Вы находитесь на странице: 1из 377

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE

DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO
ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS

JOÃO PESSOA 2014

INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO PARA PRESERVAÇÃO

ANAIS DO EVENTO
 

ORGANIZADORES
Prof. Ph.D Carlos Alejandro Nome – LM+P/UFPB
Prof. Dr. Aristóteles Lobo de Magalhães Cordeiro – LM+P/UFPB
Prof. Dra. Germana Costa Rocha – LM+P/UFPB

Anais ARQDOC 2014


III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE
DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO
ARQUITETÔNICO COM O USO DE TECNOLOGIAS
DIGITAIS

Editora da UFPB
João Pessoa
05 a 07 de Novembro de 2014
 

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

Reitora MARGARETH DE FÁTIMA FORMIGA MELO DINIZ


Vice-Reitor EDUARDO RAMALHO RABENHORST

EDITORA DA UFPB

Diretora IZABEL FRANÇA DE LIMA

Supervisão de ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JÚNIOR


Editoração

Supervisão de JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO


Produção

 
S471a Seminário Internacional sobre Documentação do Patrimônio
Arquitetônico com o uso de Tecnologias Digitais (3 :2014 :
João Pessoa, PB)
Anais do 3º Seminário Internacional sobre Documentação do
Patrimônio Arquitetônico com o uso de Tecnologias Digitais; Anais do
ARQDOC 2014 - Informação e Conhecimento para a Preservação, de
05 a 07 de novembro de 2014 [recurso eletrônico] / Organizadores:
Carlos Alejandro Nome, Aristóteles Lobo de Magalhães Cordeiro,
Germana Costa Rocha.-- João Pessoa: Editora da UFPB, 2014.
1CD-ROM; 43/4 pol.; (Arquivo PDF) Sistema requerido: Adobe
Reader

ISBN: 978-85-237-0903-7

Os artigos e suas revisões são de responsabilidade dos autores.

EDITORA DA UFPB Cidade Universitária, Campus I –s/n


João Pessoa – PB
CEP 58.051-970
editora.ufpb.br
Fone: (83) 3216.7147
 

COMISSÃO ORANIZADORA
AMÉLIA PANET (UFPB)
ARISTÓTELES LOBO DE MAGALHÃES CORDEIRO (UFPB)
ARIVALDO LEÃO DE AMORIM (UFBA)
CARLOS ALEJANDRO NOME (UFPB)
GEOVANY JESSÉ ALEXANDRE DA SILVA (UFPB)
GERMANA COSTA ROCHA (UFPB)
ISABEL ROCHA (UFPB)
LUCIANA PASSOS (UFPB)
MARCIO COTRIM (UFPB)

COMISSÃO CIENTÍFICA
AMÉLIA PANET (UFPB)
ANA ELÍSIA DA COSTA (UFRGS)
ARIVALDO LEÃO DE AMORIM (UFBA)
ARISTÓTELES LOBO DE MAGALHÃES CORDEIRO (UFPB)
ARTUR SIMÕES ROZESTRATEN (USP)
CARLOS ALEJANDRO NOME (UFPB)
CARLOS VAZ (UFPE), DANIEL DE CARVALHO MOREIRA (UNICAMP)
EDJA TRIGUEIRO (UFRN)
FRANCISCO DE ASSIS DA COSTA (UFPB)
GEOVANY JESSÉ ALEXANDRE DA SILVA (UFPB)
GERMANA COSTA ROCHA (UFPB)
GILBERTO CORSO PEREIRA (UFBA)
GISELE PINNA BRAGA (UP)
ISABEL ROCHA (UFPB)
IVAN CAVALCANTI (UFPB)
JOSÉ RIPPER KÓS (UFSC)
MARCO COUTINHO (UFPB)
MARIA BERTHILDE MOURA (UFPB)
MAURO NORMANDO BARROS (UFCG)
NELCI TINEN (UFPB)
PATRICIA PIMENTA (UFU)
REGINA ANDRADE TIRELLO (UNICAMP)
RICARDO TREVISAN (UNB)
THAIS ALESSANDRA BASTOS CAMINHA SANJAD (UFPA)
UNDERLÉA MIOTTO BRUSCATO (UFRGS).

ESITORAÇÃO
NATÁLIA QUEIROZ
Apoio cultural

Realização

Patrocínio
 

Apresentação
A crescente destruição do patrimônio arquitetônico mundial tem sido uma constante no que pesem os
esforços que veem sendo desenvolvidos pelos mais diversos setores no sentido de protegê-lo. Esta
destruição se dá tanto por causas naturais, como decorrente de ações humanas. Uma das formas de
se precaver contra a perda deste patrimônio é através da sua documentação utilizando as tecnologias
digitais. Este tema é conhecido e frequentemente debatido no exterior. Aqui no Brasil ainda não se
estabeleceu uma agenda nacional para o enfrentamento destas questões.

O ARQDOC é um evento científico que trata da documentação do patrimônio arquitetônico e urbano a


partir do uso de tecnologias digitais, reunindo arquitetos e urbanistas, engenheiros, historiadores,
profissionais da área da ciência da computação e da ciência da informação, e outras áreas correlatas.
O primeiro ARQDOC - SEMINÁRIO INTERNACIONAL sobre a Documentação do Patrimônio
Arquitetônico com o Uso de Tecnologias Digitais – foi realizado na cidade de Salvador- BA, em 2010,
por iniciativa do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo - PPG-AU e do
Laboratório de Computação Gráfica Aplicada a Arquitetura e ao Desenho – LCAD, da Faculdade de
Arquitetura da UFBA da UFBA. A segunda edição do ARC.DOC, ocorreu na cidade de Belém-PA,
em 2012, sob a organização da UFPA, reunindo 150 participantes entre pesquisadores, estudantes e
profissionais.

Considerando a atualidade e importância da abordagem científica proposta por esse fórum, e com o
intuito de dar continuidade ao mesmo, o Laboratório de Modelos + Prototipagem - LM+P, vinculado
ao Departamento de Arquitetura e o Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo -
PPGAU - da UFPB, realizará em João Pessoa (PB), a terceira edição no período de 5 a 7 de
novembro de 2014.

O ARQDOC 2014 – III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO


ARQUITETÔNICO COM O USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS tem como temática principal:
informação e conhecimento para preservação. Nesse sentido o foco das discussões será a utilização
dos mecanismos de documentação digital e ou informatizada, para a geração de informações com
vistas ao desenvolvimento de novo conhecimento a ser utilizado na intervenção e conservação do
patrimônio arquitetônico e urbano, segundo três eixos principais: (1) Documentação; (2) Intervenção e
(3) Ensino e aprendizagem.

 
 

Índice de Artigos
12 EDIFÍCIO FLORENTINA DE FALCO E IRMÃOS (1953): ARRANJOS DUPLEX NA OBRA
DE RINO LEVI
Ana Elísia e Bruna Brilmann

23 UM PROJETO, SEIS HIPÓTESES E VÁRIAS MAQUETES VIRTUAIS: ANÁLISE DE UM


EDIFÍCIO DE RINO LEVI
Ana Elísia da Costa e Luisa Cypriano Pieper

34 ANÁLISE DE REQUISITOS PARA AVALIAÇÃO DE QUALIDADE GEOMÉTRICA NO


REGISTRO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM TÉCNICAS FOTOGRAMÉTRICAS
Mariana Batista Campos, Marcus Antunes De Moraes, Antonio Maria Garcia Tommaselli,
Ivana Ivánová e Roland Billen

44 UMA EXPERIÊNCIA DIDÁTICA DE APRENDIZADO DE FERRAMENTA DE EDIÇÃO DE


IMAGENS PARA REGISTRO DA ARQUITETURA
Gisele Pinna Braga e Fernanda Bertoli Stival

54 A RECRIAÇÃO VIRTUAL DA PRAÇA TIRADENTES DE 1940


Gisele Pinna Braga, Larissa Pariz, Lucas Dallabrida e Vanessa Mayer Rigo

65 A COLEÇÃO GILENO DE CARLI E A DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA


CANAVIEIRA EM PERNAMBUCO.
Rodrigo Cantarelli

72 URBANO ORNAMENTO: INVENTÁRIO DE GRADES ORNAMENTAIS EM BELO


HORIZONTE – BREVE RELATO SOBRE UM AMPLO PROJETO
Fernanda Guimarães Goulart

82 BASE DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS PARA O HIS DE MUCUGÊ


Humberto Diniz Guerra Santos e Arivaldo Leão de Amorim

93 REVISTA ACRÓPOLE ELETRÔNICA - PROJETO DE DIGITALIZAÇÃO E INSTALAÇÃO


DE WEBSITE PARA PRESERVAÇÃO E ACESSO ONLINE À MEMÓRIA DA
ARQUITETURA E URBANISMO
Marcia Rosetto, Dina Elisabete Uliana e Hugo Massaki Segawada Costa e Bruna Brilmann

99 USO DE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA COMO SUPORTE PARA HISTÓRIA


URBANA: UMA EXPERIÊNCIA EM BELO HORIZONTE
Diogo Castro Guadalupe, Janaína Costa Rezende, Roberto Eustaáquio dos Santos e Thiago
Alfenas Fialho

109 FERRAMENTAS DIGITAIS NA CONSERVAÇÃO DO ART DÉCO


Fábio Lima

119 ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS PROGRAMAS PARA RESTITUIÇÃO


FOTOGRAMÉTRICA PHOTOMODELER E ORTHOWARE
Andrea Verri Bastian

130 REPRESENTAÇÃO DA OBRA DE ANDREA PALLADIO COM O USO DE MODELOS


TRIDIMENSIONAIS
Monika Maria Stumpp
 

140 COMPARAÇÃO ENTRE SOFTWARES GRATUITOS MODELADORES DE NUVEM DE


PONTOS A PARTIR DE LEVANTAMENTO FOTOGRAMÉTRICO APLICADOS À
DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DE EDIFÍCIOS HISTÓRICOS EM
CUIABÁ-MT.
Pedro Paulo Thame Guimarães, Gisele Milanello do Amaral, Talita de Oliveira, Luciana
Pelaes Mascaro, Maurício Guimarães de Oliveira e Tales Bohrer Lobosco Gonzaga de
Oliveira

149 AS ALTERAÇÕES DO USO E OCUPAÇÃO DOS LOTES DA AVENIDA PRESIDENTE


EPITÁCIO PESSOA (1980-2001)
Paula Dieb Martins e Doralice Sátyro Maia

159 PROJETO ARQUIGRAFIA: ASPECTOS TÉCNICOS E CONCEITUAIS


Artur Simões Rozestraten, Vânia Mara Alves Lima, Eliana de Azevedo Marques, Gabriela
Previdello Orth e Ruth Cuiá Troncarelli

170 GUIA DA ARQUITETURA MODERNA EM FORTALEZA: MEMÓRIA E DOCUMENTAÇÃO


DIGITAL
Ricardo Alexandre Paiva, Beatriz Helena Nogueira Diógenes, Lia Beatriz Mattos Dourado
Bezerra, Roberto Esdras Mourão Lobo Filho, Luana Bezerra Pinheiro do Ceará e Maria
Neuza Lima Osório

179 EXPLORANDO E DIVULGANDO UM ACERVO ICONOGRÁFICO DE ARQUITETURA


POTIGUAR
Nicholas Martino

188 ACERVOS DIGITAIS DE ARQUITETURA MODERNA EM RECIFE: DUAS INICIATIVAS


Guilah Naslavsky e Patricia Ataíde Solon de Oliveira

198 MODERNIDADE PETROPOLITANA – O DESAFÍO DA CRIAÇÃO DE UMA NOVA


IDENTIDADE
Erivelton Muniz da Silva, Adonis Luiz Osmar Silva e Juliana Vitoriano Christ

208 MINHA TIA GUADALUPE: REPRESENTAÇÃO DA MODERNIDADE NA FRANÇA EM MON


ONCLE (1958) E SEUS REFLEXOS EM KOOLHAAS HOUSELIFE (2008)
Gúbio Mariz T. de Sousa Filho

218 FOTOGRAMETRIA DA FACHADA DO PALACETE ORLANDO LIMA - BELÉM


Humberto Diniz Guerra Santos e Larissa Correia Acatauassú Nunes Santos

228 EM BUSCA DO PASSADO NO CENTRO HISTÓRICO DE NATAL: O CASO DA PRAÇA


PADRE JOÃO MARIA
Natália Melchuna Madruga, Joyce Kallyna da Costa Morais Cabral e Ana Karla Pires de
Sousa

238 ESPORTE CLUBE CABO BRANCO: TECNOLOGIAS DIGITAIS MEDIANDO A RELAÇÃO


ENTRE PROJETO E HISTÓRIA
Aristóteles Cordeiro, Cleuton Sousa, Kaline Abrantes Guedes e Nelci Tinem

248 SISTEMA DE INVENTARIAÇÃO DOS BENS IMÓVEIS DA CIDADE DE SANTA MARIA, RS.
João Pedro da Silveira, Leonora Romano, Caryl Eduardo Jovanovich Lopes, Flávia Mastella
Moreira e Fernanda Manfio dos Santos

255 WEBSITE DO PLANO DE CONSERVAÇÃO PREVENTIVA DO MUSEU CASA DE RUI


BARBOSA: SISTEMA INTEGRADO DE INFORMAÇÕES PARA PRESERVAÇÃO DO
PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DO MUSEU
Claudia Suely Rodrigues de Carvalho, Patricia Cavalcante Cordeiro e Fernanda Costa Braz
 

264 CAMPUS VIRTUAL: FERRAMENTAS DE INTERAÇÃO COM PATRIMÔNIO EDIFICADO


DA UFRN.
Petterson Michel Dantas e Carla Varela de Albuquerque Araújo

274 DIGITALIZAÇÃO TRIDIMENSIONAL DE ELEMENTOS ARQUITETÔNICOS DO


CONVENTO FRANCISCANO DE SANTA MARIA MADALENA COM SOFTWARE DE
FOTOGRAMETRIA AUTOMÁTICO
Leandro dos Santos

284 MODELAGEM GEOMÉTRICA DE EDIFICAÇÕES HISTÓRICAS: ESTUDO DO ANTIGO


COLÉGIO MARISTA DE SALVADOR
Cidinei Paulo Campos

294 PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE ARQUITETURA EM ARQUIVOS PÚBLICOSO: O


CASO DO PLANO DE AÇÃO – PAGE (1959-1963)
Miguel Antonio Buzzar, Maria Tereza Regina Leme de Barros Cordido e Lucia Noemia Simoni

304 A UTILIZAÇÃO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS NA DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO


ARQUITETÔNICO
Mônica Martins Andrade Tolentino e Bianca Feitosa Brito

314 PATRIMONIO, GEOMETRIA E REPRESENTAÇÃO: SOB UMA ABORDAGEM DIDÁTICA E


TECNOLÓGICA
Adriane Borda Almeida da Silval, Janice de Freitas Pires, Luisa Félix Dalla Vecchia, Letícia de
Farias Borges, Ana Paula de Andrea Dametto e Mônica Veiga

328 ESTUDO DE OBRAS MODERNISTAS DO ARQUITETO MIGUEL CADDAH EM TERESINA-


PI ATRAVÉS DO SOFTWARE SKETCHUP
Nayane Áurea Santiago Costa, Marina Sampaio de Vasconcelos, Antônio Pabllo Nunes de
Sousa, Vítor Cruz Brito, Dácio Roberto Alves e Fernanda Karla Lemos Dias

333 A FAZENDA DE CRIAR SERIDOENSE DO SÉCULO XIX: A MODELAGEM GEOMÉTRICA


DIGITAL TRIDIMENSIONAL COMO FERRAMENTA DE REGISTRO E MEMÓRIA
Ariane Magda Borges, José Clewton do Nascimento, Josivan Medeiros da Silva Gois, Joyce
Kallyna Da Costa Morais Cabral e Lívia Nobre de Oliveira

341 GATO POR LEBRE: EVIDÊNCIAS DE DESAPARECIMENTO DE QUALIDADES URBANAS


QUE CONTINUAM A ANCORAR O MARKETING IMOBILIÁRIO EM NATAL, RN
Edja Trigueiro, Bárbara Rodrigues Marinho e Nathália de Araújo Pinheiro

356 PROJETO “ATLAS URBANÍSTICO DE VITÓRIA”


Heraldo Borges e Flavia Ribeiro Botechia

 
 

Índice de Posters
367 BIBLIOTECAS DO NORDESTE DO BRASIL: REUNINDO DADOS SOBRE A BIBLIOTECA
DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (RECIFE/PE).
Anna Cristina Andrade Ferreira, Ana Larissa de Andrade Rolim Braz, Andrezza Lira Cavalcanti 
Gomes e Bruna Macedo Gonçalves 

368  URBANO ORNAMENTO: MEMÓRIA GRÁFICA  DAS GRADES ORNAMENTAIS 
Fernanda Guimarães Goulart 

369 SISTEMATIZAÇÃO DO ACERVO ICONOGRÁFICO SOBRE O PATRIMÔNIO


ARQUITETÔNICO DO RN
Cleyton Santos de Medeiros, Nicholas Saraiva Martino e Maria Heloísa Alves 

370  MODELO DIGITAL DO CLUBE CABO BRANCO: ferramenta de registro e compreensão da 
arquitetura 
Aristóteles Cordeiro e Cleuton Sousa  

371  PALACETE DO PRESIDENTE JOÃO PESSOA: MODELAGEM DIGITAL NA COMPREENSÃO e  
REGISTRO DA  ARQUITETURA 
Aryan Francisco Azevedo Silva e Amélia Farias de Panet Barros 

372  PROJETO “INVENTÁRIO ARMANDO DE HOLANDA”: DIGITALIZAÇÃO E CONSERVAÇÃO DE 
ACERVOS DE ARQUITETURA 
Patricia Ataíde Solon de Oliveira, Clarissa Carvalho e Silva e Kamila Cavalcanti Silva 

373  MODELO DIGITAL DO FAROL DO CABO BRANCO: MODELAGEM TRIDIMENSIONAL COMO 
FORMA REGISTO E COMPREENSÃO DO ESPAÇO 
Ana Paula Paluszkiewicz Hermann, Natalia Luna da Silva e Aristóteles Cordeiro 

374  CENTRO DE TECNOLOGIA DA UFPB: UM MODELO GEOMÉTRICO DIGITAL DA


CONSTRUÇÃO ORIGINAL
Ana Paula Paluszkiewicz Hermann, Natalia Luna da Silva e Aristóteles Cordeiro 

375 TECNOLOGIAS DIGITAIS E A DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO INDUSTRIAL 
Darlene Karla Araújo  

 
 

 
 

Programação
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO
ARQUITETÔNICO COM O USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

PRIMEIRO DIA - 05/11/2014 - quarta-feira


17:00 Credenciamento
19:00 Solenidade de Abertura – Auditório do Centro de Tecnologia
19:30 Palestra de Abertura – Prof. Bob Martens - Vienna University of Technology
– Viena, Austria
20:30 Abertura da exposição de Posters - Coquetel de abertura

SEGUNDO DIA - 06/11/2014 - quinta-feira


09:00 Conferencia 01 – Prof. José Luis Lerma Garcia - Universidad Politécnica
de Valencia – Valencia, Espanha
10:00 Coffee Break
10:30 Sessões Técnicas - quatro trabalhos por sala - 8 trabalhos no total
12:00 Intervalo para Almoço
14:00 Sessões Técnicas - oito trabalhos por sala - 16 trabalhos no total
16:30 Coffee Break
17:00 Sarau Temático – Conversas de quinta – IAB/PB

TERCEIRO DIA - 07/11/2014 - sexta-feira


09:00 Conferencia 02 – Profa. Maria Berthilde Moura Filha - Universidade
Federal da Paraíba
10:00 Coffee Break
10:30 Mesa Redonda com os palestrantes e conferencistas
12:00 Intervalo para Almoço
14:00 Sessões Técnicas – oito trabalhos por sala - 16 trabalhos no total
16:30 Coffee Break
17:00 Palestra de Encerramento – Arquiteto Francisco Fanucci - Brasil
Arquitetura – São Paulo, SP
18:00 Coquetel de encerramento
 

Artigos
EDIFÍCIO FLORENTINA DE FALCO E IRMÃOS (1953):
Arranjos duplex na obra de Rino Levi

Ana Elísia da Costa


Professora Doutora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS
ana_elisia_costa@hotmail.com
Bruna Brilmann
Acadêmica da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS
brubril@terra.com.br

RESUMO
Em 1953, o arquiteto Rino Levi desenvolveu o projeto para o Edifício Florentina de Falco e Irmãos. Num
lote estreito e comprido de meio de quadra, o arquiteto projetou apartamentos duplex, solução que
buscava otimizar a orientação solar de seus ambientes, assim como Le Corbusier fez no projeto para a
Unidade de Habitação de Marselha (1947-52). Analisar as nove hipóteses que Levi desenvolveu para
este projeto é o objetivo principal deste artigo. Para tanto, é feita uma pequena contextualização histórica
sobre o habitat moderno e a verticalização em São Paulo. As hipóteses são analisadas de modo gráfico-
textual, recorrendo ao auxílio de maquetas virtuais e “desenhos sobre o projeto”, que buscam identificar
aspectos normativos e excepcionais na investigação projetual de Levi. Ao final, o artigo revela, além da
postura investigativa do arquiteto, a qualidade do ante-projeto adotado, que consegue sintetizar todos os
aspectos normativos de sua produção.
Palavras-chave: Edifício de apartamentos. Arranjos Duplex. Processo de projeto. Rino Levi

ABSTRACT
In 1953, the architect Rino Levi developed the design for the Florentina de Falco e Irmãos Building. In a
narrow and long lot, the architect arranged duplex apartments, solution that aimed to optimize the solar
orientation of its rooms, just like Le Corbusier did in the Housing Unit of Marseille design (1947-52). To
analyze the nine hypotheses that Levi developed for this building is the main goal of this article. For that,
a small historical contextualization about the modern habitat and the growth of high buildings in São
Paulo is made. The hypothesis are analyzed in a graphic-textual mode, using the aid of virtual models
and “drawings above the design”, which allows to identify normative and exceptional aspects in Levi’s
design investigation. In the end, the article reveals, beyond the architect’s investigative approach, the final
design’s quality, in which Levi could synthesize all the normative aspects of his production.
Palavras-chave: Apartment building. Duplex arrangements. Design Process. Rino Levi.

12
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

1. INTRODUÇÃO
A Unidade de Habitação de Marselha (1947-1952), de Le Corbusier, é considerada uma obra
exemplar na arquitetura, por traduzir os ideais de habitação mínima e coletiva preconizados
pelo Movimento Moderno. Depois de estampar revistas e livros de arquitetura, a Unidade de
Habitação passou a servir de modelo para projetos desenvolvidos no mundo todo, instituindo
uma nova espacialidade para os apartamentos modernos - arranjos duplex, com o isolamento
do setor dia (térreo) do setor noite (pavimento superior) e otimização da iluminação e ventilação
dos seus ambientes.
Um ano depois da finalização do projeto francês, o arquiteto brasileiro Rino Levi também explorou
arranjos duplex nos estudos que desenvolveu para o edifício residencial Florentina de Falco e Irmãos
(1953), em São Paulo. Para este projeto, Levi elaborou seis estudos preliminares e três ante-projetos,
disponibilizados no acervo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
(FAU-USP) e parcialmente inéditos em publicações. Estes estudos evidenciam a postura
investigativa do arquiteto, que, gradativamente, abandona os arranjos com apartamentos em um
único pavimento, para adotar os arranjos duplex. A solução é adotada como forma de otimizar a
iluminação e ventilação dos ambientes do edifício, que se insere em um lote estreito e de meio de
quadra.
A análise deste projeto se justifica por documentar obras pouco conhecidas de Levi, que
possam vir a contribuir para ampliar a historiografia da arquitetura brasileira. Por outro lado, o
estudo do processo de projeto de Levi também se justifica por revelar decisões, ajustes,
transgressões, que pouco se explicitam no estudo do “projeto final”, como recorrentemente a
sua arquitetura vem sendo estudada. Esta abordagem permite desenvolver reflexões sobre a
prática de projeto, subsidiando o desenvolvimento de novas atividades de ensino e pesquisa.
Assim, este artigo objetiva documentar e analisar os estudos que Levi desenvolveu para o Edifício
Florentina. Para atingir estes objetivos, o artigo apresenta uma pequena contextualização histórica,
que discute o habitat moderno e a verticalização em São Paulo, relacionando-a com a produção de
edifícios de apartamentos de Levi. Após, as hipóteses projetuais são analisadas de modo gráfico-
textual, recorrendo a maquetas virtuais e “desenhos sobre o projeto”, que buscam identificar
aspectos normativos e excepcionais na investigação projetual do arquiteto. Essa análise enfatiza o
impacto direto da solução em duplex sobre o arranjo formal e funcional do conjunto.
As conclusões deste artigo revelam um rico processo de investigação projetual, que culmina na
qualidade do ante-projeto adotado. Nele, Levi consegue sintetizar todos os aspectos que são
normativos em sua produção; e, mais uma vez, consegue alinhar seu trabalho com o discurso e
as práticas dos grandes mestres do modernismo internacional.

1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

1. 1. O Habitar moderno
Após a primeira guerra mundial, grande parte das cidades europeias estava destruída,
despertando interesses sociais e governamentais para que estas fossem reconstruídas o mais
rápido e eficientemente possível. Decorrente desse cenário, a racionalização construtiva e a
necessidade de políticas de habitação foram temas discutidos já no CIAM de 1928. No
segundo CIAM, ocorrido em 1929, o debate foi ampliado, abordando também o tema do
Existenzminimum (habitação para o mínimo nível de vida). Se discutia que a habitação mínima
era indispensável para a nova, devendo ser repensados os costumes tradicionais de morar.

13
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Para a redução das áreas das habitações, ganharam evidência estudos sobre mobiliário, como a
Frankfurter Kuche (1926), um protótipo de cozinha ideal desenvolvido por Margarete Schütte-Lihotzk.
Também ganharam força os discursos da Bauhaus a favor da standartização da moradia. Tais
discursos apontavam que o acesso à iluminação e ventilação, bem como a organização, faziam com
que as demandas de espaço para morar, do ponto de vista biológico, fossem reduzidas.
Para as habitações mínimas, Le Corbusier propunha a planta flexível. Nela, móveis e
equipamentos deviam ser pensados como partes integrantes, permitindo que as funções dos
ambientes fossem modificadas, conforme as necessidades (FOLZ, 2003). Naturalmente, esta
solução impunha uma sobreposição de funções e um prejuízo para a privacidade dos moradores, o
que levou o arquiteto a sugerir um zoneamento por níveis - espaço social no térreo e o espaço
íntimo no mezanino. Como resultado de seus estudos sobre o assunto, foram projetadas diversas
Unidades de Habitação.
Na Unidade de Habitação de Marselha, os apartamentos duplex buscavam promover a melhoria do
zoneamento das funções domésticas e a otimização do conforto térmico de seus ambientes.
Observa-se que a solução fugia da tripartição da habitação burguesa do século 19, dividida em
zonas íntima, social e de serviços, dirigindo-se para uma bipartição centrada nos modos de vida da
família moderna – zona diurna e noturna. Do ponto de vista do conforto térmico, observa-se que a
configuração permitia a ventilação cruzada no pavimento, indo de uma fachada a outra. (Figura 1).

Figura 1: Unidade de Habitação (1947-52): (a) foto; (b) corte. Marselha. Le Corbusier
a) b)

Fonte: (a) http://www.fondationlecorbusier.fr; (b) http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/

Ainda na Unidade de Habitação de Marselha, Le Corbusier aplicou diversos conceitos


modernos: a racionalização da cozinha, que ganhou proporções reduzidas, assumindo a feição
de um pequeno laboratório; a compartimentação dos ambientes por meio de móveis, como o
que isola a cozinha da sala, configurando a planta livre e flexível; os quartos estreitos, mas
individuais, de forma a garantir a privacidade de seus moradores; a concentração das
instalações hidráulicas, racionalizando a construção.
Mies Van Der Rohe também se aventurou em projetos de habitação mínima, destacando o
edifício de apartamentos para a segunda exposição da Deutscher Werkbund (1927). Nele, uma
estrutura independente permitiu a exploração de diferentes layouts, organizados a partir de
elementos modulares (estantes, armários, divisórias). Mies incorporava, assim, os conceitos de
flexibilidade e multifuncionalidade (FOLZ, 2005; JOHNSON,1947; MEZZADRI, 2008) (Figura 2).

Figura 2: Edifício para a exposição da Deutscher Werkbund (1927). Stuttgart. Mies Van Der Rohe.

14
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Fonte: MEZZADRI, 2008, p.32

1. 2. A verticalização paulista e a produção de Levi


No Brasil, o tema da habitação ganhou maior notoriedade com o Primeiro Congresso de
Habitação, realizado em São Paulo, em 1931. Nesta mesma década, a verticalização nesta
cidade ganhou impulso, com a construção de inúmeros edifícios de apartamentos produzidos
para aluguel. Segundo Villa (2010), estes edifícios passaram a representar uma boa opção de
investimentos, com “rentabilidade bem superior à das habitações horizontais de aluguel
construídas até então”.
Inicialmente, esses edifícios buscavam atender as demandas de habitação nas áreas centrais
da cidade, provocando o seu adensamento e verticalização. Diante disso, o Código de Obras
da época, conhecido como Arthur Saboya, buscou impor limites máximos e mínimos para a
altura das edificações na área central, além de estabelecer recuos laterais, a partir de
determinada altura. (ANITELLIE; TRAMONTANO, 2012)
Regido por esta legislação, a partir da década de 30, Rino Levi começou a desenvolver uma
significativa produção na cidade de São Paulo. Em sua maioria, os projetos desenvolvidos nesse
período encontram-se numa fase de transição do arquiteto, em que misturava elementos do
vocabulário arquitetônico tradicional e moderno. Ilustra essa fase o Edifício Columbus, de 1930,
com estrutura de concreto armado, linhas puras e arranjo interno conservador (VILLA, 2010).
A partir a década de 40, os projetos de edifícios residenciais em altura começaram a ter maior
aceitação por parte da população de classe média e alta, que passou a investir na aquisição
destes imóveis, agora localizados fora da região central da cidade. Esse cenário, segundo
VILLA (2010), provocou a consolidação de uma nova modalidade de empreendimento – a
incorporação de edifícios de apartamentos para venda.
Nesse contexto, os edifícios projetados por Levi passaram a incorporar, mais explicitamente, o
vocabulário moderno (ANELLI, GUERRA, KON, 2001). As fachadas passaram a estar
desprovidas de ornamentos, com suas estruturas aparentes, janelas contínuas e emprego de
elementos de proteção solar, como brises-soleil e cobogós. Ilustram as investigações de Levi
deste período apartamentos como os edifícios Betty (1946) e Prudência (1944), em que
assumiu explicitamente a planta livre moderna, compartimentada por móveis divisórias, que
permitia diversos layouts. (Figura 3)

Figura 3 – Plantas do Edifício Prudência (1944). São Paulo. Rino Levi.

Fonte: VILLA, 2010.

Segundo Vila (2010), a aceitação da população às mudanças “modernas” foi parcial. Em relação à
adoção da planta livre, por exemplo, observou-se grande resistência por parte da classe alta, que
associava a adoção de elementos flexíveis, como divisórias e móveis retráteis, ao arranjo das
casas da população de baixa renda, com seus tapumes, cortinas e armários entre ambientes.

15
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Tampouco a solução foi adotada pela classe baixa, visto que quase nenhum dos apartamentos
construídos nessa época apresentava inovações na forma de organizar o espaço interior. (VILLA,
2010).
Nos anos 50, São Paulo assistiu a boom imobiliário e de verticalização, impulsionados pela
legislação da época, que permitia um generoso índice de aproveitamento do solo. Nesse
contexto, apesar das discussões e projeção da arquitetura moderna, os edifícios de
apartamentos do mercado ainda mantinham suas plantas vinculadas à tradição. (VILLA, 2010).
Rino Levi, contrariando essa tendência, desenvolveu diversos estudos com o uso de divisórias
leves, que flexibilizavam os usos dos ambientes. Ilustram essa estratégia o Edifício Olívio
Gomes (1951) e o próprio objeto de estudo deste artigo, o Edifício Florentina (1953).

2. LEITURA DO OBJETO DE ESTUDO


Em 1953, Levi desenvolve o ante-projeto para o Edifício Florentina de Falco e Irmãos, quando
São Paulo já se afirmava como uma grande cidade verticalizada e industrializada. O programa de
necessidades do edifício Florentina é variável quanto ao número de quartos, entre 2 e 3.
Contudo, mantém fixas as demais demandas: sala de jantar e estar conjugadas, cozinha, área de
serviço, despensa e um pequeno terraço. Assim, seu programa é relativamente compacto,
situando-se entre os edifícios com programas extensos, como os edifícios Prudência (1944) e
Liberdade (1948), e os que configuram habitação mínima, como o edifício Oswaldo Porchat (1946).

O edifício ocupa um lote de meio de quadra, com configuração retangular e geometria


irregular. 1 Na topografia, observa-se que o terreno possui, no seu sentido longitudinal, um
desnível de 2,5m e, no sentido transversal, de 0,36 metros. Importante aspecto do terreno
também é sua orientação solar, com fachada frontal voltada para noroeste. (Figura 4)

Figura 4: Edifício Florentina – (a) Planta de situação; (b) dimensões do lote. São Paulo. Rino Levi. 1953.
a) b)

Fonte: Acervo da Biblioteca da FAU-USP.

Para este projeto, Levi desenvolveu cinco estudos preliminares, alguns incompletos e/ou com
anotações a mão. Os anteprojetos totalizam três estudos, com desenhos técnicos e textos
normografados. A ordem entre as propostas não está expressa nas pranchas. Contudo, analisando
os documentos, avaliou-se que seria possível lançar um ordenamento hipotético dos mesmos, tendo
como refêrencia a característica do estudo (duplex ou pavimento único) e o refinamento do desenho.
Os estudos preliminares estão divididos em dois grupos - de pavimento único e duplex, com
três estudos/cada. No primeiro caso, parece que o objetivo central de Levi é garantir a melhor
orientação solar dos ambientes de permanência prolongada e a iluminação e ventilação

1
O lote possui: 14,55 m de frente; 14,26 m de fundos; 26,5m, na lateral direita; e 26,18 m, na lateral esquerda.

16
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

natural da cozinha e banheiro, o que nem sempre é viabilizada (Estudo 1B) ou é alcançada
com operações formais que desconfiguram a volumetria pura. (Estudo 1C). (Figura 5)
Em relação aos duplex, nos dois primeiros estudos, Levi tenta dispor três apartamentos por andar,
tendo como problema central o arranjo e iluminação do setor de serviços do apartamento do meio.
Visto que nenhum dos arranjos se mostra satisfatório, no Estudo 2C, Levi dispõe apenas dois
apartamentos por andar, com três dormitórios/cada, Os três Ante-Projetos desenvolvidos na
sequência obedecem a disposição desenvolvida neste último Estudo Preliminar. (Figura 5) 2

Figura 5: Edifício Florentina - Estudos de pavimento único e duplex. São Paulo Rino Levi
PRELIMINARES
ESTUDOS

ESTUDO 1A ESTUDO 1B ESTUDO 1C ESTUDO 2A ESTUDO 2B ESTUDO 2C


ANTE-PROJETOS

ANTE-PROJETO 1 ANTE-PROJETO 2 ANTE-PROJETO FINAL

Fonte: Acervo da Biblioteca da FAU-USP (intervenção na base da autora)

2
Por restrições de espaço neste artigo, a documentação do projeto não está apresentada na sua íntegra.
Estrategicamente, se resolveu dar ênfase às plantas dos três ante-projetos. Neste sentido, cabe esclarecer: 1) a
documentação dos Estudos Preliminares 2A, 2A e 2C, por configurar apartamentos duplex, inclui uma segunda
planta-baixa correspondente à planta ilustrada no corpo do texto; 2) todos os seis estudos contemplam um
segundo arranjo de plantas-tipo, definido a partir da volumetria que sofre recuos laterais a uma determinada
altura.

17
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

2. 2. Implantação e volumetria
O projeto se organiza claramente em dois volumes: base, que se cola nos dois limites laterais
do lote, possuindo entre 5 e 6 andares; e torre, que se afasta 2,5m dos limites laterais,
variando entre 5 e 6 andares. Os dois volumes, contudo, preservam o mesmo recuo frontal
de 4m, tangenciando suas faces. Essa configuração atende a parâmetros legais
estabelecidos para a Avenida Nove de Julho, que impunham, em diferentes trechos, recuos
laterais proporcionais à altura do edifício. (ANITELLIE; TRAMONTANO, 2012). (Figura 6a)
Somado à questão legal, a tipologia dos apartamentos interfere diretamente na altura da torre
e na configuração volumétrica do conjunto: se duplex, a torre se define a partir do sexto
andar, contabilizando 12 andares; se planta única, a partir do quinto andar, contabilizando 10
andares (Figura 6b); se duplex, a volumetria se mostra mais compacta, destacando apenas o
corpo da escada, que se externaliza na parte posterior do lote; se de pavimento único,
configura dois volumes explicitamente interseccionados. (Figura 6c)

Figura 6: Edifício Florentina: (a) Volumetria e condicionantes legais - Ante-Projeto Final; (b)
Volumetria e altura – Estudo Preliminar 2B e Estudo Preliminar 1C; (c) Partido compacto x Partido
aditivo - Ante-Projeto 1 e Estudo Preliminar 1ª.

b)

a)

c)

Fonte: (a) Acervo da Biblioteca da FAU-USP; (b e c) da autora.

18
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

2.3. Aspectos funcionais

2.3.1. Zoneamento
Observa-se que o arranjo espacial de Levi é fortemente condicionado pela definição de
faixas - longitudinais no segundo pavimento e transversais no primeiro. (Figura 7) As faixas
transversais dos pavimentos inferiores definem os setores social e serviço, com diferentes
dimensões entre os estudos. Destaca-se as configurações dos terraços e como eles
impactam a organização do conjunto. Nos pavimentos superiores, Levi organiza as áreas
compartimentadas e as circulações nas duas faixas longitudinais centrais, deixando as
faixas laterais organizadas como planta livre.

Figura 7: Edifício Florentina - Ante-projetos 1 e 2: (a) faixas dos pavimentos inferiores; (b) faixas
dos pavimentos superiores. São Paulo. Rino Levi. 1953.

a) b)

Fonte: Acervo da Biblioteca da FAU-USP (intervenção na base da autora)

A faixa transversal que abriga o setor social possui a orientação com maior incidência solar
(noroeste). No pavimento superior, as faixas longitudinais impõem que dois quartos se voltem
para a fachada noroeste e um para sudeste, que é menos favorável. Assim, a otimização da
orientação solar dos ambientes de permanência prolongada não é alcançada plenamente no
arranjo duplex. Por outro lado, observa-se que Levi protege os ambientes voltados a noroeste,
seja com a disposição de sacada-terraço (Ante-projeto 2), seja com brises verticais (Antre-
projeto 1 e Final).

2.3.2. Circulação vertical


Em todos os estudos, a circulação vertical ocorre nos fundos do lote, liberando a melhor
orientação solar da fachada frontal para os ambientes de permanência prolongada. A posição
centralizada, por sua vez, garante que as circulações horizontais se tornem mais compactas.
Nos apartamento duplex, a escada interna que liga os seus pavimentos exige uma pesquisa a
parte, visto que impacta o arranjo do conjunto. Neste sentido, observa-se duas tipologias
principais: a) escada disposta no sentido transversal da planta, determinando um corredor
íntimo mais compacto e um banheiro com proporções quadráticas (Ante-projeto 2); b) escada
disposta no sentido longitudinal da planta, com corredor íntimo maior, banheiro mais retangular
e um setor social com geometria mais clara (Ante-projetos 1 e Final). (Figura 8)

19
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 8: Edifício Florentina - Disposição das escadas internas nos pavimentos superiores: a)
transversal (Ante-projeto 2); b) longitudinal (Ante-projeto Final). São Paulo. Rino Levi. 1953.

a) b)

Fonte: Acervo da Biblioteca da FAU-USP (intervenção na base da autor)

Acesso em meio nível


Nos Estudos prelimiares 2A e 2C, ambos duplex, Levi investiga o acesso aos apartamentos em
“meio nível”. Nestes casos, o desafio parece se centrar na definição do patamar de acesso. No
Estudo 2A, que possui três apatarmantos por andar, Levi define: nos apartamentos laterais, a
ocupação do patamar de acesso é feita com o setor de serviços e o hall de entrada; no
apartamento central, o hall fica internalizado, garantindo a circulação privada entre os seus
pavimentos. (Figura 9)

Figura 9: Edifício Florentina - Disposição das escadas internas em meio nível: (a) Evolução do
Estudo Preliminar 2A; (b) Estudo Preliminar 2C. São Paulo. Rino Levi. 1953.

a) b)

Fonte: Acervo da Biblioteca da FAU-USP (intervenção na base da autora)

2.4. Arranjo interno dos apartamentos


Planta livre e móveis divisórias
O conceito de planta livre é explorado em quase todos os estudos e se torna ainda mais
evidente nos dois últimos Ante-projetos. Neles, a compartimentação entre ambientes do setor
social é feita por móveis-divisórias (Figura 10 a) e o layout do setor íntimo já sugere a liberdade
de definição do número de quartos por parte dos próprios moradores. (Figura 10 b).

20
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 10: Edifício Florentina – Planta livre e móveis divisórias: (a) setor social – Ante-projeto 2; (b)
setor íntimo – Ante-projeto 2 e Final. São Paulo. Rino Levi. 1953

a)

b)

Fonte: (a) da autora; (b): Acervo da Biblioteca da FAU-USP (intervenção na base da autora)

Arranjo linear e compacto da cozinha

Em todos os estudos, a cozinha atua como um cômodo de passagem, ligando o setor social ao
de serviços. É o cômodo em que a compactação de área é mais evidente no projeto. Em sua
maioria, as cozinhas assumem arranjos retangulares, sendo dispostas no sentido longitudinal
da planta. Esse arranjo garante a iluminação e ventilação dos demais ambintes do setor de
serviços, que se voltam para a fachada posterior. As cozinhas de proporções quadradas são
mais recorrentes nos apartamentos da torre e a sua geometria pode ser justificada pela
possibilidade de abrir janelas para o recuo lateral de 2,5 metros.

Dentro da geometria retangular ou quadrangular, Levi esboça uma circulação centralizada


longitudinal, dispondo linhas de trabalho (bancadas e/ou equipamentos) em suas duas laterais.
A disposição destas bancadas garante ao arquiteto o controle dimensional do layout, mesmo
muitas vezes sem especificar claramente a posição dos eletrodomésticos.

3. CONCLUSÃO
O projeto para o Edifício Florentina ganha relevância na produção de Levi por ser um dos poucos,
ou talvez o único, projeto com apartamentos duplex que ele desenvolveu. Os nove estudos
elaborados retratam sua postura investigativa e o ante-projeto final, ao adotar o arranjo de
apartamentos duplex, otimiza as respostas formais e funcionais dadas ao problema de projeto.
Formalmente, a sobreposição das plantas de cada apartamento determina uma volumetria mais
compacta e verticalizada em relação aos limites do lote. Na fachada posterior, as subtrações dos
terraços de serviço configuram um jogo volumétrico vertical de cheios e vazios; e a “fachada-

21
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

livre” frontal recebe a proteção de brises verticais. A pureza volumétrica só não é maior por
imposição legal, que exige afastamentos laterais a partir de determinada altura.
A “fachada frontal livre” é uma decorrência das frações de “planta-livre” de cada pavimento. Com
arranjo duplex, Levi consegue ordenar cada pavimento em faixas, em que aglutina as áreas
compartimentadas e as circulações verticais na parte posterior e central do volume, liberando a
fachada frontal para áreas de planta-livre. Como cada apartamento possui dois andares, “duas
fachadas frontais” se voltam à orientação solar mais favorável – noroeste. Nesta fachada, estão
dispostos os ambientes de permanência prolongada – salas no pavimento inferior e dormitórios
no pavimento superior, contrapondo aos ambientes de serviço, que se voltam para a fachada
posterior (sudeste).
Assim, o arranjo duplex permite que o projeto seja desenvolvido com uma dualidade frente-
fundos bastante adequada ao lote estreito em que se insere e ao programa atendido – fachada
livre x terraços; planta livre x planta compartimentada; ambientes de permanência prolongada x
de permanência temporária.
Levi, sintetiza, assim, valores que persegue em quase todos os seus projetos. Por outro lado,
uma ano depois de terminado o projeto da Unidade de Habitação de Marselha, já alinha seu
trabalho com o discurso e as práticas dos grandes mestres do modernismo internacional. Assim,
longe de ser uma obra menor, o Edifício Florentina de Falco e Irmão pode ser apresentado como
uma das obras exemplares de Levi.

4. BIBLIOGRAFIA
ANITELLI, Felipe; TRAMONTANO, Marcelo. Construir, legislar, burlar: edifícios de apartamentos em
São Paulo, 1920-1957. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 142.01, Vitruvius, mar. 2012
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.142/4268>.
FOLZ, Rosana R. Industrizaliação da Habitação Mínima: Discussão das Primeiras
Experiências de Arquitetos Modernos – 1920-1930. Monografia (Disciplina Tópicos Especiais
IV). Escola de Engenharia de São Carlos, USP. 2004.
________. Mobiliário na Habitação Populares. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e
Urbanismo). Escola de Engenharia de São Carlos, USP. 2002.
________. Arquitetura moderna e tipologias de mercado: Uma primeira classificação. In
SAMPAIO, Maria R. A. de (org.). A promoção privada de habitação econômica e a
arquitetura moderna, 1930-34. São Carlos, RiMa: 2002.
JOHNSON, Philip. Mies van der Rohe. New York: The Museum of Modern Art, 1947.
KOPP, Anatole. Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. São Paulo: Nobel, EDUSP, 1990.
MEZZADRI, Humberto. Mies no Weissenhof. In Revista Arquitexto. Porto Alegre: UFRGS-PROPAR. 2008.
SILVA, Ricardo D. Habitação mínima na primeira metade do século 20. Monografia
(Doutorando em Arquitetura e Urbanismo). Escola de Engenharia de São Carlos - USP, 2006.
SOUZA, M.A.A. de, Metropolizando: a cidade vertical. In: Anais do I Seminário Internacional a
Metrópole e a Crise. São Paulo: Departamento de Geografia/Universidade de São Paulo, 1985.
VILLA, Simone B. Um breve olhar sobre os apartamentos de Rino Levi: Produção imobiliária,
inovação e a promoção modernista de edifícios coletivos verticalizados na cidade de São
Paulo. Arquitextos, São Paulo, 10.120, Vitruvius, jun 2010. Disponível
em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.120/3437. Acesso em: jan. 2013.

22
UM PROJETO, SEIS HIPÓTESES E VÁRIAS MAQUETES
VIRTUAIS: análise de um edifício de Rino Levi

Ana Elísia da Costa


Professora e Doutora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS
ana_elisia_costa@hotmail.com
Luisa Cypriano Pieper
Acadêmica da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS
luupieper@gmail.com

RESUMO:
Este artigo discute o processo de projeto, mais precisamente, o processo de projeto do
arquiteto Rino Levi. Objetiva-se analisar, comparativamente, seis estudos que Levi
desenvolveu para o Edifício “Dr. Antônio Prudente” (1948-49), sendo quatro estudos com
apartamentos de grande porte, brevemente apresentados, e dois, com pequeno porte, mais
profundamente analisados. Para fundamentar esta análise, são desenvolvidas pesquisas
bibliográfica e documental. A primeira enfoca a produção de edifícios de apartamentos
desenvolvidos por Levi entre 1920 e 1940 e a segunda volta-se à elaboração de esquemas
gráficos e maquetes virtuais, entendendo o “redesenho” do projeto como estratégia
fundamental para sua documentação e análise. Ao fim, o cruzamento de dados busca
identificar estratégias projetuais recorrentes. A pesquisa ganha relevância, por se constituir um
dos poucos projetos que Levi desenvolveu para habitações compactas e por ser ainda inédito
em publicações, o que permite ampliar o conhecimento sobre a produção do arquiteto e,
consequentemente, sobre a historiografia da arquitetura brasileira.
Palavras-chave: Rino Levi. Processo de Projeto. Arquitetura residencial. Maquete virtual.

ABSTRACT:
This article discusses the design process in architecture, more precisely, the design process of
Rino Levi. The goal is to analyze, comparatively, six studies that the architect developed for the
“Dr. Antônio Prudente” Building (1948-49). There are four large apartments, briefly presented,
and two smaller, deeper analyzed. To support the research, a bibliographic and a documentary
review is made. The former one examines Rino Levi’s production of apartment buildings
between 1920 and 1940. The latter one focuses on development of graphic schemes and virtual
models, recognizing the redesign of the project as the main strategy for analysing it and
documenting it. In the end, the intersection of data seeks to identify usual design strategies.
This research is relevant because it is one of the few projects that Levi developed for compact
apartments and because it is unprecedented in publications, which allows the knowledge of the
architect production to be broaden, and consequently, the historiography of brazilian
architecture.
Key-words: Rino Levi. Design process. Residence architecture. Virtual models.

23
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

INTRODUÇÃO:
Cada projeto arquitetônico é único, visto que é o produto de um processo de
elaboração pessoal. Este processo pode envolver procedimentos de investigação nem
sempre lineares ou lógicos, visto que não existe uma única solução para o problema
apresentado e que uma mesma solução pode ser abandonada e retomada inúmeras
vezes ao longo do processo de concepção. (GÓES, 2008)
Além disso, ao longo do processo de atuação como projetista, observa-se que um
arquiteto adota procedimentos que podem ser considerados normativos, sendo estes
pressionados por fatores circunstanciais de cada projeto (GONSALES, 2001). Tais
procedimentos normativos, contudo, vão se transformando ao longo do tempo, resultado
de reflexões e vivências do arquiteto, ou seja, do seu próprio amadurecimento
profissional. Decorre deste fato a possibilidade de identificação de “fases” na produção
de um arquiteto, que podem envolver desde o uso de um determinado vocabulário
estilístico, até ênfases na adoção de estratégias projetuais específicas.
O processo de projeto é o tema deste artigo, mais precisamente, o processo de projeto do
arquiteto Rino Levi. Levi iniciou sua aprendizagem em Milão e concluiu seus estudos em
Roma (1921 a 1926), numa fase em que a Itália apresentava-se polarizada entre duas
escolas arquitetônicas dominantes: a do sul, com viés mais historicista, ligada à tradição
clássica; e as do norte, cuja arquitetura era mais ligada ao modernismo internacional.
Na carreira do arquiteto, é possível perceber a adoção de alguns procedimentos
normativos, bem como é possível identificar duas fases na sua produção – antes e
após a década de 40 - quando Levi passou a assumir mais explicitamente o
vocabulário moderno (ANELLI et. al, 2001). Demonstrando um profundo senso
investigativo, nas duas fases de seu trabalho, Levi desenvolvia diversos estudos para
um mesmo projeto, muitas vezes, envolvendo partidos distintos entre si. A maior parte
destes estudos era apresentada apenas com desenhos bi dimensionais esquemáticos
– cortes e fachadas – sem recorrer à apresentação de croquis ou perspectivas.
Neste artigo são analisadas seis hipóteses desenvolvidas pelo arquiteto para o Edifício
“Dr. Antônio Prudente” (1948-49), sendo duas com apartamentos compactos e quatro com
apartamentos de grande porte. A análise centra-se nas propostas de apartamentos
compactos, objeto de interesse da pesquisa “De Estudos Intermediários a Versões Finais:
Características operacionais nos projetos de Rino Levi”, na qual este trabalho se insere.
Trata-se de um dos poucos projetos de habitações compactas desenvolvidos por Levi.
Além de atenderem às demandas do mercado paulistano, estes projetos configuram o
que Correia (2004) chama de habitat moderno, cujos ideias passaram a ser mais
claramente defendidos no mundo a partir do CIAM de 1929, e, no caso específico do
Brasil, a partir do Primeiro Congresso de Habitação, realizado em São Paulo em 1931.
O projeto, que nunca foi construído, é ainda inédito em publicações e a sua
abordagem permite ampliar o conhecimento sobre a produção de Levi e sobre a
historiografia da arquitetura brasileira.
Assim, o objetivo principal do artigo é analisar comparativamente os dois estudos de
apartamentos compactos que Levi desenvolveu para o referido edifício. Para subsidiar
esta análise, é desenvolvida uma pequena contextualização histórica sobre a produção
de edifícios de apartamentos de Levi entre as décadas de 1920 e 1940. Em paralelo, é
também desenvolvida uma pesquisa documental sobre os seis estudos do Edifício
Prudente, enfatizando a elaboração de esquemas gráficos e maquetes virtuais dos
mesmos. De modo conclusivo, os dados da pesquisa bibliográfica e da pesquisa
documental são cruzados, buscando identificar estratégias de projeto recorrentes,
entendidas aqui como estratégias normativas.

24
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Como conclusão, observa-se que o desenvolvimento do projeto do Edifício Prudente


obedece a parâmetros projetuais consolidados em outros projetos que Levi
desenvolveu ao longo das décadas de 30 e 40. Mesmo se tratando de habitação
compacta, persiste nos estudos aspectos normativos que norteiam também os
projetos para habitações de grande porte. Registra-se ainda o fundamental suporte
das maquetes virtuais para a documentação e análise do projeto em questão.

1 LEVI E O EDIFÍCIO DE APARTAMENTOS


Ao longo da produção de Levi, pode-se observar a influência de referências adotadas
nas duas escolas italianas que frequentou – a romana e a milanesa. Até a década de
40, Levi hibridiza referências racionalistas, expressionistas e clássicas, se mostrando,
ainda, preso à escola romana. Após a década de 40, o arquiteto faz referências mais
claras ao vocabulário moderno. (ANELLI et. al, 2001)
Esta mudança em suas referências pode estar relacionada ao contexto cultural da
década de 40. Segundo Lemos (1979), a década de 40 é marcada por uma alteração
na arquitetura paulista, condicionada, entre outros fatores, por um expressivo ingresso
de arquitetos estrangeiros e pela criação de duas novas faculdades de arquitetura: da
Mackenzie e da Universidade de São Paulo.
Considerando este contexto, é desenvolvida uma breve análise dos edifícios
projetados por Levi até a década de 40, quando foi desenvolvido o Edifício Prudente:

1.1 Décadas de 20 e 30: Gazeu (1929), Schiesser (1933) e Carvalho (1939)


A análise dos edifícios Gazeu (1929) e Schiesser (1933) revela características
explícitas nos estudos iniciais do Edifício Prudente (Figura 1):
• Disposição simétrica da circulação vertical, que define um eixo de circulação
horizontal compacto;
• Tentativa de modulação das plantas;
• Definição clara de uma área de permanência prolongada, cuja orientação é
privilegiada, e outra de permanência transitória;
• Desenho do layout dos ambientes com instalações hidrossanitárias, assim como
previsão de alguns móveis embutidos.

Figura 1 – Plantas dos Edifícios: (a) Gazeau (1929) e (b) Schiesser (1933). São
Paulo. Rino Levi.

a b

Fonte: VILLA, 2010.

Ainda na década de 30, o edifício Viera de Castro representa uma exceção na produção
de Levi deste período. A modulação de sua planta é menos controlada do que nos
exemplos anteriores, provavelmente, devido às pressões do programa sobre as
dimensões reduzidas do lote. Também a simetria da circulação vertical perde sentido,

25
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

visto que apenas uma unidade habitacional é disposta por andar. Variações na disposição
e tipologia da escada e elevador determinam três arranjos espaciais distintos. (Figura 2).

Apesar destas restrições dimensionais, observa-se que Levi recorre a características


que podem ser entendidas como normativas: 1) otimização da orientação solar dos
ambientes de permanência prolongada (com exceção do quarto da Solução A); 2)
compartimentação mais rígida da área íntima e mais maleável da área social, que
integra seus ambientes; 3) adoção de um pequeno hall que define acessos
independentes entre a cozinha e sala.

Figura 2 – Plantas do Edifício Vieira de Carvalho (1939). São Paulo. Rino Levi.

Fonte: VILLA, 2010.

Principalmente nos dois primeiros edifícios - Gazeu e Schiesser, observa-se uma


excessiva compartimentação das áreas sociais, íntimas e de serviços, que faz
referência à clara setorização das moradias burguesas oitocentistas. O uso deste
esquema pode se justificar pelo desejo de combater a associação deste novo tipo de
moradia com a promiscuidade de cortiços e residências de baixo custo ou ainda, pelo
desejo de atender o gosto da população em geral, já que a maioria destes
apartamentos era voltada ao aluguel. (CORREIA, 2004; VILLA, 2010).

1.2 Década de 40: Prudência (1944) e Oswaldo Porchat (1946)


Em 1944, Levi desenvolveu o edifício Prudência, com uma estreita relação entre a
planta livre, estrutura modulada e fachada livre. Neste sentido, Villa (2010) aponta: “a
distribuição interna dos espaços foi modulada com base na grelha estrutural do
edifício. Tal grelha ordena a espacialidade interna e sua clareza é tanta, que se torna
possível a exploração das possibilidades da fachada livre”.

Na Figura 3, observa-se a larga utilização de mobiliário entre cômodos, como era


indicado na flexibilização das habitações modernas. Tal proposta, contudo, não era
recorrente na época, colaborando para a pouca aceitação do edifício, que foi tido
como um fracasso do ponto de vista imobiliário.

Figura 3 – Plantas do Edifício Prudência (1944). São Paulo. Rino Levi.

Fonte: VILLA, 2010.

26
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

A solução da compartimentação com móveis foi retomada dois anos depois, no Edifício
Oswaldo Porchat (1946). Nele, Levi também segrega os quartos com armários e explora
a fachada livre. Os temas da modulação da planta, da disposição da escada
centralizada e do arranjo de um hall em cada uma das unidades habitacionais são
também retomados. Contudo, observa-se que a disposição de um apartamento frente e
outro de fundo impede a otimização da orientação solar dos ambientes de permanência
prolongada de todos os apartamentos. (Figura 4). Assim, um dos aspectos normativos
na produção do arquiteto é pressionado pelas contingências específicas do projeto.

Figura 4 – Edifício Oswaldo Porchat (1946). São Paulo. Rino Levi.

Fonte: Acervo de projetos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo -


FAU-USP. (Intervenção na base: grupo de pesquisa).

1.3 Síntese das três décadas

Entre as três décadas, a grande diferença entre os projetos de Levi reside no


gradativo abandono do sistema tripartite, para adoção da planta livre e flexível, cuja
aceitação, como já discutido, encontrou resistência por parte do grande público.
A partir da análise desenvolvida, é possível afirmar ainda que, ao longo das
décadas de 30 e 40, o processo de projeto de Levi é condicionado, principalmente,
por aspectos normativos diretamente vinculados ao lugar, como a clara priorização
pela melhor orientação solar dos ambientes sociais e a articulação da forma dos
edifícios com a geometria e topografia do terreno (COSTA ET AL., 2013). Soma-se
a estes, aspectos normativos funcionais e espaciais, entre os quais podem ser
mencionados: a disposição da circulação vertical, predominantemente, no eixo de
simetria do edifício; a modulação da planta; a configuração de um hall de acesso
para cada apartamento; a organização do programa em setores claramente
identificáveis.

2 EDIFÍCIO DR. ANTÔNIO PRUDENTE


O projeto do edifício Dr. Antônio Prudente ocupa um terreno localizado entre as
ruas Acarahú e Avanhandava, em São Paulo. O lote possui topografia íngreme e
sua geometria irregular é próxima a de um trapézio, cujo vértice voltado para a rua
é arqueado. De modo recorrente, o acesso de veículos ocorre na cota mais baixa,
através rua Acarahú; e o acesso de pedestres, na cota mais alta, pela rua
Avanhandava.
Para este lote, Levi desenvolveu seis estudos - dois de habitação compacta e quatro
de grande porte (Figura 5). A ordem entre os estudos é imprecisa, sendo apenas
indicados o primeiro e o segundo estudo dos apartamentos compactos. Como
hipótese, apresenta-se abaixo um sequenciamento de desenvolvimento destes

27
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

estudos, baseado no maior detalhamento gráfico ao longo destes e na gradual


compreensão, por parte de Levi, da topografia do terreno.

Figura 5 - Edifício Prudente: 06 estudos com diferentes portes (1948). São Paulo. Rino Levi.
Planta baixa tipo- Compactos
ESTUDOS PRELIMINARES

1º estudo 2º estudo
Planta baixa tipo- Grande porte
ESTUDOS PRELIMINARES

1º estudo 2º estudo 3º estudo 4º estudo


Fonte: Acervo de projetos da FAU-USP (Intervenção na base: da autora).

Procedimentos de análise
Para a análise dos seis estudos, são elaborados esquemas gráficos e maquetes
virtuais, utilizando o software sketchup. O “redesenho” tridimensional do estudos é
adotado na pesquisa como um procedimento fundamental para possibilitar uma
melhor “apropriação” das decisões, ajustes e transgressões observadas no
desenvolvimento do projeto, revelando as intenções do autor e a consistência de
suas decisões. (GASTÓN E ROVIRA, 2007). Assim, recorre-se ao que Pinõn
(2005) chama de inversão do processo habitual: dado o edifício (ou projeto),
procura-se a arquitetura.
A partir do “redesenho”, é desenvolvida uma análise tipológica, que se apoia no
método de observação e no método comparativo. Através da observação, os
estudos são descritos à luz de categorias de análise pré-definidas 1 e, através da
comparação, são verificadas similaridades e especificidades entre os mesmos.
(GIL, 1999; LAKATOS; MARCONI, 1991).
Ao fim, são traçadas relações entre a análise dos objetos de estudo e os aspectos
destacados na pesquisa bibliográfica. Espera-se, assim, que as relações
apontadas possam, de modo generalizado, traduzir o universo estudado.

2.1 Habitações de Grande Porte


2.1.1 Implantação e Aspectos Formais

1
Recorre-se às categorias sugeridos por Mafhuz (1995): a dos “tipos formais”, registrando a forma/geometria geradora
do objeto arquitetônico; e a dos “tipos funcionais”, registrando as constantes organizacionais e estruturais.

28
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Nos estudos de habitações de grande porte, como recorrente na produção de Levi,


observa-se (Figura 6):
• Na implantação, a articulação dos volumes à geometria do terreno;
• Nos apartamentos, a segregação dos acessos social e de serviços, sendo
recorrente a criação de um hall;
• A organização do programa em setores claramente identificáveis;
• A rigidez métrica do setor íntimo, organizado em uma grelha, contrapondo-
se a maior flexibilidade do setor social, cuja geometria muitas vezes é
usada como artifício de adaptação ao terreno;
• A disposição dos núcleos hidráulicos e da circulação vertical voltados para
a fachada posterior (sudeste e sudoeste), em detrimento da disposição dos
ambientes de permanência prolongada voltados para as fachadas com
orientação solar nordeste e noroeste;
Com a elaboração de maquetes virtuais, foi possível observar que, a partir do Estudo
2, Levi promove pequenas rotações entre os volumes, como forma de articular o
arranjo volumétrico com a geometria do terreno. Com esta estratégia, Levi permite
que o edifício se relacione com as duas ruas com que faz frente, assim, conformando
duas fachadas principais.

Figura 6 - Edifício Prudente - volumetrias e plantas dos estudos com apartamentos grande
porte: (a) Estudo 1; (b) Estudo 2; (c) Estudo 3; (d) Estudo 4.

a c

b d

Fonte: Plantas: acervo de projetos da FAU-USP (Intervenção na base: da autora); Perspectivas: da autora.

No Estudo 2, observa-se que o distanciamento e a rotação entre os volumes provocam


uma interface pouco harmônica entre os mesmos, bem como entre estes e a geometria
do lote. Nos Estudos 3 e 4, ao promover a intersecção dos volumes, Levi consegue
melhor configurar o arranjo espacial da esquina, imposto pela geometria do lote.
Em alguns dos estudos, Levi utiliza ainda um volume de base, que absorve o desnível
do terreno e acomoda a garagem, acessada pela Rua Acarahú. Concomitantemente, a
torre pode ser tratada de modo aditivo, configurando dois volumes distintos (Estudos 2
e 4); ou de modo compacto (Estudos 1 e 3).

29
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Também é possível apontar que o Estudo 3 apresenta alguma incoerência compositiva


entre o que está posto em planta, onde estão sugeridos dois volumes, e o que se
explicita na volumetria, que evidencia visualmente uma massa única.

2.2 Habitações compactas

2.2.1 Aspectos formais: Implantação e arranjo das unidades


Os estudos para habitações compactas acomodam, a partir de um eixo de simetria,
quatro apartamentos por andar (Figura 7). Nos dois estudos, Levi encosta um volume de
maior extensão longitudinal nos limites laterais do lote, dispondo a circulação vertical no
centro e um apartamento em cada um de seus lados. Num segundo volume, voltado à
parte frontal do lote e de menor extensão longitudinal, distribuem-se outros dois
apartamentos. A diferença na extensão dos dois volumes permite que tanto as salas
como os quartos de cada apartamento usufruam da mesma orientação solar.
Em ambos os estudos de habitação compacta, observa-se que Levi assimila a
geometria irregular do lote na conformação das salas-quartos do volume maior
(Estudo 1) ou inflete este volume, para absorver a irregularidade na coluna dos
banheiros, que passa a ser o elemento de conexão entre os volumes (Estudo 2).
Do ponto de vista topográfico, observa-se que a solução do Estudo 2 revela-se uma
evolução do Estudo 1, demonstrando melhor adaptação dos volumes à topografia do
terreno. Esta evolução prossegue nos estudos de habitações de grande porte, onde
Levi estabelece um volume de transição entre o terreno e os volumes da torre.

Figura 7 - Edifício Prudente – volumetrias, perspectivas internas e plantas dos estudos com
apartamentos compactos: (a) Estudo 1; (b) Estudo 2. São Paulo. Rino Levi.

Fonte: Plantas: acervo de projetos da FAU-USP (Intervenção na base: da autora); Perspectivas: da autora.

30
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

2.2.2 Aspectos Funcionais


Levi dispõe a circulação vertical do edifício no eixo de simetria da composição, voltada
para fachada posterior (sudeste e sudoeste). Esta estratégia libera a fachada frontal,
(nordeste e noroeste), com melhor orientação solar, para os ambientes de
permanência prolongada.
É recorrente nos apartamentos a configuração de um hall de acesso à sala-quarto e
aos serviços, tornando independentes as circulações. Observa-se, entretanto, que, em
todos os estudos, o acesso ao “dormitório” ocorre através da “sala”, configurando um
parcial isolamento do local de dormir e uma maior privacidade aos seus moradores.

Planta–livre: Quarto-sala
Salas e quartos se fundem, sobrepondo no mesmo espaço atividades diurnas e
noturnas. Diante disso, Levi incorpora divisórias flexíveis, que permitem a integração
ou compartimentação dos ambientes, como preconizado para as habitações
compactas modernas. (Figura 8).
Deve-se observar que este período é marcado por discussões sobre a eficiência da
integração e flexibilização dos espaços, frente às reduzidas áreas das habitações
econômicas. Neste sentido, Folz (2003, p. 47) aponta:

Levando em conta que uma área de cerca de 45 m² deveria abrigar uma


família com quatro filhos (...), Le Corbusier e Pierre Jeanneret achavam difícil
e pouco vantajoso que o espaço da sala fosse usado exclusivamente no
período diurno. Propõem então a flexibilização dos espaços, assim, a sala,
cozinha e o quarto do casal deveriam estar integrados, separados apenas por
painéis deslizantes que seriam posicionados conforme a necessidade de
aumentar ou diminuir os compartimentos.

Figura 8 - Edifício Prudente - detalhe sala-quarto do Estudo 1. São Paulo. Rino Levi.

Fonte: acervo de projetos da FAU-USP (Intervenção na base: da autora); Perspectivas: da autora.

Além dos usos de divisórias móveis, Levi controla a integração dos ambientes através
de seus layouts. As plantas aparecem mobiliadas desde os primeiros estudos,
organizando-se em faixas que sugerem no espaço contínuo, o dormir e o estar.

Áreas compartimentadas: Cozinha e banheiro


O arranjo mais flexível da sala-quarto se contrapõe ao layout da cozinha. Nelas, Levi
pouco define o layout das bancadas e a otimização de usos destas, diferenciando do
que era recorrente em seus trabalhos. No Estudo 2, observa-se ainda que Levi
apresenta um resquício de copa, representada por uma pequena mesa (Figura 9).

31
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

O banheiro é acessado pelo hall de entrada, dando privacidade de uso a possíveis


visitantes. De modo geral, é possível observar que há a intenção de dispor um eixo
central nos ambientes, com a disposição dos equipamentos em duas linhas paralelas.

Figura 9 - Edifício Prudente - detalhe cozinha e banheiro. Estudo 2. São Paulo. Rino Levi.

Fonte: acervo de projetos da FAU-USP (Intervenção na base: da autora);

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Na pesquisa dos apartamentos compactos do Edifício Prudente, há uma clara intenção


de submeter a composição à morfologia do lote, seja bi ou tridimensionalmente, como
ocorre em toda a produção de Levi. Funcionalmente, a configuração de um hall,
tornando acessos independentes; o zoneamento por faixas; e a melhor orientação
solar dos ambientes de permanência prolongada podem ser entendidos como
aspectos normativos no seu processo de projeto.
O aspecto mais específico desta pesquisa reside na investigação da planta livre e
flexível, compartimentada por elementos leves, como se observa no quarto-sala. Em
sentido oposto, observa-se que as cozinhas e os banheiros assumem feições ainda
pouco padronizadas e eficientes, condicionadas pela volumetria do conjunto e pela
exiguidade das áreas. Há, na pesquisa, uma hierarquia no tratamento dos espaços,
enfatizando os de permanência prolongada.
Quanto aos estudos de grande porte, desenvolvidos cronologicamente depois dos
compactos, verifica-se que há uma continuidade e aperfeiçoamento das propostas.
Através das maquetes virtuais, foi possível observar uma gradativa melhora na
adaptação dos volumes sobre o terreno, garantida através do abandono do partido
simétrico dos estudos anteriores. Também as maquetes virtuais revelam que Levi
promove pequenas rotações entre os volumes, como forma de articular a composição
com a geometria do lote.
Assim, o uso das maquetes virtuais foi fundamental para a documentação e análise
dos estudos, visto que Levi pouco desenvolve croquis ou perspectivas no seu
processo de projeto. A partir do uso deste instrumento, destaca-se, principalmente,
uma melhor compreensão das volumetrias propostas e da relação destas com a
complexidade topográfica e geométrica do terreno.
Por fim, cabe concluir que o desenvolvimento do Edifício Prudente obedece a
parâmetros projetuais consolidados em outros projetos que Levi das décadas de 30 e
40. Mesmo se tratando de habitação compacta, persiste nos estudos aspectos
normativos que norteiam também os projetos para habitações de grande porte. O
projeto representa, assim, uma continuidade na prática projetual do arquiteto e não
configura uma obra excepcional.

32
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA:

ANELLI, Renato Luiz Sobral; GUERRA, Abílio; KON, Nelson. Rino Levi. Arquitetura e
Cidade. São Paulo: Romano Guerra Editora, 2001.
CORREIA, Tânia. A construção do Habitat Moderno no Brasil. A casa e seus
significados - 1870-1950. São Paulo: EDUSP, 2004.
COSTA, Ana E.; BRILMANN, Bruna; PIEPER, Luisa C.; OLIVEIRA, Franciele P. Ele
também projetou apartamentos compactos. Três projetos de Rino Levi. In Anais do 3º
Seminário Arquitetura e Documentação. Belo Horizonte: UFMG, 2013.
FOLZ, Rosana. Mobiliário na Habitação Popular. Discussões de alternativas para a
melhoria da habitabilidade. São Carlos: Ed. Rima, 2003.
GASTÓN, Cristina, ROVIRA, Teresa. El Proyecto moderno. Pautas de Investigación.
Barcelona: Ediciones UPC, 2007.

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas,
1999.

GÓES, Mariza Barcellos. O desenho no processo projetual: suas diferentes funções e


representações. In: da Vinci, v. 5, n. 1, p. 51-59. Curitiba: Unicenp, 2008.
GONSALES, Célia. Residência e cidade. Arquitextos, São Paulo, ano 01, n. 008.14, Vitruvius,
jan. 2001. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.008/939.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia Científica. São
Paulo: Editora Atlas, 1991.

LEMOS, Carlos. Arquitetura Brasileira, São Paulo: Melhoramentos; EDUSP, 1979.


MAHFUZ, Edson da Cunha. Ensaio sobre a razão compositiva. Viçosa: UFV; Belo
Horizonte: AP Cultural, 1995

PIÑÓN, Helio. El Pryecto como (Re) Construción. Barcelona: Ediciones UPC, 2005.
VILLA, Simone Barbosa. Um breve olhar sobre os apartamentos de Rino Levi:. Produção
imobiliária, inovação e a promoção modernista de edifícios coletivos verticalizados na cidade
de São Paulo. Arquitextos, São Paulo, ano 10, n. 120.07, Vitruvius, jun. 2010. Disponível
em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.120/3437.

33
ANÁLISE DE REQUISITOS PARA AVALIAÇÃO DE QUALIDADE
GEOMÉTRICA NO REGISTRO DO PATRIMÔNIO
ARQUITETÔNICO COM TÉCNICAS FOTOGRAMÉTRICAS

MARIANA BATISTA CAMPOS


MARCUS ANTUNES DE MORAES
PPGCC – PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS CARTOGRÁFICAS
{MARIANAA.BCAMPOS; ANTUNESDEMORAES}@GMAIL.COM
ANTONIO MARIA GARCIA TOMMASELLI
IVANA IVÁNOVÁ
Departamento de Cartografia, Presidente Prudente, SP
{tomaseli; i.ivanova}@fct.unesp.br
ROLAND BILLEN
Universidade de Liège, Departamento de Geomática, Liège, Belgica
rbillen@ulg.ac.be.

RESUMO
O registro adequado de bens arquitetônicos é uma preocupação desde 1885, com os primeiros
trabalhos do precursor da Fotogrametria Terrestre, Albrecht Meydenbauer. Em 1987, o International
Council of Monuments and Sites recomendou a constituição de um registro fotogramétrico de
monumentos e sítios arqueológicos. Desde então, a Fotogrametria Terrestre vem sendo a técnica
mais utilizada para o levantamento do patrimônio arquitetônico. Essa técnica tornou-se mais rápida e
acessível com o avanço das câmaras digitais. Apesar das recomendações do International Council of
Monuments and Sites, do advento das novas tecnologias e da importância de um registro de
qualidade, ainda existem poucos estudos com uma análise rigorosa dos requisitos para o registro de
bens arquitetônicos, com foco na geometria dos modelos gerados por processos fotogramétricos
inteiramente digitais. Neste contexto, o objetivo do trabalho é propor discussões e análises de
requisitos para a avaliação da qualidade planimétrica dos projetos fotogramétricos aplicados ao
registro do patrimônio arquitetônico, contribuindo principalmente com o planejamento da aquisição
dos dados.
Palavras-chave: documentação patrimonial. arquivo fotogramétrico. controle de qualidade.

ABSTRACT
The documentation of the cultural heritage is a concern since 1885, with the first application of
photogrammetry techniques by Albrecht Meydenbauer. In 1987, The International Council of
Monuments and sites has recommended the creation of photogrammetry records of monuments and
archaeological sites. Since then, the close range photogrammetry has been the most used technique
to survey cultural heritage. This technique has become faster and more accessible with the
advancement of digital cameras. Despite the recommendations of International Council of Monuments
and sites, the advent of new technologies and the importance of a quality evaluation and
documentation, there are few studies with a rigorous analysis of the requirements for the cultural
heritage documentation, with focus on the geometry of the models generated by digital
photogrammetry process. The aim of this work is to propose discussions and analysis of requirements
for the evaluation of planimetric quality of photogrammetric projects applied to the cultural heritage
documentation.
Keywords: cultural heritage documentation. photogrammetric archives. quality control.

34
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

1 INTRODUÇÃO
O patrimônio arquitetônico é uma herança comum sendo consenso que, como tal,
deve ser entregue em toda a sua riqueza e autenticidade às gerações futuras (ICOMOS,
1996). A importância do registro é enfatizada pela perda de detalhes com o tempo e nos
trabalhos de conservação, levando também à perda da integridade da evidência histórica.
Os instrumentos de preservação - inventário, fiscalização e vigilância, tombamento, registro,
dentre outras formas de acautelamento - devem ser estudados para cumprir suas funções
sociais, fortalecendo a identidade do país e garantindo o direito à memória (VIEIRA et al.,
2012).
A aplicação das técnicas fotogramétricas para o registro do patrimônio arquitetônico
possui importância reconhecida desde 1987, quando, na VIII Assembleia Geral do ICOMOS
(International Council of Monuments and sites), recomendou-se aos países-membros a
constituição do arquivo fotogramétrico de seus monumentos e sítios (ICOMOS, 1996). O
ICOMOS sugere os processos e produtos necessários para o registro, dentre eles o uso de
técnicas fotogramétricas, porém não descreve exigências sobre a qualidade dos mesmos
(NING et al, 2011), sendo a falta de especificações e padrões um agravante no registro dos
bens patrimoniais.
As especificações são base para os procedimentos de aquisição e processamento dos
dados e possibilitam aos usuários mensurar a qualidade do produto desenvolvido por eles,
avaliando se este é adequado para sua necessidade, ou seja, “fitness for use” (JURAN et al,
1998). Além disso, as especificações têm como objetivo promover o desenvolvimento
eficiente e avaliar custos para o projeto, prevenir a perda de informação, transferir
conhecimentos, mensurar o nível de confiança do produto, diminuir a dependência de um
aplicativo ou fornecedor, dentre outros (ISO, 2014). Para mais informações consultar o
endereço eletrônico: www.iso.org/benefits_of_standards (acesso em abril de 2014).
Apesar da importância de uma documentação de qualidade ainda existem poucas
análises dos requisitos para a modelagem a partir de técnicas fotogramétricas. Diante dessa
dificuldade propõe-se neste trabalho identificar as principais normas e especificações
nacionais (Seção 2.1) e internacionais (Seção 2.2) relacionadas à modelagem a partir de
técnicas fotogramétricas, discutir os principais problemas quanto à falta de requisitos que
permitam a análise da qualidade geométrica do modelo produzido por técnicas
fotogramétricas (Seção 2.3), sugerir uma nova proposta de requisitos quanto à qualidade do
produto (Seção 3) e estudar sua viabilidade através de um estudo de caso (Seção 4).

2 IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DAS NORMAS E ESPECIFICAÇÕES

2.1 Norma e especificações brasileiras


No intuito de fixar as diretrizes para a valorização de bens imóveis do Patrimônio
Artístico Cultural e Arquitetônico, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT),
estabeleceu a NBR 14653-7. Com relação ao registro da obra, a única documentação citada
está relacionada aos documentos para o tombamento. Porém, este tipo de documentação
não auxilia na avaliação de custos futuros para manutenção e/ou restauração, no problema
de desconhecimento da população (só se preserva o que se conhece) e na falta de
divulgação cultural e turística. A representação gráfica do patrimônio arquitetônico subsidia
ações para solucionar tais problemas.
A NBR 6492/94 fixa condições exigíveis para a representação gráfica de projetos de
arquitetura. Outras normas da ABNT complementam alguns temas da NBR 6492/94 como,
por exemplo, a NBR 8403/84, a NBR 13142/99, a NBR 10582/88 e a NBR 8196/99. Apesar
da relevância destas normas, é possível identificar algumas lacunas principalmente com
relação à análise de qualidade do produto, não existindo requisitos quanto à acurácia
aceitável para o produto final.

35
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Além das normas fornecidas pela ABNT destacam-se algumas especificações de


caráter mais específico como os cadernos do programa Monumenta. O programa
Monumenta, criado pelo Ministério da Cultura (1995), tem como objetivo resgatar o
patrimônio cultural urbano brasileiro (patrimônio edificado e espaços públicos urbanos). Em
2000, os técnicos do Monumenta, baseados em suas experiências práticas, nas normas da
ABNT e no decreto n° 92.100, elaboraram o Manual de Elaboração de Projetos de
Preservação do Patrimônio Cultural (MEPPPC), que faz parte do conjunto de cadernos
técnicos do Programa (Caderno Técnico 1; GOMIDE et al, 2005). O objetivo principal do
manual é orientar a elaboração dos projetos direcionados ao IPHAN (Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional) visando aumentar a qualidade das obras de restauro.
O MEPPPC estabelece disposições para a apresentação e padronização gráfica para
projetos relacionados com a preservação do patrimônio cultural, como: a documentação
fotográfica e iconográfica, os relatórios e a representação gráfica. Destaca-se a
normatização das escalas, sendo padrão a utilização da escala 1:50 para levantamentos de
fachadas, 1:10 para a representação de detalhes e, eventualmente, 1:100 para algumas
aplicações que não requerem alto nível de detalhamento (GOMIDE et al, 2005). No entanto,
também não foram identificados requisitos quanto à qualidade do registro.
Dentre os outros cadernos técnicos desenvolvidos pelo programa Monumenta,
destaca-se também o caderno 7, intitulado: A Documentação como Ferramenta de
Preservação da Memória (OLIVEIRA, 2008). Este caderno apresenta a importância da
documentação e ressalta a utilização do Cadastro, da Fotografia e da Fotogrametria como
ferramentas de registro. No mesmo contexto, o IEPHA/MG (Instituto Estadual do Patrimônio
Histórico e Artístico de Minas Gerais) desenvolveu um caderno de recomendações para
padronizar as apresentações de projetos, principalmente para a restauração do patrimônio
edificado (IEPHA/MG, 2012). Apesar das especificações desenvolvidas pelos institutos
possuírem caráter específico, percebe-se que ainda não apresentam requisitos quanto à
qualidade do registro final e das condições e precisões aceitáveis para a aquisição dos
dados.

2.2 Especificações internacionais


O Metric Survey Specification for Cultural Heritage - MSSCH - (BRYAN et al, 2009) é
uma especificação inglesa desenvolvida pelo English Heritage (EH). A última atualização
dessa especificação ocorreu em 2009, na qual foi inserida uma seção especial para a
utilização de LASER scanner. Outras especificações internacionais destacam-se como
iniciativas na padronização do registro do patrimônio, como as “Regras 3x3”
(WALDHAEUSL e OGLEBY, 1994), o Historic American Building Survey (HABS; NATIONAL
PARK SERVICE, 2004), Standards and Guidelines for the Conservation of Historic Places in
Canada (SGC; PARK CANADA, 2010), International Heritage Documentation Standards
(IHDS; NING et al, 2007), dentre outras (BUCHANAN, 1993; RCHME,1999; D’AYALA e
SMARS, 2003).
O HABS é parte de um dos programas de documentação do patrimônio americano que
apresenta uma serie de especificações relativas à produção de relatórios históricos,
levantamento fotográfico e desenhos métricos (NATIONAL PARK SERVICE, 2004). O
programa HABS, desde 1983, acumula experiências na documentação do patrimônio
arquitetônico norte-americano. Por outro lado, é um exemplo do problema das aplicações
das inovações tecnológicas nas especificações pré-existentes. O SGC institui o registro
adequado como a principal ferramenta para a conservação, preservação, reabilitação e
restauração do patrimônio (PARK CANADA, 2010). Apesar de apresentar um guia
específico para a conservação do patrimônio edificado, não contempla as técnicas e
especificações para levantamento dos dados. Uma contradição, já que um registro de
qualidade depende diretamente das técnicas utilizadas para o levantamento dos dados.

36
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

O IHDS é uma iniciativa para a padronização internacional dos levantamentos,


apresentando recomendações relevantes sobre o conteúdo dessa especificação. Observa-
se, entretanto, a dificuldade de padronização mundial devido às características únicas de
cada obra e de cada país (NING et al, 2007). Também é importante considerar outros
padrões internacionais, como, o Accuracy Standards for Digital Geospatial Data (ASPRS) e
a ISO para informações geográficas (Série 19100).
A maioria das especificações internacionais identificadas foram desenvolvidas antes
dos recentes avanços na tecnologia de câmaras digitais, sendo necessária uma atualização
dos requisitos.

2.3 Análise comparativa


Para analisar a qualidade das especificações foi considerado o quesito completeza. A
completeza está relacionada ao conteúdo do conjunto de dados, a avaliação da presença e
da ausência de requisitos e como estes atendem as necessidades do usuário (ISO 19113).
Para a análise de completeza, as normas mais relevantes em nível nacional (MEPPPC) e
internacional (MSSCH) foram comparadas à ISO 19131, adotada como referência nesse
trabalho.
A ISO 19131 sugere orientações (estrutura e conteúdo) para a elaboração de
especificações para aquisição e produção de informações geográficas. O uso da estrutura
proposta pela ISO 19131 justifica-se pela relevância dos estudos (coerência técnica e
relevância global) já realizados pelos comitês da ISO (International Organization for
Standardization) para a padronização do conteúdo nas especificações, sendo extensamente
aplicada nos padrões desenvolvidos para informações geográficas (Série ISO 19100).
Ademais, este padrão também é adotado como referência para o desenvolvimento de
normas pela CONCAR (Comissão Nacional de Cartografia). Verificaram-se quais requisitos
esperados não constam nas especificações.
O Quadro 1 apresenta na primeira coluna as seções obrigatórias e na segunda coluna
as subseções; as próximas colunas apresentam a verificação de completeza: se a linha
referente à subseção estiver preenchida (x) significa que este conteúdo está presente na
especificação; caso contrário tem-se omissão de informação.
Quadro 1 – Análise de completeza das especificações.
Seções Subseções MEPPPC MSSCH
Informações gerais x x
Termos e definições x X
Panorama
Abreviações
Descrição do produto x
Escopo x X
Nome do produto x X
Resumo das etapas de produção X
Identificação do produto
Temas relacionados x
Descrição geográfica x X
Conteúdo Esquema de aplicação
Espacial X
Sistema de referência
Temporal X
Qualidade X
Forma de entrega do produto x X
Metadados X
Aquisição X
Manutenção
Forma de plotagem x X
Considerando as 18 subseções listadas, o MSSCH apresentou 15 conteúdos
completos (83% dos conteúdos), enquanto o MEPPPC apresentou apenas 9 (50% dos
conteúdos). É importante avaliar também as seções omitidas. No MSSCH nota-se a

37
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

omissão de alguns conteúdos obrigatórios como abreviações e descrição do produto. No


entanto, a omissão destas seções afeta com menos intensidade a aplicação da
especificação pelo usuário quando comparadas à falta de requisitos quanto à qualidade, ao
sistema de referência, os metadados e as técnicas de aquisição. Destaca-se também, que
ambas as especificações não apresentam propostas para a classificação do produto quanto
à qualidade.
Assim, em função da falta de requisitos quanto à qualidade do registro do patrimônio
arquitetônico, principalmente a nível nacional, propõe-se, na Seção 3, apresentar uma
proposta de controle de qualidade do produto, avaliando a acurácia nas três grandes etapas
do processo fotogramétrico. Para isso considerou-se os requisitos pré-existentes do
programa Monumenta (escala de representação), as normas da ABNT, a proposta de
análise de qualidade do MSSCH, as normas da Cartografia e as necessidades dos usúarios
(revisão sistemática da literatura).

3 PROPOSTA DE REQUISITOS
Seguindo o requisito quanto a escala de plotagem para a documentação do patrimônio
arquitetônico recomendado pelo IPHAN (GOMIDE et al, 2005), é possível calcular o erro
padrão final do modelo considerando o erro planimétrico de 0,3 mm (THOMPSON e
ROSENFIELD, 1971), como expressa a Equação 1.
ε = e ∗ DENESCALA (1)
Em que, ε é a acurácia planimétrica final do modelo, e corresponde aos erros do
processo fotogramétrico (erro de medida, erro nas orientações, erro de projeção) mais o erro
gráfico e DENESCALA ao denominador da escala de representação. Assim, para uma escala
de representação 1:50 tem-se que o erro padrão final aceitável para a planimetria deverá
ser menor que 15 mm (Tabela 1), atendendo a necessidade dos projetos de intervenção.
Relembrando que o IPHAN ainda recomenda a entrega do produto analógico e, por esse
motivo, foi considerado também o erro gráfico. Um estudo detalhado sobre a predição dos
erros no processo fotogramétrico analógico é apresentado em De Carvalho (1972).
Tabela 1 - Erro padrão final do modelo segundo as escalas recomendadas pelo IPHAN.
Escala (IPHAN) 1: 10 1: 50 1: 100
Erro Padrão Final / planimetria 3 mm 15 mm 30 mm
Durante todo o processo existem diversas fontes de erro, de modo que, é importante
limitar o erro padrão em cada etapa, auxiliando na identificação dos erros e na obtenção da
precisão final requerida. Nesse caso, assumem-se três grandes etapas principais para a
modelagem do patrimônio arquitetônico: a aquisição dos dados (erros de medida), as
orientações (erros na orientação) e a restituição e/ou modelagem (erros de projeção).
Considerando os erros conhecidos no processo fotogramétrico e os estudos realizados por
Merchant (1982), recomenda-se como critério de análise que o erro padrão parcial para
cada uma das etapas, principalmente na aquisição das medidas de controle, seja inferior a
1/3 do erro padrão (5 mm para a escala 1:50).
As primeiras etapas consistem no planejamento e na aquisição dos dados (imagens,
medidas de controle e verificação). Segundo Bryan et al (2009), para atender à necessidade
dos projetos de intervenção (conservação, restauro e manutenção), o Ground Sample
Distance (GSD) das imagens utilizadas para o registro do patrimônio arquitetônico deve ser
inferior a 5 mm. Assim, para que as medidas de controle (PC) e verificação (PV) atinjam
uma precisão inferior a 1 GSD, recomenda-se a implantação de um sistema topográfico
local, para as escalas 1:50 ou 1:100 e uma análise rigorosa da propagação dos erros. É
importante considerar que a aquisição das medidas de controle e verificação através de
técnicas de topografia é inviável para o nível de precisão requerido na escala de
detalhamento 1:10, sendo necessário realizar um processo de medição indireta,
considerando uma escala conhecida (distâncias) e ajustamento livre.

38
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

A segunda grande etapa consiste no processo de orientações (interior e exterior). Com


relação à determinação dos Parâmetros de Orientação Interior (POI), o MSSCH, por
exemplo, recomenda que a precisão na determinação da distância focal seja inferior a
0,01mm, o que corresponde a meio pixel de uma câmara analógica (20μm). Atualmente, a
maioria das câmaras digitais profissionais produzem imagens com tamanho de pixel em
torno de 6 μm. Logo seria interessante utilizar como requisito para a precisão da distância
focal, o limite máximo de um pixel (f < 1 pixel), independente do método utilizado.
Para determinar o conjunto de POI é necessário realizar um estudo de significância
dos parâmetros (ESP). A significância de cada parâmetro pode ser avaliada considerando
se a magnitude do parâmetro é inferior a seu desvio padrão e em um segundo momento, se
o efeito do parâmetro é inferior ao erro de medida (GALO et al, 2008).
Os Parâmetros de Orientação Exterior (POE) podem ser determinados de maneira
direta ou indireta. Um dos problemas na obtenção direta da posição do centro perspectivo
(CP) é mensurar a distância entre o centro de fase da antena GNSS e o ponto nodal
posterior (lever arm) com precisão compatível com a aplicação, o que requer processos
rigorosos (marcação física do ponto nodal, medição direta ou indireta do lever arm,
centragem e nivelamento da câmara). Além disso, a acurácia atingida com o GNSS
normalmente é centimétrica, salvo em levantamentos rigorosos no método relativo estático
que podem atingir acurácia milimétrica (MONICO, 2008), considerando antenas calibradas,
longos períodos de coleta, mitigação do multicaminho, dentre outros fatores, que torna o
processo oneroso e inviável para o usuário não especialista. Outro processo complexo e
com diversas fontes de erros é a determinação da atitude da câmara diretamente atravez de
uma Unidade de Medida Inercial (IMU). Assim a orientação indireta a partir de processos
fotogramétricos como a fototriangulação (WOLF e DEWITT, 2000) é a mais viável para o
nível de precisão desejado.
Para a avaliação da qualidade dos processos de orientação recomenda-se analisar
se a Raiz do Erro Médio Quadrático (RMSE) das discrepâncias (∆PV) entre as coordenadas
dos pontos de verificação em campo (referência medidos diretamente) e as coordenadas
(estimadas) obtidas por processos indiretos (fototriangulação) é inferior à 1/3 do erro padrão
final (5 mm). A avaliação de qualidade em cada etapa permite o controle do processo e a
identificação de possíveis fontes de erros. Sugere-se também a realização de testes
estátisticos para análise de tendência.
A última grande etapa do processo fotogramétrico é a restituição e/ ou modelagem.
Em alguns casos, principalmente em imagens de baixo contraste, a restituição de quinas e
arestas é sujeita a erros de medida. As especificações não discutem quanto à qualidade na
restituição de arestas, sendo este um procedimento importante para garantir a acurácia do
modelo. Recomenda-se, para a verificação da qualidade final do modelo, a análise em
função da RMSE das discrepâncias entre as distâncias de arestas medidas em campo
comparadas às restituídas no modelo (RMSE∆D) e assim verificar se a precisão obtida é
inferior ao erro padrão final (15 mm). Um resumo é apresentado na Tabela 2. Para verificar
a viabilidade da metodologia proposta, foi realizado um estudo de caso na Estação
Ferroviária de Presidente Prudente.
Tabela 2 – Resumo do Erro padrão das etapas do processo fotogramétrico
Etapas do processo fotogramétrico Limite Limite para 1:50 Análises
GSD < Limite
Aquisição 1/3 * ε 5 mm σPC, σPV < 1 GSD
POI: f < 1 pixel / ESP
Orientação 1/3 * ε 5 mm POE: RMSE∆PV < Limite
Restituição/Modelo ε 15 mm RMSE∆D < Limite

39
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

4 ESTUDO DE CASO
No século XIX, mediante aos avanços da indústria têxtil, principalmente durante o ciclo
do algodão e aos incentivos governamentais, legislativos (lei de 1852) e fiscais, os
investimentos nas estradas de ferro aumentaram de modo significativo, realçando o
interesse dos investidores (SOUKEF, 2001). Nesse período fundou-se a Companhia
Sorocabana de Estrada de Ferro. Em 1919, a linha tronco da estrada chega a Presidente
Prudente (administrada pelo Estado de São Paulo) o que propiciou grande desenvolvimento
econômico no Oeste Paulista e a construção original de diversas edificações hoje
consideradas patrimônios arquitetônicos. A Estação de Presidente Prudente foi inaugurada
em 1919, sendo um novo edifício construído em 1926. Apenas 18 anos depois, em 1944,
com o crescimento econômico e populacional da cidade a Estação de Presidente Prudente
foi novamente reconstruída. O novo prédio, maior e mais moderno, refletia a prosperidade
da cidade e enquadra-se no estilo arquitetônico da época (Art déco com sinais de
Modernismo).
4.1 Aquisição dos dados
Em primeira visita ao monumento recomenda-se avaliar a localização geográfica do
patrimônio (informações preliminares) e os requisitos necessários para o preenchimento da
ficha cadastral do IPHAN. A aquisição das imagens do modelo da Estação Ferroviária de
Presidente Prudente foi realizada com uma câmara NIKON D3200. O Quadro 2 traz as
principais características dessa câmara.
Quadro 2 - Informações técnicas da Câmara Nikon D3200
Distância Tamanho do Tamanho do Dimensões da
Câmara Sensor
Focal nominal sensor pixel imagem
CMOS/
Nikon D3200 28 mm 23,1 x 15,4 mm 3,8 μm 6016 x 4000 Pixels
24Mpx
Para o planejamento da aquisição considerou-se a metodologia e os requisitos
propostos na Seção 3, além de procedimentos de aquisição que garantem a formação de
modelos estereoscópicos. Calculou-se então a distância entre as estações (base) para 60%
de sobreposição entre as fotos (6 metros) e a distância sensor-objeto (19 metros), com GSD
de 4 mm (<5mm). Assim, foram implantadas previamente 12 estações. Os pontos de
controle (PC) e verificação (PV) foram obtidos por topografia (dupla irradiação) utilizando
estação total (TOPCON GTS-3007), com a implantação de um sistema de referência local,
com precisão média de 3 mm em X, Y e Z.

4.2 Orientações
Para determinar os Parâmetros de Orientação Interior (POI) adotou-se o método de
calibração de campo usando conjunto de pontos tridimensionais, aliado ao método de
câmeras convergentes, com reconhecimento automático dos alvos no padrão ArUco
(SILVA, 2012). O processamento foi realizado no software CMC (Calibração Múltiplas
Câmaras), desenvolvido pelo grupo de pesquisa em Fotogrametria da FCT-UNESP, em
linguagem C/C++, com modelo de calibração para câmaras perspectivas convencionais
(RUY, 2008). Para definir um conjunto de POI (Tabela 3) realizou-se a análise de
significância sugerida (Seção 3).
Tabela 3 - Parâmetros de Orientação Interior
POI ± f (mm) x0 (mm) y0 (mm) k1 (mm-2) k2 (mm-4) k3 (mm-6)
desvio 28.0990 0.1038 -0.0254 1,5398 x 10-4 1,7623 x 10-7 1,12 x 10-10
-6 -8 -11
padrão ± 0.0018 ± 0.0002 ± 0.0002 ± 1,51 x 10 ± 2,060 x 10 ± 8,5 x 10
O efeito dos parâmetros de distorção descentrada e afinidade são inferiores ao erro de
medida, além disso, a magnitude destes parâmetros também é inferior a seus desvios
padrão, por essa razão estes parâmetros não foram adotados. Lembrando que a distância

40
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

focal foi determinada com precisão inferior a um pixel como sugerido. Para mais
informações sobre os processos de calibração de câmaras consultar Andrade (1998).
A orientação exterior foi realizada indiretamente pelo processo de Fototriangulação
utilizando o software comercial Leica Photogrammetry Suite (LPS) com 50 pontos
fotogramétricos com resíduos inferiores a 2 pixels, 13 pontos de controle, 8 pontos de
verificação e RMSE final global das imagens inferior a meio pixel (0,401). A Tabela 4
apresenta o desvio padrão, a média e a RMSE dos pontos de controle e verificação.
Tabela 4 - Média, desvio padrão e RMSE das discrepâncias entre os valores medidos e
estimados para os pontos de controle e verificação
Média Desvio Padrão RMSE
Pontos X (m) Y (m) Z (m) X (m) Y (m) Z (m) X (m) Y(m) Z (m)
7,692 7,692 3,388 2,585 3,112 3,388 2,585 3,112
PC 0
x10-6 x10-6 x10-3 x10-3 x10-3 x10-3 x10-3 x10-3
2,250 1,412 6,500 4,177 4,510 3,308 4,184 4,756 3,380
PV -4 -3 -4 -3 -3 -3 -3 -3 -3
x10 x10 x10 x10 x10 x10 x10 x10 x10
Considerando as coordenadas E,N,H dos 8 pontos de verificação foi realizado um
teste de tendencia a partir da análise de distribuição t-student onde verificou-se as seguintes
hipóteses: H0: ∆𝑋� = 0, não é tendencioso ou H1: ∆𝑋� ≠ 0, é tendencioso (MERCHANT,
1982). O valor de t amostral é obtido a partir da Equação 2.
����
∆𝑋
𝑡𝑥 = 𝑆 √𝑛 (2)
∆𝑋

Em que: ∆x é a média das discrepâncias entre as coordenadas dos pontos de


verificação medidos em campo e as coordenadas obtidas por processos indiretos, S∆x é o
desvio padrão das mesmas discrepâncias e n é o número total de pontos de verificação.
O valor limite é determinado através da tabela t de Student para um nível de confiança
(1-α) de 95%. Assim, se |𝑡𝑋 | < 𝑡(𝑛−1;𝛼) aceita-se a hipótese nula, ou seja, os pontos de
2
verificação não são tendenciosos. A Tabela 5 apresenta os valores tabelados e calculados
para este teste de tendência. Observa-se que a estatística t satisfaz a desigualdade
descrita, portanto os pontos não são tendenciosos.
Tabela 5 - Valores tabelados e calculados no teste de tendência para as coordenadas X,Y,Z.
Valor tX tY tZ
Tabelado 1,895 1,895 1,895
Calculado 0,152 0,886 0,556

4.3 Restituição
Para analisar a qualidade final do modelo foram realizadas medidas diretas de 24
arestas com o auxilio de uma trena. Em um segundo momento foram medidas no modelo as
coordenadas dos vértices de cada aresta e calculou-se a distância entre os pontos. A
Tabela 6 mostra os valores de média, desvio padrão e RMSE das discrepâncias entre as
distâncias medidas e calculadas.
Tabela 6 - Média, desvio padrão e RMSE das discrepâncias entre os valores medidos e
estimados para as distâncias das arestas no modelo.
N° de arestas Média Desvio padrão RMSE
24 -0.0035m 0,0106 m 0,0111 m

Com base nesta análise apresentada pode-se constatar que o erro padrão final do
modelo é inferior ao limite do erro padrão final proposto para a escala gráfica 1:50 (< 15
mm), com RMSE igual a 11,1 mm. Isto confirma a proposta inicial de especificação, que é
baseada nas técnicas fotogramétricas.

41
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O escopo inicial do trabalho, apresentado pelo estudo teórico, consistiu na
investigação das especificações e normas mais relevantes para o registro do patrimônio
arquitetônico a partir da modelagem com técnicas fotogramétricas em nível nacional e
internacional. O resultado desse estudo, associado à identificação das principais
dificuldades dos usuários, permitiu apontar algumas deficiências nas especificações e
normas atuais (escolha do sensor, aquisição, orientações e modelagem). Nota-se que os
problemas mais relevantes identificados nas normas referem-se à falta de requisitos para o
controle de qualidade na produção do modelo e de atualizações em vista dos recentes
avanços digitais.
Nesse sentido, este trabalho apresentou a discussão do problema e sugere uma
primeira proposta de requisitos para análise de qualidade dos projetos realizados por
Fotogrametria. Assim, a metodologia sugerida foi aplicada no estudo de caso da Ferroviária
de Presidente Prudente e mostrou-se viável, auxiliando principalmente no planejamento da
aquisição. Em trabalhos futuros serão realizados estudos teóricos e experimentais, para
avaliar e ampliar as normas e especificações existentes no que se refere à utilização de
câmaras digitais, com base em técnicas fotogramétricas, para a modelagem como forma de
registro dos bens arquitetônicos.

AGRADECIMENTOS
Os Autores gostariam de agradecer a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (FAPESP) - Processo: 2013/ 15940-9, ao Programa de Pós Graduação em
Ciências Cartográficas (PPGCC) e a Universidade de Liège (FAPESP - Processo:
2014/07195-4)

REFERÊNCIAS
ANDRADE, J. B. Fotogrametria. 1.ed. Curitiba: Ed. SBEE, 1998. 242 p.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14653-7: A avaliação de bens:
Patrimônios Históricos: elaboração. Rio de Janeiro, 2009.
BRYAN, P. G.; BLAKE, B.; BEDFORD,J., Metric survey specification for English
Heritage. 2. ed. Inglaterra: Ed. English Heritage, 2009. 111 p.
BUCHANAN, C. D. Photographing historic buildings for the record. 1. ed. London:
HMSO, 1983.
D’AYALA, D.; SMARS, P. Minimum requirements for metric use of non-metric
photographic documentation.University of Bath, 2003.
De CARVALHO, F. R. Error prediction and computation in photogrammetric flight
planning. 1972. 117 f. Tese (Doutorado em Ciências Geódesicas). The ohio State
University, Ohio.
GALO, M.; TOMMASELLI, A. M. G.; HASEGAWA, J. K.; CAMARGO, P. Significância dos
parâmetros de orientação interior na calibração de câmaras In: II SIMPÓSIO BRASILEIRO
DE CIÊNCIAS GEODÉSICAS E TECNOLOGIAS DA GEOINFORMAÇÃO, 2008, Recife, PE.
Anais... Recife: PE, 2008
GOMIDE, J. H.;SILVA, P. R.; BRAGA, S. M.N. Manual de elaboração de projetos de
preservação do patrimônio cultural: Cadernos técnicos 1. Brasília: Ed. Instituto do
programa Monumenta, 2005. 76 p
INTERNATIONAL COUNCIL OF MONUMENTS AND SITES (ICOMOS). Principles for the
Recording of Monuments Groups of buildings and Sites. In: 11th ICOMOS GENERAL
ASSEMBLY IN SOFIA. Paris: ICOMOS, 1996, 52p.

42
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS GERAIS


(IEPHA-MG). Normas para a apresentação de projetos de restauro do patrimônio
edificado. Belo Horizonte: Superintendência de Conservação e Restauração – Setor de
Projetos, 2012.
INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION (ISO). ISO 19131: Data
production specification. Noruega, 2006.

INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION (ISO). Economic benefits


of standards. Genebra, 2014. Disponível em: < www.ISO.org.> Acesso em Maio de 2014.
JURAN, J., M.; BLANTON GODFREY, A.; HOOGSTOEL, R., E; SCHILLING, E., G. Juran’s
quality handbook, 5. Ed. New York: McGraw-Hill Professional,1998. 1872 p.
MERCHANT, D. C.; Spatial Accuracy Standards for Large Scale Line Maps, Technical
Papers of the American Congress on Surveying and Mapping, p. 222-231, 1982.
MONICO, J. F. G. Posicionamento pelo GNSS: Descrição, Fundamentos e Aplicações.
2.ed. São Paulo: Ed Unesp, 2008. 476 p.
NATIONAL PARK SERVICE. Recording Historic Structures. 2. ed. New Jersey: John
Willey & Sons, 2004. 306p.
NING, Y. Y.; HUA, W. K.; MING, C. H.; SHAN, H. W. The standard of management and
application of cultural heritage documentation. Praga. International Archives of the
Photogrammetry, Remote Sensing and Spatial Information Sciences, v.23, 2011.
OLIVEIRA, L. L. Cultura é Patrimônio: Um guia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.
PARK CANADA. Standards and Guidelines: for the conservation of historic places in
Canada. 2. ed. Ottawa: Park Canada, 2010.
ROYAL COMMISSION ON THE HISTORICAL MONUMENTS OF ENGLAND (RCHME).
Recording Archaeological Field Monuments: a Descriptive Specification. Swindon, 1999.
RUY, R. da S. Desenvolvimento e validação geométrica de um sistema para
mapeamento com câmaras digitais de médio formato. 2008. 246 f. Tese, (Doutorado em
Ciências Cartográficas). Programa de Pós-Graduação em Ciências Cartográfica, UNESP –
Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente.
SILVA, S. L. A. Aplicação de Alvos Codificados na Automatização do Processo de
Calibração de Câmaras. 2012. Trabalho de conclusão de curso em Ciências da
Computação. Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente.
SOUKEF, A. Jr. Sorocabana uma saga ferroviária. São Paulo: Dialeto, 2001.
THOMPSON, M. M.; ROSENFIELD, G. H. On map accuracy specification. Surveying and
Mapping, 1971.
VIEIRA, G. S.; OLIVEIRA, I. M.; SOUZA, C. F. C. IPAC - Inventário de proteção de acervo
cultural: Os modelos da Bahia e Pernambuco nas décadas de 1970 e 1980. Rev. Tempo
histórico v.4, n. 1, 2012, p. 1-13.
WALDHAEUSL, P.,OGLEBY, C. 3x3-Rules for Simple Photogrammetric Documentation of
Architecture. International Archives of Photogrammetry and Remote Sensing,
Melbourne v.30, n.5, p. 426-429, 1994.
WOLF, P.R.; DEWITT, B.A. Elements of Photogrammetry: with Applications in GIS. 3
ed. New York: Ed. McGRAW-HILL, 2000.

43
UMA EXPERIÊNCIA DIDÁTICA DE APRENDIZADO
DE FERRAMENTA DE EDIÇÃO DE IMAGENS
PARA REGISTRO DA ARQUITETURA
Gisele Pinna Braga
Universidade Positivo
giipinna@gmail.com, gbraga@up.edu.br
Fernanda Bertoli Stival
Universidade Positivo
fbarquitetura@yahoo.com.br

RESUMO
A formação do estudante de Arquitetura e Urbanismo se inicia com a transformação de seu olhar, no
que diz respeito ao espaço de sua cidade. Quanto ao uso de tecnologias digitais, as escolas de
arquitetura comumente oferecem uma formação no conhecimento das ferramentas utilizadas no dia a
dia do trabalho do arquiteto. Entretanto, essa temática abre a possibilidade de extrapolar a
abordagem instrumental e representacional da imagem, possibilitando trabalhar outros temas
importantes para a formação do estudante. Este trabalho expõe um exercício prático da primeira série
do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Positivo (PR), na disciplina de Ferramentas
Digitais, que aborda o conteúdo de edição digital de imagens e propõe atividades com crescente grau
de complexidade, que objetivam promover um aprendizado significativo e contextualizado. Mostra
seus resultados, bem como a avaliação dessa atividade por alunos e professores.

Palavras-chave: Edição de Imagem; Experiência didática; Arquitetura; Tecnologias digitais.

ABSTRACT
Considering the panorama of teaching digital technologies in Architectural, most of them offer
instrumental training considering the daily work of an architect. However, this work requires not only
the knowledge of how to deal with digital tools, but also many other abilities and attitudes which are
difficult to be taught. In this scenario, an activity of contextualized learning seems to be an opportunity
to go beyond the instrumental and representational aspect of the digital image editing. This paper
presents a practical exercise of a Digital Tools course that teaches the basics of digital image editing.
The activities have an increasingly degree of complexity to promote meaningful and contextualized
learning. It also shows some achievements as well as feedback from the teachers and from first
graders of the Architecture and Urbanism program of Positivo University in Curitiba, Brazil.
Keywords: Digital image editing. Didactic experience. Architecture. Digital tools

1 INTRODUÇÃO
A compreensão sobre o que é Arquitetura e Urbanismo para um aluno ingressante é um
desafio complexo. Por se tratar de uma área de conhecimento que envolve uma gama
bastante abrangente de temas, sua compreensão é sistêmica e sua apreensão vai além de
conhecimentos técnicos objetivos. Por isso, o percurso de entendimento dessa disciplina em
um curso superior deve mobilizar um esforço coletivo dos professores, principalmente os de
primeira série, que têm a oportunidade de contribuir em sua disciplina, trabalhando o
desenvolvimento desse olhar como um tema transversal.

44
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Com relação à estratégia didática, como ressalta Martins, o aprendizado demanda contexto:
contextualizar os saberes é outro instrumento valioso de que dispõem os
professores para mobilizar os alunos e estabelecer a relação entre sujeito e
objeto destinada a provocar aprendizagens significativas. Isso quer dizer
criar áreas, situações, âmbitos presentes na vida pessoal deles e nos quais
possam exercer papel ativo, deixando de ser meros espectadores passivos.
(MARTINS, 2007, p. 55)
A formação do estudante de Arquitetura e Urbanismo se inicia com a transformação de seu
olhar, no que diz respeito ao espaço de sua cidade.
Dessa maneira, a estratégia de trabalhar o conhecimento específico de cada disciplina de
modo contextualizado traz contribuições significativas para a formação do estudante, no
tocante à compreensão dessa profissão.
Tal construção se inicia com o reconhecimento dos espaços urbanos e de seus edifícios,
suas escalas e relações. Para isso é necessário, antes de tudo, ver, conhecer, reconhecer
suas diferenças e semelhanças, apropriar-se de suas características e detalhes.
As ferramentas de computação gráfica, em especial as de edição de imagem digital, têm
sido instrumentos importantes na atividade do arquiteto, tanto com fins de documentação e
registro como de instrumento de representação de ideias. Como descreve Neto,
as possibilidades da computação gráfica remetem o profissional a um
universo amplo. O produto final de um modelo digital pode ter diversas
características e representações e depende, seguramente, do “software” e
do domínio do ferramental que o arquiteto possui (NETO, 2004).
Entretanto, a compreensão da abrangência de seu uso vai muito além de seus aspectos
instrumentais. Seu aprendizado representa uma oportunidade pedagógica para conciliar o
entendimento instrumental com situações cotidianas da profissão, aumentando também o
repertório arquitetônico, tão útil nos anos iniciais do curso.
No que se refere ao uso de tecnologias digitais, as escolas de arquitetura comumente focam
as disciplinas de computação gráfica em uma abordagem instrumentalista, oferecendo
formação no conhecimento das ferramentas utilizadas no dia a dia do trabalho do arquiteto,
porém abrindo mão da oportunidade para trabalhar outros temas inerentes à sua formação.
No projeto pedagógico do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Positivo temos
delineado o perfil do egresso com as seguintes habilidades e competências, entre outras:
• habilidades de desenho e o domínio da Geometria, de suas aplicações e de outros
meios de expressão e representação, tais como perspectiva, modelagem, maquetes,
modelos e imagens virtuais;
• conhecimento dos instrumentais de Informática, para tratamento de informações e
representação aplicada à Arquitetura, ao Urbanismo, ao Paisagismo e ao planejamento
urbano e regional;
• conhecimento dos aspectos antropológicos, sociológicos e econômicos relevantes para
a formação do arquiteto e urbanista, bem como o conhecimento do amplo espectro de
necessidades, aspirações e expectativas individuais e coletivas quanto ao ambiente
construído.
A proposta aqui apresentada contempla tal diretriz na disciplina de Ferramentas Digitais,
que é oferecida na primeira série do Curso.
A proposta aqui apresentada contempla tal diretriz na disciplina de Ferramentas Digitais,
oferecida na primeira série do Curso.
Tal disciplina, segundo esse projeto pedagógico, tem como ementa “Princípios, métodos e
aplicação prática de técnicas de expressão gráfica em arquitetura, paisagismo e urbanismo.

45
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Utilização de softwares para o desenvolvimento e apresentação de ideias e projetos de


arquitetura”. Entre seus objetivos específicos, visa a “praticar a leitura espacial por meio de
fotografias internas e externas de espaços arquitetônicos e produção de modelo eletrônico.”
Em seu conteúdo, aborda a edição eletrônica de imagens e fotomontagem, temáticas
abordadas na experiência aqui apresentada. Esta se refere ao primeiro bimestre, momento
em que o aluno tem seu primeiro contato com as tecnologias digitais na profissão do
arquiteto e urbanista.
Em um contexto pedagógico, tão mais significativa será a aprendizagem quanto mais
contextualizada ela se apresentar. Este exercício aborda a questão como apresenta Martins:
As perspectivas do ensino moderno são bem outras, unir a teoria à prática,
contextualizar conteúdos com o trabalho e, dessa forma, torná-los
significativos e úteis para a vida.
A aprendizagem contextualizada permite ao aluno aprender por meio de
atividades pelas quais se entusiasma e nas quais pode questionar, criar,
reorganizar seus conhecimentos intuitivos e confrontá-los com os científicos
ou técnicos e que lhe trazem inúmeras experiências e valiosas perspectivas
futuras. (MARTINS, 2007, p. 55)
Com base nessa premissa e no contexto acadêmico, configurou-se um desafio que
pretendeu oferecer ao aluno o aprendizado de uma ferramenta de caráter estritamente
técnico (software de edição de imagens), de modo significativo, potencializando o
aprendizado:
o aprendizado significativo é aquele que modifica o indivíduo, em que ele
descobre coisas e ao mesmo tempo se descobre no processo de aprender,
tornando-se diferente. Esse aprendizado ocorre quando o processo faz
sentido para o aluno (GLASER, 2011)
A estratégia para que isso ocorresse foi criar uma situação que estimulasse o entendimento
de diversos outros aspectos importantes da profissão, como a prática de campo, o trabalho
em grupo, a predisposição para a cooperação, a organização do tempo para a produção de
trabalhos longos, o planejamento da finalização do trabalho e a previsão de erros e
gerenciamento de imprevistos.
Pressupõe-se, assim, uma atividade que permita uma vivência significativa que:
• provoque os estudantes a conhecerem sua cidade;
• desenvolva a competência de percepção dos edifícios e do espaço urbano;
• provoque a interação e o trabalho em equipe;
• desenvolva habilidades técnicas e instrumentais sobre como lidar com a fotografia e com
software de edição de imagens.
Resumidamente, o exercício PRODUÇÃO E EDIÇÃO DE STREETLINE propõe uma série
de atividades que começam com o registro do patrimônio, passam por sua edição e
terminam com uma atividade de criação.
Com isso, ele contempla todo o conteúdo técnico e amplia o repertório do estudante sobre a
cidade, além de desenvolver sua capacidade de observação e contribuir para a construção
de um novo olhar, necessário aos arquitetos.
A avaliação do exercício teve foco nos resultados e competências desenvolvidas.
Estabeleceu-se de duas maneiras: pela correção dos trabalhos pelos professores e por uma
votação realizada pelos alunos para a eleição dos melhores trabalhos. Essa última
configurou-se como um processo de autoavaliação coletiva.
Uma autoavaliação mostrou-se alternativa rica para o aluno tomar consciência das
dificuldades, mas principalmente para reconhecer seu crescimento e realizações, como
sugere Villas Boas:

46
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

A auto-avaliação ... tem o sentido emancipatório de possibilitar-lhe refletir


continuamente sobre o processo da sua aprendizagem e desenvolver a
capacidade de registrar suas percepções. Seu grande mérito é ajudar o
aluno a perceber o próximo passo do seu processo de aprendizagem. Cabe
ao professor incentivar a prática da auto-avaliação pelos alunos
continuamente. (VILLAS BOAS, 2008, p.52)

2 DESENVOLVIMENTO DO EXERCÍCIO
A construção das premissas para a elaboração da proposta de atividade nasceu do
entendimento de que
A contextualização exige dar centralidade à relação teoria e prática, integrar
áreas de conhecimento e desenvolver as capacidades de observação,
experimentação e raciocínio. (MOLL, 2010, p.88)
Assim, tentamos abordar esses conceitos, construindo as seguintes premissas:
• contemplar os conhecimentos técnicos relativos à ementa da disciplina no âmbito do uso
das ferramentas de edição de imagem na profissão do arquiteto e urbanista;
• provocar uma experiência de aprendizado contextualizada e, portanto, significativa;
• proporcionar uma atividade motivadora;
• promover o encontro entre alunos ingressantes e o aprendizado do trabalho em grupo,
importante para o profissional arquiteto;
• ampliar o repertório sobre o conhecimento de sua cidade.
Partindo também dos usos que o arquiteto faz das ferramentas de edição de imagem em
seu dia a dia profissional, encontramos na proposta de construção de um Streetline uma boa
possibilidade de tema, que atendia às premissas propostas.
Em uma pesquisa sobre o tema, localizamos uma iniciativa que apresentava o resultado
final esperado. Tal projeto, apresentado no site PANORAMASTREETLINE, descreve o
princípio de construção como:
Ao contrário dos panoramas normais, que são imagens geradas a partir de
um ponto de vista, nossos Streetlines são normalmente fotografados a partir
de uma diversidade de pontos de vista ao longo de uma rua. Com isso,
criamos panoramas lineares de múltiplos pontos de vista (às vezes
multiperspectivas). Isso significa que nenhum software consegue montar
automaticamente esses panoramas, pois há uma grande quantidade de
erros de paralaxe. No entanto, em casos raros, há espaço suficiente para
fotografar uma rua de um ponto de vista, como em grandes praças. Então a
montagem se torna relativamente fácil com o uso de um programa (ou
1
software) automatizado. (http://panoramastreetline.com/)
Segundo essa explicação, a imagem resultante de tal edição não se configura como um
desenho propriamente técnico. Apesar de não ser fiel à geometria mongeana das projeções
ortogonais utilizadas no desenho arquitetônico, a imagem final é muito útil para ilustrar
contextos urbanos de projetos de arquitetura e urbanismo, pois é fiel dimensionalmente no
que se refere ao tamanho dos edifícios, suas cores e característica geométrica.

1
Tradução livre das autoras. Do original: “Unlike normal panoramas that are shot from one viewpoint, our
streetlines are normally shot from many different viewpoints, along a street, hence we create linear or multi-
viewpoint panoramas (sometimes multi-perspective). This means, no program can automatically put together and
stitch these panoramas, as there are a lot of parallax errors...However, in rare cases you have enough space to
shoot a street from one viewpoint, like on large squares. Then the stitching is comparably easy by using a
program with an automated solution.”

47
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Para efeitos didáticos, dividimos o exercício em etapas distintas, que ora eram
desenvolvidas em grupo, ora individualmente. Para cada aluno, foi designado um edifício da
cidade, de modo que cada turma completasse um trecho urbano contínuo.

2.1 Etapas de desenvolvimento


O trabalho se desenvolveu ao longo de um bimestre e foi dividido em quatro etapas:

2.1.1 ETAPA 1 – Levantamento


Nesta etapa, individual, cada aluno realizou um levantamento fotográfico da fachada da
edificação designada e dos vizinhos diretos, com o objetivo de, posteriormente, realizar uma
fotomontagem para reconstituir a fachada frontalizada e em escala. Sugeriu-se tirar fotos de
detalhes arquitetônicos e buscar imagens tão frontalizadas quanto possível.
A fim de dar suporte ao desenvolvimento desta etapa, foram apresentados em aula: os
fundamentos da imagem digital; as técnicas de calibragem de câmera digital para as
tomadas fotográficas; os fundamentos de desenho de fachada e do desenho de perspectiva
cônica; as técnicas para a boa captura das imagens necessárias ao exercício.

Figuras 1, 2 e 3 – Fotos de levantamento tiradas por aluno

Figura 4 – Edição trabalhada


2.1.2 ETAPA 2 – Edição da Fachada em aula
Nesta etapa o trabalho consistiu em reconstituir a fachada,
de modo mais frontalizado possível (Figura 4), a partir das
fotografias tomadas. Tal edição compreendeu a correção de
perspectiva, eliminação de distorções, erros de paralaxe,
ruídos, poluição visual. Esta fase objetivou reproduzir as
condições em que a fachada se encontra, eliminada a
poluição visual.
As aulas que deram suporte a esta produção trabalharam os
seguintes temas: Ajustes, Seleções e Intervenção na
imagem; correção de perspectiva e retoque; fotomontagem;

2.1.3 ETAPA 3 – Montagem (do Streetline)


Foi solicitada uma montagem das imagens para configurar o
perfil da quadra. A imagem final deveria apresentar o
desnível do terreno e estar em escala.
As aulas que completaram o conteúdo para esta etapa
abordaram os temas: Escala, redimensionamento e
montagem de prancha; Montagem da perspectiva da rua.

48
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

2.1.4 ETAPA 4 – Humanização


Cada aluno trabalhou sobre a imagem produzida na etapa anterior para construir uma
humanização do espaço da quadra, propondo um uso para o lugar, questionando-se sobre
“Como a vida das pessoas pode melhorar naquele lugar?”. Essa edição foi uma intervenção
nas fachadas e em outros elementos componentes da imagem. Era possível incluir figuras
humanas, equipamentos urbanos, molho, de modo a apresentar a ideia de uso proposta.
A proposta deveria ser plausível, reflexo de um pensamento sobre o lugar. O resultado final
consistiu numa perspectiva de um ponto de fuga e foi possível exercitar o entendimento de
conceitos relativos ao desenho de perspectiva como altura do observador, ponto de
observação e outros.
Visto que todo o conteúdo necessário para a produção desta etapa já havia sido abordado
em aula, o apoio pedagógico se deu por meio de aulas de assessoria, nas quais os alunos
praticaram a produção de todas as etapas.

2.2 Critérios de avaliação


Segundo os critérios de avaliação, o aluno deve demonstrar domínio dos conteúdos dados,
atender aos objetivos da disciplina, apresentar trabalhos com qualidade e cumprir prazos.
Com essas premissas, estabelecemos o seguinte:
Tabela 1 - Critérios de avaliação e pesos relativos à nota bimestral
Etapa O que entregar O que foi analisado Peso
1 Levantamento fotográfico Se foi entregue 5%
individual Foto do edifício com o aluno Se foi entregue 5%
2 Edição do edifício impresso Limpeza da Imagem, produzida pelo 10%
em A4 e em arquivo digital aluno – Peso de nota: 10%
individual
Montagem do edifício e proporção 10%
Correção da perspectiva gerada pela 5%
fotografia (ortogonalizar)
3 Streetline impressa em A3 e Montagem dos edifícios mais próximo 1%
arquivo digital da realidade local
grupo
Montagem das esquinas com noção 10%
de profundidade
Construção de linha de terra conforme 2%
realidade local
Inserção de Céu 2%
Escala e proporção dos edifícios 10%
4 Humanização impressa em Ideia da proposta de humanização 10%
A3 e arquivo digital
individual Execução da proposta 30%
Fonte: Elaborado pelas autoras

3 RESULTADOS OBTIDOS
A grande totalidade dos alunos conseguiu realizar a atividade, com diferentes graus de
êxito. Abaixo, alguns resultados.

49
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figuras 5, 6, 7 e 8 – Exemplos de Edição da Fachada

Fonte: Giovanna Fonte: Marcelo Fonte: Amanda Osiowy, Fonte: Marjorie Santos,
Pereira Grande Carolina Batista, Stephanie Pamela Jaskiu, Taynara
Almeida, Ana Paula Arthury Dzwilewski e Vanessa Silverio

Figuras 9 e 10 – Exemplos de Montagem de Streetline

Fonte: Ana Bassani, Giliane Rocha e Karen Diz Fonte: Marjorie, Vanessa, Pamela e Taynara

Figura 11, 12, 13 e 14 – Exemplos de Humanização

Fonte: André de Soler Fonte: Karen Diaz

Fonte: Kayke Pereira Fonte: Gisele Pereira

4 AVALIAÇÃO DA PROPOSTA DE EXERCÍCIO


Objetivando identificar possíveis acertos e erros na proposta de exercício, combinamos os
métodos de avaliação abaixo:

4.1 Avaliação do desempenho dos alunos


Com os critérios definidos e avaliações feitas pelos professores dos trabalhos entregues
pelos 195 alunos, de quatro turmas distintas, observou-se que apenas 100 (51%) atingiram
a média 7,0 da matéria Ferramentas Digitais.
Os maiores acertos dos estudantes ocorreram no desenvolvimento das etapas 1 e 2. Já a
etapa 4, na qual os alunos tiveram a possibilidade de criação da humanização foi a que
teve maior desconto de notas, pois a grande maioria dos alunos utilizou poucos dos
recursos disponíveis.

50
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Tabela 2 – Notas dos alunos por etapas e médias bimestrais


TURMA ETAPA 1 ETAPA 2 ETAPA 3 ETAPA 4 MÉDIA
Entrega foto Ed. Fachada M. Streetline Humanização PONDERADA
(peso 0,5) (peso 3,0) (peso 2,5) (peso 4,0)
A 10 8,3 8,0 6,5 7,6
B 8,0 8,0 6,4 5,5 6,6
C 8,0 9,0 6,8 5,5 7,0
N 10 8,7 7,6 6,8 7,7
MÉDIA 9,0 8,5 7,2 6,1
MÉDIA GERAL DAS TURMAS 7,2
Fonte: Elaborado pelas autoras

4.2 Avaliação pelos professores


Para avaliar com objetividade a percepção dos professores sobre o aprendizado dos alunos,
foi aplicado um questionário. As respostas apresentam-se abaixo:
Tabela 3 – Principais perguntas e respostas ao questionário aos professores

As explicações e atividades de aula contemplaram Em sua opinião, qual o grau de importância deste
o conhecimento necessário para a produção trabalho para a formação do arquiteto?
do trabalho?

não contemplaram contemplaram na íntegra nada importante extremamente importante


Como avalia o grau de MOTIVAÇÃO dos alunos Como avalia o grau de dificuldade para MONTAR
para a produção deste trabalho? A FACHADA DO EDIFÍCIO?

nada motivado extremamente motivado muito fácil muito difícil

Como avalia o DESEMPENHO GERAL dos alunos na realização deste trabalho?

insuficiente excelente
Fonte dos gráficos: relatório do Google Forms

51
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

4.3 Feedback dos alunos


A fim de avaliar o grau de êxito deste exercício na percepção dos alunos, aplicamos um
questionário a eles. As perguntas buscavam avaliar sua percepção quanto ao aprendizado,
bem como verificar se os objetivos haviam sido atingidos e detectar possíveis falhas ou
acertos dos processos didáticos envolvidos. Foram 181 alunos respondentes, o que
equivale a 82% dos daqueles que completaram o exercício. As principais perguntas e
resultados dessa pesquisa são apresentados abaixo:
Tabela 4 – Principais perguntas e respostas ao questionário de feedback

As explicações e atividades de aula contemplaram Em sua opinião, qual o grau de importância deste
o conhecimento necessário para a produção trabalho para sua formação como arquiteto?
do trabalho?

não contemplaram contemplaram na íntegra nada importante extremamente importante


Qual o seu grau de MOTIVAÇÃO para a produção Como avalia o grau de dificuldade para MONTAR
deste trabalho? A FACHADA DE SEU EDIFÍCIO?

nada motivado extremamente motivado muito fácil muito difícil


Como avalia seu DESEMPENHO GERAL na realização deste trabalho?

insuficiente excelente
Fonte dos gráficos: relatório do Google Forms

5 CONCLUSÕES
Mais importante que o próprio resultado obtido é o aprendizado de conteúdos e
desenvolvimento de habilidades por parte de alunos.
Assim, as reflexões abaixo buscam proporcionar o desenvolvimento didático pedagógico por
parte dos professores.
No que se refere às aulas terem ou não contemplado os conhecimentos necessários para a
execução do exercício, a opinião de alunos e professores diverge. Para os professores, as
aulas os contemplaram quase na totalidade, enquanto para os alunos existem lacunas. Tal
fato representa, talvez, a diferença sempre presente entre o que foi ensinado e o que foi

52
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

aprendido, mostrando a necessidade de reavaliação do modo de ministrar alguns


conteúdos.
A percepção do grau de importância do exercício para a formação profissional foi similar em
alunos e professores, o que corrobora as questões levantadas por Martins (2007) sobre a
eficiência do aprendizado contextualizado e por Glaser (2011) sobre a necessidade do
aprendizado significativo.
Os alunos avaliaram que seu desempenho geral foi melhor, comparado à avaliação dos
professores, o que mostra que não conseguem reconhecer com precisão suas principais
falhas e deficiências e que, apesar disso, estão satisfeitos com o resultado obtido.
Considerando as notas atribuídas pelos professores, o desempenho dos alunos foi melhor
nas etapas iniciais do trabalho. Eles tiveram mais êxito na edição da fachada, seguido pela
edição da Streetline e, por fim, da humanização, o que coincide com o grau crescente de
complexidade do exercício e de conhecimento necessário para sua execução. No final da
atividade, o aluno tem uma gama maior de informações para articular, e talvez os
professores devessem ponderar essa questão quando definem seus critérios de avaliação.
Os alunos avaliaram ter mais facilidade de produzir a montagem do edifício do que os
professores perceberam, o que foi uma verdadeira surpresa para o corpo docente. Isso
sugere que é preferível levantar dados concretos a basear-se em opiniões pessoais.
Observa-se uma concordância quanto ao alto grau de motivação do exercício. Esse fato
mostra que a experiência realizada trouxe ensinamentos e aprendizado ao grupo de
professores, que agora dispõem de instrumentos concretos para reavaliá-la e transformá-la.

AGRADECIMENTOS
Agradecemos aos professores Daniel Arantes e Fabíola Hilgenberg, que completaram o
time de professores da disciplina. Também agradecemos a todos os alunos que
participaram e voluntariamente responderam ao questionário de feedback.

REFERÊNCIAS
GLASER, Scheilla. O Ensino do Piano Erudito-Um Olhar Rogeriano. biblioteca24horas,
2011.
MARTINS, Jorge Santos. Projetos de Pesquisa: Ensino e Aprendizagem em sala de aula.
Autores Associados, 2007.
MOLL, Jaqueline. Educação Profissional e Tecnológica no Brasil Contemporâneo:
desafios, tensões e possibilidades. Artmed, 2010.
NETO, Ruy Alberto de Assis Espinheira. Arquitetura digital a realidade virtual, suas
aplicações e possibilidades. 2004. Tese de Doutorado. UNIVERSIDADE FEDERAL DO
RIO DE JANEIRO.
Projeto pedagógico do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Positivo, 2013.
VILLAS BOAS, Benigna Maria de Freitas. Virando a escola do avesso por meio da
avaliação. Papirus Editora, 2008.

53
A RECRIAÇÃO VIRTUAL DA PRAÇA TIRADENTES DE 1940
Gisele Pinna Braga
Universidade Positivo
giipinna@gmail.com, gbraga@up.edu.br
Larissa Pariz
Universidade Positivo
larissapariz@gmail.com
Lucas Dallabrida
Universidade Positivo
lucasdallabrida@rocketmail.com
Vanessa Mayer Rigo
Universidade Positivo
vanemrigo@gmail.com

RESUMO
Este artigo relata uma pesquisa que teve como objetivo investigar técnicas de reconstrução digital
com caráter fotorrealístico viáveis e reconstruir digitalmente a Praça Tiradentes de Curitiba de 1940,
tendo como base a pesquisa anterior intitulada “Curitiba 40’s: levantamento e modelagem
tridimensional da Praça Tiradentes de 1940”. A pesquisa documental buscou complementar as
informações sobre aquele espaço da cidade. O modelo digital, desenvolvido com técnicas de
modelagem eletrônica, objetivou retratar com maior fidelidade possível a arquitetura da época desde
as fachadas e seus detalhes, até representar o entorno da Praça, o mobiliário urbano, a
pavimentação das calçadas, a vegetação e os automóveis. Ainda, busca resultados foto realísticos
para evidenciar detalhes e texturas compatíveis com a ambientação da época.
Palavras-chave: Praça Tiradentes, Reconstrução Digital, Curitiba, Arquitetura

ABSTRACT
This paper presents a research that investigates digital representation techniques to produce a digital
reconstruction of Tiradentes Square of Curitiba of 1940 with photorealistic characteristic. The digital
model, developed with 3D digital modelling techniques, intends to reproduce with high fidelity the
architecture of the time. The 3D model contains the facades of the buildings and their singular details,
its surroundings (the square itself), and also the additional information of the environment as well as
the street furniture, paving, vegetation and vehicles, showing details and textures compatible with that
period.
Keywords: Tiradentes Square, Photorealistic reconstruction, Curitiba, Architecture.

54
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa. PB

1 INTRODUÇÃO
A reconstrução digital é um método que utiliza ferramentas digitais para reconstruir um
objeto. Formas, cores e texturas reais são trazidas para o âmbito virtual a partir de
softwares, que utilizam imagens e ferramentas, proporcionando imagens eletrônicas com
similaridade com o objeto original. Esse recurso possibilita a geração de modelos
tridimensionais a partir de informações de diversas fontes como fotografias, croquis e
desenhos digitais, trazendo o aspecto físico real de uma época para o espaço virtual. É uma
técnica que vem sendo utilizada por conta dos rápidos avanços da tecnologia e do maior
acesso às ferramentas de modelagem e edição eletrônicas, possibilitando a manipulação e
reprodução de ambientes escalasse detalhes cada vez maiores.
Diversas são as técnicas possíveis para a recriação virtual de um cenário de
época. No âmbito da arquitetura, a representação de imagens de uma
época pode ser realizada por meio de técnicas clássicas. Porém, novos
métodos de visualização para a reconstrução do patrimônio apresentam
uma série de vantagens com relação às formas tradicionais de
levantamento, como custo, rapidez, precisão e variedade de produtos que
podem ser obtidos - ortofotos, desenhos e modelos geométricos
tridimensionais. (GROETELAARS e AMORIM, 2008, p.2).
A Praça Tiradentes, considerada o marco zero da cidade de Curitiba, Paraná, foi
considerada como tema para a reconstrução virtual nesta pesquisa. Esse espaço público,
considerado um patrimônio cultural não tombado, tem sido um marco de imensurável
importância para a cidade, seja por seu valor histórico ou por sua relevância na estruturação
da malha urbana da cidade. Sendo um dos mais significativos pontos nodais desde o início
da configuração da estrutura urbana curitibana, esse espaço passou por todas as fases de
sua evolução, apresentando assim marcas evidentes desses diversos momentos passados.
Toda a sua história e importância que permanecem foram decisivas para a escolha deste
local e momento histórico a serem arquivados virtualmente.
A reconstrução do espaço da Praça possui enorme significado para o acervo de patrimônio
do município. Foi escolhida a década de 1940 como nicho histórico de base para a recriação
desta, devido a sua configuração naquele momento ser bem diferente da atual, mesmo
possuindo muito de seu entorno não modificado até hoje. Além disso, a importância do
período em questão se dá por conta do início do Plano Agache no ano de 1941, no qual a
cidade de Curitiba teve todo o seu sistema urbano direcionado a partir de um sistema radial,
definindo o início das grandes transformações da Capital. Tal plano deixou marcas até os
dias atuais, como a área definida para o Centro Cívico e a concentração de fábricas na Zona
Industrial. Outro fator que contribuiu para esta escolha foi a disponibilidade de materiais
base para a recriação da Praça nesse período.
A base a para a realização do trabalho foi uma pesquisa realizada no ano anterior, intitulada
“Curitiba 40’s: levantamento e modelagem tridimensional da Praça Tiradentes de 1940”.
Como resultado dessa pesquisa, temos um modelo tridimensional da Praça contendo
somente as edificações. Tal resultado foi o ponto de partida para a realização de um modelo
realístico mais detalhado, criando um modelo que possibilitou se transportar para aquela
época e de se observar o espaço por completo. A observação in loco de edifícios que
permanecem até os dias atuais também constituiu-se de um recurso de pesquisa disponível.

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
A recriação virtual tem como objetivo recriar e/ou reviver uma parte do passado em
ambientes que não encontramos mais ou que estão totalmente degradados e
irreconhecíveis. Como base para todas as reconstruções do campo do Patrimônio Histórico
foi elaborado em 1964, a Carta de Veneza. Após anos de estudos e avanços tecnológicos
foi necessário o desenvolvimento de um documento padrão para a realização das
reconstruções digitais. Assim, em 2006, foi elaborado pela King’s College London, a Carta

55
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa. PB

de Londres: um conjunto de seis princípios que auxilia o desenvolvimento de pesquisa,


proporcionando métodos de visualização universal, interdisciplinar e realística da
visualização computadorizada.
Sendo o foco de inúmeras pesquisas no campo acadêmico, encontramos trabalhos que
tratam diferentemente a questão da criação de um acervo virtual de arquitetura. No âmbito
nacional temos as pesquisas "Restituição fotogramétrica digital das fachadas do
Pelourinho", realizada em 2007 pela Universidade Federal da Bahia e "Modela Pelotas",
realizada em 2005 pela Universidade Federal de Pelotas, contribuindo com a divulgação da
reconstrução de forma interdisciplinar. No âmbito internacional as pesquisas "Reconstrução
geométrica da praça Amir-Chakhmagh" realizada em 2011 pela TEXAS A&M University e a
"Recriação virtual do patrimônio Açoriano" realizada em 2007 pela Faculdade de Ciências
da Universidade de Lisboa contribuem como repertório para o entendimento do trato da
questão da reconstrução virtual.
A nossa herança cultural está a ser destruída mais rápido hoje em dia de
que em qualquer outra altura no passado [Burns91]. A representação virtual
desse património em risco terá o benefício óbvio de manter uma
representação do mesmo para as gerações vindouras. Poderá, no entanto
haver uma vantagem para o presente. Como referido no manual da
UNESCO sobre gestão de turismo em zonas classificadas como património
mundial [UNESCOM02], é um destino inevitável: as razões que levam uma
propriedade a ser escolhida para património mundial são as mesmas que
levam milhões de turistas a visitá-las todos os anos. Por vezes torna-se
impossível evitar os danos causados por turistas. Nesses casos seria
benéfico haver representações virtuais das zonas mais frágeis, havendo a
possibilidades dos turistas verem essas zonas virtualmente no decurso da
sua visita, salvaguardando o sítio real." (SEMIÃO MIGUEL. pg. 27, 2007).
Ambos os estudos apresentam áreas de suas cidades dignas de relembrar e reconstituir. As
fachadas geradas no pelourinho trouxeram a lembrança do maior conjunto colonial
encontrado pela América Latina. O método é conhecido como produção de ortofoto, termo
na arquitetura utilizado para a representação de elevações de fachadas planificadas,
permitindo a visualizações de detalhes construtivos da face do edifício de uma quadra e
redesenhado em outros programas como o HDS - High Difinition Survey(ing) + CAD.
A pesquisa que ganha destaque no assunto da recriação é o "Modela Pelotas", que une a
metodologia de trabalho com a tecnologia e a comunicação, formando materiais de campo
realísticos, dando um destaque à divulgação e não servindo somente para a arquitetura,
mas sim há outras áreas de estudos. "Pretende-se que estes modelos possam ser
ampliados e explorados pela história, turismo, artes visuais, arquitetura e outras áreas de
interesse." (FÉLIX et alli. pg. 01, 2005).
A importância da reconstrução geométrica da praça Amir-Chakhmagh realizada em 2011, foi
a recuperação da lembrança para os moradores, visto que a Praça fora totalmente destruída
e o seu entorno fragmentado. O autor, auxiliado por um software, utilizou perspectivas e
fotos da época para recriar a praça de 1920. É significativo destacar que a reconstrução só
foi possível graças às fotos antigas e às medidas obtidas, que passaram por uma rigorosa
análise,
Cabo a “Recriação Virtual do Patrimônio Açoriano” tem o foco na cidade de Angra do
Heroísmo, com o objetivo de estudar formas de reconstrução que viabilizam a exposição do
patrimônio na Internet. O prédio de estudo do método foi o Instituto Açoriano de Cultura
(IAC).Para essa reconstrução foram empregados diversos softwares, dentre eles o CAD-
Computer Aided Design, arquivos de suporte para Extensible 3D(X3D) e Java Development
Kit. Como resultado do projeto tem-se uma proposta para a galeria de arte virtual com o
objetivo de expor em modelo virtual, as obras de artes encontradas mostras do Instituto.
Os processos e métodos descritos acima demonstram a importância e a ampliação do tema
reconstrução digital. É com esses métodos que diferentes tipos de instituições constroem

56
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa. PB

virtualmente seus acervos de para a memória das cidades, como a "Reconstrução


geométrica da praça Amir-Chakhmagh" e a "Restituição fotogramétrica digital das fachadas
do Pelourinho".

3 METODOLOGIA
A metodologia adotada partiu de uma análise dos dados necessários para a construção do
modelo desejado e da escolha das ferramentas e processos técnicos testados. Assim, ela
consistiu nas seguintes etapas:

3.1 ANÁLISE DOS DADOS


A pesquisa realizada no ano anterior, intitulada “Curitiba 40’s: levantamento e modelagem
tridimensional da Praça Tiradentes de 1940”, proporcionou um vasto acervo de informações.
Após a análise deste, observou-se a necessidade de complementá-las, visto que o objetivo
da pesquisa era recriar a Praça com alto grau fotorrealístico. Para sistematizar o
desenvolvimento da pesquisa, os edifícios foram divididos em testadas (norte, sul, leste,
oeste) e numerados de 1 a 37. Já as informações complementares para a configuração
completa do cenário foram listadas.

Figura 1: mapa da numeração dos edifícios da Praça

Fonte: Cecco et al. (2013)

3.2 LEVANTAMENTO DE DADOS COMPLEMENTARES


Para preencher a lacuna de dados existente, iniciou-se o processo de pesquisa e busca de
informações complementares. Alguns dos edifícios possuíam sua estrutura original ainda
presente. Nesses casos, foram tiradas fotos de suas fachadas e as imagens foram editadas
como ortofotos, as quais serviram de base para a modelagem tridimensional. Como havia a
possibilidade de seus detalhes terem sido modificados ao longo do tempo, houve a
necessidade de comparar as imagens atuais com os arquivos históricos, para que todas
fossem fieis às fotografias da época. Como exemplo temos algumas portas, que atualmente
são de metal devido ao uso comercial dos edifícios, e foram substituídas pelo modelo criado
com base em imagens de acervo. Já os demais edifícios foram retirados do modelo
produzido pelo projeto “Curitiba 40’s: levantamento e modelagem tridimensional da Praça
Tiradentes de 1940”. Os elementos complementares, tais como mobiliário urbano,
pavimentação de calçadas, vegetação e veículos, foram levantados a partir de pesquisas no
acervo de fotos e, quando necessário, pesquisados em livros ou documentos.

57
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa. PB

3.3 PROCESSOS DE PRODUÇÃO DE MODELO TRIDIMENSIONAL

3.3.1 FACHADAS
O software escolhido para a modelagem em 3D foi o Google SketchUp, devido ao domínio
do grupo sobre ele, à facilidade de manipulação e à sua disponibilidade. A preocupação de
gerar um modelo leve (no sentido de tamanho de arquivo), com geometria simplificada,
esteve presente em todo o processo de modelagem. Tal característica facilitaria a
manipulação do modelo e também viabilizaria possível disponibilização dele no futuro. Para
gerar tal geometria simples o trabalho foi pensado no sentido de explorar ao máximo
trabalho com fotografias, evitando a criação de linhas e geometrias prescindíveis.
Dada esta diretriz a modelagem ocorreu de acordo com as informações existentes sobre os
objetos a se construir. Primeiramente, aquelas fachadas cujas modelagens tiveram como
base fotos dos edifícios presentes na Praça, foram editadas para a produção de uma
ortofoto. Tal edição, além de servir para a limpeza de elementos anacrônicos, possibilitou a
recriação de outros, que haviam sido modificados ou retirados. A ortofoto pronta foi aplicada
como textura em um bloco modelado em SketchUp. Desta forma evitou-se desenhar os
diversos elementos da fachada, diminuindo o número de linhas do modelo e otimizado sua
geometria. Já nos casos onde houve a necessidade de utilizar o modelo criado e desenhado
em SketchUp, buscou-se uma simplificação de sua modelagem, tendo grande parte de seus
elementos, característicos da época, no mesmo plano da fachada.

Figura 2: foto do edifício Figura 3: ortofoto produzida em Photoshop

Fonte: produção dos autores Fonte: produção dos autores

O ponto do bonde também foi modelado nessa primeira etapa. Com base em fotos
conseguiu-se determinar as principais características do mesmo, que foi modelado
diretamente em SketchUp.
Supõe-se que as portas e as cores de tinta da fachada sofreram alterações durante o
tempo. Nenhum dado concreto foi encontrado, visto que a maioria das imagens do acervo
fotográfico é monocromática. Assim, optou-se por representá-las de modo genérico, não
sendo fieis a época, mas preservando as principais características encontradas à época.

58
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa. PB

3.3.2 DEFINIÇÃO DA VEGETAÇÃO


A pesquisa sobre a vegetação iniciou-se a partir de documentos oficiais que mostram o
processo de modificação da Praça ao longo do tempo. Devido às incertezas e à falta de
dados encontrados, uma pesquisa complementar em livros, periódicos e vídeos que
relatavam a vida e o cotidiano dos curitibanos na décadas de 30 e 40, foi realizada. A
estratégia encontrada para superar a dificuldade de se especificar cada espécie foi mapear
a posição, o porte e as características geométricas das mesmas, a partir das fotos
encontradas da época. Com isso preservou-se as características principais da vegetação
predominante. O resultado deste mapeamento segue abaixo:

Figura 4: reconhecimento de vegetação predominante

Fonte: autores

3.3.3 MOBILIÁRIO URBANO


O mobiliário urbano encontrado na pesquisa são os banco, postes, bondinho e ponto de
bonde. Os bancos e poste já haviam sido produzidos na pesquisa anterior, sendo
necessário, assim, modelar o bondinho e o ponto de bonde.
Ambas as modelagens ocorreram de acordo com as fotos do acervo da pesquisa com
algumas complementações como materiais.

3.3.4 PAVIMENTAÇÃO DAS CALÇADAS


As calçadas da Praça, constituídas na maioria em petit-pavé, são importantes elementos da
paisagem urbana de Curitiba, além de terem importância histórica para a cidade:
Apesar de o petit-pavé, o mosaico português ou "pedras portuguesas" e sua
técnica de execução ter sido introduzida no Brasil pelos colonizadores
portugueses, no começo do século XX, não é seguro afirmar que os
desenhos em petit-pavé preto, branco e vermelho castanho presente nas
calçadas de Curitiba tenham sofrido diretamente essa influência,
considerando que os desenhos introduzidos nas calçadas quando o Paraná
e Curitiba já abrigavam muitos povos. (VASCONCELO. pg.27, 2006)
A imagem de textura da pavimentação das calçadas foi produzida com base nos desenhos
técnicos de suas figuras, que foram combinados com imagens de pedras em petit-pavé
pretas e brancas. O resultado final foram imagens planificadas da pavimentação das
calçadas, que foram posteriormente utilizadas como textura de material na modelagem
tridimensional.

59
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa. PB

3.3.5 AUTOMÓVEIS
A catalogação de automóveis ocorreu com uma análise de fotos antigas obtida pelo acervo
da pesquisa e fotos da visita à exposição 'Curitiba Anos 50' no Memorial de Curitiba devido
a qualidade e a resolução das fotos a escolha dos carros foram feitas a partir de
semelhanças encontradas com os modelos já disponíveis no Armazém 3DWarehouse.
Os modelos de carros obtidos foram Chevrolet Truch do ano de 1930, Ford Coup do ano de
1934, "Fordinho" do ano de 1930 e Bugatti Type 57 SC ano de 1936.

2.4 PROCESSOS DE RENDERIZAÇÃO


Após a modelagem em SketchUp iniciaram-se testes para analisar e escolher a técnica de
renderização que melhor se adaptaria á pesquisa. Foram realizados testes em 3D's MAX,
Lumion e Podium.
A melhor opção mostrou-se o Lumion, devido a seu vasto acervo de dados como vegetação
e textura, além de ser um software que apresenta certa agilidade, realidade e qualidade.
Uma ressalva para esse modelo é que de acordo com os teste realizados o tipo de arquivo
para a exportação - Sketchup > Lumion - deveriam ser do tipo .dae, uma vez que o arquivo
exportado de forma .obj apresentou falhas de sistemas que não possibilitava a importação
de texturas e das ortofotos.

Figura 5: teste em Podium

Fonte: produção dos autores

Figuras 6: teste em 3d Max Figura 7 - teste de renderização em Lumion

Fonte: produção dos autores

60
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa. PB

4 RESULTADOS OBTIDOS
O objetivo da pesquisa foi a recriação fotorrealística da Praça Tiradentes na década de 40,
utilizando desenhos, imagens e fotos. Todo esse acervo auxiliou na representação fiel da
grande maioria dos elementos presentes na praça, como mobiliário, fachadas, vegetações,
etc.
Apesar da necessidade de algumas informações não encontradas sobre as fachadas, o
modelo digital não teve prejuízos nesse sentido, uma vez que outros edifícios da época com
desenhos similares encontraram-se conservados.
Como resultado, temos um acervo de fotos das fachadas retificadas.
Abaixo, é possível visualizar exemplos de algumas fachadas retificadas a partir do processo
descrito na metodologia.
Figura 8 - fachada retificada da antiga farmácia Stelffeld

Fonte: produção dos autores

Figuras 9 e 10 - Fachadas retificadas (edifícios 19 e 23)

Fonte: produção dos autores

Figura 11 – Modelo 3D do ponto de bonde em Sketchup

Fonte: modelagem dos autores

61
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa. PB

Figura 12 – Modelo 3D do bonde em Sketchup

Fonte: modelagem dos autores

Figura 13 – Imagem construída a partir de desenhos técnicos e fotografias para utilização


como textura da pavimentação fachada sul

Fonte: produção dos autores

Figuras 14 a 17 – carros selecionados para montagem da cena

Fonte: 3d Warehouse

Figuras 18 a 25 – imagens da Praça geradas da modelagem e renderização

62
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa. PB

Fonte: produção dos autores

5 CONCLUSÃO
Os resultados obtidos mostram que o objetivo do projeto, a recriação do marco zero de
Curitiba na década de 40, de um modo geral foi alcançado, ponderando-se as limitações e
dificuldades naturais de uma pesquisa desta natureza.
Algumas dificuldades técnicas de processamento das imagens com humanização foram
encontradas, o que mostra que testes focados neste objetivo ainda precisam ser realizados.
Uma vez essa biblioteca virtual finalizada, o passeio pela praça se torna possível pelo uso
das ferramentas digitais, concluindo a pesquisa realizada e oferecendo à comunidade um
objeto que preserva o patrimônio e a memória histórica da cidade.

AGRADECIMENTOS
Agradecemos à Universidade Positivo, especialmente ao curso de Arquitetura e Urbanismo,
por financiar e dar suporte para a realização desta pesquisa.

REFERÊNCIAS
CECCO, Eduardo et al. Praça Tiradentes de Curitiba: recuperação da memória e
reconstrução virtual da praça de 1940. In Representar Brasil 2013: As representações em
Arquitetura, Urbanismo e Design, 2013, São Paulo. Anais do Representar Brasil 2013.
São Paulo: p. 481-491.

63
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa. PB

FÉLIX, Neusa Mariza Leite Rodrigues et al. Modela Pelotas. 2005. 10 p. Dissertação (Curso
de Especialização de Gráfica Digital) - Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.
GROETELAARS, Natalie J. e AMORIM, Arivaldo L. Referências a Fotogrametria Digital
na Documentação do Patrimônio Arquitetônico. 2008. 105 p.
MIGUEL, Pedro Semião. Recriação Virtual Do Património Arquitectónico Açoriano.
2007. 117 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Informática) - Universidade de Lisboa,
Lisboa.
VASCONCELOS, Lúcia Torres de Moraes. Calçadas de Curitiba: Preservar é preciso.
Curitiba: Comunicare, 2006.

64
A COLEÇÃO GILENO DE CARLI E A DOCUMENTAÇÃO DA
ARQUITETURA CANAVIEIRA EM PERNAMBUCO.

Rodrigo Cantarelli
Fundação Joaquim Nabuco - rodrigo.cantarelli@fundaj.gov.br

RESUMO
A Coleção Gileno de Carli, hoje sob a guarda da Fundação Joaquim Nabuco no Recife, é um
importante registro fotográfico, feito na década de 1930, de mais de sessenta propriedades rurais no
estado de Pernambuco, muitas delas hoje desaparecidas. O artigo apresenta o mais recente
processo de catalogação feito na coleção, o qual permitiu, através da identificação das propriedades,
dos seus edifícios, e dos seus elementos arquitetônicos mais característicos, a inserção dessas
informações em uma base de dados digital de fácil e rápido acesso ao usuário, que irá auxiliar os
mais diversos pesquisadores do tema.
Palavras-chave: Coleção Gileno De Carli. Arquitetura rural. Engenho.

ABSTRACT
The Gileno De Carli Collection, now under the custody of Fundação Joaquim Nabuco, at Recife, is an
important photographic register, made in the 1930s, over sixty Sugar Mills in the state of Pernambuco,
many missing today. This article presents the latest cataloging process done in this collection, which
allowed, through the identification of properties, its buildings, and its most distinctive architectural
elements, inclusion of all this kinds of information in a database for quick and easy access to the user
via a digital technology, assisting innumerous researchers of this subject.
Keywords: Gileno de Carli Collection. Rural Architecture. Sugar Mill.

1 INTRODUÇÃO
A Coleção Gileno de Carli, hoje sob a guarda da Fundação Joaquim Nabuco no Recife, é
um importante registro fotográfico, feito na década de 1930, de mais de sessenta
propriedades rurais no estado de Pernambuco, muitas delas hoje desaparecidas. Oriunda
do Museu do Açúcar, a coleção havia sido mapeada ainda nos anos 1980, indicando a
presença de quase sessenta engenhos distintos.
Esse mapeamento, feito de forma bastante sintética, indica apenas a tipologia da edificação
principal representada em cada imagem e sua localização. Esse tipo de informação
dificultava o processo de trabalho dos pesquisadores que tinham interesse no tema ou que
buscavam imagens de alguma propriedade específica, seja para pesquisas históricas ou
coletando informações que pudessem embasar intervenções nesses edifícios históricos.
A partir desse ano, num processo de revisão do mapeamento e da catalogação das
coleções fotográficas pertencentes à Fundação Joaquim Nabuco e da adoção de uma
sistemática no processo catalográfico, que contou com a elaboração de um manual de
procedimentos técnicos para catalogação das coleções iconográficas, buscou-se
reorganizar a coleção Gileno de Carli de forma que as informações sobre a arquitetura rural
presentes ali, fossem acessadas de forma mais rápida e eficaz por qualquer pesquisador. O
objetivo desse texto é mostrar a importância da coleção Gileno de Carli como um

65
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

documento sobre a história da arquitetura açucareira em Pernambuco e apresentando o


processo de catalogação feito recentemente nesse acervo.

2 ARQUITETURA E COLECIONISMO NA COLEÇÃO GILENO DE CARLI


O Engenho Noruega (ver Figura 1), que pertenceu ao Barão de Jundiá, estava localizado ao
sul do Recife, na cidade de Escada. Construído ainda no século XVIII, as edificações desse
engenho tiveram seus valores artísticos destacados primeiramente pelos intelectuais do
Movimento Neocolonial (Ver GOMES, 2006, p.145), uma vez que a singularidade da
composição feita entra a Casa Grande e a Capela, unidas em um volume único, foi bastante
rara nos engenhos de toda a região. Gilberto Freyre, em Casa grande e Senzala, defende
que o esse edifício representava todo um sistema econômico, social, político, onde “a casa
grande do engenho Noruega, em Pernambuco, cheia de salas, quartos, corredores, duas
cozinhas de convento, despensa, capela, puxadas, parece-me expressão sincera e
completa” (FREYRE, 1961, p.37).

Figura 1 – GDC_000095, Julien Mandel, [1937-1939], Ruínas da Capela e da Casa Grande


do Engenho Noruega, Escada, Pernambuco, Brasil

Fonte: Acervo Fundação Joaquim Nabuco

Retratado em pinturas e na famosa aquarela de Cícero Dias, feita para a primeira edição do
livro de Gilberto Freyre, poucas fotografias, no entanto, mostravam, de fato, a configuração
desse edifício, demolido no final da década de 1930. Num pequeno conjunto de imagens,
feitas entre 1937 e 1939, que hoje estão sob a guarda da Fundação Joaquim Nabuco,
vemos claramente esse processo de demolição do Engenho Noruega. Essas imagens
fazem parte da coleção que pertenceu ao agrônomo e pesquisador da história do açúcar
Gileno de Carli.
Descendente de italianos, Gileno nasceu no Recife em 22 de abril de 1908, formou-se em
Agronomia pela Escola Superior de Agronomia de São Bento, se especializando
profissionalmente nos processos ligados a monocultura açucareira. Em 1933, ele começou a
trabalhar para o Instituto do Açúcar e do Álcool, IAA, uma autarquia da administração federal
brasileira criada em 1º de junho daquele ano pelo, então, presidente Getúlio Vargas, com o
objetivo de orientar, fomentar e realizar o controle da produção de açúcar e álcool e de suas
matérias-primas em todo o território nacional. Ao longo da sua carreira profissional no órgão,

66
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Gileno ocupou diversos cargos no IAA, chegando até mesmo a ser seu presidente, entre os
anos de 1951 e 1954.
Ao longo da vida, Gileno colecionou diversos tipos de objetos e documentos, como ele
mesmo destacou na sua autobiografia, além de uma importante coleção de fotografias, ele
tinha “uma sala com mais de cem estátuas, estatuetas, quadros, reprodução em tela, em
madeira, em barro, em marfim, em seda, em prata, em mármore, em matéria plástica, de
uma enorme coleção de Madonas” (CARLI, 1983. p.286.) e ainda conseguiu “fazer a mais
interessante e mais completa coleção de selos de todas que tenho conhecimento” (CARLI,
1983. p.284).
Para Walter Benjamim, uma questão decisiva no ato de colecionar é desligar os objetos de
todas as suas funções primitivas, fazendo com que, através de determinadas semelhanças,
esses objetos se relacionem com outros objetos, criando um sistema novo, a coleção. Para
ele,
(...) o mais profundo encantamento do colecionador consiste em inscrever a
coisa particular em um círculo mágico no qual ela se imobiliza, enquanto
percorre um último estremecimento (o estremecimento de ser adquirida).
(BENJAMIM, 2006, p. 239)
Ou seja, ao se retirar esses objetos de circulação, eles estariam preservados dentro de um
conjunto único formado pelo indivíduo. Ainda segundo Benjamim, o colecionador coleciona
empreendendo uma luta contra a dispersão desses objetos afins, para lembrar-se de um
passado. Passado que ele quer manter presente na sua vida cotidiana através dos objetos
colecionados.
As visões de mundo de Gileno estavam envolvidas pelo açúcar, pela monocultura
açucareira e em como esse ciclo econômico estava impregnado na formação do Nordeste e
de Pernambuco, especialmente. Era esse passado que ele quis preservar através da
coleção. O desejo de colecionar, aliado ao interesse documental pela monocultura do
açúcar fez com que ele contratasse o fotógrafo francês Julien Mandel para percorrer a zona
canavieira pernambucana, entre os anos de 1937 e 1939, documentando casas grandes,
senzalas, moitas, capelas, e outras construções que faziam parte dos conjuntos
arquitetônicos dos engenhos e usinas pernambucanos.
Mesmo após deixar a presidência do Instituto do Açúcar e do Álcool, Gileno ainda se
manteve durante um tempo próximo às atividades da autarquia, colaborando com a criação
do Museu do Açúcar, em 1960, para o qual, fez diversas doações, incluindo esta coleção de
imagens. O museu, que tinha como objetivo pesquisar, reunir, organizar e divulgar os
elementos sociais, artísticos e técnicos mais representativos da agroindústria açucareira no
Brasil e em outros países produtores de açúcar, assim como promover estudos, pesquisas,
cursos e concursos, para conhecimento e valorização da civilização do açúcar, funcionou
até 1977, quando foi transferido, com todo o seu patrimônio, para o Instituto Joaquim
Nabuco de Pesquisas Sociais, hoje Fundação Joaquim Nabuco.
Extinto em 1979, para a criação do Museu do Homem do Nordeste, o Museu do Açúcar teve
suas coleções iconográficas incorporadas ao Departamento de Iconografia do Centro de
Estudos da História Brasileira, também pertencente à Fundaj. Com a chegada das mais
diversas coleções iconográficas, a coleção Gileno De Carli foi mapeada apenas em 1987, e
suas imagens receberam cada uma delas uma numeração individual, chamada de Código
de Acesso, sendo este o mapeamento que existia até então.
O mapeamento dava conta que a coleção possuía, aproximadamente, trezentas e quarenta
e cinco documentos, entre ampliações fotográficas e negativos, e identificava apenas
sessenta e quatro engenhos e usinas. O trabalho que havia sido feito apresentou como
produto final uma listagem organizada a partir dos nomes de cada um desses engenhos, em
ordem alfabética, e descrevendo, minimamente, o tema da imagem, informando qual a
edificação representada ali, sem mais pormenores.

67
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Engenhos como o Noruega, o Jurissaca, o Matapiruna e o Trapiche, além de usinas como a


Catende, a José Rufino e a Serro Azul, dentre muitas outras propriedades rurais, tiveram
suas edificações registradas nos anos 1930 por Mandel. No entanto, como citamos
anteriormente, a organização dessa coleção não permitia ter uma noção da dimensão,
tampouco da diversidade de informações reunidas pelo fotógrafo, a pedido de Gileno de
Carli, e uma reorganização dessa coleção se fez necessária.

3 A REORGANIZAÇÃO E A CATALOGAÇÃO DA COLEÇÃO


O primeiro trabalho realizado foi o de separar as imagens que fizeram parte do núcleo
original doado por Gileno de Carli ao Museu do Açúcar das que foram incorporadas
posteriormente, na maioria dos casos, por afinidade temática. O objetivo maior dessa ação
foi preservar a visão do colecionador sobre a sua coleção, mantendo o sistema de engenhos
que, na visão de Gileno seriam o mais importantes, aqueles os quais ele achou digno de
figurar na coleção que seria preservada no museu.
Serviram de grande apoio ao trabalho, nesse momento, o primeiro mapeamento feito e as
próprias imagens, que são, em sua maioria, assinadas por Gileno no verso do papel. Com
esse trabalho percebeu-se ainda que muitas imagens tinham uma numeração duplicada,
ficando impossível, portanto, quantificar na realidade o conjunto documental representado
na coleção, e tampouco apresentavam um critério de numeração, sendo encontrado casos
onde apenas um Código de Acesso estava relacionado a mais de uma imagem.
Após a reorganização da coleção, pudemos perceber que a coleção Gileno de Carli possui,
ao todo, duzentas e vinte imagens, algumas delas incorporadas posteriormente pelo
colecionador ao núcleo inicial, que não tiveram a autoria identificada. Número bastante
inferior aos trezentos e quarenta e cinco documentos informados antes dessa
reorganização.
A partir de então, teve início a pesquisa para a revisão da identificação das imagens, e
através dela foi possível identificar mais cinco engenhos, que não estavam presentes no
mapeamento anterior. Atualmente, estão registradas e identificadas as mais diversas
edificações que fizeram parte da dinâmica de produção do açúcar em sessenta e nove
engenhos e usinas, pernambucanos na sua quase totalidade, sendo a única exceção a
imagem de uma usina localizada na província de Piñar Del Rio, em Cuba.
Com essa reorganizaão pronta, teve início, de fato, o processo de catalogação da coleção
Gileno De Carli, a partir das instruções contidas no documento “Manual de Procedimentos
Técnicos das Coleções Fonográficas, Iconográficas e Textuais”, produzido pela equipe
técnica da Coordenação Geral de Estudos da Historia Brasileira, CEHIBRA, da Fundação
Joaquim Nabuco. Este manual determina que a catalogação dessas imagens se dê a partir
do preenchimento de doze campos de informações, descritos na tabela a seguir:

Tabela 1 – Campos de informações da base de dados da iconografia


Tipo: Tipologia do documento.
Local de guarda: Local físico onde o documento está guardado.
Código de acesso: Número único através do qual se acessa o documento.
Arquivo: Coleção ao qual o documento está vinculado.
Autor: Nome do autor do documento.
Título/tema: Título ou tema do qual trata o documento.
Local: Local onde o documento foi produzido.
Data: Data quando o documento foi produzido.

68
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Descrição física: Características físicas do documento.


Técnica: Técnica de produção do documento.
Notas: Informações pertinentes ao documento que não fazem parte dos
campos anteriormente listados.
Descritores: Palavras-chave que traduzem o conteúdo do documento a partir de
uma lista de termos autorizados.
Fonte: Adaptado de FUNDAÇÃO. 2014.

Temos que levar em conta que, antes de tudo, o documento fotográfico é um objeto
material, e precisa de informações técnicas sobre essa materialidade que também podem
ser exploradas nas mais variadas áreas. Sobre esse assunto, Ana Cristina de Albuquerque
afirma:
A descrição de documentos fotográficos nos códigos de catalogação dá
grande ênfase à descrição física, que trata de indicar o suporte, qual foi o
procedimento técnico empregado, estado físico do documento, ou seja,
todas as características que formam o objeto em si, e essas características
também estão no ângulo dado às figuras, nos planos escolhidos, tipo de luz,
etc, que caracterizam o suporte e sua composição em um documento com
seu formato próprio.(ALBUQUERQUE, 2006. p.126)
Ou seja, embora as descrições mais objetivas, materiais, sejam o tipo de informação que vai
dominar os campos de informações, também estarão ali as de caráter menos físico,
digamos assim, relacionadas ao conteúdo do documento. Não podemos deixar de perceber
que a fotografia é o suporte de um sem número de informações que ali estão representadas,
sejam elas pessoas, modos de vida, ou paisagens urbanas, e essas informações vão se
fazer presentes nos campos do “Título/tema” e dos “Descritores”. Albuquerque afimar que
O documento fotográfico é uma representação de coisas e pessoas reais e
é usado como informação quando tratado adequadamente em suas
características técnicas, físicas e composicionais pedidas pelos códigos, e,
a partir daí, pode se transformar em informação útil a seus devidos
usuários.(ALBUQUERQUE, 2006. p.127-128)
No caso da maioria das fotografias, o campo “Título/tema” será preenchido com a indicação
do assunto que trata aquela imagem, de forma breve, porém eficiente, citando,
especialmente a figura em primeiro plano, uma vez que, na maioria dos casos, o fotógrafo
não dá um título mais específico à imagem. A maior riqueza de informações da imagem
estará no campo “Descritores”, que tratará dos pormenores que não puderam ser
detalhados no campo “Título/tema”, sendo um campo de grande importância para o
pesquisador. É nesse campo que estarão presentes informações como vertentes estilísticas
da edificação, elementos arquitetônicos caracterizadores, dentre outras informações que
mais se destacaram na imagem.
O nível de aprofundamento e detalhamento presente no campos dos “Descritores” vai variar
de instituição para instituição, e do perfil que se pretende dar a uma determinada coleção.
Isso pode ser melhor entendido, por exemplo, através de uma fotografia que mostre um
edifício qualquer na cidade, onde figuram também pessoas nas rua, carros e comerciantes
ambulantes. Detalhamentos como a vertente estilística do edifício, o modelo dos veículos, o
tipo de comércio ambulante, as roupas utilizadas pelas pessoas é quem vão dar o perfil das
informações presentes na coleção. No caso específico da coleção Gileno de Carli, foi dada
prioridade às informações a respeito dos edifícios e dos seus elementos arquitetônicos mais
característicos, visto ser esta uma coleção que trata, principalmente, de edificações rurais.
O processo de catalogação está atualmente em processo de conclusão, com as
informações sendo inseridas numa base de dados, onde, futuramente, serão incorporadas
cada uma das imagens. Posteriormente a esse processo, a base de dados será

69
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

disponibilizada para consultas online no site da Fundação Joaquim Nabuco, auxiliando


enormemente o trabalho do pesquisador. A seguir, na Figura 2, vemos o exemplo de uma
ficha preenchida já com a imagem.

Figura 2 – Exemplo de Ficha Catalográfica totalmente preenchida

T IPO: fotografia
LOCAL DE Fundaj-Apipucos (Rua Dois Irmãos, 92)/Cehibra – Acervo Iconográfico, Edf.
GUARDA: Dirceu Pessoa, 4º pavimento
CÓDIGO DE GDC_000048
ACESSO:

ARQUIVO: GDC – Gileno de Carli


AUTOR: Julien Mandel
T ÍTULO/TEMA: Casa Grande e Capela – Engenho Jurissaca
LOCAL: Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco, Brasil
DATA: [1937-1939]
DESCRIÇÃO Ampliação maior (18,1 x 24,1 cm); ampliação menor (7 x 10 cm)
FÍSICA:

T ÉCNICA: Emulsão de gelatina e prata


NOTAS: Possui a assinatura de Gileno de Carli no verso. São quatro exemplares de
tamanhos distintos.
DESCRITORES: ARQUITETURA; ARQUITETURA RURAL; BEIRAL; CAPELA; CASA
GRANDE; ENGENHO; VARANDA

Fonte: Elaborado pelo autor.

70
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

4 CONCLUSÕES
Como destacado no livro que apresenta as coleções fotográficas da Fundação Joaquim
Nabuco, a coleção Gileno de Carli tem uma “grande importância histórica pela possibilidade
de viabilizar estudos comparativos de várias localidades simultaneamente, notadamente
pelo fato de que muitos dos elementos arquitetônicos fotografados já terem desaparecido”.
(MEDEIROS, 1995. p.64.). Além disso, ela registra uma grande diversidade de edifícios,
como senzalas, casas de purgar, capelas, casas grandes, usinas, vilas de operários e até
mesmo maquinários industriais num período onde uma parte dessas construções ainda
funcionavam com seus usos originais.
O mapeamento existe da coleção não dava uma dimensão clara dessa diversidade,
tampouco da coleção original, uma vez que muitos acréscimos foram feitos porteriomente,
alterando a visão do colecionador sobre aquele conjunto. Hoje, após a reorganização e a
catalogação da coleção, o pesquisador tem um acesso mais fácil e rápido ao documento, a
partir de alguns assuntos sobre os quais ele esteja interessado, desde tipologias edilícias,
como casas de purgar ou capelas, elementos arquitetônicos caracterizadores, como
copiares e chaminés, e até mesmo a vertentes estilísticas, como o ecletismo, presente em
muitas das casas grande reformadas no final do século XIX.

REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Ana Cristina de. Catalogação e descrição de documentos fotográficos
em bibliotecas e arquivos: uma aproximação comparativa dos códigos AACR2 e ISAD
(G). Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação ) – Faculdade de Filosofia e Ciências,
Universidade Estadual Paulista, 2006.
BENJAMIM, Walter. O colecionador. In: _____. Passagens. Belo Horizonte: Editora da
UFMG, 2006. p. 238-246.
CARLI, Gileno De. Atos e fatos da minha vida. Recife: Companhia Editora de
Pernambuco, 1983.
FREYRE, GILBERTO. Casa-grande & Senzala. Rio de Janeiro: José Olympio, 1961.
FUNDAÇÃO Joaquim Nabuco. Manual de Procedimentos Técnicos – Coleções
Fonográficas, Iconográficas e Textuais. Recife, 2014.
GOMES, Geraldo. Engenho e arquitetura. Recife: Editora Massangana, 2006.
MEDEIROS, Ruth (org.). Arquivos e Coleções Fotográficas da Fundação Joaquim
Nabuco. Recife: Editora Massangana, 1995.
MINISTÉRIO da Cultura. Manual para catalogação de documentos fotográficos. Rio de
Janeiro: FUNARTE, Fundação Biblioteca Nacional, 1997.

71
URBANO ORNAMENTO: INVENTÁRIO DE GRADES ORNAMENTAIS EM BELO
HORIZONTE – BREVE RELATO SOBRE UM AMPLO PROJETO

Fernanda Guimarães Goulart


Universidade Federal de Minas Gerais
nandagg@uol.com.br

RESUMO
Tendo como amplo mote a presença do ornamento no espaço urbano, o projeto “Urbano Ornamento”
pretende lançar um olhar interdisciplinar para as grades ornamentais em Belo Horizonte, aproximando os
campos de saber da Arquitetura e das Artes Gráficas, não apenas pela evidente força gráfica que
caracteriza esses bens integrados, mas também por outras interfaces – etnográfica, histórico-crítica,
poético-ficcionais – que lhes possibilitem comunicar. Adota, como ponto de partida, a documentação
fotográfica de fachadas de casas situadas em bairros mais antigos da cidade e, cumprida essa etapa, a
digitalização dos modelos encontrados, disponibilizando desenhos vetoriais gráficos em arquivos abertos,
editáveis. Tal inventário deve ser detentor de uma memória patrimonial – através da reconstituição de
uma espécie de paisagem formal, capaz de guardar e lançar essas formas ao domínio público da criação,
ou seja, devolvê-las à cidade – e outra mais livre, a partir das reflexões que os saberes, que aqui
tangenciam, possam suscitar.
Palavras-chave: grades ornamentais, inventário, desenho vetorial, paisagem

ABSTRACT
Having a wide presence of ornamentation in the urban space, this research intends to launch an
interdisciplinary look at the ornamental grills in Belo Horizonte. The knowledge of Architecture and Arts,
not only for the obvious graphical integrated force that characterizes these objects, but also by other
interfaces - ethnographic , critical-history, poetical and fictional - that enable them to communicate.
Adopts, as a starting point, the photographic documentation of facades of houses located in the oldest
neighborhoods of the city and this stage is completed by the scanning of the found models, providing
graphic vectors in open and editable files. This inventory must hold a free anda an heritage memory, by
reconstituting a kind of formal landscape, able of storing and offering these forms to the public domain of
creation. Meaning, returning them to the city.
Keywords: ornamental grills, inventory, vector drawing, landscape.

1 INTRODUÇÃO
Tendo como amplo mote a presença do ornamento no espaço urbano, o projeto “Urbano
Ornamento” 1 pretende lançar um olhar interdisciplinar para as grades ornamentais em Belo
Horizonte, aproximando os campos de saber da Arquitetura e das Artes Gráficas, não apenas

1
“Urbano Ornamento: um inventário de grades ornamentais (e outras belezas)” é o título de minha tese de
doutorado, defendida em março de 2014. Por ser uma tese que se desdobra em um grande produto e um livro, além
de outras iniciativas, “Urbano Ornamento” é um título sintético que faz referência a todas essas frentes, como projeto.

72
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

pela evidente força gráfica que caracteriza esses bens integrados, mas também por outras
interfaces – etnográfica, histórico-crítica, poético-ficcionais – que lhes possibilitem comunicar.
Adotou, como ponto de partida, a documentação fotográfica de mais de 4000 fachadas de
casas situadas em bairros mais antigos da cidade e, cumprida essa etapa, a digitalização dos
modelos encontrados, disponibilizando desenhos vetoriais gráficos, em arquivos abertos,
editáveis. Tal inventário deve ser detentor de uma memória patrimonial – através da
reconstituição de uma espécie de paisagem formal, capaz de guardar e lançar essas formas ao
domínio público da criação, ou seja, devolvê-las à cidade – e outra mais livre, a partir das
reflexões que os saberes, que nele tangenciam, possam suscitar.
O produto da pesquisa – cujos primeiros passos apresentei no Arq.Doc 2010 – é, além de
minha tese de doutorado, um livro, homônimo dela, publicado em agosto de 2014, que contém
o inventário completo impresso e também digitalizado, num DVD anexo. A ideia foi revisitar os
antigos catálogos de ornamentos e criar uma versão atual – um tipo de edição bastante usual
nos dias de hoje, capaz de doar à cultura material imagens históricas – que pudesse abrigar um
diálogo entre os saberes citados, não apenas sobre o bem arquitetônico integrado per se.
O objetivo do presente artigo é relatar a lógica de taxonomização do inventário, também ela
uma ferramenta tecnológica, sem desrespeitar as motivações poético-formais que de tal lógica
não se separam, considerando que estão intimamente conectadas ao seu potencial de
disseminação, e, por conseguinte, de memória e preservação. Julguei importante, ainda, deixar
algumas notas sobre as estratégias de representação gráfica, metodologia de coleta, pesquisa
documental e uma certa dimensão histórica das grades da capital Mineira. Esses e outros
enfoques estão presentes na tese e no livro, que os leitores interessados no assunto – de rara
ocorrência nos estudos de arquitetura, num âmbito mundial – poderão consultar.

2 DE BELO HORIZONTE PARA O MUNDO


O século que assistiu Belo Horizonte nascer naturalmente viu as grades se multiplicarem na
paisagem urbana. Engatinhando e respirando ainda ares de província, em suas primeiras
décadas de vida, a capital mineira só foi acompanhar um pouco mais tarde esse processo, e,
pouco a pouco, foram surgindo estabecimentos e profissionais para responder à crescente
demanda pela fabricação e montagem desses bens integrados. Voltemos à primeira Belo
Horizonte para reunir algumas pistas sobre as suas grades mais antigas. Poderíamos começar
essa história pelas inúmeras metalurgias artesanais existentes em Minas e no Curral d’El Rey
no século XIX, na ocasião da construção da nova capital, e que já marcavam a transição da
economia aurífera para a siderúrgica. No cenário mundial, as tecnologias de extração, fundição
e transformação do ferro em aço já haviam alcançado maturidade em seu desenvolvimento
tecnológico – não à toa os mais nobres exemplares de grades integradas à arquitetura oficial da
Cidade de Minas não foram produzidos aqui. Esses ilustres pré-moldados se encontram nas
portadas e escadarias das antigas secretarias da Praça da Liberdade vieram da oficina belga
Forges & Aciéries Bruges.
Com menos ostentação, os edifícios domésticos também estamparam muito ferro ornamentado
em seu exterior: grades que participaram de novas configurações espaciais à moda eclética
francesa. As casas-tipo belo-horizontinas, não muito diferentes de tantas contemporâneas suas
espalhadas pelo Brasil, foram projetadas com grades e gradis, a cercar jardins e varandas que
então faziam parte da fisionomia urbana.
São poucos e esparsos os documentos disponíveis para decifrar o que seria uma possível
história das grades ornamentais de Belo Horizonte. Os arquivos públicos guardam diversos
desenhos de fachadas arquitetônicas, preciosidades em papel-tecido que revelam a presença

73
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

dessas estruturas desde a fase de projeto. Dispersas nos dossiês de tombamento, há fotos de
antigos moradores posando em frente aos portõezinhos, testemunhos mais afetivos que
históricos de uma arquitetura e uma cidade em desaparição, que nos fazem imaginar quantas
outras já não podemos acessar. Antigos cartões postais da cidade mostram rendilhados em
ferro, quase invisíveis pelo desgaste da imagem, e revelam casas, igrejas e janelas ainda sem
grades, nos primeiros anos de vida de Belo Horizonte.
Em proporção direta à escassez investigativa e documental sobre as grades ornamentais no
mundo, a produção bibliográfica sobre o tema no Brasil não vai muito além dos manuais
domésticos de serralheria, que ensinam uma tradição praticamente inexistente por aqui. Há
quem afirme que as grades ornamentadas ainda hoje instaladas em Belo Horizonte não
possuem a exuberância de peças presentes em cidades brasileiras mais antigas. A diversidade
e a abundância do conjunto reunido pela pesquisa, no entanto, nos leva a duvidar de qualquer
argumento simplificador. Em que pese não possuirmos tradição no ramo, o inventário guarda
uma infinidade de ferros forjados anônimos, artesanais e ecléticos, características cujo apelo é
decidida e definitivamente popular, alimentado não somente pelos catálogos de ornamentos
que aqui circularam, mas também pela perenidade, universalidade e intemporalidade de seu
repertório. Agrada-me pensar que a sobrevivência dessas formas, concebidas a partir da
mistura de necessidade e criação, é o resgate inconsciente de uma historicidade, em conexão
profunda com desejos e realidades atuais. Expressa a confortável e alegre permanência das
volutas – as formas mais primitivas, conhecidas, utilizadas e adoradas em todas as gerações da
arte da forja – uma sobrevivência proliferante em lugares de pouca tradição ferreira, como a
capital mineira. Neste inventário, popular e doméstico - cuja dimensão artística é plena e deseja
evidência - contrapõem-se ao monumental.

3 COLETA E DESENHOS
A escolha das regiões a serem percorridas na cidade respondeu ao seu primeiro traçado, a
partir da crença de que ali, nas áreas mais antigas, estariam concentradas as maiores
quantidade e variedade das grades. O anel da avenida do Contorno marcou, assim, uma
referência para procurá-las, em bairros centrais (dentro dos limites da avenida) e pericentrais
(adjacentes a ela). A partir dessa delimitação espaço-temporal, percorremos, em 92 trajetos, 35
bairros da capital, registrando mais de 4000 fachadas.
O registro das casas foi feito assim: todas as casas detentoras de grades ornamentadas
forjadas, situadas ao longo dos caminhos, foram contempladas, recebendo um registro que
enquadrasse sua fachada frontal e cada modelo de grade que estivesse ao alcance dos olhos,
mesmo nas fachadas laterais, obtendo-se quantas fotografias fossem necessárias para registrá-
las. Cumprida essa etapa, passamos à digitalização dos modelos encontrados, utilizando como
ferramenta a caneta digital, que gera desenhos vetoriais editáveis.
Da barra de ferro para a linha gráfica e imaterial, do meio digital para o impresso, e vice-versa,
tais transposições tiveram características distintas com o desdobrar dos tempos, dos fazeres e
das tecnologias. Entre os séculos XVI e XVIII, artesanato e desenho manual estão associados à
exclusividade dos projetos – realizados em plantas nominais aos clientes – e às técnicas
disponíveis, tais como caneta, aguada, giz, lápis, aquarela e outras tintas, bem como técnicas
artesanais e antigas de transferência, para espelhar metades idênticas, ou agilizar os
processos. O resultado desse fazer manual é uma organicidade que se expressa a partir de
tons e subtons, uma tridimensionalidade (as diferentes espessuras das barras, as folhagens
resultantes de chapas trabalhadas, os volumes das fundições, a presença de alvenaria junto
aos desenhos). Com o transcorrer do século XIX sofisticam-se as técnicas de impressão e de
reprodução, e estão em jogo novas lógicas de mercado e de produção de formas, com a

74
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

utilização mais acentuada do desenho técnico e da geometria, como demandava a industria. O


resultado são formas mais lineares e planas (indicativas também de um maior uso de barras
chatas na forja que se industrializa), muitas delas em outline, hachuras no lugar de massas de
sombra, diferenças significativas entre os desenhos reunidos num mesmo catálogo (quando são
coletâneas de gravuras realizadas por várias mãos). No século XX a fotografia é gradualmente
incorporada aos catálogos, seja através de registros de grades já realizadas, seja da fotografia
e montagem dos módulos em forja industrial, separados e dispostos em múltiplos fragmentos.
Com o advento dos softwares de editoração gráfica essa história será previsível, quando volta a
liderar uma estética linear, que ignora relevos e detalhes, somada à exatidão dos cálculos
matemáticos realizados por computador e efetivada digitalmente por programas de
representação gráfica em Arquitetura e Design.
Figura 1 – Três diferentes catálogos de grades
ornamentais

Fonte: Da esquerda para a direita: Victoria and Albert’s Museum, acervo da autora e Fundação Biblioteca Nacional

Se as grades são produzidas na fronteira entre o artesanal e o industrial – entre o orgânico que
é fruto de certa plasticidade do ferro e o geométrico que se caracteriza pelo limite do projeto,
dos moldes, da máquina – também com os desenhos algo se processa assim. Com a caneta
digital foi possível desenhar cada módulo primário manualmente, de maneira mais artesanal
(orgânica) e menos geometrizada do que as ferramentas que criam ‘nós’ no software de
ilustração gráfica adotado, o Illustrator. Uma ‘organicidade’ que se aproxima dos processos
artesanais de dobrar e moldar o ferro, remetendo-nos sutilmente a sua liquidez incandescente e
ao endurecer que obedece aos limites frios e as batidas do martelo. Os desenhos podem ser
comparados a uma espécie de escrita que, de modo inevitável e inefável, diferenciará cada
desenhista, resultando únicos, irrepetíveis. No final, ainda assim, temos de volta a estrutura
gráfica, geométrica, industrial e citadina do ferro, já que apenas um módulo é feito
manualmente, para em seguida ser multiplicado, gerando um padrão de aparência uniforme e
seriada.
Figura 2 – fragmentos desenhados à mão, com a caneta digital e replicações

Fonte: inventário Urbano Ornamento

75
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

4 DA TAXONOMIZAÇÃO ÀS PAISAGENS
A história das artes aplicadas é, de certa forma, desencarnada, narrada ao sabor de infinitas
transformações. Fruto de revisitações estilísticas e de adaptações materiais, são formas que
nascem em manuscritos e são forjadas em ferro, criadas para a pedra e executadas em
madeira, pensadas para ladrilhos e materializadas em manuscritos, ou simplesmente criadas
para o papel, à espera de quem as transponha para alguma outra materialidade. História que
nasceu de uma fundamentação estritamente visual, quando as coleções de gravuras, já desde
o século XVI, foram divulgadas em pranchas avulsas que circularam bastante, servindo de
inspiração a artesãos, artistas, ornamentistas, gravadores e arquitetos. É no século em que foi
inaugurada Belo Horizonte que a indústria gráfica se aprimora e democratiza-se em uma escala
sem precedentes, facilitando o compartilhamento, em âmbito mundial, de múltiplas imagens
produzidas pelo homem através dos tempos.
No que tange às grades, na própria cidade há uma sobreposição de tempos, os mesmos
modelos de grades em edifícios de idades distintas. É como se a história dessas grades
pudesse ser, em certa medida, separada da história da Arquitetura, como uma segunda
camada, uma espécie de pele que tem sua veia atemporal, em função da facilidade de se
realizar uma intervenção dessa natureza, a posteriori. Muitas casas receberam-nas anos
depois de sua construção, sem se preocupar com os estilos em voga, por questões de
segurança – as crianças e os ladrões – e diversas outras foram construídas bem depois da
própria grade, e aproveitam-na, após resgatá-las em ferros-velhos.
A paisagem onde encontramos essas grades é dispersa, labiríntica. Paisagem urbana e
monumental, paradoxalmente contida em cada uma das grades e em sua historicidade
apreensível, mas não esmiuçadamente capturável. Capturados em milhares de fotografias,
nossos ferros ornamentais foram dispostos em pastas provisórias – nomeadas pelos trajetos
(eixos ou passeios) que cumprimos – capazes de guardar, além da localização geográfica, as
memórias afetivas do campo e as sensações evocadas pelas grades em seu habitat. Seu
desenho vetorial implica em sua desterritorialização e, também, em uma espécie de retorno: as
imagens se despregam da cidade para compor os espaços (o de papel e o virtual) de um
catálogo de ornamentos. Voltam, assim, a habitar paisagens – formais, gráficas, memoriais. A
paisagem, tomada como categoria teórica e instrumental é, no presente estudo, conceito
operador eficiente para reunir as milhares de formas em uma espécie de gramática, ornamental
e ornamentada, belo-horizontina e universal.
São paisagens no plural, que abrigam imagens à disposição e a serem dispostas, pedaços de
grades que foram desterritorializados – desvinculados de sua localização na cidade e de sua
relação com a fachada –, desfuncionalizados – tendo seu papel na edificação apagado, não
importando se são grades, portões, janelas, muros, portinholas, bandeiras, óculos, guarda-
corpos – desmembrados e dessingularizados – na medida em que qualquer agrupamento
original que os caracterizava decorria da montagem realizada por cada serralheiro que as
fabricou. Tem-se como resultado uma gramática cujo sumário poderia responder a diversas
materialidades, como tantas outras. Como qualquer ornamento, são grades cujos motivos
precisam escolher entre se comportar finita ou infinitamente, antes de exercerem qualquer
função. No “plano limitado”, tomam forma de composições, vinhetas e módulos, em ordem
decrescente de complexidade e de vontade de multiplicação. No “plano ilimitado”, são
padronagens e faixas (que aqui chamaremos de lineares), de replicação unilateral.
Figura 3 – Categorias gráficas ornamentais dos planos limitado e ilimitado

76
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Fonte: inventário Urbano Ornamento

Legenda – Módulo (1) é a estrutura mínima de um padrão, que pede para ser multiplicado, para
proliferar, virar preenchimento, padronagem (2). Alguns convidam-nos a replicá-los apenas
horizontal ou verticalmente, conformando faixas, contornos, estruturas lineares (3). Vinhetas (4)
são estruturas pregnantes, com um ou dois eixos de simetria, de maior complexidade que o
módulo. As composições (5), mais complexas que as vinhetas, têm menor pregnância e, por
consequência, menor resistência à redução.
A estratégia consistiu em esquecer os nomes das categorias com as quais conseguimos
sistematizar as grades de Belo Horizonte, para que se pudessem conformar, assim, vastas
paisagens. Paisagem como uma entre várias maneiras inventadas de ver, desenhada ou
descrita, uma enorme e aparentemente incontível porção do tempo, e de esquecer de procurar
ali o seu começo. Uma espécie de tabuleiro para deixar à vista a secreta mobilidade das
grades. Paisagem-jogo, que nos convidam a mover as peças que compõem este léxico belo-
horizontino e universal. Mobilidade, visibilidade, sincronicidade e exaustividade são palavras-
chave e palavras de ordem nessas paisagens tão concretas quanto imaginárias.
As paisagens expressas no livro foram criadas com a motivação de compartilhar com o leitor –
de modo instrumental, mas também poético – a infinidade de formas que integram o inventário.
Em uma via de mão dupla, subtraem – a partir do desmembramento das formas tal como
encontradas na cidade – mas também acrescentam, quando se constata a mobilidade de seus
dispositivos paisagísticos. Trata-se de admitir a perda para usufruir da transformação, de aceitar
o limite do fragmento para desfrutar da infinitude de sua combinatória. Desmembrar para
constituir paisagens, mas também para dispor, disponibilizar, vislumbrar, mover. Fragmentadas,
as espécies que as habitam convidam-nos a aprimorar, conceitual e poeticamente, a intimidade
que podemos ter com elas.
Como é pequeno o espaço deste artigo para detalhar cada uma delas, contentemo-nos em listá-
las aqui, na esperança de que o leitor possa conferir na tese e no livro as motivações poéticas,
estéticas e instrumentais que guiam cada uma delas, acompanhadas de algumas ilustrações
das páginas do livro.

• PAISAGEM 1: Imantar, arredar, jogar, montar, editar, multiplicar


Trata-se de uma paisagem expressa em um poster com mais de 800 módulos de padronagens
encontradas, que podem ser visualizados de uma só vez. Tais módulos estão organizados em
sub-grupos que se aproximam por semelhanças formais, um método eficiente para inseri-los e
encontrá-los ali.
Figura 4 – poster encartado ao livro Urbano Ornamento, com a Paisagem 1

77
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

• PAISAGEM 2: O horizonte dá a ideia da paisagem


Neste grupo estão os módulos de replicação linear, horizontal e vertical, que, nas páginas do
livro, se comportam como uma imensa linha do horizonte, metáfora da infinitude que caracteriza
as paisagens.
Figura 5 – página dupla do livro, mostrando a horizontalidade da Paisagem 2

• PAISAGEM 3: Álbum de autossuficiências


Aqui estão as vinhetas, figura ornamental que impõe centralidade, e que não pede replicação,
daí o nome da paisagem. Dispostas como num álbum, elas fazem alusão aos antigos catálogos
de ornamentos ecléticos.
Figura 6 – página dupla do livro, mostrando parte da Paisagem 3

78
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

• PAISAGEM 4: Floresta de portõezinhos, a assombrar


Uma paisagem em homenagem à tipologia da serralheria artística que primeiro está
desaparecendo da cidade, os portõezinhos. Dispostos em metades que também fazem alusão
aos antigos catálogos de ornamentos, a assimetria resultante dessa combinação gera uma
composição orgânica.
Figura 7 – página dupla do livro, mostrando a organicidade da Paisagem 4

• PAISAGEM 5: Paisagem na parede, lojinha de molduras


Nesta paisagem estão dispostas as molduras, retiradas de portas e janelas, como em uma
típica loja de molduras.
Figura 8 – página dupla do livro, mostrando a disposição das molduras

• PAISAGENS 6: As que gostaríamos de ver emolduradas pelas nossas janelas


Grupo mais singular e raro do inventário, composto por grades figurativas, tipicamente Décos.
Figura 9 – página dupla do livro, mostrando grades figurativas

79
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

80
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

4 CONCLUSÃO
A pesquisa adotou uma metodologia que poderia ser aplicada a qualquer cidade, podendo ser
o presente estudo útil ao leitor que deseje tirar proveito das seguintes frentes que mobiliza:
- Operacionalidade do trabalho de campo: delimitação espaço-temporal das regiões a
serem percorridas na cidade, posta em prática em passeios e percursos objetivos;
registro das fachadas e modelos, permitindo não apenas o desenho, mas também um
possível estudo comparativo, não realizado na tese, entre estilo de grade e de fachada;
organização das pastas e desterritorialização das imagens, possibilitando um acervo
que preserva a foto junto ao desenho, ou seja, a localização geográfica desse último,
que não se preserva na disponibilização através das paisagens.
- Técnicas de representação gráfica, vetorização e exportação dessas imagens,
permitindo, além da memória, a apropriação, edição e utilização dessas formas pelo
leitor/usuário do inventário.
- Sistema de taxonomização do inventário, através do conceito de paisagem e da ideia de
uma gramática ornamental, o que significa devolver essas formas à uma possível
origem, a dos catálogos de ornamento, e possibilitar ao leitor/usuário formas criativas de
acesso ao inventário.
- Metodologia híbrida entre a arte e a ciência, já que o produto da tese é também um livro
que se propõe a ser memória e acervo de criação. Antes do livro, o leitor da tese
verificará que a abordagem interdisciplinar, suscitada pelo objeto, faz da metodologia de
análise e da escritura metáforas da porosidade e ornamentação das grades.
Essas, no entanto, não parecem ser a maior contribuição da pesquisa, mas sim seu produto
prático, o inventário em si, instrumento de memória de um objeto (de expressão eclética e
universalizante) e um ofício em desaparição, produto esse apto a devolver essas formas à
cidade e, assim, possibilitar sua sobrevivência, para além das políticas patrimoniais.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAUQUELIN, Anne. A invenção da paisagem. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

JOMBERT, Charles Antoine. Répertoire dês artistes ou recueil de compositions d’architectureet


d’ornementsantiques et modernes. Paris: Ch. Massin, 1765.

LYOTARD, Jean-François. O inumano. Considerações sobre o tempo. Lisboa: Editorial Estampa, 1997.

MEYER, F. S. Manual de ornamentacion. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1994.

RIGALT Y FARRIOLS, Luis. Álbum enciclopédico-pintoresco de los industriales : colección de dibujos


geométricos y en perspectiva de objetos de decoración y ornato, en los diferentes ramos de albañilería,
jardinería, carpintería. Barcelona: Litografía de la Unión, 1857.

WAAGNER, R. Muster Brunch. Wien: C. Former, [s.d.].

81
BASE DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS PARA O
HIS DE MUCUGÊ

Humberto Diniz Guerra Santos


Universidade Federal da Bahia (UFBA)
betodiniz@gmail.com
Arivaldo Leão de Amorim
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
alamorim@ufba.br

RESUMO
Este artigo aborda a elaboração de uma base de dados geográficos para compor o Sistema de
Informações do Patrimônio (Heritage Information System – HIS) do município de Mucugê, no estado
da Bahia. Baseado na tecnologia GIS - Geographic Information System, o HIS possui o objetivo
principal de constituir-se como uma ferramenta de apoio na gestão e conservação do patrimônio
histórico edificado da sede municipal. A base de dados geográficos, ou dados espaciais (spatial data)
é fundamental para o bom desempenho do HIS, considerando que esta fornece os subsídios para
análise e geração dos produtos de informações desejados. Sua elaboração consistiu das seguintes
etapas: levantamento de dados e documentação de referência; modelagem dos dados em SIG;
digitalização dos elementos cartográficos; e inserção de atributos qualitativos. Os produtos de
informações gerados pela base incluem o modelo volumétrico das edificações da cidade aplicado
sobre Modelo Digital do Terreno – MDT, além de mapas atualizados, que serviram de apoio à visita
técnica realizada na cidade visando à documentação arquitetônica e o registro de dados urbanísticos.

Palavras-chave: Sistema de Informações Geográficas (SIG). Sistema de Informações do Patrimônio.


Heritage Information System (HIS). Base de Dados Geográficos.

ABSTRACT
This paper discusses the development of a geographic database to integrate the Heritage Information
System (HIS) of Mucugê, municipality of the state of Bahia. Based on Geographic Information System
(GIS) technology, the HIS has the main objective to become a support tool in the management and
conservation of the historical built heritage of the municipal area. The geographic (or spatial)
database, is critical to the performance of the HIS, whereas it provides subsidies for analysis and
generation of the desired information products. Its development consisted of the following steps: data
and reference documentation collection; data modeling in GIS; digitization of cartographic elements;
and insertion of qualitative attributes. The resulting information products includes the volumetric model
of the buildings, applied on Digital Terrain Model - DTM, and updated maps, used to support the
technical visit held in the city, aimed at architectural documentation and registration of urban data.

Keywords: Geographic Information System (GIS). Heritage Information System (HIS). Spatial data.

82
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

1 INTRODUÇÃO
Sistemas de informação desempenham um importante papel na salvaguarda do patrimônio
histórico. Para Vileikis e colaboradores (2011) a aplicação de Sistemas de Gestão da
Informação - Information Management Systems (IMS) fornecem recursos para apoiar
estados, gestores e demais partes envolvidas na conservação, gestão, e monitoramento do
patrimônio cultural, facilitando a inventariação, mineração, partilha e troca de informações de
várias fontes usando normas internacionais.
A partir da tecnologia SIG, observa-se que “[...] os dados concernentes ao contexto
arquitetônico e urbanístico podem ser associados à posição geográfica dos monumentos e
dos sítios históricos, constituindo um sistema de informações culturais ou Heritage
Information System (HIS).” (ARRUDA; AMORIM, 2010, p. 399).
O HIS pode ser definido como um sistema de informações georreferenciadas sobre a
documentação do patrimônio construído, voltado à proteção, preservação e gestão de sítios
históricos, utilizado como ferramenta de apoio a projetistas, especialistas em planejamento e
tomadores de decisão em suas áreas de trabalho. Entre atividades relacionadas ao HIS
destacam-se a inventariação, estudos e análises diversas do sítio, seus bens imóveis e da
paisagem, e a publicação e distribuição de dados (ARRUDA, 2013).
Neste contexto, a base de dados geográficos, ou dados espaciais (spatial data) é
fundamental para o bom desempenho de ferramentas GIS e, consequentemente na
aplicação do HIS, considerando que esta fornece os subsídios para análise e geração dos
produtos de informações desejados. Parte essencial do sistema de informações geográficas,
uma característica importante da base de dados espaciais é sua capacidade de associar
elementos gráficos com atributos qualitativos, considerada uma dualidade básica para GIS
(CÂMARA, 2001), também ressaltada por Tomlinson (2003).
Este trabalho discute a elaboração de uma base de dados geográficos para compor o
Sistema de Informações do Patrimônio (Heritage Information System – HIS) do município de
Mucugê, no estado da Bahia. O sistema possui o objetivo principal de constituir-se como
uma ferramenta de apoio na gestão e conservação do patrimônio histórico edificado da sede
municipal, tendo como escopo básico: permitir o acesso, a localização e a análise de
informações georreferenciadas sobre as edificações.
Mucugê é um importante sítio histórico, tendo seu conjunto arquitetônico e paisagístico
tombado pelo IPHAN pelo Processo nº 974-T-78, de 26-9-1980. Localizada em um vale
cercado por encostas íngremes, a cidade desenvolveu-se segundo a matriz em "L", em
cujas extremidades estão situadas as duas igrejas locais. Seu acervo arquitetônico urbano é
constituído por três centenas de casas térreas e uma dezena de sobrados, edificados, na
maioria dos casos, em adobe ou pedra, em meados e final do século XIX, conforme
constata o Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia (IPAC-BA), em levantamento
realizado em 1978 no local (BAHIA, 1980).
Devido a ausencia de informações atualizadas da cidade de Mucugê, tanto em forma de
dados cadastrais urbanos, quanto em forma de cartografia sistemática, foi necessária a
elaboração de um mapa base da cidade e o levantamento de dados em campo, para o
desenvolvimento da base de dados geográficos para o HIS de Mucugê.

2 MATERIAIS E MÉTODOS
A modelagem do HIS de Mucugê utilizou-se do processo unificado baseado na Unified
Modeling Language (UML), descrito por Medeiros (2004). A partir do modelo especificado foi
compilada a base de dados geográficos sede do Município, empregando-se uma ferramenta
SIG, ARCGIS 10.1, e em seguida implementada a aplicação protótipo, como teste do
modelo e metodologia de desenvolvimento propostas.

83
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Deste modo, para a base de dados geográficos foi utilizado o modelo de dados OMT-G
(Object Modeling Technique for Geographic Applications), que possui recursos para projeto
de bancos de dados e aplicações geográficas. O modelo OMT-G parte das primitivas
definidas para o diagrama de classes da UML, introduzindo primitivas geográficas com o
objetivo de aumentar a capacidade de representação semântica daquele modelo (BORGES;
DAVIS JR.; LAENDER, 2005, p. 88).
O diagrama de classes representado na Figura 1, foi desenvolvido em UML conforme os
padrões do modelo OMT-G, utilizando-se o software livre de modelagem StarUML.

Figura 1 – Diagrama de classes no modelo OMT-G

Fonte: Elaborado pelo autor.

A base de dados geográficos da cidade de Mucugê foi elaborada a partir das seguintes
etapas básicas: levantamento de dados e documentação de referência; modelagem da base
em SIG; digitalização dos elementos da base cadastral; e inserção de dados e atributos
qualitativos referentes ao uso do solo, número de pavimentos, estado de conservação e
período do levantamento.

2.1 Dados obtidos


Para a construção da base de dados foram compilados os seguintes insumos:
• Imagem orbital do satélite Rapid Eye, com resolução espacial de 5 metros;
• Mosaico de imagens de satélites com resolução espacial de 1 metro ou inferior
disponibilizado via web pelo serviço Imagery da ESRI;
• Planta do Partido Urbanístico da Sede de Mucugê, em formato DWG, do Plano Diretor

84
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Urbano de Mucugê (MUCUGÊ, 2004);


• Planta do projeto do Sistema de Esgotamento Sanitário, escala 1:1.000 – CERB (2007);
• Plantas digitalizadas do Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia - IPAC-BA
(BAHIA, 1980);
• Mapa do Sistema Rodoviário Estadual 2011 (DERBA, 2011);
• Mapa da divisão Municipal do Estado da Bahia 2010 (IBGE, 2010);
• Levantamento fotográfico das fachadas das edificações e de dados urbanísticos e
arquitetônico, realizado em setembro de 2013 pelo grupo de pesquisa do Laboratório de
Computação Gráfica Aplicada à Arquitetura e ao Desenho (LCAD).

2.2 Elaboração do Mapa Base


Após o exame das informações obtidas em mapas, plantas e fotos do local, elaborou-se o
mapa base por meio da entrada dos dados obtidos no software ARCMAP, integrante da
plataforma ARCGIS 10.1. Para compatibilização do mapa base com o Sistema Geodésico
Brasileiro (SGB) adotado em 2005 (IBGE, 2005), optou-se pela utilização do sistema de
coordenadas SIRGAS 2000, e pela projeção Universal Transversa de Mercator (UTM), Fuso
24S.
A primeira etapa do trabalho, vista na Figura 2, consistiu na localização da região e da sede
municipal por meio da imagem orbital da região proveniente do satélite RapidEye, e dos
elementos gráficos correspondentes às rodovias, e ao limite municipal de Mucugê, inseridos
no GIS, permitindo localizar a área urbana e auxiliar no georreferenciamento das demais
informações. Apesar da imagem orbital, com resolução espacial de 5 metros, ser insuficiente
para o trabalho em escala urbana, este insumo foi empregado no ajuste do eixo de rodovias,
constituindo um importante referencial cartográfico para o trabalho.

Figura 2 – Correção de eixos de rodovias sobre imagem do satélite Rapid Eye

Fonte: Elaborado pelo autor no software ArcMap.

Para a digitalização das feições cartográficas, foi utilizado o serviço web de mapa ARCGIS
World Imagery, por ser esta a única fonte disponível com resolução compatível com a escala
urbana. O serviço fornece, por meio do protocolo de intercâmbio de dados Web Map Service
(WMS), um mosaico de imagens orbitais de alta resolução, com um metro ou inferior, e

85
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

fotografias aéreas proveniente de sensores diversos. Para o local de estudo foram


disponibilizadas imagens do satélite WorldView-1, com resolução espacial de 50 cm, datada
de 6 de junho de 2010.
O traçado das feições cartográficas foi realizado conforme o diagrama de classes elaborado
previamente para os planos de informações edificações, ruas, praças, eixo de vias urbanas,
e hidrografia. As edificações foram traçadas considerando-se o perímetro dos telhados (roof
edge), como visto na Figura 3.

Figura 3 – Digitalização das edificações de Mucugê

Fonte: Elaborado pelo autor no software ArcMap.

Além o serviço de imagens online Imagery do ArcGis, foi utilizado também o serviço de
mapas Open Street Maps, um projeto mundial de mapeamento colaborativo voltado para o
desenvolvimento e distribuição de dados geoespaciais livres. As informações desta base
permitiram verificar o arruamento e localização pontos notáveis da cidade de Mucugê. A
Figura 4 mostra a sobreposição dos vetores do mapa base de Mucugê, em preto e
vermelho, sobre a base do Open Street Maps, em fundo colorido.

Figura 4 – Localização de pontos notáveis na base do Open Street Maps

Fonte: Elaborado pelo autor no software ArcMap.

86
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

2.3 Inserção de dados e atributos qualitativos


Durante a fase de coleta de dados, foi observado que os documentos existentes
apresentavam dados urbanísticos referentes a dois períodos distintos – 1978 e 2003. O
levantamento realizado em campo pelo grupo de pesquisa do LCAD forneceu dados
referentes a setembro de 2013. Deste modo, foram compostos três subconjuntos de dados
para comportar os atributos qualitativos e temporais dos três períodos obtidos,
representados em UML no padrão OMT-G na Figura 5.

Figura 5 – Conjunto de dados e atributos referentes às edificações de Mucugê

Fonte: Elaborado pelo autor.

Para os dados de 1978 foi utilizado o levantamento realizado no período pelo IPAC-BA,
referentes à planta geral da cidade, mapeamento de uso do solo, número de pavimentos e
época das edificações. As plantas do IPAC foram digitalizadas1 e georreferenciadas no
ArcMAP, a exemplo da Figura 6.
Figura 6 – Planta do IPAC georeferenciada no SIG

Fonte: Elaborado pelo autor.

1
A digitalização pode ser entendida como o processo de conversão de documentos em meio físico,
tais como papel, fotos e microfilmes, para o formato digital armazenado, processado e transmitido por
meio de computadores (CONARQ, 2010, p. 5). No processo descrito, foi utilizado um digitalizador
(scanner), pelo método de varredura na imagem física.

87
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Outro documento utilizado como fonte de informações foi a Planta do Partido Urbanístico da
sede do município de Mucugê, em formato DWG, do Plano Diretor Urbano de Mucugê
(MUCUGÊ, 2004), fornecido pela Prefeitura Municipal. A planta obtida apresenta o
levantamento semicadastral da cidade, além de fornecer informações sobre o partido
urbanístico da sede, contendo perímetro urbano, áreas de proteção histórica e ambiental, e
mapeamento das áreas de vulnerabilidade social e desenvolvimento turístico. Os dados
referentes ao uso do solo e estado de conservação das edificações foram também
adicionados à base de dados históricos do sistema (Figura 7).

Figura 7 – Planta e detalhe do Partido Urbanistico de Mucugê em 2004

Fonte: Plano Diretor Urbano de Mucugê (2004).

O levantamento em campo de dados urbanísticos e arquitetônico de setembro de 2013 foi


realizado pelo grupo de pesquisa composto por alunos e pesquisadores vinculados ao
LCAD. O trabalho seguiu os moldes da experiência realizada em 2012 na cidade de
Cachoeira – Bahia, incluindo etapas de orientação aos participantes, divisão de equipes de
trabalho, preenchimento de fichas de cadastro simplificadas, e o levantamento fotográfico da
fachada dos imóveis (ARRUDA; SANTOS; AMORIM, 2012).
Para o cadastramento destes dados urbanísticos foi realizado o georreferenciamento e a
digitalização da planta utilizada na execução do trabalho, com a divisão em folha e lotes,
conforme a Figura 8.

Figura 8 – Divisão das “quadras” para efeito de levantamento de dados em campo

Fonte: Elaborado pelo autor no software ArcMap.

88
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

O levantamento fotográfico foi também um importante elemento na elaboração da base de


informações, auxiliando na identificação dos limites das construções, quantidade de
pavimentos e numeração do imóvel no logradouro (Figura 9). As informações qualitativas
foram transcritas na tabela de atributos da camada edificações, agregando informações ao
sistema.

Figura 9 – Fotos utilizadas como referência na elaboração da base de informações

Fonte: Levantamento fotográfico realizado pelo LCAD (2013).

3 RESULTADOS
A base de informações geográficas elaborada para o HIS de Mucugê comporta as
informações geoespaciais das seguintes feições cartográficas, distribuídas em diferentes
planos de informações (camadas): edificações, ruas, praças, eixo de vias (urbanas),
hidrografia, limite do município, e rodovias. Além destas camadas, a base apresenta
também as informações das imagens de satélite, limite do município, eixo de rodovias,
edificações e limites do centro histórico proposto pelo IPAC em 1978, visto na Figura 10.

Figura 10 – Base de dados geográficos de Mucugê

Fonte: Elaborado pelo autor no software ArcMap.

89
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

A partir das informações constantes na base de dados geográfica, é possível localizar no


HIS objetos e visualizar seus atributos qualitativos. A ferramenta Find, por exemplo, permite
a consulta de informações em toda base de dados, tal como os campos que contenham o
termo “igreja”, aplicado na Figura 11 (A). A consulta estruturada por sua vez, permite através
da escrita de expressões lógicas, a localização de objetos que correspondam a
características específicas, como no exemplo da seleção de edificações que possuam o
atributo “comercial” (COM) no campo correspondente ao uso do solo, em 2007, conforme
Figura 11 (B).

Figura 11 – (A) Aplicação de comandos para localizar objetos e


(B) seleção por meio da consulta de atributos

Fonte: Elaborado pelo autor no software ArcMap.

A partir da base de dados carregada no sistema foram desenvolvidos os seguintes produtos:


• Mapa cadastral da cidade na escala de 1:2.000 (Figura 12 A), e;
• Mapa temático das edificações sobre a imagem de satélite (Figura 12 B).

Figura 12 – (A) Mapa cadastral da cidade na escala de 1:2.000 e


(B) Mapa temático das edificações sobre a imagem de satélite

Fonte: Elaborado pelo autor no software ArcMap.

A base de informações geográficas permitiu a visualização da volumetria das edificações no


ArcScene, módulo integrante do “pacote de software” ArcGis, cuja finalidade é exibir,
analisar e “animar dados” em 3D. A visualização proporcionada pelo software, denominada
de cena (scene), foi elaborada por meio da extrusão dos atributos correspondentes ao
número de pavimentos, da camada “Edificações” (Figura 13). Nas visualizações geradas no
ArcScene foi aplicado apenas a volumetria das edificações da rua principal, de modo a
produzir o destaque destas, em relação às demais edificações. A cena elaborada no

90
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

visualizador incorporou também dados do modelo digital do terreno (MDT) com exagero na
escala vertical para melhor realce e entendimento do relevo.

Figura 13 – (A) Modelo volumétrico de edificações e (B) Modelo volumétrico da


cidade sobre Modelo Digital do Terreno – MDT

Fonte: Elaborado pelo autor no software ArcMap.

4 CONCLUSÕES
A elaboração da base de informações geográficas das edificações da cidade de Mucugê
abre múltiplas possibilidades de pesquisas no campo da documentação arquitetônica, e de
suas aplicações no planejamento urbano e na proteção de sítios históricos.
Os dados geográficos, são um dos componentes fundamentais em um SIG, e deste modo,
foram integradas diversas fontes de informação em uma única base georeferenciada, no
sentido de se obter dados em escala e acurácia compatíveis com os produtos de informação
desejados.
Ao incorporar dados de uso do solo de três períodos distintos, a base elaborada foi além das
expectativas iniciais, permitindo análises mais profundas sobre o crescimento e as
mudanças ocorridas no espaço urbano em Mucugê. Este fato reforça não somente o
conceito de que um heritage information system necessita de informações históricas, mas
que o sistema se torna mais relevante conforme aumentam o volume e a qualidade de suas
informações.
Os mapas e demais produtos gerados serviram de apoio à visita técnica realizada na cidade
por uma equipe do Grupo de Pesquisa LCAD, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Bahia, visando à documentação arquitetônica e o registro de dados urbanísticos. Os dados
desta visita deverão re-alimentar a base de dados gerando um conjunto de informações
mais preciso e atual.
A elaboração desta base de informações geográficas integra, em fase subsequente, o
sistema de informações do patrimônio histórico - HIS de Mucugê, que apoiará a gestão e
salvaguarda do patrimônio arquitetônico por meio da disponibilização de informações sobre
as edificações e o meio urbano, possibilitando a realização de análises que servirão de
apoio para técnico e gestores em suas tomadas de decisões. As próximas etapas do
trabalho comportam, além do desenvolvimento do HIS, a implementação de interface na
web, possibilitando a ampla difusão das informações pela sociedade.

91
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

AGRADECIMENTOS
O autor deseja registrar os seguintes agradecimentos: à Prefeitura Municipal de Mucugê
pela disponibilização de documentos e dados urbanos, bem como o apoio ao grupo de
pesquisa durante a realização do trabalho de campo; ao PPG-AU/FAUFBA pela
disponibilização de recursos que permitiu custear parte das despesas da missão de campo,
e a todos integrantes do grupo de pesquisa do LCAD que participaram da coleta de dados
em setembro de 2013.

REFERÊNCIAS

ARRUDA, A. K. T.; AMORIM, A. L. Heritage Information System: tecnologias digitais


aplicadas ao planejamento e gestão de intervenções urbanas: um modelo conceitual. In:
SIGRADI 2010 – CONGRESO DE LA SOCIEDAD IBEROAMERICANA DE GRÁFICA
DIGITAL, 14., 2010, Bogotá. Disrupción, modelación y construcción: diálogos cambiantes.
Anais... Bogotá: Uniandes, 2010. Disponível em: <http://sigradi2010.uniandes.edu.co/
index.php/sigradi/2010/paper/view/255>. Acesso em: 18 out. 2011.
ARRUDA, A. K.; SANTOS, J. C.; AMORIM, A. L. Geoprocessamento no planejamento, no
monitoramento e na gestão de sítios históricos. In: ARQ.DOC 2012 - SEMINÁRIO
NACIONAL DE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS, 2., 2012, Belém. Anais... Belém: LACORE/UFPA, 2012. v. I. p.
1-15.
ARRUDA, A. K. T. Preservação e Gestão do Patrimônio Construído: a contribuição do
Heritage Information System. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo), Faculdade de
Arquitetura, Universidade Federal da Bahia. Salvador: UFBA, 2013.
BAHIA. Secretaria da Indústria e Comércio. IPAC-BA: Inventário de proteção do acervo
cultural: monumentos e sítios da Serra Geral e Chapada Diamantina. Salvador, 1980, v. 4.
BORGES, K. A. V.; DAVIS JR., C. A.; LAENDER, A. H. F. Modelagem Conceitual de
Dados Geográficos. In: CASANOVA, M. A., CÂMARA, G., DAVIS JR., C. A., VINHAS, L.,
QUEIROZ, G. R. (Eds.) Bancos de Dados Geográficos. Curitiba (PR): EspaçoGeo, 2005, p.
93-146. Disponível em: <http://www.dpi.inpe.br/livros/bdados/ cap3.pdf>. Acesso em: 13
maio 2014.
CÂMARA, G.; DAVIS, C.; MONTEIRO, A. Introdução à Ciência da Geoinformação.
[Internet]. São José dos Campos: INPE, 2001. Disponível em:
<http://www.dpi.inpe.br/gilberto/livro/introd/>. Acesso em: 15 set. 2011.
MEDEIROS, E. Desenvolvendo software com UML 2.0: definitivo. São Paulo: Pearson
Makron Books, 2004.
TOMLINSON, R. F. Thinking about GIS: Geographic Information System Planning for
Managers. California: ESRI Press, 2003.
VILEIKIS, O. et al. Information Management Systems For Monitoring And Documenting
World Heritage - The Silk Roads CHRIS. ISPRS - International Archives of the
Photogrammetry, Remote Sensing and Spatial Information Sciences, XXXIX-B4, 203-
208, doi:10.5194/isprsarchives-XXXIX-B4-203-2012, 2012. Disponível em: <http://www.int-
arch-photogramm-remote-sens-spatial-inf-sci.net/XXXIX-B4/203/2012/isprsarchives-XXXIX-
B4-203-2012.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2013.

92
REVISTA ACRÓPOLE ELETRÔNICA - PROJETO DE
DIGITALIZAÇÃO E INSTALAÇÃO DE WEBSITE PARA
PRESERVAÇÃO E ACESSO ONLINE À MEMÓRIA DA
ARQUITETURA E URBANISMO

Marcia Rosetto
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
mrosetto@usp.br
Dina Elisabete Uliana
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
uliana@usp.br
Hugo Massaki Segawa
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
segawahg@usp.br

RESUMO
A revista Acrópole (1938-1971) é uma publicação especializada e pioneira na área de arquitetura e
urbanismo paulista e brasileira, sendo considerada como um importante registro documental de uma
época da cultura brasileira. Com o desenvolvimento do projeto de digitalização se pretendeu garantir
a preservação e a conservação dessa memória, tanto no formato impresso como no digital, e
expandir o acesso aos pesquisadores e público em geral por meio da rede Internet. Através de
procedimentos metodológicos constituídos para esse fim, foi possível dispor o acesso online aos 391
fascículos da revista, contemplando mais de 23 mil páginas em sua totalidade. A consolidação de
conhecimentos quanto aos processos desenvolvidos, propiciou a consolidação de competências
específicas de uma prática de documentação para a continuidade de digitalização de outros títulos de
revistas brasileiras relevantes nessa área.

Palavras-chave: Revista Acrópole. Digitalização. Acesso online

ABSTRACT
The journal Acrópole (1938-1971) is a pioneer and specialized publication in Architecture and
Urbanism in São Paulo and Brazil, and is considered as an important documented record of the
Brazilian culture. The aim was to develop the digitizing project to ensure the preservation and
conservation of this memory, both in print and in digital, and expand the access by researchers and
the general public to significant contents through the Internet network to 391 issues, covering more
than 23.000 pages. The consolidation of knowledge and specific skills in a practical documentation in
this context was also one of the objectives, providing the necessary continuity to scan other relevant
Brazilian journals in this area.

Keywords: Journal Acrópole. Digitizing. Online access

93
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

1 INTRODUÇÃO
Nos últimos anos a comunicação e a divulgação científica ganharam uma amplitude de
forma extraordinária exigindo novas formas de organização e disseminação da informação,
sendo elaborados, com o apoio de tecnologias de informação e comunicação (TIC),
sistemas e redes de informação, bases de dados, incluindo-se nesse contexto as bibliotecas
digitais e virtuais, portais de revistas eletrônicas e os repositórios institucionais que
propiciam o acesso online ao imenso volume de registros bibliográficos e textos completos.
Padrões para o tratamento da informação e protocolos de comunicação proporcionam a
infraestrutura compatível para essa crescente demanda e, segundo Sayão (2012), o
conhecimento existente sobre preservação e acesso a recursos digitais já resultam num
conjunto de estratégias, abordagens tecnológicas e atividades que são coletivamente
conhecidas como ‘curadoria digital’. Esse conhecimento propicia as condições necessárias
para se realizar iniciativas que visam promover o acesso a conteúdos existentes em acervos
bibliográficos, coleções especiais e repositórios de informações considerados como parte do
universo patrimonial e cultural (tangíveis e intangíveis) e conectados às práticas de
conhecimento, ensino e pesquisa (História, memória e patrimônio universitário, 2012).
Acompanhando essa tendência, em 2012 a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária
da Universidade de São Paulo (PRCEU) lançou o Edital de Preservação de Acervos e
Patrimônio Cultural com o propósito de institucionalizar ações e estratégias para aprimorar
as condições de preservação e acesso ao acervo especial e memória institucional, o
acondicionamento e conservação de revistas técnico-científicas, e formulação de
metodologias que favoreçam a pesquisa e a capacitação continuada visando à formação de
competências, geração e disseminação de conhecimento dentro e fora da Universidade. Em
sintonia com essas proposições a Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
(FAUUSP), criada em 1948 e possuidora de um rico acervo, que inclui os principais
periódicos nacionais e internacionais da área e responsável pelo desenvolvimento e
manutenção do Índice de Arquitetura Brasileira (IAB) desde a década de 1960, encaminhou
o projeto de “Digitalização e Acesso Online à Revista Acrópole: Conservação e Preservação
da Memória da Arquitetura e Urbanismo”.
A revista Acrópole tem uma importância significativa para a arquitetura paulista e brasileira,
de acordo com Oswaldo Arthur Bratke (SEGAWA, 1997, p.97), e atualmente, pela sua
raridade e pelo seu conteúdo, subsidia estudos historiográficos, epistemológicos e culturais
na área conforme o estudo realizado por Fernando Serapião (SERAPIÃO, 2006). Segundo
Pinheiro (2011), os periódicos propiciam informações valiosas para as pesquisas, e nesse
universo encontram-se os periódicos brasileiros que consolidam, de uma maneira plural, as
tendências arquitetônicas e informações profissionais realizadas no país. Essas informações
acumuladas ao longo dos anos são compreendidas como um patrimônio cultural, e nesse
caso especificamente como um patrimônio informacional (Ciência da Informação, 2009). Em
sintonia com esse contexto que a Biblioteca da FAUUSP, uma das contempladas com os
recursos advindos do Edital da PRCEU, desenvolveu o projeto e está proporcionando, a
partir de junho de 2014, o acesso online à Revista Acrópole Eletrônica. 1

2 REVISTA ACRÓPOLE
A arquitetura como tema autônomo manifestou-se nos anos de 1950-1960 com a circulação
de quase uma dezena de periódicos especializados, incluindo a Acrópole que foi uma
revista pioneira na divulgação da arquitetura paulista e brasileira, e é uma fonte importante
sobre as tendências e a evolução em direção aos preceitos do moderno (SEGAWA, 2002,
p.130). Lançada como periódico mensal em maio de 1938 sob a direção de Roberto A.

1
Desde o lançamento em 25 de junho de 2014, o Website registra acessos com mais de 12 mil sessões,
provenientes do Brasil, Estados Unidos, e vários países europeus e latino-americanos, contemplando mais 8 mil
usuários e 67 mil páginas consultadas (GOOGLE ANALYTICS, dados consolidados em 17 de setembro 2014).

94
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Corrêa de Brito, a partir de 1953 Max M. Gruenwald a dirigiu até a última edição nº 390/391
de novembro/dezembro de 1971. Contando com a colaboração de arquitetos, consultores e
colaboradores, foram sendo delineadas durante esse período as diversas linhas editoriais da
revista compondo um importante testemunho de época (ALMEIDA, 2008).
Nesses pouco mais de 34 anos de publicação ininterrupta, a revista trouxe em suas páginas
realizações desenvolvidas por arquitetos de todo Brasil e principalmente de São Paulo,
servindo como suporte para um diálogo de alcance nacional e internacional e uma fonte
extremamente importante de artigos e números especiais sobre projetos brasileiros. Nos
anos 1950 e, sobretudo na década de 1960, não havia arquiteto ou estudante de arquitetura
efetivamente engajado no ofício que não consultasse ou colecionasse a revista, sendo
identificada com “testemunho de arquitetos gaúchos, jovens profissionais na virada para os
anos 1960, que dialogavam com os arquitetos paulistas sem ao menos se conhecerem,
folheando as páginas da revista; ou um estudante de arquitetura na segunda metade dos
anos 1960 que assinava a Acrópole e a consultava como se fosse um tratado da arquitetura”
(SEGAWA, 2014).
A revista caracteriza-se atualmente como uma importante fonte para pesquisadores de
várias áreas do conhecimento e com alcance multidisciplinar e, além disso, é objeto de
estudos em pesquisas realizadas em cursos de pós-graduação. Ao longo de suas edições
registrou projetos e obras de edifícios, urbanização, paisagismo, desenho industrial,
comunicação visual, arquitetura de interiores e detalhamento arquitetônico; textos teóricos,
divulgação de pesquisas, resenhas de livros e revistas e noticiário de interesse para a
categoria profissional; informes técnicos sobre sistemas construtivos, especificações de
materiais e temas relacionados ao desempenho dos edifícios. O conjunto das propagandas
veiculadas pela revista é um registro para o conhecimento do quadro industrial e tecnológico
da construção civil brasileira ao longo de três décadas.
Quando a última edição da Acrópole apareceu em 1971, havia onze escolas de arquitetura
no Brasil. A maioria dessas escolas nem existia quando o primeiro número da revista saiu
da gráfica. A FAUUSP surgiu dez anos depois da edição inaugural da revista e, se hoje se
estima o funcionamento de cerca de 270 cursos de arquitetura e urbanismo em todo o país,
consultar as edições da Acrópole em alguma biblioteca universitária pode ser considerado
um milagre. Graças ao zelo de muitos arquitetos e seus descendentes, que doaram suas
coleções, ou de pacientes aquisições em livrarias de usados, a revista repousa em acervos
no país e até no exterior. Sobrevida na maioria das vezes fragmentada, porque poucos
foram os profissionais que lograram reunir todas as edições e provavelmente nenhuma
biblioteca de escola de arquitetura as colecionou em sua íntegra, porquanto a quase
totalidade dessas instituições surgiu depois da revista. Se a Biblioteca da FAUUSP guarda
uma coleção completa da revista, isto se deve à generosidade de seus professores, ex-
alunos e outros benfeitores que permitiram realizar tal façanha (SEGAWA, 2014).
A partir do projeto realizado, a revista Acrópole em formato digital está disponível em
Website especialmente construído para permitir o acesso à coleção completa dos textos e
imagens. 2 O projeto contou com o apoio desde o seu início das herdeiras do diretor-
proprietário da revista e da Editora Max Gruenwald & Cia., Sr. Manfredo Gruenwald, cientes
da importância do legado e da disponibilização digital para o crescimento da pesquisa
científica.

3 MATERIAIS E MÉTODOS
A partir do edital lançado em dezembro de 2012 pela Pró - Reitoria de Extensão e Cultura
da USP (PRCEU), tendo como uma das linhas de ação a “Preservação de Acervos e

2
Disponível em: http://acropole.fau.usp.br/

95
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Patrimônio Cultural”, 3 o projeto para a digitalização da revista Acrópole foi submetido


conforme as diretrizes exigidas, e posteriormente aprovado por comissão definida pela
PRCEU.
Contando com a participação de profissionais com perfis especializados, o projeto foi
constituído das seguintes etapas:
• Análise dos direitos autorais relativos aos proprietários da revista e para o acesso
online (Herdeiros da Editora Max Gruenwald Ltda).
• Elaboração de procedimentos para a realização de licitação de acordo com normas
da universidade, com o propósito de contratar empresa especializada para o
desenvolvimento do projeto juntamente com a Biblioteca da FAUUSP.
• Realização da reprodução integral em meio digital da revista Acrópole com mais de
23 mil páginas, de acordo com as normas ISO (International Standard Organization)
e CONARC (Conselho Nacional de Arquivos), a partir de procedimentos técnicos
construídos para esse fim.
• Tratamento das imagens digitalizadas para se ter um resultado de qualidade tanto
no aspecto da preservação como do acesso público.
• Elaboração de arquivos matriz em TIF RGB 16 bits, JPG de 300 dpi, 150 dpi e100
dpi.
• Tratamento dos documentos digitais para subsidiar a instalação do banco de dados.
• Criação de banco de dados para o arquivamento da coleção digital.
• Organização de Website para a busca e acesso aos textos completos em
microcomputadores e plataformas móveis como tablets e smarthphones.
• Aquisição de servidor exclusivo e em conformidade com as especificações
necessárias para o projeto.
• Elaboração de procedimentos para a preservação dos arquivos digitais.
• Instalação do aplicativo Google Analytics para acompanhar o acesso e obter dados
estatísticos de visitação à coleção.

Através dessas etapas, o projeto propiciou o desenvolvimento de procedimentos para a


digitalização desse tipo de documento, com a intenção de consolidar competências e a
elaboração de diretrizes técnicas e operacionais que possam orientar a realização de
novos projetos de digitalização para a disponibilização de outros conteúdos de publicações
especializadas de igual relevância para as Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, tanto na
USP, como em outras instituições da esfera da educação e de pesquisa. A concepção
metodológica e os processos decorrentes, tanto técnicos quanto de execução como uma
única unidade, propiciaram as condições fundamentais para: 1. Preservar os originais
durante o processo de digitalização, garantindo a integridade física dos volumes; 2.
Produzir representantes digitais de excelente qualidade de modo a garantir ótima
legibilidade e também permitindo a geração de produtos tais como fac-símiles de paginas e
de fascículos com padrão gráfico superior; 3. Substituir as consultas, pesquisas e cópias
reprográficas a partir dos originais da revista por representantes digitais através de
sistemas informáticos, permitindo a preservação dos originais; 4. Criar um Website para a
revista Acrópole Eletrônica, constituído por aproximadamente 23 mil arquivos digitais, com
acesso rápido, leve, intuitivo, e de fácil navegação; 5- Ter um padrão estético compatível
com sistemas e plataformas livres para posteriores customizações.

3
Disponível em: http://www.prceu.usp.br/eventos/editais/

96
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

4 RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES
A partir da realização desse projeto, a Biblioteca da FAUUSP está ampliando de forma
significativa para os pesquisadores e do público geral o acesso ao acervo da revista
Acrópole, considerada pelos especialistas como um dos principais acervos de um período
significativo de desenvolvimento de novos conceitos na área de Arquitetura e Urbanismo em
São Paulo e no país.
A coleção da revista Acrópole em meio digital está disponibilizada através de Website,
Figura 1, proporcionando o acesso à coleção completa aos textos e imagens dos 391
fascículos e que representa em seu conjunto a mais de 23 mil páginas. O projeto prevê a
inserção de links nos registros indexados no Índice de Arquitetura Brasileira mantido pela
Biblioteca da FAUUSP, 4 trazendo para os usuários as facilidades de consulta e uso a esse
acervo especializado.

5
Figura 1 - Website da Revista Acrópole Eletrônica

Recuperar e abrir a coleção completa da revista Acrópole em formato digital é,


primeiramente, trazer de corpo inteiro um testemunho de um rico período, à espera de
desvendamentos por parte de pesquisadores com olhares das mais distintas disciplinas.
Como decorrência, pode-se afirmar que esse produto trará benefícios e se tornar num
modelo a ser utilizado para a digitalização de outros títulos de igual relevância para a
pesquisa, assim como a metodologia construída pode favorecer a capacitação continuada,
visando à formação de competências, geração e disseminação de novos conhecimentos.
Nesse sentido, palestras e divulgação dos procedimentos metodológicos sobre o projeto
estão sendo realizados para esse fim.

4
Disponível em: http://143.107.16.155:88/index.htm
5
Disponível em: http://www.acropole.fau.usp.br

97
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maísa Fonseca de. Revista Acrópole publica residências modernas: análise
da revista Acrópole e sua publicação de residências unifamiliares modernas entre os anos
de 1952 a 1971. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Departamento de
Arquitetura e Urbanismo, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo,
São Carlos (SP), 2008.
CIÊNCIA da informação: múltiplos diálogos. Marília: Oficina Universitária Unesp, 2009. p. 1-
3.
CUNHA, M. B. da. Para saber mais: fontes de informação em ciência e tecnologia. Brasília:
Briquet de Lemos/Livros, 2001. 168p.
HISTÓRIA, memória e patrimônio universitário. In: Simpósio de Cultura e Extensão. São
Paulo: Centro de Preservação Cultural da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária
da USP, 2012.
POLÍTICAS públicas e patrimônio cultural: ensaios, trajetórias e contextos. Pelotas:
Universidade Federal de Pelotas, 2012. p.5-20.
PINHEIRO, M.L.B. A preservação documental: o desafio dos arquivos de arquitetura. In:
CASTRIOTA, L.B. Arquitetura e documentação. Belo Horizonte: IEDS; São Paulo:
Annablume, 2011. p.93-110.
SAYÃO, L.; SALES, L.F. Curadoria digital: um novo patamar para preservação de dados
digitais de pesquisa. Informação & Sociedade, v. 22, n. 3, p.179-191, set./dez. 2012.
SEGAWA, H.; DOURADO, G.M. Oswaldo Arthur Bratke. São Paulo: ProEditores, 1997.
p.75.
SEGAWA, H. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2002. p.130.
SEGAWA, M.H.; CREMA, A.; GAVA, M.. Revistas de arquitetura, urbanismo, paisagismo e
design: a divergência de perspectivas. Ciência da Informação, v.32, n.3, p.120-127, 2003.
SEGAWA, H. Apresentação. São Paulo: FAUUSP, 2014. Disponível em:
http://www.acropole.fau.usp.br
SERAPIÃO, F. A vanguarda fez mal para os negócios: a história da revista acrópole.
Arcoweb, 2006. Disponível em: http://arcoweb.com.br/projetodesign/artigos/artigo-a-revista-
acropole-01-02-2006 Acesso em 17 setembro de 2014.

98
USO DE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA COMO
SUPORTE PARA HISTÓRIA URBANA: UMA EXPERIÊNCIA EM
BELO HORIZONTE

Diogo de Castro Guadalupe


Universidade Federal de Minas Gerais
diogocastroguadalupe@gmail.com
Janaína Costa Rezende
Universidade Federal de Minas Gerais
janacrezende@gmail.com
Roberto Eustaáquio dos Santos
Universidade Federal de Minas Gerais
ro1234ro@gmail.com
Thiago Alfenas Fialho
Universidade Federal de Minas Gerais
alfenasthiago@gmail.com

RESUMO
Este artigo descreve e apresenta resultados parciais de uma pesquisa acerca da história das obras
públicas em Belo Horizonte, em que são utilizados os Sistemas de Informação Geográfica para
registro, análise e visualização de dados dos Relatórios dos Prefeitos de Belo Horizonte, entre 1899 e
1930. Os Sistemas de Informação Geográfica (SIG) combinam a funcionalidade dos mapeamentos
assistidos por computador com o gerenciamento de banco de dados, sendo largamente utilizados no
planejamento urbano. A ideia de representar séries históricas de dados no espaço, identificando o
modo como se implantou a infraestrutura urbana de Belo Horizonte e todas as implicações que isso
põe em jogo nos levou ao chamado SIG-histórico. A incorporação da dimensão temporal aos SIG
descortina um campo de estudo mais amplo, especialmente, devido a seu potencial de visualização.
Buscamos, portanto, demonstrar aqui o potencial dos SIG no apoio às (re)construções da história
urbana.

Palavra-chave: SIG, História urbana, Belo Horizonte

ABSTRACT
This paper describes an ongoing research about public works in Belo Horizonte (Minas Gerais, Brazil)
and presents its first results. In this research, the Geographic Information Systems’ tools are used to
record, analyse and visualize data from the Relatórios dos Prefeitos de Belo Horizonte (1899 to
1930). The Geographic Information System (GIS) have been used in urban planning because it can
combine computer aided mapping functionalities with data management. The plotting of historical
series in space (and all implications it involves) led us to the so called historical-GIS discipline. The
embodiment of temporal dimension into GIS reveals new applications, especially due its visualization
features. We aim to demonstrate here the GIS´ potential to support urban history (re)constructions.
Keywords: GIS, Urban history, Belo Horizonte

99
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

1 INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo apresentar os primeiros passos de uma pesquisa acerca da
história urbana de Belo Horizonte, com ênfase em obras públicas de infraestrutura, em que
testamos o uso de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) para registro, análise e
visualização de dados dos Relatórios dos Prefeitos de Belo Horizonte, recentemente
disponibilizados em fac-simile. Neste primeiro momento, trabalhamos com dados dos
investimentos em obras de pavimentação, drenagem e redes de água e esgoto, entre 1899
e 1930, a partir do planilhamento das despesas anuais com tais obras e de seu
georreferenciamento. A visualização desses investimentos tem como referência dois
extremos: de um lado, o plano urbanístico traçado pelo engenheiro Aarão Reis, no final do
século XIX, aqui representado pela Planta Geral da Cidade de Minas (MG, 1895); e, de
outro, a Base Cadastral PRODABEL - 2010 (PBH, 2014). Complementam os mapas alguns
dados de caráter qualitativo, descrevendo e ilustrando as tecnologias e materiais
construtivos empregados nas obras, assim como os processos de trabalho e organização
dos canteiros. Além dos próprios Relatórios, tais dados primários vem sendo colhidos no
Acervo da Comissão Construtora da Nova Capital de Minas Gerais e na iconografia já
catalogada por museus e outras instituições de pesquisa. Estamos, portanto, na fase
preliminar de um trabalho de longo prazo. Nessa fase inicial, enfrentamos problemas tanto
de ordem prática quanto de ordem técnica e conceitual, que serão apontados ao longo do
texto.

1.1 A utilização dos SIG na pesquisa histórica


O processo de incorporação da dimensão temporal ao georreferenciamento, e todas as
implicações que isso põe em jogo, encaminhou nossa investigação para o chamado SIG-
histórico. Interessou-nos especialmente o potencial de visualização e interatividade dos SIG
com o usuário comum, não especializado, pois além do registro e análise das obras públicas
ao longo do tempo, temos como horizonte ampliar o acesso público à sistematização de
dados históricos e democratizar a manipulação de documentos dos patrimônios
arquitetônico e urbano por meio do uso de tecnologias digitais. Justo em função de seu
potencial analítico, de acessibilidade e interatividade, os SIG têm se constituído num fator de
transformação e avanço na pesquisa histórica. Exemplo disso está na sua utilização para
reconstrução formal de paisagens naturais e construídas, dando margem a nova
compreensão tanto das dinâmicas naturais quanto dos processos de intervenção humana
ao longo do tempo. O potencial transformador dos SIG se faz sentir não só nas
metodologias de registro e apresentação de dados, mas também em novas possibilidades
de expressão de fontes históricas já exploradas.
A interação entre bases de dados espaciais e temporais não constitui campo de estudos
novo e vem sendo desenvolvida desde o final da década de 1970. Uma bibliografia
elaborada em 1993, por exemplo, registrava naquele momento a publicação de
aproximadamente 350 artigos, por cerca de 300 autores. Já a noção de SIG-histórico é mais
recente, datando do final da década de 1990 (AL-TAHA, SNODGRASS e SOO, 1993). Um
sumário das pesquisas empreendidas nesses 25 anos (RAYMOND, 2011; GREGORY, ELL,
2007; GREGORY; HEALEY, 2007; DIAS, CÂMARA, DAVIS, 2005; RUMSEY, WILLIAMS,
2002; SIEBERT, 2000; PEUQUET, 1999; YUAN, 1996; HEARNSHAW, 1994; GABBAY,
MC.BRIEN,1991; BARRERA, AL-TAHA,1990; ARMSTRONG,1988; CHRISMAN,1988) dá
conta de um panorama bastante diverso, com múltiplos temas de interesse, entre os quais
se destacam dois tipos principais. Por um lado, a inclusão do tempo como variável
cartográfica, implica em problemas de caráter estrutural, relacionados a aspectos, tais como
modelagem de bases de dados, produção de algorítmos e das linguagens empregadas na
sua manipulação, volume de dados e regras, padrões e escalas temporais etc; por outro
lado, no âmbito da representação, abordam-se, principalmente, as metodologias de
visualização. Também tem destaque nessas discussões o grau de acessibilidade às

100
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

informações e o estado da arte dos softwares. Alguns estudos, tais como o do Denny Grade,
da área central de Seattle, (RAYMOND, 2011), o artigo Historical Maps in GIS (RUMSEY,
2002) e o Using GIS to Document, Visualize and Interpret Tokyo´s Spatial History
(SIEBERT, 2000), foram especialmente importantes na orientação de nossas experiências.

2 A PESQUISA
A pesquisa aqui apresentada vem sendo desenvolvida a partir de três projetos – Bases
Quantitativas para uma História das Obras Públicas em Belo Horizonte, Um século de Obras
Públicas: cronologia georreferenciada dos Relatórios dos Prefeitos de Belo Horizonte (1889-
2005), Iconografia das Obras Públicas em Belo Horizonte – que têm por objetivo comum a
construção de uma história das obras públicas em Belo Horizonte. A principal fonte de
dados está nos já mencionados Relatórios dos Prefeitos, recentemente disponibilizados em
fac-similes pelo Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, graças a um convênio entre a
Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), a Harvard University e The Andrew W. Mellon
Foundation. Conforme se pode verificar nas análises subsequentes, estamos em uma etapa
preliminar, com muitos desdobramentos possíveis, tais como o georreferenciamento de
acervo iconográfico, além de outras análises espaço-temporais que envolvam dinâmicas de
uso e tendências de concentração de investimento ao longo do tempo. Também nos
interessa investigar possíveis vínculos entre a ação de grupos políticos e a localização dos
investimentos.

2.1 Metodologia da produção de mapas


Esse processo teve início pela transposição de dados dos fac-similes (Figura 1) para
planilhas do software Microsoft Excel (Tabela 1). As tabelas foram organizadas de modo a
armazenar o tipo de obra, sua localização, a quantidade de material e o montante de
recursos gastos. Essa transposição constituiu nosso primeiro desafio. Feita manualmente,
ela tomou cerca de 80% tempo de trabalho inicialmente previsto. Além disso, o grau de
conservação dos relatórios e sua irregularidade gráfica dificultaram, ou mesmo impediram, a
leitura completa de alguns exemplares (um diagnóstico desse material está ilustrado na
Tabela 2). Por esse motivo, muitas vezes, os dados não estão isentos de lacunas e
imprecisões. Tais dificuldades concorreram para a redução do recorte temporal para o
período entre 1899 e 1930, de modo a realizar uma série de experimentos no âmbito
metodológico, antes de dar prosseguimento ao registro e análise dos dados de todos os
Relatórios até o ano de 2005.

Figura 1 – Fac-simile do Relatório correspondente ao período de 1926-1927, encaminhado


ao Conselho Deliberativo pelo então prefeito Christiano Machado

Fonte: PBH, 1927.

101
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Tabela 1 – Fragmento da tabela de 1989_1902 preparada para o georreferenciamento

MATERIAL COORDENADAS GEOGRÁFICAS


VALOR TOTAL
TIPO DE OBRA LOCALIZAÇÃO EMPREGADO
(em Réis) X Y
(m²/m³)
CALÇAMENTO EM
Praça da Liberdade 2707,32 31.134.180,00 -19,93200 -43,93800
PARALELEPÍPEDO

REDES DE Esplanada da
16 64.000,00 -19,91690 -43,93390
DRENAGEM Estação

TERRAPLANAGEM Praça do Mercado 440 264.000,00 -19,91450 -43,94160

Fonte: Elaborado pelos autores, com base no Relatório de 1989-1902 da PBH.

Num segundo momento, à medida em que a transposição dos dados foi sendo concluída,
passamos ao georreferenciamento dos dados. Eles foram lançados sobre duas bases
cartográficas, uma existente – Base Cadastral PRODABEL - 2010 (PBH, 2014) – e outra
obtida a partir da vetorização da Planta Geral da Cidade de Minas (MG, 1895). O
procedimento de vetorização dessa imagem foi feito manualmente utilizando o software
AutoCAD.

Tabela 2 – Diagnóstico do material gráfico contido nos fac-similes dos Relatórios dos
Prefeitos de Belo Horizonte, entre 1899-1930
Período Data de Legibilidade (2) Registro (3)

precisa das obras.


Diz respeito à qualidade das informações (coordenadas geográficas) acerca da localização
(2)

(1)
Observações:
Prefeito
(1) Publicação 1 2 3 Sim Não
1899-1902 04/09/1902 Bernardo Monteiro

Diz respeito à clareza dos aspectos gráficos dos fac-similes.


entre a inauguração da cidade e 1899; 1903-1904; 1912-1913; 1913-1914; 1929-1930.
Não foram elaborados ou disponibilizados os relatórios correspondentes aos períodos:
1902-1903 16/09/1903 Francisco Bressane
1904-1905 01/09/1905 Francisco Bressane
1905-1906 04/09/1906 Antônio Carlos
1906-1907 23/09/1907 Benjamin Jacob
1907-1908 16/09/1908 Benjamin Jacob
1908-1909 01/01/1910 Benjamin Brandão
1909-1910 01/10/1910 Olinto Meireles
1910-1911 16/09/1911 Olinto Meireles
1911-1912 01/09/1912 Olinto Meireles
1914-1915 21/09/1915 Cornélio Vaz de Melo
1915-1916 18/09/1916 Cornélio Vaz de Melo
1916-1917 16/09/1917 Cornélio Vaz de Melo
1917-1918 01/10/1918 Affonso Vaz de Melo
1918-1919 01/09/1919 Affonso Vaz de Melo
1919-1920 04/09/1920 Affonso Vaz de Melo
1920-1921 31/08/1921 Affonso Vaz de Melo
1921-1922 21/09/1915 Flávio dos Santos
1922-1923 01/09/1923 Flávio dos Santos
1923-1924 03/09/1924 Flávio dos Santos
1924-1925 09/09/1925 Flávio dos Santos
1925-1926 03/09/1926 Christiano Machado
1926-1927 06/10/1927 Christiano Machado
1927-1928 01/10/1928 Christiano Machado
1928-1929 10/10/1929 Christiano Machado
Fonte: Elaborado pelos autores, com base nos Relatórios dos Prefeitos de Belo Horizonte, entre 1899 e 1930.

102
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Em seguida, num terceiro momento, experimentamos a superposição de mapas existentes


com o intuito de ampliar as possibilidades de visualização conjunta. Combinamos a
vetorização da Planta Geral da Cidade de Minas (MG, 1895), acima referida, com mapas de
expansão da mancha urbana de Belo Horizonte, disponibilizados no site da Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte (APUD PBH). Desse modo, foi possível perceber a evolução
das manchas de ocupação em relação ao traçado viário, conforme se verifica na Figura 2.

Figura 2 – Superposição do mapa do projeto de Aarão Reis com mapa de expansão urbana
(de 1900 a 2007)

Fonte: Elaborado pelos autores sobre Base Cadastral PRODABEL - 2010 (PBH, 2014)

103
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 3 – Obras públicas realizadas pela Prefeitura de Belo Horizonte entre 1889 e 1902

Fonte: Elaborado pelos autores, com base no Relatório de 1902 (PBH, 1902)

Finalmente, passamos ao desenvolvimento da metodologia de espacialização das obras ao


longo do tempo. Para isso, utilizamos o Google Earth para obter as coordenadas
geográficas (em graus decimais) de cada obra, em vista de sua facilidade de manuseio e de
sua disponibilidade numa versão gratuita, pois uma de nossas preocupações é a de
experimentar e desenvolver procedimentos de fácil replicação. Nessa operação, o Datum,
sistema de referência associado ao GPS - Global Positioning System, foi o WGS84-World
Geodetic System – 1984.
A utilização desse software colaborou também na compatibilização da toponímia das bases
cartográficas, atualizando a nomenclatura de ruas e avenidas que haviam sofrido diversas
modificações com passar do tempo. A publicação Memória de ruas: dicionário toponímico da
cidade de Belo Horizonte (GOMES, 1992) foi nossa principal referência nessa tarefa. Feito
isso a especialização das obras públicas foi realizada no software ArcGis, por meio de
rotinas tradicionais que não caberiam descrever aqui. Os mapas foram gerados pelos
aplicativos ArcMap e ArcScene do ArcGis, tendo como resultado as Figuras 3, 4 e 5.Toda a
base de dados foi produzida em coordenadas projetadas no sistema UTM (Universal
Transversa de Mercator), no Datum SAD69 (South American 1969), Zona 23S. A inserção
dos dados obtidos dos Relatórios dos Prefeitos de Belo Horizonte foi realizada manualmente
com a criação de vetores, a partir de uma nuvem de pontos gerada pelo
georreferenciamento das obras públicas.

2.2 Possíveis desdobramentos


Como podemos perceber, o georreferenciamento permite a edição de mapas com largo
espectro de combinações de dados ao longo do tempo. A Figura 3 acima, por exemplo,
representa os investimentos em obras públicas (calçamento, terraplenagem, pontes, redes
de abastecimento de água e coleta de esgotos) no período entre 1899 e 1902. Quando
nossa base de dados estiver completa, isto é, com dados de todos os fac-similes dos
Relatórios (de 1899 a 2005), poderemos editar mapas por categorias (e por diversos tipos
de combinação entre elas), em qualquer intervalo de tempo ao longo daquele período.
Dessa forma, serão possíveis muitos tipos de análises espaço-temporais.

104
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 4 – Concentração de investimentos públicos em obras entre 1926 e 1927

Fonte: Elaborado pelos autores, com base no Relatório de 1920 (PBH, 1920)

Exemplo disso, está na Figura 4, na qual está representado um mapa de concentração de


investimentos correspondente aos mesmos tipos de obras acima para o período 1926-1927.
Esse mapa foi gerado por meio do método estatístico de estimação de curvas de
densidades, conhecido como mapa de Kernel, em que é plotada, através de interpolação, a
intensidade pontual de determinado fenômeno em toda a região de estudo. Assim, temos
uma visão geral da intensidade do processo em todas as regiões do mapa.
Outra possibilidade de visualização está representada na Figura 5, em que é possível
observar o plano original de Aarão Reis sobre a topografia cadastrada pela PBH em 2010,
na qual a área correspondente ao traçado original aparece em amarelo. Nossa inspiração
para tal operação está no artigo Historical Maps in GIS (RUMSEY, 2002), em que o autor
examina a validade dos métodos de digitalização, especialmente a transposição de mapas
impressos em papel do século XIX e início do XX para o SIG.
Está no horizonte desta pesquisa a representação digital dos levantamentos topográficos
realizados pelas equipes da Comissão Construtora da Nova Capital de Minas Gerais. Trata-
se de extenso material (especialmente as cadernetas de campo) já disponibilizado pelo
Museu Histórico Abílio Barreto para esta pesquisa.

105
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 5 – Modelagem da Planta Geral da Cidade de Minas e de Ortofoto (Google Earth)


superpostas à topografia de Belo Horizonte

Fonte: Elaborado pelos autores, sobre Base Cadastral PRODABEL - 2010 (PBH, 2010)

3 CONCLUSÃO
Para além dos dados quantitativos e de seu georrefereciamento, extraímos dos relatórios
informações acerca das tecnologias construtivas empregadas nas obras públicas, das
formas de contratação de serviços, de organização e remuneração do trabalho, dos
empreiteiros e suas especialidades etc., tal como se observa no exemplo do comentário
abaixo, acerca dos tipos de pavimentação.
A natureza do calçamento varia conforme a declividade da rua; é assim que
temos: alvenaria mais ou menos cuidada, macadam e simples
encascalhamento […] Fiz empregar simples encascalhamento e macadam
nas ruas de declividade inferior a 5%, não dispensando neste caso as
sargetas laterais de alvenaria; nas ruas com declividade superior a 5% fiz
adotar o calçamento de alvenaria mais ou menos cuidada. Em um outro
ponto de maior trânsito foi adotado o calçamento de paralelepípedos de
granito. (PBH, 1908, p.23)

Figura 6 - Calçamento da Rua Professor Moraes, na esquina com Rua Tomé de Souza, em
1929.

106
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Fonte: Arquivo Público Mineiro

A análise desses dados podem indicar resultados propícios a serem verificados em futuros
trabalhos específicos. Por exemplo, com base nesses extratos, podemos inferir que as
técnicas empregadas para os serviços de pavimentação caracterizam-se como trabalho
intensivas. Tal fato dá margem à suposição, por um lado, da existência de mão-de-obra
abundante naquele momento e por outro, de que tais tipos de serviços eram estruturantes
da economia local. De qualquer forma, importa observar também que a justificativa para
seleção da técnica construtiva busca argumentos em critérios econômicos e em critérios
técnicos de caráter higienista, legitimadas por experiências realizadas em outros países.
A macadamização que já tem sido largamente usada em Belo Horizonte,
tem hoje o seu emprego em alguns países cada vez mais generalizado,
principalmente para a incorporação de materiais betuminosos ou asfálticas
que lhe dão maior coesão e evitam um dos seus maiores inconvenientes
que é a poeira. Sobre o assunto muito se tem escrito e numerosas
experiências têm sido feitas na Inglaterra e nos Estados Unidos, onde a
macadamização alcatroada tem tido maior aplicação. Nesse último país o
Office of Public Roads, subordinado ao Ministério da Agricultura, nas suas
publicações tem consignado os resultados dessas experiências e indicado
regras seguras sobre as melhores condições de aplicação desse
revestimento nas vias públicas. Nas condições indicadas a resistência do
macadam é bastante aumentada, podendo ser empregado mesmo em ruas
de maior movimento, como no nosso próprio país já se tem feito com
sucesso. As ruas assim revestidas, com uma conservação regular, têm uma
duração relativamente longa, são silenciosas e asseadas [...] Tem sido
empregado principalmente o cascalho natural retirado de bancos existentes
em diversos pontos da cidade o qual entretanto sem o alcatroamento tem
ainda o inconveniente de, com o trânsito continuado, produzir algum pó [...]
Em condições normais e o serviço estando organizado o preço da
macadamização não vai além de $800 reis, o metro quadrado com cascalho
natural e 1$500 reis, fazendo uso de pedra britada, incluindo a compressão
e a irrigação. (PBH, 1919, pp.9-10)
Como já dissemos na introdução deste artigo, nossa principal intenção neste momento é a
de colocar em discussão as possibilidades de utilização do SIG na pesquisa histórica.
Esperamos ter demonstrado suas capacidades em operar diferentes padrões espaciais com
base em categorias únicas ou combinadas, dispostas ao longo de um período determinado,
dando margem assim a análises diacrônicas, e também em períodos específicos de tempo,
desse modo, permitindo análises sincrônicas. Com isso, tanto os mapeamentos como sua
interpretação, como vimos nos exemplos de Belo Horizonte, tornam-se processos de
descoberta e atribuição de significado de grande valia para a história urbana.

107
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

AGRADECIMENTOS
Este texto foi possível graças ao apoio da PRPq-UFMG e do CNPq.

REFERÊNCIAS
AL-TAHA, Khaled K.; SNODGRASS, Richard T.; SOO, Michael D. Bibliography on
Spatiotemporal Databases. Sigmod Record, v.22, n.1, março, 1993.
ARMSTRONG, Marc. P. Temporality in Spatial Databases. 1988.
BARRERA, Renato; AL-TAHA, Khaled K. Models in Temporal Knowledge Representation
and Temporal DBMS,1990.
CHRISMAN, Nicholas R. The Role of Quality Information in the Long-Term Functioning of a
Geographic Information System,1988.
DIAS, Taciana Lemos; CÂMARA, G.; DAVIS, Clodoveu. Modelos Espaço-Temporais. In:
CASANOVA, Marco; CAMARA, Gilberto; DAVIS, Clodoveu; VINHAS, Lubia; QUEIROZ,
Gilberto (Orgs.). Bancos de Dados Geográficos. Curitiba, Editora MundoGEO, 2005. v. 1, p.
147-180.
ESTADO DE MINAS GERAIS (MG). Planta Geral da Cidade de Minas (organizada sobre a
planta geodésica, topográfica e cadastral do Belo Horizonte, pela Comissão Construtora da
Nova Capital sob a direção do Engenheiro Civil Aarão Reis, e aprovada pelo Decreto no
817, de 15 de abril de 1895). Rio de Janeiro, Companhia de Artes Gráficas, 1895, escala
1:10.000, dimensão: 98x100cm.
GABBAY, Dov; MC.BRIEN, Peter. Temporal Logic & Historical Databases, 1991.
GOMES, Leonardo J. M. Memória de ruas: dicionário toponímico da cidade de Belo
Horizonte. Belo Horizonte,1992.
GREGORY, Ian N; HEALEY, Richard G. Historical GIS: structuring, mapping and analysing
geographies of the past. 2007.
GREGORY, Ian N.; ELL, Paul S. Historical GIS: Technologies, methodologies and
scholarship. Cambridge Studies in Historical Geography, 2007.
HEARNSHAW, H. M.; Unwin, D. J. Visualization in geographical information systems.1994.
PEUQUET, Donna J. Time in GIS and Geographical Databases. In: MAGUIRE at al (eds.).
Geographical Information Systems: Principles and Applications. London, Longman, 1999, pp.
91-103; YUAN, May. Temporal Gis Spatio-Temporal Modeling. 1996.
PREFEITURA DE BELO HORIZONTE (PBH). Base Cadastral PRODABEL - 2010. Belo
Horizonte, PBH, 2010. Disponível em www.pbh.gov.br (acesso em maio de 2014).
PREFEITURA DE BELO HORIZONTE (PBH). Relatório apresentado ao Conselho
Deliberativo pelo Prefeito Benjamim Jacob. Belo Horizonte, Imprensa Oficial do Estado de
Minas Gerais, 1907, 1919, 1927.
RAYMOND, Aaron. Denny Regrade, 1893–2008: A Case Study in Historical GIS. Social
Science History, v. 35, n. 4, pp. 571-59, 2011.
RUMSEY, David; WILLIAMS, Meredith. Historical Maps in GIS. In: KNOWLES, Anne K.
(ed.). Past Time, Past Place: GIS for History. [n.l.], ESRI Press, 2002.
SIEBERT, Loren. Using GIS to Document, Visualize and Interpret Tokyo´s Spatial History.
Social Science History. v. 24, n. 3, 2000, pp. 537-573.

108
FERRAMENTAS DIGITAIS NA CONSERVAÇÃO DO ART DÉCO

Fábio Lima
UNB / UFG
arqfabiolima@gmail.com

RESUMO
Os edifícios históricos podem nos comunicar uma grande quantidade de informações e fundam numa
determinada comunidade um sentido de origem, assim como certas qualidades singulares de
identidade. O patrimônio art déco de Goiânia, surgido principalmente como caráter simbólico de poder
e progresso, requer considerações atentas, pois a arte ali desenvolvida não é simples resultado da
composição funcional de volumes, nem muito menos uma decoração de superfície. Esses edifícios de
inegáveis valores culturais podem ser investigados para fins de melhores adequações urbanas,
acompanhamento e restauro, escopos para aprendizado, onde as tecnologias digitais contribuem
decisivamente na conservação desse patrimônio art déco.
Palavras-chave: Conservação. Arte Edificada. Ferramentas Digitais.

ABSTRACT
Historic buildings can communicate a lot of information and fuse in a community a sense of origin, as
well as certain natural qualities of identity. The Goiânia’s art deco patrimony, emerged primarily as
symbolic character of power and progress, requires attentive consideration, because the art is not
there developed simple result of the functional composition of volumes, much less decorated surface.
These buildings undeniable cultural values can be investigated for the purpose of better urban
adjustments, monitoring and restoration, scopes for learning, where digital technologies contribute
decisively to the conservation of this patrimony art deco.
Keywords: Conservation. Built Art. Digital Tools.

1 INTRODUÇÃO
Os edifícios históricos são sempre referenciais nas experiências dos moradores da cidade.
Não são importantes apenas por caracterizar uma determinada expressão construtiva ou
artística, mas porque permitem constatar o passado daquela população, assinalando certas
bases específicas do lugar e possibilitando reconhecer seus vestígios. A visão de patrimônio
é assim, aquela que corresponde o modo como uma comunidade assume seu tempo
passado, em bases sob as quais erigiram sua identidade (CHOAY, 2001).
Os edifícios art déco de Goiânia, por exemplo, reafirmam essa trajetória antiga, um
testemunho material através de um conjunto de condições adversas que acabaram por

109
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

culminar nas suas características. Ao mesmo tempo em que pode revelar uma visão de
época, o edifício histórico suporta abrir um universo muito profundo de coisas a serem
refletidas. Nas percepções gerais do espaço, por exemplo, as especificidades dos
raciocínios espaciais, as tecnologias empregadas, as condições expressivas, materiais
utilizados, etc., além de um passado que não se pode mais restituir e torna-se alvo de busca
arqueológica. Ademais, outros aspectos incertos surgem para garantir a preservação, ao
programar novas funções: como se dá a alocação de novas funções frente ao presente tão
desigual?
Os edifícios inscrevem assim numerosas dúvidas, e elas servem para assinalar problemas:
procura-se lançar mão de estratégias e novas perspectivas para valorizar e conservar esse
patrimônio. Desse modo, quais ferramentas nos estão disponíveis atualmente para que
essas tarefas possam ser desempenhadas satisfatoriamente? Como vivemos um período de
revolução das tecnologias, como elas podem ampliar o campo das estratégias de
conservação nas suas mais diversas qualidades?
Esses questionamentos podem ser subsidiados por autores que discutem questões do
patrimônio, como Françoise Choay (2001), Celina Manso (2004), Wolney Unes (2001),
Gustavo Coelho (2004). Como são indissociáveis do campo social, os conceitos de Maurice
Halbwachs (2006) e James Clifford (1916) fundam referências importantes também. Já as
críticas no uso das ferramentas digitais são desenvolvidas a partir de Manuel Castells
(1999), Arlindo Machado (2000) e outros, criando interlocuções produtivas entre as várias
abordagens desses autores.
Os objetos arquitetônicos de valor histórico, como os edifícios art déco de Goiânia, são
fundamentais porque podem ser considerados objetos únicos, frágeis como uma peça de
arte digna de investigação, repletos de significados a serem reconhecidos. E aí talvez um
dos maiores desafios seja porque que não são conservados num museu, mas nos “circuitos
da vida” (CHOAY, 2001). No contexto urbano, ainda que distanciados pelos valores com que
foram edificados num determinado tempo, não deveriam se tornar estéreis, pois estão
sempre permeados por diferentes dinâmicas e complexidades da vida em geral.
Assim, muitas das referências possibilitadas pelos edifícios parecem nostálgicas, um tempo
que não se pode restituir, mas que as pessoas insistem capturar como fragmento, como
memória coletiva (HALBWACHS, 2006), ou parte de uma identidade não tão fácil de ser
reconhecida. Trazer esse passado à tona às vezes pode ser como olhar uma fotografia
antiga e nela não se reconhecer. Uma imagem desgastada pelo tempo que foi implacável
nas suas investidas e corroeu sua aparência. Ver aquela imagem antiga é buscar um
resquício, uma parte de nós que ainda é possível se transportar, por ainda sermos capazes
de nos enxergar nela.

2 ENTRE ARTE E CULTURA


Talvez um dos maiores problemas no contexto cultural seja mesmo em relação ao
tratamento dos objetos ou expressões, no modo como se dão os critérios para as escolhas
de preservar, incidindo muitas vezes em certos sistemas subjetivos de valores. Dependendo
do olhar do avaliador, os objetos culturais podem assumir diversas outras funções, e não
cumprirem atribuições exemplares de memória, patrimônio, arte edificada. Assim, se
entendermos a cultura de um modo genérico como uma interposição antrópica, a arte é uma
das suas mais privilegiadas expressões e sempre sofreu pesadas críticas porque seus
valores são extremamente flutuantes no tempo.
A arte edificada nesse caso é ainda mais complexa, porque efetiva aquele ideário de
congregar num único corpo as expressões visuais: não as distancia ou compartimenta, são
tratadas como manifestações humanas essenciais. Essa complexidade se dá também
porque, como já afirmou Bruno Zevi, a arquitetura possui como caráter essencial um
vocabulário tridimensional que inclui o próprio homem.

110
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Em função de vivermos um sistema capitalista capaz de corromper todas as esferas de


produção, do patrimônio edificado aos mínimos objetos (utensílios, ferramentas, mobiliário,
etc.), tudo parece ser capaz de adquirir novos status. Nesse sentido, os pesquisadores
lançariam mão de técnicas, conceitos e formas de abordagens específicas para a avaliação
das qualidades enumeráveis nesses edifícios.
Uma das figuras centrais no processo de desconstrução da etnografia clássica, o
antropólogo e historiador James Clifford (1916), parte do princípio que “identidade, seja
cultural ou pessoal, pressupõe atos de coleção, recolhendo pertences em sistemas
arbitrários de valor e significado. Tais sistemas, sempre poderosos e regidos por regra
mudam historicamente” (CLIFFORD, 1916, p.96) 1. Sua crítica deriva do fato de que a
civilização ocidental criou, de modo muito substancial e pregnante, um caráter de posse
(necessidade de domínio, apreensão dos objetos para catálogo, hierarquização,
taxonomias) como algo que satisfaz o ego, além do seu uso para uma exibição pública com
fins de souvenir.
Essa fala revela um trânsito muitas vezes escamoteado sob o discurso cultural e que
necessita ser averiguada com atenção. Para o autor, a distinção do sentido auferido entre
arte e cultura é dada pelos peritos (de índole duvidosa), capazes de apontar certas
singularidades em tudo aquilo que é cultural, em proveito de certos benefícios. Os principais
interessados são compostos por museus de arte, especialistas, eruditos e mercados
publicitários com fins não apenas culturais, mas principalmente mercadológicos. Isso
pressupõe ainda que a preservação de um autêntico domínio da identidade não pode ser
natural ou inocente:
Todas essas coleções incorporam hierarquias de valor, exclusões, territórios
regidos por regras pessoais. Mas a noção de que este encontro envolve a
acumulação de bens, a ideia de que a identidade é uma espécie de riqueza
(de objetos, conhecimento, memórias, experiência), certamente não é
2
universal (CLIFFORD, 1916, p.96)
Não é universal porque o tratamento do patrimônio cultural possui abordagens diferentes em
outros lugares, principalmente de reverência. No ocidente, a coleta dos exemplos é uma
estratégia para suprir uma necessidade de avaliação, de submeter o objeto ao escrutínio
máximo, fragmentando-o nas suas unidades de sintaxe. Nesse desejo de domínio, aprende-
se a selecionar, ordenar, classificar em hierarquias para fazer boas coleções. Assim, a
acumulação desdobra-se de forma pedagógica e edificante (CLIFFORD, 1916).
As críticas de James Clifford são interessantes porque abrem discussões sobre alguns
âmbitos aparentemente dissociados, mas no contexto de uma sociedade capaz de
desdobrar tudo monetariamente, precisa ser apurado com atenção. Para o autor, a distinção
entre arte e cultura é em boa parte dada por um campo de poder aberto pela palavra.
Proporcionaria assim favorecimentos, quando aponta a singularidade num conjunto extenso
de manifestações culturais, e deve estar sob atenção.
Nesse trânsito haveriam duas categorias principais de objetos catalogados: artefatos
culturais e obras artísticas. A mudança de status entre estes ocorre frequentemente, onde
uma expressão de arte pode ser vista como manifestação cultural (e nesse caso decresce
de valor, já que esse coletivo é inferior e tende a se constituir como artesanato) ou ainda
uma peça manufaturada poder ser recolhida como arte (ver Figura 01). A essa produção
juntam-se mercadorias confeccionadas em série, ou em massa, cujo valor é sempre

1
“…identity, whether cultural or personal, presupposes acts of collection, gathering up possessions in arbitrary
systems of value and meaning. Such systems, always powerful and rule governed, change historically”
(CLIFFORD, 1916, p.96).
2
“All such collections embody hierarchies of value, exclusions, rule-governed territories of the self. But the notion
that this gathering involves the accumulation of possessions, the idea that identity is a kind of wealth (of objects,
knowledge, memories, experience), is surely not universal” (CLIFFORD, 1916,p.96).

111
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

suspeito: uma arte turística, uma curiosidade, um exemplo exótico ou excêntrico e que,
desse modo, são da ordem do inautêntico.

Figura 01. O sistema arte-cultura: uma máquina de fazer autenticidade.


Diagrama de trânsitos entre objetos disputados pelo valor de patrimônio ou mercadoria.

Fonte: (CLIFFORD, 1916).

Esse sistema de produção arte-cultura desenvolve uma forma de negação entre quatro
zonas semânticas cujos sentidos mais próximos podem estar derivados do autêntico,
inautêntico, da obra de arte e do artesanato. Assim tem-se a zona das obras autênticas (1),
dos artefatos autênticos (2), das obras primas inautênticas (3) e dos artefatos inautênticos
(4) (CLIFFORD, 1916). O esquema é demonstrado e toda sua parte superior é dessa ordem
do verdadeiro, genuíno ou legítimo. A noção de autêntico é também, em outras palavras, a
de maior valia, aquilo que adquire força simbólica adequada nas condições do mercado e
igualmente dos valores patrimoniais necessários reconhecer. Essa discussão tomou
repercussões entre autores bastante respeitados, como Jacques Le Goff, Stuart Hall,
Françoise Choay, pois com a expansão dos negócios no tempo presente, as fronteiras
tornaram-se cada vez menos diferenciáveis e
os produtos técnicos da indústria adquiriram os mesmos privilégios e
direitos à conservação que as obras de arte arquitetônicas e as laboriosas
realizações da produção artesanal (CHOAY, 2001, p.209).

3 GOIÂNIA E O PATRIMÔNIO ART DÉCO


Muitos profissionais goianos lutam há anos por um maior reconhecimento do patrimônio
cultural existente na capital, arquiteturas elaboradas segundo questões funcionais
específicas e também desenvolvidas num período de um movimento de vanguarda: o art
déco. A tarefa artística num projeto de arquitetura requer reflexão pois ela não é mero
resultado de um agenciamento de volumes ou muito menos paira gratuitamente sobre sua
superfície. As escolhas foram feitas de modo consciente para exprimir um tipo de verdade
(aquela mesma de que trata Heidegger), conforme um ambiente cultural vivido nas suas
inumeráveis dificuldades e anseios, além das proposições estéticas que se quer também
assumir.
Dentro dessa expectativa, para que a cidade tivesse um caráter simbólico de poder, era
necessário dotá-la de edifícios favoráveis a esse tipo de percepção. Como desenvolver um
arquétipo de um cenário de poder e progresso? Como congregar a um sistema construtivo
uma capacidade de exprimir tal sentimento, valendo-se da dificuldade de dominar a
matéria? Ou ainda, como a matéria podia ser o suporte mais imediato para essa tal
enunciação? Para todas essas perguntas muitas respostas foram dadas e, a mais evidente
delas encontrou no art déco a solução.

112
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 02. Goiânia e a implantação da Estação Ferroviária.

Fonte: Divisão do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura de Goiânia.


Fotos de Hélio de Oliveira entre as décadas de 1950 e 1960.

Surgido em Paris na Exposição Internacional das Artes Decorativas e Industriais Modernas


de 1925, o art déco consolidou-se como proposta em várias áreas do design, decoração,
mobiliário, vestuário. Embora “...fosse criticado pelos seguidores do modernismo mais
austero de Le Corbusier e da Bauhaus, compartilhavam o gosto pela máquina, pelas formas
geométricas e pelos novos materiais e tecnologias” (DEMPSEY, 2003, p.135). Observe o
quadro resumo abaixo que trata das suas principais características:

Quadro 1 – Principais características do art déco na arquitetura


- repetição ortogonal e simétrica de geometrias com referências às
pirâmides maias, hindus, astecas ou ainda dos zigurates mesopotâmicos
geométrico (DEMPSEY, 2003), (UNES, 2001);
- abstração geométrica com forte influência da Bauhaus, do cubismo,
construtivismo e futurismo (HURLBURT, 2002);
- figuras repetidas ou sobrepostas, criando ritmo também por pequenas
variações de escala ou deslocamentos sucessivos.
- formas curvas, orgânicas e sinuosas, inspiradas em elementos da
natureza e mais próximas ao art nouveau, como os desenhos foliáceos,
decorativo ovais, etc. (DEMPSEY, 2003);
- incorpora elementos da cultura local nas geometrias lineares com
referências à arquitetura vernácula (UNES, 2001);
- acentuado constraste entre linhas retas e curvas; repetição de
elementos decorativos menores compondo frisos e baixo-relevos.
- linhas aerodinâmicas sugerem movimento, translação gradual;
streamline - geometrias assimétricas, fluidas e sinuosas (DEMPSEY, 2003);
- transições entre formas retas inserindo a curva para suavizar o
desenho, criando percurso visual entre segmentos diferentes;
- as geometrias sofrem variações, mas ainda são conservadas de modo
simples, sem excessos (HURLBURT, 2002).

Fonte: Adaptado de (DEMPSEY, 2003), (UNES, 2001), (HURLBURT, 2002).

113
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Como o art déco se acentua na conformação de volumes puros, a maioria dos edifícios de
Goiânia não era (e continua não sendo) muito reconhecido pelas pessoas. Um dos edifícios
mais representativos desse período, a Estação Ferroviária, representava uma possibilidade
de rápida transposição de fronteiras, pelo encurtamento de distâncias e a visualização de
um ambiente geográfico simplificado, não somente em voga pelo uso das tecnologias das
comunicações via rádio, como também pelos automóveis e trens (UNES, 2001).

Figura 03. Localização estratégica da Estação Ferroviária.

Fonte: Imagens modificadas a partir do banco do Google.

Assim, impregnava-se o direito de ir e vir dos indivíduos, a individualidade e igualmente uma


“lógica mercantilista sobre as idéias e as artes” (UNES, 2001, p.26). A estação ferroviária de
Goiânia foi inaugurada em 11 de novembro de 1952, sendo que o Estado já possuía entre
1912 e 1952 quarenta e seis estações no interior do Estado (COELHO, 2004). No entanto,
por inúmeros problemas políticos e financeiros, a ferrovia não deu continuidade para outros
estados (na época o governo de Juscelino Kubitschek incentivava principalmente a
construção de rodovias), e foi desativada em 1980.
Os edifícios art déco de Goiânia foram tombados pelo IPHAN em 2003 e, embora boa parte
deles tenham sido destruídos, cerca de outros 22 ainda são existentes (MANSO, 2004).
Embora caracterizem claramente uma arte edificada, esses monumentos históricos, a
exemplo de outras antiguidades são “também a descoberta da arte como atividade
autônoma” (CHOAY, 2001, p.205) em vários sentidos, mas principalmente descoberta e
aprendizado, e constituída como objeto a ser resignificado, nas conformidades às visões de
mundo do homem que se alteram no tempo:
Os edifícios do passado contribuíram para o estudo sistemático das formas
plásticas, de seu desenvolvimento e classificação. As pesquisas dos
antiquários acompanharam as dos naturalistas e participaram, com elas, da
criação de uma civilização da imagem: instrumento de análise do mundo e
suporte da memória (CHOAY, 2001, p. 206).
Por meio da arte edifícios são mediadores de outras intensidades que as formas podem
ocasionar. E ainda que caracterizem expressões relativamente simples, integram um
determinado conjunto de valor formador da identidade (CLIFFORD, 1916). Além disso, a
experiência proporcionada é assumida como nova possibilidade da dimensão tectônica da
arquitetura, a exemplo da Estação Ferroviária de Goiânia, tratada em pormenores adiante.

4 RECURSOS DIGITAIS NA CONSERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO EDIFICADO

Nas nossas atuais circunstâncias contemporâneas, é cada vez mais improvável pensar a
produção arquitetônica sem a presença das tecnologias digitais, sejam elas fotografias,
vídeos, maquetes virtuais, ambientes virtuais imersivos, etc. De modo geral, os recursos
tecnológicos vêm sendo utilizados extensivamente no planejamento, criação,

114
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

desenvolvimento, reforma e restauro da arquitetura e elas têm contribuído para uma


mudança e uma aperfeiçoamento desse pensamento projetual.
Esses instrumentos tornam-se fundamentais para ampliar os campos de investigação, bem
como na construção de novos processos a serem examinados. A técnica também se insere
no universo da cultura. Na realização dos fatos culturais, as técnicas possuem um papel
fundamental e “a arquitetura, por exemplo, sempre operou na intersecção perfeita da arte
com a técnica” (MACHADO, 2000, p.11). Os objetos da cultura, sejam eles materiais ou não,
devem ser contemplados pelos procedimentos técnicos que lhes dão forma, pelos conjuntos
de processos em especial execução, bem como da lógica material que lhes condicionam
aplicabilidade (CASTELLS, 1999).
Os instrumentos digitais podem apresentar novas modalidades de ‘ver’ o patrimônio
edificado. Por exemplo, as fotografias digitais são capazes de extrair conteúdos que
normalmente não parecem tão intensos como na realidade – são apropriadas para gerar um
escrutínio das coisas (ver Figura 3) e trazer uma problematização que reclama a urgência
dos reparos e conservação.

Figura 3. Fotografias do atual estado de conservação da Estação Ferroviária.

Fonte: Elaborado pelo autor (12 jul 2014).

Já os vídeos, ainda que restringidos por um quadro como as fotografias, estabelecem


relações dinâmicas na apreensão do espaço que registra, pois a sequência de imagens
absorve tanto os deslocamentos físicos da câmera e dos objetos filmados, como as
aproximações mecânicas da objetiva ou da lente. As fusões entre as cenas e as transições
possibilitam percorrer entre tomadas realizadas em lugares diferentes, ou seja, permitem
percorrer de uma imagem à outra para apreender o edifício segundo o ponto de vista tanto
daquele que filmou quanto de quem editou, criando assim um tipo específico de discurso em
torno da imagem (ver Figura 4).

Figura 4. Trecho de vídeo do atual estado de conservação da Estação Ferroviária.

Fonte: Elaborado pelo autor (12 jul 2014).

115
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Por outro lado, em relação às maquetes digitais, são capazes de possibilitar raciocínios
espaciais mais complexos, além de simulações tridimensionais para tomadas de decisão
mais acertadas. Os computadores acrescentam interessantes valores às representações
espaciais, para além das qualidades de uma perspectiva, porque os pontos de vista não são
fixos, ofertando assim visões mais dinâmicas da apreensão espacial (ver Figura 5).
Apesar das inúmeras facilidades proporcionadas pelas ferramentas digitais, muitas ainda
são percebidas com desconfiança pelos arquitetos. De modo geral elas cumprem diferentes
exigências de especialização requeridas pelas problemáticas projetuais: propiciam não
apenas os enfoques desses problemas, mas também a avaliação, o diagnóstico, o controle
de qualidade. Por outro lado, a importância dada não é centrar-se na tecnologia em si, mas
no modo como seus benefícios são apropriados à conservação do patrimônio histórico, onde
seus recursos são desejáveis e pertinentes. Nesse sentido, a enumeração de alguns desses
recursos úteis (que não são exclusivos na conservação desse patrimônio), ajudam no
melhor encaminhamento das diversas exigências de projeto:

Quadro 2 – Operações digitais que podem ser utilizadas na conservação do patrimônio e


suas principais características.
representação - uso de CAD no desenho técnico, elaboração de projeções planas, melhorando a
técnica características gráficas, a execução precisa e rápida, o automatismo de diversas
exigências técnicas, a produção de múltiplas cópias, etc.
modelagem - softwares para representação tridimensional, visualização sob inúmeros pontos de
tridimensional vista, simulação visual de características, recursos técnicos de desempenho e também a
inclusão de novas características entre aplicativos diferentes.
modelagem - programas gráficos baseados em parâmetros e hierarquias, desenvolvimento de
paramétrica / BIM segmentos específicos constituídos por variações válidas, componentes, conexões e
agrupamentos. Além disso, a representação digital do processo de construção para
facilitar o intercâmbio e a interoperabilidade da informação no formato digital.
recursos - softwares com recursos de algoritmos randômicos, evolutivos, etc. Também processos
generativos e de capazes de modelar as geometrias segundo simulação de melhor desempenho de
performance conforto térmico, acústico, lumínico, etc.
fabricação digital - ferramentas de fabricação computadorizada, recursos de corte laser, fresadoras para
desbaste tridimensional, impressoras laser, equipamentos de técnicas formativas tais
como dobragem, prensa, moldagem a vácuo, térmica, etc.
escaneamento 3D - varredura de dados 3D, captura de modelos realizados fisicamente e que podem sofrer
processos digitais, aplicação de novas camadas de ajustes ou mesmo impressão em
novos materiais.
ambiente virtual - ambientes virtuais acessados por capacetes, luvas, na interação com cenários que
imersivo permitem um espaço interativo, lidando com o corpo e as percepções das relações
espaciais de modo sinestésico.

Fonte: Elaborado pelo autor (22 set 2014).

Além disso, os edifícios podem ser reconstituídos, possíveis mudanças podem ser
simuladas, suas organizações ou disposições podem ser testadas sob qualquer ângulo. Pois
“...uma preocupação primordial na definição da identidade [de um edifício] deve ser a
manutenção, em certa medida, de seu passado arquitetônico e urbanístico (MANSO, 2004,
p.23). Muito em breve os administradores da cidade irão contar com todos esses recursos e
fazerem seus estudos sobre os impactos de modo mais consciente. Poderão realizar
inspeções, discutir com a população, atuar em conjunto de equipes multidisciplinares.
Assim, o patrimônio cultural é identificado com um conjunto de valores atribuídos num
sentido amplo, não especificamente nas manifestações e objetos em si, mas na dinâmica
destes como sentido de vida (CHOAY, 2001). As ferramentas digitais permitirão, cada uma
dentro de suas especificidades, aprofundamentos para investigar características e
expressões individuadoras constituintes da identidade local, muitas vezes negligenciadas
pelo poder público e pela população em geral.

116
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 5. Maquete e fotografia digital da Estação Ferroviária de Goiânia.

Fonte: Elaborado pelo autor.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas últimas décadas a preservação do patrimônio cultural ganhou importância como
assunto relevante no contexto das cidades, bem como nos projetos de governo. Esses
edifícios sempre representaram diferentes graus de interesse tanto pelo poder público
quanto pela população.
De modo geral, as cidades só podem ser descritas quando falam dos seus espaços por
meio dos monumentos, dos símbolos que nelas podem ser reconhecidos por uma grande

117
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

parcela da população (CHOAY, 2001). São entidades específicas que desempenham no


presente um valor de reverência e orgulho, assim como a reflexão pelo passado. Os
edifícios históricos relacionam-se fundamentalmente com um sentimento de pertencer à
cidade: fazer com que suas características sejam reconhecidas e preservadas (MANSO,
2004).
Por outro lado, os aparatos tecnológicos são cada vez mais especializados, cumprindo
diferentes graus de exigência e especialidade, interferindo substancialmente no modo como
calculamos as coisas. As ferramentas digitais também podem problematizar o que vemos e
como vemos, pois são mediadoras do conhecimento e operam em novas posturas
sociológicas, em fragmentos figurativos dessa realidade.
Como se pode observar, essas máquinas de enunciação simbólica não são neutras ou
inocentes (MACHADO, 2000). Ao contrário, são fundantes como forças ativas capazes de
estabelecerem e conservarem uma suposta ordem natural, por mais que realizem diversos
atravessamentos. Além disso, essas ferramentas requerem habilidades específicas para
serem usadas e esse uso peculiar influencia a percepção, além daquilo que nos é
igualmente caro, o modo de pensar.

REFERÊNCIAS
CASTELLS, M. A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e
cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
CHOAY, F. A alegoria do patrimônio. Trad. Juliano Vieira Machado. São Paulo: Estação
Liberdade: Ed. UNESP, 2001.
CLIFFORD, J. The Predicament of Culture: Twentieth Century Ethnography, Literature,
and Art, 1916. Disponível em <http://faculty.georgetown.edu/irvinem/ theory/Clifford-
OnCollectingArtandCulture.pdf> Acesso 10 jul 2014.
COELHO, G. N. Ferrovia: 150 anos de arquitetura e história. Goiânia: Trilhas Urbanas,
2004.
DEMPSEY, A. Estilos, escolas e movimentos. Trad. Carlos Eugênio Marcondes de Souza.
São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
HALBWACHS, M. A memória coletiva. Trad. Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro Editora,
2006.
HURLBURT, A. Layout: o design da página impressa. Trad. Edmilson O. Conceição,
Flávio M. Martins. São Paulo: Nobel, 2002.
MACHADO, A. Máquina e Imaginário. São Paulo: Senac, 2000.
MANSO, C.F.A. (Org.) Goiânia art déco: acervo arquitetônico e urbanístico – dossiê de
tombamento. Goiânia: Seplan, 2004.
UNES, W. Identidade art déco de Goiânia. São Paulo, Ateliê Editorial; Goiânia, Ed. da
UFG, 2001.

118
ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS PROGRAMAS PARA RESTITUIÇÃO
FOTOGRAMÉTRICA PHOTOMODELER E ORTHOWARE

Andrea Verri Bastian


PPG-AU – Faculdade de Arquitetura – UFBA, Mestranda
ablago@uol.com.br

RESUMO
A evolução de programas para Fotogrametria Digital, com algoritmos mais sofisticados, redução dos
custos desses softwares; de equipamentos; do tempo de processamento dos dados e de mão-de-
obra possibilitou a realização do levantamento de monumentos ou edifícios por uma equipe pequena
e em um curto espaço de tempo. Este artigo aborda as definições e etapas básicas da Fotogrametria
a curta distância, compara dois programas comerciais, o PhotoModeler Scanner 2012 e o Orthoware
para restituição fotogramétrica e, finaliza, apresentando o resultado de um experimento, para geração
de ortofotos de fachada plana, realizado com cada uma das ferramentas.
Palavras-chave: Fotogrametria Digital. Ortofoto. PhotoModeler. Orthoware.

Abstract
The evolution of Digital Photogrammetry programs, by using sophisticated algorithms, cost reduction
of this kind of software, as well as of the equipment involved , the time spent in processing such data
and the work force involved, has enabled that the building of monuments and buildings could be
accomplished by a reduced staff and in less time than usual. This article addresses the definitions and
basic phases of close range Photogrammetry, it compares two commercial programs: PhotoModeler
Scanner 2012 and Orthoware, which are used for photogrammetric restitution. The article ends with a
presentation, which offers results of an experiment about plain facades orthophotos made with one of
these tools.
Keywords: Digital Photogrammetry. Orthophoto. PhotoModeler. Orthoware.

1 INTRODUÇÃO

A Fotogrametria vem evoluindo rapidamente, nos últimos anos, com a disponibilidade de


softwares que utilizam sofisticados algoritmos para extração/processamento de dados, e
câmeras digitais de alto desempenho e baixo custo para a aquisição das imagens. Estes
novos programas a partir de seus processos de calibração dispensam o emprego de
câmeras métricas ou semi-métricas, simplificando o processo, de modo que o levantamento
de um monumento possa ser realizado por uma equipe pequena, em um curto período de
tempo e sem precisar de apoio topográfico, uma vez que é possível tomar a medida de
referência para a correção da escala do objeto levantado com a utilização de uma simples
trena. Atualmente, o trabalho de campo não difere muito de uma mera documentação
fotográfica que leva em consideração algumas regras específicas para a aquisição das
imagens. Todas essas melhorias proporcionaram a redução nos custos com equipamentos,
software, tempo de processamento e mão de obra.
Para o processamento dos dados levantados, ainda se requer uma maior qualificação do
usuário e dispêndio de muito tempo, uma vez que parte desse processo ainda é feito de
maneira interativa, apesar das ferramentas computacionais apresentarem, cada vez mais,
um maior grau de automação e uma interface mais amigável.

119
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Nesse artigo são explicadas as definições e etapas básicas sobre Fotogrametria a curta
distância e comparados os programas PhotoModeler Scanner 2012 e Orthoware, na
obtenção de produtos fotogramétricos. A partir dos testes realizados são discutidos os
resultados obtidos e analisadas as potencialidades de ambas as ferramentas.

2 FOTOGRAMETRIA

A Fotogrametria 1 Digital é caracterizada pelo uso de tecnologias digitais em todas as etapas


do processo desde a captura das imagens, processamento dos dados até a obtenção dos
produtos, resultando na simplificação desse processo, redução nos custos de equipamentos
e na necessidade de mão de obra especializada. Essa técnica é hoje reconhecida como um
método completo, econômico e flexível o que possibilita sua ampla utilização em aplicações
arquitetônicas (ARMESTO et al., 2008; HASSANI; RAFIEE, 2013).
Segundo Andaroodi (2013) a implementação de ferramentas para computadores pessoais
(plataforma Windows), câmeras não métricas e processos de auto calibração da câmera,
tem facilitado o uso das técnicas fotogramétricas. Entretanto, para tal é necessário o
domínio da fundamentação teórica da Fotogrametria, o conhecimento dos recursos do
programa que se pretende utilizar, bem como do fluxo de trabalho e seleção do método
adequado para a geração dos produtos desejados a partir do modelo restituído. Esses
produtos podem ser fotos retificadas, ortofotos, desenhos de restituição, fotomosaicos,
ortofomosaicos, como também, modelos geométricos de vários tipos: nuvem de pontos
(pointcloud), modelos de arestas (wireframe) e modelos de superfície (poliédrica ou TIN).
Neste trabalho, o produto considerado para a documentação de fachadas é a ortofoto,
definida como imagem obtida a partir do processamento digital de fotografias, onde são
corrigidas as distorções da projeção perspectiva e ópticas, decorrentes do processo de
captura fotográfica (GROETELAARS, 2004).

2.1 Processo Fotogramétrico

O processo fotogramétrico inicia-se com a escolha e a calibração da câmera digital a ser


utilizada nas tomadas fotográficas. Um dos principais fatores que determinam a precisão
dos produtos é a qualidade do sistema óptico (conjunto câmera e lente) utilizado, pois se
relaciona diretamente com a qualidade da calibração da câmera, onde são determinados os
parâmetros2 das distorções causadas pelas lentes. A calibração é crucial para a restituição
correta do modelo uma vez que, nos sistemas fotogramétricos, os pontos do objeto são
restituídos no espaço, por meio de algoritmos que necessitam dos parâmetros de orientação
interior da câmera, determinados através da calibração (WOJTAS, 2010).
O levantamento fotogramétrico é iniciado com o planejamento do trabalho, onde são
analisados todos os aspectos relativos à realização do trabalho de campo e o posterior
processamento dos dados no escritório, com vistas à obtenção dos produtos desejados.
A etapa seguinte compreende a tomada fotográfica, que é realizada segundo as
necessidades do modelo de restituição utilizado, das caraterísticas do programa adotado
para o processamento dos dados, e ainda das características do objeto a ser levantado.
Neste trabalho será discutido, somente, o modelo de restituição baseado em fotografias

1
A Fotogrametria pode ser definida, atualmente, pela International Society of Photogrammetry and Remote
Sensing (ISPRS) como a arte, ciência e tecnologia de se obter informação confiável de imagens a partir de
sensores imageadores e outros, sobre a Terra e seu meio ambiente, e de outros objetos físicos e processos
através de gravação, medição, análise e representação.
2
Distância focal, ponto principal, três parâmetros para distorção radial (K1, K2 K3) e dois parâmetros para
distorção tangencial (P1, P2).

120
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

convergentes, tendo em vista ser o princípio de restituição empregado nos algoritmos dos
programas analisados.
No modelo de restituição convergente a determinação das coordenadas dos pontos do
objeto no espaço tridimensional, será estabelecida pela intersecção dos raios que partem
da representação do ponto na imagem, passam pelo centro de projeção e atingem o objeto.
A precisão do processo e a orientação das imagens dependerão do tamanho do pixel da
imagem, escala da foto e distância entre as posições da câmera (KOCH; KAEHLER, 2009).
Nessa etapa, o objeto é fotografado a partir de (no mínimo) três ângulos diferentes (um
ortogonal e dois oblíquos), para que se possa processar a restituição de cada ponto de
interesse. Grussenmeyer (2002) recomenda que as tomadas fotográficas sejam feitas de
maneira que se tenha cobertura total do objeto; que a geometria interna da câmera seja
constante (distância focal fixa); sejam elaborados croquis da fachada mostrando seus
principais elementos; e seja medida uma distância entre os pontos que serão usados para a
correção da escala do modelo de restituição.
De acordo com Wojtas (2010) a precisão em um levantamento depende de vários fatores,
entre eles: imagens com resolução maior permitem a localização mais precisa dos pontos;
quando os parâmetros internos da câmera são conhecidos resultam em intersecção mais
exata dos raios e mesmo quando a captura das fotografias é feita com tempo de exposição
menor (velocidade maior do obturador), deve-se utilizar o tripé para evitar vibrações e
alteração na nitidez da imagem.
A etapa seguinte, realizada em escritório, é o processamento dos dados a partir das
informações coletadas em campo (fotografias) onde, utilizando programas específicos para
restituição fotogramétrica, é feita a geração do modelo geométrico. As fotografias são
carregadas no programa, são informados os parâmetros da câmera (orientação interna), e
são identificados os pontos homólogos para a orientação das fotos (orientação externa).
Conforme visto em Mikhail (2001), a orientação externa tem como função estabelecer o
feixe de retas, resultante da orientação interna, determinando a posição e rotação da
câmera referenciada ao sistema de coordenadas do espaço objeto. A partir desse ponto, os
algoritmos do programa já possuem condições de calcular a restituição do objeto.
A última parte do processo é a orientação absoluta do modelo; nessa etapa se estabelece a
relação entre o sistema de coordenadas do espaço do modelo e o sistema de coordenadas
do espaço objeto, através da correção da escala do objeto (utilizando a medida tomada no
levantamento) e determinação dos eixos (x, y e z) a partir de duas direções bem definidas
nas fotos. Assim, com o modelo geométrico do objeto restituído a partir das fotos, é possível
gerar e exportar os produtos desejados.
Os experimentos aqui descritos aplicam-se ao levantamento de fachadas planas3 e para tal
foram utilizadas fotografias do centro histórico da cidade de Mucugê na Chapada
Diamantina - Bahia, localizada a 480 km de Salvador.

3 PROGRAMAS COMERCIAIS PARA FOTOGRAMETRIA

Vários são os programas disponíveis para utilização em Fotogrametria 4, cada um com suas
especificidades e peculiaridades. Para esse trabalho foram escolhidos o PhotoModeler
Scanner, por se tratar de um programa existente desde a década de 1990, tendo sua

3
Qualquer uma das faces de uma edificação onde os principais elementos de sua composição se encontram
praticamente um único plano, ou seja, as profundidades dos elementos podem ser desprezadas sem que
ocorram erros significativos.
4
ZScan (Menci Software), Z-Map (Menci Software), UMap (Menci Software), Photomodeler Scanner (EOS
System), Orthoware (Metria Digital S.L.), Image Master (Topcon), Photoscan Pro (Agisoft), Image Modeler
(Autodesk), entre outros.

121
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

precisão e eficiência testada em outros trabalhos realizados pelo LCAD5 (GROETELAARS,


2004; NOGUEIRA, 2010). O segundo programa é o Orthoware, citado em vários trabalhos,
como: Martos e colaboradores, (2008); Jordá e colaboradores (2011); Perez e
colaboradores, (2011); Almagro, (2013), entre outros, como sendo um programa de fácil
utilização onde é possível verificar visualmente (pela sobreposição das imagens) a
qualidade parcial dos resultados, permitindo que usuários não especializados possam fazer
correções triviais e, gerando dados precisos.
Para a comparação, foram definidos alguns dos pontos a partir das características gerais
mais importantes dos dois programas, de maneira que englobem todos os aspectos do
processo envolvido, conforme descrito a seguir:
• Interface homem-máquina: analisada de forma subjetiva a usabilidade das duas
ferramentas;
• Calibração da câmera: descrição das possibilidades apresentadas por cada
programa e comparação dos parâmetros obtidos;
• Número de etapas do processo: enumeradas todas as etapas requeridas para a
geração de ortofotos;
• Produtos: descrição dos produtos e formatos de dados possíveis para exportação do
dos mesmos;
• Qualidade e precisão dos resultados: analisada através do desenho de restituição da
fachada, realizado por vetorização interativa empregando o AutoCAD.

3.1 PhotoModeler Scanner

O PhotoModeler Scanner foi desenvolvido pela empresa canadense EOS System Inc.,
sendo indicado, conforme informações do fabricante, como ferramenta de modelagem em
arquitetura, preservação, conservação e aplicação em gestão de recursos culturais,
gerando modelos geométricos, com ou sem texturas, fotos retificadas, ortofotos, entre
outros, que podem ser exportados em diversos formatos.
É necessário identificar a forma do objeto marcando sobre a imagem suas feições e a
seguir a identificação dos pontos homólogos nas várias imagens para orientação é feita de
maneira interativa, pelo operador, enquanto a orientação interior (calibração da câmera) é
automatizada. Somente após esses procedimentos, pode-se gerar o modelo geométrico do
objeto.

3.1.1 Calibração da câmera

Para esse processo o programa fornece duas opções de folhas de calibração disponível,
para impressão, através do menu File – Print Calibration Sheet (Single Sheet Calibration e
Multi Sheet Calibration). As folhas de calibração são fotografadas conforme as instruções
do programa, as fotos são carregadas e os pontos homólogos são identificados
automaticamente nas diversas imagens, fornecendo assim o arquivo de calibração do
conjunto, câmera e lente, que será utilizado posteriormente na restituição fotogramétrica.
Para validar a qualidade dessa calibração é importante que sejam verificados os valores de
alguns aspectos como: Last error - menor do que 1, Máximo RMS (Root Means Squared) -
menor que 0,5 pixel, Máximo residual - menor do que 1,5 pixels, sendo ideal 1 pixel. Esses
parâmetros estão disponíveis no relatório Project Status Report (Menu Project).

5
Laboratório de Computação Gráfica Aplicada à Arquitetura e ao Desenho – FAUFBA.

122
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

3.1.2 Restituição
As fotografias da fachada são carregadas no programa e, para se obter a orientação
externa, é necessário identificar os pontos homólogos em pelo menos duas fotos; na
maioria dos casos após a identificação de seis pontos homólogos já é possível realizar a
orientação das fotografias. Quando a fotografia está orientada, apresenta o símbolo ( ) no
canto superior direito da imagem. A partir disto, são criadas as superfícies e é feito o
processamento para geração do modelo geométrico, já com as texturas reais obtidas
através das fotos, conforme a Figura 1.
A próxima etapa é a correção da escala e orientação do modelo, realizada através da
identificação de dois pontos que atendam aos seguintes critérios: estejam visíveis em várias
fotos e localizados em uma direção horizontal ou vertical bem definidas. É importante se
verificar a qualidade dos pontos e os erros residuais, um levantamento com uma qualidade
alta teria um residual máximo de 1,0 pixel, mas essa precisão pode ser afetada por fatores
como a qualidade da calibração da câmera, os ângulos entre as tomadas fotográficas e
qualidade da orientação da foto (PhotoModeler, 2014). Com a conclusão de todas essas
etapas a ortofoto é gerada.

Figura 1 – Modelo geométrico com superfícies

Fonte: Restituição no PhotoModeler gerada por Andrea Bastian, 2014.

3.2 Orthoware
O programa Orthoware é desenvolvido pela empresa espanhola Metria Digital, sendo
comercializado a partir de 2008. Segundo informações constantes no manual do usuário,
permite a geração de ortofotos de maneira simples e fácil. Foi desenvolvido para maximizar
o potencial da Fotogrametria digital, a partir de fotografias convergentes, empregando
algoritmos avançados para a produção de resultados precisos e com maior grau de
automação. Isto contribui para a simplificação do processo como um todo, de modo a torna-
lo mais rápido.
O fluxo de trabalho consiste em carregar as fotos no programa, relacionar os pontos
homólogos (Figura 2a) nas imagens, o que pode ser feito manualmente, ou através de um
processo automatizado, onde o próprio sistema através de algoritmos, analisa as
características de uma imagem e as relaciona com os pontos homólogas nas imagens
restantes formando pares de pontos com precisão de 1-3 pixels (MARTOS et al., 2008).
Para a orientação interna não é necessário o arquivo de calibração da câmera, pois o
sistema utiliza os parâmetros obtidos através do arquivo EXIF (padrão para armazenamento
de metadados com as configurações da câmera na captura da imagem) e os pontos
homólogos, sendo que a qualidade dependerá da maneira como foi feita a correlação
desses pontos. Essa calibração pode ser única para todas as fotografias ou várias
calibrações para cada uma das fotografias. É importante ressaltar que é necessário um
mínimo de oito pontos homólogos, em pelo menos três fotos, para que se possa executar a
orientação.

123
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Após executar a orientação, é necessária a validação de sua qualidade o que pode ser feito
através das tabelas 3DPoints Form e Image Status Form disponíveis no menu View –
Forms. Devem ser verificados os valores dos seguintes parâmetros: Photo/Points (V) -
mínimo 2, ideal 3 ou mais pixels, Mean Residual - máximo 3 pixels, Residual Max - máximo
5 pixels, Max. Angle - valor mínimo 30º, Coverage (Image Status Form) - 80%.
Após a orientação, é gerada uma nova viewport (3DScene) onde são mostrados os pontos
no espaço e o posicionamento da câmera nas tomadas fotográficas (Figura 2b).

Figura 2 – Identificação dos pontos homólogos (a); Janela 3DScene (b)

(a) (b)
Fonte: Restituição no Orthoware gerada por Andrea Bastian, 2014.

O passo seguinte é a definição da orientação absoluta do modelo, onde é definido um


sistema de referência - rotação (eixos x, y e z) do modelo geométrico, o que pode ser feito
através da seleção de três pontos (3D), de uma distância conhecida ou pela importação de
coordenadas topográficas. Nesse trabalho foi utilizada a definição por três pontos, sendo
que o primeiro selecionado define a origem e os outros dois a direção dos eixos X e Y; o
programa utiliza-se desses pontos para calcular a direção do eixo Z (regra da mão direita). A
partir daí, já é possível gerar as superfícies e exportar a ortofoto.
O Orthoware permite a geração de superfícies através de nuvem de pontos (Point Cloud
Surface), superfícies definidas através de duas ou mais polilinhas (Loft), malha triangular
(Meshes), plano de retificação (Rectification Plane) gerado a partir de três ou mais pontos,
conforme visto na Figura 3, foi a opção utilizada para esse estudo.

Figura 3 – Plano de retificação da imagem

Rectification plane
Clipping plane

Projection plane

Fonte: Restituição no PhotoModeler gerada por Andrea Bastian, 2014.

A geração da ortofotos é feita através do menu Project – Generate Orthophoto onde é


necessário definir a(s) geometria(s) utilizada(s) para exportação (nuvem de pontos, plano de
retificação, malhas, etc.), a fotografia utilizada, a resolução da imagem resultante (pontos
por polegada). Para a opção Use clipping plane – é exportado tudo o que estiver contido
entre clipping plane e projection plane (Figura 3).

124
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

4 ANALISE DE RESULTADOS

Para o estudo comparativo entre os dois programas, foram utilizadas três fotografias (Figura
4), obtidas com câmera digital Nikon D300, resolução 4288 x 2828 pixels, sensor CMOS
de 23,6 x 14,8 mm, e utilizando objetiva de 12 mm de distância focal nominal. A seguir
serão comparados os programas a partir dos tópicos descritos anteriormente.

Figura 4 – Fotografias da fachada (Mucugê – BA)

Fonte: Arivaldo Amorim, 2013.

4.1 Interface homem-máquina

A interface gráfica é essencial para comunicação entre operador e máquina, tornando mais
fácil o aprendizado e a utilização do sistema, influenciando na produtividade. É considerada
amigável quando existe facilidade de uso e aprendizado, possui uma taxa de erro mínima e
é de fácil recordação (LUCENA, 1994). Também devem ser considerados os recursos
mínimos de hardware e do sistema operacional, exigidos pelas ferramentas. O Quadro 1
mostra a comparação entre os dois programas.

Quadro 1 – Comparação de requisitos de hardware e interface gráfica


PhotoModeler Orthoware
• Processador – Pentiun 800 Mhz, • Processador - Core 2 Duo or
• Memória RAM – 512 Mb, Athlon X2
• Monitor com resolução 1024 x • Memória RAM - (4 Gb ou mais
768 screen with 24 bit color, para sistemas 64 bits, e mais de 3
• Windows 8, Windows 7 (32 bits Gb para 32 bits,
Exigências mínimas de hardware e and 64 bits), Vista (32 bits and 64
6 • Monitor com resolução1920 x
sistema operacional bits), Windows XP (32 bits). 1200 e 32 bits de profundidade de
cor,
• Windows XP SP3, Windows Vista
SP2, Windows 7 (32 or 64 bits),
• Mouse com scrool.
Disponível no menu Help Disponível no menu Help
• Arquivo de ajuda listado em • Manual em formato pdf
Existe Help e documentação tópicos, (necessário acesso à internet),
• Vídeos e tutorias online • Lista de teclas de atalho.
(necessário acesso à internet).
• Somente Undo – disponível no • As duas funções – disponíveis no
Possui funções desfazer e refazer
(Undo e Redo) menu Edit, ícone ( ) e atalho menu, ícones ( ) e atalhos
CTRL+Z. CTRL+Z e CTRL+Y.
Usa convenções utilizadas nas
• Menus principais e ícones • Menus principais e ícones
principais plataformas computacionais
• Permite que usuários avançados • Permite que usuários avançados
utilizem teclas de atalho. utilizem teclas de atalho.
Flexibilidade e eficiência de uso • Na janela de visualização de fotos
permite que estas sejam
posicionas de acordo com a

6
Fonte: www.photomodeler.com/kb/entry/21/ e www.orthoware.es/eng/orthoware.asp. Acesso em: jul. 2014.

125
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

estação no momento da captura.


Fonte: Elaborado pelo autor

4.2 Calibração da câmera

Em relação à calibração da câmera existem significativas diferenças entre os processos


utilizados nos dois programas. Enquanto no PhotoModeler existe a necessidade de um
arquivo de calibração para que se possa gerar um modelo mais preciso, no Orthoware a
calibração é feita a partir da identificação dos pontos homólogos, com a possiblidade de
utilizar uma única calibração para todas as fotos ou várias.

4.3 Etapas do processo

As etapas de trabalho em cada uma das ferramentas estão listadas no quadro a seguir

Quadro 2 – Fluxo de trabalho PhotoModeler e Orthoware


PhotoModeler Orthoware
1 - Determinação dos parâmetros de orientação interna da O X
câmera (calibração),
2 – Importação das imagens, O O
3 – Traçar sobre as fotos as principais características do objeto, O X
4 – Identificação dos pontos homólogos, O O
5 – Orientação das imagens, O O
6 – Criação das superfícies, O O
7 – Geração do modelo, O X
9 – Definição da escala e sistema de referência, O O
8 – Exportação da ortofotos. O O

Fonte: Elaborado pelo autor

O fluxo de trabalho difere nos dois programas, para a identificação dos pontos homólogos. O
Orthoware possui a vantagem de permitir a identificação automática de pontos através da
ferramenta Image Features – Find Features e pares de pontos (Pair Features) sem que
antes as imagens sejam orientadas. Vale observar que essa ferramenta requer um ângulo
de aproximadamente 15º entre as tomadas fotográficas. Na geração do modelo geométrico
após a identificação dos pontos homólogos, o PhotoModeler produz um modelo de aresta
com opção de textura, enquanto que no Orthoware existe a necessidade de criação de
superfícies.
A exportação da ortofoto é feita de maneira mais direta no PhotoModeler, sem necessidade
de muita interação do usuário, já no Orthoware é necessário a definição de alguns
parâmetros para exportação do produto desejado.

4.4 Capacidade de exportação de dados


É necessário que o software possa exportar dados em vários formatos, para que sejam
utilizados em outros programas e aplicações. O PhotoModeler exporta seus modelos nos
formatos dxf, 3ds, wrl, obj, txt, igs, 3dm, stl, ma, kml, kms, ms, csv, las, e fbx, e as ortofotos
nos formatos jpg, jpeg, tif, bmp, tga, png, pcx, tga, png, pct, psd, iff, cal, sgi, rgb. Já o
Orthoware exporta o modelo no formato obj, dxf, e as ortofotos no formato bmp.

126
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

4.5 Qualidade dos resultados

Uma grande dificuldade encontrada na utilização das duas ferramentas foi a geração da
superfície do telhado com textura. Comparando-se as ortofotos geradas pelos dois
programas, conforme Figura 5a, no processo de geração da superfície (Rectification Plane)
utilizado no Orthoware, as distorções de perspectiva foram mantidas, sendo eliminadas
somente com a geração de superfície através de malha (Mesh) (Figura 5b). Como observa-
se na Figura 5c, no caso do PhotoModeler, a textura do telhado foi perdida. O problema na
qualidade da textura pode ser atribuído a utilização de um número reduzido de fotografias.

Figura 5 – Ortofoto Orthoware - Rectification Plane (a) Mesh (b) PhotoModeler (c)

(a) (b) (c)


Fonte: Andrea Bastian, 2014

Para comparar a precisão dos resultados, as ortofotos geradas nos dois programas, foram
importadas no AutoCAD 2014, realizada a vetorização interativa e comparada a precisão a
partir de uma dimensão tomada na etapa de levantamento em campo (Figura 6).

Figura 6 – Vetorização Interativa Orthoware (a) PhotoModeler (b) comparação (c)

(a) (b) (c)


Fonte: Andrea Bastian, 2014

Outro ponto importante na comparação das ferramentas, não considerado nesse trabalho, é
o tempo dispendido com a utilização dos programas, variável que intervem no custo do
processo como todo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo discutiu, de maneira abrangente, as potencialidades dos programas


PhotoModeler e Orthoware comparando, através dos testes realizados, as principais
dificuldades encontradas, como também, avaliou a qualidade dos resultados e as limitações
das ferramentas.
Apesar dos resultados satisfatórios encontrados, faz-se necessário, além do conhecimento
sobre a aplicação das ferramentas, o domínio das técnicas de aquisição de imagem e de
restituição fotogramétrica para a utilização dos programas.

127
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

REFERÊNCIAS

ALMAGRO, A. Surveying world heritage Islamic monuments in North Africa:


Experiences with simple photogrammetric tools and no previous planning. In:
INTERNATIONAL CIPA SYMPOSIUM, 24., 2013, Strasbourg. Proceedings… Strasbourg,
ISPRS, 2013.
ANDAROODI, E. Digital 2D Data Acquisition of Planar Frontages of Heritage Buildings.
In: Scientific Journal of Architecture v. 3, p. 92–101, 2013.
ARMESTO, J. et al. Monitoring and assessing structural damage in historic buildings.
In: The Photogrammetric Record, Beijing, 2008. Proceedings… Beijing, ISPRS, 2008.
GROETELAARS, N. J. Um estudo da Fotogrametria Digital na documentação de formas
arquitetônicas e urbanas. Salvador: UFBA, 2004. 280 p. Dissertação (Mestrado) –
Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2004.
GRUSSENMEYER, P., et al. Architectural photogrammetry: basic theory, procedures,
tolls. In: ISPRS COMMISSION III SYMPOSIUM, 3., 2002, Áustria. Proceedings… Austria,
ISPRS commission III, 2002.
HASSANI, F.; RAFIEE, M. An experience in cultural heritage documentation in Iran using a low-
cost technique. In: INTERNATIONAL CIPA SYMPOSIUM, 24., 2013, Strasbourg. Proceedings…
Strasbourg, ISPRS, 2013.
JORDÁ, F. et al. Close range photogrammetry and terrestrial laser scanning: high
resolution texturized 3d model of the chapel of the kings in the Palencia Cathedral as
a case study. In: INTERNATIONAL CIPA SYMPOSIUM, 24., 2011, Prague. Proceedings…
Prague, ISPRS, 2011.
KOCH, M.; KAEHLER, M. Combining 3D Laser-Scanning and Close-Range
Photogrammetry - An Approach to Exploit the Strength of Both Methods. In: Computer
Applications to Archaeology, 2009, Williamsburg. Proceedings… , Williamsburg, CAA,
2009.
LUCENA, F.; LIESENBERG, H. Interfaces Homem-Computador : Uma Primeira
Introdução. Projeto Xchart. Disponível em: < http://www.ic.unicamp.br/~reltech/1994/94-
07.pdf>. Acesso em: jul. 2014.
Manual Photomodeler. PhotoModeler 2004.

Manual Orhtoware, Metria 2010.

MARTOS A. et al. Image based architectural true-orthophotographs. In: International


Symposium on Remote Sensing of Environment, 21., 2008, Sidney. Proceedings… Beijin,
ISPRS, 2008.
MIKAHIL, E., BETHEL, J. S.,MACGLONE, C.J. Introduction to modern photogrammetry.
New York: John Wiley & Sons, 2001. 479p.
NOGUEIRA, F. M. S. A representação de sítios históricos: Documentação
arquitetônica digital. Salvador: UFBA, 2010. 217 p. Dissertação (Mestrado) – Programa de
Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura, Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 2010.
PÉREZ, A. et al. Digital reconstruction of the church of San Ildefonso in Zamora
(Spain) using Orthoware. In: International Archives of the Photogrammetry, Remote
Sensing and Spatial Information Sciences, Trento, 2011. Proceedings…Trento, ISPRS,
2011.

128
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

WOJTAS, A. M. Off-the-shelf close-range photogrammetric software for cultural


heritage documentation at stonehenge. International Archives of Photogrammetry,
Remote Sensing and Spatial Information Sciences,2010, Newcastle. Proceedings…
Newcastle,ISPRS, 2010.

129
REPRESENTAÇÃO DA OBRA DE ANDREA PALLADIO COM O
USO DE MODELOS TRIDIMENSIONAIS

Profa. Arq. Dra. Monika Maria Stumpp


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
monistumpp@hotmail.com

RESUMO
O presente trabalho apresenta o uso de modelos computacionais tridimensionais para documentar a
obra do arquiteto renascentista Andrea Palladio. A contribuição original fica por conta da
documentação de doze obras residenciais por meio de maquetes computacionais. Na bibliografia
sobre Palladio, poucos são os estudos que apresentam reconstruções tridimensionais completas de
alguma obra. Ao apresentar a reconstrução tridimensional de um número significativo de obras, o
presente trabalho contribui para o registro da obra de Palladio e elabora um panorama gráfico
quantitativo que pretende tornar explícitos determinados aspectos do processo de projeto, os quais
dificilmente seriam alcançados pelo recurso textual. A reunião de informações para o trabalho teve
início com uma pesquisa documental, que buscou a documentação técnica, junto a documentos
originais e reproduções. De posse dos documentos, as obras selecionadas foram reconstruídas de
modo bi e tridimensional. O uso do software SketchUp foi considerado apto para fins de modelagem
nesta pesquisa, por sua facilidade de manuseio e pela agilidade nos modelos tridimensionais
gerados. A representação dos edifícios por meio de modelos tridimensionais possibilitou o
entendimento espacial e formal dos projetos. Com o modelo tridimensional do conjunto foram
observados aspectos relativos à implantação dos edifícios e da volumetria dos espaços internos.
Palavras-chave: Modelos tridimensionais. Arquitetura residencial. Andrea Palladio.

ABSTRACT
This work presents the use of three-dimensional models to document the work of Renaissance
architect Andrea Palladio. The original contribution is on account of twelve residential buildings
through computational models. In the literature on Palladio few studies feature full three-dimensional
reconstructions of the works. At present the three-dimensional reconstruction of a significant number
of works, this paper contributes to the record of the work of Palladio and produces a quantitative
graphical overview that aims to make explicit certain aspects of the project that would hardly be
achieved with textual resources. The work began with the documentary research, which sought the
technical documentation - original documents and reproductions. With the documents, the selected
works were rebuilt in bi and tri dimensional way. Using the SketchUp software was deemed suitable
for modeling purposes in this research, for their ease of handling and agility generated three-
dimensional models. The representation of buildings by three-dimensional models enabled the
understanding of the spatial and formal designs. With the three-dimensional model of all aspects of
the layout of buildings and volume of the internal spaces were observed.

Keywords: Three dimensional models. Residential Architecture. Andrea Palladio.

130
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

1 INTRODUÇÃO
A leitura de edifícios através de modelos tridimensionais computacionais vem sendo
utilizada para estudar projetos e ou objetos arquitetônicos de determinados estilos ou de
autoria específica de um arquiteto (Alvim, 1999; Lancha, 2010; Tagliari, 2012; Costa, 2011).
Um módulo tridimensional pode ser utilizado para representação e simulação do aspecto
externo e interno do espaço,
 bem como para simulação e análise do espaço do ponto de
vista funcional, formal, estrutural, térmico, acústico e luminoso. Esses recursos têm
incentivado e renovado o interesse acadêmico e profissional em utilizar a modelagem
tridimensional para registro e estudo da arquitetura e do patrimônio arquitetônico. São
trabalhos que, sob diversos aspectos, corroboram o potencial de se construírem, a partir do
instrumental gráfico, diálogos e aproximações entre os campos da teoria, da prática
projetual e da crítica. Entende-se que os modelos podem fornecer dados mais claros sobre
os projetos que estão ‘ocultos’ nos textos e nas representações gráficas bidimensionais.
A modelagem tridimensional de edifícios históricos constitui um novo campo de
conhecimento, que vem atuando como uma importante ferramenta para a representação do
passado. O presente trabalho investiga o uso de modelos computacionais tridimensionais
para documentar a obra do arquiteto renascentista Andrea Palladio. A contribuição original
fica por conta da documentação de doze obras residenciais por meio de maquetes
computacionais. Na obra de Palladio, esse método possibilita compreender e comparar
visualmente desenhos e imagens, além de analisar mutações e repetições, na busca de
novos significados, leituras e interpretações.
Salienta-se que, na bibliografia sobre Palladio, inexiste documentação gráfica completa das
obras. Os registros existentes limitam-se a apresentar os projetos com desenhos
bidimensionais, muitas vezes retratando apenas as plantas baixas dos pavimentos e os
cortes (Zorzi, 1969; Burns, 1975; Lewis, 1981). Poucos são os estudos que apresentam
reconstruções tridimensionais completas de alguma obra.
A metodologia adotada na pesquisa envolveu a produção de plantas, cortes e elevações, a
partir das quais foram executadas as representações tridimensionais da volumetria externa
e do espaço interno, utilizando o software SketchUp.
Através da execução dos modelos é realizada a leitura do espaço interno, visando verificar a
presença de modulações, malhas, eixos, progressões numéricas e outros artifícios que
caracterizem o intento de coordenar o projeto por meio de parâmetros vinculados à tradição
clássica, como proporção e simetria. Analisa-se a variedade formal das unidades a partir do
tipo de forro – se plano, abobadado ou composto – e de sua altura – se simples ou dupla–.
Observa-se a relação entre as medidas nos planos vertical e horizontal, procurando uma
possível correspondência entre as relações dimensionais e formais dos espaços. Pela
análise dos planos de base e de cobertura, também se procura verificar a experiência
espacial gerada nos edifícios.

2 A OBRA DE ANDREA PALLADIO: UM BREVE RELATO


O arquiteto italiano Andrea Palladio tem uma produção ampla e diversificada, envolvendo
143 projetos, incluindo estudos e obras edificadas. A arquitetura residencial representada
pelas villas constitui a maior parte do trabalho (Burns, 1975, p. 163). Elas são construções
fora dos limites da cidade, projetadas para o prazer e o descanso de seu proprietário,
podendo ou não estarem vinculadas ao trabalho agrícola. Assim como os escritores do
Renascimento, Palladio utiliza o termo ‘villa’ para indicar a inteira propriedade fundiária da
qual a residência faz parte, além dos diversos edifícios pertinentes à produção agrícola.
A habitação do proprietário é chamada de ‘casa de villa’ e admite duas formas de subdivisão
da planta. A primeira ocorre em sentido vertical, que determina um espaço central e duas
alas laterais simétricas. A outra subdivisão ocorre no sentido horizontal do bloco e
estabelece quatro faixas, correspondentes aos cômodos laterais e ao pórtico, quando

131
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

ressaltado do volume. Dentro dessa ‘malha espacial’, se desenvolve o discurso das partes e
a relação entre largura, comprimento e altura, estabelecida no interior de cada um dos
cômodos e entre um cômodo e outro.
Essas residências conquistaram a estima de seus contemporâneos e dos pósteros, a ponto
de um grande conjunto delas ser hoje Patrimônio da Humanidade da UNESCO. O grande
número de projetos do mesmo gênero, elaborado por um arquiteto tão significativo para a
história e prática da arquitetura, suscita a curiosidade e a necessidade de um levantamento
mais apurado dessa produção.
Parte dessa produção é apresentada, por meio de textos e desenhos, no segundo livro do
tratado Il quattro libri dell’architettura. Além dos desenhos disponibilizados no tratado,
Palladio produziu muitos outros que não foram publicados, os quais apresentam tanto
esboços das fases iniciais como propostas definidas.
O conteúdo dos desenhos se limita a definir, da maneira mais completa, o objeto físico, não
o meio ambiente ou o entorno imediato, nem as qualidades espaciais ou a imagem visual a
partir de determinado ponto de vista. São desenhos mensuráveis em suas verdadeiras
dimensões, sem alteração de ângulos. Trata-se, acima de tudo, de desenhos arquitetônicos
sujeitos a precisas convenções que estavam sendo definidas no Renascimento (plantas,
fachadas, cortes e detalhes), evitando qualquer outro tipo de imagem que distorcesse o
objeto ou o desvirtuasse de sua função arquitetônica. A grande quantidade de imagens no
tratado mostra que o arquiteto estava profundamente convencido da eloquência e da
prioridade das imagens para entender a arquitetura, superior a qualquer outra forma de
explicação discursiva.
Das vinte e três villas constantes no segundo livro do tratado, seis são edificações isoladas:
villas Capra, Cornaro, Foscari, Pisani Montagnana, Sarego Miga e Valmarana Lisiera.
Nesses casos, o volume central destina-se à casa patronal, cujo formato varia de acordo
com a configuração do pórtico de entrada, que pode estar incorporado ao volume da
residência, ressaltado ou recuado. Dezessete projetos apresentados no segundo livro
possuem, além da casa patronal, alas destinadas às atividades de serviço. As villas com
alas introduzem novas variantes, a partir da inserção destes elementos que podem ser
retos, curvos, em ‘L’, ‘U’ e formando pátios fechados. O volume da casa patronal situava-se
sempre no centro da composição, disposto junto ao eixo longitudinal de simetria e podendo
estar alinhado à frente ou atrás das alas. Alas posteriores poderiam justificar a presença de
um segundo pórtico, na parte de trás do volume.
A casa di villa admite, como prerrogativa inicial, duas formas de subdivisão tripartida da
planta. A primeira ocorre em sentido vertical, que determina um espaço central e duas alas
laterais simétricas. Nesse espaço central, é situada a loggia e a sala central; as duas alas
laterais recebem apartamentos com número igual de cômodos. A outra subdivisão ocorre no
sentido horizontal do bloco e estabelece quatro faixas, correspondentes aos cômodos
laterais e ao pórtico, quando ressaltado do volume. Além disso, ocorre no sentindo da altura
da casa, que geralmente tem três níveis: semienterrado ou ao nível do solo, piano nobile e
depósito de grãos. Segundo Lancha (2010, p.223), dentro dessa ‘malha espacial’,
desenvolve-se o discurso das partes e a relação entre largura, comprimento e altura,
estabelecida no interior de cada um dos cômodos; entre um cômodo e outro; de todos com o
volume inteiro edificado.
Seis partes respondem pela composição da planta da casa di villa: 1.sala central;
2.cômodos laterais (stanze); 3. galeria (loggia); 4. escada interna e externa; 5. nível
semienterrado; 6. celeiro. No centro da composição está disposto o espaço principal da
residência, a sala, ligado ao pórtico de entrada e circundado por espaços privados,
destinados ao proprietário da residência e sua família. Nas laterais, também estão as
escadarias de acesso ao pavimento base, destinado ao serviço; ao mezanino, reservado
aos depósitos; ou ainda ao segundo andar, destinado aos apartamentos e às salas de
dormir.

132
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

A sala é o maior espaço da residência, servindo às refeições do dono e de sua família.


Frequentemente, era utilizada para atividades que necessitassem de espaço considerável,
como banquetes, danças, performances teatrais e jogos (Figura 1). Nas casas grandes,
serviria como o maior espaço de recepção e o primeiro espaço entregue ao cerimonial.
Assim que começou a ocupar posição central nos edifícios, tornou-se também um espaço
de passagem, por onde se dava o acesso aos demais compartimentos (Thornton, 1991).

Figura 1 – Sala da Villa Pisani Bagnolo

Fonte: Autora, 2008

A loggia ou pórtico é um espaço de grande importância para a villa, por ser o primeiro lugar
de acesso à casa de villa. Seu uso é muito flexível: funciona como recepção de empregados
e visitantes. Através dela se faz a distribuição ao interior da casa e, como refere Palladio, é
também um lugar para passear e fazer refeições (Palladio, 1997, Livro I, cap. 21, p. 56).
Poderia servir como passagem, ligando partes adjacentes da edificação, e estar posicionada
nos quatro lados da edificação, quando fosse isolada, de modo que o usuário poderia, de
acordo com a estação, escolher onde permanecer. Proporcionava a presença do espaço
exterior dentro da edificação e, em alguns casos, conectava-se ao jardim.
A grande maioria das loggias apresenta-se incorporada à residência ou projetada para fora
do corpo da edificação. Quando incorporada, tende a ser de menor proporção, ao contrário
de quando é projetada, o que lhe permite ter maior proporção. Observa-se que esses
espaços não possuem configurações recorrentes nas obras de Palladio, que opta por uma
ou outra, conforme a necessidade do projeto.
Após a localização da sala e das loggias, o arquiteto preenche a planta baixa com os
aposentos, geralmente dispostos nas laterais da sala principal. Eles são denominados por
Palladio stanze ou cômodos laterais e propostos em três tamanhos diferentes: maiores,
médios, menores (Palladio, 1997, Livro I, cap. 21, p.57).
Os cômodos são multifuncionais, podendo abrigar uma sala de inverno (mais fácil de
aquecer por ser menor que a sala principal), quartos de dormir, escritórios, saletas
privativas, escadarias, etc. Cômodos menores tinham mezaninos que serviam como
depósitos. Com poucas exceções, havia três cômodos em cada lado da sala.
Em geral, os cômodos apresentam diferentes dimensões, variando de uma villa para outra,
conforme o formato da sala. A cada forma e proporção do cômodo corresponde uma
abóbada ou um teto plano, como indicado por Palladio no tratado (Palladio, 1997, Livro I,
cap. 21, p.57). Ele recomenta seis tipos de abóbadas: aresta, berço, segmentada, circular,
de luneta, abatida.

133
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

3 DA MODELAGEM TRIDIMENSIONAL

3.1 Seleção dos objetos de estudo

A escolha dos objetos de estudo partiu dos projetos constantes no segundo livro do tratado
de Palladio e que foram edificados. Considerou-se importante para a escolha das obras: a
existência de esboços originais, que documentem o processo de projeto do arquiteto, e a
possibilidade de visitação das obras pela autora, durante a pesquisa, principalmente para
observar detalhes da volumetria externa e do espaço interno, que não estivessem claros nas
descrições constantes no tratado. Observe-se que a dificuldade de visitação das obras
determinou a delimitação dos objetos de estudo.
A delimitação do objeto de estudo ocorreu entre os projetos desenvolvidos por Palladio no
período de 1537 e 1575. Nesse período, merece destaque a arquitetura doméstica,
representada por sessenta projetos, sendo trinta e seis projetos de villas e vinte e quatro
projetos de palácios urbanos, entre executados e não executados. A seleção foi delimitada
entre as villas, por representarem a maior parte do trabalho de Palladio e serem
responsáveis, de modo significativo, pela fama do arquiteto (Burns, 1975). Mesmo
constituindo parte da arquitetura doméstica de Palladio, os palácios foram descartados, por
representarem um universo quantitativamente menor e por possuírem programas muito
diferenciados das villas, levando a análises muito distintas.
As villas incluem dependências externas que não existem nos palácios, enquanto esses
possuem pátios internos, não usuais nas villas.
Dessas observações, resultou a seleção de doze villas para análise: Villa Godi (Lonedo di
Lugo Vicentino, 1537); Villa Poiana (Poiana Maggiore, 1548-1549); Villa Gazzotti (Bertesina,
1542); Villa Pisani (Bagnolo di Lonigo, 1542); Villa Chiericatti (Vancimuglio di Grumolo delle
Abbadesse, 1550); Villa Pisani (Montagnana, 1552); Villa Cornaro (Piombino Dese, 1553);
Villa Badoer (Fratta Polesine, 1554); Villa Barbaro (Maser, 1557/58); Villa Emo (Fanzolo di
Vedelago, 1564); Villa Foscari (Malcontenta di Mira. 1559/60) e Villa Capra (Vicenza,
1566/67).

3.2 A modelagem tridimensional

A reunião de informações para o trabalho teve início com uma pesquisa documental, que
buscou documentação técnica, plantas, cortes e fachadas das obras, junto a documentos
originais e reproduções. Os documentos utilizados foram:
• tratado de Palladio Il quattro libri dell’architettura, que apresenta os desenhos de planta
baixa e fachada, com alterações feitas pelo autor com vistas a apresentar os projetos em
sua forma mais perfeita;
• levantamentos e reconstruções antigas da obra de Palladio, que incluem os desenhos
elaborados por Ottavio Bertotti Scamozzi (1796) e publicados em Le fabbriche e i disegni
di Andrea Palladio;
• levantamentos contemporâneos, realizados por Giangiorgio Zorzi em Le ville e i teatri di
Andrea Palladio (1969), Erik Forssmann em Visible Harmony (1973), Palladio’s Villa
Foscari at Malcontenta, Howard Burns em Andrea Palladio 1508-1580: the portico and
the farmyard (1975) e Douglas Lewis em The drawings of Andrea Palladio (1981);
• desenhos originais, que se encontram no acervo do RIBA, Royal Institute of British
Architects, e disponíveis em http://www.ribapix.com/. O acervo é composto, entre outros,
por esboços de projetos do arquiteto, que permitem a reconstrução do processo de
projeto de Palladio.
Para auxiliar o levantamento da implantação das obras e seu perímetro, também foram

134
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

utilizadas bases de dados geográficos (Google Earth, Google Maps, Google Street View).
De posse dos documentos, as obras selecionadas foram reconstruídas de modo bi e
tridimensional. A reconstrução teve como base documentos gráficos originais e
reproduções. Como documentos originais, foram considerados os desenhos nos quais o
autor lançou as primeiras hipóteses de projeto e os desenhos finais constantes no tratado.
Nos casos em que o projeto não foi representado no tratado, foram adotadas as
reproduções de Scamozzi (1796), disponíveis no site do CISA – Centro Internazionale di
Studi di Architettura Andrea Paladio (disponíveis em http://www.cisapalladio.org), bem como
os desenhos executados por Barbosa (2005). Para auxiliar o levantamento da implantação
das obras e seu perímetro, também foram utilizadas bases de dados geográficos (Google
Earth, Google Maps, Google Street View).

No processo de reconstrução gráfica, os desenhos bidimensionais foram construídos em


vistas múltiplas (implantação, plantas dos pavimentos e cortes) e os tridimensionais, em
desenhos axonométricos e em perspectivas internas e externas (Fraser & Henmi, 1994;
Forseth, 2004). 1 Para a reconstrução bidimensional, foram retiradas as medidas dos
desenhos disponíveis no tratado, expressas em pés vicentinos, sistema de medida usado na
época do renascimento. 2 Os desenhos de planta baixa apresentam medidas de
comprimento e/ou largura, que podem estar na loggia, na sala e nos cômodos. Essas
medidas também estão expressas em pés vicentinos. Tomando-as como base, foi possível
redesenhar as plantas e também as fachadas, que apresentam, em alguns casos, medidas
de altura.
A opção por reconstruir as obras de modo tridimensional (modelos tridimensionais
computacionais) deve-se ao fato de as representações bidimensionais constantes no tratado
não permitirem uma visualização clara da volumetria dos projetos. As imagens são
bidimensionais e constam apenas de planta baixa, fachada e corte. Outro ponto a ser
considerado é a inconsistência entre as próprias representações do tratado, que apresentam
diferenças entre si, fato este observado no momento de execução das representações
tridimensionais. Foram observadas diferenças de medidas, comprimento e largura, entre a
planta baixa e a fachada, bem como no posicionamento das esquadrias em planta e
fachada.
Para solucionar esses casos, buscaram-se dados identificados tanto nos levantamentos
antigos e contemporâneos, anteriormente citados, como na pesquisa de campo realizada
pela autora durante a pesquisa.
Para a modelagem optou-se pelo software Sketchup, uma ferramenta computacional de fácil
manuseio e compatível com outros programas, tendo sido escolhido também pela
disponibilidade gratuita na internet. A modelagem no SketchUp foi feita por meio de
superfícies geradas através da união de linhas que definem o polígono. As linhas ou
superfícies foram elaboradas diretamente nos três eixos de coordenadas e os volumes
foram manipulados com agilidade pelo emprego de ferramentas como o comando push/pull,
que criou a extrusão de superfícies, excluiu faces que se sobrepõem e abriu vãos de
esquadrias. No primeiro momento foram elaborados os modelos básicos, apenas com a
inserção da volumetria definida por paralelepípedos, como indicado na Figura 2.

1
Os desenhos bidimensionais foram elaborados no programa AutoCAD.
2
Um pé vicentino corresponde a aproximadamente 35,70cm.

135
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 2 – Modelo da Villa Pisani Bagnolo

Fonte: Autora, 2013

Posteriormente, os modelos receberam operações de adição e subtração, acrescentando


assim esquadrias, escadarias, pórticos, loggias, arcadas e cobertura. A imagem mostrada
na Figura 3 apresenta o modelo da Villa Poiana com os devidos acabamentos.

Figura 3 – Modelo da Villa Poiana

Fonte: Autora, 2013

O uso do software SketchUp foi considerado apto para fins de modelagem nesta pesquisa,
por sua facilidade de manuseio e pela agilidade nos modelos tridimensionais gerados, bem
como por ser gratuito. Outro elemento importante é a compatibilidade dos arquivos, os quais
podem ser exportados para outras extensões como “*.3ds” e “*.cad” e, portanto, utilizados
por outros pesquisadores em outros programas.

5 RESULTADOS
A representação dos edifícios por meio de modelos tridimensionais possibilitou o
entendimento espacial e formal dos projetos. Com o modelo tridimensional do conjunto,
pode-se observar aspectos relativos à implantação dos edifícios, tais como (1) a locação do
conjunto no lote; (2) a disposição do edifício em relação às vias de acesso; (3) a
configuração do pátio; (4) a ocorrência de alas.
Com relação à implantação, a observação dos modelos demonstrou que, possuindo ou não
alas, a implantação é definida por um eixo de simetria bilateral, que divide os conjuntos em
duas partes. Sobre o eixo estão dispostos o acesso, o percurso até a casa patronal e a
entrada nessa residência. O eixo transpõe a residência, de frente a fundos, e continua na
área posterior. O uso do eixo longitudinal de simetria nas implantações de villas de Palladio

136
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

serve para organizar uma sequência de episódios. Portões de acesso, esplanadas secas ou
ajardinadas, pátios definidos por pórticos, a casa de villa, os jardins e as plantações são
organizados como eventos volumétricos e/ou espaciais coordenados, apresentados ao
visitante em sequência (Figura 4).

Figura 4 – Modelos da Villas Badoer e Emo

Fonte: Autora, 2013

Dispondo o eixo e podendo escolher onde estaria a casa patronal, Palladio pôde trabalhar a
área externa com pátios, esplanadas, jardins, pomares e áreas de cultivo (plantações). Não
havendo área rural, como nas villas de bloco único, há jardins à frente e aos fundos.
Apesar de sugerir rigorosa geometria e disposição axial pelo uso da simetria especular, o
jogo com as alas permite grande variedade de resultados, ao mesmo tempo em que introduz
variantes para as alas, Palladio joga com a disposição do edifício no lote e com os tipos de
acessos. Estando dispostos sobre o eixo longitudinal central, os edifícios poderiam estar
situados mais próximos ou mais afastados das vias (Figura 5).

137
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 5 – Modelo da Villa Godi

Fonte: Autora, 2013

O modelo tridimensional ainda possibilitou a leitura da volumetria do espaço interno,


observando a variedade formal das unidades (sala, loggia e cômodos), conforme o tipo de
forro – se plano, abobadado ou composto – e de sua altura – se simples ou dupla –.
Observou-se que salas de planta quadrada, circular, em cruz, e retangular são arrematadas
por forros planos, abóbadas de berço e de aresta, cúpulas ou soluções mistas; de altura
simples ou dupla. Os planos verticais recebem aberturas termais, serlianas e lareiras,
dispostas sempre no final dos eixos. A cada novo espaço, uma nova percepção pode ser
experimentada, fazendo com que cada espaço seja único, embora integrante de um sistema
geométrico claro (Figuras 6 e 7).

Figura 6 – Interior da Villa Pisani Bagnolo

Fonte: Autora, 2013

Figura 7 – Sala da Villa Pisani Montagnana

Fonte: Autora, 2013

Tais características demonstram como Palladio explorou a diversidade em espaços de


mesmo formato e proporção. O eixo de simetria principal é contraposto a eixos

138
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

correspondentes a espaços desenvolvidos transversalmente, que equilibram o empuxo


unidirecional da composição. Eixos transversais articulam espaços de conformação distinta
(teto alto e com abóbada de aresta, menos alto e com abóbada de berço, mais baixo e com
teto plano).

6 CONCLUSÕES
Ao apresentar a reconstrução tridimensional de um número significativo de obras, o
presente trabalho, além de contribuir para o registro da obra de Palladio, elaborou um
panorama gráfico quantitativo que tornou explícitos determinados aspectos do processo de
projeto, os quais dificilmente seriam alcançados pelo recurso textual. A modelagem revelou-
se um instrumento importante nesta etapa, pois auxiliou não somente a representação da
obra, mas fundamentalmente sua análise. Favoreceu a compreensão das relações espaciais
e de circulação, não só entre os ambientes internos, mas também com relação à volumetria
externa. A representação por meio de modelos tridimensionais ‘desconstruiu’ as obras
selecionadas e, por meio de síntese, buscou as ‘origens’ do processo de projeto,
recuperando o percurso estabelecido de Palladio e desvendando as intenções projetuais.

REFERÊNCIAS
ALVIM, Sandra P. F. Arquitetura religiosa colonial no Rio de Janeiro: plantas, fachadas e
volumes. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.
BARBOSA, Rinaldo Ferreira; MANENTI, Leandro. Quatro Livros sobre Palladio. 500 anos de
um projeto contemporâneo. Novo Hambrugo: Feevale, 2008.
BURNS, Howard et. all. Andrea Palladio: the portico and the farmyard. London: Graphis,
1975.
COSTA, Ana Elísia da. O Gosto pelo sutil. Confluências entre as casas-pátio de Daniele
Calabi e Rino Levi. Porto Alegre, UFRGS (Doutorado em Arquitetura) – Programa de Pós-­‐
Graduação em Arquitetura, Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2011.
FORSETH, Kevin. Projetos em Arquitetura. São Paulo: Hemus, 2004. 

FORSSMANN, Erik. Visible Harmony: Palladio’s Villa Foscari at Malcontenta. Stockholm:
Sveriges arkitekturmuseum & Konsthogskolans arkitekturskola, 1973.
FRAZER, Ian; HENMI, Rod. Envisioning Architecture. New York: Van Nostrand Reinhold,
1994.
LANCHA, Joubert. O desenho e os cômodos na Villa FoscarI de Palladio. In: VI EHA -
ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE – UNICAMP, 2010.
LEWIS, Douglas. The drawings of Andrea Palladio. Washington: St. Martin's Press, 1981.
PALLADIO, Andrea. The four books on architecture (ed. R. Tavernor e R. Schofield).
Cambridge, MIT Press, 1997.
SCAMOZZI, Ottavio. Le Fabbriche e i Disegni di Andrea Palladio. Venise: Giovani Rossi,
1796.
TAGLIARI, Ana. Os principios orgânicos na obra de Frank LLoyd Wright : uma abordagem
gráfica de exemplares residenciais. UNICAMP (Mestrado em Artes) – Programa de Pós-­‐
Graduação em Artes, Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
2008.
THORNTON, Peter. The Italian Renaissance interior. 1400-1600. London: Harry N Abrams,
1991.
ZORZI, Giangiorgio. Le Ville I Teatri di Andrea Palladio. Venezia: Neri Pozza: 1969.

139
COMPARAÇÃO ENTRE SOFTWARES GRATUITOS
MODELADORES DE NUVEM DE PONTOS A PARTIR DE
LEVANTAMENTO FOTOGRAMÉTRICO APLICADOS À
DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DE
EDIFÍCIOS HISTÓRICOS EM CUIABÁ-MT.

Pedro Paulo Thame Guimarães


Gisele Milanello do Amaral
Talita de Oliveira
Luciana Pelaes Mascaro
Maurício Guimarães de Oliveira
Tales Bohrer Lobosco Gonzaga de Oliveira
Departamento de Arquitetura e Urbanismo – Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT
mauricio@ufmt.br

RESUMO
Apesar do amplo desenvolvimento das técnicas de levantamento do patrimônio arquitetônico por
modelagem por fotografias, ainda identificamos a carência de referências a respeito da realização de
tais levantamentos atravésda utilização de softwares livres, como o Autodesk 123D Catch e o
Microsoft Photosynth. O objetivo deste trabalho é de analisar comparativamente os resultados do
levantamento tridimensionalgerado a partir destes softwares, buscando o entendimento de suas
características e limitações. Para isto, a partir de levantamento fotogramétrico de construções
integrantes do patrimônio histórico-arquitetônico de Cuiabá-MT, analisaremos a qualidade dos
modelos gerados por tais ferramentas, especialmente a quantidade de pontos (nuvem de pontos)
gerada em cada modelo, buscando avaliar as possibilidades de sua real aplicação na documentação
do patrimônio arquitetônico construído.
Palavras-chave: Modelagem tridimensional. Fotogrametria. Patrimônio arquitetônico. Nuvem de
pontos. Arqdoc, 2014.

ABSTRACT
Although we may observe a wide development of the image-based modelling techniques for
architectural heritage, we still identify the lack of references regarding such procedures with the help
of free software, like Autodesk 123D catch and Microsoft Photosynth. The aim of this study is to
comparatively analyze the results of the image-based modelling techniques, generated from these
tools, seeking to understand their features and limitations. Starting from a specific photogrammetric
inventory of some examples of the architectural heritage of Cuiabá-MT, this works aims to analyze the
quality of the models produced by these softwares, especially the amount of points (point cloud)
generated in each model, seeking to discuss the possibilities of its actual application in the
architectural heritage documentation.

Keywords: Image-Based Modelling.Photogrammetry. Architectonic heritage. Point cloud. Arqdoc,


2014.

140
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

1 INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, vários softwares comerciais foram desenvolvidos para processamento de dados
fotogramétricos para modelagem automática de modelos tridimensionais a partir de nuvem de pontos.
Os softwares atuais, como o Autodesk 123D Catch e o Microsoft Photosynth, não requerem qualquer
forma de calibração do equipamento fotográfico e podem oferecer bons resultados, se seguidas
algumas orientações básicas. Estes softwares podem ainda fornecer dados para a impressão do
modelo tridimensional.
Este trabalho visa a avaliação destes softwares gratuitos citados, comparando a quantidade
e, consequentemente, a qualidade de pontos obtidos pelos modelos gerados com o levantamento
fotogramétrico realizado em construções que são parte do patrimônio arquitetônico de Cuiabá-MT.

2 MODELAGEM 3D COM O USO DA FOTOGRAMETRIA.


A gravação digital, documentação e os registros para fins de inventário são importantes
recursos para a preservação do patrimônio arquitetônico pois estes podem sofrer danos por diversos
motivos, como guerras, desastres naturais ou apenas pelo desgaste natural do tempo - fatores que
podem causar danos e perda de informações (STOJAKOVIC, 2013).
A fotogrametria terrestre tem sido amplamente utilizada para documentação do patrimônio
arquitetônico. Também é recorrente sua utilização quando um edifício não pode ser levantado por
topografia convencional, mesmo manualmente, seja por motivo de limitações de tempo, recobrimento
por vegetação ou mesmo devido à fragilidade de seu estado de conservação (WUTKE, 2005,
STOJAKOVIC, 2013). O resultado provido pelo levantamento fotogramétrico de uma estrutura traz
algumas vantagens como a fidelidade na representação da forma, que é registrada como se encontra
no momento de obtenção das fotografias (WUTKE, 2005). Outra vantagem da fotogrametria é que as
fotografias podem ser obtidas sem o uso de equipamentos de custo elevado, mas contêm informação
necessária para gerar um modelo 3D texturizado (STOJAKOVIC, 2013).
A difusão de técnicas de modelagem 3D utilizando imagens por softwares grátis, de baixo
custo ou de código fonte aberto aumentou significantemente nos últimos anos, especialmente no
campo da documentação do patrimônio cultural (arquitetônico, arqueológico, urbanístico). Santagati
(2013) explorou a acurácia do Autodesk 123D Catch aplicada ao patrimônio arquitetônico, em
comparação a técnica de varredura a laser, obtendo resultado bastante satisfatório. Para isso, são
apontadas algumas condicionantes muito importantes, como: o ângulo entre duas fotografias
integrantes de uma mesma sequência deverá ter entre cinco e dez graus; é recomendado que haja
uma sobreposição de no mínimo 70% do enquadramento entre fotografias. Isto porque, para a
modelagem, o software identifica os pontos correspondentes entre as sequências de imagens.
Uma recomendação importante é que, sempre que possível, todo o edifício esteja dentro do
quadro. Esta condição reduz as possibilidades de modelagem por levantamento fotogramétrico de
construções localizadas em ruas estreitas ou que possuam obstáculos, que dificultem a obtenção da
imagem a uma determinada distância. Quanto mais fotos utilizadas, maior a resolução, nitidez e
acurácia da geometria que o software garantirá, especialmente nos detalhes (SANTAGATI, 2013).
Por outro lado, a modelagem geométrica de objetos de grandes dimensões faz com que muitos
pontos de interesse estejam muito distantes em relação à câmera (na tomada fotográfica de toda a
edificação). A baixa resolução, em decorrência do aumento do tamanho dos pixels nesses pontos,
dificulta a identificação da localização precisa dos pontos homólogos nas várias fotografias (KUO,
2010).

3 EQUIPAMENTOS E SOFTWARES.
Para o levantamento foi utilizada câmera fotográfica de marca Nikon, modelo D5200, com
lente AF-S Nikkor 18-55mm f/3.5-5.6 G. As fotografias foram realizadas com a distância focal mínima
da lente - 18mm - para utilizar o maior enquadramento possível. Foram obtidas utilizando abertura
fixa de f/5.6 que apresenta maior nitidez (STAMM, 2011). Utilizou-se ainda o foco no infinito -
distância hiperfocal - para evitar que alguma parte do edifício estivesse desfocada. As configurações
de qualidade e resolução da imagem foram as máximas permitidas pelo equipamento fotográfico,
gerando fotografias de 24 megapixels - 6000 pixels no comprimento e 4000 pixels na altura.
Para a modelagem foram utilizados os softwares gratuitos desenvolvidos Autodesk e pela
Microsoft: 123D Catch (versão 2.2.3.557)e Photosynth (versão 2.0110.0317.1042), respectivamente.

141
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

A comparação dos modelos foi realizada no software MeshLab (versão 1.3.3.), que fornece entre
diversas informações, a quantidade de pontos (vértices) existentes, ou seja, uma nuvem de pontos.

4 OBJETOS DE ESTUDO.
Fizeram parte do levantamento fotogramétrico três construções tombadas de Cuiabá-MT. O
primeiro edifício foi Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, construída no período colonial
entre 1723 e 1751 (IPDU, 2004), com fachada neogótica e altares laterais no estilo rococó, é
importante informar que esta passou por um processo de restauro no ano de 2003 (NASCIMENTO,
2009). O segundo edifício levantado foi o Museu do Rio, construído em 1781 (IPDU, 2004) para
abrigar o mercado público de Cuiabá. Trata-se de um exemplar que testemunha a influência da
tendência arquitetônica neoclássica em Cuiabá, numa outra fase do desenvolvimento da cidade. O
terceiro edifício levantado foi o Chafariz do Mundéu, construído em 1871 (IPDU, 2004) como uma
fonte de água utilizada pela população local (NASCIMENTO, 2009). Possui formato circular e
apresenta, assim como o Museu do Rio, tendência neoclássica.

5 LEVANTAMENTO FOTOGRAMÉTRICO E RESULTADOS.


As fachadas dos monumentos foram fotografadas de forma a serem circundadas com
distância de aproximadamente um metro entre as fotografias.

5.1 Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito.

Figura 1 – Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito.

Fonte: Registro dos autores.

A primeira construção a ser levantada foi a Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
(Figura 1). Buscou-se fotografar para modelagem as fachadas laterais esquerda, frontal e direita,
iniciando o levantamento pela fachada lateral esquerda da igreja acompanhando o casario. O
afastamento foi limitado pela largura da rua, de modo que se chegou a tal ponto em que não foi
possível manter a igreja integralmente dentro do enquadramento. Então, retomou-se o levantamento
a partir de ponto mais adiante que permitiu enquadramento total. Percebeu-se a dificuldade de
visualização de alguns detalhes, dada a diferença entre o nível da igreja e o da rua, além da
existência de árvores e postes que obstruíram a visão. A curva diante da fachada principal estendeu-

142
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

se, registrando a fachada lateral esquerda. Em todas as imagens se tentou manter constante o
distanciamento entre as fotografias.
Analisando as malhas obtidas, verificou-se maior número de vértices na nuvem de pontos
produzida pelo Microsoft Photosynth do que na produzida pelo Autodesk 123D Catch. Entretanto, os
pontos da modelagem do Microsoft Photosynth concentraram-se principalmente na fachada frontal,
enquanto na do Autodesk 123D Catch os pontos se distribuíram pelas três fachadas fotografadas
(Figura 2).

Quadro 1 - Quantidade de vértices presentes nas áreas de interesse das modelagens


baseadas em fotografias gerais da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito.

Software Vértices (pontos)

Autodesk 123D Catch 9610

Microsoft Photosynth 14899


Fonte: Elaborado pelos autores.

Figura 2 - Comparativo de modelagem da Igreja de Nossa Senhora do Rosário nos


softwares Autodesk 123D Catch (esquerda) e Microsoft Photosynth (direita).

Fonte: Elaborado pelos autores.

5.2 Museu do Rio

Figura 3 -Museu do Rio.

Fonte: Registro dos autores.

143
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

O Museu do Rio apresenta amplo pátio defronte sua fachada frontal, o que permitiu que o
levantamento fosse realizado sem obstáculos (Figura 3).
Inicialmente, determinou-se o afastamento ideal, a partir da fachada, que permitisse seu
enquadramento total. Foi traçada uma linha paralela a fachada sobre a qual todas as fotografias
foram realizadas e, com auxílio de uma trena, a cada metro foram marcadas também as distâncias
entre as fotografias. Conforme o deslocamento ao longo da linha, o enquadramento foi ajustado de
modo a manter a posição central da fachada no centro do enquadramento da fotografia. Devido as
dimensões e proporção da fachada, a distância necessária para obtenção das fotografias foi
consideravelmente grande, o que pode atrapalhar a modelagem dos detalhes pelos softwares devido
sua reduzida escala nas imagens. Por essa razão, após o término, fotografou-se com maior
proximidade os detalhes de uma coluna selecionada, sendo estas fotografias realizadas sem o auxílio
de um tripé e contornando integralmente a referida coluna. Não foram realizadas quaisquer
fotografias de transição entre as imagens mais próximas e as que continham a fachada inteira.
Analisando os resultados das modelagens do Museu do Rio, verificou-se que não havia
quantidade e qualidade de detalhes em níveis satisfatórios (Figura 4), não sendo possível identificar
elementos consideravelmente importantes, mas percebeu-se que muitos pontos foram gerados no
céu e no piso frontal - dado o recuo necessário para realizar as imagens. Assim, optou-se por cortar
manualmente todas as imagens para então gerar nova modelagem - preservando o critério de manter
o centro da fachada coincidindo com o centro do enquadramento e também, as dimensões e
proporção entre as imagens. Com a retirada das informações desnecessárias - grandes porções de
piso, céu, vegetação e construções presentes nas ruas laterais - as malhas geradas a partir das
fotografias cortadas apresentaram maior quantidade de pontos (Figura 5) e também melhor qualidade
de modelagem, quando comparadas àquelas geradas a partir das fotografias originais e considerando
estritamente a área de interesse.

Quadro 2 - Quantidade de vértices presentes na área de interesse das modelagens


baseadas em fotografias cortadas e inteiras do Museu do Rio.

Software Tipo de fotografia Vértices (pontos)

Autodesk 123D Inteira 6631


Catch
Cortada 18414

Microsoft Photosynth Inteira 4015

Cortada 11347
Fonte: Elaborado pelos autores.

Figura 4 - Comparativo entre modelagens do software Autodesk 123D Catch (esquerda) e


Microsoft Photosynth (direita) do edifício Museu do Rio a partir das imagens inteiras.

Fonte: Elaborado pelos autores.

144
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 5 - Comparativo entre modelagens do software Autodesk 123D Catch (esquerda) e


Microsoft Photosynth (direita) do edifício Museu do Rio a partir das imagens cortadas.

Fonte: Elaborado pelos autores.

5.3 Chafariz do Mundéu

Figura 6 - Chafariz do Mundéu

Fonte: Elaborado pelos autores.

O Chafariz do Mundéu possui dimensões menores que os edifícios anteriores e, por isso, as
fotografias puderam ser realizadas com maior proximidade. Dada as diferentes proporções deste
edifício - altura maior que largura - as fotografias foram registradas com orientação do tipo retrato
(Figura 6).
Na ocasião do levantamento fotográfico, não haviam obstáculos entre a fachada e o
equipamento. E também, diferentemente dos outros casos, a fachada estava completamente
sombreada - isto é, recebendo apenas iluminação difusa - apresentando pouca variação lumínica e
nenhuma sombra definida.
Optou-se por registrar apenas três das seis fachadas do Chafariz do Mundéu - que possui
planta hexagonal e simetria entre todas as fachadas. Assim como no Museu do Rio, inicialmente
foram realizadas fotografias que abrangessem integralmente as fachadas em questão, seguidas por
imagens mais próximas e contemplando detalhes. O roteiro do posicionamento para realização das
primeiras imagens se deu de forma radial, seguindo uma curva cujo afastamento da fachada é
constante, permitindo circundar o edifício e revelando os volumes de seus elementos. Após, foram
realizadas fotografias de transição entre a tomada geral e do detalhe escolhido proporcionando uma
gradual aproximação deste.

145
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

As modelagens obtidas neste edifício apresentaram qualidade consideravelmente superior


nos detalhes, em comparação às modelagens anteriores. Foram produzidas modelagens
considerando dois grupos de imagens: o primeiro contendo todas as fotografias registradas (Figura 7)
e o segundo apenas as que continham o detalhe escolhido (Figura 8). As modelagens produzidas
pelo Autodesk 123D Catch apresentaram maior número de pontos em relação a do Microsoft
Photosynth.

Quadro 3 - Quantidade de vértices presentes nas áreas de interesse das modelagens


baseadas em fotografias gerais e de detalhe do Chafariz do Mundéu.

Software Tomada Vértices (pontos)

Autodesk 123D Total 31992


Catch
Detalhe 16969

Microsoft Photosynth Total 20233

Detalhe 13974
Fonte: Elaborado pelos autores.

Figura 7: Comparativo entre modelagens do Chafariz do Mundéu no Autodesk 123D Catch


(esquerda) e Microsoft Photosynth (direita) contendo todas as imagens.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Figura 8 - Comparativo entre modelagens do Chafariz do Mundéu no Autodesk 123D Catch


(esquerda) e Microsoft Photosynth (direita) contendo apenas fotografias do detalhe
selecionado.

Fonte: Elaborado pelos autores.

146
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

6 DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Os edifícios selecionados foram escolhidos por apresentarem características importantes,
sendo favoráveis ou não à modelagem. No caso da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito, sua implantação isolada em uma quadra, possibilitaria o levantamento de todas as
fachadas. Porém, a largura da rua lateral se tornou fator limitante em decorrência da necessidade de
grande afastamento para garantir o enquadramento total. A incidência de grandes contrastes entre
luz direta e sombras presentes no momento do levantamento, fez com que fossem modelados falsos
volumes nas superfícies que não possuem detalhes, porém têm irregularidades em sua pintura.
O comprimento da fachada do Museu do Rio fez com que sua área nas fotografias ficasse
com dimensões reduzidas, dada a necessidade de grande afastamento da fachada para total
enquadramento. Com isso, perdeu-se a visibilidade de detalhes.
Sabendo que o software Autodesk 123D Catch reduz as imagens com mais de três
megapixels para exatos três megapixels, quando as imagens do Museu do Rio foram cortadas as
informações ficaram concentradas na área da fachada, resultando em uma melhor qualidade do
modelo. Nesse sentido, foi determinante a alta qualidade do equipamento fotográfico, que registrou
imagens com elevada resolução nas fotografias originais e reduzindo as perdas quando da redução
da área das fotografias. É importante ressaltar que, embora contrarie a recomendação da empresa
desenvolvedora do software (AUTODESK, 2014), houve a preocupação em manter, nos cortes
realizados, o meio da fachada do edifício no centro do enquadramento, facilitando o reconhecimento
do objeto de interesse. Nestes dois primeiros modelos, o levantamento foi limitado ao enquadramento
total da fachada. Diferentemente dos edifícios anteriores, o Chafariz do Mundéu possui dimensões
reduzidas, o que possibilitou registro das fachadas com maior proximidade. Importante ressaltar
também a condição de iluminação diferenciada no momento do levantamento destas, pois se
apresentavam sombreadas. Estas duas características apresentaram problemas na modelagem dos
dois primeiros edifícios mas garantiu riqueza de detalhes nas fotografias e, consequentemente, nas
modelagens. Pela comparação realizada no software MeshLab, observou-se que o modelo gerado no
Autodesk 123D Catch conseguiu gerar maior densidade de pontos que o Microsoft Photosynth. A
única exceção ocorreu na Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, pois o modelo do
Microsoft Photosynth obteve maior quantidade de pontos, concentrando-os na fachada frontal em
detrimento das outras.
O produto de cada software é diferente em sua apresentação. Ambos se baseiam na geração
de nuvem de pontos, mas o Autodesk 123D Catch se diferencia do Microsoft Photosynth por criar
arestas entre estes pontos, gerando faces e uma modelagem completa no próprio software. Já o
Photosynth utiliza a nuvem de pontos apenas para associar as diversas fotografias na posição em
que foram registradas - em relação ao edifício. Contudo, isso permite melhor compreender alguns
detalhes tendo em vista a permanência da fotografia no modelo.
Ambos os softwares se mostraram capazes de construir bons modelos, sendo necessário
para isso um adequado levantamento fotogramétrico que considere condição de luz homogênea,
grande quantidade de fotografias, distância reduzida do equipamento ao edifício, ausência de
obstáculos entre estes, intersecção suficiente da área entre as fotografias e facilidade de acesso.

REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: Informação e
documentação - Referências - Elaboração. Rio de Janeiro, 2002.
______. NBR 6028: Informação e documentação - Resumo - Apresentação. Rio de Janeiro,
2003.
______. NBR 10520: Informação e documentação - Citações em documentos -
Apresentação. Rio de Janeiro, 2002.
INSTITUTO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO URBANO - IPDU. Perfil
Socioeconômico de Cuiabá. Cuiabá, 2004.
KUO, Vanessa; AMORIM, Arivaldo. Levantamento fotogramétrico de edificações: principais
limitações encontradas na modelagem geométrica da Igreja do Monte, em Cachoeira - BA.
In: SEMINÁRIO NACIONAL DE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO

147
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

COM O USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS, 1, 2010, Salvador. ARQ DOC 2010, Salvador:
UFBA, 2010.
NASCIMENTO, Cleonice; FERREIRA, Alzira; ALMEIDA, Elizabete. Praça Bispo Dom José:
sua importância histórica e ambiental. In: SEMINÁRIO EDUCAÇÃO, 17, 2009, Cuiabá.
SEMIEDU 2009…, Cuiabá: UFMT, 2009. Disponível em:
<http://www.ie.ufmt.br/semiedu2009/gts/gt8/ComunicacaoOral/CLEONICE%20FERREIRA%
20DO%20NASCIMENTO.pdf>. Acesso em 25 jun. 2014.
NASCIMENTO, Flávia. Roteiro turístico de remanescentes arquitetônicos e tipologias
do centro histórico de Cuiabá. 2009. 99 f. TCCP (Especialização em Patrimônio, Turismo
e Desenvolvimento Regional: aspectos conceituais e tendências) - Universidade Federal de
Mato Grosso, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Cuiabá, 2009
SANTAGATI, C.; INZERILLO.L.; DI PAOLA, F. Image-based modeling techniques for
architectural heritage 3D digitalization: limits and potentialities. In: International CIPA
Symposium, 24, 2013, Strasbourg. ISPRS Annals of the Photogrammetry, Remote
Sensing and Spatial Information Sciences, V. XL-5/W2. 2013.
STOJAKOVIC, V. BAJSANSKI, I. Image-based surveying and modeling of the unprotected
architectural heritage – St. Rudolf´s Church in Banostor. In: International CIPA Symposium,
24, 2013, Strasbourg. ISPRS Annals of the Photogrammetry, Remote Sensing and
Spatial Information Sciences, V. II-5/W1. 2013.
WUTKE, J. D.; FOSSE,J. M.; CENTENO, J. A. S. Documentação e modelagem 3D de
patrimônio arquitetônico através do uso de técnica de fotogrametria de baixo custo. In:
COLOQUIO BRASILEIRO DE CIENCIAS GEODÉSICAS, 4, 2005, Curitiba. CBCG -
COLOQUIO BRASILEIRO DE CIENCIAS GEODÉSICAS, Curitiba: UFPR, 2005.
STAMM, Markus. Nikkor AF-S DX 18-55mm f/3.5-5.6G VR - Review / Test Report.
Photozone. Herschbach, mar. 2011. Disponível em: <http://www.photozone.de/nikon--nikkor-
aps-c-lens-tests/397-nikkor18553556vr>. Acessoem: 28 mai. 2014.
AUTODESK. Learn how to use 123D Catch. 2014. Disponível em:
<http://www.123dapp.com/howto/catch>. Acesso em 17 jul. 2014.

148
AS ALTERAÇÕES DO USO E OCUPAÇÃO DOS LOTES DA
AVENIDA PRESIDENTE EPITÁCIO PESSOA (1980-2001)

Paula Dieb Martins


Laboratório de Estudos Urbanos, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UFPB
(pauladieb@hotmail.com)
Doralice Sátyro Maia
Laboratório de Estudos Urbanos, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UFPB
(doralicemaia@hotmail.com)

RESUMO
O artigo tem como objetivo apresentar a metodologia utilizada na análise das alterações do uso e
ocupação dos lotes situados na Avenida Presidente Epitácio Pessoa, localizada em João Pessoa, no
Nordeste brasileiro, entre 1980 e 2001. Tal análise compõe um capítulo da dissertação “Paisagem em
Movimento: As transformações na Avenida Epitácio Pessoa de 1980 a 2001”. Com base nas
definições de Solo pela Morfologia Urbana em Capel (2002) e Lamas (2004), a investigação das
alterações na referida via desenvolveu-se ao longo de quatro etapas: pesquisa bibliográfica, pesquisa
documental, digitalização e organização dos dados e análise do processo. Durante a consulta a
fontes bibliográficas e periódicos da época, poucas imagens da referida via foram encontradas,
levando à busca de outras fontes documentais, como as solicitações de alvará e habite-se feitas à
Prefeitura Municipal de João Pessoa. Os registros conformam um vasto acervo relacionado aos lotes
da avenida. A utilização das tecnologias digitais foi instrumento metodológico essencial para a análise
espaço-temporal do processo à medida que possibilitou a criação de gráficos, mapas de
parcelamento e ocupação do solo e modelagens tridimensionais dos volumes construídos, os quais
retrataram claramente a dinâmica do processo investigado.
Palavras-chave: Documentação. História urbana. Morfologia urbana.

ABSTRACT
This article aims to present a methodology used to compose an analysis from 1980 to 2001 of
changes of the land usage and occupation of the Epitácio Pessoa Avenue, located in the city of João
Pessoa, Brazil. This analysis composes a chapter of the dissertation “Paisagem em Movimento: As
transformações na Avenida Epitácio Pessoa de 1980 a 2001”. Based on the Land definitions by the
Urban Morphology in Capel (2002) and Lamas (2004), the investigation of the avenue’s changes was
developed along four stages: bibliographic research, documental research, computer processing of
the collected information and the analysis of the process. During the researches, few photographs
were found from periodicals and bibliographics references, leading to consult other documents as the
requeriments of occupancy and building permissions which were gathered from the João Pessoa's
City Hall archive. The requirements datas were used to build a database. The use of digital
technologies was an essencial methodological instrument to the space-time analysis as long as it
allowed the criation of graphics, division and occupation of land maps and a tridimensional model of
the constructed volumes, which portray clearly and objectively the dynamic of the investigated
process.
Keywords: Documentation. Urban History. Urban Morphology.

149
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

1 INTRODUÇÃO
A documentação digital consiste em um importante meio de preservação da identidade
cultural e da memória, visto que a salvaguarda dos documentos físicos não se mostra tão
segura devido à suscetibilidade a diversos fatores como intempéries, armazenamento e
manutenção inadequados, atos de vandalismo e negligência dos responsáveis.
As tecnologias digitais, além de possibilitarem a digitalização dos mais variados documentos
– sejam eles textos, imagens ou sons -, oferecem ao pesquisador diversas ferramentas para
coleta, organização, sistematização, armazenamento e publicação dessas fontes.
De acordo com Amorim (2010), as novas tecnologias digitais, por apresentarem baixo custo
de aquisição de material e publicação dos resultados obtidos, assim como agilidade na
coleta e processamento dos materiais, potencializam “as ações de registro, restauração,
preservação e gestão de edificações, conjuntos arquitetônicos e sítios históricos, em todo o
mundo” (p. 10).
Ao abordar a utilização do meio digital no campo da documentação arquitetônica por
técnicos e pesquisadores, Nogueira (2010) afirma que tais meios podem fornecer novas
formas de investigar, visualizar e analisar as características, as transformações e
permanências do objeto em estudo. Para o autor, o desenvolvimento tecnológico tem
contribuído não apenas no processo de coleta, mas também em toda a organização e
gerenciamento do material adquirido, fazendo da documentação um processo sistemático.
Da mesma maneira, entende-se que a História Urbana é também uma das áreas do
conhecimento que pode ser explorada e expandida com a utilização das referidas
tecnologias por meio da praticidade e facilidade na coleta de dados e na utilização dos
mesmos como fontes para elaboração de mapas, esquemas, ilustrações, gráficos,
modelagens geométricas tridimensionais, entre outros, os quais são produzidos digitalmente
por meio de softwares. Muitos desses instrumentos, além de registrar importantes dados,
são capazes de auxiliar e enriquecer a análise do fenômeno urbano.
O artigo apresenta parte da pesquisa desenvolvida para a dissertação de mestrado
intitulada “Paisagem em Movimento: As transformações na Avenida Presidente Epitácio
Pessoa entre 1980 e 2001”. Neste momento, o objetivo consiste em expor e discutir a
metodologia utilizada para analisar as alterações no uso e ocupação dos lotes situados na
referida via, localizada na cidade de João Pessoa, no Nordeste brasileiro.
Considerada atualmente uma das principais avenidas da cidade, a Epitácio Pessoa possui
aproximadamente 5 km de extensão orientada pelo eixo Leste – Oeste, perpassa onze
bairros e interliga dois polos de atratividade da cidade: o Centro e a orla marítima.
O Centro compreende um bairro marcado pelo elevado índice de estabelecimentos
comerciais, de serviços e institucionais, assim como pelo acúmulo de funções depositadas e
transformadas desde o início da ocupação da cidade. Já a orla, corresponde à faixa
litorânea dos bairros Cabo Branco ao sul e Tambaú ao norte. Esta área caracteriza-se pela
atratividade e variedade de serviços e comércio, de atividades de lazer, entretenimento e
turismo, e pelo uso residencial das camadas de alta renda.
Desde o início de sua abertura – como uma estrada -, no final da década de 1910, a
Avenida Epitácio Pessoa tem sofrido diversas mudanças em relação à ocupação, aos usos,
à paisagem e ao espaço produzido. A sua ocupação é um marco no processo de expansão
de João Pessoa em direção à orla marítima ao longo do século XX, transformando a antiga
estrada em uma das principais avenidas da cidade.
De acordo com Coutinho (2004), a Avenida Epitácio Pessoa teve seu entorno ocupado de
forma fragmentada e diversa ao longo do referido século. De fato, desde sua abertura até a
década de 1950, raras foram as alterações sofridas em sua paisagem. A Mata Atlântica,
existente ao longo do seu percurso, foi aos poucos desaparecendo e dando lugar a
loteamentos e conjuntos habitacionais, principalmente, a partir da década de 1950. Tais

150
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

empreendimentos imobiliários se estabeleceram conformando os novos bairros residenciais


e conferindo uma nova realidade urbana tanto para a referida via quanto para a cidade de
João Pessoa.
Com a consolidação da ocupação no setor leste da cidade, a partir da década de 1980,
intensificou-se a presença de estabelecimentos comerciais ao longo da supracitada via, à
medida que a mesma adquiria o caráter de rua principal, extinguindo praticamente o uso
residencial que a margeava. Este processo alterou não só o uso do solo, mas também a
paisagem da via e o cotidiano dos que a frequentavam. Dada a sua importância, a referida
década foi eleita como início do recorte temporal da pesquisa, o qual se estende até o ano
de 2001, coincidindo com o final do século XX.
O artigo ora apresentado aborda o estudo da Morfologia Urbana, as leituras realizadas
sobre o tema da pesquisa e a metodologia utilizada para a análise das alterações do uso e
ocupação dos lotes situados na Avenida Epitácio Pessoa.

2 A MORFOLOGIA URBANA E A CONCEITUAÇÃO DO SOLO URBANO


Para a compreensão das alterações nos lotes da Avenida Epitácio Pessoa, além de um
estudo aprofundado do contexto urbano de João Pessoa neste período, foi necessária a
realização de uma pesquisa que teve como base teórica-metodológica a análise da
Morfologia Urbana, a qual compreende o estudo das configurações e estruturas externas –
formas - de um determinado espaço, analisando os seus aspectos exteriores e suas
relações entre si e com os processos que lhes deram origem, definindo e explicando assim
a sua paisagem (LAMAS, 2004).
Capel (2002), no livro intitulado “La morfologia de las ciudades”, caracteriza o estudo da
Morfologia Urbana em três elementos principais: o plano - composto pela trama viária, o
quarteirão, o lote e a planta do edifício -; o edifício - composto pelos padrões de uso do
espaço, usos do solo e diversidade estrutural -; e os processos de uso do solo – que
abordam temas como urbanização, parcelamento, construção, aspectos sociais, culturais,
econômicos e políticos.
Em “Morfologia Urbana e Desenho da Cidade”, Lamas (2004) elenca e conceitua cada um
dos elementos morfológicos constituintes do espaço urbano, ressaltando que o estudo da
forma urbana pode ser realizado em diferentes escalas urbanas - isto é, em metrópoles,
cidades médias e pequenas; bairros, praças e, até mesmo, nas ruas - havendo assim um
modo específico de compreensão e concepção das formas para cada uma das dimensões
espaciais a serem estudadas. As três escalas ou dimensões espaciais da forma urbana são:
a dimensão setorial – a escala da rua -; a dimensão urbana – a escala do bairro; e a
dimensão territorial – a escala da cidade.
Como se encontra em contínua construção, a forma urbana deve ser estudada sempre
levando em consideração o tempo, visto que cada período possui características sociais,
políticas e técnicas específicas. A Morfologia Urbana, além da forma propriamente dita,
estuda também o seu desenvolvimento no tempo e identifica suas transformações e
permanências.
Os elementos morfológicos definidos por Lamas (2004) são: o solo – o pavimento; o
traçado/a rua; o quarteirão; o lote – a parcela fundiária; os edifícios – o elemento mínimo; a
fachada – o plano marginal; o logradouro; a praça; o monumento; a árvore e a vegetação; e
o mobiliário urbano.
Além das referências acima citadas, destaca-se a obra de Murillo Marx, “Cidade Brasileira”
(1980), na qual o autor elenca uma série de elementos que caracterizam as cidades do
Brasil, que se relacionam diretamente com as unidades morfológicas anteriormente
definidas por Capel (2002) e Lamas (2004). São eles: o sítio urbano, os vazios, as
construções, os elementos que são vistos e os que não são.

151
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Os elementos vistos são os equipamentos urbanos encontrados em áreas públicas, como


bancos, postes, calçadas, diferentes tipos de materiais construtivos e de revestimento, entre
outros. Os não vistos se tratam das redes de infraestrutura urbana instaladas na cidade
(esgoto, abastecimento de água e energia elétrica) e, também, das intervenções urbanas
(alinhamentos de ruas, desvio de cursos de rio, etc.), isto é, de determinadas ações no
espaço que se materializam de modo não aparente, mas que interferem no cotidiano dos
habitantes e na ocupação de determinada área.
A partir do estudo das referidas obras acerca da Morfologia Urbana e das cidades
brasileiras, foi elaborado um esquema (Quadro 1) contendo os elementos definidos por seus
autores, expondo desta forma a complementaridade de suas ideias e conceitos para a
análise da forma urbana.

Quadro 1 – Síntese dos Elementos Morfológicos


AUTORES E OBRAS ELEMENTOS MORFOLÓGICOS
Autor: Horácio Capel (2002) Processos de usos do solo
Obra: La morfologia de las ciudades Plano
Edifício
Autor: José Manuel R. Garcia Lamas (2004) Transformações e permanências das formas
Obra: Morfologia urbana e desenho da Níveis de produção do espaço
cidade Solo
Traçado
Quarteirão
Lotes
Logradouro
Praça
Fachada
Monumento
Vegetação
Mobiliário Urbano
Autor: Murillo Marx (1980) O que não se vê
Obra: Cidade Brasileira Redes de Infraestrutura
Intervenções urbanas
Evolução urbana
Sítio Urbano
Vazios
Ruas
Praças
Jardins
Prédios Públicos
Instalações Militares
Construções Religiosas
Casario
Equipamentos
Muros
Fonte: Capel (2002), Lamas (2004) e Marx (1980). Edição nossa, 2013.

Ao longo da pesquisa do mestrado, foram abordados todos os elementos morfológicos


elencados acima, mas - como foi dito anteriormente – o artigo ora apresentado tem como
propósito abordar a metodologia aplicada para a análise da alteração do Plano da Avenida
Epitácio Pessoa, base sobre a qual os demais elementos irão se desenvolver e se modificar.
Pelo fato do objeto de estudo consistir em uma via, os elementos do plano analisados foram
os lotes localizados na avenida, visto que ao longo do recorte temporal da pesquisa, a
mesma não apresentou modificações em seu traçado, assim como no desenho de suas
quadras.
Unidades do solo urbano, os lotes são elementos básicos de construção da cidade. São
porções cadastrais que constituem a base da edificação. Tais elementos - o solo e o edifício

152
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

- possuem uma relação de dependência visto que seus tamanhos e formatos influenciam
nas plantas das edificações, assim como estas influenciam na definição dos espaços livres e
ocupados dos lotes. Ambos expressam muito sobre os usos, os usuários e suas estratégias.

3 OS INSTRUMENTOS PARA ANÁLISE DAS ALTERAÇÕES NO USO E


OCUPAÇÃO DO SOLO NA AVENIDA EPITÁCIO PESSOA (1980-2001)
Com base nas definições da Morfologia Urbana para o solo urbano, o estudo das alterações
no uso e ocupação dos lotes da Avenida Epitácio Pessoa desenvolveu-se em quatro etapas:
pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, digitalização e organização dos dados e
análise do processo – e utilizou-se de textos, imagens, gráficos, mapas e modelagem
geométrica tridimensional a fim de visualizar e compreender o processo sobre diversos
pontos de vista.
A pesquisa bibliográfica abrangeu as supracitadas obras que tratam da Morfologia Urbana
como “La morfologia de las ciudades” (CAPEL, 2002), “Morfologia Urbana e Desenho da
Cidade” (LAMAS, 2004) e, também, aquelas que abordam os processos de transformação
do espaço urbano, sua produção e seus agentes como “O Espaço Urbano” (CORRÊA,
2005) e “Espaço Intra Urbano no Brasil” (VILLAÇA, 1998). Deste modo, foi possível
identificar as alterações que ocorreram no solo da avenida e analisar como se deu este
processo, o qual a transformou em um eixo comercial, relacionando-o à uma escala mais
ampla – a da cidade.
De acordo com Capel (2002), atualmente, o estudo da Morfologia Urbana possui diversas
possibilidades no tocante ao manejo de informações de caráter cadastral dos imóveis e
lotes, possibilitando o desenvolvimento de uma análise e cartografia rigorosas.
Quando iniciada a pesquisa documental, foi detectada a ausência de registros iconográficos
e bibliografia específica sobre a Avenida Epitácio Pessoa. Tal fato conduziu à busca de
outras fontes que possibilitassem a realização da pesquisa, as quais foram as Ortofotocartas
e os Livros de Registro de Alvará e Habite-se da Prefeitura Municipal de João Pessoa
(PMJP). Tais documentos possibilitaram a identificação das alterações ocorridas tanto nos
lotes quanto nas edificações localizadas na referida via.
Os Livros de Registro de Alvará e Habite-se são documentos que contêm registros manuais
de cada processo requerido à PMJP. Para cada processo é especificado um número e
identificado seu requerente; é dado o número do alvará/habite-se e sua respectiva data de
entrada e saída na PMJP; é mencionado o endereço do imóvel/lote; e é feita descrição do
tipo de solicitação, no caso de solicitação de alvará. Os requerentes dos processos variam
entre pessoa física e jurídica, sendo estes últimos classificados nos registros como Empresa
Limitada (Ltda.) ou Sociedade Anônima (S.A.).
No tocante aos lotes, nos processos de solicitação de alvarás encontrados foram
especificados serviços de desmembramento, que consiste na divisão do lote em duas ou
mais parcelas menores; de remembramento, que corresponde à junção de dois ou mais
lotes resultando em uma única parcela; e de remanejamento, que se trata de uma alteração
nas dimensões do lote e, consequentemente, dos seus vizinhos. Esses tipos de processos
acarretam não apenas a mudança do parcelamento dos lotes que margeiam a avenida,
como também influenciam na forma, na função e na estrutura das edificações existentes
e/ou futuras, permitindo ou anulando a construção de extensas e altas edificações.
Em relação aos imóveis, os processos de solicitação de alvarás encontrados especificaram
serviços como construção, demolição, ampliação, reforma, construção de muro,
rebaixamento de meio fio e instalação de casa de máquinas e caixa d’água.
Dentre esses processos, no tocante ao estudo das alterações no uso e ocupação dos lotes
situados na avenida, vale ressaltar que foram analisados aqueles referentes à construção,
demolição, ampliação e reforma, apesar de todos os processos terem sido registrados. Ao

153
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

todo, foram encontrados e registrados 485 processos de solicitação de alvará e habite-se


relativos aos lotes localizados na Avenida Epitácio Pessoa, entre os anos de 1980 e 2001.
As supracitadas informações contidas nos processos consultados foram registradas em
fichas digitais (Quadro 2) que passaram a compor uma base de dados dos lotes da avenida.
Para sistematizar as informações obtidas, a partir dos dados das fichas foram gerados
gráficos, a fim de identificar como se deu a alteração nos lotes situados na avenida.

Quadro 2 – Ficha produzida com dados do Processo (Alvará/Habite-se) encontrado


004 Livro 19
N° do Processo 6403/80
Requerente Orvácio de Lira Machado
Endereço Av. Epitácio Pessoa, n. 3715
Alvará 1147
Descrição Construção de serviço. Área 285m².
Bairro Miramar
Fonte: Livro de Registro de Alvará da PMJP. Edição nossa, 2013.

Muitos foram os gráficos produzidos: números de processos x ano (Gráfico 1); número de
processos x bairros; número de processos de alvarás de construção x ano; número de
processos de alvarás de construção x bairro; números de processos vinculados ao uso
comercial x bairro (Gráfico 2), entre outros. Ao relacionar quantitativamente as diversas
informações encontradas com as suas localizações (por bairros) e anos, foi possível
identificar, por exemplo, os locais que sofreram mais demolições, onde e quando se
construiu mais ou foram feitas mais alterações no parcelamento do solo, entre outros
aspectos.

Gráfico 1 – Número de processos solicitados por bairro

Fonte: Livros de Registro de Alvará e Habite-se da PMJP. Edição nossa, 2013.

Gráfico 2 – Número de processos vinculados ao uso comercial por bairro

154
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Fonte: Livros de Registro de Alvará e Habite-se da PMJP. Edição nossa, 2013.

Segundo com Nogueira (2010), as ferramentas digitais possibilitam a manipulação dos


dados obtidos, de modo que torna possível a identificação de novos aspectos que antes não
eram visíveis, ampliando “a capacidade investigativa sobre o objeto. Revelando-lhe outros
aspectos, históricos, morfológicos, topológicos” (p. 87).
Tal afirmação é corroborada a partir da análise dos gráficos gerados, a qual identificou
similaridades nas alterações dos lotes da avenida pertencentes a determinados bairros –
seja pela proximidade ou por possuírem semelhantes características físicas/naturais - e,
deste modo, optou-se por dividir e estudar a Avenida Epitácio Pessoa em trechos (Figura 1),
de acordo com as características em comum identificadas nos gráficos.

Figura 1 – Mapa com delimitação dos perímetros dos trechos de análise da pesquisa

Fonte: Planta Base de João Pessoa (PMJP). Edição nossa, 2013.

Foram definidos sete trechos referentes ao percurso da avenida: Centro e Tambiá (trecho
01); Torre e Expedicionários (trecho 02); Bairro dos Estados (trecho 03); Tambauzinho
(trecho 04); Conjunto Pedro Gondim e Brisamar (trecho 05); Miramar (trecho 06); Tambaú e
Cabo Branco (trecho 07).
Vale ressaltar que, apesar de alguns processos coletados estarem incompletos - sem o
número do lote, sem identificação do tipo de uso ou qual o bairro onde o lote estava situado
–, os mesmos não foram descartados como fontes para a pesquisa, pois ainda que uma ou
outra informação estivesse ausente, seus demais dados serviram para embasar outros
aspectos da análise.
O trecho 05 – referente aos lotes da avenida pertencentes aos bairros Pedro Gondim e
Brisamar – foi o único que não apresentou clareza nos processos a eles atribuídos. A
ausência de dados nos processos vinculados aos lotes/imóveis neles localizados foram
fatos que chamaram a atenção e para os quais não se pode atribuir uma causa específica.

155
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Além da elaboração dos gráficos, a pesquisa nos Processos de Alvará e Habite-se da


PMJP, possibilitou o levantamento das alterações no parcelamento dos lotes situados na
Avenida Epitácio Pessoa e a sua digitalização através da localização das solicitações de
remembramento e desmembramento utilizando o software AutoCad e a planta base de João
Pessoa cedida pela PMJP (Figura 2). Foram registrados ao todo 69 processos, dos quais 48
correspondem a remembramentos, 16 a desmembramentos e 5 a remanejamentos de faixa.

Figura 2 – Mapa da avenida com localização dos processos de solicitação de alvará


de desmembramento e remembramento

Fonte: Livros de Registro de Alvará da PMJP. Edição nossa, 2013.

O parcelamento do solo é um relevante elemento morfológico que remete à propriedade


privada e às possibilidades de uso do solo pelo fato de possibilitar ou limitar a construção de
uma determinada edificação dadas as suas configurações físicas. A conformação de um
parcelamento pode ser alterada ao longo do tempo para se adequar às exigências de
algumas funções ou usos, econômicos, sociais ou produtivos (CAPEL, 2002).
A análise da alteração das dimensões dos lotes da Avenida Epitácio Pessoa, ao longo do
recorte temporal da pesquisa, comprova a afirmativa anterior, à medida que é possível
identificar uma série de modificações na configuração dos lotes no momento em que vai se
alterando a função da via e os seus referentes usos.
As Ortofotocartas da cidade, imagens fotográficas aéreas com precisão semelhante as das
bases cartográficas, pertencentes à Diretoria de Geoprocessamento e Cadastro da PMJP,
foram confeccionadas nos anos de 1978, 1989 e 1998. Por meio do acesso a estes
documentos, foi possível elaborar mapas, utilizando o software AutoCad e a planta base de
João Pessoa cedida pela PMJP, e analisar a ocupação dos lotes da Avenida Epitácio
Pessoa ao longo das três últimas décadas do século XX, identificando, por exemplo, quais
as ocupações mais recentes e quais os trechos que já se encontravam totalmente ocupados
no final da década de 1970 (Figura 3 e 4).

Figura 3 – Mapa do trecho 04 com exposição dos lotes vazios e ocupados em 1978

Fonte: Ortofotocartas de João Pessoa (PMJP, 1978) e Planta Base de João Pessoa (PMJP). Edição nossa,
2013.

Figura 4 – Mapa do trecho 04 com exposição dos lotes vazios e ocupados em 1998

156
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Fonte: Ortofotocartas de João Pessoa (PMJP, 1998) e Planta Base de João Pessoa (PMJP). Edição nossa,
2013.

A confecção dos gráficos, do mapa de alteração do parcelamento e dos mapas de ocupação


do solo - referentes aos anos de 1978, 1989 e 1998 – conformou um rico acervo de
informações para a análise da transformação do uso e ocupação dos lotes da Avenida
Epitácio Pessoa entre os anos de 1980 e 2001.
Pelo fato de tal processo relacionar-se diretamente com o espaço construído, alterando
assim o volume edificado, isto é a altura, largura e profundidade dos prédios, foi realizada
uma simulação dos volumes construídos nos lotes da referida via durante o recorte temporal
da pesquisa com a utilização da plataforma SketchUp do Google, possibilitando uma
visualização completa das transformações ocorridas no tocante ao espaço edificado da
avenida.
De acordo com Batty (2009), a modelagem urbana é uma ferramenta que por possuir rigor
tanto espacial quanto temporal, possibilita uma análise mais complexa de uma determinada
realidade, reflete a heterogeneidade e diversidade do espaço urbano e, desta forma,
contribui no estudo e conhecimento sobre o fenômeno urbano.
A simulação foi elaborada com base nas áreas construídas especificadas nos Processos de
Alvarás e Habite-se da PMJP e na planta base de João Pessoa cedida pela mesma
instituição. Aos volumes construídos, foram atribuídos layers que correspondiam aos anos
em que foram edificados, possibilitando a leitura espaço-temporal das alterações por meio
de imagens (Figura 5 e 6) e vídeos.

Figuras 5 e 6 – Imagens da maquete eletrônica simulando os espaços edificados no


trecho 07 da avenida em 1978 (à esquerda) e em 2001 (à direita)

Fonte: Ortofotocartas de João Pessoa (PMJP, 1978), Livros de Registro de Alvará e Habite-se da PMJP e Planta
Base de João Pessoa (PMJP). Edição nossa, 2014.

4 CONCLUSÕES
Ricas fontes documentais encontram-se muitas vezes armazenadas de maneira inadequada
e em constante processo de deterioração. A digitalização do acervo histórico existente hoje
em diversas instituições é uma das maneiras mais adequadas para preservar tais fontes.

157
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

O registro das informações coletadas na pesquisa documental ora apresentada fez o uso de
tal processo ao produzir imagens digitais das Ortofotocartas de 1978 e 1989 – a do ano
1998 já se encontrava armazenada em meio digital – e registrar em fichas digitais as
informações referentes aos Processos de Alvará e Habite-se da PMJP.
Quando devidamente organizado, o material coletado foi utilizado como base de dados e,
com o auxílio de ferramentas computacionais, as informações foram sistematizadas - por
meio de mapas, gráficos e modelagens tridimensionais - para a realização da análise do
processo de transformação do uso e ocupação dos lotes da Avenida Epitácio Pessoa.
A produção de mapas utilizando o software AutoCad possibilitou, além de uma rigorosa
representação gráfica, a visualização e análise da dinâmica de ocupação do solo nas
últimas décadas do século XX, identificando as ocupações mais antigas e recentes, assim
como os lotes que tiveram seu parcelamento alterado.
Os gráficos confeccionados geraram a base quantitativa que possibilitou uma análise
comparativa entre as transformações na ocupação e uso do solo nos diversos bairros da
avenida e ao longo dos anos inseridos no recorte temporal da pesquisa.
A modelagem dos volumes construídos na avenida entre os anos de 1980 e 2001, utilizando
a plataforma SketchUp, permitiu a visualização espaço-temporal do impacto causado pela
alteração do uso e ocupação do solo no ambiente construído da referida via.
Deste modo, os resultados obtidos a partir da utilização das referidas ferramentas digitais
demonstraram de forma clara sua potencialidade no estudo da História Urbana, o que
permite afirmar que a documentação pode consistir não apenas num fim da pesquisa, mas
num meio de vivenciar, retratar e/ou simular realidades urbanas do passado.

REFERÊNCIAS
AMORIM, A. L. . A Documentação Digital do Patrimônio Construído: possibilidades e
desafios. In: I ENANPARQ - Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
graduação em Arquitetura e Urbanismo, 1., 2010, Rio de Janeiro. Arquitetura, Cidade,
Paisagem e Território: percursos e perspectivas. Rio de Janeiro: PROURB, 2010.
Disponível em: <http://www.anparq.org.br/dvd-enanparq/simposios/170/170-760-2-SP.pdf>.
Acesso em: 05 jul. 2014.
BATTY, M. Urban Modeling. In: International Encyclopedia of Human Geography. Oxford:
Elsevier, p.51-58, 2009. Disponível em: <http://www.casa.ucl.ac.uk/rits/BATTY-Urban-
Modelling-2009.pdf>. Acesso em: 01 mai 2014.
CAPEL, H. La morfologia de las ciudades. Barcelona: Ediciciones del Serbal, 2002.
CORRÊA, R. L. O Espaço Urbano. 4. São Paulo: Editora Ática, 2005.
COUTINHO, M. A. F. Evolução urbana e qualidade de vida: o caso da Avenida Epitácio
Pessoa. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento em Meio Ambiente) - Universidade
Federal da Paraíba, João Pessoa, 2004.
LAMAS, J. M. R. G. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. 3. ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbekian, Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 2004.
MARX, M. Cidade Brasileira. São Paulo: Edições Melhoramento, 1980.
NOGUEIRA, F. M. de S. A representação de sítios históricos: documentação
arquitetônica digital. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 2010.
VILLAÇA, F. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, 1998.

158
PROJETO ARQUIGRAFIA: ASPECTOS TÉCNICOS E
CONCEITUAIS

Artur Simões Rozestraten


Departamento de Tecnologia, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo,
FAUUSP
artur.rozestraten@usp.br
Vânia Mara Alves Lima
Departamento de Biblioteconomia e Documentação, Escola de Comunicação e Artes da Universidade
de São Paulo, ECAUSP
vamal@usp.br
Eliana de Azevedo Marques
Serviço de Biblioteca e Informação, Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo, FAUUSP
emarques@usp.br
Gabriela Previdello Orth
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Escola de Comunicação e Artes da
Universidade de São Paulo, ECAUSP
gprevidello.ecausp@gmail.com
Ruth Cuiá Troncarelli
Aluna de graduação em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo, FAUUSP
ruthtroncarelli@gmail.com

RESUMO
Esta comunicação apresenta a experiência de 5 anos do projeto ARQUIGRAFIA, com especial
atenção aos fundamentos técnicos e conceituais das várias frentes integradas no trabalho realizado
pela equipe do projeto ARQUIGRAFIA junto à Setor Audiovisual do Serviço de Biblioteca e
Informação da FAUUSP em São Paulo. Serão apresentadas considerações sobre aspectos da
Curadoria Digital relacionada à conservação, catalogação e difusão web de um acervo de mais de
100 mil imagens originais da Arquitetura Brasileira, em boa parte inéditas, assim como serão
abordados também aspectos relacionados às características do redesenho do sistema recentemente
concluído, e aos desdobramentos e desafios futuros. O projeto em andamento pode ser acessado no
endereço <www.arquigrafia.org.br> onde os usuários institucionais e particulares são convidados a
colaborarem com a construção contínua de conhecimento sobre a Arquitetura e os Espaços Urbanos
amparados por uma base iconográfica digital.
Palavras-chave: Fotografia. Imaginário. Representação da Arquitetura. Representação da
Informação. Ambientes colaborativos na Web

159
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

ABSTRACT
This paper presents the five year experience of the ARQUIGRAFIA project focusing on technical and
conceptual basis of the several integrated work fronts carried on by the research team together with
the FAUUSP Library Audiovisual Sector in São Paulo, Brazil. Digital curation aspects related to
conservation, cataloging and web dissemination of a 100 thousand Brazilian Architecture original
images collection will be presented, as well as facets of the system web-redesign recently finished,
and future challenges and implementations. ARQUIGRAFIA can be reached at
<www.arquigrafia.org.br> in which institutional and personal users are invited to share and collaborate
with the continuous knowledge production on Architecture and Urban Spaces supported by a digital
iconographic base.
Keywords: Photography. Imaginaire. Architectural representation. Information representation. Web
Collaborative Environments.

160
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

1 INTRODUÇÃO
O ARQUIGRAFIA é um ambiente colaborativo na Web, aberto, público e sem fins lucrativos,
dedicado à difusão de imagens de arquitetura, com especial atenção à arquitetura e aos
espaços urbanos brasileiros. O objetivo deste projeto é congregar instituições e usuários
particulares em um mesmo ambiente na internet, dedicado à colaboração para o estudo da
Arquitetura e do Urbanismo, com base em um acervo de imagens que se inicia pela
fotografia e pretende contemplar também desenhos e vídeos, no futuro.
Este projeto é desenvolvido desde 2009 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo (FAUUSP), em parceria com o Instituto de Matemática e
Estatística (IME/USP) e a Escola de Comunicação e Artes (ECA/USP). Em 2011, o
ARQUIGRAFIA recebeu o primeiro prêmio da Agência de Inovação USP na categoria de
Tecnologias Sociais Aplicadas e Humanas, o que estimulou a conformação do Núcleo de
Apoio à Pesquisa em Ambientes Colaborativos na Web, NAP Interunidades USP, que hoje
abriga este projeto dentre outros. Em 2012 o projeto recebeu chancela do Ministério da
Cultura por sua contribuição à cultura brasileira, e em 2014 foi o projeto selecionado pelo
Ministério da Cultura na área de Arquitetura no Edital Cultura na Copa.
O processo colaborativo que constituiu o acervo fotográfico do Serviço de Biblioteca e
Informação da FAUUSP, por meio da doação sistemática de imagens feitas por professores
e alunos desde os anos 1960, e o projeto de Le Corbusier para um Museu de Crescimento
Ilimitado (1929), referenciam conceitualmente o ARQUIGRAFIA em sua intenção de ampliar
à internet a possibilidade de colaboração para a construção de um acervo iconográfico
digital concentrado nos temas pertinentes à Arquitetura, ao Urbanismo e ao Design.
O objetivo principal desta iniciativa é contribuir para o estudo, o ensino, a pesquisa e a
difusão da cultura arquitetônica e urbanística, ao promover interações colaborativas entre
pessoas e instituições públicas e privadas na internet.
Desde 2011 a equipe do projeto ARQUIGRAFIA realiza um trabalho específico de
conservação e digitalização do acervo original de imagens fotográficas do Setor Audiovisual
da Biblioteca da FAU. Esta ação envolve a conservação, digitalização e difusão Web de um
acervo estimado em mais de 100 mil imagens, com cerca de 40.000 diapositivos, 31.000
imagens em papel, entre fotografias coloridas e pretas e brancas, e aproximadamente
49.500 imagens em negativo. As imagens originais devidamente higienizadas, catalogadas
e acondicionadas pela equipe de alunos-bolsistas e funcionários da Biblioteca são então
digitalizadas por uma empresa externa contratada pela FAUUSP com recursos da Pró-
reitoria de Cultura e Extensão USP.

161
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 1 – Estagiária graduanda na FAUUSP trabalhando na higienização de slides

Fonte: Fotografia de Ruth Cuiá Troncarelli, 2014.

Figura 2 – Estagiário graduando na ECAUSP trabalhando na catalogação de ampliações em


papel

Fonte: Fotografia de Ruth Cuiá Troncarelli, 2014.

Os arquivos digitais são inseridos (upload) no ARQUIGRAFIA na medida em que as


coleções recebem uma autorização de difusão Web e uma licença Creative Commons por
parte de seu autor, ou de seus herdeiros, com a assinatura de um Termo Legal aprovado
pela Procuradoria Geral da USP.
Ao preservar os originais e tornar disponível na Web este significativo acervo digital de
imagens fotográficas da Arquitetura Brasileira, a equipe do projeto espera colaborar para a
ampliação da cultura visual no campo da Arquitetura, do Urbanismo e do Design,
fomentando e amparando a construção de conhecimento nesta área, por meio da interação
em rede entre milhares de estudantes, professores, profissionais e pesquisadores, no Brasil
e no exterior. A difusão deste acervo online desempenha também um papel central e
estratégico no enfrentamento dos desafios educacionais brasileiros, e de outros países em
desenvolvimento, especialmente na comunidade lusófona, podendo dar suporte ao ensino, à
pesquisa e à extensão universitária em incontáveis instituições de ensino, além de amparar
a formação contínua e a educação não-formal.

162
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Serão descritos a seguir os aspectos técnicos envolvidos nas várias frentes de trabalho
integradas na atividade específica do projeto ARQUIGRAFIA em parceria com a Biblioteca
da FAUUSP. Como se trata de um projeto colaborativo em crescimento contínuo, que
promove a convergência de esforços, considera-se que os procedimentos metodológicos
empregados como piloto junto ao Setor Audiovisual da Biblioteca da FAUUSP podem se
estruturar como um protocolo de procedimentos básicos de conservação e digitalização,
para que outras instituições que desejem colaborar também com o projeto possam se valer
desta experiência criticamente.
Nesta ocasião, do III Seminário Internacional sobre Documentação do Patrimônio
Arquitetônico com o uso de tecnologias digitais, ArqDoc João Pessoa 2014, se reitera o
convite às instituições públicas e privadas, brasileiras e estrangeiras, dedicadas ao ensino, à
pesquisa e à extensão na área de Arquitetura, Urbanismo e Design para que se valham da
plataforma ARQUIGRAFIA, criando uma conta e sua identidade de usuário para difundir
neste ambiente online suas próprias coleções digitais. O mesmo convite também é reiterado
aos usuários particulares - estudantes, arquitetos, designers, professores, fotógrafos e
interessados no tema - para que criem uma conta no ARQUIGRAFIA e colaborem também
com a construção deste acervo digital difundindo neste ambiente suas coleções de imagens.

2 FRENTES INTEGRADAS E COMPLEMENTARES

2.1 Curadoria digital: preservação


A pesquisa que subsidia a documentação e tratamento da informação do projeto
ARQUIGRAFIA é aplicada sob a perspectiva da curadoria digital, conceito contemporâneo
que prevê o acompanhamento e a intervenção contínua de equipe especializada e
multidisciplinar, nas questões de preservação, arquivamento e organização de coleção de
dados digitais. Frente aos requisitos da atualidade, o termo curadoria digital foi atualizado
para suprir, entre outras demandas, a necessidade de comunicação entre especialistas de
domínio e cientistas junto aos profissionais da informação. A preservação e a documentação
de recursos digitais são vistas através de diferentes abordagens dependendo de seus
contextos de prática (BEAGRIE, 2006), assim sendo, um empreendimento tal o de curadoria
digital é adotado quando da necessidade de acompanhamento de todo o ciclo de vida de
objetos digitais (desde sua produção, até sua organização e difusão), garantindo o acesso a
conteúdos ativos e em longo prazo.
O contexto de curadoria digital do projeto ARQUIGRAFIA compreende um trabalho
interdisciplinar, visando à atuação nos processos de gestão e preservação da informação
digital de maneira modular. A proposta é adequada para o tratamento de informação
corrente, atendendo tanto a demanda dos colaboradores institucionais como a Biblioteca da
FAUUSP e o Laboratório QUAPÁ - Quadro do Paisagismo no Brasil, bem como o website
colaborativo do ARQUIGRAFIA, que recebe informação de usuários e que pode
potencializar outros desdobramentos web que possam vir a ser trabalhados. Preceitos como
"interoperabilidade com o futuro" e "comunicação através do tempo" (RUSBRIDGE et al.,
2005, p. 1) fazem parte do rol de requisitos de programas de curadoria digital, que visam à
gestão ativa das coleções de dados confiáveis e principalmente, a valoração desta
informação (YAKEL, 2007). No caso específico do projeto ARQUIGRAFIA, a curadoria
digital contribui para a preservação e crescimento da coleção de imagens de arquitetura
brasileira da FAUUSP e seus colaboradores, potencializa a difusão do patrimônio cultural de
imagens de arquitetura através de plataforma de acesso livre e interativo e formaliza a
dinâmica da informação fundamental para o para a apropriação do conhecimento, no
trabalho semântico com a organização dos dados.
Como supracitado, os processo de gestão, organização e preservação da informação
ocorrem de forma modular no contexto do ARQUIGRAFIA, dessa forma cabe o desafio às
propostas da curadoria digital, de propor um olhar de inferência sobre os produtos dos

163
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

variados pólos de prática com a informação dentro do projeto. A produção (digitalização de


fontes analógicas ou upload de imagens nascidas digitais), documentação, trato com
questões autorais e suporte dos repositórios institucionais fazem parte das frentes de
trabalho do empreendimento. Se entendidas de maneira sucinta e progressiva, as frentes de
trabalho envolvem:
• Tratamento físico do material em fotografia, slide ou negativo para posterior
digitalização; adequação de metadados e formatos de recursos digitais e carregados no
sistema pela equipe ou usuários do website; tratamento lógico do sistema para
modelagem de coleções de dados.
• Tratamento de linguagens de especialidades, entre elas a lógico-computacional, a do
domínio da arquitetura, a linguagem natural do usuário e o própria da documentação
institucional; levantamento de novos termos descritores e de representação de conteúdo;
adequação do projeto às ontologias computacionais e sistemas de informação com base
no conhecimento.
• Infraestrutura e repositórios; políticas de arquivamento e backup; políticas de gestão de
dados e recuperação da informação.

Neste último aspecto, o esforço em institucionalizar o projeto nos repositórios da


Universidade de São Paulo parece uma demanda oportuna, visto que a curadoria digital tem
grande foco nos meios acadêmicos e científicos, os repositórios como o do ARQUIGRAFIA
podem ser promissores para o desenvolvimento de infraestrutura em ambientes digitais.
Segundo Yakel (2007), há vários relatórios sobre a aplicação de curadoria digital em
infraestrutura, a exemplo do NSF Cyberinfrastructure report - National Science Foundation 1,
que se atenta a cluster de dados científicos de coleções multidisciplinares, características
próximas ao projeto ARQUIGRAFIA.
O cometimento no desenvolvimento de recursos humanos para o ARQUIGRAFIA é uma das
frentes de trabalho da curadoria digital. O conjunto de pesquisadores e especialistas, a partir
de seus domínios (arquitetura, biblioteconomia, matemática e computação, etc), é orientado
a manter uma visão macro do projeto, com seus especialistas participando de diversos
módulos de aplicação (produção de material para digitalização, documentação, catalogação,
tagueamento) e respondendo a requisitos e processos para manutenção do ciclo de vida
dos objetos digitais. Ao mesmo tempo, os pesquisadores desempenham uma função
fundamental na interface homem-máquina e, indos ao encontro de especialidades da
curadoria digital contribuem tal como “humanistas de dados” (CHOUDHURY, 2008) nas
diversas frentes de trabalho para o ARQUIGRAFIA. Ao mesmo tempo, os pesquisadores
envolvidos tornam factíveis os entendimentos da nova natureza dos dados digitais, inferindo
transformações nos processos curatoriais, a priori, dinâmicos.
Outro eixo da curadoria digital abordado no ARQUIGRAFIA é o voltado para as
comunicações e para a interação social. De caráter colaborativo, a plataforma possibilita
aspectos da curadoria digital, enxergando o curador (especialistas e usuários) como “filtro,
agenciador e construtor de plataformas” Beiguelman (2011), atuando para que dispositivos
culturais sejam disseminados e potencializados da instituição para a rede (e vice-e-versa).
Neste caso específico a curadoria digital em pesquisa no ambiente colaborativo do
ARQUIGRAFIA, ao invés de trabalhar apenas na distribuição de conteúdo digital, volta-se
para a inferência do usuário em seleção, avaliação e no juízo de valores tocante as imagens
de arquitetura brasileira, através das ferramentas de mídias sociais, criação de

1
National Science Foundation, link: http://www.nsf.gov/cise/sci/reports/atkins.pdf

164
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

comunidades, georreferenciamento, avaliação e “tagueamento” das imagens, download e


upload de objetos digitais, entre outras.
A curadoria digital potencializa a pesquisa e a educação e revela a amplitude e a
complexidade das informações. Desse modo, agrega valor e propicia sentido a novas fontes
de informação e de conhecimento, através de metodologias específicas e gestão de dados
de qualidade.

2.2 A organização, representação e recuperação da informação digital


A organização e a representação da imagem em ambientes virtuais colaborativos têm por
objetivo dar acesso às informações contidas nos documentos originais que são
transformados em imagens digitais. No caso específico do projeto ARQUIGRAFIA as
informações referentes ao patrimônio arquitetônico urbano brasileiro, se encontram
dispersas na Biblioteca da FAU em suportes físicos diferenciados como diapositivos, fotos e
negativos de acetato.
As especificidades desses suportes e a necessidade de tradução de uma linguagem visual
para uma linguagem escrita, sempre foram objeto de preocupação no âmbito de seu
processamento técnico, entendido aqui como a representação descritiva e temática de seu
conteúdo informacional. Aliado a isso, as mudanças tecnológicas obrigaram as instituições
de memória desse material a empreenderem esforços interdisciplinares na reformulação de
seus procedimentos e na busca de padrões e normas emergentes, os quais possam ser
aplicados em seus acervos e ambientes de informação de maneira colaborativa, garantindo
pleno acesso à informação por parte dos usuários.
No caso da representação descritiva, as imagens digitalizadas e inseridas na base de dados
do ARQUIGRAFIA observaram em princípio as regras do Anglo-American Cataloging Rules,
2nd edition (AACR2), as quais são utilizadas pela biblioteca. No Arquigrafia, por meio de
projeto de iniciação científica, foram analisadas as normas previstas no Cataloguing Cultural
Objects (CCO) e no Requirements for Bibliographic Records (FRBR) para ampliar as
possibilidades de representação das informações contidas nos diapositivos e fotografias. O
CCO tem por objetivo padronizar metadados que permitam a interoperabilidade entre
sistemas de informação no domínio da Arte e da Arquitetura. Já o FRBR se apresenta como
um novo modelo conceitual relacional para o tratamento da informação, na medida em que
propõe a descrição da obra (no caso o objeto da imagem) e suas diversas manifestações (a
própria obra, a foto da obra, o diapositivo da obra, o projeto da obra, etc.). A conjunção
dessas duas normas parece ser a melhor maneira de garantir uma maior precisão na
representação e recuperação da informação em imagens. Assim, para que o tratamento da
informação seja uniforme deverá ser elaborada uma nova planilha com campos para os
metadados mais relevantes que devem ser inseridos na base de dados do ARQUIGRAFIA.
No que se refere à representação temática, outro projeto de iniciação científica realizou um
estudo analítico-crítico das linguagens documentárias, instrumento normalizador, para a
atribuição de um assunto ou conjunto de assuntos a uma determinada imagem. Aqui foram
analisadas a lista de assuntos utilizada pelo SBI/FAU/USP, o Vocabulário Controlado do
SIBI/USP e a lista de tags elaborada pelos especialistas em Arquitetura especificamente
para o ARQUIGRAFIA. Este estudo concluiu que existe a necessidade de se realizar um
estudo terminológico sobre os termos para que os mesmos sejam definidos com precisão,
de maneira a explicitar melhor seu significado. Além disso, a partir de procedimentos
terminológicos, documentários e linguísticos devem ser estabelecidas relações conceituais
hierárquicas, associativas e de equivalência, como por exemplo: gênero/espécie; todo/parte;
causa/efeito; produto/produtor; etc. entre esses termos, de maneira a facilitar a sua
atribuição às imagens.
Ao inserir novos campos para os metadados no ambiente ARQUIGRAFIA, ao mesmo tempo
em que se desenvolve um vocabulário controlado específico para representar as
informações contidas nas imagens digitalizadas, espera-se oferecer aos seus usuários

165
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

ferramentas que possibilitem a inserção de novas imagens e o acesso à informação neste


ambiente colaborativo.

2.3 Redesenho web


Com recursos obtidos no Edital 2012 da Pró-reitoria de Cultura e Extensão da Universidade
de São Paulo concluiu-se em julho de 2014 o redesenho da interface (front-end) do
ARQUIGRAFIA, pautado em considerações críticas feitas por usuários – dentro do princípio
de Design Centrado no Usuário que orientou todo o desenvolvimento da interface do
sistema – e pela própria equipe, e realizado pela empresa parceira, BRZ Comunicação.

Figura 3 – Homepage redesenhada para a nova versão beta do ARQUIGRAFIA 2014

Fonte: BRZ, 2014.

Este redesenho envolveu os seguintes aspectos:


• Alteração da cor de fundo para branco, permitindo assim maior definição das bordas das
imagens e maior contraste entre a figura e o fundo nas entradas de texto, que foram
alteradas então para cinza escuro;
• Retirada da cor laranja de links ativos com mouse over, como princípio de concentração
da identidade visual do ARQUIGRAFIA em branco, preto e tons de cinza, preservando a
cor como contribuição das próprias imagens fotográficas ao sistema;
• Recomposição do painel de imagens na homepage procurando intensificar a dinâmica
de uma ‘constelação de imagens’ com a ocupação do máximo de espaço possível na
tela com um conjunto heterogêneo de imagens, randomicamente organizado, em
formatos variados para sugerir diferentes distâncias em uma analogia ao posicionamento
de uma série de imagens em profundidade, postas em perspectiva;
• Implemento da movimentação do painel da homepage, para a esquerda e a direita,
permitindo uma navegação mais ampla no acervo de imagens;
• Redesenho do footer e reorganização de logos para evitar a necessidade de
scrolling/rolagem na homepage;
• Redesenho de todas as páginas específicas procurando valorizar a avaliação de
imagens por binômios de qualidades plástico-espaciais (diferenciais semânticos);

166
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

• Redesenho de páginas específicas para enfatizar as características do ARQUIGRAFIA


como ambiente colaborativo relacionadas ao perfil do usuário, ao compartilhamento de
álbuns entre usuários, e a grupos temáticos com fóruns de debates.
Em julho de 2014 a versão redesenhada do sistema foi testada no servidor de homologação
para, em seguida, ser implementada no servidor de produção como nova versão beta do
sistema ARQUIGRAFIA 2014.

2.4 Desdobramentos e desafios futuros


A partir do exposto, a equipe identifica hoje os seguintes aspectos como desdobramentos
possíveis e desafios futuros:
• A publicação da experiência do projeto ARQUIGRAFIA com o apoio do Laboratório de
Produção Gráfica, LPG, da FAUUSP, documentando o trabalho realizado pela equipe
entre 2009 e 2014;
• A revisão crítica de tags e vocabulário controlado na área específica de Arquitetura,
Urbanismo e Design;
• Aprimoramento na descrição de recursos que permitam efetiva reanálise de informação
para a significação de assuntos no domínio da Arquitetura, Urbanismo e Design e reuso
desta informação no contexto da plataforma colaborativa ARQUIGRAFIA;
• Ampliação da pesquisa em ontologias computacionais no domínio da Arquitetura,
envolvendo os núcleos de pesquisa em Ciências da Computação - IMEUSP e Ciência da
Informação – ECAUSP, para o aprimoramento dos sistemas de informação;
• Análise da operacionalização dos múltiplos repositórios de dados do projeto e
formalização de design para interoperabilidade entre eles, visando a preservação digital;
• A higienização, tombamento, catalogação, digitalização e inserção das imagens
provenientes de coleções específicas de imagens fotográficas recentemente doadas à
Biblioteca da FAU como as de Ruth Verde Zein, David Libeskind, Julio Roberto Katinsky,
João Walter Toscano, Odiléa Helena Setti Toscano;
• A conclusão da higienização dos slides e das ampliações fotográficas em papel
pertinentes à arquitetura brasileira do acervo da Biblioteca da FAUUSP e seu devido
acondicionamento;
• O desenvolvimento de um aplicativo Android para acesso ao sistema via smartphones e
tablets para facilitar a navegação no acervo georeferenciado do ARQUIGRAFIA
enquanto se circula pelas cidades, visualizando as imagens disponíveis em trânsito,
interagindo com outros usuários, e também colaborando para o crescimento contínuo do
acervo por meio do envio de suas próprias imagens para o sistema;
• O aperfeiçoamento da programação do sistema para implementar todas as
funcionalidades já conceituadas e permitir que arquivos de desenho e de vídeo estejam
também disponíveis na mesma plataforma junto com imagens fotográficas;
• O desenvolvimento contínuo do sistema ARQUIGRAFIA como software livre, open
source, para que possa ser aplicado a outras áreas de conhecimento que também
necessitam de bases iconográficas digitais online públicas e gratuitas, tais como a
Botânica, a Geologia, as Engenharias, a Arqueologia, a Antropologia, etc;
• O fortalecimento do vínculo do projeto ARQUIGRAFIA como plataforma integrada da
Universidade de São Paulo, vinculada à Pró-reitoria de Cultura e Extensão, contando
assim com um apoio técnico-funcional da USP para a manutenção e o aprimoramento
do sistema.

167
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entre julho de 2012 e julho de 2014, a parceria entre o Serviço de Biblioteca e Informação
da FAUUSP e a equipe do projeto ARQUIGRAFIA possibilitou a higienização de 27.316
slides de um conjunto de cerca de 40 mil pertinentes à Arquitetura e Espaços Urbanos
brasileiros. Destes, 15.118 slides já foram digitalizados e estão em processo de catalogação
e upload no sistema.
A parceria do projeto ARQUIGRAFIA com o Laboratório QUAPÁ, Quadro do Paisagismo no
Brasil, coordenado pelo Prof. Silvio Soares Macedo, possibilitou até julho de 2014 a
catalogação de 1.692 imagens, sendo que destas 1.425 já estão disponíveis no sistema
online.
Além dos slides, a estimativa inicial do projeto realizada em 2012 considerou um acervo de
10 mil fotografias em papel e cerca de 5 mil tiras de negativos em acetato. O diagnóstico
realizado no acervo entre março e maio de 2013 identificou um conjunto muito mais
numeroso, com cerca de 31.000 imagens em papel, entre fotografias coloridas e em preto e
branco, e um conjunto de 49.500 imagens em negativo. É sobre este acervo
consideravelmente mais abrangente que o inicialmente estimado que a equipe do projeto
inicia uma nova fase de trabalhos, contando com a assessoria especializada da L3
Conservação de Acervos, coordenada pelo Arq. Leandro Lopes, contratada com recursos do
Edital 2013 da Pró-reitoria de Cultura e Extensão da Universidade de São Paulo. Esta etapa
de trabalhos, a ser desenvolvida no segundo semestre de 2014, irá se concentrar
especificamente na higienização e acondicionamento do material fotográfico em papel e em
acetato mencionado.
Em suma, o desenvolvimento das ações técnicas e conceituais, integradas e
complementares aqui expostas, nesta parceria junto ao projeto ARQUIGRAFIA, contribuem
para a perpetuação e ampliação do papel histórico do Setor Audiovisual do Serviço de
Biblioteca e Informação da FAUUSP na construção e difusão da informação e do
conhecimento específico na área de Arquitetura, Urbanismo e Design, valendo-se agora das
possibilidades colaborativas na Web.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o apoio ao projeto recebido por parte da Pró-reitoria de Cultura e
Extensão da Universidade de São Paulo, da Diretoria da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo, da Diretoria e do Conselho do Serviço de
Biblioteca e Informação da FAUUSP. Cabe um agradecimento especial a todos os autores
de imagens fotográficas doadas ao acervo da Biblioteca da FAUUSP que prontamente se
dispuseram a colaborar com o projeto, autorizando a difusão de suas imagens na Web e
atribuindo a suas coleções uma licença Creative Commons.

REFERÊNCIAS
BEAGRIE, Neil. Digital curation for science, digital libraries, and individuals. International
Journal of Digital Curation, v. 1, n. 1, p. 3-16, 2006. Disponível em:
<http://ijdc.net/index.php/ijdc/article/view/6>. Acesso em: 18 dez. 2013.
BEIGUELMAN, Giselle. Curadoria de Informação. Encontros com o Futuro ECA-USP.
2011.
CHOUDHURY, G. Sayeed. Case Study in Data Curation at Johns Hopkins University.
Library Trends. v. 57, n. 2, 2008, p. 211-220.
CÓDIGO de Catalogação Anglo-Americano. 2. ed. 2002. São Paulo: FEBAB, 2004.

168
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

LIMA, Vânia Mara Alves et al. Estudos para implantação de ferramenta de apoio à gestão de
linguagens documentárias : o caso do vocabulário controlado da USP. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE BIBLIOTECONOMIA, DOCUMENTAÇÃO E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
– CBBD, 21., 2005, Curitiba. Anais… São Paulo: FEBAB, 2005. CD-Rom.
RUSBRIDGE, C.; BURNHILL, P.; ROSS, S.; BUNEMAN, P.; GIARETTA, D.; LYON, L.;
ATKINSON, M. The Digital Curation Centre: a vision for digital curation. Local to Global
Data Interoperability - Challenges and Technologies Mass Storage and Systems
Technology Committee of the IEEE Computer Society, 2005, p. 31-41. Disponível em:
<http://eprints.gla.ac.uk/33612/1/33612.pdf>. Acesso em: 22 jul. 2014.
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. SIBi/USP - Departamento Técnico - SIBi/DT. Vocabulário
Controlado USP Histórico e metodologia do projeto. São Paulo. Disponível em:
<http://143.107.154.62/Vocab/image ns/Historico.htm>. Acesso em: 30 de jun. 2014
YAKEL, Elizabeth. Digital curation. OCLC Systems & Services, v. 23, n. 4, p. 335-340, 2007.

169
GUIA DA ARQUITETURA MODERNA EM FORTALEZA:
MEMÓRIA E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL

Ricardo Alexandre Paiva


Prof. Adjunto DAU-UFC
paiva_ricardo@yahoo.com.br
Beatriz Helena Nogueira Diógenes
Profa. Adjunta DAU-UFC
bhdiogenes@yahoo.com,br
Lia Beatriz Mattos Dourado Bezerra
Bolsita PROEXT-UFC
liabeatrizmdb@gmail.com
Roberto Esdras Mourão Lobo Filho
Bolsita PJTIC-UFC
resdraslobo@gmail.com
Luana Bezerra Pinheiro do Ceará
Bolsita Voluntária LoCAU-UFC
luanabezerrap@gmail.com
Maria Neuza Lima Osório
Bolsita Voluntária LoCAU-UFC
neuzalosorio@gmail.com

RESUMO
O artigo aborda o processo de elaboração do Guia da Arquitetura Moderna em Fortaleza, mediante a
sistematização, documentação e seleção das obras mais emblemáticas da arquitetura modernista da
Cidade (1960 a 1982), compilando-as em um inventário sucinto, a ser publicado em meio impresso e
digital, destacando a importância da incorporação da documentação e modelagem digital para a
valorização da memória deste acervo arquitetônico. O conteúdo do trabalho relata a experiência de
pesquisa do Guia, suas bases teóricas e empíricas, expondo a importância da incorporação das
ferramentas digitais no processo de documentação da arquitetura moderna em Fortaleza. A
documentação da contribuição dos primeiros arquitetos à arquitetura moderna na capital cearense,
através do Guia (impresso e digital), colabora para a valorização e preservação deste legado
arquitetônico e possibilita a produção de conhecimento sobre a arquitetura e a cidade no Ceará, por
intermédio da escrita de sua história e, como consequência, serve de subsídio para o ensino, a
pesquisa e a extensão sobre a arquitetura e urbanismo no âmbito local e regional.
Palavras-chave: Guia. Arquitetura Moderna. Documentação. Modelagem Digital. Fortaleza.

170
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

ABSTRACT
The article discusses the process of elaboration of the Guide of Modern Architecture in Fortaleza,
through the systematization, documentation and selection of the most emblematic works of modernist
architecture in the city (1960-1982), compiling them into a succinct inventory, to be published, print
and digital, highlighting the importance of incorporating documentation and digital modeling for the
development of memory of this architectural heritage. The contents of the paper reports the research
experience of the Guide, their theoretical and empirical foundations, exposing the importance of the
incorporation of digital tools in the process of documentation of modern architecture in Fortaleza. The
documentation of the contribution of the first architects to modern architecture in Fortaleza, through
the Guide (printed and digital), contributes to the appreciation and preservation of this architectural
legacy and stimulates the production of knowledge about the architecture and the city in Ceará,
through its historiography and, consequently, can help in teaching, research and extension on
architecture and urbanism at the local and regional level.
Keywords: Guide. Modern Architecture. Documentation. Digital modeling. Fortaleza.

1 INTRODUÇÃO
O artigo aborda o processo de elaboração de um Guia da Arquitetura Moderna em
Fortaleza, mediante a sistematização, documentação e seleção das obras mais
emblemáticas da arquitetura modernista na cidade (de 1960 a 1982), compilando-as em um
inventário sucinto, a ser publicado em meio impresso e digital, destacando a importância da
incorporação da documentação e da modelagem digital para a valorização da memória
deste acervo arquitetônico.
Os guias de arquitetura são instrumentos que orientam pesquisadores e visitantes sobre
aspectos fundamentais da produção da arquitetura de um determinado lugar, ao oferecer
condições mínimas de conhecimento do patrimônio edificado e proporcionar possibilidades
distintas de informação e interpretação da obra, assim como sua inserção espacial e
temporal1.
O desenvolvimento da pesquisa tem contribuído para investigar teoricamente o processo de
difusão do modernismo arquitetônico no Nordeste e no Ceará, ressaltando suas
idiossincrasias, além de analisar a contribuição de diversos arquitetos modernos na
introdução, difusão e ensino da arquitetura moderna em Fortaleza.
O suporte teórico da pesquisa que envolve o Guia tem sido construído com base na
estruturação de duas vertentes conceituais: a primeira se refere à produção bibliográfica
nacional sobre a arquitetura moderna, que enfatiza os desdobramentos do movimento nos
principais centros regionais, sobretudo no Nordeste, e a segunda aborda a produção
historiográfica local que, embora não esteja consolidada, revela as especificidades do
modernismo arquitetônico no Ceará, com destaque para Fortaleza.
Os procedimentos metodológicos foram divididos, em quatro partes, a saber: - coleta e
revisão de dados secundários, constituindo os pressupostos teóricos; - pesquisa de fontes
primárias, com base na coleta de dados específicos, documentos, entrevistas com os
arquitetos e depoimentos; - complementação da documentação do acervo iconográfico
(desenhos, plantas, fotos antigas e atuais) das obras selecionadas; - Modelagem,
sistematização e inventário, constando a simulação digital das obras emblemáticas, com
base nas pesquisas já realizadas, complementado a base de dados das obras não
estudadas, assim como a produção de uma ficha de caracterização das obras.
A produção das fichas e a digitalização da iconografia (plantas, desenhos e imagens) servirá
de suporte para a composição da documentação que orientará a publicação digital e
impressa. Pretende-se que a base de dados digital, que será disponibilizada na internet,

1
Neste contexto, a produção do Guia servirá também de subsídio para o Momotur (visita guiada), atividade que
compõe a programação do 5º Seminário DOCOMOMO N/NE, a ser realizado em Fortaleza no ano de 2014.

171
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

possibilite um sistema de busca relacionado aos roteiros, às diferentes tipologias e aos


arquitetos autores dos projetos, bem como permita futuras atualizações e acréscimos.

2 BREVES NOTAS SOBRE A ARQUITETURA MODERNA EM FORTALEZA


O panorama diverso da arquitetura moderna brasileira a partir da década de 1950 se deve
aos fluxos de informações e conhecimento decorrentes do deslocamento dos “arquitetos
peregrinos, nômades e migrantes” (SEGAWA, 2002) que redundaram, sobretudo, na
fundação e autonomia das escolas de arquitetura. Esta mobilidade de pessoas, ideias e
valores criou vínculos entre centros emissores e receptores, favorecendo a afirmação da
arquitetura moderna brasileira, ao mesmo tempo em que contribuiu para o surgimento de
uma diversidade de manifestações do modernismo arquitetônico, justificadas em função,
principalmente, das resistências materiais e ambientais dos lugares.
Este cenário plural inclui uma vasta produção que, à margem do modernismo arquitetônico
hegemônico, buscava adaptar os princípios modernos às condicionantes locais. Embora
este processo e a atuação dos seus respectivos personagens (migrantes estrangeiros e
nacionais e nativos que vão estudar nos principais centros e retornam à terra natal),
pareçam periféricos, é importante destacar o significativo papel que cumpriram na difusão
do modernismo, ao introduzirem uma cultura arquitetônica de caráter mais erudito em
diversos centros regionais. Neste sentido, a trajetória de diversos arquitetos e o legado das
suas obras constituem, ao mesmo tempo, fonte e objeto de documentação do
desenvolvimento da diversidade da arquitetura moderna brasileira.
Em meados da década de 1950 em Fortaleza, jovens arquitetos cearenses, recentemente
diplomados, voltam à terra natal com o compromisso de aplicar novas práticas profissionais
e métodos de trabalho. Formados no Rio de Janeiro e em Recife, trazem para o Ceará o
debate sobre a arquitetura e o urbanismo modernos praticados naqueles centros e nas
grandes cidades do mundo, o que, naquela época e nestas latitudes, era praticamente
desconhecido.
Roberto Villar de Queiroz, Enéas Botelho, Liberal de Castro, Neudson Braga, Marrocos
Aragão e Ivan Brito protagonizam o início da prática profissional do arquiteto na Cidade,
marcando com suas diferenciadas contribuições a produção do espaço construído em
Fortaleza.
Estabelecem-se em escritórios próprios e iniciam sua atividade profissional, numa cidade
que não tinha o hábito de contratar arquitetos para seus projetos. As primeiras realizações,
na sua maioria residências, são encomendas de parentes e amigos.
Com as dificuldades de afirmação da profissão e o incipiente campo de atuação, muitos
desses arquitetos vão trabalhar no serviço público, junto aos engenheiros, como foi o caso,
por exemplo, da atuação de José Neudson Braga e José Liberal de Castro, que contribuíram
como projetistas na conformação espacial do Campus da Universidade Federal do Ceará, e
também na condição de professores na Escola de Engenharia.
A criação da Escola de Arquitetura da UFC, em 1964, constitui um marco no
desenvolvimento da arquitetura moderna em Fortaleza. Fundada por iniciativa do Reitor
Martins Filho, tem como primeiro diretor o arquiteto paulista Hélio Duarte, professor da
Universidade de São Paulo. Fizeram parte da comissão de instalação da Escola os
professores José Liberal de Castro, José Neudson Braga, Ivan Brito e José Armando Farias.
Pela primeira vez, no ensino em Arquitetura, um grupo de arquitetos tinha isoladamente a
oportunidade e responsabilidade de montar um curso destinado ao ensino da sua profissão
"(...) a escola tornou-se quase que imediatamente um grande centro de atividades culturais
da Universidade e da Cidade, envolvida numa aventura pedagógica apaixonante" (CASTRO,
1982, p.14).

172
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

A fundação da Escola constituiu um ponto de inflexão na transformação da produção


arquitetônica. Vários fatores concorreram para o reconhecimento do curso como o grande
centro de referência cultural da Universidade e da Cidade, entre os quais: a experiência
profissional e acadêmica do professor Hélio Duarte, e, posteriormente, a presença do
professor Flávio Motta, também da FAUUSP.
A partir de 1969, o Ceará começa a conhecer anualmente novo contingente de profissionais,
com vinte arquitetos diplomados a cada ano. E a cidade de Fortaleza testemunhou desde
então grande incremento na produção de obras realizadas de acordo com projetos
elaborados por arquitetos, iniciando-se uma nova fase na arquitetura cearense. Com a
fundação da Escola, estavam lançadas as bases para a consolidação e o reconhecimento
da arquitetura e do arquiteto, uma vez que o ensino proporcionava, além da produção do
conhecimento, formação profissional especifica ética, política e cultural.
Acrescentam-se à dos pioneiros, contribuições dignas de serem mencionadas, provenientes
da atuação projetual e didática dos arquitetos Marcílio Luna, Reginaldo Rangel, Gherard
Bormann, Roberto Martins Castelo, José Furtado Filho e José Nasser Hissa. Some-se a
estes, a atuação na Cidade de renomados arquitetos brasileiros, como Sérgio Bernardes,
Acácio Gil Borsoi, Ícaro de Castro Melo, além do paisagista Roberto Burle Marx. Alguns dos
egressos das primeiras turmas também contribuíram sobremaneira, como Paulo Cardoso,
Fausto Nilo, Delberg Ponce de Leon e Antônio Carlos Campelo Costa.
A atuação destes arquitetos contribuiu para o desenvolvimento material de Fortaleza,
produzindo excelentes exemplares, edifícios públicos e privados de valor histórico e artístico
significativos, obras emblemáticas da arquitetura local, como o Estádio Castelão, a
Assembléia Legislativa, o Palácio da Abolição, a sede da Receita Federal, só para citar
alguns poucos exemplos de um conjunto significativo de edifícios modernistas.
Essa produção, de excelente qualidade e digna de ser preservada, está desaparecendo sem
qualquer registro específico e vem se perdendo pouco a pouco, face à dinâmica urbana,
metropolitana e imobiliária de Fortaleza.
Nos últimos anos, assistimos à demolição de exemplares dessa arquitetura ou mesmo sua
descaracterização, arquitetura essa considerada de especial relevância por possuir, ao
mesmo tempo, traços do modernismo arquitetônico brasileiro e por manifestar valores
culturais locais. É lamentável constatar que muitas das obras desse período já não existem
mais e que a precária sistematização da documentação sobre essa produção dificulta a
compreensão de seu valor para o estudo da arquitetura cearense.

3 O PERCURSO DA CONSTRUÇÃO DO GUIA


A documentação da arquitetura moderna em Fortaleza tem sido objeto de estudo de alguns
pesquisadores locais 2. Estas pesquisas têm redundado em dissertações de mestrado, teses
de doutorado e diversos trabalhos apresentados em anais de eventos e periódicos,
enfocando a contribuição de diversos arquitetos à arquitetura moderna em Fortaleza, além
da contribuição das suas atividades profissionais, de ensino e a obra construída. A
divulgação dos resultados tem sido apresentada sistematicamente nos Seminários de
Documentação e Conservação do Movimento Moderno (DOCOMOMO 3), nas suas edições

2
Outro esforço de documentação, digno de ser citado, foi a produção do Inventário da Arquitetura Moderna em
Fortaleza, iniciativa que surgiu da parceria entre o Laboratório de Estudos em Arquitetura e Urbanismo (LEAU),
do Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e 4ª.
Superintendência Regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A pesquisa foi
liderada pelo Prof. Dr. Clovis Ramiro Jucá Neto do DAU-UFC, e redundou em um importante acervo iconográfico
da produção da arquitetura moderna em Fortaleza.
3
O DOCOMOMO é uma organização não-governamental, com representação em mais de quarenta países. Foi
fundada em 1988, na cidade de Eindhoven na Holanda. É uma instituição sem fins lucrativos e está sediada
atualmente em Barcelona, na Fundació Mies van der Rohe, e é um organismo assessor do World Heritage

173
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

nacional e regional (N/NE), e em outros eventos que tratam da questão da documentação e


preservação da arquitetura e em revistas científicas especializadas.
O esforço de sistematização e síntese das pesquisas já realizadas e ampliação da
documentação do acervo da arquitetura modernista local redundou no desenvolvimento de
um projeto de pesquisa intitulado "Guia da Arquitetura Moderna em Fortaleza (1960-1982)"
contemplado com Auxílio Financeiro do Programa Jovens Pesquisadores PJP Edital
07/2012 da FUNCAP (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico). A atividade compõe as ações do LoCAU (Laboratório de Crítica em
Arquitetura, Urbanismo e Urbanização) do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal do Ceará (UFC) que tem como objetivo a realização de estudos e
pesquisas sobre a produção e o consumo do espaço na contemporaneidade à luz de uma
perspectiva crítica e histórica das manifestações socioespaciais da arquitetura, do
urbanismo e da urbanização.
O suporte teórico da pesquisa do Guia foi estruturado em duas vertentes conceituais:
- a primeira se refere à produção bibliográfica nacional sobre a arquitetura moderna, que
enfatiza os desdobramentos do movimento nos principais centros regionais, sobretudo no
Nordeste.
- a segunda se debruçará sobre a produção historiográfica local, que embora não esteja
consolidada, revela as especificidades do modernismo arquitetônico no Ceará e sobretudo
em Fortaleza.
A obtenção das fontes primárias constitui outro procedimento metodológico já bastante
avançado e se estruturou basicamente de duas formas. A primeira relacionada à análise de
documentos, desenhos, plantas, projetos, entre outros, de acervos pessoais e públicos das
obras mais emblemáticas, algumas delas já compiladas em pesquisas realizadas, como o
Inventário da Arquitetura Modernista em Fortaleza, produzido em parceria entre o DAU-UFC
e o IPHAN; a segunda baseada na História Oral, na medida em que a trajetória e o
depoimento destes arquitetos constituem ao mesmo tempo, fonte e objeto de documentação
do desenvolvimento da diversidade da arquitetura moderna nos centros regionais.
A partir da construção deste aparato - pressupostos teóricos e práticos - foi elaborada uma
seleção das obras mais representativas, divididas com base na tipologia dos edifícios, ou
seja, com base na distinção dos usos. Serão consideradas as seguintes tipologias:
residencial (unifamiliar e multifamiliar), educacional (escolas e universidades), edifícios
institucionais públicos (sede de instituições, secretarias, equipamentos públicos), instituições
financeiras (bancos, centros administrativos financeiros), centros de comércio e serviços,
edifícios para fins de saúde e meios de hospedagem.
A ficha de caracterização da obra consta de informações e iconografia, contendo os
seguintes itens: 1 - Obra; 2 - Localização; 3 – Tipologia (Usos pretéritos e atual); 4 –
Autor(es) do Projeto; 5 – Início e Fim da Construção; 6 - Planta de Situação (desenho); 7 –
Planta do Tipo (desenho); 8 – Foto Antiga (imagem); 9 – Foto Atual (imagem); 10 – Fontes
de Pesquisa.
Com base na produção das fichas de caracterização e com a iconográfica digitalizada
(plantas, desenhos e imagens), pretende-se elaborar uma distribuição geográfica das obras
selecionadas a fim de compor roteiros, que serão disponibilizados na versão digital do Guia.
Some-se a isto a produção da modelagem digital com base nas fichas, se valendo ainda da
iconografia digitalizada em CAD.

Center da UNESCO. Os objetivos do DOCOMOMO são a documentação e a preservação das criações do


Movimento Moderno na arquitetura, urbanismo e manifestações afins.

174
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

4 RESULTADOS E PERSPECTIVAS
Dentre as atividades em estágio de finalização da pesquisa para produção digital do Guia,
destacam-se a produção da logomarca; a padronização da ficha de caracterização; a
digitalização e tratamento de imagens; a produção de desenhos digitais em Autocad; a
editoração do texto; a formatação da versão digital; e a produção gráfica em geral.
Atualmente, foram sistematizadas 58 (cinquenta e oito) obras modernistas de 22 (vinte e
dois) arquitetos. Os itens da ficha de caracterização encontram-se na sua grande maioria
concluídos, assim como a formatação das fichas (Figura 1) que serão disponibilizadas no
site em processo de construção (Figura 2).
Embora a produção do Guia seja importante instrumento de documentação, a continuidade
da sistematização deste acervo já iniciado se impõe como importante objeto de estudo,
verticalizando as pretensões e o alcance das pesquisas desenvolvidas. Neste sentido, as
perspectivas são de produzir a documentação e modelagem digital das obras modernas
mais emblemáticas de Fortaleza se valendo da plataforma BIM e das tecnologias de
prototipagem rápida e fabricação digital.
A produção da documentação e publicação digital destas obras constitui importante
contribuição para historiografia da arquitetura regional, sendo um instrumento de
preservação da memória deste patrimônio arquitetônico, que embora sejam de um passado
recente, apresenta muitos exemplares já demolidos ou em estágio avançado de
degradação. A (re)construção virtual da arquitetura moderna em Fortaleza através da
modelagem digital dos edifícios emblemáticos se apresenta como uma possibilidade de
prolongar a sua existência, seja pelo resgate da memória dos edifícios demolidos, através
de uma espécie de ressuscitação, seja pela valorização do acervo remanescente.

Figura 1 – Ficha de Caracterização Residência Universitária UFC

175
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Fonte: Elaborado pelos autores.

Figura 2 – Imagem do site do Guia da Arquitetura Moderna de Fortaleza (1960-1982)

Fonte: Elaborado pelos autores.

176
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

O advento das novas tecnologias digitais e seus impactos na área de Arquitetura,


Engenharia, Construção e Operação (AECO) tem contribuído sobremaneira para a
disseminação de conhecimento e desempenhado um papel relevante como instrumento não
só da concepção, desenvolvimento do projeto, geração e gestão da informação, mas da
materialização e inovações de grande valia para a documentação e inclusive intervenção no
patrimônio arquitetônico e urbanístico. Dentre as diversas tecnologias, destacam-se:
Realidade Virtual, Realidade Misturada e/ou Aumentada, Tecnologias Web, SIG, CAD, BIM,
Prototipagem Rápida, Fabricação Digital, entre outros.
Verifica-se que os meios de representação mantêm uma relação dialética com a tecnologia,
na medida em que são meio e produto, isto é: intensificam o desenvolvimento tecnológico
ao mesmo tempo em que o compõem (PAIVA et ali, 2012). A adoção dos novos meios
digitais de criação, representação e informação na arquitetura tem suscitado um processo
em curso de substituição de representações mais abstratas por simulações do objeto a ser
construído, com a aproximação crescente da representação aos objetos reais.
O BIM (Building Information Modeling), desenvolve-se como um processo que deixa de
priorizar a representação abstrata de convenções de comunicação fragmentadas, para
privilegiar uma construção contextual, sustentada por uma simulação inteligente da relação
espaço-forma (AMBROSE apud ANDRADE, RUSCHEL, 2011). A construção do objeto no
BIM tem como premissa um modelo central de informações, em que a abstração é
substituída pela simulação, ou seja: evolui-se de uma forma analógica para um processo
virtual de projetar e no caso do seu uso para a documentação pode ser empregado para
restituição do objeto construído ou já demolido.
O uso do BIM como tecnologia que lança mão de modelos paramétricos para fins de
documentação e intervenção no patrimônio modernista permite, além da sua (re)construção
por intermédio da simulação virtual, a exploração e gestão da informação, transformando-se
em objeto e fonte de estudo, com desdobramentos em diversas atividades de ensino
(graduação e pós-graduação), pesquisa e extensão.
Nas perspectivas e desdobramentos da pesquisa, pretende-se produzir a modelagem,
sistematização e inventário, constando a simulação digital das obras emblemáticas,
complementado a base de dados das obras modernistas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa do Guia da Arquitetura Moderna em Fortaleza se desenvolve no âmbito do
LoCAU (Laboratório de Crítica em Arquitetura, Urbanismo e Urbanização) do Departamento
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará – DAU/UFC e conta com a
contribuição do material produzido pelas pesquisas acerca da arquitetura moderna em
Fortaleza.
A perspectiva interdisciplinar deste projeto de pesquisa deve fortalecer o intercâmbio entre o
corpo de pesquisadores do DAU e outras instâncias ligadas à documentação e
conservação, como a Superintendência Regional do IPHAN no Ceará e os núcleos de
documentação de diversas instituições públicas, como museus e bibliotecas. No contexto da
UFC, as articulações principais serão estabelecidas com a Coordenadoria de Obras e
Projetos, responsável por “supervisionar, coordenar, gerir e controlar as atividades
relacionadas com projetos e obras” dos Campi da UFC, e com o Museu de Arte da UFC
(MAUC) 4.

4
Esta interface entre documentação, modelagem digital e também projeto constituem objetos de estudos
emergentes no campo disciplinar da arquitetura e urbanismo. Destacam-se as experiências do banco de dados
do "habitar moderno e habitar contemporâneo", coordenado pelos professores Marcio Cotrim, Wylnna Vidal e
Nelci Tinem, vinculado às pesquisas do PPGAU/UFPB, que por sua vez está articulado à pesquisa Història en
Obres divulgada no Portal/Revista de História da Arquitetura Moderna, coordenado pelo professor Fernando
Alvarez Prozorovich (ETSAB/UPC). No âmbito nacional vale ressaltar ainda: o Grupo de pesquisa "A construção

177
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

A pesquisa pretende ainda contribuir para consolidar o Programa de Pós-Graduação em


Arquitetura e Urbanismo e Design da UFC, a curto prazo, uma vez que o projeto foi
submetido à CAPES em 2014.
Pode-se sintetizar a relevância desta pesquisa com base nos seguintes pressupostos:
a) A pertinência do estudo sobre a documentação e promoção da diversidade da produção
arquitetônica brasileira, sobretudo os seus desdobramentos regionais, francamente alijados
da historiografia hegemônica;
b) A (re)construção, documentação e divulgação digital da arquitetura moderna em
Fortaleza permitirá a disponibilização de importantes fontes e estudos, assim como poderá
suscitar a valorização e sensibilização dos órgãos de preservação do patrimônio, cultural,
artístico e histórico em relação ao legado da arquitetura moderna;
c) A realização da pesquisa coloca a Universidade como um agente no processo de
produção de conhecimento sobre o tema, sobretudo porque parte significativa do acervo
moderno da Cidade conforma a estrutura física da UFC que, por seu turno, deve criar
condições necessárias para a conservação do seu acervo arquitetônico.
Enfim, a inserção e os desdobramentos institucionais da pesquisa e a produção do Guia da
Arquitetura Moderna em Fortaleza (1960-1982) apontam para o fortalecimento do debate
sobre a documentação e preservação da arquitetura moderna em Fortaleza e utilização de
novas tecnologias digitais, consolidando as atividades de ensino, pesquisa e extensão no
Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFC, envolvendo professores, pesquisadores,
alunos de iniciação científica e futuros mestrandos. A pesquisa pretende ainda subsidiar
possíveis relatórios e instrumentos de preservação, inclusive de processos de tombamento
do patrimônio edificado moderno.

AGRADECIMENTOS
À FUNCAP que concedeu auxílio financeiro para a pesquisa "Guia da Arquitetura Moderna
em Fortaleza (1960-1982)" entre 2013 e 2014, à UFC que custeia os bolsistas de extensão e
à CAPES que custeia bolsistas do Programa Jovens Talentos da Ciência.

REFERÊNCIAS
ANDRADE, M. L. V. X.; RUSCHEL, R. C. Building Information Modelling (BIM). In: O
processo de projeto em arquitetura: da teoria à prática. São Paulo: Oficina de Textos,
2011, pp. 421-442.
CASTRO, José Liberal de. Ceará, sua arquitetura e seus arquitetos. In: Cadernos
Brasileiros de Arquitetura: Panorama da Arquitetura Cearense. Vol. I, São Paulo:
Projeto Editores, 1982.
PAIVA, Ricardo Alexandre ; LEITE, R. M. ; LIMA, M. Q. C. . CAD e BIM: Transições e
reflexos no ateliê de projeto. In: XVI Congresso da Sociedade Iberoamericana de gráfica
Digital - SIGRADI 2012. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2012. v. 1. p. 229-232.
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo, 2002.

formal na arquitetura", coordenado pelo Prof. Edson Mahfuz vinculado ao PROPAR/UFRGS; e o LCAD -
Laboratório de Computação Gráfica Aplicada à Arquitetura e ao Desenho, sob a liderança do Professor Arivaldo
Amorim da FAU-UFBA.

178
EXPLORANDO E DIVULGANDO UM ACERVO ICONOGRÁFICO
DE ARQUITETURA POTIGUAR

Nicholas Martino
UFRN
nicholas.martino@hotmail.com

RESUMO
O trabalho apresenta o processo de armazenamento e divulgação de um acervo iconográfico de
arquitetura pré-modernista e modernista potiguar na rede mundial de computadores através de um
aplicativo experimental para visualização e compartilhamento de dados tabulares. Um conjunto de
informações georeferenciadas acerca de forma e uso de edificações construídas em diferentes
localidades de Natal foi compilado de trabalhos acadêmicos, produzidos entre 1989 e 2013, e
armazenado em suportes offline com esforços do grupo de pesquisa em Morfologia e Usos da
Arquitetura – MUsA da UFRN. Este artigo enfoca a transferência destas informações offline para a
rede, bem como as potencialidades e limitações do uso da ferramenta para visualização e
compartilhamento de acervos georeferenciados.
Palavras-chave: Georeferenciamento. Visualização de dados. Patrimônio arquitetônico. Natal - RN.

ABSTRACT
The study presents the process of storage and display of an iconographic database of pre-modernist
and modernist architecture of Natal in the internet. A collection of georeferenced information regarding
form and use of buildings throughout different spots of the city was assembled from academic works,
produced between 1989 and 2013, and stored in an offline base by the group Morfologia e Usos da
Arquitetura – MUsA of UFRN. This paper focuses on the transfer of the offline information into the
web, as well on the potentials and limitations to the use of the tool for visualization and the sharing of
georeferenced databases.
Keywords: Georeferencing. Data visualization. Architectural heritage. Natal - RN.

1 INTRODUÇÃO
O grupo de pesquisa MUsA vem armazenando, desde 1989, trabalhos de conclusão de
curso, monografias, inventários disciplinares e dissertações de mestrado acerca da
arquitetura potiguar. Juntos, os trabalhos registram estudos sobre diversas edificações
espalhadas por 10 bairros da cidade (Alecrim, Areia Preta, Cidade Alta, Lagoa Nova, Lagoa
Seca, Petrópolis, Praia do Meio, Rocas, Tirol e Vila de Ponta Negra) compreendendo 3 das
4 regiões urbanas de Natal.
Tentativas anteriores de divulgação do acervo na rede foram interrompidas devido a
impossibilidades técnicas e o acervo findou armazenado offline em um programa
computacional de Sistemas de Informações Georeferenciadas – SIG1. Com o aparecimento
cada vez mais frequente de novas ferramentas online, surgem novas maneiras de

1
MapInfo Professional © 2014 Pitney Bowes Software.

179
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

armazenar e visualizar de dados, tais como o Google Fusion Tables – um aplicativo


experimental capaz armazenar, exibir e compartilhar bancos de dados. Utilizando outros
programas de computador, é possível transferir os dados das antigas bases offline para o
Fusion Tables e, consequentemente, de compartilhá-los na rede através de um sítio.
O artigo apresenta (1) um panorama geral dos conceitos e das ferramentas utilizadas no
processo; (2) a metodologia adotada para transferência dos dados offline para as
ferramentas online; e (3) os objetivos e processos da construção do sítio de divulgação na
rede, bem como os problemas e potencialidades da ferramenta para estudos afins.

2 USOS DA FERRAMENTA
A noção básica de computação em nuvem refere-se à capacidade de utilização de
computadores para execução de serviços e/ou armazenamento de dados através de
servidores conectados à rede (ALECRIM, 2013). Suscitando, portanto, a possibilidade de
acesso à tais informações por qualquer computador conectado à rede.
Partindo dessa ideia, a empresa norte-americana Google propõe unir a ideia de computação
em nuvem à representação estruturada de bancos de dados através do aplicativo
experimental Fusion Tables.
Somente acessível online, o aplicativo consta de uma tabela com linhas e colunas
personalizáveis onde o usuário é capaz de adicionar diferentes tipos de parâmetros aos
dados armazenados – foto, localização, tempo, etc. Com isso, torna-se possível utilizar
esses parâmetros a fim de gerar, a partir de padrões já predefinidos no aplicativo, diferentes
representações dos dados. Por exemplo, se dados textuais encontram-se cruzados com
seus respectivos dados localizacionais em uma tabela, é possível exibí-los em um mapa.
A ferramenta permite unir informações entre duas tabelas a partir de uma coluna de dados
em comum criando uma terceira tabela que pode apresentar um leque maior de
representações a serem exploradas. Em um de seus vídeos introdutórios sobre o aplicativo,
a Google une uma tabela com dados da produção de café de alguns países à outra tabela
contendo a representação geométrica dos contornos desses países (Figura 1) resultando
em uma terceira tabela com ambas informações.
Figura 1 – Dados da produção de café (esquerda) e do contorno de cada país (direita)

Fonte: FusionTableGallery, 2012.

Estre trabalho foca na utilização da ferramenta para análise e divulgação de dados


geoespaciais referentes à morfologia de edificações espalhadas por diferentes bairros de
Natal. Os dados, antes armazenados na base SIG, foi e continua sendo exportado para o
Fusion Tables e adaptado para divulgação.

3 DA BASE SIG OFFLINE AO GOOGLE FUSION TABLES


O processo de conversão extrai e separa os dados gráficos dos dados textuais da antiga
base SIG, para então reuni-los em uma tabela com auxílio do Microsoft Office Excel.

180
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Primeiramente são exportados os dados de geometria e localização em KML – linguagem


computacional utilizada para expressar dados geográficos – e, por último, são extraídos os
dados textuais.

Figura 2 – Transferência dos dados da base SIG offline ao Fusion Tables

Localização Google
e geometria Fusion
[.kml] Tables Google
Base Fusion
SIG Tables
offline
Textos e Microsoft Office
números Excel [.csv]
[.dbs]

Fonte: Elaborado pelo autor.

3.1 Exportando as informações da base SIG offline

Na base SIG, as informações de geometria e localização foram exportadas através do


Google Earth Connection Utility tool, de acordo com os passos:
• Ativar o Google Earth Connection Utility tool acessando o menu Tools > Manage
Tools e selecionando a opção Google Earth Connection Utility;
• Selecionar a geometria a ser exportada, clicar o Google Earth Connection Utility
[ícone] e selecionar a opção Export Selected Objects (KML);
• Na opção Select source for place name, selecionar qualquer variável que seja única
para cada geometria.

Na base SIG, as informações textuais foram transferidas através da ferramenta de


exportação de tabelas, de acordo com os passos:
• Acessar a ferramenta de exportação de tabelas através do menu Tables > Export;
• Na aba Save as type, selecionar a opção dBASE DBF (*.dbf) e clicar em Save;
• Selecionar a opção DOS Multilingual.

As informações fotográficas – originalmente fora do banco de dados SIG offline – foram


importadas e publicadas na rede através da conta da MUsA no Picasa Web Albums.

3.2 Unindo informações no Microsoft Office Excel


As informações textuais e numéricas são facilmentes importadas para o Office Excel
através do comando Abrir do programa. No entanto, para tornar as informações de
geometria e localização disponíveis em tal formato, foi necessário importá-las ao Fusion
Tables e exportá-las em formato de tabela separada por vírgulas (.csv), legível pelo Office
Excel, de acordo com os passos:
• Acessar o Google Drive através do <http://drive.google.com> e conectar-se à conta
Google;
• No canto superior esquerdo da tela, clicar na aba Criar > Fusion Table;

181
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

• Na página que se abre clicar em Escolher arquivo e selecionar o arquivo (.kml) da


geometria exportada da base SIG offline;
• Na tabela que se abre, ordenar os dados por qualquer variável que seja única para
cada linha de geometria.

4 EXPLORANDO A FERRAMENTA
A fim de explorar os recursos que o Fusion Tables disponibiliza, é necessário definir os tipos
de dados referentes às colunas da tabela. Cada coluna pode ser classificada como Texto,
Numeral, Localização e Data/Tempo através da aba Edit > Change Columns no Fusion
Tables. Para cada tipo há uma série de subcategoria, de acordo com o esquema:
• Texto – Endereço eletrônico; imagem de uma, quatro ou oito linhas de tamanho;
vídeo do YouTube ou Vimeo; e mapa do Google Maps.
• Número – Financeiro ($); decimal de duas casas; e porcentagem (%).
• Localização – Logradouro; latitude e longitude; e código geométrico na linguagem
computacional HTML.
• Data/Tempo – Dia, mês e ano; somente ano; data e hora; e somente hora.
A partir das informações categorizadas, torna-se possível filtrar, cruzar e compartilhar os
dados georeferenciados em mapa, catalogados em fichas e sintetizados ou cruzados em
gráficos. Abaixo estão exemplos de como cada visualização da ferramenta foi explorada
com as informações do bairro das Rocas em Natal, no Rio Grande do Norte. Os resultados –
disponíveis através do endereço <http://arquiteturapotiguar.blogspot.com.br> (Figura 3) –
apresentam diferentes visualizações acerca de localização, número de pavimentos, estilo,
estado de conservação, estado de preservação e uso.
Figura 3 – Interface do blog <http://arquiteturapotiguar.blogspot.com.br>

Fonte: Acervo Iconográfico de Arquitetura Potiguar, 2014.

4.1 Limitações técnicas

Usuários na rede apontam algumas limitações do Fusion Tables com relação à quantidade
de dados que cada tabela suporta.
• Cada célula suporta um máximo de 1 milhão de caractéres;

182
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

• Cada tabela suporta um máximo de 10 mil células ou 250 megabytes de


memória;
• Somente os primeiros 100 mil registros podem ser mapeados;
• Na visualização de mapas, cada polígono suporta um máximo de 500 linhas de
informação exibida por polígono (ODERBOLZ, 2012).

4.2 Georeferenciamento

O aplicativo disponibiliza dois tipos de visualização referente aos dados geoespaciais: (1)
mapa de dados geométricos georeferenciados (Figura 4), e (2) um heatmap que representa
a diferença entre variáveis numéricas através de padrões de cor (Figura 6).

Figura 4 – Dados georeferenciados (esquerda) e filtrados pela localização (direita)

Fonte: Acervo do grupo de pesquisa em Morfologia e Usos da Arquitetura.

A fim de mapear as informações, os dados geométricos importados da base SIG offline


foram cruzados com os dados textuais referentes à morfologia de cada edificação. O usuário
tem a capacidade de filtrar o conteúdo dos mapas (Figura 4), alternar a exibição do plano de
fundo entre mapa (Figura 6) ou imagem de satélite (Figura 4), com ou sem nomenclatura
das vias, e acessar o Google Street View (ícone no lado superior esquerdo da Figura 6).

Figura 5 – Representação dos dados sobrepostos à foto de satélite

Fonte: Acervo do grupo de pesquisa em Morfologia e Usos da Arquitetura.

183
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Já o heatmap (Figura 6) – que representa variáveis numéricas através de padrões de cor –


exigiu outros dois tipos de variáveis: uma de natureza numérica, no caso o número de
pavimentos das edificações, e uma de natureza geométrica, no caso pontos que
representam a localização de cada edificação. Os pontos transformam-se em focos de
gradação de cor que representam os locais com gabarito mais alto (vermelho) ou mais baixo
(verde). A opacidade e o raio dos focos no mapa podem ser regulados pelo usuário.

Figura 6 – Representação do número de pavimentos em heatmap

Fonte: Acervo do grupo de pesquisa em Morfologia e Usos da Arquitetura.

4.3 Catalogação

Os dados também podem ser exibidos em formato de tabela ou de fichas individuais


referentes a cada linha da tabela. Ambos os formatos conferem ao usuário a capacidade de
filtrar ou reordenar os dados.

Figura 7 – Representação dos dados em tabela (esquerda) e em fichas (direita)

Fonte: Acervo do grupo de pesquisa em Morfologia e Usos da Arquitetura.

184
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

4.4 Gráficos e estatísticas

As informações também foram retratadas através de outros esquemas sem a necessidade


de utilizar as variáveis geolocalizadas – gráfico tipo sectograma (Figura 8), resumindo
informações e grafos representando o cruzamento de duas variáveis qualitativas ou não.

Figura 8 – Estados de conservação e preservação das edificações

Fonte: Acervo do grupo de pesquisa em Morfologia e Usos da Arquitetura.

Os grafos possibilitam a visualização de como as variáveis de uma coluna relacionam-se


com as variáveis de outra. A ferramenta possibilita ainda destacar elementos específicos e
suas respectivas conexões passando o mouse por cima do nó (Figuras 10 e 11). Nesta
pesquisa foram utilizados para cruzar variáveis como uso e localização (Figura 9); estilo e
localização (Figura 10); e estado de preservação e uso (Figura 11).
Figura 9 – Grafo representando o cruzamento dos dados de uso e localização

Fonte: Acervo do grupo de pesquisa em Morfologia e Usos da Arquitetura.

185
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 10 – Grafo representando o cruzamento dos dados de estilo e localização

Fonte: Acervo do grupo de pesquisa em Morfologia e Usos da Arquitetura.

Figura 11 – Cruzamento dos dados de estado de preservação e uso

Fonte: Acervo do grupo de pesquisa em Morfologia e Usos da Arquitetura.

186
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ferramenta se mostrou eficaz no manejo de dados edilícios e urbanos tanto para o
gerenciador as informações, quanto para o usuário que interage com as diferentes
visualizações que o aplicativo é capaz de produzir. No entanto, apresenta alguns problemas
de uso que devem ser considerados.
O Fusion Tables auxilia na análise e compartilhamento de grandes bancos de dados
compostos por informações de naturezas distintas. Com a devida permissão do proprietário
da tabela, o recurso de filtro em todas as visualizações, as ferramentas de personalização
do layout dos mapas, a interação com os grafos e o Street View estão à disposição de
qualquer usuário conectado à rede.
Além das limitações técnicas já mencionadas, problemas de uso devem ser apontados.
Primeiramente, a obrigatoriedade de uma conexão com a rede para utilizar a ferramenta é a
maior desvantagem do aplicativo – os dados nem sempre estão acessíveis e a conexão é
necessária para modificar qualquer item da tabela. Outro problema é a falta de espaço para
armazenamento das imagens diretamente na tabela – as imagens são representadas
através dos seus endereços de armazenamento na rede, o uso e manutenção dos dados
seriam mais simples se as imagens pudessem ser armazenadas no próprio aplicativo.
O mecanismo de armazenamento em nuvem por si só apresenta a vantagem do salvamento
automático de dados – a dita segurança de que as informações estarão na rede
independentemente do local de acesso do administrador dos dados – e do
compartilhamento dos dados. No entanto, é bom ter em mente a ideia que, se o usuário não
tem mais responsabilidade sobre a proteção dos dados, essa função agora está no controle
da empresa proprietária do serviço de armazenamento.

AGRADECIMENTOS
Agradecemos à orientação da profª. Edja Trigueiro durante todo o processo de pesquisa e
análise das informações e a outros professores e bolsistas vinculados à base de pesquisa
em Morfologia e Usos da Arquitetura - MUsA.

REFERÊNCIAS
ALECRIM, Emerson. O que é cloud computing (computação nas nuvens). Disponível em:
<http://www.infowester.com/cloudcomputing.php>. Última atualização: 10 jan. 2013. Acesso
em: 21 jul. 2014.
GOOGLE. Fusion Tables Video Gallery. Disponível em:
<https://sites.google.com/site/fusiontablestalks/videos>. Postado em: 05 abr. 2012. Acesso
em: 21 jul. 2014.
GOOGLE. About Fusion Tables. Disponível em:
<https://support.google.com/fusiontables/answer/2571232>. Acesso em: 21 jul. 2014.
ODERBOLZ, Stefan. Technical limitations when using Fusion Tables. Disponível em:
<http://stackoverflow.com/questions/11952166/what-are-the-technical-limitations-when-
using-fusion-tables>. Postado: 14 ago. 2012. Acesso em: 21 jul. 2014.

187
ACERVOS DIGITAIS DE ARQUITETURA MODERNA EM
RECIFE: DUAS INICIATIVAS

Guilah Naslavsky
Universidade Federal de Pernambuco
guilahn@uol.com.br
Patricia Ataíde Solon de Oliveira
Universidade Federal de Pernambuco
ataidepatricia@gmail.com

RESUMO
Um dos muitos desafios para a conservação da arquitetura moderna é a dificuldade do seu
reconhecimento patrimonial. Ano após ano, o patrimônio arquitetônico moderno sofre com
descaracterizações e é gradativamente (ou repentinamente) apagado do tecido urbano, algo que, por
vezes, acontece antes mesmo de se reconhecer o seu valor histórico e artístico. Aqueles que se
dedicam ao estudo destes objetos encontram no acervo documental um dos únicos resquícios do
projeto original e uma importante fonte de informações que não podem ser observadas sequer no
objeto construído. Apesar da importância desse material, os acervos documentais de arquitetura em
Recife – PE encontram-se em franco processo de destruição, sendo constantemente negligenciados
pelas instituições que os detém, submetidos quase que invariavelmente a condições precárias de
acondicionamento e catalogação. Este texto apresenta duas iniciativas de criação de acervos digitais
de projetos de arquitetura moderna: O projeto “Documentação do acervo de plantas da prefeitura do
Recife” e o projeto cultural “Inventário do arquiteto Armando de Holanda”, ambos desenvolvidos em
parceria com a UFPE, e que demonstram de que modo as tecnologias digitais auxiliam no processo
de conservação não só das bases documentais, mas do próprio objeto construído, além de
possibilitar a fácil difusão de informações.
Palavras-chave: Acervos digitais. Recife. Arquitetura Moderna.

ABSTRACT
One of the many challenges for the conservation of modern architecture is the challenge of the
heritage acknowledgement. Year after year, the modern architectural heritage loses its original
features and is gradually (or abruptly) removed from the cities, which, many times, it happens before it
even recognize the historical and artistic value of these buildings. Those who study these buildings
find in document archives one of the only remnants of the original project and an important source of
information that can not even be observed in the constructed object. Despite the importance of this
material, architectural document collections in Recife - PE are rapidly disappearing, being constantly
neglected by the institutions which owns them, almost invariably subjected to poor storage conditions
and cataloging. This paper presents two initiatives to create digital collections of modern architecture
projects: The project " Documentação do acervo de plantas da prefeitura do Recife " and the cultural
project " Inventário do arquiteto Armando de Holanda ", both developed in partnership with UFPE, and
demonstrate how digital technologies can be useful in the conservation process, not only of the
documental bases, but also of buildings, in addition to enabling the easy information diffusion.
Keywords: Digital collections. Recife. Modern Architecture.

188
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

1 INTRODUÇÃO
Em estudos desenvolvidos ao longo dos anos alguns autores já reconhecem os desafios
para a conservação da arquitetura moderna (MACDONALD, 1996) (PRUDON, 2008)
(MOREIRA, 2010). A falta de uma cultura de manutenção, os tipos de materiais utilizados e
a rápida obsolescência dos sistemas infraestruturais e dos usos aos quais os edifícios
modernos se destinam são sempre apontados como fatores determinantes para o desgaste
destes exemplares. Moreira (2010), ainda apresenta outro desafio que a conservação da
arquitetura moderna se depara:
Nossas sociedades ainda não consolidaram a ideia de que a arquitetura
moderna é um produto cultural e de que deve ser protegida para as futuras
gerações. O reconhecimento de um edifício como um bem cultural de uma
comunidade leva certo tempo. Muitos edifícios modernos estão sob o risco
de descaracterização ou demolição, mas muitos deles ainda não tiveram
seus valores reconhecidos pela sociedade. (P.155)
A feliz colocação do autor define claramente o que seria o grande desafio para a
conservação, não só da arquitetura moderna, mas para qualquer artefato histórico: o
reconhecimento patrimonial. A dificuldade de valoração da arquitetura moderna (e sua
consequente degradação) delega aos acervos documentais a importante tarefa de
salvaguardar valiosas informações que se perderam ao longo do tempo.
Infelizmente, a situação dos acervos documentais de arquitetura moderna não é diferente da
que aflige o patrimônio edificado. O exemplo de Recife é bastante elucidativo em relação à
negligência com este tipo de documentação: Na capital pernambucana o descaso com o
patrimônio iconográfico de arquitetura é evidenciado nos arquivos administrados por órgãos
públicos, sobretudo nos municipais, como as coordenadorias da Diretoria de Controle de
Obras (DIRCON). Vale ressaltar que essa não é uma prática exclusivamente local, como
afirma Gutiérrez (2001), “É grande a lista de Arquivos Públicos, sobretudo os municipais de
‘Obras particulares’ que se tem visto destruídos ou dizimados pela falta de cuidado de seus
responsáveis, as periódicas ‘queimas’ em busca de espaço e suposta limpeza de material
‘inútil’ ou o eventual roubo pelos usuários.”
O caso recifense motivou algumas iniciativas no bojo da conservação dos acervos
documentais de arquitetura moderna que tiveram o objetivo comum de salvaguardar e
promover acesso às informações contidas nestes documentos, que quase que
invariavelmente se encontram em franco processo de destruição. Serão apresentadas a
seguir duas experiências de criação de acervos digitais, ainda embrionárias se
considerarmos o número de documentação disponível na cidade, mas essenciais para a
tomada de consciência da importância deste material para a memória da cidade.

2 ARQUIVOS DE ARQUITETURA EM RECIFE


Em geral, os registros de arquitetura do século XX são procedentes de diversas instituições-
secretarias governamentais, instituições públicas ou privadas (firmas de arquitetura), de
âmbito nacional, regional ou local, órgãos governamentais, incluindo os departamentos de
obras públicas, escritórios de planejamento urbano, e instituições de patrimônio histórico-
essas instituições são responsáveis por manter registros arquitetônicos (Nieuwenhuysen,
Peyceré, 2000).
Segundo Naslavsky e Oliveira (2011), em Recife, esses documentos compõem o arquivo
das prefeituras municipais, dos fundos de antigos serviços de viação e obras públicas,
secretarias municipais e estaduais e de instituições particulares (escritórios de arquitetura).
O reconhecimento desses acervos como importantes documentos para a pesquisa histórica
é uma prática ainda pouco explorada já que a maioria dos arquivos de arquitetura do século
XX em Pernambuco encontra-se desorganizada, em precárias condições de conservação e
acondicionamento, principalmente quando se tratam dos acervos de caráter operativo como
os dos órgãos municipais de aprovação de projetos. A falta de consciência de que o

189
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

desenho de arquitetura é parte essencial da representação memória da arquitetura do


estado, tem nos colocado em uma carência quase que total de documentação iconográfica
deste tipo.
A falta de reconhecimento acerca da importância da documentação de arquitetura pelas
autoridades competentes e até mesmo da população é apenas uma das inúmeras
dificuldades em se preservar os arquivos de arquitetura em Recife: Os fatores climáticos,
como temperatura e umidade relativa do ar elevada, além das frequentes enchentes que
atingiram a cidade até o fim da década de 70, contribuíram significativamente para a perda
de grande parte da nossa documentação de arquitetura tanto pública quanto particular.

2.1 Os arquivos públicos de arquitetura moderna e a problemática dos


acervos municipais
Grande parte dos arquivos públicos em Pernambuco, sejam eles municipais como é o caso
das Coordenadorias Regionais da Diretoria de Controle de Obras do Recife (DIRCON),
estaduais ou federais, negligenciam a importância dos seus acervos. Suas coleções estão
geralmente submetidas a condições impróprias de conservação, sobretudo no que se refere
ao seu acondicionamento (Figura 1 e 2). Devido ao caráter operativo 1 dos arquivos
municipais de aprovação de projeto implantar estratégias de acondicionamento adequado é
ainda mais difícil, já que o número de documentos cresce diariamente e as instituições não
possuem estrutura adequada para armazenar o material histórico e recente.

Figura 1 – Acondicionamento de projetos de arquitetura na 1ª Coordenadoria Regional da


DIRCON.

Fonte: Maria Cicília de Oliveira Melo, 2012.

1
O acervo das Coordenadorias regionais da DIRCON compõe um arquivo corrente. Trata-se de um
conjunto de documentos, em tramitação, pelo seu valor primário, é objeto de consultas frequentes
pela entidade que o produziu e a quem compete a sua administração. (Dicionário de Terminologia
Arquivística, 2005)

190
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 2 – Livro de registros de projetos da 1ª Coordenadoria Regional da DIRCON.

Fonte: Maria Cicília de Oliveira Melo, 2012.

Apesar da evidente importância do seu acervo, que reúne cópias de todos os projetos
submetidos à aprovação na cidade do Recife, desde a década de 20 até hoje, nas
Coordenadorias Regionais2 da cidade, não existe qualquer política de conservação do
material arquivado, seja referente à sua higienização ou sua forma de armazenamento e
acondicionamento. Os projetos aprovados durante o século XX, geralmente cópias
heliográficas3 em grandes formatos, encontram-se acondicionados sobre mesas ou
estantes, armazenados em caixas plásticas ou de papelão enumeradas, geralmente
empilhadas e com quantidade de documentos superior ao que suportam.
Infelizmente a ausência de sensibilidade em relação aos arquivos de arquitetura não se
limita aos órgãos públicos. Ainda não existe a consciência por parte dos arquitetos de que
os arquivos produzidos pelos seus escritórios durante o período de atuação profissional
também compõem um valioso acervo capaz de retratar grande parte do pensamento
arquitetônico da época em que foram desenvolvidos.

2.2 Os arquivos particulares


Apesar da importância deste tipo acervo já ter algum reconhecimento por parte dos
pesquisadores, que eventualmente consultam e utilizam este tipo material em publicações e
trabalhos acadêmicos (contando com a colaboração do próprio arquiteto ou dos familiares
responsáveis), ainda não se observa a mesma atitude por parte dos proprietários destes
acervos. A deterioração por fatores climáticos, sinistros 4, e mau acondicionamento do

2
Atualmente, em Recife, a Diretoria de controle de obras (DIRCON) está dividida em seis Coordenadorias
Regionais, cada uma delas é responsável pelo gerenciamento das construções e modificações de uma parcela
da cidade.
3
O método comumente utilizado para a reprodução dos projetos de arquitetura do século XX eram as cópias
heliográficas (ou cópias ozalid). São obtidas por processo fotomecânico por contato direto de um original
translúcido com material latente colorível, que se torna visível pela ação de gases de amoníaco, (Dicionário de
Terminologia Arquivística, 2005). São extremamente sensíveis a fatores externos, e perdem sua nitidez
naturalmente com o passar do tempo.
4
Até a década de 70, grande parte do material iconográfico de arquitetura da cidade foi perdido ou
extremamente deteriorado em face ao grande número de enchentes que atingiram a cidade do Recife
neste período.

191
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

material, além das eventuais “queimas de arquivo”, tem colocado a cidade em uma carência
quase total de registros iconográficos desta natureza.
No caso de Recife, a ausência de um centro de documentação ou qualquer outra instituição
capaz de organizar metodicamente os registros de arquitetura e colocá-los à disposição dos
interessados (ROBREDO; CUNHA, 1994. P.04) se apresenta como um desafio tanto para a
preservação deste material quanto para a conscientização da importância dos acervos
particulares de arquitetura para preencher lacunas que ainda existem na historiografia da
arquitetura brasileira.
Apesar do Centro de documentação da Fundação Joaquim Nabuco possuir alguns fundos
de arquitetos, como o do italiano Mário Russo, a instituição não possui políticas de captação
ou de incentivo à doação de novos fundos, ressaltando a importância da criação de um
centro de documentação especializado em arquitetura para a conscientização e preservação
do patrimônio iconográfico de arquitetura.

3 ACERVOS DIGITAIS DE ARQUITETURA MODERNA EM PERNAMBUCO


Mesmo com a já reconhecida falta de estrutura dos arquivos de arquitetura para abrigar
suas coleções, em Pernambuco as iniciativas de criação de bases digitais para consulta
destes acervos ainda são incipientes. Digitalizar este material traria grandes benefícios tanto
para a difusão de informações quanto para a preservação do material, já que, promove,
entre outros benefícios, diminuição do seu manuseio. Segundo Vieira (2013. P. 19) “A
política de digitalização dá prioridade à manutenção de seu acervo para consulta on-line de
dados, principalmente para atender a demandas de pesquisa daquelas que são
consideradas como coleções de grande procura.”
Apesar de não representarem uma parcela significativa quando levamos em consideração a
grande quantidade de documentação de arquitetura ainda esquecida nos arquivos de
arquitetos e instituições, podemos apontar algumas iniciativas de criação de acervos digitais
que foram essenciais para a conservação de acervos de arquitetura em Recife.
O Projeto “Acervo Arquitetônico Saturnino de Brito: memória da arquitetura pré-moderna no
Brasil” desenvolvido pelo Laboratório da Imagem de Arquitetura e Urbanismo (LIAU/UFPE) 5
em parceria com a Companhia de Saneamento do Recife (COMPESA) e patrocínio da
Petrobrás Petróleo Brasileiro S/A, realizou os processos de conservação e digitalização do
acervo iconográfico da antiga Repartição de Saneamento da cidade. Além do acervo digital
formado por cerca de 20 DVD’s, o projeto deu origem a um livro e um documentário.
Outra experiência importante no campo da criação de acervos digitais foi o Projeto
Inventário da arquiteta Janete Costa. O trabalho reuniu, catalogou e digitalizou o acervo da
arquiteta falecida em 2008, e disponibilizou parte do acervo digital em uma página da web,
além de permitir agendamento de visitas em seu acervo físico. Este projeto financiado pela
Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE), contou com
uma equipe multidisciplinar sob a coordenação do professor do departamento de arquitetura
e Urbanismo da UFPE, Fernando Diniz Moreira.
Diante da impossibilidade de nos aprofundarmos em todas as experiências desenvolvidas
no estado, neste texto apresentaremos duas iniciativas de criação de acervos digitais de
projetos de arquitetura moderna: O projeto “Documentação do acervo de plantas da
prefeitura do Recife” e o projeto cultural “Inventário do arquiteto Armando de Holanda”,
ambos desenvolvidos em parceria com a UFPE, exemplificando de que modo as tecnologias
digitais auxiliam no processo de conservação não só das bases documentais, mas do
próprio objeto construído, além de possibilitar a fácil difusão de informações.

5
Neste período, o LIAU estava sob a coordenação do professor Dr. Maurício Rocha de Carvalho.

192
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

3.1 Documentação do Acervo de Plantas da prefeitura do Recife


O projeto de pesquisa “Documentação do acervo de Plantas da Prefeitura da Cidade do
Recife” 6, coordenado pela professora do departamento de arquitetura e Urbanismo da
UFPE, Dr. Guilah Naslavsky, visa elaborar o um acervo digital multiusuários de projetos de
arquitetura moderna através da digitalização dos documentos iconográficos (desenhos
arquitetônicos) do Acervo das Coordenadorias Regionais da DIRCON, filiadas a Secretaria
de Controle e Desenvolvimento Urbano, de modo a ampliar a sua acessibilidade a
pesquisadores e maximizar os benefícios dessas estruturas para a geração de
conhecimento no Estado de Pernambuco.
Mesmo que os documentos retidos nas coordenadorias regionais da DIRCON não tenham
originalmente o objetivo de compor um acervo histórico, tornaram-se, sem dúvida, um
importante acervo não apenas de interesse científico nacional, mas, sobretudo para toda a
comunidade interessada na memória urbana de nossa cidade. Essa ação é de grande
importância em termos da conservação dos edifícios, a quase totalidade sem proteção legal,
visto que possibilitará que esses documentos estejam disponíveis a público amplo de modo
a ter benefícios para toda a sociedade. A seleção do material a ser digitalizado foi realizada
durante o levantamento de dados para a pesquisa de doutorado da coordenadora do projeto
intitulada: “Arquitetura moderna em Pernambuco, 1951-1972: as contribuições de Acácio Gil
Borsoi e Delfim Fernandes Amorim”, apresentada em 2004.
Este projeto previa algumas metas que precisaram ser modificadas ao longo do seu
desenvolvimento devido a uma série de fatores exemplificados no quadro abaixo (Quadro
1).

Quadro 1 – Andamento do projeto Documentação do Acervo de Plantas da prefeitura do


Recife
META NOVAS ESTRATÉGIAS
Seleção de projetos Devido às precárias condições de armazenamento dos
submetidos à aprovação documentos, parte significativa do material foi perdida ou
na 1ª Coordenadoria altamente deteriorada, obrigando estender a busca em
Regional da DIRCON outras Coordenadorias Regionais (3ª e 6ª)
Fatores burocráticos impossibilitaram tanto a retirada dos
Digitalização dos documentos quanto a instalação do scanner e computador
documentos através de no arquivo das coordenadorias regionais. A estratégia
scanner encontrada foi a instalação de uma mesa estativa onde os
projetos eram digitalizados através de fotografia (Figura 3).
A meta inicial não pode ser alcançada devido, sobretudo,
às dificuldades de implantação e ao alto nível de
Criação de acervo digital
desorganização e deterioração do material encontrado nas
contendo 500 projetos de
regionais. O projeto foi finalizado com um acervo formado
arquitetura
por 416 projetos de arquitetura, contabilizando mais de
1200 pranchas.

Este projeto resultou na criação de uma mídia digital contendo, além de todos os arquivos
digitalizados, uma ficha com informações relevantes sobre o projeto, que podem ter sido
omitidas pelo processo de digitalização. Por ser um acervo formado essencialmente por
desenhos submetidos à aprovação municipal, croquis e memoriais de projeto não são
facilmente encontrados. Porém devido ao caráter artesanal do material produzido no final do
século XX, até mesmo os desenhos técnicos possuem evidente valor artístico (Figura 4).

6
O projeto de pesquisa “Documentação do acervo de plantas da Prefeitura da cidade do Recife”, aprovado no
edital FACEPE Multiusuários/acervos-07/2010.

193
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Como afirma Souchon (2000. P.15), as mudanças decorrentes dos processos de produção
industrial influenciaram não só na prática arquitetônica do século XX, mas também nos tipos
de registros arquitetônicos, tornando-os mais uniformes e menos personalizados. Ou seja,
esses registros iconográficos não são importantes apenas por apresentar soluções
projetuais, mas também por representar as características individuais típicas de registros
artesanais.

Figura 3 – Mesa estativa utilizada para digitalização do acervo de Plantas da Prefeitura.

Fonte: Patricia Ataíde Solon de Oliveira, 2014.

Figura 4 – Projeto para edifício residencial, arquiteto Heitor Maia Filho.

Fonte: Acervo Multiusuários do projeto de pesquisa Documentação do


acervo de plantas da prefeitura do Recife, 2014.

3.2 Inventário do Arquiteto Armando de Holanda Cavalcanti.


O projeto cultural “Inventário do arquiteto Armando de Holanda Cavalcanti” representa uma
inicitiva mais eficaz no processo de conservação de acervos de arquitetura já que também
contempla etapas de higienização e reparo dos documentos originais. Ao contrário do
projeto de pesquisa citado anteriormente, a “matéria-prima” deste trabalho é um acervo
particular, derivado do escritório do arquiteto Armando de Holanda Cavalcanti, doado pela
família à Universidade Federal de Pernambuco. Logo, além de conter uma série de
desenhos técnicos este acervo reúne croquis, textos e ilustrações, envolvendo todas as
etapas do projeto de arquitetura. O trabalho, ainda em andamento, engloba algumas etapas
que acontecem simultaneamente:
• A primeira etapa corresponde à contagem do número de pranchas e catalogação de

194
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

cada projeto: Nesta fase os projetos foram retirados dos tubos de papelão nos quais
estavam armazenados para que fosse feito um levantamento do tipo e da quantidade de
material necessários para o processo de higienização e reparo. (Figura 5)
• Na segunda etapa, além do processo de higienização (Figura 6) e realização de
pequenos reparos7 foram elaboradas etiquetas de identificação para serem afixadas em
cada prancha, de modo a garantir seu reconhecimento imediato, mesmo que estejam
ocasionalmente misturadas entre outros projetos.
• A terceira etapa corresponde ao processo de digitalização dos documentos. Para esta
atividade foi utilizado um scanner do tipo Colortrac Smartlf SC 42 (Figura 7): Por
questões operacionais foram gerados dois arquivos digitais de cada prancha, entretanto,
em formatos diferentes, um .TIFF e o outro .JPGE, ambos com uma resolução de 300
dpi.
• Na quarta, e última, etapa inicia-se o processo de armazenamento dos documentos. Na
mapoteca são armazenados os projetos que possuem todos os documentos com
formato igual ou de tamanho inferior ao A0. Em tubos de PVC são acondicionados os
projetos de grandes formatos, evitando que eles permaneçam dobrados por muito tempo
dentro da mapoteca, comprometendo ainda mais a integridade das fibras do papel.

Figura 5 – Retirada de projetos dos Figura 6 – Remoção de sujidades com algodão e


tubos para contagem e catalogação. água deionizada (Banho).

Fonte: Vânia Lúcia Cândido, 2014. Fonte: Vânia Lúcia Cândido, 2014.

Figura 7 – Equipamento utilizado para a digitalização dos documentos do acervo do


arquiteto Armando de Holanda Cavalcanti.

7
No processo de higienização e reparo foram removidas as sujidades acumuladas nos documentos com o
passar dos anos; os projetos que estavam enrolados ou dobrados precisaram ser planificados e tiveram fitas
adesivas, presilhas e grampos metálicos removidos e substituídos, quando necessário, por material apropriado
para restauro de papel.

195
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Fonte: Patricia Ataíde Solon de Oliveira, 2014


Como resultado final deste projeto está sendo montado um site que irá disponibilizar, além
de parte do material digitalizado, as informações de todo material disponível para consulta
no acervo digital. A página da web também irá conter informações relevantes sobre o
arquiteto Armando de Holanda Cavalcanti, sobre o projeto e sobre a toda a equipe envolvida
no desenvolvimento do trabalho.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da quantidade significativa de documentação de arquitetura moderna que ainda
encontra-se retida em instituições que pouco se preocupam em manter a integridade dos
seus acervos é extrema importância reconhecer o caráter embrionário das iniciativas
descritas neste trabalho. Entretanto, não se pode diminuir a importância de projetos como
estes no bojo das atividades de preservação do patrimônio iconográfico, como afirma
Oliveira et. al (2012. P.09):
Esse processo de digitalização é visto como iniciativa de preservação
patrimonial porque dinamiza e favorece o acesso às informações,
fomentando a discussão sobre documentação de arquitetura ao mesmo
tempo em que desperta a consciência para a proteção deste tipo de acervo
iconográfico.
Logo, a digitalização, de forma alguma diminui o valor da documentação original, pelo
contrário, visa por a salvo a informação contida naqueles documentos e difundi-la,
adequando-a as demandas informacionais atuais. “No entanto, o produto dessa conversão
não será igual ao original e não substitui o original que deve ser preservado. A digitalização,
portanto é dirigida ao acesso, difusão e preservação do acervo documental.” (CONARQ,
2010. P.06). É também é de extrema importância reconhecer que o acervo digital em
nenhuma circunstância substitui o acervo de documentos originais, nem tampouco deve
desestimular estratégias de conservação deste material.
O caráter pioneiro destas experiências ainda traz alguns problemas operacionais, como
aponta Gumlich, “Os desafios desse setor são grandes, uma vez que as técnicas de
conservação para as mídias digitais ainda estão sendo testadas, em muitos casos, pela
primeira vez” (2013. P. 23, a existência deste tipo de iniciativa que proporciona a
preservação de valiosos registros de arquitetura, até então esquecidos nos arquivos de
diversas instituições, geraria excelentes resultados, uma vez que, ainda não existe na
cidade do Recife um centro de documentação específico de arquitetura capaz de captar os
acervos de arquitetura originais, conservá-los e disponibilizá-los como fonte de pesquisa.

196
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

AGRADECIMENTOS
Em tempo, é necessário registrar nosso agradecimento às equipes envolvidas no
desenvolvimento dos projetos “Digitalização do acervo de plantas da prefeitura do Recife” e
“Inventário do Arquiteto Armando de Holanda”, assim como às instituições parceiras e
financiadoras: a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ao Laboratório da imagem
de Arquitetura e Urbanismo (LIAU/UFPE), a Fundação de Amparo a Pesquisa de
Pernambuco (FACEPE) e a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco
(FUNDARPE).

REFERÊNCIAS
Recomendações para digitalização de documentos arquivísticos permanentes.
CONARQ, 2010. Disponível em:
<<http://www.conarq.arquivonacional.gov.br/media/publicacoes/recomenda/recomendaes_p
ara_digitalizao.pdf>>. Acesso em: Jan. 2012.
Dicionário brasileiro de terminologia arquivística. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional,
2005. 232p.
GUMLICH, Albrecht. Coleções de modelos tridimensionais de Arquitetura e seus cuidados:
conservação, abrigo e acondicionamento. Pós, São Paulo, n. 34, vol. 20, p. 12-32,
Dez.2013.
GUTIÉRREZ, Ramón. Os arquivos de arquitetura no contexto latino-americano.
Disponível em: <<http://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.008/933/pt.>>. Acesso
em Out. 2011.
MACDONALD, Susan (Ed.). Modern matters: principles and practice of conserving recent
architecture.Shaftesbury: Donhead, 1996.
MOREIRA, Fernando Diniz. Os desafios postos pela conservação da arquitetura moderna.
Revista CPC, São Paulo, n. 11, p. 152-187, Nov. 2010/abr. 2011.
PRUDON, Theodore. Preservation of modern architecture. New York: John Wiley, 2008.
NASLAVSKY, Guilah; OLIVEIRA, Patricia Ataíde Solon. Arquivos de Arquitetura Moderna
em Pernambuco: Do reconhecimento à urgência de Conservação. In: 2º Seminário Ibero
Americano Arquitetura e Documentação. Belo Horizonte. Anais. Belo Horizonte: UFMG,
2012. 1 CD-ROM.
NIEUWENHUYSEN, Andrée Van; PEYCERÉ, David. Types of Architectural Records. In: A
guide to the archival care of architectures records 19th-20th centuries. Paris:
International Council on Archives. Section on architectural records, 2000.
OLIVEIRA, Patricia Ataíde Solon de; et. al. Digitalização e Preservação do Patrimônio
Iconográfico de Arquitetura: o caso de Recife. In: 4º Seminário DOCOMOMO, 2012,
Natal. Anais. Natal: UFRN, 2012. 1 CD-ROM.
ROBREDO, Jaime; CUNHA, Murilo B. da. Documentação de hoje e de amanhã: uma
abordagem informatizada da biblioteconomia e dos sistemas de informação. São
Paulo: global, 1994.
SOUCHON, Cécile. Introduction. In: A guide to the archival care of architectures records
19th-20th centuries. Paris: International Council on Archives. Section on architectural
records, 2000.
VIEIRA, João. O sistema de informação e questões acerca da conservação de acervos de
arquitetura: os casos do Sipa e do Forte de Sacavém, em Portugal. Pós, São Paulo, n. 34,
vol. 20, p. 12-32, Dez.2013.

197
MODERNIDADE PETROPOLITANA – O DESAFÍO DA CRIAÇÃO DE
UMA NOVA IDENTIDADE

Erivelton Muniz da Silva


UNESA
eriveltoms@gmail.com
Adonis Luiz Osmar Silva
UNESA
adonisarq3d@gmail.com
Juliana Vitoriano Christ
UNESA
juliana.christi@gmail.com

RESUMO
Petrópolis, no Rio de Janeiro, é reconhecida como a Cidade Imperial. Apesar da cidade
remontar para um momento mais próximo ao século XIX, com sua arquitetura historicista,
sua periferia se tornou terreno para a produção de uma arquitetura que modificaria o modo
de pensar de toda uma geração, encabeçada por nomes que repercutiriam com seus
trabalhos no Brasil e no mundo ao abraçarem o movimento Moderno. Nomes como Oscar
Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy e Sergio Bernardes tiveram em Petrópolis parte de seus
sonhos modernistas concretizados em projetos realizados na cidade. Apesar de algumas
obras notadamente afamados; como a Casa de Edmundo Cavanelas, obra de Oscar
Niemeyer; boa parte desta arquitetura é pouco conhecida, tanto pela população como por
arquitetos. O que esta artigos busca expor é como explorar e trazer a tona estes projetos,
desvendando a relação desta arquitetura com a cidade que a circunda, utilizando um
catálogo digital, que vem sendo criado a partir da pesquisa em diferentes acervos aliado a
recomposição dos projetos em meio digital de maneira tal que possa apresentar a
Arquitetura Moderna existente em Petrópolis a seus habitantes e visitantes, tornando ainda
mais claro a relação da mesma com mais este período histórico.

Palavras-chave: Arquitetura. Modernismo. Petrópolis. Rio de Janeiro. Gráfica Digital.

ABSTRACT
Petropolis in Rio de Janeiro, is recognized as the Imperial City. Although the city remount for
closer time to the nineteenth century, with its historicist architecture, its outskirts became
terrain to produce an architecture that would change the way of thinking of an entire
generation, headed by names that had as repercussion with his work in Brazil and the world
to the embrace the Modern movement. Names like Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy
and Sergio Bernardes had in Petrópolis part of their modernist dreams realized in projects
undertaken in the city. Despite some particularly famous works; as the House of Edmundo

198
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Cavanelas, work of Oscar Niemeyer; Much of this architecture is not well known, both by the
population as architects. What is this articles seeks to expose and explore how bring out
these projects, unraveling the relationship of this architecture with the city that surrounds it,
using a digital catalog, which has been created from the research in different collections
together with restoration projects in digital media in such a way that it can present the
existing Modern Architecture in Petropolis its inhabitants and visitors, making even clearer
the relationship of the same over this historical period.
Keywords: Architecture. Modernism. Petropolis. Rio de Janeiro. Digital Graphics.

1 INTRODUÇÃO
A cidade de Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro, apesar de possuir alguns dos projetos
modernistas mais notáveis da fase áurea do movimento - como a Casa de Edmundo
Cavanelas, obra de Oscar Niemeyer, A residência de George Hime, projeto de Henrique
Mindlin e premiada na I Bienal de São Paulo em 1951, e a Casa de Samambaia, premiada
na II Bienal de São Paulo em 1953 e projetada por Sergio Bernardes para Lota de Macedo
Soares – vê esta arquitetura passar despercebida, seja pela população da cidade como por
arquitetos. A documentação desta produção, apesar de existente, sempre toca a cidade de
maneira tangente. Durante o processo de levantamento preliminar não foram identificados
livros, artigos em periódicos ou websites que, ao tomar a cidade de Petrópolis como ponto
de partida, demonstre a riqueza dos exemplares produzidos pela Arquitetura Modernista na
mesma. Relegar tamanha herança a um segundo plano não é algo condizente com uma
cidade que tem em sua história um de seus principais atrativos.
Esta pesquisa surge deste vazio informacional, com a premissa de mostrar que, apesar de
todo um histórico eclético vinculado ao período imperial, uma identidade da qual é
impossível desvincular a cidade, sua produção modernista possui relevância, tanto pelos
números até o momento identificados, quanto pelos atores envolvidos, e que
consequentemente merece ser estudada, entendida e principalmente compartilhada.
O projeto tem suas premissas calcadas na Virtual Heritage, termo cunhado, segundo
Roussou (2002), para identificar trabalhos que lidam com as técnicas da Realidade Virtual
(RV), em seu sentido mais amplo, e Herança Cultural. De posse do ferramental fornecido
pela RV, a Virtual Heritage visa facilitar a síntese, conservação, reprodução, representação,
reprocessamento digital e exibição de evidências culturais.
Tendo esta preposição como meta, imaginou-se construir Um catalogo, que possa
identificar, localizar e documentar as obras modernistas existentes na cidade de Petrópolis.

2 PETRÓPOLIS E A MODERNIDADE ARQUITETÔNICA


A Arquitetura Moderna no Brasil vem sendo extensamente discutida e estudada ao longo
dos anos, mas as abordagens mais tradicionais tendem a tratam do tema de forma global,
analisando a produção no país como um todo e mostrando as diferenças existentes entre
escolas que predominaram em certas regiões; ou então a trata de maneira autoral, quando
se focam os arquitetos e seus portfólios pessoais.
Analisar a Arquitetura Moderna pela ótica da cidade que a abriga, e o quanto esta pode ter
relevância para seu status cultural, ainda que não captado pela população que a vivência, é
uma abordagem menos comum, contudo pode trazer resultados que extrapolam o campo do
estudo teórico. Além de auxiliar na descoberta de peculiaridades que podem caracterizar o
modo de construir naquele local, pode fomentar economicamente a região ao dar destaque
a obras de reconhecido valor arquitetônico, permitindo uma nova visão da cidade analisada,
diversa do senso comum.

199
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro, tem um perfil arquitetônico bem particular. Sua
história é intimamente ligada ao período imperial brasileiro, uma vez que a mesma é fruto do
desejo de D. Pedro II de colonizar a área onde construiria seu palacete de verão, atual
Museu Imperial, edificado entre 1845 e 1862,.
A cidade foi criada a partir do decreto nº 155 de 16 de março de 1843 , tendo à frente de seu
projeto o Major Julius Friedrich Koeler, sendo grande parte de sua força de trabalho formada
por imigrantes europeus. A proximidade com a nobreza fez com que boa parte da burguesia
da capital, então a cidade do Rio de Janeiro, seguisse em direção a Petrópolis, fazendo com
que uma diversidade de palacetes ecléticos aflorassem na área central da nova cidade.
O legado formado pela série de edificações que surgiram ao redor da residência do
Imperador acabou por constituir uma das principais fontes de renda da cidade, o turismo
histórico. Contudo, outro período cultural, intimamente ligado à arquitetura, o Modernismo,
contribuiu de maneira contundente para sua memória, indo além dos palacetes e edificações
ecléticas da cidade imperial.
O Modernismo tem, no período entre as décadas de 30 e 70, a sua afirmação no campo da
arquitetura, e ganharia uma face muito peculiar em nosso país, tendo como uma de suas
principais frentes a “Escola Carioca”. Composta por arquitetos formados na Escola Nacional
de Belas Artes, a partir de meados da década de 20, é capitaneada por profissionais como
Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Henrique Mindlin, Sérgio Bernardes e
os irmãos MMM Roberto. Eles de certa forma definiram para o mundo o que foi a Arquitetura
Modernista Brasileira, que ganharia visibilidade com o pavilhão na Feira Mundial de Nova
York, em 1938, e a exposição Brazil Builds realizada no MoMA em 1943.
Apesar das mudanças políticas, Petrópolis continuava a atrair a elite carioca, fosse por seu
clima aprazível, sua proximidade com a capital (cerca de 70km entre ambas) ou
simplesmente por buscar na cidade o sossego pouco comum à metrópole. Uma parte desta
elite encontrou no Modernismo, e na Arquitetura realizada por aqueles que abraçaram o
movimento, o canal para expressar a vanguarda de seus ideais. Seriam eles os primeiros a
levar esta nova arquitetura serra acima.
Apesar de não ser um centro econômico ou político no país, a cidade atraiu sobremaneira o
olhar de modernistas para si. Ao analisar a produção arquitetônica modernista na cidade,
percebe-se uma predominância das edificações residenciais de veraneio, originalmente
isoladas da malha urbana. Este perfil, de uma edificação que não é a principal de seu
proprietário, agregado ao clima e à rica paisagem natural da cidade, nos levam a supor se
tais escolhas não foram feitas pela possibilidade de experimentar soluções que, dentro de
uma malha urbana já adensada como a do Rio de Janeiro, não seriam possíveis. A
iconografia identificada até o momento reforça estas suposições (figuras 1 e 2), ao enfatizar
o relacionamento das obras com o seu entorno. Tais informações nos levam a pensar se
uma linguagem arquitetural própria pode estar atrelada a cidade, ponto que a pesquisa vem
investigando ao longo de seu desenvolvimento.

200
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 1 – Residência de Verão. Arq. Olavo Redig de Campos. 1954, Itaipava

Fonte: Revista Acrópole 208, pag. 137.

Figura 2 – Casa de Chagas Freitas. Arq. Sergio W. Bernardes. Entre 1950 e 1956, Nogueira

Fonte: Revista Acrópole 209, pag. 50.

3 METODOLOGIA
Dado a natureza do projeto, definiram-se 3 momentos de trabalho: a coleta de dados, a
manipulação da informação e o compartilhamento dos resultados.

3.1 Coleta
A coleta tomou como ponto de partida bibliografia que, direta ou indiretamente, foca o
período analisado. Algumas obras em particular acabaram por ganhar peso no processo de
pesquisa, como o livro considerado seminal no que tange a arquitetura modernista brasileira
“Modern Architecture in Brazil”, de Henrique Mindlin. Editado originalmente em 1956, é onde
vemos compiladas pela primeira vez informações de obras como a Residência do
Embaixador Accioly, proejto de Francisco Bolonha; a Casa de campo de Lauro Souza
Carvalho, de autoria de Henrique Mindlin, além de outros projetos, em um total de 14
edificações ligadas a cidade.
Outras obras sobre arquitetura no Brasil, como os livros de Yves Bruand (1996) e Hugo
Segawa (1997), também fornecem informações para identificação de projetos elaborados
para cidade. Outra importante fonte, menos conhecida, mas não menos relevante, é o Índice
de Arquitetura Brasileira 1950-1970. Compilado pela FAU-USP em 1974, fornece indicações
para diversos artigos publicados em periódicos que tinham a arquitetura como tema entre os

201
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

anos indicados no título. Pelo menos 41 citações sobre a cidade de Petrópolis e Arquitetura
Moderna puderam ser identificados nesta obra.
Ao identificar as fontes primárias, como periódicos ou acervos públicos e privados, uma
nova rodada de análises e coletas foi realizada. A pesquisa foi levada ao Núcleo de
Pesquisa e Documentação (NPD) e a Biblioteca da FAU/UFRJ, onde se travou contato com
o acervo de Sergio Bernardes, incorporado à instituição em 2011, e a revistas como Módulo,
Arquitetura e Engenharia, Arquitetura (IAB) e Habitat. A revista Acrópole, fonte que também
fornece importantes citações a obras na cidade, é disponibilizada pela FAU/USP de forma
online, e também teve seus artigos catalogados.
Outro fonte que vem sendo constantemente referenciada é o departamento de plantas da
cidade de Petrópolis. Apesar de nem sempre se possuir a correta localização das
edificações, o providencial auxílio do corpo de funcionários do local vem agilizando o
processo de identificação. Pistas, como o nome de loteamentos, ou imagens, que apontam
para locais conhecidos na cidade, auxiliam ao reduzir o universo de ruas a ser analisadas no
acervo.
A aproximação da pesquisa com a comunidade acadêmica, na figura dos professores e
alunos do campus, também gerou frutos e um importante movimento de sinergia. Com o
auxílio de pesquisadores que trabalham como voluntários no projeto, foi possível identificar
pelo menos dois alunos que residiam em edificações que se encaixavam no perfil da
pesquisa. Além disto, outros quatro projetos não citados anteriormente em nenhuma
publicação, foram identificados em trabalho de campo. O auxílio de professores nativos da
cidade também permitiu a localização de pelo menos outros quatro projetos.

3.2 Manipulação
O segundo momento, de manipulação das informações, acontece de maneira quase que
concomitante ao processo de coleta de dados. À medida que as fontes vem sendo
identificadas, páginas e plantas são digitalizadas, organizadas, e agregadas inicialmente em
uma estrutura de pastas em um drive virtual, acessível a todos os membros da pesquisa. Ao
se identificar os endereços e autorizadas as visitas, fotos que representam o momento atual
das edificações são realizadas, indicando assim seu estado de conservação e fidelidade ao
projeto original. Estas também são incorporadas ao acervo do trabalho no mesmo drive
virtual.
Boa parte deste material bruto, não produzido pela própria pesquisa, vem passando por
tratamento de imagem, buscando igualar a qualidade fornecida pelas diferentes fontes,
mantendo assim um padrão que virá a ser apresentado no produto final.

3.3 Compartilhamento
O terceiro momento, focado no compartilhamento dos resultados, está sendo dividido em
duas fases. Na primeira, resolveu-se aproveitar a força das redes sociais para auxiliar no
processo de pesquisa. Ao analisar a cidade com o olhar de quem não reside na mesma,
lacunas no que condiz a identificar localidades e pontos notáveis da paisagem fogem ao
pesquisador, mas não a quem tem a cidade como seu berço.
Uma página na rede social Facebook, Petrópolis – Cidade Modernista (
https://www.facebook.com/petropolismodernista ), intensivamente divulgada na comunidade
acadêmica e em grupos que tem a cidade de Petrópolis como tema, vem progressivamente
expondo o resultado da coleta de dados, divulgado fotos e informações sobre edificações,
sejam estas já identificadas na cidade ou não. Os resultados conseguidos com 2 semanas
de exposição se mostraram além das expectativas, conseguindo-se a identificação e
localização de 5 edificações já registradas na pesquisa, além da adição de um novo projeto
não identificado em fontes anteriores. Como pode verificar-se, apesar da aparente

202
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

estanqueidade dos momentos do projeto, a um constante ir e vir de informações que levam


o trabalho de um ponto ao outro a medida que novos dados são identificados.
Na segunda fase do momento de compartilhamento, chegamos ao que vem a ser o produto
desejado com este projeto, um Catálogo Digital, que vem tomando forma progressivamente.

4 DESENVOLVIMENTO
A escolha pelo publicação em um formato digital, particularmente na internet, se dá pela
capacidade que mesma vem apresentado de aproximar pessoas em torno de temas comuns
(Johnson, S.; 2001), como a experiência na rede social pode comprovar. É um meio
inerentemente imaterial e de grande facilidade de distribuição da informação. Somando-se
isso à utilização adequada das técnicas de Gráfica Digital, poderá fornecer ao interessado
uma visita virtual imersiva, e principalmente, quando analisamos do ponto de vista da
economia da cidade, instigar o desejo da visitação aos locais apresentados.
O uso de um banco de dados como pilar para este catálogo parte de alguns princípios.
Arquitetos têm de lidar com a necessidade de organizar um tipo de conhecimento que não
tem necessariamente a palavra como o foco. Apesar de textos, resenhas e memoriais
fazerem parte da realidade do projeto arquitetônico, são as imagens, como desenhos, fotos
e plantas sua porção mais significativa. Por muito tempo, a figura de compêndios e
catálogos impressos; como a obra “A Arte de Projetar” de Ernst Neufert; foi a solução para
tal dilema.
Com a popularização da informática e o acesso facilitado a sistemas de bancos de dados,
capazes de armazenar e indexar diferentes tipos de informação. Analisando pelo aspecto
computacional da organização do conhecimento, podemos definir que um banco de dados é
um conjunto de informações dotado de uma estrutura regular, que as organiza; e um
software, capaz de manipular este conjunto criado (SILBERSCHATZ, A.; KORTH, H. F.;
SUDARSHA, S.; 2005).
Quando analisamos as cidades, de modo geral, também encontramos nestas os mecanismo
necessários para organizar e recuperar o conhecimento; as pessoas tendem a se reunir nos
centros urbanos para facilitar a transmissão de informações (Johnson, S.; 2003). Aqui, o
produto da cidade se torna o objeto de estudo, então outras ferramentas se fazem
necessárias.
Frente a estas afirmativas, se esclarece que a opção por um banco de dados digital se deve
à intenção de organizar os dados das edificações identificadas a partir de uma estrutura
relacional. Desse modo, mesmo que não sejam completamente visíveis em uma primeira
análise, os relacionamentos entre os registros e os padrões formados vão se descortinando
à medida que os objetos de estudo vão sendo conhecidos e registrados. As relações entre
obras e os atores nelas atuantes– arquitetos, engenheiros e proprietários - poderão sugerir
padrões ou evidenciar conexões que poderiam passar despercebidas à análise individual ou
independente de cada item.
A escolha da tecnologia a ser utilizada considerou a escalabilidade do sistema, sua
facilidade de operação e instalação em diferentes plataformas e a capacidade de trabalhar
com dados georreferenciados, o que direcionou o projeto para a utilização do sistema
MYSQL.
Para se georreferenciar um obra, se faz primeiramente necessário assinalar sua localização.
A identificação de uma edificação na bibliografia não necessariamente acarreta em se
descobrir sua localização. Livros e revistas, ao expor uma determinada obra, quase sempre
omitem o endereço dos projetos, principalmente aqueles executados para particulares, por
questões de privacidade. Dada esta lacuna, um trabalho extenso, tanto junto ao acervo de
plantas da Prefeitura Municipal de Petrópolis, quanto de visitação aos bairros; quando
citados; busca identificar precisamente o local onde estas obras se encontram. O trabalho
em redes sociais, como já citado, também vem auxiliando neste processo.

203
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Indo além do georreferenciamento, existem outras motivações para se localizar as obras


pesquisadas. Uma das principais vem da possibilidade de recuperar junto aos órgãos
públicos as plantas destas edificações, o que só se faz possível com a correta identificação
do endereço das mesmas. Apesar de, em grande parte das vezes, os livros e revistas
publicarem as plantas das edificações, é normal que a escala escolhida para tal não permita
identificar grandes detalhes. Além disto nem sempre todo material é publicado, como
perspectivas ou cortes (figura 3), elementos que permitem ampliar a compressão do projeto,
e que normalmente são anexados ao projeto de aprovação junto aos órgãos municipais.

Figura 3 – Perspectiva. Arq. Antônio Carlos Coutinho. 1964, Quitandinha

Fonte: Acervo da Prefeitura de Petrópolis, 1964.

De posse destes documentos, que são públicos, se faz possível a correta a reprodução dos
mesmos em meio digital, mantendo registrada sua proposição original, preservando sua
essência construtiva e facilitando seu acesso por meio do Catálogo em construção.
Agregasse também a preocupação advinda do fato de não existir na cidade de Petrópolis
um projeto de digitalização dos projetos depositados em seus arquivos, gerando dúvidas
quanto ao futuro destes documentos.
Estes desenhos também poderão servir como ponto de partida para a reprodução
tridimensional das obras, seja para utilização no Catálogo Digital, quanto para a reprodução
de maquetes utilizando tecnologia de impressão em 3D, podendo então cumprir o papel de
formar um acervo físico e compacto das obras pesquisadas, disponíveis a alunos e
interessado pelo tema.
Outra motivação ligada à localização das obras diz respeito à possibilidade de visitação aos
imóveis. Além de procurar sensibilizar os proprietários da importância que tais edificações
possuem para a cidade, pretende-se registrar fotograficamente o momento atual das obras.
Com isso, é possível contrapor o momento atual da edificação com registros visuais que
remontem ao momento da conclusão da mesma (Figura 5). Agregada à análise das plantas,
estas comparações permitirão um estudo tanto das permanência quanto das modificações
sofridas pela obra ao longo do tempo. Mais do que criticar possíveis alterações encontradas,
o que se buscas é compreender as motivações que levaram à realização de interferências, e
o quanto estas podem ter modificado, ou até mesmo aumentado, a qualidade presente no
projeto original.

204
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 4 – Residência de Guilherme Brandi. Arq. Sergio W. Bernardes. 1952, Samambaia

Fonte: Mindlin, 1956 / Acervo Pessoal, 2014.

Uma das conquistas decorrentes dos contatos com os proprietários dos imóveis vem sendo
a abertura de algumas destas a visitas guiadas pelos professores. Com a presença de
alunos de diferentes unidades, uma importante troca entre pesquisa e graduação vem
ocorrendo, e, de certa forma, já incutindo nestes alunos a importância que este outro
período histórico na Arquitetura possui para a cidade.
Uma vez defina a forma como serão trabalhados os dados, se faz presente definir como
apresentar as informações coletadas e organizadas. Este “front-end” servirá de interface
entre a pesquisa e aqueles que se pretende atingir, isto é, a população local e interessados
em arquitetura. Para que a acessibilidade seja irrestrita a qualquer dispositivo capaz de
acessar a internet, exclui-se a utilização de tecnologias proprietárias como o Adobe Flash, o
que naturalmente direciona a utilização de padrões web abertos, como o HTML 5.
A interface, ainda não desenhada, precisará responder a algumas necessidades, como a
possibilidade de trabalhar os dados geográficos coletados. A popularização de aparelhos
móveis capazes habilitados para os sinais GPS é um fato. Sendo possível recuperar estas
informações registradas em banco de dados, um visitante, através de um mapa online
vinculado ao website, poderia identificar rapidamente aquelas que estivessem mais
próximos de si.

205
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Outra questão diz respeito à visualização das relações entre as informações. Como já
citado, a analise dos dados e seu registro no banco vem levando a identificar laços entre
obras que, em um primeiro momento, podem ser pouco claros. A possibilidade de se
navegar entre estas diversas conexões, em todas as direções possíveis, reforça o caráter de
hiperdocumento presente nas informações coletadas, e que darão corpo ao website.

5 CONCLUSÕES
As obras de grandes mestres da Arquitetura, tal como Niemeyer e Lucio Costa, por si só
atraem interessados em seus projetos. Contudo vemos muitos projetos, mesmo que
menores, que possuem qualidade arquitetônica, mas não despertar o mesmo tipo de
valorização por turistas, amantes da arquitetura ou estudiosos. O fenômeno em si pode
simplesmente estar ligado ao desconhecimento do público atraído por este tipo de bem
cultural, ou ainda pela dificuldade em acessar determinadas obras.
O não reconhecimento da importância destas edificações leva, de certa forma, à indiferença
para com as mesmas. A criação deste catálogo pretende pelo menos instilar na população o
interesse por entender e conhecer estes projetos. Ainda que não consigam dar a mesma
importância dada ao passado imperial da cidade, que estes possam ter uma nova visão para
obras que, de resto, permanecem invisíveis ou dormentes na paisagem urbana.
Petrópolis tem como uma de suas principais receitas o turismo calcado na imagem de
Cidade Imperial, mas desconsidera toda uma produção de um período importante,
edificações e propostas idealizadas por arquitetos brasileiros reconhecidos em todo o
mundo.
É necessário fazer com que a população e os visitantes reconheçam este outra face, tão
pouco explorada, e possa identificar este legado Moderno, que, mesmo mais jovem que sua
contraparte imperial, também possui sua importância.
Por outro lado temos a questão de preservar a memória deste patrimônio. A cidade é um
organismo dinâmico, e muitas destas obras sofrem mudanças, sejam para se adequar a
novos usos, crescimento ou mudança das famílias que passam a utiliza-las, quando não a
própria demolição para dar lugar ao novo, sem julgar o valor que este substituto traz ou não
à cidade. Uma vez digitalizadas e reproduzidas em escala tal qual a concepção de seus
projetistas, as obras tem a oportunidade de permanecerem fiéis a seu espírito e com isso
entendidas conforme seu contexto original.
Se faz necessário mostrar que Petrópolis não se resume a ser Imperial, algo já naturalmente
assumido no dia a dia da cidade e de sua população, mas que também pode ser Moderna, e
se reconhecer como campo fértil de experimentação do novo.

AGRADECIMENTOS
Ficam aqui registrados os agradecimentos ao Programa de Pesquisa Produtividade da
Universidade Estácio de Sá, sem o qual este projeto não existiria; aos meus alunos Adonis
Silva e Juliana Christ, que vem colaborando voluntariamente com este projeto; ao Professor
Paulo Igreja, pelo apoio na Pesquisa; e a coordenador do Curso de Arquitetura da
Universidade Estácio de Sá – Unidade Petrópolis, Adriano Arpad, que muito tem feito para
ajudar este trabalho.

REFERÊNCIAS
BRUAND, Y. Arquitetura Contemporânea no Brasil. 3. ed. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1996.
COSTA, E. R. R. (Org.); CASTILHO, M. S. (Org.). Índice de Arquitetura Brasileira 1950-

206
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

1970. 1. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,1974.


JOHNSON, S. Cultura da Interface, Como o computador transforma nossa maneira de
criar e comunicar. 1. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
JOHNSON, S. Emergência, a dinâmica de rede em formigas, cérebros, cidades e
softwares. 1. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
MINDLIN, H. E. modern architecture in brazil. 1. ed. New York: Reinhold Publishing
Corporation, 1956.
ROUSSOU, M. Virtual Heritage: From the Research Lab to the Broad Public, Virtual
Archaeology, 2002. p. 93-100.
SEGAWA, H. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. 1. ed. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo, 1997.
SILBERSCHATZ, A.; KORTH, H. F.; SUDARSHA, S. Sistema de Banco de Dados. 3. ed.
São Paulo: Makron Books, 2005.
Teixeira Filho, H. C. L. A FUNDAÇÃO DE PETRÓPOLIS - DECRETO DE 16 DE MARÇO
DE 1843 E OUTROS DOCUMENTOS DO MESMO ANO. Em <
http://www.ihp.org.br/lib_ihp/docs/hcltf19380910.htm >. Acesso em: 10 jul. 2014

207
MINHA TIA GUADALUPE: REPRESENTAÇÃO DA
MODERNIDADE NA FRANÇA EM MON ONCLE (1958) E SEUS
REFLEXOS EM KOOLHAAS HOUSELIFE (2008)

Gúbio Mariz T. de Sousa Filho


UFPB - Universidade Federal da Paraíba
gubiomariz@hotmail.com

RESUMO
A partir de dois documentos audiovisuais, busca-se fazer um paralelo entre a arquitetura moderna
dos anos 1950 e uma casa pós-moderna do final do século, com foco principalmente nas diferentes
apropriações que o usuário faz da arquitetura. O atrapalhado protagonista Monsieur Hulot, do filme de
Jacques Tati (1958) vai demonstrar suas inadequações à rápida modernização do estilo de vida
francês de maneira sutil e cômica. Longe de parecer pontual, o filme traz ainda semelhanças com
nossa vida cotidiana, o que pode ser percebido no documentário Koolhaas Houselife (2008), de Bêka
e Lemoine, através do olhar simples da Dona Guadalupe, faxineira da casa pós-moderna em
Bordeaux do final do século 20.
Palavras-chave: Jacques Tati. Mon oncle. Rem Koolhas. Pós-modernismo. Guerra fria.

ABSTRACT
From two audiovisual documents, we seek to draw a parallel between the modern architecture of the
1950s and a post-modern home of the century, focusing mainly on the user’s appropriations about the
building. The bumbling protagonist, Monsieur Hulot, from Jacques Tati’s movie (1958), will
demonstrate its inadequacies to the quick modernization of the French lifestyle in a subtle and
humorous way. My Uncle still has echoes of our everyday life, which can be seen in the documentary
Koolhaas HOUSELIFE (2008), Beka and Lemoine, through the simple look of Mrs. Guadalupe, maid
of a late 20th century postmodern house in the Bordeaux.
Keywords: Jacques Tati. Mon oncle. Rem Koolhas. Postmodernism. Cold War.

1 INTRODUÇÃO OU CRÉDITOS INICIAIS


O presente texto é um estudo comparativo entre dois momentos da arquitetura na
França, o modernismo e o pós-modernismo, tendo por fonte dois documentos audiovisuais:
o filme Meu Tio, de Jacques Tati (1958) e o documentário Koolhaas Houselife (2008), de
Bêka e Lemoine. Através destes, busca-se perceber se as características tanto modernas
quanto pós-modernas estão realmente representadas nos respectivos objetos de estudo,
como também de que forma essas características impactam e se relacionam com os seus
diferentes usuários/personagens – sem, contudo, se desvincular do contexto em que cada
produção está inserida. Dessa maneira, pretendeu-se produzir uma análise que nos remete
à uma reflexão crítica sobre as influências e permanências desses dois momentos no fazer
arquitetura.
O século 20 é apontado por CASTELLO (2002) como o século do cinema, e “parece
justo que seja a arquitetura moderna o personagem principal a encabeçar estelarmente o
elenco desse jovem meio de comunicação”(s/ pág.). Contudo, ter o recurso audiovisual

208
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

como fonte histórica ainda é um exercício relativamente recente, já que pouco se produziu
em material de análise levando em consideração tanto o cinema como a própria arquitetura
no cinema.
Marc Ferro, na década de 1970, foi o primeiro a refletir sobre uma metodologia para
o uso das fontes audiovisuais como fontes históricas no período da Nova História. Para ele,
o cinema deixaria entrever “tensões dos diversos segmentos da sociedade, veiculando
elementos que nem os grupos de poder constituídos, nem aqueles envolvidos na produção,
apreenderiam” (SANTOS, 2013, p. 84). Dessa forma, Ferro acreditava que a câmera
captava de certa forma o real de uma sociedade que poderia perpassar a própria vontade do
diretor. Apesar da iniciativa, sofreu críticas pelo seu aspecto positivista de “veracidade”
(existe uma verdade por trás do filme independente até da vontade de quem o produziu) e
“autenticidade” (neste, quanto menos manipulado, mais autêntico seria o filme).
Outro estudioso acerca do assunto é MORETTIN, segundo o qual o que é relevante
para a resposta de nossas questões em relação ao contexto vai emergir mediante a própria
análise da obra cinematográfica; sendo considerados todos os detalhes da obra. Isto é,
“trata-se de desvendar os projetos ideológicos com os quais a obra dialoga e
necessariamente trava contato, sem perder de vista a sua singularidade dentro do seu
contexto” (apud NAPOLITANO, 2005, p.245). Dessa forma, percebe-se a obra tanto em seu
contexto de produção quanto ao contexto que aborda.
Como qualquer outra fonte, historiador deve partir do próprio filme para compreensão
do fato histórico. Alcides Ramos e Pierre Sorlin afirmam que deve partir da significação
interna da obra onde “se insere determinada base ideológica de representação do passado.
[...] [ Dessa forma, busca-se compreender: ] ‘o que o filme diz e como o diz?’” (idem). O
cinema seria, portanto, a encenação de uma sociedade – e não como um espelho, mas
como “percepção que se tem da realidade”, como aponta Michèle Lagny (apud SANTOS,
p.86). Sendo, portanto, cabível de análise e interpretação histórica.
Em nossa metodologia, buscamos nos aproximar da concepção de LAGNY e
SORLIN de documentos audiovisual como representação de um fato histórico ou, no nooso
caso, de como o usuário se apropria de uma obra arquitetônica – de forma contextualizada
– para depois comparar os dois objetos de estudo, extraindo contradições e semelhanças.
O cinema é um vasto campo de representações de um período – mesmo tendo sido
criado como um produto comercializável e, muitas vezes, não pretender estatuto de
documento histórico. Através dele temos a possibilidade de analisarmos o imaginário social,
assim como a noção de identidade cultural – pontos indispensáveis de nossa análise das
produções cinematográficas em estudo.
O primeiro documento cinematogrático a ser estudado é o filme Meu Tio (1958), de
Jacques Tati, onde percebemos a ameaça à perda de identidade cultural de um dos países
que é referência em questão ideológica devido à americanização do modo de vida francês
no pós guerra.

2 FRENCH WAY OF LIFE E JACQUES TATI


O plano Marshall (1947) foi mais amplo do que o mero auxílio econômico americano
para as nações envolvidas no bloco capitalista se reerguerem após a II Guerra Mundial.
Numa conjuntura geopolítica de Guerra Fria, os Estados Unidos pretendiam se estabelecer
como nova potência, propagando suas influências política, econômica e cultural. Seu estilo
de vida deveria ser difundido e o próprio cinema foi um dos maiores veículos midiáticos da
cultura americana, sendo Hollywood o grande responsável por essa inserção, como aponta
o historiador Robert Gildea, professor da Universidade de Oxford:
Os americanos também requeriam que todas as barreiras às suas
exportações e investimentos fossem removidas, assim a França foi
inundada não apenas por produtos americanos mas igualmente por

209
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

propaganda vendendo o modo de vida americano. “A França se tornará


uma colônia americana?” questionou um livro em 1948, expondo a ameaça
dos filmes de gangster e westerns americanos, das revistas em quadrinhos
infantis como Pato Donald, Tarzan, e Zorro, e revistas controladas por
trustes americanos, notadamente Reader’s Digest, denominada Sélection
na França” (GILDEA apud SANTOS, p. 87 em nota de tradução).
A França era um dos países que recebiam fortemente esta influência americana, o
que levou muitos autores a se referirem à modernização do período (década de 1950) como
americanização do país. É através da fonte cinematográfica que procuramos enxergar as
representações que emergem do imaginário social desse período presentes no filme Meu
Tio (Mon Oncle, 1958).
O diretor e ator Jacques Tati (Tatischeff, na verdade) é considerado um dos
melhores cômicos franceses. Ao longo de 25 anos (de 1947 a 1973), “os filmes do diretor
expõem a evolução do moderno e comentam a questão da nacionalidade na identidade
francesa [...] através dos objetos de consumo” (FOLEGATTI e SCHIAVINATTO, 2011, p. 3).
Meu tio é um dos filmes mais marcantes por estar na fase de transição da modernidade.
Nele é notória a dicotomia entre uma França moderna, representada pelo bairro moderno, o
novo, progressista, organizado e formal (fig. 01) e uma França tradicional, de aspectos
ruralistas, caótica e informal (fig. 02), representada pelo bairro do protagonista (Monsieur
Hulot, encenado pelo próprio diretor).

Figura 01 e 02 – Créditos iniciais do Filme Mon Oncle, representando à esquerda o


moderno e à direita o tradicional.

Fonte: MON Oncle (1958).

Nos créditos iniciais do filme em análise, percebe-se a separação entre os dois


mundos. Num primeiro momento, as letras são técnicas e a cena é industrial, metálica e
cinza. Os sons não poderiam ser diferentes: máquinas trabalhando. Um grande guindaste se
impõe no quadro. Já num segundo momento, como visto na figura 02, o título aparece
escrito à mão de forma lúdica por giz, sobre tijolos, ao som da música tema do protagonista
– instrumentos de corda e piano, num ritmo descontraído, talvez até distraído.
Os que parecem circular sem grandes dificuldades entre os dois bairros são as
crianças e os cachorros, ambos alheios ao que está acontecendo à época. A ligação entre
esses dois mundos acontece por um muro antigo em ruínas, que transparece a queda do
tradicional perante o novo que se impõe atrás dele, cada vez mais.
O Monsieur Hulot é o arquétipo do francês tradicional. Vive no antigo bairro de Saint
Maur, local sociável e espontâneo, ao ponto de parecer caótico e desorganizado (fig. 03). Ao
longo do filme, Tati retrata de forma divertida a falta de jeito do M. Hulot diante das
modernidades que estão chegando – e avançando. Os estranhamentos, como iremos ver,
não são algo particular do protagonista, pois se os personagens ditos tradicionais estranham

210
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

certas modernidades, também os ditos modernos estranham o ritmo de vida do bairro


tradicional.
O foco do novo bairro é a casa modernista da família Arpel, a Villa Arpel – assim
chamada por alguns autores, como CHAGAS (2013) e SANTOS (2013), como referência a
Villa Savoye (fig. 04), ícone da arquitetura moderna de estilo internacional, do arquiteto Le
Corbusier. Tal influência da arquitetura internacional pode ser percebida no processo de
construção da casa pelo diretor Jacques Tati, como descreve PENZ:
Tínhamos todo tipo de revistas e jornais de arquitetura. Também tínhamos
tesouras e cola. Assim, fiz uma montagem. Recortei alguns elementos, uma
janela circular aqui, uma pérgula ridícula acolá, algum jardim com um
caminho tortuoso para dar a impressão de ser maior do que era, etc. Na
realidade, a casa é um ‘pot-pourri’ arquitetônico (PENZ, p. 141 apud
CHAGAS, p.89)

Figura 03 e 04 – A casa do Monsieur Hulot no Bairro antigo de Saint Maur à


esquerda e a Vila Arpel (arquitetura moderna) à direita.

Fonte: MON Oncle (1958).

Vivendo numa casa moderna, numa vida moderna, cercada de eletrodomésticos que
fazem tanto barulho que em certos momentos conseguem se ouvir, está a família Arpel: a
Madame Arpel, irmã do M. Hulot, casada com o dirigente de uma fábrica de mangueiras
plásticas, M. Charles Arpel; e Gerard Arpel, o filho deles: uma criança que se sente preso
ao estilo de mundo sanitarista, organizado e sistemático. Gerard busca liberdade e convívio
com outras crianças – coisa praticamente impossível dentro dos muros da Villa Arpel. Seu
momento de maior descontração em casa é quando seu tio, M. Hulot, vem ao seu encontro
e o leva para o bairro tradicional, onde pode ter contato com a natureza, fazer amigos e não
se preocupar com higiene.
Na casa dos Arpel, sua cozinha é toda dominada por botões, onde tudo é automático
e faz bastante barulho. Numa dessas idas à cozinha, M. Hulot, estranha esses
acionamentos que deveria ser facilitadores da vida doméstica, mas que, por outro lado,
causam confusão e perda de tempo para decifrá-los. A garagem também tem grande
destaque. O carro (símbolo de status) é sempre brilhante – principalmente pelas investidas
higiênicas que Mme. Arpel realiza a fim de deixar a lataria brilhante mesmo com o carro já
em movimento.
Percebe-se que o consumismo e a busca pelo novo característico da classe
emergente como os Arpel são devido a fatores como: a) as privações que os franceses
passaram durante anos de guerra (de 1939 a 1945); b) a recuperação econômica da
França, dando à população a oportunidade de adquirirem objetos de consumo; e c) a
influência cultural e livre entrada dos americanos no mercado. Professora da New York

211
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

University com foco em literatura e cultura francesas, Kristin ROSS nos oferece um
panorama da influência cultural americana sobre a França em 1950:
As salas de cinema da Europa estavam recheadas com um ilustrativo
catálogo dos divertimentos e recompensas do capitalismo americano; todos
os momentos da vida doméstica nos Estados Unidos, seus objetos e
bugigangas e o estilo de vida que eles ajudavam a produzir, foram
demonstrados como ordinários – ou seja, os alicerces ou armadilhas para
convencer, narrativas realistas. Porém, objetos ordinários ou comuns
tornavam-se assertivos quando eles apareciam nas telas de cinema
europeias” (apud SANTOS, p. 88 em nota de tradução)
Estes e outros elementos de consumo e comportamentos nos dão uma ideia do
porquê desse período ser caracterizado como americanização ao estilo French way of life. O
novo modo de vida criou certa separação socicultural na França desse período, como
veremos a seguir.

3 AS RUÍNAS ENTRE SAINT MAUR E VILLA ARPEL


Saint Maur é o bairro tradicional, onde reside o M. Hulot numa aglomeração informal
de edificações. Para chegar a sua casa, ele passa por um caminho desorganizado que
permeia quase todas as edificações que formam o conjunto habitacional (figura 03). O
protagonista parece conhecer e se relacionar bem com os moradores que o cercam. Há
laços estreitos de sociabilidade, quando por exemplo ele demonstra conhecer uma jovem do
conjunto desde criança.
Sua casa está de frente para uma grande praça onde reina a dinâmica da vida social
(figura 05). Há cafés, carroças e carros antigos de onde se extrai barulhos de muitas vozes.
As conversas chegam ao ponto de tomar tanto a atenção do lixeiro que ele quase se
esquece de varrer o lixo. A falta de higiene se demonstra na desorganização. Um exemplo
seria o doceiro que “limpa” frequentemente as mãos no avental imundo.
As cores são borradas e aveludadas e as linhas arquitetônicas possuem adornos e
formas mais orgânicas. Todo o bairro é construído de maneira vernacular: por tijolos, pedras
e materiais não muito distantes dali. A falta de muros proporciona, além da permeabilidade
visual, a possibilidade de encontros inesperados. Ao contrário do que ocorre no bairro
moderno, os encontros se dão com mais frequência nos espaços comuns do que em no
espaço privado do entre-muros (ver figura 06).

Figura 05 e 06 – Percepção da Sociabilidade no antigo bairro Saint Maur à esquerda


e no bairro moderno da Villa Arpel à direita.

Fonte: MON Oncle (1958).

212
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

O muro em ruínas permeia os dois mundos. Os que passam por eles com
tranquilidade, as crianças e os cachorros, são “punidos” pela transgressão e devem passar
pela devida higienização da Mme. Arpel, assim que chegam em casa. Certa vez, quando
passando por este muro, o M. Hulot esbarra num tijolo e prontamente recoloca o tijolo no
muro já em ruínas – fato que deixa representar sua resistência frente ao desmoronamento
das bases culturais da antiga França.
O bairro moderno é funcional, organizado, pensado. A cor predominante é o cinza, o
que reflete muito dos materiais tecnológicos da época: o concreto, aço e o vidro. As
construções obedecem ao mesmo estilo minimalista: a Villa Arpel, seus vizinhos, a fábrica, a
escola. Quando o M. Arpel vai deixar seu filho na escola no seu carro americano percebe-se
o ritmo de um meio de produção: chega um carro, descem crianças; chega outro carro,
descem crianças; num ritmo mecânico e onde não há espontaneidade. Bem diferente das
imprevisíveis travessuras das crianças na saída da escola em meio ao trânsito moderno,
fingindo provocar acidente entre os condutores. Os sons desse bairro são os das máquinas
ou do Jazz (estilo musical que usa os metais de forma predominante e ritmo acelerado –
demonstrando ainda a importação do gosto musical americano). Este novo modo de vida
dito moderno é absorvido predominantemente pelos novos burgueses.
Enquanto a socialização é regra básica no bairro tradicional – algumas vezes
gerando confusões e brigas. Na Villa Arpel, o diálogo é contido, atrapalhado por ruídos ou
pela TV ou mesmo mecânico e desinteressante, como nos episódios que mostram as
reuniões sociais, nas quais o principal assunto é o quão moderna é a casa da família. Nela
“tudo se comunica”, exceto os seus usuários. Bem apontado por SANTOS (p.90), as
residências seriam, dessa forma, representações das relações sociais de seus habitantes.
A casa funciona com grande apego ao status, demonstrado na exibição de seu
mobiliário moderno (e desconfortável), seus botões barulhentos e seu jardim que determina
toda promenade até a entrada da casa. A casa possui ainda um chafariz que é acionado
de acordo com a importância social do visitante. Dessa forma, um vendedor da feira, para
ressaltar um exemplo do filme, não teria a oportunidade de ver o chafariz em funcionamento.
Quanto à area externa, a dupla de tio e sobrinho estranham alguns dos costumes
dito modernos, como a falta de local para brincar num jardim onde até o ritmo da caminhada
é codificada pelo piso disposto. Além do aspecto árido e geometricamente determinante do
jardim, suas plantas são podadas a fim de serem simétricas ou geométricas e irem de
encontro com sua natureza.
Os objetos modernos são ora desconfortáveis, ora dispensáveis. M. Hulot acaba por
vezes se atrapalhando com eles, em situações cômicas que chamam a atenção para a real
serventia desses objetos que deveriam facilitar a vida, mas que na verdade são apenas fruto
do consumo desnecessário. Alguns exemplos são a cadeira que o faz afundar ou o porta
copos que quando fincado à grama acaba por perfurar a mangueira de água da fonte.
O próprio consumismo leva à necessidade de vigiar seus bens. Numa sátira à
arquitetura, M. e Mme. Arpel estão cada um em uma das janelas circulares de sua
residência, gerando a impressão da casa estar de olhos abertos vigiando algo estranho que
acontece.
Os novos objetos precisam de constante reafirmação, pois muitos ainda estrangam
essas maravilhas. Uma delas é a empregada dos Arpel, que tem medo de eletricidade e de
quando em quando se atrapalha com os mil botões da Vila Arpel. Noutra cena, um visitante
de ares modernos, enquanto espera no jardim as senhoras visitarem a casa, parece
preocupado com o imenso barulho que a cozinha provoca.
O próprio divã tem seu uso “subvertido” pelo M. Hulot quando transformado em
cama. A esta altura do longa, há uma discussão entre o M. e Mme. Arpel sobre a possível
má influencia do M. Hulot devido à dificuldade de se adaptar ao estilo moderno. Fato este

213
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

ele não faz por mal, apenas é protagonista de confusões devido a sua ingenuidade de como
as coisas funcionam.
Madame Arpel (irmã de Hulot) faz diversas tentativa de inserir seu irmão em um
padrão moderno, como arranjá-lo um emprego na fábrica onde M Charles Arpel é dirigente
ou apresentando a ele sua vizinha solteirona na esperança que ela conclua árdua tarefa de
inserção ao novo estilo de vida. Contudo, por não se adequar, ele é transferido para o
interior. Enquanto vai embora para o aeroporto, a cidade antiga vai sendo demolida diante
do avanço das picaretas e máquinas da modernidade.
M. Hulot representa a herança cultural francesa, meio deslocada diante da
modernidade e o muro em ruínas é a representação da resistência a esse novo mundo.
Quarenta anos depois da exibição de Meu Tio, a construção da Maison de Bordeaux em
1998 causa o semelhante estranhamento à arquitetura – agora não mais modernista, em
teoria, mas pós modernista.

4 “TIA” GUADALUPE NA MAISON DE BORDEAUX


Para o contraponto com o filme da Jacques Tati, procurou-se analisar o
documentário franco-italiano, Koolhaas Houselife (2008), de Ila Bêka & Louise Lemoine.
Nele o contexto é outro: marcado não mais pela influência direta dos Estados Unidos sobre
França, mas pelo processo globalizador de integração na economia, no social, na cultura e
na política entre os países. A produção reflete também o momento arquitetônico que
ganhava força no final do século 20: o pós-modernismo.
Na tentativa de fugir do ângulo de 90º, dos pilares, sobre pilares num desenho
cartesiano empregado pelo modernismo, o desconstrutivismo – uma ramificação do pós-
modernismo da década de 1980 – vem criar novas formas, ousar na estrutura e usar o que
há de mais moderno, tecnológico. Um dos grandes representantes desse período é o
arquiteto holandês Rem Koolhaas, mentor da Maison de Bordeaux.
Diferente da Villa Arpel da ficção de Tati, a casa do documentário Houselife de Bêka
e Lemoine, realmente existe – e é considerada e aclamada como patrimônio pela crítica
internacional. Contudo, quem descreve seu olhar sobre a Maison é a Dona Guadalupe,
responsável pela limpeza diária. Ela, assim como M. Hulot, reflete seus estranhamentos
desta vida, no caso, pós-moderna (figura 07).
A casa foi feita para um usuário de cadeira de rodas. Se propondo fugir da
monotonia e criar vários situações diferentes, Koolhas criou a Maison de Bordeaux com toda
a tecnologia disponível à época – projeto este que, diante do olhar simples da D.
Guadalupe, parece não funcionar muito bem. Fazendo um paralelo com a casa moderna
temos que “nesse espaço moderno onde tudo se intercomunica, mas nem tudo funciona
como deveria, surge a comicidade através dos personagens e da própria arquitetura”
(ROCHA, p. 86). Como já apresentada, a protagonista é a D. Guadalupe, que vai nos
apresentando a casa, suas maravilhas e seus problemas – mantendo sempre o bom humor.
A área dos empregados, onde mora a faxineira e seu marido, é separada fisicamente
da Maison pós-moderna em si, ligada a ela não por um muro em ruínas, mas por uma
passarela metálica. Essa dicotomia nos faz lembrar, na sua devida proporção, a casa de M.
Hulot em St. Maur e a Villa Arpel no bairro moderno. D. Guadalupe, ao apresentar seus
aposentos, sempre está avisando que está tudo desorganizado (figura 08), bagunçado.
Enquanto a Maison está sempre em processo de limpeza e cuidado com seus aparatos
tecnológicos.

Figura 07 e 08 – Dona Guadalupe na passarela elevatória (símbolo da modernidade


da casa) à esquerda e a desorganização da sala do setor dos empregados posição
sóciocultural próxima a dos moradores de St. Maur.

214
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Fonte: KOOLHAAS Houselife (2008).

Inserida numa região bucólica, a Maison contrasta pela dureza de suas retas e de
seus materiais – o concreto, o aço e o vidro, como das casas modernas. Tanto dentro
quanto fora é bastante cinza, como aponta a própria Guadalupe, que brinca: “Cinza só na
minha tumba!” (figura 09). Os empregados acham engraçado sua falta de costume com a
automatização exacerbada da casa, quando num momento um deles tenta forçar a porta
quando na verdade deveria estar apertando um botão para acioná-la (figura 10).
As cadeiras espalhadas, as cores frias e os objetos do banheiro da patroa são
estranhados pela faxineira, que acredita que ser um gosto tão peculiar quanto a própria
casa. Na cozinha, o mobiliário mais parece algo industrial, até a bancada é feita em
concreto. As aberturas circulares que marcaram a casa dos Arpel também estão presentes
na Maison ora acionadas manualmente (como o grande óculo que a vista para o rio) ora
pelos botões espalhados pela casa.

Figura 09 e 10 – Na imagem da esquerda, D. Guadalupe ri enquanto brinca que a


cor cinza só aceitaria na sua tumba. Na imagem à direita, um dos usuários
atrapalhados com o uso da porta automatizada por joystick.

Fonte: KOOLHAAS Houselife (2008).

Assim como a casa dos Arpel, a Maison não tem chaves. Quase tudo é acionado
através de botões, que deveriam facilitar a vida dos usuários. Não raras vezes, esses
instrumentos acabam falhando. FOLEGATTI e SCHIAVIANATTO apontam bem um paralelo
entre a Vila Arpel e o que acontece constantemente com na rotina da D. Guadalupe: “Tati
traz para as narrativas de seus filmes a concretização desse imaginário futurístico dado
como presente que suscita a ironia quanto ao pertencer a um futuro tecnológico através da
possível falibilidade dos objetos” (p. 12). É sempre de bom humor (que se torna uma crítica
pela situação) que D. Guadalupe nos ensina os truques para não se ficar preso na passarela
elevatória: “não toque em nada! No momento em que tocar, vamos ficar presos”.
A arquitetura da Maison também gera imposições aos movimentos dos usuários.
Certo momento, D. Guadalupe desce ao térreo com alguns tecidos e, em vez de ter acesso
direto ao ambiente ao lado (visível por um vidro), se vê tendo que sair da residência e dar a
volta por fora para chegar à área de serviço. Quanto ao passeio de entrada, sua rigidez na
ordenação, como o grande “S” que vemos na Vila Arpel, pode ser percebida na

215
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

desconfortável rampa de concreto – reclama D. Guadalupe – que dá acesso à casa em


Bordeaux. (figura 11 e 12).

Figura 11 e 12 – Passeio sinuoso e determinante até a Vila Arpel à esquerda.


Passeio à Maison íngreme e desconfortável à direita.

Fonte: MON Oncle (1958). (imagem da esquerda) e KOOLHAAS Houselife (2008) (imagem da
direita)

Dona Guadalupe gosta da Maison, gosta de tudo! Mas admite não entender como as
coisas se sustentam em pé e, vez por outra, brinca sobre se a casa pode cair. Mesmo assim
não deixa de ter conversas divertidas com o arquiteto, ao qual cobra um projeto para seus
dois terrenos herdados da sua mãe na Espanha.
À semelhança do M. Hulor, apesar de dizer que não lhe explicaram bem a casa, D.
Guadalupe acredita que também não entenderia, por não pertencer àquele “mundo”.

5 CONSIDERAÇÕES OU CRÉDITOS FINAIS


Em ambos documentos audiovisuais buscou-se tanto o compreender o diálogo que o
filme faz com o contexto no qual está inserindo, buscando compreender o que o filme critica
em seu contexto, como o faz e por que o faz. Dessa maneira, comparando ambos os
objetos de estudos, conseguimos observar semelhanças e contradições no intuito de
pensarmos melhor sobre o fazer arquitertura.
Inserido no contexto mordernizante do pós guerra, a crítica cômica de Jacques Tati
não é saudosista, ela é uma crítica à ameaça que a identidade cultural francesa está
sofrendo mediante a um processo acelerado de americanização , transformando as pessoas
em consumistas, de relacionamento superficiais, de encenação de um cotidiano antes
espontâneo, da imposição da natureza às formas puras, ao ritmo industrial da vida moderna.
O filme não é uma critica isolada, ele antecipa as críticas, nos anos 60, de autores
como Kevin Lynch (em A Imagem da Cidade, de 1960), Jane Jacobs (em Morte e Vida das
Grandes Cidades, de 1961), e Rebert Venturi (em Complexidade e Contradição na
Arquitetura, de 1966) à arquitetura e urbanismo modernista (ROCHA, p.99). No 10º
Congresso Internacional de Arquitetura, um grupo de novos arquitetos (conhecidos como
Team 10) criticavam “o reducionismo positivista que flutuava e se espalhava em todas as
escalas da arquitetura moderna” (idem).
A partir dessa compreensão buscou-se semelhanças com o estilo do final do século
20, o pós-modernismo. Percebeu-se nesta comparação que muito da denúncia
apresentadas em Meu Tio, acerca do estranhamento a um estilo mecanicista, ainda é
recente, e que ainda há reflexos das tensões socioculturais da modernização no final do
centênio.
As referências ao filme Mon Oncle são tantas que o próprio documentário traz cenas
do filme em uma TV da casa – uma metalinguagem: a casa falando da própria casa. A casa
moderna de Tati parece estar “dentro” da pós-moderna de Bêke e Lemoine, uma vez que,
apesar de, em teoria, uma ser a contradição da outra, ambas apontam para o novo em sua

216
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

época, para a tecnologia. Percebe-se que essas duas linhas modernas de pensamento
estão sempre buscando apontar para o futuro, para o tecnocrático – onde a máquina se
sobrepõe ao homem, onde os botões deveriam facilitar a vida, onde o distanciamento da
natureza para uma aparência quase industrial seria o caminho a seguir. Além de também
criticar a superficialidade das relações sociais inerente à uma sociedade de consumo – não
buscando frear o avanço da tecnologia, mas apontando o que funciona, o que é saudável, o
que nosso comportamento como seres sociáveis pedem.
Tendo arquitetura e o urbanismo como marcantes na imposição de um
comportamento moderno – ou pós-moderno –, vemos no estranhamento e subversão do
uso de alguns objetos pelo M. Hulor e pela D. Guadalupe uma razão para questionar a
imposição de uma sistemática de vida, muitas vezes alheia aos nossos interesses. Sendo
assim, até que ponto o projeto do arquiteto poderia influenciar no nosso modo de vida? Esta
e outras questões servem para perceber que, longe de parecer pontual, Meu Tio ainda traz
semelhanças a nossa vida cotidiana.

Referências:
BOSTON COLLEGE. Villa Savoye. Disponível em:
http://www.bc.edu/bc_org/avp/cas/fnart/Corbu.html
BRYSON, Bill. Em Casa: Uma breve história da vida doméstica. Tradução Isa Mara
Lando. – São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
CASTELLO, Lineu. Meu tio era um Blade Runner: ascensão e queda da arquitetura
moderna no cinema, disponível no portal Vitruvius em:
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.024/781
CHAGAS, Raimundo Luís Fortuna. Arquitetura no cinema, crítica e propaganda.
Dissertação apresentada no programa de pós-graduação em arquitetura e urbanismo da
Universidade federal da Bahia, 2013. Disponível em: http://www.ppgau.ufba.br/node/1390
FOLEGATTI ,Luiza Geraldi e SCHIAVINATTO, Iara Lis Franco . As cidades de Jacques
Tati: novas relações sócio-técnicas presentes na década de 50, IN: Revista Cordis:
Revista Eletrônica de História Social da Cidade, n. 6, 2011 . Disponível em
http://www4.pucsp.br/revistacordis/downloads/numero06/as_cidades_de_jacques.pdf
MOURA, Vasco Graça. A identidade europeia na Europa do pós-guerra. 2013 ,
disponível em
http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3413091&seccao=Vasco%20Gra%E
7a%20Moura&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco
NAPOLITANO, Marcos. Fontes audiovisuais: A História Depois do Papel. IN: PINSKY,
C. (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
SANTOS, C. V. S. “Mon Oncle”: a antiga e a nova França na produção
cinematográfica. IN: Revista de História da UEG, v. 2, n. 1 (2013). Diponível em:
http://www.prp.ueg.br/revista/index.php/revistahistoria/article/view/1582

Ficha técnica:
MON Oncle (1958). Produção: Specta-Films, Gray-Films, Alter-Films, Candy-Films.
Fotografia: Jean Bourgoin. Roteiro: Jacques Tati, Jean L’Hôte, Jacques Lagrange. Música:
Franck Barcellini e Alain Romans. Elenco: Jacques Tati, Jean-Pierre Zola, Adrienne
Servatie, Aláin Becourt, Lucienne Frégis. Montagem: Suzanne Baron. (110min).
KOOLHAAS Houselife (2008). Direção: Ila Bêka e Louise Lemoine. Imagem e Som: Ila
Bêka. Edição: Tiros Niakaj, Louise Lemoine. Sound Mix: Hugo Vermandel. Produtor:
Francesco Pappalardo. Produção: Bêka Films. (58min -24 capítulos).

217
FOTOGRAMETRIA DA FACHADA DO PALACETE
ORLANDO LIMA - BELÉM

Humberto Diniz Guerra Santos


Universidade Federal da Bahia (UFBA)
betodiniz@gmail.com
Larissa Correia Acatauassú Nunes Santos
União Metropolitana de Educação e Cultura (UNIME)
lacatauassu@gmail.com

RESUMO
Este artigo aborda a utilização de levantamento cadastral fotogramétrico para a obtenção do desenho
da fachada principal do Palacete Orlando Lima, situado em Belém - PA. A fotogrametria, técnica na
qual é possível extrair as dimensões dos objetos visíveis na fotografia, torna-se, nos dias atuais, um
importante aliado para a preservação dos bens culturais e tem sido amplamente utilizada em projetos
de restauro. O palacete foi construído na primeira metade do século XX e está situado no entorno do
Centro Histórico de Belém. O levantamento fotogramétrico da fachada foi desenvolvido em duas
etapas compreendendo a aquisição das fotografias e dados, bem como o processamento destas
imagens. A partir da ortofoto gerada da fachada principal, a mesma foi desenhada em software CAD
possibilitando a representação fidedigna de seus elementos arquitetônicos, documentando também o
seu estado de conservação. Este cadastro atualizado e as ortofotos da fachada servem de base para
o projeto de restauro e requalificação que vem sendo desenvolvido para o local, que permitirá a
conservação do Palacete por meio de novo uso, adequado às características da edificação.
Palavras-chave: Fotogrametria Digital. Fotogrametria Arquitetônica. Documentação do Patrimônio
Arquitetônico.

ABSTRACT
This paper discusses the use of photogrammetric cadastral survey in the drawing of the main façade
of Palacete Orlando Lima, located in Belém - PA. Photogrammetry, a technique in which dimensions
of visible objects in the photography can be extracted, becomes, nowadays, an important aid in the
preservation of cultural heritage, widely used in restoration projects. The palace was built in the first
half of the twentieth century and it is located in the vicinity of Belem’s historical center. The
photogrammetric survey of the façade was performed in two steps, comprising the acquirement of
pictures and data, and the processing of these images. The main façade's drawing was made in CAD
software, enabling the faithful representation of its architectural elements, and also documenting its
condition. This updated survey and the orthophotos served as a basis for the restoration project that
has been developed for the site, focused on the building preservation through new use, suitable to its
characteristics.

Keywords: Digital Photogrammetry. Architectural Photogrammetry. Architectural Heritage


Documentation.

218
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

1 INTRODUÇÃO

O registro iconográfico de uma edificação é, destacadamente, um importante instrumento


para preservação da sua memória. Além do valor documental, a representação cadastral
tem importante papel no projeto de intervenção em edifícios de valor cultural, nas avaliações
estruturais, na pesquisa histórica, e nos demais estudos sobre o monumento (OLIVEIRA,
2008, p. 13). A documentação arquitetônica, enquanto processo sistemático que envolve a
aquisição, a manipulação e a divulgação de dados e informações sobre as edificações para
os mais diversos usos, desempenha também um papel essencial na salvaguarda da
memória, dada à impossibilidade de preservar fisicamente todos os exemplos significativos,
face à fatores como: mau-uso, abandono, intervenções mal sucedidas e acidentes
(AMORIM, 2007).
Os processos tradicionais de levantamento cadastral utilizam um conjunto de instrumentos
conhecidos desde a antiguidade: escalas, trenas, prumos, bússolas e afins. Contudo,
processos contemporâneos têm auxiliado cada vez mais na documentação do patrimônio
construído, a exemplo da fotografia, da fotogrametria, do vídeo e de outras tecnologias
digitais (OLIVEIRA, 2008, p. 30). O levantamento fornece a referencia necessária para
análise ou diagnóstico e geralmente é considerada a base indispensável para pratica de
projeto e para o conhecimento aprofundado da construção (MUSSO, p.27-28).
A fotogrametria enquanto técnica que permite extrair dimensões dos objetos através de
fotografias tem sido amplamente utilizada em projetos de restauro. Sua aplicação é vista
principalmente em situações onde informações fotográficas necessitam ser apresentadas
em escala, a exemplo de levantamento cadastral por meio de ortofotos para a
documentação de painéis de azulejos e fachadas de edificações históricas.
Este artigo discute a elaboração de um levantamento cadastral fotogramétrico da fachada
do Palacete Orlando Lima, em Belém - PA. O edifício foi projetado e construído pelo
arquiteto José Sidrim, à Rua Dr. Moraes, nº 24, concluído em 1925, para residência do
médico e professor paraense Orlando Lima (Figura 1). O imóvel é classificado como de
interesse à preservação por estar situado no entorno do Centro Histórico de Belém e no
entorno do Palacete Bolonha, tombado na esfera estadual.

Figura 1 – Desenhos do Palacete Orlando Lima

Fonte: MATOS (2003).

1.1 A Fotogrametria Arquitetônica


A ASPRS (American Society of Photogrammetry and Remote Sensing) considera a
fotogrametria como ramo de sensoriamento remoto, definida como arte, ciência e tecnologia
de obter informações confiáveis sobre objetos físicos e o meio ambiente através de

219
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

processos de registro, medição e interpretação de fotografias, padrões de energia radiante


eletromagnética e outros fenômenos (ASPRS, 2009). Sensoriamento remoto é descrito pela
Associação como o processo de coleta e processamento de informações sobre um objeto
sem contato físico direto.
A técnica pode ser classificada conforme o posicionamento do sensor. A fotogrametria
terrestre possui aplicações em arquitetura, artes plásticas e engenharia e a fotogrametria
aérea e a orbital por sua vez, são amplamente utilizadas na Geodésia, na obtenção de
ortofotos e imagens para cartografia e na restituição de informações geográficas (BRITO;
COELHO, 2002).
A origem do termo, etimologicamente composto pelos termos “photon – luz, graphos –
escrita, metron – medições”, é atribuído ao arquiteto alemão Albrecht Meydenbauer (1834-
1921). Historicamente, as experiências bem sucedidas deste arquiteto com fotogrametria na
Alemanha, vêm a sustentar a fundação em 1885 do Messbildanstalt, primeira instituição de
inventário fotogramétrico sistemático do patrimônio arquitetural (OLIVEIRA, 2008, p. 82).
A fotogrametria teve a importância elevada no uso do patrimônio a partir de 1964 na Carta
de Veneza, que em seu artigo 160, indica a “elaboração de uma documentação precisa”
(CARTA DE VENEZA, 1964). Em 1968, o International Council on Monuments and Sites -
ICOMOS, organizou em Paris o primeiro colóquio internacional sobre as aplicações da
fotogrametria à conservação do patrimônio cultural, instituindo, em seguida um comitê
científico sobre o tema (OLIVEIRA, 2002, p. 83).
Atualmente, o International Committee for Documentation of Cultural Heritage – CIPA
considera que a combinação da fotogrametria com outros métodos de levantamento é uma
importante contribuição para a documentação e monitoramento de monumentos
arquitetônicos, apoiando sua preservação e restauração (CIPA, 2011, p. 9).
A fotogrametria terrestre é considerada por diversos autores a precursora da técnica,
considerando que suas primeiras aplicações são voltadas para a arquitetura (Fotogrametria
Arquitetônica). Destaca-se o exemplo o levantamento da catedral da cidade de Wetzar na
Alemanha, realizado pelo arquiteto alemão Albrecht Meydenbauer em 1858. Observa-se,
contudo, que no Brasil o uso da Fotogrametria Arquitetônica foi pouco desenvolvido, sendo
mais frequênte sua utilização na produção de mapas planialtimétricos a partir de fotografias
aéreas. (OLIVEIRA, 2002; GROETELAARS, 2004).
Oliveira (2008) aponta como exemplos brasileiros percussores de aplicações
fotogramétricas na arquitetura em trabalhos de restauração o levantamentos nas fachadas
da Casa da Torre de Garcia d’Àvila na Bahia, em 1977, do Teatro Municipal de São Paulo,
além de vários outros exemplares relevantes da arquitetura paulistana, realizados na
década de 80 pela Terrafoto.
A técnica fotogramétrica também tem se mostrado eficaz na documentação de bens
integrados, a exemplo da aplicação da fotogrametria digital para a restituição dos retábulos
da Catedral Basílica em Salvador (GROETELAARS; AMORIM, 2008), e da execução de
ortofotos dos painéis de azulejo da Matriz de Nossa Senhora do Rosário, em Cachoeira, e
da Igreja da Misericórdia, em Salvador (SANTOS; OLIVEIRA, 2010).
Evoluções tecnológicas no campo da Fotografia, da Ciência da Computação e da
Microeletrônica têm possibilitado a diminuição de custos e a utilização da Fotogrametria em
diversos experimentos acadêmicos e no levantamento de formas arquitetônicas e urbanas, a
exemplo da ampla pesquisa de Groetelaars (2004), esperando-se que a técnica seja cada
vez mais empregada.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

O trabalho compreendeu a elaboração de ortofotos da fachada e de elementos do Palacete,


e a restituição, a partir destas, do desenho cadastral da fachada principal. O levantamento

220
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

fotogramétrico envolveu duas fases principais: a aquisição e preparação das fotografias e


dos dados e o processamento das imagens.
Para elaboração das ortofotos foi utilizado o software PhotoModeler Scanner v.6. O
programa permite a realização fotogrametria por meio de diversas técnicas, sendo utilizada
a restituição por meio de várias fotos para a fachada, e a monorestituição para ornamentos.
As fotografias utilizadas como insumo foram obtidas com a Câmera Digital Sony H55,
resolução de 14.1-megapixel e lente equivalente a 25-250mm. Para o processamento das
imagens é fundamental, além de uma boa qualidade fotográfica, a utilização de fotografias
como a mesma distância focal (f). Observa-se, nas tomadas fotográficas da Figura 2, que os
postes e as fiações da rede elétrica comprometem a visão do edifício, dificultando o trabalho
de documentação.

Figura 2 – Fotografias obtidas na tomada fotográfica.

Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

Para execução das tomadas fotográficas foram utilizados alvos impressos fixados na
fachada, de modo a facilitar a identificação de pontos homólogos nas fotos durante a
restituição fotogramétrica. Para a marcação do eixo horizontal da fachada, um conjunto de
alvos, indicados na Figura 3 (A), foi colocado com o auxílio de mangueira de nível, visto na
Figura 3 (B), permitindo o registro correto do eixo durante o processamento das imagens,
facilitando o trabalho de restituição e conferindo mais precisão ao levantamento.

Figura 3 – Utilização de alvos para fotogrametria (A) e nivelamento de dois alvos (B).

Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

221
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

A aplicação de medição direta entre alvos é também uma importante medida para o controle
dimensional da ortofoto e para a restituição do desenho em software CAD, assegurando o
correto dimensionamento da imagem da Fachada. Deste modo, foram obtidas in loco
medidas entre os pontos de controle e de elementos notáveis da fachada, utilizando-se
trena metálica. A Figura 4 demonstra a verificação das dimensões entre os pontos de
controle no CAD.

Figura 4 – Verificação das dimensões entre os pontos de controle na restituição do cadastro

Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

Elementos individuais da fachada foram trabalhados isoladamente com objetivo de reduzir


distorções e melhorar os resultados da representação planificada. No adorno sobre a
esquadria frontal foi gerada ortofoto a partir de uma única fotografia de detalhe, por meio do
processo chamado monorestituição, esquematizado na Figura 5. A partir da ortofoto obtida
na Figura 5 (B) foi possível o desenho detalhado do ornamento no software CAD, resultando
na Figura 5 (C).

Figura 5 – Monorestituição fotogramétrica para o desenho de ornamentos


(A) Fotografia em perspectiva, (B) Ortofoto, (C) Desenho em CAD

Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

222
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

3 RESULTADOS

Apesar da dificuldade na obtenção de fotos sem obstáculos, a geração de ortofoto a partir


de várias imagens permitiu a supressão de obstáculos e um produto final como maior
qualidade e poucas distorções, conforme Figura 6.

Figura 6 – Ortofoto da fachada principal

Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

A partir da ortofoto gerada a fachada principal foi desenhada, em software CAD, utilizando
medidas obtidas no local, por medição direta, auxiliada pelo cadastro preexistente. A Figura
7 representa o cadastro atualizado da fachada frontal do Palacete.

223
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 7 – Desenho arquitetônico da fachada principal

Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

Devido à presença de obstáculos diversos na lateral do palacete, tais como entulho, árvores
e fiação elétrica, a tomada fotográfica cobriu parcialmente a fachada. A fotogrametria,
contudo possibilitou a composição parcial de elementos, principalmente as esquadrias em
madeira. Este produto permitiu efetuar correções no levantamento existente executado por
medição direta, resultando no desenho atualizado da fachada lateral na Figura 8.

Figura 8 – Ortofoto parcial e desenho da fachada lateral

Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

Na proposta de restauração o cadastro fotogramétrico permitiu a recomposição de


elementos do desenho arquitetônico original da fachada, por meio das informações das
esquadrias remanescentes e da iconografia de época (Figura 1). Os desenhos do cadastro

224
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

atualizado e as ortofotos geradas da fachada servem de base para o projeto de restauro e


requalificação que vem sendo desenvolvido para o local, que permitirá a conservação do
Palacete por meio de novo uso,adequado às características da edificação.

Figura 9 – Proposta de recomposição da fachada principal

Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

4 CONCLUSÕES

A fotogrametria, neste estudo de caso, demonstrou-se uma importante ferramenta para o


cadastro arquitetônico, bem como para o projeto de restauro.
A técnica, aplicada no levantamento cadastral da edificação, permitiu a obtenção de
ortofotos das fachadas com a representação fidedigna de seus elementos arquitetônicos,
documentando também o seu estado de conservação. As ortofotos geradas foram também
um importante aliado no desenho das plantas cadastrais, fornecendo dimensões precisas, e
acelerando o detalhamento de elementos complexos, tais como esquadrias e ornamentos.
Os produtos gerados pela fotogrametria consistiram de uma fonte de informação
fundamental para o projeto de restauro, permitindo o diagnóstico da fachada, a reprodução
do desenho das esquadrias, além possibilitar a atualização do cadastro.
Apesar das vantagens, observa-se que a fotogrametria apresenta algumas limitações,
principalmente para restituição de fotografias, em que partes da edificação estão ocultadas
pela presença de obstáculos, a exemplo de árvores e postes encontrados próximo ao
Palacete. A necessidade de fixação de alvos ao longo da superfície, principalmente na parte
superior da edificação é também um elemento a ser observado, além da dificuldade de
realizar tomadas fotográficas em locais elevados, a fim de registrar a visão superior da sua
cobertura em ângulos diferentes.

225
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

A utilização da técnica também não suprime a necessidade da obtenção em campo de, no


mínimo, uma dimensão como referência. Estes aspectos, inerentes à fotogrametria,
seaplicam a diversos software voltados para Fotogrametria Digital, a exemplo do
Photomodeler aplicado.
As dificuldades citadas podem ser contornadas aliando a fotogrametria com outras técnicas,
conforme indica a CIPA (2011), a exemplo da medição direta e levantamento topográfico,
com custos mais acessíveis e equipamentos que podem ser encontrados com facilidade.
A combinação de técnicas, neste trabalho, contribuiu para a documentação arquitetônica ao
associar o levantamento fotogramétrico da fachada com a medição direta do interior da
edificação e com o levantamento topográfico, que registrou os níveis externos do terreno e
internos de cada ambiente, nos diversos pavimentos do Palacete. Como resultado, obteve-
se o cadastro arquitetônico preciso e atualizado, necessário para elaboração do projeto de
restauro, que prevê a ampliação da edificação para atender ao programa solicitado pelos
proprietários.
Esta possibilidade tem grande relevância na conservação e no restauro do patrimônio
edificado, dinamizando os processos de obtenção de dados, reduzindo os custos e o tempo
de aquisição.

REFERÊNCIAS

AMORIM, A. L. Documenting Architectural Heritage in Bahia – Brazil, Using Digital


Technologies. In: INTERNATIONAL CIPA SYMPOSIUM, 21., 2007, Atenas.
Proceedings... Atenas: CIPA, 2007. Disponível em:
<http://cipa.icomos.org/text%20files/ ATHENS/FP013.pdf>. Acesso: 20 out. 2011.

ASPRS. Guidelines for Procurement of Professional Aerial Imagery,


Photogrammetry, Lidar and Related Remote Sensor-based Geospatial Mapping
Services. December 2009. p.1346-1365, 2009. Disponível em: <
http://www.asprs.org/a/society/committees/standards/Procurement_Guidelines_w_ac
companying_material.pdf>. Acesso em: 01 mai. 2013.

BRITO, Jorge Nunes; COELHO, Luiz. Fotogrametria Digital. Instituto Militar de


Engenharia. 1a Ed. Rio de Janeiro, Brasil 2002.

CIPA. Heritage Documentation Best Practices and Applications: Series 1, 2007


& 2009. Greece: Ziti Publications, 2011. Disponível em: <
http://cipa.icomos.org/fileadmin/template/doc/RELATED%20LITERATURE/CIPA_Ser
ies_1__2007-9.pdf > . Acesso em: 01 mai. 2013.

GROETELAARS, N. J.; AMORIM, A. L. A Fotogrametria Digital na Documentação


do Patrimônio Arquitetônico. Fórum Patrimônio, v. 2, p. 5, 2008. Disponível em: <
http://www.forumpatrimonio.com.br/seer/index.php/forum_patrimonio/article/view/95/
87> . Acesso em: 01 mai. 2013.

GROETELAARS, Natalie Johanna. Um Estudo da Fotogrametria Digital na


Documentação de Formas Arquitetônicas e Urbanas. Salvador, 2004. 257 f.
Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia.

226
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

MATOS, Ana Léa Nassar. Ecletismo na arquitetura residencial de José Sidrim:


uma análise da formação intelectual deste engenheiro arquiteto e suas obras
residenciais. Dissertação (Mestrado Interinstitucional) - Programa de Pós-graduação
em Artes Visuais, Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro em
convênio com o Departamento de Artes, Universidade Federal do Pará, Belém,
2003.

MUSSO, Stefano F. Recupero e restauro degli edifici storici: Guida pratica al


rilievo e alla diagnostica. II Edizione. Roma: EPC Libri, 2006.

OLIVEIRA, Mário Mendonça de. A Documentação como Ferramenta de


Preservação da Memória. Brasília: Programa Monumenta / IPHAN, 2008. 143 p.

SANTOS, L. C. A. N.; OLIVEIRA, M. M. Ortofotos dos Painéis de Azulejo da Matriz


de Nossa Senhora do Rosário, em Cachoeira, e da Igreja da Misericordia, em
Salvador In: SEMINÁRIO NACIONAL DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO
ARQUITETÔNICO COM O USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS: ARQDOC, 1., 2010,
Salvador (BA). Anais... Salvador: FAUFBA, 2010. 1 CD-ROM.

227
EM BUSCA DO PASSADO NO CENTRO HISTÓRICO DE NATAL:
O CASO DA PRAÇA PADRE JOÃO MARIA

Natália Melchuna Madruga


UFRN- Universidade Federal do Rio Grande do Norte
natalia.mmadruga@gmail.com
Joyce Kallyna da Costa Morais Cabral
UFRN- Universidade Federal do Rio Grande do Norte
joycekcosta13@gmail.com
Ana Karla Pires de Sousa
UFRN- Universidade Federal do Rio Grande do Norte
anak.pires@yahoo.com.br

RESUMO
Este artigo, desenvolvido por bolsistas de Iniciação Científica do HCURB/UFRN, apresenta resultados
parciais da pesquisa intitulada “Paisagens da Memória: em busca do passado nos Jardins
Natalenses”, que tem como um dos seus objetivos contribuir para informar e conscientizar a
população sobre o passado esquecido nas Praças Históricas de Natal, ressaltando a importância
desses logradouros no cotidiano da cidade. Para isso, utiliza-se de softwares de modelagem 3D
(como Lumion, google Sketchup e AutoCad) para a criação de maquetes virtuais das praças
estudadas. Assim, procura-se chamar a atenção para a necessidade de preservação desse
patrimônio paisagístico. Na fase atual da pesquisa, estuda-se o caso da Praça Padre João Maria,
localizada no bairro da Cidade Alta. A realidade virtual, nesse caso aplicada a uma pesquisa histórica,
permite vivenciar o passado e promover sensações, tratando-se de um modo de preservar a memória
e chamar atenção para a descaracterização que o Centro Histórico de Natal, tombado pelo IPHAN,
sofreu com o passar dos anos.
Palavras-chave: Realidade Virtual; Praças Históricas; Patrimônio Paisagístico; Memória.

ABSTRACT

This article developed by HCURB/UFRN’S students of scientific initiation presents results of reserch
entitled “Paisagens da Memória: Em busca do passado nos Jardins Natalenses” which have the
objective to inform and educate the public about the forgotten past of Natal’s historical squares,
emphasizing the importance of these public spaces in the city’s everyday. For this, we use 3D
modeling softwares (like Lumion, Google Sketchup and Autocad) to create virtual models of these
squares, with the intention of get attention to the need of preserve this landscape heritage. In the
current stage of research, is being studied the case of Padre João Maria square, located in Cidade
Alta. The virtual reality applied to historical research allows live the past and promote sensations, in
this research, is a way to preserve the memory and draw attention to decharacterization of Natal’s
Historical Centre, preserved by IPHAN, suffered over the years.
Keywords: Virtual Reality; Historical Squares; Landscape heritage; Memory.

228
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

1 INTRODUÇÃO
As praças e jardins públicos são espaços de importância no meio urbano por favorecerem a
convivência entre os habitantes e a natureza. Além disso, essas áreas refletem a cultura e a
história da cidade e por essa razão devem ser preservadas. Mas por se tratarem de espaços
nos quais o principal componente é a vegetação, os jardins públicos demandam um maior
cuidado na sua conservação e são os equipamentos urbanos que mais sofrem com o
abandono.
No caso específico das Praças localizadas no Centro Histórico de Natal, verifica-se que
além do desgaste natural e da falta de manutenção, ocorreram algumas intervenções com
intenção de “restauro”, mas que não levaram em conta o valor histórico e cultural desses
espaços. Desse modo, buscando sempre a renovação urbana, algumas gestões municipais
acabaram descaracterizando esses lugares e mudando seus usos originais, contribuindo
para o esquecimento da sua importância para a memória da cidade.
Assim, a pesquisa Paisagens da Memória: em busca do passado nos Jardins Natalenses,
em desenvolvimento na UFRN, objetiva informar sobre a história esquecida nas Praças de
Natal, ressaltar a importância desses logradouros no cotidiano da cidade e propor
tombamentos. Pretende-se assim chamar a atenção para a necessidade de manter nos
jardins públicos as suas várias idades, adquiridas ao longo do tempo e preservar alguns dos
seus atributos históricos.
A pesquisa se dedica a investigar os bairros da Cidade Alta e Ribeira, pelo fato de serem os
mais antigos da cidade e por, supostamente, possuírem um maior acervo para consulta.
Além disso, compõem o Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico de Natal,
tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (IPHAN), através da Portaria Nº 72,
do Ministério da Cultura, de 16 de julho de 2014 (publicada no Diário Oficial da União
nº136/2014).
De acordo com o superintendente do IPHAN no Rio Grande do Norte, Onésimo Santos, o
tombamento compreende 28 hectares entre os bairros de Cidade Alta, Ribeira e Rocas,
todos na Zona Leste (PORTAL BRASIL, 2014), definindo a área como de interesse
patrimonial.
Trabalhar com sítios históricos exige a consulta a diversas fontes, sendo necessário reunir
uma grande quantidade de informações, como fotos e mapas, para possibilitar a leitura do
espaço no passado. Esse tem sido um dos maiores desafios enfrentados durante a
realização da pesquisa, pois como as Praças Históricas de Natal passaram por intensas
alterações morfológicas, os registros iconográficos são escassos e muitas vezes de baixa
qualidade gráfica. Então, para o desenvolvimento do trabalho foi necessário recorrer a
descrições literárias juntamente com a interpretação dos poucos mapas e fotos encontradas.
Diante desse contexto, a Realidade Virtual se apresenta com importante recurso, uma vez
que permite reconstruir a paisagem e as características morfológicas que os logradouros
estudados tiveram em seus diversos períodos, ao longo do tempo. Dessa forma, serve como
uma ferramenta que proporciona a documentação, além de reviver a memória dessas
Praças Históricas.
O Estudo de Caso apresentado neste artigo refere-se ao atual momento da pesquisa, no
qual está sendo desenvolvida a reconstituição virtual da Praça Padre João Maria, também
localizada no bairro da Cidade Alta, situada aos fundos da primeira igreja construída na
cidade – a Matriz de Nossa Senhora da Apresentação. Vale salientar que o Padre
homenageado foi considerado “o Santo de Natal”.

2 A REALIDADE VIRTUAL E A DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO


PAISAGÍSTICO

229
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Um dos objetivos desta pesquisa é criar um Banco de Dados de imagens digitais (composto
de maquetes virtuais, fotos e mapas) e disponibilizá-lo para outros pesquisadores e para o
público em geral. Atualmente, estão disponíveis apenas as fotos antigas coletadas, porém,
como resultado final, pretende-se publicar as maquetes produzidas de todas Praças
estudadas, resgatando momentos diversos da história da cidade e oferecendo uma forma
inédita de documentação do patrimônio paisagístico de Natal. Assim, espera evidenciar a
descaracterização que esses espaços sofreram ao longo do tempo e chamar a atenção da
população e do Poder Público para a necessidade de preservá-los.
Para tanto, a pesquisa percorre um caminho metodológico, que se inicia com a revisão
bibliográfica e a construção da Linha do Tempo das Praças Históricas inseridas na área
tombada. Essa é uma etapa fundamental, uma vez que a coleta de dados historiográficos e
iconograficos possibilitam a elaboração das maquetes virtuais, através de softwares
utilizados no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN).
A utilização de meios digitais no âmbito da pesquisa em arquitetura e urbanismo é cada vez
maior, por essa razão as ferramentas computacionais vêm se aprimorando com o tempo,
facilitando o trabalho do profissional que o torna mais rápido e com maior grau de
detalhamento, atingindo várias áreas do conhecimento.
A construção de modelos 3D em realidade virtual permite a visualização de um objeto tanto
em sua situação atual quanto em um período futuro, no caso de um projeto trata-se apenas
de uma expectativa, mas quando se refere a um período passado, possibilita reviver e
valorizar a memória urbana.
A realidade virtual pode, então, ser definida como qualquer conjunto de tecnologias que
permita a um utilizador interagir com um ambiente ou objeto virtual, criado através de um
computador e que pode representar algo real ou imaginário (RAMOS, 2007, p.13).
A praticidade de construção e a garantia de durabilidade do produto final garante cada vez
mais o uso da maquete virtual ao invés da maquete física. A realidade virtual também
previne intervenções mal planejadas em ambientes históricos. Sendo que, devido a
realidade virtual não poder recriar perfeitamente o objeto reconstruído, deve-se prevenir a
implementação de dados divergentes com a realidade.
A utilização consciente das maquetes como meio de documentação histórica deve ser uma
percepção crucial para que essas novas ferramentas sejam um apoio útil ao estudo, registro
e divulgação do patrimônio cultural (TIRELLO, 2008, p.02).
Essa representação mais próxima possível da realidade, evita que uma imagem ilusória seja
criada e que prejudique os objetivos gerais e específicos da pesquisa. Para isso é
importante o estudo aprofundado de documentos, livros, fotos e mapas que descrevam os
lugares estudados, servindo assim como fonte de dados e norte principal.
Como foi dito anteriormente, esta pesquisa utiliza softwares já utilizados no Curso de
Arquitetura e Urbanismo da UFRN, como o Autocad, Google Sketchup e Lumion. Assim,
elabora as maquetes virtuais que simulam as condições morfológicas das Praças Históricas
de Natal, em períodos passados, evidenciando as alterações pelas quais elas passaram,
além da tentativa de oferecer a experiência de vivenciar o ambiente e a paisagem histórica.
Até o presente momento, foram estudadas cinco (05) Praças, entre elas a Augusto Severo e
a André de Albuquerque, localizadas nos bairros da Ribeira e Cidade Alta, respectivamente.
Desses estudos resultaram algumas maquetes virtuais, apresentadas a seguir.

230
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 1 - Maquete Virtual da Praça Augusto Severo em 1905

Fonte: Imagem elaborada por Miss Lene Pereira

Figura 2 - Maquete Virtual da Praça André de Albuquerque em 1907

Fonte: Imagem elaborada por Ana Karla Sousa.

A produção dos modelos 3D segue alguns procedimentos comuns. Primeiramente, se faz


uso do AutoCad para auxiliar no desenho da planta baixa atual, junto ao uso do Google
Street View. Por meio da imagem desse último, importada para o Cad, é possível fazer o
contorno da praça, do sistema viário e de seu entorno de maneira mais precisa. Feito isso, o
arquivo é exportado para o Sketchup, no qual a maquete pode começar a ganhar forma
tridimensional.
Em relação ao entorno, esse é formado por blocos que representam os prédios de maneira
simples, apenas seus volumes, de modo que o foco principal seja a praça, mas ainda
mantendo a relação de alturas dando uma visão da relação desses com a praça.
Para finalizar, é utilizado o Lumion, o qual permite a colocação da vegetação, do mobiliário e
de outros elementos que tornam as imagens mais verossímeis, além de permitir a
renderização (a finalização das imagens com a aplicação das texturas e da luz).

3 A PRAÇA PADRE JOÃO MARIA


Como foi dito, na atual fase da pesquisa está sendo desenvolvido o estudo sobre a Praça
Padre João Maria, cujos aspectos históricos e alterações morfológicas estão resumidamente
descritos a seguir.
O logradouro está localizado no bairro da Cidade Alta, núcleo inicial onde a cidade foi
fundada. Encontra-se aos fundos a primeira igreja construída na cidade, por essa razão sua
primeira denominação, durante o século XIX, foi “Praça da Matriz”, por onde passavam

231
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

procissões e eventos religiosos da cidade. Posteriormente, passou a denomina-se “Praça da


Alegria”, era local de diversas apresentações culturais (SOUSA, 2013, p.41).
Mudanças expressivas no local ocorreram depois que ela recebeu o nome de Praça
Padre João Maria, através da Resolução nª 105 em 1906, em homenagem ao
Vigário João Maria Cavalcanti de Brito (1848-1905). Natural de Caicó (RN), o
homenageado atuou eclesiasticamente nas cidades de Jardim de Piranhas, em Santa Luzia
do Sabugi (PB), em Acari e Nísia Floresta. Em 1881, veio a ser vigário da Igreja Nossa
Senhora da Apresentação em Natal. Segundo Jeanne Nesi (1997), o trabalho excessivo
acarretou em sua morte precoce.

Figura 3 – Aspecto da Praça em 1908

Fonte: Acervo iconográfico de A. Medeiros, 2013.

A primeira reforma ocorreu em 1915, constituída de um novo calçamento e ajardinamento


para o logradouro, dispôs da mão de obra dos retirantes no período da seca e do
financiamento das Lojas Maçônicas de Natal. Segundo Câmara Cascudo (2008), no início
do século XX o local era sombreado por frondosas gameleiras (Ficus doliaria).
Em 1919 a praça ganhou o busto de bronze do homenageado, colocado em um pedestal de
granito por ocasião do 38º aniversário da posse de João Maria na paróquia de Natal, foi
produzido por Hostílio Dantas e o seu pedestal esculpido por Miguel Micussi (NESI, 1997):
“A partir de então, a Praça do Padre João Maria passou a ser um ponto de convergência
dos seus devotos e admiradores“ (SOUZA, 2001, p.112).
Essa estátua foi o alvo da maioria das alterações feitas pelas prefeituras e população na
praça, a exemplo de 1953, em que ergueu-se um gradil de ferro em torno do monumento,
para que o mesmo ganhasse visibilidade, e para isso também foram cortadas algumas
árvores (Ficus benjamina).

232
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 4 - Aspecto da Praça na década de 1920

Fonte: Acervo HCURB/UFRN, 2013.

Como dito anteriormente a praça era o ponto final da linha do bonde que circulava na cidade
até 1929, quando foram substituídos pelos automóveis e o entorno da praça passou a ser
exclusivamente comercial. Isso implicou nas principais modificações que vieram ocorrer no
desenho da praça. Em 1941, na gestão do Prefeito Dr. Gentil Ferreira de Souza, que
“Remodelou a Praça do Padre João Maria, pavimentando-a com paralelepípedos. Além
disso, retirou os velhos canteiros que estavam prejudicando o tráfego entre a Rua João
Pessoa e a Praça André de Albuquerque, e colocou novos bancos” (SOUZA, 2001, p.112).
Outras mudanças ocorreram na morfologia dessa praça, em 1959, o Prefeito José Pinto
inaugurou uma nova iluminação e um lago artificial. Como conta Itamar de Souza (2001),
entre 1966 e 1967, quando houve uma praga do mosquito “Lacerdinha”, o Prefeito Agnelo
Alves fez com que todas as árvores dessa praça e de vários outros pontos da cidade fossem
retiradas, pois o mosquito incomodava a população. Além disso, retirou o pedestal de
granito, colocando o busto do Padre João Maria em cima de uma mesa de mármore na
fachada posterior da igreja, mudou o mobiliário, o jardim e a iluminação do Logradouro.
O referido autor ressalta que essas últimas alterações não agradaram aos devotos do
Padre, que pressionaram as autoridades e assim conseguiram, em 1975, que o Prefeito
Vauban Bezerra restaurasse a praça, trazendo de volta suas configurações originais. Assim,
o busto do padre voltou para seu antigo pedestal e posição. Nessa gestão a praça também
ganhou novo calçadão, canteiros e arborização. Por fim, como tentativa de resolver
problemas provocados pelo comércio informal, foi inaugurada uma feira permanente de
artesanato no local.

233
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 5 - Aspecto da Praça em 1979

Fonte: MIRANDA, 1981.


Desde essa época, poucas foram as modificações ocorridas na praça, somente a
modificação de canteiros e da feira de artesanato que ainda está no local, mesmo em
péssimo estado e muito pouco utilizada pelos vendedores. Há grande concentração de
moradores de rua e o busto do Padre homenageado ainda recebe de votos, mesmo em
proporções menores
Observando a praça atualmente percebe-se que hoje ela continua sendo um ponto de
encontro de devotos do Padre João Maria, a feira de artesanato continua no local, mas
encontra-se em um estado degradante. Todo o mobiliário da praça encontra-se em péssimo
estado de conservação o que inclui a pavimentação.

Figura 6 - Praça Padre João Maria atualmente

Fonte: SOUSA, 2013

A arborização é escassa, o que não contribui para que aumente movimento e a


permanência de pessoas na praça. O entorno é de uso comercial e, além de moradores de
rua, a praça é utilizada principalmente como percurso dos trabalhadores e frequentadores
dos comércios próximos, o que também auxilia na não utilização da praça a noite, quando o
comercio e os serviços não estão em funcionamento, sendo então abrigo de pessoas à
margem da sociedade. O traçado lateral da praça foi modificado para servir de
estacionamento, tendo um fluxo constante de veículos no local.

234
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

4 RESULTADOS
Inicialmente, é preciso ressaltar a importância da pesquisa bibliográfica para a construção
da linha do tempo das Praças Históricas. Assim, foi possível buscar os detalhes sobre a
história e a analise minuciosa de mapas e fotografias. Porém, como foi exposto, são
escassos os registros sobre as praças estudadas, dificultando o trabalho realizado.
No que se refere a coleta de dados sobre a Praça Padre João Maria, foi de fundamental
importância a consulta ao livro de Itamar de Souza, intitulado “Nova História de Natal”, e das
Revistas publicadas pelo jornal Diário de Natal (2001), escritas pelo mesmo autor, que
trazem a evolução das Praças Históricas, especialmente no fascículo intitulado “As Novas e
Velhas Praças do Centro”.
Outra referência essencial foi o livro “380 anos de história fotográfica da cidade de Natal
(1981)”, de João Mauricio F. de Miranda, que possibilitou observar como a cidade evoluiu e
as alterações ocorridas nas praças estudadas.
A criação da linha do tempo possibilitou tanto a fomentação do acervo de imagens históricas
de Natal, como a construção das maquetes. A linha do tempo foi dividida em quatro
períodos, sendo seus intervalos determinados conforme ocorreram as mudanças mais
significativas na praça. Assim, foi possível a construção de uma maquete para cada uma
das fases, tendo como resultado parcial a maquete referente a década de 1910 e o
momento atual da Praça Padre João Maria.
A construção das duas maquetes já possibilitou a percepção de como foram expressivas as
mudanças que ocorreram no local, demonstrando a descaracterização pela qual passaram
as praças do Centro Histórico da cidade, decorrente da ausência de políticas públicas
eficientes.

Figura 7 - Maquete da Praça Padre João Maria em 1915

Fonte: Imagem elaborada por Joyce Cabral


Na produção da maquete acima, da praça no ano de 1915, o processo foi basicamente o
mesmo descrito anteriormente, com exceção da produção da planta baixa, a qual foi feita
diretamente no Sketchup com base nas fotos do acervo iconográfico, coletado na fase
anterior da pesquisa.
As fotos antigas foram de extrema importância, apesar de poucas, possibilitaram
representar os principais elementos da praça no passado, buscando a representação fiel
dos elementos presentes na praça, como os canteiros, a feirinha e, principalmente, o busto
localizado na parte central da praça com a imagem daquele que a nomeia. Sendo esse
último um dos mais difíceis de concluir, em especial a parte superior, por exigir uma
modelagem o mais próximo possível do real, contudo o software possui a ferramenta “Obter
modelos”, que permitiu a finalização do elemento de forma satisfatória.

235
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 8 - Maquete da Praça Padre João Maria em 2011

Fonte: Imagem elaborada por Joyce Cabral

Embora ainda em desenvolvimento, pode-se afirmar que esta pesquisa contribuir para que a
história das praças estudas não seja esquecida, mesmo após tantas alterações
morfológicas. Propicia também, tanto para pesquisadores como para a população em geral,
livre acesso a imagens antigas inéditas, através das maquetes virtuais produzidas, assim
como amplia a documentação histórica de Natal com a criação do Banco de Dados
(disponível em http://www.hcurb.ct.ufrn.br/links/).
Pretende-se também, tendo em vista o recém aprovado PAC das Cidades Históricas,
despertar a atenção dos órgãos públicos e gestores para a necessidade de realizar
intervenções adequadas nesses lugares, que visem, sobretudo, a preservação da memória
urbana e a valorização da importância desses logradouros na história de Natal.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao nosso orientador da pesquisa, professor Paulo José Lisboa Nobre, ao
grupo de pesquisa o qual fazemos parte- História da Cidade do Território e do Urbanismo
(HCURB), e a Pró- Reitoria de Pesquisa da UFRN (PROPESQ) pela contribuição no
desenvolvimento desse trabalho.

REFERÊNCIAS
ARRAIS, Raimundo (Org.). Crônicas de Origem: a cidade de Natal nas crônicas
cascudianas dos anos 20. Natal, RN: EDUFRN, 2005.
DANTAS, George et al. A Difusão do Termo “Cidade Jardim”: algumas questões sobre o
processo de transferência de modelos urbanísticos no Brasil. In: FERREIRA, Angela Lucia,
DANTAS, George (orgs). Surge et Ambula: a construção de uma cidade moderna
(Natal, 1890-1940). Natal: EDUFRN, 2006.
ICOMOS – International Council on Munuments and Sities. Carta de Florença: Carta dos
Jardins Históricos. Florença, 1981. Disponível em: http://www.revistamuseu.com.br.
Acesso em: 30/11/2011, 10h00min.
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Manual de Intervenção em
Jardins Históricos. 1999. Disponível em: http://www.cultura.gov.br. Acesso em:
30/11/2011, 10h30min.
LIMA, Diógenes da Cunha. Natal: biografia de uma cidade. Rio de Janeiro: Lidador, 1999.
LIMA, Pedro de. Luís da Câmara Cascudo e a questão urbana em Natal. Natal: EDUFRN,
2006.

236
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

MACEDO, Silvio S. Quadro do Paisagismo no Brasil. São Paulo: FAUUSP, Projeto


Editores, 1999.
MIRANDA, João Mauricio Fernandes de. 380 Anos de História Foto-Gráfica da Cidade de
Natal 1599-1979. Natal: Editora Universitária, 1981.
NESI, Jeanne Fonseca Leite. Caminhos de Natal. Natal (RN): Instituto Histórico e
Geográfico do RN, 1997.
NOBRE, Paulo J. L; SOUSA, Ana K. P. Paisagens da Memória no Centro Histórico de
Natal (RN): O caso da praça Padre João Maria, 2013.
OLIVEIRA, Giovana Paiva de. De Cidade A Cidade. Natal, RN: EDUFRN, 1999.
PORTAL BRASIL. Centro histórico de Natal (RN) é tombado pelo Iphan. Disponível em:
http://www.brasil.gov.br/cultura/2014/07/centro-historico-de-natal-rn-e-tombado-pelo-iphan.
Acesso em: Julho de 2014.
RAMOS, Duarte Nuno de P. F. Utilização de modelos virtuais na reconstrução e
reprodução de edifícios e monumentos: realidade virtual aplicada à conservação e
restauro. 2007. 117f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) – Instituto Técnico Superior,
Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa. 2007
ROBBA, Fabio, MACEDO, Silvio S. Praças Brasileiras. São Paulo: EDUSP: Imprensa
Oficial do Estado, 2002.
SOUSA, Ana Karla Pires. As Praças Históricas e o Conjunto Arquitetônico,
Urbanísticos e Paisagísticos de Natal– Proposta de Intervenção na Praça Sete de
Setembro. Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFRN. Natal,
2013.
SOUZA, Itamar de. Nova História de Natal. 2ªed.rev.atual. Natal: Departamento Estadual
de Imprensa, 2008.
TIRELLO, Regina A. Restauro digital de arquitetura histórica de cronologia construtiva
complexa: a casa de Dona Yayá. In: Seminário Computação gráfica: pesquisas e projetos
rumo à Educação Patrimonial. 2008. Anais...São Paulo: Arquivo histórico de São Paulo,
2008.

237
ESPORTE CLUBE CABO BRANCO: TECNOLOGIAS DIGITAIS
MEDIANDO A RELAÇÃO ENTRE PROJETO E HISTÓRIA

Aristóteles Cordeiro
UFPB
aristotelescordeiro@gmail.com
Cleuton Sousa
UFPB
cs.arquitetura@hotmail.com
Kaline Abrantes Guedes
UFPB
kaline.abrantes@gmail.com
Nelci Tinem
UFPB
ntinem@uol.com.br

RESUMO
As demandas espaciais e territoriais contemporâneas têm destruído grande parte do acervo da
arquitetura moderna na Paraíba, inclusive porque essas obras ainda não são alvo de reconhecimento
ou de políticas públicas para sua proteção. Já são contabilizados vários casos de demolição total,
além daqueles de abandono ou descaracterização, causados pelo desrespeito ao patrimônio
edificado ou pelo desconhecimento de sua relevância histórica, cultural ou arquitetônica. A
documentação tem sido, nesse sentido, uma importante ferramenta para o conhecimento e registro
dessas obras modernas face à crescente perda (total ou parcial) de vários dos exemplares no estado.
As tecnologias digitais têm sido por sua vez, grandes aliadas nesse processo de documentação,
subsidiando o registro, a construção da memória e a intervenção nesse patrimônio. A ideia principal
dessa comunicação é mostrar como essas tecnologias têm contribuído para a documentação digital
do acervo paraibano e para a construção do seu inventário, utilizando como estudo de caso (objeto
empírico) o Esporte Clube Cabo Branco, projetado pelo arquiteto carioca Acácio Gil Borsói, em 1956.
Dar visibilidade a essa produção através da divulgação de seus ícones mais representativos em
publicações e nos mais diversos meios de comunicação, representa um passo importante para o
reconhecimento e conservação do acervo moderno paraibano.
Palavras-chave: Arquitetura Moderna. Paraíba. Historiografia. Esporte Clube Cabo Branco.

ABSTRACT
Contemporary spatial and territorial demands have destroyed much of Paraiba Modern Architecture,
because of the lack of recognition or of rules for its protection. There are several cases of total
demolition recorded, beyond other cases of abandonment or partial destruction, caused by the
contempt to the architecture patrimony or by the ignorance of its historical, cultural or architectural
importance. The documentation has been, in this sense, an important tool for knowledge and
recording of these modern works, facing the loss (total or partial) of several buildings. The digital
technologies have been an important allied in that documentation process, realizing the recording, the

238
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

constitution of the memory and the conservation of that heritage. The main idea of this paper is to
expose how these digital technologies have contributed to the documentation of modern architecture
in Paraiba and the construction of its inventory, using as a case study (empirical object) the Esporte
Clube Cabo Branco, designed by Acácio Gil Borsói, in 1956. To give visibility to this production
through the dissemination of its most representative icons with articles published in magazines and in
the most diverse media, represents an important step for the recognition and conservation of the
modern architecture in Brazil.
Keywords: Modern Architecture. Paraíba. Historiography. Cabo Branco Sport Club.

1 INTRODUÇÃO
A partir da década de 1980, a constatação da perda de importantes obras modernas foi o
estopim para o início do processo de registro e análise de exemplares dessa arquitetura na
Paraíba. Exemplares considerados relevantes para a construção da memória e da história
da arquitetura. Começam a surgir os primeiros trabalhos sobre o tema elaborados por
pesquisadores que mais tarde fariam parte do grupo de pesquisa ‘Arquitetura Moderna na
Paraíba’, responsável por grande parte dos trabalhos surgidos desde então.
Os registros passam então a ser realizados a partir da busca de documentos gráficos,
fotográficos e escritos encontrados em diversos acervos, que somados aos levantamentos
das construções ainda existentes, resultaram em novos documentos que subsidiariam
outras pesquisas, outros levantamentos, pareceres das agências de proteção e intervenções
no patrimônio moderno.
Esses registros começam a ‘escrever’ parte da história desse momento de transformação do
pensamento, assim como da arquitetura e sua repercussão em solo paraibano. Arquitetos
reconhecidos no cenário nacional e internacional, como Acácio Gil Borsoi, Sérgio Bernardes
e Vital Brazil, somados a profissionais locais, como Mário de Lascio, Glauco Campelo e
Carneiro da Cunha, são os atores dessa nova trama de ideias e obras que se constrói.
As demandas espaciais e territoriais contemporâneas, todavia, tem destruído grande parte
desse acervo que ainda não é alvo de reconhecimento ou de políticas públicas para sua
proteção. Já são contabilizados casos de demolição total como a da Rádio Tabajara, das
residências Otacílio Campos e Loureiro Celino e do Iate Clube da Paraíba, entre outros,
além daqueles abandonados ou vilipendiados em desrespeito ao patrimônio edificado,
muitas vezes pelo desconhecimento de sua relevância histórica, cultural ou arquitetônica. A
documentação tem sido, nesse sentido, uma importante ferramenta para o conhecimento e
registro dessas obras modernas face à descaracterização ou perda (total ou parcial) de
vários dos exemplares identificados nas pesquisas anteriormente citadas. A maior
dificuldade na proteção do moderno ainda é a falta de instrumentos que dêem suporte às
transformações do território frente às necessidades contemporâneas.

Figuras 01, 02 e 03: Vistas gerais do Esporte Clube Cabo Branco.

Fonte: Pessoa; Grilo (2005).

Se por um lado, são frágeis os instrumentos de controle do território e conservação dos


edifícios que merecem ser protegidos, por outro lado, as tecnologias digitais têm se

239
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

mostrado grandes aliadas no processo de documentação, subsidiando o registro, a


construção da memória e a intervenção nesse patrimônio. O objetivo principal dessa
comunicação é mostrar como essas tecnologias têm contribuído para a documentação
digital do acervo paraibano e para a construção do seu inventário, utilizando como estudo de
caso (objeto empírico) o Esporte Clube Cabo Branco, exemplar da arquitetura moderna
paraibana, projetado pelo arquiteto carioca Acácio Gil Borsói, em 1956. Dar visibilidade a
essa produção através da divulgação de seus ícones mais representativos em publicações e
nos mais diversos meios de comunicação, representa um passo importante para o
reconhecimento e conservação do acervo moderno do estado.

2 O ESPORTE CLUBE CABO BRANCO


O Esporte Clube Cabo Branco inicia suas atividades nas primeiras décadas do século XX,
tendo sua sede esportiva (1915) instalada na avenida 1º de Maio, no bairro de Jaguaribe, e
sua sede social na esquina formada pelas ruas Peregrino de Carvalho e Duque de Caxias,
no centro da cidade. O número cada vez mais expressivo de sócios e, consequentemente,
de verbas e demandas, tornou necessária a ampliação de seu espaço físico. Contrata-se
então, na segunda metade da década de 1950, o já renomado arquiteto carioca Acácio Gil
Borsói para a elaboração do projeto da nova sede, que se localizaria em um ponto
estratégico da cidade 1, sobre uma falésia com vista privilegiada para o mar, nas
proximidades da Avenida Epitácio Pessoa, no bairro de Miramar. O terreno escolhido, de
aproximadamente 2,5 hectares, apresentava um relevo desafiador, dada a sua topografia
bastante acidentada.

Figura 04 – Planta de Implantação do Esporte Clube Cabo Branco

14
14

11 11
04
15 05

03

19
01 02 06 07
13
10 09
16 08
10 11
17
12 18

Fonte: Pessoa; Grilo (2005). Adaptado por Kaline Guedes para este artigo.

Acácio Gil Borsói (1924-2009) forma-se pela Faculdade Nacional de Arquitetura da


Universidade do Brasil, em 1949. Em 1951 muda-se para a cidade de Recife, passando
então a lecionar no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de

1
Sua posição é estratégica, localiza-se próximo à Avenida Epitácio Pessoa, a via que liga o centro tradicional da
cidade à orla marítima, e reforça a ideia de ocupação do eixo oeste-leste.

240
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Pernambuco (UFPE). Na mesma cidade instala o seu escritório e inicia uma produção
arquitetônica influenciada pelos pensamentos modernistas.
Adaptando-se às peculiaridades climáticas do Nordeste, Borsói inicia uma produção
engenhosa e de qualidade, com resultados originais adaptados ao lugar, que influenciará
diversas gerações de arquitetos concomitantes e/ou posteriores a sua atuação. Sua obra é
predominantemente marcada pelos telhados movimentados, planos ou inclinados, pelas
generosas varandas, por elementos de proteção solar que geram grandes sombras, aliados
às venezianas e às rótulas, pela integração visual entre os espaços internos e externos,
comumente trabalhados com paisagismo exuberante. Também é comum em suas obras a
utilização de planos internos diferenciados, interligados por escadas e/ou rampas. Essas
diferenças de nível separam fisicamente os espaços interligados e, ao mesmo tempo,
garantem a comunicação visual.

Figuras 05, 06 e 07 – Residências Cassiano Ribeiro Coutinho (1956), Joaquim Augusto Silva (1957) e
Otacílio Campos (1968)

Fonte: Mércia Rocha (1987); Fúlvio Pereira (2008); Acervo pessoal Acácio Gil Borsói.

O arquiteto trouxe à Paraíba importantes contribuições arquitetônicas e deixou seus belos


traços em vários projetos residenciais e de clubes. Dentre esses, o Esporte Clube Cabo
Branco, localizado em um lote de perímetro recortado e delimitado pela Rua Coronel Souza
Lemos e Praça Aprígio de Carvalho (oeste), pela Avenida Epitácio Pessoa (norte), pela Rua
da Acácia (leste) e, pela Rua Nevinha Cavalcante (sul). O acesso principal acontece pela
Rua Coronel Souza Lemos, mas existem acessos secundários nas faces leste e sul do lote.

Figura 08 – Perspectiva sudoeste do Clube Cabo Branco. Destaque para a ampla marquise
e o bloco principal (em primeiro plano) e para o ginásio (em segundo plano).

Fonte: Sousa; Jésse; Pedrosa (2014).

A nova sede do Clube, seguindo uma tendência praticada por clubes sociais, nacionais e
internacionais, passa então a oferecer aos seus sócios uma gama de possibilidades
esportivas, culturais e sociais nos diversos ambientes projetados pelo arquiteto. O programa

241
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

adotado por Borsói passa a contemplar espaços administrativos, ginásio coberto, clube
aquático, boate, restaurante, quadras de tênis e poliesportiva, campo de futebol, além dos
espaços de apoio necessários ao funcionamento de cada uma dessas atividades.
Frente a um terreno de topografia acidentada, o arquiteto resolve setorizar as diferentes
atividades em quatro planos de cotas distintas e interligadas por amplas escadarias que, em
algumas situações são também aproveitadas como arquibancadas nas áreas esportivas.
No primeiro plano, o acesso principal ao clube se dá pela rua Coronel Souza Lemos, através
uma alça de desembarque que conduz à bilheteria protegida por uma ampla marquise. Em
seguida temos o segundo edifício do conjunto, certamente o mais interessante, um bloco de
três pavimentos, sendo um semienterrado, que originalmente abrigava os espaços
administrativos, a boate, o restaurante e o apoio às piscinas (banheiros e vestiários). A
horizontalidade e rigidez geométrica desse edifício são quebradas pelo volume que
corresponde às escadas e à caixa d’água do clube, onde as linhas sinuosas ganham espaço
(ver figura 08 e 09).

Figura 09 – Perspectiva sudeste do Clube Cabo Branco. Vista a partir do nível das piscinas
evidenciando o bloco principal onde se encontram os espaços administrativos, a boate, o
restaurante e o apoio às piscinas.

Fonte: Sousa; Jésse; Pedrosa (2014). Editado por Cleuton Sousa e Aristóteles Cordeiro para este artigo.

Ainda no mesmo nível há um acesso ao ginásio coberto e à quadra poliesportiva


descoberta, esta última localizada na porção mais noroeste do lote. A quadra do ginásio
encontra-se num nível mais baixo, acessado por escadarias que dividem espaço com as
arquibancadas (ver figura 10). Seis arcos rebaixados de concreto armado, dispostos
sequencial e longitudinalmente, recebem uma estrutura metálica treliçada que, por sua vez,
é recoberta com telhas metálicas, marcando certo arrojo nesse volume no conjunto. Os
arcos nas duas extremidades recebem ainda, em sua porção mais alta, painéis de
esquadrias metálicas com fechamento em vidro, certamente para reduzir a incidência de
direta de ventos e de água das chuvas no espaço interno do ginásio.
Em um segundo nível, abaixo do primeiro e num plano ligeiramente abaixo do da quadra do
ginásio, estão dispostas as três piscinas –uma infantil, uma auxiliar e uma olímpica - que
inicialmente conformavam o polo aquático e as três quadras de tênis (estando apenas duas
delas na orientação correta, no sentido norte-sul). Foram construídos posteriormente: uma
piscina de recreação infantil e um bloco de apoio às quadras de tênis.

242
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 10 – Vista interna do ginásio. Destaque para a quadra em nível mais baixo, para os
arcos rebaixados em concreto armado recobertos com estrutura e telhas metálicas.

Fonte: Sousa; Jésse; Pedrosa (2014). Editado por Cleuton Sousa e Aristóteles Cordeiro para este artigo.

Figura 11 – Perspectiva sudeste do Clube Cabo Branco. Destaque para as piscinas, os


diferentes níveis de implantação e a diversidade do programa.

Fonte: Sousa; Jésse; Pedrosa (2014).

O terceiro nível é acessado por uma escadaria disposta entre as piscinas e as quadras de
tênis, dentre elas uma própria para treinos individuais (ver figura 12).
No quarto e último nível está o campo de futebol, assim como os espaços de apoio
necessários (ver figura 13). Uma vez mais as escadarias mesclam-se às arquibancadas que
percorrem uma das laterais do campo em sentido longitudinal. Ainda nesse nível há um
portão que dá acesso à Rua das Acácias.

243
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 12 – Perspectiva nordeste do Clube Cabo Branco. Destaque para as quadras de


tênis, os diferentes níveis de implantação e a diversidade do programa.

Fonte: Sousa; Jésse; Pedrosa (2014). Editado por Cleuton Sousa e Aristóteles Cordeiro para este artigo.

Figuras 13 e 14 – Perspectiva sudeste do Esporte Clube Cabo Branco e vista aproximada


do bloco social, respectivamente. Destaque para os diferentes níveis de implantação e os
elementos tipológicos e materiais empregados.

Fonte: Sousa; Jésse; Pedrosa (2014). Editado por Cleuton Sousa e Aristóteles Cordeiro para este artigo.

As edificações que compõem o clube apresentam vários elementos tipológicos e materiais


fartamente utilizados pela produção arquitetônica moderna, como o concreto armado, o
pilotis, a planta livre, as transparências garantidas pelo uso intenso do vidro como elemento
de vedação, as janelas em fita, os brise soleil, o teto plano e a modulação/racionalização da
construção, dentre outros (ver figura 14).
Por várias razões, algumas delas inclusive já elencadas, o clube constitui um equipamento
de importância histórica e social da cidade, um exemplar importante da produção moderna
local. Quando construído, representava um equipamento indispensável a vida da sociedade
paraibana, fazendo parte de seus rituais sociais.
Ao contrário dos outros clubes construídos em João Pessoa – Astrea e Iate Clube -,
relativamente contemporâneos a sua construção, o Clube Cabo Branco ainda funciona e
mantém várias de suas atividades originais. Todavia, ultimamente, parte de seus espaços
foram terceirizados/alugados (clube aquático, academia etc.) na tentativa de se manter a
vitalidade do clube. Essas iniciativas, no entanto, muitas vezes requerem adaptações para o
seu funcionamento, que terminam por comprometer a originalidade do projeto, por isso a
urgência e importância de seu registro.

244
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

3 OS MODELOS DIGITAIS DO ESPORTE CLUBE CABO BRANCO E O


INVENTÁRIO DE ARQUITETURA MODERNA NA PARAÍBA
Os modelos digitais em 2D e 3D do Esporte Clube Cabo Branco foram elaborados por
equipes distintas e em momentos distintos, mas todos como parte de uma disciplina de
incentivo à pesquisa do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal da Paraíba. O redesenho e a geração dos modelos tridimensionais tem sido uma
prática recorrente do curso e incentivada principalmente pelo Laboratório de Pesquisa
Projeto e Memória 2 (LPPM) como exercício de compreensão projetual.
Essa atividade tem apresentado resultados interessantes no momento em que possibilita a
compreensão de decisões e soluções projetuais, imprescindíveis à formação profissional: a
compreensão da lógica estrutural, do zoneamento e fluxos, dos elementos e artifícios
utilizados para contemplar a iluminação, a ventilação e a insolação. Ultrapassa “o seu
relevante papel na dialogia que se estabelece no processo projetual para se constituir
também em um instrumento de grande eficácia no registro do patrimônio arquitetônico”
(CORDEIRO, 2012). Sem dúvida, os desenhos e modelos gerados, juntamente com a
pesquisa em acervos diversos, têm contribuído decisivamente para a elaboração das fichas
de registro, que compõem o inventário da arquitetura moderna paraibana 3.
Os desenhos bidimensionais foram elaborados em 2005, pelos alunos de arquitetura (hoje
arquitetos) Adailton Pessoa e Walter Grilo, sob a orientação da professora Nelci Tinem. A
documentação arquitetônica – plantas, cortes e fachadas – foi feita com auxilio do AutoCad,
estruturada em três etapas: a) digitalização dos desenhos a partir das pranchas ainda
existentes do projeto original do clube com o acréscimo de informações advindas de
imagens fotográficas de época; b) levantamento atual do complexo social do clube auxiliado
por imagens fotográficas atuais; e c) reunião de todo o material produzido e coletado em
uma apresentação eletrônica, auxiliado pelo software Microsoft PowerPoint.
O modelo tridimensional, por sua vez, foi elaborado em 2014 pelos alunos de arquitetura
Cleuton Sousa, Jésus Jésse e Oséas Pedrosa, sob a orientação do professor Aristóteles
Cordeiro. O modelo bidimensional anteriormente elaborado serviu como ponto de partida
para a geração do 3D. Todavia, uma série de conferências, confrontações e novas
medições mostraram-se necessárias, sobretudo no que diz respeito às cotas de nível, para
a geração da maquete eletrônica, como relatam os próprios autores. Esta foi gerada no
programa Sketchup 8 e a texturização de algumas vistas do modelo teve por suporte o
programa Lumion 4.0.
Ratificando a importância desse tipo de exercício didático-prático e as diversas
possibilidades de ensinamento e aplicação resultantes, Aristóteles Cordeiro afirma:
Modelos geométricos tridimensionais têm se mostrado um instrumento mais
completo do que a documentação gráfica bidimensional para o registro,
estudo e documentação do patrimônio arquitetônico, uma vez que a sua
manipulação permite uma melhor apreciação do caráter tectônico do edifício
– além de sua forma e funcionalidade – desde pontos de vista impossíveis
de se conseguir com fotografias, da obtenção de cortes perspectivados a
partir de qualquer plano de seção, assim como, do desmembramento da
edificação em suas partes constitutivas (Cordeiro, 2012).

2
“Através das ferramentas de representação gráfica e de modelagens os estudantes vão gradualmente sendo
conduzidos a uma interpretação estritamente arquitetônica do objeto. É esta aproximação interpretativa que
acreditamos ser capaz de produzir um conhecimento rigoroso, aprofundado, singular e detalhado dos objetos
estudados, como condição fundamental para a elaboração de qualquer discurso crítico, evitando rótulos fáceis
ou digressões em torno de curiosidades agradáveis que não contribuem para a compreensão das obras
pesquisadas”. Texto retirado do site do LPPM (http://www.lppm.com.br), que descreve o Banco de Dados
“habitar moderno e habitar contemporâneo” (hm+hc).
3
Sobre o inventário da arquitetura moderna na Paraíba ver Tinem (2009), Guedes & Tinem (2013).

245
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

As duas equipes expõem claramente o rico aprendizado adquirido com o exercício, apesar
das dificuldades enfrentadas, bastante comuns ao pesquisador, principalmente no que diz
respeito ao acesso às informações e desenhos originais do projeto.
O material gerado pelas equipes que têm trabalhado nesses exercícios de redesenho e
geração de modelos tridimensionais passa então a ser arquivado, sistematizado e servem
de base para elaboração das fichas do inventário de arquitetura moderna paraibana.
As fichas de registro e os produtos gerados a partir desses exercícios têm por objetivo
permitir a compreensão do acervo moderno na Paraíba, mas tem também como alvo dar
visibilidade a esse patrimônio, dando ampla divulgação a essa produção, não só a
pesquisadores e candidatos a pesquisadores, mas a população em geral interessada em
sua história. Para além do inventário, o interesse é que o material produzido possa ser
divulgado, como inclusive já tem acontecido, seja através de sites como o do LPPM, seja
através de publicação de artigos em revistas, livros ou eventos como o ARQ DOC 2014,
seja através de outros meios de comunicação como o Armazém 3D.

4 CONCLUSÕES
O redesenho bidimensional, bem como a construção de modelos tridimensionais icônicos,
unívocos e relacionais, ou seja, formalmente semelhantes à edificação “constitui-se em uma
inestimável ferramenta na apreensão do objeto arquitetônico, pois replica virtualmente as
mesmas etapas construtivas do edifício e modela individualmente as suas partes
constituintes” (CORDEIRO, 2007). Permite aos estudantes uma compreensão detalhada
dessas várias etapas, tornando-se um exercício extremamente instrutivo que, somado às
etapas de pesquisa, coleta de dados e redação desses processos na forma de relatórios,
contribui certamente para a formação de um profissional mais consciente em sua atuação.
O exercício, extrapolando as atribuições acima descritas, constitui uma importante forma de
registro que interessa como formação e informação a respeito desse momento da história da
cidade, da cultura e inclusive da arquitetura. Interessa tanto a pesquisadores, alunos e
professores, como ao cidadão comum atento a história e ansioso por fazer parte da
construção da memória da cidade. Interessa àqueles que estão preocupados com a
formação de profissionais que tenham condições de intervir na sua área de atuação.
Interessa àqueles que trabalham diretamente com conservação e restauração de edifícios e
sítios protegidos (ou que deveriam ser). Interessa sobretudo como estratégia de ensino de
projeto em estreita relação com a teoria/história da arquitetura.

REFERÊNCIAS
ACERVO PESSOAL ACÁCIO GIL BORSOI. Disponível em:
http://arqpb.blogspot.com.br/2007/10/accio-gil-borsoi.html. Acesso em: 25.07.2014.
CORDEIRO, Aristóteles Lobo de Magalhães. O projeto de edifícios em ambientes informatizados:
Uma abordagem macroergonômica. Tese de Doutorado. João Pessoa, PPGEU/UFPB, 2007.
CORDEIRO, Aristóteles Lobo de Magalhães; ROCHA, Germana C. O modelo tridimensional digital no
registro e análise tectônica de patrimônio arquitetônico moderno. In: II Seminário Nacional sobre
Documentação do Patrimônio Arquitetônico com o uso de Tecnologias Digitais, Belém, 2012.
GRILO, Walter; PESSOA, Adailton. Registro do Esporte Clube Cabo Branco. Trabalho disciplinar
do Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Paraíba. João
Pessoa, 2005.
GUEDES, Kaline Abrantes; TINEM, Nelci. Documentando o Patrimonio Moderno:Informação e
O
Visibilidade. In: 3 Seminario Ibero-Americano Arquitetura e Documentação, 2013, Belo
Horizonte.
LABORATÓRIO de Pesquisa Projeto e Memória (LPPM). Banco de Dados “habitar moderno e habitar
contemporâneo” (hm+hc). Disponível em: http://www.lppm.com.br. Acesso em: 28.07.2014.

246
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

PEREIRA, Fúlvio. Difusão da Arquitetura Moderna na cidade de João Pessoa (1956-1974).


Dissertação de Mestrado. São Carlos, EESC/USP, 2006.
ROCHA, Mércia Parente. Patrimônio arquitetônico moderno: do debate às intervenções.
Dissertação de Mestrado PPGAU/UFPB, 2011.
ROCHA, Mércia. Manifestações da Arquitetura Moderna em João Pessoa. João Pessoa,
TFG/CGAU/UFPB, 1987.
SOUSA, Cleuton; JÉSSE, Jésus; PEDROSA, Oséas. Esporte Clube Cabo Branco: análise e
modelagem digital. Trabalho disciplinar do Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, 2014.
TINEM, Nelci. Desafios da Preservação da arquitetura moderna: o caso da Paraíba. Cadernos
PPGAU/FAUFBA, v.VIII, p. 37-63, 2009.

247
SISTEMA DE INVENTARIAÇÃO DOS BENS IMÓVEIS DA
CIDADE DE SANTA MARIA, RS.

João Pedro da Silveira


LAEDPA, Curso de Arquitetura e Urbanismo, UFSM
jpsilveiraarq@gmail.com
Leonora Romano
Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Curso de Arquitetura e Urbanismo, UFSM
arqlolo.romano@gmail.com
Caryl Eduardo Jovanovich Lopes
Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Curso de Arquitetura e Urbanismo, UFSM
arqcaryl@gmail.com
Flávia Mastella Moreira
LAEDPA, Curso de Arquitetura e Urbanismo, UFSM
flaviamastella@hotmail.com
Fernanda Manfio dos Santos
LAEDPA, Curso de Arquitetura e Urbanismo, UFSM
manfio.arq@gmail.com

RESUMO
O presente trabalho realiza-se no Laboratório de Acervo, Editoração e Divulgação da Produção
Acadêmica (LAEDPA) do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM). A proposta do trabalho é reunir, organizar e sistematizar todo o material encontrado no
laboratório referente a edificações de interesse patrimonial da cidade de Santa Maria, RS. Identificar
o material encontrado, separar e classificar de acordo com sua origem, sistematizar as informações,
disponibilizando-as em meio digital e integrar as informações para os sistemas de inventariação
vinculados aos institutos de preservação. Serão quarenta e quatro (44) obras catalogadas, grande
parte proveniente de Trabalhos Finais de Graduação e disciplinas de Ateliê de Arquitetura com
informações suficientes para desenvolver o inventário das mesmas, destacando e valorizando o
patrimônio histórico material imóvel da cidade cultura.
Palavras-chave: Inventariação. Patrimônio Edificado. Preservação.

ABSTRACT
The work is developed in the Laboratory of Collection, Editing and Disclosure of Academic Production
(LAEDPA) at Course of Architecture and Urbanism of the Federal University of Santa Maria (UFSM).
The purpose is to rearrange and systematize all the material found in the laboratory related to heritage
buildings in Santa Maria. Identify the material found, separate and classify according to their origin,
and then systematize the information, making them available in digital format and integrate with the

248
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

inventory platform of the institutes of preservation. There are fourty-four works cataloged already, most
of them from the undergraduate final projects courses, with sufficient information to be able to develop
an inventory, which emphasize the heritage of the culture city.
Keywords: Inventory. Heritage Buildings. Preservation.

1 INTRODUÇÃO
A proposta de trabalho se realiza no Laboratório de Acervo, Editoração e Divulgação da
Produção Acadêmica (LAEDPA) do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSM. O
Laboratório, desde há muito tempo, coleciona trabalhos de levantamento físico-cadastrais e
fotográficos de edificações e conjuntos urbanos considerados de valor cultural para a cidade
de Santa Maria e região. A coleção de registros destas edificações contribui para a
manutenção permanente da história dos bens imóveis do município, uma vez que alguns
deles já se encontram em avançados processos de descaracterização, deterioração,
arruinamento e desaparecimento.
A iniciativa foi gerada a partir de uma solicitação do IPHAN RS, que requisitou a concessão
dos levantamentos cadastrais existentes no Curso de Arquitetura e Urbanismo,
preferencialmente na forma de inventários, para agregar a lista dos bens existentes no
Estado.
Entretanto, é preciso selecionar e organizar previamente uma base de dados que seja
acessível à comunidade e aos institutos de preservação do patrimônio cultural. Neste
sentido, uma das atividades primeiras desta proposta será a de sistematizar as informações
decorrentes dos inventários ou registros já realizados, seja em disciplinas de graduação ou
em projetos de extensão e pesquisa. Mapear estas informações e disponibilizá-las através
de arquivos digitais é o mote deste trabalho.
Entende-se que este compartilhamento de informações e registros é uma das formas mais
eficazes de recuperação da história e manutenção da memória, jogando luz sobre as
origens dos municípios e aumentando a autoestima de comunidades inteiras.
Além do reconhecimento do patrimônio material, o trabalho poderá identificar ainda a
necessidade de reapropriação de valores imateriais presentes em várias gerações,
principalmente na cidade de Santa Maria, que reconhecidamente convive com a expressão
de cidade cultura.
A identificação da cidade com a cultura ainda encontrou inspiração nas primeiras décadas
do século XX. A oferta de cultura erudita, em 1932, era considerada além da satisfatória, em
se tratando de uma cidade de interior, com 32.742 habitantes (BELÉM, 2000). No caso do
teatro, por exemplo, além do teatro amador, Santa Maria foi palco de exibições teatrais que
tinham como destino o Uruguai e a Argentina, e igualmente das que vinham de lá para Porto
Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro. Esta “efervescência cultural” também se manifestou
através do cinema, tendo sido inaugurados, entre 1911 e 1937, quatro cinemas na cidade,
“com um mínimo de oito sessões diárias, com películas de primeira classe, quase todas
exibidas em primeira mão, no Estado” (SANTOS; SANTOS, 2008, p. 106).
Entretanto, a associação feita entre a cidade e a cultura só foi construída quando do
entrelaçamento entre os conceitos cultura e universidade, verificados aqui a partir da criação
da primeira universidade pública no interior do país, em 1960. Há quem diga que, quem
instituiu a expressão “cidade cultura” foi o próprio José Mariano da Rocha Filho, criador da
Universidade Federal de Santa Maria. Segundo Prof. Mariano, a relação entre universidade
e cultura era entendida “através de sua proposta de uma plena integração entre a Terra, o
Homem e a Educação” (SANTA MARIA CIDADE CULTURA, 2003, p. 84).
Neste sentido o trabalho apresentado visa atender uma parcela desta demanda cultural, no
caso, a partir da identificação e inventariação do seu patrimônio histórico material imóvel,
iniciando pela organização e sistematização dos registros já existentes em seu Laboratório,
seguido da disponibilização dos mesmos para a comunidade e Institutos de Preservação.

249
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

É o Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSM fazendo a parte que lhe cabe,


estabelecendo instrumentos de preservação e ação frente ao bem imóvel a partir da
documentação e promoção dos remanescentes materiais ainda valorosos e legíveis na sua
cidade.
A oportunidade que se descortina, com a elaboração deste projeto de extensão, de certa
forma foi semeada num outro trabalho de extensão do Curso de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal de Santa Maria, em 2011.
O projeto “Cidade de Papel” trouxe para a folha de papel a Gare da Estação Férrea, a 6º
Brigada de Infantaria Blindada, a Vila Belga, a Catedral Metropolitana e alguns edifícios
icônicos da UFSM, que, após serem modelados, viravam miniaturas em 3D que poderiam
pertencer a uma estante qualquer, de qualquer pessoa. A proposta da escultura em papel,
encartada em jornal local, teve seis edições, com uma tiragem média, por edição, de 40.000
exemplares. Apelar pelo sentimento de pertencimento dos leitores do jornal, foi um caminho
para buscar a valorização do que é nosso.
Portanto, todo projeto deve envolver, antes de qualquer coisa, identificação e motivação.
Estes propósitos, além de referirem-se ao estado de espírito de quem pesquisa, devem
estar sintonizados com o momento histórico a ser pesquisado.
Santa Maria dispõe de um considerável acervo de obras de arquitetura de interesse cultural,
já identificadas, mas que não são reconhecidas ou valorizadas por falta de ações de
preservação. O inventário das edificações é a forma mais célere de proteção do patrimônio
e está prevista pela Constituição do Brasil, desde 1988. Assim, este projeto se justifica
enquanto repositório de inventários e vem a coadunar-se com outros projetos de
preservação do patrimônio no âmbito municipal, estadual e nacional.
A escolha dos imóveis submetidos à levantamentos físico-cadastrais e inventariação se dá,
de forma geral, pela disponibilidade de acesso e autorização dos proprietários dos imóveis
ou demandas que chegam ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo, identificados a
partir de valores históricos, arquitetônicos, ou de conjunto.

2 OBJETIVOS
O objetivo geral desse projeto de extensão consiste no planejamento, reunião, organização
e sistematização do acervo de inventários, levantamentos físico-cadastrais e levantamentos
fotográficos dos edifícios de interesse patrimonial da cidade de Santa Maria existentes em
acervo no Laboratório de Acervo, Editoração e Divulgação da Produção Acadêmica, o
LAEDPA.
Ainda se destina a contribuir para a preservação efetiva do patrimônio material imóvel da
cidade de Santa Maria, ressaltando a importância e o caráter social que este tipo de
atividade representa dentro de um Curso de Arquitetura e Urbanismo através do seu
empenho na manutenção dos valores identitários locais, salientando a importância do imóvel
histórico no contexto em que está inserido e a necessidade de se preservar os conjuntos
formadores da paisagem urbana.
Finalmente o projeto pretende organizar um cadastro digital que contenha informações a
respeito dos bens imóveis para disponibilizar aos institutos de preservação de âmbito
nacional, estadual e Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (COMPHIC).

3 METODOLOGIA
Com a Constituição Federal de 1988 o inventário passou a integrar, expressamente, o rol
dos instrumentos preservação do patrimônio cultural brasileiro. Ou seja, trata-se ferramenta
protetiva de estatura constitucional, autônoma e auto-aplicável por se constituir em uma das
formas de garantia à preservação do patrimônio cultural brasileiro enquanto direito
fundamental e difuso. Logo, pode-se concluir que o bem inventariado como patrimônio

250
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

cultural submete-se, conforme os ditames da Constituição de 1988, a medidas restritivas de


livre uso, gozo e disposição de bem, tornando-se, por outro lado, obrigatória a sua
preservação e conservação para as presentes e futuras gerações, segundo descreve seu
art. 1.228:
O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito
de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1o O direito propriedade deve ser exercido em consonância com as suas
finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as
belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico,
bem como evitada a poluição do ar e das águas.
Já a Metodologia utilizada consistirá nas seguintes etapas:
1º ETAPA: Identificar o material existente no Laboratório de Acervo, Editoração e Divulgação
da Produção Acadêmica.
2º ETAPA: Separar e classificar o material de acordo com sua origem: levantamentos,
projetos de intervenção, imagens fotográficas, resenhas e artigos.
3º ETAPA: Sistematizar as informações, disponibilizando-as em meio digital.
4º ETAPA: Difundir o patrimônio local e integrá-lo aos sistemas de inventariação e acervos
existentes através dos Institutos de Patrimônio Histórico e Artístico e Conselho de
Patrimônio Municipal.
Feitas as medições e transformadas em peças gráficas é feita a plotagem e gravação dos
arquivos em formato pdf e dwg. Para alunos do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSM
são disponibilizados os arquivos em dwg. Para os demais, em pdf. As fichas de inventário
(Modelo IPHAN) são salvas em pdf e o próximo passo será disponibilizá-las no novo site do
curso, em construção.
A partir do acervo existente no Laboratório de Acervo, Editoração e Divulgação da Produção
Acadêmica, onde constam 44 imóveis cadastrados, com plantas baixas, cortes, fachadas,
detalhamentos, foram organizadas fichas de inventário a partir do modelo SIG (Sistema
Integrado de Conhecimento e Gestão) no site do IPHAN, disponíveis em formato doc.

4 INDICADORES DE AVALIAÇÃO UTILIZADOS


Mesmo tendo sido previsto, desde 1988, pela Constituição Brasileira, a proposta de
sistematização do inventário dos bens imóveis tem um caráter de vanguarda com relação ao
tratamento dado ao tema em termos de Santa Maria. Algumas tentativas nesta direção
foram acenadas pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (COMPHIC),
como por exemplo, conseguir sancionar a Lei 3999/96, que dispõe sobre o Patrimônio
Histórico e Cultural do Município - já revisada - aguarda encaminhamento para aprovação
do legislativo há sete anos. Só que enquanto espera a cidade padece, onde se percebe
claramente o destrato com seu patrimônio cultural material. Enquanto isso avolumam-se
exercícios acadêmicos com propostas de trabalho que fomentariam a investigação
sistematizada sobre o assunto, por esta razão, a ideia de contribuir com o estado da arte, se
compartilhando a produção acadêmica existente com base na preservação do patrimônio
cultural.

5 RESULTADOS ALCANÇADOS E PÚBLICO ENVOLVIDO


Até o momento já foram selecionados todos os levantamentos de edificações de interesse
patrimonial armazenadas no Laboratório de Acervo Editoração e Diulgação da Produção
Acadêmica do Curso. Após a seleção, criou-se uma base de dados digital, dinamizando a
informação disponível. Foram catalogadas 44 obras entre trabalhos acadêmicos das
disciplinas de Ateliê vinculado ao Patrimônio e Trabalhos Finais de Graduação.

251
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Como se pode perceber através do Gráfico 1, ao pesquisar todos os 277 Trabalhos Finais
de Graduação, 21 possuem levantamentos de edificações de interesse patrimonial.
O Gráfico 2 quantifica o resultado das 44 obras catalogadas, onde 21 provêm dos TFGs, 20
das disciplinas de Ateliê de Arquitetura e Urbanismo com ênfase em Patrimônio, e as
restantes são doações de trabalhos diversos.

Gráfico 1 - Análise de Trabalhos Finais de Graduação

8%
Projetos de Intervenção
do Patrimônio
Demais Projetos
92%

Fonte: Elaborado pelos autores

Gráfico 2 - Levantamentos Registrados

7%
48%
TFG
45% Ateliê
Demais

Fonte: Elaborado pelos autores

Busca-se ainda promover ações de conscientização da população com relação ao seu


patrimônio, como foi feito no projeto “Cidade de Papel”, supracitado.
O resultado do trabalho pode fomentar os institutos de preservação, IPLAN (Instituto de
Planejamento de Santa Maria) no âmbito municipal, IPHAE (Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico do Estado) no âmbito estadual, IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional) no âmbito nacional. Além dos Institutos, o trabalho poderá envolver
conselhos como o COMPHIC (Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Histórico e
Cultural).
O trabalho deve dinamizar a consulta popular a partir da disponibilização, na forma de fichas
de inventário – baseado no modelo das fichas do IPHAN - em pdf, como exemplifica a
Figura 1.
Até o presente momento foram completadas seis fichas de inventário, as quais aguardam
revisão dos orientadores do projeto. O exercício de preenchimento das fichas visa também
atualizar as informações e melhor transcrevê-las no inventário a partir do conteúdo
encontrado nos levantamentos, considerando que alterações podem ter sido feitas nas
edificações desde a data que os levantamentos foram realizados, como troca de uso,
reformas visíveis, ou dados não coletados pelos autores dos levantamentos e são de
interesse para o inventário.

252
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 1 – Ficha de Inventário Preenchida

Fonte: Modelo IPHAN, preenchida pelos autores

Figura 2 – Registro dos Levantamentos de Bens Identificados

Fonte: Produzido pelos autores

6 CONCLUSÃO
O registro dos trabalhos selecionados no LAEDPA do Curso de Arquitetura e Urbanismo
ajudam a valorizar o patrimônio histórico material imóvel de Santa Maria e a prática do
registro dará o suporte necessário para fazer a inventariação de outros bens imóveis
considerados de interesse.

253
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

O levantamento de dados e a diponibilização em meio digital contribuirá para a alimentação


do sistema ao longo do tempo, considerando que todos os anos serão realizados trabalhos
inventariação e levantamento de edificações de interesse patrimonial tanto nas disciplinas
de Ateliê de Patrimônio e Técnicas Retrospectivas como também nas pesquisas e
anteprojetos de trabalhos finais de graduação com temas ligados ao patrimônio cultural.
Armazenar os levantamentos de dados de forma digitalizada e sistemática em Laboratório
de uma universidade pública, permitindo a consulta popular de interessados na pesquisa em
patrimônio cultural, respaldado pelos Institutos de Preservação, finda em uma valiosa
contribuição para sociedade.

REFERÊNCIAS
BELÉM, J. História do Município de Santa Maria 1797-1933. 3 ed. Santa Maria: Editora da
UFSM, 2000. 309p.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF, Senado Federal: Centro Gráfico, 1998.
CHOAY, F. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade: Editora UNESP,
2001.
CONSELHO MUNICIPAL DE CULTRA DE SANTA MARIA. Santa Maria, Cidade Cultura.
Santa Maria: Pallotti, 2003. 136p.
IPHAE, Patrimônio Edificado: Orientações para sua preservação. Porto Alegre: CORAG,
2004.
LEMOS, C. A. C. O que é Patrimônio Histórico. São Paulo: Ed. Brasiliense S.A. SANTOS,
T. de J. P.; SANTOS, G.M. C. (Orgs). Santa Maria: vivências e memórias de Edmundo
Cardoso. Santa Maria: Ana Terra, 2008.120p.

254
WEBSITE DO PLANO DE CONSERVAÇÃO PREVENTIVA DO
MUSEU CASA DE RUI BARBOSA: SISTEMA INTEGRADO DE
INFORMAÇÕES PARA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO
ARQUITETÔNICO DO MUSEU

Claudia S. Rodrigues de Carvalho


Núcleo de Preservação Arquitetônica
Fundação Casa de Rui Barbosa
crcarvalho@rb.gov.br

Patricia Cavalcante Cordeiro


Núcleo de Preservação Arquitetônica
Fundação Casa de Rui Barbosa
patricia.fau@gmail.com

Fernanda Costa Braz


Núcleo de Preservação Arquitetônica
Fundação Casa de Rui Barbosa
fernanda@rb.gov.br

RESUMO
Este artigo apresenta o resultado da pesquisa Documentação para Preservação realizada pelo
Núcleo de Preservação Arquitetônica do Centro de Memória e Informação da Fundação Casa de Rui
Barbosa, no âmbito do Programa de Incentivo à Produção do Conhecimento Técnico e Científico na
Área de Cultura. A pesquisa teve como objeto o desenvolvimento de um processo contínuo de
documentação sobre o conjunto edifício-acervo do Museu Casa de Rui Barbosa, que constitua um
instrumento de monitoramento e controle para sua preservação, gerenciamento e uso. Dentre seus
objetios, destaca-se o estabelecimento de um sistema de informações apropriadas e atualizadas
relativo à história, ao valor de patrimônio, à materialidade, às intervenções passadas e às condições
atuais do bem cultural. O processo metodológico levou à criação de um website que apresenta as
ações de conservação preventiva e preservação arquitetônica implementadas no bem cultural, que
para além de funcionar como instrumento de organização, sistematização e divulgação de um grande
número de informações, promove a divulgação das ações de preservação para o publico em geral,
como também para especialistas. Sua execução teve apoio da Fundação Carlos Chagas de Amparo
a Pesquisa - FAPERJ e cooperação de duas empresas especializadas.
Palavras-chave: Patrimônio cultural. Documentação arquitetônica. Conservação preventiva. Website.

255
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

ABSTRACT
This article presents the results of the Documentation for Preservation Research developed
by the Núcleo de Preservação Arquitetônica of the Centro de Memória e Informação of
Fundação Casa de Rui Barbosa, under the Incentive of the Program for Production of
Technical and Scientific Knowledge in the Cultural Area. The research focused on
developing a continuous process of documentation for the ensemble building-collection of
Museu Casa de Rui Barbosa, to constitute a tool for monitoring and controlling its
preservation, management and use. The goal is to establish a system of appropriate and
updated information on the history, heritage value, materiality, past interventions and the
current conditions of the cultural object. The website presents the actions of preventive
conservation and architectural preservation implemented at the Museu Casa de Rui
Barbosa, working as an instrument of organization, systematization and dissemination of all
documents related to the heritage property and to the actions for its preservation, allowing
general public disclosure, as well as to specialists. This work was supported by FAPERJ and
had the help of two specialized companies.
Keywords: Cultural heritage. Architectural documentation. Preventive conservation. Website.

1 INTRODUÇÃO
A pesquisa Documentação para Preservação tem como objetivo o desenvolvimento de um
processo contínuo de documentação sobre o conjunto edifício-acervo do Museu Casa de
Rui Barbosa, que seja um instrumento de monitoramento e controle para sua preservação,
gerenciamento e uso.
Para tal, era necessário o desenvolvimento de um instrumental tecnológico que permitisse
organizar a documentação pesquisada, tornando sua utilização simples tanto para os
processos internos de pesquisa e trabalho da equipe do Núcleo de Preservação
Arquitetônica, quanto para a consulta de pesquisadores externos e do publico em geral.
Atendendo às normas vigentes e correntes no campo do patrimônio cultural, que recomenda
a documentação como parte integrante dos processos de preservação do patrimônio cultural
e salientando o componente da divulgação com parte imprescindível deste processo, o
website Plano de Conservação Preventiva do Museu Casa de Rui Barbosa apresenta como
conteúdo as metodologias utilizadas e as ações de preservação implementadas. Este sítio
eletrônico deve funcionar como um dos instrumentos de organização, sistematização e
divulgação da documentação sobre o bem cultural, divugando as ações de preservação
para o publico em geral, como também para especialistas.
Disseminando a experiência realizada e o método para o desenvolvimento de um processo
documental para um bem cultural, espera-se servir como referência para outras instituições
afins, além de auxiliar no fornecimento de parâmetros para o estabelecimento de uma
estratégia que apresente a documentação como ferramenta constante nos processos de
preservação do patrimônio.
Com o desenvolvimento do website, espera-se que o mesmo possa contribuir para a
divulgação das pesquisas realizadas na Fundação Casa de Rui Barbosa, no âmbito do
Plano, e para o avanço da conservação preventiva como ação primordial para a
preservação do patrimônio cultural.

2 DOCUMENTAÇÃO PARA PRESERVAÇÃO


A divulgação é um dos argumentos fundamentais da pesquisa Documentação para
Preservação, devido ao seu caráter indissociável da tarefa de gerenciar as informações
patrimoniais – produzidas, coletadas, organizadas – inerentes ao compromisso público e
profissional, garantindo dessa maneira o comprometimento e a contribuição no campo
teórico e prático da conservação preventiva.

256
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

A documentação é um tema que aparece com certa constância nos documentos do campo
do patrimônio e que, no decorrer da evolução conceitual e prática deste grande campo, foi
ganhando maior destaque e complexidade. A Carta de Veneza, de 1964, já trazia a
importância da documentação (CURY, 2004), tendo sido ampliada pela Carta de Sofia, de
1996, que traz normativas para sua aplicação (ICOMOS, 1996). A componente divulgação
vem sendo incorporada de maneira cada vez mais incisiva ao processo de gerenciamento
da informação.
Com o advento da internet, diferentes instituições, tanto nacionais quanto internacionais,
passaram a utilizar as ferramentas eletrônicas para publicizar suas atividades e difundir o
conhecimento acumulado de forma mais ampla e democrática, como por exemplo a
pesquisa compilada pelo Getty Conservation Institute - GCI, que traz recomendações para
esta prática. (LETELLIER, 2002)
A divulgação do resultado desta pesquisa se justifica, principal e fundamentalmente, na
qualidade de seu conteúdo, que contempla um volume de trabalho produzido num período
de mais de quinze anos de trabalhos no campo da preservação.
A experiência produzida pelo plano de Conservação Preventiva da Casa de Rui Barbosa,
acumulada desde 1998 teve início com a produção de uma série de levantamentos,
diagnósticos, projetos e propostas de intervenções com o intuito de mitigar as causas dos
processos de deterioração do edifício histórico integrado à coleção que abriga.
Desde 2005, bolsistas do Programa de Incentivo à Produção do Conhecimento Técnico e
Científico na Área da Cultura da Fundação Casa de Rui Barbosa participam de pesquisas
aplicadas para dar suporte às ações do referido Plano i, dentre as quais inclui-se a pesquisa
“Plano de Conservação Preventiva do Museu Casa de Rui Barbosa: Documentação para
preservação”, iniciada em 2010.
O objetivo geral é a integração dos processos de documentação e conservação do
patrimônio cultural, através da identificação de métodos e instrumentos apropriados ao
conjunto edifício-acervo do museu. O foco está no desenvolvimento de um processo
contínuo de documentação sobre o conjunto – que se constitua em um instrumento de
monitoramento, salvaguarda e controle da qualidade, para sua preservação, gerenciamento
e uso, através do estabelecimento de um sistema de informações – atualizadas, reunidas e
disponibilizadas – relativo à história, ao valor de patrimônio, à materialidade, às intervenções
passadas e às condições contemporâneas do patrimônio.
A publicação destas experiências compreende muito mais do que uma etapa desta pesquisa
específica, sendo uma ação de alcance ao nível das políticas públicas, democratizando o
acesso e tornando disponível uma quantidade de informações até aqui inéditas. A internet,
além de ser um meio relativamente de menor custo e de fácil atualização, possibilita a
divulgação para além de fronteiras físicas e profissionais, podendo atingir o público leigo, e
não somente atuantes no campo da preservação. No portal da Fundação Casa de Rui
Barbosa pode-se acessar este website, que constitui uma interface que abriga as variadas
formas documentais (imagens, desenhos, textos, tabelas).

3 METODOLOGIA
A concepção do website, no que tange ao manejo das informações – seleção, organização,
tratamento e disposição da documentação,– e os procedimentos que implicam esta ação,
ficou a cargo da equipe de bolsistas da pesquisa, sob a tutela da orientadora.
Primeiramente, foram pesquisados websites relacionados à conservação de bens
patrimoniais, a fim de utilizá-los como referência. Nesta pesquisa foi observada
principalmente a estruturação e a linguagem de apresentação dos conteúdos, textos,
fotografias, vídeos, desenhos esquemáticos, filtros e nível das informações. Destaca-se
entre os websites desta tipologia o “Our Lord in the Attic: A case of Study”, ii que tem formato
simples e didático para apresentação dos conteúdos, gráfica e estruturalmente, ao mesmo

257
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

tempo em que possui conteúdo complexo e diverso, exposto através de diferentes suportes.
Na sequencia, foram elaborados diversos esquemas de campos e conteúdos reunindo as
informações e a forma de apresentação no website. Estas informações foram obtidas,
através da compilação do Relatório Geral do Plano de Conservação Preventiva, onde as
ações e pesquisas estão identificadas e descritas, bem como as estratégias e os demais
elementos que conformam o Plano. Com a listagem e resumo do conteúdo das pesquisas,
incluindo a verificação dos arquivos existentes, iniciou-se a estruturação, tendo como
referência os exemplos pesquisados.
A estrutura proposta pretende, de forma simples, abordar os itens trabalhados no Plano,
além de situar e caracterizar o conjunto do Museu. Desta forma a estrutura gráfica é uma
barra de ícones onde se distribuem os seguintes itens: Identificação; Pesquisas;
Intervenções; Estratégias; Estes itens se dividem em subitens onde este conteúdo é
distribuído. (Figura 1)

Figura 1 – Esquema de organização dos conteúdos

Fonte: Elaborado pelos autores.

A partir deste ponto, o trabalho apresentou uma demanda técnica profissional especializada
culminando na contratação de duas empresas. A primeira empresa foi responsável pelo
trabalho de web designer. Este trabalho consistiu na criação e desenvolvimento das
interfaces gráficas do website, ou seja, o “template”, criando a estrutura dos conteúdos na
pagina, a imagem do cabeçalho, a barra de links, as cores principais, fontes e posição dos
textos, tipo de slide show, etc.. A estrutura final se apresenta em duas colunas, sendo uma
central – principal - e uma coluna na lateral direita mais estreita onde entram os conteúdos
secundários e hiperlinks. Foram trabalhados alguns tipos de templates, com texto simples,
texto com imagens, entre outros.
Além da interface, o web designer também desenvolveu a programação HTML dos modelos
de templates e os códigos a serem repassados a empresa que desenvolveu o
gerenciamento dos conteúdos e a publicação do website.

258
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Esta segunda empresa foi responsável pela etapa da tecnologia de integração da


informação e disponibilização. A empresa desenvolveu um Sistema de Gerenciamento de
Conteúdo e realizou um treinamento com a equipe para alimentação deste sistema.
O sistema suporta vários tipos de conteúdos como textos, desenhos e arquivos em PDFiii e
hiperlinks externos. Este sistema comporta tanto a organização da estrutura, seções e
páginas – gerenciador de conteúdos - quanto um banco de dados onde são armazenados
estes conteúdos – servidor.
O primeiro passo da criação da estrutura foi a criação das seções. A seção é o local onde
estão as páginas. O segundo passo foi a criação e preenchimento da página. A interface é
simples, tendo um campo principal onde são colocados todos os conteúdos. O texto é
automaticamente formatado para o padrão definido pelo web designer - tamanho da letra,
fonte, justificação; as imagens, que devem ter tamanho e resolução padrão de 900 pixels de
largura, assim como a colocação de marca d’água da instituição; os hiperlinks, que podem
tanto ligar à outra página interna do website, como à um externo de outra instituição.Tudo
que é colocado nesta página pode ser diretamente visualizado no website, ainda em versão
offline. Desta forma é possível montar exatamente como se deseja e corrigir eventuais erros,
o que facilita muito o trabalho de montagem
Esta etapa de criação das páginas e seções e de alimentação do banco de dados com os
conteúdos foi realizada pela equipe da pesquisa, a partir de treinamento dado pela empresa.
Desta forma passou-se a alimentação com as informações.
Sendo assim, os passos metodológicos para a concretização do website podem ser
definidos como:
1. Análise geral do projeto e definição final do cronograma de execução - mediante a
análise geral do projeto é montado o cronograma de execução;
2. Levantamento de dados e coleta de briefing - etapa onde são colhidas as informações
que norteiam o projeto;
3. Coleta de informações, definição da Arquitetura da Informação iv e apresentação do
organograma com a estrutura do website - nessa fase são analisadas as demandas do
projeto e é desenvolvido o estudo da Arquitetura da Informação e a criação do wireframe
(organograma);
4. Elaboração de conceitos, criação dos estudos gráficos e apresentação/ aprovação dos
templates;
5. Desenvolvimento da programação e implementação do sistema administrativo (CMS) e
publicação - nessa etapa é feito o desenvolvimento da programação em si, a integração
do CMS ao layout desenvolvido e a publicação do projeto;
6. Treinamento da equipe que administrará o website para conhecimento das opções
disponíveis no sistema, como montar a estrutura, alimentação de conteúdos, além de
aproveitar a ferramenta ao máximo e economizar tempo;
7. Criação da estrutura do website e alimentação do sistema com os conteúdos - textos,
imagens, desenhos, documentos e links. Durante esta fase as páginas são publicadas
em um link alternativo possibilitando a visualização em tempo real do website ainda
offline.
8. Ajustes de funcionalidades e correção de possíveis erros - é feita então a realização de
testes com a finalidade de encontrar problemas que impeçam o bom uso do sistema. Os
problemas identificados são corrigidos nessa fase;
9. Lançamento - após o cumprimento das etapas anteriores, o projeto foi publicado no
endereço final - vinculado ao site da Fundação Casa de Rui Barbosa - está pronto e
disponível para o acesso público.

259
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

4 RESULTADO FINAL
Passadas as etapas definidas no item anterior, o resultado final é um website que apresenta
todo o conteúdo trabalhado na pesquisa de forma intuitiva através de uma barra de ícones
onde se distribuem os conteúdos, conforme Figura 2. O maior desafio da pesquisa foi o
agrupamento destes conteúdos de forma a apresentar, de forma mais didática possível, as
etapas da elaboração de um plano de conservação preventiva para edifícios que abrigam
coleções.

Figura 2 – Imagem de capa e barra de ícones

Fonte: http://casaruibarbosa.gov.br/conservacaopreventiva/ - imagens acervo NPARQ FCRB

Cada ícone da barra abre uma cascata de subpáginas permitindo identificar os subitens da
cada etapa, conforme Figura 3. Estas subpáginas abrem conteúdos específicos e uma série
de links que permitem o download de alguns conteúdos como desenhos e artigos
publicados.

Figura 3 – Barra de ícones e cascata de páginas

Fonte: http://casaruibarbosa.gov.br/conservacaopreventiva/ - imagens acervo NPARQ FCRB

O esquema de organização da página é uma coluna central com os conteúdos principais e


uma coluna fina a direita que apresenta links específicos, desenhos, imagens, créditos das
equipes que participaram dos projetos, entre outros. A figura 4 apresenta um template com
slide show de fotos relacionadas aos conteúdos da página.

Figura 4 – Página interna com slide show

260
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Fonte: http://casaruibarbosa.gov.br/conservacaopreventiva/- imagens e desenho acervo NPARQ FCRB

A Figura 5 apresenta um exemplo de template onde é possível visualizar uma lista de


hiperlinks para exibição de pranchas do cadastro arquitetônico, em formato PDF. Os
desenhos do cadastro foram todas confeccionadas pela equipe no Núcleo de Preservação
Arquitetônica e estão disponíveis em pranchas no formato A3.
Esses hiperlinks suportam também outros tipo de documento em formato PDF, como textos
e apresentações de power point. Todos os arquivos estão disponíveis para download pelo
usuário.

Figura 5 – Página interna com hiperlinks para download

Fonte: http://casaruibarbosa.gov.br/conservacaopreventiva/ - imagens e desenho acervo NPARQ FCRB

5 CONCLUSÕES
O website se mostrou uma ferramenta de grande valia para o processo de documentação do
Plano de Conservação Preventiva, tanto como instrumento de organização interno das

261
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

informações, para acesso dos pesquisadores do Núcleo, quanto para disponibilização ao


público externo.
Para os pesquisadores e arquitetos permitirá, a partir de agora, o fornecimento de subsídios
para o controle das intervenções e transformações que impactam sobre o monumento, visto
que todas as experiências precedentes estão ali apresentadas, permitindo a consulta rápida
e direta. Funciona, portanto, como um banco de dados das ações ja realizadas, evitando
retrabalhos e repetição de erros.
A agilidade e facilidade no acesso torna essa interface com o usuário externo muito mais
simples e direta, aumentando o alcance e propagação das idéias apresentadas. Com isso,
pretende-se atender às normas vigentes e correntes no campo do patrimônio cultural,
através do acesso e disseminação da informação relativa aos processos de preservação do
Museu Casa de Rui Barbosa.
Procurou-se explicitar, através da própria estrutura do website, a metodologia para
desenvolvimento de um processo documental para um bem cultural, servindo também como
referência para outras instituições afins que queiram implementar experiência similar.
Através da disseminação dos resultados e da metodologia utilizada na pesquisa estão
sendo oferecido parâmetros para o estabelecimento de uma política publica que incentive a
integração da documentação como ferramenta imprescindível para os processos de
preservação do patrimônio no contexto nacional.

AGRADECIMENTOS

Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ


Fundação Casa de Rui Barbosa - FCRB
Valente: Laboratório de Ideias
Aptweb Tecnologias Ltda.

REFERÊNCIAS
BOERSMA, Foekje. Our Lord in the Attic: A Preventive Conservation Case Study. In
Newsletter 22.1.Spring 2007. Disponível em: http://www.getty.edu/conservation/
publications/newsletters/22_1/news_in_cons2.html. Acesso em: 21 de junho 2011.
CARVALHO, Claudia; CORDEIRO, Patricia. Relatório Geral do Plano de Conservação
Preventiva do Museu Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: NPARQ, 2010.
CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. 3ª ed. Rio de Janeiro: IPHAN, 2004.
ICOMOS. Principles for the Recording of Monuments, Groups of Buildings and Sites.
In 11th General Assembly. Sofia, Bulgaria, 1996.
LETELLIER, Robin. Recording, Documentation,and Information Management for the
Conservation of Heritage Places. Los Angeles: Getty Conservation Institute, 2002.

i
Dentro da linha de pesquisa Estratégias de conservação preventiva para edifícios históricos que
abrigam coleções, do grupo de pesquisa da FCRB/CNPQ "Museu-Casa de Rui Barbosa: memória,
espaço e representações".
ii
Produzido pelo Getty Conservation Institute, para a divulgação do processo de conservação em
parceria com o Museu Casa Our Lord in the Attic. Acesso em:
http://getty.edu/conservation/publications_ resources/teaching/case/olita/index.html

262
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

iii
Portable Document Format
iv
A Arquitetura de Informação cuida de projetar a estrutura, o esqueleto, de um website sobre o qual
todas as demais partes irão se apoiar. Na prática é projetar a infra-estrutura do website e
especialmente a sua navegação

263
CAMPUS VIRTUAL: FERRAMENTAS DE INTERAÇÃO COM
PATRIMÔNIO EDIFICADO DA UFRN.

Petterson Michel Dantas


Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
pettersonarq@gmail.com
Carla Varela de Albuquerque Araújo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
carlavarela_arq@yahoo.com.br

RESUMO
Este artigo apresenta uma experiência de utilização de softwares e serviços gratuitos on-line para
criação de ferramentas interativas de orientação no Campus Central da UFRN, através da produção
de modelos tridimensionais e registros fotográficos de edificações, de modo a contribuir com a
preservação da memória da UFRN. Foram empregados o SketchUp, programa utilizado para criação
virtual de modelos tridimensionais; o Google Earth, software capaz de apresentar um modelo
tridimensional e interativo, com localização de edificações, ruas etc., a partir de um reticulado de
imagens de satélite e aéreas, associadas a informações de georreferenciamento; e o Panoramio, que
permite armazenar e compartilhar fotos de locais diversos e associá-las a pontos georreferenciados.
Estes serviços possibilitam a localização e identificação de edifícios em qualquer parte do mundo e
podem ser utilizados de forma integrada como instrumentos de orientação espacial. Após modelagem
com o uso do SketchUp e registro fotográfico de edificações carregado para o Panoramio, tais
informações podem ser integradas na plataforma do Google Earth, tornando-se disponíveis para
qualquer pessoa que deseje realizar a consulta. Esta virtualização do Campus Central da UFRN
facilita a orientação dos usuários, além de representar uma iniciativa de preservação da memória e
valorização do patrimônio edificado da universidade.

Palavras-chave: Modelos tridimensionais. Registros fotográficos. Orientação espacial.

ABSTRACT
This paper presents an experience of free software and online services application for creating
interactive guidance tools at Central Campus UFRN, through the production of three-dimensional
models and buildings photographic records, to contribute to the preservation of UFRN’s memory. It
were used the SketchUp program utilized for creating virtual three-dimensional models; Google Earth
software capable of rendering a three-dimensional, interactive model, location of buildings, streets,
etc., from a lattice of satellite and aerial images associated with georeferencing information.; and
Panoramio, which allows you to store and share photos of various locations and associate them with
geo-referenced points. These services allow the location and identification of buildings all over the
world and can be used together as tools for spatial orientation. After modeling using SketchUp and
photographic record of buildings uploaded in Panoramio, such information can be integrated into
Google Earth platform, making it available to anyone who wishes to perform the query. This
virtualization of Central Campus UFRN not only facilitates guiding the users, but represents an
initiative of memory preservation and enhancement of the built heritage of the university.
Keywords: Three-dimensional models. Photographic records. Spatial orientation.

264
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

1 INTRODUÇÃO
Este trabalho apresenta resultados do projeto de extensão “Campus Virtual: Ferramentas de
interação com patrimônio edificado da UFRN”, desenvolvido na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte – UFRN, durante o ano de 2013.
Voltado para a criação de um banco de dados sobre a infraestrutura atual da instituição, o
projeto teve dois aspectos motivadores. Dada a importância da instituição no Estado do Rio
Grande do Norte, o primeiro deles foi a necessidade de registro do patrimônio edificado da
UFRN, de forma a concentrar diversos tipos de informação em um espaço virtual de ampla
acessibilidade.
Segundo Trigueiro (2008), os edifícios que abrigaram ou abrigam as atividades da UFRN
narram a história da arquitetura do século XX no Rio Grande do Norte e revelam como as
linguagens estilísticas nacionais e internacionais se manifestaram aqui, em episódios de
recriação e adaptação. Da criação da Universidade do Rio Grande do Norte no fim dos anos
1950 a partir dos estabelecimentos de ensino superior existentes no estado, à construção do
Campus Central de Natal, a instituição ocupou edifícios emblemáticos que ainda hoje
integram seu patrimônio.
De acordo com Newton Júnior (2008), a instalação da UFRN no campus universitário
localizado no bairro de Lagoa Nova se deu na década de 1970 e foi uma obra grandiosa
para época, abrangendo uma área aproximada de 130 hectares.
Desde a ocupação inicial do campus, vários novos cursos foram abertos na instituição, o
que repercutiu diretamente em sua estrutura física. Atualmente o Campus Central da UFRN
conta com área de aproximadamente 123 ha e uma população diária estimada em 42.146
pessoas, dentre estudantes de graduação e pós-graduação, servidores técnicos-
administrativos e docentes efetivos, além dos professores substitutos e visitantes (UFRN,
2014).
Assim sendo, a segunda motivação para o desenvolvimento deste trabalho foi a perceptível
dificuldade de orientação espacial de alunos e visitantes no Campus Central da UFRN. Além
da população que frequenta o campus diariamente, existem usuários ocasionais, uma vez
que habitualmente instituições de ensino superior sediam eventos acadêmicos, culturais e
esportivos de grande porte. Em função disso, diversas universidades costumam oferecer um
serviço online de tour virtual, que é uma maneira do visitante se localizar previamente nas
instalações da instituição, mecanismo esse ainda indisponível na UFRN.
Diante dos dois aspectos motivadores acima mencionados, o principal objetivo do projeto foi
a construção de um acervo virtual sobre a infraestrutura da UFRN que funcionasse, ao
mesmo tempo, como uma ferramenta interativa de orientação online para os diferentes
usuários da instituição. Em sua fase inicial, o projeto concentrou-se somente no Campus
Central e teria sua continuidade com a extensão para os demais campi da UFRN, assim
como para as unidades isoladas. Para atingir esse objetivo, foram realizados registros
fotográficos, construídos mapas e modelos tridimensionais das edificações do campus.
As tecnologias digitais, como a modelagem geométrica tridimensional, são ferramentas
acessíveis e de baixo custo, utilizadas em larga escala para realização de levantamentos
confiáveis e relativamente precisos em escala adequada (AMORIM, 2010), oferecendo
possibilidades de interação com mapas e edificações no campo virtual.
Para produzir o material necessário para o mapeamento das edificações e disponibilização
das informações para consulta na internet, foram utilizados serviços gratuitos disponíveis:
SketchUp, Google Earth, Google Maps e Panoramio. As fotos e modelos tridimensionais das
edificações do campus foram produzidos de acordo com os critérios estabelecidos para sua
exibição permanente no Google Earth e Google Maps. Após o período requerido para
análise, a grande maioria das fotos e modelos de edificações foi carregada
permanentemente para as referidas plataformas, tornando-se facilmente acessados.

265
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Para o desenvolvimento do projeto, a Pró-Reitoria de Extensão da UFRN concedeu duas


bolsas para alunos do curso de Arquitetura e Urbanismo e cerca de 10 alunos contribuíram
voluntariamente para no mínimo uma das etapas de produção do trabalho. Assim, além da
busca pelos objetivos mencionados, o projeto de extensão desenvolvido se desdobrou como
uma oportunidade para os estudantes explorarem procedimentos específicos de
representação do espaço, assim como um incentivo à utilização ferramentas gratuitas
disponíveis para modelagem tridimensional e georreferenciamento de edificações.
Embora a empresa Google tenha modificado suas políticas de publicação de modelos
tridimensionais no Google Earth e Google Maps no fim de 2013, o que comprometeu a
continuidade do projeto no formato inicialmente proposto, a disponibilização de informações
sobre a infraestrutura da UFRN tem facilitado a orientação de diversos usuários do Campus
Central e contribuído para divulgação e memória do patrimônio edificado da UFRN.

2 MATERIAL E MÉTODO
A primeira etapa realizada para desenvolvimento do projeto foi o estudo dos critérios de
aceitação para publicação definitiva de fotos e modelos tridimensionais nas camadas do
Google Earth e Google Maps e a interface entre as diferentes ferramentas empregadas:
SketchUp, Google Earth e Panoramio. No início do Projeto de Extensão Campus Virtual, já
existiam alguns modelos tridimensionais e fotos de edificações do Campus Central da UFRN
carregados para o Google Earth e Google Maps, contudo sem um padrão de tratamento
comum, pois foram produzidos por diferentes pessoas que já utilizavam esses serviços sem
ter necessariamente os mesmos objetivos.
O SketchUp é um programa destinado à criação de modelos tridimensionais virtuais
bastante utilizado para representação de projetos de arquitetura. Até 2012, pertencia à
empresa Google Inc., quando foi adquirido pela Trimble Navigation. O software dispõe para
os usuários uma versão gratuita e mesmo após sua aquisição pela Trimble Navigation,
conta com uma ferramenta de integração com o Google Earth para realizar o
georreferenciamento dos modelos produzidos.
O Google Earth é um software desenvolvido pela Google Inc., capaz de apresentar um
modelo tridimensional e interativo do globo terrestre. Através de um reticulado de imagens
de satélite e aéreas, associadas a informações de georreferenciamento, é possível
identificar e localizar edificações, ruas, praças, sítios históricos e outros elementos urbanos,
periurbanos e rurais.
O Panoramio, outro serviço do Google, permite fazer o armazenamento e compartilhamento
de fotos de locais diversos e associá-las a pontos georreferenciados no Google Earth e
Google Maps, possibilitando a visualização em detalhes das paisagens no entorno destes
pontos.
Os três serviços podem ser utilizados de forma integrada como instrumentos de orientação
espacial. Após modelagem com o uso do SketchUp e carregamento de fotos de edificações
no Panoramio, tais informações podem ser carregadas na plataforma do Google Earth,
tornando-se disponíveis para qualquer pessoa que deseje realizar a consulta.
Paralelamente ao estudo da integração dos instrumentos citados, foi criado um perfil do
projeto no Google para utilização dos serviços e definidos os padrões esperados para o
material a ser produzido. Para identificação dos produtos carregados para as plataformas do
Google, foi criada uma logo para o Projeto Campus Virtual (Figura 1).

266
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 1 – Logo do projeto Campus Virtual.

Fonte: Acervo Campus Virtual.

Após esta etapa de estudo e padronização, foram definidos os procedimentos para


execução do projeto:
a) Realização de curso de capacitação para bolsistas e voluntários:
Efetivado em uma parceria com o curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRN, abordou
os aspectos de integração entre o SketchUp e Google Earth e a publicação definitiva de
modelos na camada 3D do Google Earth;
b) Identificação das edificações contempladas no projeto:
A maioria de usuários que até então carregava modelos 3D para o Google Earth
realizava a modelagem com base apenas em fotos. Contudo, verificada a possibilidade
de acesso aos projetos arquitetônicos das edificações da UFRN por meio da
Superintendência de Infraestrutura – SIN, optou-se por produzir os modelos com base
nos projetos, obtendo-se assim, um resultado mais preciso. A ordem de escolha das
edificações se deu em função de dois aspectos: sua importância como ponto de
referência no campus, como por exemplo, o Centro de Convivência Djalma Marinho, a
Biblioteca Central Zila Mamede e os setores de aula; e a disponibilidade de dados sobre
as mesmas.
c) Levantamento de dados sobre as edificações:
Nesta primeira etapa do projeto, foram levantados apenas dados básicos da edificação:
nome, data de construção e autor do projeto arquitetônico; informações obtidas na
Superintendência de Infraestrutura da UFRN.
d) Registro fotográfico das edificações:
Para otimizar o tempo dos registros fotográficos, foram programadas visitas em campo,
preferencialmente aos sábados devido ao baixo número de veículos e pedestres no
campus. O Campus Central da UFRN foi dividido em zonas, distribuídas entre os
participantes para os registros das edificações selecionadas. O primeiro “mutirão
fotográfico” foi realizado em abril de 2013 com participação de bolsistas e voluntários.
Visto que para construção dos modelos 3D realistas é necessário produzir texturas com
imagens de cada fachada da edificação, no início do registro fotográfico foram dadas
orientações a respeito dos ângulos das fotografias com base nas recomendações do
SketchUp.
e) Modelagem das edificações com SketchUp:
Para modelagem tridimensional das edificações, foi realizado levantamento de dados e
projetos das edificações selecionadas para atualização do projeto original, em parceria
com a Superintendência de Infraestrutura (UFRN, 2013), e posteriormente as edificações
foram modeladas com o software SketchUp.
f) Produção de textura a partir de fotos e aplicação no modelo 3D:
Os registros obtidos nos mutirões fotográficos geraram imagens de cada uma das
fachadas da edificação que foram editadas com o software GIMP, principalmente para

267
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

reduzir a resolução e ajustar os ângulos, possibilitando assim a criação de textura para


aplicação na volumetria do SketchUp.
g) Carregar modelo 3D para Google Earth:
O Google Earth e o Google Maps apresentam um conjunto de requisitos para um modelo
ser aceito para exibição definitiva na camada 3D, visando garantir o aspecto fotorrealista
e não prejudicar o desempenho da plataforma (Figura 2). Para serem exibidos
permanentemente, os modelos devem representar estruturas reais, ter altura e escala
corretas, ser completos e texturizados com fotografias e corretamente alinhados com as
imagens do Google Earth; não devem incluir mais de uma estrutura, nem flutuar acima
do chão ou estar afundado nele; não devem conter publicidade ou spam, nem ser muito
complexos (GOOGLE, 2013). Assim, após modelagem e adequação aos padrões, os
modelos foram enviados às plataformas do Google e caso não fossem aceitos, poderia
haver correções ou ajustes para serem reenviados para revisão e julgados de acordo
com os critérios de aceitação.

Figura 2 – Procedimentos necessários para produção de modelos 3D e publicação definitiva na


camada 3D do Google Earth e Maps.

Registro Produção de Adicionar


fotográfico texturas localização por
meio da interface
do SkechUp com o
Google Earth
Produção de
Consulta ao projeto Avaliação do
modelos 3D com o
arquitetônico Google
SketchUp
Carregar o modelo
para o Armazém
3D, incluindo
Levantamento de informações sobre Publicação no
informações sobre a edificação Google Earth e
a edificação Maps

Fonte: Acervo Campus Virtual.

h) Carregar fotos para o Panoramio:


Após os registros fotográficos, a logo “Campus Virtual” foi inserida em cada imagem
selecionada e levantadas informações sobre a edificação, para posteriormente adicionar
a foto para o Panoramio, indicando sua localização e incluindo seus dados (Figura 3).
Além da política de fotos do próprio Panoramio, existem assuntos considerados
inadequados para exibição de fotos no Google Earth e Google Maps, tais como: fotos de
pessoas e animais; carro ou qualquer máquina; flores e detalhes de plantas; fotos
aéreas semelhantes ao de imagens dos satélites do Google Maps; eventos; interiores;
representações, como pinturas, logotipos etc. (GOOGLE, 2013).

268
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 3 – Procedimentos necessários para produção de fotos e publicação definitiva na


camada de fotos do Google Earth e Maps.

Registro
fotográfico

Inclusão da logo Adicionar foto Avaliação do


“Campus Virtual” para o Panoramio, Google
indicando sua
localização e
incluindo
Levantamento de informações sobre Publicação no
informações sobre a edificação Google Earth e
a edificação Maps
Fonte: Acervo Campus Virtual.

3 RESULTADOS
As premissas iniciais do projeto de extensão Campus Virtual visavam apenas dois tipos de
produtos: fotos e modelos tridimensionais das edificações do Campus Central. Contudo, em
função dos procedimentos necessários para seu planejamento, a execução do projeto
resultou em quatro tipos de produtos:
a) Mapa interativo para orientação do Campus Central da UFRN disponibilizado no
Google Maps;
Construído inicialmente para planejamento do projeto de extensão, o mapa do
Campus Central foi posteriormente configurado como “público” na plataforma do
Google maps (Figura 4).
Em uma consulta realizada, verificou-se que entre abril e outubro de 2013, o mapa
de orientação produzido foi visualizado 709 vezes. Menos de um ano após a última
consulta, este número multiplicou-se quase que 10 vezes. Buscas no Google com as
palavras “UFRN”, “mapa” e “orientação” tem atualmente como primeiro resultado o
mapa produzido pelo projeto Campus Virtual, que também pode ser acessado
diretamente pelo endereço:
«https://maps.google.com.br/maps/ms?msa=0&msid=218053254339725377634.000
4db9752167cf507e12&dg=feature»

b) Fotos de edificações do Campus Central da UFRN carregadas para o Panoramio;


Ao todo foram 57 fotos carregadas para o Panoramio e 55 permanentemente
incorporadas à camada de fotos do Google Earth e Google Maps (Figura 5).
Em uma consulta realizada em outubro de 2013, as fotos do Campus Virtual haviam
sido visualizadas 1232 vezes. Pouco menos de um ano depois, esse número chegou
a 2848. As fotos podem ser visualizadas pela navegação no Google Earth, no
Google Maps, ou acessando o perfil do projeto no Panoramio:
«http://www.panoramio.com/user/7646140»

269
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 4 – Mapa interativo para orientação no Campus Central da UFRN.

Fonte: Acervo Campus Virtual.

Figura 5 – Fotos carregadas para o Panoramio.

Fonte: Acervo Campus Virtual.

c) Modelos tridimensionais de edificações do Campus Central da UFRN carregadas


para o Armazém 3D;
Ao todo, foram 40 modelos carregados para o Armazém 3D e 16 permanentemente
incorporados à camada 3D do Google Earth (Figura 6).
Em uma consulta realizada, verificou-se que até outubro de 2013 os modelos
carregados tiveram 2272 visualizações e 466 downloads. Pouco menos de um ano
após a última consulta, este número aumentou para 3584 visualizações e 740
downloads. Os modelos produzidos podem ser acessados pelo perfil do projeto no
Armazém 3D:
«https://3dwarehouse.sketchup.com/user.html?id=1605870430510732309731119»
Além disto, os modelos podem ser visualizados no Google Earth, em mapas datados
de 2013, ano de desenvolvimento do projeto (Figura 7 e Figura 8).

270
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 6 – Modelos tridimensionais carregados no armazém 3D do SketchUp.

Fonte: Acervo Campus Virtual.

Figura 7 – Modelos tridimensionais carregados no Google Earth – Biblioteca Central Zila


Mamede, Centro de Ciências Humanas Letras e Artes - CCHLA.

Fonte: Acervo Campus Virtual.

Figura 8 – Modelos tridimensionais carregados no Google Earth – Escola de Ciência e


Tecnologia – ECT e Centro de Tecnologia - CT.

Fonte: Acervo Campus Virtual.

271
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

d) Curso de capacitação;
Após testes de registro e modelagem das primeiras edificações, foi necessário
estabelecer padrões para o material produzido. Isto foi possível com a realização de
um minicurso para apresentar etapas da modelagem tridimensional e aplicação das
fotos como textura, segundo os critérios do Google para exibição permanente nas
camadas 3D do Google Earth e Google Maps. O minicurso “Interface entre Google
Sketchup x Google Earth”, com carga horária de 3h, teve 20 participantes, em sua
maioria, estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRN e foi dividido em
duas partes:
Parte 01
- O que é necessário para enviar uma edificação para a camada 3D do Google Earth:
a experiência do Campus Virtual;
Parte 02
- Como georreferenciar um modelo do SketchUp;
- Como realizar estudo de insolação considerando o entorno real da edificação;
- Como modelar terreno no SketchUp integrado à topografia importada do Goolge
Earth;
- Como gerar um arquivo do Google Earth com o edifício modelado.

Com relação ao processo de modelagem, constatou-se que embora o Google Earth seja um
serviço muito acessível ao público e o SketchUp um software muito popular entre
estudantes e profissionais de Arquitetura e Urbanismo, a utilização desses instrumentos de
forma integrada abre espaço para exploração de aplicações ainda pouco difundidas entre
seus usuários, fato identificado no curso ministrado.
As visualizações de mapa, fotos e modelos superaram 13.000 e demonstram que existe a
necessidade de familiarização de estudantes, professores, visitantes e comunidade em geral
com as estruturas físicas do Campus Central da UFRN. Essas informações atualmente
estão disponíveis apenas nos serviços Google, logo, conclui-se que a grande maioria dos
usuários que chegou até elas estavam de fato fazendo buscas relacionadas à UFRN.
O download de modelos pode indicar o interesse da comunidade usuária do SketchUp, ou
do campo da Arquitetura, Planejamento Urbano e áreas afins, em utilizar o material
produzido no Projeto Campus Virtual em outros estudos ou modelagens, visto que, com 40
modelos de edificações carregados até o momento, já foram realizados cerca 740
downloads.
Em outubro de 2013, no final do plano de execução do Projeto Campus Virtual, o Google
decidiu por interromper o envio de modelos de edificações para a camada 3D, para
utilização de uma nova tecnologia de mapeamento tridimensional, a Imagery, que já estava
presente há mais tempos na representação de grandes cidades, como Nova York, por
exemplo. A implantação da nova ferramenta inviabilizou a publicação definitiva no Google
Earth dos 24 últimos modelos enviados pelo Campus Virtual.

4 CONCLUSÕES
As aplicações expostas nesta experiência ilustram o potencial da utilização de ferramentas
gratuitas e acessíveis ao público para criação de bancos de dados, modelagem
tridimensional e orientação espacial. Estas ações promovem um grande alcance do trabalho

272
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

desenvolvido, uma vez que os produtos resultantes são armazenados em plataformas que já
são naturalmente compartilhadas por um grande número de usuários.
Embora com aplicação no Campus Central da UFRN com o objetivo de criar um banco de
dados sobre a infraestrutura atual da instituição, o método empregado pode ser replicado
para outros universos de estudos e objetivos.
A construção de um acervo virtual a partir do mapeamento, registro fotográfico e modelagem
tridimensional de edificações da UFRN contribui para formação de um panorama do atual
patrimônio edificado do Campus Central da UFRN e preservação da memória da instituição.
Segundo Trigueiro (2008), além deste patrimônio ter grande representatividade
arquitetônica, somam-se a este fato a vinculação desses edifícios a eventos e pessoas
memoráveis, e a propriedade que têm os bens imóveis de informar sobre épocas de
formação e desenvolvimento da cidade.
Como continuidade deste projeto de extensão, pretende-se agrupar todos os produtos
atualmente armazenados nos serviços Google em um único endereço virtual e disponibilizar
mais informações textuais sobre as edificações representativas da UFRN. Dessa forma,
mapas, modelos tridimensionais, fotografias digitais e um serviço de tour virtual na UFRN
podem ajudar um visitante a se localizar rapidamente e ainda constituem uma base de
dados para pesquisadores e estudiosos da História da UFRN.

AGRADECIMENTOS
A UFRN pelos recursos cedidos ao projeto de extensão PJ113-2013 Campus Virtual:
Ferramentas de interação com patrimônio edificado da UFRN, durante o ano de 2013.

REFERÊNCIAS
AMORIM, Arivaldo Leão de. A documentação digital do patrimônio construído:
possibilidades e desafios. I ENANPARQ - I Encontro Nacional da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Dez 2010.
GASPAR, João Alberto da Motta. Google SketchUp Pro 8 passo a passo (em português).
São Paulo: [s.n.], 2010.
GOOGLE. Panoramio Central de ajuda. Panoramio política de foto. Disponível em:
<http://www.panoramio.com/help/acceptance_policy>. Acesso em: 04 mar. 2013.
GOOGLE. Sketchup Central de ajuda. Critérios de aceitação para a camada de
Construções em 3D fotorrealistas do Google Earth. 2013. Disponível em:
<http://support.google.com/sketchup/bin/answer.py?hl=pt-BR&answer
= 158683>. Acesso
em: 04 mar. 2013.
NEWTON JÚNIOR, Carlos et al. (Org.). Portal da Memória: Universidade Federal do Rio
Grande do Norte 50 anos (1958 - 2008). Brasília: Senado Federal, 2008.
TRIGUEIRO, Edja Bezerra Faria et al. Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. In: NEWTON JÚNIOR, Carlos et al (Org.). Portal da Memória: Universidade
Federal do Rio Grande do Norte 50 anos (1958-2008). Brasília: Senado Federal, 2008. p.
45-72.
UFRN. Superintendência de Infraestrutura da UFRN. Acervo de projetos de arquitetura da
UFRN. Natal, 2013.
UFRN. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. História. Disponível em:
<http://www.sistemas.ufrn.br/portal/PT/institucional/historia/#.U-U9AmMylBR>. Acesso em:
02 jul. 2014.

273
DIGITALIZAÇÃO TRIDIMENSIONAL DE ELEMENTOS
ARQUITETÔNICOS DO CONVENTO FRANCISCANO DE SANTA
MARIA MADALENA COM SOFTWARE DE FOTOGRAMETRIA
AUTOMÁTICO

Leandro dos Santos Magalhães


Escola de Arquitetura da UFMG – Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo - NPGAU
leandro@equipeb.com
Fernando Pacheco do Nascimento
Escola de Arquitetura da UFMG – Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo - NPGAU
fernandopacheco@gmail.com
Bernardo Alves de Brito Andrade
Escola de Arquitetura da UFMG – Mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio
bernardoabandrade@gmail.com

RESUMO
O presente trabalho aborda o processo de digitalização tridimensional de elementos arquitetônicos do
Convento Franciscano de Santa Maria Madalena em Marechal Deodoro – AL por meio dos recursos
1
de fotogrametria disponíveis no programa de computador Autodesk©, 123D Catch . Denomina-se
“fotogrametria” a técnica de restituição digital feita a partir de imagens, a qual está sendo utilizada
para criação do acervo digital do Museu de Arte Sacra de Alagoas e será apresentada nesse texto. O
programa de computador 123D Catch rompeu paradigmas de softwares similares antecessores a
partir do momento em que implementou um sistema automático e eficiente de correlação entre os
pixels¹ de fotografias complementares para agrupá-las no espaço tridimensional. Para alcançar esse
mesmo objetivo, softwares anteriores como o Photomodeler (MALARD 2005), demandam um
cuidadoso processo de costura entre as fotografias, sendo necessária a indicação manual dos pontos
de interseção entre as imagens. A relevância da experiência aqui descrita está na grande inovação
que representa ao demonstrar a utilização de uma ferramenta capaz de gerar modelos
tridimensionais digitais de objetos complexos a partir de fotografias simples. Este trabalho irá analisar
as funcionalidades do software, seus processos, produtos, e formas de utilização.
Palavras-chave: Fotogrametria, 3D, Digitalização, Museu, Convento, Acervo digital.

ABSTRACT
This paper discusses the process of scanning three-dimensional architectural elements of the
“Convento Franciscano” of “Santa Maria Madalena” in the city of Marechal Deodoro - AL throughout
techniques of photogrammetry resources available in the computer program Autodesk© 123D Catch.
We call "photogrammetry" the technique of digital restitution made up from images, which is being
used to create the digital collection of the “Museu de Arte Sacra de Alagoas” and will be presented in

1
Programa para computador, tablet e celular que utiliza uma sequência de fotografias de um mesmo objeto para
construir seu modelo tridimensional digital.

274
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

this text. The computer program 123D Catch broke paradigms if compared to similar previous
softwares when it implements an automated and efficient pixels correlation between photographs to
group them in the three-dimensional space. To achieve the same goal with the previous software
PhotoModeler (Malard 2005), it requires a careful process of seam between shots and manual
indication of the intersection points in each image. The relevance of the experiment described here is
the major innovation that demonstrates the use of a tool able to generate three-dimensional digital
models of complex objects from simple photographs. This paper will analyze the features of the
software, its processes, products and ways of use.

1 INTRODUÇÃO
Este artigo foi desenvolvido a partir dos estudos realizados pela equipe técnica envolvida no
projeto de museografia para o Museu de Artes Sacras de Alagoas. O edital licitatório foi
lançado pelo IPHAN/AL neste ano de 2014 e engloba os bens móveis integrados tombados
em conjunto com o Convento Franciscano de Santa Maria Madalena na cidade de Marechal
Deodoro – AL. Associada à proposta museográfica, o corpo técnico responsável pelo projeto
pretende elaborar também uma plataforma que permita a visitação digital do museu e dos
bens móveis tombados a partir da tecnologia de escaneamento ou digitalização
tridimensional (3D). Será apresentada nesse trabalho a metodologia de digitalização
utilizada que irá propiciar a visualização do acervo em três dimensões e por meio da qual os
usuários poderão girar as peças e ver detalhes minuciosos dos entalhes e baixos relevos
em pedra ou madeira.
Optou-se por incorporar ao trabalho algumas tecnologias de representação do espaço
aliadas às ferramentas computacionais, que fazem parte da pesquisa de mestrado do
arquiteto Leandro dos Santos Magalhães pela Escola de Arquitetura da UFMG. Neste caso,
especificamente, o foco está na metodologia de obtenção de modelos 3D a partir de
fotografias, a chamada fotogrametria (AMORIM 2012). Dado o caráter histórico e religioso
do complexo conventual de Marechal Deodoro veremos que o próprio edifício será
musealisado e, por isso, alguns de seus elementos arquitetônicos foram digitalizados em
três dimensões e encontram-se disponíveis para visualização em uma galeria criada com a
finalidade exclusiva de ser apresentada neste seminário.
O edifício deste estudo de caso passou recentemente por um processo de restauração que
foi concluído em 2013. Isso justifica o fato de grande parte de suas dependências e
elementos arquitetônicos estarem em excelente estado de conservação. Será possível
verificar que o material resultante da digitalização em 3D estabelece um parâmetro digital de
grande utilidade museográfica para futuras ações de conservação e restauração dos
elementos ao armazenar com riqueza de detalhes os aspectos volumétricos e cromáticos.

2 O CONVENTO
Figura 1 – Convento Franciscano de Santa Maria Madalena. a) Vista externa da fachada
principal a partir do adro. b) Claustro.

Fonte: Acervo dos autores, 2014.

275
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Localizado na cidade de Marechal Deodoro, primeira capital de Alagoas, o Convento


Franciscano de Santa Maria Madalena reflete a influência dos missionários dessa Ordem no
Nordeste brasileiro durante o período colonial. A construção do edifício atual teve início em
1684 quando o terreno foi oficialmente cedido aos franciscanos. A capela ficou pronta em
1689, mas as obras mais significativas do prédio foram realizadas apenas em 1723, quando
finalizou-se a execução da capela-mor e a capela do Santíssimo (lateral). Nesse mesmo ano
entraram em curso os serviços relativos às celas dos frades e à galeria superior do claustro.
A fachada principal da Igreja foi concluída em 1793. Os três altares colaterais foram
introduzidos em meados do séc. XIX, assim como as pinturas do forro e do nartex.
Em 1964, o complexo conventual foi tombado pelo IPHAN. O Convento de Marechal
Deodoro é o último representante da chamada Escola Franciscana do Nordeste, conjunto de
treze conventos da Ordem construídos ao longo do litoral dessa região e iniciados pelo de
Olinda/PE, em 1585. Tal escola é considerada a primeira manifestação de uma arquitetura
genuinamente brasileira (BAZIN, 1983), na qual os franciscanos adotaram soluções inéditas
ao adaptarem elementos e funções da vida monacal medieval e renascentista às condições
tropicais.
Quadro 1 - Listagem de alguns objetos que serão apresentados neste artigo
OBJETO DESCRIÇÃO

1. Pia de água benta Normalmente tem o formado de uma concha marinha, onde
a água benta é depositada, existindo uma em cada acesso
da igreja. Serviam para que o fiel se benzesse antes de
entrar no templo.
2. Púlpito Local onde eram proferidos os sermões e discursos em
ocasiões solenes;
3. Capela-mor e Altar do Os elementos mais trabalhados de todo o conjunto,
Santíssimo (lateral) desenvolvendo-se em estilo barroco, talhado com motivos
florais e elementos antropomórficos, folheados a ouro e
policromias;
4. Retábulos a) Retábulo lateral esquerda. b) Retábulo lateral direita. c)
Retábulo para crucifixo. (ver figura 2)
5. Pedestal Ornamento vertical em pedra torneada localizado na base
da escada principal.
6. Nicho com Utilizado para contemplação da paisagem, assim como o
conversadeiras mirante;
7. Cozinha Local da preparação das refeições coletivas no convento.

Figura 2 – Modelos 3D dos retábulos localizados no cruzeiro da nave: a) Retábulo lateral


esquerda, b) Retábulo lateral direita, c) Retábulo para crucifixo.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2014.


276
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

3 METODOLOGIA E DESENVOLVIMENTO
Para a obtenção automática de modelos digitais tridimensionais dos elementos
arquitetônicos do Convento a partir de fotografias deve ser aplicada a metodologia
adequada de captura de fotos. O próprio software utilizado (123D Catch) fornece as
orientações por meio de diversas mídias, incluindo vídeos explicativos. A partir da
compreensão destas orientações, a equipe técnica desenvolveu uma metodologia específica
para o trabalho que é coerente com os objetivos do material a ser produzido.
Recomenda-se que sejam feitas mais de 20 fotografias por objeto a ser digitalizado,
circundando-o por 360º horizontalmente e com no mínimo duas alturas diferentes de
posicionamento da câmera no eixo vertical. Em alguns casos, como o do Púlpito da capela
do convento, foi possível obter um modelo satisfatório com apenas oito fotos. A sequência
de fotos deve ser feita prevendo uma repetição de elementos para que o software consiga
correlacionar os pixels2 das imagens tornando possível a reconstrução da posição da
câmera na representação digital do espaço.
Figura 3 – Digitalização do púlpito. a) Imagem do modelo 3D gerado. Em magenta estão as
posições da camera em cada uma das oito fotos tomadas. b) Fotografia do púlpito. c)
Constituição da malha digital tridimensional em diversos polígonos

Fonte: Desenvolvido pelos autores, 2014.

Com relação ao pedestal, que tem uma geometria prismática quadrangular com ao menos
uma das faces ligada ao edifício (similar ao púlpito), foram realizadas 19 fotografias. Porém,
nesse caso, observou-se uma falha do software que gerou uma malha incompleta, sem
visualização da face voltada para escada. Isso se deve ao fato das fotos terem sido tiradas
distantes umas da outras, com um intervalo de ângulos não contemplados impedindo a
devida correlação entre pixels. Nesses casos, o programa apresenta a tradicional opção de
conectar os pontos manualmente.
Figura 4 – Digitalização do pedestal. a) Imagem do modelo 3D gerado com a falha. Em
magenta estão as posições da camera. b) Interface para correção manual. c) Faces bem
contruídas pelo software. Sem falhas.

2
É o menor elemento num dispositivo de exibição (como por exemplo um monitor), ao qual é possível atribuir-se
uma cor. (Wikipedia)

277
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Fonte: Desenvolvido pelos autores, 2014.

3.1 Equipamento e materiais utilizados


As fotografias foram obtidas por meio da câmera fotográfica SONY modelo DSC-HX200V. É
importante que o equipamento utilizado seja capaz de gerar imagens em alta definição e
resolução, porém o fundamental é o respeito às técnicas de tomada das fotos, visando o
bom aproveitamento das mesmas pelo software. O programa Autodesk©, 123D Catch está
disponível também para aparelhos celulares e tablets que possuem câmera, permitindo o
que o processamento de imagens ocorra diretamente.
Objetos ou ambientes que apresentam grandes áreas homogêneas podem confundir o
processo de digitalização do software. Nesses casos, faz-se necessário inserir novas
“marcas” no contexto físico ou entorno do objeto para que facilitem a identificação da
posição de cada fotografia. Para tal, foram utilizadas fitas adesivas que fizessem contraste
com o objeto a ser digitalizado. Adotou-se uma escala gráfica que permite a recuperação
e/ou aferição das medidas do modelo 3D (Figura 5c). O desenho da escala empregada
também foi coerente com o processo de identificação do software, adotando duas cores com
o maior contraste possível, o preto e o branco, e apresentando divisão em elementos de
tamanhos variados. Se, por exemplo, fosse estabelecido que a divisão seria em quadrados
de iguais dimensões, o software poderia se confundir e sobrepor quadrados semelhantes
por parecerem ser os mesmos. A escala é, portanto, um plano de medidas conhecidas com
desenhos de padrão “xadrez” não uniforme em alto contraste que evidencia a alteração da
perspectiva em cada ângulo fotográfico, servindo como referência para o trabalho
automatizado do software.
Figura 5 – Digitalização do nicho do mirante - conversadeiras. a) Constituição da malha de
polígonos do modelo 3D do assento do nicho. b) Modelo 3D completo do nicho. c) Medidas
da escala utilizada.

Fonte: Desenvolvido pelos autores, 2014.

278
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

A alteração da iluminação de uma foto para outra pode dificultar a identificação de pontos
similares entre as imagens e o modelo 3D não ficará completo. Nesta experiência, obteve-se
alguns resultados insatisfatórios com modelos incompletos, originados por uma iluminação
inadequada com reflexos fortes. Recomenda-se então o controle na iluminação do ambiente
e na captura da câmera. Estes parâmetros devem se repetir caso o objeto de interesse ou
outro projete sombras pois estas serão incorporadas à textura do modelo 3D. Deve-se ainda
prezar pelo estabelecimento de contraste apropriado entre figura e fundo.

3.2 Pós captura de fotos:


Após captura e envio das fotografias para os servidores da Autodesk©, é feito o
processamento das imagens (que ocorre também na nuvem 3) e o modelo tridimensional
resultante já é exibido na tela. Forma-se uma malha oriunda da triangulação de milhares de
pontos com as texturas devidamente mapeadas. Conforme mostra a Figura 6, o ambiente
do software traz uma representação gráfica da posição da câmera (em magenta) em cada
um dos ângulos das fotografias empregadas na reconstituição volumétrica. Esta
funcionalidade de reconstituição da posição da câmera nos permite verificar algumas
limitações no software nas extremidades do modelo 3D gerado. Ainda na Figura 6 deve-se
observar que a foto obtida do coro da igreja, e portanto em posição mais elevada que as
demais, possui um elemento que não foi contemplado no modelo 3D: o arco, que separa a
nave principal do altar. Observando tal fenômeno neste e em outros casos, percebe-se que
há uma dificuldade do programa em obter dados suficiente para reconstrução 3D nas bordas
das imagens. Assim, deve-se atentar para que a totalidade do objeto seja contemplada em
uma posição mais central na fotografia e que o enquadramento contemple uma margem de
segurança.
Figura 6 – Modelo 3D da Capela Mor. a) Imagem do modelo 3D gerado. b) Composição da
malha tridimensional. c)Destaque da fotografia com elementos descartados pelo software,
obtida de um ponto mais elevado, o coro. Em magenta estão as posições da camera.

Fonte: Desenvolvido pelos autores, 2014.

3 Utilização da memória e capacidades de armazenamento e cálculo de computadores e servidores


compartilhados e interligados por meio da Internet (Wikipedia)

279
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

4 ANÁLISE DOS MODELOS OBTIDOS

4.1 Aspectos qualitativos dos modelos 3D gerados:


Para iniciar o desenvolvimento de um novo modelo tridimensional a partir de fotos, utiliza-se
a função “Criar nova captura”, disponível no software. Nesse momento, as fotografias
obtidas são selecionadas e confirma-se o envio das mesmas aos servidores da Autodesk© .
Conforme relatado, boa parte do processamento dos dados ocorre na nuvem e, dessa
forma, o tempo gasto para a geração do modelo 3D depende diretamente da qualidade e
velocidade de conexão de internet. Neste caso trata-se de uma conexão contratada de 15
MB/S¹. A digitalização de um dos retábulos (Figura 2) no cruzerio da nave, por exemplo,
gastou 12 minutos até a obtenção final do modelo tridimensional.
Visualmente, o modelo 3D gerado pelo programa é bem detalhado e possibilita perceber
nuâncias de relevo um tanto delicadas. No entanto, esses detalhes são enriquecidos pela
qualidade do mapeamento das fotografias sobre a superfície, ou malha (mesh) criada. Se
observarmos o modelo 3D, sem as texturas, ficam evidentes as simplificações e
triangulações (Figura 7c). Os baixos relevos, por exemplo, são em maioria ignorados, mas
ficam bem representados quando a fotografia se sobrepõe.
Por isso, os modelos tridimensionais gerados por este software são suficientes para
objetivos que exigem detalhes modestos, não se aplicando para demandas de detalhes
milimétricos.
Figura 7 – Modelo 3D do altar lateral. a) Imagem do modelo 3D gerado. b) Composição da
malha tridimensional. c)Imagem do modelo sem as texturas na qual é possível perceber as
simplificações volumétricas.

Fonte: Desenvolvido pelos autores, 2014.

4.2 Aspectos quantitativos:


Verificou-se que a quantidade de fotos, apesar de muito relevante para a geração dos
modelos 3D, não gera impactos na complexidade dos mesmos. A quantidade de polígonos
depende da complexidade do objeto digitalizado, sendo mais complexos aqueles objetos
com maior quantidade de curvas e irregularidades. Objetos que são conformados por planos
mais regulares, como o caso do púlpito, geram modelos menores por necessitarem de
menos polígonos. Observando novamente a Figura 5 nota-se, no assento do retábulo, que
seu plano é construído com poucos polígonos de tamanhos maiores. Já as curvas que o
conformam apresentam grande acúmulo de polígonos. O modelo do altar principal (Figura 6)
é o mais complexo entre os apresentados e é, não por coincidência, o objeto também mais
complexo, dado a quantidade de detalhes entalhados na madeira e curvas, presentes tanto
no altar quanto no forro. Já o modelo da cozinha apresentou-se também maior, mas nesse

280
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

caso a própria dimensão do espaço foi preponderante, afinal, um modelo maior também
demanda grandes quantidades de polígonos.
Fig. 9 – Modelo 3D da cozinha. a) Malha de polígonos e posição da câmera. b) Modelo 3D

Figura 8 – Esquema de posicionamento dos itens digitalizados. Primeiro e Segundo


pavimentos do convento, respectivamente.

Fonte: Elaborado pelos autores.

A tabela abaixo relaciona aspectos quantitativos dos modelos tridimensionais. Buscou-se


estabelecer relações entre a complexidade dos objetos de interesse, quantidades de fotos
empregadas na geração dos modelos 3D e tamanho dos arquivos digitais.

Quadro 2 – Aspectos quantitativos dos modelos 3D obtidos


Item Fotos Tamanho Quantidade Legenda nas Figura
do arquivo de Polígonos plantas
.OBJ
Altar-mor (capela-mor) 76 10,7 MB 108.978 a 6
Altar (capela lateral) 28 6,3 MB 71.513 b 7
Altar/retábulo (lado do Evangelho) 15 2,91 MB 32.405 c 2
Altar/retábulo (lado da Epístola) 20 5,10 MB 46.414 d 2
Crucifixo (nicho na nave) 20 2,65 MB 26.064 e 2
Púlpito (nave da igreja) 8 1,45 MB 12.905 f 3
Pedestal (escada principal) 19 3,10 MB 33.958 g 4
Cozinha 21 7,50 MB 73.519 h 9
Conversadeiras (Mirante) 15 2,32 MB 24.603 i 5
Lavabo (sacristia) 15 2,00 MB 16.692 j 10
Fonte: Elaborado pelos autores.

281
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

5 DESDOBRAMENTOS E CONCLUSÕES
Os modelos digitais abrem diversas possibilidades de ações principalmente no sentido da
visitação digital do museu e seu acervo, educação patrimonial, divulgação e gestão do
acervo. A própria Autodesk©4, oferece em sua página diversas possibilidades para os
modelos 3D, que vão desde a produção de vídeo à integração com circuitos e prototipagem
rápida com impressoras 3D.
Apresentamos abaixo duas derivações que atestam as potencialidades de produtos obtidos
da digitalização ou escaneamento em três dimensões.

5.1 Estabelecimento de uma galeria virtual:


Pretende-se originalmente utilizar os modelos 3D de elementos arquitetônicos para
estabelecer um acervo digital que possa ser acessado por todos os interessados em
qualquer localidade. Para tal, foi desenvolvida uma galeria digital na plataforma gratuita de
internet denominada Sketchfab©. Esta plataforma opera com recursos WebGL e permite
interação com modelos 3D no browser – navegador de internet comum. Recomenda-se a
utilização do navegador Google Chrome© em sua versão mais atualizada. Assim, o leitor
que se interessar pode acessar o link: http://www.sketchfab.com/Leandroarquiteto

5.2 Realidade aumentada:


Outro recurso é o da realidade aumentada que também pode ser experimentado pelo leitor
que tenha interesse e utilize smartphone na plataforma Android©. A grosso modo,
“Realidade Aumentada” refere-se à incorporação de uma camada extra de informações
sobre a realidade. Neste caso, ao apontar a câmera do celular para uma marca – aqui
utilizou-se como exemplo a logomarca deste seminário – a mesma serve de referência para
a sobreposição do modelo 3D da pia de água benta do convento, com suas devidas
texturas. Assim, ao movimentar-se em torno da marca, a pia é visualizada de diversos
ângulos no aparelho e ocorre, portanto, a sobreposição da visualização 3D de um elemento
digital sobre a realidade.
Figura 10 – Realidade aumentada com modelo 3D da Pia de água benta. a) Captura da tela
do celular exibindo o modelo 3D sobreposto à marca. b) Celular apontado para a marca que
orienta a sobreposição da camada digital. c) Marca desenvolvida a partir da logomarca do
evento, usada para orientar sobreposição de modelo 3D digital à imagem real da câmera do
aparelho.

Fonte: Elaborado pelos autores.

4
Empresa desenvolvedora e proprietária do 123D Catch©.

282
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

A tecnologia de obtenção de modelos 3D está cada vez mais madura e vem caminhando
para uma simplificação e barateamento dos processos, o que é bastante positivo. Cabe
agora investigar possíveis fusões entre esta e outras capacidades computacionais no
sentido de aprimorar as ferramentas de gestão, observação, conservação e construção de
conhecimento sobre o ambiente edificado.
Finalizamos com a sugestão para que outros colegas que já trabalharam com os softwares
de fotogrametria antecessores do 123D Catch (e próximos que virão) que testem usar as
mesmas bibliotecas de fotografias neste novo recurso e por favor, divulguem os resultados.

AGRADECIMENTOS
Agradecemos à arquiteta Mariana Borel à EquipeB Arquitetura Design e Multimidias LTDA
ME e toda sua equipe, ao CNPq, ao NPGAU, ao professor Renato César Ferreira de Sousa,
ao IPHAN e à Arquidiocese de Maceió.

REFERÊNCIAS
AMORIM, A. L. . Fotogrametria: uma introdução 1ed.Brasília: Faculdade de Tecnologia da
Universidade de Brasília, 2012, v. 1, p. 63-90.
BAZIN, Germain. A arquitetura religiosa barroca no Brasil: Estudo histórico e
morfológico. Volumes 1-2. Editora Record: Rio de Janeiro, 1983.
IPHAN. CONVENTO FRANCISCANO DE MARECHAL DEODORO – Santa Maria
Madalena. Organização, Ana Cláudia Magalhães, Josemary Ferrare e Maria Angélica da
Silva. Brasília, DF: IPHAN, 2012.
MALARD, M. L. Fotogrametria simplificada - Photomodeler. 2005. (Desenvolvimento de
material didático ou instrucional - Manual de instruções.)
MUNIZ, Bianca Machado e MACHADO, Roseline Vanessa Oliveira. Alagoa do Sul de Vila
à Cidade: memórias urbanas na perspectiva da Cartografia Histórica. 1º Simpósio
Brasileiro de Cartografia Histórica. Paraty, 10 a 14 de maio de 2011.
SILVA, Maria Angélica da, e Magalhães, Ana Cláudia V. O Barroco como Horizonte e a
Paisagem vista do particular. Uma Prática dos Conventos Franciscanos do Nordeste
Anais do II Encontro Internacional de História Colonial. Mneme – Revista de Humanidades.
UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. ISSN 1518-3394. Disponível em
www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais

Sites:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Computa%C3%A7%C3%A3o_em_nuvem (Consultado em agosto
2014)
http://www.123dapp.com/catch (Consultado em agosto de 2014)
https://sketchfab.com/ (Consultado em agosto de 2014)
http://www.ceci-br.org/ceci/index.php (Consultado em agosto de 2014)
http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaInicial.do (Consultado em agosto de 2014)
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/alagoas/marechaldeodoro.pdf (Consultado em
agosto de 2014)
http://khristianos.blogspot.com.br/2013/09/museu-arquidiocesano-de-arte-sacra.html
(Consultado em agosto de 2014)

283
MODELAGEM GEOMÉTRICA DE EDIFICAÇÕES HISTÓRICAS:
ESTUDO DO ANTIGO COLÉGIO MARISTA DE SALVADOR

Cidinei Paulo Campos


Universidade Federal da Bahia – Faculdade de Arquitetura
cid.arq@hotmail.com

RESUMO
O trabalho aborda a história e as transformações físicas do Antigo Colégio Marista (situado no Bairro
do Canela em Salvador), focando na representação digital do prédio original (principal), com o uso do
software Sketchup Pro (versão 8). Grande parte dos dados deste trabalho (dados históricos, fotos e
cadastro) tem como fonte a dissertação do Mestrado Profissional em Conservação e Restauração de
Monumentos e Núcleos Históricos da UFBA, de autoria da arquiteta Aline dos Santos Rocha, cujo
tema é: Adaptação do Edifício do Antigo Colégio Marista à Sede da Reitoria do IFBA (concluído em
julho de 2013). Neste âmbito, faz-se uma explanação de sua história contextualizada com o bairro e
do edifício principal individualmente, no intuito de se entender as suas mudanças físicas de caráter
arquitetônico sofridas com o tempo e de promover o desenvolvimento de modelo geométrico do
mesmo, evidenciando sua configuração atual, dando ênfase ao detalhe se seus elementos
construtivos (colunas, cimalhas, balaústres, esquadrias, etc.). O modelo produzido é mais uma
ferramenta que auxiliará todo o processo de reforma e restauro do prédio em questão, visando sua
ocupação definitiva pela a reitoria do IFBA (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia).
Palavras-chave: História. Transformações físicas. Modelo geométrico.

ABSTRACT
The paper discusses the history and physical transformations of the Old Marist College (located in the
neighborhood of Canela in the Salvador), focusing on the digital representation of the original building
(main), using SketchUp Pro (version 8) software. Much of the data of this work (historical data, photos
and registers) has as its source the dissertation of the Professional Masters in Conservation and
Restoration of Monuments and Historical Centers of UFBA, authored by architect Aline dos Santos
Rocha, whose theme is: Building Adaptation Marist College Old Rectory to the Headquarters of the
IFBA (completed in July 2013). In this context, it is an explanation of a contextualized history with the
neighborhood and the main building individually in order to understand the physical changes of
architectural character suffered over time and promote the development of geometric model of the
same, showing their current setting, emphasizing the detail if its constructive elements (columns,
cornices, balusters, window frames, etc..). The model produced is another tool that will help the whole
process of reform and restoration of the building in question, seeking its final occupation by the rectory
of the IFBA (Federal Institute of Education, Science and Technology).
Keywords: History. Physical transformations. Geometric model.

284
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

1 INTRODUÇÃO
O antigo Colégio Marista de Salvador localiza-se no bairro do Canela, entre as ruas Araújo
Pinho, Marechal Floriano e Moreira de Pinho, como mostrado na Figura 1. O estilo
arquitetônico que caracteriza o prédio principal (na sua configuração atual) é uma mistura da
arquitetura eclética e a arquitetura moderna do início do século XX, já contando com
diversos elementos construtivos em concreto armado.
A edificação encontra-se provisoriamente tombada desde 2008 e aguarda uma decisão final
do Governo do Estado. Tal tombamento é fruto de reivindicações junto ao Instituto do
Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), advindas da Associação de Pais e Mestres
do Marista de Salvador (APAMEMA) para salvarguardar o colégio das “mãos” da
especulação imobiliária, uma vez que este fora posto a venda, ameaçando assim, a sua
integridade física.
O tombamento promoveu a desistência da compra do estabelecimento por parte das
grandes incorporadoras e possibilitou a compra pelo Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia da Bahia (IFBA), para implantação de sua reitoria, o que foi efetivado em 2010.

Figura 1 – Localização do antigo Colégio Marista

Fonte: Google Maps, editado pelo autor, 2014.

Este artigo visa estabelecer um melhor entendimento da evolução e das transformações


físicas do prédio, através da contextualização com o bairro e a comunidade, bem como das
principais alterações de caráter arquitetônico sofrida pelo prédio principal ao logo da sua
existência.
Por outro lado, espera-se, com este estudo, contribuir para que as intervenções necessárias
para a adaptação da edificação para atender aos requisitos da reitoria de uma universidade
possa conciliar a preservação do patrimônio arquitetônico e as suas nova funções
administrativas. Tal preocupação requer, além do cadastro métrico arquitetônico,
prospecções e registro fotográfico, a representação digital do prédio principal, com o
desenvolvimento de modelo geométrico da edificação, realizado através do software
Sketchup Pro, versão 8.
Assim, o trabalho tem como objetivo o entendimento das transformações físicas da
edificação, a formulação das hipóteses de evolução baseadas em evidências físicas e nos
documentos encontrados e, principalmente, o desenvolvimento dos modelos geométricos,
evidenciando a configuração atual da edificação, dando ênfase ao detalhe se seus
elementos construtivos, como: colunas, cimalhas, balaústres, etc. Espera-se que estes
modelos sejam mais um recurso a ser empregado no processo de reforma e restauro da
edificação, visando sua ocupação plena pela a reitoria do IFBA, conciliando da melhor

285
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

maneira possível a preservação do patrimônio arquitetônico e o desempenho das suas


funções administrativas.

2 ASPECTOS METODOLÓGICOS
O desenvolvimento do trabalho seguiu as seguintes etapas principais:
• Levantamento histórico, usando, na sua quase totalidade, fontes contidas em Rocha
(2013), uma dissertação do Mestrado Profissional em Conservação e Restauração de
Monumentos e Núcleos Históricos da Universidade Federal da Bahia (UFBA), concluída
em 2013, cujo tema é: Adaptação do edifício do antigo Colégio Marista à sede da
Reitoria do IFBA;
• Levantamento cadastral realizado por Rocha (2013) complementado com a atualização,
também cadastral, de alguns elementos arquitetônicos (colunas, balaústre, esquadrias e
cimalhas) que requereram melhor detalhamento visando a representação mais fiel dos
modelos. Para estes trabalhos, foram utilizadas trenas do tipo convencional e à laser;
• Registro fotográfico realizado por Rocha (2013) para a referida dissertação, com o uso
de câmera digital semiprofissional, complementado por novas fotos do autor, feitas com
uma câmara digital compacta (visando a melhor representação);
• Compilação das informações coletadas e formuladas as hipótese de evolução física da
edificação através de esboços, tomando-se como base a iconografia histórica e outros
documentos.
• Construção dos modelos geométricos, empregando-se os softwares AutoCAD e
Sketchup Pro, versão 8. O primeiro programa foi utilizado para a preparação das plantas
(foram deixadas nelas somente as linhas de paredes e esquadrias) e o segundo para a
execução do modelo geométrico, através da importação destas plantas já preparadas.
Para a modelagem de alguns elementos arquitetônicos, como por exemplo, colunas,
cimalhas e balaústres, usou-se diretamente o software Sketchup (utilizando-se do
cadastro), sem a necessidade do software AutoCad.

3 CONTEXTO HISTÓRICO
O contexto histórico é fundamental para o melhor conhecimento do empreendimento como
um todo. Aborda-se a seguir, um resumo da evolução histórica de forma separada: Do bairro
e da edificação principal.

3.1 Do bairro
A partir das pesquisas de Rocha (2013), pode-se estabelecer que a evolução urbana do
bairro do Canela deu-se segundo estes marcos:
• Chegada a Salvador no século XIX, das ideias modernistas do sanitarismo e do
saneamento, que promoveram investimentos no centro da cidade insalubre e saturado,
como também nas suas áreas de expansão, compreendendo obras de alargamento das
ruas existentes e de abertura de novas avenidas no sentido Campo Grande/Canela;
• Dadas as melhorias promovidas na área do bairro do Canela e a deterioração do centro
da cidade, há o deslocamento da elite burguesa da época, culminando com a construção
de sobrados com tipologia arquitetônica bem característico do período. Algumas poucas
destas edificações se mantem até hoje, desempenhando novas funções, como: a Escola
de Belas Artes, a Galeria Canizares, a Escola de Teatro, a Escola de Nutrição, todas
elas pertencentes a UFBA;
• Pela chegada ao antigo bairro do Canela da Faculdade de Medicina da Bahia, através
da compra da Chácara Bom Gosto, em 1918, para abrigar as suas novas instalações e o

286
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Hospital das Clínicas. Esta Faculdade particular, fundada em 1818, juntamente com a
incorporação dos cursos de Farmácia (1832), Odontologia (1864), Academia de Belas
Artes (1877), Direito (1891) e Politécnica (1896), vai dar origem a Universidade Federal
da Bahia alguns anos depois (website https://www.ufba.br/histórico). Apesar do aumento
crescente de moradores durante as décadas de 1920 e 1930, a consolidação da
ocupação do bairro do Canela se deu a partir da implantação da UFBA no local;
• Pela chegada, em junho de 1906, dos Irmãos Maristas ao Canela. Anteriormente, estes
ocupavam um espaço cedido pela Igreja de São Pedro dos Clérigos, no Terreiro de
Jesus e posteriormente uma casa, localizada no Corredor da Vitória, que passou a ser
utilizada como sede provisória do Colégio, até que foi adquirido em junho do mesmo
ano, o imóvel de número 12, sito à Rua do Canella, que pertencia ao Coronel Pedro
Emílio de Cerqueira Lima, família proprietária de outros imóveis na região.

Na Figura 2 observam-se duas fotos panorâmicas do bairro do Canela, com a indicação do


antigo Colégio Marista (setas vermelhas) adjacente ao Campus da UFBA, retratadas em
épocas diferentes da formação da malha urbana, sendo uma de 1948 e a outra sem a
indicação da data, mas que, dada as suas características (ainda não se observa um total
adensamento como o dos dias atuais), supostamente da década de 1980. Na Figura 2a,
nota-se uma paisagem de características bucólicas (presença de uma grande área verde),
enquanto que na Figura 2b, a mesma área já urbanizada.

Figura 2 – (a) Vista geral do Campus da UFBA no Canela em 1948, com o Hospital das
Clínicas à direita e Colégio Marista à esquerda; (b) Vista geral do bairro do Canela (data
desconhecida), com o Hospital das Clínicas ao centro e Colégio Marista à esquerda

Fonte: Fontes, 2010.

Na Figura 3 é possível observar a evolução do adensamento da malha urbana, o bairro e


sua vizinhança, através de fotos aéreas de diferentes épocas, ambas obtidas na Companhia
de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER).
Figura 3 – Fotografias aéreas do bairro do Canela: (a) 1959; (b) 1998

Fonte: CONDER.

287
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

3.2 Da edificação principal


A partir da pesquisa de Rocha (2013), observa-se que o Colégio teve sua origem no local de
uma residência, existente desde 1896, pelo menos. Esta foi comprada em 1906, para a
instalação do Colégio Marista (ESCRITURA..., 1906). A residência tinha características
neoclássicas: porão alto, simetria, janelas e portas com modenaturas em massa, porta com
verga em arco pleno destacando-se das janelas em verga reta. Na Figura 4 é possível
verificar a escadaria avançada e centralizada em relação à fachada. Após diversas
mudanças, tais características se perderam quase que completamente. Seria necessário,
provavelmente, uma prospecção visando a localização de possíveis vestígios arqueológicos
da citada residência.

Figura 4 – Interpretação através de croquis da residência da família Cerqueira Lima de


feições neoclássicas, antes da instalação do Colégio Marista

Fonte: ROCHA, (2013).

Em 1907, os irmãos acresceram mais dois pavimentos à edificação existente, sendo um


correspondendo ao sótão, no qual as aberturas se davam através de diversos óculos e três
janelas centrais, que compunham um pequeno frontão, como mostrado na Figura 5.

Figura 5 – (a) Proposta de acréscimo do segundo pavimento à edificação; (b) Foto após a 1a
ampliação

Fonte: (a) Fundação Gregório de Mattos; (b) website http://www.cidteixeira.com.br.

Em 1909, edificou-se ao fundo do terreno, um prédio térreo para abrigar o refeitório e a


cozinha do Colégio, com acessos pelo pátio interno e pela rua dos fundos, a atual Marechal
Floriano. Em 1918, foi realizada a extensão do edifício principal em direção aos fundos do
lote; até 1927, foi construída a varanda lateral e em 1936, já havia sido erguido o mirante
(utilizado como observatório). No final da década de 40, houve, numa mesma obra, a
demolição do sótão e o acréscimo da edificação em direção à parte da frente do lote, com a
construção de dois torreões laterais, ligados entre si, por varanda frontal (ver Figura 6).

288
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 6 – (a) foto de 1927, evidenciando que a varanda lateral já existia; (b) ilustração de
uma vista geral do colégio em 1978

Fonte: Acervo IFBA (autores desconhecidos).

Percebe-se que há diversos elementos típicos de épocas distintas, entretanto as


características que prevalecem correspondem ao período do início do século passado.
Atualmente, o imóvel possui a feição do período de transição entre a arquitetura tradicional
eclética e a moderna do início do século XX, denominada por alguns estudiosos, de
protomoderna: “[...] com feições de tardio ecletismo arquitetônico conjugado com a
protomodernidade que o uso do concreto armado conferiu às edificações da época.”
(SENNA, 2008).

Figura 7 – Fotografias recentes do antigo Colégio: (a) panorâmica; (b) fachada principal

Fonte: ROCHA, (2013).

4 A CONSTRUÇÃO DOS MODELOS GEOMÉTRICOS


A construção dos modelos partiu do entendimento da edificação principal em seu contexto
atual, considerando o cadastro atualizado desta, representado no AutoCAD. O desenho, em
formato DWG, foi importado via software Sketchup, sendo este, a ferramenta de modelagem
geométrica escolhida.
A partir da planta baixa importada (já no Sketchup), foi erguida parede por parede, com o
uso, por exemplo, do comando “Push / Pull”, obtendo-se modelos de superfícies (não
sólidas). Os elementos arquitetônicos como colunas e balaústres, foram modelados
diretamente no Sketchup, a partir dos esboços cotados, realizados no local. Foram utilizados
recursos de revolução (comando “Follow Me”), onde se determina um eixo de revolução e
sua geratriz. Posteriormente, faz-se o giro, seguindo uma linha ou um círculo de orientação,
formando-se um modelo geométrico (não sólido) do elemento (ver Figura 8).

289
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 8 – (a) Cadastro do balaústre frontal; (b) modelo geométrico do componente

Fonte: Elaborado pelo autor.

A edificação contém diversos tipos de colunas, todas com características próprias do estilo
dórico. A Figura 9 mostra os modelos de quatro diferentes tipos de colunas existentes nas
fachadas frontal e lateral da edificação. Para a execução destas, se utilizou dos dois
processos citados anteriormente (comandos: “Push / Pull” e “Follow Me”).
Figura 9 – (a) Esboço de uma das colunas; (b) modelos geométrico das colunas

Fonte: Elaborado pelo autor.

A modelagem de cada componente da edificação foi realizada separadamente. Desta forma,


colunas, balaústres e esquadrias, foram gerados como blocos, componentes
individualizados do modelo da edificação. Uma vez modelados, os componentes foram
inseridos no modelo geral do conjunto, como pode ser observado na Figura 10. No detalhe à
direita é possível observar a imagem com um melhor acabamento através do rendering
gerado com o plug-in V–Ray.

290
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 10 – (a) Modelo das esquadrias na fachada; (b) detalhe dos componentes já
inseridos

Fonte: Elaborado pelo autor.

Quando se compara as imagens geradas no Sketchup com e sem a utilização do plug-in,


constatam-se claramente as diferenças de acabamento entre estas, como fica evidente na
Figura 11. Na imagem da esquerda há a presença de linhas de contorno que destacam os
componentes modelados, enquanto que na direita observa-se uma transição mais suave
entre os componentes em função do tipo de acabamento (rendering) aplicado ao modelo
quando do processo de visualização.

Figura 11 – Dois tipo de rendering aplicados ao modelo: (a) acabamento padrão; (b)
acabamento com o plug-in V-Ray

Fonte: Elaborado pelo autor.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso das tecnologias digitais tem se revelado como um importante aliado para a
documentação do patrimônio cultural. No que diz respeito ao patrimônio arquitetônico, a
fotogrametria, o escaneamento a laser e os programas para modelagem da informação da
construção (Building Information Modelling - BIM) e, mais recentemente, o surgimento do
conceito de Historic Building Information Modeling (HBIM), vem evidenciando grande
importância deste tipo de modelagem para a proteção do patrimônio arquitetônico, seja
como simples documentação para visualização e preservação da memória, seja com
representação de informações técnicas para fins de restauro, manutenção e gestão desse
patrimônio.
Neste âmbito e no que diz respeito à tecnologia aqui empregada, destaca-se a facilidade
para a geração dos modelos (modelos de superfícies simples), porém com grande dispêndio
de trabalho para o processo de modelagem, haja vista a necessidade, na grande maioria
das vezes, de se desenhar linha por linha para a obtenção de uma determinada superfície.
Desta forma, sabendo-se que os modelos gerados não contêm as informações técnicas
suficientes para os processos, por exemplo, de restauro, condiciona-se somente como uma
documentação para avaliação e preservação da memória, somente auxiliando no

291
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

entendimento de sua configuração formal, ou na montagem de alguma intervenção que


requeira melhor compreensão em terceira dimensão, mostrando-se ao cliente mais leigo, a
intenção do projetista.
Embora não seja o foco deste trabalho, traçar paralelos de algumas tecnologias, entretanto,
dado o enfoque (modelagem), cabe, ao menos, fazer um pequeno comparativo entre o
Sketchup com ferramentas da plataforma BIM, como por exemplo: Revit, ArchiCAD e
Bentley Architecture. O primeiro, conforme observado neste trabalho, possui grande
limitação nos aspectos de topologia, semântica e interoperabilidade (gera-se somente
figuras geométricas destituídas de informações e parametrização) e os demais, quando
usados adequadamente, podem produzir modelos (BIM) de edificações históricas que
permitam o acompanhamento do ciclo de vida das mesmas - é a união de todos os dados e
informações em um único modelo, racionalizando todos os processos de criação de
quantitativos e orçamentos, minimizando a quantidade de retrabalho (KEHL; SIVIERO;
ISATTO, 2011).
Neste estudo foram obtidos modelos geométricos da edificação em seu estágio atual, sendo
interessante para um trabalho futuro, o desenvolvimento de modelos demonstrando as
sobreposições das mudanças físicas ocorridas ao longo do tempo, ou promover
comparações com os modelos obtidos por ferramentas da plataforma BIM e as
convencionais.
No que diz respeito ao tombamento, nota-se que tal fato causou polêmica por dividir a
opinião pública a respeito do mérito da salvaguarda do edifício, já que o mesmo não possui
grande valor artístico, sendo que a razão a qual moveu os solicitantes estava apoiada no
cunho sentimental e no significado que o local representava para um grupo restrito da
população (ROCHA, 2013). No entanto, independente do bem ser tombado de forma
provisória ou definitiva, ou de merecer ou não tal tombamento, não invalida o fato do mesmo
carecer de documentação (neste caso, por enquanto, através do Sketchup, AutoCad e
fotografias), sendo esta uma ferramenta de grande importância, não só para a memória do
monumento, mas, também, para o acompanhamento de seu ciclo de vida, facilitando nos
processos de reforma, restauro e nas manutenções preventivas e corretivas.

AGRADECIMENTOS
O autor registra os seus agradecimentos a todos que, direta ou indiretamente, colaboraram
para a realização deste estudo, em especial, a Aline Rocha, amiga e colega de trabalho, que
forneceu os dados essenciais para a realização deste trabalho.

REFERÊNCIAS
ESCRITURA de compra e venda entre Cel. Pedro E. de C. Lima e sua esposa e a Ordem
dos Irmãos Maristas das Escholas, Salvador, 28 jun 1906. Tabelião Affonso Pedreira de
Cerqueira, Arquivo Público do Estado da Bahia, L. 1130, F. 27-27V.
FONTES, Antônio Nelson Dantas. Breve histórico dos campi da Universidade Federal da
Bahia. 2010. 192 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Arquitetura, 2010.
KEHL, Caroline; SIVIERO, Luís Artur; ISATTO, Eduardo Luis. A Tecnologia BIM na
Documentação e Gestão da Manutenção de Edifícios Históricos. In: TIC, V.,2011,
Salvador, Bahia. Artigo… Faculdade de Arquitetura, Universidade FEEVALE, Escola de
Engenharia, UFRGS, NORIE, UFRGS, 2011;
Rocha, Aline dos Santos. Adaptação do edifício do antigo Colégio Marista à sede da
Reitoria do IFBA. 2013. 143 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal da Bahia,
Faculdade de Arquitetura, 2013;

292
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

SENNA, Francisco S. Parecer Técnico para Estudo de Tombamento do Antigo Colégio


Marista. Salvador, 2008;
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. Histórico. Disponível em:
<http://www.ufba.br/histórico. Acesso em: 08 agosto 2014.

293
PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE ARQUITETURA EM
ARQUIVOS PÚBLICOSO: O CASO DO PLANO DE AÇÃO –
PAGE (1959-1963)

BUZZAR, Miguel Antonio


Professor do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do IAUUSP
mbuzzar@sc.usp.br
CORDIDO, Maria Tereza Regina Leme de Barros
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa ARTAQBR (IAUUSP)
terecordido@ hotmail.com
SIMONI, Lucia Noemia
Prefeitura Municipal de São Paulo, Brasil,
Simoni.lucia@gmail.com

RESUMO
O trabalho tem como objetivo analisar a produção de edifícios públicos no Estado de São
Paulo, elaborados durante o Plano de Ação do governo Carvalho Pinto- PAGE (1959-
1963). Pretende-se além de analisar o que viabilizou a produção de equipamentos
modernos, discutir como uma ação governamental, até hoje quase desconhecida, constituiu-
se em um momento significativo da produção arquitetônica moderna no Estado de São
Paulo. Isto, na medida em que os arquitetos envolvidos, em boa parte desta produção, eram
comprometidos com a arquitetura moderna, como Vilanova Artigas, Paulo Mendes da
Rocha, Joaquim Guedes, Fábio Penteado, etc. Pelo desconhecimento do conjunto das
ações que caracterizam o objeto, lacunar apesar de envolver um montante de 646 obras de
prédios públicos com financiamento pelo IPESP, sendo que 520 foram entregues e
construídas durante o exercício do plano, a recorrência a fontes primárias através de
consulta a arquivos (IPESP, DOP, CPOS, FDE, Secretarias da Justiça e da Agricultura) foi
de fundamental importância para a leitura das obras arquitetônicas produzidas no período,
porque muitas delas encontram-se descaracterizadas e algumas demolidas. Unido às
informações constantes em processos administrativos, visitas técnicas e entrevistas o
trabalho busca agregar novos significados a produção da arquitetura moderna,
particularmente, no campo dos equipamentos públicos.
Palavras-chave: Edifícios públicos. Plano de Ação. PAGE. Arquitetura moderna. IPESP.

ABSTRACT
The work aims to analyze the production of public buildings in the State of São Paulo, developed
during the Action Plan of the Government Carvalho Pinto-PAGE (1959-1963). It is intended also to
analyze which enabled the production of modern equipment, discuss how government action almost
unknown until today constituted a significant moment in the modern architectural production in the
State of São Paulo. This, to the extent that the architects involved in much of this production, were
committed to modern architecture, as Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha, Joaquim Guedes,

294
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Fábio Penteado, etc. The ignorance of all the actions that characterize the object, lacunar despite
involving an amount of 646 works of public buildings funded by IPESP, and 520 were built and
delivered during the year of the plan, the recurrence of the primary sources through the query files
(IPESP, DOP, DMFS, FDE, Departments of Justice and Agriculture) was of fundamental importance to
the understanding of architectural works produced during the period because many of them are
disfigured and some demolished. Attached to the information contained in administrative, technical
visits and interviews work seeks to add new meanings to produce modern architecture, particularly in
the field of public facilities.

Keywords: public buildings. Plan of Action. PAGE. Modern architecture. IPESP.

1. INTRODUÇÃO
Este trabalho integra e é derivado da pesquisa em curso “Difusão da Arquitetura Moderna
no Brasil - O Patrimônio Arquitetônico Criado pelo Plano de Ação do Governo Carvalho
Pinto (1959-1963)” que conta com o aporte financeiro da FAPESP.
Conforme Giulio Carlo Argan, o historiador de arte ao realizar o seu trabalho em face do
evento obra de arte como documento a ser investigado, vivencia uma condição particular,
distinta do historiador que, por exemplo, investiga um momento pretérito qualquer, uma
guerra entre nações, a vida em uma determinada corte, etc. Ao historiador de arte, e deve
ser acrescentado ao historiador de arquitetura, é dada a possibilidade substantiva de
interpretar os eventos, face à face, e não “evocá-los, reconstruí-los, ou narrá-los”.
Entretanto o próprio Argan alerta que a leitura de uma produção artística por parte do
historiador, ou de uma produção arquitetônica, como neste trabalho, não pode abstrair a
reconstrução de “toda a cadeia de juízos que foram pronunciados a respeito das obras que
trata”. Cada obra para Argan acrescentaria ao conjunto, como no caso do Plano de Ação do
Governo Carvalho Pinto (PAGE) responsável por um programa de equipamentos públicos,
que possui uma historicidade, um acúmulo de leituras que informam o olhar e o pensamento
sobre ele. As interpretações feitas realizam-se num campo conceitual denso, culturalmente
disseminado do qual a obra de arte/arquitetura é parte constitutiva. Reconstruir os juízos
que teceram o campo cultural, portanto, seria reconhecer numa obra, ou num conjunto que
formaria a produção de um artístico ou de um arquiteto, ou ainda de um programa de
equipamentos, não apenas os valores dessa produção, mas o que comunica, como corpo
conceitual das análises feitas e os julgamentos que informavam a ação do produtor ou
produtores artísticos.
A arquitetura moderna brasileira conforma um grande campo cultural. Sua produção é
vastíssima, guardando vertentes, soluções e tipologias variadas. Entretanto, a historiografia
simplificou os seus valores e vertentes, ao transformar uma delas em sinônimo da
arquitetura moderna brasileira. Assim, a chamada “escola carioca”, passou a ser parâmetro
e resolução da “boa” arquitetura. Note-se que as qualidades dessa arquitetura são
inegáveis, entretanto, o julgamento de qualquer tipologia arquitetônica frente aos seus
valores estabeleceu um estreitamento cultural profundo.
Esta construção historiográfica Carlos Martins e Agnaldo Farias denominaram “trama
hegemônica da historiografia da arquitetura moderna brasileira”.
Discutindo a noção de trama, para Beatriz Sarlo:
“É a trama que define a pertinência das inclusões e das exclusões: na
realidade poderíamos dizer que não existe discurso sobre os fatos e sim
discurso sobre (das) tramas.”
(SALO, 1997)
Adotando a proposição da trama, o trabalho pretende analisar o lugar da produção
arquitetônica do PAGE, ou melhor, discutir a ausência dessa produção na historiografia da
arquitetura moderna brasileira. Para tanto, inicialmente o trabalho discutirá o modernismo

295
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

brasileiro, a arquitetura moderna brasileira, a formação do PAGE, para depois discutir sua
produção e o que ela revela.

2. MODERNISMO E O ESTADO NACIONAL: ALGUNS ASPECTOS DA ARTE E


ARQUITETURA BRASILEIRA
O Modernismo Brasileiro desde suas origens, tanto nas artes plásticas como na arquitetura,
estabeleceu duas constantes programáticas que abalizariam suas qualidades validando a
experiência moderna, em função ou não da presença destas invariáveis nos trabalhos
artísticos e arquitetônicos. Estas podem, grosso modo, serem definidas como o caráter
nacional da produção moderna local e o compromisso do modernismo com a modernização
do país.
As ligações da intelectualidade modernista brasileira com o Estado e, sobretudo, o Varguista
é, portanto, evidente. Ao estabelecer o nacionalismo como tema e nele a identidade
nacional como um projeto de sua realização, aliada a questão da superação do atraso
econômico-social, a intelectualidade buscou no Estado Varguista transformar postura em
ação, principalmente, em política de Estado para a cultura, campo no qual a intelectualidade
moderna pôde agir. 1 Isto não significou que a arquitetura moderna tenha se transformado na
arquitetura oficial do estado, mas este esforço da intelectualidade, nela incluído os
arquitetos, levou a ampla hegemonia moderna na década de 1950.
Os aspectos constituintes da arte e da arquitetura modernas brasileiras, reconhecidos os
propósitos veiculados em livros, revistas e toda sorte de publicações e, no caso da
arquitetura, desenvolvidos no âmbito estatal – abrangendo a esfera do Patrimônio, por
exemplo -, também conquistaram o ensino de arquitetura (na maioria das vezes, vinculado
ao próprio Estado através das escolas públicas), o programa de novos museus, as
entidades de classe, as entidades culturais, suas exposições e eventos das categorias.
Os livros e revistas que escreveram a historiografia moderna devem ser vistos como um
meio ativo de elaboração de interesses específicos, contemporâneos com os
acontecimentos culturais, econômicos e sociais que marcaram a história do país e com os
quais se articulava e impulsionava.
A historiografia da arte e da arquitetura modernas brasileiras pode ser entendida como uma
peça importante na elaboração de uma narrativa específica, a da cultura artística e
arquitetônica brasileira, como forma de identidade nacional, no interior de uma narrativa
maior, a da nação.2
A narrativa não é como não poderia deixar de ser, isenta de objetivos. As obras
arquitetônicas e artísticas deviam, pela forma e agenciamento espacial, exprimir a condição
e a singularidade nacionais, ou seja, representar a nação e, no caso a arquitetônica,
necessitava projetar para frente os limites da técnica construtiva, o que significava
experimentar ou propor materiais novos e formas de industrialização dos componentes
construtivos ou de racionalização de construção, que marcassem o compromisso com o
desenvolvimento do país no campo específico da materialização da profissão.
A articulação entre um impulso cultural, estabelecido pela historiografia, escolas,
instituições, revistas, exposições e eventos, somados a recepção, fábricas de materiais e a

1
O engajamento da intelectualidade com a identidade nacional mostrou-se bem-sucedido, em particular na
arquitetura, a ponto de escrever a sua história, gerando uma versão dominante. Analisando-a mais atentamente
verificamos que tal historiografia consiste em determinar e qualificar o momento de inflexão da atividade
arquitetônica no Brasil como, por exemplo, ocorreu com o arquiteto Gregori Warchavichk, ora considerado
apenas como pioneiro, ora como executor de uma arquitetura imatura.
2
Conforme o sociólogo Otávio Ianni, “A nação, em seus diferentes e múltiplos aspectos, pode ser vista como
uma longa narrativa. Uma narrativa a muitas vozes, harmônicas e dissonantes, dialogando e polemizando, em
diferentes entonações. São narrativas empenhadas em taquigrafar as diferenças e múltiplas características da
formação e transformação da sociedade nacional. (...)Todas, em diferentes gradações e entonações, contribuem
para o entendimento de como a nação se pensa e repensa, buscando constituir-se, explicar-se e imaginar-se.”
Ianni, Otavio, “Nação e Narração,” p.71, in: Antonio Candido: pensamento e militância, org. Aguiar, Flávio.

296
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

formação de um público de “consumidores” da produção moderna, que de forma incisiva


incorporou o aparelho de Estado, configurou um sistema de arte e arquitetura brasileiro
marcado pelo modernismo.

3. DIFUSÃO DA ARQUITETURA MODERNA: VALORES REALÇADOS PELA


HISTORIOGRAFIA
Apesar da unidade formal que a historiografia buscou estabelecer, houve diferenças entre
os arquitetos brasileiros e suas propostas, mas especificamente havia diferenças na forma
de pensar o Brasil e representar a nação através da arquitetura. Talvez uma das principais
inquietações da historiografia fosse a de invalidar as diferenças, ora as congregando, por
vezes sem explicitar a operação, ora “enfraquecendo” algumas produções. Várias críticas
nos anos 1950 eram dirigidas a Arquitetura Moderna Brasileira produzida fora de seu núcleo
principal.
Na difusão da Arquitetura Moderna, os valores realçados pela historiografia estão presentes,
entretanto, a arquitetura produzida os extrapola em muito. Um desses temas que fica aquém
dessas análises envolve a produção em que as constantes: nacionalismo e modernização
são visíveis como no Plano de Metas no país, ou em São Paulo, com o PAGE, onde a
noção social da arquitetura moderna produzida que ganhou grande destaque é pouco ou
quase nada conhecida. O PAGE vincula-se não pelo elemento social mais tradicional ligado
ao modernismo, isto é a habitação social, mas pelo viés dos equipamentos sociais,
principalmente, os equipamentos educacionais. Estes podem ser interpretados como marco
da formulação moderna em São Paulo. Além da casa, se a chamada escola paulista tem
uma marca esta é dada pelas suas escolas.
Em chave conceitual específica, segundo Tafuri, a gênese da arquitetura moderna supõe
que a arquitetura renunciando a um papel simbólico, ao menos no sentido tradicional e, para
evitar a sua própria destruição, descobre sua vocação científica. Ainda complementando a
sua linha de pensamento, afirma que deslocando o seu “lugar” tradicional a arquitetura
aceita tornar política a sua própria obra e, enquanto agentes políticos, os arquitetos devem
assumir a tarefa de invenção contínua de soluções de vanguarda aos níveis mais
generalizáveis, nesse giro o papel da ideologia torna-se determinante (TAFURI, 1981).
A tarefa de inventar soluções, ou representações, esteve presente em vários momentos, nas
ações e trabalhos de grupos de arquitetos que prestaram serviços ao PAGE. A hipótese
aqui levantada é que a produção de equipamentos públicos durante a gestão do governador
Carvalho Pinto no Estado de São Paulo (1958-1961), a partir do Programa de Ação (PAGE),
do ponto de vista da difusão da arquitetura moderna e dos compromissos que os seus
protagonistas estabeleceram, configura-se como um dos momentos mais ricos dessa
arquitetura. As obras feitas atravé do PAGE, valendo-se da hegemonia já alcançada pela
Arquitetura Moderna ao final dos anos 1950 possibilitaram a difusão moderna e o
desenvolvimento múltiplo de sua linguagem, não se limitando as edificações realizadas à
repetição de uma linguagem consagrada. A invenção de novas soluções para os programas
das edificações reforçou os compromissos programáticos dos arquitetos, na medida em que
como em poucos momentos a arquitetura moderna brasileira pode se valer para sua
consecução, de um conjunto de equipamentos públicos do porte que o PAGE efetivou.
Foram mais de 500 obras construídas ou reformadas, entre escolas, postos de saúde,
fóruns, casas de agricultura implantadas pelo estado, que identificavam a arquitetura
moderna com a modernização nacional, revestida de um caráter social, alimentando a
ideologia arquitetônica.

297
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

4. O PLANO DE AÇÃO: DIFUSÃO DA ARQUITETURA MODERNA NO ESTADO DE


SÃO PAULO
O Plano de Ação proposto para corrigir os problemas de um desenvolvimento desordenado
que gerava um desequilíbrio entre a capital e o interior, é também a expressão do
pensamento renovador cristão trazido pelo Padre Louis Joseph Lebret. 3
Articulando ideais desenvolvimentistas e humanistas cristãos, no início de seu mandato de
governador, Carvalho Pinto (011959-01/1963), lançou as bases do Plano de Ação do
Governo do Estado, PAGE, através do Decreto n. 34.656, de 12 de fevereiro de 1959, que
deveria levar o progresso ao conjunto do Estado com a implantação e construção de
serviços e equipamentos sociais. O Decreto no seu artigo 1º afirmava que as “As
Secretarias de estado e a Reitoria da Universidade de São Paulo apresentarão ao
Governador, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, exposição dos problemas
fundamentais relacionados com a execução de obras e serviços que lhe são afetos”.
Também através deste decreto era constituído junto ao Gabinete do Governador o Grupo de
Planejamento que deveria apresentar em 90 (noventa) dias, contatos a partir dos 60
(sessenta) dias indicados, um Plano de Ação do Governo do Estado, sendo responsável por
sua implantação e gestão.4
Com a principal justificativa de incentivar o desenvolvimento das “regiões atrasadas” 5 do
interior, foram propostos e executados: serviços básicos de saneamento e de infraestrutura
urbana, tais como água e esgoto, energia elétrica, uma série de edifícios Públicos para
Segurança, Educação e Saúde, em diversos municípios e serviços de infraestrutura
regional, ferrovia, rodovias, pontes,. No campo da infraestrutura energética o PAGE
propiciou o início da construção da Usina Hidrelétrica de Urubupungá, a realização das
obras nas usinas de Limoeiro, Euclides da Cunha, Barra Bonita, Jurumirim, Bariri, Graminha
e Xavantes e, em termos, de organização de um sistema de pesquisa criou a Fundação de
Amparo a Pesquisa - FAPESP.6
Para resolver questões administrativas, o PAGE criou um Grupo de Planejamento ad hoc
cuja competência entre outras funções era a de entrosar e coordenar os trabalhos de vários
setores administrativos para agilizar rotinas e evitar contradições e também duplicações de
serviços. Os técnicos pertencentes ao Grupo de Planejamento atuavam diretamente com o
gabinete do Governo e mediavam as relações e demandas das Secretarias. Cabia também

3
Carvalho Pinto e Plínio de Arruda Sampaio, coordenador do PAGE e Chefe de Gabinete eram filiados ao PDC
Partido Democrata Cristão, partido que se aproximou das propostas formuladas pelo movimento internacional
Economia e Humanismo, introduzido no Brasil pelas mãos do padre francês Louis Joseph Lebret seu criador.
Ver: COELHO, Sandro Anselmo, O partido democrata cristão (1945-1965): dilemas e inconsistência da terceira
via brasileira. Curitiba: mimeo. 2002. Lebret também dirigiu a Sociedade para Análise Gráfica e Mecanográfica
Aplicada aos Complexos Sociais (SAGMACS), reconhecida por trabalhar e pesquisar os problemas das
periferias da capital. Em entrevista ao grupo de pesquisa Arte e Arquitetura Brasil, diálogos da cidade moderna e
contemporânea da EESC-USP, em 2007, Plínio A. Sampaio e Francisco Whitaker Ferreira, arquiteto do grupo
técnico do PAGE, informaram a influência de Lebret nos fundamentos do PAGE. Whitaker começou sua vida
profissional trabalhando com Lebret. O arquiteto Celso Lamparelli que também participou do grupo técnico do
PAGE como responsável pela área da educação, em entrevista ao arquiteto Mário Henrique de Castro Cadeira
em 2004, corroborou a influência de Lebret com quem trabalhou nas pesquisas da SAGMACS.
4
Composição inicial do Grupo de Planejamento: Plínio Soares de Arruda Sampaio- Coordenador; Diogo Adolho
Nunes Gaspar - Economista, Secretário Executivo; Celeste Angela de Souza Andrade - Diretor Geral do
Departamento de Estatística do Estado; Paulo Menezes Mendes da Rocha - Professor Catedrático da Escola
Politécnica - U.S.P.; Ruy Aguiar da Silva Leme - Professor Catedrático da Escola Politécnica - U.S.P.; Antônio
Delfim Netto - Assistente da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas - U.S.P.; Sebastião Advíncula
da Cunha _ Do Departamento Econômico do B.N.D.E.; Orestes Gonçalves _ Chefe do Gabinete de Estudos
Econômicos e Financeiros da Secretaria da Fazenda; Ruy Miller Paiva - Engenheiro Agrônomo do Departamento
da Produção Vegetal da Secretaria da Agricultura.
5
PINTO, Carvalho, Mensagem apresentada pelo Governador Carvalho Pinto à Assembléia
Legislativa do Estado de São Paulo em 14 de março de 1961, São Paulo: Imprensa Oficial. s/d.
6
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo foi criada em 1960 (Lei Orgânica 5.918, de
18.10.1960) e começa a funcionar de fato em 1962 (Decreto 40.132, de 23.05.1962).

298
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

a eles um maior entendimento geral da máquina administrativa com o objetivo de se obter


dela os melhores recursos materiais e humanos.
Divididos em planos setoriais, com dotações específicas (fig. 1), em cada setor havia um
responsável técnico que mediava as relações entre as demandas das Secretarias e o as
ações do Grupo de Planejamento, coordenando toda dotação orçamentária programada
para cada Secretaria.

Figura 1: Gráfico da distribuição setorial de investimentos do Plano de Ação. As demandas das Secretarias eram
submetidas diretamente às avaliações do grupo técnico responsáveis pelos atendimentos setoriais ordenados
pelo plano. Fonte: PAGE, 1959.

Também era competência do Grupo técnico gerenciar os processos de desapropriação de


terrenos necessários às obras do Plano, definição de funções, estabelecer fluxograma,
prazos e acompanhar o andamento de processos e de trabalhos frente à demanda de vários
órgãos e unidades administrativas. Ao reestruturar e reorganizar internamente as
Secretarias criou novos órgãos administrativos. O Fundo de Construção Escolares
(FECE/1959) e o Fundo de Construção da Cidade Universitária foram estruturados neste
período, como também o Conselho Superior da Saúde responsável pela orientação sanitária
do Estado junto aos gabinetes técnicos da Educação, Agricultura e Saúde e a Secretaria da
Viação.

5. PAGE: PRODUÇÃO DE EQUIPAMENTOS PÚBLICOS


De acordo com o relatório do PAGE apresentado pelo governador, as demandas e
prioridades das Secretarias foram atendidas pela Comissão técnica e científica e Governo
do Estado selecionando primeiramente por reequipar e reformar as unidades existentes
além de efetuar convênios com entidades particulares para melhorar o funcionamento dos
seus equipamentos e solucionar seus problemas. Também foram construídas novas
unidades de atendimento pelo interior do Estado e reformas na capital; foram intensificados
programas considerados pela Comissão técnica que tivesse bom funcionamento. Um
exemplo disso foi o que ocorreu na Secretaria da Segurança, o Governo aperfeiçoou o
programa assistência jurídica gratuita e elaborou reformas no Judiciário especialmente
quanto da organização dos seus serviços pelo interior, onde foram construídos novos
Fóruns de Justiça.

299
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

No relatório apresentado à Assembléia em 1961, continha as seguintes quantificações de


edifícios em praticamente um ano de atividade do Plano: 19 Fóruns, 73 Cadeias e
Delegacias, 158 Obras escolares e 65 Obras para saúde. O levantamento do número exato
de equipamentos e suas especificações fazem parte da própria pesquisa em distintos
arquivos com os seguintes procedimentos:
I. Levantamento dos arquivos dos órgãos públicos que detém os projetos do
PAGE. Particularmente os arquivos do Instituto de Previdência do Estado de
São Paulo-IPESP, do extinto Departamento de Obras do Estado de São
Paulo-DOP que está sob a guarda do arquivo do CPOS (Companhia Paulista
de Obras e Serviços), da Secretaria da Agricultura, e da Fundação para o
Desenvolvimento da Educação- FDE, dentre outros;
II. Seleção das obras públicas que indiquem filiação moderna e das obras
ecléticas;

5.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Em termos metodológicos, o trabalho orientou-se através da pesquisa documental, que


incluí os processos das obras, os projetos arquitetônicos e completa-se com a pesquisa in
loco das edificações.
O pressuposto conceitual para a leitura dos projetos é o de que as obras de arte, incluindo
as arquitetônicas, são campos de significação, não são coisas em si, que nada representam.
Elas podem representar valores, ideias, projetos culturais, sociais e políticos. Assim sendo,
as obras arquitetônicas, por não serem consideradas coisas em si, podem representar e
emitir valores.
A seleção dos projetos pauta-se pela observação dos preceitos modernos, planta livre,
agenciamento dos ambientes baseados na fruição espacial, estrutura independente,
utilização de materiais novos, indicação de pré-fabricação (ou processos afeitos a
industrialização da construção), dentre outros, mas também, será atenta a não recorrer
exclusivamente à articulação mais consagrada destes preceitos, de forma a permitir que
uma pluralidade arquitetônica seja reconhecida.
Os principais arquivos e bibliotecas inicialmente são: Biblioteca da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da USP, Biblioteca da Escola Politécnica da USP, Biblioteca do Instituto de
Engenharia, Arquivo da CPPO, Arquivo da FDE e Arquivo da Secretaria da Agricultura.
O modelo adotado para os levantamentos nos diversos arquivos em que estão as guarda da
documentação dessa produção foi organizado por empreendimentos sendo este elaborado
com os seguintes critérios (fig.2)

300
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Fig. 2: Fichas de pesquisa.

Em processos administrativos que estavam no arquivo do IPESP (órgão em que foram


captados recursos financeiros para a construção das obras) foram registradas as
ocorrências tais como: modalidade de contratação do projeto e de construtoras; responsável
pela obra; o andamento da obra; problemas na obra; conclusão e o último laudo de vistoria
feito na obra. Também se registrava quando existentes elementos gráficos como plantas,
desenhos, mapas e fotos. Nele foram localizados 428 processos de 428 municípios. Onde o
grupo de pesquisa analisou 202 que estavam dentro do período PAGE sendo estes 162
projetos especiais, elaborados por arquitetos; 152 fora do período e 236 projetos
padronizados elaborados pelo DOP (Departamento de Obras do Estado de São Paulo) que
estavam no período de corte.
Nos arquivos onde está a guarda dos projetos originais elaborados para o PAGE,
(CPOS/DOP; FDE; Secretarias da Justiça e da Agricultura) após sua seleção estão sendo
digitalizados em extensão capaz de alimentar as fichas de pesquisa, publicações,
divulgação em meios eletrônicos, etc. Fig. 3

Figura 3: Serpentário. Fonte: Sec. da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

Outro procedimento técnico importante desse levantamento de fonte primária são as visitas
técnicas (in loco) que estão sendo feitas. Estas estão distribuídas inicialmente a partir das
regionais administrativas do estado e em cidades localizadas no seu raio de 150 km de

301
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

distância. Os municípios foram secionados a partir dos projetos autorais reconhecidos pelo
entrecruzamento de fontes pesquisadas.

Para se ter uma dimensão da distribuição dos equipamentos no território do estado e o grau
de complexidade dessa pesquisa está sendo elaborado mapas georeferenciados com as
localizações dos empreendimentos por cidade do estado.

Além disso, estão sendo realizados redesenhos de projetos (através de programas gráficos)
escaneados, cuja leitura encontra-se muito comprometida, maquetes eletrônicas de obras
construídas, maquetes produzidas por impressora 3D e maquetes produzidas através de
cortadora à laser. Os materiais produzidos através de meios eletrônicos comporão um site
sobre a produção do Plano de Ação, bem como a análise da mesma.

6. CONCLUSÃO PRELIMINAR
Apesar da grande produção moderna no país na década de 1950, o Estado de São Paulo
através de seus órgãos, não havia produzido nenhuma obra moderna, até a implantação do
PAGE, á exceção do edifício denominado E1 da Escola de Engenharia de São Carlos.
Todas as suas obras, até então, eram de extração eclética ou neocolonial.
Havia algumas edificações com uma organização espacial funcionalista, o que autores,
como Hugo Segawa, denominaram “vertentes racionalistas” (SEGAWA p.66), mas mesmo
quando isso ocorria, a linguagem das edificações tendia ao ecletismo mais tradicionalista,
que era baseado na reprodução de estilos pretéritos, por vezes vários em uma mesma
edificação. A historiografia da arquitetura moderna, não apenas obliterou vários arquitetos,
como omitiu casos significativos, como a permanência não moderna em alguns segmentos
importantes, como a produção de edificações do estado paulista, bem como a ruptura desta
situação, como no caso do PAGE. A historiografia da arquitetura moderna brasileira e
paulista apesar das diversas monografias e publicações atuais que buscam alargar o
conhecimento de autores e obras, reconhecendo novas produções, ainda sofre da carência
de textos analíticos e, por vezes, são em parte tributárias da trama hegemônica da
historiografia.
Há, por assim dizer uma memória seletiva da produção moderna, as obras que questionam
a historiografia são “esquecidas”. A produção do Page, cuja linguagem moderna é múltipla,
extrapolando as configurações da “escola carioca” impõe ao historiador rever conceitos e a
própria historiografia corrente, seus valores e parâmetros. As redes de equipamentos,
produzidas, dotaram o interior do estado de uma nova dimensão qualitativamente política e
social, redefinindo o lugar das cidades no território e estabelecendo para este um novo
padrão e uma nova dimensão espacial-administrativa.
O volume de obras produzidas durante o PAGE identificadas até o presente pela pesquisa
representa, aproximadamente, 7.000 novas salas de aula para o (antigo) primário, 1.100
para o (antigo) secundário, construção de edificações de ensino superior na Cidade
Universitária Armando Salles de Oliveira - USP, 113 Cadeias e Delegacias, 57 novos
Fóruns, 100 postos de Assistência Médica Sanitária, 308 Casas da lavoura, etc. Assim o
Plano de Ação não só espacializou uma ordenação do território do Estado de São Paulo a
partir de ações de serviços urbanos (as redes de equipamentos) associadas a obras de
infra-estrutura, estradas, hidrelétricas, etc, como produziu um patrimônio arquitetônico, em
grande parte moderno, que marcou as cidades do interior paulista, be como a própria
capital.

7. REFERÊNCIAS
ARANTES, O. B. Fiori e ARANTES, Paulo Eduardo, Um Ponto Cego no projeto Moderno
de Jurgens Habermas, São Paulo: Brasiliense, 1992.

302
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

ARGAN, G. C., História da Arte, in História da Arte como História da Cidade, São Paulo:
Martins Fontes, 1992, 1983, (traduzida pela Martins Fonte).
BRUAND, Y.Arquitetura Brasileira Contemporânea, São Paulo: Perspectiva, 1981.
FERREIRA, C. A. M. F., Arquitetura e Estado no Brasil - Elementos para uma
Investigação sobre a Constituição do Discurso Moderno no Brasil; a Obra de Lúcio
Costa (1924/1952). Mimeo. Dissertação de mestrado FFLCH-USP, 1987.
GIEDION, S. O Brasil e a Arquitetura Contemporânea. in Arquitetura Moderna no Brasil,
Rio de Janeiro: Aeroplano, 1999.
IANNI, O., Nação e Narração, p.71, in Antonio Candido: pensamento e militância, org.
AGUIAR, ., São Paulo: Editora Perseu Abramo/. Humanitas/FFLCH/USP,1999.
PINTO, C., Mensagem apresentada pelo Governador Carvalho Pinto à Assembléia
Legislativa do Estado de São Paulo em 14 de março de 1961, para a Lei nº 6.047, de 27
de janeiro de 1961, São Paulo: Decretos e Relatórios. Imprensa Oficial. s/d.
S/A, Segundo Plano de Ação do Governo, 1963-1966, São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado, 1962.
S/A, Estado de São Paulo, Plano de Ação do Govêrno- 1959-1963- Administração
Estadual e Desenvolvimento Econômico e Social, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado,
1959.
S/A, Exposição do Gov. Carvalho Pinto para a 4ª Reunião de Governadores com o
Exmo Senhor Presidente da República, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1961.
S/A, Mensagem apresentada pelo Governador Alberto A. de Carvalho Pinto à
Assembléia Legislativa do estado de São Paulo em 14 de março de 1961. São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado, 1961, vol I e vol. II.
SARLO, B., Clio Revisitada, in Paisagens Imaginárias, São Paulo: Edusp, 1997.
SEGAWA, H., Arquiteturas no Brasil, 19001-1990, São Paulo: Edusp, 1998.
TAFURI, M. - Teoria e História da Arquitetura, Lisboa: Presença/Martins Fontes, 1981.
ENTREVISTAS: Concedidas ao Grupo de Pesquisa “Arte e Arquitetura, Brasil – diálogos na
cidade moderna e contemporânea” (ArtArqBr)
SAMPAIO, P. de A., Plínio de Arruda Sampaio: depoimento [MAIO, 2007] Entrevistadores:
SIMONI, L. N.; BUZZAR M. A.
CASTALDI, I. G., Ivan Gilberto Castaldi: depoimento, [maio, 2007] Entrevistadores: M. T.
R. L. B.; BUZZAR M. A.
LAMPARELLI C. M., Celso Monteiro Lamparelli, depoimento, [abril, 2007] Entrevistadores:
SIMONI, L. N.; CORDIDO, M. T. R. L. B.; BUZZAR M. A.
VACCARI, M.; PASSOS, M.L.B.; Marcolino Vaccari, Maria Lúcia de Brito Passos [março
2007], Entrevistadores: 26/03/2007 - CORDIDO, M. T. R. L. B. e BUZZAR M. A.
PENTADO, F.M., Fábio Moura Penteado [abril, 2007] Entrevistadores CORDIDO, M. T. R.
L. B.; BUZZAR M. A.
FERREIRA, F.W. Francisco Whitaker Ferreira, [abril, 2007] Entrevistador; CORDIDO, M.
T. R. L. B.

303
A UTILIZAÇÃO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS NA
DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO

Mônica Martins Andrade Tolentino


Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo, FA-UFBA
monica.andrade@ict.ufvjm.edu.br
Bianca Feitosa Brito
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo, FA-UFBA
bianca.brito@live.com

RESUMO
O cadastro de um bem cultural tem como finalidade conservar a imagem e a história deste, visando
sua preservação. No Brasil, grande parte dos bens de valor histórico não foi devidamente
documentada e o número de técnicas e tecnologias utilizadas para o levantamento cadastral é
extenso. Dada a ausência de um sistema de cadastro e gestão do patrimônio arquitetônico que utilize
as tecnologias digitais de forma adequada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN) e pelos órgãos de preservação estaduais, busca-se estudá-las, compará-las e possibilitar
esta utilização, tornando o processo de documentação mais ágil, a gestão dos bens eficaz e a
preservação do Patrimônio efetiva. Neste artigo, descreve-se o levantamento da Capela de Nossa
Senhora do Vencimento utilizando medição direta e fotogrametria digital. Inicialmente, a planta baixa,
os cortes e as fachadas foram desenhados em AutoCAD, a partir do levantamento feito utilizando
medição direta. A necessidade de um maior detalhamento das fachadas exigiu novo levantamento.
Fotografias tomadas com uma câmara digital calibrada foram feitas para servirem de base para a
criação de ortofotos das fachadas. Utilizando o programa PhotoModeler, ortofotos foram geradas. A
partir da inserção destas no AUTOCAD, novas fachadas com maior riqueza de detalhes foram
desenhadas.
Palavras-chave: Cadastro. Tecnologias Digitais. Patrimônio Histórico. Fotogrametria. HBIM.

ABSTRACT
The registry of a cultural asset has the objective of keeping the image and the history of this asset with
a view to its preservation. In Brazil a great number of the assets with a historical value has not been
properly documented and the number of techniques and technologies used in the process of
registration is very great. Given the absence of a system of registration and management of the
architectural heritage, making adequate use of digital technologies, available to the National Institute
of Historical and Artistic Heritage (IPHAN), the author aims to study and compare the use of those
technologies, speeding up the documentation process, making the management of historical assets
efficient and the preservation of the historic heritage effective. In this paper, the author describes the
process of registration of the chapel of Nossa Senhora do Vencimento. Initially, the floorplan, the
sections and the façades were drawn in AutoCad, using data obtained by means of direct
measurement. The need for a better specification of details in the façades demanded a new gathering
of data. Photos taken with a calibrated digital camera were used as a basis for the creation of
orthophotos of the façades. Orthophotos were generated using the Photomodeler program. By
inserting these orthophotos in the AutoCad, new and much more detailed façades were drawn.
Keywords: Registry. Digital Technologies. Historical Heritage. Photogrammetry. HBIM.

304
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

1 INTRODUÇÃO
Oliveira (2008), no livro “A Documentação como Ferramenta de Preservação da Memória”,
alerta que:
Um dos instrumentos importantes para a preservação da memória é o seu
registro iconográfico, quer pelos métodos milenares, quer pelos processos e
instrumentos mais recentes que a ciência e a técnica do nosso tempo nos
trouxeram. Neste caso, desaparecido o objeto que testemunha o nosso
passado, a sua imagem pode substituir, embora parcialmente, a
necessidade imanente à natureza humana de manter contato com o que se
foi. Daí uma das várias utilidades das representações cadastrais como
forma de preservação da memória. (OLIVEIRA, 2008, p. 13).
Além disso, o cadastro feito com apuro e exatidão é a base sobre a qual serão elaborados
os projetos de intervenção, além de informar a evolução do bem, suas transformações e
deformações ao longo do tempo. Oliveira (2008) defende:
Para aqueles que se ocupam da análise histórico-crítica do monumento, os
cadastros são de primordial importância, pois podem permitir a leitura e o
entendimento das corretas proporções do projeto original e descobrir
eventuais traçados reguladores que comandaram a concepção da
arquitetura, perfeitamente resgatáveis a partir de uma boa representação.
(OLIVEIRA, 2008, p. 13).
O autor ainda revela que o levantamento cadastral não é uma operação que se encerra com
o levantamento rigoroso da geometria do bem, mas deve sofrer atualizações a cada
momento em que é encontrada uma informação nova.
A partir da experiência como Secretária de Obras da Prefeitura Municipal de Serro e da
Coordenação do Programa Monumenta na mesma cidade, além da pesquisa junto aos
órgãos competentes (IPHAN e IEPHA-MG), ficou evidenciado que não existe normatização
com relação às técnicas e tecnologias utilizadas para o levantamento cadastral de bens de
interesse histórico. Entretanto, alguns esforços vêm sendo feitos neste sentido.
Beirão (2011) cita a criação, pela Sociedade Internacional de Fotogrametria e
Sensoriamento Remoto (ISPRS) e pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios
(ICOMOS), do Comitê Internacional para Documentação de Patrimônio Cultural (CIPA),
visando a excelência na medição, documentação e monitoramento dos bens, além do
armazenamento adequado destas informações.
No Brasil, o IPHAN vem desenvolvendo e testando o Sistema Integrado de Conhecimento e
Gestão (SICG), criado para integrar os dados sobre o Patrimônio Cultural do Brasil. O
sistema está sendo desenvolvido nas plataformas Word e Excell, entretanto o IPHAN vem
trabalhando para a formulação de um sistema informatizado mais amplo, cujos usuários
serão, além do IPHAN, os estados, municípios e entidades parceiras (como universidades,
centros de estudo, museus, e outros).
Na Bahia, o Laboratório de Computação Gráfica Aplicada à Arquitetura e ao Desenho
(LCAD) da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBA), vem
desenvolvendo uma ação com o apoio das instituições responsáveis pela preservação dos
bens culturais no Estado e de parcerias internacionais, com o objetivo de apropriar e
desenvolver técnicas com o emprego de tecnologias digitais que buscam aprimorar e agilizar
o registro documental de bens arquitetônicos e integrados.
Persegue como objetivo mais amplo, a implantação de um de um Centro de Documentação
do Patrimônio Arquitetônico e de Bens Integrados, ligado à FAUFBA e em parceria com os
órgãos relacionados ao patrimônio cultural que atuam na Bahia.
No artigo intitulado “Um centro de documentação do patrimônio arquitetônico”, os autores
Amorim, Groetelaars e Lins (2008) defendem a criação do Centro e explicam:
Sob o aspecto das tecnologias utilizadas, o Centro estará estruturado em

305
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

torno da pesquisa, da aplicação, da difusão de tecnologias digitais de ponta


para o levantamento, o processamento, o armazenamento e a divulgação
deste acervo arquitetônico. Dentre as principais tecnologias para o
levantamento e o processamento dos dados provenientes dos acervos
arquitetônicos, destacam-se a Medição Direta, a Modelagem Geométrica
Tridimensional, a Fotogrametria Digital, o 3D Laser Scanning, os Sistemas
de Informações Geográficas e os Sistemas Hipermídia. (AMORIM;
GROETELAARS; LINS, 2008, p. 201).
Tomando como exemplo o que vem acontecendo na Bahia, este artigo visa estudar e
comparar os métodos tradicionais de registro documental e aqueles baseados em
tecnologias digitais. Este estudo auxiliará na definição de quais técnicas deverão ser
utilizadas para cada tipo de edificação a ser documentada, tornando o processo de registro
mais ágil, a gestão dos bens mais eficaz, e a preservação do patrimônio arquitetônico mais
efetiva. Neste artigo, descreve-se o levantamento cadastral através da medição direta e da
fotogrametria digital, da Capela de Nossa Senhora do Vencimento, localizada no município
de São Francisco do Conde, na Bahia.

2 O CONTEXTO TECNOLÓGICO
O número de técnicas e tecnologias utilizadas para o levantamento cadastral é extenso e a
escolha daquela que deverá ser utilizada em cada situação depende de fatores tais como a
localização do bem, sua dimensão, a precisão pretendida, dentre outros aspectos. Entre as
principais técnicas já consolidadas, pode-se destacar:
• Medição direta: é tradicionalmente executada com o auxílio de instrumentos simples,
como trenas, fios de prumos e níveis. Sobre os esboços do objeto a ser cadastrado são
anotadas as dimensões levantadas. Atualmente é possível trabalhar com instrumentos
de medição automatizados, como as trenas, níveis e goniômetros eletrônicos, que
aumentam a precisão e reduzem o tempo do trabalho em campo.
• Modelagem geométrica: permite o registro e a visualização tanto de modelos
simplificados quanto de objetos sofisticados, com alto nível de realismo. Pode ser
executada a partir de modeladores tridimensionais, como AutoCAD, ou a partir de
programas para Fotogrametria Digital.
• Fotogrametria: possibilita extrair das fotografias a geometria dos objetos com alto grau
de precisão. O objeto é fotografado e através de um software específico, como o
PhotoModeler, é realizada a restituição fotogramétrica, permitindo gerar representações
2D (desenhos) e (3D) modelos geométricos.

Dentre outras tecnologias e técnicas apresentadas e discutidas em vasta bibliografia, mas


ainda não tão frequentemente utilizadas para o cadastramento de bens de interesse
histórico, pode-se destacar:
• Sistemas de Informações Geográficas (SIG): recurso que permitem coleta, gestão,
análise e representação automatizada de dados georreferenciados. Úteis para o
gerenciamento da documentação cadastral e como ferramenta de apoio à gestão.
• Cadastro Territorial Multifinalitário (CTM): conjunto de dados gráficos e descritivos de
uma determinada região, contendo informações corretamente georreferenciadas.
Possibilita o conhecimento detalhado sobre todos os aspectos levantados e orienta e
sustenta as decisões da administração pública.
• Volunteered Geographic Information (VGI): utiliza websites como Wikimapia e
OpenStreetMap para criar, reunir e disseminar informações geográficas geradas por
cidadãos comuns de forma voluntária e independente. Qualquer pessoa com uma
conexão à internet pode selecionar uma área na superfície da Terra e provê-la com uma
descrição, incluindo links para outras fontes. O conjunto destes dados fornece

306
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

informações valiosas sobre o contexto de cada localidade.


• Laser Scanning: constitui o estado da arte para a aquisição e tratamento de dados para
levantamento de edificações. Os dados são coletados pelo scanner e processados por
um software que determina a posição de cada um dos pontos levantados sobre a
superfície do objeto, gerando um modelo geométrico formado exclusivamente por
pontos. O conjunto destes pontos é denominado “nuvem de pontos”. Posteriormente,
com a utilização de programas específicos, este conjunto de pontos servirá de base para
a modelagem geométrica dos objetos levantados com alto grau de realismo e nível de
precisão.
• Building Information Modeling (BIM): paradigma avançado de trabalho colaborativo, que
usa um modelo criado a partir de informações coordenadas e consistentes. Enquanto as
ferramentas CAD focam apenas o projeto e a representação da edificação, a modelagem
da informação da construção (conforme a tradução de BIM adotada pela ABNT),
pretende dar conta de todo o ciclo de vida da edificação, e este é um aspecto que se
presta muito bem ao patrimônio arquitetônico na medida em que permite cadastra-lo,
estuda-lo, modifica-lo e mantê-lo para as futura gerações. Além disto, o BIM possui
outras excelentes características, tais como: visualização 3D e animações, a automação
da produção de documentos (projeções ortográficas, cortes, seções, detalhes, relatórios,
listagens, etc.), simulações de desempenho estrutural, energético, ambiental, e de
custos. Os objetos paramétricos (tais como janelas, portas, paredes, telhados, etc.) não
são definidos isoladamente, mas como parte de sistemas que mantem relação e
interação com os outros objetos.
• Historic Building Information Modeling (HBIM): extensão do conceito BIM, normalmente
usado para analisar o ciclo de vida de uma edificação, o HBIM visa a documentação, a
análise e a conservação de edifícios históricos. Segundo Dore e Murphy (2012, p. 369),
o HBIM contempla um processo que envolve uma solução de engenharia reversa onde,
inicialmente, os elementos arquitetônicos são mapeados usando um laser scanner ou
fotogrametria. Em seguida, os dados levantados são ajustados a objetos paramétricos,
gerando o “modelo completo” da edificação. O produto final HBIM, é o modelo
geométrico da edificação, contendo o nível de detalhes requerido, associando aos
componentes construtivos, seus materiais constituintes e propriedades, além das
relações entre os vários componentes do edifício. A partir daí, vistas, cortes, detalhes,
elevações e perspectivas e outros tipos de modelos poderão ser gerados, possibilitando
a análise e contribuindo para a conservação de edifícios históricos.

No Brasil, o Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão (SICG) vem sendo desenvolvido


pelo IPHAN para integrar os dados sobre o Patrimônio Cultural do Brasil. Estruturado em
módulos (“Conhecimento”, “Gestão” e “Cadastro”), o sistema propõe o preenchimento de
fichas para captura e organização das informações. O website esclarece: “Os módulos
foram idealizados para permitir uma abordagem ampla do patrimônio cultural, partindo do
geral para o específico, com recortes temáticos e territoriais, e possibilitando a utilização de
outras metodologias.” (IPHAN, 2013).
O IPHAN demonstra, ainda, intenção de criar uma “cartografia do Patrimônio”, “[...] uma vez
que todos os bens serão georreferenciados e classificados conforme sua categoria e
recortes temático e territorial dos estudos.” (IPHAN, 2013). Entretanto, não foi possível
saber, até o momento, como este objetivo será alcançado. Fica claro, pela análise das fichas
propostas, que existe um grande trabalho a ser feito. Estas são baseadas em Word e Excell,
e os dados cadastrais são inseridos como imagens, não podendo ser manipulados. Seria de
fundamental importância que o sistema permitisse a análise e a manipulação de dados, o
que tornaria possível gerar novas informações e não só recuperá-las do banco de dados.
Acredita-se que um estudo comparativo e a consequente definição da melhor técnica ou
tecnologia a ser utilizada para o levantamento e gerenciamento de informações cadastrais

307
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

garantiria uma maior uniformidade dos produtos resultantes, gerando uma base de dados
confiável e de fácil manipulação para técnicos e pesquisadores do Patrimônio Histórico.
Pretende-se estudar e comparar os métodos tradicionais de registro documental e as
tecnologias digitais de forma a auxiliar aos técnicos responsáveis a escolherem com
segurança a melhor técnica a ser utilizada para o levantamento cadastral de um bem
específico e o gerenciamento da documentação gerada, tendo como parâmetros a
localização (relacionada à acessibilidade), a disponibilidade de recursos, equipamentos e
pessoal técnico, o grau de comunicabilidade com a comunidade onde está inserido, dentre
outros.
Neste artigo, descreve-se um levantamento cadastral utilizando duas destas técnicas: a
medição direta e fotogrametria digital.

3 CAPELA DE NOSSA SENHORA DO VENCIMENTO


A Capela de Nossa Senhora do Vencimento é o único templo brasileiro dedicado à santa
portuguesa. A Figura 1 mostra o monumento no estado de abandono em que se encontra, cuja
imagem foi capturada em junho de 2014.

Figura 1 – Capela de Nossa Senhora do Vencimento

Fonte: Tolentino, 2014.

Pertencente ao antigo Engenho Paramirim, a capela foi construída no século XVIII, e


reformada no final do século XIX. Azevedo (2012), assim descreve o monumento:
Possui planta com nave e capela‐mor, ambas com a mesma largura, que
são ladeadas por galerias laterais com arcos e sacristias. Os telhados
terminam sobre cornijas, com exceção das galerias que apresentam
platibandas vazadas. A fachada principal foi refeita. Uma portada aparatosa
em estuque rompe a cornija e termina no frontão. Ao nível do coro, existem
janelas apenas nas torres. Merece destaque os bulbos de tipo bizantino que
servem de terminação às torres e são revestidos de azulejos industriais,
assim como a janela com gelosia que liga a capela‐mor à sacristia direita. O
forro da nave é plano e o da capela‐mor em abóbada abatida. O altar
principal é neoclássico, em estuque. Barras de azulejos semi‐industriais
revestem a nave e capela‐mor, que possuem piso de mármore. Possui um
lavabo de lioz do século XVIII e pia batismal em mármore de carrara. As
imagens originais estão guardadas na Usina Cinco Rios, do mesmo
proprietário. A capela está situada sobre uma elevação, a cavaleiro de uma
extensa área verde e do povoado de Paramirim. Ao lado da sua fachada
leste, estão as ruínas da antiga casa‐grande do engenho e, ao lado da
fachada oeste, pequenas casas que servem atualmente de residências para

308
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

os lavradores da fazenda. (AZEVEDO, 2012).


No estado da Bahia, o Inventário de Proteção do Acervo Cultural (IPAC/SIC), foi executado
na década de setenta do século XX, sob coordenação do arquiteto Paulo Ormindo de
Azevedo. Trata-se de um inventário sistemático que inclui os bens tombados e também
monumentos não reconhecidos como tal, mas considerados como ameaçados. Lançado em
1975, ainda hoje o Inventário é um instrumento de referência, destinado a facilitar a tarefa
de preservação no Estado. Pesquisou-se a Capela de Nossa Senhora do Vencimento,
objeto deste estudo, no referido inventário e verificou-se que a mesma não consta do
documento (IPAC, 2014).
Nos dias de hoje, o Sistema de Informações do Patrimônio Cultural da Bahia (SIPAC) é o
instrumento de gestão, difusão e compartilhamento de informações desenvolvido para
atender as demandas que envolvem o patrimônio cultural do Estado, e pode ser acessado
via web. Neste sistema, o município de São Francisco do Conde, pertencente à região do
Recôncavo, e conta com cinco bens protegidos. A Capela de Nossa Senhora do
Vencimento, mais uma vez, não é incluída nesse registro (IPAC, 2014).
As Figuras 2, 3 e 4 mostram o monumento no estado em que se encontrava em julho de
2014.

Figura 2 – Capela de Nossa Senhora do Vencimento

Fonte: Amorim, 2014.

Figura 3 – Capela de Nossa Senhora do Vencimento

Fonte: Amorim, 2014.

309
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 4 – Capela de Nossa Senhora do Vencimento

Fonte: Amorim, 2014.

Tendo em vista a importância do bem, dada a sua excepcionalidade arquitetônica e histórica


(relacionada ao ciclo do açúcar), a falta de documentação e o estado de degradação em que
se encontra o bem, faz-se necessário um levantamento detalhado do mesmo.

4 LEVANTAMENTO E PROCESSAMENTO DOS DADOS


Foram feitas duas visitas ao local. Durante a primeira, realizada nos dias 6 e 7 de junho de
2014, foi realizada a conferência, pelo processo de medição direta, dos desenhos cedidos
pelo arquiteto Elias Machado. A Figura 5 representa a fachada frontal e a Figura 6 a planta.
Nesta visita, foi constatado que o detalhamento das fachadas externas era insuficiente para
a documentação pretendida.

Figura 5 – Fachada da Capela de N. S.do Vencimento produzida por medição direta

Fonte: Machado, 2014.

310
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 6 – Planta Baixa da Capela de Nossa Senhora do Vencimento

Fonte: Machado, 2014.

Dada a necessidade de um maior detalhamento das fachadas, no dia 13 de julho de 2014 foi
feita nova visita ao local. O intuito desta visita foi realizar o registro fotográfico para a
posterior elaboração de um modelo geométrico e de ortofotos através de fotogrametria
digital, com a utilização do programa PhotoModeler. A Figura 7 mostra a fachada principal a
partir da ortofoto produzida.

Figura 7 – Ortofoto da Capela Nossa Senhora do Vencimento

Fonte: Brito, 2014.

311
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Em seguida foi realizada a interpretação entre a ortofoto gerada e o desenho elaborado a


partir do levantamento feito através de medição direta. A Figura 8 representa a fachada
principal interpretada e vetorizada no AutoCAD, usando a imagem (raster) produzida, como
pano de fundo para a cópia interativa das feições do objeto.

Figura 8 – Fachada da Capela de N. S. do Vencimento produzida por fotogrametria

Fonte: Tolentino, 2014.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo apresentou o levantamento cadastral da Capela de Nossa Senhora do
Vencimento, utilizando medição direta e fotogrametria digital. Na primeira visita ao local, o
levantamento foi feito utilizando medição direta. Na segunda visita, foram tomadas
fotografias com uma câmara digital calibrada.
Durante a primeira visita, a enorme quantidade de lixo encontrada no local e a degradação
do edifício, que apresenta rachaduras e o telhado comprometido, tornaram a tarefa perigosa.
Durante a segunda visita, as condições de luminosidade, prejudicadas pela chuva
intermitente, e a localização da edificação, implantada em meio a outras muito próximas
entre si dificultaram a produção de um conjunto de fotos mais adequadas para a geração
das ortofotos das várias fachadas. Também a impossibilidade em tomar fotos do telhado,
devido à ausência de edificações mais altas ou de uma grua de onde as fotos pudessem ser
tomadas, dificultou a geração de ortofotos que melhor representassem os bulbos revestidos
de azulejos que arrematam as torres.
As fachadas vetorizadas em AutoCAD a partir das ortofotos geradas no PhotoModeler
(Figura 8) apresentam um nível de detalhamento superior às desenhadas a partir dos
esboços feitos com medição direta (Figura 5). Ainda assim, alguns elementos decorativos,
como os localizados acima das portadas são de vetorização extremamente trabalhosa. Uma
solução possível para o cadastro de edifícios com tal nível de pormenores, poderia ser a
apresentação da própria ortofoto em escala e cotada.

AGRADECIMENTOS
Agradecemos o professor Arivaldo Leão Amorim pela orientação consistente.

312
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

REFERÊNCIAS
AMORIM, A. L.; GROETELAARS, N. J.; LINS, E. A. Um centro de documentação do
patrimônio arquitetônico. Fórum do Patrimônio. Belo Horizonte: v. 2, n. 1, mai./ago. 2008.
AZEVEDO, E. B. Capela de Nossa Senhora do Vencimento. Disponível em:
<http://www.hpip.org/Default/pt/Homepage/Obra?a=1207>. Acesso em: 27 jul. 2014.
BEIRÃO, Carla Castelo Branco. O potencial do laser scanner terrestre para o inventário
do patrimônio arquitetônico. 2011. 79 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) –
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.
DORE, C.; MURPHY, M. Integration of Historic Building Information Modeling and 3D GIS for
Recording and Managing Cultural Heritage Sites. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON
VIRTUAL SYSTEMS AND MULTIMEDIA: Virtual Systems in the Information Society, 18.,
2012, Milan. p. 369-376.
GOODCHILD, M. F. Citizens as sensors: the world of volunteered geography. GeoJournal,
v. 69, n. 4, 2007, p. 211-221.
IPAC. Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural da Bahia. SIPAC: Sistema de
Informações do Patrimônio Cultural da Bahia. Disponível em:
<http://patrimonio.ipac.ba.gov.br/documentacao-e-memoria/ipac-sic/>. Acesso em: 24 abr.
2014.
IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Sistema Integrado de
Conhecimento e Gestão – SICG. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=14897&retorno=paginaIphan>.
Acesso em: 24 abr. 2014.
MURPHY, M.; MCGOVERNA, E.; PAVIA, S. Historical Building Information Modelling -
Adding Intelligence to Laser and Image based surveys. In: INTERNATIONAL
WORKSHOP 3D-ARCH, 4., 2011. p. 7.
OLIVEIRA, Mario Mendonça de. A Documentação como Ferramenta de Preservação da
Memória. Brasília: IPHAN / Programa Monumenta, 2008.
SOUZA, Guilherme Henrique Barros. Método de Modelagem da Parcela Espacial para o
Cadastro Tridimensional. Tese (doutorado em Ciências Cartográficas) - Universidade
Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2011.

313
PATRIMONIO, GEOMETRIA E REPRESENTAÇÃO: SOB UMA
ABORDAGEM DIDÁTICA E TECNOLÓGICA

Adriane Borda Almeida da Silva


GEGRADI – DAURB – FAURB - Universidade Federal de Pelotas
adribord@hotmail.com
Janice de Freitas Pires
GEGRADI – DAURB – FAURB - Universidade Federal de Pelotas
janicefpires@hotmail.com
Luisa Félix Dalla Vecchia
GEGRADI – DAURB – FAURB - Universidade Federal de Pelotas
luisafelixd@gmail.com
Letícia de Farias Borges
Acadêmica de Arquitetura - Universidade Federal de Pelotas
le_farias_borges@yahoo.com.br
Ana Paula de Andrea Dametto
GEGRADI – DAURB – FAURB – Universidade Federal de Pelotas
anapauladametto@hotmail.com
Mônica Veiga
Acadêmica de Arquitetura - Universidade Federal de Pelotas
monika_veiga@hotmail.com

RESUMO
Neste trabalho relata-se um processo de análise e de representação de elementos metálicos,
previamente inventariados, relativos a um conjunto arquitetônico de interesse patrimonial, da cidade
de Pelotas, RS, constituído entre o final do séc. XIX e início do séc. XX. Estabeleceu-se uma
dinâmica colaborativa e sistematizada, caracterizada como atividade didática da área de
representação gráfica e digital, de disciplina curricular de graduação em arquitetura. Através de
análises sob uma abordagem geométrica, os estudantes ampliam informações sobre cada elemento,
detalhando suas características formais, utilizando esta informação para o planejamento de métodos
de representação. Estes exercícios, os quais incluem a edição e vetorização das fotografias, a
obtenção dos modelos digitais e a impressão em 3D de tais elementos metálicos, além de garantirem
uma trajetória de aprendizagem em geometria e em técnicas avançadas de representação,
disponibilizam os modelos para incrementar sistemas de documentação, de educação patrimonial e
de difusão do patrimônio, incluindo, especialmente a atribuição de acessibilidade a tais sistemas,
tendo em vista que os modelos produzidos podem ser apropriados para a experiência tátil.

314
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Palavras-chave: Patrimônio. Ensino de Geometria. Representação gráfica digital. Impressão 3D.


Documentação.

ABSTRACT
This paper reports on the analysis and representation of metallic elements, previously inventoried,
relative to a set of architectural heritage interest, the city of Pelotas, Brazil, formed between the end of
the century process. And early nineteenth century. XX. Established a collaborative and systematic
dynamic, characterized as didactic activity area and digital graphical representation of curricular
undergraduate course in architecture. Through analysis under a geometric approach, students expand
information on each element, detailing its formal characteristics, using this information to plan methods
of representation. These exercises, which include editing and vectorization of photographs, obtaining
digital models and the 3D printing of such metallic elements, in addition to guaranteeing a trajectory of
learning in geometry and advanced techniques of representation, provide models to enhance systems
documentation of heritage education and distribution of the assets, including in particular the allocation
of access to such systems, given that the models produced may be appropriate for tactile experience.
Keywords: Heritage. Teaching Geometry. Digital graphic representation. 3D printing. Documentation.

1 INTRODUÇÃO
A prática de adoção da arquitetura de interesse patrimonial como objeto de referência no
âmbito de processos formativos e de investigação na área de representação gráfica e digital,
junto ao contexto que se insere este trabalho, foi estabelecida há quinze anos. Inicialmente
em um contexto de pós-graduação e, recentemente, no âmbito de disciplinas de graduação
em Arquitetura.
Os resultados desta prática, junto à pesquisa e à pós-graduação, tem caracterizado uma
trajetória de produção de modelos a partir de diferentes técnicas de representação e com
diferentes níveis de proximidade com a realidade, seja em relação à geometria ou à
aparência dos objetos (Borda et al, 2010). Desta maneira, a aprendizagem e a estruturação
de técnicas de representação em realidade virtual, e atualmente incluindo as técnicas de
realidade aumentada e impressão 3D, promove o desenvolvimento dos modelos (Borda et
al, 2012 A).
Entretanto, neste contexto de pesquisa e pós-graduação, a produção se refere a objetos
dispersos, tendo-se poucos exemplares que contemplam, por exemplo, um objetivo de
documentação completa de uma edificação ou de uma coleção particular de interesse
patrimonial. Os exercícios estão focados no desenvolvimento de métodos e de apropriação
das tecnologias de representação. Alguns trabalhos de pesquisa (Schneid e Borda, 2014;
Borda et al, 2012 B) e de conclusão de curso (Lannes e Borda, 2003) até avançaram neste
propósito, mas a maioria acaba por representar elementos isolados das edificações,
selecionados para abarcar uma complexidade formal que garanta o aprendizado proposto
em geometria e técnicas de representação associadas.
Esta produção, de qualquer maneira, tem contribuído para disponibilizar uma infraestrutura
conceitual e metodológica. E, a partir disto, permite desencadear um processo de produção
sistematizado e contínuo, caso exista o propósito de constituição de acervos particulares.
Acervos com fins documentais e/ou para a disponibilização de uso dos modelos por outras
áreas como, por exemplo, de memória e patrimônio, educação patrimonial, conservação e
restauro, história, turismo e museologia.
Para desencadear tal processo faz-se necessário considerar a exigência de um determinado
número de horas de trabalho, muitas vezes não disponível em um contexto formativo ou
mesmo de pesquisa, para produzir a representação de um acervo. Faz-se necessário
também que o acervo a ser representado esteja previamente organizado, com informações
acessíveis e suficientes para sustentar tal processo de representação.

315
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Entendendo-se estas necessidades, próprias de um contexto de ensino/aprendizagem em


representação, este trabalho relata o investimento que está sendo feito para transpor a
postura de adoção de patrimônio, como objeto a ser representado, a um processo formativo
de graduação. E, especialmente com isto, desencadear um processo de produção de um
conjunto de representações relativo a um acervo em particular. Trabalha-se com a hipótese
de que a escala de produção na graduação, a partir de um processo colaborativo, permita
contemplar um número de horas suficientes para constituir uma coleção específica de
modelos.

2 METODOLOGIA
Este estudo consiste em estabeler um processo colaborativo e sistematizado, caracterizado
como atividade didática da área de representação gráfica e digital, de disciplina curricular de
graduação em arquitetura.
O estabelecimento deste tipo de atividade didática está sendo possível no âmbito de uma
disciplina criada em 2011, a partir de uma reforma curricular junto à Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas. Uma disciplina obrigatória,
situada no primeiro semestre de formação, cujo objetivo é investir em atividades que
integrem, desde os estágios iniciais, conteúdos de geometria, de representação, gráfica e
digital, e de projeto. Para a conexão com o projeto, é abordado um conjunto de conceitos
que objetiva sustentar a atividade de análise e compreensão de ações projetuais sobre o
ponto de vista da geometria, conforme relatado em Borda, Pires e Vasconselos (2012). As
técnicas de geração e controle da forma são abordadas a partir do conhecimento gerado em
processos de análise de obras de arquitetura de referência.
Em Dametto (2009) encontra-se um inventário dos elementos metálicos pertencentes a um
conjunto arquitetônico de interesse patrimonial, da cidade de Pelotas, RS, constituído entre
o final do séc. XIX e início do séc. XX. Este conjunto preserva na memória um momento
histórico de apogeu da economia da cidade decorrente da produção de charque. Desta
maneira, partiu-se da consideração de que além da relevância do inventário referido, a
forma e a variedade dos elementos metálicos que estão presentes em tais edificações
justificam a adoção de tais elementos como objetos de referência de representação. E,
especialmente, por poder contar com uma documentação sistematizada e acessível para a
complementação de informações, como fotografias, por estar constituído em um contexto
imediato dos estudantes.
O estudo foi desenvolvido através das seguintes etapas:

2.1 Delimitação do método de análise


O método de análise está fundamentado naquele já estruturado no âmbito da disciplina
referida anteriormente, exposto em Borda, Pires e Vasconselos (2012), até então sendo
aplicado sobre obras de arquitetura em geral. Este propõe o uso de uma sequencia de
conceitos e procedimentos, centrados principalmente no campo da geometria plana tais
como: reconhecimento de tipos de entes geométricos e sistemas de classificação (Carvalho,
2011), concordância (Carvalho, 2011), simetria (Sainz e Moratalla, 1999), proporção (Ching,
1998; Doczi, 1990; Elam, 2001), recursão (Celani, 2003) e introdução à gramática da forma
(Celani et al, 2007).
Este método de análise foi experimentado previamente à atividade didática sobre alguns dos
tipos de elementos metálicos que compõem o inventário organizado por Dametto (2009). Os
registros destes experimentos, realizados em Dametto et al (2013) e Borges et al (2014),

316
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

tem se constituído como material didático, exemplificando para os estudantes a proposta


para a execução e sistematização das análises.
A Figura 1 traz os dois tipos de elementos utilizados para os experimentos referidos. As
duas imagens da esquerda particularizam um elemento do tipo janela bandeira, o qual
compôe a fachada do edifício situado na Rua Sete de Setembro, no centro da cidade de
Pelotas. As duas imagens da direita particularizam um elemento do tipo grade em porta de
madeira, pertencente a uma edificação localizada à Rua Félix da Cunha. Ambos os
elementos fazem parte do acervo inventariado em Dametto (2009) e compõem as fachadas
das antigas moradias de proprietários de charqueadas 1.
Figura 1 – Exemplificação de elementos metálicos da arquitetura eclética de Pelotas, RS À
esquerda elemento do tipo janela bandeira e, à direita, do tipo grade em porta de madeira.

Fonte: Dametto et al (2013) e Borges et al (2014).

Deve-se destacar que o inventário de Dametto (2009) está constituído pela identificação de
dezesseis (16) tipos de artefatos metálicos. Estes tipos foram caracterizados com o critério
de aparecerem pelo menos duas vezes no conjunto arquitetônico analisado, sendo eles:
balcão, bandeira, grade em bandeira, grade em janela de porão, grade em janela, grade em
platibanda, grade em porta de madeira, gradil, guarda-corpo, janela, luminária, marquise,
montante, peitoril, porta e portão. Tal inventário está organizado segundo os aspectos
funcionais e de linguagem visual, destacando as principais influências estilísticas nas
composições dos artefatos no período de 1870 a 1931. A representação dos elementos
junto a este inventário foi realizada através de registro fotográfico. Entretanto, conforme a
autora, também coautora do presente trabalho, as fotografias para tal inventário foram
obtidas sem o propósito de subsidiar processos de geração de modelos bi ou
tridimensionais precisos de cada elemento.
Sendo assim, para constituir um acervo de modelos a partir deste inventário, é necessário
estabelecer uma etapa de aquisição de dados, através da medição e tomada de fotos sob
pontos de vista apropriados para apoiar uma representação fiel ao elemento. Nesta direção,
junto à ação didática, são explicitados todos os procedimentos necessários, atentando-se
para a conveniência em posicionar a câmera fotográfica em busca do paralelismo entre a
lente e a face do objeto a ser representada, para que os efeitos da perspectiva sejam
minimizados, aproximando-se de uma projeção paralela. As edições, para a retificação das
fotografias, junto aos experimentos, foram realizadas em um programa de código aberto
(open source), o GIMP 2.8, através da ferramenta de transformação de perspectiva.
A Figura 2 ilustra os experimentos de aplicação do método para analisar a forma da janela
bandeira, sobre uma fotografia retificada. À esquerda, demonstram-se os traçados para
investigar sobre possíveis relações dimensionais entre as partes do módulo básico da
composição, tendo sido identificada a presença da proporção raiz de dois. À direita,
registram-se os traçados para investigar sobre o uso do conceito de recursão. Foi possível
associar o desenho da bandeira ao tipo de recursão com adição de elementos em escala

1
Denominação da área da propriedade rural em que se produz o charque através de um processo em que a
carne salgada é exposta para sofrer desidratação (https://pt.wikipedia.org/wiki/Charqueada).

317
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

maior, aplicada de maneira não uniforme. Esta recursão obedece também um movimento
cíclico em torno de um ponto central.

Figura 2 - À esquerda, a identificação da relação de proporção entre as partes da


composição; À direita, a identificação da regra de recursão com adição e rotação de
elementos em torno de um ponto central.

Fonte: Dametto et al (2013).

A Figura 3 traz recortes das imagens que registram os exercícios de aplicação do conceito
de concordância, tratado na disciplina. Á esquerda da figura aplicado ao caso da grade e à
direita, ao da janela de bandeira.

Figura 3: Análise dos arcos presentes na composição sob o conceito de concordância

Fonte: Borges et al (2014); Dametto et al (2013).

A Figura 4 demonstra a aplicação do conceito de proporção como parâmetro de análise.


Neste caso, foi identificada a presença das proporções áurea, raiz de 2, raiz de 3 e raiz de 5
configurando os polígonos envolventes das curvas da grade da porta de madeira. Além de
registrar o método, no espaço digital, de investigação através da sobreposição de
quadriláteros previamente configurados nas proporções referidas, verificou-se a veracidade
de tal análise através da medição de cada elemento analisado e aplicação do cálculo
matemático de divisão dos lados dos polígonos envolventes de tais elementos.

Figura 4 – Análise geométrica da grade sob o conceito de proporção

318
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

PROPORÇÕES

Áurea (1.61803398875)

Raiz de 2 (1,4142135624)

Raiz de 3 (1,7320508076)

Raiz de 5 (2,2360679775)

Fonte: Borges et al, 2014.

A partir deste tipo de registro, constitui-se um material demonstrativo da aplicabilidade do


método. Deve-se destacar que ainda pouco se avançou na aplicação de conceitos de lógica,
especialmente no campo da gramática da forma. Entretanto, os estudos até então
realizados avançam na identificação de elementos fundamentais, ou do vocabulário
envolvido, e dos procedimentos de transformação, ou das regras para gerar cada uma das
composições.

2.1 Delimitação do método de representação


O método de representação é delimitado, fundamentalmente, a partir do conhecimento
construído junto ao método de análise, observando-se as possibilidades de otimização de
procedimentos de acordo com a identificação dos elementos fundamentais e das regras
compositivas envolvidas em cada um dos elementos.
Para agilizar a representação, as fotografias já retitificadas e utilizadas na etapa de análise,
servem de base para a representação dos elementos fundamentais de cada composição.
São vetorizadas as linhas de contorno para reproduzir, no plano, a forma do elemento a ser
representado.
Embora no contexto deste trabalho o processo de modelagem tridimensional para a
visualização em realidade virtual esteja suficientemente sistematizado, a partir de diferentes
ferramentas, o processo de modelagem para a impressão 3D, e especificamente para a
tecnologia que se tem disponível, exigiu um investimento particular.
O equipamento disponível, observada a classificação de Pupo (2008), refere-se à fabricação
digital do tipo aditiva. Esta técnica consiste em sobrepor camadas de material
sucessivamente, até que o objeto tridimensional seja formado (VOLPATO, 2007). A
impressora utilizada, fabricada pela Cliever Tecnologia (http://cliever.com.br/), gera o modelo
a partir da deposição de material plástico fundido (FDM) e disponibiliza uma área de
impressão de 18x18x12 cm.
Através dos exercícios de apropriação desta impressora e de produção de pelo menos dois
tipos de elementos metálicos, descritos em Veiga et al (2013 B) e Borges et al (2014), estão
sendo identificados procedimentos de modelagem necessários e específicos para a
impressão 3D.
A Figura 5 traz uma sequencia de imagens especificando o elemento utilizado no primeiro
experimento de impressão de um modelo em realidade virtual, relativo ao inventário em
questão. Este elemento, um balcão metálico situado na fachada do casarão 2, na Praça
Coronel Pedro Osório, à esquerda da figura, é constituído por elementos curvos, e possui

319
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

também uma curvatura em sua parte central. Na sequencia tem-se o modelo virtual,
previamente modelado (Pires e Borda, 2007); logo, tem-se o modelo impresso, processo
descrito em Veiga et al (2013 B).

Figura 5 - À esquerda, fotografia do Casarão 2, Praça Coronel Pedro Osório, Pelotas, RS;
ao lado o modelo digital do balcão, destacado na fachada com a elipse vermelha; seguidos
do modelo físico da parte metálica do balcão e logo com a adição de seu elemento de apoio

Fonte: Pires e Borda (2007); Veiga et al (2013 B).

Deve-se destacar que o modelo digital deste balcão foi produzido, na época, sem considerar
a possibilidade de ser impresso em 3D. Durante o experimento de uso deste mesmo modelo
para a impressão foram detectados principalmente dois problemas: falta de precisão no
processo de conexão entre as partes do modelo (desalinhamentos) e espessura muito
pequena dos elementos, incompatível com a tecnologia utilizada (espessura mínima de 0,3
mm para cada camada de plástico depositado), gerando falhas no processo, ilustradas na
figura 6. O elemento foi assim todo remodelado com maior espessura (em torno de 1 mm,
para permitir o manuseio do modelo). Buscou-se também, com o uso de técnicas de
reflexão de elementos simétricos, otimizar o tempo do processo de modelagem. Entretanto,
estas técnicas não foram reconhecidas pelo software que acompanhava a impressora na
época, conforme ilustrado pelos elementos mais escuros ao centro da figura 6, não os
considerando na impressão. Uma atualização, em 2014, do software que acompanha a
máquina de impressão demonstrou que a incompatibilidade com as técnicas de cópias de
elementos foi sanada, verificada após a reimpressão do mesmo modelo digital conforme o
protótipo apresentado em cor azul, também junto à figura 6, o qual anteriormente não tinha
sido possível imprimir com todos os seus elementos constituintes.

Figura 6 – Na sequencia da esquerda para a direita: modelo digital de uma das grades
planas; modelo impresso com falhas de preenchimento geradas pela baixa espessura e
desalinhamento do modelo digital; os elementos metálicos não reconhecidos pelo software
de impressão 3D, mais escuros; o modelo impresso faltando elementos; em azul, modelo
impresso após uma atualização do software em 2014; impressão após a segunda
remodelagem destes elementos

Fonte: Veiga et al (2013 B).

A impressão da parte curva da grade exigiu associar técnicas artesanais com as digitais,
devido a sua característica geométrica com elementos vazados e curvos simultaneamente.
Tal característica se demonstrou complexa de ser executada com o tipo de tecnologia de
impressão 3D utilizada, tanto com o modelo disposto em posição vertical como horizontal.
Todos os testes realizados resultaram em peças incompletas e/ou fragilizadas. Na figura 7,
ao centro tem-se o resultado da impressão utilizando-se do recurso de uso de material de

320
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

suporte, o qual deve ser removido após a impressão. O processo de remoção acarretou
falhas no modelo. À direita, o modelo impresso sem o uso de material de suporte,
observando-se a limitação da tecnologia para o caso em questão.

Figura 7 - Modelo digital da grade central curva; impressão com o recurso de material de
suporte; impressão sem este recurso

Fonte: Veiga et al, 2013.

A solução encontrada foi a de imprimir peças planas e depois curvá-las por um


procedimento artesanal. O modelo impresso foi posicionado e fixado em uma forma
desenvolvida com papel Paraná, de acordo com a curvatura do elemento, para que, sob a
aplicação de ar quente, pudesse ser moldado ao formato curvo (Veiga et al, 2013 B).
Com esta primeira experimentação foi possível reconhecer os limites das técnicas
empregadas e identificar os parâmetros a serem avaliados no processo de modelagem
adequados ao processo de impressão. Deve-se destacar que este experimento com o
balcão metálico da fachada do Casarão 2, em particular, acompanhou e contribuiu para o
aperfeiçoamento do próprio equipamento de impressão 3D, tendo em vista que todos os
problemas enfrentados eram imediatamente compartilhados com o fabricante do
equipamento, conforme registro em Veiga et al (2013 B).
O segundo experimento, descrito em Borges et al (2014) foi realizado com a representação
da grade em porta de madeira referida no processo de delimitação do método de análise.
Neste caso, a modelagem tridimensional foi realizada dirigida à impressão 3D, considerando
então a experiência prévia com a sacada, e buscando utilizar ferramentas acessíveis no
âmbito da graduação e para estágios iniciais de formação em Arquitetura. O software
Google SketchUp foi escolhido por se encontrar disponível para uso gratuito e por sua
interface intuitiva. A imagem retificada da face frontal do elemento foi importada, em escala,
para a área de trabalho do programa, sendo vetorizados os elementos a partir do eixo
central de cada arco ou linha da grade, utilizando-se a ferramenta de curvas Catmull Spline 2.
As técnicas de geração utilizadas foram a de equidistância, para representar a largura da
grade, e a de extrusão unidirecional, para atribuir profundidade ao elemento, ou altura à
seção da grade, conforme ilustrado na figura 9.

Figura 9 - À esquerda, desenho das linhas curvas da grade; à direita, modelo tridimensional
da grade após a extrusão das linhas curvas

Fonte: Borges et al, 2014.

2
Ferramenta disponibilizada pelo plug-in Curve Maker, http://www.drawmetal.com/curvemaker.

321
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Foram feitas três experimentações de impressão 3D, gerando-se modelos digitais da grade
com espessuras diferentes, conforme ilustrado na tabela da Figura 10. Junto a esta tabela
foram registrados os dados obtidos nas impressões, tais como: gasto de material, custo e
tempo de impressão, para cada um dos modelos digitais.
Pela necessidade de se adequar o modelo digital ao tamanho da mesa de impressão,
aplicou-se inicialmente uma escala de redução de 1:10. O modelo impresso (referente a
uma seção de 0,05x1,00 cm) apresentou bastante fragilidade para ser manuseado. Logo, foi
realizado o experimento utilizando-se o dobro da espessura (seção de 1x2 cm),
configurando-se um modelo desproporcional à grade representada. Optou-se por testar um
modelo com espessura intermediária entre as duas primeiras, buscando-se identificar o
limite mínimo de impressão que preservasse a resistência estrutural do modelo. O resultado
da impressão deste terceiro experimento demonstrou ser adequado, pois o modelo não se
demonstrou frágil para o manuseio e foi possível aproximar-se das proporções do artefato
real, otimizando-se com isto os gastos com material.

Figura 10 – Registro de dados sobre o processo de modelagem da grade atribuindo 0.5, 0.8
e 1.0 cm à seção do ferro, com os respectivos protótipos impressos em 3D

Fonte: Borges et al, 2014.

A partir dos registros realizados tem-se um primeiro referencial para a impressão dos
próximos modelos, sem, contudo, considera-lo determinante para um método a ser
reproduzido sem questionamentos.
Ainda, em processo de construção, está o método de configuração dos modelos para que
sejam apropriados à experiência tátil. Os experimentos de representação com os elementos
metálicos até então ficaram concentrados nas questões tecnológicas, sobre os limites de
espessura admitidos pela técnica empregada e de resistência para a manipulação dos
modelos. Entretanto, paralelamente, a partir de Borda et al (2012 B) e de Veiga et al (2013
A), se avança para também considerar aspectos fundamentais, de adequação da qualidade
da informação a ser veiculada por cada modelo. Junto ao estudo referido, passou-se a

322
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

entender a necessidade de que a informação em uma experiência tátil seja disponibilizada


de maneira gradual, especialmente quando envolve formas complexas.
Considera-se que o método de “adição gradual da informação”, estruturado em Borda et al
(2012 B), embora tenha sido elaborado para outro tipo de elemento, no caso para a
representação de fotografia, pode ser utilizado para o projeto dos modelos táteis aqui
particularizados. Os estudos analíticos dos elementos metálicos facilitam o planejamento de
um método específico de representação para cada modelo. A identificação de elementos
fundamentais e a explicitação das regras de geração das composições apontam para tal
planejamento. Entretanto, os experimentos são bastante incipientes, exigindo estudos
específicos que envolvam a validação junto a um público usuário de modelos táteis.
Experimentos estes não incluídos no escopo do trabalho neste momento.
Esta etapa segue em desenvolvimento, registrando-se os diferentes problemas enfrentados
e as soluções encontradas, identificando-se, com isto, os limites e as potencialidades das
técnicas empregadas e do próprio método.

2.2 Etapa de Aplicação do método de análise e representação


Esta etapa compreende então três estágios de desenvolvimento no âmbito de atividades
curriculares, de graduação: 1) estágio de aquisição de dados, a partir do reconhecimento do
inventário realizado em Dametto (2009) e da complementação de informações através de
medições e fotografias; 2) estágio de produção de conhecimento sobre os objetos a serem
representados, através das atividades de análise; 3) estágio de produção de modelos bi e
tridimensionais digitais, através das atividades de representação, tanto para serem
visualizados em realidade virtual e aumentada, como para serem impressos e constituídos
como modelos táteis.

2.3 Etapa de sistematização e uso da produção


Esta etapa envolve a organização e difusão do acervo. Faz-se necessário constituir um
sistema aberto através da INTERNET de disponibilização dos modelos digitais, assim como
constituir um espaço de exposição acessível para a coleção de modelos táteis a ser gerada.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados deste trabalho são parciais.
Considera-se que o método de análise está suficientemente delimitado para ser aplicado
junto a um contexto de graduação. Os experimentos realizados anteriormente permitem
exemplificar a aplicação do método proposto, constituindo-se então como materiais
didáticos. Entretanto, esta etapa segue em desenvolvimento, pretendendo avançar junto à
etapa de aplicação, em um processo colaborativo com os estudantes, aperfeiçoando
continuamente o método. Especialmente no que diz respeito à aplicação dos conceitos de
lógica e gramática da forma. A hipótese é de que os estudos individualizados sobre cada
elemento irão subsidiar a compreensão dos procedimentos compositivos do conjunto dos
elementos, quem sabe identificando regras particulares para cada tipo de elemento
inventariado. A produção em escala de graduação permite acelerar o processo e ter
análises quantitativas, além das qualitativas.
A etapa de delimitação do método de representação também exige um investimento
contínuo e trabalha-se com a hipótese de que a aplicação do método permita intensificar,
junto à graduação, a postura de investigação já proposta junto ao método de análise. Tanto
o processo de apropriação das técnicas de impressão 3D como o projeto dos modelos
físicos para serem adequados à experiência tátil são questões a serem abordadas como
problemas de estudo. Estudos que podem transitar entre a pesquisa e o ensino, buscando-

323
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

se a indissociabilidade entre tais contextos. De qualquer maneira, considera-se que os


experimentos realizados já fornecem subsídios para realizar as análises e representações
junto à graduação. Tem-se um referencial específico para a modelagem dos tipos de formas
relativas aos elementos metálicos particularizados neste estudo. A seleção de elementos
complexos para realizar os experimentos talvez tenha abarcado grande parte dos problemas
a serem enfrentados. Tem-se a expectativa de evitar processos de impressão que gerem
custos adicionais, tanto de material como de tempo, os quais em escala de graduação são
mais significativos.
Os resultados da etapa de aplicação referem-se, neste momento, exclusivamente à
aplicação do método de análise. A Figura 11 apresenta as análises realizadas pelos
estudantes no primeiro semestre de 2014, para elementos metálicos presentes em seis
exemplares arquitetônicos de interesse patrimonial da cidade de Pelotas.
Figura 11 – Análises realizadas pelos estudantes para elementos metálicos de seis
casarões da cidade de Pelotas, RS.

Fonte: Autores

Estas análises demonstram que é possível se produzir conhecimento sistematizado em nível


de graduação, embora ainda não se tenha aplicado, neste contexto, os processos de
modelagem virtual de tais elementos. Um dos limites deste trabalho poderá ser o alcance

324
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

deste propósito, já que, para isso, se depende de uma infraestrutura de equipamentos em


sala de aula, a qual, no presente momento, no âmbito deste trabalho, não está sendo
disponibilizada.
Em relação ao processo de sistematização da produção e uso dos modelos, algumas
iniciativas já acionadas no âmbito de outros projetos permitiram avançar no desenvolvimento
desta etapa. Um repositório institucional está sendo disponibilizado, o qual permitirá o
acesso aberto aos modelos virtuais através da Internet (Borda et al, 2012 A). Foi
recentemente efetivado um acordo entre a Universidade e a Prefeitura Municipal de Pelotas,
junto à Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo, para o uso dos modelos
físicos e digitais relativos ao patrimônio em ações educativas e culturais sem fins lucrativos.
A repercussão em órgãos de comunicação, dos trabalhos já desenvolvidos, especialmente
com impressão 3D, motivou a iniciativa do Museu Municipal da Baronesa em buscar uma
parceria para a produção de modelos táteis que visam tornar acessível tal museu.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A transposição do método aqui apresentado para o contexto de graduação além de
promover uma postura de investigação junto ao estudo de geometria e de técnicas de
representação, já em estágios iniciais de formação, está demonstrando a possibilidade de
construção de conhecimento sobre o patrimônio representado e permitido a constituição
efetiva de uma coleção de modelos relativos a um conjunto de objetos de interesse
patrimonial.
Ainda está permitindo apontar para significados especiais de uso dos modelos, como é o de
acessibilidade, junto ao desenvolviemnto das competências de representações com
impressão 3D e geração de modelos apropriados para a experiência tátil.
Desta maneira, considera-se a perspectiva de através de um processo colaborativo, de
estudantes, pesquisadores e agentes de instituições responsáveis pela preservação,
documentação e difusão de patrimônio, estabelecer um processo contínuo de produção de
modelos. Modelos em realidade virtual, aumentada e em impressão 3D, que possam ser
explorados para incrementar diversas atividades profissionais, sociais e culturais.

REFERÊNCIAS

BORDA, A.B.A.S, BROD, G., PIEDRAS, E. M., VASCONCELLOS, L. de, PIRES, J. F.


Representação de Patrimônio Arquitetônico como Trajetória de Aprendizagem em
Gráfica Digital In: ARQDOC 2010, 2010, Salvador/Bahia. Seminário Nacional
Documentação do Patrimônio Arquitetônico com o uso de Tecnologias Digitais. Salvador:
Tec Art Editora Ltda, 2010. v.1. p.1 – 14
BORDA, A.; PIRES, J. F.; GOMEZ, H.; ESCOBAR, A.; FÉLIX, N. Sistematização e
disponibilização da produção de modelos tridimensionais digitais de patrimônio
arquitetônico. In: XVI SIGRADI - Congresso da Sociedade Ibero Americana de Gráfica
Digital: Forma(in)formação. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2012 A. v. 01. p. 321-
324.
BORDA, A. PIRES, J. F. VASCONSELOS, T. B. O Desenho Didático para o Insight. In:
XVI SIGRADI - Congresso da Sociedade Ibero Americana de Gráfica Digital:
Forma(in)formação. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora. 2012. v.01. p.277 – 280
BORDA, A.B.A.S, VEIGA, M., NICOLETTI, L. C., MICHELON, F. Descrição de Fotografias
a partir de modelos táteis: ensaios didáticos e tecnológicos. In: 3 Seminário

325
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Internacional Museografia e Arquitetura de Museus, 2012, Rio de Janeiro. Conservação e


Técnicas sensoriais. Rio de Janeiro:2012 B. v.01. p.01 – 15
BORGES, L., DALLA VECCHIA, L., DAMETTO, A. P., BORDA, A., PIRES, J.
Representação de um artefato metálico da arquitetura patrimonial pelotense através
da modelagem e impressão 3d. In: XXIII Congresso de Iniciação Científica da
Universidade Federal de Pelotas,Pelotas: Editora e Gráfica da UFPel, 2014.
CARVALHO, B. A. Desenho Geométrico. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 1967.
CELANI, G. Cad Criativo. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2003.
CHING, F. D. K. Forma espaço e Ordem. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
DAMETTO, A. P. A. Os metais no patrimônio arquitetônico urbano de Pelotas, RS -
1870 a 1931. 2009. 254f. Dissertação (Mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural) -
Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural, Universidade
Federal de Pelotas.
DAMETTO, A. P., BORDA, A.B.A.S, PIRES, J. F., DALLA VECCHIA, L. A Lógica
Compositiva dos Artefatos Metálicos da Arquitetura Eclética de Pelotas In: XVII
Congresso da Sociedade Ibero-Americana de Gráfica Digital, 2013, Valparaiso. Know ledge-
based Design. Valparaiso: Editorial Universidad Técnica Frederico Santa Maria, 2013. v.01.
p.604 - 607
DOCZI, G. O poder dos limites: harmonias proporções na natureza. São Paulo:
Mercuryo, 1990.
ELAM, K. Geometry of design: studies in proportion and composition. New York:
Princeton Architectural Press, 2001.
LANNES, Liege, BORDA, A.B.A.S. Representação Virtual do Museu da Baronesa In: XII
Congresso de Iniciação Científica da UFPEL e V Encontro de Pós Graduação, 2003,
Pelotas. Do fogo ao holograma, de Darw in ao DNA, do Homem para o Homem. Pelotas:
Universidade Federal de Pelotas, 2003.
PIRES, J. F., BORDA, A.B.A.S. Simulação de iluminação natural por meios digitais:
uma abordagem didática In: GRAPHICA 2007, VII International Conference on Graphics
Engineering for Arts and Design e XVII Simpósio Nacional de Geometria Descritiva e
Desenho Técnico. Desafio da era digital: ensino e tecnologia. Curitiba: Departamento de
Desenho UFPR, 2007.
PUPO, R.T. Ensino da prototipagem rápida e fabricação digital para arquitetura e construção
no Brasil: definições e estado da arte. PARC, Campinas v.1,n.3, p.1- 19, 2008. Disponível
em: http://www.fec.unicamp.br/~parc/vol1/n3/vol1-n3-pupo.pdf acesso em outubro de 2013
SANZ, M. A. MORATALLA, A. Simetría. Serie Geometría y Arquitectura II, Cuadernos de
Apoyo a la Docencia del Instituto Juan de Herrera. Madri: Publicaciones de la Escuela
Superior de Arquitectura de Madrid, 1999.
SCHNEID, G., BORDA, A. Coleção de Representações das Charqueadas Pelotenses: a
extensão entre o ensino e a pesquisa. Congresso de Extensão e Cultura, memória de
muitos tempos. Pelotas: Editora e Gráfica da UFPel, 2014.
VEIGA, M., BORDA, A.B.A.S, MICHELON, F., LEBEDEFF, T. Atribuição de acessibilidade
à fotografia através da restituição e desconstrução da tridimensionalidade In: XVII
Congresso da Sociedade Ibero-Americana de Gráfica Digital, 2013, Valparaiso. Know ledge-
based Design. Valparaiso: Editorial Universidad Técnica Frederico Santa Maria, 2013 A.
v.01. p.449 - 453
VEIGA, M., XAVIER, P. Q., PIRES, J. F., BORDA, A.B.A.S. Impressão 3d de um elemento
complexo da arquitetura de pelotas: relato de experiência. In: XXII Congresso de

326
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Iniciação Científica da Universidade Federal de Pelotas, 2013, Pelota: Editora e Gráfica da


UFPel, 2013 B. v.1. p.1 - 4
VOLPATO, N. Prototipagem Rápida: Tecnologias e Aplicações. São Paulo: Edgard
Blucher, 2007.

327
ESTUDO DE OBRAS MODERNISTAS DO ARQUITETO MIGUEL
CADDAH EM TERESINA-PI ATRAVÉS DO SOFTWARE
SKETCHUP

Nayane Áurea Santiago Costa


Universidade Federal do Piauí
nayanearquitetura@gmail.com
Marina Sampaio de Vasconcelos
Universidade Federal do Piauí
vasconcelos_ms@hotmail.com
Antônio Pabllo Nunes de Sousa
Universidade Federal do Piauí
pablonunes14@hotmail.com
Vítor Cruz Brito
Universidade Federal do Piauí
vitorcbrito@hotmail.com
Dácio Roberto Alves
Universidade Federal do Piauí
dacioroberto@hotmail.com
Fernanda Karla Lemos Dias
Universidade Federal do Piauí
nandadiaseu@hotmail.com

RESUMO
O presente artigo busca estudar obras do arquiteto Miguel Caddah produzidas na cidade de Teresina-
Piauí, durante os anos de 1965 a 1985, caracterizadas como os primeiros elementos do modernismo
arquitetônico urbano na cidade. Os estudos foram feitos utilizando-se de softwares de modelagem
virtual (maquetes eletrônicas com o programa Google Sketchup) e softwares de desenho em duas
dimensões (AutoCAD) para a análise da estética, soluções arquitetônicas, materiais e técnicas
construtivas. As obras em estudo são o prédio anexo do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Piauí- IFPI, a escola João Clímaco d’ Almeida e a Igreja da Santíssima Trindade. O
presente artigo faz parte da pesquisa científica intitulada “O uso de modelagem virtual (software
Google Sketchup Pro) como instrumento de melhoria da representação gráfica e metodologia de
projetos arquitetônicos”, sob a coordenação da autora principal, na instituição de ensino em que
leciona. O objetivo do estudo é divulgar o resultado das pesquisas realizadas sobre a arquitetura

328
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

moderna piauiense no período especificado. Após os levantamentos bibliográficos, entrevistas ao


arquiteto e levantamentos fotográficos conclui-se que, apesar das alterações dos prédios ainda se
mantém as características que tornaram as obras como elementos de preservação da história
arquitetônica da cidade.
Palavras-chave: Arquitetura Moderna. Sketchup. Patrimônio Histórico.

ABSTRACT
This article aims to study works of architect Miguel Caddah produced in the city of Teresina/ Piauí,
during the years 1960 to 1980, characterized as the first elements of the urban architectural
modernism in the city. The studies were done using software modeling virtual (electronic models with
Google Sketchup program) software and two-dimensional design (AutoCAD) for the analysis of
aesthetic, architectural solutions, materials and construction techniques. The works studied are the
annexe building of the Federal Institute of Education, Science and Technology Piauí- IFPI, the school
João Clímaco d 'Almeida and the Holy Trinity Church. This article is part of scientific research entitled
"The use of virtual modeling (Google Sketchup Pro software) as a tool for improving the methodology
and graphical representation of architectural projects", coordinated by the lead author in the
educational institution in which teaches. The objective is to disseminate the results of research
conducted on piauiense modern architecture in the specified period. After the literature surveys,
interviews the architect and photographic surveys it is concluded that, despite the changes of the
buildings still retains the features that made the works as elements of preserving the architectural
history of the city.

Keywords: Modern Architecture. Sketchup. Historic Heritage.

1 INTRODUÇÃO
As maquetes são instrumentos da representação volumétrica de projetos
arquitetônicos. Elas auxiliam na visão geral das soluções adotadas bem como nas escolhas
operativas implícitas no conjunto decada obra (conforto ambiental, técnicas construtivas,
materiais empregados, adequação da construção ao entorno, etc.).
Consalez (2011, p. 3) define maquetes como um misto de elementos que unificam
um partido, uma ideia projetual:
“[maquetes] São simultaneamente objetos de estudo, instrumentos
de representação e resultados autônomos formais de um processo
criativo que pode, em casos extremos, resumir na própria maquete
todo o conteúdo da pesquisa do projeto do autor.” (CONSALEZ,
2011, p. 3).
Segundo Oliveira (2010, p. 13) as edificações com geometrias mais complexas de
serem representadas, hoje, “são facilmente expressas em folhas de papel devido a
computação gráfica incrementar consideravelmente a quantidade de técnicas e produtos
gráficos disponíveis”. O uso de softwares que fabricam maquetes é uma evolução na forma
de representação gráfica na construção civil e tem sido um dos instrumentos que mais
beneficiaram a produção da arquitetura.
Na área de ensino, Florio (2007) aponta a modelagem 3D como ferramenta para
auxílio de novas descobertas e compreensões durante o processo de criação do aluno na
fase projetual, já que permite a reflexão de suas ações na inserção de dados.
O Google Sketchup Pro 8, comumente chamado de Sketchup, é segundo definição
de Cavassani (2012, p. 18), um programa de computação gráfica para modelagem de
objetos que oferece comandos de seccionar os objetos, mostrar vistas ortográficas, produzir
pranchas para apresentação dos objetos e comandos que facilitam a representação gráfica
de projetos de arquitetura.

329
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Durante a disciplina em que o autor principal leciona, no ano de 2013, foram feitas
análises de residências projetadas por arquitetos brasileiros consagrados como Lina Bo
Bardi, Oscar Niemeyer, Rino Levi, entre outros. Arquitetos que, com seus princípios
baseados no modernismo, deixaram um rico e belíssimo acervo de obras arquitetônicas,
sejam residenciais ou institucionais. As obras foram selecionadas devido a relevância à
história da arquitetura nacional. Foram encontradas em livros sobre arquitetura do século XX
e artigos como o de Guerra e Ribeiro (2006, p. 1) e, escolhidas por conterem traços do estilo
modernista (aspectos formais e volumétricos utilizados até os dias atuais).
Pretendia-se utilizar os conhecimentos em modelagem virtual para reproduzir as
maquetes virtuais e analisar, através dos recursos do software, edificações que eram
conhecidas apenas através de levantamentos do projeto arquitetônico e fotografias. Após os
primeiros resultados das análises foi criado um grupo de pesquisa científica que passou a
estudar edificações modernistas no âmbito local e foram escolhidas obras do arquiteto
Miguel Caddah para as análises iniciais.
As obras escolhidas na pesquisa foram todas em estilo moderno: Igreja da
Santíssima Trindade (1968), com foto e maquete na figura 01; o edifício anexo (bloco C) da
Escola Técnica Federal do Piauí, Atual IFPI (1985) e a Unidade Escolar Clemente Fortes
(1973), atual SEMTCAS. As obras estão no centro de Teresina e foram construídas durante
fase de crescimento urbano da cidade, quando a paisagem urbana originalmente com
arquitetura em estilo eclético estava recebendo os primeiros exemplares de arquitetura
moderna (décadas de 1960 a 1990).

Figura 01: foto da Igreja da Santíssima Trindade (2014) e maquete virtual (2014)
Fonte: Marina Vasconcelos e Nayane Costa (2014)

As obras escolhidas sofreram alterações, no entanto, mantém as características


modernistas e de relevância a memória arquitetônica de Teresina.
Nascido em 1936, em Teresina-PI, Miguel Dib Caddah Filho diplomou-se pela
Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil no Rio de Janeiro em 1959.
Em 1963 volta a Teresina para trabalhar na Secretaria Estadual de Educação no setor de
construções escolares. Em 1967 tornou-se professor da Escola Técnica Federal do Piauí
(atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí- IFPI). Durante este
período projeta várias escolas estaduais e também é neste período que sua arquitetura
torna-se a mais expressiva de seu estilo (modernismo) através de obras como a Escola
Normal Francisco Correia, a Igreja da Santíssima Trindade e a Unidade Escolar Clemente
Fortes.

2 METODOLOGIA DE ANÁLISE DAS OBRAS


Para o estudo foi utilizado uma metodologia de análise do objeto arquitetônico
dividida em duas etapas. Primeiro: levantamento do projeto em meio digital (desenhos

330
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

técnicos digitalizados, fotografias); segundo: reconstituição tridimensional e análise da obra


através dos comandos de modelagem. A pesquisa ainda está em andamento e os dados
citados neste artigo são referentes aos primeiros resultados obtidos durante disciplina em
que foram praticadas as metodologias e na análise da primeira obra escolhida, a igreja da
Santíssima Trindade.
O estudo foi apresentado através da criação de pranchas (função Layout do
Sketchup) no tamanho de folha A2 (59,4 x 42,0 cm), seguindo critérios pré-determinados
para a análise das obras: 1) a representação gráfica do projeto arquitetônico completo
(planta baixa, cortes, fachadas); 2) análise da volumetria e do partido arquitetônico; 3)
identificação do zoneamento da casa (espaços: social, de serviço e íntimo); 4) fragmentação
da casa em sistemas de piso, vedações e cobertura; 5) soluções referentes ao conforto
ambiental; 6) materiais e tecnologias utilizadas na edificação.
As análises deveriam conter fotos das edificações construídas (reais) e das
maquetes produzidas a fim de comparar os efeitos da reprodução virtual.

3 RESULTADOS
Foram reproduzidas 22 casas brasileiras do século XX e algumas do século XXI em
estilo modernista e, esperava-se que todos os alunos conseguissem reproduzir fielmente
todos os aspectos gráficos dos projetos arquitetônicos bem como produzir a análise das
obras de relevância à arquitetura nacional.
Constatou-se que 100% dos alunos conseguiram reproduzir o projeto arquitetônico
(planta baixa, cortes e fachadas) e fizeram a análise da volumetria e partido arquitetônico.
Pode-se conferir que 100% dos alunos conseguiram distinguir o zoneamento nas
casas, que 64% dos alunos conseguiram fragmentar a obra em sistemas de piso, vedações
e cobertura (Figura 02).

Figura 02: Fragmentação de maquete durante disciplina ministrada pela docente


Fonte: Marina Vasconcelos (2014)

Em 99% dos trabalhos foram definidas as soluções de confortoarquitetônico dos


estudos e em 82% dos estudos foram especificados os materiais e tecnologias empregadas.

331
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

4 DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS


Os estudos demonstraram o aproveitamento do software Google Sketchup para
análise e representação gráfica de projetos de arquitetura. O sucesso total na representação
gráfica (desenhos técnicos) demonstra que o software oferece recursos para reproduzir as
ideias projetuais.
O uso da ferramenta não é eficiente apenas na representação, mas também é capaz
de auxiliar na produção formal e construtiva, auxiliando com novas formas de visualização e
possibilidade de se projetar em vários níveis de informação.
No entanto, a falta de detalhamento de itens como tecnologias e a fragmentação da
obra, demonstra que o estudo requer conhecimentos prévios de sistemas construtivos e
ficou em questão o que poderia ter dificultado a fragmentação das obras por alguns alunos,
já que demonstraram domínio do software durante a representação gráfica. Outros
benefícios do software foram: aumentar a produtividade e flexibilidade do projeto, maior
agilidade para obtenção de informações, redução de erros e omissões na coordenação e
associação de informações não geométricas aos componentes (e não aos desenhos ou
representações dos componentes).
Os painéis produzidos serviram de acervo para estudos da arquitetura nacional e
para a pesquisa científica desenvolvida na instituição de ensino.
Propõe-se o uso amplo do software para representação gráfica e estudos
arquitetônicos além de estimular o aprofundamento das pesquisas no campo de modelagem
virtual com intuito de contribuir para a melhoria da produção arquitetônica atual.

5 BIBLIOGRAFIA
CAVASSANI, Glauber. V-Ray para Google SketchUp 8: Acabamento, Iluminação e
Recursos Avançados para Maquete Eletrônica para Windows. São Paulo: Editora Érica,
2012.
CONSALEZ, Lorenzo. Maquetes: A Representação do Espaço no Projeto Arquitetônico.
Barcelona: Gustavo Gili, 2001.
FILHO, Miguel Dib Caddah. Entrevista concedida à autora. 14/ 03/ 2014. Teresina. 2014.
FLORIO, W. Contribuições do building information modeling no processo de projeto
em arquitetura. In: ENCONTRO DE TECNOLOGIA DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
NA CONSTRUÇÃO CIVIL, 3., 2007, Porto Alegre. Anais. Porto Alegre: ANTAC, 2007. CD-
ROOM
GUERRA, Abilio; RIBEIRO, Alessandro José Castroviejo. Casas brasileiras do século XX.
[S.I.]: Portal Vitruvius, 2006. Disponível em
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.074/335>. Acesso em: 26 fev.
2014.
OLIVEIRA, Marcos Bandeira de. Google SketchUp Pro: aplicado ao projeto
arquitetônico. São Paulo: Novatec Editora, 2010.

332
A FAZENDA DE CRIAR SERIDOENSE DO SÉCULO XIX: A
MODELAGEM GEOMÉTRICA DIGITAL TRIDIMENSIONAL COMO
FERRAMENTA DE REGISTRO E MEMÓRIA

Ariane Magda Borges


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
arq.arianeborges@gmail.com
José Clewton do Nascimento
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
jclewton@hotmail.com
Josivan Medeiros da Silva Gois
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
josivan.medeiros@gmail.com
Joyce Kallyna Da Costa Morais Cabral
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
joycekcosta13@gmail.com
Lívia Nobre de Oliveira
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
arq.arianeborges@gmail.com

RESUMO
O presente artigo apresenta os resultados parciais da pesquisa “A fazenda de criar seridoense:
Documentação de uma referência para construção no clima quente e seco”, em andamento, que tem
como um de seus objetivos a documentação e ampliação do registro existente sobre as casas de
fazenda de gado do século XIX na região do Seridó potiguar. A arquitetura produzida para subsidiar a
atividade pecuarista, que impulsionou o povoamento e assentamento das famílias no sertão potiguar,
tem grande relevância para a identidade seridoense. Entretanto, grande parte deste importante
acervo arquitetônico encontra-se em mau estado de conservação, ou estão em processo de
dilapidação ou já estão em ruínas, evidenciando a necessidade de ações para a preservação do
referido acervo. Os procedimentos adotados no desenvolvimento da pesquisa foram: levantamento
bibliográfico nos inventários existentes sobre a arquitetura rural seridoense; levantamento
arquitetônico e registro fotográfico das fazendas; e, por fim, modelagens geométricas digitais
tridimensionais das fazendas visitadas e renderização dos modelos produzidos. Para exemplificar os
resultados obtidos, foram selecionadas três fazendas: Pitombeiras, Garrotes e Palma. Em análise aos
resultados, conclui-se que a modelagem geométrica digital tridimensional não exclui as formas
tradicionais documentação, mas as complementa e permite uma leitura mais ampla dos edifícios
patrimoniais, oferecendo base para intervenções e outros estudos.
Palavras-chave: Arquitetura rural. Seridó. Fazendas de gado. Documentação. Modelagem
geométrica.

333
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

ABSTRACT
This paper presents partial results of an ongoing research entitled: “The creation farm in Seridó:
Documentation of a reference for buildings in the warm and dry climate”, which has as one of it’s goals
th
the documentation and enlargiment of the existenting register about 19 century cattle farm houses in
Seridó region. The architecture to support the pastoralist activity, which boosted the occupation and
settlement of the families in potiguar’s hinterland, has a great relevance for Seridó’s identity. However,
a great part of this important architectural collection is in bad conservation conditions, either in process
deterioration, or finally already in ruins, alerting to the necessity of actions to preserve this collection.
The procedures selected in this research were: bibliographical research of existing inventories on
Seridó´s rural architecture; architectural survey and photographic record of the farms; and finally, the
geometric modeling and rendering the produced models of the visited farms. Three farms were
selected to illustrate the results obtained: Pitombeiras, Garrotes and Palma. Analysing the results, we
conclude that the geometric modeling doesn’t exclude the traditional forms of documentation, it rather
complements and provides a larger reading of the countryside building heritage, offering data for
interventions and for others studies.
Keywords: Rural architecture. Seridó. Cattle farms. Documentation. Geometric modeling.

1 INTRODUÇÃO
O Seridó é uma microrregião do Rio Grande do Norte, que teve seu povoamento iniciado no
século XVII com a pecuária como principal atividade econômica, levando ao assentamento
das famílias no sertão potiguar. Posteriormente, o cultivo do algodão, foi associado à
referida atividade, servindo para expansão e fortalecimento da fixação da população no
Seridó. Este processo de formação territorial resultou na produção de um importante
patrimônio arquitetônico rural no Rio Grande do Norte, as fazendas de gado, que se
constituem em exemplares de significativa relevância para a identidade da região e para a
compreensão do modo de construir que melhor se adéqua ao local.
O presente artigo apresenta os resultados parciais da pesquisa “A fazenda de criar
seridoense: Documentação de uma referência para construção no clima quente e seco”, em
andamento, que tem como um de seus objetivos a documentação e ampliação do registro
existente sobre as casas de fazenda do século XIX na região do Seridó potiguar. Em análise
aos inventários existentes, foram identificados 210 exemplares dentro desse conjunto
arquitetônico, dos quais aproximadamente 30%, 72 fazendas, ainda apresentam bom estado
de conservação e preservação, mas grande parte deste importante acervo arquitetônico
encontra-se em mau estado de conservação, isto é, ou estão em processo de dilapidação
ou já estão em ruínas. Tal constatação torna evidente a necessidade de realizar a
documentação deste acervo antes que venha a extinguir-se, e contribuir para ações de
valorização deste patrimônio arquitetônico. Como principal limitação no decorrer do
processo podemos apontar para a dificuldade de acesso e o abandono de muitas dessas
casas, o que inviabiliza a realização do levantamento arquitetônico da edificação. Por esta
razão, o estado de preservação e conservação e a disponibilidade de acesso à edificação
como um todo, externa e internamente, foram os critérios adotados na escolha das fazendas
que estão sendo documentadas.
A pesquisa desenvolveu-se em três etapas, conforme os procedimentos adotados. A
primeira etapa consiste no levantamento bibliográfico nos inventários existentes sobre a
arquitetura rural seridoense (DINIZ, 2008; FEIJÓ, 2002; IPHAN, 2012), bem como visitas de
reconhecimento para ampliação dos inventários. Na segunda etapa, realizaram-se os
levantamentos arquitetônicos e registro fotográfico das casas de fazendas. A terceira e
última destina-se às modelagens geométricas digitais tridimensional das fazendas visitadas
e renderização dos modelos produzidos.
Para exemplificar os resultados obtidos, foram selecionadas três fazendas: Pitombeiras e
Garrotes, situadas no município seridoense de Acari, e Palma, situada no município de
Caicó. Em análise aos resultados, conclui-se que a modelagem geométrica digital
tridimensional não exclui as formas tradicionais documentação, mas as complementa e

334
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

permite uma leitura mais ampla dos edifícios patrimoniais, oferecendo base para
intervenções e outros estudos. No caso específico da pesquisa principal, do qual este artigo
apresenta resultados parciais, esta documentação realizada nas casas de fazenda auxilia na
realização de medições de conforto ambiental para obtenção de referências projetuais
adequadas às condicionantes locais da região semiárida, onde se insere o Seridó potiguar.

2 FORMAÇÃO TERRITORIAL DO SERIDÓ E AS FAZENDAS DE CRIAR


O povoamento do sertão norte-rio-grandense, onde se insere a microrregião do Seridó,
iniciou-se no século XVII com a fixação dos sesmeiros e de suas famílias. Na segunda
metade do século XVII, os currais de gado haviam se espalhado pela região, tomando
lugares antes ocupados pelos índios (DINIZ, 2008). No século XVIII, atrelada à economia
açucareira, a pecuária no sertão experimentou seu período de maior expansão. Mesmo com
a crise da produção açucareira no século XVIII, o criatório permaneceu como principal
atividade econômica da região, ligada à subsistência da população. Nesse sentido, à
pecuária foi conferida certa exclusividade econômica no Seridó Potiguar até meados do
século XIX, quando, entre 1845 e 1846, uma severa seca assolou a região, de forma que a
dizimação dos rebanhos arrasou economicamente a província, gerando a necessidade de
busca por alternativas econômicas. A atividade pastorícia, contudo, não fora abandonada,
mas a partir deste momento produtos agrícolas, como o algodão no caso do Seridó,
começaram a se firmar, também, como base produtiva. A economia algodoeira gerou uma
dinâmica regional distinta da pecuária, pois não se restringia ao ambiente rural, já que o
beneficiamento e a comercialização do algodão ocorriam em ambiente urbano, o que deu
impulso ao desenvolvimento das cidades na região. Nesse sentido, a economia do algodão
alavancou o desenvolvimento regional, projetando o Seridó para o restante do Rio Grande
do Norte, lhe conferindo importância econômica e política no cenário estadual (IPHAN,
2012).
O resultado do desenvolvimento da pecuária como principal atividade econômica do Seridó
Potiguar é que uma grande quantidade de pátios de fazenda onde os vaqueiros aboiavam
são hoje praças centrais de cidades sertanejas; semelhantemente, quase todas as sedes
municipais no interior do território potiguar foram antigas fazendas de gado (DINIZ, 2008).
Segundo Diniz (2008), a economia que se desenvolveu no Seridó potiguar deixou como
legado um importante acervo arquitetônico, de grande relevância para a identidade desta
região, pois têm particularidades muito especiais no que diz respeito à sua história, cultura e
população.

3 MÉTODO
A pesquisa tem seu universo de estudo formado por edificações rurais de uso residencial
datadas do século XIX, localizadas na região do Seridó potiguar, e desenvolveu-se em três
etapas, conforme os procedimentos metodológicos adotados.
A primeira etapa consistiu no levantamento bibliográfico nos inventários existentes sobre a
arquitetura rural seridoense (DINIZ, 2008; FEIJÓ, 2002; IPHAN, 2012), bem como visitas de
reconhecimento para ampliação dos inventários. Em 2002, Feijó inseriu em sua dissertação
de mestrado inventários de 11 fazendas do município de Acari; no ano de 2008, Diniz,
incluiu em sua dissertação inventários de 55 fazendas de 12 municípios seridoenses e em
2012 o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) realizou um inventário
onde constam 178 casas de fazenda. Tomando por base estes inventários e acrescentando
mais 3 casas de fazendas visitadas no início de 2013 no município de Jucurutu, temos o
total de 210 fazendas, com o cuidado de não contabilizar mais de uma vez aquelas que
encontram-se presente em pelo menos dois dos 3 inventário. Nesta etapa foi ainda realizada
uma triagem para identificar o estado de conservação, preservação e viabilidade de acesso,
resultando em 72 fazendas ao todo.

335
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Na segunda etapa, realizaram-se os levantamentos arquitetônicos e registro fotográfico das


casas de fazendas.
A terceira e última etapa destinou-se às modelagens geométricas digitais tridimensionais
das fazendas visitadas, no software SketchUp® 8.0 e renderização dos modelos
produzidos, no Lumion® 4.0. Esta etapa apoia-se nos produtos da segunda etapa, isto é, foi
a partir das medidas obtidas no levantamento arquitetônico e usando as fotografias como
referência para conferência de informações como cores, acabamentos e paisagem do
entorno que realizou-se a modelagem geométrica.

4 RESULTADOS

4.1 Fazenda Pitombeiras


A fazenda Pitombeiras (Figura 1), no município de Acari, foi construída no ano de 1870.
Segundo Diniz (2008), o proprietário mais antigo foi Manoelzinho da Pitombeira. Depois
passou para Quinta Servita (Joaquim Servita de Pereira Brito), e em 1920 foi vendida para
João Odorico (João Silvério de Araújo). Atualmente, pertence a Marcos Dantas
Nepomuceno.
Em 2002, conforme descreve FEIJÓ (2002), esta fazenda se encontrava abandonada e em
processo de degradação: “um belo exemplar de uma casa de fazenda típica do Seridó,
contudo, lamentavelmente, pelo que se pode observar, está decretado seu
desaparecimento, já que não mais dispõe de uma única folha de porta ou janela, não por
terem se acabado, mas por haverem sido retiradas”. De acordo com o autor, ainda se
mantinham naquele momento as características da construção original, tais como: o “telhado
de arrasto”, os esbeltos pilares de madeira no alpendre, escada de acesso ao sótão.
Entre os anos de 2005 e 2007 a fazenda foi restaurada e ampliada para voltar a ter uso. O
atual proprietário, Marcos Nepomuceno, buscou conservar as características originais da
casa como a distribuição espacial do núcleo original, o que inclui o sótão e,
consequentemente, telhado em duas águas com grande inclinação (telhado de arrasto),
entretanto, muitos dos materiais precisaram ser recuperados, utilizou-se para tanto dos
espólios de outras duas casas de fazenda da região.
Conforme pode ser visto nas Figuras 2 e 3, o modelo gerado por meio de software
computacional proporciona a interação do patrimônio edificado de modo que é possível
reproduzir os ambientes, e levar o observador inteirar-se das relações dos espaços tanto
internamente como externamente, levando a uma melhor compreensão da distribuição
espacial da casa, bem como, a forma da caixa mural e sua relação de proteção em relação
ao espaço externo.

Figura 1 – Fazenda Pitombeiras

Fonte: Acervo dos autores

336
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 2 – Fazenda Pitombeiras - Modelo produzido no Sketchup

Fonte: Elaborado pelos autores

Figura 3 – Fazenda Pitombeiras - Modelo renderizado no Lumion

Fonte: Elaborado pelos autores

4.2 Fazenda Garrotes


A fazenda Garrotes (Figura 5), no município de Acari, foi construída na segunda metade do
século XIX e tinha como principais atividades a pecuária e o cultivo de algodão. Inicialmente
pertencia a Félix dos Garrotes, atualmente pertence a Inalda Bezerra Marinho, e permanece
apenas com a pecuária como atividade de produção econômica. A casa de fazenda está
implantada num elevado e tem à sua lateral um belo açude, e à frente uma grande faixa de
serrotes. Não apresenta sótão, mas mantém possui a característica do telhado de arrasto
comum nessa produção arquitetônica, que resulta num alto pé direito no ambiente que fica
logo abaixo da cumeeira, uma vez que quando não há sótão, estas casas não costumam
possuir forro, mas apenas o que chamamos de telha vã. A modelagem geométrica digital

337
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

tridimensional e respectiva renderização desta fazenda, estão demonstradas nas Figuras 5


e 6.

Figura 4 – Fazenda Garrotes

Fonte: Acervo dos autores

Figura 5 – Fazenda Garrotes - Modelo produzido no Sketchup

Fonte: Elaborado pelos autores

Figura 6 – Fazenda Garrotes - Modelo produzido no Lumion

Fonte: Elaborado pelos autores

338
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Fonte: Elaborado pelos autores

4.3 Fazenda Palma


A Fazenda Palma, atual Casa Rural Assis Ageu (Fig. 7), está situada no Distrito da Palma,
município de Caicó. Ela teve sua construção em meados do século XIX e pertenceu
inicialmente ao Padre Gil Brás de Figueiredo. Embora apresente um estado de conservação
bom em alguns elementos como escada e piso do sótão, e regular e precário em outros,
como é o caso das esquadrias e alvenarias externas, ela mantém as características
originais. Esta fazenda apresenta um estado mais degradado que os outros exemplares,
mas conforme pode ser visto nas Figuras 8 e 9, a documentação por meio da modelagem
geométrica digital tridimensional permite visualizar a edificação em um estágio mais
conservado que o atual, e livre da deterioração de seus elementos.

Figura 7 – Fazenda Palma

Fonte: Acervo dos autores

Figura 8 – Modelo produzido no Sketchup

Fonte: Elaborado pelos autores

339
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Figura 9 – Modelo produzido no Sketchup

Fonte: Elaborado pelos autores

5 CONCLUSÕES
Os resultados obtidos a partir da modelagem geométrica digital tridimensional dos
exemplares de casas de fazendas do Seridó potiguar permitem-nos concluir que este tipo de
documentação não exclui as formas tradicionais como o registro fotográfico, croquis e
desenhos em CAD, mas as complementa e oferece uma visão mais ampla a respeito do
edifício, favorece também ações de preservação, por proporcionar também um material de
base para intervenções e estudos posteriores, tais como os de conforto ambiental que são
realizados no projeto de pesquisa do qual este artigo apresentou os resultados parciais.

REFERÊNCIAS
DINIZ, N. M. M. Velhas Fazendas da Ribeira do Seridó. Dissertação de Mestrado. FAU-
USP. São Paulo, 2008.
FEIJÓ, Paulo Heider Forte. A arquitetura tradicional de Acari no século XIX: estudo
comparativo entre a casa grande de fazenda e a casa urbana. Dissertação de mestrado.
PPGAU-UFRN. Natal, 2002.
IPHAN/RN. Inventário de conhecimento do patrimônio rural da região do Seridó
Potiguar. Natal, 2012.
LUMION. Version 4.0.2. Act-3D B.V, 2013. Programa de computador. 1 CD-ROM.
SKETCHUP. Version 8.0. Google, 2010. Programa de computador. 1 CD-ROM.

340
GATO POR LEBRE: EVIDÊNCIAS DE DESAPARECIMENTO DE
QUALIDADES URBANAS QUE CONTINUAM A ANCORAR O
MARKETING IMOBILIÁRIO EM NATAL, RN

Edja Trigueiro
PhD (Bartlett School, UCL, University of London). Professora Universidade Federal do Rio Grande do
Norte - UFRN. E-mails: edja_trigueiro@ct.ufrn.br / edja.trigueiro@gmail.com

Bárbara Rodrigues Marinho


Graduanda em Arquitetura e Urbanismo, UFRN. E-mail: barbara.rodm@hotmail.com

Nathália de Araújo Pinheiro


Graduanda em Arquitetura e Urbanismo, UFRN. E-mail: nathaliaapinheiro@gmail.com

RESUMO

Desde os anos 1990 estamos compilando um acervo digital composto por trabalhos acadêmicos de
naturezas diversas que tratam do ambiente construído do Rio Grande do Norte de fins do século 18
aos anos 1970. A construção desse acervo foi motivada pelo processo intenso de transformação que
se estava observando então nas cidades potiguares, sobretudo nos núcleos mais antigos. Reúne
imagens e dados quantitativos e qualitativos que sintetizam estudos histórico-morfológicos sobre
edifícios, muitos não mais existentes, de modo que grande parte do que se perdeu só pode ser
estudada a partir desses e de registros afins. Neste estudo são enfocados edifícios localizados nos
bairros de Petrópolis e Tirol nas frações aproximadamente correspondentes ao perímetro da Cidade
Nova, primeira área projetada de Natal, entendida como espaço urbano socioeconômica e
ambientalmente privilegiado desde sua origem e até os dias atuais. O monitoramento da
transformação e desaparecimento dos edifícios aí registrados, paralelamente à análise morfológica da
estrutura espacial de Natal em épocas sucessivas, fornece evidências que autorizam afirmar ser este
processo não só um reflexo de fatores socioeconômicos e culturais que estão na raiz da perda do
etos privilegiado da área, mas um fator gerador dessa perda, ainda que a propaganda imobiliária e
comercial acerca dos bairros expressem qualidades ali não mais existentes.

Palavras-chave: Acervo digital. Arquitetura pré-modernista e modernista.Transformação urbana.


Cidade Nova.Natal.

ABSTRACT
Since the 1990s we have been developing a digital database in which information is assembled from
academic works of various kinds that address the built environment of the state of Rio Grande do
Norte, Brazil, from the late eighteenth century do the 1970s. The development of that database was
motivated by the intense transformation process that could then be observed in towns round the state,
particularly in the older settlements. The quantitative and qualitative data as well as the images
compiled in the base synthetise historic and morphologic studies about buildings which are often no

341
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

longer extant, so that much of what has been lost can only be studied from these and similar records.
This paper focuses on buildings located in the neighbourhoods of Petropolis and Tirol (Natal) in an
area fairly corresponding to the perimeter of Cidade Nova, first planned settlement in town, seen as a
privileged urban space both in socioeconomic and environmental terms, from its origins to the present
day. The observation of the way and pace in which the recorded buildings are changed or disappear,
alongside the analysis of Natal’s spatial structure over time, offer evidence that this course of events
not only reflects socioeconomic and cultural factors underlying a growing loss of quality in the area,
but are a key factor for that loss, despite the discourse conducted by real estate agents, still heavily
based on those vanishing qualities.

Keywords: digital database.pre-modern and modern architecture. urban transformation. Cidade Nova.
Natal.

1 PETRÓPOLIS E TIROL: UMA IMAGEM QUE DESVANECE


Petrópolis é um bairro nobre localizado na Zona Leste da cidade de Natal,
[...]. Esse bairro apresenta a melhor qualidade de vida da cidade.
Juntamente com o bairro vizinho do Tirol, Petrópolis ostenta uma relevante
imagem simbólica positiva, desde a época em que foi criado, para abrigar
a elite. Suas ruas e largas avenidas, projetadas pelo arquiteto grego
Giácomo Palumbo, dão um ar de modernidade ao bairro, fato que
diferencia a cidade das demais capitais nordestinas. Atualmente eles
continuam atraindo as classes elitizadas, com um dinâmico processo de
renovação do estoque habitacional e, consequentemente, do padrão do
ambiente construído, a maioria em processo de verticalização. Os dois
bairros concentram as maiores rendas médias, que chegam a índices
maiores que 350% da renda média do município e mais de 240% da renda
da Região Administrativa em que se inserem (Zona Leste). Assim, eles
apresentam um dos mais altos preços imobiliários, tendo em vista os
seus atributos, tais como: elementos paisagísticos de grande valor, boas
condições relativas ao provimento de infraestrutura e serviços públicos,
localização central e acesso fácil a todas as partes da cidade; além do
status especial e da qualidade de vida de quem mora nesses bairros. [...] é
considerado por muitos o lugar mais vantajoso para se morar em Natal.
(Grifos nossos) [http://pt.wikipedia.org/wiki/Petr%C3%B3polis_(Natal);
consultado em 29/07/2014]
A citação acima sintetiza o discurso que sustenta a propaganda imobiliária sobre os bairros
de Petrópolis e Tirol, em Natal. Serve aqui, portanto, ao propósito de economizar palavras
para delinear o teor do marketing referido no título deste artigo. Ecoa, também, outras
menções frequentes na esfera midiática, como, por exemplo, nas colunas sociais, em que a
área é referida como “Plano Palumbo”, alcunha inexata, aparentemente empregada para
conferir-lhe finesse e distinção, como primeiro bairro projetado de Natal, então chamado
Cidade Nova. Todavia, seu traçado original foi definido entre 1901 e 1904, conforme
Cascudo (1980:331), que dá conta de conversações sobre a criação da Cidade Nova desde
o governo Pedro Velho, 1892-96, portanto, muito antes da elaboração, em 1929, do Plano
Geral de Systematização da Cidade de Natal, por Giácomo Palumbo, no qual a malha viária
em grelha originalmente projetada foi mantida.
Argumentamos aqui que a “relevante imagem simbólica positiva” atribuída aos bairros nos
vários discursos não mais encontra sustentação em qualidades urbanas que um dia
existiram, enfocando nosso argumento no conjunto edílicio legado de épocas sucessivas, a

342
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

partir da segunda ou terceira década do século 20, cujo desmonte monitoramos há anos,
mediante a organização de um acervo digital reunindo informações sobre edifícios
construídos até os anos 1970, década que assinala o início do “dinâmico processo de
renovação do estoque habitacional e [...] verticalização”.
Argumentamos, também, que a transformação desse conjunto edílico não só reflete fatores
socioeconômicos e culturais que estão na raiz da perda do etos privilegiado da área, como
promove um progressivo distanciamento em relação aos citados “elementos paisagísticos
de grande valor”, e demais qualidades urbanas listadas no verbete Wikipedia, que
intentamos discutir aqui: “localização central”, “acesso fácil a todas as partes da cidade” e
“altos preços imobiliários”; “um ar de modernidade”, e “provimento de infraestrutura e
serviços públicos”; “status especial” e “qualidade de vida de quem mora nesses bairros”.

2 VESTÍGIOS DE UMA CIDADE SEMPRE NOVA


Natal é uma cidade sempre nova, sem casario triste e sujo, sem os
sobradões lúgubres que ainda o Recife é obrigado a manter. Cidade
pequena e pobre teve a recompensa da sua pequenez e humildade, não
dando problemas maiores aos seus futuros administradores. (CASCUDO in
NATAL, 1948:2)
O bairro que surgiu como espaço para o novo, que deu lugar as novas
formas de morar e construir parece dar continuidade ao “seu processo
natural”. O antigo bairro da Cidade Nova tem sofrido uma total substituição
de seu patrimônio arquitetônico em prol do progresso e das novas
exigências do mercado. (OLIVEIRA, 2013, p.18)
A cidade pequena e pobre cresceu e parece ter perdido a recompensa de sua outrora
humildade. Ganhou casario triste e sujo, não sobradões do século 19, tão prezados por
recifenses de distintos degraus da escada socioeconômica, e de visão tão diversa da das
elites potiguares de que o mestre Cascudo é aqui porta-voz, mas o que sobrou – como
reserva ou refugo – da cidade sempre nova. O caso do bairro da Cidade Nova, objeto deste
estudo, encapsula esse cenário, palco de problemas urbanos certamente “maiores”.
O acervo que vimos compilando, a partir de trabalhos acadêmicos desenvolvidos ou
orientados por componentes do grupo de pesquisa em Morfologia e Usos da Arquitetura -
MUsA/UFRN, reúne imagens e dados quantitativos e qualitativos que sintetizam estudos
histórico-morfológicos sobre edifícios construídos de fins do século 18 aos anos 1970,
muitos não mais existentes. A construção desse acervo foi motivada pelo processo intenso
de transformação que vem atingindo as cidades potiguares, sobretudo em suas áreas mais
antigas.
Neste estudo serão enfocados registros de edifícios localizados em frações dos bairros
Petrópolis e Tirol que, somadas, correspondem, grosso modo, ao perímetro da Cidade
Nova, considerando-se acréscimos nas franjas e em espaços intersticiais desse recorte.
Para a montagem do acervo foram explorados recursos digitais capazes de articular dados
cartográficos, gráficos e textuais e, portanto, facilitar a consulta de informações sobre
imóveis documentados a partir de trabalhos acadêmicos reunidos em um sistema de
informações geográficas (SIG). Foram desenvolvidas rotinas de disponibilização das
informações visando a busca, articulação e visualização de um conjunto padrão de
informações básicas espacializáveis: localização, número do imóvel, filiação estilística, uso

343
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

do solo, estado de conservação e preservação do imóvel, autoria do projeto (quando


existente) e título do trabalho fonte das informações.
No SIG, a articulação das variáveis computadas permite a geração de mapas temáticos que
subsidiam estudos de várias naturezas e funcionam como ferramentas de reflexão sobre o
processo de formação/transformação urbana. Além do SIG – a base de referência para os
demais arquivos – outras informações consideradas relevantes sobre cada imóvel, quando
existentes, estão reunidas em 3 pastas complementares, contendo arquivos identificados
através da sua localização, por designação do bairro, logradouro e número. Uma síntese do
material compilado sobre a área objeto deste estudo pode ser vista na Figura 1: (A) pasta
das fotografias; (B) das fichas sinópticas nas quais estão sintetizadas (em textos e imagens)
as informações mais importantes contidas em cada fonte pesquisada; e (C) das
representações gráficas planas (croquis ou CADs de plantas-baixas, cortes e fachadas) ou
tridimensionais (perspectivas, digitalização em 3D). Há ainda uma quarta pasta, contendo
material complementar que raramente se encontra nos estudos (fotos antigas, entrevistas
com arquitetos, clientes, moradores, outros itens de memorabilia), cada arquivo igualmente
identificado pela localização do imóvel..

Figura 1 – Exemplo de organização do acervo digital: SIG do recorte Petrópolis/Tirol com um


dos edifícios registrados – sede social do América F.C – em destaque; pastas de fotos (A),
de fichas-síntese (B), e de informações complementares (C) sobre registros localizados na
na Av. Rodrigues Alves

Fonte: Acervo MUsA

344
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Nos últimos anos, a inclusão de Natal nas varreduras fotográficas Street View, parte dos
mecanismos de busca Google, e o lançamento da plataforma Google Fusion Tables
inspiraram-nos a aproveitar esses recursos para monitorar o ritmo e alcance da
transformação edilícia, comparando as imagens de nossos acervos a imagens mais
recentes (2011) das ruas, bem como para armazenar, visualizar e disponibilizar nossos
dados na rede mundial de computadores, experiência detalhada por Nicholas Martino
(2014), que vislumbrou essa possibilidade e iniciou a transposição dos dados para o blog
ilustrado na Figura 2 (sede social da ASSEN, como exemplo).

Figura 2 – Vistas do blog que contém o acervo online

Fonte: Acervo MUsA

O escrutínio desse acervo, com enfoque no processo de transformação dos edifícios aí


registrados, paralelamente à análise morfológica da estrutura espacial de Natal – referida a
seguir – fornecem evidências que sustentam nosso argumento acerca da perda das
qualidades que definiram a ambiência privilegiada da área Petrópolis/Tirol, sobre as quais se
assenta, ainda, o discurso valorativo desses bairros.

3 DESMONTANDO UM DISCURSO VAZIO

3.1 Sobre “localização central”, “acesso fácil a todas as partes da cidade” e


“altos preços imobiliários”
Tendo como premissa a ideia de que a malha viária é o principal gerador de movimento
(Hillier, 1996) e que o movimento é o principal indutor do uso do solo, buscou-se averiguar
como alterações – por expansão ou intervenções – na estrutura espacial global de Natal

345
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

afetaram frações urbanas específicas, sobretudo as mais antigas, e o conjunto edilício ali
existente.
Procedimentos de análise sintática do espaço (Hillier e Hanson, 1984) possibilitam
quantificar a acessibilidade topológica, ou valor de integração, definido como a
acessibilidade relativa de cada via ou segmento de via, consideradas todas as demais que
compõem a estrutura espacial estudada (cidade, área metropolitana, etc). Ou seja, mede-se
aí a maior ou menor facilidade de se chegar, a partir de cada via e mediante menos ou mais
mudanças de direção, a todos os componentes de uma malha viária, que podem, então, ser
hierarquizados em uma escala de acessibilidade topológica (porque contempla a localização
relativa de cada componente em face de todos os demais). O conjunto de vias mais
acessíveis, conceituado como núcleo de integração, costuma corresponder às vias mais
movimentadas daquela estrutura espacial.
A análise sintática da malha viária de Natal em perspectiva diacrônica, de meados do século
19 ao final do século 20 (Trigueiro e Medeiros, 2000; Trigueiro, 2006), revelou relações
estreitas entre estágios sucessivos de transformação da estrutura espacial e a setorização
de atividades comerciais que acompanharam a formação e deslocamento do núcleo de
integração. Nos anos 2000 (Trigueiro et al, 2003), verificou-se que o núcleo de integração
ampliou-se, expandindo-se sobre a malha ortogonal de Petrópolis e Tirol, que se tornou uma
das tessituras topologicamente mais acessíveis da cidade, conforme representação (em
linhas de tons quentes – vermelhas, laranjas e amarelas) na figura 3.

Figura 3 – Acessibilidade topológica de parte da Região Metropolitana de Natal no início dos


anos 2000 (área Tirol/Petrópolis em destaque)

Fonte: Acervo MUsA

Esse alto potencial de movimento confirma a prerrogativa de “localização central” e “acesso


fácil a todas as partes da cidade” do discurso midiático, sendo também o ingrediente base
da valorização do solo e, portanto, dos altos preços imobiliários. Alta acessibilidade aliada a
uma legislação fundiária permissiva e à ausência de políticas de conservação da paisagem

346
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

urbana – arquitetural, vegetal ou social – arma o cenário (figura 4) para a metamorfose


corrente de Petrópolis/Tirol em uma massa edificada que, à distância, se confunde com
qualquer área adensada nas últimas décadas neste país e, de perto, oferece cadeias de
barreiras, das muralhas de edifícios, das fileiras de carros estacionados entre (ou sobre) as
calçadas fronteiras aos estabelecimentos de comércio e serviços, de muros e cercas a
resguardar as raras casas que teimam em lá permanecer, ou os vazios de estacionamentos
e terrenos reservados para “engorda” financeira, banguelas subtraídas ao outrora casario.
Correspondendo só e ironicamente à lógica do automóvel (nestes tempos em que tanto se
fala em inclusão social), esse cenário torna infernal o percurso de pedestres forçados a
negociar passagem entre obstáculos. É, entretanto, o meio de vida para abandonados de
toda sorte, assunto que será retomado no item “qualidade de vida”.

Figura 4 – Imagens atuais de Tirol/Petrópolis

Fontes: Topo - (E) Tribuna do Norte online; (D), Google Maps 2014; centro – autoras; base - Google Maps 2014

347
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

3.2 Sobre um ar de modernidade, infraestrutura e serviços públicos


Atualmente não existe em toda a cidade uma só casa que date do século
XVIII. Todas são posteriores a 1800. Excetuam-se as Igrejas,
naturalmente…[...] No ponto de vista estritamente moderno esse
desgastamento rápido foi um benefício. (CASCUDO in NATAL, 1948:2)
Na citação de Cascudo as noções “moderno” e “novo” parecem equiparar-se, o que não
surpreende em texto escrito em 1948, quando o pais se encantava com a modernidade,
como musa redentora de um passado que se queria apagar. Contudo, a manifestação talvez
mais reconhecida e aclamada da modernidade brasileira – a arquitetura moderna – é hoje a
principal vitima da confluência de interesses e forças atuando sobre o espaço brasileiro,
sobretudo naquelas cidades que prezam por se manterem sempre novas, expressão
recorrente em estudos sobre Natal, como refere Giovana Oliveira (2000).

A expansão urbana através do bairro da Cidade Nova era extremamente


modernizadora e adequada à época em que foi concebida, pois propunha
áreas arborizadas com baixa densidade de ocupação, apresentava
aspectos que proporcionavam a organização do espaço da cidade,
caracterizando-o como promotor da modernização, alargava o limite urbano
da cidade e estabelecia as bases para uma ocupação mais ordenada no
futuro. (OLIVEIRA, 2000, p.62)
Até meados dos anos 1990, Petrópolis e Tirol concentravam e continham, ainda, grande
parte da produção arquitetônica modernista potiguar, sobretudo em residências
unifamiliares. Sua acessibilidade e valorização imobiliária, atreladas à frouxidão das
prescrições urbanísticas do Plano Diretor de 1994, concorreram para apagar o “ar de
modernidade” que essas casas conferiam e para comprometer uma infraestrutura, tida como
privilegiada em relação aos demais bairros. O adensamento e verticalização da área vem
exercendo uma pressão insuportável sobre a malha viária, conforme expõe Heliana
Carvalho (2007):

[...] a construção de grandes empreendimentos residenciais no Tirol tem


sido uma constante, dada à facilidade de adensamento prevista no Plano
Diretor em vigor. Os altos coeficientes de aproveitamento previstos para o
bairro, apenas fixando o gabarito máximo a 90 metros de altura e
características como localização, a proximidade dos serviços e comércio e o
status de “bairro das elites” – atraem e muito a classe média e alta [...]
(CARVALHO, 2007, p.119/120)
Com a intensificação do tráfego, a falta de estacionamento para veículos
particulares foi aumentando e os motoristas passaram a utilizar os canteiros
centrais como alternativa de estacionamento, mesmo sabendo que estavam
infringindo o Código de Trânsito Brasileiro. A presença de alguns
estabelecimentos comerciais e de serviços de grande porte (bancos e
hospitais) acelerou a condição de precariedade do trânsito nesse local e,
para agravar ainda mais a situação, esta via também passou a admitir o
transporte coletivo, com os alternativos municipais e intermunicipais [...]
(CARVALHO, 2007, p.132)

Ao final dos anos 1990, a aceleração do processo de mudança, iniciado nos anos 1970,
saltava aos olhos, clamando por providências ou, ao menos, por registros capazes de

348
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

informar sobre um ambiente e um modo de vida que se estava perdendo quase em surdina.
Tal situação inspirou diversos estudos no âmbito da academia, alguns aqui referidos.
Alexandra Melo (2004) compilou dezenas de projetos de casas construídas em
Petrópolis/Tirol em um esforço de documentar e avaliar nossa produção da arquitetura
moderna, apurando especificidades dos seus aspectos formais, construtivos e espaciais,
identificando e ressaltando a atuação dos projetistas, muitos deles sem formação
acadêmica. Maria Heloisa Oliveira (2013) comparou o estado de conservação e preservação
de edifícios da Av. Afonso Pena com o que havia sido observado cinco anos antes, e
destacou o aparecimento de terrenos vazios, decorrentes da demolições de casas. algumas
ilustres representantes da nossa produção modernista, questionando o sentido dessa perda
em prol de um ideal que muitos acreditam ser de “modernidade”. Parte dos registros que
compõe hoje nosso acervo deve-se a Henrique Ramos (1999) que inventariou a arquitetura
pré-modernista de Petrópolis ainda existente em finais do século 20 e constatou que:
Constroem-se edifícios de apartamentos em um ou mais lotes antes
ocupados por residências. Casas antigas são reformadas, principalmente
para comportar novos usos, como estabelecimentos comerciais e de
serviços, assim como clinicas médicas e odontológicas. Vestígios das
primeiras décadas de ocupação do bairro são apagados. (RAMOS, 1999, p.
86)
Em estudo publicado em 2003 (Trigueiro et al), foi dito que caso se confirmasse a tendência
de exacerbação do já então elevado ritmo de reconstrução de Petrópolis/Tirol, os vestígios
que carregaram até o alvorecer do século 21, uns ares da feição original da Cidade Nova do
alvorecer do século 20, seriam, em breve, história. Passados onze anos, aquela afirmativa
soa como presságio, conforme demonstram os gráficos da Figura 5.

Figura 5 – Gráficos referentes ao estado de preservação da amostra

Fonte: Acervo MUsA

349
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

3.3 Sobre status especial e qualidade de vida


Em carta a Cascudo (1980: 332-334) o ex-governador Alberto Maranhão narra o nascimento
de Petrópolis e Tirol, citando, nome a nome, mais de uma dezena de proprietários de sítios
e casas ali, gente afeita a invocar “leituras literárias” para nomear suas propriedades,
segundo o missivista, conforme “a mania do tempo” – Pretoria, Betânia, Senegal,
Cavadonga. Os nomes dos bairros tampouco escaparam à “mania”: a “Petrópolis
fluminense, dos veranistas do Rio, a cidade dos diários”, e a “província austríaca”.
Tais invocações reforçam a ideia que se tem dos primeiros moradores como figuras da elite
sociocultural potiguar, impressão aumentada pelas referências nominais feitas a eles por
Alberto Maranhão, um dos membros mais destacados da cena política e econômica
potiguar, também proprietário e morador da área. A carta cita duas residências suas
localizadas em: um sítio no alto de Petrópolis, fronteiro ao mar, onde depois foi construído o
hospital Jovino Barreto, depois Miguel Couto, depois das Clínicas, hoje Onofre Lopes; e um
sítio do Tirol, Av. Hermes da Fonseca, que depois sediou o Aero Clube. Esse seria o
Covadonga, cuja sede é referida por Maranhão como “casinha”, mas que Cascudo
(1980:334/335) afirma ter visitado em companhia do ex-governador, em 1943, e considerou
um “bangalô de gente rica”.
João Maurício Miranda (1999:69) apresenta imagem de edifício situado na esquina da Av.
Hermes da Fonseca com R. Maxaranguape com a legenda “Covadonga”, possivelmente
referindo-se apenas ao sítio de onde se desmembrou o terreno da casa que, entretanto, tem
aparência coerente com um edifício construído pelos anos 1930-40. Tenha ou não esse
edifício alguma relação com a propriedade onde um dia residiu o implementador da Cidade
Nova, a trajetória de degradação por que tem passado, juntamente com outros imóveis da
área – hoje tristes e sujos (Figura 6) – é medida do descaso quanto à manutenção do
“status especial” da área.
O estado de manutenção desses edifícios encontra reverberação no estado de manutenção
de calçadas, terrenos baldios, fiação e outros itens de infraestrutura urbana, o que soa
irônico quando se aceita a ideia de que a Cidade Nova surgiu como lócus das elites
potiguares da primeira metade do século 20 e materialização de paradigmas urbanísticos
europeus, sobretudo àqueles ligados aos princípios higienistas, conforme advogam diversos
autores, não raro contrastando a Cidade Alta e a Cidade Nova como pólos opostos nessa
perspectiva:
Destinada à moradia das elites, que passariam a habitar um espaço
moderno e construído segundo os princípios difundidos pelo higienismo, a
Cidade Nova estava localizada num ponto espacialmente afastado do
“corpo sujo”, a Cidade Alta/Antiga e suas imediações, que abrigava serviços
insalubres, como matadouro e forno de incineração de lixo. (ARRAIS et al,
2008, p.111)
Giovana Oliveira (2006, pp. 46 e 73) refere a criação da Cidade Nova como uma operação
imobiliária visando a retirada de elementos que remetiam a uma imagem que já não condizia
com um local destinado à elite potiguar, e cita notícias do jornal A República sobre “cabanas
em desordem” que foram substituídas por “uma série de largas avenidas e ruas, cujo

350
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

aspecto já é bastante agradável”. Consta que aproximadamente 300 residências e ranchos


foram indenizados e removidos somente no trajeto das ruas.

Figura 6 – Edifício na esquina da Av. Hermes da Fonseca com R. Maxaranguape

Fontes:Topo (D) - Miranda, 1999; demais - autoras.

Vestígios de moradias humildes ainda podem ser identificados pela presença de edifícios
situados em lotes minúsculos nas bordas de algumas quadras cujos miolos são ocupados
por “correres” de casas ou “vilas” (Figura 7).

Figura 7 – Casas pequenas e dispostas em “vilas” de miolo de quadra (destaque),


remanescentes na Av.Afonso Pena.

Fonte: Google Maps 2014.

Por outro lado rareiam, mais e mais, as residências que demarcaram, dos anos 1920 aos
1970 o “status especial” da área. Mutiladas e degradadas, para abrigar usos que muitas

351
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

vezes poderiam ter sido acomodados nas estruturas originais, esses restos delineiam um
triste quadro, bem diferente do “aspecto bastante agradável” de que falavam os jornais de
outrora e falseiam os anúncios atuais. As maiores, com terrenos mais cobiçados pela alta
valorização do solo, são substituídas por torres residenciais ou comerciais; outras são
apenas demolidas para dar lugar a estacionamentos rotativos (Figuras 8 e 9).

Figura 8 – Edifício descaracterizado (R. Açu, 707), substituído (R. Jundiaí, 721); e demolido
para estacionamento (R. Maxaranguape, 615)

Fonte: Google Maps 2014 e autoras.

Tristes e sujas estão hoje em Petrópolis/Tirol, casas, calçadas, terrenos e, pior, menores, na
maioria meninos “pastoradores” de carros (conforme o dialeto local) que adolescem e
morrem nas drogas e na violência urbana antes dos 30. Em um espaço público cujo nexo
principal é a circulação de automóveis, meninos mal saídos da infância pagam “aluguel” por
vagas públicas de veículos aos mais fortes ou que chegaram primeiro, não raro vivendo e
dormindo nas calçadas.
No momento presente, estão sendo demarcadas pistas para pedestres ao longo dos
canteiros centrais de algumas ruas em Petrópolis/Tirol. Recapeadas com asfaltamento
macio e iluminadas por uma infinidade de pequenos postes, especialmente direcionados
(ainda em implantação) a essas nesgas de rua funcionam como estacionamento durante o
dia e servirão, supostamente, para jogging após as 20h. Enquanto isso os quilômetros e
quilômetros de “passeios” públicos, as calçadas, jazem “impassiáveis” - esburacadas,
bloqueadas, inúteis. Soa ironia grosseira que dinheiro público seja usado para viabilizar o ir
e vir de nenhum lugar para lugar nenhum, enquanto o ir e vir de e para os lugares da cidade
como parte da rotina de atividade diária do cidadão não ofereçam passagem.
Seria porque aqueles que andam a pé durante o dia não se qualificam, de fato, como
cidadãos, salvo em véspera de campanha eleitoral? E seria “qualidade de vida” viver
cercado por muros afins aos de penitenciárias – ainda que lá dentro reinem a abundância e
o privilégio – e de onde só se sai em carros fechados ou, no máximo, para caminhadas
noturnas envergando uniformes de jogger?

352
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

A figura 9 ilustra o que nos parece ser o panorama de dissolução de uma cidade que FOI.

Figura 9 – Um panorama da dissolução: casas mutiladas (R. D. José Pereira Alves, 501; Av.
Hermes da Fonseca, 754; R. Maria Auxiliadora, 776); substituídas (Av. Floriano Peixoto,
374; R. Jundiaí, 721; Rodrigues Alves, 726) e demolidas (R. Jundiaí, 698; R. Seridó, 450)

353
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Fonte: Acervo MUsA

A curiosidade maior é que a cidade sem problemas grandes foi alijando


também suas belezas, afastando-as dos olhos dos natalenses atuais.
(CASCUDO in NATAL, 1948:2)
Onde estás Cidade Nova, das ruas espaçosas, das largas calçadas, das árvores frondosas,
dos jardins floridos, dos bangalôs e casas modernistas?

AGRADECIMENTOS
Ao CNPQ e Pro-Reitoria de Pesquisa da UFRN pelas bolsas de iniciação científica e à
bolsista colaboradora Maria Heloísa Alves.

REFERÊNCIAS
ARRAIS, R.P.A; ANDRADE, A.K.G. ; MARINHO, M. M. F. O corpo e a alma da cidade:
Natal entre 1900 e 1930. Natal-RN: EDUFRN, 2008.
CASCUDO, L.C. História da cidade do Natal, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira;
Brasília, INL; Natal: UFRN, 1980.
CARVALHO, H.L. “A nova Cidade Nova: Tirol e Petrópolis, bairros em constante
transformação.” Natal, Monografia. Departamento de Arquitetura da UFRN, 2007.
HILLIER, B. Space is the machine. Cambridge: Cambridge University,1996.
HILLIER, B; HANSON, J. The Social "Logic of Space”. Cambridge: Cambridge University
Press, 1984.
MARTINO, N. “Explorando e divulgando um acervo iconográfico de arquitetura
potiguar”. Artigo Proposto: Arq Doc 2014.
MELO, A.C.S. “Yes, nós temos arquitetura moderna! Reconstituição e Análise da
Arquitetura Residencial Moderna em Natal nas décadas de 50 e 60”. Dissertação de
Mestrado. Natal: PPGAU. UFRN, 2004.
MIRANDA, J.M. Evolução Urbana de Natal em 400 anos, 1599-1999. Natal: Governo do
RN; Prefeitura de Natal, 1999.
NATAL cidade sempre nova. Diário de Natal, Natal, 10 jun. 1948 in
<http://actas.memoriaviva.com.br/2009/10/21/natal-cidade-sempre-nova.> Acesso em: 20
jul. 2014.
OLIVEIRA, G.P. De Cidade a Cidade: O processo de modernização do Natal 1889/1913.
Natal: EDUFRN, 2000.
OLIVEIRA, M.H.A. “A Cidade Nova será sempre nova? Como as adequações às novas
necessidades tem modificado o cenário edificado do Bairro de Petrópolis.” Natal,
Relatório Final apresentado à disciplina de Planejamento e Projeto Urbano e Regional VI do
curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRN, 2013.
RAMOS, H. “Petrópolis, Cidade (sempre) Nova: inventário da arquitetura doméstica de
um bairro em transformação e estudo de sua ocupação urbana”. Trabalho Final de
Graduação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 1999.
TRIGUEIRO, E.B.F; et al. “Cidade Nova: entre novos padrões e dilemas emergentes”. In:
Encontros Nacionais da ANPUR,2003, Belo Horizonte.Anais... Encruzilhadas do
Planejamento: Repensando Teoria e Prática, v10, Belo Horizonte, 2003.

354
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

TRIGUEIRO, E.B.F; MEDEIROS, V.A.S. “Sobre ruas, relatos e vestígios: concatenando


fragmentos de Natal em três momentos”, VI Seminário de História da Cidade e do
Urbanismo, Natal: UFRN, 2000.
TRIGUEIRO, E.B.F. “O que há numa ponte? Avaliando possíveis efeitos de uma segunda
ponte sobre a estrutura espacial de Natal, em particular, sobre seu centro histórico.” In
Angela Lúcia de Araújo; Giovana Paiva de Oliveira (Org.). Natal: intervenções
urbanísticas, morfologia e gestão da cidade. Natal: EDUFRN, 2006.

355
PROJETO “ATLAS URBANÍSTICO DE VITÓRIA”

Heraldo Ferreira Borges


Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Presbiteriana Mackenzie
heraldofborges@gmail.com
Flavia Ribeiro Botechia
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Presbiteriana Mackenzie
flaviabotechia@yahoo.com.br

RESUMO
O principal objetivo do projeto “Atlas Urbanístico de Vitória”, em andamento, é a compilação de
acervo cartográfico e bibliográfico dos planos urbanísticos e bases cartográficas elaborados, a partir
do final do século XIX e ao longo do século XX, para a cidade de Vitória que documentam as suas
transformações e exprimem, de forma sintetizada, à vontade e a necessidade dos governantes em
organizar e controlar o seu território (ANDREATTA, 2008). Motivam e justificam a elaboração deste
projeto, principalmente, a atual situação de guarda destes documentos, em locais distintos do
município, e mesmo eventualmente fora dele, sem conformar base de dados conjunta e completa, e o
estado de fragilidade em que alguns se encontram. O objetivo deste artigo é registrar a metodologia
de pesquisa utilizada para confecção do “Atlas Urbanístico de Vitória” que inclui as seguintes etapas:
pesquisa de fontes primárias e secundárias; inventariação e catalogação das bases cartográficas e
dos planos urbanísticos selecionados; digitalização dos documentos em alta definição;
georreferenciamento da cartografia em software GIS e vetorização em software CAD.
Palavras-chave: Atlas. Inventário. Planos Urbanísticos. Cartografia. Vitória.

ABSTRACT
The main goal of the project "Urban Atlas of Vitória", in progress, is the compilation of the cartographic
and bibliographic collection of the selected cartographic bases and urban plans, elaborated from the
th th
late 19 century and throughout the 20 century, for the city of Vitória documenting their
transformations and expressing, in a synthesized form, the will and the need of governments to
organize and control its territory (ANDREATTA, 2008). Motivate and justify the development of this
project, mainly the current situation of keeping the documents in different places of the city, and
possibly even out of it, without conforming a complete and uniform data base, and also the fragile
state of which some are. The aim of this paper is to register the research methodology used for
production of "Urban Atlas of Vitória" that includes the following stages: survey of primary and
secondary sources, inventorying and cataloging of the selected cartographic bases and urban plans,
digitization of documents in high definition; cartographic georeferencing with GIS software and
vectorization with CAD software.

Keywords: Atlas. Inventory. Urban Plans. Cartography. Vitoria.

356
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

1 O ATLAS
O principal objetivo do projeto, em andamento, “Atlas Urbanístico de Vitória” é a
sistematização e publicação de acervo cartográfico e bibliográfico dos planos urbanísticos e
da base cartográfica elaborados, a partir do final do século XIX e ao longo do século XX,
para a cidade de Vitória e que documentam as suas transformações e exprimem, de forma
sintetizada, a vontade e a necessidade dos governantes em organizar e controlar o seu
território (ANDREATTA, 2008).
Motivam e justificam a elaboração deste projeto, principalmente, a atual situação de guarda
destes documentos, em locais distintos do município, e mesmo eventualmente fora dele,
sem conformar uma base de dados conjunta e completa, bem como o estado de fragilidade
em que alguns se encontram. Além disso, pode-se afirmar que, ao contrário da relevância e
importância atribuída ao patrimônio arquitetônico, o patrimônio urbanístico se encontra
subvalorizado e ainda pouco trabalhado no que tange questões das bases cartográficas,
podendo acarretar em perdas severas para a produção cientifica atual e futura.
Grande parte da identificação e localização dessa documentação deu-se durante o
desenvolvimento da dissertação de mestrado intitulada "Áreas centrais em transformação:
Os tempos e os espaços no centro tradicional de Vitória (ES)" e que teve como referência os
trabalhos de Derenzi (1965; 195), Novaes (1969), Campos Jr. (1996), Curbani (2004), Leme
(2005), Freitas (2010), Mendonça (2009).
A constituição de um atlas como base de conhecimento e intervenção sobre a cidade é
recorrente na história urbana como atestam as obras antológicas “Nuova Topografia di
Roma” (1748) de Giambattista Nolli, “Plan de Turgot” (1739) organizado por Michel-Etienne
Turgot a pedido de Louis Bretez, “Plano de Barcelona” (1858) de Garriga y Roca, “Carta
Topográfica de Lisboa” (1856) realizada por Filipe Folque, entre outros.
Recentemente, foram publicados alguns trabalhos que servirão de referência conceitual e
formal como Busquets (2004), Salgado; Lourenço (2006), Andreatta (2008), além do projeto
de pesquisa “Atlas morfológico de Portugal”, realizado pelo grupo FORMA URBIS Lab.
Assim como em outras cidades no Brasil, a partir da Proclamação da República, em 1889,
Vitória (e adjacências) foi alvo de sucessivos planos urbanísticos. Considerando-se como
marco inicial o ano de 1896, data do “Plano para um Novo Arrabalde”, de autoria do
engenheiro sanitarista Francisco Saturnino de Brito, até o atual Plano Diretor Urbano, de
2006, pretendeu-se desenhar e ordenar, através de formas e normas, o desenvolvimento
da cidade. Ao longo do século XX, estes planos assumiram diferentes enquadramentos
num reflexo do que foi a prática urbana no Brasil (SIMÕES Jr., 1994) e, também, diferentes
recortes territoriais, haja vista que os planos abrangeram desde a, atualmente conhecida
por, área central até, parte ou toda, região metropolitana.
O objetivo deste artigo é descrever os métodos e meios que serão usados na elaboração
do “Atlas Urbanístico de Vitória” – composto por cinco principais atividades, a saber:
pesquisa documental e bibliográfica, inventariação, digitalização, georeferenciamento e
vetorização, e explicitar as possibilidades que novas tecnologias oferecem para suportar
cada uma destas atividades.

2 MÉTODOS E MEIOS PARA ELABORAÇÃO DO ATLAS


A elaboração do “Atlas Urbanístico de Vitória” passará pelas seguintes atividades:
• Pesquisa de fontes primárias e secundárias;
• Inventariação e catalogação da base cartográfica e dos planos selecionados;
• Digitalização dos documentos em alta definição;

357
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

• Georreferenciamento da cartografia em software GIS;


• Vetorização dos mapas em software CAD.

2.1 Pesquisa de fontes primárias e secundárias


A metodologia deste projeto associa a leitura de obras (muitas das quais resultantes de
investigações de mestrado e de doutoramento) e a análise de fontes primárias, como
manuscritos e cartografia histórica, ambos produzidos no espaço e no tempo objeto deste
estudo. Estas duas ações não seguem obrigatoriamente uma ordem cronológica sendo
realizadas concomitantemente.
Na pesquisa de fontes secundárias incluem-se monografias, dissertações, publicações
periódicas, inventários e catálogos, relativas à temática principal do projeto. A quantidade e
a dispersão da informação publicada sobre o tema deste projeto é elevada sendo
necessária a sistematização destas informações para uma leitura conjunta da cidade.
Além disso, acredita-se que, em história urbana, é fundamental a consulta das fontes
primárias (principalmente cartográfica), sobretudo porque as fontes secundárias emitem
juízos e opiniões que podem encobrir falhas além de anular visões renovadas (TEIXEIRA,
1993, p. 386).
Segundo Sampaio (2011):
As vantagens nas consultas de fontes primárias são diversas. Primeiro
permitem uma leitura mais verdadeira e mais profunda sobre o documento.
Segundo, a descoberta de um documento pode levar à revelação de outros
igualmente importantes que poderão estar guardados junto daquele que
nos levou à pesquisa inicial (p. 129).
Em entrevista concedida aos arquitetos Alessandro Filla Rosaneli e Dalit Shach-Pinsly
disponibilizada no portal Vitruvius em fevereiro de 2010, Anne Vernez Moudon fala sobre a
importância do estudo dos mapas como forma de conhecimento da história e da forma
urbana:
Por um lado, na França, Antoine-Chrysostome Quatremère de Quincy
(1755 – 1849), identificou a utilidade dos mapas na interpretação da
história das cidades, pelo acompanhamento do progresso e das mudanças
na sua estrutura física; de outro, na Alemanha, reconhecidamente o
pioneiro estudioso a entender essa possibilidade foi o historiador Johannes
Fritz, cujo trabalho “Deutsche Stadtanlagen” (1894) exerceria profunda
influência em outros autores, sobretudo na própria Alemanha (Kretzchmar,
Keyser, Schlüter) e na França (Lavedan, Poëte).
Se por um lado a pesquisa de fontes secundárias permite aferir o que já foi publicado
relativamente às fontes primárias, por outro lado permite reconhecer as lacunas existentes
sobre o objeto de estudo.
Uma constatação interessante é que a maior parte da cartografia publicada, seja em relação
aos mapas e/ou aos planos urbanísticos, não permite a leitura de partes importantes destes
documentos como as legendas, as assinaturas dos autores, as escalas, informações
contidas nos versos, porque, devido ao pequeno formato das publicações, são publicados
em escalas reduzidas.
No que diz respeito à pesquisa de fontes primárias e secundárias é de salientar a relevante
importância que tiveram nesta investigação algumas Instituições Públicas, como indicado no
Quadro 1, na salvaguarda e organização de arquivos cartográficos.

358
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Quadro 1 – Lista de Instituições públicas cujos acervos cartográficos foram pesquisados


Localização Instituição Sigla
Vitória (ES) Arquivo Público do Estado do Espírito Santo APEES
Instituto Jones dos Santos Neves IJSN
Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo IHGES
Arquivo Geral de Vitória (Prefeitura de Vitória) AGV
Secretaria de Desenvolvimento da Cidade (Prefeitura de Vitória) SEDEC-PMV
Universidade Federal do Espírito Santo (Biblioteca Central) BC-UFES
Universidade Federal do Espírito Santo (Biblioteca Setorial - DAU-UFES
Departamento de Arquitetura e Urbanismo)
Companhia Docas do Espírito Santo CODESA
Rio de Janeiro Sistema de Informações do Arquivo Nacional SIAN
(RJ)
Fundação Biblioteca Nacional FBN
Museu Histórico e Diplomático – Palácio Itamaraty MHD
Arquivo Histórico do Exército AHEx
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE
Fonte: Elaborado pelos autores

Além destas instituições, também é relevante a pesquisa nos acervos privados de: Serviços
Aéreos Cruzeiro do Sul, MAPLAN Aerolevantamentos S.A., Maria do Carmo Novaes
Schwab, Fernando Bettarello, Jolindo Martins Filho, Antenor Guimarães, Octavio
Cantanhede, Escritório M. Roberto, Centro de Memória do Museu Vale.
Ao fim desta etapa de pesquisa em fontes primárias e secundárias, elaborou-se uma
listagem de planos urbanísticos e bases cartográficas (Quadro 2). Entendendo que o plano
constitui-se num documento de intenções de transformação territorial, nem sempre
efetivamente implementado ou mesmo representado como tal; e que os mapas são
documentos de registro da forma urbana numa determinada época com títulos, finalidades,
escalas e precisões distintos, variando de acordo com a época e as tecnologias disponíveis.

359
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

Quadro 2 – Relação de bases cartográficas e planos urbanísticos

Fonte: Elaborado pelos autores

Ambos são documentos complementares quando se trata de estudos urbanísticos, uma vez
que há planos que são precedidos pela contratação de levantamentos, ou mesmo desenho
de planos que foram representados diretamente sobre as bases formando documentos
mistos.

2.2 Inventariação e catalogação da base cartográfica e dos planos


levantados
Durante a pesquisa nos arquivos e bibliotecas das instituições públicas pôde-se constatar a
variedade e, em alguns casos, a precariedade das formas de acesso às informações
relativas ao seus respectivos acervos. Apesar de algumas (poucas) instituições já possuírem
base de dados on-line, o que facilitou a seleção, a maioria ainda tem seus inventários em
planilhas de Excel ou apenas em fichas impressas.
Logo de início, uma dificuldade observada foi a falta de inventários e/ou da indexação e a
variedade de critérios nas classificações dos mapas pelas diferentes instituições

360
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

consultadas. Durante os meses de junho e julho de 2014 foram consultados 5 instituições


(APEES, AGV, BPES, BCUFES e IJSN), com procedimentos de consulta e funcionamento
bem diferentes.
O Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES) não dispõe de banco de dados on-
line do seu acervo completo tendo apenas alguns fundos documentais, como por exemplo o
relevante Fundo das Mensagens e Relatórios Governamentais até 1930, digitalizados e
disponibilizados no seu website (www.ape.es.gov.br) além de outras publicações igualmente
importantes.
O Arquivo Público do Estado do Espírito Santo possui cerca de 11 fundos documentais, de
caráter permanente, intermediário e privado. No website da Instituição estão disponibilizados
e digitalizados documentos como Mensagens de Governo e obras raras.
Para os pesquisadores que se dirigem ao local, a documentação entre 1534 a 1822
encontra-se microfilmada e entre 1768 a 2006 as consultas são feitas nos documentos
originais. Para ter acesso a estes, é necessário o atendimento de um dos técnicos do setor
que se disponibilizam a pesquisar em uma planilha eletrônica por meio de palavras chave.
Não há acesso direto dos pesquisadores as planilhas e muito menos aos documentos.
O acervo cartográfico, principalmente do período colonial mas indo até início do século XX,
encontra-se em separado e a pesquisa a ele também deve ser efetuada através de consulta
à planilha tendo a intermediação de um funcionário do setor. Os mapas encontram-se
acondicionados separadamente. Isto dificulta saber onde foram produzidos, em que governo
foram demandados, ou mesmo como e porque se tornaram parte deste arquivo. Alguns dos
exemplares estão separados para restauro e não podem ser pesquisados.
Há disponibilidade no local de fotografar os mapas caso seja de interesse do usuário.
O Arquivo Geral da Prefeitura Municipal de Vitória está vinculado administrativamente a
Secretaria Municipal de Administração. Segundo o Conarq, o acervo deste arquivo é
composto por coleções de fotografias, jornais, documentos relativos ao legislativo municipal
de Vitória projetos arquitetônicos e cartográficos vinculados a administração municipal.
A organização do acervo não permite pesquisa autônoma sendo necessário recorrer aos
técnicos do setor para proceder com a recolha de material e a consulta que deve ser feita no
local.
O acervo cartográfico encontra-se acondicionado em mapotecas e possui listagem
encadernada para pesquisa do usuário. Há mapas faltando embora estejam indicados nas
listagens.
Há parte do acervo digitalizado e disponibilizado por técnico do setor. Há fundos que vieram
recentemente de outras secretarias da Prefeitura Municipal que ainda não foram plenamente
incoporados as listagens existentes.
O acervo da Biblioteca Central está disponibilizado para pesquisa on-line agregado ao
Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade Federal do Espírito Santo (SIB/UFES),
tanto para publico interno quanto externo. No que se pretendia com a pesquisa para o Atlas
Urbanistico foi fundamental o acesso a Seção de Coleções Especiais, cujo acervo reúne
obras (livros, periódicos, folhetos, fotografias, desenhos) que “[...] foram doadas e/ou
adquiridas pela Universidade, e que pertenceram a renomadas personalidades do meio
científico ou de destacada atuação na vida pública capixaba.”
Na seção Coleções Especiais, composta de sete coleções, a consulta aos documentos são
realizadas no próprio local, não permitindo empréstimo ou reprodução de obras
consideradas raras. Uma vez que não há digitalização de material do arquivo a pesquisa em
cartografia, cuja iconografia é fonte primária de consutla, encontra-se dificultada. Toda a

361
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

pesquisa no local é feita pelo próprio pesquisador no sistema on-line, sem acesso as
estantes com livros. Não há organização do acervo segundo cartografia.
Os acervos da Biblioteca Pública do Espírito Santo Levy Cúrcio da Rocha incluem obras de
literatura e técnica, organizadas em oito coleções. A esta pesquisa interessou a coleção que
compõe a Divisão de Documentação Capixaba , constituída por livros, revistas e
documentos relativos à memória do Estado do Espírito Santo.
Este acervo pode ser consultado no local através de um bibliotecário, não há digitalização
de exemplares, digitalizações não são permitidas e o usuário não tem acesso ao sistema
para que ele mesmo proceda com a pesquisa através de palavras chave. Não há
organização de acervo dando destaque a cartografia. E uma vez que não há digitalização de
material do arquivo a pesquisa em cartografia, cuja iconografia é fonte primária de consutla,
encontra-se dificultada.
A biblioteca do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) possui “[...] acervo especializado
em temas socioeconômicos e políticas governamentais, estudos e projetos nas diversas
áreas de atuação do Estado e dos municípios, publicações de órgãos estaduais,
documentos de valor histórico, periódicos, artigos de jornais, fotografias antigas e aéreas,
mapas analógicos e digitais.”
O acesso aos documentos, de modo digitalizado, pode ser feito através do website da
Instituição. O acervo cartográfico encontra-se em fase de organização e pode ser
consultado no local.
O processo de elaboração do inventário do Atlas Urbanístico encontra-se em andamento
tendo percorrido as duas primeiras atividades propostas (pesquisa de fontes primárias e
secundárias; inventariação e catalogação das bases e dos planos levantados) e está sendo
financiado pela Arcelor Mittal através da troca de bônus da lei de incentivos fiscais da Lei
Rubem Braga, Prefeitura Municipal de Vitória.
É importante pontuar que o inventário busca oferecer um quadro sumário de um ou mais
fundos ou coleções e que uma descrição de cada fundo arquivístico permite que o usuário
consiga detectar, preliminarmente, a possível existência e a localização de documentos de
seu interesse e que a busca pelos mapas será suporte instrumental para estudos da forma
urbana, ampliando e validando conceitos da história urbanística local, além de fator
investigativo de características da cidade e sua extensão, em cada uma das referidas
épocas.
A fim de proceder com os trabalhos, é necessário seguir metodologia com o acervo
cartográfico, elaborada com referência em consultor da área da Arquivologia. Arquivística
(NOBRADE), dos principais planos urbanísticos identificados, através da consultoria do
professor mestre André Malverdes, especialista em projetos arquivísticos e de inventariação,
a partir da Norma Brasileira de Descrição Arquivística (NOBRADE).
Como nem todas as instituições apresentam seus acervos em conformidade com esta
norma, grande parte da informação é extraída diretamente dos documentos originais.
A partir da confecção de uma planilha em formato .xls, cada documento foi catalogado a
partir dos seguintes elementos (metadados): ACERVO, COTA (no projeto e no acervo),
DATA, LOCAL, PLANO, TÍTULO, DESCRIÇÃO DO CONTEÚDO, DESCRIÇÃO FÍSICA,
DESCRIÇÃO MATEMÁTICA, INSTITUIÇÃO PRODUTORA, AUTOR, DESENHISTA,
CONDIÇÕES DE ACESSO, ESTADO DE CONSERVAÇÃO, PUBLICAÇÃO e
OBSERVAÇÕES.

362
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

2.3 Digitalização dos documentos em alta definição


Após a inventariação e catalogação da documentação objeto deste projeto, passar-se-á a
fase de digitalização que segundo o Conselho Nacional de Arquivos (2010, p.4) “[...] é uma
das ferramentas essenciais ao acesso e à difusão dos acervos arquivísticos, além de
contribuir para a sua preservação, uma vez que restringe o manuseio aos originais,
constituindo-se como instrumento capaz de dar acesso simultâneo local ou remoto aos seus
representantes digitais como os documentos textuais, cartográficos e iconográficos em
suportes convencionais.”
Além disso, a digitalização permite o amplo acesso e a disseminação da documentação,
promove a difusão e a reprodução da documentação em formatos e apresentações
diferenciados dos originais e incrementa a preservação e a segurança dos originais por não
permitir seu manuseio.
Durante a fase anterior, pode-se perceber que haviam vários documentos já digitalizados.
Entretanto como foram feitos por instituições distintas, em épocas distintas e de distintas
formas, a intenção deste projeto é digitalizar na totalidade a partir das recomendações
definidas pelo Conarq.
Como a maioria da documentação é de grande formato, há a necessidade da utilização dos
chamados escâneres planetários com sistema de sucção que permite a reprodução deste
tipo de documento sem a formação de dobras e mossas na superfície, uma vez que vários
estão mal acondicionados.

2.4 Georreferenciamento da cartografia em software GIS


A grande variedade de instituições produtoras de mapas e dos respectivos procedimentos
técnicos utilizados obriga ao uso das técnicas de geoprocessamento (mais especificamente
o georreferenciamento) para uniformizar as escalas e reparar as eventuais distorções.
Georreferenciamento é o procedimento de relacionar um mapa físico (ou a imagem raster de
um mapa) com a sua localização espacial através da atribuição de um sistema de
coordenadas da terra. O desconhecimento dos sistemas de projeção e de coordenada
utilizados na confecção dos mapas dificulta o georreferenciamento mas não o inviabiliza.
Os documentos mais antigos, do início do século XX, não trazem associados ou explícitos
os sistemas de coordenadas utilizados e, muito menos, os seus metadados sendo possível
o seu georreferenciamento por dois métodos: um menos preciso mas eficiente que é a
identificação através de analogias dos sistemas utilizados à época em regiões próximas
como no estado do Rio de Janeiro ou de Minas Gerais ou outro mais preciso que é o
georreferenciamento direto através da identificação de múltiplos pontos conhecidos e
relacionados entre a imagem antiga e uma mais recente.
A partir da década de 40 é possível a identificação de coordenadas seja nos próprios mapas
ou nos documentos escritos associados a estes. Também atingem uma precisão maior por
conta do desenvolvimento dos equipamentos e da introdução das técnicas de restituição a
partir de fotos aéreas.
A restituição aerofotogramétrica produzida a partir da década de 90 já é realizada em
software GIS e exportada para arquivos CAD.

2.5 Vetorização das cartografias em software CAD


Após o georreferenciamento dos documentos, a próxima etapa é a vetorização das cartas
em imagem raster (.jpg ou .tiff) cujo principal objetivo é a uniformização das representações
(cores, espessuras e tipos de linhas, padrões de hachuras, etc.).

363
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

A intenção é redesenhar os mapas o mais próximo do original e só depois produzir uma


nova cartografia com representações simbólicas uniformizadas. Um indicativo é a
convenção topográfica presente na norma ABNT NBR 13.133/1994 além dos trabalhos já
citados anteriormente.
Outra referência importante são os mapas do IBGE que normalmente utilizam uma
padronização da representação cartográfica: preto (grid, localidades e vias urbanas), sépia
(hipsometria), verde (vegetação), vermelho (rodovias pavimentadas e em pavimentação) e
azul (rios e outros corpos d’água).
Uma questão ainda não definida é a escala de produção e impressão destes novos mapas
uma vez que os documentos abrangem uma ampla faixa, indo de escalas grandes (como
1:2.000) até escalas pequenas (como 1:50.000). É importante frisar que no processo de
vetorização dos mapas, estes serão convertidos para a escala 1:1 tendo sua precisão
compatível com a do documento original.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa encontra-se em andamento. Entretanto, a partir do que foi feito nas primeiras
etapas de desenvolvimento (correspondente aos subitens 2.1 e 2.2) pode-se afirmar que
parte dos documentos que representam o patrimônio urbanístico local encontra-se em vias
de desaparecimento. O que se observa, de modo geral, são documentos relativos aos
planos urbanos incompletos, danificados ao longo do tempo, além de estarem hoje alocados
em diferentes lugares dificultando tanto acesso e quanto sua interpretação. A parte este
fato, a indicação das fontes dos documentos cartográficos e da bibliografia citada em
pesquisas anteriores, já não permite a sua localização atualmente. Alguns acervos de local
de acondicionamento, de Instituições ou mesmo não foram localizados nas listagens atuais
das Instituições referenciadas em livros ou artigos.
A importância do estudo da cartografia se confirmou e reafirmou, pois há no material
encontrado, a despeito de todos os problemas, registros preciosos de diferentes etapas de
transformação morfológica da cidade.
Outro ponto relevante é o importante aporte e suporte que as novas tecnologias podem dar
a este trabalho. Desde a disponibilização dos produtos através de mídias digitais ou da
elaboração de websites e blogs até os processos de digitalização, georreferenciamento em
GIS e vetorização em CAD, as potencialidades são inúmeras e não terminam em si criando
uma obra aberta e colaborativa.
Acredita-se que ao final dos trabalhos, a divulgação do “Atlas Urbanístico de Vitória” poderá
formar as bases para o desenvolvimento de pesquisas futuras em morfologia e historiografia
urbana, preenchimento de lacunas e revisão teórico-conceitual, preservando e valorizando
os documentos, contribuindo à produção de conhecimento em urbanismo.

AGRADECIMENTOS
Esta pesquisa tem o apoio institucional e financeiro por meio de edital da Lei Rubem Braga
(Prefeitura de Vitória) e da empresa Arcelor Mittal Tubarão. Agradecimento especial aos
funcionários do Arquivo Geral da Prefeitura Municipal de Vitória, Arquivo Público do Estado
do Espírito Santo e Centro de Documentação da Secretaria Municipal de Desenvolvimento
da Cidade que muito gentilmente ajudaram na localização documental. Compõe também a
equipe de pesquisadores do “Atlas Urbanístico de Vitória” o professor André Malverdes e o
arquiteto e professor Jolindo Martins Filho.

364
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O
USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João Pessoa.PB

REFERÊNCIAS
ANDREATTA, V. Atlas Andreatta. Atlas dos Planos Urbanísticos do Rio de Janeiro de
Beaurepaire-rohan ao Plano Estratégico. Rio de Janeiro: Mauad, 2008.
BOTECHIA, F. R. Áreas centrais em transformação: Tempos e espaços no centro
tradicional de Vitória (ES). 2001. Dissertação (Mestrado) - Curso de Arquitetura e
Urbanismo, Núcleo de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo (NPGAU), Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.
BRASIL. Conselho Nacional de Arquivos. NOBRADE: Norma Brasileira de Descrição
Arquivística. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2006
BUSQUETS, J. et al. El centro historico de Barcelona: un pasado con futuro. Barcelona:
Ajuntament de Barcelona, 2004.
CAMPOS Jr., C. T. O Novo Arrabalde. Vitória: PMV, Secretaria Municipal de Cultura e
Turismo, 1996.
CURBANI, S. G. Henrique de Novaes em diferentes momentos: Plano Geral da Cidade de
1917 e Plano de Urbanização de Vitória de 1931. In: SEMINÁRIO DA HISTÓRIA DA
CIDADE E DO URBANISMO, 8., 2004, Niterói. Anais... . Niterói: SCHU, 2004. v. 8, p. 1 - 6.
DERENZI, S. Biografia de uma ilha. Vitória: Secretaria Municipal de Turismo: 1995. 2ª
edição.
FREITAS, J. F. B. (org.) Diálogos: Urbanismo BR. Vitória: EDUFES; Niterói: EDUFF, 2010.
LEME, M. C. da S. (org.) Urbanismo no Brasil 1895-1965. Salvador: EDUFBA, 2005.
MENDONÇA, E. M. S. et al. Cidade Prospectiva: o projeto de Saturnino de Brito para
Vitória. Vitória: EDUFES; São Paulo: Annablume, 2009.
NOVAES, M. S. História do Espírito Santo. Vitória: Fundo Editorial do Espírito Santo, sd.
ROSANELI, A.F.; SHACH-PINSLY, D. Anne Vernez Moudon. Vitruvius, Entrevista, São
Paulo, ano 10, n. 040.01, out. 2009 <http://www.vitruvius.com.br/ revistas/read/entrevista/
10.040/3397/pt_BR>.
SALGADO, M.; LOURENÇO, N. (org.). Atlas urbanístico de Lisboa. Lisboa: Argumentum,
2006.
SAMPAIO, M. G. T. de. Forma urbana da parte baixa da Lisboa destruída: Análise e
avaliação da cartografia (1756-1786). 2011. 715 f. Tese (Doutorado) - Curso de Arquitetura
e Urbanismo, Departamento de Escola de Tecnologias e Arquitura, Instituto Universitário de
Lisboa, Lisboa, 2011.
SIMÕES Jr., J. G. Revitalização de centros urbanos. Publicações Pólis, São Paulo, n.19,
1994.
TEIXEIRA, M. A história urbana em Portugal: desenvolvimentos recentes. Análise Social,
Lisboa, Vol. XXVIII, n.121, p. 371-390, 1993.

365
 

Posters

 
BIBLIOTECAS DO NORDESTE DO BRASIL
REUNINDO DADOS SOBRE A BIBLIOTECA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (RECIFE/PE).
COSTA, Carolina; FERREIRA, Anna Cristina Andrade; NASCIMENTO, Rodrigo Costa do; VAN WOENSEL, Fernando Coutinho; GOMES, Andrezza Lira Cavalcanti; BRAZ,
Ana Larissa de Andrade Rolim; GONÇALVES, Bruna Macedo; SOUSA,Kellington Dantas de; PESSOA, Priscila Oliveira; BRAGA, Rayanne Cintya Anacleto.

ABSTRACT
This work represents a fragment, in early stage, of a research that proposes to register the Libraries inside the Federal Universities
in Northeast of Brazil. The brasilian feredal universities emerged since the 30s using the pre-existing structures of schools and
institutes, but suffered a process of reconfiguration, specially from the universities reform, in 1968: the departments were joined in
a single spatial model of implantation generally located away from the urban center, following the type location of the others
brasilian universities (Pinto and Buffa, 2009). This reform focused the scientific research as the fundamental functions of the
universities, reinforcing the libraries contribution to the education centers. Therefore, is compreensive that buildings, like the
others with equal significance, have a strategic location and present an expressive architecture. This work aims to rescue the
historic importance of the Central Library of the Federal University of Pernambuco as a relevant element to the knowledge,
compreension and research of the mordern architecture production in Northeast of Brazil, and your peculiar characteristics.
INTRODUÇÃO
Até a década de 1960 as universidades brasileiras não apresentavam uma configuração homogênea, cada curso (ou grupo de
cursos) utilizava a estrutura de institutos e escolas existentes e espalhados pelo tecido urbano das principais cidades. Essa
configuração acadêmica foi alterada principalmente com a reforma universitária de 1967, quando as universidades receberam uma
nova organização estrutural: os cursos passaram a ser reunidos em departamentos que, por sua vez, se agrupavam em um modelo
espacial único – situado, em sua maioria, em locais afastados dos centros urbanos estabelecidos. Essa nova configuração espacial
consolidou o novo modelo de campus para as universidades brasileiras, que passou a ser adotado quase que inteiramente em todos
os estados da federação, favorecendo os interesses das estruturas política e administrativa estabelecidas na época (P INTO e BUFFA,
2009).
A Biblioteca Central da Universidade Federal de Pernambuco, projetada no ano de 1969 pelo arquiteto Maurício Castro, surge em
uma época em que se adotava predominantemente o zoneamento funcionalista da Carta de Atenas e a racionalização construtiva.
O projeto apresenta ênfase na exposição dos materiais e da estrutura, axiomas do brutalismo (ZEIN, 2005), tendência arquitetônica
difundida a partir dos anos 50 no Brasil e que exerceu forte influência sobre a produção da Escola do Recife (Amorim, 2001),
Figura 1. Biblioteca Central UFPE. instaurando um período de afirmação local no modo de projetar. Nesse sentido, considera-se relevante a realização da
Fonte: Acervo UFPE, s/d. documentação sobre a biblioteca em função da necessidade de se preservar elementos gráficos que podem ser digitalizados ,
servindo assim de pesquisa tanto no âmbito histórico como arquitetônico.
O PROJETO DO CAMPUS E DA BIBLIOTECA CENTRAL
A universidade de Recife foi o primeiro centro universitário do Norte e Nordeste do Brasil, se formou a partir da união das
faculdades de Direito, fundada em 1827, Medicina (1927), Filosofia (1941), Escola de Belas Artes (1932) e de Engenharia (1895). Em
1948 foi iniciada a construção do campus universitário, que acabou por ocupar a área da faculdade de Direito, no Centro do Recife,
e um loteamento na Várzea, onde antes funcionou o Engenho do Meio. Uma das razões para escolha do terreno foi por existir uma
avenida projetada para o local. Apenas em 1965 a Universidade passou a integrar o novo sistema de educação do país com o nome
de Universidade Federal de Pernambuco – UFPE (figura 2).
O arquiteto responsável pelo projeto do campus da UFPE foi Mario Russo, italiano que chegou à Recife por volta de 1949. Porém o
edifício da biblioteca (figura 1) foi concebido por Maurício Castro, discípulo de Russo e integrante do Escritório Técnico da UFPE,
responsável por desenvolver projetos do campus. Este ainda contou com a colaboração de Reginaldo Esteves e Aluísio Magalhães
(COSTA, 2008). A Biblioteca Central revela soluções que enfatizam o aproveitamento da luz natural(figuras 2 e 3) e isolamento
acústico, aspectos garantidos pela sua implantação bastante recuada em relação à via de tráfego existente e bem próxima a massas
Figura 2. Vitrais da Biblioteca Central vistos Figura 3. Aproveitamento da iluminação natural. vegetais.
internamente. Fonte: Anna Cristina, 2014. Fonte: Anna Cristina, 2014.
O edifício mantém características próprias do estilo modernista como as linhas retas e os grandes panos de vidro, brises verticais e
coberta protegida por platibandas que auxiliam a imprimir ao prédio a forma prismática típica da escola brutalista (figura 1 e 4 ) . Os
materiais de revestimento realçam a exposição dos elementos construtivos que compõem com outras edificações do entorno. Sua
configuração espacial apresenta um pátio interno que favorece a captação de luz e ventilação natural, porém este espaço se
encontra subutilizado com seus jardins sem manutenção e servido de depósito de equipamentos danificados (figura 4). A maior
parte das instalações internas é feita por divisórias reforçando a característica de planta livre (figura 5).
MATERIAIS E MÉTODOS
A pesquisa possui um caráter histórico e exploratório, através da coleta de dados sobre a configuração arquitetônica da Biblioteca
Central do Campus da UFPE.
Inicialmente foi realizado um levantamento bibliográfico sobre o tema, considerando os autores, a tipologia arquitetônica e
influências, buscando um entendimento amplo sobre a edificação.
Posteriormente foi realizada uma visita à Biblioteca Central onde foram coletadas plantas antigas, contendo a proposta original, e
plantas posteriores que diziam respeito às adaptações realizadas (figuras 6, 7 e 8). Parte desse material já se encontra disponível em
meio digital, porém no que diz respeito aos documentos mais antigos, observa-se a necessidade de sistematização desses dados e
Figura 4. Pátio interno servindo de Figura 5. Ambientes interno da biblioteca mostrando a planta disponibilização eletrônica, tanto para a salvaguarda desse material como facilidade de acesso.
depósito. livre. Também foi realizado o levantamento fotográfico da edificação e seu entorno, além da aquisição de fotos antigas disponíveis no
Fonte: Anna Cristina, 2014. Fonte: Anna Cristina, 2014. acervo da instituição, buscando o resgate completo de sua histórica e comparação com o estado atual.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O principal objetivo que se pretende com esta pesquisa é o resgate documental dos projetos realizados para abrigar as Bibliotecas
Centrais dos Campi Universitários Federais do Nordeste. Observa-se que estas edificações comumente apresentam características
relacionadas a arquitetura modernista brasileira, tendo uma preocupação com a racionalização das formas e adequação ao clima
local. A principal discussão desencadeada diz respeito a importância deste patrimônio edificado para a história da arquitetura
brasileira e a necessidade de sua preservação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMORIM, Luiz Manuel do Eirado. Modernismo recifense. Uma escola de arquitetura, três paradigmas e alguns
paradoxos. Arquitextos, São Paulo, ano 01, n. 012.03, Vitruvius, maio 2001 Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.012/889>. Acesso em: 28 jun. 2014.
CABRAL, Rebata Canoello. Mário Russo: um arquiteto racionalista italiano em Recife. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2006.
COSTA, Alcilia Afonso de Albuquerque. A produção arquitetônica moderna dos primeiros discípulos de uma Escola. São Paulo:
Vitruvius/Arquitextos, ano 09, n. 098.05, julho de 2008.
Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.098/128>. Acesso em: 20 de junho de 2014.
PINTO, Gelson de Almeida; BUFFA, Ester. Arquitetura e Educação: Campus Universitários Brasileiros. São Carlos: EESC/USP e
UFSCar, 2009.
ZEIN, Ruth Verde. A arquitetura da escola paulista brutalista: 1953-1973. Tese (Doutorado) – Programa de Pesquisa e Pós-
Graduação em Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005.
Figura 6, 7 e 8. Plantas do térreo, primeiro e segundo pavimentos da Biblioteca Central da UFPE.
. Fonte: Acervo UFPE, 2012.

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João
Pessoa.PB
de 5 a 7 de novembro de 2014
367
URBANO ORNAMENTO
MEMÓRIA GRÁFICA DAS GRADES ORNAMENTAIS
Fernanda Guimarães Goulart – Universidade Federal de Minas Gerais

ABSTRACT
Having a wide presence of ornamentation in the urban space, this research intends to launch an
interdisciplinary look at the ornamental grills in Belo Horizonte. The knowledge of Architecture and Arts,
not only for the obvious graphical integrated force that characterizes these objects, but also by other
interfaces - ethnographic , critical-history, poetical and fictional - that enable them to communicate.
Adopts, as a starting point, the photographic documentation of facades of houses located in the oldest
neighborhoods of the city and this stage is completed by the scanning of the found models, providing
graphic vectors in open and editable files. This inventory must hold a free anda an heritage memory, by
reconstituting a kind of formal landscape, able of storing and offering these forms to the public domain of
creation. Meaning, returning them to the city.

INTRODUÇÃO
Tendo como amplo mote a presença do ornamento no espaço urbano, o projeto “Urbano Ornamento”
pretende lançar um olhar interdisciplinar para as grades ornamentais em Belo Horizonte, aproximando os
Figuras 1 e 2. O livro Urbano Ornamento, que campos de saber da Arquitetura e das Artes Gráficas, não apenas pela evidente força gráfica que
pode ser adquirido através do email caracteriza esses bens integrados, mas também por outras interfaces – etnográfica, histórico-crítica,
urb.ornamento@gmail.com poético-ficcionais – que lhes possibilitem comunicar. Adotou, como ponto de partida, a documentação
fotográfica de mais de 4000 fachadas de casas situadas em bairros mais antigos da cidade e, cumprida
essa etapa, a digitalização dos modelos encontrados, disponibilizando desenhos vetoriais gráficos, em
arquivos abertos, editáveis. Tal inventário deve ser detentor de uma memória patrimonial – através da
reconstituição de uma espécie de paisagem formal, capaz de guardar e lançar essas formas ao domínio
público da criação, ou seja, devolvê-las à cidade – e outra mais livre, a partir das reflexões que os saberes,
que nele tangenciam, possam suscitar.

O produto da pesquisa é, além do próprio inventário e de uma tese de doutorado, um livro, homônimo
dela, publicado em agosto de 2014, que contém o inventário completo impresso e digitalizado, num DVD
anexo. A ideia foi revisitar os antigos catálogos de ornamentos e criar uma versão atual – um tipo de
edição bastante usual nos dias de hoje, capaz de doar à cultura material imagens históricas – que pudesse
abrigar um diálogo entre os saberes citados, não apenas sobre o bem arquitetônico integrado per se.

Figura 3. fragmentos desenhados à mão, com a caneta digital e replicações. MATERIAIS E MÉTODOS
A escolha das regiões a serem percorridas na cidade respondeu ao seu primeiro traçado, a partir da
crença de que ali, nas áreas mais antigas, estariam concentradas as maiores quantidade e variedade das
grades. O anel da avenida do Contorno marcou, assim, uma referência para procurá-las, em bairros
centrais (dentro dos limites da avenida) e pericentrais (adjacentes a ela). A partir dessa delimitação
espaço-temporal, percorremos, em 92 trajetos, 35 bairros da capital, registrando mais de 4000 fachadas.

O registro das casas foi feito assim: todas as casas detentoras de grades ornamentadas, situadas ao longo
dos caminhos, foram contempladas, recebendo um registro que enquadrasse sua fachada frontal e cada
modelo de grade que estivesse ao alcance dos olhos, mesmo nas fachadas laterais, obtendo-se quantas
fotografias fossem necessárias para registrá-las. Cumprida essa etapa, passamos à
digitalização/vetorização dos modelos encontrados, utilizando como ferramenta a caneta digital, que gera
desenhos vetoriais editáveis.

Se as grades são produzidas na fronteira entre o artesanal e o industrial – entre o orgânico que é fruto da
plasticidade do ferro e o geométrico e gráfico que se caracteriza pelo limite do projeto, dos moldes, da
máquina – também com os desenhos algo se processa assim. Com a caneta digital foi possível desenhar
cada módulo primário manualmente, de maneira mais artesanal (orgânica) e menos geometrizada do que
as ferramentas que criam ‘nós’ no software de ilustração gráfica adotado, o Illustrator. Uma
‘organicidade’ que se aproxima dos processos artesanais de dobrar e moldar o ferro, remetendo-nos
sutilmente a sua liquidez incandescente e ao endurecer que obedece aos limites frios e as batidas do
martelo. Os desenhos podem ser comparados a uma espécie de escrita que, de modo inevitável e
inefável, diferenciará cada desenhista, resultando únicos, irrepetíveis.

Amparado no conceito de paisagem e na ideia de uma gramática ornamental, o sistema de


taxonomização do inventário permite devolver essas formas à uma possível origem, a dos catálogos de
ornamento, o que possibilita ao leitor/usuário formas criativas de acesso, dovolvendo, por fim, à cidade.

AGRADECIMENTOS
Figura 4. Poster anexado ao livro Urbano Ornamento, com módulos de padronagem do inventário Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior), Santander e Fapemig (Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de Minas Gerais);
NPGAU (Programa de Pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo/UFMG), Escola de Belas Artes/UFMG e Universidad de
Alcalá de Henares/España

Figura 5. Página do livro Urbano Ornamento, com desenho dos portões

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João
Pessoa.PB
de 5 a 7 de novembro de 2014
368
SISTEMATIZAÇÃO DO ACERVO ICONOGRÁFICO
SOBRE O PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DO RN
Cleyton Santos; Nicholas Martino; Maria Heloisa Alves
Bolsistas MUsA – UFRN – www.acervoiconografiodorn.blogspot.com.br

ABSTRACT
The paper is part of a project of teaching and provides the continuance of the
previous actions to storage of an iconographic collection about rural and urban
architecture in several municipalities from Rio Grande do Norte, result of
decades of researches developed or oriented by the involved professors in this
project. The goal of this step is the divulgation the picture’s collections,
composed mainly by pictures of rural and urban architecture from RN, and with
a huge part existent only in the photos nowadays. Is being used storage’s
medias and divulgation from Google through Blogspot.com and Picasa Web.
The pictures collection systematized by the monitors during the project will be
an important contribution for the preparation of didactics resources with especial
projection for the subjects of Theory and History of the Architecture, as well as
Figura 1. Quadro de figuras das possibilidades de acesso do público ao acervo iconográfico. to studies of the formation and transformation of the built environmental. We
Fonte: Autores hope that the collection be universally accessed through the digital repository in
the internet in order to take this material beyond from the academics walls.

INTRODUÇÃO
Na esteira das contribuições sobre a documentação da arquitetura como um instrumento para o entendimento
da formação e transformação dos assentamentos humanos o presente trabalho é resultado de um projeto de
ensino formulado pelos docentes Edja Trigueiro e Paulo Heider Feijó dentro das disciplinas de Teoria e História
da Arquitetura e Urbanismo da graduação em Arquitetura e Urbanismo na UFRN e dá continuidade às ações de
projetos anteriores, empreendendo agora a sistematização deste acervo tendo como objetivo a montagem de
um banco de dados digital sobre a arquitetura, a partir da classificação e conversão, para formato digital de
imagens em papel, diapositivos e negativos. A sistematização executada pelos autores deste artigo como
monitores tomaria como instrumento o banco de dados idealizado nos projetos anteriores, no entanto, novos
caminhos foram tomados. A nova abordagem enfoca o armazenamento e divulgação das imagens em mídias
da empresa Google através do Blogspot e do Picasa Web, visto que o armazenamento dentro do Microsoft
Access apresentou limitações quanto à implantação da interface em um sítio de internet ou a implantação em
outros computadores.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
A habilidade em lidar com questões de taxonomia é essencial para a formação dos arquitetos que trabalham
com os processos e identificação, conservação e preservação dos edifícios de interesse histórico como
também dos sítios históricos nos quais estão inseridos. Dessa forma, a contribuição deste projeto é a
construção um banco de dados iconográfico digital resgatando o acervo já existente para uma nova interface
de armazenamento contendo o material atualmente existente apenas em suportes de difícil acesso (papel,
diapositivos, negativos e banco digital inativo). Através deste, atender à distintos interesses quanto à aquisição
e transmissão de conhecimento sobre a arquitetura do RN e do Brasil a partir da observação e análise das
imagens.
Figura 2. Quadro dos processos de armazenamento nas interfaces da Google. MATERIAIS E MÉTODOS
Fonte: adaptação dos Autores A metodologia compreende o processo de formatação do acervo iconográfico digital fruto de ações de ensino e
pesquisa dos docentes envolvidos no projeto através das disciplinas envolvidas e demais estudos. Para tanto,
O QUE TEM NO ACERVO: foram feitas as seguintes etapas:
1. Resgate das imagens do banco digital presente no Microsoft Access existente em um
computador da base de pesquisa dos professores envolvidos no projeto de ensino.
2. Sistematização das imagens por localidade municipal dentro de pastas e, por conseguinte,
sistematização por tipo funcional ou conteúdo iconográfico.
3. Transporte das pastas seguindo a mesma sistematização supracitada para uma página do
grupo MUsA (Morfologia e Usos da Arquitetura) no Picasa Web a fim de formatar o repositório digital e
disponibilizar acesso público.
4. Divulgação das imagens em mídias de armazenamento da empresa Google através do
Blogspot e do Picasa Web, utilizando o blog (acervoiconograficodorn.blogspot.com.br) como a interface digital
para visitação pública.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
No acervo imagético são apresentadas imagens de: equipamentos da economia do açúcar; detalhes dos
sistemas construtivos da arquitetura rural e urbana; edifícios de interesse patrimonial registrados como objetos
isolados ou em conjuntos urbanos; imagens de bens móveis da arte sacra; entre outras categorias
iconográficas. Ao todo se chegou a 82 municípios encontrados e um número próximo a três mil imagens
inventariadas. Apesar do novo repositório não apresentar as informações de classificação de imagens
presentes na interface anterior, vislumbra-se agora um novo momento a fim de classificar essas imagens do
repositório digital. Espera-se que este acervo sistematizado pelos monitores continue a contribuir para a
preparação de recursos didáticos, alcançando projeção para além da academia, uma vez que oferece recursos
potenciais para subsidiar uma ampla diversidade de estudos sobre formação e transformação do ambiente
construído. Além disso, o novo formato de acervo iconográfico oferece mais possibilidades de acesso,
interação e divulgação do material imagético acumulado durante anos de pesquisa e ensino dos docentes
envolvidos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
TRIGUEIRO, E.B.F. RUFINO, I. BATISTA, G. DINIZ, N. Seridó’s built heritage: to whom it may concern. City
and Time 3 (1) [on line]. CECI, 2007. www.ct.ceci-br.org.
Sítios eletrônicos:
<picasaweb.google.com>
<blogspot.google.com>

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João
Pessoa.PB
de 5 a 7 de novembro de 2014
369
MODELO DIGITAL DO CLUBE CABO BRANCO
FERRAMENTA DE REGISTRO E COMPREENSÃO DA ARQUITETURA
Prof. Dr. Aristóteles Lobo de Magalhães Cordeiro
Cleuton de Sousa Silva, Graduando em Arquitetura e Urbanismo - UFPB

ABSTRACT
This work intends to demonstrate the importance of digital modelling in the
process of comprehension of the architectural project of the Cabo Branco Club,
designed in 1956 by Acácio Gil Borsoi, in the city of João Pessoa, Paraíba, Brazil.
At the same time, it intends to serve as a tool of digital register which supports the
creation of a database of the modern brazilian architecture, through referential
Figura 2. Empena lateral do works produced in Paraíba. It presents sights extracted from a three-dimensional
Ginásio desde o nível da geometric digital model, reproducing the shape, the internal spatiality and the
quadra..
constructive solution used in the original project.
INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende demonstrar a importância da modelagem digital no
processo de compreensão do projeto arquitetônico do Clube Cabo Branco,
projeto do arquiteto Acácio Gil Bórsoi, projetado em 1956, na cidade de João
Pessoa, Paraíba. Ao mesmo tempo objetiva servir como instrumento de registro
digital de apoio à criação de um banco de dados da arquitetura moderna
Figura 3. Perspectiva interna brasileira, através de obras referenciais produzidas na Paraíba. Apresenta vistas
restaurante. extraídas de um modelo geométrico tridimensional digital reproduzindo a forma, a
espacialidade interna e as soluções construtivas utilizadas no projeto original. O
modelo foi desenvolvido por Cleuton de Sousa Silva, Jésus Jessé Diniz Pimentel
e Oséas Pedrosa Barreto Neto, estudantes do Curso de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, para a disciplina de Estágio
Supervisionado, sob a orientação do professor Aristóteles Lobo de Magalhães
Cordeiro, para este trabalho editado por Cleuton Sousa e Aristóteles Cordeiro,
utilizando como ferramenta de modelagem tridimensional o programa Sketchup
versão 2014, atualmente da Trimble.
Figura 4. Perspectiva geral do clube
mostrando os seus diferentes Figura 1. Perspectiva geral do clube mostrando os diferentes JUSTIFICATIVA
níveis. níveis de sua implantação. As demandas espaciais e territoriais contemporâneas têm destruído grande parte
do acervo da arquitetura moderna na Paraíba, inclusive porque essas obras
ainda não são alvo de reconhecimento ou de políticas públicas de proteção. As
tecnologias digitais têm sido grandes aliadas nesse processo de documentação,
subsidiando o registro, memória e intervenção nesse patrimônio. A ideia central
dessa comunicação é mostrar como essas tecnologias têm contribuído para a
documentação digital do acervo paraibano e para a construção do seu inventário,
tendo como objeto empírico o Esporte Clube Cabo Branco, obra paradigmática
no cenário da arquitetura moderna paraibana.

MATERIAIS E MÉTODOS
Semelhante à construção de um edifício, o processo de modelagem digital 3D
também requer um bom entendimento da lógica na concepção arquitetônica, que
viabilizou a concretização do ambicioso programa de necessidades do Clube
Cabo Branco. Na modelagem digital é possível representar simultaneamente as
Figura 5. Perspectiva geral do clube mostrando os diferentes programas Figura 6. Perspectiva escada helicoidal de acesso diferentes partes que compõem o objeto, e relaciona-las logicamente da mesma
e espacialidades internas ao restaurante. forma que o sistema construtivo real. Permitindo a decomposição do objeto,
facilitando o estabelecimento das relações entre as partes e o todo na
arquitetura. Assim, enriquece a investigação das relações entre a estrutura e a
forma arquitetônica, entre o sítio e o edifício, como também, entre os materiais,
suas funções e técnicas e, os resultados estéticos na arquitetura.
Para inicio do processo de modelagem o objeto foi dividido em três partes, onde
cada integrante seria responsável pelo seu desenvolvimento, com o decorrer do
processo de modelagem percebeu-se que a interação entre as parte se fazia
necessária à sua compreensão, aliado ao entendimento do programa e a
vivencia in loco conferi-o ao modelo o maior numero possível de informações
realísticas, sobre tudo confiabilidade e precisão das informações atreladas a
modelo digital.
Figura 7. Perspectiva entrada principal. Figura 8. Perspectiva externa ginásio de esportes
RESULTADOS
Ao final da construção do modelo digital, percebeu-se claramente a capacidade
de transmissão de informações do modelo geométrico tridimensional, com forma
e representação gráfica bastante satisfatória, garantindo plena visualização e
vistas privilegiadas do edifício, vistas de pontos impossíveis no conjunto real. O
registro virtual do Clube Cabo Branco, por meio da modelagem digital 3D, é uma
das formas mais simples e didáticas de se registrar e preservar características
arquitetônicas.
Figura 9. Corte transversal mostrando a relação do bloco administrativo, salão de festas, restaurante e piscinas com o relevo.
AGRADECIMENTOS
A ideia e incentivo original para a realização deste trabalho devemos a
professora Nelci Tinem. Para a realização do modelo, foi de suma importância o
levantamento e representação bidimensional feita pelos então estudantes de
arquitetura Adailton Pessoa de Figueiredo e Walter Loureiro C. Grilo assim como
a colaboração do Arquiteto Fúlvio Natércio, pesquisador da arquitetura moderna
na Paraíba, que nos forneceu este e outros levantamentos, que serviram de base
para inicio do trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OLIVEIRA, Marcos Bandeira. Google Sketchup Pro Aplicação ao Projeto
Figura 10. Corte transversal mostrando a relação do ginásio esportivo e quadras de tênis com o relevo. Arquitetônico. Novatec, São Paulo 2010
GASPAR, João. Sketchup Passo a Passo. Vectro, São Paulo 2010

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João
Pessoa.PB
de 5 a 7 de novembro de 2014
370
PALACETE DO PRESIDENTE JOÃO PESSOA
MODELAGEM DIGITAL NA COMPREENSÃO E REGISTRO DA ARQUITETURA
ARYAN FRANCISCO AZEVEDO SILVA
Graduando em Arquitetura e Urbanismo - UFPB - aryan.azevedo@hotmail.com
AMÉLIA DE FARIAS PANET BARROS
Professora do Departamento de Arquitetura - UFPB - map2001@terra.com.br
ABSTRACT INTRODUÇÃO
The present work seeks to understand and register through digital modeling the O Palacete 92, projeto do engenheiro Solto Barcelos, localizado no entorno da Praça da Independência, na cidade de
configuration of the mansion where President Joao Pessoa lived; located in the area João Pessoa, tem uma grande importância para a história urbana e arquitetônica da cidade. Além de sua tipologia típica
surrounding the Square of Independence. At the beginning of the twentieth century de palacete, nele residiu, no início do século XX, o então Presidente da Paraíba João Pessoa. João Pessoa Cavalcanti
this housing typology was the residence of the elite in the city, especially the de Albuquerque ficou conhecido nacionalmente por ser candidato, em 1930, a vice-presidente do Brasil na chapa de
examples located in the new axis of growth; Tambiá and Trincheiras, thanks to the Getúlio Vargas. Também, quando ainda era governador da Paraíba (1928-1930), foi assassinado por João Dantas em
white gold economy: cotton. The digital modeling was made using Google Sketchup Recife, tendo esse episódio conhecido como uma das causas da Revolução de 1930.
software, through on-site visits and analysis of the current plan provided by IPHAEP. Hoje, o Palacete 92 encontra-se em estado preocupante de conservação. Alguns projetos já foram feitos, no entanto,
The methodology and the digital tools used, allowed accuracy in detailing for the sua restauração física ainda não ocorreu comprometendo, a cada dia, a autenticidade desse patrimônio.
purpose of the study, which has a set of complex and loud volumes. This work is of Assim, a modelagem digital do Palacete 92, apresentada neste trabalho, é uma estratégia para registrar a importância
great importance and contribution to the heritage collections and architecture, as it desse patrimônio e compreender um pouco sobre as mudanças urbanas e arquitetônicas que a cidade passou no início
shows a new way of living for the time, thus preserving the history of the city. do século XX, caracterizando assim, a nova forma de morar da elite, graças à economia do algodão.
A pouca informação sobre essa tipologia habitacional, bem como, o desinteresse e abandono por parte do poder público
somado à especulação imobiliária que mostra interesse em grandes lotes no centro da cidade revela o risco de
desaparecimento de algumas edificações semelhantes. Nesse caso, o palacete em estudo trata-se de um bem
tombado pelo IPHAEP de propriedade do Governo do Estado, localizado numa área de preservação rigorosa definida
pelo Decreto No. 25.138/2004 não sofrendo, à princípio, com o processo de especulação imobiliária. Com o objetivo de
entender como esses palacetes eram implantados no lote, sua complexa planta e o jogo de volumes, foi realizada a
modelagem digital da edificação. Dessa forma, entendemos melhor como esses palacetes guardam parte da memoria
da cidade e, ao mesmo tempo, colaboramos com o seu registro e documentação. Essa modelagem ocorreu como parte
do trabalho da Disciplina de Projeto de Edificações III da UFPB, que tem como objetivo desenvolver um projeto em um
conjunto arquitetônico de valor histórico–patrimonial no perímetro do Centro Histórico da cidade.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
A Produção dos palacetes ecléticos na Paraíba foi impulsionada principalmente pela economia do algodão no início do
século XX, tendo em vista que essa tipologia habitacional era adquirida por fazendeiros e pessoas de grande poder
aquisitivo. Essas edificações foram implantadas, em sua maioria, nos dois principais eixos de expansão da cidade: na
Figura 1. Perspectiva Avenida João Machado, aberta em 1910, caracterizando-se como o Boulevard da cidade e, no outro eixo, sentido
Fonte: AZEVEDO e PANET (2014) Tambiá, que possuía ligação com a Avenida Trincheiras através da Avenida Maximiano de Figueiredo.
Os Palacetes eram próximos dos espaços públicos como a Praça da Independência e a Praça Venâncio Neiva, entre
eles o que morou o presidente João Pessoa. Sobre esse palacete, Rodrigues e Moura Filha (2013) explicam que essa
edificação possui telhado de inspiração normanda, e ornamentação Art. Nouveau nos terraços e esquadrias da fachada
principal (Figura 2). Essa implantação de casa solta no lote com recuos laterais e frontais generosos (Figura 7) e
próximos às praças e áreas de lazer era característica da nova forma de morar da elite, influenciada diretamente por
questões sanitaristas e por uma necessidade de vivenciar os espaços públicos. Segundo Rodrigues e Moura (2013)
uma das características dos palacetes era a planta formada por uma geometria complexa que resultava num jogo de
volumes dinâmicos enriquecidos por planos variados de coberta. As varandas e terraços projetados assumem a função
de comunicação com o espaço externo e mirantes privilegiados. Rodrigues e Moura Filha (2013) destacam que:

“O programa inclui novos usos da classe abastada da época como distintas salas de estar,
espera, visita e de jantar; jardim de inverno, sala de música, mirante, gabinete, engomados,
Figura 2. Fachada Principal. Figura 3. Torre da edificação Figura 4. Detalhe da Escada. quarto de hóspedes, vestiário. Também surgiram a garagem e dormitório dos empregados, mas
Fonte: AZEVEDO e PANET (2014) Fonte: AZEVEDO e PANET (2014) Fonte: AZEVEDO e PANET (2014) estes, em geral, não estavam no corpo principal da casa, mas em construções anexas, então
denominadas de edículas. A comunicação com o exterior acontecia pelas varandas cobertas,
terraços e alpendres, e foi visto que alguns palacetes ainda usam estes como circulações
externas.” (RODRIGUES E MOURA FILHA, 2013, p. 09)

MATERIAIS E MÉTODOS
O levantamento arquitetônico (plantas em DWG) do palacete fornecido pelo IPHAEP (Figuras 5 e 6) foi fundamental
para entender como as intervenções posteriores alteraram a configuração original do palacete. Para comprovar essas
modificações e compreender os detalhes existentes, algumas visitas à edificação foram necessárias para sanar as
dúvidas e comprovar as informações. Durante as visitas in loco foi feito o registro fotográfico do exterior e dos detalhes
internos. Na modelagem do Palacete, foi utilizado o software Google Sktechup8 Pro (Figura 1), que permitiu uma maior
precisão estrutural de sobreposição das paredes do 1º pavimento sobre aquelas localizadas no térreo. Outra grande
Figura 5. Planta Baixa do pavimento superior. Figura 6. Planta Baixa do Térreo. riqueza pode ser registrada, a escada central da edificação, toda feita em madeira, ainda em bom estado de
Fonte: IPHAEP Fonte: IPHAEP
Editado por : AZEVEDO e PANET (2014)
conservação (Figura 4). A edificação ainda possui uma torre frontal (Figura 3) que se projeta em direção ao acesso da
Editado por : AZEVEDO e PANET (2014)
edificação marcando a entrada principal e, em sua parte superior, servindo de mirante privilegiado para a Praça da
Independência.

CONCLUSÕES
O processo de modernização da cidade no século XX revela como a elite buscava se diferenciar das demais camadas
sociais, através de uma tipologia habitacional típica do ecletismo vigente em todo País. Para a cidade de João Pessoa,
em plena expansão urbana, essa tipologia “Palacete” aparecia como uma nova forma de morar. A modelagem digital do
Palacete 92 nos ajudou a compreender a sua configuração espacial, sua disposição estrutural, seus detalhes
construtivos e sua implantação. E, para além do nosso objetivo, nos revelou os melhores ângulos a serem valorizados
num possível processo de requalificação desse patrimônio. Assim, procuramos mostrar a importância desse registro e
Figura 7. Planta Baixa do Térreo.
documentação para o acervo histórico e arquitetônico da nossa cidade. Nesse caso, o registro e a documentação de um
Fonte: IPHAEP exemplar de valor parece ser mais duradouro que a própria edificação. Essa permanece em estado iminente de
Editado por : AZEVEDO e PANET (2014) desaparecimento, mesmo tendo a condição de bem tombado. Assim, a documentação através do modelo digital revela
a necessidade de valorizar e cuidar do nosso patrimônio.
RESULTADOS E DISCUSSÕES REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Os resultados foram satisfatórios, tendo em vista o objetivo de contribuir com o registro de GUEDES, Kaline Abrantes. O ouro branco abre caminhos: O algodão e a modernização do espaço urbano da Cidade
um patrimônio tombado pelo IPHAEP. A maior dificuldade esteve relacionada à da Parahyba (1950-1924). Dissertação (mestrado). Natal, 2006
compatibilização entre o levantamento fornecido pelo IPHAEP e a situação real, tornando a REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1999.
modelagem do palacete complexa e, um tanto, imprecisa. Para uma definição real devemos RODRIGUES, Artur, M.V; MOURA FILHA, Maria Berthilde. A Elite e seus palacetes: Ecletismo e modernidade em João
efetuar um levantamento mais preciso. Como investigação arquitetônica o exercício foi de Pessoa no século XX. João Pessoa, 2013.
grande importância, nos revelou alguns segredos da intimidade doméstica de um período Modelagem Digital do Palacete: Aryan Azevedo, Anderson Freitas, Pedro Paulino, Rickson Carvalho, 2014
áureo para a história da cidade. IPHAEP – Instituto do Patrimônio Histórico Artístico do Estado da Paraíba

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João
Pessoa.PB
de 5 a 7 de novembro de 2014
371
PROJETO “INVENTÁRIO ARMANDO DE HOLANDA”
DIGITALIZAÇÃO E CONSERVAÇÃO DE ACERVOS DE ARQUITETURA
Patricia Ataíde Solon de Oliveira
Clarissa de Carvalho e Silva
Kamila Cavalcanti Silva

ABSTRACT
The collection of documents from the Armando de Holanda Cavalcanti’s office, which was donated by the
architect’s family to the Architecture and Urbanism Department of Universidade Federal de Pernambuco, is
comprised of around 1500 documents, containing architecture, urbanism and landscaping designs,
developed over the years of operation of his office. The entire collection was in the process of deterioration,
due, mainly, to inadequate storage conditions to which it was subjected. Therefore, it was urgent an
initiative that promotes not only the conservation of this material, but also its dissemination, encouraging
new research projects and recognition of the heritage value of modern architecture in Pernambuco. In
addition to the technical for blueprints conservation, which include cleaning and small repairs, the cultural
project aims to scan part of the collection, creating a digital archive containing the most relevant works of
this architect and also a web site, in which works and biographical information of the architect will be
available.

Figura 1. Remoção dos projetos dos tubos de papelão. Fonte: INTRODUÇÃO


autoras O Acervo do escritório do arquiteto Armando de Holanda Cavalcanti, formado por cerca de 1500 de pranchas de projetos de Arquitetura,
Urbanismo e Paisagismo de autoria do arquiteto ou de parceiros. Esta valiosa coleção, doada pela família do arquiteto ao departamento
de Arquitetura e Urbanismo da UFPE, estava armazenada em tubos de papelão de dimensões reduzidas: condição que contribuiu
significativamente para o desgaste do material. O Projeto Cultural “Inventário do Arquiteto Armando de Holanda” é uma iniciativa do
Laboratório da Imagem de Arquitetura e Urbanismo (LIAU/UFPE) financiada pelo edital FUNCULTURA 2013, que prevê a higienização,
acondicionamento e digitalização do acervo deste arquiteto para construção de um site e de uma base de dados física e digital.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Os acervos iconográficos são uma peça essencial para a pesquisa de arquitetura e urbanismo. Mas, apesar da evidente relevância deste
tipo de material para a memória a cidade, em Recife - PE, estas coleções geralmente encontram-se em franco processo de destruição,
sendo constantemente negligenciadas pelas instituições que as detém. Digitalizar este material traria grandes benefícios tanto para a
difusão de informações quanto para a preservação do material, já que, promove, entre outros benefícios, diminuição do seu manuseio.
Segundo Vieira (2013. P. 19) “A política de digitalização dá prioridade à manutenção de seu acervo para consulta on-line de dados,
Figura 2. Remoção de fita adesiva com auxílio de bisturi. Fonte: principalmente para atender a demandas de pesquisa daquelas que são consideradas como coleções de grande procura.”
autoras Mesmo que o caráter pioneiro destas experiências ainda tragam alguns problemas operacionais, como aponta Gumlich, “Os desafios
desse setor são grandes, uma vez que as técnicas de conservação para as mídias digitais ainda estão sendo testadas, em muitos casos,
pela primeira vez.” (2013. P. 23, a existência deste tipo de iniciativa que proporciona a preservação de valiosos registros de arquitetura, até
então esquecidos nos arquivos de diversas instituições, geraria excelentes resultados, uma vez que, ainda não existe na cidade do Recife
um centro de documentação específico de arquitetura capaz de captar os acervos de arquitetura originais, conservá-los e disponibilizá-los
como fonte de pesquisa.

MATERIAIS E MÉTODOS
• Os projetos encontram-se inicialmente acondicionados em tubos de papelão. Dentre eles há uma série de sujidades que interferiram
negativamente nas pranchas (Figura 1).
•O processo de conservação do acervo inicia-se na sala de higienização, onde se confere a quantidade de pranchas e é feita a
identificação provisória das mesmas utilizando um lápis 6B, cuja ponta macia não danifica o papel.
• Após há a higienização e realização de pequenos reparos nas pranchas, o qual envolvem limpeza das mesmas com trincha – para
retirada de sujidade superficial, e com bisturi – para sujidades aderidas ou fitas adesivas. (Figura 2)
Figura 3. Remoção de sujidades com água deionizada. Fonte: • O algodão umedecido em água deionizada é utilizado para retirada de manchas restantes (Figura 3), por fim, são umedecidos cotonetes
autoras em álcool ou acetona para complementar a limpeza. Os reparos são feitos com fita de restauro (Figura 4).
• Após estes procedimentos as pranchas seguem para a digitalização. Para esta etapa foi utilizado um scanner do tipo Colortrac Smartlf
SC 42, onde foram gerados dois arquivos: um em formato .JPGE e outro em formato .TIFF. (Figura 5). Parte do material digital será
disponibilizado em uma página da web.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
Este projeto abre uma importante discussão a respeito da conservação e valorização do patrimônio arquitetônico moderno em
Pernambuco. É de extrema importância reconhecer que o acervo digital em nenhuma circunstância substitui o acervo de documentos
originais. O projeto busca também tornar mais acessíveis as informações sobre o arquiteto por meio de uma página na web, tornando-se
um dos primeiros passos para uma ligação das tecnologias digitais com a história da arquitetura moderna em Pernambuco. Diante do
imenso acervo de projetos deixado pelo escritório de Armando de Holanda, torna-se evidente que o autor do célebre “Roteiro para
construir no Nordeste: Arquitetura como lugar ameno nos trópicos ensolarados” ainda não recebeu o merecido reconhecimento por sua
contribuição como profissional liberal. Esta iniciativa pretende, sobretudo, estimular novos estudos e pesquisas acerca de produção deste
arquiteto, através da fácil difusão de informações promovida pela criação de um acervo digital.
Figura 4. Realização dos reparos com fita de restauro. Fonte:
autoras.
CONCLUSÕES
É necessário registrar nosso agradecimento à equipe do Laboratório da Imagem de Arquitetura e Urbanismo (LIAU), envolvida no
desenvolvimento do projeto Cultural Inventário do Arquiteto Armando de Holanda sobretudo, a produtora cultural Guilah Naslavsky e a
coordenadora Adriana Freire. Também aproveitamos este espaço para agradecer o envolvimento de outras instituições que contribuem
para o desenvolvimento deste projeto: A Universidade Federal de Pernambuco através do Programa de Pós Graduação em
Desenvolvimento Urbano (MDU) e Laboratório de Tecnologia do conhecimento (LIBER); a Fundação Joaquim Nabuco; e ao Governo do
estado de Pernambuco, pelo fomento, através do Edital FUNCULTURA 2013, da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de
Pernambuco (FUNDARPE).

REFERÊNCIAS
GUMLICH, Albrecht. Coleções de modelos tridimensionais de Arquitetura e seus cuidados: conservação, abrigo e acondicionamento. Pós, São Paulo, n. 34, vol. 20, p.
12-32, Dez.2013.
Figura 5. Processo de digitalização. Fonte: autoras VIEIRA, João. O sistema de informação e questões acerca da conservação de acervos de arquitetura: os casos do Sipa e do Forte de Sacavém, em Portugal. Pós,
São Paulo, n. 34, vol. 20, p. 12-32, Dez.2013.

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João
Pessoa.PB
de 5 a 7 de novembro de 2014
372
MODELO DIGITAL DO FAROL DO CABO BRANCO
MODELAGEM TRIDIMENSIONAL COMO FORMA REGISTO E COMPREENSÃO DO ESPAÇO
Ana Paula Paluszkiewicz Hermann - Graduanda em Arquitetura e Urbanismo na UFPB
Natália Luna da Silva - Graduanda em Arquitetura e Urbanismo na UFPB
Prof Dr. Aristóteles Lobo de Magalhães Cordeiro
ABSTRACT
This poster presents the results of supervised practice in undergraduate degree of Architecture and Urbanism at the
Federal University of Paraíba, in the school year of 2013.1, under the guidance of Prof Dr. Aristóteles Lobo de
Magalhães Cordeiro..). Aimed to generate a three-dimensional digital model of the Cabo Branco Lighthouse and its
surroundings that could be shared across the Internet to contribute to the dissemination and preservation of such an
important and symbolic building of the national heritage.
RESUMO
Este poster apresenta o resultado da disciplina Estágio Supervisionado do curso de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal da Paraíba, no período letivo de 2013.1, sob a orientação do Prof. Dr. Aristóteles Lobo de
Magalhães Cordeiro. Teve como objetivo gerar um modelo tridimensional digital do Farol do Cabo Branco e de seu
entorno que pudesse ser compartilhado através da Internet de forma a contribuir para a divulgação e preservação de
uma edificação tão importante e simbólica do patrimônio histórico nacional.
INTRODUÇÃO
O Farol do Cabo Branco, localizado na ponta do bairro de mesmo nome está localizado na parte sul de João Pessoa,
Estado da Paraíba. A ponta do Cabo Branco é um acidente geográfico que juntamente com o ponto mais oriental das
Américas, a Ponta do Seixas, tornaram-se símbolo da cultura paraibana, o que levou a criação do famoso slogan “Onde
o sol nasce primeiro”.
O projeto do Farol do Cabo Branco foi o vencedor de um concurso público de arquitetura, restrito a arquitetos e
engenheiros da Paraíba em 1971. Foi escolhido por unanimidade o projeto do Arquiteto Pedro Abrahão Dieb, então
Figura 1. Planta de locação e coberta.
Fonte: Arquivo pessoal
professor da Universidade Federal da Paraíba. O farol foi inaugurado no dia 21 de abril de 1972 às 21 horas, pelo
governador Ernani Sátiro, mesma data fixada pelo presidente da República Emílio Garrastazu Médici para o início das
comemorações, em todo País, dos 150 anos de independência.
A ideia era uma torre triangular de concreto armado, com uma marquise em seu terço médio em forma de estrela de
três pontas, com 17,75 metros de altura e que, a certa distância, lembrava ao navegante um castiçal encimado por uma
vela, cuja chama orienta os navegantes durante a noite. Uma vista de topo mostrava ao observador uma estrela de seis
pontas, formada pela projeção de sua marquise triangular sobre um passeio também de mesma forma.
Tanto a base e a marquise, quanto a própria torre são de concreto armado, uma vez que, o concreto resiste aos
esforços de compressão, e as armaduras de aço dispostas de acordo com o fluxo de esforços internos, absorve a
tração. Foi através desse conjunto de materiais que esta pôde ser facilmente moldável, adaptando-se aos tipos de
formas e volumes, permitindo liberdade à concepção arquitetônica. Além de ser resistente ao fogo, às influências
atmosféricas e ao desgaste mecânico, o concreto resiste bem a grandes ciclos de carga. Atualmente a torre possui
revestimento cerâmico e esquadrias de alumínio, acreditamos que seja para evitar o aparecimento de fissuras no
concreto e o baixo custo de manutenção que estes materiais demandam.
MATERIAIS E MÉTODOS
Para a realização deste estudo, fomos à Capitania dos Portos, onde obtivemos informações históricas e de localização,
que serviram de base para o nosso projeto, além de uma planta de implantação e coberta e que, a partir desta,
juntamente com o levantamento físico, foi produzida a maquete eletrônica. A partir disto, foi possível construir um
modelo digital através do programa 3D Google Sketchup. O arquivo organiza-se em camadas (layers) que podem ser
acionadas ou desligadas, fazendo com que fiquem visíveis (ou não) os diversos elementos arquitetônicos, como a figura
03 em que as paredes externas foram movidas para cima para a visualização da escada. O entorno do terreno foi
capturado através do Google Earth e feito através das curvas de nível disponibilizada no site da prefeitura de João
Pessoa.
RESULTADOS E CONCLUSÕES
Figura 3. Decomposição do modelo tridimensional em
Figura 2. Perspectiva do entorno a partir do mar.
paredes, esquadrias, coroamento, escada e base.
Com a finalização da modelagem, percebemos que a representação foi satisfatória e permite uma visualização
Fonte: Arquivo pessoal. completa da edificação, principalmente pela possibilidade de obter vistas acima da altura do nosso campo de visão,
Fonte: Arquivo pessoal.
além da completa decomposição do modelo. O registro do modelo tridimensional do Farol do Cabo Branco é uma
forma simples e didática de preservar esta obra de grande importância, que encontra-se disponível para download
gratuito no site 3d Warehouse (3dwarehouse.sketchup.com).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MARINHA DO BRASIL: DIRETORIA DE TELECOMUNICAÇÕES DA MARINHA. BOLETIM DE ORDENS E NOTÍCIAS
Nº 214 DE 19 DE ABRIL DE 2002, fotografado em 25/07/2013 na Capitania dos Portos da Paraíba.
Figura 4. Perspectiva do Farol a partir da vista lateral. Figura 5. Perspectiva do Farol a partir da vista frontal.
Fonte: Arquivo pessoal. Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 6. Vista frontal, corte interno e vista lateral.


Fonte: Arquivo pessoal.

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João
Pessoa.PB
de 5 a 7 de novembro de 2014
373
CENTRO DE TECNOLOGIA DA UFPB
UM MODELO GEOMÉTRICO DIGITAL DA CONSTRUÇÃO ORIGINAL
Ana Paula Paluszkiewicz Hermann – Graduanda de Arquitetura e Urbanismo na UFPB
Natália Luna da Silva – Graduanda de Arquitetura e Urbanismo na UFPB
Prof. Dr. Aristóteles Lobo de Magalhães Cordeiro

ABSTRACT
This poster presents the results of supervised practice in undergraduate degree of Architecture and Urbanism at the Universidade
Federal da Paraíba, in the school year of 2014.1, under the guidance of Prof Dr. Aristóteles Lobo de Magalhães Cordeiro. Aimed to
generate a three-dimensional digital model of the original buildings of UFPB Technology Center that are experiencing a
decharacterization process, in order to contribute to the dissemination and preservation of a set of buildings in the modern
architecture in Brazil.
RESUMO
Este poster apresenta os resultados do estágio supervisionado em curso de graduação de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal da Paraíba, no ano letivo de 2014.1, sob a orientação do Prof Dr. Aristóteles Lobo de Magalhães Cordeiro. Com o objetivo de
gerar um modelo digital tridimensional dos edifícios originais da UFPB Centro de Tecnologia que estão experimentando um
processo de descaracterização, a fim de contribuir para a divulgação e preservação de um conjunto de edifícios da arquitetura
moderna no Brasil.
INTRODUÇÃO
Localizado dentro do Campus I da Universidade Federal da Paraíba, na porção sudeste da cidade de João Pessoa, o
Figura 1 Vista geral do Centro de Tecnologia projeto do Centro de Tecnologia idealizado por Leonardo Stuckert deu inicio à ampliação do Campus para a área
Fonte: Arquivo Pessoal tecnológica, abrigando as instalações dos novos cursos oferecidos pela instituição. A arquitetura moderna da cidade de
João Pessoa nas décadas de 1960-70, tem mostrado valores intrínsecos merecendo ser divulgada no âmbito nacional
considerando-se seu valor arquitetônico, artístico e memorial. Nosso trabalho se constitui em um registro histórico
importante da produção arquitetônica moderna na UFPB não só pela qualidade arquitetônica destas edificações, mas
também pelo acentuado estado de descaracterização em que algumas delas se encontram e as reformas que poderão
vir a sofrer futuramente.
MATERIAIS E MÉTODOS
Em primeira instância, buscou-se registros do projeto idealizado por Stuckert na Prefeitura Municipal de João Pessoa e
na Prefeitura Universitária, onde foram encontradas algumas plantas já digitalizadas em arquivo de AutoCAD.
Verificando que o material encontrado não condizia com a execução do projeto em questões primordiais (como
dimensões e locação de elementos estruturais), optou-se então por ir a campo efetuando-se o levantamento de
medidas in loco. Buscando identificar quais as mudanças ocorridas ao longo dos anos, ouvimos funcionários e
professores antigos do Centro de Tecnologia que, através de suas memórias, nos possibilitaram reconstruir a forma e
aparência das edificações com o máximo de fidelidade possivel. Destacam-se ainda as dificuldades em saber com
Figura 2: Centro Administrativo. certeza da originalidade do projeto, uma vez que muitas paredes receberam revestimentos novos, fechamentos para
Fonte: Arquivo Pessoal condicionamento artificial de ar, ampliações e supressões de espaços e saídas existentes.

RESULTADOS E CONCLUSÕES
Após analises de plantas e medições, foi possivel contruir um modelo tridimensional do projeto de Stuckert para o
Centro de Tecnologia. Para isto, usou-se o programa de modelagem 3D Google SketchUP. Nele estão contidas todas as
informações descritas neste memorial, bem como materiais utilizados, modelos de luminárias, dutos de iluminação e
esquadrias da época. O modelo organiza-se em camadas (layers) que podem ser acionadas ou desligadas, destacando
visiveis os diferentes elementos arquitetonicos da construção. Todos os elementos presentes no modelo estão
reconstruidos fielmente com o material existente e pesquisado, como estruturas, revestimentos, bancos e esquadrias. A
utilizãção desta ferramenta de modelagem em 3D proporciona precisão de dados e detalhes construtivos com materiais
e dimensões que podem ser consultados a qualquer momento. Dessa forma, acredita-se na importancia desse software
para a preservação, registro e documentação histórica do cojunto construido e seus edificios.

Figura 3. Vista interna do Centro Administrativo Figura 4. Vista interna do Centro Administratico REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Fonte: Arquivo Pessoal Fonte: Arquivo Pessoal
Prefeitura Municipal de João Pessoa
Prefeitura Universitária
Plano Piloto
oto da Construção do Centro de Tecnologia da UFPB

Figura 5. Vista entre blocos de aula e centro administrativo


Fonte: Arquivo Pessoal
Figura 6. Decomposição do bloco de aulas, na sequência mostrando com telhado, sem o telhado e sem vedações, apenas os elementos estruturais.
Fonte: Arquivo Pessoal

Figura 7. Vista entre os blocos B e C Figura 8. Vista do centro administrativo para os blocos de aula Figura 9. Vista entre os blocos D e E. Centro administrativo ao fundo
Fonte: Arquivo Pessoal Fonte: Arquivo Pessoal Fonte: Arquivo Pessoal

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João
Pessoa.PB
de 5 a 7 de novembro de 2014
374
TECNOLOGIAS DIGITAIS E A DOCUMENTAÇÃO
DO PATRIMÔNIO INDUSTRIAL
Darlene Karla Araújo
Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo - UFBA
darlenekaraujo@hotmail.com

ABSTRACT
This article proposes to describe the experience of using the technology of Autodesk 123D Catch software to
obtain the geometric model of a storage silo at Industrias Reunidas Francisco Matarazzo, in João Pessoa,
Paraíba. The process began with getting photographs, which some care has been taken for the success of the
geometric model generated. With photographs overlapping around the silo and covering it entirely, geometric
modeling was performed automatically by the program. After performing minor edits, to its improvement, the
result was a faithful representation of the object in form, detail, color, texture and difference of the level. However,
the absence of distance around the object and the absence of photographs of the upper parts generated a partial
geometric model. The object was exported to AutoCAD, resulting in wireframe triangular mesh, where it was
possible to realize new editions. For the case of industrial heritage, in particular, the use of 123D Catch software
for documentation proved to be of great value, considering mainly the ability to shoot integrally smaller pieces.
Keywords: Industrial heritage, 123D Catch. Digital Technologies

INTRODUÇÃO
Este artigo analisa a adoção de novas tecnologias para a rápida obtenção de dados e realização de cadastros
Figura 1 – Método de obtenção de fotografias Figura 2 – Grupo de fotos selecionadas para upload do patrimônio industrial paraibano. Para tanto, a tecnologia empregada foi o software 123D Catch, da Autodesk
a serem processadas pelo 123D Catch no programa 123D Catch V.3.0.0.54 / 2014, utilizando como objeto um silo de armazenamento da antiga sede das Indústrias Reunidas
Fonte: 123D Catch, 2014 Fonte: Gerado no 123D Catch, pela autora, 2014. Francisco Matarazzo em João Pessoa/PB. Com a ferramenta realizou-se um modelo geométrico, o qual foi
exportado para o AutoCAD e obteve-se uma animação em formato avi. A escolha do programa justificou-se pela
facilidade de acesso, pois é gratuito e de fácil operação. Dificuldades foram encontradas, pois para o sucesso
da modelagem geométrica, é necessária a obtenção de fotografias em torno do objeto, sendo que, cada tomada
deve cobri-lo na íntegra, o que ficou impossibilitado por não haver recuo suficiente para o posicionamento das
estações fotográficas, nem condições que possibilitassem fotografar partes superiores do silo.

O PROGRAMA 123D CATCH E A DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO


A parte mais importante do processo é a obtenção das fotografias, momento em que cuidados devem ser
tomados para o sucesso do modelo geométrico gerado. Conforme orienta o tutorial do programa (Figura 1):
• As condições de iluminação devem ser as mesmas em todas as tomadas fotográficas;
• Fotografias das partes superiores também devem ser obtidas;
• Não deve haver obstáculos posicionados em frente ao objeto, como carros, árvores ou postes;
• Entre 20 (vinte) e 70 (setenta) fotografias devem ser obtidas em torno do objeto, cobrindo-o integralmente.
Ao serem transpostas para o computador e o programa iniciado, realiza-se o upload das fotografias (Figura 2),
que são processadas automaticamente on line, numa nuvem. Após algum tempo, o modelo é gerado.
Figura 3 – Posicionamento das estações Figura 4 – Resultado da captura antes da
A textura e cor são aproveitadas na modelagem. O objeto pode ser visualizado em malha triangular aramada
fotográficas edição
Fonte: Gerado no 123D Catch, pela Fonte: Gerado no 123D Catch, pela (Triangular Irregular Network - TIN), em textura ou em combinação de ambos. É possível realizar
autora, 2014. autora, 2014. transformações de visualização e geométricas (Figura 4), e exportar para os formatos dwg, fbx e OBJ.

PLANEJAMENTO E TRABALHO DE CAMPO


Numa visita ao sítio, realizou-se uma avaliação das condições do terreno, como topografia, presença de
afastamento necessário entre os edifícios para o posicionamento das estações fotográficas e existência de
obstáculos. O único elemento disposto isolado no terreno era um silo, chamado de “S” na Figura 5. Mesmo com
a presença de recuos, a parte posterior do silo é próxima a uma parede, entretanto, este foi selecionado.
Com uma câmera digital Canon PowerShot SX150 IS de 14.1 megapixels, de distância focal de 35mm, foi
realizada tomada fotográfica, seguindo os critérios recomendados. As fotos foram obtidas sem o auxílio de tripé,
distantes entre si cerca de dois metros, tinham sobreposição de áreas e foram posicionadas perpendicularmente
ao plano da fachada. Na ocasião, não houve a possibilidade de fotografar a parte superior. Uma sequência de
35 (trinta e cinco) fotografias foram obtidas com a resolução máxima da câmera (Figura 6).

PROCESSAMENTO DIGITAL E RESULTADOS OBTIDOS


Após o processamento dos dados, a modelagem geométrica representou com fidedignidade o objeto que tem
forma circular, detalhes nele existentes (escada e propaganda), cor e textura. A diferença de nível do terreno
Figura 5 – Indicação da localização do silo Figura 6 – Fotografia do silo selecionado também ficou evidente no modelo gerado. A modelagem geométrica ocorreu com pontos naturais do objeto.
selecionado, chamado de “S” para ser modelado Como dito anteriormente, o sucesso do modelo geométrico não foi total devido à algumas dificuldades impostas
Fonte: Arquivo pessoal da autora Fonte: Arquivo pessoal da autora
pelo sítio na obtenção das fotografias. Entretanto, já eram previstas. Assim, obteve-se um modelo geométrico
parcial, com área descoberta nas partes posterior e superior.
Outrossim, edifícios que aparecem no plano de fundo das fotos e obstáculos postos à frente do objeto (árvores e
equipamentos) foram gerados juntamente com modelo tridimensional. Esses excessos foram removidos,
deixando à mostra apenas o objeto de interesse (Figura 7).
Ao término da edição, o modelo geométrico foi exportado para o AutoCAD (Figura 8), em malha triangular
aramada (Triangular Irregular Network - TIN), podendo ser editado, o desenho melhorado e ter a escala
ajustada. Por fim, realizou-se uma animação em formato avi com o modelo gerado.

CONCLUSÕES
A utilização das tecnologias digitais da documentação do patrimônio, já tem sua eficácia comprovada conforme
mostram diversos trabalhos, (NOGUEIRA, 2010 e GROETELAARS, 2005). Assim, o objetivo deste, gerar um
modelo geométrico de elemento que compõe o patrimônio industrial, foi alcançado.
Se possível obter fotografias conforme as instruções do programa, a geração de modelos geométricos de
objetos arquitetônicos, no 123D Catch é satisfatório. Caso contrário, os resultados obtidos são parciais, o que
ocorreu em nosso exemplo. Conclui-se que, para a documentação de edificações implantadas isoladas no
Figura 7 – Resultado da modelagem Figura 8 – Modelo geométrico exportado para o AutoCAD em TIN terreno ou objetos de menores dimensões, o programa pode ser de grande utilidade. O emprego da técnica
geométrica após edição no 123D Catch Fonte: Visualização gerada no AutoCAD pela autora, 2014. poderá possibilitar a documentação de sítios complexos, a obtenção rápida de medidas, entre outros.
Fonte: Gerado no 123D Catch, pela
autora, 2014.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
123DCATCH. Disponível em:< http://www.123dapp.com/catch>. Acesso em jul de 2014.
GROETELAARS, N. J. Um estudo da fotogrametria digital na documentação de formas arquitetônicas e urbanas. 275 f.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.
NOGUEIRA. Fabiano, Mikalauskas de Sousa. A representação de sítios históricos: Documentação Arquitetônica Digital.
215 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO COM O USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS | João
Pessoa.PB
de 5 a 7 de novembro de 2014
375
ISBN 978-85-237-0903-7

Вам также может понравиться