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1) O documento discute o significado clássico e moderno do termo "política", que originalmente se referia às coisas da cidade-estado e passou a designar o estudo do Estado.
2) A política está ligada ao poder, que pode ser exercido de diferentes formas como paternal, despótico ou civil baseado no consenso.
3) Na tradição clássica, há três formas principais de poder do homem sobre o homem: poder paternal, despótico e político civil.
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O significado clássico e moderno de política - Norberto Bóbbio
1) O documento discute o significado clássico e moderno do termo "política", que originalmente se referia às coisas da cidade-estado e passou a designar o estudo do Estado.
2) A política está ligada ao poder, que pode ser exercido de diferentes formas como paternal, despótico ou civil baseado no consenso.
3) Na tradição clássica, há três formas principais de poder do homem sobre o homem: poder paternal, despótico e político civil.
1) O documento discute o significado clássico e moderno do termo "política", que originalmente se referia às coisas da cidade-estado e passou a designar o estudo do Estado.
2) A política está ligada ao poder, que pode ser exercido de diferentes formas como paternal, despótico ou civil baseado no consenso.
3) Na tradição clássica, há três formas principais de poder do homem sobre o homem: poder paternal, despótico e político civil.
O SIGNIFICADO CLÁSSICO E termo de referência a pólis, ou seja, o
MODERNO DE POLÍTICA Estado.
I. O SIGNIFICADO CLÁSSICO E Dessa atividade a pólis é, por vezes, o MODERNO DE POLÍTICA. sujeito, quando referidos à esfera da Política atos como o ordenar ou proibir Derivado do adjetivo originado de pólis alguma coisa com efeitos vinculadores (politikós), que significa tudo o que se para todos os membros de um refere à cidade e, conseqüentemente, o determinado grupo social, o exercício que é urbano, civil, público, e até de um domínio exclusivo sobre um mesmo sociável e social, o termo determinado território, o legislar Política se expandiu graças à influência através de normas válidas erga omnes, da grande obra de Aristóteles, intitulada o tirar e transferir recursos de um setor Política, que deve ser considerada como da sociedade para outros, etc.; outras o primeiro tratado sobre a natureza, vezes ela é objeto, quando são referidas funções e divisão do Estado, e sobre as à esfera da Política ações como a várias formas de Governo, com a conquista, a manutenção, a defesa, a significação mais comum de arte ou ampliação, o robustecimento, a ciência do Governo, isto é, de reflexão, derrubada, a destruição do poder não importa se com intenções estatal, etc. Prova disso é que obras meramente descritivas ou também que continuam a tradição do tratado normativas, dois aspectos dificilmente aristotélico se intitulam no século XIX discrimináveis, sobre as coisas da Filosofia do direito (Hegel, 1821), cidade. Ocorreu assim desde a origem Sistema da ciência do Estado (Lorenz uma transposição de significado, do von Stein, 1852-1856), Elementos de conjunto das coisas qualificadas de um ciência política (Mosca, 1896), Doutrina certo modo pelo adjetivo "político", para geral do Estado (Georg Jellinek, 1900). a forma de saber mais ou menos Conserva parcialmente a significação organizado sobre esse mesmo conjunto tradicional a pequena obra de Croce, de coisas: uma transposição não Elementos de política (1925), onde diversa daquela que deu origem a Política mantém o significado de termos como física, estética, ética e, reflexão sobre a atividade política, por último, cibernética. O termo Política equivalendo, por isso, a "elementos de foi usado durante séculos para designar filosofia política". Uma prova mais principalmente obras dedicadas ao recente é a que se pode deduzir do uso estudo daquela esfera de atividades enraizado nas línguas mais difundidas humanas que se refere de algum modo de chamar história das doutrinas ou das às coisas do Estado: Politica methodice idéias políticas ou, mais genericamente, digesta, só para apresentar um história do pensamento político à exemplo célebre, é o título da obra com história que, se houvesse permanecido que Johannes Althusius (1603) expôs invariável o significado transmitido uma das teorias da consociatio publica pelos clássicos, teria de se chamar (o Estado no sentido moderno da história da Política, por analogia com palavra), abrangente em seu seio várias outras expressões, como história da formas de consociationes menores. física, ou da estética, ou da ética: uso Na época moderna, o termo perdeu seu também aceito por Croce que, na significado original, substituído pouco a pequena obra citada, intitula Para a pouco por outras expressões como história da filosofia da política o capítulo "ciência do Estado", "doutrina do dedicado a um breve excursus histórico Estado", "ciência política", "filosofia pelas políticas modernas. política", etc., passando a ser II. A TIPOLOGIA CLÁSSICA DAS comumente usado para indicar a FORMAS DE PODER. atividade ou conjunto de atividades que, de alguma maneira, têm como O conceito de Política, entendida como forma de atividade ou de práxis humana, está estreitamente ligado ao senhor; o político, pelo interesse de de poder. Este tem sido quem governa e de quem é governado, tradicionalmente definido como o que ocorre apenas nas formas "consistente nos meios adequados à corretas de Governo, pois, nas viciadas, obtenção de qualquer vantagem" o característico é que o poder seja (Hobbes) ou, analogamente, como exercido em benefício dos governantes. "conjunto dos meios que permitem Mas o critério que acabou por alcançar os efeitos desejados" (Russell). prevalecer nos tratados jusnaturalistas Sendo um destes meios, além do foi o do fundamento ou do princípio de domínio da natureza, o domínio sobre legitimação, que encontramos os outros homens, o poder é definido claramente formulado no cap. XV do por vezes como uma relação entre dois Segundo tratado sobre o governo de sujeitos, dos quais um impõe ao outro a Locke: o fundamento do poder paterno própria vontade e lhe determina, é a natureza, do poder despótico o malgrado seu, o comportamento. Mas, castigo por um delito cometido (a única como o domínio sobre os homens não é hipótese neste caso é a do prisioneiro geralmente fim em si mesmo, mas um de guerra que perdeu uma guerra meio para obter "qualquer vantagem" injusta), do poder civil o consenso. A ou, mais exatamente, "os efeitos estes três motivos de justificação do desejados", como acontece com o poder correspondem as três fórmulas domínio da natureza, a definição do clássicas do fundamento da obrigação: poder como tipo de relação entre ex natura, ex delicto, ex contractu. sujeitos tem de ser completada com a Nenhum dos dois critérios permite, não definição do poder como posse dos obstante, distinguir o caráter específico meios (entre os quais se contam como do poder político. Na verdade, o fato de principais o domínio sobre os outros e o poder político se diferenciar do poder sobre a natureza) que permitem paterno e do poder despótico por estar alcançar justamente uma "vantagem voltado para o interesse dos qualquer" ou os "efeitos desejados". governantes ou por se basear no consenso, não constitui caráter O poder político pertence à categoria do distintivo de qualquer Governo, mas só poder do homem sobre outro homem, do bom Governo: não é uma conotação não à do poder do homem sobre a da relação política como tal, mas da natureza. Esta relação de poder é relação política referente ao Governo expressa de mil maneiras, onde se tal qual deveria ser. Na realidade, os reconhecem fórmulas típicas da escritores políticos não cessaram nunca linguagem política: como relação entre de identificar seja Governos governantes e governados, entre paternalistas, seja Governos despóticos, soberano e súditos, entre Estado e ou então Governos em que a relação cidadãos, entre autoridade e entre Governo e súditos se obediência, etc. assemelhava ora à relação entre pai e Há várias formas de poder do homem filhos, ora à entre senhor e escravos, os sobre o homem; o poder político é quais nem por isso deixavam de ser apenas uma delas. Na tradição clássica Governos tanto quanto os que agiam que remonta especificamente a pelo bem público e se fundavam no Aristóteles, eram consideradas três consenso. formas principais de poder: o poder paterno, o poder despótico e o poder político. Os critérios de distinção têm III. A TIPOLOGIA MODERNA DAS sido vários com o variar dos tempos. FORMAS DE PODER. Em Aristóteles se entrevê a distinção Para acharmos o elemento específico baseada no interesse daquele em do poder político, parece mais benefício de quem se exerce o poder: o apropriado o critério de classificação paterno se exerce pelo interesse dos das várias formas de poder que se filhos; o despótico, pelo interesse do baseia nos meios de que se serve o três formas de poder fundamentam e sujeito ativo da relação para determinar mantêm uma sociedade de desiguais, o comportamento do sujeito passivo. isto é, dividida em ricos e pobres com Com base neste critério, podemos base no primeiro, em sábios e distinguir três grandes classes no ignorantes com base no segundo, em âmbito de um conceito amplíssimo do fortes e fracos, com base no terceiro: poder. Estas classes são: o poder genericamente, em superiores e econômico, o poder ideológico e o inferiores. poder político. O primeiro é o que se Como poder cujo meio específico é a vale da posse de certos bens, força, de longe o meio mais eficaz para necessários ou considerados como tais, condicionar os comportamentos, o numa situação de escassez, para poder político é, em toda a sociedade induzir aqueles que não os possuem a de desiguais, o poder supremo, ou seja, manter um certo comportamento, o poder ao qual todos os demais estão consistente sobretudo na realização de de algum modo subordinados: o poder um certo tipo de trabalho. Na posse dos coativo é, de fato, aquele a que meios de produção reside uma enorme recorrem todos os grupos sociais (a fonte de poder para aqueles que os têm classe dominante), em última instância, em relação àqueles que os não têm: o ou como extrema ratio, para se poder do chefe de uma empresa deriva defenderem dos ataques externos, ou da possibilidade que a posse ou para impedirem, com a desagregação disponibilidade dos meios de produção do grupo, de ser eliminados. Nas lhe oferece de poder vender a força de relações entre os membros de um trabalho a troco de um salário. Em mesmo grupo social, não obstante o geral, todo aquele que possui estado de subordinação que a abundância de bens é capaz de expropriação dos meios de produção determinar o comportamento de quem cria nos expropriados para com os se encontra em condições de penúria, expropriadores, não obstante a adesão mediante a promessa e concessão de passiva aos valores do grupo por parte vantagens. O poder ideológico se da maioria dos destinatários das baseia na influência que as idéias mensagens ideológicas emitidas pela formuladas de um certo modo, classe dominante, só o uso da força expressas em certas circunstâncias, por física serve, pelo menos em casos uma pessoa investida de certa extremos, para impedir a autoridade e difundidas mediante insubordinação ou a desobediência dos certos processos, exercem sobre a subordinados, como o demonstra à conduta dos consociados: deste tipo de saciedade a experiência histórica. Nas condicionamento nasce a importância relações entre grupos sociais diversos, social que atinge, nos grupos malgrado a importância que possam ter organizados, aqueles que sabem, os a ameaça ou a execução de sanções sábios, sejam eles os sacerdotes das econômicas para levar o grupo hostil a sociedades arcaicas, sejam os desistir de um determinado intelectuais ou cientistas das comportamento (nas relações entre sociedades evoluídas, pois é por eles, grupos é de somenos importância o pelos valores que difundem ou pelos condicionamento de natureza conhecimentos que comunicam, que se ideológica), o instrumento decisivo para consuma o processo de socialização impor a própria vontade é o uso da necessário à coesão e integração do força, a guerra. grupo. Finalmente, o poder político se baseia na posse dos instrumentos Esta distinção entre três tipos principais mediante os quais se exerce a força de poder social se encontra, se bem física (as armas de toda a espécie e que expressa de diferentes maneiras, potência): é o poder coator no sentido na maior parte das teorias sociais mais estrito da palavra. Todas estas contemporâneas, onde o sistema social global aparece direta ou indiretamente articulado em três subsistemas continuidade (uma associação de fundamentais, que são a organização delinqüência, uma chusma de piratas, das forças produtivas, a organização do um grupo subversivo, etc.), que exerce consenso e a organização da coação. A um poder político. O que caracteriza o teoria marxista também pode ser poder político é a exclusividade do uso interpretada do mesmo modo: a base da força em relação à totalidade dos real, ou estrutura, compreende o grupos que atuam num determinado sistema econômico; a supra-estrutura, contexto social, exclusividade que é o cindindo-se em dois momentos resultado de um processo que se distintos, compreende o sistema desenvolve em toda a sociedade ideológico e aquele que é mais organizada, no sentido da propriamente jurídico-político. Gramsci monopolização da posse e uso dos distingue claramente na esfera supra- meios com que se pode exercer a estrutural o momento do consenso (que coação física. Este processo de chama sociedade civil) e o momento do monopolização acompanha pari passu o domínio (que chama sociedade política processo de incriminação e punição de ou Estado). Os escritores políticos todos os atos de violência que não distinguiram durante séculos o poder sejam executados por pessoas espiritual (que hoje chamaríamos autorizadas pelos detentores e ideológico) do poder temporal, havendo beneficiários de tal monopólio. sempre interpretado este como união Na hipótese hobbesiana que serve de do dominium (que hoje chamaríamos fundamento à teoria moderna do poder econômico) e do imperium (que Estado, a passagem do Estado de hoje designaríamos mais propriamente natureza ao Estado civil, ou da anarchía como poder político). Tanto na à archía, do Estado apolítico ao Estado dicotomia tradicional (poder espiritual e político, ocorre quando os indivíduos poder temporal) quanto na marxista renunciam ao direito de usar cada um a (estrutura e supra-estrutura), se própria força, que os tornava iguais no encontram as três formas de poder, estado de natureza, para o confiar a desde que se entenda corretamente o uma única pessoa, ou a um único corpo, segundo termo em um e outro caso que doravante será o único autorizado a como composto de dois momentos. A usar a força contra eles. Esta hipótese diferença está no fato de que, na teoria abstrata adquire profundidade histórica tradicional, o momento principal é o na teoria do Estado de Marx e de ideológico, já que o econômico-político Engels, segundo a qual, numa é concebido como direta ou sociedade dividida em classes indiretamente dependente do espiritual, antagônicas, as instituições políticas enquanto que, na teoria marxista, o têm a função primordial de permitir à momento principal é o econômico, pois classe dominante manter seu domínio, o poder ideológico e o político refletem, alvo que não pode ser alcançado, por mais ou menos imediatamente, a via do antagonismo de classes, senão estrutura das relações de produção. mediante a organização sistemática e eficaz do monopólio da força; é por isso que cada Estado é, e não pode deixar IV. O PODER POLÍTICO. de ser, uma ditadura. Neste sentido Embora a possibilidade de recorrer à tornou-se já clássica a definição de Max força seja o elemento que distingue o Weber: "Por Estado se há de entender poder político das outras formas de uma empresa institucional de caráter poder, isso não significa que ele se político onde o aparelho administrativo resolva no uso da força; tal uso é uma leva avante, em certa medida e com condição necessária, mas não suficiente êxito, a pretensão do monopólio da para a existência do poder político. Não legítima coerção física, com vistas ao é qualquer grupo social, em condições cumprimento das leis" (1, 53). Esta de usar a força, mesmo com certa definição tornou-se quase um lugar- comum da ciência política da história, para o reino sem tempo da contemporânea. utopia. Escreveram G. A. Almond e G. B. Powell Conseqüência direta da monopolização num dos manuais de ciência política da força no âmbito de um determinado mais acreditados: "Estamos de acordo território e relativas a um determinado com Max Weber em que é a força física grupo social, assim hão de ser legítima que constitui o fio condutor da consideradas algumas características ação do sistema político, ou seja, lhe comumente atribuídas ao poder político confere sua particular qualidade e e que o diferenciam de toda e qualquer importância, assim como sua coerência outra forma de poder: a exclusividade, como sistema. As autoridades políticas, a universalidade e a inclusividade. Por e somente elas, possuem o direito, tido exclusividade se entende a tendência como predominante, de usar a coerção revelada pelos detentores do poder e de impor a obediência apoiados nela. político ao não permitirem, no âmbito de seu domínio, a formação de grupos Quando falamos de sistema político, armados independentes e ao referimo-nos também a todas as debelarem ou dispersarem os que interações respeitantes ao uso ou à porventura se vierem formando, assim ameaça de uso de coerção física como ao iludirem as infiltrações, as legítima". A supremacia da força física ingerências ou as agressões de grupos como instrumento de poder em relação políticos do exterior. Esta característica a todas as outras formas (das quais as distingue um grupo político organizado mais importantes, afora a força física, da "societas" de "latrones" (o são o domínio dos bens, que dá lugar "latrocinium" de que falava Agostinho). ao poder econômico, e o domínio das Por universalidade se entende a idéias, que dá lugar ao poder capacidade que têm os detentores do ideológico) fica demonstrada ao poder político, e eles sós, de tomar considerarmos que, embora na maior decisões legítimas e verdadeiramente parte dos Estados históricos o eficazes para toda a coletividade, no monopólio do poder coativo tenha concernente à distribuição e destinação buscado e encontrado seu apoio na dos recursos (não apenas econômicos). imposição das idéias ("as idéias Por inclusividade se entende a dominantes", segundo a bem conhecida possibilidade de intervir, de modo afirmação de Marx, "são as idéias da imperativo, em todas as esferas classe dominante"), dos deuses pátrios possíveis da atividade dos membros do à religião civil, do Estado confessional à grupo e de encaminhar tal atividade ao religião de Estado, e na concentração e fim desejado ou de a desviar de um fim na direção das atividades econômicas não desejado, por meio de instrumentos principais, há todavia grupos políticos de ordenamento jurídico, isto é, de um organizados que consentiram a conjunto de normas primárias desmonopolização do poder ideológico destinadas aos membros do grupo e de e do poder econômico; um exemplo normas secundárias destinadas a disso está no Estado liberal- funcionários especializados, com democrático, caracterizado pela autoridade para intervir em caso de liberdade de opinião, se bem que violação daquelas. Isto não quer dizer dentro de certos limites, e pela que o poder político não se imponha pluralidade dos centros de poder limites. Mas são limites que variam de econômico. Não há grupo social uma formação política para outra: um organizado que tenha podido até hoje Estado autocrático estende o seu poder consentir a desmonopolização do poder até à própria esfera religiosa, enquanto coativo, o que significaria nada mais que o Estado laico pára diante dela; um nada menos que o fim do Estado e que, Estado coletivista estenderá o próprio como tal, constituiria um verdadeiro e poder à esfera econômica, enquanto autêntico salto qualitativo, à margem que o Estado liberal clássico dela se retrairá. O Estado todo-abrangente, ou hajam alguma vez proposto... Só se seja, o Estado a que nenhuma esfera da pode, portanto, definir o caráter político atividade humana escapa, é o Estado de um grupo social pelo meio... que não totalitário, que constitui, na sua lhe é certamente exclusivo, mas é, em natureza de caso-limite, a sublimação todo o caso, específico e indispensável da Política, a politização integral das à sua essência: o uso da força" (1, 54). relações sociais.
Esta rejeição do critério teleológico não
V. O FIM DA POLÍTICA. impede, contudo, que se possa falar corretamente, quando menos, de um Uma vez identificado o elemento fim mínimo na Política: a ordem pública específico da Política no meio de que se nas relações internas e a defesa da serve, caem as definições teleológicas integridade nacional nas relações de tradicionais que tentam definir a um Estado com os outros Estados. Este Política pelo fim ou fins que ela fim é o mínimo, porque é a conditio sine persegue. A respeito do fim da Política, qua non para a consecução de todos os a única coisa que se pode dizer é que, demais fins, conciliável, portanto, com se o poder político, justamente em eles. Até mesmo o partido que quer a virtude do monopólio da força, constitui desordem, a deseja, não como objetivo o poder supremo num determinado grupo social, os fins que se pretende final, mas como fator necessário para a mudança da ordem existente e criação alcançar pela ação dos políticos são de uma nova ordem. Além disso, é lícito aqueles que, em cada situação, são falar da ordem como fim mínimo da considerados prioritários para o grupo Política, porque ela é, ou deveria ser, o (ou para a classe nele dominante): em resultado imediato da organização do épocas de lutas sociais e civis, por poder coativo, porque, por outras exemplo, será a unidade do Estado, a palavras, esse fim, a ordem, está concórdia, a paz, a ordem pública, etc.; totalmente unido ao meio, o monopólio em tempos de paz interna e externa, da força: numa sociedade complexa, será o bem-estar, a prosperidade ou a fundamentada na divisão do trabalho, potência; em tempos de opressão por na estratificação de categorias e parte de um Governo despótico, será a classes, e em alguns casos também na conquista dos direitos civis e políticos; justaposição de gentes e raças em tempos de dependência de uma diversas, só o recurso à força impede, potência estrangeira, a independência em última instância, a desagregação do nacional. Isto quer dizer que a Política grupo, o regresso, como diriam os não tem fins perpetuamente antigos, ao Estado de natureza. Tanto é estabelecidos, e muito menos um fim assim que, no dia em que fosse possível que os compreenda a todos e que possa uma ordem espontânea, como a ser considerado como o seu verdadeiro imaginaram várias escolas econômicas fim: os fins da Política são tantos e políticas, dos fisiocratas aos quantas são as metas que um grupo anarquistas, ou os próprios Marx e organizado se propõe, de acordo com Engels na fase do comunismo os tempos e circunstâncias. Esta plenamente realizado, não haveria mais insistência sobre o meio, e não sobre o política propriamente falando. fim, corresponde, aliás, à communis opinio dos teóricos do Estado, que Quem examinar as definições excluem o fim dos chamados elementos teleológicas tradicionais de Política, não constitutivos do mesmo. Fala mais uma tardará a observar que algumas delas vez por todos Max Weber: "Não é não são definições descritivas, mas possível definir um grupo político, nem prescritivas, pois não definem o que é tampouco o Estado, indicando o alvo da concreta e normalmente a Política, mas sua ação de grupo. Não há nenhum indicam como é que ela deveria ser escopo que os grupos políticos não se para ser uma boa Política; outras diferem apenas nas palavras (as díspares, para delas se poderem tirar palavras da linguagem filosófica são indicações úteis para a identificação do não raro intencionadamente obscuras) fim específico da política. da definição aqui apresentada. Toda Outro modo de fugir às dificuldades de história da filosofia política está repleta uma definição teleológica de Política é o de definições normativas, a começar de a definir como uma forma de poder pela aristotélica: como é bem que não tem outro fim senão o próprio conhecido, Aristóteles afirma que o fim poder (onde o poder é, ao mesmo da Política não é viver, mas viver bem tempo, meio e fim, ou, como se diz, fim (Política, l278b). Mas em que consiste em si mesmo). "O caráter político da uma vida boa? Como é que ela se ação humana", escreve Mário Albertini, distingue de uma vida má? E, se uma "torna-se patente, quando o poder se classe política oprime os seus súditos, converte em fim, é buscado, em certo condenando-os a uma vida sofrida e sentido, por si mesmo, e constitui o infeliz, será que não faz Política, será objeto de uma atividade específica" (p. que o poder que ela exerce não é um 9), diversamente do que acontece com poder político? O próprio Aristóteles o médico, que exerce o próprio poder distingue as formas puras de Governo sobre o doente para o curar, ou com o das formas deturpadas, coisa que já rapaz que impõe seu jogo preferido aos antes dele fizera Platão e haviam de companheiros, não pelo prazer de fazer, durante vinte séculos, muitos exercer o poder, mas de jogar. A este outros escritores políticos: conquanto o modo de definir a Política se poderá que distingue as formas deturpadas das objetar que ele não define tanto uma formas puras, seja que nestas a vida forma específica de poder quanto uma não é boa, nem Aristóteles, nem todos maneira específica de o exercer, os escritores que lhe sucederam, lhes ajustando-se, por isso, igualmente bem negaram nunca o caráter de a qualquer forma de poder, seja o poder constituições políticas. Não nos iludam econômico, seja o poder ideológico, outras teorias tradicionais que atribuem seja qualquer outro poder. O poder pelo à Política fins diversos do da ordem, poder é um modo deturpado do como o bem comum (o mesmo exercício de qualquer forma de poder, Aristóteles e, depois dele, o que pode ter como sujeito tanto quem aristotelismo medieval) ou a justiça exerce o grande poder, qual o político, (Platão): um conceito como o de bem quanto quem exerce o pequeno, como comum, quando o quisermos o do pai de família ou o do chefe de desembaraçar da sua extrema seção que supervisiona uma dezena de generalidade, pela qual pode significar operários. A razão pela qual pode tudo ou nada, e lhe quisermos atribuir parecer que o poder como fim em si um significado plausível, ele nada mais mesmo seja característico da Política poderá designar senão aquele bem que (mas seria mais exato dizer de um certo todos os membros de um grupo homem político, do homem partilham e que não é mais que a maquiavélico), reside no fato de que convivência ordenada, numa palavra, a não existe um fim tão específico na ordem; pelo que toca à justiça Política como o que existe no poder que platônica, se a entendermos, o médico exerce sobre o doente ou no desvanecidos todos os fumos retóricos, do rapaz que impõe o jogo aos seus como o princípio segundo o qual é bom companheiros. Se o fim da Política, e que cada um faça o que lhe incumbe não do homem político maquiavélico, dentro da sociedade como um todo fosse realmente o poder pelo poder, a (República, 433a), justiça e ordem são a Política não serviria para nada. E mesma coisa. Outras noções de fim, provável que a definição da Política como felicidade, liberdade, igualdade, como poder pelo poder derive da são demasiado controversas e confusão entre o conceito de poder e o interpretáveis dos modos mais de potência: não há dúvida de que entre os fins da Política está também o reservando ao Governo o direito de da potência do Estado, quando se indicar o inimigo externo... É, pois, claro considera a relação do próprio Estado que a oposição amigo-inimigo é com os outros Estados. Mas uma coisa politicamente fundamental" (p. 445). é uma Política de potência e outra o Não obstante pretender servir de poder pelo poder. Além disso, a definição global do fenômeno político, a potência não é senão um dos fins definição de Schmitt considera a possíveis da Política, um fim que só Política de uma perspectiva unilateral, alguns Estados podem razoavelmente se bem que importante, que é a perseguir. daquele tipo particular de conflito que caracterizaria a esfera das ações políticas. Por outras palavras, Schmitt e VI. A POLÍTICA COMO RELAÇÃO Freund parecem estar de acordo nestes AMIGO-INIMIGO. pontos: a Política tem que avir-se com Entre as mais conhecidas e discutidas os conflitos humanos; há vários tipos de definições de Política, conta-se a de conflitos, há principalmente conflitos Carl Schmitt (retomada e desenvolvida agonísticos e antagonísticos; a Política por Julien Freund), segundo a qual a cobre a área em que se desenrolam os esfera da Política coincide com a da conflitos antagonísticos. Que esta seja a relação amigo-inimigo. Com base nesta perspectiva dos autores citados parece definição, o campo de origem e de não caber dúvida. Escreve Schmitt: "A aplicação da Política seria o oposição política é a mais intensa e antagonismo e a sua função consistiria extrema de todas e qualquer outra na atividade de associar e defender os oposição concreta será tanto mais amigos e de desagregar e combater os política quanto mais se aproximar do inimigos. Para dar maior força à sua ponto extremo, o do agrupamento definição, baseada numa oposição baseado nos conceitos amigo-inimigo" fundamental, amigo-inimigo, Schmitt a (p. 112). De igual modo Freund: "Todo o compara às definições de moral, de desencontro de interesses. . . pode, em arte, etc., fundadas também em qualquer momento, transformar-se em oposições fundamentais, como bom- rivalidade ou em conflito, e tal conflito, mau, belo-feio, etc. "A distinção política desde o momento que assuma o específica a que é possível referir as aspecto de uma prova de força entre os ações e os motivos políticos, é a grupos que representam esses distinção de amigo e inimigo... Na interesses, ou seja, desde o momento medida em que não for derivável de que se afirme como uma luta de poder, outros critérios, ela corresponderá, para tornar-se-á político" (p. 479). Como se a Política, aos critérios relativamente vê pelas passagens citadas, o que têm autônomos das demais oposições: bom em mente estes autores, quando e mau para a moral, belo e feio para a definem a Política baseados na estética, e por aí afora" (p. 105). Freund dicotomia amigo-inimigo, é que existem se expressa enfaticamente nestes conflitos entre os homens e entre os termos: "Enquanto houver política, ela grupos sociais, e que entre esses dividirá a coletividade em amigos e conflitos há alguns diferentes de todos inimigos" (p. 448). E explica: "Quanto os outros pela sua particular mais uma oposição se desenvolver no intensidade; é a esses que eles dão o sentido da distinção amigo-inimigo, nome de conflitos políticos. Mas, tanto mais ela se tornará política. É quando se procura compreender em característico do Estado eliminar, que é que consiste essa particular dentro dos limites da sua competência, intensidade e, por conseguinte, em que a divisão dos seus membros ou grupos é que a relação amigo-inimigo se internos em amigos e inimigos, não distingue de todas as outras relações tolerando senão as simples rivalidades conflitantes de intensidade não igual, agonísticas ou as lutas dos partidos, e logo se nota que o elemento distintivo está em que se trata de conflitos que, espiritual ao poder temporal, o que era em última instância, só podem ser desconhecido do mundo antigo. De resolvidos pela força ou justificam, pelo outro, com o surgir da economia menos, o uso da força pelos mercantil burguesa, foi subtraído à contendores para pôr fim à luta. O esfera da Política o domínio das conflito por excelência de que tanto relações econômicas, originando-se a Schmitt como Freund extrapolaram sua contraposição (para usarmos a definição de Política, é a guerra, cujo terminologia hegeliana, herdada de conceito compreende tanto a guerra Marx e hoje de uso comum) da externa quanto a interna. Ora, se uma sociedade civil à sociedade política, da coisa é certa, é que a guerra constitui esfera privada ou do burguês à esfera uma espécie de conflito eminentemente pública ou do cidadão, coisa que caracterizado pelo uso da força. Mas, se também era ignorada do mundo antigo. isso é verdade, a definição de Política Enquanto a filosofia política clássica se em termos de amigo-inimigo não é de baseia no estudo da estrutura da pólis e modo algum incompatível com a das suas variadas formas históricas ou definição antes apresentada, que se ideais, a filosofia política pós-clássica se refere ao monopólio da força. Não só caracteriza pela contínua busca de uma não é incompatível, como é uma delimitação do que é político (o reino de especificação da mesma e, em última César) do que não é político (quer seja análise, sua confirmação. É justamente o reino de Deus, quer seja o de na medida em que o poder político se Mammona), por uma contínua reflexão distingue do instrumento de que se sobre o que distingue a esfera da serve para atingir os próprios fins e em Política da esfera da não-Política, o que tal instrumento é a força física, que Estado do não-Estado, onde por esfera ele é o poder a que se recorre para da não-Política ou do não-Estado se resolver os conflitos cuja não solução entende, conforme as circunstâncias, acarretaria a decomposição do Estado e ora a sociedade religiosa (a ecclesia da ordem internacional: são os conflitos contraposta à civitas), ora a sociedade em que, confrontados os contendores natural (o mercado como lugar em que como inimigos, a vita mea é a mors tua. os indivíduos se encontram independentemente de qualquer imposição, contraposto ao ordenamento VII. O POLÍTICO E O SOCIAL. coativo do Estado). O tema Contrastando com a tradição clássica, fundamental da filosofia política segundo a qual a esfera da Política, moderna é o tema dos limites, umas entendida como esfera do que diz vezes mais restritos, outras vezes mais respeito à vida da pólis, compreende amplos conforme os autores e as toda a sorte de relações sociais, tanto escolas, do Estado como organização que o "político" vem a coincidir com o da esfera política, seja em relação à "social", a doutrina exposta sobre a sociedade religiosa, seja em relação à categoria da Política é certamente sociedade civil (entendida como limitativa: reduzir, como se fez, a sociedade burguesa ou dos privados). categoria da Política à atividade direta ou indiretamente relacionada com a É exemplar também sob este aspecto a organização do poder coativo é teoria política de Hobbes, articulada em restringir o âmbito do "político" quanto torno de três conceitos fundamentais ao "social", é rejeitar a plena que constituem as três partes em que coincidência de um com o outro. Esta se divide a matéria do De Cive. Estas limitação baseia-se numa razão partes são assim denominadas: libertas, histórica bem-definida. De um lado, o potestas, religio. O problema cristianismo subtraiu à esfera da fundamental do Estado e, por Política o domínio da vida religiosa, conseguinte, da Política é, para Hobbes, dando origem à contraposição do poder o problema das relações entre a potestas simbolizada no grande Leviatã, política, o problema da relação entre por um lado, e a libertas e a religio, por Política e moral. A Política e a moral outro: a libertas designa o espaço das estendem-se pelo mesmo domínio relações naturais, onde se desenvolve a comum, o da ação ou da práxis atividade econômica dos indivíduos, humana. Pensa-se que se distinguem estimulada pela incessante disputa pela entre si em virtude de um princípio ou posse dos bens materiais, o Estado de critério diverso de justificação e natureza (interpretado recentemente avaliação das respectivas ações, e que, como prefiguração da sociedade de em conseqüência disso, o que é mercado); a religio indica o espaço obrigatório em moral, não se pode dizer reservado à formação e expansão da que o seja em Política, e o que é lícito vida espiritual, cuja concretização em Política, não se pode dizer que o histórica se dá na instituição da Igreja, seja em moral; pode haver ações isto é, duma sociedade que, por sua morais que são impolíticas (ou natureza, se distingue da sociedade apolíticas) e ações políticas que são política e não pode ser com ela imorais (ou amorais). A descoberta da confundida. Relacionados com esta distinção que é atribuída, injustificada dupla delimitação dos confins da ou justificadamente a Maquiavel (daí o Política, surgem na filosofia política nome de maquiavelismo dado a toda a moderna dois tipos ideais de Estado: o teoria política que sustenta e defende a Estado absoluto e o Estado liberal, separação da Política da moral), é aquele com tendência a estender, este geralmente apresentada como com tendência a limitar a própria problema da autonomia da Política. Este ingerência em relação à sociedade problema acompanha pari passu a econômica e à sociedade religiosa. Na formação do Estado moderno e sua filosofia política do século passado, o gradual emancipação da Igreja, que processo de emancipação da sociedade chegou até, em casos extremos, à quanto ao Estado avançou tanto que, subordinação desta ao Estado e, por primeira vez, foi por muitos conseqüentemente, à absoluta aventada a hipótese da desaparição do supremacia da Política. Na realidade, o Estado num futuro mais ou menos que se chama autonomia da Política remoto e da conseqüente absorção do não é outra coisa senão o político pelo social, ou seja, do fim da reconhecimento de que o critério Política. Conforme o que se disse até segundo o qual se julga boa ou má uma aqui sobre o significado restritivo de ação política (não se esqueça que, por Política (restritivo em relação ao ação política, se entende, em conceito mais amplo de "social"), fim da concordância com o que se disse até Política significa exatamente fim de aqui, uma ação que tem por sujeito ou uma sociedade para cuja coesão sejam objeto a pólis) é diferente do critério indispensáveis as relações de poder segundo o qual se considera boa ou má político, isto é relações de domínio uma ação moral. Enquanto o critério fundadas, em última instância, no uso segundo o qual se julga uma ação da força. Fim da Política não significa, moralmente boa ou má é o do respeito bem entendido, fim de toda a forma de a uma norma cuja preceituação é tida organização social. Significa, pura e por categórica, independentemente do simplesmente, fim daquela forma de resultado da ação ("faz o que deves, organização social que se rege pelo uso aconteça o que acontecer"), o critério exclusivo do poder coativo. segundo o qual se julga uma ação politicamente boa ou má é pura e simplesmente o do resultado ("faz o VIII. POLÍTICA E MORAL. que deves, a fim de que aconteça o que Ao problema da relação entre Política e desejas"). Ambos os critérios são não-Política, está vinculado um dos incomensuráveis. Esta problemas fundamentais da filosofia incomensurabilidade está expressa na afirmação de que, em Política, o que coerência da ação com a intenção; para vale é a máxima de que "o fim justifica o segundo o que importa é a certeza e os meios", máxima que encontrou em fecundidade dos resultados. A chamada Maquiavel uma das suas mais fortes imoralidade da Política assenta, bem expressões: "... e nas ações de todos os vistas as coisas, numa moral diferente homens, e máxime dos príncipes, da do dever pelo dever: é a moral pela quando não há indicação à qual apelar, qual devemos fazer tudo o que está ao se olha ao fim. Faça, pois, o príncipe por nosso alcance para realizar o fim que vencer e defender o Estado: os meios nos propusemos, pois sabemos, desde serão sempre considerados honrosos e início, que seremos julgados com base por todos louvados" (Príncipe, XVIII). no sucesso. Entram aqui dois conceitos Mas, em moral, a máxima maquiavélica de virtude, o clássico, para o qual não vale, já que uma ação, para ser "virtude" significa disposição para o julgada moralmente boa, há de ser bem moral (contraposto ao útil), e o praticada não com outro fim senão o de maquiavélico, para o qual a virtude é a cumprir o próprio dever. capacidade do príncipe forte e sagaz que, usando conjuntamente das artes da raposa e do leão, triunfa no intento Uma das mais convincentes de manter e consolidar o próprio interpretações desta oposição é a domínio. distinção weberiana entre ética da convicção e ética da responsabilidade: "... há uma diferença insuperável entre IX. A POLÍTICA COMO ÉTICA DO o agir segundo a máxima da ética da GRUPO. convicção, que em termos religiosos Quem não quiser ficar apenas na soa assim: 'O cristão age como justo e constatação da incomensurabilidade deixa o resultado nas mãos de Deus', e destas duas éticas e queira procurar o agir segundo a máxima da ética da entender a razão pela qual o que é responsabilidade, conforme a qual é justificado num certo contexto não o é preciso responder pelas conseqüências em outro, deve perguntar ainda onde é previsíveis das próprias ações" (La que reside a diferença entre esses dois politica come professione, in II lavoro contextos. A resposta é a seguinte: o intellettuale come professione, Torino, critério da ética da convicção é 1948, p. 142). O universo da moral e o geralmente usado para julgar as ações da Política movem-se no âmbito de dois individuais, enquanto o critério da ética sistemas éticos diferentes e até mesmo da responsabilidade se usa contrapostos. Mais que de imoralidade ordinariamente para julgar ações de da Política e de impoliticidade da moral grupo, ou praticadas por um indivíduo, se deveria mais corretamente falar de mas em nome e por conta do próprio dois universos éticos que se movem grupo, seja ele o povo, a nação, a segundo princípios diversos, de acordo Igreja, a classe, o partido, etc. Poder-se- com as diversas situações em que os á também dizer, por outras palavras, homens se encontram e agem. Destes que, à diferença entre moral e Política, dois universos éticos são ou entre ética da convicção e ética da representantes outros tantos responsabilidade, corresponde também personagens diferentes que atuam no a diferença entre ética individual e ética mundo seguindo caminhos quase de grupo. A proposição de que o que é sempre destinados a não se obrigatório em moral não se pode dizer encontrarem: de um lado está o homem que o seja em Política, poderá ser de fé, o profeta, o pedagogo, o sábio traduzida por esta outra fórmula: o que que tem os olhos postos na cidade é obrigatório para o indivíduo não se celeste, do outro, o homem de Estado, pode dizer que o seja para o grupo de o condutor de homens, o criador da que o indivíduo faz parte. Pensemos cidade terrena. O que conta para o quão profunda é a diferença de juízo primeiro é a pureza de intenções e a dos filósofos, teólogos e moralistas Que o Estado tenha razões que o acerca da violência, quando o ato indivíduo não tem ou não pode fazer violento é praticado só pelo indivíduo valer é outro dos modos de evidenciar a ou pelo grupo social de que ele faz diferença entre Política e moral, quando parte, ou, por outras palavras, quando tal diferença se refere aos diversos se trata de violência pessoal que, afora critérios segundo os quais se os casos excepcionais, é geralmente consideram boas ou más as ações condenada, e quando se trata de desses dois campos. A afirmação de violência das instituições que, afora os que a Política é a razão do Estado casos excepcionais, é geralmente encontra perfeita correspondência na justificada. Esta diferença tem a sua afirmação de que a moral é a razão do explicação no fato de que, no caso de indivíduo. São duas razões que quase violência individual, não se pode nunca se encontram: é até desse recorrer quase nunca ao critério de contraste que se tem valido a história justificação da extrema ratio (salvo secular do conflito entre moral e quando em legítima defesa), ao passo Política. O que ainda é necessário que, nas relações entre grupos, o acrescentar é que a razão de Estado recurso à justificação da violência como não é senão um aspecto da ética de extrema ratio é usual. Ora, a razão por grupo, conquanto o mais evidente, que a violência individual não se quando menos porque o Estado é a justifica funda-se precisamente no fato coletividade em seu mais alto grau de de que ela está, por assim dizer, expressão e de potência. Sempre que protegida pela violência coletiva, tanto um grupo social age em própria defesa que é cada vez mais raro, quase contra outro grupo, se apela a uma impossível, que o indivíduo se venha a ética diversa da geralmente válida para encontrar na situação de ter de recorrer os indivíduos, uma ética que responde à à violência como extrema ratio. Se isto mesma lógica da razão de Estado. é verdadeiro, resultará daqui uma Assim, ao lado da razão de Estado, a conseqüência importante: a não história nos aponta, consoante as justificação da violência individual circunstâncias de tempo e lugar, ora assenta, em última instância, no fato de uma razão de partido, ora uma razão de ser aceita, porque justificada, a classe ou de nação, que representam, violência coletiva. Por outras palavras, sob outro nome, mas com a mesma não há necessidade da violência força e as mesmas conseqüências, o individual, porque basta a violência princípio da autonomia da Política, coletiva: a moral pode resolver ser tão entendida como autonomia dos severa com a violência individual, princípios e regras de ação que valem porque se fundamenta na aceitação de para o grupo como totalidade, em uma convivência que se rege pela confronto com as que valem para o prática contínua da violência coletiva. indivíduo dentro do grupo. O contraste entre moral e Política, entendido como contraste entre ética individual e ética de grupo, serve também para ilustrar e explicar a secular disputa existente em torno à "razão de Estado". Por "razão de Estado" se entende aquele conjunto de princípios e máximas segundo os quais ações que não seriam justificadas, se praticadas só pelo indivíduo, são não só justificadas como também por vezes exaltadas e glorificadas se praticadas pelo príncipe ou por quem quer que exerça o poder em nome do Estado.