ele queria
apenas ludibriar os circundantes, para que pudesse ali permanecer a fim de ver aonde levariam e o
que fariam com seu Jesus querido.
O "escândalo" a que se referia o Mestre era a crucificação, que faria fugir os discípulos,
horrorizados com medo de terem a mesma sorte. No entanto, o aviso fora bem claro: serei ferido,
adormecerei, e despertarei do sono (egeírô); então vos precederei na Galiléia: ainda chegaria lá
antes deles!...
Então o escândalo seria o medo e a conseqüente dúvida, suscitadas pelo intelecto (antagonista)
que veria tudo perdido, de acordo com o raciocínio rasteiro comum à personagem: arruinado o
corpo - única coisa real, porque visível e palpável - tudo está acabado! Tempo desperdiçado,
aquele em que seguiram um Mestre que foi vergonhosamente aniquilado! Perdida a batalha com o
sacrifício do general, os soldados dispersam-se desorientados.
A personagem, antagonista-nata do Espírito, arroga-se o pretensioso direito de sopesar e
julgar, por meio do intelecto, as ações e decisões do Espírito. Passa-as pelo crivo do racionalismo,
para saber se pode concordar ou discordar. E, atrasado como ainda é, quase sempre conclui a fator
do lado errado, só considerando a matéria física densa. O Espírito está pronto a ser preso,
martirizado, sacrificado, vendo morrer o corpo, pois sabe que a vida continua; mas a personagem
não concorda, em hipótese alguma, em desaparecer, e usa de todos os artifícios para fugir da
destruição.
Aonde ia o Mestre, ninguém o podia seguir: a conquista de um grau iniciático é problema
estritamente pessoal, isolado, interno, que se passa no âmago mais recôndito da criatura, embora
por vezes se exteriorize em cenas públicas, como no caso da crucificação, "ressurreição" e
"ascensão"; ou em fatos que a todos parecem corriqueiros e naturais, mas que trazem no bojo a
força irresistível de fazer o candidato dar um passo à frente: morte ou abandono de pessoa querida,
uma calúnia violenta, um choque traumático, etc.
Ninguém se achava ali em condições de acompanhar o Mestre nesse passo. Mesmo João, que
fisicamente o acompanhou, não podia ainda arrostar os degraus, demais elevados para sua
capacidade.
O antagonista - a personagem - sempre reivindica e exige, como necessária provação, o direito
de "joeirar" ou sacudir violentamente na peneira o Espírito, a fim de experimentá-lo. Mas os
verdadeiros discípulos estão sustentados pela "Força Cósmica" e não fraquejam na fidelidade
absoluta ao Cristo Interno; e desde que se mantenham fiéis e sintonizem internamente, conservam a
capacidade de servir de apoio aos irmãos, ainda que a personagem esperneie. Não se confundam
força e fidelidade do Espírito com os artifícios da personagem, que busca valer-se de todos os
meios para conseguir seus intentos, sobretudo quando ditados pelo amor. O fato é que as palavras
de Simão Pedro não foram proferidas pela personagem, mas foram o ditado de sua individualidade
enérgica e firme, através da boca da personagem frágil. Não foram "temeridade", mas "amor"
levado ao grau máximo. Oxalá possamos todos nós manter permanentemente nosso Espírito com a
segurança e a firmeza de princípios de Pedro!
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II
Jesus dá a ver, de antemão, a seus discípulos quão frágil é a vontade humana e quão pouco deve
o homem contar com as suas próprias forças. Dizendo a Pedro: Roguei por ti, mostra que só na prece
pode o homem encontrar amparo. Naquela ocasião, nenhum assim o compreendeu, tanto que
nenhum recorreu a esse cordial da alma, pelo que todos faliram no momento do perigo. Foi uma
lição que muito devemos aproveitar.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

204

Nisto que também disse a Pedro: Simão, Simão, satanás vos reclamou a todos para VOS joeirar,
como se faz ao trigo, aludia à influência que, sobre aquele apóstolo, exerceria o temor dos
acontecimentos que poderiam dar-se, aos maus pensamentos que lhe germinavam no coração e que,
por vezes, o faziam deplorar ter enveredado por tão perigoso caminho, pensamentos esses que, em-
bora fugazes, não escapavam à percepção do Mestre. Pedro compreendia que um grande perigo os
ameaçava, a eles e a Jesus, e a fraqueza humana lhe fazia nascer no íntimo, de quando em quando,
um vago sentimento de pesar, por se haver exposto de tal modo.
LUCAS, capítulo 22º, versículos 35 ao 36. — As palavras constantes nestes versículos
objetivavam manter os discípulos em guarda contra os acontecimentos que sobreviriam e fazer-lhes
compreender que se aproximava o momento da luta. Falando-lhes da necessidade de se proverem de
alforje, bolsa e espada, queria compreendessem que iam entrar em ação e que cumpria se armassem
para resistirem aos ataques.
Mas, é claro que tais palavras eram simbólicas. Jesus, que proibiu a Pedro o uso da espada, não
podia aconselhar a seus discípulos que se armassem de espadas para combater materialmente.
Em espírito, o que Ele assim lhes dizia era: “Aproxima-se o momento em que ireis percorrer a
Terra. Tomai todas as precauções para que nada vos falte. Sabeis qual o fim da viagem que ides
empreender. Fazei provisão de ensinamentos, de moral e de exemplos. Sereis atacados; armai-vos
para a defesa. As únicas armas, porém, de que deveis utilizar-vos são o amor e a caridade”.
Ditas que foram para o momento e para o futuro, vemos, por essas palavras, que todos os que se
esforcem por imitar os discípulos fiéis do Mestre, no apostolado da era nova, são apóstolos todos e
se devem armar como os do Cristo.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 172)

III
Vv. 27 e 28 - Conquanto fosse grande o amor que os discípulos votavam ao Mestre, a prisão
dele os desorientaria. O desespero tomaria conta dos apóstolos, porque lhes faltava o que ainda falta
à humanidade de hoje: a fé na Providência Divina. Como ainda não tinham compreendido a missão
essencialmente espiritual de Jesus, os discípulos se perturbariam. Sabedor disso, Jesus os reanima,
prometendo-lhes que se encontrariam na Galiléia, depois de tudo consumado. A promessa se
cumpriu como se cumpriram em todos os tempos, as promessas de Jesus.
Os aprendizes do Evangelho devem começar por desenvolver em seus corações a fé, que lhes
dará a tranqüilidade quanto ao futuro e serenidade ante todos os acontecimentos a vida. Essa fé é a
confiança na Providência Divina e nas promessas do Evangelho. Dada a pequenez de nossos espí-
ritos, e aos erros de nossas vidas anteriores, ainda não somos possuidores de uma fé firme; temos,
por isso, muita necessidade de adquiri-la, de cultivá-la e de desenvolvê-la. A fé se adquire pelo
trabalho material e pelo espiritual. Assim, diremos ao nosso corpo o que ele precisa para servir de
bom instrumento à alma; e daremos à alma os meios adequados à sua elevação espiritual. E através
desses trabalhos, sempre compatíveis com nossas forças, acalentaremos a fé em nosso íntimo.

Vv. 29 a 31 - Pedro deveria passar pela prova de extrema fidelidade ao Mestre. A clarividência
de Jesus lhe demonstra que Pedro falharia na hora decisiva. Esta passagem encerra uma advertência
aos que procuram edificar dentro de si o reino dos céus. Devemos ter o máximo cuidado com nossas
promessas: nem sempre as afirmações verbalísticas traduzem o que realmente temos dentro de nós
próprios. Daí, quando se apresenta a ocasião, desmentirmos com atos, o que tínhamos afirmado com
palavras.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 26)

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Capítulo 14

205

Vv. 32 a 42 – Jesus no Getsêmani ou Oração no Jardim (Mt 26:36-46; Lc 22:39-46)

I
Aqui temos o primeiro ato do drama, ao levantar-se o sipário: o candidato, a sós, enfrenta
intelectualmente as provas que são mostradas à personagem, pois só a individualidade tivera delas
conhecimento total antes da reencarnação. A personagem conhecia o que a esperava, mas não em
seus pormenores.
O termo kôríon é diversamente traduzido: como “lugar” (Loisy Lagrange), como “domínio”
(Crampon, Durand, Jouon) como “propriedade” (Buzy, Denis) como “sítio” (Pirot); mas João, que
conhecia bem o local, em vez do genérico kôríon, especifica que se trata de um kêpos, isto é, um
“jardim”.
Ficava a cerca de cem metros ao norte, devendo tratar-se de uma propriedade particular,
pertencente a um amigo do Mestre, pelo que tinha Ele ali livre acesso. Mateus e Marcos citam o
nome, Getsemani (hebr. gath shemanim) que significa .lagar de azeite.. Jerônimo, julgando que o
original era gê’shemani, traduz como “vale fertilíssima” (vallis pinguissima).
O local devia ser solitário e ficava em frente à porta dourada do templo, situando-se para lá
(perán) do Cedron, ou seja, na margem oriental, no ponto do vale em que a torrente, virando para
sudoeste, cava um precipício nos flancos do Ophel.
Pirot escreve: “Descobertas arqueológicas recentes, em confronto com antigos peregrinos,
permitiram reencontrar com toda a certeza o lugar exato da agonia e o da traição de Judas” (cfr.
Vincent et Abel, “Jérusalem Nouvelle”, Orfali. “Gethsemani”). É necessário distinguir nitidamente
com os mais antigos autores (Eusébio de Cesaréia, o Peregrino de Bordeaux, S. Cirilo de Jerusalém
e, mais tarde, o diâcono Pedro, 1037, o higúmeno Daniel Ernoul, 1228) o lugar em que Jesus orou e
o em que foi preso. A gruta, erradamente chamada da agonia, deve chamar-se agora .gruta da
traição.; ficava separada do jardim de Getsemani pelo caminho em escada, intacto ainda no século
IX, que permitia, por 537 degraus talhados na rocha, ir do fundo do Cedron ao cimo do monte das
Oliveiras. A gruta da traição, de forma oval bastante irregular, tem no conjunto 17 m de
comprimento, 9 m de largura e 3,50 m de altura. A abóbada rochosa é sustentada por seis colunas,
das quais três são de alvenaria. O próprio rochedo foi encontrado por ocasião das escavações
empreendidas para encontrar os alicerces da basílica erigida entre 380 e 390. Esse rochedo, que se
pretendeu encaixar na basílica primitiva por causa de seu caráter eminentemente sagrado, já que foi
consagrado pela oração do Mestre divino e regado com seu adorável sangue, impusera a esta
(basílica) uma orienta ção sensivelmente diferente da que foi adotada nas últimas restaurações.
Nesse rochedo, pois, - onde desde o final do século IV os sacerdotes oferecem o cálice do Senhor, aí
mesmo onde seu sangue, misturado ao suor, caiu gota a gota (Luc. 22:43-44). Graças a esse mole
rochoso, situado a cem metros ao sul da gruta da traição e a 15 m acima da torrente de Cedron, numa
distância de mais ou menos 8 m e numa largura de 3,80 m - é que se encontra o lugar exato da
oração de Jesus, e pôde conservar-se nos três primeiros séculos sem nenhum monumento
comemorativo, apesar do desbastamento da madeira do monte das Oliveiras, em 70, e dos
reviramentos de toda espécie, que tornaram essa colina, a acreditar-se no historiador Josefo,
totalmente irreconhecível. Se a lembrança do lugar da agonia tivesse ficado ligada a esta ou àquela
oliveira, teríamos tido um ponto de referência absolutamente precário.
Mas o bloco que fazia parte integral da montanha, podia transmitir através dos séculos essa
recordação sagrada, não obstante as mais selvagens devastações. A restauração da basílica da
agonia, cuja primeira pedra foi colocada a 17-10-1919 pelo cardeal Giustini, foi acabada em 1926.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

206

O fato desenrola-se com naturalidade. Jesus manda-os sentar-se (kathísate) em grupo, a fim de
isolar-se na prece, e leva consigo os mesmo três discípulos que o acompanhavam nos momentos
solenes: Pedro, Tiago e João.
A frase do vers. 45 em Mateus é apresentada interrogativamente em grego. Muito melhor que
imperativos afirmativos, que teriam sentido irônico, não concebível em circunstâncias de tamanha
apreensão.
A indagação, ao contrário, é séria: “estais dormindo agora, quando o Filho do Homem vai ser
entregue”? E logo a seguir apressa-os: “Levantai-vos, vamos, pois chegou o que me vai entregar”.
Os versículos 43 e 44 de Lucas faltam no papiro 75, em aleph (1.ª cópia), em A, T, W, 1071 e
nos pais: Marcion, Clemente, Orígenes (segundo Hilário), Atanásio, Ambrósio (segundo Epifânio e
Jerônimo), Cirilo e João Damasceno. São assinalados com asterisco nos códices delta (3.ª cópia) , pi
(3.ª cópia) e outros menos importantes. Mas aparecem nos códices aleph (1.ª mão), D, K, L, X, delta
(1.ª mão), theta (1.ª mão), pi, psi (1.ª mão), família 1 e nos pais: Justino, Irineu, Hipólito, Dionísio,
Ario (segundo Epifânio), Eusébio, Hilário, Cesário Nazianzeno, Gregório Nazianzeno, Dídimo,
Pseudo-Dionísio, Epifânio, Critóstomo, Agostinho, Teodoreto, Leôncio, Cosmos e Fecundo.
Compreende-se a omissão, em vista das críticas que provocava, pois constituía uma prova da
fraqueza humana natural, na pessoa de Jesus, além de também atestar sua não-divindade: não seria
concebível um Deus Absoluto temeroso ante o sacrifício físico.
Outra anotação a fazer é que a palavra grega thrómboi (donde provém nossa “trombose”) não
exprime absolutamente “gotas”, como aparece nas traduções vulgares, e sim “coágulos, grumos”. O
suor não era constituído de sangue, que gotejava, mas era uma substância que a pele de Jesus
exsudava através dos poros e que, COMO se fossem pequenos coágulos de sangue, caíam por terra.
O advérbio hôsei não é, como afirmam os hermeneutas, “indicativo”, mas simples “comparativo”
era COMO SE FORAM coágulos de sangue, “pareciam ser” coágulos de sangue, mas não eram.
No entanto, Irineu e Agostinho afirmam que se tratava de verdadeiro sangue.
Seja sangue, ou apenas coágulos, como diremos, trata-se de irrespondível prova contra os
docetas, que afirmavam que Jesus não tinha corpo nem sangue físicos, mas era apenas um
.fantasma., que fingia estar encarnado, mas não estava. Na epístola aos hebreus (5:7) está claro: .nos
dias de sua carne., confirmando João (1:4) que diz que .o verbo se fez carne., e que afirma em sua
Epístola (1.ª, 4:2) que se conhecerá o espírito que vem de Deus, quando disser que Jesus veio em
carne. E na 2.ª epístola, v. 7, insiste: “muitos sedutores tem aparecido no mundo, que não confessam
que Jesus Cristo veio em carne: esse é sedutor e anticristo”.
Anotemos ainda a palavra agônía, empregada por Lucas no original, mas não na interpretemos
como a nossa “agonia” em português, ou seja, o estado típico daqueles que entram em coma. Em
grego, esse termo exprime “luta”. Aqui, portanto, o “entrar em agonia” significa iniciar a luta da
personagem fraca contra a própria fraqueza. Sustentado pela individualidade, o homem. nos grandes
momentos trágicos, entra em luta titânica e sem tréguas contra a covardia da personagem, que quer
evitar a todo custo o sofrimento moral ou físico. Nessa agonia, isto é, nessa luta, que produz
ansiedade e angústia, é que se decide qual o mais forte, qual das duas sairá vencedora: se a
individualidade, haverá avanço evolutivo; se a personagem, a derrota está à vista.

Não é sem razão que Mateus e Marcos dão o nome de Getsemani ao jardim a que Jesus se
recolheu para orar. Todos os indícios da interpretação foram deixados sabiamente consignados por
escrito, para que a humanidade pudesse, quando disso fosse capaz, descobrir a realidade e
compreender o significado profundo dos atos do Mestre inconfundível.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

207

Observamos que Jesus não estava no “jardim fechado”, ou seja, na Galiléia, e sim na Judéia.
Mas vai para um “jardim”. E o nome desse jardim significa “lagar de azeite”, ou seja, o
instrumento que esmaga as azeitonas, para delas cavar o azeite, tal como o corpo de Jesus seria
esmagado pela dor, para que se produzisse o azeite, o líquido com que se sagravam os sumos-
sacerdotes e os reis.
E esse sofrimento, segundo testifica a epístola aos hebreus (5:7-10) O elevou ao grau de sumo
sacerdote da Ordem de Melquisedec, tornando-o o CRISTO, isto é, “UNGIDO”, exatamente com o
azeite sagrado da unção sacerdotal. Não poderia haver indicação mais clara da ação espiritual que
se estava realizando no globo terráqueo.
Da mesma forma que na Transfiguração havia sido dado um passo iniciático, aqui se iniciava o
processo para o passo seguinte. Então havia mister de “duas ou três testemunhas” (cfr. Deut.
19:15; Mat. 18:16 e 2.ª Cor. 13:1). Foram escolhidas as mesmas testemunhas que haviam
presenciado sua transfiguração gloriosa, Pedro, Tiago e João, a fim de que agora vissem sua luta
(agonia). Eles que haviam testemunhado a manifestação da Individualidade no Tabor, precisavam
ver, e comparar com aquela, a manifestação de Sua personagem transitória, diante do programa de
provas por que deveria passar heroicamente.
Para preveni-los do a que assistiriam, avisa-os desde o início que “Sua alma” (psychê) -
portanto Sua personagem que não deve absolutamente confundir-se com a individualidade
(pneuma) - “está triste até a morte”. O que exprime o alcance indizível da ânsia por que foi
tomada. Pode-lhes, pois, que fiquem “despertos”, a fim de ajudar Seu eu menor a firmar Sua
personagem conturbada pelos grandes sofrimentos que terá que suportar sem um gemido.
No entanto, os olhos dos discípulos estavam “pesados”, e os evangelistas esclarecem “por
causa da tristeza”. Hoje a expressão empregada seria outra: fisicamente achavam-se exaustos pela
perda de fluidos magnéticos.
O mesmo ocorrera por ocasião da Transfiguração, quando diz Lucas: “Pedro e seus
companheiros estavam oprimidos de sono, mas conservavam-se despertos” (Luc. 9:32).
Aqui, a grande perda de substância ectoplasmática, unida à tristeza apreensiva da hora, à
tensão opressiva e à expectativa dolorosa, não deixaram que resistissem fisicamente.
Jesus recomenda-lhes que permaneçam despertos (gregoreíte) para que “não entrem na
provação”, ou seja, para que não sejam apanhados desprevenidos pelas provas a que seriam
submetidos. Nesses momentos, é indispensável haver dinamismo ativo, e não estaticismo passivo e
muito menos relaxamento no sono, pois se o Espírito (pneuma, individualidade) tem boa-vontade
(prós thymos), a carne (sarx, o corpo da personagem) é frágil e pode sucumbir.
Jesus afasta-se dele. Lucas diz textualmente “é arrancado deles (apespáthê ap’autôn): trata-se
do Espírito que força o corpo a isolar-se, para que sozinho suporte o impacto, embora a criatura
goste sempre de sofrer acompanhada. Já à distância, o corpo rui por terra, na posição do desânimo
e da súplica: ajoelha-se (theis tà gónata) e curva o rosto até o chão (épiptein epi tês gês, em
Marcos: ou épesen epì prósôpon autoú, em Mateus), e começa a orar.
Mateus cita-lhe as palavras das três vezes que orou, pois nas três exprimiu o mesmo
pensamento: “Se é possível, afasta de mim esta taça”: é a ânsia da personagem que teme arrostar a
dor física. Mas logo a seguir acrescenta: “Mas não como quero eu, e sim como queres tu: faça-se a
Tua vontade, não a minha”.
Apesar de tudo isso, fortemente influenciada e dominada pelo Espírito a personagem se
conforma e aceita que a vontade do Pai, que era também a de Seu Eu profundo, seja realizada, e
que prevaleça sobre a vontade fraca e temerosa. Então essa prece, proferida três vezes pelo homem
Jesus, demonstra o esforço que Sua personagem física fazia para sintonizar e concordar com a
vontade do Espírito e, por conseguinte, com a vontade do Pai.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

208

Ao falar com os discípulos, cujo físico se achava enfraquecido pela perda de energia, Ele
também esclarece esse mesmo ponto: “O Espírito tem boa-vontade, mas a carne é fraca.
Isso se passava com Ele nesses momentos e Ele o verificava em experiência pessoal ali mesmo
vivida e sentida.
***
Lucas, na qualidade de médico, e portanto mais conhecedor dos fenômenos que se passavam no
corpo físico e no astral, e mais afastado do drama, tendo-se informado de tudo com pormenores,
anota dois fatos de que os outros não falam.
O primeiro e a aparição de um espírito desencarnado, que se materializa para “confortá-lo”.
Lucas di-lo ággelos (mensageiro). Como explicar essa materialização?
Já havíamos assinalado que Pedro, Tiago e João foram os chamados para acompanhar a
Transfiguração e, dissemo-lo a seu tempo), deviam ser médiuns de efeitos físicos, escolhidos
exatamente para proporcionarem ectoplasma. O que ocorreu lá, ocorre agora aqui e ocorrerá na
“ascensão”.
O ectoplasma abundantemente fornecido possibilitou a materialização do espírito.
Mas não foi só: houve também o segundo fenômeno assinalado por Lucas.
Aqui entra o tão citado e estudado “suor de sangue” a que a medicina chama hematidrose:
vimos que
thrómboi não exprime “gotas”, e sim “coágulos” ou “grumos”, quer de sangue, de leite,
gordura, etc.
Muitos esforçam-se em provar que, nas grandes angústias, é possível que as capilares do
derma possam, por exosmose, exteriorizar gotículas de sangue. Mas não nos convence essa
explicação, em primeiro lugar porque a luta e a angústia de Jesus não devem ter sido tão
apavorantes que causassem esse efeito violento e raro; em segundo lugar, porque, onde há
explicação mais simples e plausível, não deve buscar-se outra mais complicada e difícil.
Compreendemos que esses coágulos formados por Seu suor, ou seja, pelo que parecia ser
“suor”, eram pequenas cristalizações de ectoplasma.
Sabemos, sem qualquer dúvida, que ectoplasma é proveniente do sangue, e melhor que nós
devia sabê-lo Lucas. Sabemos ainda que o ectoplasma se exterioriza, na mediunidade de efeitos
físicos, por todos os orifícios do corpo: boca, narinas, ouvidos, anus, vagina, meato urinário e
ainda pelo umbigo e pelos poros de todo o corpo, sendo tanto mais abundante, quanto maiores
forem os orifícios, como é lógico.
Que o ectoplasma dos discípulos foi abundante, comprova-o o sono irresistível (e anotemos de
passagem que realizaram uma sessão de materialização após bebido vinho). Mas também do corpo
de Jesus deve ter-se exteriorizado, como o demostra o fato de ter sido interpretado como “suor”.
Mas não se afastou do corpo, antes, envolveu-o, sendo que, porém alguns coágulos caíram ao
chão.
Outro argumento que nos induz a crer que se trata de ectoplasma, é que todos sabemos que se
apresenta, na escuridão, com fraca luminescência fosfórea, coisa que não ocorre com o suor
aquoso, nem mesmo com a hematidrose. E para ter sido anotado, nessa noite escura, observando-se
que “caía por terra”, era preciso que houvesse algo a iluminá-lo: sua própria fosforescência.
Mas por que e para que se teria produzido tal fenômeno?
Não cremos que tenha sido pelo pavor, mas sim pelo merecimento da personagem de Jesus,
sempre pronta a obedecer e que, nesse mesmo instante, soubera aceitar com resignação a prova
dolorosa.

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Capítulo 14

209

Esse merecimento fez que o espírito materializado o confortasse e ajudasse de duas maneiras
eficientes:
1.ª) recobrindo a superfície do corpo de Jesus com aqueles pequenos cristais de ectoplasma,
localizados provavelmente sob a pele, a fim de embotar os terminais nervosos, com o objetivo de
diminuir a violência das dores e contusões, preparando rápida recuperação dos tecidos epiteliais;
2.ª) cauterizando por antecipação os capilares da epiderma e do derma, a fim de que o sangue
não esvaísse com demasiada abundância, mas logo coagulasse.
Com efeito, pelas narrativas não se fala em sangue abundante: houve algum sangue com a
intromissão dos cravos nos pés e nos pulsos, e correu “um pouco de sangue com água” na chaga
do lado; mas pelo que verificamos no “Sudário de Turim”, o sangue não teve a abundância que
seria de esperar, não tendo tido caráter hemorrágico, o que teria causado esvaimento total,
dificultando-lhe a recuperação de Seu corpo.
Verificamos, pois, que em todo o trecho continuam as lições através dos fatos, dando-nos
oportunidade de aprender novas propriedades do ectoplasma, até agora por nós insuspeitadas. O
inciso de Lucas “orou mais fervorosamente e tornou-se o suor dele como coágulos de sangue,
caindo ao chão” é que nos revelou não se tratar de hematidrose, ou suor de sangue provocado pela
angústia, e sim um fenômeno benéfico, como resultado imediato da prece.
O fato de Lucas falar em thrómboi, “coágulos”, alertou-nos para a circunstância específica da
cristalização do ectoplasma, coisa que ainda não lemos nas obras técnicas do Espiritismo moderno.
Essa cristalização talvez provoque efeitos medicinais ainda desconhecidos, que supusemos ser o
embotamento dos terminais nervosos e mais rápida coagulação do sangue, para evitar o esvaimento
hemorrágico. Pareceu-nos lógica essa explicação, restando agora apenas ser comprovada nos
laboratórios dos pesquisadores que se dedicam ao estudo nas sessões de efeitos físicos.
***
Assim fortalecido e fisicamente preparado, regressa definitivamente aos discípulos, e pergunta-
lhes por que ainda estão a dormir, se já está chegando o discípulo que vai entregá-lo nas mãos dos
profanos para o sacrifício: Ele já estava pronto para iniciar a prova.
Mas que eles orassem, porque também a provação deles estava para chegar: que
permanecessem despertos (acordados) e em oração, a fim de não sucumbirem.
Cabe a nós todos o mesmo aviso, em qualquer situação, mas sobretudo quando assoberbados
por ataques que visam a experimentar nossas forças.
Não percamos de vista, outrossim, a energia do Espírito a dominar a personagem, e a
necessidade absoluta de aceitação por parte de nosso eu pequeno de TUDO QUANTO VENHA
SOBRE NÓS: tudo é necessário e “tudo coopera para o bem daqueles que amam a Deus” (Rom.
8:28). Quantas vezes aquilo que nos revolta, seria um passo à frente em nossa evolução, e perdemos
a oportunidade! Estejamos despertos, atentos, bem acordados, e permaneçamos em oração, para
aproveitar todas as ocasiões de subir.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 8)

II
A Getsemani, lugar situado numa das vertentes do monte das Oliveiras, levou Ele consigo os
mesmos três discípulos que o acompanharam ao Tabor, para assistirem à sua transfiguração e à
aparição de Elias e Moisés. Esses discípulos foram Pedro, Tiago e João, (...).
Dizendo-se possuído de mortal tristeza, quis o Mestre significar aos discípulos e aos homens
que, pressentindo o que ia suceder, seu coração se enchia de amargura extrema pelas tribulações a
que se votavam aqueles a quem viera salvar. Recomendou-lhes que ficassem ali, para
testemunharem o que se ia passar, e que velassem com Ele, para poderem narrar às gerações futuras
o que presenciassem.

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Capítulo 14

210

Prostrando-se e orando, fê-lo para ensinar a submissão, a fé, a resignação e a vigilância sobre si
mesmo, com que o homem deve receber as tribulações e as provas, a fim de não falir nestas, e
mostrava o socorro que advém da prece, poderoso cordial da alma.
Indo ter com eles três vezes e três vezes repetindo-lhes a mesma coisa, quis gravar-lhes
fortemente nos corações e na memória aquelas palavras, que tinham de ser por eles citadas e
registradas pelos Evangelistas, a fim de atravessarem os séculos e chegarem a todas as gerações
humanas. Se fosse Deus e quisesse que os homens assim o considerassem, precisaria Jesus de pedir
amparo? Não traria em si mesmo toda a força de que pudesse necessitar?
(...) Sendo puro Espírito, (...), Jesus estava acima de todos os desfalecimentos e terrores
humanos. Assim, com o que disse e fez no Horto de Getsemani, apenas deu aos homens um exemplo
da submissão, da perseverança e da fé que lhes cumpre demonstrar nas maiores angústias. E que o
exemplo foi grandemente eficaz e proveitoso, podemos verificá-lo no espetáculo dos mártires,
avançando para o suplício, sem experimentarem, sequer, aquela agonia mortal de que falam os
discípulos, com referência ao Mestre, dando, com o que disseram, uma demonstração de quão
fortemente os abalou e impressionou a lição que receberam.
Jesus, pois, (...) sofria, de modo para nós inconcebível, moralmente, pelo endurecimento de
tantas criaturas que eram objeto do seu amor puro, inefável e sem limites.
Basta, disse o Mestre. A lição estava dada aos apóstolos e aos que se dispusessem a lhes seguir
os passos. O ensinamento e o exemplo estavam dados a todos os homens. Só restava que estes
tirassem deles proveito. A hora chegou; levantai-vos, vamos. É preciso que os acontecimentos de
ordem material se cumpram.
Também para nós chegou a hora. Despertemos do sono que há muito nos ganhou; levantemo-
nos e vamos, seguindo as pegadas do Mestre Divino, que é esse o caminho único da nossa redenção.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 173)

III
Vv. 32 - Jesus não despreza o socorro da oração para fortificar-se e não falhar ante a prova. É
mais um exemplo que nos lega. Quando nosso coração se confranger pelo rigor da prova a que
formos submetidos, recordemos sua Divina Figura em Gethsemani, e como ele, digamos também:
Pai, seja feita tua vontade. Demonstraremos assim nossa humildade a Deus e a confiança que nele
depositamos, o único que nos poderá amparar.

Vv. 33 e 34 - Notemos que na hora difícil, Jesus buscou o conforto de seus amigos, e recursos
na oração. É mais um exemplo que nos legou de como nos devemos comportar, quando percebemos
a aproximação das provas. Conquanto ele já fosse um espírito evoluido, angustiou-se também; mas
não se desesperou, nem se isolou, nem se lamentou. Fazendo-se acompanhar de amigos, ele nos
ensina que uma pessoa que se isola, não pode progredir. O progresso só é possível quando há auxilio
mútuo. Somente quando orava e quando se entregava à meditação é que Jesus ficava só; fora disso,
gostava de estar na companhia dos apóstolos e de quantos o procuravam.

Vv. 35 e 36 - Quanto mais evoluído for um espírito, tanto mais saberá obedecer à vontade
divina. A rebeldia é própria de espíritos pouco evoluídos espiritualmente. Jesus aqui nos ensina que
acima de nossa vontade, acima de nossas conveniências, acima de nossos interesses, está a soberana
vontade de Deus, diante da qual nos devemos curvar humildemente. Notemos aqui a humildade de
Jesus perante o Pai, e sua extrema obediência a seus desígnios. O desejo de todos nós, encarnados, é
nunca sermos atingidos pelo sofrimento e pelas desilusões da vida. Todavia se Deus determinar
coisas contrárias ao que esperamos e desejamos, lembremo-nos do exemplo de obediência que Jesus
nos deu e como ele digamos: Não se faça a nossa, mas a tua vontade, Pai.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

211

Vv. 37 - Por duas razões os discípulos dormiam: uma porque não percebiam a gravidade da
situação; e outra porque nos momentos decisivos de suas provas, cada espírito estará só diante do
Pai. Não podemos dividir com outros as responsabilidades de nossos triunfos ou de nossos fracassos.
Cada um de nós será plenamente responsável pela maneira pela qual se comportará. Não importa
que tenhamos sido bem ou mal orientados por terceiros; nós, e ninguém mais, responderemos por
nossos atos; é para isso que Deus nos concedeu o livre-arbítrio.

Vv. 38 - Oração e vigilância é a recomendação suprema de Jesus. Ninguém sabe quando será
provado, O espírito poderá ter se preparado muito, quando estava no mundo espiritual, antes de se
encarnar; porém, depois de encarnado sofre a influência da matéria que o reveste, e do esquecimento
temporário em que mergulhou; por isso, caso se descuide e não se socorra do plano espiritual por
constantes orações, facilmente poderá falhar.

Vv. 39 - Acima de tudo, Jesus procura ser um fiel intérprete da vontade divina. Para isto,
reveste-se de humildade, mostrando a Deus que estava pronto a obedecê-lo, assim nos ensinando
também a obedecer. Conquanto seu desejo fosse que as coisas se passassem de outra maneira, nem
por isso deixa de submeter-se aos decretos do Altíssimo, exemplificando-nos a submissão ante o
poder supremo. Se ele o quisesse, poderia evitar as provas dolorosas; entretanto, permanece no seu
posto, aguardando serenamente os acontecimentos. Era um espírito evoluído; no entanto, vale-se da
prece no momento em que suas forças poderiam falhar; não podendo encontrar consolo e conforto
junto dos discípulos que dormiam, encontra o bálsamo confortador e fortificador na prece dirigida
ao Pai.

Vv. 40 - A oração que Jesus dirigiu ao Altíssimo, preparou-o pará o doloroso transe e, cheio de
bom ânimo, acorda os discípulos e tranqüilamente aguarda o que devia acontecer.

Vv. 41 - Como já dissemos, os discípulos dormiram porque no instante agudo de nossas provas
e expiações, estaremos sozinhos diante de Deus, a fim de demonstrarmos o aproveitamento das
lições e a experiência que a vida nos ministrou. Nossos amigos, os encarnados e os desencarnados,
poderão acompanhar-nos até o lugar onde passemos pelas provas e pelas expiações, mas não
poderão suportá-las conosco. Só a nós compete sofrê-las. E se formos vencedores, o mérito é nosso;
se falharmos, a culpa será exclusivamente nossa.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 26)

IV
Jesus estava no Getsêmani. João disse que esse lugar era um jardim (João 18:1 e 2). É
interessante saber que o lugar em que Jesus decidiu morrer foi um jardim. Isso nos lembra o jardim
do Éden, onde o primeiro Adão fracassou. Poderíamos chamá-lo de o "jardim da perdição". O
Getsêmani seria o "jardim da salvação", em que Jesus, o segundo Adão, mesmo tentado a desistir,
decidiu ir até o fim. Após a Santa Ceia, naquela quinta-feira à noite, Jesus esteve diante da decisão
de voltar incólume para o Céu ou ser pendurado numa vergonhosa cruz romana. Que hora probante!
Mas Jesus decidiu morrer. Iria até o fim. Em agonia, Jesus, como ser humano normal, dirigiu-Se ao
Pai em busca de conforto. Chamou-o de "Aba" – palavra aramaica (língua falada por Jesus). "Aba"
poderia ser traduzida por "papaizinho" e denota grande intimidade entre pai e filho. Isso aponta para
a confiança que Jesus tinha no Pai, mesmo nessa hora tenebrosa de dor e agonia. Este mesmo
relacionamento de serena confiança pode também ser desenvolvido por todo filho e filha de Deus.
Entretanto, isso não ocorre num instante: é fruto de uma vida de entrega e confiança – nos pequenos
e grandes problemas. (Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

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Capítulo 14

212

Vv. 43 a 50 - Jesus é preso (Mt 26:47-56; Lc 22:47-53; Jo 18:1-11)

I
O episódio narrado pelos quatro evangelistas retrata a movimentação da ocorrência, salientando
cada um os pormenores que mais feriram sua atenção, gravando-se na memória deles mesmos ou
dos informantes, no caso de Lucas. Daí a desordem aparente das quatro narrativas. Bem sabido que
as testemunhas mesmo oculares sempre contam os fatos com divergências.
Lendo, todavia, cuidadosa e atentamente, podemos chegar a reconstruir a seqüência da ação,
com a seguinte ordem provável dos acontecimentos daquela noite:
1. Chegada do grupo, com Judas alguns passos à frente;
2. beijo e saudação;
3. resposta de Jesus;
4. pergunta dos discípulos se devem reagir;
5. reação intempestiva de Pedro;
6. resposta a Pedro;
7. cura da orelha;
8. Jesus aproxima-se do grupo e pergunta a quem procuram;
9. ao responder, sofrem impacto;
10. nova pergunta de Jesus;
11. recomendação de não tocar nos discípulos;
12. censura ao grupo de vir à noite e às escondidas;
13. fuga dos discípulos;
14. prisão de Jesus;
15. fuga do jovem que ali ficara.

Enquanto ainda falava Jesus, avisando da chegada do grupo, irrompe este, trazido por Judas,
.para que se cumprissem as Escrituras.. Não eram soldados romanos, embora João fale em .tribuno.
(chiliárchos), tanto que traziam facões (máchaira) e paus (xylos) e não espadas (xiphós) nem lanças
(lógchê), como João emprega tecnicamente em 19:34.
Pode explicar-se que tivessem vindo com fachos (phanôn) e archotes (lampádôn), apesar de ser
noite de lua cheia (14 de nisan), pois no jardim havia a gruta onde Jesus costumava permanecer, e
essa permanência em total escuridão. Justamente por ser escuro e não poderem reconhecer
fisionomias, é que Judas necessitava indicar claramente qual daqueles homens era Jesus.
O grupo fora enviado pelo pessoal do templo e não pelas autoridades romanas, e recebera a
senha de reconhecimento: o beijo respeitoso na face, como o faziam todos os discípulos ao saudarem
seu mestre, com a fórmula judaica shalôm Rabbi, .salve Mestre., que o grego traduz pela expressão
usual entre os helenos: chaíre! Mas Judas não deixa de recomendar aos capangas que não se
excedam, e .o levem com todo o cuidado., pois aquele homem merece toda a consideração.
Jesus lhe recorda que “ele veio para isso”, e continua sendo o “amigo” (hetaíre, eph’hó párei).
O texto é seguramente assertivo, e não interrogativo, como é dado nas traduções vulgares (“amigo, a
que vieste?”). Nas inscrições das taças de vinho dessa época, lemos freqüentemente: euphraínoô,
eph’hó parei ou seja, “alegra-te, para isso vieste” (ou “estais aqui”); e encontramos, até mesmo, a
frase completa de Jesus: hetaíre, eph’hó párei (cfr. Max Zerwick).
A frase registrada por Lucas (“Judas, com um beijo entregas o Filho do homem?”), depois de
tudo o que ocorrera, assume sentido irônico, inconcebível naqueles instantes de suprema tensão.
Mas os códices são unânimes em citá-la, o que não levanta suspeitas contra o fato de encontrar-se
ela no original lucano.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

213

Outra frase em que Lucas difere dos outros, é a pergunta atribuída aos discípulos: “Senhor,
ferimos com o facão”? E sem esperar resposta, para não perder tempo, Pedro, impulsivo como
sempre, puxa o facão da bainha e acomete contra um servo do Sumo-Sacerdote. Também essa
pergunta, na confusão do momento, não parece retratar o ocorrido. Mas, tal como a primeira, esta
segunda frase dá impressão de acréscimos posteriores, por conta de quem narrou a Lucas o ocorrido.
Após o gesto impensado de Pedro, que poderia ter provocado um tumulto perigoso, pela
inferioridade numérica dos discípulos, o Mestre olha para ele e acalma-o: .deixa até isso., ou seja:
.não interfiras, porque até isso está certo e previsto.. E jogo após o aviso, para que se precavenha
contra possíveis carmas negativos: “põe o facão na bainha dele, pois quem usa o facão, morre pelo
facão”. Era a confirmação, na prática, do ensino teórico anteriormente dado: “não resistais ao
homem mau” (Mat. 5:39).
Jesus não quer saber de violência: toma a orelha do servo, que João diz chamar-se “Malco” e a
cura, segundo Lucas apenas. Temos a impressão de que o informante de Lucas contou que Pedro
decepara a orelha do servo e Lucas pergunta: “Qual”? para ser esclarecido de que foi a “direita”. E
depois indaga: “Mas ele ficou assim ferido”? e o informante: “Não, Jesus o curou”. Então o
evangelista teve o cuidado de consignar a cura, que os outros calaram. Sua profissão médica o
induziu a esse cuidado. A orelha talvez não tenha sido totalmente arrancada: pode ter ficado presa
pela pele, quando Pedro desceu o facão de cima para baixo, e o servo desviou a cabeça para o lado
esquerdo, de forma que só foi atingida a orelha direita.
Segundo João (episódio omitido nos sinópticos) Jesus se aproxima da malta e pergunta “A
quem procuram”. A resposta é rápida: “Jesus, o nazoreu”. No original não está “nazareno”, forma
que só aparece em Marcos (1:24, 10:47; 14:67 e 16:6) e Lucas (4:34 e 24:19). A forma “nazoreu”
está em Mateus (2:23 e 26:71), em Lucas (18:37); em João (18:5 e 7 e em 19:19) e nos Atos (2:22;
3:6; 4:10; 6:14; 22:8; 24:5 e 26:9).
Afirma João que, quando Jesus dá a resposta “Sou eu”, o bando sentiu tal impacto, que deu um
pulo para trás, atropelando-se, pelo que alguns caíram no chão. Dada a confusão, Jesus espera que se
recomponham e repete a pergunta, obtendo a mesma resposta e retrucando da mesma forma. Mas já
agora não há mais confusão. Então o Mestre pode concluir seu pensamento: “se é a mim que
procurais, deixai que estes vão embora”. Observamos que não os chama de “discípulos” para não
atrair sobre eles o perigo de serem presos também.
E João anota que isso foi feito para realizar-se o que Jesus havia dito: “não perdi nem um dos
que me deste” (João, 17:12). Depois disso é que João coloca o arremesso de Pedro contra o servo do
sumo sacerdote, mas tudo indica que o fato se deu antes: não se compreenderia que, depois de
liberados para irem embora. Pedro tivesse avançado contra o grupo, pois isso teria anulado a
recomendação de Jesus.
O que temos a seguir é a censura que o Mestre faz, demonstrando Sua estranheza de não terem
tido a coragem de prendê-Lo quando estava a ensinar publicamente no templo, e viessem a fazê-lo
como a um salteador, na escuridão da noite. Agostinho comenta: “por que, senão porque o poder do
diabo e de seus anjos, que tinham sido anjo, de luz se tornaram anjos das trevas”?
O grupo fora enviado, vimo-lo, pelas autoridades religiosas do Sinédrio (sacerdotes, anciãos
do povo e escribas). Nem se compreenderia que assim não fosse: o grande “mistério” iniciático de
conquista do grau de hierofante só podia ser confiado a um Colégio Sacerdotal regular e
legalmente constituído; sendo Jesus israelita, evidente que os homens que detinham o poder do
sumo-sacerdócio é que teriam que desempenhar o rito do holocausto, embora humanamente nada
soubessem do que estavam a fazer. Os romanos, no caso, só entraram como auxiliares da execução
para o emprego da força física, já que a tortura para a “morte de Osiris” não poderia ter sido a
lapidação (segundo a lei mosaica); o simbolismo exigia que fosse a crucificação, e esta só a
autoridade civil romana possuía competência legal para aplicá-la.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

214

Judas, ao cumprir sua dolorosa e árdua tarefa, indica a senha que dará à malta que vai
prender seu Mestre que, qual cordeiro, se destina ao holocausto. E escolhe o sinal usual de respeito
entre discípulos e mestres: o beijo na face.
Ao chegar próximo de Jesus embora firme em sua resolução de colaborar no drama sagrado,
está constrangido e de coração amargurado, ao proferir as palavras de praxe: “Salve, Mestre”!
Seu olhar e sua vibração deviam ser de profunda tristeza e apreensão, que se manifestaram no tom
em que proferiu as palavras. E de tal forma devia estar abatido, que Jesus sentiu piedade e fez
questão de confortá-lo com a resposta tranquilizadora registrada por Mateus, que assistiu
pessoalmente à cena: “Amigo, vieste para isso”!(...)

A frase de Jesus a Judas foi realmente tranqüilizante “vieste para isso”. E o vocativo amigo,
com a palavra hetaíre – que exprime a amizade de companheirismo e camaradagem absoluta –
revela-nos que o ato de Judas não foi de forma alguma considerado por Jesus como uma “traição”,
e sim como um testemunho de amizade, pois O estava ajudando a cumprir Sua missão dolorosa: era
muito melhor que tudo ocorresse como estava previsto, do que ser deixado à discrição popular,
arriscando-se o drama a não atingir sua finalidade predeterminada.
(...)Judas(...) afasta-se totalmente do grupo, para ver se consegue acalmar-se. Só mais tarde
aparecerá, para ver o resultado glorioso do Mestre, ao vencer a morte. Mas, quando O vê lanceado
no peito, julga que tudo falhou e se desespera.
A prova da impulsividade explosiva governada pela emoção, em Pedro, manifesta-se quando
puxa o facão da bainha e o desce violentamente sobre a cabeça do primeiro que ali aparece. Este
desvia a cabeça para a esquerda, sendo atingido apenas na orelha direita.
Jesus compreende o impulso de Pedro, mas “sabendo tudo o que ia ocorrer”, repreende-o:
“põe teu facão na bainha: quem com ferro fere, com ferro será ferido. Lembra-te da Lei do Carma!
Então, não deverei beber a taça que o Pai me destinou? Não atrapalhes a ação divina. Se isso não
devesse acontecer assim, julgas que não poderia invocar meu Pai, e Ele me enviaria doze legiões de
mensageiros desencarnados? (A legião era de 6.000 homens: seriam, então 72.000 espíritos).
Dizem alguns que essa alusão atingiu todos os discípulos: viriam doze legiões para suprir a
vacilação dos doze discípulos...
Mas João, o simbolista espiritual, atribui ao servo do sumo-sacerdote um nome: malco. Ora,
esse nome significa REI. Não diremos que era “falso” o nome, nem “inventado” por João, pois
houve outras personagens que o usaram no Antigo Testamento: Malachias, Melcha (fem.), Melchia
ou Melchias, Mechon, Melech, além do conhecido composto Melquisedec.
(...) Qual o pior assassino? O que mata num desvario passional incontrolado e impensado, ou o
que fria e deliberadamente manda matar o doente que se desvairou? Sofismas e desculpas não
inocentam ninguém.
O ensino de Jesus é claro: não toque nos corpos, para não assumir carmas negativos. Não use
violência, que atrairá violências dobradas. Não reaja intempestivamente: deixe crescer o joio junto
com o trigo, pois na hora da colheita serão separados (Mat. 13:30). (...) Não adianta “espancar” as
trevas: basta que a luz se acenda silenciosamente.
(...) No entanto, o gesto de Pedro está plenamente coerente com seu temperamento exaltado do
(...), que constrói e destrói. Ele (...) não contava com o modo de agir dos profanos e, ao ver
chegando aquele grupo armado de paus e tochas, assusta-se e não suporta o impacto, supondo que
aquela malta ia massacrar o querido Rabbi ali mesmo. Daí não se ter contido. O holocausto
previsto, sim; mas desse jeito, também não! Lucas é o único a assinalar a cura de Malco (...).
Depois desse gesto e das palavras dirigidas a Pedro, Jesus encaminha-se para o grupo que se
mantinha a alguns passos de distância, a fim de recomendar-lhes que “não toquem” em Seus
discípulos.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

215

Mas quer esclarecer bem qual a ordem que tinham recebido. Pergunta-lhes, pois, “quem” é
que procuram: só Ele, ou o grupo? A resposta é clara: só “Jesus, o nazareu”. Jesus inicia a frase,
assumindo a responsabilidade total e única: “Sou eu”!
João registrou a cena. Impressionara-o a cena do susto daqueles homens rudes, pulando para
trás e atropelando-se, alguns até caindo ao chão. Psicologicamente pode explicar-se pela idéia que
tiveram, de que ia dar-se, da parte de Jesus que caminhava para eles, uma resistência inopinada.
Então recuaram, para tomar posição de defesa. Como estavam muito aglomerados, os da frente
tropeçaram nos que estavam atrás. (...) Em vista da confusão, Jesus aguarda que se recomponham e
repete a pergunta: exige bem claro o objetivo da busca, a fim de impor a condição: “se é a mim que
buscais, deixai que estes se vão”. E João esclarece: “para que se cumprisse a palavra de Jesus, que
dissera: “não perdi NEM UM dos que me deste” (...).
Exigida a condição, dirige-se ao grupo com a autoridade que lhe dá sua posição de Espírito
Superior, perguntando-lhes por que não O prenderam quando estava, durante dias seguidos,
sentado no templo a ensinar, rodeado de Seus discípulos. Protesta, pois, com justiça, que tinham
vindo armados, como para prender um salteador afeito a resistir violentamente com as armas.
O protesto caiu no vazio, mas ficou consignado, demonstrando que o homem Jesus, em Sua
personagem, não era fraco, medroso nem covarde, e enfrentava as situações de cabeça erguida.
Não era aquela figura dócil e quase efeminada que alguns nos apresentam. Manso, sim, de coração,
mas não de atitudes, todas másculas e vigorosas; sujeitando-se às humilhações “para que se
cumprissem as Escrituras” no que haviam dito a Seu respeito. Manso com os pobres, os doentes, os
pecadores humildes, mas altivo e até arrogante diante dos poderosos e das autoridades
constituídas, falando-lhes sobranceiramente de cara. Magnífico exemplo!
(...) Foi quando todas resolveram “fugir”, embrenhando-se por entre as oliveiras do jardim.
Todos o abandonaram, inclusive Pedro e João, e mesmo seus irmãos Judas Tadeu e Tiago.
Compreenderam que chegara a hora tão anunciada por Jesus, (...). São acusados de “ingratidão” e
de “poltroneria”. Todavia, da mesma forma que os grandes vôos místicos só podem ser realizados
a sós, assim também as grandes experiências (páthos) são indispensavelmente vividas em solidão
absoluta: “vem a hora em que cada um seguirá para seu lado, e serei deixado sozinho” (Jo 16:31).
A interpretação humana pende sempre a julgar mal qualquer atitude dos outros, sem querer
aprofundar o olhar para descobrir a essência última dos atos. Tão fácil se torna acusar e atribuir o
mal a tudo o que se vê, que ninguém quer dar-se ao trabalho de pensar antes de falar. E tão fácil é
projetar nos outros os próprios sentimentos íntimos e inconfessáveis, que a maledicência e a
calúnia se tornam pão cotidiano. E lamentavelmente essa é uma atitude mais comum entre
espiritualistas que entre materialistas, e a razão é que os primeiros estão intimamente convictos de
que são os seres “mais evoluídos, perfeitos e infalíveis” do planeta: a opinião deles é A CERTA.
Então, divulgam-na ao máximo, procurando rebaixar todos os “concorrentes”, para que só eles
fiquem “de cima”, no pedestal da perfeição e com a auréola de “santos” e de “sábios”.
Diz João que, depois de tudo, a escolta prendeu Jesus e o “algemou”. O “tribuno”, de que fala
nessa frase, dá a entender que era o grupo chefiado por uma autoridade do exército romano. Mas
jamais o orgulho de um romano, sobretudo oficial, teria permitido que um “tribuno” chefiasse um
grupo de servos. Seria como se hoje imaginássemos um capitão do exército oficialmente à frente de
um grupo heterogêneo de homens armados de paus e facões. Por que então teria João usado esse
termo técnico? Parece-nos que no sentido popular: o “capitão” do grupo, como ainda dizemos o
“capitão” do time de futebol: o chefe, o cabeça, o que dirigia.
Estava, pois, a vítima entregue às mãos dos profanos, (...).
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 8)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

216

II
Quanto às palavras dirigidas a Pedro: Embainha a tua espada, etc., encerram um ensinamento,
que o Mestre nos ofereceu, mostrando que jamais devemos defender-nos com violência, com armas
materiais; que somente devemos usar das armas morais: a paciência, a doçura, o amor e a caridade;
que serão punidos, segundo a lei de talião os que, usando de armas materiais, derem prova de que
lhe desprezam os ensinos, os exemplos, os mandamentos. Continham igualmente uma advertência
aos que, de futuro, se ririam e constituiriam diretores da sua Igreja, dando-lhes a ver que nunca
deveriam fazer deste mundo um reino para si, empunhando armas materiais, como instrumentos de
justiça humana, ou de defesa contra os ataques exteriores.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 174)

III
Vv. 43 a 46 - Jesus agora vai exemplificar com os atos, o que até então tinha pregado. Seu
sacrifício é a exemplificação de seus ensinamentos no Sermão da Montanha. A mesma serenidade
que Jesus demonstrou ao curar os enfermos, ao discutir com os orgulhosos sacerdotes, ao ensinar o
povo, é também por ele demonstrada ao deparar com seus algozes. Notemos a mansidão com que ele
os recebe: a Judas, que o entrega, chama de amigo, e não esboça um gesto de violência sequer. Jesus
sabia que o Pai Celestial recebe com amor o filho justo, e com justiça o filho rebelde, concedendo-
lhe todos os meios de se reabilitar e de se elevar na escala da perfeição. E Jesus como filho mais
velho e irmão devotado distribui a seus irmãos menores sempre o bem, e jamais usou de violências
para com os que não o compreendiam, nem para os que o perseguiam.
Vv. 47 - Plenamente consciente de sua missão de instruir seus irmãos menos evoluídos, Jesús
não perde as oportunidades. Ao gesto de violência que o discípulo executou para defendê-lo, o
Mestre lhe responde com o ensinamento profundo do choque de retorno: Quem com ferro fere, com
ferro será ferido, ou — o que fizeres aos outros, isso mesmo te estará reservado. Com isto Jesus nos
ensinou que, cedo ou tarde, receberemos o reflexo das ações que tivermos praticado contra nosso
próximo: reflexo bom se foi o bem; e reflexo de sofrimento se foi o mal. É comum observarmos e
conhecermos pessoas que fazem de suas vidas terrenas um longo período de iniqüidades, parecendo
sempre felizes e que tudo lhes corre sempre bem. Todavia, se pudéssemos acompanhar essas
mesmas pessoas através de várias reencarnações futuras, veríamos que se tornariam vítimas das
mesmas iniqüidades, que cometeram contra seus irmãos. O bem jamais ficará sem recompensa, e o
mal nunca deixará de ser castigado, seja qual for a espécie dele, a situação e a ocasião em que foi
cometido.
Vv. 48 - Jesus repreende ternamente seus perseguidores, dizendo-lhes: Como me prendeis de
noite, se passei o dia a ensinar-vos? Se os homens não se entregassem tanto à materialidade da vida
terrena, e consagrassem alguns momentos ao cultivo espiritual de suas almas, teriam nas Escrituras
Sagradas excelentes lições que lhes poupariam muitos erros de conseqüências desastrosas, não só
para si, como para a coletividade.
Vv. 49 - É verdade que Jesus não estava no caso de um espírito em provas ou em expiação, não
tendo culpas a resgatar; fora declarado culpado unicamente pelos sacerdotes. Ele recusou livrar-se
dos homens porque, como Missionário celeste que era, não quis renunciar à sua missão. Ele
compreendia que se não se submetesse, o seu Evangelho de Amor, Renúncia, Sacrifício, Bondade,
Tolerância, Humildade, Perdão e Submissão às leis divinas e humanas, não teria valor para a
posteridade.
Vv. 50 - Os discípulos fugiram porque só nesse instante é que conheceram a missão puramente
espiritual de Jesus, mas não tiveram a coragem de se colocarem ao seu lado, testemunhando o
compromisso de discípulos fiéis, que tinham assumido para com o Mestre.

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Capítulo 14

217

Do mesmo modo, há grande número de adeptos do Espiritismo e de outras correntes


espiritualistas, que não se sentem com coragem de romper com as conveniências sociais, com os
interesses materiais, e com amizades que os desviam do dever espiritual; por isso, ao terem de dar o
testemunho supremo, quando mais claramente deviam proclamar os princípios espirituais a que se
filiam, desertam das fileiras da espiritualidade, ou se retraem medrosamente.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 26)

IV
Certamente, Judas imaginou que Jesus não Se deixaria prender, embora liderasse uma turba
com esse propósito. Ele já não havia "desaparecido" em uma ocasião em que quiseram prendê-Lo?
(Luc. 4:28-30). Deve ter ainda pensado que estaria fazendo um favor a Jesus em colocá-Lo numa
posição em que, finalmente, mostraria Seu poder e Se proclamaria Rei. Mas não foi isso o que
ocorreu. Após o beijo da traição (e Jesus ainda o chamou de "amigo", conforme Mar. 26:50, talvez
para fazê-lo refletir no que estava fazendo e se arrepender), Jesus Se deixou prender. Isso nos causa
espanto e assombro: Cristo, Se deixa prender e amarrar! Que momento de tentação para Jesus! Ele
poderia simplesmente fulminar Judas e toda aquela turba! Mas, como "cordeiro mudo" deixou-Se
levar ao matadouro (Isa. 53:7).
Pedro (só podia ser ele!) ainda tentou defender Cristo com um golpe de espada, desferido contra
o servo do sumo sacerdote. Mas a luta não era carnal e sim espiritual. Talvez numa luta carnal,
Pedro houvesse se saído bem, sendo soldado corajoso. Mas a luta era "contra as forças espirituais do
mal" (Efés. 6:12). E nessa, Pedro e os demais discípulos foram derrotados. "Todos fugiram" (Mar.
14:50). Aparentemente, a causa de Cristo acabara em completo fracasso. Mas, como sabemos, a
aparente derrota foi completa vitória. Os apavorados discípulos, que fugiram de medo, abalaram o
mundo com as boas-novas da salvação, quando compreenderam a natureza da batalha e as armas que
Deus lhes colocara à disposição (confira Efés. 6:10-18).
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

V
A Carta do senador Públio Lentulus

“Sabendo que desejais conhecer quanto vou narrar, existindo nos nossos tempos um homem, o
qual vive atualmente de grandes virtudes, chamado Jesus, que pelo povo é inculcado profeta da
verdade, e os seus discípulos dizem que é filho de Deus, criador do Céu e da Terra e de todas as
coisas que nela se acham e que nela tenham estado; em verdade, ó César, cada dia se ouvem coisas
maravilhosas desse Jesus; ressuscita os mortos, cura os enfermos, em uma só palavra: é um homem
de justa estatura e é muito belo no aspecto. Há tanta majestade no rosto, que aqueles que o vêem são
forçados a amá-lo ou temê-lo, Tem os cabelos da cor da amêndoa bem madura, são distendidos até
as orelhas, e das orelhas até as espáduas são da cor da terra, porém mais reluzentes.
Tem no meio da sua fronte uma linha separando os cabelos, na forma em uso dos nazarenos; o
seu rosto é cheio, o aspecto é muito sereno, nenhuma ruga ou mancha se vê em sua face de uma cor
moderada; o nariz e a boca são irrepreensíveis. A barba é espessa, mas semelhante aos cabelos, não
muito longa, mas separada pelo meio; seu olhar é muito especioso e grave: tem os olhos graciosos e
claros; o que surpreende é que resplandecem no seu rosto como so raios do sol, porém ninguém
pode olhar fixo no seu semblante, porque, quando resplende, apavora, e quando ameniza, faz chorar;
faz-se amar e é alegre com gravidade. Diz-se que nunca ninguém o viu rir, mas, antes, chorar. Tem
os braços e as mãos muito belos; na palestra contenta muito, mas o faz raramente e, quando dele
alguém se aproxima, verifica que é muito modesto na presença e na pessoa. É o mais belo homem
que se possa imaginar, muito semelhante a sua mãe, a qual é de uma rara beleza, não se tendo jamais
visto, por essas partes, uma donzela tão bela...
COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2
Capítulo 14

218

De letras, faz-se admirar de toda a cidade de Jerusalém; ele sabe de todas as ciências e nunca
estudou nada. Ele caminha descalço e sem coisaq alguma na cabeça. Muitos se riem, vendo-o assim,
porém, em sua presença, falando com ele, tremem e admiram. Dizem, que um tal homem nunca fora
ouvido por estas partes. Em verdade, segundo me dizem os hebreus, não se ouviram jamais tais
conselhos, de grande doutrina, como ensina este Jesus; muitos judeus o têm como Divino e muitos
me querelam, afirmando que é contra a lei de tua majestade.
Diz-se que este Jesus nunca fez mal a quem quer que seja, mas, ao contrário, aqueles que o
conhecem e com ele têm praticado, afirmam ter dele recebido grandes benefícios e saúde, porém à
tua obediência estou prontíssimo – aquilo que tua majestade ordenar será cumprido.
Vale, da majestade tua, fidelíssimo e obrigadíssimo.
Públio Lentulus
(L’indizione sétima, luna seconda)”

Comentários em torno desta Carta

(...) Somente no século XIV começou a ser conhecida uma carta redigida na Palestina, por
Públio Lentulus, e endereçada ao imperador Tibério César, onde se faz o retrato físico e moral de
Jesus. Encontrada em Roma, no arquivo do duque de Cesadini, ela despertou grande interesse.
Porém, até hoje, é questionada a sua autenticidade.
Mesmo assim, essa carta não foi totalmente esquecida, sendo muitas vezes lembrada e
comentada em face de seu expressivo conteúdo. Como se fosse portadora de uma luz – de um selo
de autenticidade – que nunca se apaga...
Quando se analisa essa carta, uma das dúvidas levantadas é se existiu ou não o autor da mesma,
o senador Públio Lentulus Cornelius.
A leitura da obra Há dois mil anos..., autêntica autobiografia deste senador, hoje, no além, mais
conhecido por Emmanuel, revela-nos que a sua vida pública, embora muito honrada, chegando a
receber duas expressivas homenagens, nos anos 58 e 79, pelos imperadores da época (p. 295 e 429),
não apresentou lances de grande destaque, dignos de nota pelos historiadores.

(...) Pesquisa feita por Silvano Cintra de Melo revelou: “Em La Grande Encyclopedie (...),Paris,
e Enciclopédia Universal Ilustrada (...), Barcelona, lê-se o seguinte: “PÚBLIUS LENTULUS –
Suposto predecessor de Pôncius Pilátus, na Judéia, a quem é atribuída a autoria de uma carta
dirigida ao Senado e povo romano, relatando a existência de Jesus Cristo”. A Enciclopédia
espanhola adianta mais: Por essa carta, Públius Lentulus oferece pormenores sobre o aspecto
exterior de Jesus e de suas qualidades morais, terminado-a com a afirmativa de que o Cristo era ‘o
mais formoso dos filhos dos homens’. A origem deste documento é desconhecida, o certo é que foi
impresso pela primeira vez na Vita Christi, de Ludolfo Cartujano (Colônia, 1474) e, pela segunda
vez, na Introdução as Obras de Santo Anselmo (Nuremberg, 1491).”
O escritor espírita Adelino da Silveira, em 1999, fez a seguinte pergunta a Chico Xavier:
“Chico, estão dizendo que aquela carta enviada da Galiléia pelo senador romano Públio Lentulus ao
imperador Tibério César, em que traça o perfil de Jesus, não é autêntica. O que você poderia nos
dizer a respeito?
E obteve a incisiva resposta: “É autêntica. Foi encontrada nos arquivos de Roma.”
(Mediunidade na Bíblia, Hércio M. C. Arantes)

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Capítulo 14

219

Vv. 51 e 52 – Jesus seguido por um jovem

I
Quando se aproximaram de Jesus e o algemaram (édêsan), todos os discípulos fugiram:
pareceu-lhes perdida a batalha. Mas, por não pertencer ao grupo, um jovem (neanískos), que pelo
adjetivo grego devia estar entre 14 e 16 anos, ali ficara a olhar. Estava nu, apenas enrolado num
lençol de linho (síndona epì gymnoú), o que dá a entender que era de família abastada, pois os
pobres dormiam com a mesma roupa com que andavam durante o dia, jogando-se em cima do
enxergão; só os mais providos de meios, que possuíam lençóis, é que tiravam a roupa e dormiam
nus, cobrindo-se com lençol.
Mas isso ainda revela que esse mocinho devia morar próximo ao local, talvez na casa do jardim
de Getsemani, e por isso despertara com o movimento e o barulho; enrolando-se, então, no lençol,
viera ver o que se passava.
Quando, porém, um dos homens o agarrou, soutou-lhe na mão o lençol e fugiu nu para casa.
Certo é que não se tratava de nenhum dos discípulos. Quem teria sido? João Crisóstomo, Gregório
Magno e Beda disseram que devia ser João o Evangelista: Epifânio propõe que era Tiago, irmão de
Jesus: outros dizem ter sido Lázaro, mas a este não cabia o qualificativo de neanískos.
A opinião mais corrente e lógica era de que se tratava do próprio Marcos, ou João-Marcos, o
único que relata o fato por ter-se passado com ele mesmo, e não haver saído jamais de sua memória
o susto que passou. Ora, Marcos parece ter sido sobrinho de Pedro (filho da irmã de Pedro que se
chamava Maria, At. 12:12) e que bem podia morar fora de Jerusalém, como deduzimos de Atos
12:10, onde se diz que, ao sair da prisão. Pedro “atravessou o portão de ferro que dá para a cidade,
que se abriu sozinho” e foi ter à casa de Maria. Ainda lemos sobre Marcos em Atos (15:37-39) que é
dito consobrinus Bárnabae, isto é, sobrinho ou primo de Barnabé (Col. 4:10). A hipótese, em vista
da idade de Marcos, parece bem viável.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 8)

II
O mancebo que seguiu a Jesus, conforme dizem os Evangelistas, envolto num lençol,
simbolizava a lei antiga, que trazia consigo o emblema da morte. Detida no seu curso, ela se despoja
de suas insígnias e se mostra tal qual o Senhor a fez. Também nós nos devemos despojar das
insígnias da morte. Estamos envoltos em fraudes, maldades e vícios. Esse o lençol que nos cobre.
Abandonemos esse invólucro fúnebre, como o fez o mancebo de que falam os Evangelistas, nas
mãos dos que tentem embaraçar-nos os passos na senda do progresso moral e apresentemo-nos ao
Senhor nus, isto é, com um coração puro, tal como Ele no-lo deu. Acompanhemos o Cristo no seu
trajeto para o Pretório, deixando pelo caminho os nossos vícios e paixões, causa da sua ida até lá.
Sigamo-lo, trilhando as sendas que Ele traçou e assim abrandaremos os sofrimentos que lhe
causamos à sua passagem pela Terra.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 174)

III
Leitura complementar na apostila “Estudo do Evangelho de Marcos” que compõe a trilogia de
estudo do curso, na quarta parte – Textos Complementares – Quem foi Marcos?, página 23.

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Capítulo 14

220

Vv. 53 – Na Casa de Caifás (Mat 26:57; Luc. 22:55; João, 18:15)


I
Segundo o testemunho de Mateus e Marcos, estavam reunidos na casa de Caifás os principais
sacerdotes, os anciãos e os escriba: portanto o pessoal que constituía o Sinédrio. Marcos anota que
estavam “todos”, mas deve ter havido generalização indébita, pois Nicodemos e José de Arimatéia
(cfr. Luc. 23:51) não deviam estar presentes. Como e por que lá estavam essas autoridades? Tendo
fornecido os servos para a captura de Jesus, talvez ali tivessem ficado a conversar, enquanto
aguardavam o resultado da “batida”. Mas o julgamento oficial do Sinédrio não se realizou em
seguida, durante a noite, o que era proibido, sob pena de nulidade, quer pelo Talmud (Sanhedrin)
quer pelo Direito Romano. Lucas diz claramente (22:66) que o interrogatório foi feito .Logo que se
tornou dia. (hôs egéneto hêmêra). E esclarece que não foi na casa de Caifás, e sim no Sinédrio (id.
ib), na sala do Gagith, que os gregos denominavam “Conselho” (boulê ou bouleutêrion), que ficava
a oeste do templo. Por que tamanha pressa? Em vista da festa da Páscoa, que começava às 18 horas
daquela mesma sextafeira, impondo o repouso sabático juntamente com o repouso pascal. Se
houvesse delongas, havia, além disso, o temor de algum levantamento popular favorável ao
prisioneiro. Por isso, precipitaram-se os acontecimentos.
Pedro seguia Jesus “de longe”, enquanto “outro discípulo, que era conhecido do sumo-
sacerdote”, também seguia o grupo. Discute-se quem seria esse “outro discípulo”. A maioria
propende em aceitar que era João, embora Durand (Évangile selon S. Jean) não o aceite, sob a
alegação de que um simples pescador do lago de Tiberíades, na Galiléia, dificilmente teria
“conhecimento pessoal” com o Sumo-Sacerdote. E lança a hipótese de ter sido aquele jovem que
fugiu nu (Marcos), que se vestira e acompanhava tudo: este morava em Jerusalém e devia pertencer
a família abastada, como vimos. Não vemos razão para isso. Primeiro porque esse jovem não é
apresentado como “discípulo”, como “um dos doze”, que são os que recebem a classificação de
discípulos. Em segundo lugar porque o Sumo-Sacerdote não era obrigatoriamente “amigo” do
discípulo: apenas “o conhecia”. E pode a expressão ter sido usada lato sensu: o “outro discípulo” era
conhecido dos servos do Sumo-Sacerdote, que eram os que atendiam à porta.
Como era conhecido? Não era ele sócio da companhia de pesca de seu pai (cfr. Mt. 4:21 e Mc
1:20)? Não poderia João ser o elemento de ligação que negociava peixe na casa de Caifás? Qual a
dificuldade insuperável para que, sendo conhecido na casa do Sumo-Sacerdote, os servos lhe
abrissem a porta e lhe aceitassem o pedido de deixar que Pedro também entrasse no pátio?
Por ser conhecido dos que atendiam à porta, entrou. Ao ver que Pedro ficara de fora, volta e
consegue que entre, em elegante gesto de cortesia. Assim poderiam os dois acompanhar de perto o
processo de Jesus, confortando-o com suas presenças amigas e dedicadas.
Num processo comum de prisão, o acusado não teria necessidade de comparecer perante
Caifás: Barrabás não foi lá levado. Nem mesmo perante o Sinédrio, pois a transferência da
autoridade religiosa para a civil era feita por funcionários subalternos. Mas no caso de Jesus não
se tratava de criminoso comum: era indispensável que fosse ouvida a palavra da mais alta
autoridade religiosa. Como não era lícito nem legal o julgamento depois do sol posto, aguardaram
o novo surgir do sol para efetuá-lo. Mas durante esse período, que deve ter sido longo e cansativo,
a vítima do holocausto cruento permaneceu sob a custódia da autoridade máxima da religião.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 8)

II
Caifaz era o sumo sacerdote daquele ano; em sua casa ia começar o simulacro do julgamento de
Jesus.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 26)

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Capítulo 14

221

Vv. 54 – Pedro segue Jesus (Mt 26:57-58; Lc 22:54; Jo 18:15-16)

Pedro procura ser fiel até o fim, e segue jesus para mais tarde negá-lo. É mais uma lição que o
Evangelho guarda: não basta seguir a Jesus, ou a uma determinada doutrina; nas horas amargas da
existência, é preciso demonstrar fidelidade aos princípios esposados.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 26)

Vv. 55 a 65 – Jesus perante o Sinédrio (Mt 26:59-68; Lc 22:63-71))

I
Mateus afirma que era procurada uma “testemunha falsa”, mas a expressão de Marcos é mais
fiel à realidade: era procurada uma testemunha contra Jesus, mas que, para eles, fosse verdadeira.
Daí a dificuldade de encontrá-la. Muitos apareciam com as mais variadas afirmativas, embora fosse
impossível colocá-las de acordo.
E o Deuteronômio (17:6) exigia textualmente: “Com a palavra de duas ou três testemunhas se
fará matar quem deve morrer; não será morto com a palavra de uma só testemunha”.
Finalmente surgiram duas, cujas acusações coincidiram basicamente, embora lhes diferisse a
forma, conforme deduzimos dos textos de Mateus e Marcos. Dizia um: .posso destruir., revelando a
capacidade de fazê-lo; o outro diz: .destruirei., afirmativa clara de intenção subversiva dolosa. O
primeiro falava de reconstrução material: “posso destruir e reedificar”; o segundo distinguia o
“Santuário manufaturado” (feito por mãos de homens) e a reconstrução de outro espiritualmente
edificado. Portanto, a concordância não era absoluta: apenas coincidiam na idéia fundamental. A
frase proferida por Jesus (João, 2:19) dizia: “se o destruirdes”..., e o evangelista assevera que se
referia ao “santuário de seu corpo físico”.
Instigado a pronunciar-se a respeito da acusação, Jesus permaneceu calado, o que causou
admiração a Caifás, habituado a súbitos e raivosos gritos de protesto do réu, interessado em
defender-se a qualquer preço.
Nada obtendo por esse caminho, coloca-se o Sumo-Sacerdote na posição de seu cargo e coage a
vítima “pelo Deus vivo” a declarar se é, ou não, o “Cristo, o Filho de Deus”.

FILHO DE DEUS

Aqui dividem-se os exegetas, afirmando uns (Loisy “Les Evangiles Sinoptiques”, “Jesus, Fils
de Dieu” de Strack e Billerbeck), que a designação “Cristo” e “Filho de Deus” representam uma
unidade, com o sentido único de “Messias”. Outros (Buzy, “Evangile selon Saint Marc”; Durand,
“Evangile selon Saint Matthieu”, Prat, “Jesus-Christ, sa vie, sa doctrine, son oeuvre”) acham que a
pergunta é dupla:
1.ª se é o Cristo (Messias);
2.ª se é o Filho de Deus no sentido metafísico e teológico, ou seja, se é a “segunda pessoa da
santíssima Trindade”.
Estes últimos não observaram o anacronismo dessa interpretação, pois a teoria da Trindade só
se foi plasmando lentamente, chegando ao ponto atual séculos mais tarde. Mas aqui só nos interessa
estudar o sentido, na época, da expressão “Filho de Deus” e seu desenvolvimento nas primeiras
décadas, a fim de provar que Caifás jamais pôde entender sua pergunta nesse segundo sentido.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

222

O mosaísmo era estritamente monoteísta, não admitindo qualquer sombra de multiplicidade de


“aspectos” na Divindade. Portanto é historicamente inadmissível que o Sumo-Sacerdote colocasse
essa questão em termos teológicos, perguntando a um homem se era “Filho de Deus” sensu stricto.
O judaísmo aceitava essa expressão alegoricamente, isto é, era possível a qualquer um ser
“Filho de Deus” por ADOÇÃO, inclusive quando a aplicavam ao Messias esperado, pois se
baseavam no Salmo (2:7) que cantava: “Tu és meu filho, eu hoje te serei”. E qualquer judeu, sem
nenhum perigo de blasfêmia, podia declarar-se .Filho de Deus. em sentido amplo, como empregou
Pedro (Mat. 16:16) para afirmar que Jesus era .o Cristo, o Filho do Deus vivo.
A partir daí temos, pois, três sentidos que se foram superpondo no decurso dos séculos:
a) FILHO DE DEUS em sentido metafórico ou alegórico, segundo o pensamento judaico: filho
POR ADOÇÃO;
b) FILHO DE DEUS no sentido físico ou material (carnal), por influência do paganismo: um
Deus fecundava uma mulher, produzindo um filho;
c) FILHO DE DEUS no sentido metafísico ou teológico: consubstancial com a Divindade.

I - FILHO POR ADOÇÃO


Nos “Atos dos Apóstolos” encontramos Jesus apresentado como .um homem de quem Deus deu
testemunho e através do qual fez prodígios e sinais. (At. 2:22). Em Atenas, Paulo diz que Jesus é .o
homem pelo qual Deus decidiu discriminar a humanidade. (At. 17:31). Era, pois, o Filho de Deus no
sentido metafórico: .Sirvo a Deus, pregando seu Filho. (Rom. 1:9); “Deus vos chamou à sociedade
de seu filho Jesus, o Cristo” (1.ª Cor. 1:9): “o Cristo Jesus, Filho de Deus, que vos pregamos” (2.ª
Cor. 1:19), etc.; tudo isso decorre do Salmo citado “Tu és meu filho, eu hoje te gerei”, composto em
homenagem de um príncipe macabeu (João Hircan?) mas atribuído a Jesus desde os primórdios por
Seus discípulos (cfr. At. 13:33 e Hebr. 1:5 e 5:5). Para os primeiros cristãos, esse Salmo foi a
patente da realeza de Jesus como filho de David.
Mas essa filiação divina é encontrável em outros passos do Antigo Testamento, tendo sido
sempre interpretada como filiação ADOTIVA, não sendo considerado blasfêmia dizer-se, nesse
sentido, Filho de Deus, como não o era afirmar-se o “Messias”.
No Êxodo (4:22-23) lemos “Assim diz YHWH: Israel é meu filho primogênito... deixa ir meu
filho”. No Deuteronômio (14:1), falando a todo o povo, está: “Sois filhos de YHWH vosso Deus”.
Isaías (63:16) escreveu: “Pois tu és nosso Pai... agora, YHWH, és nosso Pai”. Em Jeremias (31:9)
YHWH assevera: .Tornei-me Pai de Israel.. No livro da Sabedoria, de Salomão, o autor descreve
vividamente, no capítulo 2, o comportamento das criaturas do Anti-Sistema, que infalivelmente
investem contra as do Sistema (então como agora), dizendo entre outras coisas: .Cerquemos o justo
porque é inútil para nós e contrário às nossas obras... ele diz ter conhecimento de Deus e se diz Filho
de Deus. (2:12-13). E, logo a seguir: “Ele julga-nos de pouca valia e se afasta de nosso modo de
viver como de coisas imundas e prefere as sendas dos bons, glorificando-se de ter Deus como Pai.
Vejamos, pois, se são verdadeiras suas palavras e verifiquemos qual será seu fim, e saberemos o
resultado: se, com efeito, é verdadeiro Filho de Deus, Ele o receberá e o livrará das mãos dos
adversários” (Sab. 2:16-18). Também no Eclesiástico (4:11) lemos as palavras do mestre ao
discípulo: “E tu serás obediente como um Filho do Altíssimo” e mais à frente (36:14): “Apiada-se de
Israel, que igualaste a teu filho primogênito”. YHWH, pois, o Deus dos judeus, era Pai de todos os
israelitas e, por extensão, de todos os homens, no pensamento de Paulo (cfr. Rom. 1:7; 1.ª Cor. 1:3;
2.ª Cor. 1:2; Ef. 1:2; Filp. 1:2; Col. 1:3; 2.ª Tes. 1:2; Gál. 1:3; 1.ª Tim. 1:2; Tito, 1:4, etc.)
Ainda em meados do 2.º século Justino escreve a Tryphon, o judeu (Diál. 48, 2; Patrol. Gr. vol.
6, col. 581; cfr. Lagrange, .Le Messianisme., pág. 218): .Entre vós reconhecem que Jesus é o Cristo
(Messias), mesmo afirmando que ele é homem nascido de homens (ánthrôpon ex anthrôpôn
genómenon).

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

223

II - FILHO CARNAL DE DEUS


Até o final do 1.º século, a maioria dos cristão provinha do judaísmo, mas a partir daí inverte-se
a situação, e o número dos de origem .pagã. supera de muito o dos do judaísmo.
Ora, na mitologia do paganismo era comum encontrarem-se deuses que possuíam sexualmente
mulheres mortais (geralmente virgens), dando origem a filhos: os semi-deuses, os heróis, os grandes
vultos. Facílimo foi adaptar essa concepção divina a Maria, supostamente possuída por um deus,
para dar nascimento a um semi-deus, fato que Lucas (proveniente do paganismo e não do judaísmo)
aceitou com facilidade, sendo reproduzida a cena com o seguinte diálogo (Luc. 1:34-35): “Como
será, pois não conheço homem? - Um Espírito Santo virá sobre ti e o Poder do Altíssimo te cobrirá,
POR ISSO o menino que nascerá de ti será chamado Filho de Deus”.
Então Jesus passou a ser considerado fisicamente Filho de Deus, que nessa situação recebeu o
nome de “Espírito-Santo”.
Como se teria processado a concepção, a penetração do sêmen no útero de Maria? Na cena do
mergulho (“Batismo”) o Espírito Santo é apresentado numa forma semelhante a uma pomba, que
afirma ser Jesus seu Filho. Teria sido essa forma apresentada também para a concepção de Jesus no
ventre de Maria, à imitação da forma de cisne, assumida por júpiter para fecundar Leda’?
O mesmo Justino diz a Tryphon que a concepção se deu sem que Maria perdesse a virgindade.
Mas o judeu Tryphon objeta: “Nas fábulas gregas diz-se que Danae, ainda virgem, deu à luz
Perseu, porque Júpiter a possuíra sob a forma de uma chuva de ouro. Devias envergonhar-te de
narrar a mesma coisa. Seria melhor dizeres que teu Jesus era um homem como os outros e
demonstrar, pelas Escrituras, se puderes, que ele é o Cristo, porque sua conduta conforme a lei e
perfeita lhe mereceu essa dignidade”.
A isso Justino responde com argumento fraco e infantil: “Sabendo os demônios, pelos profetas,
que o Cristo devia vir, apresentaram muitos pretensos filhos de Júpiter, pensando que conseguiriam
fazer passar a história de Cristo como uma fábula semelhante à invenção dos poetas”.
Então, para os pagãos que chegavam ao cristianismo, era fácil aceitar que, como Júpiter o fazia,
também o Deus dos judeus podia ter relações sexuais com Maria para gerar Jesus. (Notemos que a
raiz de Júpiter - IAO pater - é a mesma de IAU-hé). Logicamente a interpretação pagã de filho
carnal de Deus era superior à idéia de simples filho adotivo, defendida pelos judeus.

III - FILHO CONSUBSTANCIAL DE DEUS


O terceiro passo, que eleva Jesus a filho consubstancial de Deus é iniciado ainda pelo próprio
Justino, figura que teve larga repercussão no segundo século da era cristã. Nasceu ele na cidade de
Flávia Neápolis, a antiga e famosa cidade de Siquém, no ano 100, e aos trinta anos ingressou no
cristianismo. Em suas obras (o “Diálogo” e as duas “Apologias”, a l.ª, ou grande e a 2.ª ou pequena)
assistimos a toda a elaboração da doutrina teológica que predominaria mais tarde na igreja cristã
romana.
Para Justino, depois de certo tempo, Jesus passa a ser Filho de Deus no sentido metafísico,
ainda não eterno, como o Pai, pois foi gerado em determinado momento da eternidade, quando então
recebe, legitimamente, o título de “Filho”: “Seu Filho, o único que deve ser chamado Filho; o Verbo
que estava com Deus antes das criaturas, que foi gerado quando, no início, fez e elaborou todas as
coisas por meio dele.
Teófilo (Ad Aulólicum) tenta explicar como e quando foi o Verbo gerado, e diz que a voz
ouvida por Adão só pode ter sido o Verbo de Deus, que também é Filho, e “existe de toda
eternidade, envolvido (endiathêton) no seio de Deus. Quando Deus quis criar o mundo, gerou o
Verbo proferindo-o (tòn lógon êgénnêse prophorikón) e fazendo dele o primogênito de toda a
criação”.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

224

Mas tudo isso ocorria um século depois do interrogatório de Caifás, que jamais poderia
compreender nem admitir o atributo de Filho de Deus, a não ser por adoção, como todo o povo
israelita. Concluindo, vemos que a pergunta do Sumo-Sacerdote NÃO PODE ser interpretada como
filiação nem física nem metafísica do Inefável, mas apenas como filiação ADOTIVA, como aposto
gramatical de MESSIAS.
Em Mateus a resposta é “Tu o disseste”; em Marcos é mais categórico: “Eu sou”. Até aí, nada
poderia ter ocorrido, nenhuma acusação poderia ser levantada, e o réu não apresentava motivos de
condenação à morte.
Lucas registra o diálogo de modo diferente, com a pergunta que supõe pedido de
esclarecimento: se Jesus é, ou não é, o Messias. E este responde com lógica que: se ele disser que é
o Messias, eles não acreditarão; e se fizer perguntas esclarecedoras, eles não responderão.
Mas, de uma forma ou de outra, a frase acrescentada, e coincidente nos três sinópticos é que
provocou celeuma e atraiu a condenação à morte como blasfêmia: - “Desde agora vereis o Filho do
Homem sentado à direita do Poder e vindo com as nuvens do céu”.
Ao ouvir as ousadas assertivas daquele operário altivo, porque cônscio de sua realidade, mas na
condição humilhante de prisioneiro algemado, a irritação e o despeito foram incontroláveis no
Sumo-Sacerdote, pois a vítima se dizia, com firmeza tranquila e segurança absoluta, muito superior
a ele, autoridade máxima da religião israelita.
E sua reação foi a tradicional: .rasgou suas túnicas’, hábito que vigorava entre os judeus em
sinal de protesto, de luto, de dor (cfr. Núm. 14:6; 2.º Sam. 13:19; Esd. 9:3; Job, 1:20 e 2:12; Jer.
36:24 e At. 14:14).
As túnicas (em Mateus tà imátia, em Marcos toús chitônas, no plural porque era hábito vestirem
duas ou três nos dias frios, uma por cima da outra), eram rasgadas pela costura (descosturadas
violentamente) a partir da gola, por cerca de um palmo (30 cm).
Com a palavra do acusado, afirmando-se não apenas o Messias mas o .Senhor de David., pois
fora convidado por YHWH a sentar-se à sua direita; e atribuindo que a ele se referia a visão de
Daniel, perdiam valor as testemunhas trazidas. A confissão “blasfematória” era evidente. E
triunfante, o Sumo-Sacerdote aproveita a palavra do réu e consulta o Sinédrio: “Que vos parece”? A
resposta veio, parece, unânime e pronta: “É réu de morte”!
Essa condenação não aparece em Lucas. Tendo-o apresentado, no início de seu Evangelho,
segundo a concepção pagã, como filho carnal de Deus, podia chegar, neste ponto, à conclusão
lógica. E depois da afirmativa de Jesus, de que .se sentaria à direita do Poder de Deus., fazem a
indagação ilativa: “Então és Filho de Deus”? Ao que Jesus responde, confirmando-o, embora
indiretamente: “Vós dizeis que eu sou”!
A expressão “desde agora” (em Mateus ap'árti, em Marcos apò toú nún) é a afirmação da
dignidade que seria conquistada com seu sacrifício; “vereis” (ópsesthe) refere-se a uma visão
espiritual; a alusão à sua vinda com as nuvens do céu não aparece em Lucas.
A citação de sentar-se à direita do Poder (isto é, de Deus), é baseada no Salmo (110:1) que reza:
“Diz o Senhor ao meu Senhor, senta-se à minha direita, até que ponha teus inimigos como escabelo
a teus pés”.
Essa assertiva era demais forte, pois assim igualava-se a YHWH, assegurando que tinha lugar
de honra ao lado dele; já na Festa dos Tabernáculos, em outubro, escapara de ser apedrejado por ter
dado a entender a mesma coisa (João, 10:33).
A segunda parte decalca as palavras de Daniel (7:13) quando confessa: “Vi nas visões noturnas,
e eis que vinha com as nuvens do céu um como Filho do Homem, que se chegou até o Ancião dos
Dias”. Essa mesma afirmativa já fora feita perante seus discípulos, quando o Mestre lhes falava das
dores dos “últimos tempos” (cfr. Mat. 24:30 e Marc. 13:26).

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Capítulo 14

225

Depois da condenação, (...) retirado do Sinédrio para aguardar sua ida ao palácio do
Procurador Romano: só este tinha poder para ratificar e executar a sentença de morte.
Como fosse voz corrente de que se tratava de um profeta, os guardas (alguns comentadores
dizem ter sido os próprios componentes do Sinédrio) cobrem-lhe os olhos com um pano e pedem que
adivinhe quem bateu: confusão ainda hoje corrente entre profeta (médium) e adivinho. Nessas
horas extravaza o violento e desumano instinto de sadismo dos seres ainda animalizados da
humanidade, que batem, socam, cospem, maltratam, revelando a perversidade inata que ainda
conservam.
Como sempre, descobrimos preciosa lição que, infelizmente, não é ainda bem compreendida
por grande parte da humanidade, e de modo especial contra ela se rebelam os que se encontram a
meio caminho da jornada evolutiva: os que já superaram quase toda a fase negativa do Anti-
Sistema e dele começam a destacar-se, mas ainda não se firmaram no campo do Sistema, que só
agora penetram em passos ainda inseguros e hesitantes.
Dessa forma, negam-se a aceitar, e positivamente não entendem, por que os bons são
encarniçadamente perseguidos neste planeta. A alegação baseia-se no escândalo de observar que
os Espíritos Superiores não tomam a defesa dos bons, salvando-os das mãos dos maus. Gostariam
que as virtudes celestiais fulminassem os perversos, tal como João e Tiago, os “Boanerges” (cfr.
Marc. 3:17), queriam que Jesus fizesse descer fogo sobre a aldeia que se recusou recebê-lo! O
próprio Jesus que PODIA solicitar doze legiões de defensores, preferiu submeter-se à Lei e ao que é
natural no Anti-Sistema, conforme está descrito no já citado cap. 2 do Livro da Sabedoria, cuja
leitura e meditação aconselhamos.
Os dois pólos, negativo e positivo, (...) encontram-se emborcados, como dois funis, um ligado
ao outro pela boca mais larga. Tudo o que num é bom, no outro é mau, e vice-versa, em posição
absolutamente invertida e contrária.
E como as criaturas encarnam na Terra rigorosamente segundo sua tônica vibratória, pela Lei
Universal de sintonia, a maioria da humanidade se encontra na zona intermediária (...). Os que, em
seu íntimo, já renunciaram ao mal, mas ainda não atingiram degraus mais elevados (...), encarnam
nessa faixa em que predomina o divisionismo egoísta, e sofrem o atrito doloroso que arranca do
ferro a ferrugem e o fogo consumidor que separa da ganga o ouro puro. E se alguém, dos degraus
mais elevados, resolve sacrificar-se e imiscuir-se nas zonas mais baixas para qualquer trabalho
regenerador, inevitavelmente terá que submeter-se à situação ambiental predominante, sofrendo os
mesmos impactos, embora não no mereça.
Mas não poderia caminhar-se na Senda evolutiva pela trilha do AMOR, sem necessidade de
mergulhar no negro abismo do sofrimento? Teoricamente, sim; mas cremos que somente nos planos
mais elevados, onde reine o amor de modo absoluto, sem sombras sequer de egoísmo (nem pessoais,
nem familiares, nem grupais), pois é o egoísmo que gera o sofrimento.
Quem não se libertou totalmente do egoísmo, é automaticamente atraído para o ambiente
egoísta, onde predominam ódio, concorrência desleal, violência, falsidade, engano, maldade,
mentira, perseguições e destruição.
Descendo das altitudes sublimes, Jesus resolveu, voluntariamente, embrenhar-se no cipoal das
paixões de uma humanidade ainda animalizada, a fim de indicar o caminho da libertação.
Além dos ensinos teóricos, mister era-lhe dar o exemplo prático de como agir, e por isso
resolveu viver e experimentar (páthein) em Si mesmo todas as dificuldades por que deveriam passar
aqueles que O seguissem. E como soara a hora (...), e como para esse passo importante era
indispensável sujeitar-se, (...) aproveitou-se desse ensejo para executar os dois planos de uma vez; e
baixando suas vibrações o mais que pôde, revestiu o escafandro de carne, para permanecer
pregado ao solo do planeta.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

226

(...) Entre as feras humanas (...) Jesus prosseguiu tranquilamente sua trajetória, até chegar a
hora aprazada, quando então se submeteu às provas previstas. (...) E o exemplo que essa vítima do
amor imenso que nos dedica deu a todos nós, mantendo a dignidade, foi dos mais sublimes, calando
quando a pergunta era feita fora das normas legais, e corajosamente respondendo quando o
indagante possuía autoridade para fazê-lo.
Mas diante do sofrimento, não abriu a boca, como previra Isaías (53:7-9): “Ele foi oprimido,
contudo humilhou-se a si mesmo e não abriu a boca. Como o cordeiro que é levado ao matadouro e
como a ovelha que é muda diante dos que as tosquiam, assim não abriu ele a boca. Pela opressão e
pelo juízo foi ele arrebatado, e quanto à sua geração, quem considerou que ele foi cortado da terra
dos viventes?
Por causa da transgressão de meu povo foi ele ferido. Deram-lhe a sepultura com os ímpios e
com o rico esteve em sua morte, embora não tenha cometido violência nem houvesse dolo em sua
boca”. No entanto, outra consideração que deduzimos dessa lição in artículo mortis (quase
poderíamos dizer), é a coragem indômita de afirmar a Verdade acima de tudo. Não se utilizou da
desculpa da modéstia, para negar Sua qualidade real. E isso causa tremenda irritação entre os
homens ainda envolvidos pela atmosfera do pólo negativo, não só porque não podem dizer o mesmo
de si mesmos, com porque não podem admitir que haja seres, iguais externamente a eles, e no
entanto espiritual e culturalmente superiores. A inveja e o egoísmo não admitem superioridade nos
outros.
E quando não existe a arma da violência, em virtude de maior evolução dos meios sociais
humanos, outras armas talvez piores são utilizadas: a maledicência e a calúnia, as campanhas de
arrasamento moral dos seres de fato superiores, a fim de desmoralizá-los perante a opinião pública.
O exemplo de Jesus, o Mestre incomparável, é claro e insofismável: à pergunta se era Filho de
Deus, ou seja, (...), responde altaneiramente: “EU SOU”. A resposta deve ter soado, especialmente
se foi - e deve ter sido - proferida em hebraico, como uma afirmativa insustentável, pois a expressão
EU SOU, em hebraico, é exatamente YHWH, o nome impronunciável, a não ser pelo próprio Sumo-
Sacerdote uma vez por ano. Paremos um instante em profunda meditação. De olhos fechados para a
neiramente: “EU SOU”.
A resposta deve ter soado, especialmente se foi - e deve ter sido - proferida em hebraico, como
uma afirmativa insustentável, pois matéria que nos circunda, revejamos a cena: aquele operário
cansado, algemado, simples, cercado de adversários ferrenhos, está diante do Sumo-Sacerdote,
paramentado a rigor, no trono de sua gloriosa posição suprema. E o réu, cabeça erguida,
pronuncia o Nome Indizível diante de todos, afirmando-se ser aquele que todos acreditavam ser o
“Deus dos judeus”, o Espírito-Guia da raça, o Supremo Ser para eles, e acrescenta, além disso, as
frases do Salmo - de que fora convidado para sentar-se à direita do Altíssimo - do grande profeta
Daniel, de que viria, com as nuvens do céu.
Que espanto inenarrável deve ter percorrido aquela assembléia, como um arrepio de medo,
diante da inqualificável ousadia daquela figura já abatida pela noite indormida, mas, segundo eles,
ridiculamente altiva, a proferir uma legítima blasfêmia, imperdoável e merecedora da imediata
condenação à morte: “é réu de morte”!
Essa atuação teve numerosos imitadores: por muito menos que isso, a igreja romana queimou
muitos homens nas fogueiras da inquisição de triste memória. Nenhuma autoridade humana pode
admitir que um ser, socialmente inferior, se diga espiritualmente superior, com autoridade mais
elevada que a concedida pelos homens. Nenhum elemento (...) aceitará, jamais, que um homem
igual a eles, confesse possuir categoria mais elevada, ainda que pelos exemplos de suas obras se
possa deduzir a realidade da afirmativa. Isso porque (...) não aprendeu a lição de Jesus:
“Conhecereis as árvores pelos seus frutos: nenhuma árvore má produzirá bons frutos, e nenhuma
árvore boa produzirá maus frutos” (Mat. 12:33).

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Capítulo 14

227

Até hoje, (...) pretende-se julgar a árvore por ela mesma: se é alta ou baixa, frondosa ou
raquítica, reta ou torta, lisa ou espinhosa, sem levar em consideração os frutos que produza. Essa
maneira de julgar tem produzido numerosos hipócritas no seio da humanidade.
Estejamos todos preparados para dar testemunho certo daquilo que realmente somos, diante de
quem quer que seja, empregando o mesmo método utilizado por Jesus diante do tribunal religioso
dos judeus. Quando acossados pela maledicência e pela calúnia, proferidas por aqueles que não
possuem autoridade moral para fazê-lo, saibamos calar, pois o silêncio é a melhor resposta;
soframos em silêncio, orando por aqueles que, mal informados, se deixam levar pelo ódio inato que
os mina como chama oculta. Um dia, quando na mesma posição, experimentarão as mesmas
acusações. Quando interrogados por quem tenha o direito legal de fazê-lo, a respeito daquilo que
realmente somos, respondamos corajosamente, de acordo com a consciência límpida que tivermos a
nosso respeito, sem nos deixarmos levar pelo orgulho, mas também sem nos escondermos por trás
da bandeira esfarrapada de uma falsa modéstia: quem sabe e tem consciência de saber, esse é sábio
verdadeiro. Mas, se a vida nos trouxer a felicidade de não sermos colocados no fogo cruzado dos
adversários do polo negativo, caminhemos tranqüilos, sem esquecer-nos de agradecer ao Pai por
essa felicidade sem nome, de não sermos atacados e despedaçados.
De qualquer forma, em qualquer circunstância, recordemos que o que de fato vale, é o fruto
que produzirmos em benefício da humanidade, são as lições escritas ou faladas, e sobretudo é a
lição do exemplo de desprendimento e de bondade, de perdão e de amor para com todos. Poderão
atingir nossa personagem terrena, mas nosso Eu verdadeiro jamais será atingido: foi maltratado,
batido, cuspido, ridiculizado o corpo físico de Jesus, mas Seu Eu profundo, o Cristo, não foi tocado,
nem até Ele chegaram as ofensas animalescas da violência e do despeito de homens involuídos
cheios de ódio.
Essa lição, que Jesus nos ensinou com Seu exemplo sublime, é sempre oportuna para todos os
que vivemos no ambiente do pólo negativo, e que, por vezes, acossados pela vaidade de nosso
pequeno eu mesquinho, gostaríamos de ripostar aos que nos acusam, devolvendo ofensa por ofensa,
e procurando defender-nos das acusações gratuitas: Jesus calava e em Seu coração suplicava que o
Pai lhes perdoasse, “pois não sabiam o que diziam”. Obrigado, Mestre, pela lição do Teu exemplo!
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 8)

II
Eu o sou, respondeu Ele ao sumo sacerdote, e vereis o Filho do homem assentado à direita da
majestade de Deus, vindo sobre as nuvens do céu. Essas palavras encerravam mais uma alusão
velada à reencarnação, pois se referiam àqueles, dentre os que as escutavam, cujos Espíritos,
regenerados pela reencarnação, viverão de novo na Terra, quando esta se achar depurada. Esses os
que o verão, quando Ele, em todo o seu fulgor espírita, como soberano visível, descer ao seio da
Humanidade purificada.
Desde agora, o Filho do homem estará sentado à direita do poder de Deus, que quer dizer: desde
agora conhecidos serão os atos do Filho do homem, seu poder, sua posição. Na realidade, esse
conhecimento se espalhou, por efeito das interpretações humanas e do progresso gradual das
inteligências, e a nova revelação, fazendo-nos conhecer quem é o filho, iluminando, com a sua luz
suave e pura, a cândida e grandiosa figura de Jesus, justifica plenamente estas palavras proféticas,
que cada vez mais justificadas serão: Mas, desde agora, o Filho do homem estará assentado à direita
da majestade de Deus.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 176)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

228

III
Vv. 55 - São os próprios sacerdotes e ministros da justiça, encarregados do julgamento e por
isso no dever de serem imparciais, os que procuram aliciar as testemunhas falsas. Recorriam mais
uma vez aos ardis de que a hipocrisia usa para mascarar seus propósitos. Ao ato ilegal que
praticavam, queriam dar as aparências legais.
Vv. 56 - Não era possível encontrar na vida de Jesus qualquer falta, por menor que fosse, que
servisse de pretexto a um julgamento, quanto mais a uma condenação. Por fim acharam dois homens
que tinham ouvido as lições de Jesus, porém, não se tinham dado ao trabalho de extrair os
ensinamentos morais e espirituais que elas continham. Essas duas falsas testemunhas iniciam a série
imensa dos que, através dos séculos, falsearam os ensinamentos de Jesus.
Vv. 57 a 59 - Ao pronunciar tais palavras, evidentemente Jesus se referia à destruição de seu
corpo físico. O templo em que o espírito habita é o corpo. Como a morte não existe, destruído que
seja o corpo carnal, o espírito passa a viver com seu corpo etérico, o perispírito. Os homens daquele
tempo não o compreenderam, e, por isso, julgaram que se tratava do templo e pedra de Jerusalém.
Vv. 60 - Os sacerdotes forçavam Jesus a dar-lhes uma resposta, pois, por ela o condenariam.
Jesus preferiu calar, uma vez que sabia que seria condenado de qualquer forma.
Vv. 61 e 62 - Jesus aqui nos ensina a sermos fiéis aos princípios que pregamos. Nunca devemos
deixar de afirmar os nossos nobres ideais, sempre que preciso for, e em quaisquer circunstâncias e
diante de quem quer que seja. É esta uma lição para os adeptos do Espiritismo e de várias correntes
espiritualistas, muitos dos quais preferem negar seus ideais dizendo-se adeptos da religião
dogmática oficial, cada vez que seus interesses estão em jogo. Assistimos então a pregadores
espíritas, a médiuns com longos anos de serviço, e a muitos outros fiéis do Espiritismo e do
Espiritualismo que, ao se apresentarem oportunidades de proclamarem diante do mundo fidelidade à
Doutrina, preferem seguir as conveniências sociais, casando-se e batizando seus filhos na igreja
dogmática, e assistindo a missas, e mandando dizê-las pelos seus desencarnados. Desprezam assim a
sagrada ocasião do testemunho, e destroem, num momento destes, todo o seu trabalho espiritual,
pois não souberam baseá-lo na exemplificação e na coragem de romperem com o passado de
ignorância. O exemplo de Jesus se reveste de alta significação para a posteridade de seus discípulos.
Os sacerdotes, vendo que não conseguiram fazê-lo falar, tentam obrigá-lo a desmentir o que
tinha pregado. Mas o Mestre, em voz bem alta para que todos o ouvissem, dá testemunho de sua
doutrina. “Vereis daqui a pouco o Filho do homem assentado àdireita do poder de Deus, e vir sobre
as nuvens do céu.” Esta frase é um símbolo de que Jesus se serve para mostrar que suas palavras se
espalhariam, em breve, pelo mundo todo e nas nuvens, isto é, pelos planos espirituais próximos à
terra, dos quais desceriam espíritos para provarem as verdades que ele pregava. E hoje o
Espiritismo, restabelecendo o intercâmbio entre encarnados e desencarnados, faz com que vejamos e
compreendamos a glória e o poder de Jesus, estendendo sua mão amiga e protetora aos seus
pequeninos tutelados da terra.
Vv. 63 a 65 - Estes versículos nos revelam três coisas: A primeira é a incompreensão espiritual
dos homens daquela época. Apesar de os sacerdotes constituírem a parte da nação que estudava as
escrituras, tomavam os ensinamentos ao pé da letra; e assim fizeram com os ensinamentos de Jesus.
Não foram capazes de compreender que Jesus falava no sentido espiritual, descobrindo aos homens
os bens imperecíveis da alma, e ensinando como conquistá-los. A segunda é a intolerância
característica das religiões dogmáticas; embora não o compreendessem, deveriam tolerá-lo; mas a
maldade que traziam nos corações, não o deixou. A terceira é o modelo que de então por diante os
homens teriam para perdoar seus ofensores. Até aquele momento os homens conheciam apenas a lei
de Moisés, olho por olho, dente por dente. Com o sacrifício de Jesus, os homens começariam a
reconhecer a lei do perdão e do amor, pregada e exemplificada por ele, ao retríbuir com a mansidão
e com o perdão aos que o magoavam. (Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 26)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

229

IV
Após Sua prisão no jardim do Getsêmani, Jesus foi levado perante o sumo sacerdote Caifás, em
cuja casa foi julgado pelo Sinédrio, órgão jurídico máximo judaico, composto de setenta e um
membros. Não sabemos quantos membros do Sinédrio estavam reunidos na casa de Caifás, pois esse
"julgamento" (talvez melhor chamado de "condenação") ocorreu à noite e às pressas – algo ilegal,
pois não houve tempo de se apresentarem as testemunhas de defesa esperadas num caso como este.
A verdade é que a sentença de morte já estava decidida, mesmo antes do julgamento (Mc 14:1- 2).
Por esta e outras razões, se pode ver quão injusto foi o julgamento de Jesus. Os próprios membros
do Sinédrio podiam perceber a falsidade das acusações contra Jesus, uma vez que os depoimentos
contra Ele "não eram coerentes" (14:56 e 59).
Segundo o Evangelho de Marcos, Jesus foi condenado à morte pela acusação de ser um
agitador, que ameaçava a sociedade e as instituições (imagine se fosse verdade que Ele pudesse
"destruir o Templo", conforme o depoimento de alguns, em Mar. 14:57 e 58), e de ser blasfemo, ao
dizer que era o "Filho do Deus Bendito"! (14:61- 64). Para esses líderes religiosos, Jesus era, além
de blasfemo, um impostor, pois o Messias deveria vir não da Galiléia – terra onde Jesus cresceu,
mas da cidade de Belém, cf João 7:41 e 42) e um transgressor da lei, especialmente do quarto
mandamento, devido às freqüentes curas realizadas no dia de sábado (cf Mat. 12:2).
Se houve alguém que já experimentou um julgamento injusto, esse foi Jesus. Tudo em Seu
julgamento foi ilegal. O horário: à noite, quando se é difícil localizar e ouvir as testemunhas de
defesa. O local, justo na casa do sumo sacerdote – líder dos que queriam matá-Lo. Os juízes, que
foram "julgar" Jesus com a sentença de morte já decidida. Mas Jesus enfrentou tudo isso de modo
calmo e de fronte erguida. Ele sabia ser inocente, mas deveria passar por tudo o que passou. Foi por
amor que Ele consentiu em ser tratado injustamente e finalmente morrer.
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 14

230

Vv. 66 a 72 – Pedro nega a Jesus (Mt 26:69-75; Lc 22:55-62; Jo 18:15-18,25-27)

I
Já vimos que o palácio de Caifás, cujo portão abria para a rua, tinha um vestíbulo, ou alpendre,
antes do pátio. No primeiro pavimento, acima do térreo, funcionavam as salas de audiência e de
recepção.
Segundo a observação de João, testemunha ocular desse pormenor, provocado por ele quando
solicitou da porteira que permitisse a entrada de Pedro, a primeira negativa se deu logo à porta.
Não apenas por curiosidade natural feminina, como por obrigação funcional de impedir o
ingresso de elementos perigosos, ela faz a pergunta óbvia: - És um dos discípulos dele?
A que Pedro, com o consentimento provável de João, teve que responder pela negativa, senão
teria barrada a entrada e teria anulado o pedido de João em seu favor.
Mas não ficou satisfeita com a resposta, dada talvez com certa hesitação. Quando o pessoal
acabou de entrar, a porteira trancou a portinhola e foi até o pátio. Os servos e guardas estavam
sentado em redor de pequena fogueira (braseiro) improvisada, por causa do frio que fazia. Mas
Pedro permanecia embaraçado e inquieto entre eles, sentado, segundo os sinópticos, em pé, segundo
João: ou seja, ora se sentava, ora ficava de pé impaciente. E a porteira, aproveitando os reflexos de
luz do braseiro, o observa e encara fixamente, reafirmando: - Você também estava com o nazareno
Jesus.
Notemos de passagem, que o atributo “nazareno” está na boca de pessoa inculta, que não
distinguia tecnicamente esse termo, do atributo “nazoreu”.
Pedro descontrolou-se mais ainda, e preferiu sair para o alpendre, depois de tartamudear tímido:
- Não entendo o que estás dizendo.
Queria assim escapar aos olhos argutos da porteira, pois não resistiria mais tempo ao
interrogatório, e fazia questão fechada de manter-se na, proximidade, do Mestre, para o que desse e
viesse.

Ficou registrada a primeira negação de Pedro, em condições normais humanas. Não se


tratava, em realidade, de renegar o Mestre, mas apenas de não ser cortado de Sua presença. A
porteira não tinha, reconhecidamente, capacidade de julgá-lo nem autoridade para impedi-lo de
ficar ao lado de Jesus.
Quando fosse interrogado pela autoridade legitimamente constituída, saberia dar seu
testemunho público, mesmo à custa da vida. Mas por que entregar a cabeça ao cutelo logo no
início, quando nada estava definitivamente resolvido?
Não foi covardia. Não foi “negação” ainda. Foi uma das mentiras convencionais,
comuníssimas ainda hoje e que sempre existiram em todas as sociedades humanas. Como
poderíamos, sem magoar profundamente um amigo, mandar dizer-lhe que estávamos em casa mas
não poderíamos recebê-los?
Constitui até delicadeza a desculpa de que “Não estamos em casa”. Quando empenhados numa
tarefa com tempo marcado, para daí a vinte minutos, como interrompê-la para receber uma visita
que vem apenas “conversar” para “passar o tempo”? E como, sem ferir-lhe a sensibilidade, dizer
que “não podemos recebê-lo”? Mais caridoso fazer-lhe sentir que não estamos.
Esse foi o tipo de “negação” de Pedro, nesta primeira tentativa da porteira, de não deixá-lo
entrar, e depois de pô-lo na rua.
Antes de lamentar hipocritamente a “defecção” de Pedro, preferimos agradecer-lhe o exemplo
corajoso que nos dá, e que nos conforta, por ter agido como qualquer um de nós agiria nas mesmas
circunstâncias.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 8)

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Capítulo 14

231

II
Alguns comentadores, ao reunir os textos evangélicos, acharam que Pedro não fizera apenas três
negações; chegaram alguns a contar até sete. Cajetan escreveu: “donde se conclui ter Pedro negado
pelo menos cinco vezes, três à objeção da mulher e duas, no mínimo, às dos homens”...
Não há razão para isso, se considerarmos que as ações se passaram no tumulto das conversas do
grupo. Portanto, temos três atos, cada um isolado do outro, mas considerado uma negação em bloco,
embora tivesse havido, no bate-boca, várias objeções e respostas em cada ato. Assim interpretou
Agostinho.
Passou-se o primeiro ato com a porteira, com três intervenções: uma à entrada, outra logo a
seguir quando ela foi observá-lo no pátio à luz da fogueira; a terceira quando, depois da retirada
estratégica de Pedro para o vestíbulo, ela ou outra afirma ao grupo: “este era um deles”. As três
vezes que Pedro disfarça e nega, constituem UMA NEGAÇÃO, a primeira.
O segundo ato foi mais simples, e só aparece em Lucas: é a acusação de um homem, que não
causou muito tumulto: era palavra contra palavra, mas sem provas.
O terceiro ato ocorreu cerca de uma hora depois, como bem assinala Lucas, e desta vez o
tumulto foi grande. Em primeiro lugar, a afirmação deduzida pelos presentes diante do sotaque de
Pedro, que não agüentou ficar calado; e sua pronúncia do aramaico (idioma então usado entre as
classes iletradas, que não assimilaram o grego como as classes média e alta), o traiu: “Sem dúvida és
um deles, pois teu sotaque o revela”. E, ao negar, outro acrescenta: “Mas eu te vi no grupo”. E João,
que conhecia os servos do Sumo-Sacerdote (não a própria pessoa dele, como anotamos páginas
atrás), o identifica como parente de Malco.
E logo a seguir o galo canta pois já estamos na terceira vigília, denominada justamente
alektotophônías, isto é, .o cantar do galo., entre meia-noite e três da manhã.
Estabelecido o cursus actionum, vejamos outros pormenores.
O sotaque galileu era facilmente identificado pelos judeus, que zombavam e criavam anedotas a
esse respeito. Strack e Billerbeck narra: “um galileu perguntou a um judeu: - Quem tem um AMR?
Os judeus presentes riram e perguntaram: - Oh! tolo, que queres tu? um asno (hamôr) para montar,
vinho (hamar) para beber, lã (hhamar) para vestir, ou um cordeiro (immar) para comer”?
O verbo “amaldiçoar” é dado com um verbo que raramente aparece nos documentos escritos,
pois deve ter sido uma corruptela da língua falada: katathematízein, em lugar de katanathematízein.
Jerônimo escreveu em defesa de Pedro: “eles fogem, mas este, embora de longe, contudo segue
o Salvador”. Isso apesar de afirmar mais adiante que foi grave o erro de Pedro, não devendo ser
procurada atenuante para o caso.
O “canto do galo” ocorre, pela primeira vez, entre meia-noite e duas da madrugada. E pela
segunda vez aos primeiros indícios antes que a luz do sol comece a iluminar a região, entre quatro e
cinco horas da madrugada. Pedro reforça a negação, porque quer permanecer ao lado do Mestre o
mais que puder, e tinha interesse em despistar de si a atenção, em vista de haver ferido Malco.
A essa hora, Jesus devia estar saindo da sala de audiência no primeiro pavimento e descendo
para o pátio, ainda algemado, para ser preparado e levado ao Sinédrio, a fim de ser interrogado e
julgado, logo que o sol surgisse. Entre todo o grupo, distingue com Seu olhar percuciente o querido
discípulo Pedro que, ao ver-Lhe o olhar triste e bom, e ao ouvir os insistentes cantos do galo, se
lembra da previsão do Rabbi amado e se perturba de tal forma, que sai rápido do palácio de Caifás e
prorrompe num choro convulsivo, em certo local onde, no 5.º ou 6.º século foi construída uma igreja
que recebeu a denominação de “São Pedro in galli cantu”.
E ele que dissera que O seguiria até a morte!

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Capítulo 14

232

Lição dura, mas proveitosa, contra a PRESUNÇÃO que todos temos, de que somos melhores
que os outros e de que temos capacidade absoluta de resistir a qualquer prova. Para todos nós é
muito fácil depreciar as façanhas alheias, menosprezar a coragem demonstrada pelos outros, ou
acusar de covardia uma desculpa que permita a penetração em local proibido, contanto que se
acompanhe um amigo na hora do perigo.
Pedro NEGOU conhecer seu Mestre, mas não o RENEGOU: proferiu sons com a boca, mas o
coração Lhe permanecia fiel, tanto que ali se meteu, no local do maior perigo, para não abandoná-
Lo. Suas negações verbais eram meramente escanteios para conservar-se ao lado de Jesus.
Seu choro vem sendo interpretado há dois mil anos como arrependimento profundo de tê-Lo
negado. Não poderia ter sido antes o choque de ver que não havia sido libertado, mas ao invés era
levado a julgamento, sem que ele pudesse acompanhá-Lo? Não poderia ter sido o desespero da
impotência de arrancá-Lo das mãos dos captores? Não poderia ter sido pela decepção da certeza
de que a força e os poderes de seu Mestre tudo venceriam com facilidade, e que ali falhavam?
Os três sinópticos falam do choro, assinalando que irrompeu depois de ter ouvido Pedro o
canto do galo. Lucas acrescenta o pormenor do olhar de Jesus. E Marcos emprega a expressão
epibalôn, particípio aoristo segundo, composto de epí (“sobre”) e bállô (“lanço”). Interpretamos
como o “lançamento sobre si mesmo” ou seja a conscientização das circunstâncias, que tiveram o
condão de dêspertá-lo para o fato que se passava, reavivando-lhe a memória da previsão do
Mestre, de que ele o negaria.
A sucessão rápida e imprevisível dos acontecimentos dolorosos naquela noite cheia de
ocorrências choca profundamente a emotividade de Pedro, cujo corpo astral já se achava saturado
de fluidos de tristeza, desapontamento, mágoa, ansiedade, angústia, medo, desorientação, dúvida e
também arrependimento; e quando riscou o ar a física de som e de luz (o canto do galo e o olhar de
Jesus), se produziu intensa a centelha eletrolítica que fez arrebentar o dique que represava a
emoção, e abriu em catarata suas lágrimas incontroláveis, que borbotaram abundantes, aliviando a
pressão interna e purificando o corpo astral. Lágrimas, válvula de escape, de que a natureza dotou
o homem, para que pudesse suportar os grandes impactos emotivos. A negação de Pedro, naquela
circunstância, constituiu uma estratégia inteligente não a covardia dos que renegam para vender-se
ao partido contrário: negou para afirmar e confirmar sua adesão ao Mestre.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 8)

III
Pedro confiara demais nas suas próprias forças e não procurara o único ponto de apoio que o
pudera sustentar: a prece. Deixara-se levar pela confiança em si mesmo e, mau grado ao aviso de
Jesus, não se pusera em guarda.
Grande foi o seu remorso, pois que nele houve apenas fraqueza e não culpa. Houve apenas falta
de previdência, de desconfiança de si mesmo, e não traição premeditada, fruto da covardia e do
egoísmo. Ao deixar a casa do sumo sacerdote, ele reconheceu o seu erro e se dispôs a repará-lo. Essa
a distinção que se deve fazer entre a fraqueza e a culpabilidade.
Dificilmente pode o culpado reparar, no curso de uma existência, a falta durante ela cometida;
ao passo que o fraco pode adquirir a força de que careça. Eis por que são quase sempre temerários os
nossos juízos. Eis como é por que às vezes condenamos o que o Senhor desculpa e desculpamos o
que Ele reprova. Quando o galo cantou, Jesus não estava perto de Pedro. Mas, naquele instante, o
apóstolo experimentou uma impressão fluídica que, por um efeito de mediunidade, lhe recordou as
palavras do Mestre, fazendo-o ao mesmo tempo ver o semblante doce e calmo deste, que se limitava
a dirigir-lhe um olhar triste, quando com a ingratidão era pago da afeição que lhe testemunhara.
Houve, da parte de Jesus, ação magnética a distância e, da de Pedro, vidência.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 177)

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Capítulo 14

233

IV
A negação de Pedro é uma séria e profunda advertência a todos os que trabalham no campo
evangélico.
Durante três anos Pedro se preparou, sob a orientação de Jesus, para o divino ministério do
apostolado. O Mestre jamais cessara de lhe recomendar, bem como aos demais discípulos, que
vigiassem e orassem, porque não sabiam quando, e como e onde seriam provados. Diante da última
advertência que Jesus lhe faz, Pedro jura fidelidade. Conhecendo a fragilidade das promessas
humanas, Jesus se limitou a sorrir. E ainda o avisa de que dentro em breve o negaria. A Pedro, tal
coisa se lhe afigura impossível. No entanto, no horto não pode assistir ao Mestre na sua hora de
agonia, e depois o nega publicamente. Por conseguinte, tenhamos cuidado todos nós que somos
aprendizes do Evangelho. Na estrada que conduz a Cristo, não faltarão oportunidades de dar-lhe o
testemunho; mas também as ocasiões de atraiçoá-lo, e de negá-lo, são numerosas.
Este episódio também nos dá um exemplo do que é uma consciência educada. Logo que errou,
Pedro recebeu o seu erro. Sua consciência, educada nos princípios evangélicos, imediatamente o
adverte. E Pedro se arrepende e chora, mas levanta-se decidido a corrigir o erro, sem demora,
lutando pela causa de Jesus.
Se Pedro não tivesse a consciência educada, somente muito tempo depois, ou talvez só no
mundo espiritual, é que ele iria compreender o erro, quando lhe seria extremamente difícil o corrigi-
lo. Em nosso estudo do Evangelho e do Espiritismo, procuremos educar nossa consciência para que
ela se possa manifestar e ser ouvida por nós, demonstrando-nos sempre os erros, assim que os
tenhamos cometido. Desse modo, teremos o tempo suficiente para corrigi-los, sem sofrermos
conseqüências dolorosas, e daremos provas de que estamos aproveitando os ensinamentos recebidos.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 26)

V
Se é verdadeira a declaração de Papias de que Marcos escreveu o que Pedro lhe contou sobre o
ministério de Jesus, então é de admirar a franqueza e humildade de Pedro ao contar a Marcos e
permitir que fosse escrito seu vergonhoso ato de negar três vezes a Jesus! Teríamos feito o mesmo?
Teríamos a coragem de revelar ao mundo um ato de fraqueza e covardia? Mas Pedro o fez, e isso
nos conforta ainda hoje. Conforta-nos e nos anima, primeiro porque mostra que mesmo os heróis da
Bíblia foram pessoas que cometeram seus erros – como acontece também conosco, e também
porque houve perdão para Pedro e aceitação dele por parte de Jesus (veja que para cada negação de
Pedro houve um "eu te amo": três negações, três reafirmações do seu amor por Cristo e três convites
de Jesus para Pedro: "Apascenta as Minhas ovelhas", conforme relatado por João em seu Evangelho,
capítulo 21:15-17). Esse perdão está à nossa disposição quando pecamos e nos arrependemos.
Ao contar e permitir que Marcos escrevesse o relato de sua traição, parece que Pedro pretendia
dizer a todos que, sem vigilância, oração e poder de Jesus, mesmo as melhores e mais ousadas
declarações de amor e fidelidade a Deus são inúteis, frente ao poder de Satanás, nosso inimigo. É
como se Pedro dissesse: "Não façam como eu fiz. Confiem não em vocês mesmos, nem em sua
própria sabedoria e coragem, mas dependam inteiramente de Cristo e de Seu poder, ao enfrentar as
forças espirituais do mal."
(Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

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Capítulo 15

234

ESQUEMA ESTRUTURAL DO CAPÍTULO 15

Vv. 1 a 14 Jesus perante Pilatos............................................................................................ 237


Mt 27:1,2,11-23,25-26; Lc 23:1-7,13-25; Jo 18:28-40,19:16)

Vv. 15 Pilatos Lava as Mãos (Mt 27:24; Lc 23:24-25).................................................. 249

Vv. 16 a 19 Jesus entregue aos soldados (Mt 27:27-31)......................................................... 252

Vv. 20 e 21 Simão, o Cirineu leva a cruz do Senhor (Mt 27:32; Lc 23:26)........................... 256

Vv. 22 a 28 A crucificação (Mt 27:33-38; Lc 23:33-43; Jo 19:17-27)..................................... 260

Vv. 29 a 32 Zombarias (Mt 27:39-44; Lc 23:35-38)................................................................ 269

Vv. 33 a 39 A morte de Jesus (Mt 27:45-56; Lc 23:44-49; Jo 19:28-30)................................ 275

Vv. 40 e 41 Ao pé da cruz (Mt 27:55-56; Lc 23:49; Jo 19:25-27)........................................... 280

Vv. 42 a 47 O sepultamento de Jesus (Mt 27:57-61; Lc 23:50-56; Jo 19:38-42)................... 282

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Capítulo 15

235

Vv. 1 a 14 – Jesus perante Pilatos (Mt 27:1,2,11-23, 25-26; Lc 23:1-7,13-25; Jo 18:28-40,19:16)

I
V. 1 - Envio a Pilatos

O sinédrio não contava com a prerrogativa de executar sentenças de morte. Daí precisar recorrer
à autoridade romana, que podia ratificá-la ou recusá-la. Mister, pois, ser bem fundamentada a
acusação: para mais impressionar, mantiveram o prisioneiro algemado.
Pilatos pertencia à família Pôncia, e foi o 5.º Procurador romano na Judéia, funcionando desde o
ano 23 d.C., e conservando-se nesse posto até o ano 36. Como Procurador, detinha poderes civis e
militares, mas dependia do Legado na Síria.
No início de sua gestão, Pilatos usara o dinheiro do qorban para a construção do aqueduto de
Ethan, e esse gesto provocou uma revolta dos judeus, reprimida com um massacre (Flávio Josefo).
Nos momentos difíceis procurava comtemporizar, a fim de fugir à responsabilidade e ver se
conseguia agradar simultaneamente às duas partes. Mas acima de tudo buscava agradar a Tibério.
Nos Evangelhos é dado a Pilatos o título de hêgemôn, .chefe., o mesmo atribuído ao Legado na Síria
(Luc. 3:2) e ao próprio Imperador (Luc. 3:1). O título exato da função que desempenhava seria
epítropos, palavra que não aparece nos Evangelhos.
Pilatos é citado com frequência por Philon e Flávio Josefo; todavia, a não ser aí, o nome desse
Procurador não aparece registrado entre os escritores clássicos profanos, a não ser em Tácito
(Anales, 15:44) onde lemos: auctor nominis ejus (chrestiani) Chrestus, Tibério imperitante, per
Procuratorem Pontium Pilatum supplicio erat adfectus, ou seja: .o autor desse nome (cristão) Cristo
(no original Cresto) fora submetido ao suplício sob o Procurador Pôncio Pilatos, sendo imperador
Tibério.. Esse trecho, posto em dúvida por vários autores, como uma interpolação de cristãos, foi
provado ser genuíno por Kurt Linck, no “De Antiquissimis Veterum quase ad Jesum Nazarenum
spectant testimontis”.
O Pretório era a residência do Pretor e, por exceção, dos Governadores romanos, desde que aí se
instalasse o tribunal (bêma), que consistia num estrado sobre o qual se colocava a sella curulis. Três
locais podem ter sido utilizados ad hoc naquela manhã de sexta-feira:
a) o palácio de Herodes, conhecido como a Torre de David, na porta de Jaffa;
b) o Tribunal civil (melkcmeh), no vale do Tiropeu;
c) a Torre Antônia, ao norte da esplanada do Templo.
A presunção geral pende para o último deles, onde o Procurador permanecia quando se afastava
de sua residência oficial em Cesaréia, ao passar em Jerusalém os dias dos festejos pascais.
Flávio Josefo (Bell. Jud. 5.5.8) diz que o local ficava enquadrado por quatro torres; sua área era
de 1.800 m2, sendo construído com grandes pedras, sendo-lhe, pois, bem aplicado o nome de
lithóstrotos (de lithos, “pedra” e strônymi, “pavimentar”), como o denomina João (19:13), dizendo
que em hebraico se chama Gábbatha (.lugar elevado, eminência.), de Gabâ; segundo Strack e
Billerbeck, (o.c. t.2, pág. 572) o termo é Gabbahhta, “fronte calva”.
Preferem o primeiro sentido Edersheim, Schurer, Sanday. Guthe, Zahn, Abel, Durand Lagrange
(cfr. Abel. .Jerusalem Nouvelle). Mas as descobertas de 1932-1933 vieram dar muita força ao
segundo.
A concordância dos quatro Evangelistas é total, quando assinalam a sexta-feira, dia 14 de nisan
como véspera da celebração da Páscoa, que começaria nesse dia às 18 horas, donde não quererem os
judeus entrar no Pretório para se não contaminarem legalmente.

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Capítulo 15

236

Segundo os cálculos astronômicos de J. K. Fotheringam (“Journal of Theologic Studies”, 1911)


e de Karl Schoch (Bulletin, 1928) entre os anos 28 e 34, o 14 nisan foi sexta-feira no ano 30 (a 7 de
Abril) e no ano 33 (a 3 de abril). Num desses dois anos ocorreu a crucificação.
Pilatos tenta salvar Jesus da condenação, procurando negociar a clemência dos judeus em favor
do réu, declarando-o “não culpado” e reenviando-o a Antipas, propondo, inclusive salvá-lo com a
concessão da “graça pessoal”.
Mas o ódio dos sacerdotes nada aceita, ameaçando o procurador de denunciá-lo a Roma. Daí
dizer Jesus que Pilatos era “menos culpado” do que o Sinédrio (João, 19:11). Em vista disso
levantam-se muitos para desculpar Pilatos (cfr. Renan, “Vida de Jesus”; Jackson et Lake, “The
Reginnings of Christanity”) embora os autores antigos o apresentem como duro contra os judeus
(cfr. Fl. Josefo, e Philon).
Em vista da impossibilidade em que se encontrava o Colégio Sacerdotal, oficialmente
constituído, de submeter o candidato às provas máximas, que exotericamente seria a morte física, a
Lei providenciou sua entrega ao poder civil, aproveitando-lhe o desinteresse dos chefes pela
condenação desse “réu”, para que a execução não fosse aplicada com sumo rigor, exigindo-se-lhe
a verificação da “morte”.
Nos mínimos pormenores comprovamos que jamais é abandonada a criatura humana, pois a
Lei, através de Seus executores, prima em cuidar de todas as minúcias, escolhendo a dedo as
personagens rigorosa e cuidadosamente selecionadas, para que se evitem erros e desvios
prejudiciais à meta almejada.
Por esse motivo é que Pilatos, por ser displicente, foi conduzido àquele posto, tendo ao lado
exatamente aquela esposa, que pudesse interceder em benefício de Jesus, abrandando ainda mais o
ânimo do Procurador e tirando-lhe qualquer veleidade de perseguição.
Assim, encontrava-se Jesus nas mãos de um Colégio Sacerdotal cheio de ódio mortal, mas
impotente na ação, e de um procurador romano que tinha poderes para agir, mas não desejava
condenar à morte, tudo fazendo para libertá-los: era, pois, a figura ideal, que levaria o candidato à
iniciação de seu grau até o ponto exato, e não aquém (libertando-o) nem além (exigindo a morte
física real).
Não têm razão os que atribuem o sacrifício de Jesus a um “complat” de maldade,
exclusivamente dependente da vontade humana: trata-se de uma necessidade vital, governada pela
Vida e pelas Inteligências diretoras da Humanidade, que colocaram nos postos-chaves criaturas
capazes de cumprir exatamente as determinações superiores.
Assim vai o candidato a caminhar passo a passo, até a consumação do sacrifício que lhe
abrirá, de par em par, a porta de acesso ao posto supremo de Chefe do Sexto Raio, no Governo da
Humanidade.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 8)

II
Naquela época a Judéia estava sob o jugo romano, e por isso a pena de morte só podia ser
aplicada por uma autoridade romana. Então levaram Jesus a Pôncio Pilatos, para obterem a
condenação dele.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 27)

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Capítulo 15

237

III
Vv. 2 – 14 - Interrogatório

O primeiro interrogatório, a que Pilatos submeteu Jesus, está relatado pelos quatro evangelistas,
sendo João o mais pormenorizado. Começa esclarecendo que não ficou na entrada, mas “chamou
Jesus para dentro do Pretório”, sentando-se na cadeira do tribunal, para interrogá-Lo com toda a
formalidade.
A pergunta registrada nos sinópticos, à qual o Mestre se teria limitado a responder: “Tu estás
dizendo”, vem com resposta mais completa, demonstrando a perspicácia de Jesus. Já não estava
mais no terreno religioso, mas no político. E por isso, antes de responder, o réu pede
esclarecimentos, a fim de pautar sua resposta de acordo com o sentido real da pergunta.
Indaga, pois, se Pilatos quer saber se Ele é rei dos judeus por convicção própria - pois nesse
caso estaria sendo dada à pergunta um sentido político - e então a resposta seria negativa. Ou se a
pergunta fora sugerida .pelos outros. (pelo clero judeu) - porque então teria sentido religioso - e a
resposta seria afirmativa.
Pilatos não achou graça nessa indagação do réu, e responde com ironia: .acaso sou judeu? foram
os teus que te entregaram a mim.. Estava claro, portanto, que a acusação procedia dos judeus. Já que
essa era a origem, a resposta será afirmativa, mas indireta: “meu reino não é deste mundo” (não se
trata de uma soberania política que se contraponha a Roma) “senão teria havido combate para
defendê-Lo”.
Pilatos percebe a profundidade da resposta, e indaga: Se tens um reino que não é daqui, “então
não és rei”, mesmo sendo teu reino fora deste mundo terreno?
Jesus, respeitoso e sereno, continua o diálogo com a autoridade civil que tinha direito de inquiri-
Lo: “tu estás dizendo que sou rei; pois nasci e vim a este mundo para dar testemunho da Verdade. E
os que pertencem à verdade, ouvem minha voz”.
Verdade?! E Pilatos pergunta: “Que é Verdade”? Mas, não deseja intrometer-se pelos meandros
de uma discussão filosófica. Levanta-se da cadeira de Juiz e vai novamente à porta, para declarar:
.Nesse homem não encontrei culpa nenhuma.!
Aos sacerdotes judeus, fanáticos como em geral todos os dessa classe, essa declaração não
satisfaz.
Não querem ceder. E o governador vai percebendo, confrontando a majestade calma do réu com
a falta de compostura dos acusadores, que estava diante de um caso lamentavelmente comum até
hoje, de .inveja. no setor religioso, e .o ciúme religioso é o mais feroz de todos. (Pirot).
Os acusadores prosseguiam em seus gritos acusatórios, e Jesus calava. Pilatos fica cada vez
mais admirado diante dessa atitude tranquila: .Nada respondes a eles? Olha como gritam quais
energúmenos.!
Jesus talvez se limitasse a olhar para Pilatos, sorrindo ligeiramente, quase imperceptivelmente,
manifestando a pena que lhe causava aquela falta de argumentos e de compostura.
Aqui deparamos em Mateus com uma construção sintática clássica, rara nesse evangelista:
apokrínomai pròs .nada responde..
Pilatos, mesmo fugindo ao esclarecimento filosófico que pedira, conserva seu ponto-de-vista:
.nenhuma culpa. (literalmente: nenhuma causa, aitíon, de condenação) encontro nesse homem. Por
que condená-lo à morte?

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

238

Quantas lições preciosas aprendemos nesse exemplo que a figura de Jesus nos deixou e que os
evangelistas souberam retratar com tanta fidelidade, apesar da, ou talvez mesmo em virtude da
simplicidade da narrativa, isenta de quaisquer atavios literários.
Aprendemos a responder com respeito, mas sem perder a dignidade, diante das autoridades
civis ou religiosas legitimamente constituídas. Mas a não responder quando quem pergunta não tem
credenciais para fazê-lo, pois disso só adviriam discussões inúteis e estéreis, que a nada
conduziriam.
Mesmo diante das autoridades, aprendemos que o homem não deve “rebaixar-se”
timoratamente. O oposto da humanidade é o orgulho vazio, mas a altivez faz parte da dignidade do
homem, não do orgulho.
Devemos obediência e respeito à autoridade, mas não subserviência, servilismo, nem temor, se
estamos com a razão.

O comportamento de Jesus foi exemplar, neste caso, como em todos os momentos de Sua vida.
Diante da balbúrdia e dos falsos testemunhos, Sua tônica foi o silêncio impenetrável. Daí a
admiração que essa atitude causou a Pilatos, pois verificou nesse réu o equilíbrio emocional
perfeito e serenidade inalterável, de quem possuía a certeza de estar com a razão. Pilatos, homem
dúbio e inconsistente em suas opiniões, além de fraco, deve ter ficado chocado ao assistir o
descontrole irado dos acusadores, em confronto com a calma majestosa do réu. E sentiu-se mais
fortalecido para declarar que aquele Homem não tinha culpa.
Ainda o instigou, para ver se observava alguma alteração: “Nada respondes a essas
acusações”?
Mas Jesus permaneceu impertérrito em Sua mudez.
Não deve ter escapado à argúcia do governador o esclarecimento pedido por Jesus, ao ser
interrogado se “era rei dos judeus”. Apesar da resposta irônica e algo crua, de que não era judeu -
o que revelava certo desprezo pela “raça inferior” que estava a governar - atende ao
esclarecimento solicitado: “os teus te entregaram a mim”. E quando Jesus, após a distinção feita,
responde que “seu reino não era humano nem terreno, mas espiritual”, ou seja, um reino da
Verdade, atina, provavelmente, com a intenção do réu. E insiste na idéia: então confessas
indiretamente que és rei, mesmo que teu reino não se constitua de domínio político.
A declaração de que “veio a este mundo” - deixando claro e indiscutível que existia consciente
antes do nascimento e reencarnara em missão específica - não deve ter causado estranheza a
Pilatos, pois os romanos aceitavam a reencarnação como fato natural e indiscutível. Só causa
admiração que textos, como esse, não sejam aproveitados pelos espíritas e outros espiritualistas
como argumento irrespondível em favor da reencarnação ... Pois se o próprio Jesus declara que
VEIO a este mundo, isso significa, sem sombra de dúvida, que Seu Espírito existia antes do
nascimento e que, saindo do local em que Se encontrava, veio para este planeta e aqui nasceu.
Aprendemos, ainda, a responder às autoridades dizendo a verdade, declarando o que realmente
se passa, mesmo que, por antecipação, saibamos que não seremos compreendidos. Jesus sabia que
Pilatos não poderia atingir a altitude espiritual da resposta, mas nem por isso deixou de declarar a
Verdade de modo total: trata-se da sinceridade que deve nortear nossas respostas, quando os que
nos interrogam tem autoridade legítima para fazê-lo; trata-se de não mentir e não enganar, de ser
sempre honestos, não apenas em relação a nós, como aqueles que merecem nossa consideração.
Evidentemente Jesus se expressou em grego, (pois Pilatos não falava aramaico) confirmando o
conhecimento que tinha desse idioma, no qual devia expressar-se normalmente.
E quanto ao “reino”, claro que se refere ao plano espiritual, domínio exercido sobre os
espíritos, pouco importando o que acontecia aos corpos físicos

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

239

O atendimento aos enfermos, para curá-los, era sempre esporádico, mas ensina-nos a não
abandonar esse campo, quando se apresentar a ocasião, mesmo que ele não constitua nossa tarefa
específica: trata-se de um meio para que, através dele, se atinja a finalidade maior, se não a única,
que é o CONHECIMENTO DA VERDADE.
Não podemos deixar passar em silêncio uma consideração a respeito do título de “rei”,
atribuído a Jesus, com sentido pejorativo pelos judeus, sem compreendê-lo, por Pilatos, e com todo
o conhecimento de causa por Jesus. Sua declaração de que “Seu reino não é deste mundo”,
constitui confirmação tácita de que É REI, embora o reino Dele não pertença à vibração pesada do
plano material dos corpos físicos. Jesus o afirmou categoricamente. Resta-nos descobrir de onde
era esse “reino”.
Muitos acreditam que dele era o “reino dos céus”, no sentido atribuído por certas seitas, que
falam num “céu” cheio de anjinhos, de “santos”, que nada fazem além de tocar harpas e cantar
loas à glória do Senhor.
Para que vir estabelecer na Terra um reino que só seria conseguido depois da morte do corpo
físico? Para que nos preparássemos para ele? Não seria muito mais lógico e conveniente deduzir
que Ele veio para estabelecer NA TERRA um reino que não era DA TERRA, mas deveria
desenvolver-se aqui mesmo neste planeta?
Por tudo o que sabemos a respeito das Escolas Iniciáticas, esse era exatamente o sentido
atribuído a essa frase: Jesus era o REI de um reino ESPIRITUAL, mas que está estabelecido NA
TERRA, existindo entre as criaturas terrenas encarnadas. E sabemos de fonte certa (vol. 5) que o
título de REX (“rei”) era atribuído ao Hierofante das Escolas, quando atingiam o sexto grau
iniciático. O último passo, que Ele estava para dar, fá-lo-ia atingir o grau máximo, a
DEIFICAÇÃO, pela indestrutível unificação com a Divindade.
De fato, pois, Rei era Ele, em Sua Escola Iniciática Assembléia do Caminho, pois estava
subindo os últimos degraus da sétima escala iniciática, só percorrida pelos adeptos que já
houvessem galgado os sete degraus das seis escalas anteriores. Atingido esse ponto culminante,
seria considerado “O Ungido” (Christo), personificando a Divindade que ungira e permeara Sua
criatura.
Havia, pois, toda razão em aceitar o título tacitamente, embora não Lhe conviesse dizê-lo
abertamente ao mundo e a quem não poderia compreender o sentido. Mas, diante da autoridade
legitimamente constituída, não poderia mentir: aceitou a afirmativa como tendo sido feita de fora:
“és tu que está., dizendo isso”.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 8)

IV
BAR ABBAS
O nome significa simplesmente “filho do pai”, sendo de muito freqüente emprego àquela época.
Mas a questão maior é que alguns códices (theta, 1, 118, 209, 241, 299) e as versões siríacas
(palestinense e sinaítica) e armênia, e o escritor sacro Anastácio, registram como nome do criminoso
“JESUS BARABBAS”.
Há uma hipótese, levantada por Orígenes latino, que afirma: “em muitos exemplares não se
contém que Barabas também seja chamado Jesus e, talvez, com razão, para que o nome de Jesus não
se aplique a um celerado; e julgo que entre os hereges esse nome foi acrescentado, para que tenham,
por alguma conveniência, o que , dizer em suas fábulas, acerca da semelhança de Jesus e Barabas.”
Alguns comentadores anotam que falta um paralelismo perfeito, o que comprovaria a hipótese
do acréscimo “criminoso”. Argumentam que, se figurasse no original, deveria aparecer a palavra
legómenos: “Jesus chamado Barabas e Jesus chamado o ungido”; não simplesmente seguidos os dois
nomes: “Jesus Barabas e Jesus chamado o ungido”.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

240

Não obstante, muito mais fácil, óbvio e compreensível é que se tenha omitido, na maioria das
cópias, o nome “Jesus”, exatamente pelo respeito que se devota a esse nome santo. Donde a
argumentação de Orígenes constituir a revelação do contrário do que afirma: é mais lógico que os
cristãos tenham suprimido o nome “Jesus” em relação a Barabas, do que terem tido os hereges
acesso aos códices para acrescentá-lo.

LIBERTAÇÃO DE PRESO
Temos notícia do hábito de fazer graça a um preso, em certas ocasiões segundo a vontade do
povo.
Isso constituía um .costume., que não constava de leis. Comprovação desse hábito encontramos
em Tito Lívio (5, 13) que diz que na festa das Lectisternia, vinctis quoque dempta in eos dies
vincula, isto é, .as cadeias também eram rompidas aos encarcerados naqueles dias.. Encontramos
ainda, o papiro 61 (cfr. Girólamo Vitelli, .Papiri Greco-Egizi.) do primeiro século A.D., que registra
as palavras de Gaius Septimius Vegetus, prefeito do Egito, dirigidas a um tal Phibion: “mereceste
ser flagelado, mas perdôo-te, em atenção ao povo”. Daí a possibilidade de ocorrer o mesmo por
ocasião da páscoa, em Jerusalém, embora nada tenha dito Flávio Josefo a esse respeito talvez por lhe
não interessar o registro de algo que favorecesse aos romanos.
No caso de Jesus, isso teria constituído uma abolitio, ou suspensão de processo, pois a
autoridade reconhecera oficialmente não ter encontrado nenhuma culpa no réu, e não uma
indulgentia (.perdão.), usada quando havia culpa, como ocorreu com Barabas. João o classifica
apenas de .salteador., enquanto, Lucas esclarece que estava na cadeia por ter feito uma sedição na
cidade e ter cometido um homicídio.

O SONHO
Mateus registra que a esposa de Pilatos, que figura com o nome de Cláudia Prócula como .santa.
no hagiológio grego, mandou um emissário ao esposo enquanto este se encontrava sentado na
cadeira de juiz, solicitando-lhe que .não se envolvesse com aquele justo. ou, literalmente, que .nada
houvesse entre os dois. (mêdèn soì kaì tôi dikaiôi ekeínôi). E a razão foi dada: .muitas coisas
experimentei em sonho por causa dele. (pollà gàr épathon kat'ónar di’autón).
As traduções comuns interpretam páthein, aqui como alhures, por “sofrer”. Páthein exprime
realmente “experimentar”. Conta a tradição que Cláudia era admiradora de Jesus, do qual conhecia
os ensinamentos, embora, por sua posição, não pudesse segui-Lo abertamente.
Ora, que páthein não pode significar “sofrer”, bastará um raciocínio normal para entende-lo.
Como admitir que Jesus ou qualquer espírito que O acompanhasse, tivesse o sadismo de fazer a
pobre criatura sofrer em sonhos, como que ameaçando-a caso o marido condenasse Jesus? Isso teria
sido a negação completa de toda a lógica, e nenhum espiritualista esclarecido conseguirá entender
comportamento tão estranho. Que ela tivesse tido “experiências” reveladoras da missão de Jesus, é
plenamente aceitável.
Mas, há um ponto a observar. Que teria ela solicitado? Que Pilatos não condenasse Jesus? Não,
absolutamente.
Foi pedido que não se envolvesse pessoalmente no caso, deixando que as determinações divinas
se desenrolassem como deviam. Fora previsto e predito que Jesus tinha que ser sacrificado, e esse
passo iniciático não podia ser evitado. Imaginemos que Pilatos, convicto de Sua inocência, batesse o
pé e O libertasse! Estaria tudo arruinado. Então, qual teria sido o sentido real do pedido de Claudia?
A nosso ver, pediu ela que Pilatos não se envolvesse e, com sua autoridade, salvasse Jesus da
morte, pois esta constituía uma necessidade e o cumprimento do que estava escrito nas profecias a
Seu respeito.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

241

E só havia um meio de ser isso conseguido: era que Pilatos, embora convicto da absoluta
inocência de Jesus, não se baseasse em sua autoridade de governador para salvá-Lo da morte, pois
todo o drama profetizado e indispensável ruiria por terra. Então, que “não se envolvesse com ele”, e
deixasse que se cumprissem as Escrituras.
Que não O condenasse, que reconhecesse de público Sua inocência e inculpabilidade absolutas,
mas não evitasse Seu destino, que parecia infamante aos olhos do público, mas que seria gloriosa
vitória sobre a morte.
Como bom romano, Pilatos devia acreditar em sonhos premonitórios, mesmo que no momento
não se lembrasse do conhecidíssimo sonho de Calpúrnía, esposa de Júlio César, que nos idos de
março suplicara que ele não saísse de casa, pois sonhara que o vira coberto de sangue. E como
conhecia o valor de um aviso onírico, logo após ter recebido o aviso da esposa, declara que não vê
culpa no acusado, e após algumas tentativas mais, para tranquilizar sua consciência, lava as mãos,
simbolicamente demonstrando sua não-interveniência naquela condenação, mas O entrega aos
judeus. E o próprio Jesus diz a Pilatos que ele comete um erro bem menor que o dos judeus que O
entregaram, justificando-o e quase absolvendo-o de culpa em Sua morte.
Só a interpretação que damos, apesar de totalmente nova e original, diferente de todas as que
foram dadas nestes últimos dois mil anos, consegue explicar o modo de agir de Pilatos, que com
uma palavra poderia ter libertado Jesus das mãos dos judeus sem que nada pudesse realmente temer
por isso. E não o fez exatamente - é o que transparece da narrativa - por causa do aviso que recebeu
da esposa. Talvez, em sonho, esta tivesse visto o grande benefício para Jesus e para toda a
humanidade, se as coisas corressem segundo os planos preestabelecidos pelos Espíritos Superiores,
com a aprovação do Pai.
O Concílio Vaticano II colocou o problema em seus devidos termos, quando escreveu
(.Declaratio de Ecclesiae Habitudine ad Religiones Non-Christianas”, 28-10-1965): “Embora as
autoridades dos judeus com seus sequazes tivessem reclamado a morte de Cristo, não obstante o que
se fez em Sua paixão não pode ser imputado indistintamente nem a todos os judeus que viviam
então, nem aos judeus de hoje. Ainda que a igreja seja o novo povo de Deus, não se assinalem os
judeus como reprovados nem malditos por Deus, como se isso se deduzisse das Escrituras. ... De
resto, Cristo, como sempre sustentou e sustenta a igreja, enfrentou voluntariamente, por amor
imenso. Sua paixão e morte, por causa dos pecados de TODOS os .homens”.

FLAGELAÇÃO
Segundo lemos em Flávia Josefo todos os condenados à crucificação eram flagelados diante do
tribunal, prô toú bêmatos. E tanto esse castigo, quanto a crucificação só podiam ser infligidos a
escravos ou pessoas não-romanas, segundo as leis Porcia (195 AC) e Sempronia (123 AC), jamais a
cidadãos romanos (cfr. At. 22:25).
O flagelo (flagellum) era um chicote com tiras (flagrum) munidas de pontas de osso
(scorpiones) ou com pequenas bolas de chumbo (plumbata) que deixavam sobre a pele do paciente
sulcos sangrentos e dolorosos.

OCORRÊNCIAS
Pilatos estava convicto da inocência do réu e tudo fazia para salvá-Lo, pois SABIA que O
estavam entregando por ciúme (ou inveja, ou despeito). E teve uma idéia que lhe deve ter parecido
genial: lembrava-se das aclamações que o povo fizera a Jesus, ainda no domingo precedente, e
julgou que o povo se achava constrangido diante da pressão do clero; e supôs que, diante do
Governador, se manifestaria livremente.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

242

Deve, pois, ter tido íntima alegria ao pensar na derrota fragorosa daquele clero antipático e
hipócrita, quando o povo procurasse libertar da prepotência clerical, aquela vítima injustiçada e
perseguida justamente por causa dos benefícios que prestava ao povo.
Aproveitando-se do costume implantado, põe esse benfeitor dos pobres em confronto com um
salteador e assassino vulgar, e pergunta qual dos dois devem libertar Para ele era certo que o povo
preferiria Jesus. Mas ignorava que ali não estava o povo bom de Jerusalém, mas a malta reunida e
dominada pelo clero, seus empregados e servos.
E os sacerdotes ali presentes, fanatizados como todos os dessa classe, cheios de ódio e despeito,
começaram a gritar quais energúmenos, pedindo a libertação de Barrabás.
A essa altura já recebera o aviso de Cláudia, sua esposa, e começava a perceber as coisas,
embora talvez não atinasse bem com sua razão de ser. Os sacerdotes .berravam. (ékrazon, Mat, e
ekraúgesen, João), e Pilatos teve que também gritar para ser ouvido: .E que farei com Jesus, o
ungido.? E ouviu horrorizado o grito e viu os gestos descompostos daquelas .autoridades. e do povo
que as imitava, fazendo eco: .Crucifica-O! Crucifica-O!.
Pilatos resolveu mandar executar a primeira parte do rito sacrificial, mandando flagelar o
prisioneiro.

Os tempos mudaram! De que nos podemos queixar, hoje, quanto ao combate que nos move o
clero de qualquer religião, diante do que foi feito a nosso Mestre? Hoje o combate é até suave e
inócuo, pois quase não nos atinge fisicamente, a não ser em ambientes muito atrasados em
civilização e cultura.
Vivemos num mar de rosas, e a liberdade que desfrutamos é imensa. Se em alguns países ainda
são encarcerados os pregadores da verdadeira doutrina do Cristo, isso constitui exceção
vergonhosa no século atual, e tende a desaparecer aos poucos, à proporção que essas nações se
civilizam.
No entanto, o exemplo que nos deixou Jesus é consolador: “Não é o discípulo mais que o
Mestre, nem o servo mais que seu Senhor; se perseguiram vosso Senhor e Mestre, muito mais o
farão a vós (Mat. 10:24, Luc. 6:40) e ainda: “Felizes sois quando vos injuriarem, vos perseguirem
e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa” (Mat. 5:11). Quem neste planeta vive
cercado de aplausos da maioria, não é nem pode ser discípulo do Cristo: Este será o eterno
incompreendido, o louco, o perseguido. Vivendo de modo diferente da massa, mas mergulhado nela,
sofre-lhe os impactos de rejeição, como todo elemento estranho que penetra no corpo humano. As
células o expulsam e matam (fazem-no necrosar-se), negando-lhe alimentos, até que o vejam
eliminado como intruso indesejável.
Na humanidade de hoje, aquele que vive o Cristo é igualmente expurgado, pois a tônica de sua
sintonia difere de modo absoluto da nota emitida pela grande maioria.
Segundo os evangelistas, Pilatos compreende que a raiva contra Jesus é produto de ciúme ou,
talvez melhor, do despeito. Na realidade, esse é o sentimento predominante que, não apenas a
massa, mas sobretudo os “profissionais da religião” nutrem, contra os seguidores fiéis do Cristo.
Estes revelam, no exemplo de sua vida, um teor de espiritualização que jamais aqueles atingem,
preocupados que estão com o predomínio social e político, com o progresso financeiro, com o bem-
estar pessoal, com o número e a subserviência de seus seguidores. Então, qualquer pessoa que
revele atitude crística se torna, pelo próprio comportamento, viva condenação daquilo que eles
pregam, mas não praticam.
Embora afirmem o contrário, preferem a convivência com criminosos que lhes não façam
sombra: Barrabás é ótimo, Jesus atrapalha. Porque Barrabás os faz parecer aos olhos da massa,
quando esta estabelece confrontos, seres superiores e perfeitos. Sejam soltos os Barrabás, mas
morram aqueles que se querem identificar com Jesus!

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

243

Só assim a vida lhes será tranquila e sem atropelos, subindo eles, cada vez mais, no conceito
popular.
Nesse ímpeto, não titubeiam em tomar as atitudes mais inoportunas, pois tudo “é para a maior
glória de Deus”! E se o próprio Jesus se arriscasse a regressar hoje à Terra, naquela Sua mesma
posição de operário carpinteiro, dizendo o que disse, pregando o que pregou, fazendo o que fez, as
igrejas que “se dizem” cristãs O perseguiriam outra vez implacavelmente como impostor e
blasfemo, pois “se fez Filho de Deus”! Ora quem!? Um operário sem títulos acadêmicos, que não
pertence ao clero organizado e oficial! Que petulância, que presunção! CRUCIFICA-O!
E são os fatos que o provam, Gandhi, O maior cristão do século XX, embora não tivesse
pertencido a qualquer igreja cristã, vivia os ensinos do Cristo. Mas não foi recebido em Roma, em
1931, pelo papa Pio XI, somente porque não quis vestir uma casaca de gala: alegou que não na
tinha e recusou-se a alugá-la por ter voto de pobreza, não podendo despender dinheiro com
vaidades. O “representante” de Jesus na Terra não o recebeu, e não teria recebido o próprio Jesus,
se ali chegasse com Sua humilde indumentária de carpinteiro: Jesus teria que vestir uma casaca
para ser recebido por Seu representante! Cristãos! Mas não seguidores e menos ainda discípulos do
Cristo. No entanto, desde que se apresentem em casaca, são recebidos com sorrisos os grandes
criminosos, esses que são tão grandes que escapam a qualquer condenação terrena; os assassinos
que não sujam suas mãos com o sangue de uma vítima, mas ordenam massacres de milhões de
cristãos nas guerras de ambição e ganância; os fabricantes de armas mortíferas; os financiadores
de conflitos sangrentos; enfim, todos os “Barrabás” modernos, salteadores e assassinos, porque
esses não fazem sombra. Gandhi, com sua grandeza espiritual, seu voto REAL de pobreza e sua
humildade, teria sido uma bofetada com luva de pelica na face do representante de Jesus, a nadar
em ouro e púrpura, quando o Mestre “não tinha uma pedra onde repousar a cabeça.. (Mat. 8:20,
Luc. 9:58). Não aprendemos as lições do Mestre, apesar de ouvi-las há dois mil anos: buscamos
riquezas, mentimos para escapar ao sofrimento e depois, cinicamente, nos dizemos cristãos!
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 8)

V
VER REFERÊNCIA BÍBLICA DE MARCOS NO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

15 2 II 2, 3 e 4

VI
Diante de Pilatos, a uma só das suas perguntas consente Jesus em responder: à que respeitava à
soberania por Ele exercida sobre os Judeus, soberania moral e espiritual, que Pilatos, apesar de não
admitir a missão do Mestre, bem compreendeu que nada tinha de política. É assim que, impelido por
um sentimento secreto, e, ainda mais, advertido pela mulher, que tivera com Jesus um sonho muito
característico, tenta salvá-lo, mandando, ao mesmo tempo, para salvar a sua própria respon-
sabilidade, que apresentassem o acusado ao sucessor de Herodes. Também a nenhuma das perguntas
que lhe este fez respondeu Jesus. Considerando aquele silêncio um desrespeito à sua alta dignidade,
o sucessor de Herodes, indignado, se vingou, tratando-o com desprezo e ridiculizando-o, infligindo-
lhe um castigo infamante, qual o de mandar lhe vestissem uma túnica branca, porque dessa cor era a
dos príncipes que aspiravam ao trono. Isso fazendo, apresentava-o como um louco, como um em
quem a ambição produzira a loucura.
Eximiu-se, porém, de julgá-lo, entendendo que o julgamento cabia a Pilatos, a quem o reenviou.
Essa troca de atenções reconciliou os dois déspotas, que desde então se tornaram amigos. À
pergunta de Pilatos: És o rei dos Judeus? respondeu Jesus: Tu o dizes, falando, porém, unicamente
do ponto de vista espiritual.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

244

Para bem compreendermos o sentido, o alcance e o objetivo dessa resposta, devemos aproximá-
la destas outras palavras, já por Ele antes proferidas: Em verdade vos digo que doravante não mais
me vereis, até ao dia em que digais: “Bendito o rei que vem em nome do Senhor!” (Lc 13:35 e
19:38.). Depois que lhe respondeu: Tu o dizes, duas vezes Pilatos deu a Jesus o título de rei dos
Judeus, mas, por mofa. Na sua opinião, o Mestre era um espírito fraco, mais presa de loucura que de
ambição. (Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 178)

VII
Vv. 2 - Para que os sacerdotes conseguissem do poder romano a condenação de Jesus, dão à sua
prisão o caráter de estarem abafando zelosamente uma insurreição, da qual Jesus seria o chefe; por
isso o acusam de se intitular rei. Interpelado diretamente por Pilatos, Jesus responde
afirmativamente. Contudo, sua realeza era de ordem espiritual; e essa realeza abrangia o povo judeu
e tóda a humanidade.

Vv. 3 a 5 - Mesmo nos momentos mais difíceis de sua exemplificação, o Mestre não atraiçoa os
ensinamentos ministrados. Ele tinha ensinado que não devemos resistir aos que nos fizerem mal.
Ora, condenando-o inocentemente, os sacerdotes lhe estavam fazendo mal e Jesus, provando que era
possível praticar o que tinha ensinado, não se revolta contra eles.

Vv. 6 a 7 - Vemos aqui Pilatos servindo aos interesses subalternos do mundo material,
desprezando as. sublimes realidades espirituais. Pilatos sabe quais são os verdadeiros motivos pelos
quais os sacerdotes exigiam a condenação de Jesus; sabe que aquele homem simples que estava em
sua frente sem temer a morte, era um inocente, pois, mesmo seus acusadores não sabiam de que
crime o acusar; sabe que a doutrina de mansidão e amor que Jesus pregava, não continha nenhuma
ameaça ao poderoso governo de Roma. E no entanto, temeroso de contrariar os orgulhosos
sacerdotes, que poderiam comprometê-lo diante de César em Roma, propõe-lhes que escolham entre
um inocente e um criminoso.

Vv. 8 a 11 - Dado o estado de baixa moralidade em que ainda vivemos na terra, é mais fácil aos
homens escolherem o mal do que o bem. A escolha de Barrabás em detrimento de Jesus é um
exemplo disso. Porém, à medida que os homens elevarem o seu padrão de moralidade, melhor
compreenderão o bem. E por fim acabarão por sacrificarem Barrabás e escolherem a Jesus, isto é,
aprenderão a praticar o bem e evitar o mal.

Vv. 12 a 14 - Vemos aqui Pilatos servir de simples instrumento da intriga, que os sacerdotes
tramaram para perder a Jesus. O poder romano, conquanto exercesse pleno domínio sobre os povos
tributários de Roma, jamais se imiscuía em seus usos e costumes internos, uma vez que não
contrariassem os interesses de Roma; limitava-se sempre a examinar o caso, e aprovar a resolução
que os dignatários da nação lhes pediam. Assim, apesar de Roma ser a senhora, dava ao povo
dominado a sensação de uma liberdade ilusória. Por conseguinte, em virtude da política exterior que
Roma observava em relação aos povos conquistados, não estava nas mãos de Pilatos salvar Jesus,
mesmo que o quisesse.

Vv. 15 - Este é um exemplo do que se passa, comumente, nos mundos inferiores: a virtude
sacrificada e o mal em liberdade. Contudo, à medida que a humanidade se moraliza, notamos que se
preza mais a virtude, e se combate o mal com mais intensidade. E quando a humanidade estiver
regenerada, o mal estará vencido.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 27)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

245

VIII
Pilatos, magistrado romano, governou o território da Judéia de 26 a 36 d.C. Os Evangelhos o
mostraram como governante moralmente fraco, que preferia sacrificar os princípios e até a
consciência, quando estava em jogo sua carreira e interesses próprios. Então, se o julgamento
religioso de Jesus era, já, uma farsa, nada melhor se podia esperar do julgamento civil, com um juiz
como Pilatos.
Como acontece, mais cedo ou mais tarde com cada pessoa, Pilatos encontrou-se numa situação
em que teria que responder à pergunta: "Que farei, então, deste a quem chamais o rei dos judeus?"
(15:12). Deveríamos nos lembrar que, em nosso dia-a-dia, pela maneira como nos portamos e pelas
decisões que tomamos, estamos respondendo a pergunta: "Que farei, então, de Jesus?"
Pilatos viu a inocência estampada no rosto imaculado de Jesus (15:14) e percebeu "que por
inveja os principais sacerdotes O haviam entregue" (15:10). Até recebeu um aviso divino, dado por
sua esposa, mediante um sonho que ela tivera (Mat. 27:19). Mas todos os princípios de justiça e
legalidade foram sacrificados por causa de seu apego ao cargo de governador.
A proposta de Pilatos de soltar Jesus em vez de Barrabás (um conhecido agitador) foi irônica.
Segundo alguns manuscritos, o primeiro nome de Barrabás também era Jesus – nome comum
naqueles dias. Então, o povo devia escolher entre os dois "Jesus": um que procurava salvar Israel
pela força e violência, e outro que, verdadeiramente, podia salvar Israel, mas pelas armas do amor e
da mansidão.
Pilatos escolheu ficar com seu cargo. Os líderes judaicos e a multidão optaram por Barrabás. E
nós, quando defrontados com a decisão de escolher entre Jesus e as coisas deste mundo, com quem
ficaremos? (Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

IX
Relatório de Pilatos enviado a Tibério César
sobre o novo personagem que surgiu em Jerusalém

Excelência: O relatório que lhe farei procede do fato de sentir-me coibido pelo temor e pelo
tremor. Pois já sabeis que nesta província que governo, única entre as cidades quanto ao nome de
Jerusalém, o povo judeu em massa entregou-me um homem chamado Jesus, acusando-o de muitos
crimes que não puderam demonstrar com suficientes razões. Havia entre eles uma facção sua
inimiga porque Jesus dizia-lhes que o Sabbath não era dia de descanso nem de festa para ser
guardado. Ele, efetivamente, operou muitas curas nesse dia: devolveu a visão a cegos e a faculdade
de andar a coxos; ressuscitou os mortos; limpou os leprosos; curou os paralíticos, incapazes de ter
impulsos corporais ou ereção de nervos, mas somente voz e articulações, dando-lhes forças para
andar e correr. E extirpava qualquer enfermidade somente com o uso de sua palavra.
Outra nova ação mais assombrosa, desconhecida entre nossos deuses: ressuscitou um morto de
quatro dias somente dirigindo-lhe a palavra; e é de se notar que o morto já tinha o sangue coagulado
e estava putrefato por causa dos vermes que saíam de seu corpo e exalava um mal cheiro de cão.
Vendo-o, então, imóvel como estava no sepulcro, ordenou que se levantasse e corresse; e ele, como
se nao tivesse um mínimo de cadáver, mas fosse como um esposo que sai do quarto nupcial, assim
saiu do sepulcro, transbordante de perfume. E a alguns estrangeiros, totalmente endemoniados, que
moravam nos desertos e comiam suas próprias carnes, conduzindo-se como bestas e répteis, também
a eles tornou-os honrados cidadãos, fê-los prudente com a sua palavra e preparou-os para serem
sábios, poderosos e gloriosos e para confraternizarem com todos os que odiavam os espíritos
imundos e perniciosos que habitavam neles anteriormente, os quais arremessou nas profundezas do
mar.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

246

Além disso, havia outro que tinha a mão seca. Melhor dizendo, não somente a mão, mas toda a
metade do seu corpo estava petrificada, de maneira que não tinha nem a figura de um homem nem
dilatação de músculos. Também este foi curado com somente uma palavra e ficou sadio.
Havia uma outra mulher com problemas hemorrágicos, cujas articulações e veias estavam
esgotadas pelo fluxo de sangue, a tal ponto que já nem sequer se podia dizer que tinha um corpo
humano. mais se assemelhava a um cadáver.
Havia ficado até sem voz. Tal era a gravidade de seu estado que nenhum médico do território
encontrou uma forma de curá-la ou sequer de lhe dar uma esperança de vida. Certa vez Jesus
passava por ali em segredo e a mulher, retirando forças da sombra dele, tocou, por detrás, a fímbria
de sua túnica. Imediatamente sentiu uma força que preenchia seus vazios e, como se nunca tivesse
estado doente, começou a correr agilmente em direção à sua cidade, Cafarnaum, caminhando de tal
forma que quase igualava qualquer pessoa que percorresse de uma só vez seis jornadas.
Isto que acabo de relatar com toda a ponderação, Jesus fez num Sabbath. Além disso, operou
outros milagres maiores do que estes, de maneira que chego a pensar que suas façanhas são
superiores àquelas que fazem os deuses venerados por nós.
Este, pois, é aquele a quem Herodes, e Arquelao, e Filipo, Anás e Caifás, entregaram-me para
que eu o julgasse. E assim, embora sem haver constatado de sua parte nenhum tipo de delito ou má
ação, mandei que o crucificassem depois de submetê-lo à flagelação.
E enquanto o crucificavam sobrevieram algumas trevas que cobriam toda a terra, deixando o sol
obscurecido em pleno meio-dia e fazendo aparecer às estrelas, as quais não resplandeciam; a luz
parou de brilhar, como se tudo estivesse tingido de sangue, e o mundo dos infernos foi absorvido; e,
com a queda dos infernos, até mesmo o que era chamado santuário desapareceu da vista dos
próprios judeus. Finalmente, pelo eco repetido dos trovões, produziu-se uma fenda na terra.
E quando ainda o pânico se fazia sentir apareceram alguns mortos que haviam ressuscitado
como testemunharam os próprios judeus, e disseram ser Abraão, Isaac, Jacó, os doze patriarcas,
Moisés e Job, e, como eles diziam, os primeiros dos que haviam falecido três mil e quinhentos anos
antes. E muitíssimos deles, que eu também pude ver que apareceram fisicamente, lamentavam-se
por sua vez, por causa dos judeus, pela prevaricação que estavam cometendo, pela sua perdição e
pela perdição de sua lei. O medo do terremoto durou desde a sexta até à nona hora da sexta-feira. E,
ao chegar a tarde do primeiro dia da semana, ouviu-se um eco vindo do céu, que por sua vez
adquirira um resplendor sete vezes mais vivo que todos os dias. Na terceira hora da noite chegou a
aparecer o sol, brilhando mais que nunca e embelezando todo o firmamento. E da mesma forma que
no inverno os relâmpagos sobrevêm de repente, assim também apareceram, subitamente alguns
varões, excelsos pelas suas vestes e pela sua glória, que tinham vozes semelhantes ao soar de um
enorme trovão, dizendo: "Jesus, o que foi crucificado acaba de ressuscitar.
Levantai do abismo aqueles que estão presos nas profundezas do inferno". E a fenda da terra era
tamanha que parecia não ter fundo, já que deixava ver os próprios fundamentos da terra, entre os
gritos daqueles que estavam no céu e passeavam fisicamente no meio dos mortos que acabavam de
ressuscitar. aquele que deu vida aos mortos e acorrentou o inferno dizia: "Dai este aviso aos meus
discípulos: Ele segue à vossa frente até a Galiléia. Ali poderão vê-lo".
Durante toda aquela noite a luz não deixou de brilhar. E muitos dos judeus pereceram
absorvidos pela fenda da terra, de maneira que no dia seguinte grande parte dos que haviam estado
contra Jesus já não estavam ali. Outros viram aparições de ressuscitados que nenhum de nós havia
visto. E em Jerusalém não ficou nem uma só sinagoga dos judeus, pois todos desapareceram naquele
terremoto. Assim, estando fora de mim devido àquele pânico e tolido ao extremo por um horrível
tremor, fiz para vossa excelência o relatório escrito do que meus olhos viram naqueles momentos. E,
além disso, rememorando o que os judeus fizeram contra Jesus, remeto este relatório à vossa
divindade, oh Senhor!".

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Capítulo 15

247

Vv. 15 – Pilatos Lava as Mãos (Mt 27:24-26; Lc 23:24-25)

I
O episódio de “lavar as mãos” era quase universal à época, tal como ainda hoje essa expressão,
para significar que nada temos com algum fato.
Entre os judeus, lemos no Deuteronômio (21:6-7): “Todos os anciãos dessa cidade, que sejam
mais próximos ao morto, lavarão as mãos sobre a novilha cujo pescoço foi quebrado no vale, e
dirão: Nossas mãos não derramaram esse sangue, nem nossos olhos o viram”.
Entre os gregos, lemos em Sófocles (Ajax, 654-656), ou seja: “mas vou às abluções, aos campos
que margeiam o rio, para purificar minhas imundícies e escapar à dura cólera da deusa”.
Também em Heródoto (1,35): “chegou a Sárdis um homem. vítima de uma desgraça e com as
mãos impuras e pediu que fosse purificado”.
Entre os romanos, encontramos Vergílio: “até que me lave no rio corrente”.
Apolônio de Rodes também apresenta um trecho que confirma a tese, além de outros, cujas
obras não tivemos oportunidade de compulsar.
De qualquer modo, juntando as palavras ao fato, Pilatos se declara “impune” do sangue do réu,
ou seja, não merecedor de qualquer castigo, deixando tudo nas mãos dos judeus: “vede vós”!
E os sacerdotes aceitam o desafio, com uma frase que não é, em absoluto, uma imprecação, mas
o assumir da responsabilidade total: “Seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos”.
Realmente Pilatos cometeu “erro menor”, apesar de haver, depois dessa cena patética, entregue
Jesus .às mãos (sujas de sangue e impuras) do clero judeu. Mas não havia outro recurso: qualquer
passo em falso, arruinaria o andamento normal do drama previsto com antecedência espantosa de
séculos.
A água sempre representou elemento de capital importância em qualquer rito iniciático, como
símbolo de purificação. Para isso era mister água corrente (flumine vivo), donde as representações
plásticas de um soldado a verter água sobre as mãos de Pilatos.
Aqui, o candidato à iniciação não necessita de purificar-se, pois é reconhecidamente inocente
de qualquer imperfeição. E se o governador romano pretende, com a ablução ritualística das mãos,
inocentar-se do sangue da vítima, manifestou, sem percebê-lo, outra faceta do ato, pois fez
compreender que, naquele gesto seu, estava implícita a interpretação alegórica do drama, na
entrega da vítima, aos verdadeiros verdugos: a personagem humana de Jesus representava
alegoricamente a vítima, que outrora era sacrificada sobre o altar do holocausto, o “Cordeiro de
Deus”.
Não mais se tratava de um ser humano que fosse considerado, em julgamento normal, culpado
ou inocente, mas simplesmente de uma alegoria dos antigos sacrifícios, em que a vítima era sempre
inocente, e morria sacrificada sem qualquer espécie de julgamento, a isso levada pelo único motivo
de um rito propiciatório imposto pelas autoridades religiosas.
Mateus é o único a narrar esse episódio altamente significativo, quiçá para demonstrar ao
povo judaico o alcance terrível de seu gesto e a responsabilidade que sobre ele pesava no cômputo
geral da condenação de Jesus. E sua lembrança em fixar a cena e as palavras, serviu para nossa
observação dos acontecimentos históricos posteriores em relação ao povo israelita, embora tivesse
influenciado, outrossim, uma espécie de “justificação” esdrúxula das perseguições que os católicos
romanos infligiram, durante séculos, aos judeus, sobretudo e mais acirradamente, na época da
Inquisição. Em vista da teimosia obcecada e das ameaças do clero judaico, dos gritos histéricos, do
fanatismo descontrolado, e da advertência de sua esposa após o aviso onírico, Pilatos sente-se
impotente, apesar de toda a sua autoridade, para libertar o acusado inocente.
Mas segue à letra a recomendação da esposa: não O condena, não “se envolve” com aquele
justo (e ele sabia que o era), limitando-se a retrair-se e a retirar-se da cena, levando as mãos.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

248

Talvez por isso Tertuliano (Apologetica) tenha escrito: “Todas essas coisas sobre o Cristo,
Pilatos, também ele mesmo já Cristão em sua consciência, relatou a Tibério, então imperador”.
Mas, conforme prometera, solta Barabas e entrega Jesus à sanha sádica dos sacerdotes, para
que seja crucificado.
Dessa maneira é que a Individualidade (Jesus) vai conduzir sua personagem a suportar o
impacto do holocausto sangrento, a fim de conquistar mais um passo na Senda evolutiva. E a
personagem que assim se submete, humilde e conformada, voluntária e ardente de amor, vai com
isso merecer a imortalidade, após vencer a morte com denodo e coragem insuperáveis.
Os evangelistas não falam na sentença, mas essa, para ter força legal, devia ser escrita, não
tendo valor jurídico qualquer sentença verbal. A prova de que foi realmente escrita aparece mais
adiante (João, 19:22), quando Pilatos, ao responder a uma reclamação do clero, afirma que não
retirará “o que escreveu”.(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 8)

II
Em virtude da política exterior que Roma observava em relação aos povos conquistados, não
estava nas mãos de Pilatos salvar Jesus, mesmo que o quisesse. Contudo, Pilatos compreendeu
imediatamente porque a casta sacerdotal queria sacrificar Jesus, e faz uma tentativa de salvá-lo.
Vendo que nada conseguiria, pois os interessados na morte de Jesus podiam facilmente ir buscar a
sentença condenatória diretamente em Roma, Pilatos lava as mãos. Lavando as mãos e dizendo que
estava inocente do sangue do Justo, Pilatos dá a entender que não arcaria com a responsabilidade
moral de condená-lo, fazendo-a recair inteiramente sobre os acusadores. Estes, compreendendo os
escrúpulos de Pilatos em aplicar uma sentença de morte contra um homem em quem não achou
crime, declaram-se os únicos responsáveis, dizendo: Caía seu sangue sobre nós e nossos filhos.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 27)

III
A SENTENÇA DE CRISTO
"Cópia autêntica da Peça do Processo existente no Museu da Espanha"

Esse documento foi achado na cidade de Áquila, em Nápoles. Estava dentro de uma belíssima
pedra, a qual continha continha duas caixinhas, uma de ferro e por dentro desta uma outra de
finíssmo marfim, onde estava o valiosíssimo documento escrito em letras hebraicas em um
pergaminho. Ei - lo na íntegra:
No ano dezenove de TIBÉRIO CÉSAR, Imperador Romano de todo o mundo, Monarca
invencível na Olimpíada Cento e vinte e um, e na Ilíada vinte e quatro, da criação do mundo,
segundo o número cômputo dos Hebreus, quatro vezes mil cento e oitenta e sete, do progênito do
Império Romano, no ano setenta e três, e na Libertação do Cativeiro da Babilônia, no ano mil
duzentos e sete, sendo governador da Judéia QUINTO SÉRGIO; sob regimento e Governador da
cidade de Jerusalém, Presidente Gratíssimo, PÔNCIO PILATOS; regente na Baixa Galiléia,
HERODES ANTIPAS; pontífice do sumo sacerdote CAIFÁS; magnos do Templo, ALIS ALMEL,
ROBAS ACASEL, FRANCHIMO CENTAURO; cônsules romanos da cidade de Jerusalém,
QUINTO CORNÉLIO SUBLIME e SIXTO RUSTO, no mês de março e dia XXV do ano presente –
Eu PÔNCIO PILATOS, aqui presidente do IMPÉRIO ROMANO, dentro do Palácio e arqui-
residência. Julgo, condeno e sentencio à morte JESUS, chamado pela plebe CRISTO NAZARENO
– e galileu da nação, homem sedioso, contra a lei mosaica – contrário ao grande Imperador
TIBÉRIO CÉSAR.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

249

Determino e ordeno por esta, que se lhe dê morte na cruz, sendo pregado com cravos como
todos os réus, porque congregando e ajuntando homens, ricos e pobres, não tem cessado de
promover tumultos por toda a Judéia, dizendo-se filho de DEUS e REI DE ISRAEL, ameaçando
com a ruína de Jerusalém e do Sacro Templo, negando o tributo a César, tendo ainda o atrevimento
de entrar com ramos e em triunfo, com grande parte da plebe, dentro da cidade de Jerusalém.
Que seja ligado e açoitado, e que seja vestido de púrpura e coroado com alguns espinhos, com a
própria cruz aos ombros para que sirva de exemplo a todos os malfeitores, e juntamente com ele,
sejam conduzidos dois ladrões homicidas; saindo logo pela porta sagrada, hoje ANTONIANA, e que
se conduza JESUS ao monte público da justiça, chamado CALVÁRIO, onde, crucificado e morto
ficará seu corpo na cruz, como espetáculo para todos os malfeitores, e que sobre a cruz se ponha em
diversas línguas, este título: IESUS NAZARENUS, REX JUDEOURUM (Jesus Nazareno, rei do
judeus). Mando também, que nenhuma pessoa de qualquer estado ou condição se atreva
temerariamente a impedir a justiça por mim mandada, administrada e executada com todo o rigor,
segundo os Decretos e Leis Romanas, sob a pena de rebelião contra o Império Romano.
Testemunhas da nossa sentença, pelas doze tribos de Israel: RABAIM, DANIEL, RABAIM,
JOAQUI, BANBASU, LARÈ PETUCULANI. Pelos fariseus: BULLIENIEL, SIMEÃO, RANOL,
BABBINE MANDOANO, CURFOSSI. Pelo Império Romano e pelo presidente de Roma: LUCIO
SEXTILO e AMANCIO CHILICIO. FINIS.
Se fosse Jesus executado pelo Sinédrio, só o seria no dia seguinte ao da sentença; o direito
mosaico mandava espaçar a condenação da execução. Pilatos, porém deu imediata execução à sua
sentença impedindo que o réu apelasse a Tibério César, como fez Paulo (Atos 25:11) Pilatos, pelo
direito comparado (execução da pena) com duas testemunhas falsas, (culpa jurídica) era o único dos
cinco juizes (Anás, Caifás, Sinédrio pleno, Herodes, Pilatos) que tanto podia condená-lo como
absolvê-lo.

Os principais erros jurídicos ocorridos neste processo foram:

1) julgamento noturno, contrário às leis hebraica e romana, não dando ao processo publicidade;
2) conflito de jurisdição: 4 juizes no mesmo processo;
3) falta de autoridade de Anás só, para interrogar Jesus, fora do Sinédrio;
4) Herodes, em Jerusalém, não tem jurisdição sobre Jesus - só na Galiléia;
5) testemunhas falsas, aliciadas pelos juizes.

Bibliografia: Os Grandes Julgamentos da História, Otto Pierre Editores.

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Capítulo 15

250

Vv. 16 a 19 – Jesus entregue aos soldados (Mt 27:27-31)

I
Ordenada a flagelação, foi o réu conduzido a um pátio interior, ficando entregue à soldadesca
rude e grosseira. Tratava-se de soldados romanos, que alimentavam desprezo pelos judeus, para eles
.raça inferior de bárbaros.; e quando podiam por as mãos numa vítima, davam vazão a seus baixos
instintos de sadismo. Com Jesus, deviam estar sendo flagelados os dois ladrões que com Ele foram
crucificados, pois, como vimos, era um prelúdio inevitável. Os evangelistas não falam no assunto
porque a flagelação era em local reservado, não sendo assistida pelo público.
Não vemos esclarecido se a lei mosaica foi obedecida: esta ordenava que a flagelação tivesse o
máximo de quarenta chicotadas nas costas nuas do condenado. Por segurança, o Talmud ordenava
que só fossem dadas trinta e nove, por segurança de alguma falha na contagem. Mas a. lei romana
não estabelecia limite de golpes. De qualquer forma, jamais batiam de modo a enfraquecer demais o
réu, a fim de que pudesse ainda reservar energias para a crucificação.
Após a flagelação, logo que cansados, passaram às zombarias. Ele se dissera .rei dos judeus..
Pois como tal o tratariam. Apanharam uma de suas capas vermelhas e puseram-Lha sobre os
ombros; outro teve a idéia de apanhar um caniço para colocá-lo na mão direita, à guisa de cetro; um
terceiro correu para fora colheu um ramo de acácia, entrelaçando-o à maneira de coroa, aplicando-a
à cabeça: estava Jesus ridiculamente paramentado como um rei de circo.
Desfilaram, então, diante Dele, genufletindo e saudando-O como costumavam ouvir que se fazia
o imperador: “Ave, Caesar Auguste”!, e eles diziam: “Salve, o rei dos judeus”! Depois, alguém teve
a idéia de tomar-lhe o caniço das mãos e com ele bater-lhe na cabeça, fazendo que os acúleos
penetrassem no couro cabeludo e na fronte. Outros ainda, com mais baixos instintos, cuspiam-Lhe
no rosto. Cena deprimente, reveladora do sadismo de gente bruta.
A coroa é dita, no original, de ákanta, que é o nome comum da Mimosa Nilótica. Sobre essa
planta, escreveu Teofrasto (História Plantarum): “O ákanto (ou acácia do Egito) tem esse nome
porque é todo coberto de espinhos (akantôdês) exceto no tronco; as próprias folhas são espinhosas”.
A madeira é leve e durável, tanto que se presta para a confecção de móveis. Em hebraico é
denominada sittáh (plural sittim), em latim, setim. Foi com a acácia que Moisés recebeu ordem de
construir o Tabernáculo (Êx. 25:10 e 37:1); os varais (Êx. 25:13); a mesa da proposição (Êx. 25:23)
e seus varais (Êx. 25:28); as diversas peças do Tabernáculo (Êx. 26:15) e suas travessas (Êx. 26:26)
o altar dos holocaustos (Êx. 27:1) e seus varais (Êx. 27:6).
A tradução comum “coroa de espinhos” é expressão vaga. De fato, ákanta em grego significa
também “espinho”, mas é o nome de uma árvore. Dizer “coroa de espinhos” dá a impressão de que a
coroa tivesse sido construída apenas com espinhos, quando na realidade, foi tecida com os ramos de
uma árvore espinhosa. E essa árvore, abundantíssima na região, era precisamente a acácia, que, por
ser muito espinhosa (akantôdês) era denominada popularmente de ákanta.
Mesmo nos momentos mais cruciais e dolorosos da Vida dos Mestres, sempre existe o
simbolismo com suas lições proveitosas para toda a humanidade. Vimos que Jesus não negara,
antes até, indiretamente confirmara que era “rei”, embora seu “reino não fosse deste mundo”;
tampouco, por conseguinte, seria um reino particular, com autoridade apenas sobre determinada
nação, mesmo que se tratasse do “povo escolhido”. Todavia, não tendo negado o adjunto dos
“judeus”, até mesmo escrito sobre o madeiro da cruz, deixou-nos o Mestre a porta aberta para
interpretar que, naquela romagem terrena, Ele estabelecera que “de fato e de direito” sua
autoridade se baseava nas Escolas Iniciáticas de Judaísmo (cfr. “a salvação vem dos judeus”, João
4:22). A universalização viria posteriormente, depois que os “empregados da vinha” tivessem
expulsado os enviados do Rei e tivessem assassinado seu filho (cfr. Mat. 21:33-43), quando então, a
vinda seria entregue a outros agricultores.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

251

Então, “de fato e de direito”, rei era Ele, porque atingira esse grau e, dentro de horas, subiria
a Seu trono em forma de cruz, de cima da qual poderia estender Seu olhar percuciente por sobre
toda a humanidade. E como as autoridades e os “grandes”, cheios de empáfia, O não queriam
aceitar, os humildes O reconheceriam e os desequilibrados, por causa da própria ignorância,
embora com sarcasmo, Lhe atribuíram o título. E assim, de vez que Sua autoridade inconteste não
foi reconhecida, com seriedade pelos doutos, eis que a ralé social o fez a título de zombaria.
E simbolicamente, como “varão das dores que experimentara as fraquezas” (Is. 53:3), Ele se
constituiu Rei dos sofredores e dos mendigos, isto é, de todos os que, tendo ingressado na Senda,
renunciaram a seu eu vaidoso, tomaram sua cruz e O seguiram, nada possuindo, embora cercados
de tudo, esquecidos de si mesmos para sacrificialmente ajudarem aos outros.
O manto escarlate ou púrpura, característica dos soldados, ou seja, dos homens que
empreendem a guerra sem tréguas a seu eu personalístico, e o símbolo do plano atrasado da
humanidade terrestre, que envolveu o puríssimo Espírito de Jesus com sua carne “opositora”
(satânica). Em Sua mão, o caniço (cfr. Mat. 12:20 não quebrara o caniço rachado”, também em
Isaías 42:3), símbolo da autoridade. E na cabeça a coroa de acácia, símbolo da soberania.
Já vimos, no primeiro comentário, a parte científica relativa à acácia, ou “mimosa nilótica”.
Restanos ver o simbolismo que essa planta representa desde a remota antiguidade, e que ainda hoje
conserva vivíssimo na Ordem Maçônica.
São quatro os principais significados atribuídos à acácia:
1.º - incorruptibilidade, em vista de sua madeira não ser atacada por nenhuma espécie de
insetos e, além disso, de não apodrecer com a umidade, nem mesmo quando diuturnamente
mergulhada na água. Alguns autores dizem que, por isso, foram encerrados os membros de Osíris
num caixão de acácia, lançado, depois, nas águas do Nilo.
2.º - imortalidade, deduzida de sua durabilidade excepcional, muito além de outras madeiras
comuns. Segundo Tiele (Histoire des Antiques Religions”, Paris, 1882), em certas procissões,
quatro sacerdotes egípcios levavam uma arca, donde saía um ramo de acácia, com a inscrição:
“Osiris ressuscitou”. Com efeito, também no episódio de Hiram, como no de Osíris, como no de
Jesus, a acácia exprime que a morte não é a destruição total, mas simplesmente uma renovação e
uma metamorfose.
Daí seu terceiro significado:
3.º - iniciação, pois a imortalidade é o apanágio dos adeptos e iniciados. Assim. no Antigo
Testamento, eram feitos de acácia a Arca da Aliança, o Altar dos Holocaustos, a Mesa dos Pães da
Proposição, etc. Talvez baseado nisso, F. Chapuis tenha afirmado que também a cruz de Jesus era
de acácia. Mas a razão e o bom senso repelem essa hipótese: nenhuma cruz especial foi
confeccionada para receber Jesus que, como réu comum, foi pendurado nas cruzes já existentes.
Ora, a madeira, utilizada era o pinho
De acácia, porém, era com certeza - pelo testemunho dos evangelistas - a coroa. Quando os
iniciados se levantavam (“ressurgiam”) do “caixão” ou “barco” de Osíris, feito de acácia,
proferiam a conhecida frase: “Estive no túmulo, triunfei da morte, ingressei na vida permanente”,
que era a vida espiritual do “'homem novo”.
4.º - inocência, por três motivos:
a) porque, em virtude dos espinhos, representa aqueles que se não deixam tocar por mãos
impuras, repelindo os ataques dos inimigos mal intencionados;
b) porque, sendo da família “mimosa” (como a nossa “sensitiva”), fecha as folhas ao ser
tocada;
c) e finalmente porque seu nome específico, em grego (“akakía) exprime a ausência de maldade
ou malícia (“a+kakía”), apresentando, essa palavra, em grego, o duplo sentido de “inocência” e de
acácia.(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 8)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

252

II
“E vestiram-no de púrpura, e tecendo uma coroa de espinhos,
lha puseram na cabeça.” (Mc 15:17)

Quase incrível o grau de invigilância da maioria dos discípulos do Evangelho, na atualidade,


ansiosos pela coroa dos triunfos mundanos. Desde longo tempo, as Igrejas do Cristianismo
deturpado se comprazem nos grandes espetáculos, através de enormes demonstrações de força
política. E forçoso é reconhecer que grande número das agremiações espiritistas cristãs ainda tão
recentes no mundo tende às mesmas inclinações.
Individualmente, os prosélitos pretendem o bem-estar, o caminho sem obstáculos, as
considerações honrosas do mundo, o respeito de todos, o fiel reconhecimento dos elevados
princípios que esposaram na vida, por parte dos estranhos. Quando essa bagagem de facilidades não
os bafeja no serviço edificante, sentem-se perseguidos, contrariados, desditosos.
Mas... e o Cristo? não bastaria o quadro da coroa de espinhos para atenuar-nos a inquietação?
Naturalmente que o Mestre trazia consigo a Coroa da Vida; entretanto, não quis perder a
oportunidade de revelar que a coroa da Terra ainda é de espinhos, de sofrimento e trabalho
incessante para os que desejem escalar a montanha da Ressurreição Divina.
Ao tempo em que o Senhor inaugurou a Boa Nova entre os homens, os romanos coroavam-se
de rosas; mas, legando-nos a sublime lição, Jesus dava-nos a entender que seus discípulos fiéis
deveriam contar com distintivos de outra natureza. (Emmanuel; Caminho, Verdade e Vida; 96 - A
Coroa)

III
Os exemplos de paciência e resignação que neste passo deu Jesus, devemos tê-los presentes
sempre ao nosso espírito. Não sejamos nunca dos que acusam e insultam, por mais que pareça
legítimo o direito que nos assista de assim proceder, porque, cegos que somos, podemos estar a
acusar e insultar a um inocente. A paciência e a doçura é o que nos cumpre opor aos que de nós
zombem ou escarneçam.
Fora inútil tentarmos demonstrar a cegos os princípios e as propriedades da luz. Perderíamos o
nosso tempo. Firmemo-nos na pureza das nossas intenções, na pureza da nossa consciência e dos
nossos atos e estejamos certos de ter sempre no Senhor um juiz imparcial e eqüânime. (Antônio Luiz
Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 179)

IV
E Jesus foi desamparado pelos poderes da terra, e entregue aos soldados romanos, os quais
fizeram cair sobre ele o desprezo que nutriam, pelo povo dominado. Mais uma vez Jesus
exemplifica os seus ensinamentos. Ele tinha ensinado que quem se humilha será exaltado. E
pacientemente sofre a humilhação, certo de que esses mesmos que o humilhavam haveriam de
glorificá-lo em futuras reencarnações, quando estivessem esclarecidos.
Quando a humanidade souber seguir este exemplo de Jesus, grande paz e felicidade reinarão
sóbre a terra, em todos os lares, em todos os corações. A vingança, essa paixão funesta, causadora de
infortúnios sem conta, não infelicitará a terra. E o ódio que faz com que se retribua o mal com o mal,
estará vencido. No lugar da vingança, haverá compreensão. Deixemos a Deus o cuidado de fazer
justiça. As reencarnações trans formarão as vítimas e os agressores em irmãos; e o ódio cederá o
lugar ao amor. As humilhações, as injustiças que sofrermos hoje, por parte de irmãos ainda não
esclarecidos espiritualmente, e imersos na ignorância, serão reparadas mais tarde. Demos tempo ao
tempo, que tudo se corrigirá, sem que haja necessidade de cometermos violências.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

253

A cruz se tornou o símbolo da redenção humana. Espiritualmente falando, todos nós temos
nossa cruz para carregar, através da existência. As provas e as expiações constituem a cruz bendita
de nosso aprimoramento moral. Se Jesus tivesse evitado a cruz de seu martírio, não teria legado à
humanidade o Código Divino; e sua obra, sem alicerces sólidos, teria caído no esquecimento. Do
mesmo modo, se não aceitarmos com resignação e coragem, paciência e mansidão, as dificuldades e
os sofrimentos que a vida nos reservar, nosso progresso espiritual não se efetuará, e perderemos
grande parte do resultado de nossas reencarnações. Lembremo-nos sempre de que não viemos à terra
para gozar, mas para burlar nosso espírito, mediante a cruz de provas e expiações que nos tocar.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 27)

V
Após mandar açoitar Jesus, talvez para despertar piedade na multidão e demovê-la da idéia de
matá-Lo, Pilatos O entregou aos soldados para que O crucificassem. Estes, então, O expuseram ao
deboche: vestiram-nO com um manto de púrpura (cor da realeza), puseram em Sua santa cabeça
uma coroa como a de um rei, porém de espinhos, e deram-Lhe um caniço, ou pedaço de madeira, à
guisa de cetro real. Você pode imaginar a dor que Jesus sentiu quando este pedaço de madeira foi
tirado de suas mãos e usado para bater-lhe na cabeça, aprofundando nela os espinhos! Também
cuspiram em Seu santo rosto (15:19). Os sacerdotes já haviam feito isso antes (ver 14:65).
Deveríamos nos lembrar de que cuspir em alguém, em qualquer tempo e cultura é considerado a
máxima humilhação que alguém pode sofrer (ver Núm. 12:14). Fica, então, a pergunta: "Quem
matou Jesus?" (os romanos ou os judeus?). Na verdade, nós O matamos. Os pecados7 da
humanidade como um todo O mataram. (Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica)

VI
Personalidade de Jesus no livro “Há dois mil anos...”

Desse clássico da literatura espírita, relacionaremos os seguintes registros de Emmanuel, que


mostram um perfil da personalidade de Jesus, quando relata o encontro de Públio com Ele em
Cafarnaum, às margens do lago de Tiberíades (A e B) e, em Jerusalém, no momento em que o
senador se aproximou do Mestre, supliciado, ao receber a pena do açoite na praça pública:
A – “Diante de seus olhos ansiosos, estacara persoanlidade inconfundível e única. Tratava-se de
um homem ainda moço, que deixava transparecer nos olhos, profundamente misericordiosos, uma
beleza suave e indefinível. Longos e sedosos cabelos molduravam-lhe o semblante compassivo,
como se fossem fios castanhos, levemente dourados por luz desconhecida. Sorriso divino, revelando
ao mesmo tempo bondade imensa e singular energia, irradiava de sua melancólica e majestosa figura
uma fascinação irresistível.” (p.85)
B – “(...) ele orava intensamente, obeservando que lágrimas copiosas lhe lavavam o rosto,
banhado então por uma claridade branda, evidenciando a sua beleza serena e indefinível
melancolia.” (p.88)
C – “Aquele rosto enérgico e meigo, em que os seus olhos haviam divisado uma auréola de luz
suave e misericordiosa, nas margens do Tiberíades, estava agora banhado de suor sangrento a
manar-lhe da fronte dilacerada pelos espinhos perfurantes, misturando-se de lágrimas dolorosas;
seus delicados traços fisionômicos pareceram invadidos de palidez angustiada e indescritível; os
cabelos caíam-lhe na mesma disposição encantadora sobre os ombros seminus e, todavia, estavam
agora desalinhados pela imposição da coroa ignominiosa; o corpo vacilava, trêmulo, a cada
vergastada mais forte, mas o olhar profundo saturava-se da mesma beleza inexprimível e misteriosa,
revelando amargurada e indefinível melancolia.” (p.142)

7
A expressão “pecado” deve ser compreendida como “imperfeição”, “atraso espiritual”.
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Capítulo 15

254

Vv. 20 e 21 – Simão, o Cirineu leva a cruz do Senhor (Mt 27:32; Lc 23:26)

I
Quando os sacerdotes judeus se certificaram de que Jesus estava entregue a eles, tiveram
ímpetos de alegria, lançaram ao ar gritos de vitória e levantaram um coro escarninho de impropérios
e zombarias, qual em geral ocorre quando uma pessoa de destaque perde sua posição e cai,
antipatizada e malquista, no desagrado do populacho.
Pelo costume romano, os condenados à crucificação seguiam nus até o lugar do suplício, pois a
essa altura os soldados já haviam distribuído entre si seus pertences. No entanto, Mateus e Marcos
concordam em afirmar que Jesus seguiu “com suas vestes”, segundo o hábito israelita de condenar a
nudez, embora não expliquem por que os soldados se comportaram dessa maneira.
O percurso do Pretório ao lugar da execução não era muito longo: de 500 a 600 metros. Todavia
era bem doloroso carregar aquele peso durante meio quilômetro, com os ombros já feridos. A
própria madeira era talhada a golpes de machado, irregular e cheia de arestas. No “Sudário de
Turim” (cfr. Pierre Barbet, “A Paixão de Cristo segundo o cirurgião”, Edições Loyola, S. Paulo,
1966) são vistos os coágulos formados no ombro esquerdo, das escaras produzidas pelo peso da
madeira, embora não se tratasse da cruz inteira, mas apenas da trave superior.
Esse travessão, com 2,30 a 2,60 metros de comprimento, pesava em média 50 quilos. Como era
arrastado pelo condenado, este suportava mais ou menos 30 a 40 quilos, o que não impedia, porém,
que a carne ficasse macerada nos ombros e omoplatas. Os termos latinos portare e bajulare e as
palavras gregas phérein e bastázein, no entanto, indicam mais .carregar. do que arrastar.
Ao observarem a fraqueza do condenado, os soldados temeram que não resistisse. E, como
conquistadores, gozavam do direito de requisitar qualquer pessoa para ajudá-los. Chamaram, então,
um homem que vinha do campo, talvez para o almoço e o repouso da sesta, e deram-lhe a
incumbência de carregar o travessão por trás (ópisthen) de Jesus; ou seja, não se tratava de segurar a
ponta de trás do travessão enquanto Jesus segurava a ponta da frente, mas de carregar sozinho,
caminhando atrás de Jesus. Jerônimo (Patrol) escreveu: “deve compreender-se que, ao sair do
Pretório, o próprio Jesus tenha carregado sua cruz; depois encontraram Simão, a quem impuseram a
cruz para ser carregada”. Normalmente os condenados carregavam o patíbulo entre os sarcasmos da
multidão. Antes de impor a cruz a Jesus, tiraram a capa e provavelmente a coroa de acácia, pois os
crucifixos, só a partir do séc. XIII representam Jesus com a coroa.
Nada sabemos de positivo quanto à forma da cruz de Jesus, se era em T ou se a haste vertical
superava a trave horizontal. O mais provável era a forma em T. O argumento da .inscrição., que leva
alguns a pensarem que possuía uma parte da haste acima da cabeça (crux immissa), não é suficiente
a decidir a respeito da forma da cruz, pois ao ser suspenso, o corpo arriava e ficava espaço suficiente
na parte superior para ser colocada a tabuleta.
A haste vertical permanecia fixa no local das execuções: era a stipes crucis (cfr. Cícero, Rabir.
11: in Campo Martio... “mandas levantar e plantar uma cruz no Campo de Marte para o suplício dos
cidadãos”). O travessão horizontal, chamado patibulum, e em grego staurós ou skólops, era levado
pelo condenado e colocado, depois que se pregava a vítima, no côncavo da haste vertical, ou stipis
furca, próprio para receber o patíbulum. A cruz inteira era também denominada xylon dídymon, ou
seja, “pau duplo”.
Apesar de suplício tipicamente romano, já era conhecida a crucificação entre os judeus, como
lemos em Josué (8:29): “suspendeu o rei deles no patíbulo até a tarde e o ocaso do sol. E Josué
ordenou e depuseram o cadáver dele da cruz”. A “invenção” desse suplício é atribuída aos persas.
Quanto a Simão, os três sinópticos coincidem nos dados: o nome Simão e a cidade de que era
natural, Cirene, no norte da África, para onde Ptolomeu Sóter (306-285 A.C.) atraíra mais de
100.000 judeus, outorgando-lhes numerosos privilégios.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

255

Os judeus de Cirene formavam colônia tão importante, que possuíam uma sinagoga própria em
Jerusalém (cfr. Atos, 6:9) onde se reuniam os que de lá haviam regressado à pátria e os que se
achavam de passagem.
Marcos anota que Simão era o pai de Alexandre e de Rufo, que deviam ser bem conhecidos na
comunidade cristã de Roma, para quem foi escrito seu Evangelho, e também são citados por Paulo
quando escreve aos romanos (cfr. Rom. 16:13).
As palavras de Jesus dirigidas às mulheres “filhas de Jerusalém” são privativas de Lucas, que
tem o hábito de salientar o papel das mulheres na vida de Jesus (cfr. Luc. 1:39, 56; 2:36-38; 7:11-15
e 47-50; 8:1-3; 10:38-42). Essas mulheres não eram as galiléias, mas moravam em Jerusalém.
Diz o Talmud (b. Sanhedrim, 43 a) que as mulheres da sociedade preparavam o vinho com
incenso (ou mirra) e o levavam aos condenados. Jesus dirige-lhes palavras de bondade, relembrando
sua previsão da destruição de Jerusalém (cfr. Luc. 21:20-24). E repete as palavras de Oseas (10:8). A
comparação entre a madeira úmida e a seca (cfr. 1.ª Pe. 4:17-18) refere-se a facilidade com que
queima a seca, enquanto a úmida arde com dificuldade.
Lucas também fala dos outros dois condenados que foram levados junto com Jesus, para que a
escolta fizesse de uma só vez as três execuções. Embora no Sanhedrim (6,4) esteja prescrito: .Não se
executem dois homens no mesmo dia., os romanos não possuíam em ruas leis nenhuma limitação, e
quase nunca realizavam uma só execução: as crucificações ascendiam, em alguns casos, a centenas.
Digno de meditação, ainda, o trabalho de Simão, o cireneu, que, por ser histórico, não perde
seu significado simbólico (...) e lição prática: a da ajuda e do serviço, que qualquer ser humano
deve prestar a seu semelhante, sobretudo nos momentos de maior necessidade e angústia. Não nos é
lícito deixar que cada um suporte sozinho o peso de sua cruz, quando nos seja possível dar um
auxílio efetivo, ainda que isso seja pesado para nós, - como o foi a Simão o ter de carregar, por
meio quilômetro, a trave horizontal da cruz de Jesus.
Outro ensinamento: se podemos e devemos ajudar a carregar a cruz dos semelhantes, não nos
cabe ser crucificados em seu lugar: nem os Mestres podem substituir-se a seus discípulos, embora
os auxiliem na caminhada, aliviando-os do peso excessivo que os esmagaria.
Dignas de nota as palavras de Jesus às mulheres “filhas de Jerusalém”, (...) Por que lamentar
a sorte de Jesus e de seu corpo, (...) Elas mesmas, sim, eram dignas de lamentação, bem como seus
filhos, em vista não apenas - como salientam os exegetas da próxima destruição de Jerusalém (40
anos depois), como sobretudo pelas reencarnações posteriores de todas elas, ainda tão atrasadas
evolutivamente (...). A citação das palavras de Oseas caracteriza o sofrimento que atingiria muitas
vezes as raias do desespero. E se a dor e os maus tratos eram insólitos e violentos em relação à
madeira úmida, isto é, um Homem permeado pelo Espírito divino, ungido (Christós) com o óleo
sacerdotal, embebido com a “água viva” da graça sublime em cada célula sua - o que não
ocorreria à madeira seca daqueles em que ainda não vibrava o Espírito (cfr. João, 7:39), aqueles
que só conheciam a matéria densa de seus corpos, julgando-os a única realidade de seus seres?
Para estes, perder o corpo era perder tudo, era acabar, era “finar-se”. Então, para eles, as
dores e torturas constituíam o último ato de suas existências, pois quando seus espíritos passassem
a viver no plano astral, nenhuma consciência mais teriam de sua identidade, mas permaneceriam
hebetados como que em estado de sonho. Só o contato com a matéria densa lhes poderia reviver a
consciência atual. O que explica o Grande número de espíritos perturbados que freqüentam as
sessões espíritas, e o que nem sequer sabem quem são, nem se lembram do que foram quando
encarnados. Madeira seca, simples palha, sujeita ao “fogo inextinguível” (cfr. Mat. 3:12 e Luc.
3:11) das múltiplas encarnações sucessivas e purificadoras, até que um dia cheguem a tomar-se
madeiras umidificadas e vivificadas pelo Espírito.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 8)

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Capítulo 15

256

II
“E constrangeram um certo Simão Cireneu, pai de Alexandre e de Rufo,
que por ali passava, vindo do campo, a que levasse a cruz. (Mc 15:21)

Muitos estudiosos do Cristianismo combatem as recordações da cruz, alegando que as


reminiscências do Calvário constituem indébita cultura de sofrimento. Asseveram negativa a
lembrança do Mestre, nas horas da crucificação, entre malfeitores vulgares.
Somos, porém, daqueles que preferem encarar todos os dias do Cristo por gloriosas jornadas e
todos os seus minutos por divinas parcelas de seu ministério sagrado, ante as necessidades da alma
humana. Cada hora da presença dele, entre as criaturas, reveste-se de beleza particular e o instante
do madeiro afrontoso está repleto de majestade simbólica.
Vários discípulos tecem comentários extensos, em derredor da cruz do Senhor, e costumam
examinar com particularidades teóricas os madeiros imaginários que trazem consigo.
Entretanto, somente haverá tomado a cruz de redenção que lhe compete aquele que já alcançou
o poder de negar a si mesmo, de modo a seguir nos passos do Divino Mestre.
Muita gente confunde disciplina com iluminação espiritual. Apenas depois de havermos
concordado com o jugo suave de Jesus-Cristo, podemos alçar aos ombros a cruz que nos dotará de
asas espirituais para a vida eterna.
Contra os argumentos, quase sempre ociosos, dos que ainda não compreenderam a sublimidade
da cruz, vejamos o exemplo do Cireneu, nos momentos culminantes do Salvador. A cruz do Cristo
foi a mais bela do mundo, no entanto, o homem que o ajuda não o faz por vontade própria, e, sim,
atendendo a requisição irresistível. E, ainda hoje, a maioria dos homens aceita as obrigações
inerentes ao próprio dever, porque a isso é constrangida.
(Emmanuel; Pão Nosso; 103 – Cruz e Disciplina)

III
Jesus, depois de haver sido objeto do escárnio, do ludíbrio e das jogralidades de todos, foi
manietado, para ser conduzido ao suplício. Pilatos o entregou aos Judeus que ansiavam por lhe dar a
morte. Mas, os soldados do Tetrarca eram os guardas do preso e os executores da sentença. Como
tais, vigiavam-no, a fim de que não fugisse, nem lhes fosse arrebatado.
Penosíssima foi a caminhada até ao lugar do sacrifício. Assim, porém, tinha que ser, a fim de
que Ele mostrasse aos homens até onde podem chegar a resignação e a paciência. Nem uma só
queixa, nenhum protesto lhe saíram dos lábios. (...) Jesus sofria, sofria muito no seu coração, pelo
endurecimento dos homens. Sofria, por ver que séculos e séculos teriam que passar, antes que o
batismo do espírito nos purificasse. Ele experimentava as angústias que dilaceram o coração da mãe
extremosa, que vê transviados, criminosos, seus filhos amados; que vê prestes a caírem sobre eles os
rigores da lei, as aflições e torturas que os esperam.
Ela não sofre, é certo, na sua carne, a devotada mãe; seus ossos não são despedaçados; mas,
todas as fibras do seu coração estalam dolorosamente; torturam-na a ansiedade, a aflição pelo futuro
dos seus bem-amados.
Sim, Jesus sofria e sofre ainda, no seu amor sem limites, quando nos vê endurecidos.
Suavizemos esse sofrimento, com o nosso amor e a nossa submissão.
Com o que disse às mulheres que o pranteavam e lamentavam, aludia figuradamente à
destruição de Jerusalém, assim como às calamidades, que a necessidade da depuração do nosso
planeta e da Humanidade terrena faz inevitáveis, calamidades que ocasionarão de futuro a destruição
da nossa Jerusalém moderna, do nosso mundo, a fim de que uma nova «cidade» e um templo
indestrutível sejam construídos.

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Capítulo 15

257

As locuções — lenho verde e lenho seco — eram proverbiais entre os Judeus, para designarem
os justos e os pecadores. Se daquela forma tratavam o justo, de que modo seriam tratados os
pecadores. Servindo-se de tais locuções, Jesus também o fez figuradamente, a fim de mostrar a sorte
reservada ao culpado que despreza o justo e a moral sublime que Ele personifica.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 180)

IV
Vejamos a lição moral que poderemos extrair do fato de obrigarem o homem de Cirene ajudar
Jesus. Ensina-nos este episódio que não estamos desamparados na face da terra. Se nos faltarem
amigos encarnados, jamais deixaremos de receber a assistência espiritual de nossos amigos
desencarnados. Por isso, por mais penosa que seja nossa situação, ou por mais abandonados que se
nos afigure estarmos, sempre há de aparecer uma mão amiga, que nos socorra em nossas
necessidades.
De nossa parte, lembremo-nos de que é um de nossos deveres de cristãos, auxiliarmos os que
passam por suas provas, e sofrem suas expiações. E quando observarmos os preceitos do Evangelho,
o peso de nossa cruz se tornará mais leve. Auxiliares preciosos que muito nos ajudarão carregar
nossas cruzes, são a obediência e a resignação à vontade divina. Jamais nos esqueçamos disso.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 27)

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Capítulo 15

258

Vv. 22 a 28 – A crucificação (Mt 27:33-38; Lc 23:33-43; Jo 19:17-27)

I
GÓLGOTA
Significa literalmente .lugar do crânio., em grego kraníon, em latim calva ou calvarium. O
aramaico, de fato, seria gólgoltha, e o hebraico gulgoleth, sempre com o sentido de crânio.
Orígenes seguido por Maimônides, diz que se tratava do local em que fora enterrado o crânio de
Adão. E nas cartas de Paula e Eustáquia a Marcela está escrito: “o lugar se chama calvario, isto é
porque aí está localizado o crânio do homem antigo, para que o segundo Adão, isto é, o sangue de
Cristo, gotejando da cruz, lavasse os pecados do primeiro Adão e do primeiro homem caído” (isto é,
Abel). Essa opinião foi aceita pelo pseudo-Atanásio, por Ambrósio, por João Crisóstomo, por
Epifânio e outros, pois a sepultura de Adão era tradicionalmente situada pelos Judeus no Hebron.
Entretanto Jerônimo põe as coisas em seu devido lugar: “a interpretação é favorável e agradável
ao ouvido do povo, mas não é verdadeira: são os lugares em que se cortam as cabeças dos
condenados, e tomou o nome de .caveiras., isto é, dos degolados”.
A tradição nada diz. E parece que todas essas interpretações são falhas, pois seria inadmissível
que o rico José de Arimatéia erguesse para si um túmulo na vizinhança do lugar das execuções. O
mais certo é que o nome se deva à conformação do solo: trata-se de uma protuberância rochosa, que
se eleva a uns 5 metros, dando a impressão do tampo de uma caveira.

LOCALIZAÇÃO
Situa-se no Gareb, a noroeste da 2.ª muralha, lugar que foi reconhecido por Helena, esposa de
Constantino, e onde se verificaram as profanações de Adriano, na época dos primeiros cristãos: a
tradição a respeito do local é antiquíssima e indiscutida. Recentes escavações no hotel russo de
Santa Alexandra e no templo protestante do Redentor comprovaram que ficava junto à 2.ª muralha,
mas fora da cidade (confirmando Mat. 27:32; Marc. 15:21; Luc. 23:21; João, 19:17; Hebr. 13:12 nas
proximidades de uma estrada pública (cfr. Mat. 27:39; Marc. 15:25 e João, 19:20).
A distância do pretório, em linha reta (a vol d.oieau) é de 600 metros, mas o percurso foi feito
dando voltas em ruas estreitas e apinhadas de povo por causa da páscoa. O percurso acompanha as
sinuosidades da Segunda muralha, fazendo 150m em descida (a cota da Torre Antonia é de 750m)
até o fundo do Vale do Tiropeu (cota de 710m) e o resto em subida até o Gólgota (cota de 755m).

BEBIDA AMARGA
Em Strack e Billerbeck encontramos a citação de Rab Chisda (+ 305): .A quem vai ao suplício
se dá pequeno pedaço de incenso com vinho, numa taça, a fim de embotar as sensações, como está
em Provérbios (31:6): Daí licores fortes a quem morre e vinho a quem tem a alma amargurada.
Em Jerusalém (cfr. Sanhedrim. 43 a) era tarefa de que as mulheres da sociedade se incumbiam;
mas quando não no podiam fazer, as mulheres do povo se encarregavam de preparar a beberagem.
Mateus diz que era .vinho misturado com bile. (cholé) ou fel, no sentido de coisa amarga, talvez
por influência do Salmo 66:22, onde os LXX escrevem exatamente cholé. Marcos escreveu .vinho
(temperado) com mirra., no original esmyrnisménon oínon (em latim, vinum myrrhatum). Parece
haver em Marcos maior precisão de termos, já que a mirra é um odorante amargo (que o Talmud
chama de incenso), com efeito anestesiante e ligeiramente anti-séptico. Jesus recusa essa bebida
(Marcos) ou apenas a prova (Mateus). Mais tarde, tomará o vinagre ou bebida acidulada (cfr. Mat.
27:48), em vista da sede, provocada pelo suor e pela perda de sangue.

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Capítulo 15

259

VESTES
Já vimos que Jesus fez o percurso do pretório ao Gólgota com suas vestes brancas. Mas como
terá sido crucificado? Lemos no Talmud (Sanhedrim 6, 3): “Quatro côvados antes de chegar ao lugar
do suplício, é despido. Se é homem, é coberto pela frente; se é mulher, é coberto pela frente e por
trás.”
Segundo o costume romano, os condenados eram crucificados inteiramente nus, e essa hipótese
é aceita por Ambrósio, Atanásio, Agostinho e grande maioria dos .pais. da igreja, assim como por
Suarez (cfr. Mysteria Vitae Christ), e pelo Papa Bento XIV.
No entanto, a prescrição talmúdica talvez justifique a tradição do pano que cobre as partes
sexuais de Jesus nos crucifixos: os soldados romanos devem Ter cedido aos costumes israelitas,
conforme afirma Fl. Josefo: “os romanos não coagem os (povos) submetidos a transgredir os direitos
pátrios”. Já tendo sido dado a Jesus um ajudante para carregar a cruz, e tendo sido permitida a oferta
da bebida anestesiante, é perfeitamente possível que acedessem a cobri-lo com um pano. No
sepulcro, porém, (ve-lo-emos) estava nu, conforme atesta a figura gravada no “Sudário de Turim”
(cfr. Dr. Pierre Barbet).
(1) O .Contra Appion., de 2,51 in fine, só existe in fine, só existe com o texto latino.
Já no grafitto, encontrado em 1857 no muro do Paedagogium, em Roma, (escola destinada aos
escravos do Palácio Imperial) e atualmente no Museu Kircher de Roma, está representado Jesus,
com cabeça de asno, numa cruz em T, e com o pano pendurado à barriga, e a inscrição: Alexámenos
sébete Theo (“Alexámenos adora seu deus”).

A CRUZ COMO SUPLÍCIO


Segundo Cícero era “o último e o maior suplício do escravo”, reservado a ladrões e malfeitores
declara “maldito o que é pendurado no lenho”, e Cícero escreve que .o próprio nome de cruz deve
estar ausente do corpo dos cidadãos romanos.. E declara: “é um ultraje encarcerar um cidadão
romano, um crime flagelá-lo, quase um parricídio matar; que direi suspender na cruz”?
Mas o costume em relação aos bárbaros era supliciar e depois crucificar: “que se segue depois?
flagelações e queimaduras, e aqueles últimos, para suplício dos condenados e medo dos outros,
tortura e cruz”. FIávio Josefo atesta: “tendo-os flagelado, crucificou-os”.
No entanto, a partir do drama do Gólgota, a cruz passou a ser “o sinal típico do Senhor” (Cfr.
Clemente de Alexandria).
Mas a cruz era sempre representada sozinha. A primeira vez em que aparece a figura do
crucificado sobre ela, é no grafitto que citamos assim mesmo em caricatura. Com seriedade, só
aparece a figura de Jesus sobre a cruz no século V: um na porta de madeira da igreja de Santa
Sabina, em Roma; e a outra em marfim, no British Museum, em Londres. Mas em ambos, Jesus está
vivo, de olhos abertos, e sem sinal de sofrimento no rosto, mas com o pano que cobre a região
genital. A cruz utilizada para Jesus era, provavelmente igual a todas as outras, de pinho. Não a
sublimis (de 4,5m de altura), mas a humilis (de 2,5m), pois as hastes já deviam estar todas fixadas
no local destinado às execuções, conforme o hábito romano.

ENCONTRO DA CRUZ
Conta a tradição, baseada na carta de Cirilo de Jerusalém ao imperador Constâncio e na
confirmação de Ambrósio e de Rufino que Helena, esposa do imperador Constantino, encontrou a
cruz de Jesus e reconheceu-a por causa da inscrição que lhe estava pregada. A dúvida é sugerida
porque Eusébio de Cesaréia, que narra todos os feitos de Helena, omite esse pormenor, do encontro
da cruz, que, no entanto, devia ser primordial em sua vida.

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Capítulo 15

260

CRUCIFICAÇÃO
Os crucificadores eram quatro normalmente (o tetrádion, citado em At. 12:4 e no vers. 23 de
João), número que constituía .uma escolta.. Mas sabemos (por Mateus 27:54, Marc. 15:39 e Luc.
23:47) que estava presente um centurião, talvez em virtude da importância religiosa e política do
condenado, que não era réu de crime comum. Essa escolta devia permanecer a postos até a morte da
vítima. O condenado era pregado pelos punhos (não pelas palmas das mãos) no patíbulo, que
posteriormente era suspenso e colocado acima da haste (donde ascendere in crucem e subire in
crucem). A seguir eram pregados os dois pés, um sobre o outro, com cravo (ou os dois
separadamente, cada um com seu cravo). Esse era o costume, conforme nos informam os autores
profanos (2).
(2) Firmicus Maternus diz: “pregado na cruz, patíbulo é suspenso”.
Os dois ladrões também foram pregados, segundo o costume, e não amarrados e suas cruzes
eram da mesma altura, iguais à de Jesus (cfr. João Crisóstomo). A tradição pictográfica estabelece
diferenças para fazer subressair Jesus e seu martírio (3).
(3) Os testemunhos de autores profanos são numerosos nesse sentido, como Plauto (Persa, 295):
“outros em breve te pregam na cruz”; Plauto: “darei um talento àquele que primeiro correr para a
cruz, mas com a condição de que sejam pregados os dois pés e os dois braços” (não .as duas mãos.).
O verbo mais usual era figere, adfígere ou suffigere, “pregar” ou “fixar”, como lemos em Sêneca
“cruci suffixus”; in cruce omnes suffixit Horácio e muitos outros autores.

FIXAÇÃO DAS MÃOS


Segundo os estudos do cirurgião Dr. Pierre Barbet . que, aproveitando-se do Laboratório de
Necropsia (“autópsia”) onde dava as aulas, realizou numerosas experiências de crucificação em
cadáveres recentes, a fim de aprofundar estudos - os cravos eram fixados na flexão do punho em
pleno carpo entre o semilunar, o piramidal e o grande osso imediatamente antes da interlínea de
Lisfranc, na parte posterior do 2.º espaço intermetatarsiano. Nesse ponto é moderada a efusão de
sangue ou seja, a hemorragia é de pouca importância, pois a rede circulatória é quase unicamente
venosa.
Uma vez metido o cravo, o polegar se dobra, opondo-se à palma da mão, em virtude da
contração dos músculos tenarianos. É atingido o tronco do nervo mediano, de grande sensibilidade,
mas ficam intactos os nervos do curto obdutor, do oponente e do curto flexor.

FIXAÇÃO DOS PÉS


Pelo estudo do sudário, o Dr. P. Barbet deduziu que realmente os pés de Jesus foram pregados o
esquerdo sobre o direito com um só cravo; e isso em vista das manchas sanguíneas deixadas no
pano; e ainda, que foram pregados diretamente na haste, e não no supedâneo.

SUPEDÂNEO
O supedâneo, pedaço de madeira que ficava sob os pés do crucificado, citado pela primeira vez
no 6.º século, por Gregório de Tours. Mas aparece no grafitto supracitado.

SEDILE
O sedile consistia num pedaço de madeira, fixada na haste, e que sustentava o condenado entre
as pernas, apoiando-se nele o períneo (donde a expressão equitare in cruce, .cavalgar na cruz.). Era
usual e indispensável, para evitar que o peso do corpo fizesse que os cravos rasgassem os tecidos.
Em Sêneca (Epist. Morales) lemos: sedere in cruce, .sentar-se na cruz, e em Justino temos: “E, no
meio, a estaca que é saliente, como chifre, sobre a qual se apoiam os crucificados”. A isso,
Tertuliano chamava sedilis excessus (Ad Marcionem).

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

261

A HORA
Marcos é o único que afirma Ter sido realizada a crucificação na terceira hora. Mas como pode
ter sido na terceira hora, se Jesus foi apresentado por Pilatos aos Judeus na sexta hora, isto é, por
volta do meio-dia?
Eusébio, Jerônimo, Pedro Alexandrino, Severo de Antióquia, Amônio e muitos outros moderno,
perguntam se não houve erro de copista, embora este tivesse que provir do original (o que é
possível), já que era fácil confundir o número 3 (representado pelo gamma, Γ) com o número 6
(representado pelo digama F). Uma simples falha do traço horizontal inferior teria transformado o 6
em 3.
No entanto, temos que levar em conta que a 3.ª hora ia de 9 às 12 horas, a 6.ª, de 12 às 15 h; e a
9.ª, das 15 às 18 h, e isso sem a precisão exata e cronométrica dos relógios modernos; eram relógios
solares ou cálculo visual da altitude do sol. Nada impede, pois, que tomemos as palavras de Marcos
lato sensu: apresentado a Pilatos cerca da 6.ª hora (por volta do meio-dia) seguiu logo após para o
Gólgota, a meio quilômetro, onde deve ter sido cravado na cruz entre, no máximo, 13 e 14 horas,
tendo parecido ao jovem Marcos (ou a Pedro) que ainda não finalizara a hora terceira.

DIVISÃO DAS VESTES


A roupa do condenado pertencia tradicionalmente aos carrascos, que ficavam com todos os
pertences desde quando a vítima seguia para o suplício. Mas como Jesus fora novamente recoberto
com suas vestes, só fizeram a distribuição depois de crucificá-lo. João especifica que eram quatro
(como vimos acima) e que cada um ficou com uma parte: o manto, o cinto, a camisa, as sandálias.
Todavia, como a túnica era inconsútil, não quiseram cortá-la: foi então sorteada (cfr. Salmo 19:23).
Também no Salmo 21:18 está escrito: .repartiram minhas vestes..

O TÍTULO
A palavra latina títulus foi transliterado para o grego títlos, em lugar ao legítimo epígraphê ou
mesmo o pínax. Embora em essência os evangelistas digam o mesmo, as palavras variam:
O REI DOS JUDEUS (Marcos)
ESTE É O REI DOS JUDEUS (Mateus e Lucas)
JESUS O NAZOREU, REI DOS JUDEUS (João).
A tabuleta, com o resumo da sentença, era carregada pelo próprio condenado.
Eusébio cita a carta dos cristãos de Lyon, onde narram o martírio de Áttalo, que também
carregou uma inscrição (pínax) com as palavras: hoútos estin Áttalos, ho christianos.
Conforme vimos, quando Helena encontrou a cruz de Jesus, identificou-a pela tabuleta que nela
estava pregada, e que ainda hoje se conserva na igreja de Jerusalém, em Roma. Devia ter mais ou
menos 65 x 20 cm, era pintada de branco com as letras, de 3 cm de altura, vermelhas. Em 1492 já
faltava o um da palavra Judaeorum; em 1564 não havia mais as palavras Jesus e Judacorum. Hoje
está reduzida a 23 x 13 cm, faltando muitos sinais: restam apenas alguns traços inferiores das letras
hebraicas; a palavra NAZARENOUS I (BASILEOS) do grego, sem o artigo, conforme é citado por
João, que nos conservou parece, a inscrição verdadeira do original; e NAZARENUS RE(X), do
latim. Todas as palavras estão escritas da direita para a esquerda, o que é evidente prova da
autenticidade da tabuleta encontrada por Helena, já que a um falsário jamais ocorreria escrever
errado. João cita NAZÔRAIOS, certo; na tabuinha está NAZARENOUS, errado. E na época
evangélica já ninguém mais se lembrava, havia séculos, da escrita boustrophêdón (uma unha em
cada direção alternadamente) e muito menos da primitiva maneira de grafar o grego da direita para a
esquerda, coisa que não ocorrera com o latim.
Portanto, quem escreveu a tabuleta devia ser um judeu, e grafou as línguas grega e latim à
maneira do hebraico.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

262

O clero irritou-se quando leu a inscrição, ou logo à saída de Jesus do Pretório, ou depois que foi
pregado na cruz. Não na aceitaram, porque Jesus não estava sendo crucificado porque era rei dos
judeus, mas porque se dissera tal. Pilatos, que preferira essa causa de condenação porque fora a que
o levara, a condenar o réu, para evitar que os judeus o denunciassem, respondeu secamente: o que
escrevi, escrevi.
(...) Facilidades são oferecidas a quem se dispõe a palmilhar esta senda duríssima e árdua,
para atingir tal altitude evolutiva: o vinho com mirra, ou seja, o embriagamento dos sentidos, o que
diminuirá o sofrimento. Os “grandes” rejeitam esses paliativos externos: têm, em si mesmos, a
capacidade e o mérito de criar condições próprias, a fim de ajudar a superação das dores. Vimo-lo
no revestimento da cristalização do ectoplasma. Mas isso, que constitui o pior sacrifício dos
Espíritos Superiores (a prisão num corpo de carne), apresenta-se como um dos maiores prazeres
para aqueles que se encontram no início da evolução, e que buscam avidamente a encarnação como
a satisfação mais perfeita e ampla de seus instintos ainda animalizados.
Se, para o Espírito evoluído, a permanência na cruz do corpo físico é sofrimento, para o
espírito apegado à matéria - única realidade para ele a estada na carne constitui a realização
máxima de seu sonho: aí pode sentir-se realizado, experimentando as sensações gozosas do
paladar, as emoções inebriantes do sexo, a alegria ilusória da posse, o prazer vaidoso do
intelectualismo, a glória da fama que incha, o aplauso das multidões que o enaltece, o gosto do
domínio que o ilude, enfim, a satisfação de todo o acerto que trouxe do reino animal, ainda
vivamente degustado em sua mente. Daí suportar heroicamente todas as dores, sofrimentos e
aleijões, contanto que permaneça nessa “cruz” (para ele “paraíso”) o maior tempo possível,
jamais conseguindo compreender plenamente o que ele chama de fenômeno insuportável de
abandonar a carne. E quando a isso coagido, busca regressar a ela o mais depressa que pode.
No entanto, para quem superou esses instintos, sobrepujando as sensações e dominando as
emoções, desprezando o intelectualismo balofo, porque já experimentou a superioridade
indescritível da intuição verdadeira, pois aprendeu a agir ligado diretamente à Fonte divina da
inspiração espiritual, essa crucificação se torna martírio atroz. Para estes, por isso, essa
crucificação é vantagem, porque tal martírio age em seu sentido etimológico de “testemunho” ou
de “comprovação” de suas qualidades, além de adaptar-se ao sentido vulgar de sofrimento
violento.
Passam pelo mundo incompreendidos pelas massas e por aqueles mesmos que se lhes ligam
afetivamente, constituindo seu lar e seu parentesco: para todos é o orgulhoso, o convencido, o
esquisito, o diferente, o egoísta, o insensível e talvez até mesmo o mau. Diante do modo de agir
“normal” para o mundo, ele se torna o estulto, o desequilibrado, o idiota, o que não entende. Sua
honestidade é falta de inteligência: sua indiferença às ofensas que recebe, é desfibramento; seu
perdão aos que lhe fazem mal e o caluniam, é o máximo de covardia: sua paz, que o faz fugir de
qualquer briga, é falta de personalidade; seu desejo de ajudar é intromissão que atrapalha; sua
dedicação total é reflexo de seu egoísmo; sua humildade amorosa que o faz realizar pessoalmente
todos os serviços e atribuições de empregados domésticos, para demonstrar seu amor, é prova de
baixeza de ânimo; seu amor por todos é o sinal evidente de que não ama a família; sua
generosidade é pródigo desperdício; sua firmeza em cumprir à risca seus menores e menos
importantes deveres, é inferioridade mental; sua responsabilidade nos mínimos atos representa sua
alma de escravo; e tudo isso demonstra no cômputo total, sua absoluta inferioridade e seu atraso.
Assim enumerados, esses comportamentos parecem constituir a descrição fria de teorias.
Quem, todavia, sente na carne, durante o dia e durante a noite, esses impactos, durante dias, meses
e anos seguidos, provenientes das pessoas que mais ama, vai torturando sua alma, e são frequentes
as vezes em que de seu coração parte a exclamação: “minha alma está triste até a morte ... Pai, se é
possível, afasta de mim esta taça ... todavia, não o que quero, mas o que tu queres” (Mat. 26:38-39;
Marc. 14:34-36; Luc. 22:42).
COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2
Capítulo 15

263

Trata-se, portanto, de uma crucificação que dura ANOS, e, por ser longa, nem por isso deixa
de ser dolorosa e difícil de suportar. Jesus, a Individualidade, reuniu numa cena de extrema
violência todas essas facetas, de forma que pudéssemos aprender, proporcionalmente, como agir
em nossa crucificação diuturna e, sem dúvida, menos violenta. Embora, em certas ocasiões, o que
sofre o Espírito “acordado” que vive na carne, é correspondentemente violento, pelas terríveis
humilhações e desafios: se é tão confiante no Pai, por que Este não o socorre e ajuda na hora?
As zombarias são totais e a Terra, para ele, se apresenta sem a menor dúvida, o “Lugar da
Caveira”, o local em que todos querem, de fato, assistir a sua derrota, sua queda, seu sumiço, sua
“caveira”, literalmente. Sua presença incomoda: é mister livrar-se dele.
E a razão principal de sua condenação, ou seja, a “sua culpa”, está marcada sobre sua
cabeça: é “o rei dos judeus”, isto é, um dos seres ou o ser mais elevado de sua raça, aquele que
possui todas as características morais, espirituais, psíquicas, intelectuais e até talvez mesmo físicas,
para servir de modelo e exemplo a todos, para ditar a orientação certa do rebanho, porque conhece
todo o caminho a perlustrar.
Rei! Rei que serve, coberta a cabeça com o véu da humildade e, na mão, qual cetro, os
instrumentos dos serviços mais humildes; rei vilipendiado e desprezado, pois todos os julgam com o
direito de zombar e de pisoteá-lo impunemente, “para maior glória de Deus”, porque ele não sabe
reagir: perdoa sempre! Pois, a atitude desse rei terá que ser sempre a que Jesus exemplificou:
“perdoai-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem”! É o adulto que sorri quando uma criança de
dois anos caçoa dele: que segue em frente amável, ao receber uma assuada de meninos levados;
que não se magoa se uma menininha lhe vira as costas quando ela se dirige amorosamente:
malcriações infantis são perdoadas, “porque não sabem o que fazem”. Assim terá que agir o
Evoluído em relação à massa involuída que o cerca, pois ele também “foi contado entre os
malfeitores”.
Rei dos judeus, dos religiosos, líder da religião devocional, perseguido exatamente pelo
sacerdócio, pretenso dono da religião, que jamais admite intromissões leigas em sua área de
serviço, permanecendo atentos a qualquer tentativa de invasão de seu território, para defendê-lo
com qualquer arma a seu alcance: do combate oral sério às acusações mentirosas, da calúnia à
ironia ferina, da perseguição oculta ao assassinato, que hoje em dia é disfarçado de muitas
maneiras, embora na antiguidade fosse claro: “matem todos, Deus escolherá os seus”, dizia célebre
inquisidor espanhol. A crucificação de nossos Espíritos num corpo humano, a longo prazo, constitui
experiência dolorosa, mas indispensável à evolução.
Quanto às três cruzes, já os primeiros Pais da igreja as comparavam às árvores do “paraíso
terrestre”: a árvore da ciência do bem e do mal e a árvore da vida, dizendo que eram três: a árvore
da vida no centro (Jesus), a árvore do bem de um lado (o “bom ladrão”) e a árvore do mal do outro
lado (o mau ladrão”). Mas, podemos dar um passo à frente, na simbologia. Assim como, na
passagem do reino animal para o reino hominal, a criatura provou da árvore do bem e do mal,
perdendo por isso o paraíso da irresponsabilidade animal e adquirindo o livre-arbítrio, assim
também na passagem do reino hominal para o reino dos céus a criatura experimentará (páthein) a
árvore da vida, adquirindo a VIDA IMANENTE, também chamada, mais geralmente, VIDA
ETERNA. É a árvore do centro, a Cruz de Jesus, que proporciona a Vida, e por isso Ele foi
classificado como “o Salvador” ou ainda o “Redentor”. Embora a interpretação desse fato tenha
sido deteriorada por ignorância da realidade; de qualquer modo esses atributos estão bem
aplicados. Não é, pois, Redentor no sentido de que sua paixão (páthein) tenha redimido por si só a
humanidade, mas sim no sentido de que foi o primeiro a conseguir passar, nesta Terra, de um
estágio a outro, abrindo o caminho (“eu sou o CAMINHO da Verdade e da Vida”, João 14:6 para
que todos pudessem segui-Lo, redimindo-se, também, cada um a si mesmo, porque, na estrada que
abriu, como batedor ou sapador, todos nós temos mais facilidade de seguir seus passos.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

264

Árvore da Vida, a Cruz de Jesus, que simboliza a cruz do corpo humano, que para nós constitui
o meio da redenção final, na estrada real da evolução.
E no topo dessa cruz está a inscrição que inspiradamente foi ordenada por Pilatos: o rei dos
judeus, o hierofante da raça sacerdotal de toda a humanidade. Quando todos atingirmos essa
graduação inequívoca, esse ápice evolutivo do gênero humano, teremos conquistado a redenção
final e estaremos “salvos”, pois não necessitaremos mais ser crucificados, através das
encarnações, no corpo de carne.
A tentativa do clero personalístico de inutilizar a frase de Pilatos fracassou, diante da vontade
inflexível daquele que, embora julgado titubeante e facilmente influenciável pelos mais fortes como
a biruta ao vento, no entanto bateu o pé e mandou mantê-la. Era impossível descer do pedestal de
sua autoridade, porque aí não foi o homem Pilatos que agiu, mas a autoridade máxima que
outorgada lhe fora pelo Alto.
A sugestão de que fosse escrito: “Ele disse que era rei dos judeus” alerta-nos ainda para um
fato muito importante, e Pilatos acertou em não aceitar. Não é o fato de alguém SE DIZER rei ou
hierofante, que lhe ratifica o posto: este só pode ser conferido por quem tenha autoridade de fazê-
lo, como foi o caso de Pilatos, legitimamente constituído como Governador, tendo recebido,
portanto, do Alto sua investidura civil e religiosa, já que era delegado do Imperador-Pontífice
Tibério César. Hoje, muita gente ostenta títulos e nomes geralmente arrevezados por iniciativa
própria, atribuídos a si por eles mesmos ou por amigos que se reúnem em sistema de elogios
mútuos, conferindo-se uns aos outros títulos bombásticos e honoríficos, sem qualquer autoridade.
São encontradiços vários “mestres”, alguns “sris”, outros “yogis” e mesmo “swamis”, além de
muitos “anandas”. Uma vez revestidos dessas insígnias verbais, inflam o peito vaidosamente e se
crêem grandes emissários das fraternidades (sempre orientais), esquecidos de que o pior vício que
afasta da Fonte é exatamente a vaidade que exalta a personagem. Colocam sobre seus próprios
ombros “missões” importantes e acreditam-se grandes seres, embora suas palavras e ações
(reveladoras dos mais íntimos pensamentos) contradigam frontalmente o que pretendem aparentar.
Jesus jamais atribuiu a si mesmo qualquer título. Antes, recusou o atributo de BOM, afirmando
ser bom apenas o Pai, e negou ser MESTRE, ensinando que só o Cristo devia ser tido como Mestre
(Mat. 23:10). Por que Lhe não seguirmos as pegadas? Por que não anularmos nosso eu
personalístico e vaidoso, convencendo-nos de que, se estamos encarnados neste planeta, isto
significa que somos apenas espíritos devedores, ainda carregados de carmas negativos, que
precisamos expurgar, para podermos ser merecedores de receber qualquer missão? Deixemos de
lado os títulos e nomes exóticos, e sejamos discípulos humildes e verdadeiros, enquanto estamos
crucificados nesta carne transitória, pois “a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus”
(1.ª Cor. 15:50): só o Espírito o vive.
Por que pois pretender salientar a personagem terrena (carne e sangue) (...), que nada valem,
mas ao contrário prejudicam, porque alimentam a vaidade íntima? Vivamos de forma a poder dizer,
no fim de nossa romaria terrena: “somos servos inúteis, cumprimos nosso dever” (Luc. 17:10).
Aproveitemos a crucificação sem reclamar, como a soube aproveitar o “bom ladrão”, que se
limitou humildemente a solicitar auxilio. E não nos preocupemos se nossas vestimentas forem
divididas e sobre elas lançadas sortes, ficando nós nus: que é a roupa para o corpo? Assim também,
que é o corpo, veste do Espírito, em relação a este? Que nos maltratem, nos firam e nos matem o
corpo: o Espírito permanecerá vivo e progredirá; temamos os que podem matar o Espírito, não os
que só atingem o corpo físico e a personagem terrena (cfr. Mat. 10:28); e tudo o que nos seja
arrancado - objetos, propriedades, amigos, parentes e até o corpo - constituem apenas agregações
temporárias que poderão ser reconquistadas todas pelo Espírito eterno. Aproveitemos a
crucificação na Terra, para aprender a renúncia a tudo o que é externo, só valorizando o Espírito.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 8)

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Capítulo 15

265

II
Vimos como foi Jesus conduzido ao suplício. Chegado ao Gólgota, que quer dizer lugar do
Calvário, ficou submetido às leis que então regulavam as execuções pela crucificação. Sua boca não
se abre para proferir o mais ligeiro murmúrio. Nele imperam a calma e a dignidade.
É que lhe cumpria dar aos homens, até ao derradeiro instante, exemplos de moderação, de
submissão às leis, por mais iníquas que pareçam, de respeito aos seus executores, por mais ínfimos
que sejam os agentes destes. A verdade, porém, tinha que se fazer ouvida e brilhar no alto da cruz,
onde fora pregado o Rei dos Judeus, o rei da Terra, pois que procede dos céus.
Ele é o rei dos habitantes da Terra, porqüanto o seu reino não é deste mundo e não pode, de
forma alguma, fazer sombra aos reis de tão impuro orbe.
Cumpria-lhe dar o exemplo da misericórdia e do perdão aos insultadores e algozes que a
ignorância e as más paixões desvairaram. Quando o crucificam, profere palavras destinadas a abrir,
no presente e no futuro, como abriram no passado, as sendas do progresso moral:
Pai, perdoa-lhes que eles, não sabem o que fazem.
Foram os Judeus que, por vontade própria, o crucificaram; mas, o ato material foram os
Romanos que o executaram. Os soldados romanos, que tinham o encargo de executar a sentença
proferida, foram apenas instrumentos passivos da sua execução. É o que claramente se deduz dos
versículos 18 ao 32 do capítulo 19º do Evangelho de João.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 181)

III
Vv. 22 a 25 - A cruz era um suplício romano, reservado aos escravos e aos casos em que se
queria agravar a morte com a ignomínia. Aplicando-a a Jesus, tratavam-no como um salteador, um
bandido, ou um desses inimigos de baixa condição, aos quais os romanos não concediam a honra de
morrerem pelo gládio.
Gólgota era um local fora de Jerusalém, porém perto das muralhas da cidade. A palavra gólgota
significa caveira, e parece que corresponde à nossa palavra descalvado; designava, provavelmente,
um outeiro nu, tendo a forma de um crânio. Não se sabe com exatidão onde fica hoje esse local.
Com certeza era ao norte ou ao nordeste da cidade, na alta planície desigual que se estende entre as
muralhas e os dois vales do Cedron e do Hinon, região sem atrativos e triste.
Os próprios condenados tinham de levar o instrumento de seu suplício, a cruz. Segundo o
costume israelita, quando chegavam ao local da execução, ofereciam aos padecentes um vinho
muito forte e aromatizado. Esse vinho embebedava imediatamente, e por um sentimento de piedade
era dado aos condenados para atordoá-los. Parece que, habitualmente, as mulheres caridosas de
Jerusalém traziam aos infelizes condenados esse vinho da última hora; quando nenhuma delas vinha,
mandavam comprá-lo. Jesus apenas provou-o, e não quis bebê-lo.
A cruz se compunha de duas vigas ligadas em forma de T; era baixa, tanto que os pés dos
condenados quase tocavam a terra; começavam por erguê-la; depois pregavam nela o condenado,
atravessando-lhe as mãos com pregos; freqüentemente pregavam também os pés; e outras vezes
amarravam-nos com cordas. Um pedaço de madeira, como suporte, era pregado na haste da cruz,
mais ou menos no meio, e passava entre as pernas do condenado, sobre o qual ele se apoiava. Sem
isto as mãos se rasgariam, e o corpo cairia. Outras vezes deixavam um pedaço de tábua horizontal na
altura dos pés do condenado, no qual ele se sustinha.
O principal horror do suplício da cruz consistia em que o condenado podia viver neste horrível
estado três ou quatro dias, no escabelo da dor. A hemorragia das mãos cessava logo e não era
mortal. A verdadeira causa da morte era a posição antinatural do corpo, a qual causava uma
perturbação atroz na circulação do sangue, fortes dores de cabeça e do coração, e por fim a rigidez
dos membros.

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Capítulo 15

266

Os crucificados de forte compleição chegavam a morrer de fome, O fito principal deste cruel
suplício não era de matar diretamente o condenado por meio de lesões determinadas, mas de expor o
escravo à execração pública, pregado pelas mãos de que ele não soubera fazer bom uso, e de deixá-
lo apodrecer na cruz. (Renan - Vida de Jesus).
As roupas dos condenados pertenciam aos soldados, encarregados de executá-los. E quando não
chegavam a um acordo sobre a partilha, recorriam ao jogo de dados.
Depois do sacrifício de Jesus, o caminho do Gólgota passou a simbolizar o período de lutas e de
sofrimentos suportados pelo espírito para sua completa purificação. E o Gólgota, o ponto supremo
do sacrifício no qual a alma se emancipa da matéria.
A mistura que Jesus provou é o símbolo do amargor da vida terrena experimentado por todos os
espíritos encarnados que se entregam à árdua tarefa de seu aperfeiçoamento moral.

Vv. 26 - Mal sabiam que a irônica sentença que tinham pregado no topo da cruz do Senhor, era
a expressão de uma verdade profunda, que o tempo, dia a dia, mais demonstra. Sim, Jesus era rei;
não somente rei dos judeus, mas de toda a humanidade. À medida que a humanidade progride, mais
cresce entre os homens a realeza de Jesus, realeza inteiramente espiritual.
Quando o Mestre na luminosa paisagem da Galiléia transmitia seus ensinamentos aos seus
discípulos e ao povo humilde que o escutava, era na verdade a lei divina, que compete aos homens
observar, o que Jesus lhes ditava. Quem poderia supor que aquelas palavras que a brisa levava, eram
eternas? Quem poderia supor que ali nas margens do lago de Genezareth, cercado de pescadores,
estava o Governador Espiritual da terra, legando aos homens, em seu Sermão da Montanha, as
verdadeiras leis, únicas que tornarão o mundo feliz? E reis e imperadores terrenos não se curvaram
ante os suaves ensinamentos de Jesus? Era pois bem verdade que Jesus era rei, embora sua realeza
não fosse deste mundo.

vv. 27 e 28 - Jesus finaliza aqui o seu exemplo de humildade e de amor aos simples, aos
pequeninos, aos pecadores e aos transviados. Nasce na manjedoura entre rústicos pastores; escolhe
seus discípulos entre rudes pescadores, e desencarna na cruz, junto de malfeitores. Através de todo o
Evangelho, vemos o Mestre dando mão amiga aos que caíram.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 27)

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Capítulo 15

267

Vv. 29 a 32 – Zombarias (Mt 27:39-44; Lc 23:35-38)

I
O verbo blasphêmein tem dois sentidos básicas: o primeiro, mais popular, e “injuriar” ou
“insultar”, referindo-se a qualquer pessoa; o segundo, mais técnico, significa .falar profanamente das
coisas iniciáticas., ou proferir injúrias contra a Divindade ou as coisas sagradas., tendo sido, neste
caso, transliterado para o português .blasfemar.; usado, também nesse sentido por autores profanos
(Demóstenes, Platão), na versão dos LXX (Ezequiel, 35:12; Daniel 3:29 ou 96; 2.º Macabeus, 10:4 e
34) e no Novo Testamenho (Mat. 9:3; 12:31; Marc. 3:29; 1.ª Cor. 10:30; Ef. 4:31).
As expressões .menear a cabeça. (kinoúntes tés kephalês, Mateus e Marcos) e .torcer o nariz.
(exemykterizôn, de myktêr, Lucas) se equivalem, como sinais de desaprovação, subentendendo ao
mesmo tempo, certo desprezo.
As palavras acompanham os gestos. Desafiam que desça da cruz, pois é isso que significa
.salve-se a si mesmo.. E volta o argumento da destruição do santuário (naós) e de sua reconstrução
(oikodomôn) em três dias, com aquela repetição dos mesmos argumentos, típica dos desequilibrados
mentais com monoideísmo, que se apegam a um só ponto, porque incapazes de raciocinar.
A libertação, ou descida da cruz, para eles seria uma prova de que o Pai o amava (thélei,
literalmente .quer., no sentido de .querer bem., que corresponde ao hebraico hafaz; a frase é tirada
do Salmo 22;8, que transcreveremos mais adiante na íntegra).
Diz Lucas que os soldados ofereceram a Jesus .vinagre., ou seja, a conhecida bebida acre, que
utilizavam para dessedentar-se. Consistia em vinagre misturado com água, contendo, às vezes, ovos
batidos (cfr. Plauto).
O aceno de Lucas à inscrição sobre a cruz serve, apenas, como complementação de passagem à
descrição da cena, não se demorando o evangelista nesse pormenor.
Mateus e Marcos afirmam que os dois salteadores participaram do coro das zombarias; no
entanto, Lucas narra um episódio inédito e que impressiona (cfr. Agostinho).
Um dos salteadores, a quem a tradição atribui o nome de DIMAS, repreende o companheiro
severamente, e, dirigindo-se a Jesus profere uma frase reveladora de correto conhecimento
espiritual. Não solicita que o liberte do suplício, nem que o faça viver, mas apenas que .se lembre
dele, quando estiver em seu reino..
Jesus responde literalmente: .Em verdade te digo (amên soi légô) hoje mesmo (sêmeron) estarás
comigo (met'emou ésêi) no paraíso (en tôi paradeísôi)..
A palavra PARAÍSO, transcrição do persa pairi-daêza), é encontrada várias vezes no Antigo
Testamento, com o sentido de .jardim plantado., de .bosque. ou .pomar. amenos, mas sempre no solo
da Terra. e não flutuando entre as nuvens. Foi a tradução encontrada pelos LXX para a palavra
hebraica eden raiz que significa .prazer, delícia, deleite, gozo (também sexual).
No Gênesis (2:8, 9, 10, 15, 16 e 3:1, 2, 3, 8, 10, 23 e 24) foi empregada para designar, segundo
a versão esotérica, o local onde Deus colocou Adão. No sentido esotérico expressa o estado da alma
(psychê) dos animais que, ainda não discernindo entre bem e mal, vivem no prazer permanente do
hoje, gozando a vida sem ontem e sem amanhã, deleitando-se no instante do agora.
Em outros passos no Antigo Testamento encontramos o termo parádeisos como local físico de
deleite ameno: .uma carta para Asaph, guarda do BOSQUE (paradeisou)., (Neh. 2:8); .Fiz para mim
jardins (kêpous) e QUINTAIS (paradeísous) e neles plantei árvores frutíferas de todas as espécies.
(Ecl. 2:5) .Os teus renovos são um pomar (parádeisos) de romãs com frutos preciosos. (Cânt. 4:13).

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Capítulo 15

268

Há ainda os que apenas designam .jardim. como lugar de repouso e prazer ameno: .E eu saí
como um canal do rio e como um aqueduto para um jardim (parádeison). (Ecli. 24:30 nos LXX,
24:41 na Vulgata); .A graça como um jardim (parádeisos) em bênçãos. (Ecli. 40:17); .Nasceste nas
delícias do jardim de Deus (en têi tryphêi toú paradeísou toú theoú egenêthês). (Ezeq. 28:13).
Comparando a Assíria a um cedro do Líbano, o profeta Ezequiel (31:8-9) assim se exprime: “Os
cedros no JARDIM DE DEUS (paradeísôi toú theoú) não o podiam esconder; os ciprestes não eram
como seus ramos e os plátanos não eram como seus galhos; nenhuma árvore no JARDIM DE DEUS
se assemelhava a ele em sua beleza, pela multidão de seus ramos e o invejavam as árvores do
JARDIM (paradeísou) das delícias de Deus”.
No Novo Testamento, além deste passo de Lucas, há dois outros que empregam essa palavra: 2.ª
Cor. 12:4 diz: .E conheço esse homem (se no corpo, se fora do corpo, não sei: Deus sabe) que foi
arrebatado ao JARDIM (eis tòn parádeison) e ouviu palavras impronunciáveis, que não é lícito o
homem falar.. E Apoc, 2:7 onde lemos: .Ao vencedor dar-lhe-ei de comer da árvore da vida, que está
no JARDIM (en tôi paradeísôi) de Deus..
Agostinho interpreta sempre como o “céu”, no sentido católico. Mas outros compreendem como
o eden do Gênesis, o vulgarmente chamado “paraíso terrestre”, como Cirilo de Jerusalém, João
Crisóstomo, Teofilacto e Eutímio.
Segundo Henoch (60:8, 23 e 61:12) não se trata de .céu., mas de Hades. Entretanto, temos que
interpretar o verdadeiro .paraíso. segundo o dizer de Ambrósio: “Com efeito, a vida é estar com
Cristo; por isso, onde está Cristo, aí está a vida, aí o reino”.
O trecho ensina-nos meridiana lição do modo como o mundo considera e trata os Emissários
do Bem, com suas zombarias e desafios, para que saia das dificuldades, como se os evoluídos se
comprazessem, qual os involuídos em facilidades e prazeres físicos e ausência de dores. Mal sabem
que a dor é exatamente a porta por onde se alcança o cume da montanha, na árdua e íngreme
subida evolutiva.
Como em seu espírito de serviço os medianeiros levam a cura aos corpos enfermos dos outros,
julgase que possuem os mesmos poderes em relação a si mesmos, esquecidos, ou ignorando, que,
sendo criaturas devedoras à Lei do Carma, também eles “precisam” expugar os pesados fluidos
que agregaram a si em vidas pretéritas ou na mesma vida atual.
Esse, evidentemente, não era o caso de Jesus, que se situa em outra faixa, como também o de
outros seres elevados: a dor, nessa ambiência superior, é a escalada de mais um degrau evolutivo,
o que se não consegue sem esforço doloroso: toda iniciação em nova estrada requer readaptação,
exigindo sacrifício que inclui, por vezes, violência, não só espiritual como física.
Tudo isso é inconcebível para o vulgo em atraso, que julga bem e felicidade somente o que se
relaciona com o corpo denso e o astral inferior (saúde, conforto, sensações de prazer, emoções
felizes). O essencial é saber receber com resignação, sendo com alegria, aquilo que nos chega com
vistas à nossa ascensão. Não importa se se trata quer de soldados broncos, quer de sacerdotes
cultos: vale o estágio espiritual em que se encontra a individualidade, não o grau cultural
conquistado pela personagem transitória.
E a prova disso é que um dos salteadores, crucificado com Jesus, percebeu o alcance do que se
passava, e pede que “Jesus se lembre dele quando estiver em seu reino”.
Alguns intérpretes supõem tratar-se do “céu” católico, da “bem-aventurança eterna”, como
dizem. O absurdo é palpável, quando sabemos que o próprio Jesus não subiu a esse “céu” nesse
mesmo dia, mas ao invés desceu ao “Hades”, e só quarenta e dois dias depois disse aos discípulos
que “subiria ao Pai”. Isso se entendermos “subir ao Pai” no sentido católico, o que não
corresponde, nem isso, à realidade dos fatos.
Como entender, então, esse pedido, falando em “reino”, quando o salteador via Jesus a
estertorar numa cruz a seu lado, um simples carpinteiro humilde?

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

269

Não podia, pois, tratar-se de reino material, na Terra. Será que ele teve, naquela hora, a
revelação interna do que se passava? Será que já ouvira de Jesus alguma explicação aos discípulos
a esse respeito? Ou será que nesse passo de Lucas encontramos, na realidade, um simbolismo
profundo, ocultado sob a aparência de um fato?
Inegavelmente, o conhecido como o “bom ladrão” dá-nos maravilhosa lição a respeito da
prece sincera, que provém do âmago do coração nos momentos mais dolorosos de nossa jornada,
enquanto estamos crucificados na carne. Embora em dores atrozes, causadas pela necessidade de
purificar-nos de nossos sérios débitos do passado, tenhamos a certeza de que, a nosso lado,
crucificado conosco, porque, habitando dentro de nós, está o Cristo, que ouvirá e atenderá nossa
prece, se realmente for a expressão de nossos sentimentos íntimos.
No entanto, se nossa atitude for de rebeldia, como a do que chamamos “mau ladrão”, que nos
adiantará estarmos crucificados com o Cristo, ao lado de Jesus? Qualquer revolta íntima
dissintoniza com o Cristo interno, e nossa dor se multiplicará, já que em nós mesmos não
alimentamos qualquer esperança.
Aí temos, portanto, duas lições: a da prece e a da resignação, humildemente reconhecendo que
merecemos o que estamos recebendo”.
A promessa de Jesus também requer meditação.
Segundo sabemos, cada um recebe segundo suas obras (cfr, vol. 5). Ora, a vida do “bom
ladrão” não havia transcorrido com ações positivas, pois ele mesmo reconhece: “recebemos o
merecido do que fizemos”. Logo, teria sido clamorosa injustiça, sua liberação total naquele
momento. Mais: é-nos dito que “todos chegaremos à medida da evolução do Cristo” (Ef. 4:32).
Ora, por sua vida na matéria, o “bom ladrão” não havia alcançado essa evolução crística. Logo,
não possuía gabarito para obter a liberação total.
Concluímos, pois, que não há possibilidade de entender-se a frase de Jesus como prova de
obtenção “nesse dia” (“hoje”) da “bem-aventurança celeste”, antes de o próprio Mestre a ter
conseguido.
Que há de verdadeiro na frase?
Se bem entendemos a doutrina longamente exposta nos Evangelhos, a finalidade primordial da
encarnação da criatura humana é a obtenção da felicidade suprema do Encontro com o Cristo
Interno, por meio do MERGULHO no imo do coração, o que - quando permanente - constitui a
liberação total. Mas, muitas vezes experimentamos esse Encontro sublime em átimos de segundo,
quer conscientemente, quer inconscientemente. É natural e inconsciente, por exemplo, no gozo
inigualável do milionésimo de segundo do orgasmo sexual - pois só unificados com o Cristo Interno,
temos a capacidade de tornar-nos “criadores”, à semelhança da ação criadora divina -. Daí ser tão
forte esse impulso, que leva a humanidade a superar todos os percalços e sofrimentos da gestação e
o trabalho da manutenção e educação dos filhos. E esse prazer foi concedido aos seres humanos
para que fossem experimentando aos poucos a satisfação dessa felicidade total, as opiniões de
Teilhard de Chardin e de Paul Brunton).
Ora, o Encontro com o Cristo Interno faz que a criatura passe a conscientizar-se (“que entre”)
no “reino celeste”, abandonando, por instantes, o reino hominal terreno. Isso, sem dúvida, está
dentro de toda lógica, e pode compreender-se racionalmente; portanto, a promessa podia ser feita e
cumprida: hoje mesmo estarás comigo (terás um Encontro comigo, diz O Cristo) no jardim
delicioso que supera e anula as dores e dá a satisfação da felicidade, apesar de todo o sofrimento.
E talvez, com esse sofrimento da crucificação, Dimas também haja dado seu primeiro passo na
senda iniciática, tendo abertas diante de si as portas que conduzem à plenificação da Paz Interior.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 8)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

270

II
“Salva-te a ti mesmo e desce da cruz.” (Mc 15:30)

Esse grito de ironia dos homens maliciosos continua vibrando através dos séculos.
A criatura humana não podia compreender o sacrifício do Salvador. A Terra apenas conhecia
vencedores que chegavam brandindo armas, cobertos de glórias sanguinolentas, heróis da destruição
e da morte, a caminho de altares e monumentos de pedra.
Aquele Messias, porém, distanciara-se do padrão habitual. Para conquistar, dava de si mesmo; a
fim de possuir, nada pretendia dos homens para si próprio; no propósito de enriquecer a vida,
entregava-se à morte.
Em vista disso, não faltaram os escarnecedores no momento extremo, interpelando o Divino
Triunfador, com mordaz expressão.
Nesse testemunho, ensinou-nos o Mestre que, ao nos salvarmos, no campo da maldade e da
ignorância ouviremos o grito da malícia geral, nas mesmas circunstâncias.
Se nos demoramos colados à ilusão do destaque, se somos trabalhadores exclusivamente
interessados em nosso engrandecimento temporário na esfera carnal, com esquecimento das
necessidades alheias, há sempre muita gente que nos considera privilegiados e vitoriosos; se
ponderamos, no entanto, as nossas responsabilidades graves no mundo, chama-nos loucos e, quando
nos surpreende em experiências culminantes, revestidas da dor sagrada que nos arrebata a esferas
sublimes, passa junto de nós exibindo gestos irônicos e, recordando os altos princípios esposados
por nossa vida, exclama, desdenhosa: — “Salva-te a ti mesmo e desce da cruz.”
(Emmanuel; Caminho, Verdade e Vida; 94 - Ao Salva-nos)

III
“O Cristo, o Rei de Israel, desça agora da cruz, para que o vejamos e acreditemos.” (Mc 15:32)

Por isso que são muito raros os homens habilitados à verdadeira compreensão da crença pura
em seus valores essenciais, encontramos os que injuriaram o Cristo para confirmá-lo.
A mentalidade milagreira sempre nadou na superfície dos sentidos, sem atingir a zona do
espírito eterno, e, se não alcança os fins menos dignos aos quais se dirige, descamba para os desafios
mordazes.
E, no caso do Mestre, as observações não partem somente do populacho. Assevera Marcos que
os principais dos sacerdotes com os escribas partilhavam dos movimentos insultuosos, como a dizer
que intelectualismo não traduz elevação espiritual.
Os manifestantes conservavam-se surdos para a Boa Nova do Reino, cegos para a contemplação
dos benefícios recebidos, insensíveis ao toque do amor que Jesus endereçara aos corações.
Pretendiam apenas um espetáculo.
Descesse o Cristo da Cruz, num passe de mágica, e todos os problemas de crença inferior
estariam resolvidos.
O divino interpelado, contudo, não lhes deu outra resposta, além do silêncio, dando-lhes a
entender a magnitude de seu gesto inacessível ao propósito infantil dos inquiridores.
Se és discípulo sincero do Evangelho, não te esqueças de que, ainda hoje, a situação não é muito
diversa.
Trabalha, ponderadamente, no serviço da fé.
Une-te ao Senhor, dá quanto puderes em nome dEle e prossegue servindo na extensão do bem,
convicto de que o vasto mundo inferior apenas te pedirá maliciosamente distrações e sinais.
(Emmanuel; Pão Nosso; 131 - O Mundo e a Crença)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

271

IV
Estes versículos nos mostram ainda a ingratidão e a loucura dos homens, sempre prontos a
insultar aqueles a quem mais deviam respeitar. Encerram também um aviso aos insultadores e
incrédulos de hoje, que rejeitam a revelação espírita e, portanto, a missão espiritual do Cristo, como
rejeitaram no passado a sua missão terrena.
Os sumos sacerdotes, os escribas, os fariseus, os anciães, espíritos orgulhosos, atrasados e
culpados, o povo, que em torno deles se agrupava, e os transeuntes, um e outros, dominados por
eles, eram incapazes de compreender a necessidade, o motivo e o fim daquela missão que, preparada
desde longos séculos, se cumpria, segundo a presciência e a sabedoria infinitas de Deus.
A despeito, porém, de todos os obstáculos que lhe foram e continuam a ser opostos, o
progresso moral, intelectual e físico da Humanidade se há de realizar integralmente, porque ele faz
objeto de uma lei absoluta e imutável, emanada da Divindade. E, à medida que o homem progride,
os milagres se vão explicando pelo conhecimento das causas que os produziram e, desse modo, os
ensinamentos do Mestre vão constituindo uma constelação, cada vez mais perceptível, de fúlgidas
estrelas a rebrilharem no nosso firmamento espiritual e cujas cintilações levam ao íntimo das almas
uma luz benéfica, que clareia, aquece, conforta e mitiga as dores, luz que é vida e eterna bem-
aventurança para o Espírito.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 182)

V
Os dois ladrões, a princípio, faziam coro com os que ultrajavam a Jesus. Um deles, porém,
vendo, afinal, que o mesmo Jesus respondia aos insultos que lhe atiravam orando pelos que assim
procediam, compreendeu haver no Mestre alguma coisa que o colocava acima da Humanidade. Quer
dizer que esse malfeitor entreviu a verdade, ainda que confusamente, e não hesitou em pedir mise-
ricórdia àquele em quem reconhecera de súbito maior poder para as coisas do céu, do que para as da
Terra. Jesus então lhe fez esta animadora promessa: Em verdade te digo que hoje mesmo estarás
comigo no Paraíso.
Para que se apreendam o sentido e o significado destas palavras, importa se saiba o que é o
Paraíso, para o Espírito que se tornou pecador. Não é um lugar de beatífico êxtase, sem objetivo,
sem a perspectiva de coisa melhor. É, ao contrário, a entrada do ser espiritual na senda luminosa que
proporciona ao culpado entrever o prêmio reservado aos esforços do trabalhador diligente: a sua
redenção. É a compreensão, que ele adquire, do futuro, junta ao desejo ardente de o alcançar.
Essa senda, essa condição espiritual, em que o sofrimento causado pelo remorso das faltas
cometidas constitui uma como fonte de alegria para o Espírito que se apercebe do progresso cuja
realização está ao seu alcance, é que é o Paraíso que Jesus prometeu àquele que ficou apelidado de
“bom ladrão”. Ele entraria nesse Paraíso, desde que, do alto de sua glória, o mesmo Jesus, por
intermédio dos bons Espíritos, lhe mostrasse o caminho a percorrer e a felicidade que ao seu termo o
esperava.
Sobre aquelas palavras do divino Mestre, erigiu a Igreja Católica o seu sistema da condenação e
da graça, da indulgência concedida à fé, independente das obras, colocando, em conseqüência, o
malfeitor de quem tratamos no rol dos bem-aventuradOS, pelo simples fato de se haver arrependido
sinceramente, de haver demonstrado o que ela chama: a contrição perfeita.
Semelhante sistema, porém, é fruto de falsa interpretação das palavras do Mestre, as quais,
entendidas segundo o Espírito e não interpretadas ao pé da letra, conforme ela o fez, significam: “No
momento em que eu torne a ocupar o lugar que me compete, voltando à natureza espiritual que me é
própria, tu entrarás na vida espiritual e verás distintamente, assim o caminho que te cumpre seguir,
como a meta que terás de alcançar”.

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Capítulo 15

272

O arrependimento é, com efeito, o primeiro passo que o Espírito tem de dar para entrar nesse
caminho, um meio, portanto, de dirigir-se para a finalidade a ser atingida, de chegar à expiação
produtiva, à atividade nas provações, à perseverança no objetivo. É uma venda que se rasga e que,
permitindo àquele que a traz ver a luz brilhante que tem diante de si, o enche do desejo de possui-la.
Mas, isso não o exime de perlustrar o caminho, que é o que se desdobra através de sucessivas
existências planetárias, isto é, de múltiplas descidas ao campo onde semeou o erro, praticando o mal,
a fim de arrancá-lo pela raiz (expiação) e de fazer a semeadura do bem (reparação). Assim é que se
cumpre a sentença, que não comporta exceções: A cada um segundo as suas obras.
Graças àquela luz, passa ele a ver melhor os obstáculos; consegue transpô-los mais rapidamente
e com maior destreza, de sorte que atinge mais prontamente o fim colimado.
Nunca, porém, aquela sentença deve ser esquecida. Sem obras, não há progresso, e as más obras,
geradoras do sofrimento, só pelas boas podem ser apagadas. Segue-se daí que, sem expiação e sem
reparação, o Espírito que se tornou culpado não avança para o alvo a que lhe importa chegar, porque
representa a realização do destino para que o criou Deus. O arrependimento, pois, não exclui a
expiação e a reparação, se bem constitua o primeiro impulso indispensável, que ele recebe da própria
consciência, para se dispor a expiar e resgatar, a fim de galgar os altos cimos da espiritualidade,
onde lhe é dado gozar em toda a plenitude das delícias do “paraíso”, cuja entrada se lhe abriu desde
o momento em que foi tangido por aquela impulsão inicial.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 183)

VI
A ignorância e a má-fé sempre interpretaram mal os ensinamentos de Jesus. Estes insultadores
são os primeiros da longa procissão deles, que se estenderia pelos séculos vindouros, uns explorando
a doutrina de Jesus; outros cometendo crimes à sombra e em nome dela; outros negando-a; outros
dizendo não compreendê-la. Contudo, a doutrina de Jesus jamais deixou de servir de farol para a
vida eterna aos que a estudaram com o firme propósito de viverem de conformidade com ela.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 27)

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Capítulo 15

273

Vv. 33 a 39 – A morte de Jesus (Mt 27:45-54; Lc 23:44-48; Jo 19:28-30)

I
A hora sexta - Meio-dia.
Até à hora nona - Três horas da tarde.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 184)

II
As palavras de Jesus foram erroneamente interpretadas. Como podia Ele, depois de haver
cumprido fielmente a sua missão, ser abandonado pelo Senhor? Se não são admissíveis, como
mostra de desfalecimento, ainda que passageiro, as que pronunciou no Horto das Oliveiras, palavras
cujo sentido e objetivo já tivemos ocasião de assinalar, menos ainda se pode admitir haja, no
momento em que punha glorioso fecho à sua missão, proferido essas outras, que denunciariam
desfalecimento ainda maior, uma extrema fraqueza, que nenhum experimentou, dos que sofreram
martírios atrozes, por se lhe conservarem fiéis. Teria Ele sido, assim, mais fraco do que estes e,
portanto, menos elevado espiritualmente? Hipótese blasfema fora esta, em se tratando de quem tinha
consciência plena de se achar integrado no Pai; de quem repetidamente disse que nada fazia de si
mesmo, que apenas obedecia aos mandamentos que do Pai recebera; de quem, orando pelos seus
apóstolos, pedia ao Pai que estes fossem um com Ele, como Ele era um com o mesmo Pai.
Não, as palavras que o divino Modelo proferiu, (...) foram estas: Senhor, tudo está cumprido;
eis-me aqui!
Há, entre as narrações de MATEUS e de MARCOS, de um lado, e as de LUCAS e JOÃO de
outro, quanto ao que Jesus disse do alto da cruz, discordâncias (...)
Assim as palavras — Eli, Eli, lama sabachtani, que se traduzem: Senhor, Senhor, por que me
abandonaste? foram proferidas pelo “bom ladrão”, no momento em que Jesus exclamava: Senhor,
tudo está cumprido, eis-me aqui. Confiante na promessa que lhe fizera o divino Mestre, ao verificar
que este se fora do mundo, por ter “morrido”, deixando-o ainda vivo no madeiro, julgou aquele
condenado que o que lhe estava prometido não se cumpriria, que ficara abandonado, e soltou aquela
exclamação angustiada. Soltou-a quando, em seguida ao prometimento que lhe fizera, Jesus, como
dizem os Evangelistas, a fim de atrair a atenção do povo para os seus “últimos momentos”, atraindo-
a, simultaneamente, para os fenômenos que se iam produzir, deu um grande brado. Ouvindo-o, os
dois ladrões se puseram a gemer, os discípulos elevaram suas vozes em lamentações de imensa dor e
a multidão entrou a comentar com grande rumor o que se passava. Foi nesse instante, quando che-
gara ao máximo a agitação tumultuosa de toda aquela turba sacudida pelos mais diversos
sentimentos, que o «bom ladrão» deixou escapar-se-lhe do peito a referida exclamação de desalento.
Dada a extrema confusão então reinante e a circunstância de terem sido ditas, quase ao mesmo
tempo, as palavras que Jesus proferiu e as que pronunciou aquele dos dois outros crucificados,
muitos atribuíram as deste ao Mestre. Mais tarde, surgiram os comentários, originando-se deles as
versões que se introduziram nas narrativas evangélicas.
(...) A versão que mais se acercou da realidade é a de João, que, sendo dos apóstolos o que mais
perto da cruz se achava, pôde ouvir melhor, por entre os clamores que de toda a parte se elevavam, o
que com efeito disse Nosso Senhor Jesus Cristo. Segundo o discípulo amado, o Mestre dissera:
“Tudo está consumado”.
(...) As locuções — rendeu o espírito, espirou — têm o mesmo sentido, o mesmo alcance: o da
volta do Espírito à vida espírita, readquirindo a liberdade no espaço, que é a sua verdadeira pátria.
(...) Quanto às trevas que, da hora sexta à hora nona, cobriram a Terra naquele dia, foram um
extraordinário efeito físico, produzido por poderosa ação espírita.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 184)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

274

III
Vv. 33 - Os acontecimentos que se passam na terra repercutem no plano espiritual, donde
projetam seus efeitos espirituais sobre o planeta.
A crucificação de Jesus foi um dos pontos culminantes da história espiritual da humanidade. Em
vista disso, não devemos estranhar que se processassem fenômenos espirituais de relevância em toda
a atmosfera do planeta, principalmente sobre Jerusalém. Estes fenômenos poderão ter sido
facilmente percebidos por pessoas portadoras de mediunidade.
A própria natureza parece ressentir-se dos pensamentos dos encarnados, sofrendo-lhes a
influência, e como que se sintoniza com eles; o dia se torna alegre se a maioria dos encarnados
emitir pensamentos alegres; sombrio, se os pensamentos da maioria forem de tristeza e de desânimo;
revoltado, se os pensamentos forem malévolos e de revolta. É fácil ver como nos dias de Natal e
Ano Bom, tudo é alegre, festivo, jovial; é porque a humanidade, nestes dias, esquece das tristezas, e
pobres e ricos procuram alegrar-se com o pouco ou com o muito que lhes coube na vida; procuram
esquecer as mágoas e perdoam os ressentimentos em nome do Divino Remissor de todos os pecados.
Se durante os trezentos e sessenta e cinco dias do ano, nós nos esforçássemos por conservar a
mesma disposição de ânimo que temos pelo Natal, o ano inteiro apresentaria dias alegres, festivos,
luminosos.
E os videntes viram as pesadas nuvens compostas de negros fluidos emitidos pela ignomínia dos
homens, cobrirem o céu espiritual de Jerusalém.

Vv. 34 a 37 - A humanidade ainda não pode compreender o triunfo da humildade. No tempo de


Jesus, como nos dias de hoje, compreende-se o triunfo do orgulho, e não o da humildade. O triunfo
do orgulho reclama a força dos exércitos, armas, massacres. E quando o orgulho triunfa, o faz
através de montes de cadáveres, irmãos sacrificados, viúvas e órfãos ao desamparo, cídades
saqueadas e destruidas, para que um homem ou um povo se apresentem triunfantes.
O triunfo da humildade é diferente.
A humildade triunfa quando se sacrifica e seu triunfo não é notado no mundo, que não o sabe
ver nem avaliar. Se o indivíduo leva sua humildade ao ponto de desencarnar por um ideal, que mais
tarde beneficiará a humanidade, e se tornará patrimônio comum, é tido por um louco, um visionário.
É o caso sublime do sacrifício de Jesus. Ninguém via que era a humildade que triunfava, e em seu
triunfo a única sacrificada era ela própria.
O orgulho triunfa clareando seu caminho com incêndios e maldições, para depois se apagar nas
sombras dolorosas do mundo espiritual. A humildadè triunfa sacrificando-se e abençoando seus
algozes, para despertar nos esplendores da pátria celeste. Rodeado da turba que o escarnecia, que o
insultava, que demonstrava completa cegueira espiritual em relação a seus ensinos, estando próximo
o desencarne e vislumbrando o triunfo de seu Evangelho, que era o seu próprio triunfo, Jesus se
recorda do salmo de David, o rei profeta, e começa a recitá-lo.
Era uma piedosa maneira de não deixar os motejadores sem uma resposta esclarecedora que,
talvez, abrandasse a dureza daqueles corações, se a quisessem ouvir; e também um modo claro de
confirmar, mais uma vez, que era ele o Enviado Celeste, pelo qual há tantos séculos Israel esperava,
e os profetas anunciaram. Mas suas forças lhe faltaram, e Jesus apenas pôde pronunciar as primeiras
palavras do salmo; em seguida desencarnou.

Vv. 38 - Os fenômenos aqui descritos são de natureza mediúnica. Dado a grande repercussão
que o sacrifício de Jesus causou no mundo espiritual, abalaram-se profundamente as colônias
espirituais vizinhas à terra. E as pessoas videntes puderam ver grande número de desencarnados; e
onde houve possibilidades, produziram-se fenômenos de efeitos físicos.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

275

Vv. 39 - Filhos de Deus somos todos nós; mas aqui o centurião quer designar particularmente
Jesus, um Filho de Deus feito homem, que sacrificava sua vida material em benefício de
ensinamentos, que ficariam para a eternidade.

Vv. 40 e 41 - Enquanto o Mestre não inicia a sua missão, viveu a vida comum dos homens de
bem, no lar de seus pais, repartindo o tempo entre o trabalho manual de carpinteiro na modesta
oficina e a meditação, e sua conseqüente preparação espiritual para a tarefa que o trouxera à terra.
Tão logo chega a hora de se dedicar ao trabalho divino, vêmo-lo mudar-se para Cafarnaum, uma das
aldeias situadas nas margens do lago Tiberíades.
Em virtude da alta espiritualidade que já tinha conquistado; e por saber dar às coisas da terra o
seu justo valor; e por não acalentar nenhuma ilusão terrena; e por dedicar-se exclusivamente a seus
ensinamentos, exemplificando-se com a renúncia e perfeita independência das coisas materiais,
Jesus muito pouco necessitava das coisas da terra; delas usava o indispensável para manter a vida, O
lago generoso fornecia-lhe o peixe, base da alimentação de todos os habitantes da aldeia; e os
pomares que se multiplicavam por quase todos os quintais, ofereciam-lhe os frutos deliciosos; de
roupas, precisava apenas uma túnica, numa época em que as roupas das famílias eram tecidas em
casa, por não existir ainda a indústria; e nos pés, usava sandálias, único calçado que havia. Era isto o
que as mulheres da Galiléia lhe ministravam, e que representava tudo o de que necessitava.
Hospedava-se em casa de Simão Pedro, que era casado, o qual tratava de Jesus como de um filho, e
cuja família repartia com Jesus as bênçãos, as alegrias e as tristezas, que experimentava sob o
humilde teto.
A vida simples, a alimentação frugal, não criar ilusões fora, das possibilidades do momento,
nem ambições desmedidas, procurar dar a cada coisa o seu justo valor, usar de tudo mas não abusar
de nada, não complicar a vida com vaidades, que no fundo não passam de tolices, tudo isso torna o
espírito independente da matéria, e lhe facilita a entrada em planos espirituais superiores.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 27)

IV
O significado do Calvário

Na visão espírita, o pecado como a tradição religiosa e dogmática vem ensinando, não existe. O
pecado sempre foi atrelado à idéia básica de somos descendentes e herdeiros de Adão e Eva, que
dentre outras coisas, “desobedeceram a Deus e comeram do proibido”, portanto, pecaram contra a
Deus e a partir daí somos eternos pecadores. Sendo necessária a morte de Jesus na Cruz, para nos
redimir de todos os pecados. Ou seja, a imolação por sangue é uma idéia ancestral e atávica dos
holocaustos aos deuses de todos os povos antigos. As religiões cristãs atuais continuam dando
continuidade a este princípio.
Entretanto, o Espírita compreende, que se assim fora, aonde o mérito de cada um para merecer o
livramento de suas culpas e simplesmente atribuindo a outrem. Deixando o criminoso de pagar sua
pena porque outro se propõem a ficar no seu lugar e isto fosse suficiente para modificar o pecador.
A morte de Jesus na cruz deve inspirar ao cristão de todos os tempos, que cada um deve
aprender com o Divino Mestre, que as responsabilidades nos serão computadas na justiça divina em
conformidade com nossas obras, e que quando nos propomos a fazer o bem, serão desencadeadas
forças opostas que tentará de todas as formas coibirem sua manifestação. E que é necessário cada
um se preparar convenientemente bem, pois quando a cruz e os espinhos chegarem (que não são o
fim em si mesmo) tenhamos a mesma digna do Mestre neste momento crucial, em que de braços
abertos, nos entregamos ao trabalho de espiritualização do mundo, mas com o coração e a mente no
infinito, sustentando nossos propósitos. (Exegese Pessoal)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

276

V
As doutrinas cristãs asseveram que Jesus veio até aqui para nos salvar e, segundo interpretação
corrente, para redimir a humanidade do pecado original, cometido por Adão, através de sua morte na
cruz. Essa concepção, porém, levanta de imediato algumas questões:

• Por que esse ato de redenção não foi perpetrado logo após o pecado adâmico, e sim somente muito,
muito tempo depois? De acordo com a genealogia apresentada no Evangelho de Lucas (cf. Lc3:23-
38), passaram-se nada menos que 76 gerações desde Adão até o nascimento de Jesus. Por que a
humanidade teve de viver na iniqüidade durante todo esse tempo, sobrecarregada com a culpa de
seu pai primevo?

• E durante esse período de espera, para onde iam depois da morte todas aquelas almas que ainda
não haviam sido redimidas? Para o céu não poderiam ir, já que estavam manchadas pelo pecado;
para o inferno também não, já que não haviam feito nada de tão grave assim além de nascer; para o
purgatório é evidente que não poderiam ir, já que essa região só foi instituída em 1439, por
deliberação do Concílio de Florença.

• E por que teve de vir o próprio Filho de Deus para realizar essa redenção? Se para Deus tudo é
possível (conforme crença generalizada), Ele não poderia simplesmente, através de um ato de
Vontade, declarar que o pecado original e o hereditário estavam extintos, e que a partir daquele
momento todos os seres humanos encontravam-se limpos diante Dele? Desse modo não precisaria
ter enviado Seu Filho até esta Terra, exclusivamente para sofrer e morrer em nosso lugar. Teria
sido poupado esse imenso sacrifício. Tudo teria sido muito mais fácil e todos teriam ficado felizes
para sempre.

• É possível, aliás, alguém tomar sobre si a culpa de outrem para expiá-la? Nenhum tribunal terreno
sequer consideraria uma hipótese dessas, de tão absurda. E isto, mesmo quando sabemos que “o
homem comparado com Deus não é justo” (Jó9:2). Mesmo nos tempos antigos, qualquer
magistrado que sentenciasse dessa maneira seria considerado abominável diante do Senhor: “Quem
absolve o ímpio e quem condena o justo, ambos são abomináveis diante do Senhor” (Pv17:15).
Poderia, então, tal idéia de expiação substitutiva corresponder à lógica perfeita da Justiça divina?
Poderia essa Justiça divina, sob determinadas circunstâncias, ser assim menos justa ou menos
perfeita que a dos homens, ao permitir a alguém pagar pelos erros dos outros? Só se Cristo foi uma
exceção… Mas podem haver exceções na perfeição da Vontade do Onipotente? Perfeição não
pressupõe justamente a mais completa imutabilidade? Perfeito não significa imutável, inalterável?
Os cristãos de todos os tempos não ensinaram sempre a mais absoluta imutabilidade de Deus e de
Sua Vontade perfeita? Como podem então existir exceções naquilo que é perfeito? Não está
escrito: “Perfeita é Sua obra, e justos todos os Seus caminhos” (Dt32:4)?

• E também não está escrito: “Senhor, Tu és justo, e tuas decisões são retas” (Sl119:137), e ainda:
“As decisões do Senhor são a Verdade, todas elas são justas” (Sl19:10)? Não constituem tais
sentenças afirmações inequívocas sobre a absoluta inflexibilidade da Justiça divina? Inflexibilidade
que o próprio patriarca Abraão já dera mostras de haver compreendido muito bem, ao descartar a
possibilidade de o Senhor condenar um inocente como pecador, o que a seu ver seria um ato
injusto da parte Dele: “Longe de Ti fazeres tal coisa: fazer morrer o justo com o pecador, de modo
que o justo seja tratado como pecador! Longe de Ti! Não fará justiça o Juiz de toda a Terra?”
(Gn18:25).

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

277

Essa convicção de Abraão sobre a perfeição da Justiça do Todo-Poderoso foi posteriormente


compartilhada por Moisés, outro patriarca bíblico: “Ó Senhor! Ó Senhor! Deus misericordioso e
clemente, (…) que perdoa a iniqüidade, a rebeldia e o pecado, mas não declara inocente o culpado”
(Ex 34:6,7). Por fim, o famoso rei Salomão, dirigindo-se ao Criador, também se pronunciou com a
mesma certeza de seus antepassados sobre Sua indesviável Justiça: “És justo, governas o Universo com
justiça, e condenar alguém que não mereça ser castigado parece-Te incompatível com Teu poder”
(Sb12:15). Daí vem então uma última pergunta: será que essa Justiça divina assim tão incorruptível e
intangível, e por isso mesmo tão louvada nas épocas de Abraão, Moisés e Salomão, deixou de valer no
tempo de Jesus? Deixou de ter validade justamente em relação ao Filho de Deus?… Não foi o Senhor
mesmo que ordenou por intermédio de Moisés: “Não matarás o inocente e o justo” (Ex 23:7)?,
determinação essa reiterada depois pelo Seu próprio Filho Jesus: “Se soubésseis o que significa
‘misericórdia é o que eu quero e não sacrifício’, não condenaríeis os que não têm culpa” (Mt 12:7)?”
(Roberto C. P. Junior, Visão Restaurada das Escrituras, Volume1)

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Capítulo 15

278

Vv. 40 e 41 – Ao Pé da Cruz (Mt 27:55-56; Lc 23:49; Jo 19:25-27)

I
Aqui encontramos a relação dos que se encontravam a contemplar a cruz, durante a
permanência de Jesus. A enumeração não é lisonjeira para os homens, pois o único presente, dos
Seus amigos, parece ter sido João, o “discípulo amado”. As mulheres citadas, em número de cinco,
acompanharam Jesus durante todo o Seu ministério. Temos então:
1. MARIA, a mãe de Jesus.
2. MARIA, denominada a Madalena, do nome de sua aldeia natal Magdala (atual El-Medjdel)
no lago de Tiberíades, a quem Jesus dedicava tão grande amor, que a brindou com Sua primeira
aparição. após levantar-se do túmulo.
3. JOANA, irmã da mãe de Jesus, esposa de Cuza e mãe de Salomé (a esposa de Zebedeu), de
Simão, de Maria e de Suzana (?) ditos “irmãos de Jesus”.
4. MARIA, esposa de Clopas, que era irmão de José, e mãe de Tiago (o menor), de José e de
Judas Tadeu, também ditos “irmãos de Jesus”.
5. SALOMÉ, esposa de Zebedeu e mãe de Tiago (o maior) e de João o evangelista.
João cita as quatro primeiras, omitindo o nome de sua própria mãe, Salomé, talvez para não
chocar os leitores com a narração, a seguir, da entrega que a ele fez Jesus de uma segunda mãe, ou
mesmo por modéstia. Mateus e Marcos omitem o nome da mãe de Jesus e de Joana de Cuza, mas
são unânimes em registrar a presença de Salomé. Lucas não cita nomes.
Concordamos com Zahn, Loisy, Lagrange, Durand e Bernard, que a “irmã de Maria” não podia
ser “Maria de Clopas”, pois não se compreenderia duas irmãs com o mesmo nome. Daí nossa
hipótese de que a “irmã de Maria” era Joana, esposa de Cuza.
Todos mantinham-se “de pé” (eistêkeisan), fortes e corajosas.
Foi quando Jesus cônscio de si e com todas as Suas energias, percorreu o olhar pelas pessoas ali
presentes, e proferiu as frases curtas e incisivas: “Mulher, eis teu filho” (gynai, híde ho huiós sou).
Com isso nomeava João, o discípulo amado, como Seu substituto legal no afeto de Maria. Voltando-
se, depois, para João, ratifica o mesmo legado: “eis tua mãe” (híde hê mêtêr sou). E o evangelista
acrescenta: e desde essa hora, tomou-a o discípulo como coisa própria. (eis tà ídia), ou “a seu
cargo”.
A partir do século XII, apoiando-se em Orígenes, a tradição passou a considerar válida a
interpretação de Rupert de Deutz ou Rupertus: João representou, ao pé da cruz, todas as criaturas
humanas, que se tornaram, ipso facto, irmãs de Jesus.
Essa tradição foi sancionada por Leão XIII: “Maria santíssima, rainha dos apóstolos, ao ter
encomendados a seu ânimo materno, no Calvário, todos os homens, não menos ama e acalenta
aqueles que ignoram terem sido redimidos pelo Cristo Jesus, do que àqueles que felizmente gozam
dos benefícios Dele”. Portanto, segundo o pensamento católico, todas as criaturas humanas, fiéis e
infiéis, estão sob o manto protetor e materno, de Maria, por delegação de Jesus.
A beleza deste capítulo é imensa, pois o vemos imbuído de delicadeza de sentimentos.
Em primeiro lugar salienta-se a fidelidade feminina, geralmente bem maior que a masculina,
em vista dos sentimentos mais apurados e do amor naturalmente materno e sacrificial. Apesar do
ambiente rude de soldados, do espetáculo horripilante e deprimente da cruel crucificação, do
cansaço e dos fortes impactos emocionais das últimas horas, não abandonaram o ser amado à sua
sorte: permaneceram “de pé”, a confortar com seus olhares amorosos aquele que estava a sofrer
pelo bem que espalhara e pelos profundos conhecimentos espirituais que demonstrara em Seus
ensinamentos às multidões e ao grupo de Seus discípulos. E através do olhar, deveram também
sustentá-Lo com seus fluidos de amor inigualável, diminuindo-Lhe a dor moral do abandona da
maioria de Seus discípulos e mantendo-O anestesiado às dores físicas.

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Capítulo 15

279

A expressão “de longe contemplavam” (Mateus, Marcos e Lucas) é contraditada pelo


testemunho pessoal de João, ali presente: “junto à cruz de Jesus”. Temos que compreender um
meio termo, pois “de longe” nem poderiam ter ouvido as palavras proferidas por Jesus; mas
também “junto” deve pressupor “colados” à cruz, já que os soldados não teriam permitido
proximidade exagerada, com receio de ser prestada aos condenados ajuda indesejável.
Fora do círculo familiar da mãe, das duas tias e da irmã de Jesus (Salomé) e do sobrinho João,
a única não parenta era a Madalena, a grande apaixonada pelo Mestre, e que, uma vez tocada,
jamais O abanonara.
Em segundo lugar observamos a cena da entrega de Maria, Sua Mãe, ao discípulo amado, a
fim de que ele cuidasse de Maria em lugar do próprio filho Jesus.
Anotemos, de passagem, que se Maria tivesse tido outros filhos, ou mesmo enteados (filhos do
primeiro matrimônio de José), esse gesto de Jesus tem ensanchas de magoá-los profundamente. Daí
termos aceitado, desde o início, a hipótese da expressão “irmãos de Jesus”, como sendo seus
“primos irmãos”8.
(...) embora estivesse presente Salomé, mãe de João, era perfeitamente admissível que Jesus
atribuísse o encargo de Sua mãe ao discípulo amado, sem que por isso se sentisse magoada a mãe
de João, grande e sincera discípula de Jesus. Antes, para ela constituía uma honra, pois
demonstrava a confiança que o Mestre depositava em seu filho, ainda tão jovem (João, a essa
época, parece que contava cerca de 21 ou 22 anos). A partir daí, João manteve Maria a seu lado,
tendo-a levado para Éfeso, segundo a tradição, onde ela veio a falecer muitos anos depois.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 8)

II
ANÁLISE DA ATITUDE DOS APOSTÓLOS

1. Pedro (com certeza, por ser um dos mais maduros do grupo e que ao longo dos anos de sua vida,
vinha batalhando para a sobrevivência de sua família, com o trato com os negócios da pesca, teve
uma reação profundamente humana de receio pela possibilidade de perder uma vida cheia de
ocupações, ou seja, não seria mais prudente aguardar uma oportunidade de salvar o Mestre do
que arriscar-se?).
2. João (provavelmente, o mais jovem do grupo, ainda sem os anos da experiência, onde é comum
no espírito juvenil não preocupar-se com os riscos, geralmente são arrebatados, irreverentes,
audaciosos, talvez por isso não tenha temido a possibilidade de ser apanhado).
3. Judas Iscariotes (Porque Jesus permitiu o suicídio de Judas. Não veio o mestre pelos pecadores e
infelizes? Não seria Judas um espírito angustiado e irrequieto? Sua atitude de remorso não
denotaria uma profunda paixão e encanto com o Mestre? Matar-se não significaria a mágoa, a
vergonha e a profunda dor moral por perceber tardiamente o equívoco?
4. Os demais (Os fatos ocorridos, por mais que o Mestre tivesse avisado, pegou a todos de surpresa.
Se não houve reações imediatas é que misturavam-se o medo, as incertezas e a não percepção da
extensão do que ocorria, e deveriam acreditar na demandada que algo deveria acontecer para
reverter a adversa situação). (Exegese Pessoal)

8
A palavra grega adelphós, “irmão”, referia-se também a “primos”, como lemos em muitos autores profanos (cfr.
Herodoto; Thucidides; Strabão), dando-se o mesmo com a palavra latina frater. Lemos em Cícero: Lúcio Cícero nosso
irmão, pelo parentesco primo, pelo amor, irmão. E a definição do Digesto da mesma forma, primos irmãos, primas-
irmãs, os que e as que são gerados de dois irmãos. Não esqueçamos que a palavra portuguesa “irmão”, assim como a
castelhana “Hermano”, são derivadas do latim germanus (proveniente de gérmen) e exprime aqueles que são da mesma
origem, do mesmo germe, conforme já lemos mesmo em Plauto: “minha esperança é de que vos descobrireis irmãos
autênticos gêmeos nascidos de uma mãe e de um pai, no mesmo dia”.
COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2
Capítulo 15

280

42 a 47 – O sepultamento de Jesus (Mt 27:57-61; Lc 23:50-56; Jo 19:38-42)

I
As conseqüências de uma execução capital resultante de uma condenação legal, de acordo com
as disposições do direito romano, incluíam a privação do delinqüente até mesmo do ato piedoso do
sepultamento. Diversos relatos da época imperial aludem à presença de sentinelas encarregadas de
impedir que fosse quem fosse se aproximasse dos cadáveres insepultos. Sabendo disso, o que teria
sucedido com o corpo de Jesus? Havia dois grupos interessados nele, e por razões diferentes: as
autoridades judaicas e os amigos de Jesus. Somente João narra a intervenção dos primeiros (19:31-
37), enquanto os outros evangelistas registram a solicitação dirigida a Pilatos por José de Arimatéia,
representante dos segundos.
As autoridades judaicas tinham uma preocupação de caráter legal: se os corpos dos condenados
permanecessem por muito tempo sobre os patíbulos, a santidade do sábado se veria comprometida.
No caso de Jesus havia outros complicadores: ao começar o sábado, tinha início o período de
repouso (vinte e quatro horas), durante o qual não se poderiam descer os cdáveres das cruzes; além
disso, por que estragar logo um sábado solene daqueles, que caía no dia da festa da Páscoa, na
semana dos Ázimos?
As autoridades judaicas, por isso, dirigem uma dupla solicitação a Pilatos: que a morte dos
condenados seja acelerada e que os corpos sejam retirados dos postíbulos. A primeira dessas
solicitações era motivada pelo fato de que a crucificação ocorrera pouco tempo antes, e que
normalmente a agonia de um condenado à morte era muito prolongada. Para apressar a morte,
adotava-se um método cruel: quebravam-se as pernas dos crucificados com uma marreta. Sabe-se
que Pilatos acedeu à primeira das solicitações dos representantes do povo hebreu, que a ordem foi
imediatamente transmitida aos soldados que estavam sobre o Calvário, e que esses cumpriram sobre
os dois condenados que haviam sido crucificados junto com Jesus. Este, porém, foi encontrado já
vida, e os soldados desisitiram de quebrar-lhe as pernas. Um dos soldados, porém, tomou uma
iniciativa que o evangelista João registra com especial cuidado: com um golpe de lança, rasgou o
peito de Jesus “e imediatamente saiu sangue e água” (19:34)
Seria de esperar que, concedido o primeiro pedido feito pelos chefes dos judeus, o segundo
também fosse realizado. Visto que Pilatos estar com uma disposição favorável e que Jesus já estava
morto (não sabemos se a morte de seus companheiros de suplício sobreveio imediatamente), os
próprios soldados deveriam providenciar sua descida da cruz. Porém as coisas ocorreram de outra
maneira, por razões que não se puderam reconstituir inteiramente. É certo que Jesus não foi
sepultado por pessoas que obedeciam ordens, fossem elas soldados ou encarregados enviados pelas
autoridades religiosas. Se isso tivesse acontecido, o cadáver de Jesus não teria sido deposto em um
sepulcro especial: seria abandonado em um túmulo comum.
Na época de Jesus havia túmulos comuns para duas categorias de pessoas: os pobres e os
malfeitores. Para os primeiros isso era uma dado de fato, decorrente da impossibilidade de
possuírem ou utilizarem um sepulcro de família, enquanto para os segundos era uma determinação
legal. Na Michna está escrito que o tribunal fornecia dois tipos de sepultura: um para os condenados
à lapidação ou ao fogo, outro para os decapitados ou estrangulados. Somente depois da
decomposição dos corpos permitia-se que se recolhessem seus ossos para transferi-los para o
sepulcro da família. Dessa maneira evitava-se que os perversos entrassem em contato com os justos
até mesmo na tumba – pelo mesmo motivo, procurava-se evitar a proximidade da sepultura com os
pagãos.
Jesus, entretanto, embora justiçado como malfeitor, não foi submetido a essa lei. Por quê?
Nesse ponto entra em cena a outra categoria de pessoas interessadas no corpo de Jesus, que
naquele momento ainda estava pregado na cruz: os amigos.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

281

Imediatamente acorre ao nosso pensamento grupo dos discípulos, mas desses não se vê nem
sombra. Os evangelistas (Mateus 27:57-60; Marcos 15:42-46; Lucas 23:50-53; João 19:38-42) nos
apresentam um personagem até aqui desconhecido, José, proveniente de Arimatéia, localidade
situada quase a meio caminho entre Jerusalém e o Mediterrâneo. Todos são unânimes em descrevê-
lo como uma pessoa importante: é membro do Conselho – provavelmente não apenas de um tribunal
local, mas do sinédrio de Jerusalém; é reci; pertence ao círculo de simpatizantes de Jesus. Lucas fala
explicitamente de sua bondade e senso de justiça, que motivaram seu afastamento daqueles que se
decidiram pela morte de Jesus (23:50-51). João vê nele uma semelhança com Nicodemos,
lembrando que José de Arimatéia era de fato discípulo de Jesus, só que às escondidas, por medo;
porém, seriam exatamente esses dois discípulos “diferentes” os únicos a terem coragem de sepultar
o Mestre.
Com sua riqueza e posição, José era, sem dúvida um personagem influente. Pilatos deve ter
levado esse fato em consideração ao vê-lo à sua frente pedindo permissão para dispor do corpo de
Jesus a fim de sepultá-lo. O direito romano concedia-lhe a possibilidade de responder com uma
negativa. Na mesma tradição romana, porém, muitas vozes se elevavam em defesa de um tratamento
humanitário, pelo menos em relação aos cadáveres e aos parentes dos executados. Além disso, os
hebreus não viam com bons olhos que se tratassem os cadáveres com desapreço – mesmo que não se
concedesse ao delinqüente a honra de repousar no “sepulcro de seus pais”, não era justo negar-lhe
sepultura. As autoridades romanas procuravam de todas as maneiras adequar-se à mentalidade dos
povos dominados. Embora existam registros de atitudes tomadas por Pilatos em oposição ao
pensamento dos judeus, é perfeitamente verossímil que ele não se tenha recusado a conceder a Jesus
o direito de ser sepultado. É possível, mesmo, que tenha sido invadido por um sentimento tardio de
simpatia pelo prisioneiro que condenara sem convicção.
Não se explica qual a relação existente entre a solicitação de José de Arimatéia e a dos chefes
judeus, que haviam pedido que se apressasse a morte dos condenados. Tampouco se descreve como
José procedeu à deposição do cadáver da cruz: com toda a probabilidade ele não estava sozinho, e é
possível que tenha contado com a ajuda de algum subalterno.
Todos os evangelistas conservam alguma lembrança da maneira como o corpo exânime de Jesus
foi preparado para ser enterrado. Mas são registros pouco esclarecedores, que nos obrigam a
procurar informações suplementares em outras fontes.
Na tradição judaica conhecem-se estes procedimentos no corpo do falecido, antes de ser levado
para o túmulo: os olhos são fechados e as mandíbulas atadas; o corpo é lavado e ungido; o cabelo e a
barba são cortados e arranjados; o corpo é envolvido no sudário, e o rosto, coberto. Depois de
tomadas essas providências, o corpo é transportado para o local da sepultura, às vezes com os pés e
as mãos atados com cordas, não dentro de um caixão, mas sobre um ataúde descoberto,
eventualmente a própria cama onde a pessoa expirou.
No Evangelho de João lê-se que o corpo de Jesus foi envolto “em lençóis com aromas, segundo
a maneira de sepultar usada entre os judeus” (19:40).
Se observarmos atentamente a longa lista de anotações citadas acima, constataremos que os
Evangelhos omitem muita coisa. O fechamento dos olhos não é afirmado nem negado nos relatos
evangélicos, embora – ao que tudo indica – fosse um costume. Tampouco se menciona a prática de
fechar a boca do morto – vários estudiosos contemporâneos acreditam que João tenha deixado esse
fato subentendido. Nada se diz sobre o corpo de Jesus ter sido banhado; é provável que, devido às
circunstâncias particularmente difíceis em que se deu a preparação do corpo, essa providência tenha
sido bastante sumária, se não completamente omitida. Não há dúvida de que o corpo foi ungido,
conforme atesta o claro registro de João (que menciona os “óleos aromáticos”); não fica bem
esclarecido, porém, o que as mulheres pretendiam fazer mais tarde (Marcos 16:1 diz que, “Passado o
dia de sábado”, ou seja, dois dias depois, haviam comprado “aromas para irem embalsamar Jesus”).

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

282

Os Evangelhos não fazem nenhuma referência acerca co cabelo e da barba – ao que parece, não
houve tempo para cortá-los. Resta esclarecer se o corpo foi preparado no patíbulo, antes de ser
removido, ou nas proximidades da câmara sepulcral. Tudo sugere que não ocorreram as lamentações
de praxe durante o trajeto, embora um pequeno cortejo de mulheres acompanhasse o transporte do
corpo, honra que não era concedida aos condenados.
O interesse dos evangelistas fixou-se nos aromas destinados ao corpo de Jesus e à indumentária
em que se envolveu o cadáver. Havia aromas em estado sólido ou líquido. A mirra, por exemplo, era
uma resina extraída de árvores que não cresciam na terra de Jesus; por essa razão a resina era
importada da Arábia ou da Abissínia. Depois de escorrer da planta, a resina se solidificava e podia
facilmente ser reduzida a pó onde poderiam misturar no azeite de oliva, obtendo assim os óleos
aromáticos. Aparentemente, não se conheciam perfumes em estado líquido feitos dessa essência, já
que só mais tarde foi inventado o processo de destilação dos óleos etéreos. Marcos (16:1) e Lucas
(23:56) têm em mente aromas líquidos; João, provavelmente, substâncias sólidas. João (19:39-40)
fala do emprego de aromas na sepultura de Jesus. Marcos e Lucas apenas mencionam que foram
adquiridos depois do sepultamento. João também é o único dentre os evangelistas a mencionar uma
intervenção de Nicodemos, ao lado de José de Arimatéia (19:39). Depois de sua conversa com Jesus,
o influente fariseu não fora muito assíduo junto ao Mestre de Nazaré: agora homenageava-o com
uma quantidade excepcional de perfumes, digna de um rei, “quase cem libras” (33 quilos!), com o
que, por certo, queria demonstrar que aquele morto era verdadeiramente rei – como estava escrito na
tabuleta que encimava a cruz – e que como ral era tratado.
O sepulcro em que Jesus foi colocado era novo, porque “ninguém ainda tinha sido sepultado
[ali]” (19:41): era assim que se agia com os reis.
Os aromas foram espalhados por dentro dos panos mortuários que envolviam o corpo de Jesus.
É difícil fazer uma idéia exata desses panos. Sabe-se que eram indumentárias fundamental,
denominada sindon, que tanto podia ser uma peça de tecido (de linho) como uma túnica mortuária.
No caso de Jesus, é pouco provável que se tratasse de uma túnica, considerando-se a precipitação
dos acontecimentos. Também se utilizava um soudarion, que podia ser um véu estendido sobre o
rosto ou uma toalhinha, que se dobrava e se usava como suporte para o queixo, para manter as
mandíbulas fechadas. É possível, também, que tenham sido empregadas cordas para manter os
braços junto ao corpo durante o transporte.
Depois dos apressados preparativos, o corpo de Jesus estava pronto para ser colocado no
sepulcro. Já vimos que, devido à sua condição de réu, caber-lhe-ia o sepulcro comum dos
criminosos. Entretanto, de acordo com o testemunho unânime dos evangelistas, ele foi depositado
em um sepulcro à parte e, além disso, novo, cedido por José de Arimatéia (Mateus 27:60).
O sepulcro utilizado para o sepultamento de Jesus tinha a forma de câmara mortuária, talvez
escavada em uma gruta natural ampliada artificialmente. É provável que a câmara mortuária fosse
precedida por um pequeno vestíbulo. A pedra sepulcral devia ser a oclusão da câmara mortuária,
diante da pequena entrada que a separava do vestíbulo.É assim, ao menos, que a visualizamos, de
acordo com a cena descrita por João (20:5): quando o discípulo amado chega ao sepulcro, inclina-se
para olhar para dentro, mas não entra. A repetida referência à pedra que deve ser “rolada” exclui
outras maneiras usuais de fechar os túmulos, como as lápides encontradas nas “Tumbas dos Reis” no
Egito e em outros lugares. Os sinóticos também acham que essa pedra era redonda, semelhante a
uma pedra de moinho, e que rolava sobre um trilho.
Na câmara mortuária o corpo de Jesus foi deitado sobre um banco escavado na rocha. Esta
visualização é reforçada pela narrativa de João (20:12) que diz que Maria Madalena inclinou-se para
o sepulcro e “viu dois anjos vestidos de branco, sentados no lugar onde fora posto o corpo de Jesus,
um à cabeceira e outro aos pés”.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 15

283

O último ato do sepultamento consiste no fechamento da câmara mortuária, o que é feito


colocando-se uma grande pedra na entrada. Essa é uma tarefa para homens, pois será necessária
muita força para conseguir afastar essa pedra ou fazê-la correr sobre o trilho.
Os evangelistas acrescentam uma observação: ali perto estão algumas mulheres amigas, que
haviam acompanhado Jesus desde a Galiléia. Parece que os evangelistas querem deixar bem claro
que as últimas pessoas a se afastarem de Jesus foram as mulheres, as mesmas que, antes dos outros,
encontrariam o sepulcro vazio. Elas foram, também, testemunhas preciosas, que, sem nada dizer,
observam para ver onde Jesus é colocado. Os evangelistas parecem sugerir que será através dessas
mulheres, provenientes da mesma região dos apóstolos, que os Doze ficarão sabendo onde se
encontra o corpo de Jesus. Para que um testemunho tivesse crédito, era necessário e suficiente que
fosse prestado por duas pessoas – talvez por isso tanto Mateus (27:61) como Marcos (15:47) falam
apenas de duas mulheres.
(Giuseppe Ghiberti, professor da faculdade teológica de Milão. Texto extraído da obra “Jesus”)

II
Conquanto Jesus pregasse sua doutrina ao povo, aos pequeninos com os quais os mais bem
aquinhoados da fortuna não se misturavam, sua doutrina era discutida e analisada pelas classes
cultas da Judéia, entre cujos membros contava com grande número de admiradores; José de
Arimatéia era um destes.
Caso ninguém reclamasse o corpo, este seria atirado à vala comum, ou como normalmente
acontecia, apodreceria na cruz. Os discípulos, aterrados e desorientados não se atreviam a se
apresentar para reclamar o corpo do Mestre e Companheiro, temendo conseqüências funestas. José
de Arimatéia, que gozava de influência junto ao governo, e querendo prestar uma singela
homenagem a quem lhe trouxera os ensinamentos da vida eterna, reclamou o corpo para dar-lhe uma
sepultura decente, no que foi atendido.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 27)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 16

284

ESQUEMA ESTRUTURAL DO CAPÍTULO 16

Vv. 1 a 8 A ressurreição de Jesus (Mt 28:1-10; Lc 24:1-12; Jo 20:1-10)........................... 287

Vv. 9 a 11 Jesus aparece a Maria Madalena (Jo 20:11-18)................................................. 290

Vv. 12 e 13 Jesus aparece a dois de seus discípulos (Lc 24:13-35)....................................... 294

Vv. 14 Jesus apresenta-se aos discípulos........................................................................ 295


(Mt 28:16-16; Lc 24:36-43; Jo 20:19-23, 26-29; 21:1-14)

Vv. 15 a 18 A ordem da evangelização................................................................................... 296

Vv. 19 e 20 A ascensão de Jesus (Lc 24:50-53)...................................................................... 298

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 16

285

Vv. 1 a 8 – A ressurreição de Jesus (Mt 28:1-10; Lc 24:1-12; Jo 20:1-10)

I
Certas de que o corpo do Mestre ainda se encontrava no sepulcro, as mulheres o foram visitar. E
não sabendo explicar o fato de estar a pedra fora do lugar, atribuíram a sua remoção a um terremoto.
Para que elas pudessem testemunhar que o corpo já não se achava no túmulo, e assim mais
facilmente acreditassem no Mestre redivivo, a pedra foi removida mediunicamente, pela
mediunidade de efeitos físicos. Quanto ao anjo, era um espírito que se tinha materializado ali, para
avisar as mulheres que reunissem os discípulos dispersos e desorientados, e partissem para a
Galiléia, onde receberiam as últimas instruções do Senhor.
Se o emissário do Senhor fosse explicar a ambas as mulheres como é que os fatos se tinham
passado com referência ao corpo de Jesus, e lhes dissesse que o Mestre vivia, embora sem aquele
corpo, é fora de dúvida que elas não o entenderiam, e lançariam a confusão entre os discípulos,
ainda sem saberem que rumo e resolução tomar. Por isso, foi mais fácil ao mensageiro celeste
mostrar-lhes o sepulcro vazio e dizer-lhes que o Mestre tinha ressuscitado, e que deveriam ir
encontrá-lo na Galiléia.
Ao verem a sepultura vazia e ao ouvirem as palavras da boca de uma criatura angélica, a certeza
de que o Mestre era vivo se apodera das mulheres, que se apressam, cheias de júbilo, a desempenhar
a incumbência. Para reforçar-lhes mais a convicção com que deveriam falar aos discípulos, aparece-
lhes Jesus para confirmar as palavras de seu mensageiro.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 28)

II
CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO DESAPARECIMENTO DO CORPO DE JESUS

Texto 01
O mistério impenetrável que constituiu durante dezenove séculos o desaparecimento do corpo
de Jesus, só pôde ser desvendado em nossos dias, através dos ensinamentos e revelações trazidas
pelo Espiritismo.
Antes de estudarmos como o fato ocorreu de acordo com as lições que o Espiritismo nos
ministrou, analisemos se havia ou não necessidade de que o corpo do Mestre desaparecesse.
Havia dois grupos interessados na posse do corpo de Jesus: o grupo dos sacerdotes, e o grupo
constituído pelos discípulos. Os discípulos ainda nada tinham resolvido, quando os sacerdotes se
apoderaram do túmulo e, por conseguinte, do corpo de Jesus. Mas eis que os dois grupos
interessados são avisados simultaneamente de que o corpo desaparecera.
Teriam os discípulos furtado o corpo? Não. Os quatro evangelistas nos dizem que os discípulos
se espantaram ao receberem a notícia. Amedrontados e semi-dispersos, desconhecidos e quase
perseguidos em Jerusalém, eram incapazes de uma ação que requeria coragem, uma vez que os
sacerdotes tinham tomado todas as providências para que o corpo não caísse nas mãos dos
discípulos; a pena de morte aguardava aqueles que tal ousassem. E mesmo que os discípulos se
apoderassem do corpo, onde o esconderiam?
A sinceridade e o entusiasmo com que os discípulos se entregaram à pregação do Evangelho,
provam que não foram eles os autores do desaparecimento do corpo. Se tivessem sido eles, não se
atreveriam a pregar o Evangelho, por saberem que era uma impostura dizerem que o Mestre
ressuscitara, já que sabiam o destino que tivera o corpo. E se o fizessem, lhes faltaria a sinceridade e
a fé que demonstraram em todas as circunstâncias afirmando sempre que falavam em nome de Jesus
ressuscitado. Teriam os sacerdotes furtado o corpo?

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 16

286

Não. Os sacerdotes tinham o máximo interesse em conservar o corpo no túmulo, a fim de


apresentá-lo como prova contra os discípulos, quando estes se dispusessem a pregar a doutrina do
Mestre. E sobretudo os sacerdotes alimentavam o secreto desejo de, depois de decorridos os três
dias, mostrarem o corpo ao povo, provando assim que eles realmente tinham condenado um
impostor, pois não ressuscitara como prometera. E se os sacerdotes tivessem consumido o corpo,
logo que os discípulos iniciassem as pregações, estes seriam confundidos, pois os sacerdotes não
deixariam de lhes mostrar onde estava o corpo e dizer-lhes como o tinbam tirado do túmulo.
Consideremos agora porque o corpo deveria desaparecer.
1º — Tanto os discípulos como os sacerdotes tomavam as palavras de Jesus ao pé da letra;
entendiam-lhe apenas a parte material, sem procurar extrair delas o ensinamento moral ou espiritual
que continham.
2º — Como não formavam uma idéia concreta de como o espírito sobrevive à matéria, julgavam
que a ressurreição da qual Jesus lhes falava, se processaria mediante o corpo de carne.
3º — Se os discípulos vissem o corpo se dissolvendo no sepulcro e o espírito do Mestre
materializado ao lado deles e como não saberiam explicar o fenômeno que hoje o Espiritismo
explica muito’ bem, tomariam o Mestre por uma visão, e não creriam no que tinham visto. Dariam
mais crédito ao corpo que eles sentiam apodrecer no sepulcro, do que ao espírito imortal do Mestre,
que se tinha tornado visível para eles. E diante do corpo que se desfazia, julgariam que tudo estava
consumado, e não mais cuidariam de pregar a palavra divina.
Assim, o desaparecimento do corpo de Jesus trouxe duas grandes vantagens:
1º — Fortificou a fé dos discípulos, que não sabendo o destino do corpo, e vendo o Mestre
materializado perante eles, não mais duvidaram da missão divina de Jesus nem de seus
ensinamentos nem da tarefa que lhes era confiada.
2º — Os sacerdotes ficaram sem um documento para contradizer os ensinos dos discípulos de
Jesus e, portanto, não puderam semear a confusão no seio do Cristianismo nascente.
Estas foram as razões pelas quais os Diretores Espirituais do planeta resolveram que o corpo
desaparecesse. Mais tarde, quando não houvese mais perigo para o Evangelho, a verdade seria
restabelecida, com a explicação racional do ocorrido. E o Espiritismo vem restabelecer a verdade.
Para compreendermos como se processou o desaparecimento do corpo de Jesus de dentro do túmulo
cavado na rocha, e fechado por pesada pedra, e selado pelos sacerdotes, e guardado por soldados
romanos, temos de recordar o que é possível fazer-se por meio da mediunidade de efeitos físicos.
Sabemos que, utilizando-se desse tipo de mediunidade, os espíritos podem retirar de dentro de um
recipiente hermeticamente fechado, qualquer coisa que ali se ache, ou colocar dentro dele o que se
queira. A mediunidade de efeitos físicos já nos mostrou médiuns que foram retirados de verdadeiras
jaulas de ferro e transportados pelos espíritos para outros cômodos fechados da casa, e mesmo para
locais distantes de onde se realizavam as experiências. Quanto a objetos grandes ou pequenos, leves
ou pesados, o transporte deles pelos espíritos é comum em experiências desse gênero. Bem sabemos
que os médiuns não precisam estar no local onde se apresenta o fenômeno; podem estar muito longe
dele e completamente inconscientes de estarem servindo de instrumentos a fenômenos de efeitos
físicos; pois fornecem apenas os fluidos dos quais os espíritos precisam para realizar o trabalho
designado. Assim sendo, mediante a mediunidade de efeitos físicos que os espíritos utilizaram em
alto grau, puderam transportar o corpo de Jesus para algum túmulo distante e desconhecido, onde se
desfez, e cuja matéria voltou ao grande reservatório da natureza. Teria sido isto uma fraude? Não.
Simplesmente foi uma medida muito acertada para se evitarem conseqüências desastrosas e
imprevisíveis para o futuro do Evangelho. Os espíritos agiram para com os homens daquele tempo,
como os adultos agem para com as crianças: nem tudo se lhes explica integralmente, e muita coisa
se oculta delas, para daí não provirem males; mas quando alcançam a idade adulta, tudo se lhes pode
revelar. E como hoje a humanidade já está em condições de compreender tudo, o Espiritismo veio
trazer-lhes a solução do problema. (Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 27)
COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2
Capítulo 16

287

Texto 02
O desaparecimento do corpo de Jesus após sua morte há sido objeto de inúmeros comentários.
Atestam-no os quatro evangelistas, baseados nas narrativas das mulheres que foram ao sepulcro no
terceiro dia depois da crucificação e lá não o encontraram. Viram alguns, nesse desaparecimento, um
fato milagroso, atribuindo-o outros a uma subtração clandestina.
Segundo outra opinião, Jesus não teria tido um corpo carnal, mas apenas um corpo fluídico; não
teria sido, em toda a sua vida, mais do que uma aparição tangível; numa palavra: uma espécie de
agênere. Seu nascimento, sua morte e todos os atos materiais de sua vida teriam sido apenas
aparentes. Assim foi que, dizem, seu corpo, voltado ao estado fluídico, pode desaparecer do sepulcro
e com esse mesmo corpo é que ele se teria mostrado depois de sua morte.
(...) Desde o seu nascimento até a sua morte, tudo, em seus atos, na sua linguagem e nas
diversas circunstâncias da sua vida, revela os caracteres inequívocos da corporeidade. São acidentais
os fenômenos de ordem psíquica que nele se produzem e nada têm de anômalos, pois que se
explicam pelas propriedades do perispírito e se dão, em graus diferentes, noutros indivíduos. Depois
de sua morte, ao contrário, tudo nele revela o ser fluídico. É tão marcada a diferença entre os dois
estados, que não podem ser assimilados.
(...) Ao penetrar no corpo material, um instrumento cortante lhe divide os tecidos; se os órgãos
essenciais à vida são atacados, cessa-lhes o funcionamento e sobrevém a morte, isto é, a do corpo.
(...) Um instrumento cortante ou outro qualquer penetra num corpo fluídico como se penetrasse
numa massa de vapor, sem lhe ocasionar qualquer lesão. Tal a razão por que não podem morrer os
corpos dessa espécie e por que os seres fluídicos, designados pelo nome de agêneres, não podem ser
mortos.
Após o suplício de Jesus, seu corpo se conservou inerte e sem vida; foi sepultado como o são de
ordinário os corpos e todos o puderam ver e tocar. Após a sua ressurreição, quando quis deixar a
Terra, não morreu de novo; seu corpo se elevou, desvaneceu e desapareceu, sem deixar qualquer
vestígio, prova evidente de que aquele corpo era de natureza diversa da do que pereceu na cruz;
donde forçoso é concluir que, se foi possível que Jesus morresse, é que carnal era o seu corpo.
(...) Se as condições de Jesus, durante a sua vida, fossem as dos seres fluídicos, ele não teria
experimentado nem a dor, nem as necessidades do corpo. Supor que assim haja sido é tirar-lhe o
mérito da vida de privações e de sofrimentos que escolhera, como exemplo de resignação. Se tudo
nele fosse aparente, todos os atos de sua vida, a reiterada predição de sua morte, a cena dolorosa do
Jardim das Oliveiras, sua prece a Deus para que lhe afastasse dos lábios o cálice de amarguras, sua
paixão, sua agonia, tudo, até ao último brado, no momento de entregar o Espírito, não teria passado
de vão simulacro, para enganar com relação à sua natureza e fazer crer num sacrifício ilusório de sua
vida, numa comédia indigna de um homem simplesmente honesto, indigna, portanto, e com mais
forte razão de um ser tão superior. Numa palavra: ele teria abusado da boa-fé dos seus
contemporâneos e da posteridade.
(...) Jesus, pois, teve, como todo homem, um corpo carnal e um corpo fluídico, o que é atestado
pelos fenômenos materiais e pelos fenômenos psíquicos que lhe assinalaram a existência.
(...) Não é nova essa idéia sobre a natureza do corpo de Jesus. No quarto século, Apolinário, de
Laodicéia, chefe da seita dos apolinaristas, pretendia que Jesus não tomara um corpo como o nosso,
mas um corpo impassível, que descera do céu ao seio da santa Virgem e que não nascera dela; que,
assim, Jesus não nascera, não sofrera e não morrera, senão em aparência. Os apolinaristas foram
anatematizados no concílio de Alexandria, em 360; no de Roma, em 374; e no de Constantinopla,
em 381. Tinham a mesma crença os Docetas (do grego dokein, aparecer), seita numerosa dos
Gnósticos, que subsistiu durante os três primeiros séculos.
(Allan Kardec, A Gênese, capítulo XV itens 64 a 67)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 16

288

Vv. 9 a 11 – Jesus aparece a Maria Madalena (Jo 20:11-18)

I
A tradição fala-nos de Maria Madalena, mas não da Maria de Betânia. Interessante focalizar
resumidamente o que se disse no passado das três Marias: a pecadora, a Madalena e a irmã de
Marta.

AS TRÊS MARIAS

Nas narrativas evangélicas, além de outras (a Mãe de Jesus, a esposa de Cléofas, etc),
aparecem três Marias sobre as quais as opiniões divergem:
1. MARIA "a pecadora", que ungiu os pés de Jesus na casa de Simão o fariseu (Luc. 7:36-50).
2. MARIA MADALENA, que o Talmud apresenta como casada inicialmente com o judeu
Pappus Bem Judah, que abandonou para unir-se ao oficial de Herodes chamado Panther; não era,
necessariamente uma "pecadora pública" nem uma "viciada" como a descreve Gregório Magno.
Curada por Jesus que lhe expulsou sete espíritos obsessores, agregou-se a Ele permanecendo a seu
lado até a crucificação; a ela Jesus apareceu logo após a "ressurreição", em primeiro lugar.
3. MARIA DE BETÂNIA, irmã de Lázaro e de Marta (cfr. João, 11:1-44) que ungiu os pés e
também a cabeça de Jesus na casa de Simão o leproso (João, 12:3) e recebeu Jesus em sua casa
(Luc. 10:38-42).

Entre os comentadores, divergem as interpretações desde as mais remotas épocas:


A) as três constituem uma só pessoa, afirmam: Clemente de Alexandria; Tertuliano; Gregário
Magno; Bernardo, embora com hesitação; e Agostinho, que ora afirma a identidade das três ora
hesita em afirmar que sejam uma só pessoa.
B) Distinguem a pecadora da Madalena (nem supõem identidade com Maria de Betânia): as
Constitutiones Apostolicae; João Crisóstomo; Orígenes. Seguido por Teofilacto, Eutímio, Servio,
etc.; Ambrósio, discute o assunto, afirmando que são duas, embora possa defender-se a hipótese de
que a pecadora se transformou em santa; Hilário; Jerônimo.
Modernamente J. Bollandus, Acta Sanctorum afirma a identidade das três, que fez festejar pela
igreja de Roma a 22 de julho; Bossuet ("Sur les Trois Madeleine", Migne, Paris, 1856) distingue as
três em defesa brilhante.
Analisemos os argumentos que distinguem a "pecadora" de Madalena:
a) o nome do anfitrião, Simão, era tão comum que, entre os doze discípulos de Jesus, dois se
chamavam assim;
b) uma é dita "a pecadora"; a outra designada pelo nome;
c) uma unge os pés, a outra os pés e a cabeça;
d) uma derrama o perfume, a outra quebra o vaso;
e) de uma murmura o anfitrião contra Jesus, da outra queixa-se Judas em alta voz contra o
desperdício;
f) no episódio da pecadora é repreendido Simão; no da Madalena são repreendidos os
discípulos;
g) Simão o fariseu estava na Galiléia; Simão o leproso em Betânia, na Judéia;
h) o primeiro banquete foi mais de um ano antes da crucificação, o segundo, seis dias apenas
antes;
i) o fato de ter tido sete obsessores não implica em ter sido pecadora pública;
j) logo após citar a pecadora (Luc. 7:37), o mesmo evangelista apresenta a Madalena (Luc.
8:2) dando-lhe o nome, como personagem nova;
COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2
Capítulo 16

289

k) o fato de João dizer que Maria foi "a que ungiu" (hê aleípsasa) no passado, quando só narra
a unção posteriormente, nada indica, pois na mente do evangelista devia estar vivo o episódio como
já realizado, e só literariamente aparece a narrativa do fato em seguida.
Quanto à irmã de Marta:
a) Nada faz supor que tivesse tido vida desregrada;
b) Jesus conhece a pecadora durante o jantar de Simão o fariseu, ao passo que Maria de
Betânia era sua amiga, sendo sua casa frequentada por Jesus;
c) Maria Madalena era originária de Magdala, na Galiléia; Maria irmã de Marta era
originária de Betânia, na Judéia.
Das três, nada mais se sabe a respeito da "pecadora" nem de Maria de Betânia. Apenas da
Maria Madalena há tradições: Gregório de Tours escreve que o túmulo de Maria Madalena era
visto em Éfeso ainda no século 6.º. Daniel, o higumeno, diz ter visto seu túmulo e sua cabeça, em
Éfeso, no ano 1106. Os historiadores bizantinos dizem que o imperador Leão VI, em 899, fez trazer
para Constantinopla o corpo de Madalena.
(Pastorino, Sabedoria do Evangelho, volume 7)

II
As narrativas de Mateus, Marcos e Lucas, confrontadas com a de João (capítulo 20º, versículos
1 ao 18), da qual não devem ser separadas, reciprocamente se completam, pois que a cada
Evangelista coube, segundo as vistas do Alto, uma parte especial da narração completa, que todos
fizeram. Daí resulta que, coordenando-se as quatro narrativas, os fatos vêm a ficar estabelecidos de
modo integral, assim no conjunto, como nos detalhes.
(...) A presença das mulheres no sepulcro era esperada e o embalsamento do corpo, sobre o qual
iam derramar perfumes, tinha que se efetuar, logo que despontasse o Sol no primeiro dia da semana
por vir (Mc 16:1; Lc 23:55-56). Passando o dia de sábado. Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e
de Salomé, Joana e as outras que a elas andavam juntas partiram alta madrugada e chegaram ao
sepulcro ao nascer do Sol, levando os aromas que haviam comprado e preparado para o
embalsamento do corpo de Jesus (Mt 28:1; Mc 16:1-2; Lc 23:55-56 e 24:1). Diziam entre si: “Quem
nos tirará a pedra da entrada do sepulcro?“ (Mc 16:3). De repente um grande terremoto se fez sentir
e no mesmo instante a pedra que fechava a entrada do sepulcro foi atirada para o lado, enchendo-se
os guardas de tal pavor, que ficaram como mortos. Então, as mulheres viram (elas e não os guardas,
pois só elas eram médiuns videntes e, ALÉM DISSO, audientes) um anjo do Senhor (um Espírito
superior), cujo semblante resplandecia qual relâmpago e cujas vestes eram alvas como a neve, que,
tendo descido do céu, se assentara sobre a pedra por ele removida do lugar (Mt 28:2-4.).
É o que as narrações de Marcos, Lucas e João, incompletas pela omissão dos pormenores,
referem dizendo: “que Maria Madalena e Maria, mãe de Tiago e de Salomé, olhando, deram com a
pedra, que era muito grande, já removida”. (Mc 16:4); “que as mulheres encontraram removida a
pedra que fora colocada à entrada do sepulcro” (Lc 24:2); — “que Maria Madalena viu que a pedra
fora tirada do sepulcro” (Jo 20:1).
O anjo, dirigindo-se às mulheres, disse: Vós outras nada temais, porqüanto sei que procurais a
Jesus, que foi crucificado. Ele aqui não está, pois que ressuscitou como o dissera. Vinde e vede o
Lugar onde o Senhor fora colocado. Dai-vos pressa de ir dizer a seus discípulos que o Mestre
ressuscitou. Ele vos precederá na Galiléia; lá o vereis, eu vo-lo predigo (Mt 28:5-7). Entrando no
sepulcro (com o anjo que lhes acabara de falar), viram elas um outro anjo (um Espírito), que
tomaram por um mancebo, sentado do lado direito do sepulcro, envolto em alvo manto, e ficaram
muito espantadas (Mc 16:5). Foram esses dois anjos ou Espíritos que, perturbadas, elas tomaram por
dois homens (Lc 24:3- 4).

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 16

290

Tendo penetrado no sepulcro, não acharam lá o corpo do Senhor Jesus, o que lhes causou
grande consternação. E como, por efeito do medo que de todas se apoderou, ficaram imóveis a olhar
para o chão, os dois anjos (ou Espíritos) lhes disseram: “Por que procurais entre os mortos aquele
que está vivo? Ele não está aqui; ressuscitou. Lembrai-vos do que vos declarou quando ainda se
achava na Galiléia, dizendo: Cumpre que o filho do homem seja entregue às mãos dos pecadores,
seja crucificado e ressuscite ao terceiro dia”. Elas então se lembraram das palavras de Jesus (Lc 24:
3-8). O anjo que estava sentado à direita do sepulcro lhes disse: “Não vos assusteis. Buscais a Jesus
de Nazaré, que foi crucificado; Ele ressuscitou; não está aqui; vede o lugar onde o puseram. Mas, ide
dizer a seus discípulos e a Pedro que Ele vos precederá na Galiléia. Lá o vereis, conforme o disse
(Mc 16:6-7). Elas saíram imediatamente do sepulcro, amedrontadas, mas, ao mesmo tempo, cheias
de contentamento, e fugiram. Nada a ninguém disseram, tal o pavor de que se achavam possuídas.
Correram a notíciar, a contar tudo aquilo aos discípulos, aos onze apóstolos e a todas as demais
pessoas (Mt 28:8; Mc 16:8; Lc 24:6).
Maria Madalena, Joana, Maria mãe de Tiago e as outras que com estas andavam é que referiram
todos aqueles fatos aos apóstolos (Lc 24:10). Para fazerem a narrativa, separaram-se, tomando
diversas direções. Maria Madalena saiu a correr e foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo a
quem Jesus amava e lhes disse: (pois que ela ainda duvidava): Roubaram do sepulcro o Senhor e não
sabemos onde o puseram. Imediatamente, Pedro e o outro discípulo (João) saíram e foram ao
sepulcro, ambos a correr, O outro discípulo, porém, correndo mais do que Pedro, chegou primeiro.
Abaixou-se e viu no chão o lençol, mas não entrou. Chegou daí a pouco Simão Pedro, que o seguia,
e entrou no sepulcro. Viu o lençol que lá estava, bem como o sudário, que, entretanto, não se achava
junto com o lençol e sim dobrado a um canto. Então, o outro discípulo, que primeiro chegara, entrou
também, viu e acreditou. Em seguida, ambos voltaram para casa (Jo 20:2-10).
Jesus, que ressuscitara de manhã cedo no primeiro dia da semana, apareceu primeiramente a
Maria Madalena, da qual expulsara sete demônios (Mc 16:9). Tendo ido levar a notícia dessa
aparição de Jesus aos que com ele haviam andado, então aflitos e chorosos (Mc 16:10), Maria
Madalena, que se separara das outras mulheres para correr em busca de Pedro e de João, as
encontrara de novo. E eis que Jesus lhes surgiu pela frente e disse: Salve! Elas se aproximaram dele,
abraçaram-se-lhe aos pés e o adoraram. Disse-lhes então Jesus: “Nada tentais; ide dizer a MEUS
IRMÃOS que vão para a Galiléia, que lá me verão” (Mt 28:9-10.).
A esse tempo, alguns dos guardas foram à cidade e referiram aos príncipes dos sacerdotes o que
sucedera. Estes se reuniram em conciliábulo com os anciães e deram grande soma de dinheiro aos
soldados, recomendando-lhes que dissessem: “Seus discípulos vieram durante a noite e o roubaram,
enquanto dormíamos”. Os soldados receberam o dinheiro e fizeram o que lhes tinha sido
recomendado. E, até hoje, essa versão, que então se espalhou, tem curso entre os Judeus (Mt 28:11-
15). Tal é, coordenados os diversos fatos que cada Evangelista relatou isoladamente, a narração
completa do que então ocorreu.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 188)

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Capítulo 16

291

III
"Mas ide dizer a seus discípulos, e a Pedro,
que ele vai adiante de vós para a Galiléia." (Mc 16:7)

É raro encontrarmos discípulos decididos à fidelidade sem mescla, nos momentos que a luta
supera o âmbito normal.
Comumente, em se elevando a experiência para maiores demonstrações de coragem, valor e fé,
modifica-se-lhes o ânimo, de imediato. Converte-se a segurança em indecisão, a alegria em
desalento.
Multipliquem-se os obstáculos e surgirá dolorosa incerteza.
Os aprendizes, no entanto, não devem olvidar a sublime promessa do princípio, quando o pastor
recompunha o rebanho disperso.
Quando os companheiros, depois da Ressurreição, refletiam no futuro, oscilando entre a dúvida
e a perplexidade, eis que o Mensageiro do Mestre lhes endereça aviso salutar, assegurando que o
Senhor marcharia adiante dos amigos, para a Galiléia, onde aguardaria os amados colaboradores, a
fim de assentarem as bases profundas do trabalho evangélico no porvir.
Não nos cabe esquecer que, nas primeiras providências do apostolado divino, Jesus sempre se
adiantou aos companheiros nos testemunhos santificantes.
E assim acontece, invariavelmente, no transcurso dos séculos.
O Mestre está sempre fazendo o máximo na obra redentora, contando com o esforço dos
cooperadores apenas nas particularidades minúsculas do celeste serviço...
Não vos entregueis às sombras da indecisão quando permanecerdes sozinhos ou quando o
trabalho se agrave na estrada comum. Ide, confiantes e otimistas, às provações salutares ou às tarefas
dilacerantes que esperam por nosso concurso e ação. Decerto, não seremos quinhoados por
facilidades deliciosas, num mundo onde a ignorância ainda estabelece lamentáveis prisões, mas
sigamos felizes no encalço das obrigações que nos competem, conscientes de que Jesus, amoroso e
previdente, já seguiu adiante de nós...
(Emmanuel; Vinha de Luz; 67 – Adiante de Vós)

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Capítulo 16

292

Vv. 12 e 13 – Jesus aparece a dois de seus discípulos (Lc 24:13-35)

I
A aparição de Jesus aos dois discípulos, que eram, inconscientemente, médiuns videntes e
audientes, foi visível, tangível e audível.
A ciência espírita nos faculta elementos para tudo compreendermos e explicarmos a esse
respeito. (...) Tudo o mais se explica pela natureza fluídica do corpo do Senhor e pelo seu poder
magnético.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 190)

II
Todos os evangelistas narram as aparições de Jesus, após sua morte, com circunstanciados
pormenores que não permitem se duvide da realidade do fato. Elas, aliás, se explicam perfeitamente
pelas leis fluídicas e pelas propriedades do perispírito e nada de anômalo apresentam em face dos
fenômenos do mesmo gênero, cuja história, antiga e contemporânea, oferece numerosos exemplos,
sem lhes faltar sequer a tangibilidade. Se notarmos as circunstâncias em que se deram as suas
diversas aparições, nele reconheceremos, em tais ocasiões, todos os caracteres de um ser fluídico.
Aparece inopinadamente e do mesmo modo desaparece; uns o vêem, outros não, sob aparências que
não o tornam reconhecível nem sequer aos seus discípulos; mostra-se em recintos fechados, onde
um corpo carnal não poderia penetrar; sua própria linguagem carece da vivacidade da de um ser
corpóreo; fala em tom breve e sentencioso, peculiar aos Espíritos que se manifestam daquela
maneira; todas as suas atitudes, numa palavra, denotam alguma coisa que não é do mundo terreno.
Sua presença causa simultaneamente surpresa e medo; ao vê-lo, seus discípulos não lhe falam com a
mesma liberdade de antes; sentem que já não é um homem.
Jesus, portanto, se mostrou com o seu corpo perispirítico, o que explica que só tenha sido visto
pelos que ele quis que o vissem. Se estivesse com o seu corpo carnal, todos o veriam, como quando
estava vivo. Ignorando a causa originária do fenômeno das aparições, seus discípulos não se
apercebiam dessas particularidades, a que, provavelmente, não davam atenção. Desde que viam o
Senhor e o tocavam, haviam de achar que aquele era o seu corpo ressuscitado.
(Allan Kardec, A Gênese, capítulo XV item 61)

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Capítulo 16

293

Vv. 14 – Jesus apresenta-se aos discípulos


(Mt 28:16-16; Lc 24:36-43; Jo 20:19-23, 26-29; 21:1-14)

I
A exprobração que, segundo este versículo, Jesus dirigiu, de modo geral, aos onze apóstolos, foi
em razão de não terem dado crédito ao que lhes referiram Maria Madalena e as outras mulheres.
Dirigiu-a de modo especial a Tomé, por não ter acreditado no que lhe relataram os outros apóstolos.
Uma circunstância devemos notar: que Jesus se apresentou no meio dos discípulos, estando eles
reunidos a portas fechadas, de medo dos Judeus. Quer dizer que ali penetrou com o seu corpo
fluídico, tal qual sucede nos casos de aparição de um Espírito qualquer, dando a esse corpo a
tangibilidade, no momento mesmo em que o tornou visível.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 190)

II
Conquanto o tivessem visto, ainda houve incrédulos. Idêntico fato se passa atualmente com o
Espiritismo: apesar de todas as provas, ainda há quem o negue.
O aparecimento de Jesus a seus discípulos, depois do seu desencarne, foi necessário para
solidificar-lhes a fé, que até então era vacilante. Seus discípulos receberam seus ensinamentos;
testemunharam-lhe as obras; depois assistiram à sua prisão e ao seu suplício; viram-no expirar,
pregado na cruz; ajudaram carregar seu cadáver para o túmulo; não podiam alimentar dúvidas: O
Mestre tinha morrido. Em seguida, no dia predito pelo Mestre, ele lhes aparece radiante de vida; fala
com eles; dá-lhes ordens; na verdade, o Mestre Amado tinha ressuscitado. E depois, diante deles,
parte para a elevada esfera espiritual donde viera, e donde continuaria a zelar pelos seus
ensinamentos. Então era bem certo o que ele lhes tinha ensinado: não havia a morte; todos deixariam
o corpo de carne e reviveriam no corpo espiritual, e ascenderiam aos céus. A morte tinha sido
vencida; a imortalidade da alma estava comprovada. Eis porque foi preciso que Jesus expirasse na
cruz. Era mister que todos os discípulos o vissem realmente morto, e que o vissem triunfar da morte
para crerem em seus ensinamentos, e se disporem a evangelizar a humanidade. E uma vez que os
fatos provaram a Verdade, com a certeza absoluta gravada nos corações, partiram os discípulos a
espalhar a Boa Nova por todos os caminhos da terra.
(Eliseu Rigonatti, O Evangelho dos Humildes, capítulo 28)

III
Entendemos que após a crucificação, Ele (Jesus) deixaria o Plano Físico e, portanto, não mais
seria visto sob condições comuns. Habitaria uma das “moradas da Casa do Pai” – um determinado
local no Plano Espiritual, onde aguardaria os discípulos, isto é, o momento da desencarnação de
cada um deles, quando viria buscá-los pessoalmente.
E, de fato, a Sua promessa foi cumprida pois, várias vezes, foi visto de forma inequívoca,
segundo narrativas detalhadas de todos os evangelistas.
(Hércio M. C. Arantes, Mediunidade na Bíblia)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 16

294

Vv. 15 a 18 – A ordem da evangelização

I
Ide por todo o mundo pregar o Evangelho a toda criatura, disse Jesus a seus discípulos. — o que
nos cumpre fazer, mas possuidos de uma fé viva, forte, inabalável e apoiando-nos no exemplo, para
que a nossa pregação produza frutos.
O Cristianismo do Cristo é um só e único para a Humanidade que habita o nosso planeta e
consiste na prática da caridade sob todas as formas. Aquele que atinge esse ponto difícil é cristão,
cristão segundo o Cristo, e do número dos que verdadeiramente caminham nas sendas por Ele
traçadas.
O que crer e for batizado será salvo, mas o que não crer será condenado. — Preciso se faz saber
em que consiste essa crença. Consiste em ter fé, a fé irmã da esperança e, como esta, filha da
caridade e do amor; a fé que conduz às obras, a fé aliada às obras e consumada nelas.
Aquele que crê desse modo é salvo. Quer dizer: não tendo mais que sofrer a expiação reservada
ao Espírito culposo, a reencarnação expiatória, vê abrir-se para si, pela reencarnação em um mundo
mais elevado do que o planeta onde até então encarnara, novas veredas de purificação e progresso.
O que não crê desse modo, o que não pratica a moral simples e sublime que Jesus personifica, é
“condenado”. Quer isto dizer que, depois de haver sofrido, na erraticidade, a expiação proporcionada
e apropriada às faltas ou aos crimes cometidos, sofre a reencarnação expiatória, com o fim de
reparar aqueles crimes e faltas e progredir, recomeçando o que deixou por fazer.
Aos que crerem acompanharão estes milagres: expuLsarão os demônios em meu nome. — Quer
dizer que terá a assistência, o auxílio, o concurso dos Espíritos superiores, que têm o poder de
afastar instantaneamente dos obsidiados e subjugados os maus Espíritos.
Falarão novas línguas: Tornar-se-ão médiuns falantes, pela influência e ação fluídica dos bons
Espíritos.
Imporão as mãos nos enfermos e estes sararão: Pela assistência e pelo concurso invisível dos
bons Espíritos: pelo magnetismo humano, exercido sob a influência e a ação do magnetismo
espiritual, imporão as mãos nos enfermos e os curarão.
Eram de atualidade essas palavras de Jesus (Mc 16:17 e 18) ou, pelo menos, alcançavam um
futuro então próximo e se cumpriram. Dão disso testemunho os Atos dos Apóstolos.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 191)

II
“Mas quem não crer será condenado.” — Jesus (Mc 16:16)

Os que não crêem são os que ficam. Para eles, todas as expressões da vida se reduzem a
sensações finitas, destinadas à escura voragem da morte.
Os que alçam o coração para a vida mais alta estão salvos. Seus dias de trabalho são degraus de
infinita escada de luz. A custa de valoroso esforço e pesada luta, distanciam-se dos semelhantes e,
apesar de reconhecerem a própria imperfeição, classificam a paisagem em torno e identificam os
caminhos evolutivos. Tomados de bom ânimo, sentem-se na tarefa laboriosa de ascensão à
montanha do amor e da sabedoria.
No entanto, os que não crêem, limitam os próprios horizontes e nada enxergam senão com os
olhos destinados ao sepulcro, adormecidos quanto à reflexão e ao discernimento.
Afirmou Jesus que eles se encontram condenados.
A primeira vista, semelhante declaração parece em desacordo com a magnanimidade do Mestre.
Condenados a que e por quem?

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 16

295

A justiça de Deus conjuga-se à misericórdia e o inferno sem-fim é imagem dogmática.


Todavia, é imperioso reconhecer que quantos não crêem, na grandeza do próprio destino,
sentenciam a si mesmos às mais baixas esferas da vida. Pelo hábito de apenas admitirem o visível,
permanecerão beijando o pó, em razão da voluntária incapacidade de acesso aos planos superiores,
enquanto os outros caminham para a certeza da vida imortal.
A crença é lâmpada amiga, cujo clarão é mantido pelo infinito sol da fé. O vento da negação e
da dúvida jamais consegue apagá-la.
A descrença, contudo, só conhece a vida pelas sombras que os seus movimentos projetam e
nada entende além da noite e do pântano a que se condena por deliberação própria.
(Emmanuel; Caminho, Verdade e Vida; 163 – Não Crer)

III
“E estes sinais seguirão aos que crerem; em meu nome expulsarão os demônios;
falarão novas línguas.” — Jesus (Mc 16:17)

Permanecem as manifestações da vida espiritual em todos os fundamentos da Revelação


Divina, nos mais variados círculos da fé.
Espiritismo em si, portanto, deixa de ser novidade, dos tempos que correm, para figurar na raiz
de todas as escolas religiosas.
Moisés estabelece contacto com o plano espiritual no Sinai.
Jesus é visto pelos discípulos, no Tabor, ladeado por mortos ilustres.
O colégio apostólico relaciona-se com o Espírito do Mestre, após a morte dEle, e consolida no
mundo o Cristianismo redentor.
Os mártires dos circos abandonam a carne flagelada, contemplando visões sublimes.
Maomé inicia a tarefa religiosa, ouvindo um mensageiro invisível.
Francisco de Assis percebe emissários do Céu que o exortam à renovação da Igreja.
Lutero registra a presença de seres de outro mundo.
Teresa d’Avila recebe a visita de amigos desencarnados e chega a inspecionar regiões
purgatoriais, através do fenômeno mediúnico do desdobramento.
Sinais do reino dos Espíritos seguirão os que crerem, afirma o Cristo. Em todas as instituições
da fé, há os que gozam, que aproveitam, que calculam, que criticam, que fiscalizam... Esses são,
ainda, candidatos à iluminação definitiva e renovadora. Os que crêem, contudo, e aceitam as
determinações de serviço que fluem do Alto, serão seguidos pelas notas reveladoras da imortalidade,
onde estiverem. Em nome do Senhor, emitindo vibrações santificantes, expulsarão a treva e a
maldade, e serão facilmente conhecidos, entre os homens espantados, porque falarão sempre na
linguagem nova do sacrifício e da paz, da renúncia e do amor.
(Emmanuel; Pão Nosso; 174 – Espiritismo na Fé)

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Capítulo 16

296

Vv. 19 e 20 – A ascensão de Jesus (Lc 24:50-53)

I
Jesus se elevou nos ares, fazendo cessar a tangibilidade do seu corpo fluídico e desapareceu na
nuvem que se formara de fluídos opacos, sob uma ação espírita.
A direita, AQUI, indica o lugar de honra, de acordo com as idéias humanas. Encarregado do
nosso desenvolvimento e do nosso progresso, Jesus continua, como um dos primeiros ministros de
Deus, a desempenhar na imensidade a sua missão de protetor e governador do nosso planeta, tendo
por objetivo a depuração e transformação deste e da Humanidade que o habita.
(Antônio Luiz Sayão, Elucidações Evangélicas, capítulo 191)

II
Na condição de Diretor Espiritual de nosso planeta, de “Luz de todas as vidas terrestres”
(Emmanuel, A Caminho da Luz), Jesus continua amparando e promovendo o progresso espiritual
da Humanidade inteira.
(Mediunidade na Bíblia, Hércio M. C. Arantes)

III
Mc terminava originalmente em 16,8; quanto a 16,9-20, a crítica se mostra hoje mais unânime em
negar a autoria de Marcos.

IV
O FECHO DO EVANGELHO SEGUNDO MARCOS
(CAPÍTULO 16, VERSÍCULOS DE 9 A 20)

Bastante conhecido nos círculos protestantes e católicos, o fecho tradicional do Evangelho de


Marcos (16,9-20), também cognominado a conclusão longa, no que respeita à sua autenticidade, tem
sido bastante questionado desde os meados do século XIX, quando Tischendorf descobriu o Códice
Sinaítico (a) e, em 1882, ano em que Westcott-Hort o puseram à margem por ocasião da publicação
do seu Novo Testamento grego.

(...) De início, observa-se que a conexão entre o versículo 8 e os de 9 a 20 não é das melhores: o
sujeito do versículo 8 são as mulheres, ao passo que o do nove é, presumivelmente, Jesus; ainda no
9, a identificação de Maria Madalena como aquela daqual se expeliram sete demônios é totalmente
desnecessária, além de tardia, visto que ela acabara de ser mencionada poucas linhas antes (cf. 15,47
e 16,1); as demais mulheres (cf. vv. de 1 a 8) são subitamente esquecidas a partir do versículo 9; o
uso de avnasta.j de, e a posição de prw/ton se encaixariam, sem maiores problemas, no início da
narrativa, mas não parecem cabem na continuação dos versículos de 1 a 8. Além disso, há, neste
trecho, nítidas diferenças de estilo, vocabulário e gramática em relação às outras partes do livro
(como também no que diz respeito ao restante do Novo Testamento).

(...) Já William R. Farmer e o jesuíta Joseph Hug, após examinarem detalhadamente o


vocabulário e a gramática desses versículos, confessaram-se inseguros em relação à sua não
espuriedade. Na verdade, deve-se entender que o texto é curto demais para permitir se chegar a uma
conclusão que se caracterize como irrefutável. Como, então, compreender o final súbito e
(aparentemente) incompleto de Marcos? Existem algumas possibilidades.

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Capítulo 16

297

A primeira seria admitir que o evangelista tencionou encerrar sua obra, em 16,8, com a
expressão evfobou/nto ga,r. Assim pensam G. Kümmel e E. Lohse, afirmando que 16,1-8 anuncia o
estupor da ressurreição e o conhecimento da palavra de Cristo. Julgo que essa interpretação é
insuficiente pelos seguintes motivos: apesar da liberdade de Marcos, como teólogo e historiador, que
visa a inculcar a reverência messiânica aos seus leitores (cf. 1,1-13), na literatura grega, são muito
escassos os exemplos de frases e trechos finalizados por ga,r. Mesmo no Evangelho em questão, o
qual faz uso dessa partícula sessenta e seis vezes, apenas em seis casos (1,38; 3,35; 6,52; 10,45;
11,18c; 12,45; cf. 4,25), ela não desponta no final de frases. Além disso, em Marcos, ocorrem
perícopes cujos finais aludem a temor, fo,bos e a temer, fobevomai (4,41; 9,32; 11,18; 12,12);
entretanto, quando isso acontece, o trecho é ampliado, e a causa do temor é explicada (5,33.36;
6,20.50; 9,6; 10,32; 11,32). De qualquer forma, a expectativa de uma conclusão é corroborada
também pelo fato de, no fólio 1303 (reto) do Códice B, haver uma coluna e meia em branco – nesse
documento, esperar-se-ia, logo após a conclusão do Segundo Evangelho, o começo do livro de
Lucas. É bem provável, pois, que o copista possuísse consciência da existência de alguma
continuação.

A segunda possibilidade seria considerar que a conclusão original foi perdida ou destruída
(acidentalmente), antes da multiplicação do Evangelho por meio de cópias, já que os primeiros e os
últimos fólios de um manuscrito, normalmente, estavam assaz expostos ao desgaste, ainda mais se o
códice ou o rolo fossem de papiro.

A terceira alternativa seria admitir que Marcos, devido à perseguição ou morte em Roma, não
pôde terminar o Evangelho.

A quarta, que ele pretendia elaborar um volume complementar, a exemplo de Lucas, escritor do
evangelho que leva o seu nome como ainda do livro de Atos. Tal idéia teria feito com que visse 16,8
não como o fim da narrativa.

Finalmente, a quinta hipótese é que Marcos, precisando de finalizar seu livro às pressas, por
algum motivo desconhecido, alterou seu estilo ao redigir os últimos versículos.

Ainda que todas essas conjecturas sejam plausíveis, a impossibilidade de comprovação histórica
continua deixando margem para que a incógnita não seja solucionada com segurança total.

Para finalizar, da perspectiva do que hoje se chama de crítica genética, convém lembrar que o
texto evidenciado por cada manuscrito não deixa de constituir uma lição única, testemunhando
diversos estágios presentes nas mãos de sucessivas comunidades (como uma leitura autorizada dos
Evangelhos), no exercício da sua função canônica - e isso não constitui uma exceção no que diz
respeito às variantes concernentes ao início e à conclusão do Evangelho segundo Marcos.

(Paulo José Bem, analisando o Códice Grego da Biblioteca Nacional do Rio De Janeiro)

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Índice

298

Índice do Volume 2

Trazendo para hoje uma palavra de ontem....................................................... 3


Estruturação geral do Evangelho de Marcos..................................................... 4

Capítulo 9
Introdução............................................................................................................. 6
V. 1 O discípulo de Cristo deve levar a sua cruz (Mt 16:28; Lc 9:27)...................... 6
Vv. 2 a 8 A transfiguração (Mt 17:1-8; Lc 9:28-36)............................................................ 6
Vv. 9 a 13 A vinda de Elias (Mt 17:9-13)............................................................................... 14
Vv. 14 a 29 A cura de um jovem possesso (Mt 17:14-21; Lc 9:37-43)................................... 18
Vv. 30 a 32 De novo Jesus prediz a sua morte e ressurreição.............................................. 24
(Mt 17:22-23; Lc 9:43b-45)
Vv. 33 a 37 O maior no reino dos céus (Mt 18:1-5; Lc 9:46-48)............................................ 25
Vv. 38 a 41 Jesus ensina a tolerância e caridade (Lc 9:49-50).............................................. 31
Vv. 42 a 48 Os tropeços (Mt 18:6-9; Lc 17:1-2)....................................................................... 33
Vv. 49 e 50 Os discípulos o sal da terra (Mt 5:13; Lc 14:34-35)............................................ 40

Capítulo 10
V. 1 Jesus atravessa o Jordão (Mt 19:1-2 e Jo 10:40-42)........................................... 43
Vv. 2 a 12 A questão do divórcio (Mt 19:3-12; Lc 16:18)..................................................... 43
Vv. 13 a 16 Jesus abençoa as crianças (Mt 19:13-15; Lc 18:15-17)....................................... 55
Vv. 17 a 22 O jovem rico (Mt 19:16-22; Lc 18:18-23)............................................................ 58
Vv. 23 a 31 O perigo das riquezas (Mt 19:23-30; Lc 18:24-30)............................................. 62
Vv. 32 a 34 Jesus ainda outra vez prediz sua morte e ressurreição..................................... 69
(Mt 20:17-19; Lc 18:31-34)
Vv. 35 a 45 O pedido de Tiago e João (Mt 20:20-28)............................................................. 73
Vv. 46 a 52 A cura do cego de Jericó (Mt 20:29-34; Lc 18:35-43)......................................... 84

Capítulo 11
Introdução............................................................................................................ 89
Vv. 1 a 10 A caminho de Jerusalém (Mt 21:1-9; Lc 19:28-40; Jo 12:12-19)....................... 89
V. 11 Em Jerusalém (Mt 21:10-11; Lc 19:28-40).......................................................... 93
Vv. 12 a 14 A figueira sem fruto (Mt 21:18-22)...................................................................... 94
Vv. 15 e 16 A purificação do templo (Mt 21:12-13; Lc 19:45-46; Jo 2:14-17)...................... 97
Vv. 17 a 19 O Ensino no templo (Mt 21:14-17; Luc. 19:47-48).............................................. 102
Vv. 20 a 23 O poder da fé (Mat. 21:20-22; Luc. 17:5-6)......................................................... 103
Vv. 24 a 26 A Oração (Mt. 6:5-15; Lc. 11:1-4)........................................................................ 106
Vv. 27 a 33 A autoridade de Jesus e o batismo de João (Mt 21:23-27; Lc 20:1-8)............... 108

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Índice

299

Capítulo 12
Vv. 1 a 12 A parábola dos lavradores maus (Mt 21:33-46; Lc 20:9-18)............................. 112
Vv. 13 a 17 A questão do tributo (Mt 22:15-22; Lc 20:19-26)............................................... 121
Vv. 18 a 27 Os Saduceus e a ressurreição (Mt 22:23-33; Lc 20:27-40)................................. 126
Vv. 28 a 34 O grande mandamento (Mt 22:34-40; Lc 10:25-27)........................................... 133
Vv. 35 a 37 O Cristo, Filho de Davi (Mt 22:41-46; Lc 20:41-44)........................................... 138
Vv. 38 a 40 Jesus censura os escribas (Mt 23:1-12; Lc 20:45-47).......................................... 141
Vv. 41 a 44 A oferta da viúva pobre (Lc 21:1-4).................................................................... 146

Capítulo 13
Introdução............................................................................................................. 149
Vv. 1 e 2 O sermão profético. A destruição do templo (Mt 24:1-2; Lc 21:5-9)................ 149
Vv. 3 a 13 O princípio das dores (Mt 24:3-14; Lc 21:17-19)................................................ 151
Vv. 14 a 20 A grande tribulação (Mt 24:15-22; Lc 21:20-24)................................................ 156
Vv. 21 a 23 Falsos Cristos e falsos profetas (Mt 24:23-28).................................................... 159
Vv. 24 a 27 A vinda do Filho do homem (Mt 24:29-31; Lc 21:25-28)................................... 161
Vv. 28 a 32 A parábola da figueira (Mt 24:32-41; Lc 21:29-33)............................................ 165
Vv. 33 a 37 Exortação à vigilância (Mt 24:42-44; Lc 21:34-36)............................................. 168

Capítulo 14
Introdução............................................................................................................. 170
Vv. 1 e 2 O plano para tirar a vida de Jesus (Mt 26:1-5; Lc 22:1-2)................................ 170
Vv. 3 a 9 Jesus ungido em Betânia (Mt 26:6-13; Jo 12:1-8)............................................... 172
Vv. 10 e 11 O pacto da traição (Mt 26:14-16; Lc 22:3-6)....................................................... 176
Vv. 12 a 16 Os discípulos preparam à Páscoa (Mt 26:17-19; Lc 22:7-13)............................ 181
Vv. 17 Início da Ceia (Mt 26:20; Lc 22:14)..................................................................... 184
Vv. 18 a 21 O traidor é indicado (Mt 26:21-25; Lc 22:21-23; Jo 13:21-32)........................... 186
Vv. 22 a 25 A ceia do Senhor (Mt 26:26-30; Lc 22:19-20)...................................................... 194
Vv. 26 Saída do Cenáculo (Mt 26:30; Lc 22:39; Jo 18:1a).............................................. 202
Vv. 27 a 31 Pedro é avisado (Mt 26:31-35; Lc 22:31-34)........................................................ 204
Vv. 32 a 42 Jesus no Getsêmani (Mt 26:36-46; Lc 22:39-46)................................................. 207
Vv. 43 a 50 Jesus é preso (Mt 26:47-56; Lc 22:47-53; Jo 18:1-11)......................................... 214
Vv. 51 e 52 Jesus seguido por um jovem................................................................................ 221
Vv. 53 Na Casa de Caifás (Mat 26:57; Luc. 22:54; João, 18:24)..................................... 222
Vv. 54 Pedro segue Jesus (Mt 26:58; Lc 22:55; Jo 18:15)............................................. 223
Vv. 55 a 65 Jesus perante o Sinédrio (Mt 26:59-68; Lc 22:63-71)......................................... 223
Vv. 66 a 72 Pedro nega a Jesus (Mt 26:69-75; Lc 22:55-62; Jo 18:16-18,25-27)................... 232

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Índice

300

Capítulo 15
Vv. 1 a 14 Jesus perante Pilatos............................................................................................ 237
(Mt 27:1,2,11-23,25-26; Lc 23:1-7,13-25; Jo 18:28-40,19:16)
Vv. 15 Pilatos Lava as Mãos (Mt 27:24; Lc 23:24-25).................................................. 249
Vv. 16 a 19 Jesus entregue aos soldados (Mt 27:27-31)......................................................... 252
Vv. 20 e 21 Simão, o Cirineu leva a cruz do Senhor (Mt 27:32; Lc 23:26)........................... 256
Vv. 22 a 28 A crucificação (Mt 27:33-38; Lc 23:33-43; Jo 19:17-27)..................................... 260
Vv. 29 a 32 Zombarias (Mt 27:39-44; Lc 23:35-38)................................................................ 269
Vv. 33 a 39 A morte de Jesus (Mt 27:45-54; Lc 23:44-48; Jo 19:28-30)................................ 275
Vv. 40 e 41 Ao pé da cruz (Mt 27:55-56; Lc 23:49; Jo 19:25-27)........................................... 280
Vv. 42 a 47 O sepultamento de Jesus (Mt 27:57-61; Lc 23:50-56; Jo 19:38-42)................... 282

Capítulo 16
Vv. 1 a 8 A ressurreição de Jesus (Mt 28:1-10; Lc 24:1-12; Jo 20:1-10)........................... 287
Vv. 9 a 11 Jesus aparece a Maria Madalena (Jo 20:11-18)................................................. 290
Vv. 12 e 13 Jesus aparece a dois de seus discípulos (Lc 24:13-35)....................................... 294
V. 14 Jesus apresenta-se aos discípulos 294
(Mt 28:16-16; Lc 24:36-43; Jo 20:19-23, 26-29; 21:1-14)....................................
Vv. 15 a 18 A ordem da evangelização................................................................................... 295
Vv. 19 e 20 A ascensão de Jesus (Lc 24:50-53)...................................................................... 298

Índice do volume 2............................................................................................... 300


Bibliografia do volume 2..................................................................................... 303

COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS DO EVANGELHO DE MARCOS – VOLUME 2


Bibliografia

301

Bibliografia do volume 2

A Bíblia Mais Bela do Mundo, volume 6, editora Abril Cultural.


A Bíblia Sagrada, João Ferreira de Almeida, Sociedade Bíblica do Brasil.
A Gênese, Allan Kardec, FEB.
Caminho, Verdade e Vida; Emmanuel, médium Chico Xavier, FEB.
Códice Grego da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Artigo de Paulo José Bem.
Crônicas de Além-Túmulo, Huberto de Campos, médium Chico Xavier, FEB.
Dicionário bíblico Ebenezer
Elucidações Evangélicas, Antônio Luiz Sayão, FEB.
Estudo do Evangelho Segundo Marcos, André Luiz Bezerra, edição GEAP.
Fonte Viva, Emmanuel, médium Chico Xavier, FEB.
Há Dois Mil Anos, Emmanuel, médium Chico Xavier, FEB.
Jesus, Giuseppe Ghiberti, professor da faculdade teológica de Milão, editora Jornal do Brasil.
Mediunidade na Bíblia, Hércio M. C. Arantes, Ide Editora.
O Consolador, Emmanuel, médium Chico Xavier, FEB.
O Evangelho dos Humildes, Eliseu Rigonatti, editora Pensamento.
O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec, FEB.
O Leão Ruge, Guy Bonneau, edições Paulinas
Os Grandes Julgamentos da História, Otto Pierre Editores.
Pão Nosso, Emmanuel, médium Chico Xavier, FEB.
Revista História Viva, artigo do Dr. Remy Bijaoui.
Sabedoria do Evangelho, volumes 1, 2, 4, 5, 6, 7 e 8, editora Sabedoria.
Subsídios Para a Lição da Escola Sabatina, Ozeas Caldas Moura, Doutor em Teologia Bíblica.
Vinha de Luz, Emmnauel, médium Chico Xavier, FEB.
Visão Restaurada das Escrituras, Roberto C. P. Junior.

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