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HEIDEGGER
Aula 01:
Para que possamos compreender um ente qualquer devemos ter já, antecipadamente,
uma visão prévia de seu ser. Isso implica que a questão do ser (Seinsfrage) é sempre o
referência dele; significa estar, por assim dizer, aberto ao ser. Com efeito, se de um
lado o ser se dá por si mesmo como algo irredutível ao ente, a qualquer ente, razão
virtude do fato de se encontrar desde sempre referido ao ente, ele nos é familiar,
mais vago e vazio; de outro, toda compreensão do ente pressupõe uma certa
familiaridade com o ser do ente. Sendo assim, o caminho que pretende levar à
proximidade do sentido do ser não pode mais ser pensado como um percurso que leva
não seja claro, o pensamento pensa sempre o ser; não poderia ser de modo diverso,
uma vez que o pensamento é em si mesmo um dirigir-se a algo que a ele se dá. Desta
alcança o ser, pois isso comportaria considerar o ser como um ente simplesmente
pode ser o círculo. Clarear o sentido do ser não pode significar colocar-se diante do
ser, mas caminhando fazer sua experiência (Erfahrung). Se o ser não é um ente, mas ao
mesmo tempo é aquilo que descerra o ente, então fazer experiência do ser significa
sempre e cada vez aprender a colher a diferença entre ser e ente; e colhê-la como
diferença pura, não entre um ente e outro ente, mas entre o ente e aquilo que é outro
respeito a todo ente, o não ente, o nada. Mas como pensar este não ente, este nada,
experimentar esta alteridade como tal; aprendizado que comporta pensá-la tanto
como a coisa mais próxima do pensamento, uma vez que o pensamento pensa sempre
o ser, quanto como a coisa mais distante, pois contraria o costume a que estamos
O primeiro passo a ser dado para que esta experiência se dê deve ser então
um ente. Mas este passo não significa pretender ultrapassar o pensamento metafísico,
no sentido de ultrapassar uma região (o ente) em favor de uma outra região (o ser).
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metafísico. Sendo assim, pretender superar a metafísica significa desenvolvê-la na
sua essência. Significa, antes de tudo, colocar-se na essência da metafísica para colher
em seus fundamentos, aquilo que permanece não dito. Este não dito não é um ente,
ou algo que permanece escondido simplesmente porque ainda não foi desvelado, mas
é a reserva obscura, misteriosa, da qual todo fundamento extrai o seu sentido e sua
essencial referência entre uma época e uma outra. Aquilo que permanece não dito é a
própria possibilidade que o transmitido possa chegar até nós. Em outras palavras,
esse não dito é a simples conexão, e por isso mesmo muito difícil de ser
experimentada, entre o impulso para o porvir (para o futuro) e o que nos é transmitido
temporalidade, onde cada coisa singular joga em uma contínua referência a uma
contínuo oscilar. Isso nós podemos perceber na história das palavras, onde cada
precisamente por isso nunca pode ser reduzida a um único significado. Desta forma,
contínua oscilação, esta contínua transmissão em um discurso sem fim. Para assumir
esta tarefa, contudo, o pensamento deve se tornar caminho que não chega a lugar
nenhum, que não conquista nada; caminho que enquanto vai, vira e volta (Kehre) para
sentido único, mas pode sempre colher aquele espaço de tempo (o entre) através do
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possibilidades adquiridas no colóquio com aquilo que já foi. A viravolta (Kehre) do
permanece não dito, isto é, aquele aberto no qual as coisas e as palavras são deixadas
recipiente que nos envolve, e que por isso estaria já colocado antes de nós e das
coisas; ao contrário, é preciso pensá-lo como o simples deixar ser as coisas, isto é,
como o deixar que as coisas se desdobrem em seu ser. Apenas nesse caso
começaremos a colher a diferença entre ser e ente. Mas isso implica também não
mais pensar o ser como um fundamento, como algo que já se encontra presente antes
de toda coisa, como algo que se encontra além do mundo, e por isso eterno, não
consumível pela erosão do tempo. É preciso, ao invés, pensar o ser como o simples e
puro deixar ser um espaço-tempo para que as coisas possam mostrar-se a nós. É
precisamente neste deixar ser que o Ser (Seyn) se consuma, se vela, se esconde;
evidentemente não como um ente escondido, mas como aquilo que na sua essência é
mistério, que enquanto tal é indizível. Não teria nenhum sentido falar de mistério que
O pensamento deve experimentar o mistério, que não está além das coisas, em
pensamento, aquilo que originariamente nos faz pensar. Com efeito, nós nos
encontramos desde sempre envolvidos no mistério, no indizível que nos faz vir à
palavra, mas precisamente porque indizível nenhuma palavra pode nomeá-lo. É por
isso que nenhuma época pode exaurir o não dito; mas também não o pode a
totalidade das épocas, se de totalidade neste sentido ainda podemos falar, pois
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implicaria excluir a possibilidade do porvir. Esta fonte obscura nunca se exaure.
Mesmo assim, unicamente deste deixar ser cada época é possível transmitir as
contínuo colóquio, que contudo não se deixa dizer plenamente; e não se deixa dizer
pensamento, àquele deixar ser que se esconde. O pensamento na Kehre deve, desta
forma, aprender a experimentar este deixar ser em seu contínuo esconder-se, não
como aquilo que no final se conquista, mas como aquilo que mesmo no final
de arte, pensada não como objeto de uma “ciência”, a estética, que permanece sempre
primeiro lugar, porque a obra de arte que se transmite de época a época nunca é
redutível a um único sentido. Se tomamos como exemplo uma obra de arte como La
destes significados adquiridos nas várias épocas, nem mesmo assim encontraríamos
seu sentido último, isso porque neste caso ela não teria mais nada a nos dizer, seria
como uma equação matemática, uma proposição de lógica fria e clara. Na obra de
arte, ao contrário, não há nada que seja completamente claro, pois tudo oscila e vive
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de luz obscura: de um lado, a obra de arte se descerra ao homem dispondo-o ao
espanto, à maravilha de seu puro e simples ser aí (Dasein), aberto à escuta; de outro, a
obra sempre se reserva, tem sempre algo ulterior a dizer, e assim nunca se deixa
clarear até o fim. Luz e obscuridade são inseparáveis na obra de arte, ou melhor, são
os caracteres que a fazem pulsar como algo vivo, e por isso ela se dá como choque,
abalo, perturbação... Ela envolve o ser humano no modo mais íntimo, mais simples,
mas ao mesmo tempo mais obscuro. Isso porque a obra faz vibrar no modo mais
simples aquele deixar ser que condiciona desde sempre o pensamento enquanto tal.
Por isso a obra de arte tem antes de tudo para Heidegger um sentido ontológico,
porque faz vibrar aquele duplo sentido do ser como descobrimento e encobrimento:
outro, conserva na obscuridade o seu sentido último e duradouro. A obra não mantém
simplesmente estes dois caracteres de maneira estática, mas os coloca em obra, os faz
oscilar em uma luta onde, de um lado, um mundo se descerra abrindo tudo que pode
indizível. Sem um mundo, contudo, a obra perderia inclusive sua reserva obscura: a
obscuridade da obra requer a luz do mundo para ser obscura. Nesta dúplice
deve ser pensada como um colóquio contínuo onde aquilo que se anuncia se colore
imediatamente por aquilo que permanece não dito. Toda palavra, particularmente
aquela poética, expõe tanto uma multiplicidade de significados quanto o seu não dito
que deixa ser a multiplicidade, ou seja, que novos significados possam advir. Este não
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dito é o indizível espaço de jogo de tempo no qual a obra é atualizada em um discurso
sem fim, porque não conquista nada: joga jogando, e isso basta.
Deixei uma posição anterior, não por trocá-la por outra, mas porque a
posição de antes era apenas um passo num caminho. No pensamento, o que
permanece é o caminho. E os caminhos do pensamento guardam consigo o
mistério de podermos caminhá-los para frente e para trás, trazem até o
mistério de o caminho para trás nos levar para frente (HEIDEGGER, 1985 p.
94).
Esta Kehre é na verdade o sentido do caminho que de Sein und Zeit (1927) leva a
Zeit und Sein (conferência proferida em 1962). Caminho que não pôde se cumprir na
obra de 1927, precisamente pela falta de uma linguagem apta a dar conta da
und Sein, que deveria se constituir na terceira seção do livro. Ao considerar este
caminho Heidegger afirma que “aqui o todo se inverte” (Hier kehrt sich das Ganze)
(HEIDEGGER, 1976 pp. 327-328). Esta inversão, contudo, não indica uma ruptura com
os pressupostos de sua obra capital, pois faz parte do caminho o dar-se de passos
diferentes.
ser que exige para sua compreensão a Kehre. Este exigir do ser, por sua vez, é o
O caminho aqui não deve ser entendido como o percurso necessário para
alcançar uma meta; aquilo que conta é unicamente o próprio caminhar. Ele oferece a
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possibilidade ao pensamento de “habitar” nas proximidades do ser. Mas tal caminho
não leva à simples redução da distância entre os dois, uma vez que o pensamento
pertence desde sempre ao ser; apenas porque o pensamento sempre responde ao ser,
(ereignet) pelo ser e precisamente por isso ao ser pertence, dá-se na escuta do ser.
Assim, o modo pelo qual o pensamento pertence ao ser é o escutar. Escutar que
auditivo: nós escutamos não porque somos capazes de perceber sons, mas ao
nós escutamos porque somos chamados à escuta, ao pensamento. Escutar quer dizer
enquanto tal. E ainda mais, nós nunca escutamos simplesmente sons e rumores, mas
palavras proferidas por uma pessoa, mesmo quando essa fala uma língua
desconhecida. É próprio do pensamento estar na escuta dos acenos pelos quais o ser
se dá (Es gibt).
pensamento ao ser. Em razão disso Sein und Zeit não pode exaurir o sentido do ser,
pois representa apenas uma etapa da Kehre. O que permanece constante no pensar é o
metafísica isso é uma contradição. Como algo pode avançar retrocedendo? Para
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única região em que o iluminado pode aparecer. O passo atrás é o salto que vai do
pode retroceder avançando neste caminho apenas porque, ao considerar o ente que se
encontra diante de si, o recolhe em seu ser. É o ser mesmo que permite este
recolhimento. Permitir quer aqui dizer doar ao pensamento a possibilidade que algo
coisa mesma do pensamento. Aquilo que mais conta não é a colheita deste
que é manifesto (o ente) à manifestabilidade como tal, que por sua vez permanece
velada. Este retroceder que permite avançar evidencia desta forma a produção de uma
aproximação daquilo que se encontra a pensar. Aquilo que a Kehre como passo atrás
persegue é pensar o movimento do ser que se vela iluminando o ente. E apenas neste
por sua vez, requer a superação do pensamento metafísico, que em toda sua tradição
interrogou o ser como ser do ente, e não como ser enquanto tal. “A transformação
exigida pelo pensamento é uma luta continuamente conduzida para rever o próprio
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Mas o que indica propriamente a palavra Kehre? Kehre indica uma virada de um
caminho de montanha, ou de uma trilha. Aquele que segue este caminho é obrigado a
virar porque a própria trilha ou caminho vira. Assim, a virada não é algo que o
caminho o homem vira porque presta atenção aos acenos pelos quais o ser se dá (Es
gibt). Os acenos por sua própria natureza não são simples sinais. Eles são pouco
vistosos: “Os acenos são enigmáticos. Acenam para nós e acenam para fora de nós.
Este acenar é o livre doar do ser que dá (gibt) a coisa mesma do pensamento. O
pensamento se dá enquanto corresponde aos acenos do ser, quando mostra aquilo que
se dá (es gibt) como clareira (Lichtung), mas que também se dá enquanto oferece a sua
custódia ao dar-se do ser, no sentido que escuta o ser, manifestando seus enigmáticos
acenos. A Kehre como Dekweg é um escutar que mostra aquilo que em seu dar-se
esconde-se.
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Bibliografia:
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