Ao longo da história da educação no Brasil, os planos pedagógicos propostos sempre
foram campo de disputa de ideias, objetivos e intencionalidades. De acordo com Fonseca (2009), as políticas educacionais sofreram influências tanto das propostas de movimentos sociais quanto das políticas oficiais dos governos brasileiros. Além disso, por conta dessa dinâmica, o significado de qualidade da educação é múltiplo, podendo expressar ideais humanistas, com o foco na emancipação dos sujeitos, ou puramente se adequar às demandas do mercado, formando trabalhadores e consumidores aptos. Na década de 60, foi promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Os planos educacionais dessa época tinham como principal objetivo a democratização da escola e a igualdade de acesso ao ensino para todos. Os pioneiros apoiavam uma pedagogia que incentivasse a individualização por meio da criatividade e da autonomia. Porém, essas propostas nunca chegaram a ser realmente aplicadas por conta da chegada do Estado Novo e do fechamento do Congresso. A partir daí, então, as políticas educacionais desse novo governo foram propostas. O principal objetivo era a formação para o trabalho e a disciplinarização dos corpos e mentes, dentre outros valores que serviam ao caráter pragmático do governo, propondo uma educação diferente para setores diferentes da sociedade. Esses planos sofreram resistência pelos educadores e outros segmentos da sociedade e não foram aprovados, mas seu tom autoritário e doutrinador permaneceu em outros planos de educação brasileira. Nos governos seguintes de Kubistchek e Goulart, os planos educacionais se adequavam à ideias vigentes da teoria do capital humano e com foco na formação de mão de obra. Desta forma, uma educação considerada de qualidade era aquela que se adequasse melhor as demandas do mercado de trabalho. Por outro lado, os educadores ganharam mais espaço em fóruns nacionais para debater ideias contrárias sobre a qualidade da educação. Para eles, a escola deveria ser um espaço de emancipação, não apenas de aprendizados técnicos. No fundo, ambas as propostas se preocupavam em suprir e superar o estado de defasagem do país, mas enquanto os governos vigentes encontravam uma saída no crescimento econômico, algo comum nos governos brasileiros, os educadores enxergavam um potencial maior na educação, que deveria ter como objetivo criar cidadãos conscientes e capazes de pensamento crítico, algo que, provavelmente, não seria de interesse das elites dominantes e, assim, para o governo. No conseguinte governo militar, o plano de metas do governo Kubitschek foi revisto para ajustá-lo a realidade brasileira (FONSECA, 2009, p. 258), mas o caráter técnico e com foco no crescimento econômico perduraram. Além disso, havia um princípio de padronização nos planos educacionais dos governos militares. Foi nesse momento, principalmente a partir da década de 80, que o Banco Mundial (BIRD) passou a ter um papel decisivo na agenda educacional brasileira. É interessante observar o surgimento de termos comumente associados à esfera da economia nos documentos oficiais de educação, como clientela e gerentes algo que, muito provavelmente, tem a ver com as teorias de capital humano. As parecerias internacionais entraram em conflito com os educadores na época da Nova República. O ensino médio foi central nos debates, que envolveram a participação de educadores, sindicatos, partidos políticos, entre outros, o que gerou um conceito de qualidade que se distanciou um pouco dos conceitos anteriores, algo que faz sentido para a promoção de um governo que seria a “Nova” República, se distanciando dos governos ditatoriais passados. Além disso, foi proposta a criação de um método sistemático de avaliação do impacto de programas como o EDUTEC e o EDURURAL, executados por uma pareceria entre o MEC e o Banco Mundial. Em 1990, no governo Collor de Melo, o plano educacional assume que se mediria a qualidade educacional de acordo com o cumprimento ou não de objetivos que pudessem ser quantitativamente avaliados, dando o tom neoliberalista. Por conta disso, nesse contexto, “o conhecimento escolar só é [considerado] válido quando descreve dados objetivos, livres de dados objetivos, livres de valoração e de criticidade, porquanto seu objetivo é a formação profissional adaptada ao mercado de trabalho vigente” (FONSECA, 2009, p. 167). Ademais, a década de 90 foi marcada por um crescimento das exigências do campo tecnológico, por conta da chamada Revolução Informacional. No governo de Fernando Henrique Cardoso, o tom neoliberal continuou imperando, principalmente por conta da substituição da administração política burocrática pela administração gerencial. A qualidade educacional, então, também assumiria qualidades neoliberais, como a valorização da competitividade e da gestão educacional, além da meritocracia, caracterizada pela ampliação da educação fundamental. O ensino médio sofreu uma reforma, sendo separado em ensino médio com conteúdos gerais e o ensino médio técnico, respondendo à nova estrutura do mercado. O governo seguinte, de Luís Inácio Lula da Silva, reiterou o objetivo de universalização da educação, mas com um viés social maior do que o governo anterior, buscando reparar desigualdades históricas. Em 2007 criou o Plano de Desenvolvimento Educacional, que foi tanto criticado, principalmente no que concerne a falta de interação entre as metas do plano e com as propostas do Plano Nacional de Educação de 2001, quanto elogiado. Em suma, os planos educacionais brasileiros nas últimas quatro décadas, tem sido altamente influenciados pelos sistemas econômicos que suportaram os objetivos de desenvolvimento de cada governo. Uma forte tendência que pôde ser observada foi a da ideologia neoliberal, visto que a qualidade da educação vem sendo legitimada por meio rankings de avaliações externas, algo que se explica pela ideia dos neoliberais de que a competitividade gera qualidade. Por outro lado, deve-se também notar a importância do papel dos educadores e dos movimentos sociais, que historicamente vêm fazendo resistência à uma visão cada vez mais utilitarista da educação. A formação de trabalhadores e consumidores não deveria ser o foco principal da educação, visto que esse é um espaço que pode ser usado tanto em favor da disciplinarização dos corpos e mentes quanto em favor da criação de sujeitos cidadãos, de pensamento crítico e livre. Esses últimos, porém, geralmente não são de proveito dos governos e de influências externas, o que torna difícil a conciliação entre interesses econômicos e sociais.
REFERÊNCIAS
Fonseca, Marília. "Políticas públicas para a qualidade da educação brasileira: entre o
utilitarismo econômico e a responsabilidade social." Cadernos Cedes, Campinas 29.78 (2009): 153-177.