Вы находитесь на странице: 1из 61

Editorial

Esta revista contempla uma coletânea de artigos elaborados durante pesquisa, com o
tema referente as favelas brasileiras. A análise extensiva realizada por meio dos artigos
vai desde a origem da primeira favela, até a situação atual em que as favelas se
encontram.
Neste conteúdo, também há detalhamentos sobre a forma como as favelas foram
construídas, sua estrutura conceitual e em quais tipos de estruturas de construção deve-
se atuar primeiro.

A pesquisa foi realizada


por:

Caroline Paula
Lainy Montalvão
Lucas Lopes
Nycole Rebello
Maria Rodrigues
Thaina Oliveira
Veronica Esteves

Alunos da Universidade
Cidade de São Paulo, do
curso de Arquitetura e
Urbanismo.

São Paulo, 29 de maio de 2018.

2
A ORIGEM DA FAVELA: DA Palavras-chave: Favela; Urbanismo;
GUERRA À SOBREVIVÊNCIA Urbanização social.
Abstract
SILVA, Caroline This article considers an analysis of the
Paula da origin of the favela, and for that, it goes
Estudante de through everything, since the origin to the
Arquitetura, pela aesthetics, which, although always
Universidade disorganized, is extremely organic. The
Cidade de São beginning of the favelas is derived from
Paulo. the series of tasks by a lower social
class, and as motives that lose the
favelas today, date the time of the
abolition of slavery and its former slaves
that favor the creation and construction of
Resumo favelas. The years go by and the winners
Este artigo contempla uma análise da of the War of Canudos return from Bahia
origem da favela, e para tal, passa-se por and the beats like dwellings no longer
todos os pontos, desde a origem da present the name of the favela, and from
favela até a estética, que embora sempre this the effective beginning of the favela.
desorganizada, é extremamente With a contextual analysis, of both origin
orgânica. O início das favelas se dá por and aesthetic from favelas, it is proposed
meio das dificuldades encontradas por to a more well defined position about the
uma classe social mais baixa, e as theme favela in different situations such
motivações que perduram nas favelas as the role of architecture inside the
atualmente datam da época da abolição favela.
da escravatura e seus ex-escravos que Keywords: Favela; Urbanismo;
auxiliaram a criação e construção das Urbanização social.
favelas. Os anos passam e os soldados
vencedores da Guerra dos Canudos Etimologia
retornam da Bahia e batizam as Devido ao êxodo rural, e como
habitações já presentes no morro com o consequência da má distribuição de
nome de favela, e a partir disso se obtém renda e do déficit habitacional que existe
o início efetivo da favela. no Brasil, habitações improvisadas sem
Com a análise contextual, tanto da infraestrutura e saneamento básico,
origem, quanto da atual estética das constituídas majoritariamente de
favelas, propõe se ao final uma posição madeiras, constituem o que se chama
mais definida sobre o quesito favela em “Favela”.
diversas situações, como ao papel da A palavra “favela” origina-se da árvore
arquitetura dentro da favela. Cnidoscolus Quercifolius da família das
Euphorbiaceas, a mesma família da

4
Favela: Uma análise extensiva

árvore seringueira. Uma árvore faveleira,


produtora de favos verruginosos, e em
cada uma de suas verrugas, possuem
espinhos com seiva, similar ao látex,
causadora de ardências na pele.

Cortiço “Cabeça de Porco”, em 1880.

Sem local de destino, algumas destas


pessoas subiram o Morro da Providência
e construíram os primeiros barracos
improvisados.
Alguns anos depois, no início do século
XX, o prefeito Pereira Passos institui
Favo verruginoso da árvore Cnidoscolus
uma reforma na região central do Rio,
Quercifolius, conhecida como “favela”.
com o objetivo de promover a
sanitização da região. Este ato constituiu
Os primeiros cortiços
a demolição de cerca de 500 imóveis, e
Em meados do século XIX, o tipo de
algumas pessoas que ficaram
moradia que começava a se alastrar pelo
desabrigadas naquele momento, por não
Rio de Janeiro eram os cortiços. Um tipo
ter onde ir, subiram o Morro da
de moradia que constituía de dezenas de
Providência e construíram alguns
quartos pequenos, sem cozinha, com
barracos improvisados.
banheiro e tanques coletivos, erguidas
principalmente por imigrantes
portugueses. O primeiro a ser demolido
foi o “Cabeça de Porco”.
Em 1891, o munícipio do Rio de Janeiro
assinou um contrato com o engenheiro
Carlos Sampaio, que se propôs a criar
um túnel por onde estava um dos
maiores cortiços do Rio de Janeiro, e
com o apoio do prefeito Barata Ribeiro,
quatro mil pessoas foram tiradas de suas
moradias.
Notícia sobre a demolição do Rio colonial.

Surgimento das favelas

5
A relação entre a palavra “favela” e o
conjunto habitacional de casebres
precisa que o contexto da época seja
explicado, que teve origem na Bahia
durante o período da Guerra de Canudos
em 1897.
Com motivações econômico-sociais e
antirrepublicanas, considerando que a
república recém-instaurada era tida
como anticristã, onde a eleição de um
governo diminui o poder da igreja sobre Canhão Krupp, com calibre de 60mm, apelidado
o povo, a guerra teve o seu último de “A Matadeira”.
episódio na quarta expedição do exército
brasileiro no morro chamado de “Morro Com seu direito em mãos e uma casa
da Favela”, com seu nome derivado da própria, os soldados retornam ao Porto
abundância de árvores faveleiras no do Rio de Janeiro e vão diretamente ao
local. ministério do exército, ao final da Av.
As três primeiras expedições do exército Presidente Vargas, que fica a sombra do
contra os sertanejos culminaram em Morro da Providência.
derrota, e mesmo assim a guerra Ao retornar, constatam que o prêmio de
continuou. Os soldados convocados vitória era fictício e a promessa nunca foi
tinham como promessa do exército concretizada, o que leva os soldados a
brasileiro uma casa própria na vitória subirem o morro de granito que possui
desta guerra. milhões de anos de existência.
Isso leva a quarta expedição do exército Sem moradia, após guerra, e com o
brasileiro contra os sertanejos do arraial, soldo atrasado, os soldados são levados
o exército brasileiro colocou o canhão a improvisar suas moradias, e com as
chamado de “A Matadeira” no morro e caixas de madeira dos canhões Krupp
mirou na igreja de Canudos, no ataque que foram levados à guerra, improvisam
final que arrasou o arraial evangélico casas de madeira pelo morro para morar
liderado por Antônio Conselheiro. em conjunto com as vivandeiras,
mulheres que os acompanharam tanto
na Guerra de Canudos, quanto no
retorno ao Rio, e os auxiliaram
preparando e aquecendo seus
alimentos, como cuidando em situações
de enfermidade.
Ao subir o Morro da Providência, com a
mesma cruz que foi retirada da Igreja de
Canudos, construíram um campanário e

6
Favela: Uma análise extensiva

o colocaram no topo, item que se tornou da Guerra de Canudos, e parte dos


patrimônio, tombado pelo Patrimônio componentes sendo os antigos escravos
Histórico Nacional. que agora se viam livres devido a Lei do
Ventre Livre. Com isso, a evolução
estética das favelas está diretamente
ligada não a um conceito de beleza, mas
relacionada a sobrevivência destes
moradores.
A estrutura estética se divide em quatro
modelos: as favelas de miolo de quadra,
de encosta, de córrego e as favelas
extensivas.

Estrutura estética das favelas.

As favelas de miolo de quadra são as


favelas que resultam de espaços doados
Campanário do Morro da Providência, chamado
de “Oratório do Cristo Redentor”
ao munícipio ou loteamentos que são
regulares. Inicialmente previstos para
Deve-se considerar que as casas de ocupar grandes áreas verdes ou áreas
madeira já eram comuns no Morro da de interesse público como destinadas a
Providência, e os acontecidos educação, postos de saúde e outros,
explicados no capítulo “Os primeiros mas foram invadidos e agora se
cortiços” auxiliaram a popular o morro. tornaram ocupados como moradias.
Os soldados, ao ver o crescimento dos
casebres e o formato do próprio morro,
começaram a chama-lo de “Morro da
Favela”, caracterizando como o
nascimento da primeira favela do Rio de
Janeiro.

A estética das favelas


A estética das favelas se relaciona ao
contexto econômico e social da época,
parte dos moradores sendo os vitoriosos

7
em alguns casos até por cima do
córrego, se tornando o local onde são
despejados os dejetos humanos e são
utilizados como esgotos domésticos.
Devido ao ambiente nocivo à saúde, a
intervenção em favelas que
acompanham os córregos significa a
remoção de suas famílias do local.

Favela Jardim São Carlos, vista superior.

As favelas de encosta são apropriações Favela do Boi, no Itaim Paulista


que acompanharam os terrenos do
morro, de modo que em quaisquer locais E por fim, existem as favelas extensivas,
onde são possíveis cortes e aterros para que se aproveitam da topografia de
fincar novas estruturas como colunas, terrenos que possuem menos variações,
estas são feitas. Neste tipo de favela, um local menos acidentado, para se
rampas, acessos e escadarias, expandir e crescer em todas as direções.
comumente vielas, são a referência
principal para a construção das
moradias.

Favela Heliópolis

Favela de encosta Nova Jaguaré


Considerações Finais
Independente da estética, ou da história
As que acompanham o córrego, por sua que aconteceu por trás das favelas, é
vez, se organizam no percurso deste, e importante considerar que a favela é o

8
Favela: Uma análise extensiva

resultado do homem, é a evolução <https://coisasdaarquitetura.wordpress.c


arquitetônica baseada nas necessidades om/2012/06/28/sobre-favelas/>. Acesso
da sobrevivência de seus habitantes. em: 27 de maio de 2018.
O modo como a favela cresce, e ela CARVALHO, JANAINA. Conheça a
cresce, se dá de forma orgânica, história da 1ª favela do Rio, criada há
independente de arquitetos, de pessoas quase 120 anos. Disponível em:
que planejam e ponderam todos os <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/rio-
pormenores para que se consiga uma 450-anos/noticia/2015/01/conheca-
visualidade homogênea e satisfatória historia-da-1-favela-do-rio-criada-ha-
aos olhos. quase-120-anos.html>. Acesso em: 27
Desde sua origem, a forma com a favela de maio de 2018.
foi construída está diretamente ligada NAVARRO, ROBERTO. Qual foi a
aos seus habitantes, e a arquitetura primeira favela do Brasil? Disponível em:
desta evolui com base no dia a dia de <
cada uma das famílias. https://mundoestranho.abril.com.br/cotid
E por esta razão é que as favelas são iano/qual-foi-a-primeira-favela-do-
organismos vivos, elas são (e por muito brasil/>. Acesso em: 27 de maio de 2018.
tempo estarão) conectadas aos seus
moradores de forma que nenhum outro
tipo de construção está conectado.

Referências Bibliográficas
ZYLBEBERG, SONIA. Morro da
Providência - Memórias da Favela. Rio
de Janeiro, Editora Prefeitura do Rio de
Janeiro, 1988.
GOULART, JOSÉ ALÍPIO. Favelas do
Distrito Federal. Rio de Janeiro, Editora
IBGE, 1957.
ROCHA, OSWALDO PORTO. A era das
demolições. Rio de Janeiro, Editora Sec.
Municipal de Cultura do RJ, 1995.
BACKHAUSER, EVERALDO.
Habitações Populares. Rio de Janeiro,
Editora Imprensa Nacional, 1906.
BUENO, EDUARDO. Brasil: Uma
História. Rio de Janeiro, Editora Leya,
2013.
LESBAUPIN, HENRI MICHEL. Sobre
Favelas. Disponível em:

9
GEOGRAFIA URBANA E O This article seeks to highlight how the
CAPITALISMO: RELAÇÃO inherent inequalities of capitalist
development have enabled the structural
CENTRO E PERIFERIA
heterogeneity of society, dividing them
on the basis of socially constructed
OLIVEIRA,
criteria, generating a disproportionate
Thaina Fernanda
division of the benefits accumulated
C.L. de
among the social classes, where a
Estudante de
favored minority is at the top and the less
Arquitetura, pela
fortunate, are closer to the base.
Universidade
Proposing a reflection, on the whole
Cidade de São
development process and its
Paulo.
consequences on the basis of
urbanization and capitalism, which did
Resumo not take place with the same proportion
O presente artigo procura destacar como and degree of growth, thus promoting an
as desigualdades inerentes do unequal development and large social
desenvolvimento capitalista, conflicts.
possibilitaram a heterogeneidade Keywords: Urban geography,
estrutural da sociedade, dividindo-as urbanization, industrialization,
com base em critérios socialmente capitalism, uneven development, center
construídos, gerando uma divisão and suburb.
desproporcional dos benefícios Introdução
acumulados entre as classes sociais, A fixação do homem a terra possibilitou
onde uma minoria favorecida encontra- a criação de grupos homogêneos e
se no topo e os menos favorecidos, autossuficientes, originando uma
encontram-se mais próximos da base. sociedade de classes, que proporcionou
Propondo uma reflexão, sobre todo a classe dominante, a possibilidade de
processo de desenvolvimento e suas ampliar territorialmente seu domínio. Foi
consequências com base na nesta época que ocorreu um intenso
urbanização e capitalismo, que não se intercâmbio entre vilas e pequenas
realizaram com a mesma proporção e cidades.
grau de crescimento, promovendo Mesmo que o processo de aglomeração
assim, um desenvolvimento desigual e não tenha sido simultâneo em todos os
grandes conflitos sociais. lugares, a apropriação rápida e definitiva
Palavras-chave: Geografia Urbana, que o capital fez do solo urbano, com
Urbanização, Industrialização, todas as consequências daí decorrentes
Capitalismo, Desenvolvimento desigual, para a distribuição dos espaços entre as
Centro e Periferia classes sociais, foi decisiva para
Abstract

10
Favela: Uma análise extensiva

configurar o desenvolvimento do desigualdades nos permite falar do


capitalismo. termo "Centro e Periferia".
As cidades surgiram como resultado da
divisão de trabalho com o campo e Geografia Urbana - Urbanização e
podem ser definidas como sedes de Capitalismo
poder e locais de fragmentação da A partir da colonização e da urbanização
sociedade, para uma população urbana de um território é possível encontrar as
crescente, havia necessidade de um causas da desigualdade e da
aumento da produção agrícola, que se segregação existente na maioria delas.
deu através do aumento da Antes da industrialização o campo era a
produtividade, com o desenvolvimento maior área de concentração de pessoas
intensivo da agricultura, e através da e as cidades funcionavam como fonte de
extensão das áreas cultivadas. troca do que se era produzido.
A estruturação e os conflitos urbanos do Com o surgimento do setor secundário
modo de produção capitalista, são da economia, cria-se uma dinamização
fatores do próprio processo de do espaço urbano, tendo uma
urbanização e formação das cidades. transformação dessas relações entre as
O desenvolvimento da urbanização áreas rurais e a cidade. Isto é, o
caracterizou a cidade como suporte de crescimento das áreas urbanas,
atividades industriais por se constituir provocou o esvaziamento do campo,
num espaço de concentração e por onde o espaço urbano se distingue dos
possuir condições necessárias a esta espaços rurais, pelo fato de ter uma
forma de produção, transformando-a no funcionalidade do espaço atrelado ao
centro de gestão e controle da economia setor secundário e terciário.
capitalista.
Os ciclos virtuosos de crescimento
econômico são sinônimos de
concentração das riquezas, o que nas
cidades se reflete no aumento
generalizado da informalidade urbana,
da precariedade habitacional, da
segregação e das injustiças espaciais. A urbanização está atrelada ao êxodo
Desta forma, o presente artigo tem como rural, onde processo de urbanização
objetivo, descrever como ocorreu o intensificou o consumo nas cidades, o
processo de urbanização e como o que acarretou na produção de mais
desenvolvimento capitalista resultou mercadorias e o aumento do ritmo da
numa sociedade de classes, onde uma atividade industrial, atuando tanto no
constituição de uma cidade urbano- espaço das cidades, que apresentam
industrial, juntamente com suas crescimento populacional, quanto no
espaço rural, correspondendo às
práticas econômicas em que o trabalho e
11
o capital transformam matérias-primas sempre relacionada com o processo de
ou produtos de base em bens de divisão e luta de classes, em que a
produção e consumo. população mais pobre tende a residir em
Segundo Silva (1997, p. 21) áreas mais afastadas e menos
“A urbanização gera enormes acessíveis aos grandes centros
problemas, deteriora o ambiente urbano, econômicos.
provoca a desorganização social, com Os principais responsáveis por estes
carência de habitação, desemprego, espaços com características
problemas de higiene e de saneamento geográficas, econômicas e estéticas
básico. Modifica a utilização do solo e diferenciados são o Estado e a iniciativa
transforma a paisagem urbana. A privada. Eles são representados pelo
solução desses problemas obtém-se capital imobiliário, construção civil e o
pela intervenção do poder público, que estoque de terras urbanas. (ARAÚJO,
procura transformar o meio ambiente e 2004).
criar novas formas urbanas. Dá-se então Esses espaços segregados, costumam
a urbanificação, processo deliberado de apresentar uma baixa disponibilidade de
correção da urbanização, ou na criação infraestruturas e saneamento básico,
artificial de núcleos urbanos [...] pois é onde ocorre a favelização,
Fica claro que o processo de construção de habitações improvisadas
urbanização gera impactos tanto e irregulares, cortiços e áreas de
ambientais como sociais, entretanto, invasão.
esses impactos podem ser evitados ou A segregação no Brasil está relacionada
ao menos minimizados mediante a um às condições econômicas. Desde o
processo eficaz de planejamento período colonial é pregado o bem-estar
urbano. O espaço geográfico urbano, é dos ricos em detrimento dos pobres.
um espaço geográfico concentrado, que Segundo Meyer (1979) podemos avaliar
tende a ter maior densidade uma estrutura urbana a partir do grau de
demográfica, grande número de segregação, ou seja, quanto menos
habitações e concentração populacional. segregada uma cidade é mais ela se
Diversas forças atuam para gerar formas torna desenvolvida.
diferentes de organização, dentre elas, No livro O estado capitalista e a questão
temos a macrocefalia urbana, resultante urbanas, Jean Lojkine, ressalta que é
do êxodo rural acelerado, onde o fluxo possível distinguir principalmente três
populacional concentrado em poucas tipos de segregação urbana:
cidades, tendem a inchar a mesma e não 1) Uma oposição entre o centro, onde o
detém de capacidade de gerar preço do solo é o mais alto, e a periferia.
infraestrutura. E além disso, tem-se a O papel chave dos efeitos de
segregação sócio espacial, que a é aglomeração.
representação espacial e geográfica da 2) Uma separação crescente entre as
segregação social, estando quase zonas e moradias reservadas as

12
Favela: Uma análise extensiva

camadas sociais mais privilegiadas e as de trabalho, no comércio internacional,


zonas de moradia popular. na liberdade de movimentação e na
3) Um esfacelamento generalizado das qualidade de vida da população varia a
funções urbanas, disseminadas em intensidade de acordo com o nível de
zonas geograficamente distintas e cada desenvolvimento das nações.
vez mais especializadas: zonas de Maria E.Sposito,em Capitalismo e
escritórios, zona industrial, zona de Urbanização, destaca que as
moradia, etc. É o que a política urbana transformações que se deram
sistematizou e racionalizou o nome de historicamente, do modo de produção
zoneamento. capitalista, constituem consequências
Cada cidade tem seu processo de contundentes do processo de
formação e organização dos seus urbanização. E que o desenvolvimento
espaços, impactando direta e de um modo de produção como
indiretamente, nas relações da totalidade sempre compreende
sociedade, tanto no poder aquisitivo contradições.
quanto em sua funcionalidade. No que tange ao espaço urbano, o
No entanto, ela tende a crescer a partir capitalismo herda claramente uma
de um centro, com maior concentração divisão entre cidade e campo, mas a
de áreas comerciais, empresas e de riqueza econômica centralizada e a
serviços. A partir dela, há a formação dos atividade representada pela cidade pré-
bairros que vão de encontro ao centro e capitalista resultaram primordialmente
as áreas mais afastadas. As classes da necessidade de um sistema
economicamente mais abastadas organizado de mercado de trocas ou
tendem a localizar-se nas proximidades ainda das funções religiosas ou de
desse centro, uma vez que são esses os defesa. Somente com o
espaços mais caros e valorizados. desenvolvimento e a expansão do capital
A urbanização está, então, vinculada ao industrial é que a centralização da
processo de industrialização. Entretanto, atividade produtiva veio superar a função
sua problemática acaba não sendo só de mercado como a determinante do
uma questão quantitativa ou mudança de desenvolvimento urbano. A
ritmo do crescimento das cidades, tendo diferenciação interna do espaço urbano
relação com o processo de globalização. determina as condições concretas sobre
A globalização permitiu uma maior as quais se constrói a expansão urbana.
conexão entre pontos distintos do
planeta, fazendo com que Desenvolvimento Desigual
compartilhassem de características em O desenvolvimento de uma nação
comum, sendo um processo de historicamente atrasada conduz,
interligação e interdependência entre as necessariamente, a uma combinação
diferentes sociedades. O impacto original das diversidades. A geografia
exercido pela globalização no mercado dentro do Capitalismo promove ao

13
marxismo oportunidade de ampliar a 1930 por Leon Trotsky [1879-1940] em
teoria marxista dentro da esfera “A História da Revolução Russa”
geográfica para que possa ser (TROTSKY, 1977).
compreendida e aprofundada, Para Karl Marx, a luta de classes é o
demarcando o que é o capitalismo, meio pelo qual a história progride. A
devido a fatores acidentais e casuais do classe que dispõe dos meios de
desenvolvimento geográfico. A produção material dispõe igualmente
descrição dos territórios e sua dos meios de produção intelectual, de tal
diferenciação faz parte dos objetivos que modo que o pensamento daqueles a
a geografia se coloca desde os quem são recusados os meios de
primórdios. O modo de produção do produção intelectual está submetido
espaço geográfico sob o capitalismo se igualmente à classe dominante.
dá fundamentalmente como produção de A teoria do desenvolvimento desigual
desigualdades e, por conseguinte, do não só se dirige a geografia, como
desequilíbrio, gerado pelas contradições também as questões políticas. O
estruturais desse modo de produção, movimento do capital entre as escalas
constituída no arranjo urbano, que gera a igualização e a diferenciação dos
compõe sua própria lógica de níveis e condições de produção. A
funcionamento. David Harvey ressalta: imobilização do capital produtivo em sua
"(…) O desenvolvimento da economia de forma material não é nem menos
espaço do capitalismo está cercado de necessária do que a circulação do capital
tendências contrapostas e como valor. Possibilitando ver o
contraditórias. As barreiras espaciais e desenvolvimento desigual do capitalismo
as distinções regionais precisam ser como expressão geográfica da
derrubadas. Mas os meios para atingir contradição fundamental entre o valor de
esses objetivos envolvem a produção de uso e o valor de troca. A noção de
novas diferenciações geográficas que economia está assentada sobre a
criam novas barreiras espaciais a serem organização da produção material, o que
superadas. A organização geográfica do explicaria o uso do conceito, mesmo
capitalismo internaliza as contradições para sociedades nas quais não há
dentro da forma de valor. É isso que quer predominância do mercado. Quanto
dizer o conceito do inevitável maiores as disparidades
desenvolvimento desigual do socioeconômicas entre as classes
capitalismo. (HARVEY, 2013, p. 528)." sociais, maiores são as diferenças nas
As análises da realidade a partir da moradias, nos serviços públicos e na
verificação do desenvolvimento desigual qualidade de vida.
do capitalismo são atribuídas de As cidades têm na sua estrutura as
sobremaneira ao marxismo, desde Marx, marcas de uma organização política,
Engels e Lenin. Mas só é nominada e econômica e social. O Estado não é mais
defendida como lei geral da história em do que a forma de organização que os

14
Favela: Uma análise extensiva

burgueses constituem pela necessidade A constituição da sociedade é feita


de garantirem mutuamente os seus através de classes sociais e deixa
interesses. Toda e qualquer sociedade evidente o padrão resultante da
tende a ser composta por um grupo paisagem urbana, composto pelo
dominante e um outro dominado, a desenvolvimento de um lado e o
chave para a compreensão dos estágios subdesenvolvimento de outro. Tal
do desenvolvimento é a relação entre as divisão desproporcional de todo esse
diferentes classes de indivíduos na processo de globalização e estruturação
produção de bens. desfavorece grande parte da sociedade.
...a ação governamental reflete escolhas Desta forma, o capitalismo revela uma
em um quadro de conflito. Não há, tendência crescente a gerar conflitos
governos rigorosamente imparciais. Há sociais, o capital não somente produz o
governos mais ou menos justos. Mais ou espaço em geral, mas também produz as
menos sensíveis às necessidades dos reais escalas espaciais que dão ao
despossuídos. Mais ou menos desenvolvimento desigual coerência,
resistentes às pressões de interesses sendo o processo concreto da produção
poderosos contrários às mudanças. da natureza sob o capitalismo.
(ABRANCHES,1987:11) [...] o capitalismo criou historicamente
As ações empreendidas pelo Estado não um tipo particular de natureza e espaço,
se implementam automaticamente, têm uma paisagem desigualmente
movimento, têm contradições e podem desenvolvida que integra pobreza e
gerar resultados diferentes dos riqueza, urbanização industrial e mingua
esperados. Para a expansão integral do mento agrícola. Esse processo atinge
capitalismo, o estado capitalista seu ponto culminante no imperialismo
desenvolve-se, em favor da classe que domina, classifica e mercantiliza
dominante. universalmente todo o espaço sob a
Especialmente por se voltar para e dizer égide do centro metropolitano (SAID,
respeito a grupos diferentes, o impacto 1995, p. 285).
das políticas sociais implementadas pelo A desigualdade social que existe nos
Estado capitalista sofrem o efeito de países que vivem sob o sistema
interesses diferentes expressos nas capitalista é ocasionada, sobretudo, pela
relações sociais de poder. Com a divisão divisão social que existe entre os
da sociedade em classes, o Estado proprietários dos meios de produção e
surge historicamente como meio de aqueles que para estes trabalham,
controle político. É função do Estado permitindo a continuidade do
administrar a sociedade de classe, empreendimento e gerando lucro para os
conforme os interesses da classe proprietários. Este lucro, que garante a
dominante; é o que faz através de suas renda dos proprietários, é gerado pela
armas militares, jurídicas ideológicas e mais-valia, isto é, uma parte da produção
econômicas. do trabalho que não é paga aos

15
trabalhadores, indo direto para as mãos contrário dos Estados Unidos, as áreas
dos proprietários do empreendimento. periféricas das cidades não são
Como existem poucos proprietários que habitadas pela classe média afluente,
recebem a mais-valia e muitos mas predominantemente por pessoas
trabalhadores assalariados que pobres, uma vez que o padrão de
repartem o restante da renda distribuição espacial da população de
proveniente da produção, forma-se a diferentes grupos de renda no Brasil e na
desigualdade social capitalista, na qual América Latina é invertido, com os
poucos dispõem de muito dinheiro e grupos mais ricos ocupando o núcleo.
muitos dispõem de pouco. Essa pequena A dinâmica das grandes aglomerações
elite privilegiada, proprietária dos meios diferencia-se do que ocorria nas formas
de produção, foi chamada de burguesia, antigas.
e a grande massa de trabalhadores que “Em São Paulo, periferia tem um
compõem a mão-de-obra foi chamada de significado específico. Reflete a visão
proletariado, sendo que, ao longo dos dual que o senso comum atribui ao
anos, com a complexificação das espaço urbano. Geograficamente
relações sociais, outras classes foram significa as franjas da cidade. Para a
surgindo. sociologia urbana, o local onde moram
No livro Capitalismo e Urbanização, os pobres, em contraposição à parte
Maria Sposito ressalta que a própria central da cidade, estruturada e
origem da estrutura de classes é acabada. Existem exceções, é claro,
controversa, isto é, ela tanto poderia ter empreendimentos imobiliários de luxo
surgido a partir da diferenciação interna que também podem ser encontrados nos
da comunidade, que estaria se limites da cidade, assim como cortiços
constituindo em urbana, quanto da nas áreas centrais – porém jamais
dominação do urbano sobre o não seriam identificados como ‘periferia’”
urbano. E que o crescimento (Mautner, 1999, p. 253).
populacional urbano e a A grande questão é que, desde as
superconcentração de capital nacional e construções das civilizações durante o
internacional nas metrópoles para a período neolítico, quando as sociedades
criação da infraestrutura necessária à passaram a viver dos excedentes que
reprodução capitalista, promoveu um produziam, as diferenças sociais
aumento crescente da população não começaram a surgir. O problema, nesse
empregada que se "aloja" e não "habita" caso, é a intensificação da pobreza e da
nos maiores centros urbanos falta de equidade nas condições
oferecidas para que os diferentes
Centro e periferia indivíduos possam produzir suas
No Brasil o termo periferia carrega um próprias condições de sobrevivência.
significado pejorativo, uma vez que O teórico Jean-Jacques Rosseau
representa um território de pobreza. Ao afirmava que a desigualdade é um

16
Favela: Uma análise extensiva

fenômeno que tende a sempre se O espaço geográfico, por definição,


intensificar no contexto social. As expressa e é expressado por essas
famílias mais pobres possuem um menor configurações. Muitas sociedades são
acesso à instrução e às informações conhecidas por serem a própria visão da
necessárias para alavancar um desigualdade, com destaque para
desenvolvimento próprio, enquanto os muitos países africanos e outros centros
grupos mais ricos possuem um maior periféricos do mundo. Mas não é
nível estrutural para investirem e somente aí que reside a miséria e a
multiplicarem sua renda e os largos pobreza do mundo, que também se
benefícios advindos dela. Para Rosseau, apresentam nas periferias de grandes
o que causa a desigualdade é cidades, até mesmo em metrópoles
exatamente a divisão social do trabalho, mundiais,
com a criação da propriedade e dos bens A respeito do processo de periferização
particulares e não distribuíveis. em São Paulo, Yvone Mautner (1999)
Max Weber, por sua vez, observou essa chama atenção para o significado do
questão a partir das estratificações conceito social de “periferia”. Para a
sociais. As três grandes estratificações autora, o seu significado social
ocorrem no campo da economia, do “desvenda, de fato, um processo
status e do poder, proporcionando uma histórico de produção de espaço urbano
diferenciação no acesso à renda, ao que se desenrolou concomitantemente à
prestígio e ao controle social. Essa extensão interna do trabalho
acontece por meio da diferenciação assalariado”.
entre habilidades, qualificações e Portanto, podemos dizer que o processo
interesses. de favelização revela as consequências
Já Karl Marx enxergava a sociedade a das desigualdades socioeconômicas
partir da luta de classes e via a que marcam a produção do espaço e
desigualdade manifestada a partir dos contribuem para a segregação urbana e
desequilíbrios entre a burguesia e os cultural das classes menos abastadas da
trabalhadores, haja vista que a primeira sociedade.
era a detentora dos meios de produção, O “centro” que primeiro assimila o
controlando e retendo a maior parte dos desenvolvimento técnico possui uma
lucros sobre os bens produzidos a partir estrutura diversificada e integrada,
do trabalho coletivo. Essa lógica, especializada em produtos industriais, a
perpetuada pela mais-valia, concentrava “periferia” tem um caráter
a renda e marginalizava os cidadãos, unilateralmente desenvolvido devido à
além de criar o exército de reserva de existência simultânea de setores
desempregados, que garantia uma “adiantados” e “atrasados”, seu papel
concorrência entre os próprios principal é a produção de matéria-prima.
trabalhadores, privando-os de sua A periferia surge quando ocorre uma alta
emancipação. elevação do valor dos terrenos do centro

17
da cidade, fazendo com que os O processo de urbanização elaborado ao
moradores com menor poder aquisitivo longo dos anos, causou um processo de
procurem moradias com valores segregação, levando uma quantidade
acessíveis, porém, em áreas distantes e cada vez maior de famílias a deixar as
desprovidas de infraestrutura. Esse áreas mais centrais da cidade e se
processo está relacionado a dinâmica dirigirem à periferia. Esta, desprovida de
das cidades, elas crescem e não uma infraestrutura adequada e distante
agregam todos os moradores de forma da vida produtiva da cidade, faz com que
semelhante, sua expansão causa a a vida destas se torne muito difícil. Essa
expulsão dos pobres do centro e os situação se mantém porque permite
segrega em regiões pouco lucros sempre crescentes a um pequeno
desenvolvidas. Os bairros periféricos, ou grupo: representantes do Estado,
as “periferias”, onde se encontra a maior empresários, construtoras, loteadoras,
parte da população mais pobre, estão imobiliários e demais participantes deste
localizados, comumente, mais afastados mercado, intensificando seus ganhos e
dos centros das cidades. aumentando a concentração de renda,
de forma que seja impossível uma
Considerações Finais reviravolta.
O desenvolvimento de uma nação Políticas criadas pelo Estado só
historicamente atrasada conduz, minimizam essa situação, dando aos
necessariamente, a uma combinação moradores uma falsa sensação de
original das diversidades. As inúmeras posse. Acreditam que, mesmo tendo
transformações ocorridas no capitalismo dificuldades, agora possuem um terreno
global nos últimos anos põem à prova e uma casa, mesmo que sejam distantes
todas as teorias sobre o dos serviços básicos. Parece que é de
desenvolvimento periférico capitalista, interesse do governo retirar tais pessoas
um dos motivos seria a incapacidade de do cenário político, diminuindo suas
definir quais são as novas fronteiras da reivindicações, para poder assim, se
periferia, e sobre quais novas condições concentrar em outros setores.
econômicas, sociais e políticas Os bairros pobres são vistos hoje como
poderíamos definir que uma região ou uma bomba pronta a explodir. Os níveis
pais e periférico ou central. Para de criminalidade estão cada vez maiores
acontecer a inserção de uma e a qualidade de vida cada vez pior. Eles
determinado país no mundo globalizado, necessitam de uma atenção especial do
onde a flexibilização da produção Estado com programas emergenciais
interfere de maneira perversa na que busquem minimizar os problemas
estrutura produtiva, o obriga a pensar em mais graves, e propor a elaboração de
quais seriam as vantagens competitivas projetos que permitam uma solução
necessárias para consolidar uma maior viável a essas regiões.
produtividade de suas empresas.

18
Favela: Uma análise extensiva

Referências Bibliográficas
SANTOS, M. A Urbanização Brasileira. 3
ed. São Paulo: HUCITEC, 1993.
SPOSITO, Maria Encarnação.
Capitalismo e Urbanização. São Paulo:
contexto, 1988.
LOPES, Juarez Rubens Brandão.
Desenvolvimento e Mudança Social, 3
ed,. 1976
LOJKINE,Jean. O estado capitalista e a
questão Urbana.
SMITH,Neil . Desenvolvimento Desigual,
1988
https://educacao.uol.com.br/disciplinas/geo
grafia/urbanizacao-do-brasil-
consequencias-e-caracteristicas-das-
cidades.htm
https://www.portalsaofrancisco.com.br/geog
rafia/geografia-urbana
https://brasilescola.uol.com.br/geografia/geo
grafia-urbana.htm
https://www.todamateria.com.br/geografia-
urbana/
https://www.archdaily.com.br/br/763172/ma
pas-a-urbanizacao-no-mundo-entre-1950-e-
2030
http://educacao.globo.com/geografia/assunt
o/urbanizacao/urbanizacao-brasileira.html

19
C/ONCENTRAÇÃO metropolitanas brasileiras são áreas que
COMERCIAL: RELAÇÃO pouco se investe na infraestrutura,
exceto pelos empreendimentos
CENTRO E PERIFERIA
habitacionais massificados implantados
a partir do final dos anos 1960, o que
MONTALVÃO, teria levado à constituição de espaços de
Lainy condições de vida bastante precárias.
Estudante de Interesses de produtores do setor
Arquitetura, pela privado e público do estado teriam
Universidade levado à construção de espaços
Cidade de São metropolitanos caracterizados por um
Paulo. fator decrescente de condições de vida,
inserção no mercado de trabalho e
acesso à renda do centro para as
periferias. Os espaços periféricos seriam
os mais distantes e de menor renda
A formação das populações urbanas é diferencial, ocupados pela população de
consequência de uma relação de mais baixa renda e inserida de forma
humanidade e complexidade social que mais precária no mercado de trabalho.
ainda não foram atingidas, as cidades
foram crescendo de forma desordenada Esse padrão espacial de carências e
e sem o planeamento urbano de uma segregação social representaria o
distribuição setorizada que atende as “modelo metropolitano brasileiro”. Para
necessidades da população em diversas algumas pessoas, este padrão de
áreas e extremidades de uma capital. produção dos espaços periféricos estaria
Um exemplo claro é a concentração do dentro dos espaços mais dinâmicos da
setor industrial em áreas específicas da metrópole do subdesenvolvimento
cidade, como o comércio no centro e as industrializado espaço central nos
fábricas e indústrias em metrópoles, processos de reprodução da
assim causando um deslocamento em industrialização de baixos salários. Se
grande proporção de pessoas da havia consenso com relação às
periferia ao centro em busca de trabalho, péssimas condições de vida nas
à medida que o centro da cidade se periferias e, em termos mais gerais, aos
transforma em núcleo administrativo e conteúdos concretos de cada espaço da
comercial, aumenta a valorização metrópole, os processos produtores do
desmedida dos terrenos centrais, o que espaço eram objeto de descrições
obriga a população trabalhadora a diversificadas e nem sempre
procurar moradias em áreas cada vez compatíveis. Para alguns autores, a
mais distantes do centro. ausência de intervenções públicas nos
Estudos urbanos apontam que entre os espaços periféricos seria produto de
anos de 1970 e 1980, as periferias

20
Favela: Uma análise extensiva

mecanismos estruturais ligados à arcaico (o trabalho que sobra, a pobreza)


dinâmica mais geral do sistema e com o mais moderno (a indústria nova
econômico seguindo a literatura como novo ramo da divisão do trabalho).
internacional de então, que derivava Neste sentido, os fundamentos da
diretamente as principais características desigualdade ao se reproduzirem levam
do espaço, assim como as condições de ao aprofundamento das separações,
vida nas periferias, das dinâmicas mais enfim, aos termos da barbárie inscritos
gerais da acumulação. no urbano periférico. Ainda assim a velha
oposição centro-periferia é
“A urbanização moderna é melhor compreendida frequentemente reposta nos discursos e
em termos da sua relação com o crescimento até nas práticas dos agentes que atuam
econômico, e suas implicações mais claramente
na produção da cidade. Essa posição
percebidas na ultimas manifestações dos países
desenvolvidos, torna-se aparente com o exame vem nos lembrar do porque há de fato
das tendências nesses países que a urbanização uma distinção muito objetiva entre o que
é um processo limitado, um ciclo pelo qual é o centro mesmo e aquilo que é a
seguem as nações em sua transformação de periferia. A diferença está,
uma sociedade agraria para outra indústria.”
fundamentalmente, na massa de capital
(Livro Cidades a urbanização da humanidade)
concentrado no centro, mesmo que este
As implicações da crise do trabalho esteja bastante deteriorado.
sobre as condições de vida nas periferias
urbanas sugerem, ao menos, que
consideremos este novo contexto na
problematização da relação centro-
periferia. Partimos da ideia de periferias
urbanas (e não de uma periferia situada
em relação a um centro, mas buscando
ir além da noção de periferia que guarda
o atributo do fora, do distante), ainda
com um raciocínio especulativo sobre o
urbano periférico. A centralidade da
reprodução do capital, que comanda a
produção do espaço urbano, mantém e
repõe os termos da relação centro-
periferia. A simultaneidade da expansão
e acumulação do capital, caracterizadas
pela falta da riqueza socialmente
(Mapa de habitações na capital de São Paulo
produzida (a manutenção dos territórios
2012)
empobrecidos) está presente tanto nas
periferias quanto nos centros históricos.
Isto implica em que lidemos com o mais

21
integração econômica, social e política
do território nacional.
Essa concentração causa prejuízo na
qualidade urbana da periferia, como
áreas verdes e mobilidade, o centro é
preferência para alterações pelas
prefeituras.

“Os primeiros projetos viários significativos


surgem na cidade de São Paulo na década de
1910, propostos por engenheiros da prefeitura.
Ainda que executados parcialmente,
constituíram a primeira alteração significativa na
cidade, com o alargamento das vias Líbero
Badaró e São João, que inauguraram o primeiro
anel viário composto pelas vias Líbero Badaró,
Boa Vista, Praça da Sé e Largo São Francisco
(ibidem, p.151). Desde os anos 1920, um projeto
de remodelação viária voltado para dar suporte e
aumentar a velocidade de circulação de carros e
Atualmente, mais da metade da
caminhões foi sendo implantado na cidade,
população mundial vive em cidades e o liderado por engenheiros e implementado por
modo de vida urbano-industrial foi o sucessivas administrações municipais e
principal responsável pelo deslocamento estaduais. O modelo de anéis, esboçado nos
de grande parcela da população das projetos urbanísticos do início do século, vai
marcar, como veremos adiante, a estrutura de
áreas rurais. Nos países da América do
circulação e mobilidade na cidade. Essa vai,
Norte e Europa, a urbanização atingiu desde os anos 1930, ganhar uma incidência
níveis elevadíssimos. Existem países muito maior na cidade a partir da emergência de
que ultrapassam os 90% de um novo padrão de produção industrial em
urbanização, já na Ásia e África, os massa, que teve na indústria automobilística sua
gênese e maior expoente. A popularização da
níveis de urbanização são muito baixos,
produção de automóveis iniciada por Ford, além
pois a maior parte da população ainda de ampliar de forma gigantesca o mercado de
vive na área rural, em função da consumo desses bens e denominar uma nova
economia desses países ainda estar forma de organização da produção, constituiu-se
baseada em atividades do setor primário. em uma das revoluções tecnológicas que
transformaram não apenas a velocidade, mas
também a cultura da mobilidade, e fornecendo as
Isso mostra que essa concentração não bases técnicas e políticas do projeto de cidade.”
é só em São Paulo, mas também como (Rolnik, 1997, p.160; Nobre, 2010).
em cidades no mundo todo, a
urbanização ocorre de acordo com o
centro da cidade e comércio. Em longo
prazo, o processo combinado de
urbanização-industrialização leva a

22
Favela: Uma análise extensiva

A tabela acima mostra que nos últimos Bairro de Pinheiros SP


anos o investimento no sistema viário na
periferia foi abaixo das demais Na imagem podemos ver a av.
localidades, isso causa uma qualidade Rebouças, localizada no bairro de
de vida inferior, essas questões afetam Pinheiros capital paulista, onde a
não só a polução como o ambiente urbanização com áreas de verdes e
urbano. Estudos mostram que a sistema viário de acordo com o fluxo de
qualidade de vida de pessoas que veículos e pedestres, mas esse bairro
moram no centro é maior que na ainda está passando por mudanças de
periferia, entendemos periferia não como melhoria. Segundo a matéria do
espaço geográfico localizado às Estadão, o mercado aposta que a
margens das cidades, mas como espaço Rebouças deve deixar de ser uma via
invisível aos olhos da sociedade que, muito mais de passagem e com
muitas vezes, despreza-o, na tentativa funcionamento praticamente apenas em
de apagamento dos sujeitos e de suas horário comercial - para ser um
produções culturais marginalizadas, não valorizado ponto 24 horas. “Quando
porque encontradas à margem esses prédios estiverem ‘implantados’, a
geográfica do sistema, que volta sua população vai ganhar bastante”, prevê o
atenção e seus olhos para produções da arquiteto e urbanista Sergio Lessa Ortiz,
alta sociedade e em bairros nobres, coordenador do curso de Arquitetura e
sendo, esses, colocados em local central Urbanismo do Centro Universitário Belas
de visibilidade e importância sociais. Artes. “Até porque, com a Linha do
Metrô (Linha 4 - Amarela, ainda em
obras para ampliação) em
funcionamento completo, nos próximos
anos a tendência é uma Rebouças
menos ocupada por carros e mais por
pedestres.” Atualmente, a avenida já
tem fácil acesso pelas Estações Paulista,
Fradique e Faria Lima. Já a Oscar Freire
ainda não foi inaugurada.

23
isolamento e a distância de cidade
Tiradentes também prejudica as áreas
da saúde e lazer.
As deficiências da infraestrutura física e
social descritas acima, são indicadores
expressivos do crescimento
desordenado e não planejado da área
metropolitana paulista, vendo a
complexidade e extensão dos diversos
problemas como, sistema viário, áreas
Cidade Tiradentes, zona leste SP
verdes, áreas de lazer e meios de
transporte necessários para ligar e
Já o outro exemplo, o bairro de cidade igualar as centro-periferia. Para isso
Tiradentes, localizado na zona leste da propõe soluções e uma orientação
capital paulista, onde habitação é conjunta metropolitana, o que exige
predominante fazendo com que as grande investimento, em São Paulo, há
pessoas se locomovam em uma extensas periferias distantes do centro
distância muito grande para trabalhar, e com características de empobrecimento,
sobrecarregando o transporte público, mas ao mesmo tempo, o centro
onde se utiliza o ônibus para acessar os geográfico da cidade também apresenta
demais meios de transporte, para essas características. a diferença é o
acessar serviços, muitas vezes as acesso a equipamentos públicos,
pessoas preferem ir a Mauá e Ferraz de culturais e infraestrutura urbana, que não
Vasconcelos, cidades vizinhas e mais existem nas regiões mais afastadas. Ao
próximas do que o centro de São Paulo. longo das décadas, o verdadeiro centro
O problema é que para esses locais não de São Paulo, o financeiro, ao redor do
há transporte direto. Para conseguir qual orbitam os investimentos públicos e
chegar a essas cidades os moradores privados e as vagas de emprego se
improvisaram, de forma irregular, deslocou duas vezes. Primeiro, passou
pequenas estradas por dentro da mata. da região da Praça da Sé para a Avenida
Cidade Tiradentes, apesar de ser Paulista. Depois, se estabeleceu no
um dos 10 mais populosos de São Paulo, perímetro entre a Paulista e a várzea do
ainda guarda características de cidade rio Pinheiros, entre as avenidas Faria
dormitório. Não há emprego para todo Lima, Luiz Carlos Berrini e Chucri
mundo na região. Em 2014, segundo Zaidan, e deve se estender pelas
dados da Rede Nossa São Paulo, são Nações Unidas até a Avenida Interlagos.
cerca de 6 mil postos de emprego, quase Nesse ponto, o crescimento do espaço urbano
para as áreas periféricas resulta de uma
mil a menos do que em 2013. É o distrito
necessidade “imposta” pelo próprio crescimento
com menor proporção da cidade, em especial de sua zona comercial.
população/emprego da capital paulista o Entretanto o que se tem notado em grande parte

24
Favela: Uma análise extensiva

das cidades brasileiras, referente ao seu


crescimento espacial, é fruto de interesses
articulados pela acumulação de capital. Vale
ressaltar que a partir desses fenômenos
apresentados anteriormente, pode-se entender
que o espaço urbano, resultado dessa
desagregação habitacional, comercial e
infraestrutura, se porta de maneira fragmentada
e segregada socioeconomicamente, resultando
no crescimento urbano disperso e periférico,
porém articulado pelas vias de circulação intra e
interurbana.

Referências Bibliográficas

Livros:
Industrialização e concentração
econômica em São Paulo.
Henrique Rattner
Cidades A urbanização da
humanidade. Kingsley Davis
Cidades e questões sociais. Dirce
Koga, Eliane Ganev e Eunice Fávero
A leste do centro. Regina Maria
Prosperi Meyer e Marta Dora Grostein
Avaliação em planejamento
urbano. Vitor Manuel Araújo de Oliveira

Sites:
www.brasildefato.com.br/node/27
076/
cbn.globoradio.globo.com
www.revistaforum.com.br
periferiaemmovimento.com.br
www.uvanet.br
www.scielo.br

25
A BAIXA IMPLEMENTAÇÃO DE Este trabalho parte da procura por
PROJETOS DE URBANIZAÇÃO referências de projeto de Urbanização de
Favelas dentro dos campos da
DE FAVELAS
arquitetura, urbanismo e desenho
urbano. Por comparação com outros
ESTEVES,
deparamo-nos com uma menor
Verônica
quantidade de conteúdo reproduzido em
Estudante de
revistas ou livros sobre o tema,
Arquitetura,
sobretudo com exemplos gráficos de
pela
projeto ou sua concretização efetiva no
Universidade
território, o que dificulta a possibilidade
Cidade de
de reflexão ou aprendizado sobre a
São Paulo.
Urbanização de Favelas.
Apesar do conhecimento acumulado e
das técnicas desenvolvidas desde os
Resumo
primeiros registros nos anos 70 no Rio
Este trabalho propõe uma reflexão sobre
de Janeiro, e do Brasil ser uma das
a baixa implantação de projetos de
referências mundiais neste tipo de
Urbanização de Favelas. Trata-se de um
intervenção, a relevância dada à
reconhecimento, mas também a
Urbanização de Favelas ainda não
apresentação de uma retrospectiva das
alcançou a centralidade no empenho
técnicas e metodologias desenvolvidas
orçamentário em gestões públicas
por técnicos, muitas vezes pioneiros no
municipais e estaduais, e em faculdades
seu campo de atuação e o impacto que
de arquitetura e urbanismo e noutros
os mesmos causaram com a sua ação.
centros de formação e pesquisa, o que
Palavras Chave: Urbanização de
foi revelado pelo conjunto dos trabalhos
Favelas, Arquitetos Militantes.
sobre o tema no último Encontro
Nacional de Planejamento Urbano (XVI
Abstract
ENANPUR, 2015).
This work proposes a reflection on the
Encontramos algumas reflexões em
low implantation of Slum Urbanization
autores ou em centros de estudo
projects. It is a recognition but also the
específicos, mas onde os trabalhos e
presentation of a retrospective of the
pesquisa versam sobretudo as políticas,
techniques and methodologies
os programas, até os parâmetros de
developed by technicians, often pioneers
intervenção, mas muito pouco é
in their field of action and the impact they
dedicado à reflexão sobre o exercício
have caused with their action.
projetual e a avaliação das práticas de
Keywords: Slum Upgrading processes,
intervenção.
Militant Architects

Introdução

26
Favela: Uma análise extensiva

A especificidade da urbanização de Analisando um panorama geral,


favelas podemos arriscar afirmar que a eficiência
Alguns fatores podem contribuir para de intervenções de Urbanização de
este quadro. A complexidade deste tipo Favelas é muito baixa, considerando que
de projeto pode ser um deles. a totalidade do processo está definido
Urbanizações de Favelas são como: levantamento, o projeto, a
intervenções que dizem respeito tanto ao implementação da obra, objetivando a
espaço físico, como à dimensão social resolução dos problemas encontrados
do território e suas populações. As inicialmente, o que deveria ser avaliado
intervenções físicas podem ser questões no pós-obra. O processo, considerando
de prevenção e eliminação de risco (de esta como uma intervenção de iniciativa
derrocada, alagamento, contaminação, pública, depende também de uma
etc.), implantação ou complementação gestão pública engajada e com
de infraestrutura urbana (drenagem, capacidade de mobilização multisectorial
fornecimento de água, saneamento – de várias secretarias – e de manter o
básico, eletricidade, condições viárias, diálogo com a população envolvida. A
gestão de resíduos sólidos,...), que se Urbanização de Favelas trata-se de um
cruzam com as questões sociais, como o processo multidisciplinar, onde muitas
acesso a serviços urbanos (mobilidade e variáveis influenciam o seu resultado.
transporte público, postos de saúde, Também pela necessidade da
centros de educação, lazer, segurança contribuição de técnicos de diferentes
pública,...), a localização do trabalho, formações, o mérito da intervenção
para além, da regularização fundiária e depende da ação conjunta de muitos
da necessidade da aproximação das agentes, nas diferentes etapas do
populações, procurando a maior eficácia processo. Na maioria doa casos não
da intervenção, através do entendimento foram implantadas as soluções ideais,
das reais necessidades, e da sua mais mas as possíveis, dadas todas as
adequada resposta, para a maior taxa de limitações físicas, sociais, institucionais
apropriação local. Em intervenções mais e financeiras.
profundas, a questão habitacional, tanto Neste contexto a sua representação
da realocação como a intervenção de como exercício projetual associado à
melhorias habitacionais, deve ainda ser arquitetura torna-se difícil pois muitas
abordada. E o grau de complexidade das soluções técnicas não são visíveis e
aumenta dependendo da dimensão por isso, dificilmente representáveis. O
(territorial e populacional) do projeto está na escolha de soluções de
assentamento e de características infraestrutura e compatibilização de
sociais, como as relações políticas, redes, ou até mesmo na resolução dos
limitações e características econômicas, conflitos entre os diferentes atores.
violência e presença do tráfico, entre Se a publicização destes projetos é
outras. diminuta por comparação com outros

27
projetos de arquitetura, ela não é, no ameaçadas por posturas que implicavam
entanto, inexistente. Quando aparecem a sua remoção e expulsão dos lugares
em revistas e livros, projetos de onde moravam ou passaram a
Urbanização de Favelas, destacam-se reconhecer e exigir o seu direito de
pelo desenho dos espaços livres ou atendimento pelos mesmos serviços que
projetos de produção habitacional o resto da cidade.
desenhados para reassentamento das
famílias removidas. Encontramos As experiências de Urbanização de
também alguma divulgação de Favelas que procurávamos seriam
concursos de arquitetura sobre o tem, aquelas que entendem a intervenção
mas que têm parca repercussão como como um exercício de reforma de um
experiência e poucos foram os que se tecido já construído. Um tecido com valor
efetivaram no território. histórico, físico, cultural e social, e que a
partir da intervenção física esse valor é
Referências, que referências? reforçado. Procuramos as experiências
Nos interessava encontrar as soluções que se aproximavam de intervenções de
implementadas no território e aquelas relação e decisão horizontal, onde o
mais realistas e próximas perante esse respeito pelos seus moradores
mesmo território. Não aquelas apareceria no processo e no produto.
amplamente publicizadas e que, ao
mesmo tempo, aparentavam um
afastamento da realidade. A ‘imersão’: a leitura a partir da
Reconhecendo a existência de um importância das particularidades
acúmulo de experiências históricas O conhecimento quase pessoal dos
desenvolvida por gestões públicas, lugares e colaboração com os seus
arquitetos e outros técnicos moradores impacta em todas as
progressistas desde os anos 70 e que se decisões de projeto e obra. Esta
vêm perpetuando e desenvolvendo até capacidade de percepção de detalhes,
aos dias de hoje, nos propusemos a muitas vezes escondidos, não deixa de
encontrar os desenhos técnicos, as sugerir uma composição entre as
ferramentas e métodos utilizados nessas experiências vividas e uma sensibilidade
experiências, para conseguirmos refletir de “olhar técnico” dos personagens
a partir delas. É importante lembrar que selecionados para entrevista.
estes técnicos e o desenvolvimento Estes técnicos privilegiam que o
destas práticas está intrinsecamente processo seja feito com grande
ligado, na sua origem, às lutas das proximidade com os territórios e as
populações mais pobres, aquelas comunidades atingidas. O arquiteto
excluídas das áreas regulares da cidade, Manoel Ribeiro chama isto de “imersão”.
para estes territórios de conflito, e que Para uma leitura adequada das
em determinado momento se viram características, o arquiteto defende a

28
Favela: Uma análise extensiva

necessidade de vivenciar dúvidas sobre as ações e divulgação das


quotidianamente o que acontece na propostas.
favela. Na Serrinha este processo Na segunda fase do Favela-Bairro, a
começou na leitura do território e relação dos arquitetos com a
prolongou-se pelos seis anos de obras comunidade foi limitada pelo próprio
que Manoel acompanhou. Manoel poder público, e mesmo não estando
considera que a primeira fase, a da programado em contrato, em Cantagalo
leitura, ela é determinante para o projeto, e Pavão-Pavãozinho, Jonathas, Vera,
e que ela só pode acontecer através de Manoel e restante equipe técnica fizeram
uma imersão. um levantamento rigoroso casa a casa,
Mesmo quando a etapa de diagnóstico é para além das informações sobre a
excluída do contrato da equipe projetista, comunidade conseguidas através das
Manoel reivindica que essa etapa conversas com os moradores mais
precisa ser concretizada pelo projetista e velhos.
com pelo menos 6 meses de Noutros casos, o comprometimento e
antecedência em relação à primeira inquietação propositiva destes
proposta de projeto. No caso do Morar projetistas levam ao desenvolvimento de
Carioca, onde o Diagnóstico deveria ser processos investigativos que chegam
concretizado por outra empresa, Manoel quase a teses. É o caso do IPHAB –
iniciou o seu próprio diagnóstico Índice de Precariedade Habitacional
visitando e conhecendo a favela que lhe desenvolvido pela Peabiru TCA (SANTO
era destinada, mesmo antes da AMORE et al., 2014). Trata-se de uma
contratação para projeto que acabou por metodologia de diagnóstico de favela
não se efetivar. através da análise individual de cada
Para o desenvolvimento do Plano Sócio- casa, inclusive com visita, cruzando as
Espacial da Rocinha, Luiz Carlos Toledo informações entre acesso a
teve uma necessidade semelhante. A infraestrutura, características
proposta ganha num concurso de ideias construtivas e tipo de ocupação. Através
foi resultado de um convívio intenso com do cruzamento dos diferentes níveis de
alguns dos seus moradores, para além precariedade, a assessoria consegue
do seu conhecimento prévio sobre a sustentar as decisões de remoção ou
favela. Durante o desenvolvimento do consolidação da favela para além da
Plano, Toledo assumiu total proposição de projetos de melhoria
responsabilidade na abertura de uma habitacional. A necessidade do
filial do seu próprio escritório dentro da aprofundamento desta investigação
Rocinha. Esta ação foi fundamental para parte do entendimento da complexidade
criar um vínculo mais próximo com a de decisão sobre “quem fica e quem sai”
comunidade, atender às suas num processo de urbanização de
necessidades, para além de ser um local favelas.
de fácil acesso para o esclarecimento de

29
para a melhoria das habitações. Ou
Milton Nakamura que em diálogo com o
escritório contratado para o projeto de
urbanização do Chafik em Mauá, o
Tereza Arquitetos, designaram uma
equipe específica para levantamento das
necessidades e propostas de
intervenção habitacional.
As leituras são também marcadas por
outras formas de olhar, dando um
destaque para as questões sociais,
como é o caso da influência da
antropologia sobre estes sujeitos. No
caso do Manoel Ribeiro no projeto da
Serrinha, ele afirma a necessidade de
conhecer profundamente não só o
espaço e suas necessidades infra
estruturais, mas acima de tudo as
Edifício onde foi implantado o escritório MTA diferentes culturas dos seus moradores.
dentro da Rocinha. Fonte: PRÓPRIA, 2016
Esse conhecimento foi determinante na
tomada de decisão sobre as propostas
Neste contexto, estes técnicos
de usos e espaços comuns, e até, em
compreendem estes territórios nas suas
decisões de aberturas de ruas e
particularidades, sem perder a noção da
conexões entre diferentes áreas da
amplitude da problemática, não só na
favela.
individualidade das características da
Em Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, em
favela, mas também o respeito pelas
colaboração com os arquitetos Vera
individualidades das edificações e das
Tângari e Jonathas Silva, eles assumem
suas famílias. Assim, a defesa pelas
a influência antropológica quando
melhorias habitacionais como parte do
procuram conhecer a favela através da
processo de intervenção em favelas é
leitura dos moradores mais velhos.
assumida por grande parte destes
Podemos admitir a influência direta da
técnicos, que procuram até incluí-las na
forma de atuação do arq. Carlos Nelson,
sua proposta. É o caso da Peabiru TCA
conhecido pessoal de Manoel Ribeiro e
que não aceitando que o término do seu
Toledo. Carlos Nelson fez a sua
trabalho de projetista está no desenho da
especialização na faculdade de
infraestrutura e espaços coletivos, tem
Antropologia da UFRJ, é conhecido
trabalhado de acordo com as Prefeituras,
inclusive pela sua autodesignação como
especialmente a Secretaria de
“Antropoteto”, um arquiteto que também
Habitação de São Bernardo do Campo,
é antropólogo (SANTOS, 1980).
no sentido de pensar kits de intervenção

30
Favela: Uma análise extensiva

Reconhecemos nessa definição a estar estancando, e continua em


importância que estes sujeitos dão às crescimento, através de novas
informações destes territórios, que vão ocupações ou densificação das
para além das informações físicas e ocupações existentes.
morfológicas, dando uma relevância ao Manoel Ribeiro, por exemplo, questiona
trabalho e pesquisa em campo, o nome dado à fase do levantamento e
determinante na forma de atuar do conhecimento, normalmente designada
antropólogo. como diagnóstico, pois não acredita que
a palavra, pela sua associação à
Fazer e questionar: a prática e a medicina e identificação de doenças,
autorreflexão como aprendizado designa adequadamente esta etapa do
O processo não acontece sem recorrer a processo de urbanização, mesmo
um questionamento e problematizações defendendo que esta (a leitura e
constantes. conhecimento do território e sua
Os arquitetos militantes compreendem comunidade) é a etapa mais importante
que o património autoconstruído deve e do processo.
pode ser melhorado para além dos Se os arquitetos militantes questionam
investimentos em infraestrutura, através ora a Urbanização de Favelas como uma
de financiamento público. Defendem que forma factível de atuação, ora as formas
o problema habitacional deve ser de trabalho que lhes são impostas ou
enfrentado de forma global. As políticas propostas, também refletem
habitacionais devem responder à constantemente sobre a sua própria
produção habitacional adequada e forma de trabalho. Dúvidas e
acessível, com planejamento, inquietações movem-nos no
infraestruturas e políticas e em locais desenvolvimento de novas técnicas e
que respeitem o direito à moradia ferramentas, validando ou ultrapassando
adequada e acesso à cidade para todos. as anteriormente aplicadas.
Jonathas, no seu depoimento, relembra Milton, recordando o seu percurso e
a importância desta atuação global, não experiência de intervenção em favelas
esquecendo que as favelas e critica as primeiras intervenções
assentamentos irregulares precários são realizadas nos governos locais
uma grande parte do património nacional progressistas da área metropolitana de
construído e que por isso deve ser São Paulo, nos anos 80 e 90.
enfrentado, melhorado e resolvido, no Compreende e situa a autocrítica no
sentido da qualidade de vida acessível momento e recursos disponíveis e
para todos. No entanto, a urbanização de conhecimentos que possuíam na época.
favelas concretizada de forma Mas admite que essa forma de atuar não
independente não passa de uma forma ultrapassou o problema, e reconhece
de “enxugar gelo” e que apenas “corre” também que as técnicas, ferramentas e
atrás de um problema que está longe de conhecimento disponíveis hoje em dia

31
devem ser utilizados no sentido da Carlos Nelson Ferreira dos Santos, em
superação daquelas formas de atuação Brás de Pina, no Rio de Janeiro, nos
e melhor procedimento junto às anos 70, recuamos até essa experiência
comunidades e seus territórios tomando-a como parte do quadro
ocupados. montado. Aos restantes arquitetos
O próprios processos investigativos e escolhidos, chegamos através de
críticos das assessorias técnicas pesquisa bibliográfica e empírica, pela
estudadas demonstram esse espírito rede de contatos montada6 com atuação
crítico característico dos arquitetos em Urbanização de Favelas
militantes. Como metodologia de análise foi
utilizada a entrevista aos arquitetos
Os sujeitos selecionados, a análise da sua produção
Como já abordamos, a ação destes gráfica, a visita aos casos de estudo
sujeitos encontra-se pouco (sempre que possível), a revisão
sistematizada. Reconhecemos que bibliográfica realizada sobre os casos de
apesar da experiência acumulada, estudo e a recolha de outras informações
poucos destes sujeitos se dedicaram à que puderam contribuir para o
divulgação desse trabalho (pelo menos conhecimento do processo. Pedimos
de forma propagandística), e que cada um dos sujeitos tivesse
compreendemos que para a recolha presente duas experiências de
desse conhecimento precisaríamos de Urbanização de Favelas, uma mais
uma abordagem pessoal de forma a recente, outra mais antiga, selecionada
revelar o conhecimento concentrado nos por ele mesmo, para que pudéssemos
próprios sujeitos. comparar processos. Nem sempre as
Para uma leitura temporal selecionamos experiências são claras e denominadas
alguns arquitetos com mais de 15 anos como Urbanização de Favelas, ou os
de experiências em Urbanização de processos se finalizam, daí,
Favelas, mas também com trabalho apresentamos apenas uma experiência
recente. E focamos nas regiões do Rio para alguns arquitetos.
de Janeiro e São Paulo, considerando Buscamos ultrapassar as
estas como regiões concentradoras de individualidades no sentido da atuação e
grande volume de práticas, que são personificação dos sujeitos, procurando
também referência em diferentes nos discursos e material de análise,
momentos da história das intervenções pontos de contato ou semelhança e/ou
em assentamentos precários no Brasil. afastamentos, que validem ou reprovem
Considerando que este quadro de a teoria da influência de uma forma de
arquitetos militantes se inicia num marco atuação que definimos como militante na
referencial histórico, a atuação dos história da Urbanização de Favelas.
Quadra Arquitetos, mais
especificamente a atuação do arq.

32
Favela: Uma análise extensiva

Por outro lado, é comum o encontro de


limitações impostas quando estes
sujeitos se encontram com programas,
políticas, contratos e agentes do poder
público mais conservadores, e/ou com
recursos financeiros limitados.
Associamos a estas situações alguma
frustração que se reflete e é reflexo da
fraca taxa de sucesso ou concretização
de processos de urbanização de favelas.
Da mesma forma, os técnicos militantes
assumem que as falhas, os erros e a
experimentação fazem parte de um
processo que está em desenvolvimento
e longe de estar concluído.
Lembramos, nesta conclusão parcial,
que não nos interessa a personificação
da ação destes sujeitos, nem a limitação
deste grupo aos únicos sujeitos
militantes. Partimos deste grupo para
Os limites
identificar uma ética de trabalho comum
Os padrões de atuação encontrados
não só a estes sujeitos, mas também a
nestes arquitetos militantes e aqui
outros que aqui não mencionamos.
parcialmente descritos, revelam uma
Podemos encontrar ações semelhantes
postura ética e política de trabalho, mas
noutros técnicos e em outros projetos.
que apenas se viabiliza no diálogo e
No entanto, selecionamos aqueles que
relação com outros agentes e através de
na sua atuação mantêm regularmente
parcerias. Os técnicos trabalhadores dos
uma postura que caracterizamos como
serviços públicos, são muitas vezes
militante e que defendemos tratarem-se
responsáveis ou facilitadores do trabalho
dos padrões e das posturas de atuação
dos militantes e até, em muitas ocasiões,
que devem ser publicizadas, divulgadas
eles mesmos os técnicos militantes,
e assumidas como referência quando
arquitetos ou de outras formações.
falamos em Urbanização de Favelas.
Também os movimentos sociais
organizados e as comunidades
Referências Bibliográficas
mobilizadas possibilitam e são parte
CARDOSO, A. L. (2007) Urbanização de
integrante das propostas militantes.
Favelas no Brasil: Revendo a
Estes e outros agentes devem ser
Experiência e Pensando os Desafios.
lembrados quando nos propomos falar
IPPUR/UFRJ. XII Encontro da
da ação dos arquitetos militantes.
Associação Nacional de Pós-Graduação

33
e Pesquisa em Planejamento Urbano e
Regional, Belém.
DENALDI, Rosana (2003). Políticas de
urbanização de favelas. São Paulo,
FAUUSP (tese de doutoramento).
FERREIRA, Paulo Emílio Buarque
(2015). Urbanização de favelas:
metodologias e ação no contexto
contemporâneo (Proposta de Sessão
Livre). Belo Horizonte: XVI ENANPUR.
I URBFAVELAS (2014). Anais do I
URBFAVELAS _ Seminário Nacional
sobre Urbanização de Favelas. São
Bernardo do Campo: UFABC. Disponível
em
http://www.sisgeenco.com.br/sistema/ur
bfavelas/anais/
LEITÃO, Karina Oliveira e FERREIRA,
João Sette Whitaker (2012). Aspectos
Físicos, Urbanísticos e Arquitetônicos.
In: MAGALHÃES, F.; VILLAROSA, F.
(editores). (Org.). Urbanização de
Favelas: Lições Aprendidas no Brasil. 1
Ed. São Paulo: Fupam, V., P. 1-48.
MAGALHÃES, F., VILLAROSA, F.
(2012). Urbanização de favelas: lições
aprendidas. Banco Interamericano de
Desenvolvimento.

34
Favela: Uma análise extensiva

DE QUE MODO O AMBIENTE reconhecimentos não são iguais para


NAS FAVELAS AFETA A SAÚDE todos.
Palavras-Chave: Favelas, saúde,
DAS PESSOAS?
saneamentos, violência, doenças.
REBELLO,
Nycole
Abstract
Estudante de
"At eight-thirty in the evening I was
Arquitetura, pela
already in the favela breathing the scent
Universidade
of the excrement that mixes with the
Cidade de São
rotten mud. When I'm in town, I feel like
Paulo.
I'm in the visiting room with its crystal
chandeliers, velvet rugs, satin cushions.
And when I'm in the favela, I have the
Resumo impression that I'm an out-of-use object,
“Às oito e meia da noite eu já estava na worthy of being in a dumping room.
favela respirando o odor dos excrementos “Carolina Maria de Jesus, May 19, 1958.
que mescla com o barro podre. Quando Carolina Maria made this report about
estou na cidade, tenho a impressão que sixty years ago, and analyzing the
estou na sala de visita com seus lustres context of the current favelas, we noticed
de cristais, seus tapetes de veludos, that basically nothing has changed.
almofadas de cetim. E quando estou na
favela tenho a impressão que sou um It is necessary to talk about health in the
objeto fora de uso, digno de estar num favela, or rather, the lack of health. We
quarto de despejo”. Carolina Maria de need to talk about the lack of basic
Jesus, 19 de maio de 1958.Carolina sanitation. We need to talk about the
Maria fez esse relato há mais ou menos various diseases that affect people living
sessenta anos, e analisando o contexto in the favelas. Health quality is not the
das favelas atuais, notamos que same for everyone. Education is not the
basicamente nada mudou. same for everyone. Assistance and
accessibility, integration, opportunities,
É preciso falar sobre a saúde na favela, recognition are not the same for
ou melhor, a falta de saúde. É preciso everyone.
falar sobre a falta de saneamentos
básicos. É preciso falar sobre as Keywords: Favelas, saúde,
diversas doenças que afetam as saneamentos, violência, doenças.
pessoas que residem nas favelas. A
qualidade da saúde não é igual para
todos. A educação não é igual para
todos. A assistência e acessibilidade, a
integração, as oportunidades, os

35
músicas nada mais do que sua
realidade.
Se um cantor aborda em suas letras
temas de violências, é porque ele vive
aquilo, é aquilo que a favela tem para
oferecer. Abordam-se temas de estupro,
é porque ele cresceu vendo esses atos,
nos noticiários ou no seu cotidiano.
Tema de desigualdade é reflexo da falta
de oportunidade que as pessoas que

Nós já sabemos que existe desigualdade


residem nesses locais têm, ou nada mais
entre gênero e raças. Sabemos também
do que a vontade de mudança que essas
que existem fatores negativos que
pessoas têm em seu interior.
afetam somente as pessoas de classe
Seguindo essa linha de pensamentos,
baixa. Sabemos que existe segregação
chegamos à conclusão de que o meio
entre raça, oportunidade e mérito para
em que estamos inseridos pode nos
pessoas brancas, criminalidade e
afetar de alguma forma. Seja um
desconfiança para pessoas de raça
paciente de hospital em um quarto mal
negra. Mas será que existem problemas
iluminado, uma flor que necessita da luz
de saúde exclusivos para pessoas que
do sol estar na chuva, uma pessoa com
residem nas favelas?
calor em um ambiente de temperatura
Já pararam para pensar que a maioria
elevada, enfim, o que se passa ao nosso
das letras de músicas que envolvem
redor nos delimita e nos atinge.
violência, roubos, estupros e
assassinatos são de autores que
cresceram e viveram nas favelas? Já
repararam também que a maioria das
letras de rap falam sobre desigualdade,
violência policial, racismo, preconceito e
morte? E que as letras de funk falam
sobre estupro, violência e roubos?
Assim como os arquitetos projetam
aquilo que tem na bagagem, expressa
seu sentimento e o meio em que vive em
"Precisamos construir cidades que funcionam
uma folha. Assim como um pintor precisa para os negócios, para o ambiente e, mais
de inspiração para concretar sua obra. importante, para as pessoas.” Ani Dasgupta.
Assim como o advogado precisa de fatos
e argumentos para defender seu cliente, Ani Dasgupta é o diretor global do WRI
o cantor seja ele de qualquer idade, Ross Center for Sustainable Cities, o
gênero ou raça, vai projetar em suas programa do WRI que catalisa ações
36
Favela: Uma análise extensiva

para ajudar as cidades a crescer de com ênfase em Habitação de Baixa


forma mais sustentável e melhorar a Renda da Escola de Planejamento e
qualidade de vida nos países em Arquitetura da Índia.
desenvolvimento em todo o mundo. Ani
orienta as Cidades WRI no O objetivo principal do evento era discutir
desenvolvimento de soluções os desafios enfrentados pelas cidades e
sustentáveis em termos ambientais, seus processos de urbanização, e
sociais e financeiros para ajudar as elaborar um plano de ação comum a ser
cidades a programar soluções seguido. Foi então que surgiu a “Nova
personalizadas para seus maiores Agenda Urbana”, uma lista de metas que
problemas de desenvolvimento. valerão pelos próximos 20 anos.
Entre propostas como a criação de um
sistema de transporte mais ecológico e
Ani lidera a equipe de especialistas de uma gestão mais sustentável dos
globais do programa em transporte recursos naturais, o documento
sustentável, desenvolvimento urbano e enfatizou a urgência de olhar para as
eficiência de edifícios, bem como seu condições de habitação em áreas
envolvimento em energia de baixo urbanas. De acordo com o relatório, 40%
carbono, governança, risco de água e de todo o crescimento urbano hoje
áreas associadas. Ele também atua ocorre em favelas.
como membro da equipe de Há quase um bilhão de pessoas
gerenciamento global da WRI, ajudando morando em assentamentos informais
a moldar a estratégia geral e o ao redor do globo. Por aqui, 12 milhões
crescimento do instituto. de brasileiros estão nas periferias,
segundo dados do livro “Um país
chamado favela”, da Central Única das
Favelas e do Instituto de Pesquisa
DATAFAVELA. “Nestas áreas,
intervenções simples, mas eficazes, tais
como telhados com isolamento e
iluminação e aquecimento solar de água
podem melhorar o nível de vida e reduzir
os impactos de ondas de calor e
Ani possui mestrado em Planejamento e
condições meteorológicas extremas”,
Políticas Públicas e mestrado em
aponta o documento da Organização das
Arquitetura, ambos do Massachusetts
Nações Unidas.
Institute of Technology (MIT). Seu
trabalho de doutorado, na escola de
Mas qual a relação entre favelas,
planejamento do MIT, concentrava-se
saneamento e saúde?
em serviços para os pobres urbanos. Ele
recebeu um Bacharel em Arquitetura

37
Diversas pessoas sofrem com a falta de De acordo com o último levantamento
moradia regular e consequentemente falta feito pelo Instituto Trata Brasil, (maio
de saneamento básico. O esgoto é 2016), nas 100 maiores cidades do país
depositado em rios próximos, ou jogado em cerca de 90% dos esgotos de áreas
qualquer dentro da comunidade, o que
irregulares não são coletados e nem
propicia o aumento de doenças infecciosas.
tratados. Os serviços de água
geralmente não chegam a essas
localidades, e o estudo detectou que
nestes 100 maiores municípios parte do
abastecimento é fruto de furtos de água.
Diferente das regiões ricas das cidades,
essas áreas não possuem garantia de
regularização, a água não é tratada, o
lixo não é recolhido, existem ligações
clandestinas que podem contaminar a
água, o esgoto permanece a céu aberto
São muitos desafios que se põe à frente
do país, o saneamento básico é um dos em frentes às casas, gerando contato
maiores. De acordo com o ranking mais direto com crianças, adultos e animais
recente do Instituto Trata Brasil, mais de causando severas implicações para a
35 milhões de pessoas não contam com saúde como doenças gastrintestinais e
água tratada em casa e quase cem outras.
milhões estão excluídas do serviço de A falta de saneamento básico é causa
coleta de esgotos. direta de muitas doenças e mortes em
Com a falta de saneamento, o esgoto é todo o mundo. Os países mais pobres
depositado em lixões, rios próximos e até são os mais atingidos pela falta de
dentro da comunidade. serviços básicos, como água tratada,
esgoto encanado e destinação correta
A carência do saneamento básico atinge do lixo, o que acaba interferindo
a todos, mas é certo que os maiores diretamente na qualidade e expectativa
impactos estão nas famílias de baixa de de vida da população e no seu respectivo
renda. Se já existem dificuldades de desenvolvimento.
implantar serviços de abastecimento de Na grande maioria dos casos, os mais
água e coleta de esgoto em grandes afetados pela falta de saneamento
municípios, quando se trata de áreas básico acabam sendo as crianças, em
irregulares, os desafios são ainda geral as menores de cinco anos de
maiores, mesmo em áreas que já idade, que não sobrevivem aos quadros
existem há décadas. de diarreias fortíssimos. Em todo o
mundo, anualmente, cerca de 1,4
milhões de crianças morrem em

38
Favela: Uma análise extensiva

decorrência da diarreia relacionada à Para que o desenvolvimento ocorra de


falta de saneamento. maneira plena, devemos priorizar
Muitas outras doenças também estão setores carentes da sociedade onde as
associadas à falta de saneamento condições mínimas de qualidade de vida
básico, como: esquistossomose, febre não fazem parte da realidade destas
amarela, febre paratifoide, amebíase, pessoas.
ancilostomíase, ascaridíase, Listei cinco consequências da falta de
cisticercose, cólera, dengue, disenterias, saneamento:

elefantíase, malária, poliomielite, teníase 1 – Ameaça à saúde pública


e tricuríase, febre tifoide, giardíase, Segundo a Organização Mundial da
hepatite, infecções na pele e nos olhos e Saúde (OMS), o principal objetivo do
leptospirose. saneamento é a promoção da saúde do
É importante salientar que para reduzir a homem, visto que muitas doenças
ocorrência dessas doenças, é podem proliferar devido a ausências
fundamental que a população tenha desse serviço.
acesso as condições mínimas de Má qualidade da água, destino
saneamento, com água e esgoto inadequado do lixo, má deposição de
tratados corretamente, destinação e dejetos e ambientes poluídos são
tratamento adequado do lixo, assim decorrências da falta de saneamento e
como serviços de drenagem urbana, fatores cruciais para proliferação de
instalações sanitárias corretas e doenças.
educação para a promoção de hábitos De acordo com o Instituto Trata Brasil,
saudáveis de higiene. além dos altos riscos envolvidos, este
A concretização de sistemas de cenário representa elevados gastos em
saneamento básico em comunidades saúde pública: em 2011, os gastos com
mais carentes já apresentaria um grande internações por diarreia no Brasil
passo de cidadania e responsabilidade, chegaram a R$140 milhões. A diarreia,
assim como elevaria efetivamente o que segundo a Unicef, é a segunda maior
se entende por desenvolvimento social. causa de mortes em crianças abaixo de
Faz-se necessária também a cinco anos de idade.
compreensão das autoridades e do
poder público de que o custo para a Dados da OMS revelam que 88% das
prevenção dessas doenças acaba sendo mortes por diarreias no mundo são
até mais barato causadas pelo saneamento inadequado.
Destas, 84% são crianças. No Brasil, em
do que os gastos com as tentativas de 2008, 15 mil brasileiros morriam por ano
cura e tratamento, isso sem contar o devido doenças relacionadas à falta de
valor imensurável das vidas perdidas. saneamento.

39
Em 2014, a OMS afirmou que cada dólar para a implantação do saneamento
investido em saneamento, se economiza básico e comprometem parte da
4,3 dólares investido em saúde global. A população a conviver frente às
informação mostra o quão atrelado estão dificuldades e desigualdades.
a saúde e o saneamento. Investir em um,
afeta os gastos do outro. 3 – Poluição dos recursos hídricos
Mesmo com a ONU declarando que o
2 – Desigualdade social acesso à água potável e ao saneamento
Em estudo realizado pelo Instituto Trata básico é um direito essencial do ser
Brasil em 2016 nos 100 maiores humano, ainda há muitas pessoas não
municípios do país, constatou que 90% sabem o que é possuir água tratada em
dos esgotos em áreas irregulares não suas residências.
são coletados nem tratados. Ademais, os
serviços de abastecimento de água não Como já discutido acima, em muitas
chegam nesses locais. Portanto, a água localidades, esgotos correm a céu aberto
que chega vem de furto através de gerando grandes preocupações quanto
ligações clandestinas. a saúde pública. Um outro fator, é a
poluição gerada pela falta de tratamento
Os impactos dessa situação são de esgoto. E isso não só na periferia,
alarmantes: esgotos correndo a céu mas também nos grandes centros devido
aberto, ligações ilegais na canalização à industrialização.
que contaminam a água e lixo sendo
jogado em locais inapropriados. Estes, Na periferia, devido à restrição do
são cenários que contribuem tanto para acesso ao saneamento, os esgotos
a proliferação de doenças quanto para a sanitários e o lixo doméstico são
desigualdade social. frequentemente jogados nos rios sem
qualquer tratamento. Em contrapartida, o
As habitações em áreas irregulares, os crescimento industrial também contribui
vazios urbanos e o rápido crescimento para a poluição hídrica visto que muitas
populacional dificultam o acesso aos empresas burlam a legislação e lançam
serviços básico. A falta de planejamento resíduos industriais nas águas sem, ou
atinge diversas camadas da população. parcialmente, algum tratamento.
Porém, estudos apontam que as classes
de baixa renda são as mais afetadas. Com isso, tem-se uma quantidade
absurda de águas poluídas. Em um
Em geral, as áreas irregulares, com estudo realizado pela ONG SOS Mata
riscos de deslizamentos e inundações, Atlântica, no ano de 2016, em 111 rios
são excluídas do planejamento, visto a brasileiros revelou que quase 24% das
dificuldade técnica para levar esse águas são de qualidade ruim ou
serviço. Dessa forma, criam-se barreiras péssima. Segundo a lei, águas nessa

40
Favela: Uma análise extensiva

situação não podem sequer receber O lixo está entre os principais problemas
tratamento para consumo humano ou nos grandes centros urbanos devido a
para irrigação de lavouras. destinação incorreta. Os lixões são
grandes depósitos a céu aberto com
Nesse contexto, tem-se outra questão: a grande probabilidade de contaminação
redução da água potável disponível. O do solo e infestação de doenças. Além
crescimento populacional demanda disso, as chuvas contribuem para o
maior quantidade de água para carregamento do lixo para às cidades e
consumo. Porém, tem ocorrido o para a contaminação da água.
contrário. Pesquisas realizadas pela
UNESCO, mostram que o consumo de 5 – Improdutividade
água aumenta numa proporção de duas Em 2014, o Instituto Trata Brasil realizou
vezes o crescimento populacional. um estudo em parceria com o Conselho
Empresarial Brasileiro para o
Dessa forma, a situação é alarmante: por Desenvolvimento Sustentável (CEBDS)
um lado tem-se a falta de saneamento e denominado “Benefícios Econômicos da
a poluição dos corpos hídricos. De outro, Expansão do Saneamento Brasileiro”.
a maior demanda por água potável. O Os resultados apontam perda de
que se sabe é que é necessário bom produtividade e renda devido à falta de
planejamento para ambos os problemas. saneamento básico.
Tanto para garantir a universalização do
saneamento, quanto para preservar a Esse estudo mostra tudo o que já foi
disponibilidade de água para o consumo tratado ao longo deste texto. O acesso
humano. ao saneamento básico melhora a saúde,
evita doenças, mortes e amplia
4 – Poluição Humana oportunidades econômicas e a
Uma das vertentes do saneamento produtividade.
básico é a limpeza urbana e o manejo
correto de resíduos sólidos. Com a Segundo a pesquisa, a renda per capita
crescente urbanização, isso nem sempre do Brasil aumentaria em 6% se todos os
ocorre em sua totalidade. brasileiros tivessem os serviços básicos.
O destino adequado para o lixo urbano é Além disso, 11% das faltas do
o aterro sanitário. O aterro contém trabalhador estão relacionadas a
estrutura para o tratamento de gases e problemas causados por falta de
chorume, incineração ou coleta seletiva. saneamento. 217 mil trabalhadores se
Mas, por tratar de grandes afastam de suas atividades anualmente
investimentos, as gestões públicas devido a problemas gastrointestinais
acabam deixando de lado essas práticas ligados à ausência de saneamento.
gerando péssimas consequências.

41
Isso afeta diretamente na economia: ao com cheiro.
ter acesso a rede de esgoto, um <https://projetocolabora.com.br/agua/um
trabalhador aumenta sua produtividade a-em-preto-e-branco-com-cheiro-do-
em 13,3% e resulta em 3,8% de ganho saneamento-nas-favelas>. Acessado
salarial por diminuição das faltas. Não em 25/05/2018.
obstante, a universalização dos serviços
básicos valoriza em média 18% o valor CAVINATTO, Vilma Maria. Saneamento
dos imóveis. básico: fonte de saúde e bem-estar.
Editora Moderna. 1995.
As crianças não ficam de fora das
estatísticas. O estudo mostra que o
saneamento também melhora o
rendimento escolar das crianças, pois
diminui as faltas devido a internações.
De acordo com a Águas Guariroba, 65%
das internações hospitalares em
crianças menores de 10 anos estão
ligadas à falta de saneamento.

Por fim, o Instituto conclui também, que


uma redução de 10% nas perdas com
vazamentos, roubos, ligações
clandestinas, falta de medição ou
medições incorretas no consumo de
água no Brasil reduz o equivalente a
42% do investimento realizado no
sistema de abastecimento de água no
país.

Referências Bibliográficas:

EDITORIAL O GLOBO. Saneamento de


favelas para além de água e esgoto.
<http://noblat.oglobo.globo.com/editoriai
s/noticia/2016/01/saneamento-de-
favelas-para- alem-de-agua-e-
esgoto.html>. Acessado em 25/05/2018.

VIEIRA, Agostinho. Saneamento nas


favelas, uma foto em preto e branco e

42
Favela: Uma análise extensiva

INICIATIVAS POLÍTICAS therefore, becoming more important to


PÚBLICAS PARA A FAVELA understand the initiative of public politics
RODRIGUES, in the favelas and of such studies. This
Maria Clara article presents an analysis of the public
Estudante de initiative in the suburb and how society
Arquitetura, treats this subject.
pela It was verified that although the two
Universidade studies address the same theme, there
Cidade de São are many differences when it comes to
Paulo. the public policy initiative in the Brazilian
suburb. From this article we find that the
incentive is still very precarious and
initial, but it should never cease to exist,
Resumo
since it is necessary to fully integrate
Depois do estudo entre política e favela
society and politics within this cause.
vem se tornando mais comum a
Keywords: Policy; Suburb; society;
diferença e a semelhança dentre elas e
initiative.
a Sua distância dela com a sociedade,
portanto, tornando-se mais importante
Quando pensamos em favela no Brasil o
compreender a iniciativa de políticas
que vem em mente? Provavelmente são
públicas nas favelas e de tais estudos. O
drogas, tiroteio, esgoto a céu aberto,
texto apresenta uma análise de da
insalubridade e muito mais, mas o que
iniciativa publica na periferia e como
esquecemos é que a favela é a exclusão
sociedade trata esse assunto.
social, a marginalização política pois
Verificou-se que apesar de os dois
essas pessoas vivem a margem, a beira
estudos abordarem o mesmo tema, há
da sociedade, porque a favela é a falta
muitas diferenças quando se trata da
de cuidado, zelo da sociedade política.
iniciativa das políticas públicas na
periferia brasileira. A partir desse artigo
E as favelas estão presentes em todas
verificamos que o incentivo ainda é muito
as regiões metropolitanas e abrigam
precário e inicial, mas ele jamais deverá
mais de onze milhões de pessoas,
deixar de existir, pois é necessária a
segundo dados do Censo 2010. As
integração total da sociedade a política.
favelas possuem configurações e
Palavras-Chave: Política; Periferia;
problemas diferentes, mas cada vez
sociedade; iniciativa.
mais a ideia de miséria vem se tornando
uma característica do passado, pois com
Abstract
a expansão de políticas públicas, o maior
After the study between politics and
acesso das mulheres ao mercado de
favela, the difference and the similarity
trabalho isso contribuiu para a redução
between them and their distance from the
dos indicadores negativos.
society has become more common,

43
Novos perfis se revelam e outras para os serviços públicos nas
perspectivas precisam ser avaliadas. Em comunidades.
um momento de crise, a economia “o endereço não é apenas um endereço,
desacelera, mas a vida não para. Ainda ele identifica você como um cidadão. Se
há trabalho, mão de obra e mercado a pessoa tem um endereço, ela existe e
consumidor. passa a cobrar do governo coisas como
saneamento básico e transporte”.
Há muito negócio a ser feito, e de Pensando em políticas públicas para as
maneira igualitária, onde é possível favelas brasileiras, a questão é trazer
oferecer serviços de qualidade e contar mais produtos e serviços para os mais
com pessoas que trabalham, ganham pobres com menos recursos. O Estado
seu dinheiro e o reinvestem como pode muito, mas não pode tudo. O que
conseguem, de acordo com aquilo que falta? Vontade política? Pensar em um
lhes é oferecido. prazo além da próxima eleição? Enxugar
o orçamento e investir nos setores
Dito isto, os desafios ainda são enormes. carentes? Além de tudo isso, é preciso
A população das favelas ainda busca a construir um diálogo que envolva
maior parte dos bens e serviços básicos diversos setores no país. A questão da
fora delas, no asfalto. A favela é famosa favela é a informalidade, mas como a
por ter habitações precárias que afetam política atua e encara essa
a saúde (em função do lixo descartado informalidade? que tipo de soluções para
de maneira inadequada, ausência de o problema social das favelas se aplica a
rede geral de escoamento sanitário, política ideológica. A primeira coisa que
ventilação inadequada, problemas de vem em mente é que é preciso integrar a
umidade e mofo) e decisões de trabalho favela, os que vivem na favela em
(que a maioria tem que deslocar muito comunidade, na metrópole como um
até seu local de trabalho) e a todo, mas como é perceptível as favelas
participação política. são autônomas, como sua própria
política de existência, temos como favela
Cada favela brasileira é diferente uma da a marginalidade social e econômica, mas
outra. Mas como pode se imaginar a a palavra marginalidade, vem da palavra
prioridade da maioria delas é a marginal que significa: à margem de; que
segurança pública nas favelas não segue o contorno.
pacificadas. A presença do tráfico de No sentido figurado: que foi excluído da
drogas e o conflito permanente têm sociedade ou prefere viver fora dela.
efeitos tão ou mais abrangentes que E no sentido pejorativo: Que não respeita
aqueles da moradia inadequada. Além leis; criminoso: sujeito marginal.
das fatalidades e do medo constante, os
episódios de violência são disruptivos Mas referimos favela como marginal
pois, tem difícil acesso a serviços

44
Favela: Uma análise extensiva

urbanos, certas comunicações em renda, as quais eram diariamente


massa, bens de consumo duráveis e a expulsas para as periferias.
qualidade inferior de saneamento básico
e entre outros. É importante ter em mente que as
favelas não são mais locais transitórios
Mas a abordagem entre as pessoas que para os migrantes que chegam na cidade
vivem na favela pode ser complicada, à procura de melhorias, e sim um reflexo
pois a favela apesar de tudo não é uma da precariedade das grandes cidades
comunidade isolada, pode ser isolada da em oferecer habitações dignas aos seus
grande parte da cidade, mas ela em si é moradores e da ineficiência do poder
bem estruturada, sem as condições da público em garantir que essas
sociedade global. habitações cheguem de fato ao poder
das camadas mais pobres.
Temos a mania de observar a favela
como um problema social, mas essa é A questão da habitação é interessante
uma visão diferente das pessoas que de se falar pois é precária habitação nas
moram em uma e as que não moram favelas. A partir disso é importante
nela. Pois quem mora nesse tipo de compreender o que foi feito e o que não
local, tem seus recursos internos e não é feito para mudar.
sofrem parte da exploração econômica.
Como às vezes as ações públicas
As periferias urbanas, cresceram acabam sendo ineficazes na solução dos
bastante nos últimos tempos em um problemas das favelas, no entanto
ritmo mais acelerado que os núcleos intervenções públicas podem e são uma
centrais das metrópoles. Elas se ajuda a essa parte da população
apresentam nas cidades como a clara excluída, e tem como a intenção de
segregação espacial onde a pobreza é melhoria na qualidade de vida da
disseminada em diferentes formas e são população.
zonas marginalizadas da sociedade Vale lembrar que é de extrema
onde a exclusão social é regra. importância o fato que dos recursos
internos da favela. Os recursos, parecem
As moradias em assentamentos que só podem ser considerados como
precários são partes bem comuns em medidas em que a favela permanece
zonas periféricas e isso é resultado da uma organização com as suas próprias
dificuldade de acesso à terra e de características.
inúmeras ações públicas mal formuladas
e na maioria das vezes incompletas ao Pode constatar que certas vezes o
longo dos anos que acabaram por inconformismo contra determinados
permitir o crescimento da cidade sem fatos, chega dificilmente, mas pode dar
nenhum respaldo às pessoas de baixa origem a uma ação ou uma tomada de

45
posição política. Via de regra, a revolta Tal arranjo institucional não conseguiu
difusa, e poucas vezes chega a controlar a ocupação das favelas, pois
cristalizar. O sentimento de estarem no médio prazo acabou estimulando a
sendo explorados é tão difuso nos multiplicação das associações de
estratos mais baixos, que a defesa não moradores, que passaram a ser
vai além da inação. Isso não significa, constituídas para criar favelas, seja
que não haja verdadeiras tempestades subdividindo as já existentes, seja
na política interna da favela, são raras as anexando novas áreas ao seu território.
favelas em que não haja sucessivas Neste processo, surgiram favelas-
crises políticas. Mas elas parecem ser loteamento, onde o acesso à moradia se
sempre fomentadas e resolvidas na deu por meio do mercado imobiliário
cúpula, e dificilmente mobilizam os informal.
demais estratos. A falta de participação
pode ser facilmente comprovada, na Não há dúvida de que, em certo sentido,
grande maioria das favelas, pela baixa a favela é de fato marginal. Ela é
percentagem de sócios das associações marginal, por exemplo, pela dificuldade
de moradores. O padrão de ocupação do de acesso a certos serviços urbanos, a
solo nas favelas – caracterizado por certos tipos de bens de consumo
moradias construídas pelos moradores e durável, a certas formas de comunicação
sem projeto de loteamento prévio – pôde de massa etc., embora sempre desfrute,
se desenvolver em boa medida porque em diversos graus, de tudo isso. Mas
determinadas ações governamentais essa abordagem é perigosa. Em primeiro
interferiram nos conflitos fundiários no lugar, porque tende a ignorar ou reduzir
sentido de consolidar as ocupações, mas a importância das íntimas vinculações
sem promover a regularização entre a favela e o sistema global. A
urbanística e fundiária dos terrenos. favela não é uma comunidade isolada:
Como será tratado no capítulo, embora o sua própria existência depende muito
arranjo institucional constituído na mais de determinadas condições
década de 1960 delegasse às estruturais da sociedade global do que
associações de moradores a função de dos mecanismos
controlar o processo de ocupação do internos desenvolvidos para mantê-la.
território, na ausência de regras e Em segundo, porque a noção de que a
direitos garantidos sobre o uso da terra, favela é uma “comunidade marginal” não
desenvolveu-se nas favelas um padrão passa de um julgamento de valor que,
de urbanização fundado nas por um lado, dá origem a uma atitude
necessidades básicas de abrigo e paternalista e assistencialista e, por
acesso a recursos fundamentais, como outro, fornece as bases “teóricas” para
água e energia elétrica. tentativas de imposição das normas e
valores dos grupos de classe média que
detêm o poder de escolha das “soluções”

46
Favela: Uma análise extensiva

adotadas por eles (e não pelos próprios de proprietários − isso para falar apenas
favelados), consideradas as mais em características socioeconômicas.
adequadas para aquele “problema social Apesar das flagrantes diferenças entre
das favelas”. Trata-se, assim, de uma os dois tipos de análise, inclusive em
visão deformada da realidade desses suas bases ideológicas, há um ponto
locais. comum entre elas, talvez o maior
responsável por suas deficiências:
O segundo tipo de análise considera o considerar a existência de um tipo único
favelado como um grupo particular de favelado. Na medida em que as
dentro de uma camada social, de modo favelas são categorizadas e definidas
que a favela é encarada de um ponto de como entidades especiais pela
vista muito mais global, como parte do sociedade global e, em consequência,
proletariado. Portanto, não há pelos seus próprios moradores, essa
propriamente, nesse caso, uma análise noção é, pelo menos parcialmente,
específica das condições das favelas, a aceitável. Se se pode falar em termos de
não ser um mínimo necessário para a “caráter nacional brasileiro”, apesar das
descoberta de palavras de ordem que notórias diferenças entre grupos e
possam atingir e polarizar toda a camada classes internos e de suas semelhanças
social, mas também essa perspectiva com grupos e classes de outros países,
apresenta sérias deformações. Primeiro talvez se pudesse falar também em um
porque, sem se constituir em um sistema “caráter do favelado”. Ou seja, se é
autônomo, autossuficiente e possível definir e identificar um brasileiro
independente, a favela apresenta um típico, o mesmo talvez pudesse
grau de especificidade que não deve ser acontecer com um morador de favela.
menosprezado. Ela possui formas de
organização que parecem ser Entretanto, apesar da validade que essa
exclusivas, recursos econômicos perspectiva possa ter para certos
próprios, que inevitavelmente afetam as estudos, no mais das vezes − e
atitudes e o comportamento político de especialmente naquelas de conteúdo
seus moradores. Segundo porque a político −, ela não faz senão deformar a
favela não é, de forma alguma, um grupo análise, uma vez que, além da variedade
dentro de um estrato social. Não de orientações que provêm dos
obstante muitos de seus moradores estímulos e influências recebidos no
poderem ser incluídos, não sem certa desempenho de papéis definidos fora
impropriedade, no que se poderia das favelas, não se pode ignorar que a
chamar de subproletariado, não se deve organização desses espaços é de uma
ignorar o fato de existirem aí em complexidade impressionante,
quantidade operários qualificados, proporcionando, assim, as bases
funcionários públicos, bancários, internas para uma nítida diferenciação
comerciários, além de um bom número social.

47
Qualquer análise do processo político organização que influenciam seus
nas favelas e das atitudes e membros de maneira semelhante. Outro
comportamentos dos favelados que se ponto a considerar em análises de
pretenda objetiva deve partir da noção conteúdo político é que a favela
de que a favela é uma organização apresenta uma forma de organização
transversal, isto é, tem uma base tipicamente capitalista, com uma
geográfica em geral bastante definida vitalidade econômica que chega a
que envolve uma extensa gama de espantar aqueles que com ela se
atividades e situações e apresenta defrontam. As alternativas disponíveis
profundas conexões com outras na favela para investimento e acúmulo
organizações e atividades, em uma de capital – em uma palavra, os recursos
extensão territorial mais ampla. É internos − são as mais diversas, indo da
necessário enfatizar as bases criação de animais à especulação
geográficas definidas das favelas, imobiliária e à produção de manufaturas.
porque elas permitem uma organização
com pequeno grau de burocratização e Esses recursos internos são a base
impessoalidade. Essas características sobre a qual se cristaliza, a partir de sua
organizacionais – a transversalidade e exploração econômica, uma
as relações pessoais − parecem fazer diferenciação social bastante definida,
com que as favelas funcionem como com uma burguesia favelada
espécies de agentes refratores de certos monopolizando o acesso, o controle e a
fatores da sociedade global que manipulação dos recursos econômicos,
influenciam as atividades e os além das decisões e dos contatos
comportamentos políticos de seus políticos. Raciocinar, pelo menos em
moradores. Não é ocioso explicitar que, uma análise política, em termos de um
quando me refiro a tais atitudes e tipo único de favelado é, portanto, um
comportamentos, não quero dizer que verdadeiro absurdo, da mesma forma
eles sejam exclusivos dos favelados, que o é imaginar que a favela possa
mesmo porque não conheço quaisquer assumir, em termos de atividades
estudos comparativos entre favelas e políticas nos âmbitos estadual ou
outras organizações. Refiro-me apenas federal, uma linha de ação homogênea
aos que podem ser empiricamente .Resta ainda salientar como de suma
identificados nos moradores da favela e importância o fato de que os recursos
que provavelmente são, pelo menos em internos da favela, e em consequência
parte, condicionados por sua forma de sua própria estratificação, dependem em
organização. Não é impossível, nem grande parte de fatores externos, como
mesmo improvável, que atitudes e veremos de forma resumida mais
comportamentos semelhantes adiante. Desse modo, parece que o
manifestem-se fora das favelas, poder político da burguesia favelada no
provocados por outras formas de nível estadual e no federal − derivado

48
Favela: Uma análise extensiva

fundamentalmente de sua potência poucas vezes chega a cristalizar-se em


eleitoral que, aliás, parece ser, de certo um indivíduo. Nunca assume a forma de
modo, supervalorizada – é canalizado e um projeto que oriente a ação, nem
restrito a meras condições de barganha sequer o caráter de simples denúncia. O
de votos por acréscimo ou manutenção máximo a que parecem chegar os
dos recursos internos, isso é, de sua estratos inferiores é uma posição de
posição na estratificação da favela. Os passividade defensiva. Como exemplo,
recursos, por sua vez, parecem que só citamos o caso do representante da
podem ser considerados como tais na burguesia favelada que se queixou de
medida em que a favela permanecer que sua ideia de criar na favela uma
uma organização com as características espécie de cooperativa de crédito não
acima descritas, pois, do contrário, os teve a menor repercussão “porque
empreendimentos internos seriam sempre que eu falava nisso, eles
esmagados pelo volume e pela pensaram logo que a gente ia roubá-los”.
qualidade dos demais empreendimentos O sentimento de estarem sendo
urbanos congêneres, ou por imposições explorados é tão difuso nos estratos
de ordem jurídica e tributária. De mais baixos, que a defesa não vai além
maneira geral, pode-se dizer que apenas da inação. Isso não significa, entretanto,
os favelados do estrato superior – os que que não haja verdadeiras tempestades
controlam os recursos internos − na política interna da favela. De fato, são
desenvolvem atividades políticas. raras as favelas em que não haja
Mesmo assim, muitos deles são sucessivas crises políticas. Mas elas
inteiramente alheios a elas. Salvo raras parecem ser sempre fomentadas e
exceções, os favelados dos estratos resolvidas na cúpula, e dificilmente
mais baixos representam apenas mobilizam os demais estratos. Desse
“massa de manobra”, padecendo de uma modo, a possibilidade de mudança dos
permanente exploração de quadros políticos é quase inexistente.
impressionante intensidade, disfarçada Não obstante, muitas candidaturas
por relações pessoais e mais ou menos apoiam-se em slogans que enfatizam a
íntimas. Tudo indica que esses favelados renovação: são, porém, indivíduos ou
não tenham a menor consciência grupos que se encontram na oposição,
política, seja em termos “de classe”, seja mas que também pertencem ao estrato
mesmo sobre os problemas internos de dominante. A falta de participação pode
suas próprias favelas. Mesmo nos raros ser facilmente comprovada, na grande
casos em que se pode constatar uma maioria das favelas, pela baixa
certa atitude de inconformismo contra percentagem de sócios das associações
determinados fatos, ela dificilmente de moradores (que funcionam como uma
chega a dar origem a uma ação ou uma espécie de centro de decisões políticas,
tomada de posição política. Via de regra, tanto de natureza interna quanto
não passa de uma revolta difusa, e externa), cujas diretorias em geral são

49
eleitas com votações ridículas se diversidade pulveriza a capacidade dos
comparadas com o número do corpo grupos dominantes da favela de
eleitoral potencial. A ausência de pressionar, no sentido de fazer os
renovação torna-se evidente se políticos supralocais cumprirem os
consideradas, entre outras formas, as compromissos assumidos (comparem-
eleições com chapa única, bastante se estas afirmativas com as referências,
comuns; a apresentação de chapas em feitas no final do presente artigo, à
que há apenas um mero rodízio de contraposição entre os “políticos
cargos, já que todos ou quase todos os favelados” e os “políticos de nível
candidatos exerciam mandatos no supralocal”). Figurativamente, poder-se-
período anterior; os diversos casos em ia dizer que as relações de dominação-
que o presidente é reeleito subordinação apresentam o aspecto de
indefinidamente. um verdadeiro funil de intensidade
As relações entre candidatos e favelados crescente. Por outro lado, não se deve
são em geral duais. Por vezes o mesmo ignorar que, apesar de tudo, há um
candidato tem mais de um cabo eleitoral aspecto positivo nesse estado de coisas,
ou “poleiro” em uma mesma favela. tal pelo menos nas condições atuais. É que,
situação, por um lado, torna impossível se os políticos da burguesia favelada não
que as promessas do período eleitoral tivessem o controle quase total das
sejam cobradas aos candidatos eleitos camadas inferiores, por intermédio do
pela favela como um todo, o que lhes qual funcionam como mediadores quase
facilita a saída demagógica; por outro, inevitáveis das relações entre os grupos
faz com que os políticos favelados se políticos estaduais e/ou federais e a
integrem em diferentes “panelinhas” grande massa dos favelados, a situação
supralocais − que muito pouco têm a ver seria ainda pior. Isso porque os acordos
com as favelas −, uma vez que as políticos estariam em um nível ainda
camadas inferiores não exercem a mais primitivo. Muito provavelmente, os
menor pressão contra esses acordos candidatos de nível supralocal
políticos “espúrios” ou pelo menos constituem o respectivo eleitorado por
“inautênticos”. Assim, a própria “tirania” uma mera compra de votos, em espécie
exercida pela burguesia favelada, isso é, ou por intermédio de pequenos favores
a ausência de feedback, de qualquer pessoais. Um presidente de associação,
controle das camadas inferiores sobre os com grande expressão política −
acordos com os grupos políticos segundo ele próprio, “possui” 2 mil votos
supralocais, contribuiu de maneira −, disse, por exemplo, em um desabafo,
decisiva para a dominação da própria que só apoiaria o candidato que lhe
camada social superior da favela pelos ofertasse um Impala. Outro político, de
grupos e políticos supralocais. Os expressão bem menor, procurou um
acordos são, via de regra, limitados e/ou candidato que lhe resolvesse um caso de
de caráter pessoal, e sua enorme bigamia na Justiça para “despejar”

50
Favela: Uma análise extensiva

“seus” trinta e tantos votos. Da forma ouvindo. Fazemos que eles respondam
como presentemente a política interna se a uma porção de perguntas e, muitas
articula com a supralocal, os acordos, vezes, eles se atrapalham.” Fica claro
embora extremamente desvantajosos que, nessas condições, os acordos de
para os favelados e quase sempre muito cúpula ou “conchavos” são muito mais
limitados e personalistas, assumem um tranquilos para o candidato.
caráter muito mais amplo e permanente
do que os dois exemplos citados acima. Sobre esse assunto, é interessante notar
Como será visto mais adiante, não é à que as formas de controle político
toa que se multiplicam os órgãos eleitoral vigentes fora das favelas − o
“administrativos” que atuam em favelas e personalismo carismático, as palavras
que funcionam como prolongamentos da de ordem demagógicas etc. − são
política partidária nas “entressafras” substituídas, ou pelo menos reforçadas
eleitorais. O controle político da internamente, pela influência e pelo
burguesia favelada sobre as camadas prestígio derivados de relações pessoais
inferiores é percebido de maneira mais de caráter mais ou menos íntimo (que
ou menos difusa pelos próprios também têm influência fora das favelas,
candidatos a postos estaduais e mas de modo muitíssimo menos intenso,
federais. Aparentemente, eles não ao que parece). Assim, a violenta
demonstram grande preocupação (o que exploração econômica e política é
é, aliás, muito sintomático desse temperada por uma série de atividades e
controle) com o fato de que, mesmo nos relações paralelas, desde o ensino das
contatos mais amplos com os favelados, etapas burocráticas necessárias para
as reuniões, inclusive nas grandes conseguir documentos até conselhos
favelas, raramente apresentam mais de sobre os mais variados assuntos, que
50 ou 60 pessoas, número que não é representam, até certo ponto, uma
grandemente aumentado mesmo espécie de recompensa ou contrapartida
naquelas a que são convocados todos os pela exploração sofrida. Tal fato
moradores. Além dessa aparente apresenta pelo menos duas
despreocupação, é visível que os consequências contrastantes. Em
comícios dentro das favelas são quase primeiro lugar, embora esses pequenos
inexistentes, como se a propaganda favores se constituam em um dos pilares
eleitoral por esse meio fosse do controle político da burguesia,
desnecessária, improdutiva ou mesmo favelada, eles perdem o caráter de mera
perigosa em se tratando de favelas. recompensa pelo voto do favorecido
Sobre os possíveis riscos de reuniões (como certamente aconteceria se
públicas como veículos de propaganda fossem prestados diretamente pelos
eleitoral, é sintomática a observação de políticos supralocais), uma vez que estão
um amigo: “Atualmente, nas reuniões baseados ou decorrem de relações de
com os candidatos, não ficamos mais só amizade. Sua capitalização política é, ao

51
mesmo tempo, muito mais sutil e
envolvente, e não caracteriza o provável
mercenarismo dos favores prestados.
Em segundo lugar, não há dúvida de que
esse mesmo fato é um importantíssimo
fator de resistência à conscientização. É
difícil percebermos que nosso vizinho,
com quem tomamos uma ou outra
cachaça e a quem pedimos instruções e
mesmo conselhos, nos explora política e
economicamente até a exaustão. Assim, Referências Bibliográficas
uma tomada de consciência mais ampla MONTANER, Josep Maria; MUXÍ, Zaida.
é ainda mais difícil, uma vez que esse Arquitetura e política: ensaios para
vizinho e muitas vezes amigo mundos alternativos. Editora Gustavo
monopoliza contatos, informações e Gili Ebook. 2014.
atividades cotidianas que talvez nos
despertam de nosso desinteresse e até
nos abrissem os olhos, ampliando e
aprofundando nossa visão da realidade.

52
Favela: Uma análise extensiva

VIOLÊNCIA NAS FAVELAS: O This article portrays the life slum dwellers
ALERTA CONSTANTE take, their point of view, and the
LOPES, Lucas conditions that cause violence to occur in
Estudante de the favelas.
Arquitetura, Although prejudice is rooted and time is
pela taken to reach a level where this is left
Universidade out, slum dwellers suffer from the
Cidade de São violence experienced, whether by
Paulo. disputes between police and bandits, or
even between enemy criminal factions.
Keywords: Violence; slum; drugs; drug
Resumo dealing.
A violência vivenciada na favela tem
como base a origem, tanto do ponto de Introdução
vista econômico-social quanto referente Este artigo analisa os relatos de
ao fato histórico do que ocorreu no Rio moradores de favelas sobre a violência
de Janeiro com o Bota Abaixo dos que vivenciam no cotidiano desses locais
cortiços. diante dos diferentes tipos de presença e
Este artigo retrata a vida que os ação dos bandos de criminosos e das
moradores das favelas levam, seu ponto forças policiais. Sustenta que eles
de vista e as condições que ocasionam a enquadram estas questões a partir de
violência a ocorrer nas favelas. uma preocupação constante com as
Embora o preconceito esteja enraizado e pausas na estabilidade das rotinas
se tome tempo para atingir um patamar diárias provocadas pelas frequentes
onde isso é deixado de lado, os explosões de violência. Este é o
moradores das favelas sofrem com a horizonte de atenção que organiza todo
violência vivida, seja por disputas entre o seu discurso crítico “para fora” das
policiais e bandidos, ou mesmo entre favelas, bem como suas atitudes e
facções criminosas inimigas. condutas nos locais de moradia. O texto
Palavras-Chave: Violência; Favela; retoma um pouco mais, argumentando
drogas; tráfico. que, em suas descrições e denúncias, os
moradores demonstram não lidar da
Abstract mesma maneira com todas as formas de
The violence experienced in the favela is oscilação de suas rotinas, evitando juntar
derived, both from the socio-economic os responsáveis. Assim é que, de um
point of view and referring to the lado, a violência citada durante as
historical fact of what occurred in Rio de famosas “operações” policiais e sempre
Janeiro with the “Bota Abaixo” of the presente no abuso da conduta desses
tenements, which consisted in destroying agentes aparece associada ao seu
the old center of Rio which was filled with caráter quase totalmente imprevisível.
former slaves recently set free.

53
De outro lado, quando se trata da questionam a participação do conjunto
violência envolvida nas práticas dos dos favelados na moralidade suprema,
traficantes, com os quais os moradores assim como a postura ética dos
são obrigados a compartilhar o mesmo moradores desses territórios. Os
território, há muitos relatos de tentativas moradores de favelas são tomados como
de redução da ocorrência do fluxo da cúmplices dos bandos de traficantes,
vida local. Isto ocorre por meio do ajuste porque a convivência com eles no
das condutas a um cálculo dos riscos mesmo território produziria
envolvidos nesta convivência forçada. aproximações de diversas ordens –
Tornando incontrolável uma pequena relações de vizinhança, parentesco,
porção da violência na localidade, econômicas, relativas à política local,
permite aderir como a parte etc. – e, assim, um tecido social
“extraordinária” das rotinas homogêneo que sustentaria uma
“insignificantes”. subcultura desviante e perigosa. Esta,
por sua vez, fundamentaria a aceitação
A origem da violência e a banalização do recurso à força, o que
Para a interpretação mais amplamente terminaria por legitimar e generalizar a
apresentada as favelas seriam o chamada “lei do tráfico”. Em
território da violência e a população que consequência, os moradores de favelas
ali reside ajudante com seus agentes, estariam recusando a “lei do país” ao
que seriam os traficantes de drogas. O optarem por um estilo de vida que
discurso público dominante apreende e negaria as normas e valores intrínsecos
explica a “violência urbana” através da à ordem institucional. Uma forte
“metáfora da guerra”. Estado dentro do conivência marcaria, portanto, as
Estado, conivência dos moradores de relações dos moradores de favelas com
favelas com os criminosos, banalização as redes criminosas sediadas nessas
da violência, etc. Esses “mitos” localidades, levando-os a buscar sua
sustentam grande parte do pacote proteção e apoio, bem como a protegê-
interpretativo que estrutura, atualmente, las da polícia.
o “problema da violência” nas favelas e o No caso específico dos jovens, mais do
horizonte das propostas e medidas para que as incertezas de uma conivência que
seu controle e redução. Entretanto, como não implica acordo, haveria proximidade,
se verá, uma análise a partir das idealização do estilo de vida dos
pesquisas mencionadas permite traficantes e aceitação ativa. Na
submetê-los à crítica. Considerando interpretação dominante, a propagação
inevitável que esta discussão permeie o dos bandos de traficantes, que parece
presente trabalho, um comentário inicial ser uma tendência real tem sido
facilitará seu entendimento. associada às proteções ao menor,
Os “mitos” acionam tópicos categoria jurídica utilizada pelo Estatuto
permanentemente maduros que da Criança e do Adolescente e por ele

54
Favela: Uma análise extensiva

protegida de várias formas, inclusive por preventivo, como uma espécie de


um tratamento penal mais brando. Os ampliação dos instrumentos de controle
criminosos estariam, portanto, social, visando afastar as categorias
instrumentalizando este documento legal sociais “vulneráveis” ou “de risco” das
em benefício de suas atividades. “tentações” da carreira criminal. Dessa
Mesmo sabendo-se que a grande maneira, cria-se algo como o “criminoso
maioria não integra as quadrilhas, os em potencial”. Analisando as políticas
jovens da comunidade têm sido públicas para a juventude, chega à
percebidos e tratados como em “policialização” das mesmas,
permanente risco de a elas aderir, posto aproximando-se dos trabalhos sobre o
que as atividades ligadas ao tráfico de “Estado policial”. No mesmo passo, este
drogas seriam muito atrativas entre os pacote interpretativo orienta as práticas
estratos inferiores – combinando, assim, extraoficiais dos policiais no tratamento
o preconceito. Neste ponto, é dos moradores de favela, e
interessante observar a junção da implicitamente, delega a eles as
representação dominante: ela é capaz decisões a respeito de quando, como e
de incorporar, absorvendo – e contra quem adotar medidas repressivas
distorcendo o que muitas vezes é uma mais diretas e duras, liberando-os para ir
crítica as constantes referências à além do uso da “força comedida”. É
sedução por bens de consumo desnecessário mencionar o enorme
inacessíveis a este segmento peso da cor da pele e da juventude na
populacional e ao fascínio pelas armas. especificação desses objetos
Aqui talvez resida o mais claro exemplo preferenciais.
do encontro entre representação,
construção de problemas públicos e Violência policial e criminal nos
políticas de intervenção. Com efeito, as relatos dos moradores
ideias de cumplicidade com os Esta seção analisa os enunciados dos
criminosos são em boa parte moradores sobre a presença e atuação
sustentadas, reproduzidas e objetivadas dos bandos de criminosos e das forças
pelas próprias políticas sociais ou ações policiais nas favelas. Examina
filantrópicas destinadas aos moradores separadamente as duas modalidades de
de favelas em geral e, especialmente, violência abordadas nesses relatos. Em
aos seus segmentos mais jovens. À sua seguida, compara as diferenças no
orientação claramente focalizada e tratamento de ambas, analisando suas
compensatória é adicionada uma relações com as formas específicas de
filosofia justificadora que penaliza a atuação dos agentes violentos nesses
clientela, sempre pensada como territórios e com os recursos disponíveis
potencialmente criminosa. Os aos moradores para lidar com elas.
programas passam a ser formulados e Como mencionado anteriormente, todas
implementados em um viés repressivo e as sessões dos “coletivos de confiança”

55
foram iniciadas de forma “Nós, dentro da comunidade, já temos o
propositalmente vaga, com a pergunta conhecimento dos locais que são mais
“como é a vida nas favelas?” Mesmo perigosos, eu tento fazer com que ele
assim, houve uma unânime e quase procure não passar por aqueles lugares.”
obsessiva concentração nas referências “Você entra, vê crianças com fuzil na
ao tópico da violência policial e criminal mão, uma pistola... Para ir para minha
está quase sempre relacionada ao igreja, para ir a outros locais na
comércio de drogas nas localidades. O comunidade, eu tenho que passar pela
que, aliás, constitui evidência clara do ‘boca’ todo o dia.”
equívoco de identificar a recorrência de Os moradores não só reconhecem que
condutas violentas nas favelas com a as quadrilhas de traficantes fizeram das
banalização destas práticas pelos favelas um local de violência, como deles
moradores. Sempre ressaltando que a fazem questão de se separar. E
vida nessas localidades não pode ser ressaltam a mudança do estatuto da
reduzida à violência e ao tráfico de violência nas favelas devida ao tráfico de
drogas, o que denota o esforço por drogas, demarcando duas
separar as favelas da violência, os temporalidades e modos diversos de
moradores, sondado sobre como é viver conduta dos criminosos. Um quer ter o
em favelas, falaram de perigo, direito do outro.
insegurança, medo: “Os traficantes não querem saber se tem
“Viver na favela é viver em linha de risco criança no meio da rua, não querem
direto, é você ser alvo voluntário, um alvo saber se tem um morador na rua, eles
constante...” querem o quê? Tomar o território do
“A vida que a gente vive no cotidiano de outro. Antigamente era diferente,
violência, violência física, violência esperavam cair a noite para poder fazer
moral, violência em todos os sentidos.” essas coisas, esperavam. Hoje em dia, o
“Você manda o garoto comprar o pão e traficante senta na porta da pessoa, se
fica pedindo a Deus para ele voltar em droga na frente da pessoa sem ter
segurança. Ele só foi ali comprar um aquele respeito. No meu tempo era
pão!” proibido. Era proibido um menor ficar na
“Se derem um tiro e você sair correndo e boca de fumo, era proibido um traficante
entrar num beco, está arriscado morrer passar com arma perto de um morador.”
de uma hora para outra. Porque hoje
eles “os policiais” entram nas favelas
pelos lugares já estratégicos, eles já
ficam escondidos debaixo de uma
árvore, dentro do mato...”
“Se o meu filho sair, ele vai voltar? Só
tem doze anos, fico preocupada.”

56
Favela: Uma análise extensiva

direitos dela, de quais os direitos da PM,


da polícia civil... Então eles já se
prevalecem disso...”
A possibilidade de dar publicidade a
estas críticas parece depender
basicamente de um agente mediador
capaz de ouvir a indignação e a revolta
moral e convertê-la em demanda
política, acionando a linguagem dos
direitos. Este lugar no passado foi
ocupado pelas associações de
moradores. Hoje em dia, entretanto, elas
estão esvaziadas e criminalizadas, em
boa parte porque a mídia e o poder
público consideram que quase todas
estão controladas pelos bandos de
traficantes. Na atualidade, o papel de
mediador entre o “asfalto” (mais
especificamente, as agências
governamentais) e as favelas tem sido
Os moradores afirmam que apresentar desempenhado por algumas figuras
suas queixas sobre a atuação da polícia públicas, mas em especial pelas ONGs,
para quem não mora nas favelas é com tanto ao estabelecerem uma ponte direta
frequência um monólogo, pois suas com órgãos governamentais quanto por
críticas dificilmente obtêm repercussão meio dos “projetos sociais” que
na opinião pública e ainda mais remota é patrocinam, autônomos ou em “parceria”
a possibilidade de provocar a adoção de com agências do governo ou
medidas efetivas das autoridades para organizações internacionais. Mas
controlar o excesso de violência que raramente esses intermediários
seus agentes empregam. No máximo as “externos” atuam no campo das
reclamações se transformam em uma denúncias sobre violência policial. Neste
conversa perigosa, embora não tanto caso, as atividades de mediação têm
quanto queixar-se dos traficantes com sido desempenhadas pelas
outros moradores, que compartilham a organizações de direitos humanos e
mesma mistura de indignação, comissões legislativas de defesa destes
sentimento de impotência e desamparo direitos, assim possibilitando que alguns
diante da violência policial. moradores se organizem e mobilizem o
“Eles “os policiais” sabem que a maioria repertório da cidadania em busca de
das pessoas são leigas. Não tem de fato justiça e reparação.
um esclarecimento de quais são os

57
Conclusão: sobre riscos e rotinas nas atribuída aos estereótipos e
favelas preconceitos contra os moradores (há
Para apresentar as conclusões do uma clara compreensão de que os
artigo, é necessário sintetizar alguns policiais não agem da mesma forma na
pontos analisados nos relatos dos “favela” e no “asfalto”). Mas a menção ao
moradores, buscando ao mesmo tempo preconceito constitui uma outra forma de
compreender o sentido incluído às suas crítica. Neste caso, reconhecem que a
falas. A descrição das formas de atuação polícia não é ator, mas instrumento,
da polícia nas favelas é sempre dispositivo, da construção do “problema
acompanhada de críticas intensivas. da violência” e de medidas para sua
Estas, entretanto, não se dirigem solução articuladas a partir da
propriamente à corporação (ninguém é “geometria variável”. Uma conclusão
contra a repressão policial), nem geral sobre as críticas à violência policial
tampouco aos métodos violentos em si pode ser resumida da seguinte maneira.
mesmos. As críticas são antes ao caráter Elas denunciam a violência, mas estão
indiscriminado da ação que não referidas a outro problema: a quebra das
distingue entre “gente de bem” e rotinas. É esta questão não tematizada
“marginais”. Em outras palavras, o que que organiza todo o discurso crítico e
os moradores criticam é menos a “ajusta” o ponto de vista das camadas
violência policial em si e mais a falta de sociais mais alterados e o dos
seletividade de seu objeto. Deve-se moradores de favela (bem como dos
notar que parte das críticas à atuação da demais territórios da pobreza). Estas
polícia denuncia a corrupção e a inação duas categorias: favelados e moradores
policial nos postos situados nas do “asfalto” do imaginário sobre as
Violência, crime e política: em geral na favelas, centrais na configuração da
periferia, sugerindo que a aceitação de estratificação social da cidade e seus
métodos violentos tem como limite sua conflitos, acabam se encontrando
funcionalidade como “garantia externa” naquilo que não dizem: a intensa
da ordem social local. Pode-se preocupação com o prosseguimento das
acrescentar, ainda, que a crítica não se rotinas cotidianas, vividas como
organiza a partir da denúncia das sistematicamente ameaçadas pela
ilegalidades cometidas pelos policiais violência. No caso dos moradores de
(exceto em alguns casos de mortes por favelas, o que está em questão não é a
eles provocadas, como argumentado regulação estatal/legal, a democracia
antes), mas antes como reação aos (embora este tópico apareça implícito
desajustamentos que suas práticas nas reclamações sobre as diferenças de
introduzem no fluxo das interações tratamento no “asfalto” e na “favela”),
rotineiras nos territórios favelados. A nem a restrição da violência. O problema
causa das interrupções nele produzidas criticado é, antes, o desrespeito às
pela violência policial algumas vezes é diferenças e hierarquias internas que

58
Favela: Uma análise extensiva

constituem a versão local da ordem traduzem sua percepção acerca da


social. A descrição das formas de unilateralidade da submissão imposta
atuação dos criminosos também vem pelos agentes da “sociabilidade violenta”
sempre acompanhada de crítica, mas que praticamente cancelam o
sob outro quadro de referência, que reconhecimento de sua humanidade.
incorpora uma periodização ausente no Deve-se ressaltar, nesta operação, a
entendimento da violência policial. O que definição do sentido do termo
revela que, a despeito da clara “vagabundo”, tal como incorporado na
percepção dos moradores sobre a linguagem corrente pelos próprios
mudança do estatuto da violência moradores de favelas. No passado foi
criminal nas favelas, o impacto desta uma categoria externa de criminalização
sobre seu cotidiano/suas rotinas era tido aplicada ao conjunto dos favelados
como previsível e manipulável. Em enquanto membros das “classes
outras palavras, nos relatos atuais, os perigosas”, articulada a partir das
moradores afirmam que “antigamente” a referências do mundo do trabalho. Hoje,
atividade criminal não afetava o fluxo tornou-se uma categoria “nativa” que se
regular da vida local por estar “ajustada” refere ao crime e à violência,
a ele. Além disso, podia até mesmo estabelecendo diferenças internas e
contribuir para a regulação das rotinas, demarcando fronteiras entre as pessoas/
na medida em que este ajustamento “cidadãos de bem” e os “vagabundos”
convertia os criminosos em uma espécie residentes em favelas.
de pequena autoridade local. Por outro De outro lado, como muitas vezes os
lado, a atividade criminal sendo traficantes são parentes, vizinhos ou
intersticial e menos conhecida, a atuação conhecidos próximos, os moradores
da polícia também a era. Assim, os desenvolvem um esforço sempre
moradores parecem considerar que o individualizado e pontual para
segredo, a clandestinidade e a “reumanizar” ou “re-moralizar” a pessoa
invisibilidade pública da atividade em questão, do tipo “ele está nesta vida,
criminal, provocando certo desinteresse mas...” e acrescentando alguma
(da polícia, da população “de fora” e dos característica moralmente positiva. Ou
próprios moradores) por ela, eram seja, não se trata de justificar as práticas
característicos desse passado criminais. Os moradores apenas
idealizado. Ao contrário, “hoje” os sugerem que, mesmo adotando uma
criminosos/ traficantes se orientam forma de vida reprovável, a pessoa teria
segundo um padrão de sociabilidade características que a tornam “gente
próprio que é incompatível com as regras como a gente” e não um monstro moral.
de convivência dos moradores comuns. Por fim, cabe ressaltar que a ansiedade
As críticas às humilhações, à falta de gerada por esta ameaça à segurança
“respeito” elemento central do repertório ontológica expressa-se sob a forma de
crítico dos moradores de favelas um medo social difuso, que atinge toda a

59
população da cidade, inclusive os
moradores de favela, e que acaba por
produzir demandas de uma
recomposição das rotinas pela força,
fechando assim um círculo de ferro que
reproduz indefinidamente a violência
como elemento estruturador
fundamental, sempre presente e sempre
temido, nas favelas e em toda a cidade.

Referências Bibliográficas
BEATO, Cláudio, e Luís Felipe ZILLI,
2012, “A estruturação de atividades
criminosas: um estudo de caso”, Revista
Brasileira de Ciências Sociais, 27 (80):
71-88.
ZILLI, Luís Felipe. O mundo do crime e a
lei da favela: aspectos simbólicos da
violência de gangues na região
metropolitana de Belo Horizonte.
<http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?sc
ript=sci_arttext&pid=S0873-
65612015000300003&lang=pt>.
Acessado em 18/05/2018
RAMOS, Sílvia. Meninos do Rio: jovens,
violência armada e polícia nas favelas
cariocas, Boletim Segurança e
Cidadania, 13: 1-28.
<http://www.unicef.org/brazil/pt/Boletim
CESeCNo13MeninosdoRio.pdf>.
Acessado em 26/05/2018.

60
Favela: Uma análise extensiva

Вам также может понравиться