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URBANO (O)

Henri LEFEBVRE, Le retour de la dialectique: 12 mots clef pour le monde


moderne. Paris, Messidor/Éditions Sociales, 1986, p. 159-173.

Tradução: Margarida Maria de Andrade (Versão preliminar)

O que é o urbano?

A palavra não é nova, mas o conceito traz o novo, iluminando um certo número de
fatos, de relações, permanecidos na obscuridade e no silêncio (vergonha ou pudor?).
O termo urbano teve por predecessor e ancestral semântico um belo substantivo: a
urbanidade, próximo da civilidade, que significava a cortesia, a tolerância, o saber-
viver (em oposição à “barbárie” do campo, no século XVIII). A urbanidade, nesse
sentido, retinha toda a tradição (suposta) das cidades desde Atenas e Roma,
passando por Veneza e Florença. Quando a urbanidade se apaga, a palavra entra
em desuso, aparecendo, então, o urbanismo e a pretensiosa “urbanística”, com uma
ideologia, regulamentos, um código, que pretendem substituir uma vida prática que
sai de moda e ordenar aquilo que teve charme espontâneo: a vida “na cidade”, em
Londres, em Paris, do que restam muitos testemunhos literários (Swift, Diderot,
etc.). Aqui, como alhures, uma prática (também com uma ideologia) precedeu a
teoria.

Esse conceito, o urbano, há pouco entrado nos vocabulários (ciência e prática), não
designa a cidade e a vida na cidade. Ao contrário: ele nasce com a explosão
[l’éclatement] da cidade, com os problemas e a deterioração da vida urbana. A esse
título, ele tem um grande alcance, tanto quanto “o industrial” ou “o informacional”.
Longe de coincidir com a Pólis [Cité] (antiga) e com a cidade (medieval), o urbano as
substitui englobando-as, portanto sem excluí-las enquanto momentos históricos.
Essas diversas noções, envolvidas pela mais recente, designam a dupla tendência
do espaço social à concentração e à extensão (periférica). O urbano? É uma forma
geral: a da reunião, a da simultaneidade, a do espaço-temporal nas sociedades,
forma que se afirma de todos os lados no curso da história e quaisquer que sejam as
peripécias dessa história. Desde as origens e o nascimento das sociedades, essa
forma se confirma, com os conteúdos os mais diversos. Ela se confirma enquanto
forma até na explosão [dans l’éclatement] que assistimos.

O urbano como conceito nasceu, pois, de uma nostalgia, a da pólis [cité] e a da


cidade histórica (nostalgia que se experimenta nos lugares, os que cada um habita,
os que são freqüentados, os que são visitados durante as viagens a todo tipo de
países) e de uma constatação inquietante para o futuro: essa explosão [cet
éclatement] da cidade histórica, no curso da segunda metade do século, com uma
intensa e cara “urbanização-desurbanização”. Processo há muito tempo inaugurado
(os subúrbios e periferias não datam dos anos 1960-1975), mas exacerbado durante
esse período.
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O conceito parte de uma teoria sobre o espaço ( social) enquanto produto-produtor,
isto é, engendrado pelo modo de produção, mas intervindo em todos os níveis:
forças produtivas _ organização do trabalho _ relações de propriedade _ instituições
e ideologias. Cada modo de produção produziu seu espaço. O modo de produção
existente tem sua história; essa história não se reduz nem à das técnicas, nem à das
trocas, nem à das revoltas e revoluções (que tiveram suas causas e suas razões).
Essa é também a história do espaço e do tempo, “produtos” que não podemos
definir nem como materiais nem como imateriais, mas antes como abstrações
concretas que entram na prática. O espaço ao mesmo tempo em que a
comunicação e a informação, sai [sort] da prática no modo de produção e reage
sobre ela: espaço das estradas, dos meios de locomoção, mas também das
megalópolis, das periferias mal delimitadas, das redes múltiplas que se ligam, dos
fluxos de produtos, de capitais, de ganhos, de especulações sobre os terrenos, das
atividades diversas, bancos e promotores que dominaram e exploraram o espaço
assim produzido.

O conceito, o urbano (que aparece com a transformação daquilo que ele eleva ao
conhecimento) permite descrever e impor esse duplo processo de implosão-
explosão. A cidade de origem histórica (medieval) não desaparece com a
modernidade. De um lado, a centralidade se afirma, confirma-se: centros de
decisão, de autoridade administrativa e política, de organização econômica, de
informação e conhecimento, etc. A cidade persiste condensando-se (o que não
exclui a pluralidade dos centros, portanto a existência de centros “culturais”,
religiosos, simbólicos, etc. Com as características tradicionais: monumentalidade,
exibição de força, traços espetaculares. Ao mesmo tempo, dispersam-se em torno
dela (a aglomeração concentrada e policêntrica que ainda traz o nome de “cidade”)
aglomerações secundárias, cidades satélites, periferias, ditas “subúrbios” 1. As
periferias podem ir longe, a tal ponto que quem as atravessa não sabe muito bem
onde começa a cidade e onde ela acaba (assim como Los Angeles que se estende
por mais de cem quilômetros e que compreende municipalidades autônomas, Santa
Mônica, Hollywood, Pasadena, etc. Além de lugares com status, ao que parece,
intermediários, mal definidos, nem cidade nem campo, “isolats”, “guetos”. Nessa
acepção, o termo e o conceito de urbano não designam, portanto, (somente) os
centros, os núcleos históricos, mas também as extensões mesmo fragmentadas, aí
compreendidos (como problemas) esses “isolats”, esses guetos, esses grupos de
casas ou esses “conjuntos”. Em resumo, o que não é ou não é mais “campo”,
território voltado à produção agro-alimentar ou ao abandono. O urbano compreende
tanto um pequeno burgo de casas agrupadas em torno de algumas pequenas e
médias empresas, como as gigantescas aglomerações: México, São Paulo, Los
Angeles.

O espaço urbano não exclui a produção, as empresas, as relações industriais: mas a


compreensão do termo e do conceito, com temática e com problemática

1
O autor fala em“Banlieues”, termo que designava os lugares sob a dominação da capital (lugares no “ban”).. NT.
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correspondentes, é mais amplo. É, portanto, o território onde se desenvolvem a
modernidade _ e a cotidianidade no mundo moderno. O conceito foi elaborado para
substituir por análises dialéticas (levando em conta a complexidade dos fatos assim
como contradições e conflitos) as representações simplificadas, as constatações, o
estudo de questões reais mas parciais; a repartição e as transferências de
propriedade, as especulações, a demografia, etc. O conceito sublinha aquilo que se
passa e tem lugar fora das empresas e do trabalho, se bem que ligado por múltiplos
liames à produção. Ele põe a ênfase no cotidiano na vida das “cidades”.

O urbano hiper-complexo

A partir de seu conceito, que unifica as abordagens, analisa-se o urbano por


múltiplos procedimentos [démarches]. Com a polis [cité] e a cidade que ele não
desmente, mas engloba no nível teórico, ele pode ser considerado do ponto de vista
do sujeito, depois como objeto, e finalmente como obra. Do ponto de vista do
“sujeito”, ou antes, dos “sujeitos”, a análise estuda os grupos, classes, frações de
classe, que compõem o urbano (essa ou aquela aglomeração) _ suas ações, reações,
interações _ aqueles que dirigiram ou, como e segundo que critérios _ em resumo,
os “atores sociais” e a vida interna da aglomeração. A título do “objeto”, a análise
estuda o sítio, a situação no território, as trocas, os laços do urbano com as
imediações, o que ele recebe e o que oferece [rend] (aí compreendidos a energia e
os detritos), em resumo o metabolismo e a vida exterior. Finalmente, como obra, o
analista examina o uso do espaço, a disposição das ruas e dos bairros, a
monumentalidade e o que acontece em torno de um determinado monumento
religioso, político, militar, ou “civil” (uma praça, um terreno de jogos, etc.). Desse
triplo ponto de vista nasce uma compreensão de conjunto. Não é a única. O urbano
pode também ser estudado em três níveis ou dimensões: o arquitetônico (os
edifícios e monumentos) _ o urbanístico (a organização da cidade, seu
funcionamento global) – o territorial (no país).

O espaço e o campo? A natureza os oferece; a agricultura e as atividades práticas os


modificam, mas não lhes tiram sua prioridade “geográfica”. Quanto ao espaço
urbano, ele é produzido. Ora, o espaço dado e o espaço produzido imbricam-se
estreitamente, com prioridade crescente deste último. O que permite descrever e
compreender a produção do espaço: a análise das relações conflituosas entre o
dado e o conquistado, entre o natural e o produzido. O urbano não é exterior à
“natureza”, ao sensível. Ele é construído com materiais tomados à natureza, mesmo
se as técnicas os modificam: pedra, madeira, água, ar, luz _ os elementos. As
palavras “natureza segunda” tomadas nas tradições (elas designaram primeiro os
hábitos) convêm à cidade. É certo que o metal suplanta a madeira, que o urbano se
faz mais mineral que vegetal. Nem por isso a “natureza” como tal penetra menos aí;
e mesmo ela aí se restitui numa pureza simbólica, às vezes mística: jardins, parque,
árvores, flores e plantas.
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O procedimento [démarche] analítica aproxima os lugares do urbano que têm
funções ou que evocam símbolos comparáveis: isotopias e heterotopias. Estes
últimos, muito diferentes uns dos outros, evocam, precisamente, o “outro”, o
mundo, a divindade, a justiça, o poder absoluto, o imaginário. São lugares sociais e
consagrados, palácios, templos, mas também cemitérios, prisões, museus. Quanto
aos lugares isotópicos, eles se parecem, têm mesma função, embora diversos no
detalhe: ruas e centros comerciais, lugares de produção industrial e empresas
(fábricas). A topologia do urbano, portanto as classificações (isoheterotopias), faz
parte dos procedimentos [démarches] analíticas, permitindo conhecer um aspecto
dessa realidade que parece simples no início, clara e distinta, uma vez que sensível
aos olhos, à caminhada, e que se revela “profunda”.

As descrições poéticas do urbano não têm interesse menor que as descrições e


análises científicas (econômicas, ecológicas, demográficas, sociológicas). Cada
unidade urbana tem sua tonalidade, sua ambiência e, sobretudo, seus ritmos. Os de
Barcelona não são os mesmos de Veneza ou de Marselha, embora entrem na
classificação como “cidades mediterrâneas”, diferentes das cidades “atlânticas”,
das cidades do “terceiro mundo”.

As cidades podem ser classificadas por tipos. A tipologia do urbano se liga à


geografia “humana”, mais que à teoria. A forma geral recebe seus conteúdos do
contexto histórico e territorial! Dito isso, as unidades urbanas do Mediterrâneo, por
exemplo, têm traços específicos dos quais os mais acentuados reencontram-se de
Barcelona a Beirute, de Alger a Nápoles e Palermo: persistência de grupos ativos,
clãs, máfias, etnias, corporações religiosas, forte maniqueísmo, o bom e o mau, o
amigo e o inimigo, o diabólico e o divino, o mal olhado e o gesto favorável, etc.
Igualmente, os portos do Atlântico têm suas características, no mínimo em razão
das marés2, da extensão das relações. As unidades urbanas do terceiro mundo
também têm suas características, distintas das megalópolis de tamanho comparável
nos países ditos “avançados”. De modo mais geral, há cidades políticas, centros de
poder (Roma) _ cidades industriais (São Paulo) _ cidades comerciais, cidades
culturais, etc.

O conceito de urbano, dialético, não permanece imóvel e estático. Ele se diversifica


em estudos, em problemáticas, subordinadas ao conceito e unificadas por ele. Não
basta, evidentemente, formular teoricamente “problemas”, “questões”, que se
põem na prática. A pesquisa das possibilidades orienta o estudo teórico do “real”,
dos fatos. As soluções eventuais, dependendo de pesquisas e de decisões
(financeiras, políticas, ideológicas), concernem a violência, os transportes, o tempo
e o espaço, os ritmos; em resumo, os aspectos e momentos do urbano que
permitem ou pedem uma intervenção.

É surpreendente que se fale de uma crise do urbano, porque o termo e o conceito


designavam precisamente essa “crise” (a explosão [l’éclatement] da cidade

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O autor emprega o termo “les marées”, que designa as marés, mas que pode também designar fluxos.
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histórica), a fim de dominar a enorme problemática e, na medida do possível,
unificá-la, encontrando uma terminologia.

A sociedade urbana

Durante muito tempo (e ainda para Marx) a Terra passava por laboratório das
formas e realidades sociais. O que desde então só tem uma verdade bastante
relativa: os mares tiveram seu papel, notadamente na formação das trocas, da
moeda, da mercadoria. De outro lado, é preciso considerar a Terra num sentido
muito amplo: não somente segundo as produções, mas segundo as relações de
propriedade. A terra e a agricultura mantiveram até os nossos dias a aldeia e a
família camponesa, formações vigorosas, milenares; entretanto, sobre todas as
terras, conquistas, cessões e heranças, engendraram a grande propriedade
fundiária, portanto uma aristocracia, um mandarinato, tributos e dízimos, usurários.
Roma, a grande cidade antiga, a Pólis [Cité] por excelência geria um império
baseado na propriedade fundiária (os latifundia).

A cidade foi por muito tempo considerada um lugar maldito, voltado ao mal, ao
diabo e ao pecado. O mito de Babilônia a perversa está longe de ter desaparecido.
Quando o arquiteto Constant Nieuwenhuis intitulou New-Babylon seu projeto
urbano, punha aí um desafio, uma provocação. Mesmo o socialismo nascente seguiu
esse caminho, uma prática orientada por um mito; Havana, não sem alguma razão,
foi a Babilônia da revolução cubana. A URSS e a teoria revolucionária só lenta e
dificilmente admitiu o crescimento urbano. Ora, hoje a urbanização maciça
prossegue irresistivelmente: no final do século, 80% da população mundial viverá
naquilo que outrora se nomeava a cidade...

O agro-alimentar perderá, não sua importância (ao contrário), mas uma parte das
superfícies cultivadas, só conservando as mais rentáveis (em rendas diferenciais). O
que reatualiza, ao lado das obras de Marx e de Engels sem esquecer Saint-Simon e
Fourier, as hipóteses de Ricardo, de Darwin e mesmo de Malthus (os teóricos
chineses admitiram que seu enorme território não poderia alimentar mais de um
bilhão e meio aproximadamente de seres humanos; donde a exigência de um
controle e de uma limitação dos nascimentos). Por muito tempo os campos, com
modalidades diversas, dominaram as cidades. O feudalismo [la féodalité] ocidental
baseava-se no feudo, no território, na suserania das aldeias; depois, as cidades se
libertaram das sujeições, um pouco por toda parte (exceto onde não houve
feudalismo [féodalité]: nos USA por exemplo). A cidade torna-se, então, o lugar da
civilização, retendo ou tentando reter da cidade antiga o que ela teve de melhor: o
amor do citadino por sua cidade, o gosto e o sentido do espaço urbano, a praça, a
avenida, o jardim (square). Acrescentando a isso o sentido da perspectiva, o espaço
perspectivo sendo uma descoberta e uma invenção (século XIV na Itália). Do mesmo
modo que a filosofia nasceu da cidade antiga, com diversos tipos de arte, do mesmo
modo, em uma escala mais ampla, a civilidade nasceu ou reapareceu com a cidade.
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Afirmar-se-ia o urbano como o lugar de uma nova barbárie? O combate teórico e
prático contra esta hipótese faz parte do projeto. Ele será longo, difícil. Uma vez que
é preciso resolver inventando (espaço e tempo novos), resolvendo contradições e
conflitos entre os mais profundos produzidos pelo “modo de produção” que
dominou.

O contraste e as contradições do urbano (espaços vazios e cheios, freqüentemente


excessivamente cheios _ riqueza e pobreza _ monumentalidade e edifícios
desprovidos de sentido, etc.) suscitaram muitos discursos, prosaicos e retóricos,
ideológicos e literários. Curiosamente, os temas da cidade e do urbano aparecem
em certos momentos em todos os países, desaparecem e reaparecem até na ficção
científica. Seria bastante interessante fazer a história comparativa desses temas. A
cidade e o urbano contribuíram para produzir tantas obras-primas quanto a natureza
e o campo. O verso de Baudelaire:

A forma de uma cidade

Muda mais depressa ai de mim [hélas] que o coração de um mortal!

resumirá por muito tempo a emoção do poeta diante do urbano. Desde então,
quantos livros magníficos (por exemplo: Carlos Fuentes, a Região a mais límpida,
sobre o México) aí compreendidos os presságios sobre o planeta urbanizado (Trentor
em a Fundação).

A era industrial trouxe, em dois séculos, mas sobretudo na segunda metade do


nosso século, enormes mudanças. Contradição: revoluções e conservadorismo. Com
elementos comparáveis, notadamente a extensão e a explosão [l’éclatement] das
cidades: o urbano.

A pólis [cité] e a cidade tinham trazido a civilização. Parece que a era industrial, com
seus traços revolucionários, contradições, trouxe a cultura. O fato do termo cultura
ter ocupado o lugar, por uma substituição ainda não esclarecida, da palavra e da
idéia de civilização, tem isso um sentido? Muito provavelmente. Qual? A civilização
se definia por uma maneira de viver _ por certas “maneiras” nas relações sociais. A
“cultura”, embora tenha um jeito de saco de gatos [fourre-tout] e que nela caiba
não importa o quê, a “cultura” tem por conteúdo essencial representações,
abstrações: mesmo na arte, cada vez mais abstrata. E mesmo na arquitetura (o
movimento pós-moderno parte dessa constatação). Escaparia a imagem à
abstração? Dizer isso, acreditar nisso é uma inconseqüência de graves
conseqüências.

Fará o urbano reaparecer, no lugar da “cultura” uma nova civilização, de modo que
a transformação ou revolução cultural que se realiza na “cultura” sem que muitos se
dêem conta, restituiria em um nível mais elevado a civilização (isto é, a sociedade
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civil, a civilidade, a urbanidade, o civismo dos cidadãos)? Maneira de ser no
cotidiano, uma civilização urbana geriria, até anulá-la, a clivagem entre a elite e o
povo, em outras palavras, a sociedade dual ou “triádica” [“trial”].

Utopia, ficção, dir-se-á. Com alguns argumentos. É no espaço da cidade explodida


[éclatée] _ do urbano_ que se desenha e ganha forma no terreno a sociedade
dissociada. Testemunham a segunda ou terceira coroa em torno dos centros os mais
“concentrados” e “concêntricos”: Paris. A cidade explodida [éclatée] só mostra caos,
desordem mal compensada por transportes ao mesmo tempo tecnicamente
aperfeiçoados e espacialmente defeituosos. As periferias são ameaçadoras, mas de
seus tumultos nada pode nascer; o risco é somente de correr o sangue. Situação
explosiva? Sim! No México, em Lima, por exemplo; há anos e anos que a explosão
sempre prevista é esperada. O que resultaria de uma insurreição? De uma guerrilha
urbana? Quem pode prever? Renovação ou catástrofe?

Seguramente, o futuro da sociedade urbana não pode ser previsto como se


acreditou por muito tempo poder anunciar extrapolando, em nome da história e de
seu sentido, o futuro da sociedade dita industrial. É sabido que ela se transforma;
um traço essencial dessa transformação é, certamente, a urbanização maciça,
desordenada. Não contém essa desordem uma ordem virtual? O caos dos
“pavilhões”, dos “conjuntos”, das “cidades satélites” durará para sempre? E a
violência latente _ ou explosiva _ que ela contém?

A teoria do pós-moderno não responde à questão; embora a proponha com força nos
países os mais industrializados e urbanizados. Entretanto, os pós-modernos,
obcecados pelas nostalgias não previram ou não construíram mais que neo-aldeias.
Como outras denominações propostas em nome da transformação social (sociedade
pós-industrial _ sociedade de comunicação, etc.) o pós-moderno tem um sentido,
mas não aquele que as palavras declaram; essas palavras quiseram designar
alguma coisa de preciso, uma intuição ou mesmo um projeto; ora, eles apenas
exprimiam um recuo diante dos erros e das falsas audácias do “modernismo”:
diante das horrorosas realizações das “torres”, dos “grandes conjuntos” ou dos
[cottages pavillonnaires] os mais recentes.

A indústria, o trabalho e os trabalhadores industriais não desaparecem e não


desaparecerão tão cedo. Como a “produção material”. Como a troca, a mercadoria,
o mercado, o dinheiro e os “sistemas de equivalências”. Mesmo tendo deixado de
aparecer e de ser a tendência dominante, característica de nossa época. Sem
nenhuma dúvida, o trabalho industrial, a indústria (e os trabalhadores), permanece
essencial, constituindo o núcleo (com a empresa) ou um dos núcleos em torno dos
quais se organiza o espaço urbano assim como o tempo, que sem isso reduzir-se-
iam a migalhas. A denominação “pós-industrial” provocou ilusões, extrapolando
tendências. A “sociedade urbana” dominante não pretende dizer tudo,
exaustivamente. Ela nomeia e designa uma tendência, com argumentos a favor de
sua predominância atual e virtual. Com sua temática _ e, sobretudo, sua
problemática. A sociedade mundial será urbana ou não existirá! A sociedade urbana
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organiza-se como tal, levando em conta momentos anteriores (o industrial, o agrário
ou agro-alimentar, os fluxos de trocas, etc.) ou então a sociedade se dissociará; isso
será a decomposição – e a catástrofe.

Na surdina, uma controvérsia opõe duas “escolas”, vislumbrando diferentemente o


futuro do urbano. Essa discussão prossegue entre iniciados e ainda não atingiu o
público; diferentemente da discussão “modernista” contra “pós-modernos”, que,
sobretudo nos USA teve grandes repercussões. Do que se trata? Do elemento
fundador e/ou “promotor” do urbano (ontem, da pólis [cité] e da cidade). Para uns a
arquitetura e o arquiteto têm um papel decisivo; eles produzem, eles fazem, eles
criam a vida urbana. É, pois, nesse nível que deve intervir hoje ou amanhã a
invenção que repercutirá nos outros “níveis”. Esse é o terreno de iniciativas, aí
compreendidas as do saber [C’est le terrain d’initiatives, y compris celle du savoir].

Ao contrário, uma outra escola, mais “urbanística”, afirma que o arquitetônico vem
em seguida, que a concepção do espaço urbano tem prioridade, porque
determinante, porque provindo de um “nível” superior, mais global.

Em favor da primeira tese, eis sua argumentação: os grandes arquitetos inovaram,


encontrando um “estilo”, uma arte de edificar comportando uma prática e uma
maneira de viver que, em seguida, influenciaram o entorno [o environnement]. A
disposição das praças e das ruas, nas cidades históricas da Itália, da Espanha e de
outros lugares, obedeceu às iniciativas arquitetônicas: os palácios, as igrejas, os
mosteiros; como encomendas, deixam lugar ao gênio criador, quase demiurgo, do
arquiteto.

Argumento contrário: as iniciativas arquitetônicas inserem-se sempre numa ordem


social que produz e ordena seu espaço. É nessa escala ou se se preferir, nesse nível
que o modo de produção decide a ordem que se realiza e, por assim dizer, se
encarna nas construções. Elas respondem a uma “encomenda” [“commande”]
social e política inflexível; esse último fator tendo predominância total, no que
concerne aos monumentos; o arquiteto “exprime” os desejos e vontades dos
poderes; ele executa e transmite o impulso [l’impulsion]. Os arquitetos sofreram a
pressão dos interesses, das autoridades, dos bancos, dos promotores, depois da dos
soberanos e dos príncipes mais prestigiosos.

Será esse um verdadeiro problema? Quem teve precedência: a perspectiva (e a


colocação em perspectiva) das praças e avenidas urbanas _ ou as fachadas
arquitetônicas e destinadas a figurar numa perspectiva de conjunto? O que
acontece em Siena, em Florença, no curso da Idade Média e do Renascimento,
durante a passagem dessas cidades da república, ainda quase “comunitária”, à
oligarquia? Certamente, uma transformação em todos os níveis.

Pode ser que uma concepção de conjunto distinga o arquitetônico, o urbanístico, o


territorial, não como separados, mas como momentos de uma questão global.
Portanto, como aspectos ou momentos de um projeto concernindo ao urbano. O que
deixa a cada “nível” a liberdade de invenção, com uma exigência de unidade. Um tal
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projeto não pode deixar de lado a questão dos terrenos. O modo de produção
existente amplificou o domínio da mercadoria, estendendo-o ao território das
cidades e ao espaço (venda em parcelas, _ especulação _ venda de apartamentos,
etc.). Ora, nenhuma fórmula, concernindo ao espaço (nacionalização, socialização,
estatização ou municipalização) deu resultados convincentes. Ainda está por ser
encontrada uma fórmula de apropriação do espaço urbano, que a isso se preste,
assim como a todos os modos de apropriação. Mas, transformar a propriedade em
apropriação (no sentido “filosófico”) é um aspecto, e não o menor, de uma
metamorfose que não se realiza por simples desviar. E que se opõe radicalmente a
todas as expropriações, que atingiram até as profundezas do ser humano (da
sexualidade) e que chegam à exclusão da sociedade, por caminhos diversos.

O direito à cidade

Se é exato que a cidade foi um lugar de civilização, sua explosão [son éclatement]
pode aniquilar esse papel. Ou o espaço urbano será um espaço de dissociação da
sociedade e do social (em um caos, em uma massa agitada de movimentos
diversos), ou ele será um lugar de reapropriação (da vida cotidiana, do social). Se
não há determinismo absoluto, mas sempre (na vida biológica e nos tempos
humanos) possibilidades freqüentemente opostas, uma “escolha” mais ou menos
consciente se realiza. O urbano, hoje e amanhã? Um feixe de possibilidades, o
melhor e o pior. Talvez o melhor aqui e o pior alhures!...

O “direito à cidade”? Isto queria e ainda quer dizer: não deixar perder a herança
histórica _ não deixar o espaço se transformar em migalhas, reencontrar o “centro”
como lugar de criação, de civilização (de urbanidade).

Essa idéia, lançada há vinte anos e que teve uma certa repercussão, procede das
análises anteriores: a cidade teve e guarda uma “centralidade”, lugar favorecido
pelas trocas, pela vida social, pela civilização (portanto, não somente do ponto de
vista da autoridade e do poder _ o que acompanha a vida social, não sem conflitos).
As periferias e subúrbios encontram-se em situação ruim: do ponto de vista da
atividade prática (transportes, fadigas, isolamento) como do ponto de vista da
sociabilidade (das relações fora do trabalho). As críticas, as advertências, não foram
bem entendidas: vimos desde então as conseqüências de uma tal “negligência”,
que se prendia aos interesses ditos privados, às posições das autoridades, à
ideologia modernista: lançava-se para as superfícies “desurbanizadas”, com a
promessa do “moderno”, os habitantes dos centros urbanos. Duplo lucro: construir
cada vez mais longe da cidade e remanejar a cidade (sem outra perspectiva que o
ganho). Contra essa propaganda e contra a negligência muito real dos que deveriam
ter-se oposto a isso e proposto uma “política urbana”, foi preciso reagir em nome de
um direito. Mais ou menos bem observados, os “direitos do homem” foram
reconhecidos em numerosos países (Helsinque). Os direitos do cidadão? Estão em
pane. Mal definidos, a não ser como direito à opinião (mutável, flutuante,
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manipulada) e ao voto (para eleger “representantes”, sem mandato imperativo). O
direito à cidade, (completado pelo direito à diferença e pelo direito à informação),
deveria modificar, tornar mais concretos e práticos os direitos do cidadão, tornado
citadino, usuário de múltiplos serviços. De um lado, ele afirmava o direito dos
“usuários” de se pronunciar sobre o espaço e o tempo de suas atividades no
território urbano; e, além disso, o direito ao uso da centralidade, lugar privilegiado,
em vez de se ver dispersados, rechaçados em guetos (para trabalhadores, para
imigrantes, para “marginalizados” e até para “privilegiados”!).

O direito à cidade vem, pois, não tanto como complemento dos direitos do homem
( como o direito à educação, à saúde e seguridade, etc.) mas dos direitos do
cidadão: este não é mais somente membro de uma “comunidade política”, cuja
concepção permanece indecisa e conflituosa, mas de um agrupamento mais
preciso, propondo múltiplas interrogações: a cidade moderna _ o urbano. Esse
direito conduz à participação ativa do cidadão-citadino no controle do território, na
sua gestão, cujas modalidades permanecem por precisar. Ele conduz também à
participação do cidadão-citadino à vida social ligada ao urbano; ele propõe proibir o
deslocamento dessa “cultura” urbana, impedir a dispersão sem amontoar os
“habitantes” e “usuários” uns sobre os outros, mas inventando nos domínios e nos
níveis do arquitetônico, do urbanístico, do territorial.

Esse direito supõe uma transformação da sociedade segundo um projeto coerente,


respondendo as interrogações e resolvendo teoricamente (o sentido forte
implicando o momento da prática) os problemas e, de outro lado, criações nos
domínios nos quais interferem a arte e o conhecer, o cotidiano e o global: a
arquitetura, por exemplo. Mas, também mais largamente, o tempo e o espaço.

Será ainda preciso provar que tem havido inovações, iniciativas, invenções nesses
domínios? O que seria preciso mostrar é que elas acompanharam as mudanças de
época, de sociedade, de civilização. Foi assim, a perspectiva, admirável invenção,
contemporânea do fortalecimento das cidades (na Itália, na Toscana: em Siena e
Florença), do renascimento do conhecer e da arte _ da ascensão do capitalismo, das
trocas, do banco, do comércio, dos negócios. Com um compromisso histórico entre a
aristocracia e a burguesia.

Recentemente, Ricardo Bofill no começo de sua carreira, com “a cidade no espaço” _


Constant Nieuwenhuis com a “New Babylon”, tentaram a invenção arquitetônica e
urbanística. Outros também, talvez menos conhecidos. Esses casos bastam para
mostrar que a inovação é possível, mas pouco provável no modo de produção atual;
que produziu seu espaço e seu tempo e não pode mais que utilizá-los.

Ora, é evidente hoje que esse espaço é insuportável [“invivable”]. A não ser para a
elite, antiga ou recente, que soube arrumar seus territórios, recuperar o centro das
cidades (que ela abandonava por um certo período), cuidar das residências, etc. As
periferias, entendendo-se por esse termo tanto a segunda e a terceira coroas de
Paris como as aglomerações da África e da América, são elas suficientes para definir
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o (um) novo (e diferente) proletariado? Uma revolução? As relações e condições do
trabalho _ as relações no trabalho _ não podem ser descartadas. Entretanto, o
espaço e o tempo entram em tais definições, com seu emprego (seu uso).

Ocorre que as “camadas”, classes e frações da classe operária não puderam


beneficiar-se das modificações do urbano, notadamente da centralidade modificada
e reforçada (cultura, transportes, gestão). Ao contrário: elas foram excluídas de
algumas vantagens, afastadas para as periferias. Sem resistência obstinada,
embora tenha havido “movimentos urbanos”, essas populações aceitaram a
situação. Quando se percebeu o desastre, era muito tarde. Apesar das advertências!
Essas populações periféricas por muito tempo se desinteressaram pela política
urbana. E freqüentemente, seus “representantes” acompanharam ou não viram bem
o que ia acontecer: o desastre do urbano. Essa situação entra, inútil insistir, na
problemática.

O urbano e o Estado

Segundo uma tese que parece difundida, as autoridades urbanas (as


municipalidades) não podem ter outro papel que aquele de “intermediário” [de
“relais”] entre os poderes políticos e o Estado: questão a ser debatida e cuja
resposta nada tem de evidente. Historicamente, não foi sempre assim. Os poderes e
as constituições obstinaram-se em fazer dessas autoridades (os magistrados
municipais e os “cônsules”, depois conselheiros e prefeitos) empregados do Estado,
os “executivos” dos políticos. Uma luta imemorial é conduzida contra essa
estratégia, para defender a autonomia das autoridades urbanas e para permitir-lhes
erigir-se, em caso de necessidade, em contra-poder. Uma ideologia persistente
reduz os problemas urbanos a questões locais. Embora sempre tenha se tratado, e
hoje mais ainda, de questões políticas, isto é, gerais (nacionais) concernindo à
produção e à gestão do espaço. O que, implicitamente ou não, inclui uma concepção
desse espaço e uma estratégia.

Trata-se, pois, direta ou indiretamente, de maneira imediata ou derivada, de lutas de


classes. Os problemas urbanos apresentam-se, então, em toda sua complexidade,
cobrindo (eles também) todos os “níveis”, das forças produtivas às instituições e
ideologias, isto é às “superestruturas”, passando pelas estruturas: relações de
propriedade, organização do trabalho produtivo, hoje informacional e, portanto,
comunicação.

Tudo muda. Tudo se torna. Não há nada de permanente, escapando ao tempo. Não
há nada de durável. A Pólis [Cité], a Cidade, o Urbano não se encontram fora do
Devir. Não mais que os movimentos parciais: o mundo torna-se nosso mundo, no
entanto, o devir difere conforme as escalas, as dimensões, os ritmos. O devir tem
leis e pode ser analisado: ele tem ritmos lentos e outros rápidos, se bem que
relativos. Assim, portanto, o nascimento e o desenvolvimento. Igualmente, há tática
e estratégia: tática no imediato e no atual rápido; a ação _ estratégia lenta a longo,
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médio ou curto prazo. Tudo o que é muda, mas desigualmente; as formas duram
mais que os conteúdos e resistem ao tempo, embora se dissolvam e acabem _ como
tudo no mundo! O urbano, forma atual da simultaneidade, da reunião, da unidade,
interroga-nos ao mesmo tempo sobre a forma e o conteúdo...

(N.B.: Página escrita após uma releitura do Crátilo de Platão, dedicada aos
filósofos.)

Esse aspecto meta-filosófico do urbano só teria sentido especulativo se não


remetesse, permitindo formulá-las, as questões práticas. Nossas cidades explodidas
[éclatées], nossas megalópolis _ o urbano moderno _, têm que ser desconstruídas e
reconstruídas. Será preciso todo um período “histórico” para desfazer e refazer o
que o capitalismo desencadeado, delirante, ilusoriamente racional produziu; do que
os “pós-modernos” se dão conta, sem por isso ir na direção de uma ação-resposta.
As cidades históricas e os próprios centros não podem ser “empalhados”, tornar-se
museus. As construções monumentais, obras de prestígio, não bastam. A essa obra
colossal (e revolucionária) podem associar-se forças diversas. Elas reconciliariam o
trabalho intelectual (da “criatividade” estética) com o trabalho manual (os
materiais) fornecendo trabalho a gerações! Isso permitiria uma certa aliança do
trabalho com o conhecimento (histórico, demográfico, econômico, sociológico),
unidade exigida para o projeto. Enfim, o urbano tornar-se-ia o lugar de uma
democracia cada vez mais direta, o cidadão-citadino-usuário participando de
maneira cada vez mais próxima de todos os momentos da realização. Do que? De
uma vida social diferente: de uma sociedade civil fundada não em abstrações, mas
no espaço e no tempo tais como “vividos”.

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