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Na consciência da Igreja institucional, como a CNBB, houve um avanço, que ainda não chegou
suficientemente às nossas bases paroquiais, sobretudo aquelas que não pertencem à região
amazônica. Em 2003, foi criada, na CNBB, a “Comissão episcopal pastoral especial para a
Amazônia”, com o objetivo de sensibilizar a sociedade brasileira em relação à Amazônia, seus
habitantes e sua ecologia, suas matas e suas águas. No total, são 56 dioceses. A Comissão para
a Amazônia foi responsável por encontros das pastorais sociais, do grupo Igreja e Mineração, de
15 seminários sobre a Encíclica Laudato Si. O presidente da Comissão para a Amazônia, cardeal
Claudio Hummes, tem feito um trabalho missionário extraordinário de visitar praticamente
todas as regiões da Amazônia.
Na ampliação do trabalho da Comissão fora do Brasil destaca-se a participação na criação da
Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam). A Repam foi fundada em setembro de 2014, em Brasília
(DF) através das seguintes entidades: o Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM), a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Secretariado da América Latina e Caribe de
Caritas (SELACC), a Confederação Latino-americana e Caribenha de Religiosos e Religiosas
(CLAR). O objetivo dessa rede é abrir caminhos de diálogo e de solidariedade entre as igrejas
locais na região e repensar “novos caminhos” para as relações de proximidade com as
populações e com o meio ambiente. A Repam abrange os nove países que formam a Bacia
Amazônica: Brasil, Bolívia, Peru, Colômbia, Equador, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e
Suriname. O trabalho da Repam tem três frentes: o mapeamento da realidade, a formação das
comunidades e das lideranças, e a comunicação, que é um desafio pela grande extensão
geográfica.
3. O Sínodo quer buscar caminhos e dar um rosto amazônico à Igreja. Que caminhos são estes?
Qual deve ser o rosto de uma Igreja Amazônica?
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Quando o papa propõe, no subtítulo que ele escolheu para o Sínodo da Amazônia, “novos
caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”, deve ser porque os antigos caminhos não
deram certo. Não deram certo por causa das distâncias e por causa da diversidade. Em muitas
comunidades se celebra uma ou duas vezes por ano a Eucaristia e o rosto dessas celebrações é
muito mais romano do que amazônico. Dar um rosto amazônico à Igreja significa descolonizar a
Igreja.
4. Quais as consequências práticas que este Sínodo pode trazer à realidade pastoral, litúrgica
e clerical das comunidades?
5. O Vade Mecum fala que a Igreja precisa assumir transformações com espírito profético para
o bem do povo de Deus? Que transformações seriam essas?
Não vamos nos conformar com as ameaças de vida aos povos amazônicos nem com a destruição
de seu meio-ambiente, que é sua fonte de vida. Novamente vamos ouvir a voz do Papa
Francisco, em Puerto Maldonado: “Provavelmente, nunca os povos originários amazônicos
estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora. A Amazônia é uma terra
disputada em várias frentes, [...] de grandes interesses econômicos cuja avidez se centra no
petróleo, gás, madeira, ouro e monoculturas agroindustriais”. Nossa solidariedade, nossa
denúncia profética e nosso anúncio evangélico fazem parte do nosso ser cristão e da nossa
“conversão pastoral” (EG 27, 32), que é uma “conversão permanente” (DAp 382). O Capítulo I,
da EG, é integralmente dedicado “à transformação missionária da Igreja” (EG 20-49.
6. Quais são as características de uma Igreja em saída? A Igreja católica brasileira é hoje uma
Igreja em saída, como pede a Exortação Apostólica Evangelli Gaudium?
A “Igreja em saída” (EG 20ss) é uma Igreja missionária, que tem suas portas abertas para o outro
e os pobres entrarem e para “sair da própria comodidade” para “as periferias que precisam da
luz do Evangelho” (EG 20). A Igreja em saída é um horizonte, uma dinâmica de caminhar e
semear “sempre mais além” (EG 21). Quanto mais nos aproximamos ao horizonte mais ele se
afasta. Para ser uma Igreja em saída, precisamos crescer em simplicidade, proximidade,
despojamento e transparência até alcançar a “sobriedade feliz” (LS 224). A saída, o Êxodo, é um
convite permanente da vida cristã. A Igreja católica brasileira é constituída por setores que são
Igreja em saída e por setores que são Igreja mais preocupada com seus próprios problemas.
Precisamos todos aprender que a solução dos problemas internos só encontramos “em saída”.
Na reforma das estruturas da Igreja não se trata de comprar carros mais sofisticados ou
helicópteros, mas reestruturar a Igreja para garantir uma presença permanente dos ministros e
das ministras, ordenadas ou não, nas comunidades. O que me parece necessário é presença nas
comunidades e não só visitas. É preciso “saber gastar tempo” com as comunidades e encarnar-
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se na vida delas. Isso exige descentralizar a pastoral em função das grandes distâncias
geográficas e pastorais da região.
Precisamos voltar à simplicidade das origens. É bom lembrar o trabalho missionário de São
Paulo. Ele ficou alguns meses nas comunidades, ensinou a palavra de Deus e criou estruturas
ministeriais até o dia de partida para outra comunidade. Nunca deixou uma comunidade, sem
autorizar um membro dessa comunidade para celebrar a Eucaristia. A exemplo de Jesus, na
época, geralmente, os escolhidos foram homens, porque se tratou de uma cultura patriarcal.
Numa cultura matriarcal, com certeza teria deixado mulheres como ministras da Eucaristia.
Quem leva hoje, na ausência de padres, o trabalho pastoral adiante são as mulheres. O Sínodo
pode e deve voltar à prática de São Paulo e decidir que, por motivos pastorais, homens
provados, na pastoral de uma comunidade, podem ser celebrantes da Eucaristia. Infelizmente,
por causa da unidade da Igreja, vai ser difícil, neste momento, discutir o sacerdócio das
mulheres. Na perspectiva de certa gradualidade das soluções, o que se poderia discutir hoje,
seria o diaconato feminino.
9. Uma das propostas deste Sínodo, ao me parece, é de buscar que a Igreja seja também – ou
continue – sendo aquela que denuncia as injustiças a que os mais pobres estão submetidos.
Está certo? Podemos admitir que há “setores” da Igreja não comprometidos com os mais
pobres e vulneráveis?
O fato que a “opção pelos pobres” sempre presente em documentos ou discursos eclesiais
mostra, que há “setores” da Igreja não comprometidos com os mais pobres e vulneráveis. Quem
foi realmente radical com a opção pelos pobres foi São Francisco. Nós, da classe média na Igreja,
e, às vezes os próprios pobres - os ricos nem comento -, somos todos devedores diante dessa
opção. A Igreja sempre se autodenomina como Igreja santa e pecadora.
10. Pensando nos povos que vivem na Amazônia... são muitos os conflitos de terra, o Cimi e a
CPT denunciam diuturnamente essa realidade. Esse trabalho é exclusivo a essas entidades?
Deveria a Igreja ser mais ativa nessa denúncia?
11. Pensando nos indígenas... há uma onda de criminalização dos povos indígenas que fazem
suas autodeterminações de terra. Como o senhor avalia essa realidade?
A demarcação das terras indígenas é um compromisso que o Estado brasileiro assumiu em sua
Constituição Federal de 1988. Os povos indígenas cobram do Estado apenas seu direito. Aliás,
na demarcação dos territórios indígenas trata-se de uma devolução de terras indígenas aos seus
primeiros proprietários. Os povos indígenas querem apenas terra necessária para viver, não para
vender ou fazer negócios.
12. Como se dá ou deve ser o trabalho de evangelização junto aos indígenas? Ainda há a
conversão como objetivo? O Sínodo buscará respostas para isso?
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Precisa-se levar em conta a situação histórica em que as respectivas comunidades vivem. Umas
são católicas, há séculos, e querem viver sua religião católica. Outros são evangélicas e querem
viver sua crença evangélica. Ainda outras vivem a sua religião original e querem viver sua religião
original. Nós não temos o direito de fazer proselitismo, de menosprezar a religião do outro ou
de aliciar para “conversões”. A religião melhor para este momento histórico, os próprios povos
devem resolver. A autodeterminação religiosa, é claro, vale também nas aldeias indígenas. O
Vaticano II, na sua Declaração Nostra Aetate, sobre as relações da Igreja com as religiões não-
cristãs, deixou isso claro.
13. O senhor fala em seu artigo “Sínodo para a Amazônia e o Mundo Vade Mecum para uma
agenda Mínima”, de uma busca da descolonialidade teológico-pastoral... poderia explicar?
O Sínodo para Amazônia pode ser interpretado como virada descolonial. O que contribui para a
“razão colonial” na Igreja e na sociedade? Se agora falamos de um “rosto amazônico” e um
“rosto indígena” da Igreja admitimos, que até agora obrigamos essa região a ter um outro rosto,
um rosto romano ou europeu. Colocamos, em nosso trabalho missionário, muitas vezes, uma
máscara no rosto do outro. Consideramos a missão como um braço da civilização. Hoje
compreendemos melhor que a Igreja, como se inculturou, quer dizer, como assumiu a cultura
da Palestina ou da Grécia, assim deve também assumir as culturas dos povos indígenas. O
Documento de Puebla nos esclareceu: “O que não é assumido, não é redimido” (DP 400). No
labor missionário precisamos aprender trabalhar com o culturalmente disponível, e não
importar nem impor outra cultura.
A Pastoral indígena é a pastoral na qual os próprios índios são os agentes pastorais, enquanto a
pastoral indigenista é a pastoral indígena feita por agentes não indígenas.
É claro que a exploração de recursos naturais representa uma intervenção grave na vida da
Amazônia. Em Puerto Maldonado o papa nos exortou: “Devemos romper com o paradigma
histórico que considera a Amazônia como uma despensa inesgotável dos Estados, sem ter em
conta os seus habitantes”. E Francisco recomenda “que os próprios povos originários e as
comunidades sejam os guardiões das florestas”. O Sínodo vai despertar para uma “ecologia
integral”, como o papa desenvolveu em sua “Encíclica Laudato Si – Sobre o cuidado da casa
comum”. O Sínodo não ambiciona destruir o modelo neoliberal. Este modelo vai se autodestruir,
quando se esgotarem as fontes de lucro, geradas por territórios incorporados no sistema, novas
tecnologias e a aceleração do modo de produção.
16. O Papa Francisco sempre nos convoca a uma conversão ecológica. O que seria isso?
Ao escrever “Sobre o cuidado da casa comum”, o Papa Francisco nos convida na LS a refletir
sobre o “cuidado da criação, cada um a partir da sua cultura, experiência, iniciativas e
capacidades” (LS 14). A natureza, como criação de Deus, é um dom, que devemos cuidar bem.
Mas muitos cristãos “se burlam das preocupações pelo meio ambiente. Outros são passivos, não
se decidem a mudar os seus hábitos e tornam-se incoerentes. Falta-lhes, pois, uma conversão
ecológica” (LS 217). O zelo pela criação “não é algo de opcional nem um aspecto secundário da
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experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa” (LS 217). A “conversão
ecológica faz parte da “conversão integral” de cada um de nós (cf. LS 218).