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Mestre Vitalino
Ricardo Gomes Lima
Saulo Medeiros
Coordenadora do Museu de Folclore Sidnei Medeiros
Edison Carneiro
Fotografias
Elizabeth Bittencourt Paiva Pougy
Coordenadora da Biblioteca Amadeu
aurélio Fabian e artistas Pernambucanos
Décio Daniel
Amaral Francisco Moreira da Costa
Marisa Colnago Coelho josé augusto reis
Coordenadora do Setor de Difusão Josenildo Freire
Cultural Renato Soares
Lucila Silva Telles Acervos fotográficos
Divisão Administrativa CENTRO NACIONAL DE FOLCLORE E
Arlete Rocha carvalho CULTURA POPULAR
Luiz Otávio Monteiro FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO DE PESQUISAS SOCIAIS
MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO ASSIS
Concepção, pesquisa e texto
CHATEAUBRIAND
GUACIRA WALDECK
Acervos fotografados
Edição e revisão
Museus Castro Maya (MCM)
Lucila Silva Telles
Museu Casa do Pontal (MCP)
Ana Clara das Vestes
Acervo museológico na mostra
Design gráfico
MUSEU DE FOLCLORE EDISON CARNEIRO/CNFCP
Rita Horta
FILME “O MUNDO DE MESTRE VITALINO”,
Design da exposição
DE ARMANDO LAROCHE (ACERVO FUNDAÇÃO JOAQUIM
Luiz Carlos Ferreira
NABUCO DE PESQUISAS SOCIAIS)
Identificação e levantamento de acervo
Capa: Boi. MESTRE VITALINO. ACERVO MFEC/CNFCP
VÂNIA ESTEVAM DE OLIVEIRA
48 p. : il.
ISBN: 978-85-7334-155-3
CDU 7.071.1(813.4)
cnfcp | iphan | minc 2009
apresentação
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Mestre Vitalino e artistas Pernambucanos
Guacira Waldeck
Sou coração do folclore nordes- Esta exposição reúne, do vasto e diverso domínio que
abrange o movediço termo arte popular, expressões das
tino/Eu sou Mateus e Bastião do artes visuais populares pernambucanas, notadamente xiló-
grafos, escultores em madeira e ceramistas que integram o
Boi bumbá/Sou boneco de Mestre acervo do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. Sem
a pretensão de abranger a diversidade de expressões das
Vitalino/ Dançando uma ciranda culturas populares nas fronteiras simbólicas e geográficas
do estado, foi pensada como uma homenagem ao centenário
em Itamaracá (...) de Vitalino Pereira dos Santos, que nasceu em 1909, em Sítio
canção Leão do Norte de Lenine/Paulo César Pinheiro dos Santos, povoado de Caruaru entre o agreste e o sertão
de Pernambuco, e morreu em 1963.
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Artista polivalente, foi
a Brasília em 1961 se apre-
sentar com Luiz Gonzaga,
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Ateliê família Zé Caboclo – sentido horário: Emerson, Antônio, Paulo e Hamilton [falta um], 2007
Severino Vitalino na Casa Museu Mestre Vitalino, 2007
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da feira para a exposição envolve um restaurante, uma botica, “um mamulengo, e nos dias
de festa um bumba-meu-boi ou um pastoril” (idem: 42). Freire
menciona as cores vivas, as ruas estreitas, o receituário singular
que domina as ruas e os mercados, os brinquedos de criança.
Era um sofrimento aqui. A gente trabalhava, só vendia
na Feira de Caruaru. Quando vendia, tudo bem. Esse Nas imagens das cenas modeladas em barro que ilustram
trabalho só veio ter valor depois da morte de Vitalino. a peça gráfica da exposição de “descoberta” de 1947, não
Parece incrível, não?
há indicação de autoria, consta apenas o crédito do fotó-
(Manuel Eudócio, Alto do Moura, 2004. (Acervo CNFCP) Patrimônio Vivo do grafo (Mello, 1995). Para Joaquim Cardoso eram “ceramistas
Estado de Pernambuco em 2006.
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Se a exposição de 1947 circunscreveu-se à cerâmica fi- que Augusto Rodrigues trouxera de Pernambuco, graças à
gurativa, em 1949 chegava a São Paulo, para o evento Arte colaboração do Departamento de Documentação e Cultura de
Popular Pernambucana, no recém-criado Museu de Arte de Recife, na época dirigido por José Césio Regueira da Costa, e
São Paulo Assis Chateaubriand, uma coleção formada por dos Diários Associados, que garantiram o transporte das peças.
ceramistas figurativos que tiveram seus nomes veiculados na
À medida que objetos os mais diversos, tais como as
imprensa: Vitalino, de Caruaru, Severino Gomes de Freitas
cenas em barro de Vitalino, as imagens de Severino de Tra-
(1916-1965), conhecido como Severino de Tracunhaém, e Til-
cunhaém, os mamulengos de Cheiroso, os ex-votos, trafe-
za, de Canhotinho, uma coleção de bonecos mamulengos, do
gavam fora de seus circuitos tradicionais, constituía-se uma
brincante Cheiroso, feitos então para animar as apresentações
coleção daquilo que poderia ser interpretado como arte, fol-
nos sítios e fazendas do interior pernambucano – mas já no
horizonte, desde 1947, do Teatro do Estudante de Pernambuco
(Borba Filho, 1977) – de ex-votos, promessas ou milagres, es-
culturas em madeira, testemunhos da fé religiosa, de diferentes
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de 1o de janeiro de 1949, de Renato Almeida a Pietro Maria Bar-
di, em que destacava ter a exposição dupla finalidade: mostrar
espécimes da arte popular, cheia de um lirismo tão profundo e
de tão grande beleza, e difundir o amor pelas expressões au-
tênticas de nosso povo. (IBECC/CNFL 213 - 17/1/1949)
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madeira, durante a expedição de Missão de Pesquisas Folcló- em Recife, sob a responsabilidade da Secretaria de Agricultura,
ricas de 1938 – iniciativa do Departamento de Cultura de São e as do Museu do Homem do Nordeste, entre outras.
Paulo, então dirigido por Mario de Andrade – e os analisou em
Diferentemente da feira como “fato social total” (Mauss,
Escultura popular brasileira, editado em 1944, foi convidado
1974), a exposição e edição de catálogo são peças essenciais
para uma conferência sobre o tema de sua investigação.
no processo de autonomia da arte e individualização do artis-
Renato Almeida não pôde estar presente no dia da inau- ta. Vale ressaltar que, na exposição de 1947, conforme
guração, mas escreveu para Rossini Tavares de Lima (1915- a expressão de Joaquim Cardoso, eram os “ceramistas anô-
1987) solicitando que representasse a Comissão no evento. nimos”, uma espécie de voz coletiva. Vitalino permaneceu na
Com certeza aquele encontro selava a colaboração entre o Feira de Caruaru após os dois eventos, mas deixava gradati-
folclorista Tavares de Lima e o Museu de Arte de São Paulo, vamente de frequentá-la, a partir de 1950 (Ribeiro, s/d).
como é possível perceber no crédito da exposição realizada
Feira e mercados representavam para intelectuais e artis-
em 1969, A mão do povo brasileiro, em que o Museu de Artes
tas modernistas uma espécie de fonte das tradições popula-
e Tradições Populares, dirigido por Tavares de Lima, aparece
res, ambientes de “grande concentração folclórica”, “ponto de
como “colaborador”.
partida para a investigação (...) de quase toda a arte popular”
No campo editorial, Bardi concedia espaço aos temas (Almeida, 1969:10). Vitalino granjeou fama na Feira de
das artes populares, fixando assim uma coleção de objetos, Caruaru, nos anos 40.
digamos, eleitos, o que pode ser visto na revista Habitat, do
O administrador e sociólogo Manuel de Souza Bar-
Masp, que trazia em seu primeiro número, em 1950, o ar-
ros (1902-1984), então diretor da Diretoria de Estatís-
tigo ilustrado “Ex-votos do Nordeste”, mencionando a “co-
tica, Propaganda e Turismo da Prefeitura de Recife (em
leção reunida no Museu de Arte de São Paulo, numa mostra
seguida, Departamento de Documentação e Cultura), afirma
geral, da qual ainda se fala”.
que, quando à frente da diretoria,
Para a edição seguinte, em 1951, o tema a ser tratado seria
a “cerâmica do Nordeste”. Sem indicação de autoria das peças, nos idos de 1942/1943, encaminhava a Caruaru profes-
sores e técnicos americanos que desejavam obter bone-
do texto transpira o aroma da nostalgia romântica: “(...) é es-
cos de Vitalino e conhecê-lo pessoalmente (...), o diretor
pontânea, não precisa de esclarecimento ou reflexão”. Como
do Museu de Arte Popular do Brooklin, entusiasmado
se o ceramista brotasse espontaneamente de um suposto com os trabalhos dos ceramistas, tendo ali adquirido pe-
mundo intocado pela civilização, assinalava o artigo: ças de Vitalino e de outros artistas da região (1964:110).
A Diretoria auxiliava artistas eruditos, tais como Lula
Este ceramista longe de sua choupana e em contato com
outros ambientes perderá qualquer capacidade, pois to- Cardoso Aires, Hélio Feijó, e outros artistas a “criarem um
das as suas capacidades são atmosferas telúricas, são o ambiente de receptividade para Vitalino e outros ceramistas
húmus da terra que ele respira. populares, no Recife. Mas foi Augustinho Rodrigues quem pri-
A passagem das peças da feira para a coleção – o Masp meiro trouxe os trabalhos e Vitalino, cedidos por aquele órgão
não formou um acervo de arte popular – nos anos 1950 apa- [a Diretoria] para exposições no Rio e em S. Paulo” (Idem).
rece nas aquisições de Raimundo Castro Maia, por exemplo,
nas primeiras aquisições, em 1951, do francês Jacques Van de
Beuque, fundador do Museu Casa do Pontal. Sem falar nas co-
leções como a do Museu de Arte Popular, instalado, em 1955,
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Vitalino, autor com uma obra
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Antropologia, coordenada por Heloísa Alberto Torres, no Museu René Ribeiro instituiu, sobretudo, as categorias do ceramista
Nacional, em 1953, e como membro do conselho científico, no como princípios que delimitam fases de uma obra: “a loiça de
período de 1955 a 1966, e em 1976 (ver Correa, 1988). brincadeira” e “peças de novidades”, a partir de 1935 (Waldeck,
2002). Se a brincadeira se constitui numa relação de interação
Em 1959, trabalhou na organização da coleção do acer-
social intensa e pertence ao tempo ritual, cíclico, repetitivo, a
vo que resultaria, em 1965, no Museu de Antropologia. Em
uma classe de objetos feita para ser destruída nas estripulias
1957, é nomeado professor de etnografia brasileira no Insti-
das crianças, a novidade representa o ingresso no mercado de
tuto de Filosofia a Ciências Humanas da Universidade Fede-
bens simbólicos, em que interagem colecionadores, artistas e
ral de Pernambuco.
intelectuais eruditos.
Vitalino – ceramista popular do Nordeste foi escrito como
Assim, os objetos não mais se circunscrevem aos ditos
resultado de pesquisa de cunho etnográfico baseada na mo-
circuitos tradicionais, com seus múltiplos significados; o novo
derna concepção antropológica relativista de cultura, enco-
condensa a temporalidade linear, na qual o que existe está
mendada pelo Instituto Joaquim Nabuco, em 1956, a fim de
predestinado a perecer. Vale acrescentar que brinquedo e
contemplar as atividades comemorativas, em 1957, do cen-
brincadeira são categorias correntes entre outras expressões
tenário de Caruaru. Editado finalmente em 1959, com fotos
das culturas populares, como o bumba-meu-boi, o
de Lula Cardoso Aires (1910-1987) e Marcel Gautherot (1910-
cavalo-marinho, o carnaval, o mamulengo, o maracatu.
1996), fixavam-se a partir de então certos elementos funda-
mentais, tais como a indicação das 118 peças de autoria atri- As peças de novidades, então, tenderiam à dissi-
buída a Vitalino – “relação incompleta de seus diferentes tra- pação de “valores de um mundo”, que correspondem
balhos” –, seu processo de trabalho, indicações de marcas que à cultura como modo de vida singular. Por isso, René
distinguem um estilo singular – “orelhas aplicadas em formato Ribeiro via como ameaça esses “grandes grupos que lhe
de interrogação, corte da boca sempre definido, mas sutil, os deram fama”, sobretudo as “composições mais recentes, de
narizes com tendência a arrebitados, ombros descaídos, mas valor artístico discutível – o dentista, a operação, o fotógrafo,
de contorno suave, recorre a complementos para acentuar, o doutor escutando o doente”.
nos bonecos e grupos de bonecos, a sugestão que ele deseja
A categoria peças de novidade, portanto, corresponde
transmitir”; trechos de histórias que inventava para as peças.
não apenas à fase de maior abertura do leque temático, mas
Engraxate e Barbeiro. Mestre Vitalino. Acervo MCP
Em 1935, inicia “os grandes conjuntos que lhe deram fama” também introduz “o sucesso [que] provocou uma alteração
(Ribeiro, s/d), os núcleos temáticos – “composições do folclore no ritmo de trabalho de Vitalino, (...) [que] trabalha quase que
nordestino, conjunto de intenção somente de encomendas”. Três riscos intrinsecamente liga-
moralizadora” –, a supressão da dos daí decorrem, então: a “produ-
cor, o que seria “contrafação co- ção em série”, o “desinteresse pela
mercial indefensável”, introdução venda na feira, com o risco de que
da assinatura nas peças em 1947, assim venha a se isolar de seu ver-
com o carimbo V.P.S., e, a partir dadeiro público”, e a supressão da
de 1949, “o seu nome de batismo” cor, pois, justificava Vitalino, “loiça
“por sugestão de um doutô de Re- de cor naturá tem muita procura-
cife” (Vitalino, apud Ribeiro, s/d). ção” (apud Ribeiro, s/d).
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A encomenda romperia, assim, com a pretensa solidarie- da descoberta ao patrimônio vivo
dade entre os elementos que compunham aquele universo
coerente, submetendo o “ceramista do Nordeste” à fragmen-
tação da vida moderna. É como se o sucesso gradativamente Era um sofrimento aqui. A gente trabalhava, só vendia
engendrasse o apagamento do intérprete de um mundo e, na Feira de Caruaru. Quando vendia, tudo bem. Esse tra-
consequentemente, suas composições rompessem o elo me- balho só veio ter valor depois da morte de Vitalino. Pa-
tonímico com o modo de vida singular a que deveriam cor- rece incrível, não? Manuel Eudócio, Alto do Moura, 2004
responder (Waldeck, 2002).
Como elemento de fora, “espúrio”, nos termos de Sapir Há o pressuposto de que em Vitalino haveria certa inclinação
(1985), ela abalava o solo da narrativa elaborada para consti- espontânea para imprimir no barro uma espécie de “autoetno-
tuir Vitalino tal qual o moderno antropólogo em trabalho de grafia” (ver Pratt, 1999) em três dimensões, mas autores como
campo, cuja autoridade estaria ancorada na experiência, na Lélia Coelho Frota (1986; 2005) assinalam como o sucesso da
missão de intérprete, uma vez que o ceramista do Nordeste temática tão diversa corresponde ao momento em que gradati-
sempre “esteve lá” (Clifford, 1988). A concepção de “cultura” vamente deixava seus circuitos locais. Diferentes mercados ati-
em Vitalino parece, contudo, plástica, criativa, permeável, çam o anseio pelo novo e isso certamente colaborou para
porosa, inteiramente aberta à diversa arena de intensa nego- aguçar o olhar a captar e registrar o que se via e ouvia.
ciação, permitindo, assim, que seu repertório trafegue entre Uma hipótese é considerar que as composições se
o rural e o urbano, doméstico e público, cotidiano e ritual, tecem numa trama de relações sociais que envolve a
trabalho e diversão, fabuloso e documental. plateia da feira, artistas, colecionadores e diferentes
mercados de bens simbólicos, sem que isso macule
a criatividade e a força de algumas de suas notáveis cenas
(Waldeck, 2002). Em Cerâmica popular do Nordeste, essa me-
diação se evidencia, por exemplo, na entrevista de Zé Caboclo,
quando ele diz ter feito “O maracatu”, uma das
cenas que o consagraram, a partir de encomen-
Procissão de zabumba (acervo MCM) e Casal. Mestre Vitalino
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Em depoimento publicado Bonita, o que exigiu adaptação e controle da técnica (Borba
em Cerâmica popular do Filho & Rodrigues, 1969:197). Numa passagem de O reinado
Nordeste, Zé Caboclo indica da lua, Manuel Eudócio reitera como se constitui o repertório
algumas mudanças que ele numa cadeia de mediações, comentando a voga dos “profis-
e o cunhado Manuel Eudócio sionais”, na década de 1970, presente na lista de peças feita
introduziram nas “novida- por René Ribeiro – o delegado, médico operando, o fotógra-
des”, que trouxeram a “inven- fo, doutô escutando o doente, doutô avancinando, dentista,
tação de motivo de boneco” advogado, operação:
– a introdução do uso de
arame, que fora parcialmente O nome bonecos profissionais é por causa do comércio.
Vem um pedido – quero tantos profissionais – a gente
deixada: “Esses olhinhos foi
já sabe: é dentista, é advogado, é médico, é gerente, es-
criado por a gente também,
sas coisas assim. Cada um tem a profissão dele. O povo
eu e Manuel Eudócio. Ele [Vi- gosta muito.
talino] fazia os buraquinhos,
Se hoje prevalece a assinatura dos trabalhos, a “escola de
os bonecos antigos dele” (p.
Caruaru” se consolidou lançando mão de sua própria versão
169-170), referindo-se ao re-
de autoria, ainda não inteiramente inclinada à moderna con-
levo em barro com pigmento
cepção de autor, dotado de interioridade a ser expressa. O
branco e pontinho preto.
depoimento de Ernestina, em 1975, como parte do material
Ambos tendendo ao maior
de pesquisa que seria editado em O reinado da lua, é bastan-
realismo de suas peças, conforme observou René Ribeiro, no-
te revelador da concepção local:
tabilizaram-se por suas composições detalhadas do bumba-
meu-boi e do maracatu. Mora tudinho nessa ruinha. O que a gente faz todo mun-
Quando o Museu de Arte Popular foi instalado em Caru- do faz. Por exemplo, eu faço hoje uma peça, invento uma
peça da minha cabeça. Se aquele ali vê, já na mesma
aru, em 1961, com Zé Rodrigues, lançaram-se no aumento
semana ele faz a mesma, e assim os outros. Eu não me
da escala das moringas antropomorfas de Lampião e Maria
incomodo. O que um fizer, outros vendo e aprendendo,
querendo fazer, fazem. Não tem diferença de um para o
outro. O Mestre – o primei-
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De acordo com Borba Filho
& Rodrigues, José Rodrigues,
no Alto do Moura, alcançou
notável projeção como um
dos mais importantes cera-
mistas do país (1969:197).
“Foi discípulo de Vitalino”,
mas, depois da instalação do
Manuel Eudócio e Zé Caboclo. Marliete Rodrigues
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arte plural Nascido em Águas Belas, mas
tendo vivido em Recife, Manuel Fon-
toura hipnotizava quem o ouvia, se-
Na localidade, o Memorial Mestre Galdino reúne a cerâmi- gundo as pesquisadoras de O reina-
ca de um dos mais notáveis artistas, com obras que integram do da lua. Nhô Caboclo, como ficou
significativas coleções de arte popular. Manuel Galdino (1924- conhecido, se definia como alguém
1996) representa a ruptura com as composições de cenas do dotado de “corgo”, “que é uma pes-
cotidiano, com sua série de figuras, para usar uma expressão soa fechar os olhos e o que vier no
sentido, fazer”. Com peças insólitas,
navios, “sociedade de caboclos” de
materiais os mais diversos, como
pena, madeira, hélice, dizia não imi-
tar ninguém. Em contraste com o estilo descritivo ou repertório
Leão. Nuca
lá, mas os estrangeiros gostam de peça matuta, que tem
história. Peça moderna não tem história. (...) Minhas peças
têm história. Gosto de fazer peça
de penas e guerras. É muita luta e o
de Frota, “monstruosamente oníricas” (2005:217). derradeiro a ficar vivo sou eu.
Seu repertório incomum, povoado, sobretudo, por demô-
Sereia e Animal fantástico. Manuel Galdino
Nos anos 70, quando entrevistado por Coimbra (1980), Nas apresentações, textos e personagens, o mamulen-
o alagoano radicado em Recife Benedito José dos Santos (1937- gueiro, brincante ou folgazão empresta a voz para dar vida
1998) disse que, ante as adversidades e perdas, “tinha o pensa- a diferentes personagens,
mento de fazer peças em madeira”. De início, aproveitava raízes reinventando-se numa intensa
para delas extrair bichos; em seguida, “com a ajuda de sonhos”, interação com a plateia, que
“chegou a imaginação”, num repertório de notável despojamen- domina completamente os códi-
to em que se entrevê, assinala Lélia Coelho Frota, a “tradição gos da brincadeira. Os bonecos,
intemporal do ex-voto” (2005:91). vendidos e trocados entre os
brincantes, têm sua dimensão
Os mamulengos mencionados por Freire no Manifesto Re-
simbólica – não são concebidos
gionalista foram comprados para a exposição do Masp, em
apenas como figuras, mas como
mulengueiros de Pernambuco, igual a mim, não. Sei que não há primeiro nem segundo,
mas até agora não vejo ninguém para me substituir.
organizado por Fernando Augusto
Santos, que criou o Museu do Ma-
mulengo, na década de 1990. Fora da brincadeira, integrados a coleções, museus, de-
coração de interiores e mercado de suvenires, os bonecos,
O brinquedo pontuava a vida na
como objetos estéticos, revelaram artesãos entre os quais
zona rural, nas feiras, nos merca-
se destaca Antonio Elias da Silva, o Saúba, de Carpina, com
dos, nas praças, nas periferias das
alguns dos temas consagrados pelo figurado em barro, como
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“a casa de farinha”, “pastoril”, sobressaindo-se também com final dessa manifestação criadora do povo”. Em 1953, o De-
“o ciclista”, boneco articulado que ao pedalar movimenta a partamento de Documentação e Cultura publica um álbum
cabeça. Os grandes conjuntos articulados também integram organizado por Aloísio Magalhães e Abelardo Rodrigues.
o repertório de Sólon Alves de Mendonça.
Em 1965, a edição, em Paris, por Robert Morel, de Via Sa-
Se nos anos 40 e 50 a cerâmica figurativa, mamulengos e cra, do pernambucano Inocêncio da Costa Nick (1897-1984),
ex-votos esculpidos eram retirados de seus contextos para o Mestre Noza, radicado em Juazeiro do Norte, para atender
ingressar em exposições, edições, coleções, as xilogravuras a encomenda do Museu de Arte
que integram esta exposição são relativamente mais recen- da UFCE, por intermédio do artista
tes como peças autônomas. Separadas da função original de Sérvulo Romero, é considerada
ilustrar folhetos de cordel que circulavam nas feiras e merca- marco da transição do uso da xilo-
dos populares, trazem o eco da voz dos cantadores e poetas gravura em seu contexto original,
que narravam um repertório em que figuram o maravilhoso, como ilustração da literatura de
a religiosidade, comentários sobre acontecimentos corriquei- cordel. Segundo Lélia Coelho Frota,
ros e extraordinários, fatos que assombravam, versões de nesse momento as ilustrações, an-
histórias eruditas consagradas. tes limitadas ao formato dos folhe-
tos 11x16, ganham formato maior
Em Recife, as tipografias do paraibano Leandro Gomes
e são assinadas (2005:146-128).
de Barros e a de João Martins de Athayde, em atividade até
os anos 50, contratavam ilustradores quando recebiam o fo- Em Pernambuco, a atuação do
lheto escrito (Ramos, 2007). Os anos 60 são considerados o movimento armorial, sob a liderança
período que marca a ‘descoberta’ da xilogravura. Numa série de Ariano Suassuna, e de colecio-
de artigos para o jornal O Estado de São Paulo, em 1960, nadores e pesquisadores colaborou para que se afirmasse,
Lourival Gomes Machado notadamente em Bezerros e Caruaru, uma legião de xilógrafos,
(1977:211) relata suas an- como José Soares da Silva, conhecido como Dila Soares, José
danças pelos mercados em Costa Leite, e José Francisco Borges, o J. Borges, e seus familia-
Recife, em 1953, na compa- res – os filhos J. Miguel, Ivan, Manassés e Pablo, o irmão Amaro
nhia de Aloísio Magalhães, Francisco e os sobrinhos Givanildo e Severino, bem como o pri-
que atiçara sua curiosidade mo Joel Borges.
para os cantadores e “para
As xilogravuras retomam temas consagrados por Vitalino,
a raça quase extinta dos
como o pastoril, a casa de farinha, as festas do bumba-meu-
xilógrafos populares”. Che-
boi, entre outros, cenas que se constituíram como pedra
garam a recolher algumas
inaugural num amplo quadro em que também apareciam
e imprimi-las, iniciativa que
bonecos de mamulengos, as esculturas em madeira de ex-
o crítico de arte então con-
votos, as imagens de santos de um Severino de Tracunhaém,
siderou “ser um dever dos
o que esboçou uma espécie de cartografia, conforme teste-
recifenses cultos adquirir
munha o mapa de Augusto Rodrigues, elaborado para a ex-
aquele fim de raça gráfica
posição de 1949, no Museu de Arte de São Paulo, e parte de
a fim de preservar-se a do-
seu acervo atual.
cumentação provavelmente
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fonte de tradições tinha em solo pernambucano a receptividade do Departa-
mento de Documentação e Cultura. Havia também ali certo
Pela atividade da Missão de Pesquisas Folclóricas, de pioneirismo, se imaginarmos que a Inspetoria de Monumen-
1938, indo de São Paulo em direção ao Norte e Nordeste, é tos antecede a criação do Sphan.
possível perceber essa região como uma fonte de tradições,
espécie de berço de singularidades. No sentido oposto, in- Nesse processo, em diferentes contextos, as cenas em
telectuais e artistas pernambucanos traziam para as capitais barro revestiam-se de diferentes significados – além dos múl-
do Rio de Janeiro e de São Paulo, por meio de estreita rede de tiplos sentidos atribuídos nas feiras, seriam arte, suvenir ou
colaboração, expressões de múltiplos significados em seus “espécimes culturais”, nos termos de Renato Almeida. Uma hi-
circuitos locais, numa fase em que inexistiam ainda museus pótese acerca de Vitalino pode ser percebida no termo ‘mes-
de arte popular, inaugurados na década de 1950. tre’, que parece condensar o tempo cíclico da tradição, do
brinquedo vendido na feira e recriado na “novidade”, reper-
Nesse processo, não se deve subestimar a atividade de tório correspondente à fase em que atuava como intérprete
Gilberto Freire, militante pelos “valores da região” tão logo genuíno de sua gente. Mestre encarna também o reconheci-
regressara de sua temporada de estudos nos Estados Unidos, mento por parte de seus pares, a figura de um homem frater-
como atesta a edição do Livro do Nordeste, em 1925. Uma no, generoso, que repassa o que sabe, o que inventa, e
espécie de base foi firmada no Congresso Regionalista de assimila o que está em volta de seus “discípulos”, como
1926, cujo ideário de “reabilitação de valores regionais e os definiram René Ribeiro, Frota, e os amigos e vizinhos
tradicionais” do Manifesto Regionalista, lido na ocasião, foi do Alto do Moura.
publicado em 1952. Pretendia-se “reabilitar valores e tradi-
ções do Nordeste”, valores que marcavam a singularidade, Sobretudo, temos nele o estilo descritivo, o cronista,
a convivência entre tradições diversas que pudessem conter o observador arguto e tradutor de um modo de vida sin-
ou pelo menos não se dissolver inteiramente diante das infle- gular. Nele, o banal, o corriqueiro, modelado em matéria de
xíveis forças modernizadoras da urbanização e do progresso caráter efêmero, feita para não durar, converte-se, nas cole-
e “das estrangeirices que lhe [à região] têm sido impostas” ções e exposições, numa espécie de monumento (Gonçalves,
(Freire, 1967:31). 2007). Cenas em barro ou em materiais diversos são assimi-
ladas nas narrativas de museus de arte e etnografia, a fim de
A proposta de criação de um museu, como almejava Frei- que possam funcionar como uma chave que abre a exibição
re, foi defendida em 1952 pelo designer Aloísio Magalhães, de flagrantes da vida do povo.
ao retornar de temporada de estudos na Europa. Em entre-
vista ao Jornal do Comércio de Recife, apresentava a proposta Se Vitalino, o mamulengueiro Cheiroso, Severino de Tra-
de um museu com o intuito de “preservar todas as manifes- cunhaém e Tilza de Canhotinho se constituíram “artistas”
tações de arte popular, tendo em vista a sua tendência ao nessa fase mais heroica de “descoberta”, em que atuavam
desaparecimento” (Barbosa, 1959:72). folcloristas, artistas, antropólogos, diretores de museus, e
ecoava a plataforma defendida por Gilberto Freire no I Con-
Em 1955, tendo como organizador o colecionador Abelar- gresso Regionalista, na atualidade – em contexto bem mais
do Rodrigues, irmão de Augusto Rodrigues, foi criado então, institucionalizado – o Estado de Pernambuco realiza uma
em Pernambuco, o Museu de Arte Popular (MAP), vinculado à série de iniciativas de caráter competitivo, como o Salão do
Secretaria de Agricultura – seu acervo viria a ser incorporado, Artista Popular.
em 1966, ao Instituto Joaquim Nabuco. Augusto Rodrigues
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A institucionalização é visível no Alto do Moura, um des- Burro com barris. Em 1975, adquire de Manuel Vitalino dez
ses raros bairros populares que congregam duas instituições: esculturas. São ao todo vinte e seis peças de Vitalino, total
a casa onde Vitalino viveu com a família e o espaço dedicado que também reúne doações nas décadas de 1980 e 1990.
a Manuel Galdino, o que dá a todos os ceramistas da região A parcimônia da presença do Mestre tem a ver, em parte,
a medida de sua importância. O Centro de Caruaru reúne no com a visão de Renato Almeida expressa na correspondência
Museu do Barro uma coleção significativa de arte popular, e trocada com Pietro Maria Bardi, na qual via a cerâmica figura-
abriga o Espaço Zé Caboclo, clara homenagem a um dos ce- tiva como “espécimes de arte popular” (Waldeck, 2002:45).
ramistas que se iniciou com Vitalino e que se distinguiu no
Se “peças de Vitalino” ou simplesmente “um Vitalino” sig-
Alto do Moura.
nificavam toda cerâmica de bonecos, não importava a autoria
As cenas de Vitalino como categoria que articula o univer- – exceto para colecionadores (Borba Filho &
so das artes visuais populares aparecem em textos consagra- Rodrigues, 1969) –, Vitalino como uma cate-
dos à exposição, bem como em depoimentos de profissionais goria para se pensar as coleções de arte po-
ligados a museus de arte e etnografia. Os contextos diferem, pular aparece também nas intervenções dos
contudo. A antropóloga Ângela Mascelani (2004), diretora do antropólogos. Cabe assinalar que o nacional,
Museu Casa do Pontal, por exemplo, dirige-se ao leitor-visi- para Lima, significava ampliar a coleção, tor-
tante em tom didático na abertura do catálogo da Exposição ná-la mais abrangente e inclusiva, com todos
Arte popular – arte de ponta, a fim de sensibilizá-lo para o os limites inevitáveis nesse processo. Tanto
dinamismo e a diversidade das artes populares: o Museu de Folclore Edison Carneiro como
a Casa do Pontal, contudo, constituíram
Quando se pensa em arte popular não é raro virem à me- módulos de sua narrativa usando cenas de
mória as imagens de pequenas esculturas e modelagens
diferentes regiões e de diferentes escultores,
em barro feitas no Nordeste brasileiro. É por intermédio
em madeira, em barro. Por meio da presença massiva dessas
dessas cenas miniaturizadas, que tratam do cotidiano do
homem do campo, que a maioria das pessoas toma conta- cenas – que marcam simbolicamente a “descoberta” das artes
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Regionalista, com seus saberes reconhecidos como peculia-
ridades, símbolos que conferem sentimento de pertencimen-
to, uma marca singular, um valor pernambucano. A região é
vista então não apenas por sua coleção de objetos, mas por
uma coleção de pessoas, processos, de saberes indissociáveis
de experiências singulares, vivas, cotidianas.
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Lampião a cavalo Homem a cavalo
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Dentista Homem ordenhando Vendedor de samburás Boi zebu
Noivos a cavalo
Operação Lavrador
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44
Carro de boi Família voltando da roça Boi Lampião e Maria Bonita
45
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