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São Luís
2013
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São Luís
2013
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_______________________________________________________
Prof.ª Dr. Cesar Augusto Castro - Orientador
Universidade Federal do Maranhão
_____________________________________________
Prof. Dr.ª Elizabeth Sousa Abrantes
Universidade Estadual do Maranhão
_____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Marize Helena de Campos
Universidade Federal do Maranhão
São Luís
2013
5
Simon Schama.
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AGRADECIMENTOS
Uma pesquisa nunca é feita a duas mãos, mas com diversas. Direta ou indiretamente, muitas
pessoas contribuíram para que este trabalho tomasse sua forma. Como um filho, sendo criado
não apenas pela mãe, mas pelo pai, tios, madrinhas e irmãos mais velhos.
Para agradecer, individualmente, a todos, levaria muito tempo e correria o infeliz risco de
esquecer algum nome. Alguns ajudaram com indicações de leituras, outros com incentivo,
alguns outros com paciência, muitos com carinho e atenção nas horas de cansaço. Muitos
outros com a ideia fixa de que “o fim estava próximo” e logo viriam as comemorações.
Assim, agradeço a todos os meus familiares, amigos, professores, colegas de curso e colegas
de trabalho. Obrigado, acima de tudo, pela compreensão, pois eu sei o quanto fiquei
estressada, muitas vezes, durante esse processo.
Por outro lado, foram momentos de muitas descobertas. Momentos esses que pretendo não
esquecer, pois me enriqueceram não apenas como pesquisadora e profissional, mas antes de
tudo, como ser humano. As descobertas feitas, as certezas desfeitas, as perguntas e,
principalmente, as respostas encontradas, me tornaram alguém muito melhor em diversos
sentidos, não há dúvidas quanto a isso.
Ao professor doutor César Augusto Castro, pela paciência, profissionalismo e interesse nesta
pesquisa, durante toda a orientação.
Por fim, a todos aqueles que lutam, discutem, vivem, sofrem, ganham e perdem, mas que não
desistem de buscar uma sociedade mais justa, mas equilibrada e com respeito para os gêneros.
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RESUMO
ABSTRACT
Study about the representations regarding women in Maranhão, in beginning of XIX century,
from the romance Úrsula written by Maria Firmina dos Reis, author from Maranhão,
objecting to note relations between the characteristics of the feminine character of this
romance and the social representations that concern women from Maranhão of this period
emphasized. During the XIX century, but not only is this time, the women were seen as
subordinate to man, as physical as intellectually. Because of this point of view, the education
and instruction that it dedicated to them, favored domestic activities, a looking for a good
wedding and motherhood as an ideal. This mentality was adjusted in a social representation
that it noted the “ideal” women as good wives and mothers, from of a natural idea of these
characteristics. Life together two social profiles strongest, Eva, the sinner and the Virgin
Mary, the saint. Based in the Christian point of view, all mentalities around the women will
assert, it helping to the social practices of class in beginning of XIX century, in Maranhão, it
had been prepared around of them. So, women that didn’t adapt themselves to life mode
desired, it corresponded to Eva, the sinner. But in other hand whose that adapt themselves to
life mode desired, it were seen concern view of Virgin Mary. The literature of this period, as
original art, it suggested itself in this social representations, in larger of smaller grade,
depending on place that the author possess, to create theirs plots, their romances. It was what
happened with Maria Firmina dos Reis, writer from Maranhão, that from of her social place
and of way as she received and interpreted the social relations of class of her time. Wrote the
romance that we analyse in this work, Úrsula.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9
1 REPRESENTAÇÕES FEMININAS: padrões de comportamento para as
mulheres maranhenses na primeira metade do século XIX ............................ 21
1.1 ASPECTOS SOBRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR FEMININA .......................... 22
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como interesse analisar algumas das representações sociais sobre
as mulheres maranhenses na primeira metade do século XIX a partir de uma leitura
historicizada das personagens femininas do romance Úrsula, de Maria Firmina dos Reis.
Nosso trabalho centra-se nos estudos de Gênero e no conceito de representação, tal
como definido por Chartier e Pesavento. Para Pesavento (2008, p. 39), a representação
consiste nas formas integradoras do grupo social, ou seja, suas normas, discursos, imagens,
etc. Em outras palavras, são tais representações que fazem que os indivíduos percebam a
realidade e através dela ajustem seu modus operandi. Enfim, é a explicação da realidade
compartilhada por pessoas que vivem em um grupo em um determinado tempo.
Quando os indivíduos passaram a ser entendidos como agentes da ação que move o
mundo, a questão da representação ganhou destaque. Anteriormente as estruturas definiam os
indivíduos. Hoje se entende que os sujeitos se apropriam e recriam de diversas formas as
informações que recebem. Assim, temos em vista a noção de representação proposta por
Chartier (1990, p. 17). Se os sujeitos interpretam de diversas maneiras o mundo que os cerca,
as estruturas nas quais estão inseridos, significa dizer que tudo o que produzem é influenciado
pela interpretação que fazem do mundo (do espaço e do tempo) no qual estão localizados.
Segundo Chartier (1990, p.17), “[representações] são estes esquemas intelectuais, que criam
as figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o
espaço ser decifrado”.
Em nosso trabalho, utilizamos o conceito de representação de acordo com Pesavento
(2008, p. 40), segundo a qual “representar é, pois, fundamentalmente, estar no lugar de, é
presentificação de um ausente; é um apresentar de novo, que dá a ver uma ausência. A ideia
central é, pois, a da substituição, que recoloca uma ausência e torna sensível uma presença”.
É dentro dessa visão que pensamos a análise do romance Úrsula, uma vez que as personagens
abordadas são entendidas aqui como representações das mulheres maranhenses da primeira
metade do século XIX. As personagens em si não são especificamente uma ou outra
determinada mulher desse período, mas se apresentam como representações destas, levando
em consideração que o referente da autora foi a sociedade do seu tempo. Também
consideramos que:
Dentro dessa perspectiva, a representação pode ser entendida como a visão coletiva
que se faz de algo ou de alguém. Assim sendo, a forma como as diferenças sociais entre
homens e mulheres foram historicamente estabelecidas, são discursos que representam cada
um dos gêneros ao longo do tempo, chegando ao ponto de serem tão fortemente
internalizadas, a partir da repetição e incorporação desse discurso, que passam a ser
entendidas como diferenças naturais.
Sendo a História a ciência dos homens, da humanidade, e os homens em seu
caminhar são ativos, construindo bens materiais e conceitos que têm simbolismos e inúmeros
fins, diversas produções humanas são entendidas como documentos para o ofício do
historiador. Entre essas atividades, a escrita é uma das que se destacam. Se, durante um longo
tempo os historiadores ocuparam-se em privilegiar a investigação da escrita dos documentos
oficiais, com as novas abordagens incorporadas – desde a Escola dos Annales e com a crise
das Ciências Sociais ocorrida por volta das décadas de 1960 e 1970 –, outras formas escritas
passaram a ser utilizadas pelos historiadores, entre elas os textos literários.
Entendendo que a História interpreta fatos que estão localizados em um ponto
específico do passado e que se utiliza de um grande número de indícios/fontes (eleitos pelo
historiador como documentos para sua pesquisa), e sendo esses indícios provas de um tempo
passado e que foram elaborados para um determinado fim, são frutos da representação que os
indivíduos fazem de seu tempo, a Literatura se adequa perfeitamente a todos esses pontos,
tornando-se possível tomá-la como indício para a análise do passado.
O estudo de um texto literário por si só não pode ser considerado um trabalho
historiográfico, mas sim uma crítica literária. Quando um historiador se propõe a utilizar em
sua pesquisa uma fonte literária, deve analisá-la levando-se em consideração o momento
histórico no qual esse texto foi escrito, ou seja, sua historicidade – e isso serve para qualquer
texto que se eleja como fonte. Segundo Burke (1992, p. 25), “em toda literatura, a sociedade
contempla sua própria imagem”. Nesse sentido, para cada fase das sociedades, há um tipo
específico de literatura que se sobressai e que está de acordo com as representações que essa
sociedade faz de si mesma e do momento em que vive. Para Sevcenko (2009, p. 29), “todo
escritor possui uma espécie de liberdade condicional de criação, uma vez que os seus temas,
motivos, valores, normas ou revoltas são fornecidos ou sugeridos pela sua sociedade e seu
tempo – e é destes que eles falam”. Já de acordo com Chalhoub e Pereira (1998, p. 7):
12
A partir da década de 1980, uma nova categoria de análise foi inserida nos campos
de estudo da História: a questão de Gênero, em contraposição à ideia de sexo que, segundo
Oakley (1972, p. 16):
‘Sexo' é uma palavra que faz referência às diferenças biológicas entre
machos e fêmeas [...]. 'Gênero', pelo contrário, é um termo que remete à
cultura: ele diz respeito à classificação social em 'masculino' e 'feminino'
[...]. Deve-se admitir a invariância do sexo tanto quanto deve-se admitir a
variabilidade do gênero.
O conceito de Gênero trouxe novo significado, uma nova forma em se lançar o olhar
para a pesquisa sobre as mulheres, pois privilegiou uma análise a partir da desconstrução da
ideia de naturalização das diferenças entre os sexos. Grosso modo, o sexo – homem/mulher –
é algo natural, assim, o que diferencia sexualmente os homens das mulheres são fatores
exclusivamente biológicos. Enquanto o Gênero parte da noção de que as diferenças
socioculturais entre homens e mulheres são historicamente construídas. Sendo assim, essas
diferenças sofrem alterações ao longo do tempo histórico, podendo ser analisadas,
interpretadas e mesmo modificadas. Dessa forma, “gênero é tanto um elemento constitutivo
das relações sociais, fundado sobre as diferenças percebidas entre os sexos, quanto uma
maneira primária de significar relações de poder” (SCOTT, 1988, p. 42).
O problema que norteia esta pesquisa é este: é possível, a partir do referido romance,
compreender aspectos sobre as representações sociais que se faziam a respeito das mulheres
no Maranhão da primeira metade do século XIX, período em que sua autora viveu, escreveu e
publicou-o? Em caso afirmativo, como Maria Firmina representa em seu romance as mulheres
maranhenses desse período e quais as relações entre a representação contida no texto literário
e o real referente da autora, ou seja, a sociedade maranhense da primeira metade do século
XIX?
Para responder a esta questão-problema em nossa pesquisa, partimos do conceito de
representação definido por Chartier (1990) e do estudo de Gênero para fazer a análise sócio-
histórica da forma como as representações sobre as mulheres foram construídas no Maranhão
da primeira metade do século XIX. Isso porque entendemos que, para analisar essas
representações, temos de relacioná-las ao sexo oposto, pois como afirmou Bourdieu (2010, p.
34):
Tendo apenas uma existência relacional, cada um dos dois gêneros é produto
do trabalho de construção diacrítica, ao mesmo tempo teórica e prática, que é
necessário à sua produção como corpo socialmente diferenciado do gênero
oposto (sob todos os pontos de vista culturalmente pertinentes), isto é, como
14
1
A exemplo de Abrantes, Castro, Motta, entre outros.
2
Como Sandra Jatahy Pesavento, Sidney Chalhoub, Nicolau Sevcenko, Roger Chartier, entre outros.
15
romance da época escrito por uma mulher. Dessa forma, buscou-se refletir sobre a forma
como as diferenças sociais de gênero são construídas historicamente, definindo as práticas
sociais entre alguns grupos do período analisado.
Durante o processo de busca de informações e fontes sobre a autora, percebemos que
há quase uma exclusividade no que diz respeito aos trabalhos referentes a ela e ao seu
romance (Úrsula) situados nas linhas de pesquisa das Letras.3 Catalogamos apenas dois
trabalhos na área de História sobre a mesma autora e romance. Um artigo intitulado Úrsula: o
abolicionismo original de Maria Firmina dos Reis (2006), de Claunísio Amorim Carvalho, e
uma monografia de conclusão de curso de Luciana Ayres Coimbra, intitulada A busca pela
mulher e escritora Oitocentista maranhense Maria Firmina dos Reis: recuperando trajetórias
de sua vida (2006 – UEMA). Nenhum dos dois trabalhos segue nossa proposta de pesquisa,
ou seja, analisar representações sociais sobre as mulheres maranhenses da primeira metade do
século XIX utilizando do romance Úrsula.
Diante do que expomos até aqui, consideramos que, em nossa análise, o romance é
ao mesmo tempo objeto e fonte. É objeto porque o tema principal de nossa análise está nele
contido, ou seja, as personagens femininas com as quais traçamos alguns dos perfis sobre as
mulheres da época, a escrita da autora, sua interpretação da sociedade em que viveu. E fonte,
pois através do que a autora escreveu nos embasamos para tentar alcançar o máximo possível
deste universo representacionável da primeira metade do século XIX no que diz respeito às
mulheres no Maranhão.
Tendo em vista nossa questão-problema, nossa hipótese é de que se uma obra
literária, de qualquer gênero e em qualquer época, tem um referencial com as representações
que se dão a ler como o real, ou seja, partindo do lugar social, do tempo em que o autor vive,
que ele busca os elementos para a feitura de sua arte, então é possível encontrar em Úrsula as
representações sociais sobre as mulheres maranhenses da primeira metade do século XIX. A
história contada no livro, seu enredo, os nomes de suas personagens, as datas, os nomes de
lugares, tudo pode ser uma invenção do autor. Mas os valores, a fala, os costumes, enfim, as
representações de mundo expostas na obra, o simbólico, estes sim, são buscados no cotidiano
externo ao autor.
Dessa foram, sendo nossa fonte principal o romance Úrsula, segundo Certeau
(2007, p. 81):
Em história, tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar
em documentos certos objetos distribuídos de outra maneira. Esta nova
distribuição cultural é o primeiro trabalho. Na realidade, ela consiste em
produzir tais documentos, pelo simples fato de recopiar, transcrever ou
fotografar estes objetos mudando ao mesmo tempo o seu lugar e o seu
estatuto (grifos do autor).
Assim, podemos considerar que, para esta pesquisa, descolamos o texto escrito por
Maria Firmina dos Reis, publicado em 1859. Para nosso trabalho (o trabalho do historiador),
seu uso passou de romance (literatura, arte) para uma fonte que pode ser e foi utilizada para
estudo de problemas que levantamos ao longo desta pesquisa.
A utilização dos textos literários como fonte/objeto para a História não vem de longa
data, e ganhou impulso após a Crise das Ciências Sociais (década de 1960). Durante algum
tempo – e para alguns ainda hoje – houve um forte debate sobre as diferenças e aproximações
entre História e Literatura. A História sofreu inúmeras críticas provenientes do pensamento de
que se aproximaria da Literatura, uma vez que os historiadores, em seu ofício, “utilizam a
linguagem, de que narram e de que a narrativa é uma forma através da qual constroem a
própria noção de temporalidade e, portanto, articulam o próprio passado e seus eventos”
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007, p. 43). A crítica provinha da noção de que a História, tal
qual a Literatura, ao narrar fatos, não seria capaz de recuperar esses fatos passados da forma
como ocorreram. A História seria, então, como a Literatura, uma ficção, para Pesavento
(2006, p. 10):
Para Ricoeur (2010), a ficção na História não reside no fato de que ela cria ou
inventa algo que não existe. A ficção aqui não deve ser entendida como algo irreal, como o
antônimo de real, verdadeiro. A ficção ocorreria na História, pois ela se colocaria no lugar do
passado. A História seria uma narrativa que se configura como uma representação e se
assentaria, ficcionalmente, no lugar do que aconteceu. A História se coloca no lugar do
passado, “figurando como se fosse a realidade” (PESAVENTO, 2008, p. 36), mas a História
18
não é o passado, porque o passado não existe mais e não pode ser revivido. A História não
seria então o real, mas ela representaria uma parte do real, seria um discurso sobre o real.
História e Literatura teriam como traço comum o fato de ambas serem narrativas
sobre eventos, narrativas estas que representam o real, sendo discursos sobre ele.
Assim, literatura e história são narrativas que tem o real como referente, para
confirmá-lo ou negá-lo, construindo sobre ele toda uma outra versão, ou
ainda para ultrapassá-lo. Como narrativas, são representações que se referem
à vida e que a explicam (PESAVENTO, 2006, s.p.).
Porém, em algum ponto essas narrativas sobre o real se distanciam. Para Veyne
(1998), “a História é um romance verdadeiro”. Verdadeiro, pois deriva de eventos (no âmbito
do discurso ou da prática), que de forma ou outra aconteceram, contudo, é romance, “porque
cabe ao historiador explicar o como” (PESAVENTO, 2006, s.p.) através da narração destes
eventos. O historiador, ao contrário do romancista (ou do escritor de ficção em geral), está
preso à obrigação de explicar o como, o porquê, a lógica por detrás dos eventos que narra,
independentemente de estes eventos serem factuais ou não.
“A história é um romance que aconteceu” (GONCOURT apud Brasil, 1997,
contracapa), pois a História, tal como o romance, narra um fato, apresenta-nos personagens,
mas ela não pode construir eventos, narrar acontecimentos criados pela imaginação do
historiador. Ao contrário do que ocorre no romance, onde o escritor tem a liberdade de criar
eventos, narrar fatos, falar de personagens que podem nunca ter chegado a existir no passado,
no presente e mesmo em um futuro próximo ou distante. O historiador elabora uma narrativa
que parte da interpretação de fatos ocorridos no passado. Fatos estes que podem estar
localizados no âmbito do discurso e/ou da prática social. Já a narrativa de ficção, como o
romance, não tem o compromisso em buscar uma possível realidade passada.
O historiador-narrador precisa reunir e selecionar os dados, estabelecer conexões e
fazer cruzamentos entre eles, elaborar uma trama, apresentar soluções para decifrar a intriga
montada e se valer das estratégias de retórica para convencer o leitor, com vistas a oferecer
uma versão o mais possível aproximada do real acontecido. Porém, mesmo que a primeira
vista este trabalho se pareça com o do romancista, “o historiador não cria personagens nem
fatos. No máximo, os descobre, fazendo-os sair da sua invisibilidade” (PESAVENTO, 2006,
s.p.), como no caso da História das Mulheres.
O historiador, em seu ofício, está preso às fontes “e à condição de que tudo tenha
acontecido” (PESAVENTO, 2006, s.p.). Ele então busca evidências e as converte em fontes,
dando-lhes significado. Além disso, as fontes não são testemunho verdadeiro do que
19
aconteceu, mas discursos, elaborados para fins específicos. Estes “discursos, são
representações discursivas sobre o que se passou [...], sobre o real” (PESAVENTO, 2006,
s.p.).
Mesmo que possa haver uma invenção narrativa na História, essa ficção é controlada,
por três motivos: em primeiro lugar, pelo manejo com as fontes; em segundo lugar, pelo
compromisso que o historiador assume em buscar uma verdade aproximada em sua pesquisa,
uma verossimilhança. “O historiador quer e se empenha em atingir o real acontecido, uma
verdade possível, aproximada do real tanto quanto lhe for permitido. Esta é a sua meta, a
razão de seu trabalho e este desejo de verdade impõe limites à criação” (PESAVENTO, 2006,
s.p.). E, em terceiro lugar, o historiador utiliza-se de estratégias argumentativas na elaboração
de sua narrativa: a linguagem, os conceitos, o método, a testagem, comparação, cruzamento
das fontes, assim:
Por este motivo, a verdade na Literatura, como documento passível de uso pelo
historiador reside não em se poder comprovar a existência daqueles personagens e fatos
narrados, mas em possibilitar o acesso a questões sociais do momento histórico em que o
texto foi tecido.
A nova mentalidade, proveniente dos novos hábitos e costumes trazidos com a Corte
Portuguesa começa a influenciar os brasileiros. Segundo Abrantes (2002), alguns colégios de
nível médio e superior são criados no Rio de Janeiro – que se tornara então capital do reino
português – para suprir a carência de pessoal qualificado para os trabalhos administrativos
demandados pelo estabelecimento do novo governo. A instrução no Brasil, antes da
transferência da Corte era precária, uma vez que, no primeiro momento, o governo percebeu a
necessidade de criar escolas que preparassem os brasileiros para os trabalhos administrativos,
pois eles não estavam aptos para desempenhar esse papel. “Nota-se especialmente a
preocupação com a formação de nível superior e nível médio (técnico) para atender as
necessidades administrativas do governo” (ABRANTES, 2002, p. 45).
Nas demais províncias, principalmente nas mais distantes da Corte, embora as
mudanças começassem a acontecer, foram mais lentas, dependendo, em todos os casos, das
posturas assumidas pelos governos regionais.
Com a Independência, ocorreram novas mudanças. A primeira delas foi incluída no
texto da Constituição de 1824, que em seu Título VIII – Das Disposições Gerais e Garantias
dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, artigo 179, afirmava que:
Art. 12. As Mestras, além do declarado no Art. 6.º, com exclusão das noções de
geometria e limitado a instrução de aritmética só as suas quatro operações, ensinarão
também as prendas que servem à economia doméstica; e serão nomeadas pelos
Presidentes em Conselho, aquelas mulheres, que sendo brasileiras e de reconhecida
honestidade, se mostrarem com mais conhecimento nos exames feitos na forma do
Art. 7.º (LEI DE 15 DE OUTUBRO DE 1827).
doméstica, como cozinhar, lavar, engomar, confeitaria de todas as espécies etc.; 4.ª – noções
gerais de música.
Com seu caráter de formação mais profissionalizante que o Recolhimento de Nossa
Senhora de Anunciação e Remédios, o Asilo atraiu pessoas das camadas mais populares, uma
vez que as habilidades ali desenvolvidas – como costurar, cozinhar, lavar, engomar, confeitar
– poderiam servir como complemento da renda familiar. Segundo Castro (2012, p. 119), os
primeiros ensinamentos que as colegiais recebiam eram:
[...] coser, talhar vestidos, bordar, toucar, pentear, fazer flores, enfeites,
lavar, engomar, cozinhar” (Regulamento do Asilo de Santa Teresa, 1855, p.
25) e fazer todos dos tipos de doces e compotas das frutas da estação, a
serem vendidos e, com os lucros, contribuírem nas despesas cotidianas da
casa.
4
Outras escolas para homens são criadas no Maranhão, como a Escola Prática de Agricultura ou Escola Agrícola
do Cutim (1859) e a Companhia de Aprendizes Marinheiros (1861).
27
para o ensino superior. Tornou-se uma das escolas de maior prestígio da Província no século
XIX.
Esse esboço sobre as instituições e Leis mais significativas que encontramos sobre a
educação escolar maranhense na primeira metade do século XIX nos sugere alguns pontos
que são fundamentais para a compreensão da visão de mundo da sociedade desse período no
que tange às representações dos papéis sociais destinados aos homens e, consequentemente,
às mulheres, ou vice-versa.
Essas representações sociais do feminino no século XIX ligam-se à visão de que a
mulher era descendente da Virgem Maria, ou seja, a virgem que é capaz de fazer sacrifícios
em nome da família e dos filhos. A mulher do século XIX, no Brasil, deveria possuir – por
conta de uma visão idealizada – os atributos da doçura, pureza, moralidade cristã,
generosidade, maternidade e patriotismo. As mulheres tornam-se responsáveis pela educação
das futuras gerações, dos futuros homens, dos brasileiros, cidadãos de uma nação então livre.
Ligada a esse ideal de mulher, somava-se a profunda religiosidade na qual as famílias estavam
inseridas e a concepção da ausência de instinto sexual nas mulheres. Em outras palavras,
acreditava-se, nesse período, que a mulher não sentiria – ou não deveria sentir – os prazeres
da carne, sendo o ato sexual considerado exclusivo para a procriação. Dessa forma, “a Igreja
justificava esse culto à mulher-mãe pelo símbolo de Maria, mãe de Jesus, que ao ser escolhida
para ser mãe de Deus, reabilitou as mulheres da culpa de Eva” (ABRANTES, 2004, p. 148).
A visão de que as mulheres seriam descendentes da Virgem Maria permeou o século
XIX (embora não seja exclusiva desse século), se contrapondo à visão que prevaleceu entre os
séculos XVII e XVIII, que entendia a mulher como um ente carregado de lascívia e maldades
naturais, próprias de seu sexo, uma mulher descendente de Eva. Esse pensamento, no
Oitocentos, embora represente um pequeno avanço, pois considera que há algo de valor na
mulher, ainda a desclassificava socialmente, uma vez que ela era valorizada apenas no âmbito
do lar, como esposa e mãe.
Às mulheres da primeira metade do século XIX, a instrução oferecida era quase
exclusivamente voltada para a economia doméstica, não havendo espaço para o aprendizado
de um ofício externo ao lar. O que diferenciará a instrução destinada às mulheres e aos
homens é o fato de que a estes o ensino visava ao desempenho de uma profissão. A mulher,
como precisava ser boa mãe e esposa, para que cuidasse bem de seu marido e educasse seus
filhos dentro da moral patriarcal e cristã, esperava-se apenas que fosse bem educada e
instruída de forma a desempenhar corretamente os afazeres domésticos. O homem era
entendido como o provedor da família, já a mulher deveria cuidar, exclusivamente, da
28
Os homens, aos 12 anos de idade, leem jornais para a mãe; aos 15 fala em
política; aos 17 quer ser empregado público; aos 21 faz parte da guarda
nacional; aos 25 quer ser deputado; aos 30 é ministro de estado. As mulheres
dos 10 aos 13 gostam de ler e copiam versos; dos 13 a 15 leem o folhetim do
jornal e escrevem para as amigas comentando os bailes; dos 15 aos 18 leem
romances, discutem a moda e escrevem 3 cartas por dia com corações e
setas; aos 19 fixa a escolha e inicia a falar em historia; aos 20 fala de
economia; aos 30 lê jornais. (O SÉCULO, n. 3,1858, p. 4).
Essas afirmações nos mostram a forma como se viam mulheres e homens nesse
período. Os homens são apresentados com um caráter sério e decidido desde a tenra idade. As
mulheres, ao contrário, são entendidas como românticas, sentimentais, frágeis
intelectualmente. Nota-se que os homens, aos 12 anos já leem jornais, algo que as mulheres só
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farão com 30 anos. Isso quer dizer, em outras palavras, que os filhos liam e as mães não, que,
a capacidade intelectual do homem é mais elevada e surge, desde cedo, ao contrário do que
ocorreria com a mulher. Enquanto o homem, aos 15 anos, já fala em política, a mulher está
lendo romances, ou seja, o homem dedica-se aos assuntos concretos, reais, e a mulher às
futilidades, às fantasias. O menino já é homem com 12 anos. A mulher parece ser sempre
menina.
As mulheres de elite deveriam aprender a ler e a escrever a fim de desempenhar melhor
seu papel de “donas do lar”, ou seja, dominar os saberes estritos ao espaço doméstico. A instrução
básica era entendida como complemento do aprendizado da educação doméstica, ou seja, o
exercício escolar deveria estar aliado à administração da economia do lar. Soma-se a isso o ensino
escolar dos princípios cristãos, voltados, neste caso, para ratificar a sujeição da mulher ao homem.
Essa instrução pressupõe diferenças que “estão inscritas na fisionomia do ambiente familiar,
sob a forma de oposição entre o universo público, masculino, e os mundos privados,
femininos, entre a praça [...] e a casa [...]” (BOURDIEU, 2010, p. 72).
No século XIX, o ideal que se buscava para a mulher era o de que tivesse uma vida
essencialmente doméstica, de dona-de-casa, vivendo em função do “senhor seu marido”, dos
filhos e dedicando-se a trabalhos meramente caseiros. Nas casas das famílias de elite, que
possuíam escravas, os trabalhos mais grosseiros do lar, mais sujos e inferiores, ficavam a
cargo das negras. Já nas casas das famílias pobres, as mulheres tinham que dominar todos os
trabalhos referentes às atividades do lar, como rachar a lenha, torrar e passar o café, preparar
diversos alimentos, carregar água, entre outros.
A situação do ensino dedicado às mulheres começa a sofrer alterações, no Maranhão,
a partir de meados do século XIX. Influenciados pelas ideias de civilidade difundidas na
Europa e que serviram de modelo para as demais nações. Intelectuais como August Comte
começaram a refletir sobre o tipo de instrução que se oferecia às meninas, moças e mulheres.
A mulher deveria ser a educadora moral e religiosa de seus filhos, a primeira educadora.
Como ela poderia educar seus filhos se não possuía tal instrução?
mulheres das famílias de elite, principalmente, passaram a ter acesso aos teatros, bailes e
colégios particulares de ensino secundário:
A imprensa local passa então a tecer críticas a respeito da pouca instrução das
mulheres da elite maranhense, que antes, durante todo o período colonial, viveram
praticamente enclausuradas e sem acesso à educação formal. À medida que passaram a
ingressar e circular em espaços públicos, foi-lhes exigido um novo tipo de educação, de
instrução, de comportamento:
Mais que uma crítica dirigida às mulheres, notamos uma crítica feita aos seus tutores
– os homens – que deveriam primar por sua educação, seus pais e/ou seus maridos pareciam
ter pouco ou nenhum interesse em instruí-las, para Abrantes (2004, p. 153):
A intenção de dona Martinha Abranches era formar as mulheres da elite local dentro
de uma cultura de refinamento, onde soubessem se portar em público, no teatro, nos bailes,
nas recepções em suas casas, ou em visitas à casa de outras famílias. Por isso, além de
33
Para ilustrar este item a respeito das representações sobre a mulher nas esferas do
casamento, da família e do trabalho no Maranhão da primeira metade do Oitocentos,
tomaremos, a título de exemplo, o caso de Emília Branco, registrado por Dunshee de
Abranches em seu livro O Cativeiro.
Emília Branco, natural de Lisboa, chegou ao Maranhão ainda adolescente,
hospedando-se no solar dos Abranches, nascendo daí uma profunda amizade com toda a
família. Ela “falava várias línguas, cultivava a música e a pintura, tendo-se tornado uma
leitora exigente [...] destacando-se por sua precoce sensibilidade literária, beleza e
inteligência” (JANOTTI, 1996, p. 230).
Aos 17 anos, foi obrigada a se casar com um homem mais velho, Antônio Joaquim
Branco, um rico comerciante português, escolhido pelo pai da jovem. Segundo a própria
Emília Branco, em entrevista concedida a Dunshee Abranches em 1880, era costume comum
das famílias portuguesas de todas as classes sociais, vindas para o Brasil, casarem seus filhos
com compatriotas, o que demonstrava um preconceito para com os brasileiros. Esse costume
era mais arraigado entre os comerciantes, dessa forma os caixeiros mais bem sucedidos eram
os escolhidos para tornarem-se maridos das filhas mais velhas de seus senhores. Foi o caso de
Emília Branco.
Tidos os naturais da terra como peraltas, madraços e pelintras não lhes era
permitido levantarem os olhos para as descendentes diretas dos lusos que,
em último caso, importavam noivos para elas dentre os seus parentes das
aldeias de além-mar. E, se as pobres vítimas ousavam revoltar-se contra
esses editos paternos, metiam-se em surras como perfeitas escravas ou eram
postas na rua como indignas e perversas. Esses castigos tocaram certas vezes
a proporções de crudelíssimos assassínios (ABRANCHES, 1992, p. 148).
35
Foi dessa união indesejável que ela criou a expressão cativeiro das brancas, ou seja,
uma comparação com o cativeiro dos escravizados africanos. No caso do matrimônio, Emília
Branco equiparava-o a um cativeiro, pois, em primeiro lugar, as mulheres não poderiam
escolher seus futuros maridos e, em segundo lugar, elas eram vistas como seres submissos,
desprovidos de inteligência e razão, sendo consideradas úteis apenas quando assumiam seus
papéis de esposas e mães, segundo Abranches (1992, p. 121):
Após muitos desgostos nesse matrimônio indesejado e mal sucedido, Emília Branco
acabou abandonando o esposo, levando a filha consigo. Essa situação apresentou-se como um
mau exemplo para as demais mulheres da sociedade daquela época, isso porque,
36
A partir de então D. Emília sofreu represálias e até atentados a sua vida, havendo
necessidade da intervenção confidencial do cônsul português, junto aos furiosos
amigos do marido, para que fosse poupada. Algum tempo mais tarde, Antônio
Joaquim Branco mudou-se definitivamente para o Rio de Janeiro, envergonhado por
ter sido abandonado pela mulher e não ter conseguido vingança (JANOTTI, 1996, p.
232).
Emília Branco não voltou para a casa dos pais após o abandonar o marido, vivendo
reclusa em uma casa pertencente a sua família, sustentando sua filha a partir do trabalho de
costureira. Ainda segundo Janotti (1992, p. 232), “de sua residência jamais saiu à rua até sua
morte, pois o seu gesto foi tido e havido como o maior escândalo até então rebentado na
sociedade maranhense”.
Embora Janotti afirme que Emília Branco “jamais saiu à rua até sua morte”, alguns
anos mais tarde ela conheceu David Gonçalves de Azevedo, o qual se tornaria seu segundo
companheiro. David Gonçalves de Azevedo era viúvo e não possuía filhos quando conheceu
Emília Branco; era comerciante, “muito estimado e respeitado, não só pela comunidade
portuguesa, mas por toda a sociedade maranhense” (MÉRIAN, 1988, p. 25). Em virtude de
seu grande desempenho durante a Balaiada, onde chefiou tropas portuguesas contra os
rebelados, recebeu o título de vice-cônsul de Portugal durante os anos de 1859-1878. O que
nos indica que Emília Branco, possivelmente, embora com pouquíssima frequência, não deva
ter ficado restrita exclusivamente ao espaço doméstico, saindo à rua vez ou outra.
Ao decidirem viver maritalmente, ambos tiveram que enfrentar as convenções sociais
da época. Tiveram cinco filhos, sendo duas mulheres: Camila Anália, Maria Emília e três
homens: Arthur Nabantino Belo de Azevedo, Aluísio Tancredo de Azevedo e Américo
Garibaldi Gonçalves de Azevedo.
A partir do caso de Emília Branco podemos perceber algumas características a
respeito das representações sociais sobre o casamento e a família no Maranhão da primeira
metade do século XIX. A primeira característica dos matrimônios dessa época está
relacionada à ideia de casamento arranjado ou casamento por interesse, costume comum no
Brasil desde o período colonial, principalmente entre as famílias de elite que desejavam
manter ou aumentar sua fortuna. Esses matrimônios costumavam ser contraídos entre pessoas
das mesmas classes sociais, dessa forma, “[...] as uniões legítimas comumente ocorriam entre
pessoas do mesmo grupo social. Brancos, pardos e negros casavam mais entre si e, do mesmo
modo, livres, escravos e libertos” (PRIORE, 2006, p. 164).
37
Melhor significava, nessa época, uma noiva mais rica, cheia de patacas,
opulenta. Beleza [...] não punha mesa nesses tempos. O que contava era o
dote! Nunca talhado no céu, conforme o ditado. Casamentos baseavam-se,
então, nos arranjos bem terrenos, fossem eles familiares ou políticos, de pais
ambiciosos. Sem dinheiro, “amostras de balcão” — como se chamava a
exposição da moça à janela — não davam em nada (PRIORE, 2006, p. 121).
5
Referência à personagem Julie do romance de Jean-Jacques Rousseau, Júlia ou a Nova Heloísa.
38
A visão patriarcal estava presente tanto na mentalidade das famílias de elite, quanto
nas famílias pobres. Em ambas o homem, o pai, o pater familias era tido como o chefe, o líder
moral, o mantenedor da casa. Eram suas obrigações “educar espiritualmente, moralmente e
civilmente dotá-los para matrimônios carnais ou religiosos” (HESPANHA, 1993, p. 958).
Dessa forma, o pai, chefe de família, tinha por obrigação ser capaz de instruir, alimentar,
vestir, enfim, suster as necessidades de sua família, de sua prole. Já os filhos deveriam
39
obediência e gratidão, enquanto a esposa deveria cuidar para que o lar fosse um local de
harmonia.
Outro costume era a hierarquia na ordem em que se davam esses casamentos entre as
filhas de uma mesma família. No caso de haver na família mais de uma filha, a mais velha
deveria casar-se primeiro; isso acontecia em virtude da tradição de que a mulher deveria
contrair matrimônio ainda jovem, pois, uma moça que chegasse aos vinte e cinco anos sem ter
se casado seria considerada “‘moça velha’, ‘moça que tinha dado o tiro na macaca’, ou moça
que chegara ao ‘caritó’” (PRIORE, 2006, p. 148).
A filha mais velha devia casar-se primeiro [...]. Além disso, o casal pouco se
encontrava, evitando os contatos sexuais antes das núpcias, em uma época
em que a virgindade da moça era vista como condição básica para o
matrimônio. A noção de que a conquista e o galanteio tinham de partir do
rapaz, a certeza de que o marido nem sempre seria o rapaz mais desejado, e
sim o possível em um mercado matrimonial relativamente restrito pelos pais,
impunham à mulher a condição de aceitar com resignação o par imposto pela
família (PRIORE, 2006, p. 147).
Namoro era algo raro, principalmente entre os casais da elite, pois como não havia
liberdade de escolha entre os cônjuges, o namoro se tornava algo dispensável e não
representava o mesmo que conhecemos atualmente. Se o namoro pode ser considerado um
momento em que os futuros noivos irão se conhecer, nesse período essa necessidade de um
“pré-conhecimento” era dispensável, considerando-se que os futuros esposos se conheceriam
no dia-a-dia da vida matrimonial. Os noivados geralmente eram rápidos, como afirmou Emília
Branco: “o meu noivado foi curto, mas torturante” (ABRANCHES, 1992, p. 148-150). Para
Priore (2006, p. 121), a escolha dos cônjuges por parte dos pais dos noivos pode ser
considerado
Essa vigilância era mais forte entre as famílias de elite, pois era um fator que “deveria
determinar a posição social da noiva, a qual tinha de se portar diferentemente de suas
contemporâneas, pertencentes às camadas subalternas, para quem brincadeiras amorosas e
mesmo sexo eram tolerados antes do casamento” (PRIORE, 2006, p. 170). Essa maior
vigilância sobre as mulheres de elite, além de ser fator de diferenciação social, antes de tudo,
era entendida como necessária para a manutenção das relações sociais, uma vez que a pureza
e a virgindade da mulher eram vistas como moeda de troca entre as famílias.
Nota-se que uma possível livre escolha amorosa não existia na realidade cotidiana
das relações sociais desse período.
Essa escolha dos noivos baseada no caráter econômico e político foi interpretada por
alguns historiadores, como Elizabeth Abrantes (2002, p. 98), como uma prostituição legal.
Assim, a mulher de elite “se venderia” a um único e mesmo homem por toda sua vida. Ela
ofereceria seu corpo, sua pureza, sua docilidade, em troca de que ele a sustentasse; afinal,
nessa sociedade o ofício da mulher era o casamento, sua educação, instrução e ideal
baseavam-se na crença de que ela nasceu, unicamente, para ser esposa e mãe.
[...] no Brasil o amparo de uma moça, em geral, é achar quem trabalhe para
ela, se casando. Essa maneira de pensar está de fato acima da prostituição,
mas não é ainda um sentimento nobre, como o que se deve inspirar às
mulheres... De rigor, a mulher atual simpatiza com um homem e se vende a
ele, para gozar a seu gosto na ociosidade e da frivolidade de espírito que lhe
deram os seus preceptores, vende-se a um homem, mas vende-se (JORNAL
O ARTISTA, 8 nov. 1868).
Entre a ficção de amor exaltada nas penas dos escritores românticos6 europeus e
brasileiros da época e a realidade social, havia um grande hiato. A mudança foi lenta,
iniciando-se por volta de meados do século XIX e passando a ser mais explicitada e vivida a
partir das primeiras décadas do século XX.
Esse mesmo ideal de amor romântico passa longe de outra característica presente nos
matrimônios deste período: a violência que as esposas sofriam por parte de seus maridos. A
violência aqui deve ser entendida tanto em seu sentido físico, quanto no simbólico. “O
conceito de violência é muito amplo, porém, quando ele se focaliza no estudo sobre as
relações de gênero, na relação entre homem e mulher, a violência ganha elementos mais sutis,
especialmente a violência simbólica” (SILVA, 2010, p. 101).
A violência sofrida pela mulher no Brasil, não foi exclusiva do século XIX, na
realidade ela perpassou as relações de gênero desde o período colonial até o Império,
6
Como Jean-Jacques Rousseau, Victor Hugo, Joaquim Manoel de Macedo, entre outros.
42
passando pela República e chegando até nossos dias. Porém, no período do qual estamos
tratando, há algumas particularidades que devem ser percebidas.
Na entrevista de Emília Branco a Dunshee de Abranches, ela afirmou que “esse
marido, imposto à força de ameaças e castigos, fez logo de mim uma pobre escrava,
brutalizando-me de momento a momento...” (ABRANTES, 1992, p. 148-150). Desde o
período colonial brasileiro, a violência física e/ou psicológica contra a mulher era tida como
algo natural em virtude da mentalidade patriarcal dominante. A violência física contra a
mulher tinha, na grande maioria das vezes, a intenção de “corrigi-la de vez em quando, sendo
isto uma prática considerada até comum” (SILVA, 2010, p. 117). Tanto a violência física
quanto a violência psicológica ou simbólica devem ser compreendidas por meio de questões
mais amplas, ligadas, em suas origens, à forma como as diferenças entre os sexos se
impuseram na sociedade, estabelecendo uma mentalidade que determinava as diferenças
sociais entre ambos, como naturais. Os homens seriam naturalmente superiores às mulheres;
dessa forma, criou-se uma visão de mundo que baseou todas as suas práticas nessa verdade
universal.
As mulheres do Oitocentos sofreram com a violência física e psicológica, fruto das
relações sociais estabelecidas. Sendo consideradas inferiores física e mentalmente, era natural
levarem algumas surras como forma de repreensão e correção, tratadas como as crianças, que
recebiam castigos físicos, entendidos como necessários para sua formação, para que melhor
apreendessem a educação que recebiam e soubessem qual o seu lugar na sociedade e na
família. Os atos agressivos contra as mulheres “eram até justificados, tanto pela sociedade,
como também pela igreja, amparados no imaginário da sujeição e obediência da mulher ao
seu esposo a qualquer custo” (SILVA, 2010, p. 103).
A violência simbólica também se relacionava com a mentalidade social da época,
que oprimia a mulher, colocando-a num lugar de inferioridade, quando comparada ao homem.
Além disso, a forma como a maioria dos casamentos era estabelecida, fazia que os esposos
acabassem por rejeitar suas mulheres, da mesma forma que essas mulheres sentiam-se presas
a um casamento arranjado, unidas – para todo o sempre – a homens que mal conheciam e por
quem, muitas das vezes, nada sentiam.
A violência simbólica contra a mulher durante o século XIX não se restringia apenas
ao espaço conjugal, mas era difundida em todas as relações sociais, uma vez que as
representações sociais deste período entendiam a mulher como naturalmente inferior em
todos os aspectos, tanto físico, quanto psicológico, emocional e intelectual.
Esse tipo de violência perpassou todas as relações sociais da época, estabelecendo
uma visão que entendia como “corriqueiro e normal considerar a inferioridade da inteligência
feminina, sua natural vocação para o espaço doméstico e o casamento como único ideal da
vida, o que justificava sua submissão social” (SILVA, 2010, p. 104).
Essas representações sociais a respeito das diferenças que opõem as qualidades,
características e aptidões de cada sexo, foram vivenciadas nas práticas sociais cotidianas de
tal forma, que, organizadas a partir de questões culturais, passaram a ser entendidas como
particularidades naturais. E, não apenas um sexo entendia o outro como um oposto de si, mas
passou a compreender, a partir da visão do natural, como sendo si próprio um oposto do
outro.
Por esse motivo, grande parte das mulheres aceitou a situação de sujeição ao homem
que lhes foi imposta. Toda a educação feminina, tanto dentro de casa, no seio familiar, como
na Igreja e sua moral Católica Apostólica Romana, quanto a própria Escola, afirmavam, para
a mulher do Oitocentos, sua inferioridade em relação ao homem, e ela deveria aceitar esse
fato como uma verdade absoluta, universal. O caso de Emília Branco, que tomamos como
exemplo, serve-nos para mostrar como a sociedade maranhense da primeira metade do século
XIX reagia quando se deparava com mulheres que se colocavam contra as práticas sociais
vigentes. No caso de nosso exemplo, a separação, a mulher que abandona o marido.
O comportamento correto aceito por esta sociedade era que a vida da mulher
estivesse ligada a um homem. Por este motivo, como no caso de Emília Branco, sua conduta
representou um choque para a sociedade maranhense; ela foi rejeitada pelas demais famílias
de elite da cidade, além de sofrer atentados contra sua vida, pois havia ferido a honra de seu
esposo.
Além da violência física e/ou simbólica, a mulher deveria “compreender” e aceitar os
casos do marido, também justificados como parte da natureza masculina. Tanto a sujeição
feminina quanto a infidelidade masculina eram entendidas pela visão de características
naturais de cada sexo. A mentalidade de época “justificava a sexualidade agressiva dos
homens como sendo uma característica natural, a ponto de tolerar a prática sexual dos homens
solteiros e até mesmo condutas sexuais diferenciadas para homens casados” (SILVA, 2010, p.
119).
Embora o caso que expomos de Emília Branco possa representar um diferencial na
época, não era o mais comum. Em grande parte dos casos, as esposas e filhas sujeitavam-se
aos mandos de maridos, pais e irmãos, tendo em vista que a sociedade cobrava em várias
instâncias – Família, Igreja, Escola – sua conduta submissa, entendida como correta e não
reprovável. Por essa visão, alicerça-se a ideia, em relação ao trabalho. Visão esta em que ao
homem pertence o domínio do público, e à mulher, o domínio do privado.
Conforme o que já foi exposto, nota-se que, desde o tipo de instrução que era
destinado à mulher na primeira metade do século XIX, até a valorização de seu papel no
casamento, o único ofício possível e aceitável para as mulheres deste período é o de ser esposa
e mãe. O homem, por meio de uma educação que privilegiava a instrução para o desempenho
de alguma atividade econômica, poderia ter um emprego, um trabalho, um ofício na esfera
pública, fora de casa. Já o trabalho da mulher deveria restringir-se aos ofícios domésticos.
“Ao homem cabia o sustento da casa e a autoridade. A mulher, colocada na dependência
absoluta em relação ao homem, o zelo com os afazeres domésticos, cuidados com o esposo e
educação da prole” (SOUSA, 2010, p. 63).
46
A mulher, por ser considerada frágil, dócil e dever buscar a pureza, alcançando o
ideal da Virgem Maria, “mãe em toda plenitude; ela carrega seu filho no ventre, o alimenta, o
47
segue em suas predicações, o sustenta em sua paixão, o assiste em sua morte: a mãe perfeita,
mas somente mãe” (PERROT, 2006, p. 64). Essa era uma das vocações da mulher: ser mãe.
O discurso médico presente à época colaborava para reafirmar essa inferioridade
feminina, justificando os papéis que as mulheres deveriam desempenhar socialmente dentro
do casamento e da família, como sendo apenas os de esposa e mãe. O que colaborou para a
manutenção da mentalidade patriarcal vigente. Os cientistas entendiam o corpo da mulher
como “suscetível a iminentes crises, sendo decantado como frágil os atributos da sensibilidade
e emoção da natureza feminina, voltada apenas para a função materna, doméstica e
matrimonial” (SILVA, 2010, p. 127). O homem, por sua vez, era considerado, pela ciência,
como viril, forte, racional e superior intelectualmente. “Era certo que esse ardiloso
pensamento usado pela maioria dos cientistas, intelectuais e pensadores do século XIX,
funcionava como uma manifestação” (SILVA, 2010, p. 127) do pensamento patriarcal da
época, contribuindo para sua legitimação.
A mulher idealizada pela moral patriarcal era uma associação da relação entre seu
corpo, sua inteligência e sua personalidade, pois “o útero define a mulher e determina seu
comportamento emocional e moral” (HUNT, 1995, p. 50). Nessa “época, pensava-se que o
sistema reprodutor feminino era particularmente sensível, e que essa sensibilidade era ainda
maior devido à debilidade intelectual” (HUNT, 1995, p. 50). A mulher era inferior ao homem
por possuir um corpo feminino com um sistema reprodutor diferente e, dessa forma, sua
inteligência e moral eram compreendidos como uma extensão de sua anatomia. Corpo frágil,
intelectualidade e moral débeis.
Pelo fato de que, especialmente do início do século XIX, haver uma separação entre
o local dos ofícios e o local de descanso, entre o trabalho e a casa, o homem passou a ficar
mais distante do lar, o que levou a mulher se tornar quase que a única responsável por esta
instância, fazendo que ocorresse aquilo que Giddens chamou de “declínio do poder patriarcal”
com o “maior controle das mulheres sobre a criação dos filhos” referindo-se a um
deslocamento da “autoridade patriarcal para a afeição maternal” (GIDDENS, 1992, p. 53).
É dentro dessa perspectiva que passa a ocorrer uma forte associação da feminilidade
com a maternidade, papel que passa a ser entendido como exclusivo das mulheres. Esse
modelo se consolida na primeira metade do Oitocentos como uma exaltação do papel natural
da mulher como mãe, atribuindo-lhe todos os deveres e obrigações – quase que
exclusivamente – na geração, criação e educação da prole. As diferenças biológicas que
naturalizam diferenças culturais nos papéis que homens e mulheres deveriam desempenhar
socialmente são bem antigas, como temos visto, porém, “o elemento distintamente novo, aqui
era a associação da maternidade com a feminilidade, como sendo qualidades da personalidade
– qualidades estas que certamente estavam impregnadas de concepções bastante firmes da
sexualidade feminina” (GIDDENS, 1992, p. 54).
Essas concepções firmes sobre a sexualidade feminina, além de relacioná-la à
maternidade, a uma função exclusiva da mulher, por ser a geradora dos filhos, passa a ser
justificativa para a frigidez feminina, uma vez que, tendo o corpo criado para a geração da
vida, o prazer não era visto como necessário na constituição biológica da mulher. Ela deveria
ser a mãe assexuada. Essa ideia de frigidez feminina como natural e desejável durante o
século XIX era difundida a tal ponto que médicos, psiquiatras, pensadores, cientistas e
intelectuais preconizavam a noção de que o corpo da mulher não poderia se voltar
exclusivamente às atividades sexuais (SILVA, 2010, p. 126). Tomou forma a “ideia segundo a
qual as mulheres não sentem prazer, não desejam o ato sexual, [considerado] uma canseira
para elas” (PERROT, 2008, p. 65), ou, em outros casos, que a mulher não deveria desejar o
sexo, sentir prazer com ele, pois a função sexual deveria ser relacionada à ideia da
maternidade. O sexo deveria ser útil e essa utilidade se restringia a procriação.
Vale lembrar que a mulher era considerada educadora nata por sua natureza
terna, desse modo poderia exercer o trabalho de professora, ensinando os
alunos como se fossem seus próprios filhos, sem necessariamente correr o
risco de perder seu estado de pureza e sua função de mãe-educadora. A
mulher poderia exercer também a profissão de costureira, desde que não se
afastasse do ambiente privado, por exemplo, da escola, do lar ou do ateliê
para a execução das tarefas (SOUSA, 2010, p. 49).
Porém, em relação às mulheres das camadas populares, não podemos esquecer que as
meninas “estavam, desde muito cedo, envolvidas nas tarefas domésticas, no trabalho da roça,
no cuidado dos irmãos menores, e que essas atribuições tinham prioridade sobre qualquer
forma de educação escolarizada para elas” (LOURO, 2010, p. 445).
Como, por exemplo, no caso das educandas do Asilo de Santa Teresa, que aprendiam
a “[...] coser, talhar vestidos, bordar, toucar, pentear, fazer flores, enfeites, lavar, engomar,
cozinhar” (REGULAMENTO DO ASILO DE SANTA TERESA, 1855, p. 25). Esse
51
aprendizado para as meninas das camadas menos abastadas “era uma das maneiras pelas quais
as mulheres maranhenses pobres sobreviviam ou aumentavam as rendas familiares, havendo
inúmeras que se destacavam como doceiras, bordadeiras, lavadeiras e floristas” (CASTRO,
2012, p. 119).
A exigência em preservar as mulheres do trabalho era, na maior parte das vezes, feita
pelas famílias de elite. No caso das mulheres das camadas mais pobres, elas trabalhavam
desde muito cedo ajudando a família, como complemento da renda ou mesmo por não terem
escravos e empregados que desempenhassem os serviços. Quando casavam, continuavam
exercendo essas atividades para ajudar o marido.
Percebe-se, assim, que o primeiro ofício da mulher casada era ser esposa e mãe, ser
dona-de-casa. “O caráter doméstico marca o trabalho feminino: a mulher é sempre uma dona
de casa” (PERROT, 2006, p. 115). Posteriormente, principalmente a partir da incorporação
das ideias positivistas sobre a educação feminina, a mulher conseguiu o espaço do magistério,
pois era considerada a educadora natural dos filhos, podendo desempenhar o papel de
educadora dos filhos de outrem.
Destacamos até aqui pontos que consideramos fundamentais no que diz respeito à
compreensão das representações sociais de gênero nas primeiras décadas do Oitocentos. A
seguir, passaremos a analisar a escritora Maria Firmina dos Reis e as características do
romance que é objeto desta pesquisa, para melhor compreensão da referida obra e
entendimento da escrita de sua autora.
52
Não era comum à época que meninos e meninas estudassem juntos. Segundo
Raimundo de Meneses (1978, p. 570), essa escola mista “escandalizou os círculos locais, em
Maçariçó [...] e por isso mesmo foi a professora obrigada a suspendê-la depois de dois anos e
meio”. A escola mantém suas atividades por dois anos, porém, mesmo após seu fechamento,
Maria Firmina continua ministrando aulas, eventualmente, para crianças da região. Muito
53
embora Raimundo de Meneses afirme em seu Dicionário Literário Brasileiro que a escola
mista de Maria Firmina foi fechada por haver sido motivo de escândalo na época, não temos
como afirmar qual o real motivo do encerramento de suas atividades, uma vez que, segundo
Sacramento Blake (1900, p. 483), em seu Dicionário Bibliográfico Brasileiro, pelo fato de
que “o ensino era gratuito para quase todos os alunos, e por isso foi a professora obrigada a
suspendê-la depois de dous anos e meio”.
Segundo Moraes Filho (1975, s.p.), a escola criada por Maria Firmina foi “uma
revolução social pela educação e uma revolução educacional pelo ensino, o seu pioneirismo
subversivo de 1880”. Para Muzart (2000, p. 265) “o fato de ter fundado a primeira escola
mista do país mostra as ideias avançadas de Maria Firmina para a época”, pois subvertia “a
ordem educacional vigente, ao quebrar o cânone moral oficializado, que segregava os sexos
em aulas separadas” (MORAES FILHO, 1975, s.p.).
Subversiva ou avançada, cabe compreender aqui Maria Firmina como uma mulher
que viveu seu tempo, interpretou-o, percebendo as necessidades que havia em seu universo
social. Pensava, talvez, pois, em buscar para os demais – seus alunos e alunas – uma realidade
melhor do que aquela em que viveu. Realidade essa em que não haveria uma diferença ou um
motivo para a separação de meninos e meninas nas escolas de primeiras letras, instância
inicial do aprendizado social, ensinando-os a conviver juntos, nas igualdades e diferenças,
desde cedo.
Muito antes de fundar a escola mista, é publicado, em 1859, o romance Úrsula, que,
logo após, alcança propagandas positivas em diversos jornais locais.
9 de janeiro de 1853.
Dia este que há de ser eternamente gravado em minha mente.
Uma lágrima sobre um túmulo.
Era a hora do silêncio e do repouso, hora mágica – misteriosa – grande –
sublime – majestosa como Deus! Triste, melancólica como a imagem do
túmulo... porém que .... para a minha alma, por isso que minha alma ama a
melancolia!!... E eu te saudava hora mágica – e sublime!!!. E eu subia no
cume do rochedo... E tu eras grande – e misteriosa como o mesmo Deus!!!...
[...] / E eu chorava porque a meus pés estava um túmulo [...].
E ninguém partilhava minha dor!... [...] Mas a lua passava e o sepulcro já era
tudo sombras: - e minha dor prosseguia, sempre ainda, sempre crescente!!
[...] / Deus! Ajoelhei-me sobre a terra ainda revolta do sepulcro, e meu
espírito sentiu amarga consolação. Por que? Por que Deus amerciou-se de
mim. Eu chorei sobre a sepultura mas era um pranto já mais resignado...
[...] (REIS apud MORARES FILHO, 1975, s.p.).
Nestes fragmentos que, parece-nos, Maria Firmina escreve após a morte de uma
pessoa querida, a autora nos mostra a forma como reage diante da dor da perda. Como
veremos na análise do romance, muito dessa forma sentimentalista de descrever as emoções e
as situações da vida compõe o caráter pessoal das personagens firminianas.
7
Espécie de diário que a própria Maria Firmina intitula “álbum” e que foi compilado por Nascimento de Moraes
Filho na biografia que escreveu sobre a escritora.
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Seus textos, nesse álbum, são um amontoado de confissões sobre dor, tristeza,
escuridão, sepulturas, velas, anjos, melancolia, desesperança e mesmo suicídio... “Oh! Te
saúdo novo ano; mas, tu não trouxeste a esperança à minha alma!” (REIS apud MORAES
FILHO, 1975, s.p.).
A morte é uma companheira que Maria Firmina desejou constantemente, como neste
trecho datado de fevereiro de 1861: “o descanso de uma vida consumida, encontra-se na
sepultura. O esquecimento das dores humanas, só ela oferece. Eu quero um dia de repouso,
um dia de esquecimento. Campa!... campa, eu te saúdo” (REIS apud MORAES FILHO, 1975,
s.p.).
Em 1863, escreve um pequeno texto, em seu álbum, intitulado Resumo da minha
vida, no qual apresenta-nos a forma como vê a si própria:
Cresceu cercada pelas mulheres que a criaram – a mãe, a avó, a irmã e a prima – e de
quem fala no fragmento acima; essas, por sua vez, ajudaram a moldar muito de sua
personalidade. A casa não é a do pai, não é paterna: é a casa materna, dirigida por sua mãe, a
chefe de sua família. Ela não fala de um homem, de uma figura masculina. Sua educação é
freirática, ou seja, a educação voltada para os afazeres da casa, a organização do lar e
influenciada pelos dogmas católicos, e é essa educação que ajuda a escritora a justificar sua
maneira de ser e ver o mundo, uma educação que a limitou. Maria Firmina afirma ainda sobre
sua juventude que “a mulher é como a flor, esta sonha meiguices ao despertar do sol, porque o
sol que surge há de afaga-la” (REIS apud MORAES FILHO, 1975, s.p.), o que demonstra o
quanto da representação social sobre as mulheres incorporou. A mulher não é bruta, essa é a
56
característica do homem. Ao contrário, a mulher é como uma flor, é frágil, é dócil, está ligada
ao mundo do sentimento.
Além disso, em outras anotações desse mesmo álbum, Maria Firmina escreveu sobre
duas amigas, comparando-as a anjos, afirmando que “eu as vi... eram duas virgens, duas
virgens, meigas, belas, sedutoras, oh! Ainda as vejo!... Teresa... Alexandrina” (REIS apud
MORAES FILHO, 1975, s.p.). Percebemos aqui como a escritora descreve de forma
idealizada pessoas próximas, outra característica que perceberemos em seu romance.
Maria Firmina não se casou, foi “moça solteira” durante toda sua vida. Não há
registro de que tenha se enamorado por alguém. Sobre o amor, conta-nos que:
Essa passagem parece nos contar que nossa autora sofreu por amor, sua vida nos é
sempre apresentada como solitária e árdua. Seu texto tem tom romântico e melancólico. Fala
de dissabores e desilusões que apenas a própria Maria Firmina tinha conhecimento. Seus
escritos íntimos expressam constantemente a tristeza da separação. A autora está sempre
vivenciando a perda de algo ou de alguém, o que dá uma nuance de lamentação em seus
escritos, constantemente.
Por mais belos os cenários que possam haver diante de nossa escritora e embora ela
os ame, a morte é seu amor maior, seu amor mais desejado. Firmina cultua e admira a morte,
chama-a constantemente, ela namora e se enamora pela morte. Porém, essa é uma amante que
só se apresentará a Maria Firmina quando ela se encontrar nonagenária. Amante mais amada e
que se fez por demais ser esperada.
57
Maria Firmina não se vê bela, se vê como a Lua, eterna namorada da noite, luz que
ilumina os sepulcros, chama que contempla a escuridão onde a morte se esconde. A Lua é
bela, e Firmina é a Lua, porque é a Lua que traz a melancolia dos amantes separados... É à
Lua que os apaixonados fazem confissões... A Lua, tão solitária no firmamento quanto
Firmina na sociedade, pois o que ela sente e pensa “não os compreende ninguém; porque
também a ninguém os revelo” (REIS apud MORAES FILHO, 1975, s.p.).
Firmina ainda escreve em seu álbum um texto intitulado O que é a vida?
Respondendo à pergunta do título, ela nos diz que “será acaso a vida o respirar, o sorrir no
trocar de cumprimentos banais e quantas vezes frívolos...”. A resposta é: não. A vida, para
Maria Firmina não se resume ao cotidiano, aos atos sociais diários. A vida, para Firmina “está
nas lágrimas” (REIS apud MORAES FILHO, 1975, s.p.).
Renato – creio que assim se chamará o pequeno órfão que recebi para não
mais aleitar. Inocentinho, coitado! Nasceu a 6 de dezembro de 1862. No dia
11 do mesmo mês Deus foi servido para seus insondáveis mistérios chamar-
lhe a mãe. [...] Criança que me foi confiada por pessoa que por ela se
interessava em Alcântara, a 30 de janeiro de 1863. Talvez um dia a
reclamem seus pais: foi essa condição com que ma confiaram (REIS apud
MORAES FILHO, 1975, s.p.).
Ainda escrevendo sobre seu filho adotivo, Renato, Maria Firmina desabafa seus
sentimentos com a morte da criança em fragmento do álbum datado de junho de 1863:
Renato! Renato, meu filho adotivo, meu pobre anjinho, já não existes!... Que
fatalidade, meu Deus!... É duro ver-se morrer aquela a quem se dedica afeição quase
materna. Dez dias de sofrimento... dez dias. Renato, pobre florzinha açoitada pelo
furação quebrou na haste ainda tão débil e tão mimosa... [...] Que loucura! Perdoai-
me Senhor, mas, me criaste tão fraca, tão sensível à dor!!! (REIS apud MORAES
FILHO, 1975, s.p., grifo nosso).
Sua alegria não reside em si mesma, mas na felicidade das pessoas que ama. Firmina
consegue ver a beleza e a alegria da vida não nela própria e em seu caminhar, mas nas pessoas
com quem convive e por quem nutre afeto.
Os fragmentos do álbum firminiano contidos na biografia feita por Nascimento de
Moraes Filho são poucos. Além desses fragmentos, o escritor maranhense conseguiu
entrevistar algumas pessoas da família de Maria Firmina e alguns de seus ex-alunos, que, na
59
época da entrevista, já contavam com idade um pouco avançada. Segundo entrevista feita por
Moraes Filho ao Sr. Leude Guimarães, parente de Firmina:
Quando vim para São Luís, depois de sua morte [de Maria Firmina] trouxe
muitos manuscritos seus. Eram cadernos com romances e poesias e um
álbum onde havia muita coisa de sua vida e de nossa família. Mas os ladrões,
um dia, entraram no quarto do hotel onde estava hospedado, arrombaram o
baú, e levaram tudo o que nele havia. Só me deixaram, de recordação, os
restos desse álbum, que encontrei pelo chão (MORAES FILHO, 1975, s.p.).
Desconhecemos a forma como Maria Firmina dos Reis conseguiu publicar seu
romance em uma época em que as mulheres possuíam praticamente nenhum acesso às letras.
Talvez pela influência de seu primo, Francisco Sotero dos Reis8, figura ilustre, intelectual
respeitado no Maranhão oitocentista. Talvez por outros conhecimentos, outros meios. O
tempo não nos deixou um único vestígio, um indício, mesmo que pequeno e simples, sobre
essa questão. Mas tentaremos compreender se havia ou não, partindo do que já foi exposto,
possibilidade de que as mulheres tivessem acesso ao campo literário nesse período no
Maranhão. Maria Firmina dos Reis publicou o romance assinando como “por uma
maranhense”. Na chamada sobre a publicação do romance, pela Tipografia do Progresso
consta:
ÚRSULA
ROMANCE BRASILEIRO
POR
UMA MARANHENSE
UM VOLUME EM PREÇO DE 2$000
Esta obra, digna de ser lida não só pela singeleza e elegância com que é
escrita, com por ser a estreia de uma talentosa maranhense, merece toda a
proteção pública para animar a sua modesta autora a fim de continuar a dar-
nos provas do seu belo talento.
8
Era prima de Francisco Sotero dos Reis por parte de mãe, segundo Muzart (2000, p. 264), poderemos notar
algumas das influências dele em seu romance, que analisaremos mais adiante.
60
Muitas mulheres acabaram por optar publicar seus escritos de duas formas: a
9
primeira, como no caso de Firmina, intitulando-se “uma maranhense” (uma senhora, uma
brasileira, entre outros) que não especificava exatamente quem era essa maranhense, mas
deixava claro que era uma mulher; ou, uma segunda forma era a adoção de pseudônimos
masculinos. Em ambos os casos havia uma tentativa de se adentrar, com um pouco mais de
liberdade, no universo letrado, dominado, quase que exclusivamente por homens, além de
tentar burlar o preconceito da época. Segundo o jornal A Verdadeira Marmota, sobre a
publicação do romance Úrsula:
A autora de Úrsula
9
Não só no Brasil, mas em outros países da Europa, como na Inglaterra, quando da publicação de seus romances
Orgulho e Preconceito e Razão e Sensibilidade, por exemplo, Jane Austen assinou By a lady (Por uma dama).
61
Devemos recordar que se nessa houve pouca ou quase nenhuma contribuição das
mulheres com a escrita, isso se deve ao fato de que, na primeira metade do século XIX, o
Maranhão vivia sob a égide do patriarcalismo. Sustentando a visão patriarcal estavam os
dogmas religiosos da Igreja Católica, como já mencionamos no capítulo anterior. Esses dois
pontos convergiam para representar a mulher como uma figura subalterna e dependente do
homem. Motivos esses que faziam que as mulheres desse período tivessem quase nenhum
acesso à educação e, consequentemente, ao campo literário.
A partir dessas afirmações, seria possível considerar Maria Firmina dos Reis uma
intelectual na primeira metade do século XIX? Embora ela tenha contribuído com a imprensa
local, publicado folhetins, contos e um romance, uma mulher, nessa época, não poderia ser
considerada uma intelectual, uma vez que a ideia de intelectual – ou letrado, termo que faz
referência, durante o século XIX, à noção de intelectual –, detentor de um saber-poder, ligava-
se à figura masculina.
Segundo Chartier (1997, p. 120), “o homem de letras”, seria uma espécie de
enciclopedista, um homem que possui conhecimentos em todas as áreas do saber, um “belo
espírito” dotado de “imaginação brilhante nos prazeres da conversa, sustentados pelas leituras
correntes”. Por essa definição, um intelectual no século XIX seria, portanto, aquele homem
que estuda e lê constantemente sobre diversos assuntos e que convive socialmente,
demonstrando nessa sociabilidade com seus pares os saberes adquiridos.
Analisando essa definição, percebe-se que as mulheres da primeira metade do século
XIX estavam excluídas da ideia de intelectualidade. Destacamos dois pontos no conceito de
“letrado” proposto por Chartier, o primeiro diz respeito à questão do acesso à leitura, à
educação; o segundo está relacionado à mobilidade e ao convívio social, dessa forma:
convívio social que não primava pelo aprendizado de um ofício externo ao âmbito doméstico.
Assim, o convívio social feminino resumia-se, em muitos casos, aos salões, aos bailes, ou às
visitas à casa de outras mulheres, tão desprovidas de instrução quanto às outras.
Retomando o caso de Firmina, por exemplo, uma mulher que possuiu um ofício
externo ao lar (era professora) e que adentrou em um espaço considerado exclusivo aos
homens, os elogios que recebeu na imprensa estavam sempre ligados a uma visão que definia
a mulher como um ser delicado (a ideia de “sexo frágil”), e, por esse motivo, seus escritos
sempre eram vistos como simples, quando comparados com os de escritores masculinos,
como nessa passagem de um jornal local, onde “convidamos aos nossos leitores a apreciarem
essa obra original maranhense, que, conquanto não seja perfeita, revela muito talento da
autora” (JORNAL DO COMÉRCIO, 4 ago.1860, grifo nosso); e ainda afirma que “é pena que
o acanhamento mui desculpável da novela escrita não desse todo o desenvolvimento a
algumas cenas tocantes” (JORNAL DO COMÉRCIO, 4 ago.1860). Outro jornal local
afirmava que “a poesia é dom do céu, e a ninguém dotou mais largamente a divindade do que
ao ente delicado, caprichoso e sentimental – a mulher” (A VERDADEIRA MARMOTA,
13 maio 1861).
Embora nesse período o único gênero autorizado a falar, nomear, dominar e exercer
seu poder e visão de mundo fosse o masculino, “mesmo assim, foi a partir dessa época que
um grande número [em comparação com os períodos anteriores] de mulheres começou a
escrever e publicar, tanto na Europa quanto nas Américas” (TELLES, 2010, p. 403).
Esse maior número de escritoras que começou a surgir no século XIX, deve-se aos
fatores já analisados (como a mudança de mentalidade em torno da educação feminina,
principalmente após a divulgação do pensamento Positivista – que entendia a mulher como
primeira educadora dos futuros homens de uma nação, dessa forma, era necessário educá-la,
para que ela pudesse formar corretamente os próprios filhos – e, no caso do Brasil, com a
maior quantidade de livros europeus que passaram a circular na colônia com a chegada da
Família Real). Mas “a conquista do território da escrita, da carreira de letras, foi longa e difícil
para as mulheres no Brasil” (TELLES, 2010, p. 409). Até mesmo adentrar no magistério foi
difícil para as mulheres da primeira metade do século XIX:
As conquistas foram lentas e graduais e foram travadas por mulheres que não
colocaram em primeiro lugar “o que os outros vão dizer” e que tentaram se livrar da tirania do
alfabeto, tendo primeiro de aprendê-lo para depois deslindar os mecanismos de dominação
nele contidos (TELLES, 2010, p. 410). E mesmo indo de encontro às estruturas sociais
estabelecidas, muitas dessas mulheres foram criticadas e seus textos vistos como
esteticamente ruins, além de que seus conteúdos eram constantemente comparados com os de
escritores homens a partir de um ponto de vista que as inferiorizava.
Porém, se os textos femininos do século XIX foram considerados frágeis, sem
conteúdo profundo, fora dos padrões e cânones literários da época, essa situação devia-se ao
tipo de educação que se destinou a essas mulheres. Como aprofundar e escrever textos de
qualidade quando não tinham acesso a uma educação que as fizesse refletir profundamente
sobre a sociedade na qual estavam inseridas? Segundo Telles (2010, p. 406), “a situação de
ignorância em que se pretende manter a mulher é responsável pelas dificuldades que encontra
na vida e cria um círculo vicioso: como não tem instrução não está apta a participar da vida
pública, e não recebe instrução porque não participa dela”.
Longe de serem textos frágeis os escritos femininos do século XIX (e mesmo do
início do século XX), revelam a situação na qual se desejava manter a mulher, uma situação
de ignorância plena, onde elas, ao se prepararem para serem as “rainhas do lar”, em
contrapartida, não poderiam criticar ou se rebelar contra o sistema patriarcal que as dominava.
O século XIX não via com bons olhos mulheres envolvidas em ações
políticas, revoltas e guerras, em geral. As interpretações literárias das ações
das mulheres armadas, em geral, denunciam a incapacidade feminina para a
luta, física ou mental, donde concluem que as mulheres são incapazes para a
política, ou que esse tipo de ideia é apenas diversão passageira de meninas
teimosas que querem sobressair (TELLES, 2010, p. 407).
De acordo com o que apresentamos até aqui, notamos que à mulher do século XIX
não era de fácil permissão o acesso ao campo literário, local exclusivo de disputas do poder
masculino. Não há, por exemplo, nenhuma referência ao nome de Maria Firmina dos Reis ao
conjunto de escritores/intelectuais que compunham a chamada Athenas Brasileira.10 Também
não há referências de que Maria Firmina tenha frequentado salões ou clubes literários,
espaços de sociabilidade dos chamados “homens de letras” durante o século XIX. Durante o
período imperial, no Brasil, houve quase que uma total ausência da mulher nas esferas política
e artística, ou seja, os papéis sociais de homens e mulheres estavam deveras bem definidos, a
mulher não podia – ou não deveria – ocupar-se de atividades entendidas como essencialmente
masculinas.
Porém, mesmo com essas restrições, algumas mulheres conseguiram escrever em
jornais e publicar alguns livros – como foi o caso de Maria Firmina dos Reis. Mas, essas
mulheres escritoras não eram vistas com a mesma profundidade intelectual com a qual eram
observados os homens que desempenhavam o mesmo ofício. A mulher, mesmo quando
conseguia algum destaque no campo literário, era vista como inferior ao homem, sendo seus
textos considerados frágeis.
Essas comparações feitas entre os textos de escritores e escritoras mostram que havia
um “duplo padrão da crítica, isto é, critérios diferenciados para julgar ou comentar obras de
homens e obras de mulheres” (TELLES, 2010, p. 422). Para a grande maioria dos críticos no
século XIX, “as escritoras deveriam permanecer no seu lugar; aquele lugar que lhes era
10
“A menção à Athenas Brasileira surgida na década de quarenta do século XIX, em virtude dos arroubos
românticos” (BORRALHO, 2010, p. 47) expressava o conjunto de intelectuais maranhenses que se destacou no
cenário literário brasileiro, com nomes como os de Viriato Corrêa, Humberto de Campos, Arthur Azevedo,
Aluízio Azevedo, Coelho Neto, Sotero dos Reis, Odorico Mendes, entre outros. Segundo Lacroix (2008, p. 77)
“entre 1830 e 1870, uma plêiade de intelectuais se destacou no cenário nacional, chegando a dar à Província, o
cognome de Atenas Brasileira, título conservado por bastante tempo no Brasil republicano”.
65
atribuído e se situava bem longe da esfera pública” (TELLES, 2010, p. 422). Dessa forma, tal
como o homem não deveria se interferir em assuntos de mulheres, àqueles relacionados à
organização e administração do lar; assim também as mulheres não deveriam se intrometer
nos assuntos dos homens, àqueles relacionados às tarefas públicas.
Sei que pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher
brasileira, de educação acanhada e sem o trato e conversação dos homens
ilustrados, que aconselham, que discutem e que corrigem, com uma
instrução misérrima, apenas conhecendo a língua de seus pais, e pouco lida,
o seu cabedal intelectual é quase nulo (REIS, 2004, p. 13).
Firmina tinha consciência de que seu texto, para os letrados, para a crítica da época,
seria inferior quando comparado às obras masculinas, pois, primeiro é escrito por uma mulher
– brasileira – e segundo por uma mulher que não teve uma instrução adequada, como a de
seus contemporâneos escritores, “Gonçalves Dias (1823-1864), o grande poeta romântico
nascido no Maranhão, estudou em Coimbra, enquanto sua conterrânea estudou sozinha”
(TELLES, 2010, p. 410).
A seguir, analisaremos o romance como difusor das representações sociais de
Gênero.
66
1. O romance não deve ser poético no sentido pelo qual os outros gêneros
literários se apresentam como tais; 2. O personagem do romance não deve
ser herói, nem no sentido épico, nem no sentido trágico da palavra: ele deve
reunir em si tanto os traços positivos, quanto os negativos, tanto os traços
inferiores, quanto os elevados, tanto os cômicos, quanto os sérios; 3. O
personagem deve ser apresentado não como algo acabado e imutável, mas
como alguém que evolui, que se transforma, alguém que é educado pela
vida; 4. O romance deve ser para o mundo contemporâneo aquilo que a
epopeia foi para o mundo antigo (BAKHTIN, 1998 p. 402).
11
Monografia de conclusão de curso, A Razão e a sensibilidade nos romances do início do século XIX: difusão
da visão de mundo burguesa (2010).
67
de acordo com as vicissitudes e lições de vida que apreende através dos momentos, difíceis ou
não, pelos quais passa durante a narrativa.
“O romance é a epopeia de uma era para qual a totalidade extensiva da vida não é
mais dada de modo evidente, para a qual a imanência do sentido à vida tornou-se
problemática” (LUKÁCS, 2009, p. 55). Essas afirmações dizem respeito à importância que o
romance ganhará na sociedade que se constrói diante do mundo moderno, mas
especificamente, com a ascensão da classe média burguesa. Segundo Lukács, o romance só se
destacará na literatura a partir da ascensão da burguesia e a incorporação de seus valores na
sociedade.
O romance possui uma visão ordinária, que nasce da ligação entre indivíduo e
sociedade. É um gênero que pode então ser considerado como o lugar de confronto entre o
herói problemático (o herói burguês que precisa trabalhar e conquistar o mundo) e o mundo
real, com suas dificuldades concretas, suas convenções frustrantes. “Mundo contingente e
individuo problemático são realidades mutuamente condicionantes” (LUKÁCS, 2009, p. 79).
O herói do romance ora aceita, ora se opõe à sociedade em que vive. A forma interior
do romance acaba por revelar-se como o percurso do destino desse herói humano (comum)
que, a partir da submissão à realidade que nem sempre pode ser alterada, chega à clara
consciência de si mesmo, ele evolui, transforma-se, não se conservando o mesmo do princípio
ao fim.
No caso do Brasil oitocentista, verifica-se um crescimento no número de romances
europeus que aqui adentraram, após a transferência da Corte Portuguesa.
Para Telles (2010, p. 402), “o século XIX é o século do romance”, pois a literatura
anterior ao gênero romanesco – mais especificamente a epopeia clássica – possuía um caráter
coletivo; o romance vem a substituir essa forma de narrativa, uma vez que sua orientação é
individual, fazendo que o leitor sinta-se mais próximo da trama e se identifique, em maior ou
menor grau, com as personagens e sua história. “É o romance que difunde a prosa da vida
doméstica cotidiana, tendo como tema central o que os estudiosos contemporâneos
68
Tal como Jesus Cristo, que sofreu para salvar a humanidade, prova de seu amor
incondicional pela Criação, o ser apaixonado deveria sofrer para provar a sinceridade dos
sentimentos. O amor romântico, descrito nos romances do século XIX, é um amor que sofre,
pois apenas assim pode encontrar sua redenção. O amor verdadeiro deveria, dessa forma, estar
ligado ao sofrimento, aos estados d’alma que se assemelhavam a êxtases espirituais. Mas,
mesmo essa Literatura sofreu com a rígida repressão com que eram tratadas as mulheres do
século XIX.
do Maranhão oitocentista, a grande parte da população – tal como em todo Império – era
constituída de analfabetos. A leitura de romances e folhetins era mais difundida entre as
camadas superiores da população que, além do acesso à leitura, tinham capital para a compra.
Além disso, realidade e ficção, muitas vezes, não seguiam na mesma direção. Segundo Priore
(2006, p. 132):
Essa nova mentalidade difundida através dos romances, foi lentamente adicionada à
cultura familiar. No início funcionando, como já afirmamos, como uma fuga da realidade,
posteriormente sendo incorporada nas famílias de pensamento mais liberal, até que, aos
poucos, foi atingindo a população como um todo. Mas isso se deu de forma lenta e gradativa,
tal como ocorreu em relação à incorporação de uma mentalidade que minasse o descaso em
relação à educação/instrução para as mulheres. A realidade se distanciava em larga medida da
ficção.
O romance Úrsula, de Maria Firmina dos Reis, foi publicado em 1859. Seu enredo
centra-se no triângulo amoroso entre Tancredo, Úrsula e Fernando. O jovem Tancredo, logo
após sofrer um acidente ao cair de seu cavalo em meio à mata, é recolhido pelo escravo Túlio.
Esse, por sua vez, leva-o para ser tratado em casa próxima, neste caso, o casebre onde a jovem
Úrsula vive com sua mãe enferma, Luísa B... O rapaz, depois de muita febre e delírios,
recupera-se e apaixona-se por Úrsula, que, por dedicar tanto zelo nos cuidados com seu
paciente, acaba se apaixonando por ele na mesma medida.
Tancredo tem, em seu passado recente, uma desilusão amorosa. Havia amado
Adelaide, prima de sua mãe. Porém, Adelaide traiu o amor de Tancredo e, após a morte da
mãe do jovem, a moça casa-se com o pai dele.
Desiludido, Tancredo enxerga em Úrsula uma nova possibilidade de felicidade. A
mãe de Úrsula abençoa o amor do jovem casal.
Porém, em uma tarde, enquanto Úrsula passeia sozinha pela mata, tentando acalmar
seu coração da saudade que sente de Tancredo – o jovem havia viajado para resolver assuntos
pendentes e retornaria em duas semanas para casarem-se – a moça é surpreendida por um
homem. Esse homem, pouco depois, ela descobre ser seu tio Fernando P..., irmão de sua mãe.
Fernando apaixona-se violentamente por Úrsula e tenta forçá-la a casar-se com ele. Fernando
havia sido o mandante do assassinato do pai de Úrsula, pois nutria um ciúme doentio por sua
irmã, Luísa B...
Nesse ínterim, a mãe de Úrsula, Luísa B., morre, tendo em vista que sua doença já se
agravara.
Tancredo retorna, os jovens casam-se às pressas em um convento e, com ódio,
Fernando mata Tancredo em seguida à cerimônia de casamento. Úrsula enlouquece e morre
pouco tempo depois. Fernando arrepende-se e entra para a vida monástica.
O romance possui XX capítulos, um Prólogo e um Epílogo. Os capítulos foram
nomeados seguindo um padrão no qual a cena principal do capítulo parece ser o motivo da
escolha do seu nome. Assim, por exemplo, no capítulo I, intitulado Duas almas generosas, a
73
cena principal é o encontro do jovem Tancredo com o escravo Túlio – dois personagens
considerados generosos pela narradora.
A narrativa ocorre por meio do discurso direto. O foco apresenta-se em terceira
pessoa, e a narradora conta os eventos de forma onisciente. A narradora (Maria Firmina dos
Reis), sendo onisciente, pode visualizar várias cenas, em diferentes locais, no tempo e no
espaço e assim narrá-las de forma precisa. Além disso, a narradora pode interagir com o
leitor, um recurso que faz que o leitor fique mais íntimo da trama. Como se percebe nestes
fragmentos: “não sei que sentimento a trouxe do coração aos olhos; mas fosse qual fosse, o
que é verdade é que a lágrima, semelhando uma pérola escapada a precioso colar, rolou-lhe
pelas faces e foi cair sobre a mão do enfermo” (REIS, 2004, p. 36); ou ainda, em “era o
cavaleiro convalescente o homem que assim falava, como o leitor perspicaz tê-lo-á já
adivinhado” (REIS, 2004, p. 48, grifo nosso).
“A técnica utilizada para a construção do romance é a de encaixe de narrativas, nas
quais as personagens contam suas vidas” (MENDES, 2006, p. 48), ou seja, as narrativas são
“encaixadas”, umas nas outras, conforme as personagens vão contando suas histórias, suas
vidas, seus desejos e anseios. E enquanto essas personagens contam suas vidas, a narradora
dialoga com o leitor, fazendo inferências, críticas e levantando hipóteses sobre os
comportamentos e pensamentos das personagens. Essa técnica utilizada pela autora leva o
leitor a uma reflexão sobre os eventos narrados na trama.
O espaço foi dividido em dois: o psicológico e o físico. O espaço psicológico é o que
fica mais evidente, uma vez que “a maior parte da história é narrada do ponto de vista das
personagens através de suas memórias, que recuperam suas vivências passadas” (MENDES,
2006, p. 90).
Já o espaço físico está representado, principalmente, nas cenas descritas na natureza.
Além disso, há a casa de Luísa B., mãe de Úrsula, algumas referências à casa de Tancredo e à
do comendador Fernando P. Aparecem também um convento e um cemitério. “Os outros
espaços físicos são mencionados através das memórias das personagens” (MENDES, 2006, p.
90), como no caso da negra Susana, quando recorda sua vida na África antes de tornar-se
escrava e mesmo a travessia pelo Atlântico em um navio negreiro.
Os protagonistas da trama são o casal romântico Úrsula e Tancredo. O antagonista é
o tio de Úrsula, Fernando P. Os demais personagens são secundários, neste grupo estão: o
negro Túlio, a negra Susana, o escravo Antero, os pais de Úrsula, os pais de Tancredo,
Adelaide e o padre, amigo de Fernando P. As personagens principais, nota-se, são brancas,
enquanto aos negros reservou-se um papel de personagens secundários.
74
A partir dessas visões, notamos que o Romantismo foi um movimento que surgiu a
partir da contraposição ao pensamento Iluminista. Porém, para Campbell, a reação contrária
dos românticos em relação ao Iluminismo não era contra todo o movimento, mas dirigia-se
mais especificamente sobre a visão exacerbada de culto à razão.
O Iluminismo baseava-se no que muitos chamam de “culto à racionalidade”. Essa
racionalidade foi encarada como necessária para que as explicações teológicas do período
anterior pudessem ser abandonadas. De acordo com Costa Lima, refletindo sobre a crítica
iluminista a respeito do teocentrismo, “a resposta é imediata: assim tinha que suceder porque
o cristianismo se tomava por uma explicação totalizante” (LIMA, 2007, p. 590).
Embora, grosso modo, o Renascimento seja entendido como um retorno aos modelos
clássicos da Antiguidade greco-romana e uma busca pela visão humanista, em que o homem
está no centro de todas as temáticas e explicações, consideramos que os modelos estamentais
da ordem não foram rompidos em sua totalidade, modelos esses baseados na visão da Igreja
Católica que defendia a ideia de que, desde o nascimento, o homem ocuparia a posição que
merece, pois esta foi estabelecida por Deus. Além disso, a própria noção de Direito Divino
dos Reis, presente durante todo o período absolutista, também era influenciada e fornecida
pelas explicações teológicas; assim, o período classicista até fins do absolutismo monárquico
“fora atravessado pelo esforço de domesticar o indivíduo, sujeitando-o socialmente ao
estamento em que nascera e artisticamente à verdade que a teologia e a filosofia ensinavam”
(LIMA, 2007, p. 663).
75
Essa representação de mundo gerava uma ordem social que dificilmente poderia ser
rompida, em outras palavras, os dominantes sempre exercem o poder, e os dominados sempre
estão em posição subalterna. Feitas essas considerações, podemos nos voltar para a análise do
Romantismo.
Um movimento (social ou cultural), quando surge, vem se contrapor ao movimento
anterior. Neste caso, o Iluminismo – racionalista – se contrapunha à visão de seu antecessor, o
Classicismo – de caráter teologizante. Já o Iluminismo teve como seu contraposto o
Romantismo, que buscava cultuar o sentimentalismo. Razão contra fé, sentimento contra
razão.
As explicações de caráter religioso eram basicamente as únicas que a Europa
Ocidental conhecia durante o período Renascentista e mesmo anterior a ele – neste caso
durante o Barroco. O Iluminismo surge com o intuito de romper com essa visão,
estabelecendo a razão, a inteligência humana como única fonte através da qual se poderia
encontrar – a partir da experimentação e do método científico – as respostas que se tornassem
explicações universais para todos os aspectos da vida.
Com a expansão das ideias iluministas o mundo exterior e interior dos filósofos – e
dos homens em geral – passa a ser entendido de forma racionalizada. Há então um abandono
do sentimento, da emoção. Os Românticos contrapõem-se a essa mentalidade de racionalidade
generalizada. Para Gay (1999, p. 63):
Segundo Gay, a capacidade criativa do ser humano era um dos pontos fundamentais
na crítica romântica aos iluministas. Enquanto os filósofos da luz acreditavam que a
imaginação apenas tecia variações sobre elementos já existentes na realidade; os românticos
defendiam a ideia de que a imaginação humana era inventiva, capaz de criar novas imagens,
pois “ouve harmonias até então desconhecidas” (GAY, 1999, p. 6).
Dessa forma, esse pensamento “permitia aos românticos retratar os seres humanos –
pelo menos os artistas – próximos da situação de divindade” (GAY, 1999, p. 6). Assim, o
próprio entendimento do “eu”, como passivo ou ativo, sofria uma considerável mudança de
conceito para as correntes: Iluministas defendiam o pensamento de que esse mesmo “eu” era,
na realidade, passivo, sendo apenas estimulado por fatores externos; para os Românticos,
76
existia uma atividade criativa do “eu”, uma imaginação inventiva. Em outras palavras, tal
como a divindade criadora, o artista romântico é também um criador, capaz de captar em seu
exterior as imagens e transformá-las a partir de sua imaginação/percepção interior.
Feitas essas considerações sobre o Romantismo, passemos a analisar as
características desse estilo de época presentes no romance Úrsula. Uma dessas primeiras
características, apresentadas desde o parágrafo inicial do romance, diz respeito à “exaltação
da natureza”. Vejamos um exemplo extraído do romance:
E a sua beleza é amena e doce, e o exíguo esquife, que vai cortando as suas
águas hibernais mansas e quedas, e o homem, que sem custo o guia, e que
sente vaga sensação de melancólico enlevo, desprende com mavioso acento
um canto de harmoniosa saudade, despertado pela grandeza dessas águas,
que sulca (REIS, 2004, p. 15).
O artista romântico exaltará a Natureza em suas obras, pois é nela que ele pode
verificar a existência de Deus, porque afinal “nela podiam perceber alguns traços da
divindade; em suas obras, como em suas palavras”. Para os artistas românticos, “as coisas
humildes que encontravam diariamente – regatos e colinas, pássaros e outros animais, o riso e
as canções das crianças – eram lições da religiosidade natural” (GAY, 1999, p. 96).
As referências à natureza permearão as obras românticas em sua totalidade, pois é na
natureza que as personagens dos romances encontram paz e felicidade, porque estão em uma
maior proximidade com a divindade; afinal, segundo a religiosidade, foi Deus quem criou a
natureza, ela é a prova material de sua existência, “assim, o culto romântico da Natureza era a
religião do coração projetada para o mundo externo, um egoísmo sublime” (GAY, 1999, p.
95).
Dessa forma, temos aqui duas características fundamentais do Romantismo:
exaltação da natureza e religiosidade. Ambas presentes no romance de Maria Firmina dos
Reis. A narradora afirma ainda que “a vista expande-se e deleita-se, e o coração volve-se a
Deus, e curva-se em respeitosa veneração; porque aí está Ele” (REIS, 2004, p. 17).
Gay nos aponta como os Românticos passam a dar um grande destaque à natureza,
entendida, em si mesma e cultuada como uma religião, reverenciando-a em suas obras. Estar
na natureza era, para a maioria, estar em contato com o Criador, pois é na natureza, nos
bosques, prados, florestas, sentindo a chuva, o vento nos cabelos, contemplando a luz da lua,
observando todas as paisagens naturais ou ouvindo e se sensibilizando com o canto melodioso
de pássaros, que o romântico entra em consonância com a divindade, entendida não por meio
de critérios religiosos preestabelecidos por alguma outra religião estruturada e estruturante,
mas pelo próprio sentimento, que é individual, ou seja, através do eu (egoísta) sublime. Esse
culto à “religião natural” se processa de forma subjetiva, o Romantismo é um movimento que
exalta o subjetivo, pois os sentimentos têm esse caráter, o artista vê e sente a sua maneira, de
forma individual. Sentia-se com o coração, e expressava-se exteriormente através de suas
obras em prosa ou verso. A natureza era uma fonte de inspiração para o “eu” criador dos
autores românticos e ao mesmo tempo um lugar de refúgio, onde esse “eu”, ao entrar em
contato com o Criador, aproximava-se mais do sentimentalismo, libertando-se da razão das
sociedades civis estabelecidas.
Assim, “sem religião não há arte. Quando falo religião, não quero apontar o
catolicismo, não obstante ser aquela onde mais predomina o espiritualismo; falo do
sentimento religioso; da religião do belo, ao menos” (apud CANDIDO, 1981, p. 18). Além de
que, “o espiritualismo era um pressuposto da escola, e todos pagavam o seu tributo”
78
(CÃNDIDO, 1981, p. 17), ou seja, a escrita, nesse período, dos romances, estava ligada, de
forma direta ou indireta, a uma visão religiosa.
Essas características foram incorporadas pelos escritores brasileiros a partir da
influência que tiveram da literatura francesa. “A religião foi desde logo reputada elemento
indispensável à reforma literária, porque, opondo-se ao temário pagão dos neoclássicos,
representava algo oposto ao passado colonial” (CANDIDO, 1981, p. 16-17).
Todo movimento literário surge como um movimento de contestação, de negação do
anterior. Dessa forma, as características brasileiras do movimento Romântico se assentam na
imitação dos modelos franceses e na refutação do estilo anterior, neste caso, o Neoclassicismo
do período colonial. Era necessário refutar-se, na arte Romântica, tudo que havia estado em
acordo com o colonialismo. Surge um movimento de caráter nacional, que busca construir
uma identidade da nação recém-independente. E, para construir essa identidade nacional,
fazia-se necessário exaltar a natureza do país que há pouco havia conquistado sua
independência.
Outro ponto que merece destaque é que, como afirmou Campbell, os românticos se
contrapunham mais especificamente ao racionalismo Iluminista. Assim, foram influenciados,
por alguns pensamentos da corrente dos filósofos da luz que melhor se adequavam aos seus
ideais. A questão da natureza nos parece a mais evidente, visto que esse contato com a
natureza, entendida como religião, aproxima-se do pensamento do filósofo Jean-Jacques
Rousseau.
Em seu romance, Maria Firmina dos Reis deixa clara sua posição de que, o contato
com a natureza melhora o caráter do ser humano, enquanto o convívio em sociedade o
corrompe. Temos aqui um forte indicio da influência da filosofia russouniana.
filósofo francês, os desvios de caráter no ser humano são construídos na sociedade civil, não
no homem selvagem que vive em contato com a natureza.
Em outra passagem do romance Úrsula, notamos uma aproximação entre a descrição
da narradora e o pensamento do filósofo francês, o que nos sugere uma possível influência de
Rousseau na escrita de Firmina:
Bernardin de Saint-Pierre foi um escritor e botânico francês que viveu entre 1737 e
1814, escreveu o romance Paulo e Virgínia em 1787, publicado em 1788. Traduziu o ideal do
Iluminismo e seu autor foi influenciado pelos pensamentos de Jean-Jacques Rousseau,
utilizando seus conceitos no romance, defendendo uma educação do homem natural longe da
civilização, no enriquecimento de seu caráter com noções de honestidade e moralismo.
Ainda em Úrsula, a narradora afirma que:
quase todos conservando a maneira de viver simples, uniforme e solitária que nos era prescrita
pela natureza”.
Rousseau afirmava que os homens são maus, mas não intrinsecamente, não na
condição de portadores dos atributos da espécie homem. A essência, a natureza do homem é
essencialmente boa; o que vemos diante de nós é uma degeneração dessa natureza originária,
que em si mesma é límpida e rica em potencialidades. Deformado, o homem social pouco tem
a ver, a não ser talvez a aparência, com o homem selvagem (FORTES, 1997, p. 17). Em
outras palavras, o homem é naturalmente bom, sua essência é boa. A maldade é a degeneração
dessa essência natural. “O homem selvagem [...], vemo-lo sempre entregar-se estouvadamente
ao primeiro sentimento da humanidade [a piedade]” (ROUSSEAU, 1999, p. 192).
Rousseau chega a algumas verdades fundamentais. Em primeiro lugar, partindo da
observação do universo que o circunda, chega à ideia de Deus, concebido como a vontade
primeira que move o universo e anima a natureza (FORTES, 1997, p. 19). Deus, a “vontade
primeira”, é sinônimo de harmonia, de bondade. A prova da existência de Deus está em suas
obras, segundo Rousseau. Uma das provas dessa existência divina é a própria Natureza. Maria
Firmina dos Reis, aproximando-se da filosofia russeauniana, defende a ideia de que, na
natureza, o homem entra em contato com o divino, com o Deus primordial, com o Deus da
harmonia e da bondade, pois “livre dessa vergonhosa cadeia, volve a Deus e o busca – e o
encontra; porque com o dom da ubiquidade Ele aí está” (REIS, 2004, p. 17).
Em sua obra Emílio, Rousseau expõe a forma como vê e entende a Deus:
A este ser que quer e que pode, a este ser ativo por si mesmo, a este ser,
enfim, qualquer que seja, que move o universo e ordena as coisas,
chamo-o Deus. Uno a este nome as ideias reunidas de inteligência, de poder,
de vontade e da bondade que é sua consequência necessária; apesar disto não
conheço melhor o Ser que assim classifico; ele se furta, tanto aos meus
sentidos como ao meu entendimento; quanto mais penso nele, mais me
confundo; sei com toda a certeza que ele existe, e que existe por si mesmo
(ROUSSEAU, 1995, p. 233)
Assim, o filósofo francês entendia Deus como uma religião natural. Deus deveria,
para ele, ser visto e sentido a partir da própria natureza humana primária e da observação da
ordem do mundo e das coisas que existem como manifestação divina, como a Natureza.
Afirmava ainda “quantos homens há entre mim e Deus”, manifestando sua crítica às
instituições religiosas (católicas e protestantes) e às interpretações do Evangelho.
Já Maria Firmina dos Reis expressa em Úrsula que:
E, nessa natureza, o homem, livre dos males da sociedade, torna-se um com seu
Deus:
Não há verdadeira vontade nem verdadeira ação sem uma liberdade, que é seu
princípio eficiente. E é esse atributo distintivo do homem que, se por um lado é
motivo de orgulho, por outro responde pela própria existência do mal sobre a Terra.
Se há desordem, se há caos é porque os homens são livres e podem fazer um uso ou
abuso da liberdade que os leva a exorbitar, a ir para fora ou para além da órbita
normal que lhes é própria. Logo no primeiro parágrafo do Livro I do Emílio,
Rousseau escreve: "Tudo é bem, saindo das mãos do autor das coisas; tudo degenera
entre as mãos do homem". O próprio homem, portanto, é o responsável último pelos
seus males (FORTES, 1997, p. 18).
Rousseau acreditava ainda que o homem é bom por natureza, o mau uso da
liberdade, que Deus concedeu a ele, torna-o mau. Mas, quando é que essa liberdade amaldiçoa
o homem, tornando-o ente da maldade? O elemento fundamental a partir do qual ocorre a
alteração da essência do homem é a sociedade civil. É a contradição entre natureza e
sociedade que comanda o processo e as dificuldades do convívio forçoso com seus
semelhantes, que levará o homem a entrar em contradição com suas disposições naturais
(FORTES, 1997, p. 19).
tornárão mais humanas (SAINT- PIERRE, 1811, p. 50). Bernardin ainda afirma que “cada dia
era para estas famílias hum dia de felicidade, e de paz. Não as affligião, nem a inveja, nem a
ambição. Ellas não desejavão a vã reputação que a intriga dá, e que a calumnia arrebata”
(SAINT-PIERRE, 1811, p. 48), tudo isso porque as personagens principais viviam isoladas,
longe das cidades e em contato estreito com a natureza. Outra passagem que destacamos:
Em Úrsula, temos que “[...] ia conversar com a solidão, essa conversa, que só Deus
compreende, e quando voltava achava-se mais aliviada” (REIS, 2004, p. 45), ou ainda:
É possível que tenha sido dentro desta perspectiva que Maria Firmina dos Reis via a
condição do escravizado negro africano no Brasil. Como algo não natural. Essa desigualdade
entre homens brancos e homens negros não estava na origem da essência do homem, mas, ao
83
contrário, era o que Rousseau chamou de “estado da sociedade”, ou seja, foi socialmente
produzida pelas escolhas feitas por homens degenerados em seu convívio com a sociedade
civil. Para Rousseau, a Origem da Desigualdade entre os Homens está na instituição da
propriedade privada, na posterior criação das leis e do governo, instituições da sociedade
civil:
Foi ou deve ter sido a origem da sociedade e das leis, que criaram novos
entraves para o fraco e novas forças para o rico, destruíram em definitivo a
liberdade natural, fixaram para sempre a lei da propriedade e da
desigualdade, de uma hábil usurpação fizeram um direito irrevogável e, para
o lucro de alguns ambiciosos, sujeitaram daí para frente todo o gênero
humano ao trabalho, à servidão e à miséria (ROUSSEAU, 1999, p. 222).
De modo que, assim como foi preciso violentar a natureza para estabelecer a
escravidão, foi preciso muda-la para perpetuar esse direito, e os
jurisconsultos que sentenciaram gravemente que o filho de um escravo
nasceria escravo decidiram, em outros termos, que um homem não nasceria
homem.
Essa possível influência russeauniana em Maria Firmina dos Reis pode ser explicada
porque a escritora “fez traduções do francês para publicações, sabemos que dominava esse
idioma” (TELLES, 2010, p. 410), possivelmente foi assim que entrou em contato com as
ideias e livros dos iluministas franceses, quando fazia as traduções.12
12
Cabe ressaltar que as traduções em geral, em todo o Brasil, ficaram mais difundidas a partir da vinda da
Família Real Portuguesa para o Brasil (1808), o que “impulsionou a imprensa nacional, desencadeou o fim da
censura e a importação de costumes europeus - como o hábito de ler e adquirir livros, e também a criação de
universidades, contribuindo para a formação de um público leitor e para atenuar as lacunas intelectuais deste
público. Exemplo disso foi a vinda da Missão Francesa (1816) ao Brasil que, amparada pelo processo tradutório,
trouxe grandes contribuições e estabeleceu novos paradigmas intelectuais e culturais nas artes em geral. A
criação da Escola de Belas Artes pela Missão Francesa singularizou uma nova ferramenta de ensino, que até
então não era utilizada no Brasil - os livros, os quais, em sua maioria, eram escritos em francês ou traduzidos
para o português” (REIS, 2012, p. 2). No caso da censura aos livros estrangeiros, ela foi “suprimida em
28/08/1821; medida que descortinou novos rumos aos leitores, livreiros, importadores, impressores e tradutores.
Com isso, multiplicaram-se as tipografias, livrarias e tradutores” (REIS, 2012, p. 3).
84
bases da narrativa. O amor é um sentimento e como tal é individual. Ninguém, afinal, pode
sentir pelo outro. O amor romântico pressupõe uma escolha que não está condicionada,
necessariamente a fatores externos, como dinheiro, posição social, sobrenome, entre outros. O
amor romântico que os Românticos exaltavam em seus poemas, canções e romances, era um
amor livre e libertador. O amor romântico não era uma novidade para o século XIX, mas
segundo Priore (2006, p. 25):
Gay acrescenta que, naturalmente, o século XIX não inventou a emoção amorosa,
porém, a novidade, que em boa parte deu aos românticos uma importância duradoura mesmo
após diminuir sua influência sobre o palco e a ficção, “era a afirmativa corajosa de que o jogo
das emoções era aceitável, e até mesmo necessário para que se alcançasse a plena
humanidade” (GAY, 1999, p. 113).
O Romantismo então teria, poderíamos considerar, dado uma liberdade maior às
manifestações amorosas, possivelmente, também, como tentativa de romper com a
racionalidade do Iluminismo. O “liberalismo” do amor contou com um grande público que
passou a apreciar as histórias sentimentais de heróis e mocinhas que passavam por diversos
reveses antes de poder, enfim, ter seu final feliz. Em Úrsula, todas as personagens são livres
para fazer as escolhas de seus amores. Não há nenhuma referência a casamentos arranjados
pela família, embora em algumas passagens, como veremos na análise das personagens
femininas, haja comentários e comportamentos que demonstram preconceito em relação à
união entre pessoas de classes sociais diferentes.
O amor é libertador, salvador. É o amor por Úrsula que salva Tancredo da decepção
com Adelaide, pois “a vossa bondade [de Úrsula] deu-me forças para esquecê-la, talvez
mesmo para perdoá-la!...” (REIS, 2004, p. 50); ou ainda, quando Tancredo afirma que:
A moça dizia consigo – Meu Deus! Meu Deus, que é o que eu sinto no
coração que me enternece? Deve ser sem dúvida esta forçada vigília, este
lidar de todos os momentos. O estado de minha pobre mãe... a compaixão
que me inspira este infeliz mancebo, tão próximo talvez da morte!... Oh!
Terrível ideia! A morte! É ele tão jovem... tão leal, e tão franca é a sua
fisionomia... meu Deus! Eu pudesse, duplicaria os meus cuidados para salvá-
lo! Oh, se eu pudesse!... (REIS, 2004, p. 37).
Era feliz; porque era amada, e sua vida inteira teria dado por esse momento
de ventura. Amor! Esse sentimento novo – ardente como o sol do seu país,
arrebatador como as correntes, que se despenham do vale – foi a varinha
mágica que transformou-lhe a existência. Julgou tudo um sonho encantador,
cujas doçuras começava apenas a apreciar (REIS, 2004, p. 52).
89
A liberdade do amor romântico não era plena. O amor só podia ter um final feliz
quando acompanhado dos votos matrimoniais. Assim, “até os representantes mais aventurosos
da burguesia do século XIX consideravam o casamento não como a némesis do amor, mas
como sua manifestação mais elevada” (GAY, 1999, p. 112). Dessa forma, o final feliz era
aquele que levava o casal enamorado para o altar. É esse amor que Úrsula e Tancredo sentem
um pelo outro, um amor ideal, puro e que privilegia o enlace matrimonial, como, nas palavras
de Tancredo: “o homem, que vos ama, que vos idolatra, o homem que vos escolhe para sua
esposa [...]” (REIS, 2004, p. 52).
Outra possível influência sofrida por Maria Firmina dos Reis deva-se, talvez, a
Francisco Sotero dos Reis, contemporâneo e primo por parte de mãe da autora e:
incompletas, sem sentido], por que contribuem para lançar obscuridade ao discurso, cuja
primeira virtude é a clareza” (REIS, 1866, p. 231). Em Úrsula, temos uma linguagem de fácil
entendimento, seu texto é claro, as falas das personagens são bem definidas, o que permite
compreender o texto com facilidade. Esta é a clareza que Sotero dos Reis defendia, para maior
facilidade de comunicação do discurso.
Não dispomos de informações que comprovem, objetivamente, que Maria Firmina
dos Reis teve grande contato com Francisco Sotero dos Reis. Resta-nos levantar algumas
hipóteses sobre a voz de algumas personagens do romance. As personagens secundárias,
representadas em sua maioria pelos negros africanos escravizados – mais especificamente
Túlio e Suzana – não deixam nada a desejar no aspecto linguístico em relação às demais
personagens – brancas – da trama.
Temos aqui duas hipóteses que não necessariamente se excluem:
1. Maria Firmina foi influenciada pela postura defendida por Sotero dos Reis, por
isso primou pela linguagem formal, a norma culta, em todas as personagens,
independentemente de que tenham – como no caso dos protagonistas, ou não, como no caso
dos escravos negros africanos – possível acesso à educação e alfabetização.
2. Maria Firmina privilegiou uma possível igualdade entre ambas as raças – classes
sociais – como sinal de sua profunda identificação com a problemática racial.
Como afirmamos, uma hipótese não exclui a outra, uma vez que, desejando primar
pela norma culta, privilegiou-a, igualando as falas de dominados e dominadores. Uma vez que
desejava demonstrar que os dominados podem alcançar o espaço de seus dominadores. A
intenção não seria fazer o branco descer a categoria do negro, caso ela invertesse as
linguagens utilizadas por esses grupos, mas fazer que o negro pudesse ascender socialmente,
igualando-o, inclusive, na forma estrutural da língua pátria.
Como, possivelmente, defendia a mesma postura de Sotero dos Reis, acreditava que
a alfabetização, a educação, o respeito e conhecimento da língua pátria, deviam ser direito de
todos, igualando-os como brasileiros, sem a dicotomia negro X branco, escravo X senhor. Há
outras indicações, em seu romance, de igualamento de ambas as classes, como quando
compara Tancredo e Túlio no primeiro capítulo. Tancredo sofre por amor, Túlio sofre por ser
escravo. Tancredo e Túlio são almas generosas. Essa é uma visão humanista, outra
característica presente no romance.
Sobre a dor de Tancredo, a narradora menciona: “Mas quem sabe?!... Talvez uma
ideia única, uma recordação pungente, funda, amarga como a desesperação de um amor
traído, lhe absorvesse nessa hora todos os pensamentos” (REIS, 2004, p. 18).
91
Sobre a dor de Túlio, afirma que “ele entanto resignava-se; e se uma lágrima a
desesperação lhe arrancava, escondia-a no fundo da sua miséria. Assim é que o triste escravo
arrastava a vida de desgostos e de martírios, sem esperança e sem gozos!” (REIS, 2004, p.
22).
Sobre o encontro de ambos, diz que “esse [Tancredo] beijo selou para sempre a
mútua amizade que em seus peitos sentiam eles nascer e vigorar. As almas generosas são
sempre irmãs” (REIS, 2004, p. 26, grifo nosso).
Essa primeira análise das características e possíveis influências recebidas por Maria
Firmina dos Reis ao escrever seu romance Úrsula pode nos dar algumas pistas sobre o
período em que a escritora viveu.
Tal como Candido, entendemos que a relação entre sociedade e Literatura é dialética,
pois a segunda nasce através da influência que a primeira faz sobre ela e que, ao contrário,
uma obra literária é capaz de intervir e mesmo modificar o meio onde circula.
Dessa forma, o escritor sofre ingerências do seu meio sócio-histórico. No caso de
Maria Firmina dos Reis, embora inserida em um tempo/espaço onde a mulher era vista através
da sombra do homem, nossa referida escritora não incorporou essas afirmações sobre seu
gênero em totalidade, melhor, interpretou essas representações sociais ao seu modo, tendo em
vista que, em seu romance, criticou, a sua maneira, a forma como as mulheres e os
escravizados eram tratados pela sociedade patriarcal dominante.
Maria Firmina, embora tendo escrito uma história de ficção, nos mostrou, ao longo
de todo o romance, fatos do cotidiano, as relações sociais e o pensamento presentes na época
em que viveu e escreveu seu texto. Pela sua leitura, podemos, então, perceber aspectos
contemporâneos da sociedade maranhense da primeira metade do século XIX, o pensamento
presente nessa sociedade de cunho paternalista e escravocrata.
Para nós, uma obra literária, de qualquer gênero e em qualquer época, não pode e não
deve ser vista como um ente desencarnado de seu tempo histórico. Ao contrário, a obra
literária, como qualquer outra arte, tem um referencial com o real, ou seja, é a partir do lugar
social, do tempo em que o autor vive que ele busca os elementos para a feitura de sua arte. A
história contida no livro, seu enredo, os nomes de seus personagens, as datas, os nomes de
lugares, tudo pode ser uma invenção do autor. Mas os valores (positivos ou negativos), a fala,
os costumes, enfim, as representações de mundo expostas na obra, estas sim são buscadas no
cotidiano externo ao autor.
O que observamos neste capítulo é que Maria Firmina dos Reis, ao seu modo,
recebeu e incorporou as influências de sua época, de acordo com seu local social. Como era
92
13
Companhia de Santa Úrsula fundada em 1536 por Ângela Mérici. Em São Luís, no ano de 1753 foi fundado o
Recolhimento de Nossa Senhora da Anunciação e Remédios, pelo padre jesuíta Gabriel Malagrida. Nesse
período, as recolhidas foram vinculadas por Malagrida às Ursulinas do Coração de Jesus. Porém, quando da
condenação do padre pelo Tribunal da Inquisição, as Ursulinas foram substituídas pelo instituto das Agostinianas
de Santa Mônica, como tentativa de se afastarem ao máximo das diretrizes do antigo fundador do Asilo.
94
deixando apenas Úrsula viva. Sua beleza supostamente teria deixado encantado o próprio
Átila, que tentou seduzi-la, propondo, inclusive, casamento. Ela recusou, afirmando já ser
esposa do mais poderoso dos reis: Jesus Cristo. Átila, enfurecido com a rejeição, degola
pessoalmente a jovem, no dia 21 de outubro de 383.
É possível que Maria Firmina dos Reis tenha conhecido a história de Santa Úrsula.
No Brasil, por exemplo, o padre José de Anchieta escreveu um auto intitulado Santa Úrsula,
em que contava a história da Santa e das onze mil virgens. Além disso, Maria Firmina nasceu
no mesmo mês em que Santa Úrsula era lembrada pelo calendário cristão.14
Úrsula é a heroína romântica com todas as suas potencialidades, em todas as suas
virtudes. Ela é aquilo que se pretendia que toda mulher deveria ser: virtuosa, virginal, pura,
delicada, honesta, simples, obediente, dócil, maternal em seus cuidados para com o outro.
Úrsula, a mimosa filha de Luisa B..., a flor daquelas solidões [...] Esse anjo
de sublime doçura [...]. Bela como o primeiro raio de esperança [...]. Era ela
tão caridosa... tão bela... e tanta compaixão lhe inspirava o sofrimento alheio,
que lágrimas de tristeza e de sincero pesar se lhe escaparam dos olhos,
negros, formosos, e melancólicos (REIS, 2004, p. 32-33).
Úrsula, tal qual uma santa, tal qual um anjo, um ser celestial, não possui defeitos. Ela
não possui interesses próprios, é desprendida de quaisquer anseios mundanos, além disso,
aceita de forma resignada grande parte das situações que a vida lhe impõe.
O jovem Tancredo, ao sofrer uma queda de seu cavalo, é socorrido pelo escravo
Túlio, que o leva para ser cuidado em casa de Luísa B..., mãe de Úrsula. A mãe da jovem é
paralítica e sobrevive através dos cuidados da filha. Úrsula, então, passa a dividir sua atenção
para com os dois enfermos: a mãe e Tancredo. Segundo a narradora:
Úrsula desvela extremoso cuidado para com o rapaz, porque é de sua natureza
singela, dócil, caridosa. A ela não interessa o que possa parecer, mesmo porque o jovem está
desacordado, ele não tem como avaliar o comportamento da moça. Firmina espera que os
leitores compreendam que Úrsula não agia com interesse, ao contrário, agia de forma normal,
14
Maria Firmina dos Reis nasceu em 15 de outubro, o dia de homenagem a Santa Úrsula era 21 de outubro, ou
seja, pouco menos de uma semana após o nascimento da escritora. Por ser muito religiosa – isso fica claro nas
referências a Deus, feitas em toda sua escrita –, é possível que Firmina tivesse conhecimento da história da
Santa.
95
Comte 15, “tanto na questão da educação da mulher como nas características que a tornavam
inferior e frágil. [...] mostrando arquétipos reorganizados dentro de um discurso que visava à
imagem de uma mulher perfeita” (ISMÉRIO, 1995, p. 27). Rousseau em seu livro Emílio, por
exemplo, afirma que “a primeira e mais importante qualidade de uma mulher é a doçura”
(ROUSSEAU, 1995, p. 440).
Pode-se notar neste fragmento o quanto incomodou à jovem o fato de estar sozinha
em meio à mata com o rapaz. Embora ela já houvesse percebido novos sentimentos
despontando dentro de sua alma a respeito de Tancredo, os valores presentes à época estão
fortemente arraigados em seu comportamento. A moral da época via com maus olhos o fato
de uma moça e um jovem encontrarem-se sozinhos, principalmente em lugares ermos. Ela
ainda lembra-se de sua mãe, “que tudo ignorava”, censurando-se pelo fato. Durante a primeira
metade do século XIX, “por exemplo, a nenhuma moça é permitido caminhar na rua sem ir
acompanhada por um parente muito próximo” (LAMBERG apud PRIORE, 2010, p. 166). No
caso do primeiro encontro de Tancredo e Úrsula, o fato ainda é considerado mais incorreto,
15
Filósofo francês Isidore Auguste Marie François Xavier Comte é considerado o fundador do Positivismo,
teoria que chegou ao Brasil por volta dos anos de 1850.
97
pois eles não estão caminhando por uma rua, não estão sob as vistas de ninguém mais: estão
sozinhos em meio à mata.
Tancredo percebe a forma como a jovem se afasta e se sente incomodada com a
presença dele. Ele também compreende que está agindo erradamente diante de uma moça de
boa índole e tenta acalmá-la:
Neste trecho, destacamos duas passagens. Uma nos demonstra que Tancredo tem
consciência de que agiu erradamente ao ficar sozinho com a jovem, mas ele se desculpa e
tenta sossegá-la, informando-lhe que a respeita. E o respeito é fundamental para com as
mulheres “de família” neste período. Tancredo continua e diz a Úrsula que:
como ela. E é esse amor que Tancredo nutre pela jovem, segundo ele “o que sinto por vós –
continuou comovido – é veneração, e à mulher a que se venera, rende-se um culto de
respeitosa adoração, ama-se sem desejos, e nesse amor não entra a satisfação dos sentidos”
(REIS, 2004, p. 49, grifo nosso). Um amor sagrado, deve-se cultuar a mulher amada, a mulher
correta que respeita as convenções sociais, essa sim, deve ser adorada em veneração. Além
disso, notamos a presença do amor romântico ligado ao ideal do casamento, o amor que não
deve relacionar-se à satisfação sexual. O ato sexual, neste período, é visto como uma
necessidade à procriação, por isso não deveria ser realizado apenas como fonte de prazer para
o corpo. O amor romântico – religioso – é um amor sem desejos, pois não se deve venerar a
carne, mas o espírito, o que engrandece os enamorados. “O verdadeiro amor é o da alma e não
há como escapar da dicotomia: o do corpo é falso, ou seja, não é amor. O amor da alma
pressupõe outros valores que o do corpo” (RIBEIRO, 2008, p. 95). Neste ideal de mulher, ela
deve ser venerada, tal como a Virgem Maria e ao contrário da mulher de má índole, que tal
qual a Eva pecadora, deve ser execrada socialmente. Tancredo, desde o primeiro momento,
quando ainda está convalescente, sob os cuidados de Úrsula, “o que ele vê ou consegue ver é
a alma. E esta é pura [...]. É a essa mulher – uma alma pura – que ele há de amar ao longo da
narrativa” (RIBEIRO, 2008, p. 91), na vida e mesmo após ela.
O fim último do amor, no Romantismo, é o casamento. Tancredo afirma para Úrsula
que “se vossa alma simpatizar com a minha, meu coração vos tem escolhido para a
companheira dos meus dias” (REIS, 2004, p. 51, grifo nosso). E por que ele não desejaria
contrair matrimônio com a jovem? Afinal Úrsula preenche todos os requisitos da boa esposa:
ela é dócil, humilde, carinhosa, sua timidez é sinônimo de recato e além de tudo isso, ela é
virgem, pura. “Um corpo de mulher sem a castidade é definitivamente inabilitado para os
sagrados laços do matrimônio” (RIBEIRO, 2008, p. 93), pois a mulher deveria nesse período
proteger sua virgindade, prova de pureza. Virgindade essa que apenas será desfeita por seu
legítimo marido, após o casamento perante a Igreja, a representante legal de Deus no mundo
dos homens.
Nota-se também, pela leitura do romance, que há uma liberdade na escolha do
parceiro. Tancredo e Úrsula se amam e escolhem viver esse amor, casando-se, pois esse é o
único meio lícito de se viver o sentimento amoroso no período que estamos analisando. Não
há referência, em toda narrativa, sobre casamentos arranjados. Mas, ainda assim, não
podemos considerar que a escritora rompesse no todo com os valores da época, uma vez que
há várias citações sobre a noção de casamento entre parceiros da mesma classe social e sobre
o consentimento dos pais para que a união se concretize.
99
Tancredo de *** 16, quem vos não conhece? Sois grande, sois rico, sois respeitado; e
nós, senhor? Nós que somos?! Ah! Vós não podeis desejar para vossa esposa a
minha pobre Úrsula. Seu pai, senhor, era um pobre lavrador sem nome, sem fortuna.
[...] Minha filha é uma pobre órfã, que só tem a seu favor a inocência e a pureza da
sua alma (REIS, 2004, p. 108).
Luísa B... parece entender que, perante a sociedade, esse casamento não seria aceito,
pois não era comum pessoas de classes sociais diferentes unirem-se. Ela compreende que a
família de Tancredo possivelmente ficará contra a união dos jovens; Úrsula é “uma pobre
órfã”, filha de um “pobre lavrador sem nome”, enquanto o rapaz é rico e respeitado. As uniões
geralmente ocorriam, durante a primeira metade do século XIX, entre pessoas da mesma
condição social. Os pertencentes às camadas sociais mais elevadas preferiam casar-se entre si
para conservar ou aumentar a fortuna, além de preservar a “pureza” do sobrenome. É nesse
sentido que Luísa B... fica alarmada quando Tancredo afirma que deseja casar-se com Úrsula,
porque ela entende que tal fato – a união de um jovem rico com uma moça pobre – não era o
comum.
Além disso, no primeiro momento, quando o jovem confessa suas intenções para a
mãe de Úrsula, Luísa B... se ofende, pela mesma razão anterior: por Tancredo pertencer a uma
família da elite e Úrsula ser uma pobre moça:
Ela entende as palavras de Tancredo como ofensivas, porque sabe que um homem
de posses não costuma se casar com uma mulher de uma classe econômica desfavorecida, ele
a tem como uma concubina na maioria das vezes. Tancredo havia acabado de afirmar seu
amor a Úrsula para a mãe da jovem, dizendo que ela seria “a mais venturosa de todas as
mulheres, se anuirdes aos meus desejos” (REIS, 2004, p. 105, grifo nosso). O jovem ainda
assegura que fará Úrsula feliz, dizendo para Luísa B... que “contai comigo, senhora, vossa
filha há de ser feliz, prometo-o sob juramento” (REIS, 2004, p. 105). Tancredo faz essas
confissões amorosas com arrebatamento e Luísa B... fica “sem atinar verdadeiramente com o
sentido destas palavras proferidas com tanto fogo” (REIS, 2004, p. 105, grifo nosso). As
16
Os sobrenomes das personagens foram omitidos na narrativa de Maria Firmina dos Reis, retomaremos essa
questão quando analisarmos, mais adiante, a voz da narradora da trama.
100
declarações de Tancredo acabaram por gerar um mal entendido. Tancredo não exprimiu seu
sentimento de forma pura, ao contrário, fez que Luísa B... entendesse que desejava Úrsula,
apenas isso, levando a mãe de Úrsula a considerar que o rapaz desejava a jovem como
amante. O concubinato, pelas leis da Igreja Católica, era considerado um crime e, desde o
século XVIII, suas causas foram definidas como “um relacionamento ilícito para a população:
a manutenção da casa, da própria concubina e de seus filhos pelo amásio” (GOLDSCHMIDT,
1992, p. 26). Dessa forma, Tancredo poderia apenas estar a desejar Úrsula e torná-la sua
concubina, sua amante. Ele poderia sustentá-la e suprir suas necessidades materiais, por isso
afirmou com tanta ênfase que a faria feliz, fazendo que Luísa B..., uma mulher de fortes
valores sociais, ficasse “vivamente ofendida”. Além disso, a própria casa onde Úrsula vive
com a mãe oferece estrutura para a prática do concubinato. As duas mulheres vivem em um
sítio simples, afastado da zona urbana e sem vizinhos próximos e, porque “era nos sítios mais
afastados que as mancebias buscavam a privacidade que o centro urbano lhes negava, fazendo
das vilas do interior e do litoral um refúgio mais seguro para o relacionamento amoroso”
(GOLDSCHMIDT, 1992, p. 27).
O concubinato era um instrumento que facilitava o relacionamento sexual antes do
matrimônio e também favorecia a coabitação, ou seja, o casal poderia desfrutar de uma vida
de casados, mas sem estarem oficialmente unidos, porque as uniões, nesse período, só eram
lícitas quando oficializadas perante a Igreja Católica. Todos os demais tipos de uniões eram
tidos pelas leis eclesiásticas – e pela sociedade em geral – como ilícitas, como pecados.
O mal entendido é desfeito, Tancredo consegue “convencê-la da pureza dos seus
sentimentos” (REIS, 2004, p. 105). O rapaz afirma que “Úrsula é a esposa que convém a
minha alma, é a esposa que pede o meu coração” (REIS, 2004, p. 107). Porém, os jovens
necessitam da benção da matriarca, ou seja, mesmo escolhendo um ao outro, seu amor, sua
união só seria válida se fosse aprovada pela mãe de Úrsula:
Então Úrsula ajoelhou-se aos pés do leito de sua mãe, e Tancredo, imitando-a,
dobrou também os joelhos, e unidos assim, e cheios de respeito, de amor, e de
veneração, aguardaram um gesto ou uma palavra dessa mulher, a quem o amor
materno tornava nessa hora tão radiante de celeste beleza (REIS, 2004, p. 108-109).
Com esse gesto, Luísa B... abençoa a união dos jovens dizendo “eu os abençoo em
nome de Deus. Que ele escute a minha oração, e os vossos dias corram risonhos e tranquilos
sobre a terra” (REIS, 2004, p. 109). Dessa forma, mesmo com a liberdade para escolher, “as
jovens estão conscientes das regras constrangedoras da sociedade em que vivem [...] A
aprovação da autoridade familiar em questões de casamento lhe é absolutamente
101
indispensável” (BERNARDES, 1989, p. 77). Podemos conjecturar que, caso Luísa B... não
tivesse aceitado a união dos jovens, provavelmente Úrsula, tendo o caráter submisso e dócil
que apresenta durante a narrativa, teria aceitado a imposição materna, tal qual inúmeras moças
do período aceitavam e se submetiam a vontade familiar. Para Rousseau (1995, p. 440), “que
as filhas sejam sempre obedientes, mas que as mães não sejam sempre inexoráveis”.
Porém, outro fator fica implícito na fala de Tancredo, quando o rapaz afirma que fará
Úrsula feliz, tornando-a “a mais venturosa de todas as mulheres” e ainda, interrogando-as ao
dizer que “acaso ignorais que de hoje em diante velarei por vós?” (REIS, 2004, p. 104). Luísa
B... e Úrsula vivem sem a proteção de um homem, elas não trabalham e não fica claro,
durante a narrativa, como sobrevivem financeiramente. Em outras palavras, são duas
mulheres desprotegidas, pois não contam com uma presença masculina. Por isso, Tancredo
afirma que elas devem se despreocupar, pois daquele momento em diante contariam com sua
ajuda, com seus cuidados masculinos, pois “se há uma coisa que a natureza nos ensina com
clareza é que a mulher é feita para ser protegida, para viver quando jovem junto à mãe, e
esposa sob a guarda e autoridade do marido” (MICHELET apud PERROT, 1995b, p. 298,
grifo nosso). Já Jean-Jacques Rousseau (1995, p. 432) afirmava que:
Esse aspecto nos releva as marcas de um mecanismo social que difundiu a ideia de
que as mulheres precisavam estar sob os cuidados de um homem, mesmo porque elas, de
acordo com o pensamento presente a esta época, não seriam capazes de sobreviver sozinhas.
Não era natural uma mulher viver sozinha, uma mulher não estar sob a proteção, sob os
cuidados de um homem. As mulheres não trabalhavam, precisavam de uma figura masculina
que as sustentasse; elas não eram capazes de se defender, necessitavam de um homem que
fizesse isso por elas. Talvez possamos entender a dificuldade que essas personagens passaram
durante a vida, após a morte do pai de Úrsula, como consequência da ausência de um homem
para guiá-las, para auxiliá-las nos momentos difíceis, nas vicissitudes da vida.
Úrsula, ainda, inspira sentimentos elevados em todos ao seu redor; ao escutar a
declaração de amor de Tancredo, a jovem fica com o rosto ruborizado, e o rapaz fica
“encantado por essa cândida timidez, que revelava a mais angélica pureza” (REIS, 2004, p.
50). Ela é chamada por diversos adjetivos que ajudam a qualificar sua personalidade, como
102
“delicada virgem”, “doce e mimosa Úrsula”, “minha Úrsula adorada” (REIS, 2004, p. 51, 56,
59), entre outros.
Há modelos sociais femininos que estão sendo difundidos nesse período. Úrsula é um
desses modelos: o positivo, que destaca as virtudes morais, pessoais e sociais que a mulher de
bem deveria possuir. Essa imagem de mulher é ao mesmo tempo fruto dos valores sociais que
impregnavam a sociedade do período, mas também reforçam o comportamento social
esperado dessas mulheres. Aos leitores – e especialmente às leitoras – são apresentados,
geralmente, dois perfis distintos de comportamento: o positivo e o negativo e as
consequências na escolha em se seguir cada um desses modelos.
Úrsula possui uma personalidade submissa. Ela é obediente e respeita a figura
materna, como toda filha deveria ser, “numa forma de adequação às exigências da sociedade
em que vivem” (BERNARDES, 1989, p. 81). O mesmo pode-se perceber quando Úrsula toma
consciência de que está apaixonada por Tancredo, então ela “confessou a si mesma, que
aquilo que sentira era verdadeiro e ardente amor” (REIS, 2004, p. 51). O amor, na primeira
metade do século XIX, é descrito como um sentimento ao mesmo tempo salvador e que
pressupõe a submissão total do parceiro. Úrsula, ao apaixonar-se por Tancredo, predispõe-se a
lhe dedicar sua vida, seus sentimentos, assim ela:
Era feliz; porque era amada, e sua vida inteira teria dado por esse momento
de ventura. Amor! Esse sentimento novo – ardente como o sol do seu país,
arrebatador como as correntes, que se despenham do vale – foi a varinha
mágica que transformou-lhe a existência. Julgou tudo um sonho encantador,
cujas doçuras começava apenas a apreciar (REIS, 2004, p. 52).
O que se pode “supor é que atrás dessa ‘louca paixão’ haja aquele modelo de esposa
que se curva ante a hegemonia masculina e aparece como ideal para as leitoras”
(BERNARDES, 1989, p. 82). O amor nos é apresentado como um sentimento nobre e válido
somente quando: em primeiro lugar, é recíproco; em segundo lugar, é aceito pela família e em
terceiro lugar, quando leva ao casamento. Nota-se que todos esses pontos convergem para a
ideia de submissão: a esposa que ama incondicionalmente seu marido, aceita seus defeitos,
seu passado e suas exigências. Esse é o amor romântico evocado durante este período: um
sentimento que submete a mulher ao homem, mantendo-os unidos para todo o sempre.
Assim, “a submissão aparece como expressão feminina do amor conjugal” (PRIORE, 2006, p.
79). Um exemplo da submissão feminina ao homem, no amor, é a condição de perdão. O
amor é capaz de perdoar. Na primeira metade do século XIX, era comum os homens casados
terem amantes. Já a mulher que praticasse a mesma conduta era vista de forma negativa.
103
Assim, “todo marido infiel que priva a mulher da única recompensa aos austeros deveres de
seu sexo é um homem injusto e bárbaro; mas a mulher infiel vai além, ela dissolve a família e
rompe os laços da natureza” (ROUSSEAU, 1995, p. 428). Em outras palavras, o homem infiel
pratica algo que pode; mesmo sendo condenável, é perdoável. Já a mulher pratica algo
intolerável. Assim durante esse período:
Porém, não é apenas Tancredo quem se apaixona por Úrsula. Após a partida do
jovem para a cidade, a fim de resolver problemas urgentes, a moça encontra-se novamente
solitária na mata17, pensativa, refletindo sobre o amor e a saudade que sente por Tancredo. O
rapaz viaja para a cidade, mas promete voltar o quanto antes para casar-se com Úrsula.
17
Esse hábito da personagem em refugiar-se nas matas próximas ao casebre onde vive com sua mãe é recorrente
em toda a narrativa e, como já analisamos no capítulo anterior, pressupõe uma aproximação com as reflexões
russeaunianas de “bom selvagem”, onde a ligação do homem com a natureza leva-o a estados de natureza em
que, ao estar mais próximo de Deus (o criador dessa mesma natureza), ele melhora, se aprimora. Além disso, o
contato com a natureza traz a ideia de paz de espírito.
104
sangue que lhe nodoou os vestidos alvíssimos de neve” (REIS, 2004, p. 125). Essa cena pode
ser considerada uma preparação, um sinal para o que ocorrerá no desfecho da trama. Tancredo
será morto, diante do convento onde havia acabado de casar-se com Úrsula. É o comendador
Fernando P... quem desfere o golpe fatal de punhal no coração do rapaz. Úrsula nesse
momento “lançou-se sobre seu desditoso esposo, e unindo-o ao coração, recebeu-lhe o
derradeiro suspiro. Um mar de sangue tingiu-lhe as mãos e os puros seios” (REIS, 2004, p.
216). Tancredo morre agonizante nos braços de Úrsula, manchando-lhe o vestido de
casamento tal como a perdiz havia agonizado seus últimos suspiros no mesmo peito angelical
da moça, sujando-lhe também um vestido. Ambos foram mortos pelo mesmo caçador: o
comendador Fernando P...
Úrsula ainda não sabe o nome do homem que disparou contra a ave, ela o chama de
“caçador”. Esse adjetivo pode ser entendido de duas formas: Fernando é o caçador no sentido
literal, pois está armado, em meio à mata, caçando perdizes; mas também se tornará o caçador
no sentido metafórico, pois a partir desse primeiro encontro, ele caçará Úrsula, buscando
tornar a jovem sua esposa.
Úrsula, como com Tancredo, encontra-se então a sós em meio a mata com um
homem. Como também com o que ocorre ao estar com Tancredo, a jovem não se sente à
vontade, mas agora por motivos diferentes, pois “nela motivavam-no a surpresa, o terror, o
desgosto, que lhe causavam a fisionomia desse homem de tão sinistro olhar: nele deleitável
contemplação do rosto feminil de tão pura e ideal beleza” (REIS, 2004, p. 125). Úrsula sente
repulsa do olhar de Fernando, pois esse transmite seu desejo, sua luxúria. Ele a contempla
como um caçador diante da presa. A jovem sente-se mal em presença desse desconhecido, “o
terror, a desconfiança, a inquietação, pintavam-se no rosto pálido e aflito, no olhar fixo e
pasmado dessa pobre moça” (REIS, 2004, p. 127).
Úrsula, como uma moça correta, bem educada e de boa índole solicita ao caçador
que se vá. Mas ele não consegue obedecer à jovem, pois “estranho foi o que se passou então
em sua alma, e ele sentiu que alguma coisa lhe abalava o fundo do peito; gemeu de um
primeiro afeto, e curvou-se ao ímpeto de uma paixão insensata” (REIS, 2004, p. 126). Nesse
momento, Fernando se apaixona intensamente por Úrsula.
Uma chama ativa lhe abrasava a alma, talvez a primeira que assim o
requeimava, e vem ardente devia ser ela; porque ele sentia no peito ondear-
lhe e ferver em cachões o violento fogo de uma cratera. Ainda assim, mal lhe
traía o rosto o que lhe ia lá na alma (REIS, 2004, p. 128).
105
O amor que Fernando tem por Úrsula não é o mesmo que Tancredo desenvolveu pela
jovem. O sentimento do comendador é violento, como o “fogo de uma cratera”, é um amor
com desejo, com lascívia, luxurioso. Ele quer a jovem e para tê-la fará o que estiver ao seu
alcance e ainda mais. O comendador caçador declara-se a Úrsula:
O sentimento que Úrsula desperta em Fernando é violento, como ele mesmo afirma,
mas, de alguma forma, ele tende a respeitá-la. Esse respeito é imposto a Fernando pelo
próprio comportamento da jovem. Mesmo sozinha com um homem desconhecido, ela
conseguiu transmitir a ele seu alto nível de decência, de moralidade, de pureza. Úrsula é uma
mulher que merece ser respeitada dentro desse contexto. Assim, toda mulher de bem se
apresenta como respeitável no contexto social da primeira metade do século XIX.
No discurso citado acima, Fernando mostra sua personalidade: ele representa o perfil
do homem dominador, do homem de elite, senhor de escravos, uma espécie de soberano
patriarcal de todos ao seu redor. Ele afirma que poderia raptá-la e tê-la à força e talvez, fizesse
isso com outra mulher, talvez mesmo tenha feito com alguma mulher. A narrativa nos deixa
na dúvida. Porém, por ter acabado de descobrir um novo e profundo sentimento, Fernando
espera ter Úrsula como sua esposa. A jovem se nega a aceitar os sentimentos do estranho,
dizendo a ele: “falais-me de um amor, que a meu pesar em vós despertei, e quereis que o
corresponda, tenho-me até agora negado a semelhante compromisso” (REIS, 2004, p. 132).
106
Fernando P... ameaça a jovem, pois não está acostumado a ter suas ordens
contrariadas. Ele não sabe lidar com pessoas que não se submetem aos seus mandos. Para esse
senhor patriarcal, sua vontade deve ser sempre soberana. Ele não tem interesse na vontade de
Úrsula. Ele a quer e sua vontade, seu desejo, são as únicas opções acertadas. O poder
patriarcal na primeira metade do século XIX atribuía essas características ao seu detentor: o
homem. A vontade do homem é a lei, porque ao lado de sua vontade está a razão e toda a
sociedade, além do direito civil e eclesiástico. A mulher não tem direito a pensar ou discutir,
ela deve submeter-se, sempre, às aspirações desse homem, entendido como o senhor, como
aquele que sabe o que é melhor para ela; afinal, a mulher não tem domínio sobre si mesma,
ela precisa ser protegida por um homem dentro desse universo social.
Fernando tem ao lado de seu poder patriarcal, que a sociedade lhe concede, o poder
do capital. Ele é um homem de posses. Ele é um rico e abastado fazendeiro. Ele pode comprar
quem precisar. O comendador “estava afeito a mandar, e por isso julgava que todos eram seus
súditos ou seus escravos” (REIS, 2004, p. 178). Ele é um senhor de escravos, e todo seu
orgulho e violência também são transferidos para estes.
Além disso, há um forte indício, na trama, de que Fernando tenha sido o mandante
do assassinato de Paulo B..., pai de Úrsula. Fernando teria cometido esse crime movido por
107
ciúmes da irmã, uma referência ao amor incestuoso. Luísa B... conta que o irmão, Fernando
P...:
[...] seu coração só se abriu uma vez, foi para o amor fraterno. Amou-me,
amou-me muito; mas quando tive a infelicidade de incorrer no seu
desagrado, todo esse amor tornou-se em ódio, implacável, terrível, e
vingativo. Meu irmão jamais me poderá perdoar. [...] esse homem tão
implacável como o vedes, era um terno e carinhoso irmão (REIS, 2004, p.
101).
É esse homem feroz, dominador e possessivo que também se apaixonará pela jovem
Úrsula. Após o encontro e declarações de Fernando, a moça foge, deixando o caçador sozinho
e nesse momento ele confessa a si mesmo:
Mulher! Anjo ou demônio! Tu, a filha de minha irmã! Úrsula, para que te vi
eu? Mulher, para que te amei?!... Muito ódio tive ao homem que foi teu pai:
ele caiu às minhas mãos, e o meu ódio não ficou satisfeito. Odiei-lhe as
cinzas; sim, odiei-as até hoje; mas triunfaste do meu coração; confesso-me
vencido, amo-te! Humilhei-me ante uma criança, que desdenhou-me e
parece detestar-me! Hás de amar-me. Humilhado pedi-te o teu afeto.
Maldição! Paulo B... estás vingado! [...] Mulher altiva, hás de pertencer-me,
ou então o inferno, a desesperação, a morte serão o resultado da intensa
paixão que ateaste em meu peito (REIS, 2004, p. 134).
Fernando ama Úrsula e odeia esse novo sentimento, porque ele não combina com sua
personalidade dominadora e violenta. Afinal, o amor romântico é um sentimento sagrado,
libertador, engrandecedor. Fernando, por conta desse sentimento, humilhou-se para a jovem,
fato que a narrativa nos sugere nunca ter ocorrido. Além disso, ele apaixonou-se pela filha do
homem que mais odiou: Paulo B..., aquele que tirou de si a irmã que ele tanto amava.
Fernando não aceita amar Úrsula, pois residem nela diversos motivos para não ser amada por
ele: é “uma criança”, ela o odeia, ela é filha do homem que mais odiou e ele se humilhou
frente a ela. Homem dominador e prepotente, o comendador promete a si mesmo fazer Úrsula
sua, pois ele prefere a morte – dele, dela, de ambos – a viver a humilhação de ser rejeitado.
Ele ainda afirma que jura, “mulher, que hás de ser minha esposa ou o inferno nos receberá a
ambos” (REIS, 2004, p. 185).
Depois desse encontro, no dia seguinte, Fernando vai à casa da irmã, Luísa B... e
conta sobre suas intenções. Nesse momento, Úrsula descobre que o caçador é seu tio
Fernando P..., o responsável por tornar a vida de sua mãe tão penosa. A mãe de Úrsula conta a
jovem sobre a conversa que tivera com o irmão:
Ele diz que loucamente te adora, e quer compensar-te com o seu nome, e
com a sua fortuna dos males que nos há feito!... [...]
108
Percebe-se o quanto Fernando é intransigente, ele não se importa com os desejos das
duas mulheres. Apenas sua vontade é importante. Sua vontade é lei. Seu amor não é um
sentimento puro, inocente, engrandecedor. Ao contrário, esse amor é libidinoso,
temperamental, violento. O sentimento de Fernando é lascivo, a primeira imagem que o
comendador tem de Úrsula descreve a jovem como uma moça de “negras tranças molemente
reclinadas sobre uns ombros de marfim, as mãos diáfanas e mimosas, que lhe velavam o
rosto, que divisava ser belo, como o rosto angélico de um querubim” (REIS, 2004, p. 125).
Durante a primeira metade do século XIX, “do corpo inteiramente coberto da mulher, o que
sobrava eram as extremidades. Mãos e pés eram os que mais atraíam olhares e atenções
masculinas” (PRIORE, 2011, p. 73). O comendador deseja o pouco que vê do corpo da
jovem: a pele branca como a de um anjo, os ombros, as mãos pequenas. No momento desse
encontro, Úrsula está com suas “faces cândidas e aveludadas” entre as mãos (REIS, 2004, p.
125), o que também revela algo sobre a educação da jovem, pois “não apenas os dedos eram
alvo de interesse, mas seu toque e os gestos daí derivados eram reveladores da pudicícia de
uma mulher” (PRIORE, 2011, p. 74). A mulher recatada é possuidora de gestos simples,
delicados, não se deixa ser tocada, não se permite ser vista, não permite que lhe vejam muito
do corpo.
O que podemos concluir aqui é o choque de duas visões sobre amor e casamento: de
um lado temos Fernando P..., que representa o antigo, a tradição; de outro, temos Tancredo,
que representa o novo, a mudança, as novas ideias. O século XIX em larga medida foi um
período de mudanças. Novas ideias chegaram ao Brasil, como as teorias Positivistas e o
Romantismo. O Brasil inicia o Oitocentos ainda uma colônia, em pouco tempo é elevado à
categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves; ainda nas primeiras décadas torna-se
independente e termina o mesmo século XIX abolindo a escravidão e proclamando uma
República. Essas novas ideias não foram aceitas de uma hora para outra, nem pela sociedade
como um todo. Quando novos conceitos surgem, se chocam com os antigos.
Fernando, dessa forma, é o conceito antigo de amor, aquele em que a vontade dos
noivos não era levada em consideração; um amor baseado no interesse, nos arranjos
familiares, entre um homem mais velho e uma moça muito jovem; um homem dominador. Ele
é o senhor de escravos em um período que começa a pensar a respeito da abolição.
109
Úrsula adentra o salão onde será realizada a cerimônia de seu casamento com
Tancredo, em uma possível associação com a viagem que Santa Úrsula fez com as onze
virgens (ou onze mil virgens) indo ao encontro do seu noivo. Ao vê-la, Tancredo “rende-lhe
110
um culto de apaixonada veneração” (REIS, 2004, p. 200), pois a mulher ideal, virginal, deve
ser venerada e respeitada, não desejada. A descrição de Úrsula no momento de seu casamento
se aproxima da ideia de uma Santa sendo conduzida ao altar sagrado para ser adorada. Por que
a mulher correta “cumpre na terra sua missão de amor e paz; e depois de a ter cumprido volta
ao céu” (REIS, 2004, p. 174)?; porque findada a missão divina da mulher de bem, ela tem
direito ao Paraíso celeste. Notamos aqui que o modelo feminil da mulher de bem está
intimamente relacionado com a ideia de bênçãos, de pessoa livre de pecados e que está de
acordo com as Leis e vontades divinas. Isso nos permite verificar o quanto a representação
sobre os comportamentos desejados, para as mulheres estava relacionada, na primeira metade
do século XIX, aos dogmas e virtudes cristãs.
Por fim, Tancredo e Úrsula se casam, mas ao saírem do convento são surpreendidos
pelo comendador e seus homens. Fernando P..., louco de paixão e parecendo não saber como
lidar com a ideia de ter sido rejeitado, mata Tancredo diante de Úrsula. O final da jovem é a
loucura. Nos últimos capítulos, a jovem Úrsula é descrita como louca. Porém, a insanidade da
jovem não deve ser entendida como uma punição, mas como uma forma de redenção. Sua
loucura também é nobre, pois é através desse acontecimento que Fernando P... perceberá
todos os seus erros. Assim “Fernando P... conheceu que estava punido! Varreram-se suas
afagadoras esperanças. Nesses olhos espantados e brilhantes, nesse andar incerto, nesse
sorriso descomunal reconhecera que [Úrsula] estava louca!” (REIS, 2004, p. 221).
Mesmo doente pela loucura, Úrsula ainda é capaz de operar grandes mudanças
comportamentais. Por causa do amor que Fernando nutre pela jovem e por ser o homem que a
fez sofrer e enlouquecer, ele se desespera, sofre, sente remorso. Fernando passa então a ter um
comportamento oposto a tudo que fez durante a trama e “na sua desesperação ninguém o
consolava; porque era mau e cruel para os que o conheciam. Seus escravos olhavam-no com
pasmo, e não o reconheciam. O remorso o havia desfigurado completamente” (REIS, 2004, p.
221). Uma vez mais notamos que quando o sentimento de amor é representado de forma
positiva, como algo capaz de provocar mudanças, de transformar o mal em bem, de
engrandecer. O amor é, enfim, um sentimento sagrado e, neste caso, representado na figura de
uma mulher santa. Úrsula, ao adoecer e, por fim, morrer, opera o “milagre” da transformação
111
em Fernando P... Ela é, enfim, uma santa. O comendador não muda apenas em sua
personalidade, mas também, sua mudança é perceptível na própria aparência:
A heroína santa do romance tem por fim a morte física, indo ao encontro de seu
amado Tancredo. Nota-se aqui que a jovem manteve-se fiel ao seu esposo mesmo após a
morte dele, conservando-se virgem, inclusive. Úrsula “sorria-se à borda da sepultura: porque
tinha a consciência de que era inocente e bem-aventurada do céu” (REIS, 2004, p. 225,
grifo nosso). A jovem sabe que foi uma boa filha, uma moça correta, de índole ilibada,
cordata, por isso tem consciência de que será bem recebida do outro lado da vida, de acordo
com suas crenças cristãs. E, além disso, ao morrer virgem, ela alcança a pureza feminil eterna.
Seu corpo e sua alma mantiveram-se imaculados para todo o sempre, tal como a Virgem
Maria.
Úrsula, diante do que foi exposto é a mulher ideal idealizada, a mulher santa,
arquétipo máximo da Virgem Maria, Nossa Senhora. A Santa das Santas Católicas que foi
mãe e não perdeu sua pureza. Úrsula morre virgem, embora tenha se casado e “o casamento,
mesmo consagrado pela religião, destrói a virgindade e, em consequência, a pureza da
mulher” (RIBEIRO, 2008, p. 156). A morte da heroína resolve um paradoxo fundamental da
estética romântica, presente na ideia da conservação da pureza feminil mesmo após o
casamento, “assim, não é ocasional o fato de os romances românticos terminarem sempre no
dia do casamento” (RIBEIRO, 2008, p. 156). Úrsula finda o romance imaculada, pois não
conheceu fisicamente “o lado impuro do mundo, os homens” (RIBEIRO, 2008, p. 156).
Mas essa imagem de mulher inacessível e que precisa ser, de alguma forma,
preservada das impurezas masculinas, é adequada apenas às mulheres que, como Úrsula, são
santas, são angélicas, descendem e incorporam o espírito redentor da Virgem Maria. Mulheres
estas que encarnam o perfil desejado, ideal. Mulheres que são capazes de empreender fortes
mudanças comportamentais em todos ao seu redor devido ao espírito elevado, a alma
santificadora que possuem. Como as transformações do comendador Fernando P..., que se não
se arrepende completamente de seus atos, passa a sofrer por ter causado sofrimento à santa
mulher adorada. Assim, após a morte de Úrsula, dois anos se passarão na trama. Fernando terá
deixado todos os seus bens, libertando, inclusive, os escravos. O comendador entrará para a
vida monástica assumindo o nome de frei Luís de Santa Úrsula. Já em seus momentos finais,
o antigo comendador confessa todos os seus pecados a um padre que afirma que ele e Úrsula
estarão separados para todo o sempre, “porque, meu filho, ela está no céu, e vós, homem
criminoso e impenitente, vos despenhais para o inferno” (REIS, 2004, p. 276).
Podemos considerar, enfim, que inúmeras representações sociais sobre as mulheres
da primeira metade do século XIX no Maranhão (e mesmo no Brasil), estão personificadas na
figura da personagem Úrsula. A mulher era considerada um ser passivo e de natureza dócil e
frágil. Além disso, deveria estar subordinada ao homem, casando-se virgem e servindo ao seu
marido, sendo-lhe fiel. As jovens deviam respeito e obediência à família, no caso de nossa
protagonista, ela nutria profundo respeito pela figura materna. Não há na narrativa nenhuma
referência à instrução e/ou ao trabalho da mulher. Úrsula realiza apenas afazeres domésticos.
Ela e sua mãe passam por diversas necessidades financeiras, pois nenhuma das duas exerce
um trabalho remunerado e também não têm uma figura masculina que intervenha por elas.
Não apenas as representações sobre a mulher, mas sobre outras instâncias sociais
estão presentes no texto, como a ideia e amor eterno ligado ao casamento indissolúvel. Além
dos dogmas católicos, como a compreensão de que pessoas virtuosas morrem e alcançam ao
céu, já os pecadores só têm direito ao inferno.
A seguir passaremos a análise da personagem Adelaide, considerada o perfil de
mulher oposto ao de Úrsula, ou seja, o arquétipo feminil negativo, o comportamento que
deveria ser combatido.
113
a jovem desempenha um ofício feminino, pois está bordando, uma referência ao tipo de
afazeres que as mulheres do período realizavam, pois como analisamos no primeiro capítulo,
as mulheres recebiam alguns “conhecimento básicos, principalmente as chamadas prendas
domésticas, tais como costurar, bordar, fazer rendas e outros serviços da casa” (ISMÉRIO,
1995, p. 31).
A partir de então, Tancredo passa a conviver diariamente com a jovem e a vê-la
como a mulher ideal, pois “eu a via – exclamou, erguendo a voz, num transporte de satisfação
– vi-a, era bela como a rosa a desabrochar, e em sua pureza semelhava-se à açucena cândida e
vaporosa!” (REIS, 2004, p. 32), ainda, segundo o rapaz:
esse matrimônio. Porém, antes de levar ao pai o conhecimento sobre o assunto, Tancredo
precisa das benções de sua genitora, pois embora ele ame Adelaide, como um filho exemplar,
ele precisa do consentimento da mãe (e também do pai) para casar-se com a mulher a quem
escolheu. Assim, ele solicita: “minha mãe, abençoai [...] o nosso amor; porque esta há de ser a
esposa de vosso filho” (REIS, 2004, p. 62). A mãe do rapaz, desejando a felicidade do filho,
abençoa a escolha dos jovens dizendo: “meus filhos, o céu lhe ilumine as trevas do
pensamento cobiçoso e que eu os veja unidos e felizes” (REIS, 2004, p. 62). Assim, mesmo
tendo a possibilidade de escolher o futuro cônjuge, “o consentimento dos mais velhos
continuava abençoando as uniões e cabia ao pai decidir e determinar o futuro dos filhos”
(PRIORE, 2006, p. 165).
O capítulo se encerra com a tentativa frustrada da mãe de Tancredo em convencer o
esposo a consentir que o filho se case com a jovem órfã e pobre. Pois “entre as elites brancas,
eles [os matrimônios] eram, sobretudo, atos sociais de grande importância” (PRIORE, 2006,
p. 165). Porém, no capítulo seguinte, denominado A entrevista (capítulo V), Tancredo irá
dedicar-se a conversar com a figura paterna, tentando persuadir o pai a ceder ao aceite de seu
casamento com Adelaide. O pai do rapaz lhe faz uma proposta: ele aceitaria o casamento do
filho, porém, com uma condição:
Tancredo tenta dissuadir o pai de tal proposta, mas suas tentativas são frustradas. O
rapaz não poderia ir de encontro às exigências do pai, pois “Deus não protege a quem se opõe
à vontade paterna” (REIS, 2004, p. 63). Além disso, o pai argumenta que:
A esposa, que tomamos, é a companheira eterna dos nossos dias. Com ela
repartimos as nossas dores, ou os prazeres que nos afagam a vida. Se é ela
virtuosa, nossos filhos crescerão abençoados pelo céu; porque é ela que lhes
dá a primeira educação, as primeiras ideias de moral; é ela enfim quem lhes
forma o coração, e os mete na carreira da vida com um passo, que a virtude
marca. Mas, se pelo contrário, sua educação abandonada torna-a uma mulher
sem alma, inconsequente, leviana, estúpida ou impertinente, então do paraíso
das nossas sonhadas venturas despenhamo-nos num abismo de eterno
desgosto. O sorriso foge-nos dos lábios, a alegria do coração, o sono das
noites, e a amargura nos entra na alma e nos tortura. Amaldiçoamos sem
cessar essa mulher que adorávamos prostrados; porque se nos figura agora o
anjo perseguidor dos nossos dias (REIS, 2004, p. 73-74).
116
18
O pai de Tancredo aparece na narrativa sem um nome próprio, ele é apenas o pai do rapaz.
117
morrer de desesperação; porque dia e noite ela, implacável, desdenhosa, e fria estava ante
meus olhos!...” (REIS, 2004, p. 50).
A mulher, que tinha ante meus olhos, era um fantasma terrível, era um
demônio de traições, que na mente abrasada de desesperação figurava-se-
me sorrindo para mim com insultuoso escárnio. Parecia horrível,
desferindo chamas dos olhos, e que me cercava e dava estrepitosas
gargalhadas. Erguia-se para mim ameaçadora, e abraçava e beijava outro
ente de aspecto também medonho. Ambos no meio de orgia infernal
cercavam-me e não me deixavam partir (REIS, 2004, p. 88, grifos nossos).
Adelaide já não se apresenta como o anjo da primeira impressão, agora sua descrição
é parecida com a de um demônio de olhos vermelhos como o fogo e de risadas maquiavélicas.
Nesse sentido, sendo o contraposto da Santa virgem Úrsula, Adelaide passa a ser apresentada
aos leitores como a Eva pecadora, que se deixou seduzir pela serpente. No caso de Adelaide, a
serpente é o próprio dinheiro, a ascensão social. E a personagem Adelaide é a representação
da pecadora Eva, o arquétipo primordial de todas as mulheres que não seguem o caminho
correto, esperado, desejado para seu gênero; ela foi “feita de uma costela de Adão, ou seja,
um osso torto que já denota uma imperfeição desde sua criação e nas suas características
femininas” (ISMÉRIO, 1995, p. 44).
A mulher que não seguisse o caminho correto, sendo boa filha, esposa respeitável e
mãe exemplar, “era considerada um ser altamente nocivo à sociedade, pois todas eram
movidas unicamente pelo instinto sexual e devido a isso eram servas do demônio”
(ISMÉRIO, 1995, p. 45). E como uma serva do Diabo, Adelaide se apresenta na visão de
Tancredo: “Dissiparam-se-me as trevas, a luz volveu-me e com ela apagaram-se as ondas de
fogo, que rodeavam essa pérfida criatura. Encarei-a de face – estava impassível e fria como a
estátua do desengano” (REIS, 2004, p. 88). Adelaide já não é a bela e doce jovem, mas uma
criatura pérfida, fria. A encarnação do demônio. O próprio rapaz a adjetiva, chamando-a de
“monstro, demônio, mulher fementida” (REIS, 2004, p. 89).
As expressões e gestos de Adelaide alteram-se consideravelmente e em nada
relembram a jovem comedida, recatada de antes, pois “de repente um sorriso, que me pareceu
infernal, errou-lhe nos lábios – era seu esposo, que grave e silencioso atravessava o salão, e
ela julgava-se isenta de minhas recriminações e sentia-se livre de desagradáveis lembranças”
(REIS, 2004, p. 89). Agora ela era a senhora daquela casa e tinha, ao seu lado, um esposo a
defendê-la. O pai de Tancredo aparece na cena do encontro entre ele e Adelaide e o rapaz
informa ao seu genitor que:
119
Tancredo entende que o pai parece ter “descoberto” o quanto Adelaide era
gananciosa, desejando a riqueza e que, por esse motivo, conseguiu conquistar a ex-noiva do
próprio filho. Tancredo enxerga em Adelaide a personificação da mulher traidora, que não foi
capaz de conservar/respeitar o amor que o jovem nutria por ela. E, pior, ter trocado esse amor
sincero por dinheiro. A mulher, nesse arquétipo da Eva pecadora, é símbolo do pecado,
porque “são as presas mais fáceis do demônio, como elas próprias encarnam a tentação”
(FRUGONI, 1990, p. 473). Adelaide é mulher, e como fêmea é a encarnação do pecado, pois
Eva foi a mulher enganada pela serpente, a mulher que caiu em tentação. Além de se deixar
levar pela tentação do Diabo, Eva, a mulher, representa o próprio pecado, pois desperta no
homem a luxúria. Esse é um dos motivos criados pelo discurso patriarcalista, pois a mulher
devia submeter-se ao homem, para que fosse adestrada, pois “seria impossível conviver
impunemente com tanto perigo, com tal demônio em forma de gente” (PRIORE, 2010, p. 33).
Dessa forma, embora o pai de Tancredo tenha se casado com essa mulher, o pecado não
reside totalmente nele, mas na própria Adelaide, pois ao sondar a alma dessa mulher
pecadora, o pai do rapaz percebeu o quanto ela era vil e interesseira. A culpa, portanto, está
nela, na descendente de Eva, que despertou a luxúria desse homem. Além disso, no início da
trama, Tancredo nos apresentou Adelaide como uma mulher “bela como um anjo, sedutora
como uma fada” (REIS, 2004, p. 35). Ela representa a tentação à qual os homens podem se
deixar levar, e é isso o que ocorre com o pai de Tancredo: ele se deixa cair em tentação ao
desposar a sedutora Adelaide. Essa visão cristã perpassará as representações sociais a respeito
da forma como homens e mulheres são vistos diante da ideia de pecado:
mulher e passa a pensar e vê Adelaide de outra forma, pois ela é uma traidora, uma mentirosa
que havia jurado amor e se deixou levar pela cobiça:
Adelaide passa a ser vista a partir da oposição que existe entre ela e Úrsula,
(lembrando que Adelaide aparece ao leitor pela narrativa do próprio Tancredo; o rapaz irá
contar toda sua história com essa mulher, para Úrsula) porque “Eva foi seduzida pelo
demônio em forma de serpente, sendo a grande responsável pela expulsão da humanidade do
paraíso criado por Deus. A retomada da figura de Eva era necessária para que se possa ter o
lado oposto da figura de Maria” (ISMÉRIO, 1995, p. 46). O amor que Tancredo desenvolverá
por Úrsula o curará das dores causadas por Adelaide. O próprio jovem confessa para Úrsula
que:
Sim, julguei morrer; mas vós aparecestes junto ao meu leito, vi-vos, e as
dores se amodorraram, e como se eu visse a Senhora dos Aflitos levando à
cabeceira um dos anjos que a rodeiam, e que lançou bálsamo divinal em
minhas feridas, que se cicatrizaram e o coração serenou, alma ficou livre
(REIS, 2004, p. 50).
19
Veremos que a mãe de Tancredo, Luísa B... e a negra Susana morrem devido ao comportamento dos homens
ao seu redor. A própria Úrsula morre por conta do ato de Fernando P..., que leva a morte de seu amado
Tancredo.
122
por completo, tendo o Inferno como destino. Ocorre algo parecido com Adelaide, que
continua viva e sofrendo. “Expõem-se aí, claramente, os padrões que governam o processo da
narrativa” (RIBEIRO, 2008, p. 87) e que são criados a partir das representações sociais
presentes no momento da escrita da trama, reforçando assim modelos de comportamento
desejados, ou, ao contrário, criticando padrões considerados inadequados.
No item a seguir passamos a análise das personagens mãe de Tancredo e Luísa B...,
representantes tanto da ideia de natureza materna da mulher, quando de submissão feminina.
A personagem Mãe de Tancredo não possui um nome próprio, assim ela nos é
apresentada como a personificação da mãe, incorporando em si mesma todas as
representações da maternidade, característica entendida, na primeira metade do século XIX,
como natural de toda a mulher. Ela não é uma mulher individualizada, ela é a mãe, símbolo de
docilidade e desprendimento, de abnegação e amor sem limites à prole. Essa personagem nos
é mostrada pelo próprio filho, que a narra a partir de suas lembranças, contando à Úrsula
sobre seu passado (quando o jovem conhece a protagonista, a mãe dele já era falecida). A
primeira referência à mãe, dita por Tancredo, fala que o jovem contará a respeito “daquela
que foi casta e pura como vós, daquela que foi minha mãe” (REIS, 2004, p. 56). Tancredo
compara Úrsula com a mãe dele, destacando duas qualidades: castidade e pureza. Temos aqui
o
A mulher ideal aparece como representação da figura materna, uma vez que deve ser
vista pela ótica do respeito, da adoração, pois como Tancredo declara à Úrsula, “o que sinto
por vós [...] é veneração, e à mulher a que se venera, rende-se um culto de respeitosa
adoração, ama-se sem desejos, e nesse amor não entra a satisfação dos sentidos” (REIS,
2004, p. 49, grifo nosso). Busca-se uma mulher perfeita, tal como a mãe, genitora e primeira
educadora, guardiã da moral e das virtudes exemplares no seio familiar. A mulher ideal,
então, é a recusa da castração, pois o filho não pode possuir a mãe, então procura uma mulher
que se assemelhe, ao máximo, a sua genitora. Essa mulher-mãe deve ser perfeita, porém, o
123
A mãe então passa a ser representada a partir da imagem de uma santa, tal como
Maria, mãe de Jesus. E é dessa forma que a mãe de Tancredo é descrita pelo filho. O rapaz
afirma, por exemplo, que “ao passo que o [choro] dela era o de uma santa” (REIS, 2004, p.
67). A própria personagem se descreve, através das recordações do filho, dizendo que “amo as
humilhações, meu filho – disse com brandura, que me tocou as últimas fibras da alma – o
mártir do Calvário sofreu mais por amor de nós” (REIS, 2004, p. 67-68). E diante de tão
elevados sentimentos, de caráter moral tão virtuoso, Tancredo venera sua mãe, como um fiel
adora uma santa e assim, o rapaz afirma que seus “joelhos vergaram instintivamente ante essa
mulher de tão sublimes virtudes” (REIS, 2004, p. 68). Percebe-se aqui a representação sobre a
mulher-mãe que permeava a primeira metade do século XIX no Maranhão, que entendia,
dentre outros aspectos que:
Esse estado de pureza, santificado, a exemplo da Virgem Maria, deveria ser mantido
a partir do pressuposto do sacrifício, assim “quando o marido tivesse suas crises, quando
bebesse e agredisse, a esposa deveria sofrer em silêncio, sem nunca reclamar” (ISMÉRIO,
1995, p. 29). E a mãe de Tancredo sofre com o comportamento despótico de seu marido:
É que entre ele [o pai de Tancredo] e sua esposa estava colocado o mais
despótico poder: meu pai era o tirano de sua mulher; e ela, triste vítima,
chorava em silêncio e resignava-se com sublime brandura. Meu pai era para
com ela um homem desapiedado e orgulhoso – minha mãe era uma santa e
humilde mulher (REIS, 2004, p. 60).
Tancredo nos apresenta sua mãe como uma mulher submissa ao esposo. Mas, essa
submissão não deve ser aqui percebida como algo negativo, ao contrário, a submissão
feminina ao homem é entendida, nesse período, como adequada, como natural. Assim, apesar
de ser casada com um homem tirânico, a mãe de Tancredo continuava mantendo sua áurea
santificada, pois esse era o comportamento apropriado esperado para a mulher de boa índole.
Como filho e personagem representante de uma nova visão de mundo, Tancredo não
vê com bons olhos o comportamento que o pai dispensa para com a esposa, contando que
“quantas vezes na infância, malgrado meu, testemunhei cenas dolorosas que magoavam, e de
louca prepotência, que revoltavam” (REIS, 2004, p. 60). Porém, sua mãe nunca se queixara da
maneira como fora tratada, mantendo-se sempre submissa, pois era uma “criatura angélica”
(REIS, 2004, p. 67), uma “mulher cheia de bondade e de virtude” (REIS, 2004, p. 78).
O jovem conta ainda que “foram as suas carícias, os seus meigos conselhos, que
soaram a meus ouvidos, que me entretiveram nos primeiros anos” (REIS, 2004, p. 60).
Percebe-se aqui a questão da mãe como primeira educadora dos filhos. A partir do carinho, da
devoção, dos bons conselhos, Tancredo pôde tornar-se um homem de bem, pois “cabia à mãe
a educação dos filhos [...] que preparava as meninas para serem futuras mães e os meninos
para se tornarem grandes homens e futuros gênios” (ISMÉRIO, 1995, p. 31).
Assim, a mãe de Tancredo é uma mulher obediente e temerosa do comportamento,
das vontades do esposo. Quando o rapaz confessa seu amor por Adelaide, é a mãe do jovem
quem tenta interceder, junto ao marido, em favor do filho. Tancredo afirma nesse momento
que “ela temia seu esposo, respeitava-lhe a vontade férrea; mas com uma abnegação sublime
125
quis sacrificar-se por seu filho” (REIS, 2004, p. 63, grifo nosso). A mãe sacrifica-se em
favor do filho, por amor materno, pois essa é entendida como uma característica natural
própria do sexo feminino. O amor maternal incondicional, capaz de tudo para proteger sua
prole.
Porém, ao lado desse amor materno, convive a obrigação de esposa obediente.
Exemplo dessa obediência plena é que quando Tancredo foi cursar Direito em São Paulo,
durante seu período de estudos, foi obrigado pelo pai a não visitar a casa paterna, assim sua
mãe teve que conviver com a saudade do filho; segundo o rapaz, sua mãe “sofria a minha
ausência, porque era da vontade de seu esposo!” (REIS , 2004, p. 60, grifo nosso). O
sofrimento dela era resignado, pois era a vontade de seu marido, e esta não podia ser
contrariada. Mesmo quando o rapaz tenta reclamar do comportamento duro do pai, a mãe do
jovem pede que “meu filho, não levantes a voz para acusar aquele que te deu a vida” (REIS,
2004, p. 68), pois independentemente do caráter, o homem, marido e pai, merece ser
respeitado.
Já o pai de Tancredo afirma, a respeito do momento em que sua esposa verte
lágrimas durante a despedida do filho, que “é necessário que nem sempre se atenda às
lágrimas das mulheres; porque é o seu choro tão tocante, que a pesar nosso comove-nos, e a
honra, e o dever condenam a nossa comoção, e chamam-lhe – fraqueza” (REIS, 2004, p. 80).
O choro de uma mulher é sinal de fragilidade, de sentimentalismo, mas um homem comovido
pelas lágrimas feminis é um fraco. “Frágil, sentimental, obediente e pura, estes eram os
atributos da rainha do lar e do anjo tutelar” (ISMÉRIO, 1995, p. 30, grifos da autora). Assim,
a visão patriarcal que permeava a sociedade desse período representava a esposa como “uma
escrava doméstica exemplarmente obediente e submissa. Sua existência justificava-se por
cuidar da casa, cozinhar, lavar a roupa e servir ao chefe da família com seu sexo” (PRIORE,
2006, p. 19).
Então, ao interceder em favor do filho a respeito do casamento do jovem com
Adelaide, a mãe de Tancredo não consegue convencer o esposo a aceitar a união dos jovens
enamorados e pede:
A mãe de Tancredo, como fica explicitado no fragmento acima, nunca fez pedidos ao
esposo, afinal este era o “primeiro favor, que vos hei pedido”, porém, pelo filho, ela foi capaz
de tentar interceder, mesmo sabendo que seu esposo não se demoveria da decisão. Dessa
forma, muitas decisões, ou a grande maioria delas são tomadas pelo pai, mesmo que a mãe
tenha um pouco mais de liberdade nos assuntos domésticos, pois o homem domina
exclusivamente o espaço público, mas ainda assim é o senhor dentro do espaço privado,
cabendo a ele inúmeras decisões, “principalmente no que se refere aos filhos, e para as
alianças matrimoniais. [...] Muitos casamentos são combinados pelos pais, e há mães que,
sensíveis à voz do coração, tomam o partido de” seus filhos e filhas (PERROT, 1995c, p.
124). O poder patriarcal é justificado, dentre outros, pela ideia de que ao homem cabe a razão
e a mulher o sentimento, assim:
É o que vemos na relação entre os pais de Tancredo. Sua mãe representa o lado do
sentimentalismo, pois quer ver o filho feliz ao lado da mulher amada, mesmo que esta seja de
uma família sem posses, que não tenha um sobrenome, nem um berço. O pai, representante da
razão, da lógica, não enxerga o sentimento, apenas a praticidade de que o casamento é um
negócio e, como tal, deve ser bom para ambos os lados.
O pai tem duplos poderes. Ele domina totalmente o espaço público. Apenas
ele goza de direitos políticos. A política no século XIX é definida como
domínio exclusivo dos homens. [...] Mas os poderes do pai também são
domésticos. Exercem-se nessa esfera, e seria um erro pensar que no âmbito
privado pertence integralmente às mulheres, ainda que o papel feminino no
lar aumente de maneira constante. Em primeiro lugar, ele é senhor pelo
dinheiro (PERROT, 1995c, p. 124).
Ao contrário da mulher, o homem detém o poder dentro e fora de casa, pois a ele
cabe o exercício de um ofício que sustenta a família. Ele é aquele que possui o poder
econômico, pois apenas a ele é permitido trabalhar, principalmente nas classes econômicas
superiores. Nota-se que nas classes menos favorecidas, as mulheres trabalham em diversos
ofícios para ajudar a completar a renda familiar. No caso da mãe de Tancredo, ela pertence a
uma classe social elevada, por isso não trabalha, depende do marido. A mulher deve ser
sustentada por um homem, seu pai, marido ou filho, dessa forma, “como ainda permaneciam
127
irmã, pois Paulo B... era um “pobre lavrador sem nome, sem fortuna” (REIS, 2004, p. 108). A
partir do momento em que se casa com Paulo B..., a vida de Luísa se transforma, pois:
[...] este desgraçado consórcio, que atraiu tão vivamente sobre os dois
esposos a cólera de um irmão ofendido, fez toda a desgraça da minha vida.
Paulo B... não soube compreender a grandeza do meu amor, cumulou-me de
desgostos e de aflições domésticas, desrespeitou seus deveres conjugais, e
sacrificou minha fortuna em favor de suas loucas paixões. Não tivera eu
uma filha, que jamais de meus lábios cairia sobre ele uma só queixa! Mas ele
me perdoará no fundo do seu sepulcro; porque sua filha mais tarde foi objeto
de toda a sua ternura, e a dor de fracamente poder reabilitar sua casa em
favor dela lhe consumia, e ocupava o tempo. E ele teria sido bom; sua
regeneração tornar-se-ia completa, se o ferro do assassino lhe não tivesse
cortado em meio a existência (REIS, 2004, p. 102, grifo nosso).
Paulo B... “desrespeitou seus deveres conjugais”, o que nos sugere que tivera alguma
amante, gastou todo o dinheiro que possuíam em “loucas paixões”, que podem ser de diversas
naturezas, como bebida, jogos e mulheres. Porém, Luísa B..., tal como a mãe de Tancredo,
manteve-se fiel e honesta durante todo o casamento, não desrespeitando seu marido. O
nascimento da jovem Úrsula parece ter trazido mudanças ao comportamento leviano de Paulo
B..., porém ele foi assassinado e o suspeito principal era Fernando P..., que após a morte do
cunhado “comprou as dívidas do casal, e estabeleceu-se na fazenda de Santa Cruz, outrora
habitação de meus pais, onde eu passei os anos da minha juventude, onde nascera minha
pobre Úrsula” (REIS, 2004, p. 103). Mas, mesmo sofredora, mesmo doente, Luísa B... é mãe
e seu amor maternal ajudou-a a manter-se viva, não deixando sua filha completamente órfã e
solitária. Assim após a morte do esposo, Luísa B... conta que:
E eu, pobre mulher, chorei a orfandade de minha filha, que apenas saía do
berço, sem uma esperança, sem um arrimo, e alguns meses depois, veio a
paralisia – essa meia-morte – roubar-me o movimento e tirar-me até o gozo
ao menos de seguir os primeiros passos desta menina, que o céu me confiou
(REIS, 2004, p. 103).
Há doze anos que arrasto a custo esta penosa existência. Só Deus conhece o
sacrifício, que hei feito para conservá-la. Parece-vos isto compreensível? [...]
Sou mãe, senhor! Vede minha pobre filha! É um anjo de doçura e
bondade, e abandoná-la, e deixa-la só sobre este mundo, que ela mal
conhece, é a maior dor de quantas dores hei provado na vida. Sim, é a
maior dor [...] porque então perderá o único apoio que ainda lhe resta!
(REIS, 2004, p. 100, grifo nosso).
Luísa B... afirma com veemência a Tancredo: “sou mãe”. Por esse motivo não
poderia deixar a filha sozinha, mesmo estando tão doente, infeliz e cansada de uma vida de
tribulações. A mãe de Úrsula, ainda que tendo no rosto “estampados os sofrimentos
profundos, pungentes, e inexprimíveis da sua alma. E os lábios lívidos e trêmulos, e fronte
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pálida, e descarnada, e os olhos negros, e alquebrados diziam bem quanta dor, quanto
sofrimento lhe retalhava o peito” (REIS, 2004, p. 96), não se deixou levar pela foice fria da
morte, ao contrário, tentou se manter o mais firme possível, pelo amor maternal. Isso, pois o
amor materno é entendido nesse período como um sentimento que reside no sacrifício, na
abnegação. Abre-se mão da própria felicidade, do próprio descanso, em favor de um bem
maior: os filhos. E a maternidade, o amor da mãe, esse laço invisível, era considerado, durante
a primeira metade do século XIX, como algo natural ao sexo feminino, característica de toda
mulher. Caso a mulher não apresentasse essa característica, ela não era considerada normal,
era vista, entendida, com estranhamento.
Outro ponto perceptível na trama é a viuvez. Pouquíssimo tempo depois da morte da
mãe de Tancredo, seu pai se casa com a jovem Adelaide, pois “o homem viúvo [...] poderia
casar-se novamente, porque precisava de outra rainha do lar para cuidar da casa, dos filhos e
dele mesmo” (ISMÉRIO, 1995, p. 33). Já a mãe de Úrsula não se casa novamente, pois a
visão de viuvez para as mulheres partia de um pressuposto diferente do que para com o dos
homens, pois “o laço matrimonial era um vínculo tão forte que deveria ser mantido até depois
da morte do marido [...]: ficar fiel ao marido, cultuando-o e chorando eternamente a
separação. Mantendo-se assim, preservaria a sua pureza e a moral do falecido” (ISMÉRIO,
1995, p. 33).
Nota-se o quanto as matriarcas da trama são parecidas em dois aspectos. O primeiro
é a questão da maternidade, do amor materno, da preocupação e desprendimento que ambas
dedicam aos seus filhos. O segundo ponto é a forma como sofreram por conta dos homens de
suas vidas. A mãe de Tancredo sofria a tirania do marido, já a mãe de Úrsula teve inúmeros
desgostos por conta do casamento com Paulo B... e do irmão, Fernando P...
Já a personagem negra Susana nos é apresentada na trama, a partir da descrição da
narradora, que nos conta: “Susana, chama-se ela; trajava uma saia de grosseiro tecido de
algodão preto, cuja orla chegava-lhe ao meio das pernas magras, e descarnadas como todo seu
corpo: na cabeça tinha cingido um lenço encarnado e amarelo, que mal lhe ocultava as
alvíssimas cãs” (REIS, 2004, p. 112). Assim é-nos apresentada, no capítulo IX, a personagem
preta Susana, uma escravizada. Foi Susana quem cuidou de Túlio quando o rapaz foi separado
de sua mãe biológica, e para o rapaz, ela é a mãe Susana. Além disso, a personagem possui
fortes valores, pois é “boa e compassiva” (REIS, 2004, p. 111). Susana é quem nos conta
sobre a escravidão, através de suas lembranças, quando compara a recém-adquirida liberdade
de Túlio (pois Tancredo comprou sua alforria), com a liberdade que possuía em sua terra
africana:
130
Sim, para que estas lágrimas?!... Dizes bem! Elas são inúteis, meu Deus; mas
é um tributo de saudade, que não posso deixar de render a tudo quanto me
foi caro! Liberdade! Liberdade... ah! Eu a gozei na minha mocidade! –
continuou Susana com amargura – Túlio, meu filho, ninguém a gozou mais
ampla, não houve mulher alguma mais ditosa do que eu. Tranquila no seio
da felicidade, via despontar o sol rutilante e ardente do meu país, e louca de
prazer nessa hora matinal, em que tudo aí respira amor, eu corria às
descarnadas e arenosas praias, e aí com minhas jovens companheiras, no
coração, divagávamos em busca das mil conchinhas, que bordam as brancas
areias daquelas vastas praias. Ah! Meu filho! Mais tarde deram-me em
matrimônio a um homem, que amei como a luz dos meus olhos, e como
penhor dessa união veio uma filha querida, em quem me revia, em quem
tinha depositado todo o amor da minha alma: – uma filha, que era a
minha vida, as minhas ambições, a minha suprema ventura, veio selar
nossa tão santa união. E esse país de minhas afeições, e esse esposo
querido, essa filha tão extremamente amada, ah Túlio! Tudo me obrigaram
os bárbaros a deixar! Oh! Tudo, tudo até a própria liberdade! (REIS, 2004, p.
115, grifos nossos).
[...] coração de tigre é o seu! Gelei de horror ao aspecto dos meus irmãos...
os tratos, por que passaram, doeram-me até o fundo do coração! O
comendador P... derramava sem se horrorizar o sangue dos desgraçados
negros por uma leve negligência! E eu sofri com resignação todos os tratos
131
que se dava a meus irmãos, e tão rigorosos como os que eles sentiam. E eu
também os sofri, como eles, e muitas vezes com a mais cruel injustiça
(REIS, 2004, p.118).
Susana é defensora da justiça, da honra, da verdade. Ela é a voz da escritora, que
clamava por igualdade, que via negros e brancos como irmãos, pois esta seria a verdadeira
interpretação bíblica: “Senhor Deus! quando colocará no peito o homem a tua sublima
máxima – ama a teu próximo como a ti mesmo -, e deixará de oprimir com tão repreensível
injustiça ao seu semelhante!... aquele que também era livre no seu país... aquele que é seu
irmão?!” (REIS, 2004, p.23, grifo nosso). A mesma palavra sagrada, a bíblica, era utilizada e
interpretada, desde o início da escravização do negro africano, como instrumento de
justificativa para escravidão, a partir da “maldição de Caim” e da “maldição de Cam”.20
O que se pode perceber na passagem acima é que Susana, ao contrário de Fernando
P..., via com horror a crueldade com que seus irmãos escravizados eram tratados. Fernando
nos é apresentado como um homem frio, sem sentimentos, sem emoções, que representa o
discurso dominante da época, que via o escravizado como um objeto. Porém, a personagem se
apresenta como ser humano, em carne, osso, coração, que sente, pensa, reflete sobre sua
situação. Enfim, como uma pessoa civilizada, contrariando os estereótipos da primeira metade
do século XIX, que viam a dicotomia branco x negro como sinônimo de civilização x
barbárie, respectivamente.
É Susana quem contará ao leitor como era uma viagem a bordo de um navio
negreiro, cruzando o Atlântico, saindo da África e chegando às terras brasileiras:
20
A maldição é contada no Livro da Gênesis, no Antigo Testamento. Noé teria ficado nu ao se embebedar com
vinho e Cam (filho mais novo), ao ver o pai naquelas condições, riu-se e contou a seus outros irmãos, Sem e
Jafé. Noé, ao invés de amaldiçoar o filho, lançou sua indignação ao neto, Canaã. Há interpretações que contam
ainda, que Cam tenha se casado com alguém da linhagem de Caim, também amaldiçoado por Deus com uma
marca negra, após matar seu irmão Abel. Por fim, a interpretação afirmava que ficou com a pele negra, por
castigo, o que simbolizaria sua descendência, que deveria ser escravizada.
132
E como mãe Susana não pode impedir a partida de um filho homem, pois os homens
são criados, de acordo com as representações sociais do período, para viverem por conta
própria, para terem uma vida pública, fora de casa, ela só pode chorar, pois as mulheres
estavam do lado do sentimento, da emoção. O homem cresce, amadurece quando sai de casa
para viver por suas próprias escolhas, e a mulher apenas quando se casa.
Susana tem uma alma nobre, ela é uma mulher de comportamento adequado, não
importando aqui a cor de sua pele. E, sendo uma mulher correta, merece ser respeitada. Tal
como Tancredo que se ajoelhou frente à mãe santa, Túlio “ajoelhou-se respeitoso ante tão
profundo sentir: tomou as mãos secas, e enrugadas da africana, e nelas depositou um beijo”
(REIS, 2004, p. 119).
Seu amor materno, natural, independentemente de ser para com a filha biológica, ou
para com o filho de criação, é forte, um exemplo disso é quando Túlio ainda é criança e
pergunta sempre pela mãe; o rapaz conta que “mãe Susana, que chorava enquanto eu cuidava
133
dos meus brinquedos, sorria-se quando me via, e procurava fazer-me esquecer minha mãe e
seus afagos” (REIS, 2004, p. 169). O amor materno busca a felicidade incondicional do filho,
por isso, a mãe é capaz de suportar as piores dores, inclusive as da separação e da morte, para
ver a criança amada feliz. A mulher-mãe é desprendida, dessa forma, de desejos egoístas, pois
sua felicidade reside na felicidade dos filhos, não importando uma alegria particular para si
mesma.
O destino de Susana é morrer pelas mãos do comendador Fernando P..., que a culpa
de ajudar Úrsula a fugir com Tancredo. Fernando manda dois capangas à busca de Susana
que, quando é levada ao encontro do comendador, “não vinha atada à cauda de um cavalo,
caminhava com a fronte erguida, e com a tranquilidade do que não teme: porque é justo”
(REIS, 2004, p. 187). Nesse final da escravizada, o próprio feitor do comendador, não
concordando mais com o comportamento violento do patrão, pede a Susana que fuja, mas a
mulher afirma que “o céu vos pague tão generoso empenho; mas os que estão inocentes não
fogem” (REIS, 2004, p. 187). A escravizada, como representante da mulher de boa índole,
não precisa fugir, pois não teme o castigo, nem a morte. Susana vai ao encontro do
comendador, recitando o salmo bíblico 138. Ela viveu uma vida correta e honesta, e os justos
não temem a morte, pois têm a consciência de que uma vida eterna pós-morte os aguarda no
Paraíso.
A morte aparece na narrativa firminiana como a libertação plena, como sinônimo de
redenção, de salvação, de desligamento de uma vida mundana, imperfeita, limitada,
castradora e cheia de desigualdades. Por esse motivo, as personagens corretas, tanto as
mulheres, como a mãe de Tancredo, Luísa B..., mãe Susana e a própria Úrsula, têm como
final a morte. Além dos personagens homens, Tancredo e Túlio. Todos bons, todos mocinhos.
Ao contrário, os antagonistas do romance não têm direito a se libertarem. Adelaide continua
viva e Fernando P... só morre muito tempo depois, mesmo assim, sofrendo e não se redimindo
de seus pecados. O fim deles é diferente, eles merecem viver nesse mundo que aprisiona, que
sufoca, remoendo os acontecimentos de suas vidas, sendo infelizes. E, no caso do
comendador, sua morte não o salva, ao contrário, o leva para o Inferno, símbolo do castigo
divino eterno.
Por fim, o que notamos é uma narrativa que busca igualar raças que na primeira
metade do século XIX, a partir de vários discursos21, são entendidas e justificadas como
21
Além do discurso cristão, baseado na maldição de Cam, havia também o científico, referenciado em obras
como: A desigualdade das raças humanas (1853), de Arthur de Gobineau, A origem das espécies (1859), de
Charles Darwin, teoria da evolução das espécies, que acabou gerando outros tipos de evolucionismos, como o
134
diferentes, além de uma ser considerada superior (branca europeia) e a outra inferior (negra
africana). Muitas das características de boa índole, bom caráter e personalidade das pessoas de
bem, estão presentes, por exemplo, tanto no personagem (branco) Tancredo, quanto em Túlio
(negro escravizado). O mesmo ocorrendo em relação à questão da maternidade e
desprendimento caracterizados nas mães brancas mãe de Tancredo e Luísa B... e na mãe
negra Susana.
Já a respeito das características negativas, temos tanto no comendador Fernando P...
(branco), como no escravo Pai Antero, guarda da prisão da senzala, ou seja, um negro que
ajuda a manter a dominação de seus irmãos negros. Pai Antero era alcoólatra, vivendo
bêbado, por isso ninguém o respeitava, todos viviam afastados dele (REIS, 2004, p. 207).
Nesse sentido, Firmina procurou estabelecer características comuns a ambas as raças
e classes sociais, rompendo com a visão dominante de seu tempo. Dessa forma,
Dessa forma percebe-se que Maria Firmina dos Reis incorporou muito das
representações sociais sobre as mulheres na primeira metade do século XIX, especialmente no
que tange às características de boa esposa, boa mãe, mulher correta. Vemos aqui o quanto as
mães da narrativa são personagens com fortes traços de caráter, mulheres honestas, honradas.
Mas, embora pareça reafirmar essas características, condena a forma como as mulheres eram
tratadas por seus maridos, principalmente a violência física e simbólica que sofriam por serem
consideradas inferiores. Além da dura crítica que tece a respeito da escravidão. Firmina não
rompe com visão de mulher ideal, porém, parece desejar uma sociedade na qual os homens
possam tratar suas mulheres ideais com mais respeito. A narradora parece desejar uma
sociedade mais igualitária, com justiça para além do gênero ou da raça.
histórico, representado pelo positivismo de Comte, e o antropológico na teoria de Lewis H. Morgan (1877),
segundo a qual a humanidade passaria necessariamente por três etapas progressivas: selvageria, barbárie e
civilização. Assim, os índios estariam na selvageria, os africanos na barbárie e os europeus seriam representantes
da civilização.
135
Antes de iniciarmos nossa análise sobre a voz da narradora no romance Úrsula, cabe
explicar que afirmamos se tratar de uma narradora e não um narrador, pois há diversas
semelhanças entre a escrita pessoal de Maria Firmina dos Reis em seu álbum e sua escrita na
narrativa do romance.
Uma dessas características é a visão da morte como libertação. Na análise do
álbum22, percebe-se o quanto Maria Firmina dos Reis cultuava a morte, fim último, elemento
libertador, redentor. A morte firminiana é bela, pois põe fim ao sofrimento terreno,
aproximando o ser humano do Criador. Assim, como analisamos, as personagens de bem,
corretas, honestas e sofredoras do romance Úrsula, morrem, libertando-se de todos os
dissabores de suas existências. Já, para Maria Firmina, em seu álbum, ela afirma que “eu não
amo a vida; porque ela é a vida de gozos, e de felicidades; amo-te, oh! sepulcro; porque em ti
há esquecimento e repouso” (MORAES FILHO, 1975, s.p.).
Outra característica perceptível entre o álbum e o romance é a visão idealizada de
mulher. Em algumas passagens de seus escritos pessoais, Firmina adjetiva mulheres próximas
a ela como “virgens, meigas, belas, sedutoras”, mulheres que inspiram a “mais doce e meiga
simpatia”, “uma linda e interessante menina”, “pobre flor”, “filha, mãe e esposa; mas cortada
em flor a tua existência”, entre outras passagens (MORAES FILHO, 1975, s.p.).
A narradora, Maria Firmina dos Reis, se apresenta diversas vezes na narrativa do
romance e nos dá indícios sobre a forma como vê e entende a sociedade na qual está inserida.
A narradora aparece nas primeiras linhas do romance descrevendo de forma exacerbada a
natureza da região, além disso, inúmeras vezes enaltece a figura de Deus, o Senhor, o Criador:
Ao mesmo tempo, a narradora tem uma visão pessoal, que permanece por toda a
narrativa; ela afirma que ama a solidão “porque a voz do Senhor aí impera; porque aí despe-
se-nos o coração do orgulho da sociedade, que o embota, que o apodrece, e livre dessa
vergonhosa cadeia, volve a Deus e o busca – e o encontra; porque com o dom da ubiquidade
Ele aí está!” (REIS, 2004, p. 17). Passagens que muito se assemelham com as que
encontramos em seu álbum, como quando Firmina afirma que ama “a noite, o silêncio, a
22
Analisado no capítulo dois desta pesquisa, o álbum refere-se ao diário de Maria Firmina dos Reis.
136
harmonia do mar, amo a hora do meio-dia, o crepúsculo mágico da tarde, a brisa aromatizada
da manhã [...] e sobre todas essas coisas amo a Deus” (MORAES FILHO, 1975, s.p.).
Já a respeito do ser humano, a narradora em Úrsula tem uma visão que reafirma as
práticas cristãs, segundo ela, “quanto é o homem egoísta e vão!...” (REIS, 2004, p. 30), pois
ao longo da história de suas sociedades o ser humano construiu “mentirosos preconceitos, que
o homem ergueu com seu orgulho” (REIS, 2004, p. 30). Além disso, quando descreve o
cemitério onde a mãe de Úrsula foi enterrada, a narradora afirma que “simples e quase nu era
essa cemitério de Santa Cruz – como devera ser a última morada do homem” (REIS, 2004, p.
154), pois os homens, ao morrerem, não levam nada de material de suas vidas, apresentam-se
nus, vestidos apenas com os atos que praticaram na Terra.
Em relação ao amor, a narradora parece acreditar ser um sentimento perturbador:
Infeliz donzela! Por que fatalidade viu ela esse homem de vontade férrea,
que era seu tio, e que quis ser amado?! Esse homem, que jamais havia
amado em sua vida; por que a escolheu para vítima de seu amor caprichoso,
a ela que o aborrecia, a ela a quem ele tornara órfã, antes de poder avaliar a
dor da orfandade? A ela que amava a outrem, cujo nome deveria conhecer;
por que mais de uma vez o vira no tronco da árvore, enlaçado com o de
Úrsula, a ela que toda a sua alma, toda a sua vida pertencia agora a esse
cavaleiro?! (REIS, 2004, p. 157).
137
Outra vez mais a narradora nos apresenta seu ponto de vista sobre o maior de todos
os sentimentos: o amor. Tancredo, aquele que representa o novo, a liberdade de escolha, traz
em si o amor nobre, puro, santo, virtuoso. Já o mesmo sentimento se degenera quando vindo
de um homem violento como o comendador Fernando P..., representante do patriarcalismo, da
tradição. Além disso, a narradora vê o amor como um sentimento único, pois “a mulher só
ama uma vez. No seu coração imprimiu Deus um sentir tão puro e tão verdadeiro, que o
homem não pode duvidar dos seus afetos (REIS, 2004, p. 175, grifo nosso), isso pois
[...] cujas formas eram tão sedutoras, tão belas, aquela cujas aparências
mágicas e arrebatadoras escondiam um coração árido de afeições puras, e
desinteressadas... Oh! Essa não compreendeu para que veio habitar entre os
homens; porque a cobiça hedionda envenenou-lhe os nobres sentimentos do
coração. O brilho do ouro deslumbrou-a, e ela vendeu seu amor ao primeiro,
que lho ofereceu (REIS, 2004, p. 175-176).
Tantas dores há em seu coração; e nós as não compreendemos!...” (REIS, 2004, p. 167).
Afinal a narradora não compreende como pode haver tanta maldade no coração dos homens,
para com seus semelhantes. Para ela não há diferença entre o branco o negro, pois ambos são
filhos do mesmo Pai Criador Eterno. Dessa forma:
A fé contra a razão, a caridade contra o capitalismo e a reprodução como
justificativa fundamental constituem os eixos principais dessa moral. Essas
mulheres [...] são altamente conscientes de si mesmas; não são simplesmente
resignadas ou passivas, mas tendem, pelo contrário, a erigir sua visão de
mundo como julgamento das coisas. Esse feminismo cristão [...] onde se
enfrentam o bem e o mal: as mulheres e os homens. Estes, pelo gosto do
poder e do dinheiro, engendram o caos e a morte. As heroínas domésticas,
pelos seus sofrimentos, sacrifícios e virtude, restabelecem a harmonia do lar
e a paz da família. Elas têm o poder – e o dever – de agir bem (PERROT,
2010, p. 180-181, grifo da autora).
Nota-se assim que Maria Firmina dos Reis através da voz onisciente da narradora em
seu romance Úrsula, embora reforce alguns aspectos da visão sobre as mulheres na primeira
metade do século XIX, no Maranhão, critica alguns pontos do patriarcalismo, que se
alicerçava na crença da inferioridade feminina. Firmina não vê a mulher como inferior, mas
como um ser que complementa a vida do homem. Embora os arquétipos de boa mulher
(Virgem Maria) e má mulher (Eva pecadora) estejam presentes em sua narrativa, outros
pontos se distanciam da visão dominante. A narradora critica o homem violento, por exemplo,
além da própria escravidão negra africana. Dessa forma, as representações sobre as mulheres
no Maranhão oitocentista estão presentes sobre duas formas no romance Úrsula, ora se
distanciando, ora se aproximando da visão dominante.
140
CONSIDERAÇÕES FINAIS
eterno. A mulher, a partir do século XIX, aproximou-se cada vez mais do arquétipo da
Virgem Maria, o que estabeleceu uma pureza, uma docilidade, uma noção de autossacrifício e
maternidade como características naturais de todo sexo feminino. Para a mulher que não
acompanhasse, que não possuísse essas características, restava apenas o rechaço, a má fama e
a ligação ao estereótipo da Eva pecadora da qual descenderia. Assim, a família se constituiria
de um pai racional, que dominaria o espaço público, pois apenas a ele era dado o direito de ter
um ofício externo ao lar; à mulher caberia o espaço privado, muito embora não
completamente o dominasse, uma vez que as decisões mais importantes caberiam ao patriarca
da família; aos filhos caberia obediência e respeito aos genitores. Por essas representações, a
educação e instrução escolar que se destinou a cada um dos gêneros, vistos de maneira
desigual, foi elaborada de forma a fortalecer e perpetuar essas desigualdades. Os homens
estudavam com vistas a desempenhar um ofício, já as mulheres eram instruídas para cumprir
o papel de boas esposas, boas mães e ótimas donas de casa.
A Literatura, como toda forma de expressão artística, capta aspectos das
representações sociais do momento em que é elaborada, pois há “de um lado, os aspectos
sociais, e de outro, sua ocorrência nas obras” (CANDIDO, 2010, p. 9). Dessa forma, foi
possível perceber aspectos da sociedade maranhense da primeira metade do Oitocentos, no
que diz respeito a forma como as mulheres desse período e local eram representadas
socialmente, por meio de uma fonte literária do momento em questão.
No romance Úrsula, da escritora maranhense Maria Firmina dos Reis, publicado em
1859, percebemos aspectos a respeito da visão sobre os arquétipos de Virgem Maria x Eva
pecadora, que permeavam a sociedade do período em que a autora viveu e escreveu sua
narrativa. A protagonista da trama, a jovem Úrsula, é apresentada e descrita como o ideal de
mulher, uma vez que reúne em si mesma características de boa mulher, pura (virgem),
recatada, dócil e submissa. O amor que ela e seu par romântico desenvolvem ao longo da
trama é descrito como um sentimento descarnalizado, sem desejos, virtuoso, forte o suficiente
para ser eterno mesmo após a morte, e o casal espera desfrutar desse amor através da união
matrimonial.
Já as personagens que representam as mães do período são sempre vistas como
submissas e desprendidas de quaisquer desejos egoístas. Ao contrário, todas só querem a
felicidade de seus filhos, pois a maternidade nesse período é vista como uma característica
natural de toda mulher. Nada mais natural, então, que através dessa visão, uma mãe se
dedique e lute pela fortuna de sua prole, não importando nunca a sua própria felicidade. Nesse
sentindo, entende-se que a felicidade da mãe é a felicidade de seu filho. Além de mães
142
exemplares, elas são descritas como esposas honestas e obedientes aos desejos e vontades de
seus esposos e, mesmo quando humilhadas, não levantam suas vozes, não brigam, não
reclamam contra as atitudes levianas ou mesquinhas dos maridos.
Em relação ao arquétipo de Eva, a personagem Adelaide, ela é descrita como uma
mulher sem virtudes e seu fim é acabar sozinha e infeliz, mesmo possuindo todo o luxo e
riqueza que tanto desejava.
Mesmo quando trata dos personagens masculinos, Maria Firmina não deixa de
representar os papéis sociais que estão bem definidos no Maranhão da primeira metade do
século XIX. Assim, Tancredo, Fernando P..., Túlio e mesmo Paulo B..., são aqueles que
trabalham e que podem e ir e vir durante toda a narrativa. São os homens que se movem
constantemente, estando as mulheres presas sempre nos mesmos espaços. São eles que falam,
diversas vezes, sobre o que esperam de suas mulheres ideais. Além disso, é por conta de
muitas das decisões masculinas que são organizadas as atitudes das mulheres na trama.
Como vimos, foi possível perceber diversos aspectos a respeito das representações
sociais sobre as mulheres na primeira metade do século XIX no Maranhão, através da análise
das personagens femininas do romance Úrsula, estabelecendo assim uma relação entre a
narrativa e a sociedade.
Firmina então recebeu e incorporou muito da visão de mundo de sua época, mas por
outro lado, recebeu e combateu alguns pontos que não concordava. É dentro dessa perspectiva
que a História procura analisar o sujeito histórico: não como um ente passivo, que apenas
recebe e reproduz as informações ao seu redor, mas, ao contrário, um ser reflexivo, que
recebe, analisa e reproduz, por meio de sua própria interpretação, local social e cultura (entre
outros), as representações do mundo social no qual está inserido. Por fim, a escritora-
narradora “utiliza a obra, assim marcada pela sociedade, como veículo das suas aspirações
individuais mais profundas” (CANDIDO, 2010, p. 35).
Acreditamos que conclusão de um trabalho não deve ser um fim em si mesma, mas
uma contribuição para que o tema não se esgote e que novas perguntas a respeito do mesma
tema sejam feitas, para que outras interpretações possam surgir, contribuindo assim para que
muito se fale, se comente, se pesquise sobre as relações sociais entre mulheres e homens ao
longo tempo.
Atualmente, presenciamos que há uma liberdade maior da mulher em diversos
campos, diversas áreas, além da própria questão de mudança na mentalidade em relação à
sexualidade, casamento, maternidade. Porém, mesmo diante de todas as mudanças, muito se
fala em violência contra mulher e mesmo ainda permanecem preconceitos de diversas formas
143
nos discursos que representam as relações sociais de gênero. A pergunta que fazemos é: será
que muito dessas permanências que se revestem na forma de violência física, simbólica e
psicológica contra a mulher, não tem raízes profundas, presentes mesmo nas representações
sociais analisadas neste trabalho? Será que num futuro não muito distante de nós, será
possível analisar nossa literatura contemporânea e perceber as mudanças e permanências na
forma como mulheres e homens entendem a si mesmos e a relação com o outro? Esperamos
aqui ter contribuído para que essas questões e inúmeras outras possam ser respondidas, uma
vez que a História e a Literatura parecem-nos, tem uma História quase como um romance,
com encontros e desencontros e um possível final feliz.
144
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JORNAIS
LEIS