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Bartira Gráfica
C977 Curso de formação em política internacional / [organização de] Mila Frati. – São
Paulo : Editora Fundação Perseu Abramo, 2007.
288 p.
ISBN 978-85-7643-038-4
Apresentação .............................................................................................. 5
A teoria, as instituições
e os grandes temas das relações internacionais ....................................... 15
Kjeld Jakobsen
Apresentação
AMÉRICA
CENTRAL Caracas
VENEZUELA Georgetown
Paramaribo
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9
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5/6/2007, 12:40
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CENTRAL
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9
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10
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Nouméa Trópico de Capricórnio
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OCEANO EUA - ESTADOS UNIDOS
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0 385 770 E O LCH - LIECHTENSTEIN
RTC - REPÚBLICA TCHECA
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13
14
A teoria, as instituições e os
grandes temas das relações
internacionais
Kjeld Jakobsen1
1. INTRODUÇÃO
1
Ex-secretário de Relações Internacionais da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e da prefeitura
do município de São Paulo, atualmente é consultor em relações internacionais.
15
2. AS PRINCIPAIS TEORIAS
Neste tópico serão apresentadas apenas as três principais teorias positivistas das
relações internacionais, das quais derivam outras, inclusive as chamadas teorias
pós-positivistas, apresentadas no Mapa teórico das relações internacionais (p. 18).
2.1 REALISMO
O principal expoente do realismo clássico foi Thomas Hobbes (1588-
1679). Sua concepção de Estado provinha do fato de considerar o estado de
natureza do homem como o de liberdade para fazer o que quisesse, inclusi-
ve cobiçar o mesmo que outros homens. Tal disputa seria resolvida em favor
do mais forte. Assim, o estado de natureza real seria um estado de guerra
entre os homens e somente poderia ser regulamentado por meio de um
poder absoluto, o Estado.
Essa concepção, traduzida para as relações internacionais, significa que o
mundo apresenta uma estrutura anárquica devida à ausência de um poder
central mundial, e o estado de natureza do mundo é a guerra, na qual os
Estados nacionais são os atores principais, que definem seus interesses em
termos de poder e de força. Desse modo, as principais preocupações na
relação entre os Estados são o poder e a segurança que eles administram
com uma avaliação coerente dos custos e benefícios de suas ações.
Há ainda outros teóricos clássicos do realismo, como o próprio
Tucídides, já mencionado, e Maquiavel. Este também considerava o Esta-
do capaz de impor a ordem e discutia a forma como o “príncipe” deveria
assegurar a sua segurança.
Esses conceitos foram atualizados no século XX. Primeiro por Edward
H. Carr, que na década de 1930 criticou o idealismo que regera algumas
das iniciativas internacionais após a Primeira Guerra Mundial, e depois por
Hans Morgenthau, autor do livro A política entre as nações: a luta pelo poder
e pela paz (1948), cuja teoria tornou-se o paradigma das relações internacio-
nais, ao menos até a década de 1970, e ainda hoje influencia a política
externa de muitos países, a exemplo da política de George W. Bush.
16
Ele identificou como seria a política externa dos Estados Unidos, potência
hegemônica após o término da Segunda Guerra Mundial, apontando que teria
como base um contexto de substituição do multipolarismo pelo bipolarismo,
com centros fora da Europa Ocidental, disputa entre dois sistemas antagônicos
(capitalismo versus socialismo real) e desenvolvimento da tecnologia nuclear,
que poderia levar à destruição da humanidade (Sarfati, 2005, p. 91).
Morgenthau também discutia o poder dos Estados, que não se limita
necessariamente à capacidade militar, mas também envolve população, geo-
grafia, recursos naturais, capacidade industrial, legitimidade de governo,
entre outros aspectos.
Para obter a segurança internacional, ele aceitava a idéia de um “Estado
mundial” com estrutura única, que fosse capaz de atender às necessidades
dos diferentes agrupamentos humanos e de intervir nos conflitos entre Es-
tados-nações, por meio, inclusive, de força militar própria.
17
2.3 MARXISMO
Quando Marx elaborou a tese do materialismo histórico, não tinha qual-
quer preocupação em teorizar sobre relações internacionais. Porém, vários
18
2
Técnicos que trabalhavam na CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe),
responsáveis pelo desenvolvimento da proposta do modelo de substituição de importações como
política para a região a fim de romper a dependência em relação aos países centrais. Alguns nomes
importantes entre eles foram Raul Prebisch e Teotônio dos Santos.
19
20
nos quais eram mais especializados e importasse aquilo que outros países
eram mais especializados em produzir. Isto significava, por exemplo, que
Portugal e França venderiam vinho, os Estados Unidos exportariam trigo e a
Inglaterra, produtos manufaturados.
Para outros estudiosos, a teoria das vantagens comparativas e o livre co-
mércio eram apenas uma forma de proteger a indústria inglesa de possíveis
concorrentes. Para eles, os países atrasados em seu processo de industrializa-
ção, como a Alemanha e os Estados Unidos, deveriam ter o direito de pro-
teger sua indústria até que ela também se consolidasse.
De fato, se considerarmos a história do comércio mundial, perceberemos
que a liberalização comercial ocorreu em poucos momentos desde o final do
século XVIII até o fim da Segunda Guerra Mundial, e que a política comer-
cial proposta pelos países desenvolvidos para os demais nunca foi por eles
adotada da mesma forma.
Em 1948 foi criado o Acordo Geral de Comércio e Tarifas (GATT –
General Agreement on Tarifs and Trade) para negociar e coordenar a políti-
ca comercial internacional, principalmente a liberalização das tarifas exter-
nas de bens industriais dos países-membros. Porém, tais reduções ocorre-
ram como se todos os países estivessem no mesmo patamar de
desenvolvimento, tomando como parâmetro os produtos que os países mais
desenvolvidos eram capazes de produzir em condições vantajosas com rela-
ção a outras nações mais pobres. Bens como os produtos têxteis ficaram
excluídos da liberalização comercial até 2004, e os mercados agrícolas dos
países desenvolvidos continuam protegidos.
A partir do final dos anos 1970, começaram a ser discutidos outros te-
mas no GATT, como comércio de serviços, de propriedade intelectual, de
investimentos, entre outros, e em 1995 teve início o funcionamento de
uma nova instituição em substituição ao GATT, a Organização Mundial do
Comércio (OMC), uma organização internacional estruturada com direto-
res e funcionários, que assumiu a coordenação das negociações comerciais e
também da resolução de controvérsias.
Durante sua vigência, o GATT realizou oito rodadas de negociações,
sendo a última delas – e a mais abrangente do ponto de vista liberal – a
Rodada Uruguai, que perdurou de 1986 a 1994. Hoje a OMC coordena a Ro-
dada de Doha, iniciada em 2001 e sem acordo até o momento.
21
3.2 DEMOCRACIA
Este tema se agregou às relações internacionais à medida que valores po-
líticos liberais foram se consolidando e sendo adotados por um número
crescente de países. Estes valores incluem a divisão de poderes e a idéia da
soberania popular como legitimadora do poder político – idéias defendidas
já no século XVIII por Montesquieu e Rousseau, respectivamente – e ou-
tros conceitos posteriores.
A democracia foi se aperfeiçoando ao longo do século XX e ainda está em
evolução. Em muitos países, as mulheres só conquistaram o direito de votar
a partir dos anos 1920. Se consideradas as limitações ao exercício do voto,
menos de dez países no mundo poderiam ser considerados democráticos no
início do século XX.
Os regimes derrotados na Segunda Guerra Mundial pela coalizão aliada
eram francamente ditatoriais, o que serviu como mote na disputa ideológi-
ca da Guerra Fria, para contrapor não apenas capitalismo e socialismo, mas
também democracia ocidental versus autoritarismo do regime de partido
único soviético.
Assim, a democracia tornou-se um tema sempre presente nas relações
internacionais, mesmo quando utilizado hipocritamente, como no caso do
apoio norte-americano a ditaduras de direita na América Latina durante a
Guerra Fria para “defender a democracia ameaçada pelo comunismo”.
Porém, as relações internacionais também contribuíram para a dissemi-
nação e o fortalecimento da democracia, como mostram os casos de Espanha,
Grécia e Portugal, que somente foram aceitos na Comunidade Européia
após a sua redemocratização.
Hoje se discute muito a possibilidade de aprofundar a democracia pela
adoção de mecanismos de democracia participativa, com a criação de conse-
lhos populares, a convocação de referendos, a criação da figura do ombudsman,
orçamentos participativos etc.
22
23
24
A primeira vez que a ONU ditou uma norma que se tornou obrigatória
para os Estados-membros foi em 1977 contra o regime do apartheid na
África do Sul, considerado um crime de lesa-humanidade. Na ocasião, o
Conselho de Segurança aprovou um embargo de armas àquele país.
Os princípios sobre a defesa dos direitos humanos estabelecidos até
então foram sendo incorporados também em resoluções, convenções e
recomendações de outras organizações e agências especializadas do siste-
ma ONU que tratam de trabalho, educação, saúde, alimentação, infância
e desenvolvimento.
Em 1993 realizou-se a segunda Conferência das Nações Unidas sobre
Direitos Humanos em Viena, na Áustria, numa conjuntura muito diferen-
te da anterior e com a participação de mais de mil ONGs, entre elas algu-
mas que haviam se tornado conhecidas e influentes, como Anistia Interna-
cional e American Watch, entre outras. As resoluções desta conferência con-
seguiram romper algumas das barreiras mencionadas anteriormente.
25
3.6 ENERGIA
Atualmente, falar de energia significa cada vez mais avaliar a
vulnerabilidade das economias dos países que não dispõem de autonomia
diante de suas demandas de energia, seja para gerar eletricidade na ilumi-
26
nação de suas cidades e movimentar suas indústrias, seja para que seus meios
de transporte funcionem.
A matriz energética mundial atual ainda é composta principalmente por
hidrocarbonetos e carvão mineral, e em menor dimensão por energia hi-
dráulica, nuclear, eólica, solar e biomassa. Além do efeito estufa e das trans-
formações climáticas que provoca, a dependência de hidrocarbonetos tem
dimensão política internacional.
Quando o transporte e a indústria movidos a combustíveis derivados do
petróleo se tornaram irreversíveis no início do século XX, o domínio sobre a
exploração de petróleo se tornou uma questão geopolítica, pois as fontes a ser
exploradas concentram-se em apenas alguns lugares do mundo. A mais im-
portante naquela época era o Oriente Médio, o que explica a relutância das
potências européias, como Inglaterra e França, em conceder independência
aos países daquela região ao fim da Primeira Guerra Mundial, o que somente
ocorreria após o fim da Segunda Guerra, quando asseguraram a concessão da
exploração de petróleo naqueles países para suas empresas multinacionais.
O petróleo foi primeiro explorado comercialmente nos Estados Unidos,
levando à criação de empresas como Standard Oil, Exxon, Texaco, que jun-
to com outras empresas européias formaram o cartel das “Sete Irmãs”, que
teve a concessão da produção e distribuição de petróleo no mundo durante
quase um século.
Embora as Sete Irmãs monopolizassem a exploração de petróleo, os paí-
ses produtores se articularam em 1960 por meio da Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP) a fim de tentar regular a produção e os
preços em seu favor. A OPEP tem hoje 12 membros, entre os quais apenas
um é latino-americano – a Venezuela –, pois o Equador retirou-se em 1992.
Estes países possuem dois terços das reservas mundiais de petróleo e
um terço das de gás natural, mas apesar desse poder a maioria deles nunca
conseguiu diversificar suas economias e são dependentes da exportação
desta commodity.
Atualmente há um esforço de outros países fora do circuito da OPEP
para buscar a auto-suficiência em petróleo e gás, bem como para definir
regras próprias para explorá-los e utilizá-los politicamente nas relações in-
ternacionais. É o que ocorre principalmente na América Latina, no Irã e na
Rússia, embora com características diferentes.
27
28
3
Aprovada na Eco 92, a Agenda 21 continha uma série de temas a ser negociados durante as reuniões
da ONU (Organização das Nações Unidas) posteriores à conferência; entre eles estava o da emissão
de CO2, que levou à criação do Protocolo de Kyoto.
29
3.10 PARADIPLOMACIA
Atualmente, algumas esferas não-centrais de governo, como estados,
municípios e parlamentos, realizam atividades internacionais em seus res-
pectivos âmbitos, o que tem sido denominado por alguns “paradiplomacia”.
30
31
32
33
BIBLIOGRAFIA
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA
34
1. INTRODUÇÃO
1
Este artigo resulta da fusão e da reelaboração de outros já publicados pelo autor: “¿Cuál es el papel
del Foro Social Mundial?”. Alternativas. Revista de análisis y reflexión teológica, ano 10, n. 25, Manágua,
Editorial Lascasiana, jan.-jun. 2003; “De volta a Seattle: anotações sobre o futuro do ‘processo FSM’”.
Proposta. Revista Trimestral de Debate da FASE, ano 28, n. 102, Rio de Janeiro, FASE, set.-nov. 2004; “América
Latina: integração e lutas de emancipação”. Contexto Latinoamericano. Revista de Análisis Político, n. 1,
Bogotá, Ocean Sur, set.-dez., 2006; Trajetória, estrutura e funcionamento da Aliança Social Continental, docu-
mento para debate no Conselho Hemisférico da ASC em Havana, 3-6 de maio de 2007.
2
Economista e jornalista paraguaio, reside no Brasil desde 1983; é assessor da Secretaria de Relações
Internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), e tem participado como representante da
CUT em diversos momentos e instâncias do Fórum Social Mundial, da Assembléia de Movimentos
Sociais e da Aliança Social Continental (ASC). Escreve aqui a título pessoal.
3
O único esforço sério feito nesse sentido foi o livro de Amin e Houtart (2002), publicado no Brasil
pela editora Cortez, em 2004, com a data do título alterada para “2003”. O livro foi o resultado de
uma iniciativa da rede Forum Mondial des Alternatives que lamentavelmente não teve continuidade.
35
4
Período especial é a denominação com que ficou conhecida a década de 1990 em Cuba, quando
esse país sofreu os brutais impactos econômicos (“uma das mais duras crises de sua história”) da
derrubada do bloco socialista. Cuba respondeu com “um forte processo de redesenho da política
econômica, de reconversão industrial e de transformação estrutural da gestão produtiva” que lhe
permitiu voltar a “crescer e se desenvolver” (ver: “La Economía Cubana en el Período Especial”,
disponível em <www.bc.gov.cu/Espanol/economia_cubana.asp>).
36
5
O livro de Aguiton (2002) traz um amplo panorama do surgimento dos movimentos altermundialistas
no final dos anos 1990 e início da presente década que desembocaram no processo do FSM e brinda
com informação sobre uma série de encontros que precederam a Porto Alegre 2001 e serviram para
construir o ambiente mundial favorável a essa ampla convergência no espaço Fórum.
6
Pelo papel que teve nessa campanha e na criação (em boa medida impulsionada pelo seu êxito) da
ATTAC (Associação pela Taxação dos Capitais em Apoio aos Cidadãos) em finais de 1998, o jornal
Le Monde Diplomatique ganhou ares de porta-voz do altermundialismo, ainda que nunca tenha perdido
seu sotaque político francês. O slogan “Outro mundo é possível”, popularizado depois pelo FSM,
foi utilizado em um encontro internacional realizado em 1999, iniciativa dessa e de outras redes.
37
7
Sobre esse evento ver o livro publicado por Houtart e Polet (2002). Houtart, padre católico belga,
expoente da teologia da libertação, foi um dos animadores do encontro.
38
39
8
Essa característica do FSM como “espaço aberto” (“que não adota campanhas enquanto tal”) foi
sendo construída. Ainda na segunda reunião do Conselho Internacional do FSM, realizada em 30 de
outubro a 1o de novembro de 2001 em Dakar (Senegal), representantes de duas organizações do
Comitê Organizador brasileiro (Cives – Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania – e
Comissão Brasileira Justiça e Paz – CBJP) propuseram que se assumisse uma campanha mundial para
erradicar a fome do mundo em um curto prazo como forma de desafiar os organismos multilate-
rais. A proposta foi polêmica e não prosperou.
9
Que as formas organizativas sejam novas não significa automaticamente que superem problemas
das antigas organizações e culturas políticas. Por exemplo, uma das experiências-símbolo da nova
cultura política e do FSM como um todo, a ATTAC França, recentemente entrou em profunda crise
após um setor que dominava sua direção ter fraudado as eleições internas (nada mais tradicional em
política que fraudar uma eleição!) para evitar perder a presidência da organização. Do mesmo modo,
nada é tão típico da cultura política tradicional quanto o personalismo exibido pelos três autores –
pessoas representativas do processo FSM – nos livros citados na nota 14 (página 44), em que tentam
contar a história do Fórum na primeira pessoa do singular; a esse respeito ver a crítica de Kjeld Jakobsen
na seção de resenha de livros da revista Teoria e Debate, n. 62, abr.-maio 2005.
10
A expressão foi cunhada pelo espanhol Miguel Romero (hoje editor da revista Viento Sur) no
início dos anos 1990 para descrever a crise que se abateu sobre as esquerdas no mundo.
11
Advocacy é a denominação de um conjunto de estratégias para influenciar, desde a sociedade civil,
na elaboração e na implementação de políticas públicas definidas pelos poderes do Estado.
40
41
12
Essa fórmula foi implementada primeiro pelo Fórum Social Europeu e depois assumida pelo
conjunto do FSM. A verdade é que nas primeiras edições do FSM o Comitê Organizador brasileiro
foi amplamente tolerante e aceitou a realização de atividades de partidos desde que formalmente
estivessem inscritas por alguma organização social. Atividades de governos (a começar pelas dos
dois governos locais que apoiavam o evento) sempre foram aceitas, desde que em parceria com
organizações sociais.
13
Contraditoriamente, em suas origens o FSM expressava talvez de maneira mais clara essa necessi-
dade; não foi por outro motivo senão pela experiência do orçamento participativo iniciada em
Porto Alegre, como embrião de uma “nova política”, que, quando se pensou em convocar o
primeiro FSM para janeiro de 2001, o consenso entre entidades brasileiras e estrangeiras foi que
deveria acontecer naquela cidade, um lugar onde o “outro mundo possível” já tinha começado a ser
construído. Esse quadro regrediu com as derrotas eleitorais do PT no Rio Grande do Sul (2004) e em
Porto Alegre (2006), mas, em compensação, se disseminou em várias experiências nacionais na
América Latina.
42
43
Não temos escrita uma história da Aliança Social Continental, mas, sem
dúvida, esta experiência se enquadra naquele contexto dos anos 199015. Seu
antecedente mais remoto, provavelmente, foram os esforços de articulação
realizados por organizações mexicanas, estadunidenses e canadenses para
14
Para essas críticas à assembléia ver os livros de Bernard Cassen (2003) – representante da ATTAC
França – e de Chico Whitaker (2005) – representante da CBJP – com prefácio de Oded Grajew – por
sua vez, representante da Cives.
15
Entre as referências disponíveis, ver o texto do mexicano Cueva (2000).
44
45
46
16
Para o aprofundamento do debate sobre integração regional latino-americana recomendamos:
Lander (2005); Mariátegui (1991); Bandeira (2006); Guimarães (2005); os resultados dos Encontros
Hemisféricos em Havana e outros documentos dos movimentos sociais da região estão disponíveis
no site da Aliança Social Continental, <www.asc-hsa.org>, e no portal <www.movimientos.org>.
47
48
superpotência (Estados Unidos) não conta com uma doutrina que lhe
proporcione antecedentes e consistência programática: será necessário
elaborá-la à medida que se for avançando. Essa é a tarefa dramática que se
impõe às esquerdas latino-americanas como resultado dos êxitos colhidos
na fase anterior.
8. AGENDAS
17
Mas quando o nacionalismo é uma ideologia dos Estados imperialistas trata-se de uma ideologia
reacionária.
49
3. Quais devem ser os conteúdos desse processo? Ou seja, qual seria o seu
“programa”? Como se afirma anteriormente, ele não está pronto: é e será
um processo. E, se admitirmos uma pluralidade de identidades convergen-
tes, deveremos considerar inclusive uma pluralidade de programas. Não
obstante, há algumas diretrizes que podem se afirmar desde já. É lógico e
compreensível que cada governo inicie o processo utilizando os meios que
sua economia nacional possui no momento. Entretanto, se ficarem apenas
nisso, será uma mera reiteração do momento atual (de dependência e sub-
desenvolvimento), que justamente se pretende superar. Por isso, é funda-
mental vincular os debates sobre a superação do neoliberalismo dentro de
nossos países ao processo de integração regional. Por outro lado, nossas eco-
nomias foram construídas historicamente para servir às metrópoles, pos-
suem inclusive características de unidades competidoras entre si por merca-
dos do capitalismo central e por capitais imperialistas nos mesmos ramos.
Um projeto de integração deveria, assim, significar um amplo processo de
redefinição de nossas estruturas produtivas, das infra-estruturas de trans-
porte e comunicação, das matrizes energéticas etc., para fazer da região uma
unidade econômica comum voltada para as necessidades de seus povos. Por
último, não há entre nossos países um único que seja capaz de liderar os
demais, porque nenhum tem capacidades hegemônicas regionais; isso sig-
nifica que, nesse processo, ou se constitui uma liderança compartilhada
entre vários países, ou não haverá processo regional. (Este último é um
desafio particularmente importante e estimulante, já que o pensamento
estratégico convencional não prevê esta hipótese: deverá ser uma criação
heróica de nossos povos.)
4. Como fica claro neste artigo, esse processo não começou agora, nem
caiu do céu. É resultado de lentos e persistentes esforços de construção de
atores políticos e sociais, em nossos países e em nível regional. Por isso,
como método, é fundamental partir daquilo que vem sendo construído em
50
51
BIBLIOGRAFIA
52
53
Capitalismo, imperialismo e
relações internacionais
Valter Pomar 1
1
Secretário de relações internacionais do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores. Graduado,
mestre e doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. É co-autor (com Reinaldo
Gonçalves) de A armadilha da dívida e de O Brasil endividado (com Marco Aurélio Garcia e Juarez Guimarães),
e de Socialismo no século XXI, livros publicados pela Editora Fundação Perseu Abramo.
54
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64
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68
69
70
71
BIBLIOGRAFIA
72
HOBSBAWN, Eric. A era dos impérios. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.
______. Da Revolução Industrial inglesa ao imperialismo. Rio de Janeiro,
Forense Universitária, 1979.
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73
74
A evolução histórica da Europa descrita neste texto foi dividida em seu aspecto
geral em duas partes: sua conformação na era moderna influenciada pelos confli-
tos desde a Guerra dos 30 Anos (1618-1648) até o final da Primeira Guerra
Mundial (1914-1918) e desse momento até a construção da União Européia.
O que apresentaremos aqui será apenas um resumo de alguns fatos marcantes
dessa evolução, bem como seu papel no desenvolvimento do capitalismo e no
desenho do mundo atual. Os grandes ciclos do capitalismo permearam essa
evolução, assim como a ascensão e a queda de impérios como o dos Habsburgo,
da Holanda, da França, da Alemanha, da Inglaterra e da União Soviética, e as
transformações políticas que levaram, em particular, a diferentes concepções
de Estado.
O ponto de partida da história moderna da Europa é o Renascimento,
abordado na introdução. Em seguida, há três seções que respectivamente
englobam: a Guerra dos 30 Anos, a Conferência de Westfália e as revoluções
burguesas; as Guerras Napoleônicas, o Concerto Europeu, a ascensão do
liberalismo e a Primeira Guerra Mundial; e, por fim, a Segunda Guerra
Mundial e a construção da União Européia.
1. INTRODUÇÃO
1
Ex-secretário de Relações Internacionais da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e da prefeitura
de São Paulo, atualmente é consultor em relações internacionais.
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2
República Termidoriana foi a última composição entre os partidos na Assembléia Nacional
Francesa após a revolução e antes de Napoleão assumir o poder.
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terrâneo, ele reassumiu o poder por alguns meses, em 1815, mas foi nova-
mente derrotado, na batalha de Waterloo.
Neste ano realizou-se a Conferência de Viena, com o objetivo de restabe-
lecer o equilíbrio europeu rompido e criar um mecanismo que evitasse no-
vos conflitos, afinal de contas prejudiciais à economia e ao progresso. Tal
objetivo ficou conhecido como o Concerto Europeu e assumiu um caráter
conservador. Áustria, Rússia e Prússia estabeleceram a Santa Aliança com
base em suas afinidades cristãs e resgataram a idéia dos direitos divinos dos
monarcas. A Inglaterra e, depois, a França também aderiram para influen-
ciar as articulações políticas do continente e abrir espaço para fortalecer as
respectivas economias sob a égide do liberalismo.
Até 1848 foi a Aliança que decidiu quais alterações aceitaria no cenário
político, europeu e mundial. Entre elas, que a Espanha não restabeleceria
suas colônias nas Américas; que a Bélgica poderia se separar dos Países Bai-
xos e constituir um reino autônomo; que a Grécia poderia se tornar inde-
pendente sem implicar o desmantelamento do Império Otomano, apesar
dos interesses russos nesse sentido; que a Áustria poderia reprimir as tenta-
tivas de independência de seus domínios no norte da Itália, e da mesma
forma a Prússia em relação a alguns principados alemães. Foi um período de
exercício coletivo de poder (Cervo, 2001, p. 71).
Entre 1840 e 1848 ocorreu uma onda revolucionária na Europa, inclu-
sive na França, que aparentemente provocaria profundas transformações.
No entanto, ela foi derrotada, e a segunda metade do século XIX caracteri-
zou-se pela ocorrência de problemas no interior da Aliança, pelo fortaleci-
mento do nacionalismo europeu e pela ascensão do liberalismo econômico.
A Rússia tentou uma vez mais se expandir para o sul e ter acesso ao mar
Mediterrâneo à custa do Império Otomano. Isso levou à Guerra da Criméia,
em que Inglaterra e França, e posteriormente Áustria e Itália, opuseram-se à
Rússia e forçaram um acordo que a fez recuar de suas intenções.
A erupção do nacionalismo europeu levou, principalmente, às unificações
alemã e italiana, e ao fim de uma série de pequenos países. O processo de
expansão da Alemanha, já unificada em torno da Prússia, foi dirigido pelo
chanceler Otto von Bismarck e teve início pela anexação de dois ducados ao
norte, tomados da Dinamarca, por meio de guerra com o apoio da Áustria.
Em seguida, continuou com uma guerra contra esta para quebrar sua resis-
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3
Sistema de Viena foi a articulação entre os países surgida a partir da Conferência de Viena, em 1815, e que
pressupunha a manutenção do status quo europeu sem aceitar novas transformações na sua geografia.
4
Concerto Europeu era o instrumento de conciliação e de pressões para manter o Sistema de Viena.
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Unidos pelo lado vencedor, mas a agenda dos três não era necessariamente a
mesma. À França interessava neutralizar a Alemanha definitivamente e vin-
gar-se; à Inglaterra interessava que a França não se tornasse a potência
hegemônica no continente; aos Estados Unidos interessavam a paz na Eu-
ropa e regras que favorecessem o livre comércio para expandir sua economia.
O presidente norte-americano Woodrow Wilson introduziu uma inflexão
na política externa de seu país ao substituir a política imperialista de busca
de influência pela promoção do livre comércio e pela disseminação da de-
mocracia. O objetivo era fortalecer o comércio de produtos norte-america-
nos e ampliar a influência dos Estados Unidos não mais por intermédio da
política do Big Stick5 e da Diplomacia do Dólar de seus antecessores, mas
pela disseminação dos “valores americanos”, particularmente o liberalismo
econômico e a democracia representativa.
Os 14 pontos defendidos por Wilson, em Versalhes, como base para o
acordo de paz propunham nova divisão geográfica e política para a Europa,
uma política de desarmamento, o início da descolonização, a evacuação das
tropas estrangeiras da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), a
liberdade de navegação nos mares com ou sem guerra, a eliminação de bar-
reiras comerciais e a criação da Liga das Nações (LDN). Os Estados Unidos
também se opunham às retaliações aos países derrotados.
Nem todos os pontos foram contemplados. Por exemplo, França e In-
glaterra transformaram parte do Império Otomano em novas colônias; a
indenização exigida da Alemanha foi imensa e as novas fronteiras na Eu-
ropa não seguiram exatamente a proposta norte-americana. Embora os
Estados Unidos não viessem a participar dela, a ldn foi criada e funciona-
ria com base em sua proposta de não possuir instrumentos coercitivos.
No entanto, as condições do tratado, na prática, transformaram-se nos
motivos para o início da Segunda Guerra Mundial, ainda mais mortífera e
destruidora do que a primeira.
Quase no final da década de 1920, ocorreram a crise da bolsa de Nova
York e a grande depressão americana, que repercutiu no mundo todo, com
5
Big Stick (cuja tradução é ‘grande porrete’) era a política externa para impor a vontade dos Estados
Unidos por meio da força militar. A frase é do presidente Theodore Roosevelt: “fale suavemente,
mas carregue um grande porrete” (big stick).
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BIBLIOGRAFIA
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1
Jornalista e escritor, é membro do conselho de redação da revista Teoria & Debate, autor, entre outros,
de Araguaia, o partido e a guerrilha, O enigma chinês – capitalismo ou socialismo, Lula lá – o susto das elites, A ilusão
dos inocentes, Pedro Pomar – uma vida em vermelho e A revolução chinesa.
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2
Tropas do Guomindang: tropas do Exército Nacional chinês, sob a direção do Guomindang, o
Partido Nacionalista da China.
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104
105
106
BIBLIOGRAFIA INDICADA
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direção: John Cromwell)
Ana e o rei (Anna and the King, Estados Unidos, 1999, direção: Andy Tennant)
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O canhoneiro do Yang-tsé (The Sand Pebbles, Estados Unidos, 1966, direção:
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107
1. PRELIMINARES
1
Jornalista e escritor, é membro do conselho de redação da revista Teoria & Debate, autor, entre outros,
de Araguaia, o partido e a guerrilha, O enigma chinês – capitalismo ou socialismo, Lula lá – o susto das elites, A ilusão
dos inocentes, Pedro Pomar – uma vida em vermelho e A revolução chinesa.
2
Neste artigo, as palavras de origem híndi foram grafadas de duas formas: em itálico, quando não existe
o termo dicionarizado em português, sem itálico, quando o termo em questão está dicionarizado. (N.E.)
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no vale do Indo, e estenderam-se para leste, pelo vale do Ganges. Por volta de
600 a.C., haviam se estabelecido em quase todo o vale do Indo, restando
apenas algumas cidades-Estado sob domínio dravídico no golfo de Cambaia.
4. Os arianos impuseram sua estrutura econômica, social e política, assim
como sua religião védica. As terras foram repartidas entre os guerreiros (chatrias),
os sacerdotes (brâmanes) e os camponeses arianos livres (vaisia) para cultivo e
para criação dos rebanhos bovinos e ovinos. Os camponeses servos e mestiços
(sudras) trabalhavam as terras para os guerreiros e os brâmanes. Ao mesmo
tempo, permitiram a existência de pessoas totalmente desprovidas de meios de
trabalho (os párias).
5. Essa estrutura foi consolidada no Código de Manu, entre 600 a.C. e 250
a.C., ao mesmo tempo em que era sancionada pela religião Veda como regime de
castas, que impedia qualquer deslocamento social entre elas. Mas foi nesse perío-
do (540 a.C. a 468 a.C.) que a religião Veda sofreu seu primeiro choque, com o
surgimento de duas novas vertentes religiosas, o budismo e o jainismo, o que a
obrigou a uma profunda revisão, que se consolidou, mais tarde, no hinduísmo.
Ao mesmo tempo, os territórios arianos foram invadidos por povos ocidentais.
6. A Índia ariana era formada por diversas cidades-Estado ou reinos, que
travavam guerras entre si. Não conseguiram, pois, impedir que os persas, co-
mandados por Ciro, penetrassem fundo no noroeste da Índia, em 312 a.C.
Dario I ampliou as conquistas de Ciro, transformando essa região (que hoje faz
parte do norte do Paquistão) em satrapias. Entre 327 a.C. e 325 a.C., o
macedônio Alexandre, o Grande, derrotou os persas, transformou suas satrapias
em satrapias gregas e tentou atravessar a Índia, rumo ao Pacífico, mas foi impe-
dido pela forte resistência dos reinos arianos restantes.
7. Em 321 a.C. ocorreu a primeira tentativa de unificação monárquica,
feita pelo rei Chandragupta, de Magadha, no nordeste. Ele rechaçou as
tentativas de Seleuco I (antigo general de Alexandre), fundou a dinastia
Maurya, mas não chegou a dominar todo o território. Isso quase será reali-
zado por Asoka, seu neto, entre 272 e 231 a.C., com capital em Pataliputra.
Apenas Pandia, Cola e Kerala, ao sul, onde os romanos haviam estabelecido
os portos de Produke, Kolxoi e Muziris, permaneceram fora de seus domí-
nios. A conquista de Kalinga, área litorânea ao sul de Maghada, foi realiza-
da ao custo de 100 mil mortos e 150 mil deportados, levando Asoka a
converter-se ao budismo e pregar a tolerância religiosa.
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Tratava-se de realizar uma nova divisão territorial, tendo por base as de-
mandas das indústrias.
30. A Inglaterra perdera os Estados Unidos, em 1776, e seus privilégios
comerciais na América Latina eram contestados. Nas “colônias brancas”,
como Nova Zelândia e Austrália, surgiam movimentos autonomistas. De
traficante negreira, a Inglaterra transformara-se em defensora do fim do
tráfico e da escravidão. Pressionada pelo incremento populacional, pela ex-
pansão urbana, pelo êxodo rural e pela concorrência industrial de franceses,
alemães, japoneses e norte-americanos, era levada a encontrar novos merca-
dos para os quais direcionar seus migrantes e seus produtos, e de onde
arrancar suas matérias-primas, assegurando ainda as vias de tráfego maríti-
mo para seu comércio internacional.
31. Com base em sua nova política colonial, de 1812, a Inglaterra lan-
çou-se à conquista de territórios: Colônia do Cabo em 1814, Cingapura em
1819, ilhas Malvinas em 1833, Áden em 1839, Hong Kong em 1841,
Natal e Estado de Orange entre 1848 e 1954, Transvaal em 1852, Canal
de Suez em 1875, Chipre em 1878, Egito em 1882. Em 1880, a Grã-
Bretanha controlava 46% do comércio mundial. E em 1914, início de sua
decadência, a população de suas colônias era oito vezes superior à popula-
ção da metrópole, enquanto a superfície desta era 94 vezes inferior ao impé-
rio colonial. O Império Britânico conseguira reunir sob sua coroa 23% da
população mundial e 20% da superfície do planeta.
32. Empreendimento desse vulto necessitava de justificação ideológica
que revestisse os interesses imperialistas com uma roupagem menos vulgar.
O dever puritanista de fomentar a civilização transformou-se em missão. O
escritor inglês Thomas Carlyle estabeleceu as bases ideológicas da Inglater-
ra como nação predestinada a cumprir tal missão em escala universal. O
ministro Charles Dilk criou a imagem de um “mundo cada vez mais in-
glês”. E Rudyard Kipling exprimiu literariamente o “dever do homem branco”
e a missão britânica.
33. À medida que a Inglaterra colonizava a Índia, firmava posição na
China e ocupava outros territórios, viu-se às voltas com as potências indus-
triais, inclusive no continente europeu. Os movimentos de poder na Euro-
pa a sacudiram durante todo o século XIX. As guerras napoleônicas se es-
tenderam até 1815. As restaurações da contra-reforma, as revoluções libe-
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5. A ÍNDIA INDEPENDENTE
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6. A LITERATURA INDIANA
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7. A ÍNDIA ATUAL
67. A Índia atual, ou Bharat no idioma híndi, tem seu território limita-
do pelo mar de Omã, a oeste; pelo Paquistão, a noroeste; por China, Nepal
e Butão, ao norte; por Bangladesh e Miamar, a nordeste; pelo Golfo de
Bengala, a leste; e pelo Oceano Índico, a sul e sudoeste. Sua capital é Nova
Délhi e suas línguas oficiais são o híndi e o inglês. Sua divisão político-
administrativa inclui 24 estados e sete territórios. A forma de governo é a
república federativa, e suas principais cidades são Mumbai (antiga Bom-
baim), Calcutá, Madras e Bangalore.
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68. A Índia é o segundo país mais populoso do mundo, com 1,1 bilhão de
pessoas em 2003, devendo ultrapassar a China em poucos anos, apesar de
possuir menos da metade do território daquela (3,2 milhões de km2 contra
9,5 milhões de km2). Cerca de 25% dessa população concentram-se em pou-
co mais de uma dezena de centros urbanos com mais de 1 milhão de habitan-
tes, enquanto os 75% restantes espalham-se por mais de 700 mil aldeias.
69. Sua agricultura ocupa 60% da população, utilizando 160 milhões de
hectares, ou 50% da superfície total. Oitenta por cento dos agricultores, em
áreas inferiores a dois hectares, produzem trigo, no vale do Ganges, e arroz,
também no vale do Ganges, em Bengala e nas costas do Decão, como alimentos
básicos da população. A produção anual desses cereais – cerca de 60 milhões de
toneladas de trigo e 110 milhões de toneladas de arroz – não supriria as neces-
sidades da população se esta tivesse um padrão alimentar superior ao atual.
70. A agricultura comercial, herdada das plantations coloniais, inclui amen-
doim, algodão, juta, tabaco e chá, mas sua produção tem sido limitada pela fraca
mecanização e pelo pouco uso de fertilizantes. A Índia é o maior produtor mun-
dial de chá. O país também possui o maior rebanho bovino do mundo (200
milhões de cabeças), mas a proteína animal é proveniente da pesca (3 milhões de
toneladas por ano), porque o hinduísmo proíbe o consumo de carne bovina.
71. A Índia também é rica em recursos naturais. Carvão, petróleo, bauxita,
manganês, ferro e pedras são relativamente abundantes. O potencial hidrelétri-
co para a geração de eletricidade é complementado por centrais nucleares. Apro-
veitando-se de seu domínio da energia nuclear, a Índia tornou-se uma das pou-
cas potências mundiais a construir um arsenal nuclear e uma indústria de fabri-
cação de mísseis.
72. A indústria siderúrgica indiana produz cerca de 80 milhões de tonela-
das por ano, complementada pelas indústrias metalúrgica, têxtil e química,
além de por uma diversificada indústria de bens de consumo cotidiano e uma
florescente indústria eletrônica em alguns pontos do território. A indústria
indiana emprega cerca de 25% da população ativa, mas não tem sido capaz
de absorver a crescente migração da população rural para as grandes cidades.
73. O comércio externo indiano é relativamente pequeno (apenas 10% do
PIB – Produto Interno Bruto), orientado especialmente para Estados Unidos,
União Européia e Japão, tendo por base produtos primários (chá, juta, algodão)
ou secundários de baixo valor agregado (tecidos). Suas importações abrangem
124
BIBLIOGRAFIA
125
A santa Rússia:
modernização e atraso1
Daniel Aarão Reis Filho 2
1
Textos extraídos da obra de Daniel Aarão Reis Filho, Uma revolução perdida. A história do socialismo
soviético (São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 1997).
2
Professor titular de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade Fede-
ral Fluminense e doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Publicou, entre
outros: As revoluções russas e o socialismo soviético, A revolução faltou ao encontro e Uma revolução perdida. História
do socialismo soviético.
3
As palavras de origem russa foram grafadas de duas maneiras: em itálico, quando não existe o termo
dicionarizado em português; sem itálico, quando o termo em questão está dicionarizado. (N.E.)
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4
Bolcheviques: ala do partido operário socialdemocrata russo/POSDR, constituída a partir de 1903,
e liderada por Vladimir Lenin. Em 1918, adotou o nome de Partido Comunista (bolchevique) Russo.
O termo vem da palavra russa bol’che, que significa “maior/maioria”.
5
Soviete: a palavra russa quer dizer “conselho”. Designa organizações populares autônomas, em
relação ao Estado e aos partidos políticos que delas, porém, podiam participar. Surgiram pela
primeira vez na revolução de 1905 e foram retomadas em 1917.
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6
Brancos: termo corrente nos entrechoques das revoluções russas para designar a cor da contra-
revolução e, por extensão, todos aqueles que se identificavam com ela. O nome provém da cor
branca, assumida pelas monarquias reacionárias da Europa, em oposição à cor vermelha, bandeira
das lutas populares e democráticas (século XIX).
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7
Organização criada em março de 1919, proposta pelos bolcheviques, com o objetivo de reunir as
alas revolucionárias dos movimentos e dos partidos socialistas, como alternativa à Internacional
Socialista socialdemocrata, fundada em 1889, considerada “falida” pelos revolucionários, por suas
políticas reformistas e, sobretudo, pela conciliação com a guerra imperialista de 1914-1918. A
Internacional Comunista autodissolveu-se (ou, em outras versões, foi dissolvida por Stalin) em 1943.
8
Terror vermelho e terror branco: políticas de represálias mútuas adotadas por vermelhos e por
brancos no quadro da guerra civil (1918-1921), concretizadas em julgamentos e execuções sumárias
de militantes políticos e/ou de reféns.
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A fórmula, referida à esquerda armada brasileira dos anos 1960, é do professor Carlos Vainer.
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poder político, uma revolução pelo alto. A ofensiva teve duas direções prin-
cipais: a coletivização do campo e a industrialização acelerada.
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1933 e 1938, o custo real médio, por quintal (cerca de 60 quilos) de grão,
estava em torno de 27 rublos. Mas as instituições estatais pagavam aos
colcozes apenas 6 rublos pelo quintal de centeio, 9-10 rublos pelo de trigo
e 4-5,5 pelo de aveia. Depois da guerra, já em 1953, as autoridades reco-
nheceram que os preços oficiais pagavam somente dois quintos do custo da
produção dos cereais e um quarto do custo dos produtos de origem animal.
Apenas essa disparidade, repetida ao longo de tantos anos, já teria significa-
do um formidável “tributo”.
Impostos, normais e extraordinários, cotas obrigatórias, multas, aluguéis
de máquinas e pagamentos dos serviços prestados pelas Estações de Máqui-
nas e Serviços (MST), equipadas e controladas pelo Estado, deterioração
dos termos de intercâmbio entre produtos manufaturados e agrícolas, um
arsenal completo de medidas para quebrar a espinha do mujique russo,
reduzindo-o definitivamente à condição de “servo” das unidades de produ-
ção. Na melhor das hipóteses, um cidadão de segunda classe.
Estavam asseguradas as bases da “acumulação socialista primitiva”. Permi-
tindo o abastecimento de cidades e parques industriais em expansão.
Viabilizando exportações crescentes para pagar, no mercado internacional, as
compras de matérias-primas industriais, máquinas e equipamentos, técnicos
e engenheiros, de modo a cumprir as metas “nobres” do planos qüinqüenais.
A resistência foi feroz. Individuais, desesperadas. Emboscadas, em gru-
po, articuladas. Recusas suicidas ao enquadramento. Manifestações cegas.
Matança do gado. Assassinatos de autoridades. Fugas. Sabotagens às insta-
lações dos colcozes e às máquinas impostas. Furto de cereais. E, quando a
resistência ativa foi abatida, os recursos últimos, a inação, o descaso, o des-
perdício, a apatia, o desinteresse.
O campo e o camponês pagaram caro pela rebeldia. A escassez endêmica
combinava-se com surtos brutais de total carência, a fome. A de 1932-
1933, na Ucrânia, vitimou milhões de pessoas, sobretudo as mais vulnerá-
veis, velhos e crianças. Numa estranha simbiose, combinavam-se a constru-
ção do futuro, o socialismo, com as crises típicas do antigo regime, materia-
lizadas na fome.
As pressões, afinal, tiveram que ser relaxadas. Impôs-se a alternativa de
conceder a cada mujique um pequeníssimo pedaço de terra para cultivo
próprio. O Estatuto dos Colcozes, em 1935, admitiu a atribuição de lotes,
138
não maiores do que um quarto e meio hectare por família. Também foi
reconhecido, a cada família, o direito a uma vaca e a um número especifica-
do de bezerros, porcos e ovelhas, assim como a uma quantidade ilimitada
de aves (sic). Daí o camponês retiraria parte substancial da sua efetiva remu-
neração (sobrevivência). Por outro lado, a partir das brechas dos mercados
livres, eventualmente autorizados, depois de pagas as cotas e os impostos,
proviria uma fração considerável do abastecimento da sociedade. Assim, em
1938, embora os pequenos lotes correspondessem a apenas 3,9% da terra
arada, garantiram, além da sobrevivência dos camponeses, quase metade da
produção total de víveres (45%), 52,1% da produção de batatas, a maior
parte dos legumes e frutas, quase metade do gado, 71,4% do leite, 70,9%
da carne, 43% da lã...
O aparente paradoxo da disparidade entre a produtividade da grande
unidade coletivizada (na verdade, estatizada) e do pequeno lote privado
oferecia a evidência econômica do caráter forçado do processo de coletivização.
No mesmo movimento, mostrava o desapego pelo colcoz e a defesa tenaz do
interesse privado, considerado liquidado pelo discurso oficial da coletivização.
A permanência da mentalidade particularista, individual, descompro-
missada com os rumos e os interesses gerais da sociedade. Como Jonas,
sobrevivendo nas entranhas da baleia. Milhões de Jonas, esses camponeses
agarrados aos pequenos lotes concedidos, estranhos no ninho dessas milha-
res de baleias, os colcozes e os sovcozes criados pelo Estado.
Uma outra função econômica da coletivização e da formidável pressão que
a envolveu desde o início foi a expulsão dos camponeses da terra. O movi-
mento tomou tal amplitude que as autoridades foram obrigadas a tomar pro-
vidências enérgicas: restabeleceram a tradição abominada dos “passaportes
internos”, outra invenção do regime tsarista, caída em desuso. Assim, os cam-
poneses somente podiam deixar o colcoz com autorização, por escrito, da
direção da unidade, nomeada pelo Estado. Os camponeses a chamavam,
maliciosamente, de carta de emancipação, querendo com isso significar que
encaravam a implantação do sistema coletivo de produção como equivalente à
restauração do regime da servidão, juridicamente abolido desde 1861.
Ainda assim, havia aqueles que escapavam das formas de produção cole-
tiva. Em certa medida, desde que não ultrapassassem certos limites, trata-
va-se de algo desejado pelo Estado, pois o surto industrializante programa-
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candidato não possuísse a carteira de filiado. Assim, em fins dos anos 1930,
97% dos diretores de fábricas, 82% dos chefes na construção civil, 40% dos
engenheiros do país pertenciam aos quadros do partido. Enquanto isso, em
1941, às vésperas do início da Segunda Guerra Mundial, apenas 6% dos
filiados estariam diretamente vinculados à produção.
Observe-se, fato notável, que quase metade desses que ocupavam posi-
ções de prestígio e de poder era originária de famílias operárias ou campo-
nesas. Alguns falariam em “plebeização” do poder. Outros, na emergência
de uma “suboficialidade” de intelectuais (Malia, 1994).
Em busca do futuro, o salto para a frente promoveu a interpenetração de
épocas, o entrecruzamento de estágios de desenvolvimento. O mujique é
apresentado ao trator norte-americano, cujo desenho e cuja concepção fo-
ram adquiridos e adotados, nem sempre com sucesso, considerando-se a
diferença de circunstâncias. O trabalho compulsório combinava-se com a
técnica mais refinada, importada na pessoa de engenheiros e técnicos es-
trangeiros. Os praktiki e os engenheiros. A marreta tradicional e as máqui-
nas mais modernas, importadas da Alemanha e dos Estados Unidos.
Uma sociedade em movimento, “areias movediças”. Como dar um senti-
do a esse moto contínuo? A esse redemoinho permanente?
BIBLIOGRAFIA
145
BIBLIOGRAFIA INDICADA
146
1
Este trabalho foi elaborado a partir da dissertação de mestrado O petróleo e o envolvimento militar dos
Estados Unidos no Golfo Pérsico (1945-2000), de autoria de Igor Fuser, defendida e aprovada no Programa
de Pós-Graduação em Relações Internacionais Santiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP) em
dezembro de 2005, com orientação do professor Luís Fernando Ayerbe.
2
Mestre em Relações Internacionais e doutorando em ciência política na Universidade de São Paulo.
É professor de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero e autor dos livros México em transe (São Paulo,
Scritta, 1995) e Geopolítica – O mundo em conflito (São Paulo, Salesiana, 2006).
147
1. BUSH E OS NEOCONSERVADORES
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149
3
O ataque preemptivo é a resposta a uma ameaça iminente e que pode ser claramente demonstrada,
tal como a concentração de tropas numa fronteira ou o posicionamento de mísseis voltados para
determinada direção. Já a prevenção é uma resposta a uma ameaça que não se manifesta claramente
e que pode, na melhor das hipóteses, ser apenas presumida. A invasão do Iraque pelos Estados
Unidos e outros países, em 2003, foi tipicamente um ataque preventivo, e não preemptivo.
150
151
“Na prática, está se tornando cada vez mais difícil distinguir as operações
militares dos Estados Unidos concebidas para combater o terrorismo da-
quelas concebidas para proteger os recursos de energia”, escreveu Klare (2004,
p. 73). Para Andrew Bacevich, um crítico das intervenções militares norte-
americanas no exterior, “o uso do poder das armas para garantir o predomí-
nio norte-americano no Oriente Médio, especialmente no Golfo Pérsico,
rico em petróleo, permanece como a essência da política dos Estados Uni-
dos para a região” (Bacevich, 2005, p. 201). Avaliação semelhante foi
publicada na revista Foreign Affairs por Kenneth Pollack, um estrategista de
posições opostas às de Bacevich. Pollack se destacou nos meses que precede-
ram a invasão do Iraque como um dos mais entusiasmados defensores da
ação militar. Em 2003, logo depois da ocupação daquele país, ele escreveu:
152
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154
4
O Relatório Cheney toca num tema altamente polêmico, ao defender a exploração das grandes
reservas de petróleo existentes na Área Nacional de Proteção Ambiental no Ártico, uma imensa
reserva ecológica no Alasca. O movimento ambientalista luta para impedir a instalação de empresas
petrolíferas nessa região.
155
gia para o mercado interno sem levar em conta o conjunto do sistema capi-
talista mundial.
A solução proposta pelo Relatório Cheney é ganhar acesso, influência e
controle das fontes de energia no mundo inteiro. “A segurança energética
nacional depende de suprimentos de energia suficiente para dar suporte ao
crescimento econômico norte-americano e global”, afirma (ibidem). A prin-
cipal recomendação é um maior envolvimento do governo no esforço para
ampliar a oferta global de suprimentos de petróleo e de gás natural por
meio da “abertura de novas áreas para a exploração e o desenvolvimento ao
redor do globo”. O documento dá prioridade à busca do acesso norte-ame-
ricano às fontes de petróleo no exterior e sugere que o governo dos Estados
Unidos pressione os países produtores de combustíveis a revogar parcial ou
totalmente as leis adotadas no período da nacionalização das concessões
petrolíferas, que estabelecem o monopólio de seus respectivos Estados nacio-
nais na exploração das reservas de petróleo.
Na essência, o cenário petroleiro internacional – que tem no seu centro
os países produtores do Golfo Pérsico – se tornou o terreno para o qual
confluem objetivos fundamentais dos Estados Unidos em três campos dife-
rentes: a segurança energética, a consolidação da hegemonia internacional e
os interesses econômicos das empresas norte-americanas.
4. A INVASÃO DO IRAQUE
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6. A RESISTÊNCIA NACIONALISTA
Mas essa não é uma tarefa fácil. Em seu esforço para garantir o acesso aos
recursos energéticos do Golfo Pérsico – e de outras regiões do planeta – por
meio do emprego crescente da força militar, os Estados Unidos deparam
com obstáculos de diferentes tipos. Alguns deles são de natureza estratégica
e política. Outras barreiras têm a ver com o fato de que o petróleo é um
recurso natural não-renovável, cuja extração obedece a limites de natureza
física. Conforme a amarga experiência da ocupação do Iraque tem demons-
trado, a supremacia militar dos Estados Unidos é insuficiente para habilitar
esse país a atingir seus objetivos de política externa. Em quatro anos de
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161
barato pelo maior tempo possível. Mas a Casa Branca, evidentemente, não
consultou os principais países exportadores para saber se a “máxima extra-
ção” é a estratégia mais conveniente também para eles.
O mercado dos combustíveis fósseis, como o petróleo e o gás natural, não
se rege totalmente pelas leis econômicas da oferta e da procura. Na maioria
das commodities, uma alta dos preços emite automaticamente um sinal aos
agentes econômicos para que aumentem a produção, o que leva o mercado
a um novo ponto de equilíbrio. Essa regra se aplicou ao mercado petroleiro
enquanto a capacidade de oferta era maior do que a demanda – notoria-
mente, nas décadas de 1980 e 1990, quando a expansão rápida da explora-
ção fora da OPEP coincidiu com a queda das taxas de crescimento da eco-
nomia mundial, com a adoção de políticas de redução do consumo nos
países desenvolvidos e com o ingresso de combustíveis alternativos, como a
energia nuclear. O resultado foi um longo período de preços baixos depois
dos choques do petróleo na década de 1970.
O contexto do início do século XXI é muito diferente. Na medida em
que a indústria petroleira se aproxima do ponto em que não será mais pos-
sível aumentar a extração, a alta dos preços se afirma como uma tendência
irreversível. Não é mais possível ocorrer um ajuste pelo lado da demanda,
pois não há substitutos viáveis para os derivados do petróleo no setor de
transportes. Ao contrário do que ocorre em outros mercados, que respon-
dem prontamente às variações de preços, o aumento das cotações do petró-
leo é insuficiente para fazer com que combustíveis alternativos passem a
abastecer os automóveis, os caminhões e os aviões.
Diante desse pano de fundo, não é difícil entender a impaciência mani-
festada em documentos do governo norte-americano e de organizações sob
sua forte influência, como a AIE e o Fundo Monetário Internacional (FMI),
diante dos obstáculos que as políticas nacionalistas vigentes nos maiores
produtores da OPEP apresentam ao ingresso do capital estrangeiro que,
supostamente, aceleraria a exploração de suas reservas. Claramente, os Esta-
dos Unidos têm muito mais pressa em ver o petróleo jorrando em novos
poços nos desertos do Golfo Pérsico do que os proprietários dessa riqueza.
Cruzam-se, aí, duas grandes tendências, com forte potencial explosivo:
• de um lado, a perspectiva da escassez de petróleo nos próximos anos e
décadas deixará os governantes do Golfo Pérsico sob forte pressão externa
162
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163
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contra o terror. Tradução de Claudia Gerpe Soares et al. São Paulo,
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18 jan. 2004.
164
1. A INTEGRAÇÃO
Desde o início do século XIX existiu na África Austral uma virtuosa in-
serção na economia-mundo. Seus produtos primários provenientes das mi-
nas e de uma agricultura moderna eram competitivos e as receitas daí
advindas permitiam transferências de lucro e importações dos equipamen-
tos necessários.
A inserção na economia mundial pelas exportações criou redes de transpor-
tes, migrações entre as fronteiras, comércio de mercadorias e transferências de
rendas dos migrantes aos países pobres da região. Enfim, produziu um forte
movimento de capital, de mercadorias e de pessoas que permitiu integrar a
região pelo setor moderno, diferentemente das outras regiões africanas.
Além das questões técnico-econômicas, a integração regional só foi possí-
vel pela política econômica heterodoxa, principalmente da África do Sul,
levada a cabo ao longo do século XX. Essa política dedicava parte das recei-
tas das exportações à redistribuição de rendas, à criação do Estado de Bem-
Estar para os brancos, à subvenção de produções não-competitivas e ao
incentivo da indústria mediante a substituição de importações.
O lucro das exportações era alto porque se baseava na articulação de modos
de produção entre o setor capitalista e o setor doméstico. O apartheid foi a
mais bem acabada expressão dessa articulação, controlando com todo rigor
os locais de residência e deslocação da população não-branca.
1
Doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo, pró-reitor de graduação e diretor do
CEAA (Centro de Estudos Afro-Asiáticos) da Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro.
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2. ESTRATÉGIAS EM CONFRONTO
2
Pretória é a capital administrativa da África do Sul, onde fica o executivo; a Cidade do Cabo, a capital
legislativa; e Bloemfontein, a judicial.
3
Resistência Nacional Moçambicana, criada pelo governo racista de Ian Smith na Rodésia, visava a
desestabilização do governo da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) mediante incursões
militares. Passou a ter apoio da África do Sul após a independência do Zimbábue, quando intensi-
ficou em Moçambique as ações militares. Em 1992 assinou com a Frelimo acordo de paz e partici-
pou do processo eleitoral.
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4
Estes (“territórios bantus”) seriam a criação de “nações independentes” de bases étnicas, dentro da
África do Sul, porém sob a soberania desta, mantendo-os segregados, mas próximos. Diversos foram
criados, mas nenhum deles foi reconhecido pela comunidade internacional.
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4. ESTADOS-TAMPÕES E BANTUSTÕES
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Além disso, a SADCC previa uma tripla reestruturação: das economias nacio-
nais, das relações entre as diferentes economias regionais entre si e das relações
delas com o exterior, fosse com a África do Sul ou outra fonte de dependência.
Não pretendia montar uma estrutura burocrática para a coordenação e avaliava
que havia na região energia e matérias-primas suficientes para “uma revolução
industrial” que tornaria possível seus desejos de independência.
O fato de a SADCC ter sido entendida como um veículo positivo de
combate ao apartheid favoreceu o apoio dos países industrializados às ações
de cooperação previstas em suas grandes propostas.
O sistema de transportes existente na região foi planejado e concebido
no século XX para convergir com o sistema de escoamento da África do
Sul. As mercadorias do Zimbábue (então Rodésia), por exemplo, para
chegar ao litoral, tinham de seguir pela África do Sul, quando o trajeto
mais curto seria o Porto da Beira, em Moçambique. Por ser o principal nó
de estrangulamento das economias dos países do hinterland, atribuiu-se
como prioridade a reestruturação do sistema de transportes e comunica-
ções (SADCC, 1980).
Até a proclamação da declaração unilateral de independência da Rodésia
do Sul em 1965, aproximadamente 80% do tráfego regional, com exceção
do da África do Sul, passavam pelas redes ferroviárias e portuárias de Angola
e de Moçambique. Mesmo após o redirecionamento do movimento da
Rodésia para a África do Sul, essa porcentagem ficou acima de 70% e come-
çou a cair após a independência das colônias portuguesas.
A partir de 1977, a “estratégia total” sul-africana definiu como objetivo
central a realização de ações econômicas e militares contra os países vizi-
nhos, incluindo cortar ou dificultar suas vias de acesso ao mar.
Por conta disso, o governo de Pretória desviou o tráfego Transvaal–Ma-
puto para portos sul-africanos, contrariando inclusive os setores privados.
Isso tudo se agravou com a independência do Zimbábue em 1980, quando
as ações para desestabilizar Moçambique passaram a ser coordenadas pelo
exército sul-africano – e depois pela Renamo – e foram intensificadas em
todas as províncias moçambicanas.
Foi nesse contexto que a SADCC justificou a prioridade dada aos proje-
tos do setor de transportes e comunicações e, nele, aos corredores ferroviá-
rios, à produção de alimentos e à proteção ambiental. Decidiu-se ainda
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tica até então pela África do Sul, e abriu brechas importantes para o
fim do apartheid.
A partir desse momento, a inserção mundial se tornou concorrente
da regionalização. A produção para exportação, exigida pela globalização,
passou a concorrer com a substituição de importações, comprometendo
a integração regional. A indústria a ser instalada localmente não seria
mais para atender ao mercado regional, mas para exportação, e segundo
os padrões globais.
Quando Nelson Mandela foi eleito presidente da África do Sul, os países
da região já tinham adotado o programa liberal havia uma década, com o
objetivo de preparar a inserção mundial dos países africanos através das
pretensas vantagens comparativas. Para isso seria imprescindível paz, demo-
cracia e uma economia de mercado (muito aberta), como passo inicial para
“melhorar a competitividade e o retorno dos capitais”. Em todos esses paí-
ses, os governos deixaram de falar em desenvolvimento e passaram a se preo-
cupar com o equilíbrio das contas, com o aumento das exportações, com a
liberdade cambial e de preços, com as privatizações etc., e a separar o Esta-
do da economia, como desejavam as instituições internacionais.
Tal foi o caso também do Banco Central e do Ministério das Finanças da
África do Sul, que abandonaram, no pós-apartheid, as políticas heterodoxas
tradicionais e passaram a buscar credibilidade para atrair novos capitais. Ca-
pitais esses, agora, para investimentos diretos (e não para empréstimos financei-
ros, como durante as sanções econômicas), direcionados para os setores de ex-
portação, e não, como tradicionalmente, aos setores de substituição de impor-
tação. Como a substituição das importações passou a ser concorrente das expor-
tações, o protecionismo das indústrias locais nos anos 1990 foi alvo de críticas
constantes. Conseqüentemente, os aspectos fundamentais que garantiam a
política de integração regional desapareceram. As intervenções de guerra não
podiam ter lugar num clima de paz e a mobilidade das pessoas não poderia
ser regulada sem o apartheid. O equilíbrio anterior já estava ameaçado.
Os capitais provenientes do setor tradicional (em contraposição aos seto-
res pós-modernos) da economia capitalista sul-africana, que ficaram blo-
queados durante os últimos anos do apartheid, partiram, no início dos anos
1990, em busca de novos mercados. E naquele momento Moçambique
lhes abriu as portas, após a desregulamentação do comércio e a privatização
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5
Os “corredores” constituem um conceito econômico e social, que faz referência a uma faixa de
terra que comporta rodovias, ferrovias, em alguns casos servidas com oleodutos, e outras atividades
socio-econômicas, que ligam um porto no litoral de Moçambique a países do interior.
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6
O NEPAD é o projeto que os dirigentes africanos adotaram como quadro estratégico para lutar
contra a pobreza e o subdesenvolvimento do continente. É a fusão de vários programas e iniciativas
de chefes de Estados africanos que foi incorporada pela 37 ª Cimeira da OUA (Organização da
Unidade Africana) em Lusaka, em julho de 2001. No mesmo mês, cinco países africanos apresenta-
ram o projeto na reunião do G8 em Gênova, que decidiu apoiá-lo.
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BIBLIOGRAFIA
182
183
1. COLONIALISMO
1
Extraído da obra de Roberto Regalado, América Latina entre siglos: dominación, crisis, lucha social y
alternativas políticas de la izquierda (Melbourne/Nova York, Ocean Press/La Habana, 2006).
2
Politólogo, membro fundador do Foro de São Paulo. Dirige a Seção de Análise da Área América do
Departamento de Relações Internacionais do Partido Comunista de Cuba e da revista Contexto
Latinoamericano. É autor do livro América Latina entre siglos.
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3
Repartimiento é o sistema adotado na colonização espanhola das Américas para garantir mão-de-obra nas
explorações agrícolas e minerais. Determinado número de índios era “repartido” entre os colonizado-
res espanhóis; a essa repartição se chamava encomienda, ou seja, estabelecia-se uma relação de patrocínio
pela qual os índios deviam obediência ao encomendero “em troca” de instrução cristã. (N.T.)
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4
Criollo: filho e/ou descendente de europeus nascido nas antigas colônias espanholas das Américas. (N.T.)
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5
Monroísta refere-se à Doutrina Monroe, estabelecida pelo presidente dos Estados Unidos, James
Monroe, em 1823, mediante sua célebre frase: “América para os americanos” – que, na realidade,
queria dizer: América Latina para os norte-americanos. Monroe proclamava, assim, que os Estados
Unidos não permitiriam a nenhuma potência européia colonizar ou recolonizar nenhum território
do continente americano.
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2. DO COLONIALISMO AO NEOCOLONIALISMO
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6
A política do big stick (grande porrete), do presidente dos Estados Unidos Theodore Roosevelt
(1901-1909), refere-se à aplicação de uma política de força, de ingerência e intervenção. A frase é de
T. Roosevelt: “fale suavemente, mas carregue um grande porrete (big stick)”.
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região. Contudo, não se pode dizer o mesmo do setor industrial, que per-
manece sob o controle das burguesias desenvolvimentistas. Até este ponto
havia avançado a dominação política, econômica e militar do imperialismo
norte-americano sobre a América Latina, no momento em que o desenlace
da Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria provocaram mudan-
ças radicais na situação internacional.
A Segunda Guerra Mundial modifica a configuração de um sistema de
relações internacionais que antes havia sido obrigado a acomodar-se com os
resultados da conflagração de 1914-1918 e da crise de 1929-1933. Entre
esses resultados destacam-se a destruição da Europa, a ascensão dos Estados
Unidos à condição de primeira potência imperialista mundial, o surgimento
do mundo bipolar, a partir da expansão do socialismo às nações da Europa
Oriental. Desta combinação de elementos se origina a Guerra Fria (1946-
1989), ofensiva universal – ideológica, política, econômica, diplomática e
militar – encabeçada pelo imperialismo norte-americano com o intuito de
“conter o comunismo” e evitar, em especial, sua expansão para a Europa
ocidental, berço das idéias do socialismo e do comunismo, cuja devastação
ameaça servir de incentivo à luta popular.
A expressão Guerra Fria é utilizada pela primeira vez por Bernard Baruch,
assessor do presidente Harry Truman, em um discurso pronunciado no dia
16 de abril de 1946, em Columbia, no estado da Carolina do Sul. Ela é
retomada posteriormente sob a forma de título do livro do jornalista Walter
Lippman, e também em um famoso discurso do primeiro-ministro britânico
Winston Churchill. Nesse ano, o presidente Truman promulga a Lei de Se-
gurança Nacional – que dispõe sobre a criação do Conselho de Segurança
Nacional e da Agência Central de Inteligência (CIA) – e anuncia o lançamen-
to do Plano para a Reconstrução da Europa, ou Plano Marshall. A partir
deste momento, a noção de “segurança nacional” se converte em um dogma
inapelável, justificativa para todo tipo de ação de força interna e externa.
A Guerra Fria se constitui no principal instrumento do imperialismo
norte-americano para ampliar e aprofundar sua dominação na América La-
tina, processo que avança mais rápido nos âmbitos político e militar do que
no econômico. Isso se deve ao fato de que a prioridade norte-americana é a
reconstrução da Europa ocidental. Para essa região reorienta o grosso de
suas exportações de capitais, tanto para restabelecer a capacidade produtiva
200
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BIBLIOGRAFIA
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1
Professor de História Contemporânea da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
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o Brasil e a Argentina, vista a partir daí pelos nossos militares como única
ameaça potencial na região. A oeste, a obra de delimitação dos contornos
territoriais seria completada, já na República, pela diplomacia do barão do
Rio Branco.
Entretanto, essa proeza de expansão e manutenção de território assenta-
va-se em uma base extremamente frágil no que diz respeito às dimensões e
à distribuição populacional. As populações nativas, pela própria caracterís-
tica de seu modo de vida dedicado à caça, à coleta e à lavoura de coivara, não
apresentavam densidade significativa. Além disso, a forma altamente pre-
datória assumida pela colonização praticamente as dizimou. Aqui o con-
traste é total com a dominação espanhola, que praticamente acoplou suas
estruturas políticas às bases anteriormente construídas pelos impérios pré-
coloniais (inca, maia e asteca) e mostrou-se desde o início zelosa na imposi-
ção de limites à exploração da mão-de-obra que pudessem comprometer a
integridade da população indígena. Além disso, no Brasil, a concentração
populacional limitava-se às áreas das atividades econômicas principais, e
essas, com a exceção parcial da mineração, tinham caráter extensivo. Ao
mesmo tempo, pela própria lógica do sistema escravista, havia o temor de
que o estímulo ao desenvolvimento de uma camada de camponeses pudesse
comprometer o sistema, diante da imensa oferta de terras virgens.
Por isso, os projetos de colonização com base na agricultura familiar fo-
ram desenvolvidos de forma controlada, ganhando maior fôlego a partir da
chegada das primeiras levas de alemães ao Rio Grande do Sul, em 1824,
após experiências fracassadas ou de alcance limitado no Espírito Santo e na
serra fluminense. No Sul, e geração após geração, no rumo do Oeste e do
Norte, revelou-se eficaz o assentamento de colonos oriundos de países com
excedentes populacionais – como alguns dos Estados que viriam a formar a
Alemanha e a Itália, além de regiões da Europa Oriental –, num sistema em
que as terras são suficientes para uma geração, mas exigem que a próxima
desbrave uma nova fronteira. Inicialmente o objetivo maior era formar uma
segunda linha de defesa sem mexer com os pecuaristas que dominavam a
metade sul do Rio Grande do Sul. Posteriormente, o sistema forneceu ini-
ciativa e mão-de-obra barata para a transformação de áreas dominadas por
vegetação nativa em terra cultivável, a ser posteriormente concentrada nas
mãos de uma pequena elite dos agronegócios.
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1. DINAMISMO CAFEEIRO
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2. A CLASSE OPERÁRIA
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O Brasil do século XXI terá que se reinventar. Não nos está reservada a
condição de paraíso terrestre, nem de país do futuro. O lugar que viremos
a ocupar num mundo que caminha para turbulências imprevisíveis resul-
tará do inevitável enfrentamento de nossas contradições internas e exter-
nas. Somente assim saberemos o quanto nosso imenso potencial como
nação se realizará.
BIBLIOGRAFIA
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217
218
1. INTRODUÇÃO
1
Professor titular de Relações Internacionais da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande
do Sul), doutor em História Econômica pela USP (Universidade de São Paulo), pós-doutorado
em Relações Internacionais pela London School of Economics, é pesquisador do Núcleo de
Estratégia e Relações Internacionais do Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados da
UFRGS (paulovi@ufrgs.br).
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2
O bloqueio Continental foi estabelecido por Napoleão, excluindo a Inglaterra do mercado euro-
peu, que ficava à disposição exclusivamente da França.
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3
Christie era o embaixador da Inglaterra no Brasil, que negociou de forma arrogante um pedido de
indenização pelo saque da carga de um navio inglês encalhado no Nordeste. O contencioso levou
à ruptura de relações diplomáticas entre os dois países nos anos 1860.
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4
Zollverein foi a União Aduaneira dos Estados do norte da Alemanha, promovida pela Prússia. Na
época era empregada como sinônimo de Zona de Livre Comércio.
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Estados Unidos ainda se faria sentir entre 1945 e 1964, especialmente du-
rante o governo Dutra. Porém, a volta de Vargas ao poder vai significar uma
importante mudança. É inegável que ainda iria persistir em larga medida a
ilusão de que o Brasil poderia, através de uma barganha nacionalista, voltar
a lograr estabelecer vínculos privilegiados com os Estados Unidos. A ilusão
persistiu até o final do governo Kubitschek. Mas a situação nos anos 1950
era diferente. O desenvolvimento econômico e a progressiva afirmação de
um novo perfil sociopolítico da sociedade brasileira impunham novas de-
mandas à política exterior.
A década de 1950 abria-se com o incremento da urbanização e da indus-
trialização, a afirmação de uma burguesia industrial, de segmentos médios
urbanos, de uma jovem classe operária e de outros trabalhadores urbanos e
rurais. O sistema político tinha de responder à crescente participação po-
pular, enquanto as contradições da sociedade brasileira constituíam um ter-
reno fértil para os conflitos sociais. Assim, Vargas viu-se na contingência de
retomar o projeto de desenvolvimento industrial por substituição de im-
portações, incrementando a indústria de base. O setor externo da economia
jogava, neste quadro, um papel fundamental. A obtenção de capitais e
tecnologias só poderia ser lograda com o incremento da cooperação econô-
mica com a potência então hegemônica do mundo capitalista, os Estados
Unidos. No quadro da Guerra Fria, entretanto, o espaço de manobra era
muito limitado para atrair a atenção norte-americana, visando a suplantar o
“descaso” de Washington para com a América Latina e, em particular, para
com o Brasil.
Foi nesse quadro que Vargas procurou implementar uma barganha nacio-
nalista, a qual consistia em apoiar os Estados Unidos no plano político-
estratégico da Guerra Fria em troca da ajuda ao desenvolvimento econômi-
co brasileiro. Essa política, ao mesmo tempo, fortaleceria a posição interna
do governo, granjeando-lhe apoio de diferentes forças políticas domésticas.
As contradições internas cada vez mais pronunciadas e os magros resultados
obtidos no plano externo atingiram um ponto grave, a partir de 1953, com
a eleição do republicano Eisenhower. Neste momento, Vargas viu-se na
contingência de aprofundar sua barganha diplomática, no intuito de rever-
ter um quadro crescentemente adverso. O problema, contudo, era que o
cenário internacional não oferecia suficientes alternativas, pois os países so-
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sileira, 1966.
SILVA, José Luís Werneck da. A outra face da moeda: a política externa do
Brasil monárquico. Rio de Janeiro, Univerta, 1990.
VALLA, Victor. A penetração norte-americana na economia brasileira (1898-
1928). Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1977.
VIANNA, Hélio. História diplomática do Brasil. Rio de Janeiro, Biblioteca
do Exército Editora, 1958.
VISENTINI, Paulo Fagundes. Relações internacionais do Brasil: de Vargas a Lula
(1951-2004). São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.
_____. A política externa do regime militar brasileiro: multilateralização, de-
senvolvimento e a construção de uma potência média (1964-1985). Porto
Alegre, UFRGS, 1998.
246
Rupturas e continuidades da
política comercial do governo Lula
Fátima V. Mello 1
Este artigo propõe uma discussão sobre a política externa na área comer-
cial do primeiro governo Lula (2003-2006), a partir do ponto de vista das
organizações e dos movimentos sociais que atuam nesta área. A atuação
desses movimentos e organizações revela que a política externa brasileira na
área comercial tornou-se objeto de forte disputa no âmbito da política na-
cional, expondo como as posições negociadoras na arena comercial refletem
as opções de política interna e a correlação de forças doméstica.
Para tal, o artigo apresenta, em primeiro lugar, alguns tópicos de debate no
campo analítico, visando reforçar as abordagens que atestam a diluição das fron-
teiras entre as políticas externa e interna. A segunda parte do artigo propõe uma
análise da política comercial do primeiro governo Lula segundo as continuida-
des e rupturas em relação à política do governo anterior, particularmente no
caso das negociações da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) e da
Rodada de Doha da OMC (Organização Mundial do Comércio).
1
Diretora da FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional) e secretária execu-
tiva da Rebrip (Rede Brasileira pela Integração dos Povos).
247
248
249
250
251
O ESVAZIAMENTO DA ALCA
252
253
DIVERGÊNCIAS NA OMC
254
255
2
A criação do G20 viabilizou-se em ampla medida pela aliança entre Brasil e Índia, e por isso a agenda
da coalizão inclui tanto o pilar de interesse do Brasil – eliminação de subsídios e de apoio
doméstico – quanto o de interesse da Índia – políticas de apoio ao desenvolvimento rural.
256
257
258
3
Trata-se de instâncias – criadas no âmbito do Ministério das Relações Exteriores – de informação
e consulta sobre as negociações da ALCA e do acordo União Européia–Mercosul, reunindo setores
empresariais, representantes de ministérios, parlamentares e alguns sindicatos e ONGs.
259
260
BIBLIOGRAFIA
261
262
1
Professora de Relações Internacionais da Unesp-Franca, membro titular do Gacint/USP (Grupo de
Análise da Conjuntura Internacional), pesquisadora do Cedec (Centro de Estudos de Cultura Contempo-
rânea) e coordenadora da Assessoria Internacional do Partido dos Trabalhadores.
263
264
2
Raúl Prebisch, na etapa final da sua vida, faz uma reflexão centrada na questão democrática,
dimensão que teria sido subestimada pela geração “cepalina”: “Yo he llegado a la conclusión de que
el proceso de democratización es incompatible en la América Latina com el régimen vigente de
acumulación de capital y distribución del ingreso. Debemos buscar nuevas fórmulas de transformación
profunda de la sociedad en nuestro continente”. Citado por Esthela Gutiérrez Garza (1994).
3
Esses debates originaram importantes obras editadas pelo Grupo Editor Latinoamericano (GEL),
no marco do Programa de Estudios Conjuntos sobre las Relaciones Internacionales de América
Latina (RIAL) e dos Programas de FLACSO (Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais).
4
Para detalhes desse processo, consultar Rojas et alii (1991).
265
5
Para uma análise bem documentada sobre o tema, ver Dupas (1999).
6
Madueño (2000), em seu instigante artigo “La construccíon de la cultura a través de los actores”,
defende a superação do legado cultural das ciências sociais latino-americanas: “Tenemos un arsenal
teórico constreñido por las grandes teorias evolucionistas, orgánicas o mecanicistas, incluyendo las
propuestas de marxismo autóctono y del estructural-funcionalismo predominante”.
7
A história teria chegado ao fim sob o pressuposto do acesso ao “espírito universal” no sentido
hegeliano. Ver Fukuyama (1992).
266
267
lidade de autonomia como aquelas que têm os recursos para impor severas
penalidades aos que venham a transgredir esse atributo, mantendo a capacida-
de de autodeterminação no plano interno e ampla margem de manobra no
plano internacional (ver Jaguaribe, 1979). Neste artigo, a tentativa é relacionar
a autonomia à questão do regionalismo e, de acordo com esse enfoque, especifi-
car a importância da democracia para sua realização8.
No contexto da realidade dos países da América do Sul, a questão da
autonomia pode ser analisada numa tríplice perspectiva. Em primeiro lu-
gar, como princípio que sustenta a regra de não-intervenção em assuntos
internos dos Estados9. Em segundo, como condição do Estado-nação para
articular e alcançar metas políticas de maneira independente. E em terceiro
como interesse objetivo dos Estados junto aos interesses de sobrevivência e
bem-estar econômico da sociedade. Na reflexão que guia este trabalho, esse
último significado é o mais operativo para vincular a questão da autonomia
ao regionalismo e à democracia.
Combinando as dimensões da prática e da teoria, Juan Carlos Puig10
produziu extensa obra no campo do direito internacional, da política e das
relações internacionais. Seu pensamento original articulou-se em torno da
questão da autonomia. Puig analisa a “comunidade internacional” como
sociedade internacional que apresenta similaridades com as sociedades na-
cionais, se observada a tendência à centralização da tomada de decisões
(Puig, 1980). Suas idéias críticas do positivismo foram precursoras de aná-
lises críticas contemporâneas:
8
Para uma completa apresentação da questão da autonomia na política exterior, da ótica das teorias
de relações internacionais, consultar Tokatlian e Carvajal (2000).
9
O “direito público americano” foi celeiro de doutrinas internacionais, incorporadas ao direito
internacional público, centradas na defesa da autonomia.
10
O argentino Juan Carlos Puig foi professor de Direito Internacional Público, autor de vasta obra
e ministro de Relações Exteriores do governo Cámpora (1973). Faleceu em Caracas em 1989.
268
269
11
Para ampliar essa perspectiva, ver Díaz-Polanco (1994).
12
Termo utilizado para caracterizar o sistema de Estados, consolidado no cenário internacional pelo
Tratado de Westfália, de 1648.
270
de soberania pode ser analisada como via de resistência autônoma aos impe-
rativos da globalização ou às imposições dos Estados mais poderosos.
O desafio é aprofundar conceitos. O cruzamento da “desconstrução” do
conceito clássico de soberania e da “reconstrução” do conceito de democra-
cia vinculado à autonomia constitui o núcleo dessa transformação. As incer-
tezas colocadas pela globalização, principalmente no plano econômico-
financeiro, motivam a busca de novos marcos institucionais para a
implementação de políticas públicas. Para muitos, o regionalismo demo-
crático é a resposta. A construção de uma política regional com o objetivo
de atenuar as desigualdades entre sub-regiões e países, potencializando a
região como um todo no cenário mundial, constitui uma opção política. O
vetor da integração econômica é considerado um meio para atingir tais fins.
13
Três obras tratam apropriadamente de um amplo leque de questões vinculadas aos desafios atuais
do Mercosul: Bernal-Meza (2000); Lima e Medeiros (2000); e Sierra (2001).
271
14
Para um estudo sobre os atores do Mercosul, ver Hirst (1996), especialmente o Capítulo IV.
272
mada dessas políticas nos marcos do bloco regional, com base nos interesses
e valores endógenos, isto é, gerados pelas sociedades civis e políticas nas
diferentes instâncias subnacionais em interação com os Estados nacionais.
As vicissitudes que sofreu o Mercosul na década de 1990 e inícios do
século XXI, submetido ao vaivém das conjunturas dos governos do Brasil e
da Argentina, obrigou os governos iniciados no ano de 2003 (Lula no Bra-
sil, Nestor Kirchner na Argentina) a começar a discussão sobre o modelo de
integração adotado. O Mercosul passou a ser considerado um instrumento
de acumulação de poder e riqueza para suas nações e seus povos, passível de
enfrentar os desafios colocados pelo processo de globalização econômico-
financeira. Viu-se a necessidade de reformular as premissas do projeto de
integração, gerando normas e instituições com base nos interesses e valores
criados na interação de seus Estados e sociedades em suas múltiplas dimen-
sões. O controle das políticas dirigidas ao aumento da coesão econômica e
social, mediante a constituição de uma instância institucional representati-
va dos governos locais e regionais, constituiu uma estratégia adequada para
a construção de um regionalismo democrático.
O Mercosul, segundo o Tratado de Assunção que o constituiu, nasceu
com vocação referenciada no modelo de integração europeu: constituir um
mercado comum, com perspectivas comunitárias. Entretanto, durante a
primeira década, apesar do intenso crescimento do comércio intra-regional
e do conseqüente aumento da interdependência entre os países, assistiu-se
a uma prolongada seqüência de crises que colocaram em risco a continuida-
de do projeto. A debilidade institucional do modelo regional do Mercosul
foi responsável pela decrescente credibilidade do processo.
Além das assimetrias entre países, causa das severas críticas apresentadas
pelos governos de Uruguai e Paraguai, também o Brasil e a Argentina so-
frem de graves distorções que afetam o funcionamento do sistema federati-
vo em ambos os países. O desenvolvimento de políticas ativas de coesão
econômico-social permitiu uma distribuição eqüitativa dos benefícios e custos
do processo.
Quais são os instrumentos disponíveis para enfrentar essas disparidades
que atentam contra a constituição do mercado comum? No Mercosul não
existia nenhum regime, mecanismo ou instituição que tivesse por objetivo
central a resolução dessa questão vital para todo o processo de integração,
273
15
Esse compromisso consta na Declaração presidencial sobre cláusula democrática no Mercosul
(San Luis, 1996, e Ushuaia, 1998).
274
16
Nos marcos desse acordo assinaram-se, primeiro, 24 protocolos setoriais e, posteriormente,
outros 24 abrangendo todas as áreas.
275
276
17
Conjunto de obras públicas transfonteiriças visando a cominucação entre países de costa atlântica
com os países banhados pelo Oceano Pacífico. Há avanços importantes nos projetos aprovados
pelos governos do Brasil e do Peru.
18
Projeto discutido por Venezuela, Brasil e Argentina para construir um gasoduto atravessando esses
países e que interligaria também com a Bolívia. Na I Cúpula Energética da América do Sul (Margarita,
Venezuela, março de 2007) foi formado o Conselho Energético, constituído pelos ministros de área
dos países membros da Comunidade Sul-Americana de Nações para estudar o planejamento das
obras energéticas que servirão todos os países da região.
277
BIBLIOGRAFIA
278
279
280
Livros indicados1
IMPERIALISMO E COLONIALISMO
1. Joseph Conrad, O coração das trevas, Porto Alegre, L&PM, 1998. Conto
exemplar sobre o colonialismo na África.
2. Joseph Conrad, Nostromo, São Paulo, Companhia das Letras, 2007.
Um aventureiro no Caribe, um golpe militar, uma revolução separatista e o
imperialismo inglês.
3. T. E. Lawrence, Os sete pilares da sabedoria, Rio de Janeiro, Record,
2000. Como a Inglaterra manipulou a revolta árabe contra a Turquia no
final da Primeira Guerra Mundial.
4. Nadine Gordimer, O engate, São Paulo, Companhia das Letras, 2003.
A sina de um imigrante ilegal árabe na África do Sul.
5. E. M. Forster, Uma passagem para a Índia, São Paulo, Globo, 2005.
Choques na Índia ocupada pelos ingleses.
6. Octavio Paz, Labirinto da solidão, Rio de Janeiro, Paz e Terra,
2006. Os conflitos inerentes à conquista na América Latina e as men-
talidades resultantes.
7. Hannah Arendt, Origens do totalitarismo, São Paulo, Companhia das
Letras, 1997. As relações entre anti-semitismo, imperialismo e o nasci-
mento do totalitarismo.
1
Lista elaborada com a colaboração de Walnice Nogueira Galvão, professora titular de Teoria
Literária e Literatura Comparada da Universidade de São Paulo.
281
ESTADOS UNIDOS
15. Norman Mailer, Os exércitos da noite, Lisboa, Dom Quixote, 1997. O
movimento pacifista-hippie contra a guerra do Vietnã nos Estados Unidos.
16. Dee Brown, Enterrem meu coração na curva do rio, Porto Alegre,
L&PM, 2003. Crônica do extermínio dos índios peles-vermelhas nos Esta-
dos Unidos.
17. Toni Morrison, O olho mais azul, São Paulo, Companhia das Letras,
2003. A intolerância racial encarniçada contra uma menina negra.
18. John dos Passos, Trilogia U.S.A. (Paralelo 42, 1919 e Dinheiro graúdo),
Rio de Janeiro, Rocco, s.d. Nos três livros, a Primeira Guerra e seus efeitos
na transformação dos Estados Unidos em potência mundial.
19. Haley Alex, Autobiografia de Malcolm X, Rio de Janeiro, Record, 1992. O
grande líder Black Power que enfrentou todos os poderes e morreu assassinado.
REVOLUÇÕES
20. John Reed, Dez dias que abalaram o mundo, São Paulo, Global, 1978.
Jornalista norte-americano presencia o deslanchar da Revolução Russa.
282
DIÁSPORAS CONTEMPORÂNEAS
32. Arundathi Roy, O deus das pequenas coisas, São Paulo, Companhia
das Letras, 2004. A vida cotidiana entre gente simples do sul da Índia.
33. Uzodinma Iweala, Feras de lugar nenhum, Rio de Janeiro, Nova Fron-
teira, 2006. Um menino africano é recrutado para matar nas guerras civis.
34. Paulina Chiziane, Ventos do Apocalipse, Lisboa, Caminho, 1999. A vida
tribal em Moçambique interrompida pelo caos que a guerra civil instaurou.
283
35. Jhumpa Lahiri, Intérprete de males, São Paulo, Companhia das Letras,
2001. Contos sobre as agruras da vida de imigrantes indianos em NovaYork.
36. Hanin Kureishi, No colo do pai, São Paulo, Companhia das Letras,
2006. Um expatriado paquistanês conta a história de sua família, entre
Karashi e Londres.
AMÉRICA LATINA
37. Valle-Inclán, Tirano Banderas, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1976.
Inaugurou um gênero: o romance em que o protagonista é um ditador
latino-americano.
38. Fernando Ortiz, Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar, Caracas,
Biblioteca Ayacucho, 1978. O Gilberto Freyre do Caribe, criador do con-
ceito de “transculturação” e pioneiro dos estudos afrocubanos.
39. Ernesto “Che” Guevara, De moto pela América do Sul, São Paulo, Sá
Editora, 2003. Viagem iniciática para conhecer de perto o continente.
40. Miguel Ángel Astúrias, Week-end na Guatemala, São Paulo, Expres-
são Popular, 2007. Os meandros da intervenção dos Estados Unidos no
Caribe, em 1954.
41. Alejo Carpentier, O reino deste mundo, Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1985. A Revolução Haitiana e o reinado de seu auto-proclamado
monarca, o ex-escravo Henri Cristophe.
42. Mariano Azuela, Los de abajo, Madri, Mestas Ediciones, 2003. Um
olhar interno sobre os inícios da Revolução Mexicana.
43. Juan Rulfo, Pedro Páramo e Chão em Chamas, Rio de Janeiro, Record,
2005. Ficção indigenista mexicana.
44. José María Arguedas, Os rios profundos, São Paulo, Companhia das Le-
tras, 2005. Os conflitos gerados pela exploração que assola os índios peruanos.
45. José Carlos Mariátegui, Sete ensaios de interpretação da realidade
peruana, São Paulo, Alfa-Omega, 2004. Um intelectual que luta pelo so-
cialismo discute as relações entre cultura e política, tendo como tema
central o indigenismo.
46. Gabriel García Márquez, Cem anos de solidão, Rio de Janeiro, Record,
1997. Romance inaugurador do boom hispano-americano do realismo mágico.
47. Manuel Scorza, Bom dia para os defuntos, São Paulo, Círculo do Livro,
1979. Uma companhia de mineração expropria a terra dos camponeses no Peru.
284
BRASIL
48. Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas, 19. ed., Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 2001. O regime do coronelato em alta literatura.
49. Euclides da Cunha, Os sertões, edição Crítica de Walnice Nogueira
Galvão, São Paulo, Ática, 1999. Epopéia da Guerra de Canudos.
50. Gilberto Freyre, Casa Grande & Senzala, São Paulo, Global, 2006.
Um exame das relações entre senhores e escravos no regime patriarcal.
51. Sergio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, São Paulo, Compa-
nhia das Letras, 2006. Um estudo comparativo entre as colonizações es-
panhola e portuguesa.
52. Antonio Candido, Formação da literatura brasileira, 10. ed. Rio de
Janeiro, Ouro Sobre Azul, 2007. Como os brasileiros realizaram seu proje-
to de possuir uma literatura independente.
53. Caio Prado Jr., Formação do Brasil contemporâneo, São Paulo, Brasiliense,
1996. Análise dos principais elementos de nosso passado colonial que mol-
daram a nação.
54. Mário de Andrade, Macunaíma, Belo Horizonte, Villa Rica, 1997.
Neste carro-chefe de nosso modernismo, o protagonista deixa a floresta
amazônica e parte para a metrópole industrial.
ENSAIO
55. E. Hobsbawm, A era dos extremos – O breve século XX, São Paulo, Com-
panhia das Letras, 1999. Tratado das linhas de força que definiram o século.
56. Susan Sontag, Diante da dor dos outros, Companhia das Letras, 2003.
Avaliação das fotografias de atrocidades com que a mídia nos bombardeia.
57. Edward M. Said, Orientalismo, São Paulo, Companhia das Letras,
1990. A construção do “Oriente” como projeção negativa do Ocidente.
58. Fernando A. Novais e Nicolau Sevcenko (orgs.), História da vida pri-
vada no Brasil, vol. 3, República: da Belle Époque à Era do Rádio, São Paulo,
Companhia das Letras, 1998. Panorama das contradições entre esfera pú-
blica e esfera privada na República Velha.
POESIA
59. Jorge Luis Borges, Fervor de Buenos Aires. In Obras completas de Jorge
Luis Borges, vol. I, São Paulo, Globo, 1998. O poeta escreve sobre sua cidade.
285
60. Pablo Neruda, Canto geral, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2002.
Poesia libertária, de protesto contra a injustiça social no continente lati-
no-americano.
61. Carlos Drummond de Andrade, Nova reunião, Rio de Janeiro, José
Olympio, 1983. A evolução do poeta através de seus principais livros.
62. José Martí, Versos singelos, Porto Alegre, SBS, 1997. A veia lírica do
precursor da Revolução Cubana.
63. T. S. Eliot, Obra completa, vol. I, Poesia, São Paulo, Arx, 2004. Visão
desencantada dos descaminhos do século XX.
64. Saint-John Perse, Anábase, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1979. O
poeta francês medita sobre o valor da poesia em nosso tempo.
65. Maiakovski – Poemas, tradução de Haroldo de Campos, Boris
Schnaiderman e Augusto de Campos, São Paulo, Perspectiva, 2006. O poe-
ta da Revolução Russa.
66. Rainer Maria Rilke, Sonetos a Orfeu e Elegias de Duíno, Petrópolis, Vozes,
2006. O poeta descortina os novos tempos com apreensão e desconfiança.
67. Bertold Brecht, Poemas 1913-1956, São Paulo, Editora 34, 2004.
Grande poesia política.
68. Konstantinos Kavafis, Poemas, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1990.
O poeta da decadência canta em grego as glórias do passado e sua cidade
egípcia, Alexandria.
69. e. e. cummings, Poemas, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1999. A
discussão da modernidade através das imagens poéticas.
286
Filmes indicados1
1
Lista elaborada com a colaboração de Marcos Napolitano, professor de história da Universidade de
São Paulo.
287
288
289
ÍNDIA
31. Gunga Din (Gunga Din). EUA, 1939, dir.: George Stevens, 117 min.
Filme clássico, totalmente eurocêntrico, que narra a tentativa de um indiano
de ser reconhecido como soldado a serviço do Império Britânico na Índia.
290
ÁSIA
35. Anna e o rei (Anna and the King). EUA, 1999, dir.: Andy Tennant,
148 min. Drama ligeiro que permite alguma percepção sobre o cho-
que cultural causado pelo imperialismo europeu na Ásia, bem como
sobre as disputas entre França e Inglaterra pelo domínio do continente
no século XIX.
36. Tempestade sobre a Ásia (Potomok Chingis-khana). União Soviética,
1928, dir.: Vsevolod Pudovkin, 125 min. Clássico do cinema épico soviéti-
co, sobre a revolução socialista na Mongólia.
37. Indochina (Indochine). França, 1992, dir.: Regis Wargnier, 157 min.
Drama histórico sobre a presença francesa na Indochina.
38. O americano tranqüilo (The Quiet American). EUA/Alemanha/Aus-
trália, 2002, dir.: Phillip Noyce, 101 min. Aventura ambientada no Vietnã
dos anos 1950, quando os Estados Unidos começaram a substituir a França
na política de contenção do comunismo na região.
39. O último imperador (The Last Emperor). China/Inglaterra/França/
Itália, 1987, dir.: Bernardo Bertolucci, 165 min. Biografia do último im-
perador chinês, cujo drama pessoal se confunde com a história da China no
século XX.
40. Platoon (Platoon). EUA, 1986, dir.: Oliver Stone, 120 min. Drama
de guerra sob a perspectiva liberal, centrado nas desventuras dos soldados
norte-americanos no Vietnã.
41. Os boinas verdes (The Green Berets). EUA, 1968, dir.: John Wayne e
Ray Kellogg, 141 min. Aventura sobre as tropas de elite norte-americanas,
numa perspectiva de direita sobre a geopolítica da região.
291
42. Apocalypse Now (Apocalypse Now). EUA, 1979, dir.: Francis Ford
Coppola, 153 min. Épico sobre a guerra do Vietnã considerado por muitos
o melhor filme de guerra de todos os tempos.
43. Balzac e a costureirinha chinesa (Xiao Cai Feng/Balzac et la Petite
Tailleuse Chinoise). França/China, 2002, dir.: Sijie Dai, 110 min. Dois
jovens são punidos com um exílio interno numa aldeia de agricultores du-
rante a Revolução Cultural chinesa, nos anos 1960.
44. Osama (Osama). Afeganistão/Países Baixos/Japão/Irlanda/Irã, 2003,
dir.: Siddiq Barmak, 83 min. Drama que narra as desventuras de uma me-
nina que finge ser homem para poder participar da vida social e cultural do
Afeganistão dominado pelos talibãs.
45. A caminho de Kandahar (Return to Kandahar). Canadá, 2003, dir.:
Paul Jay e Nelofer Pazira, 65 min. Uma viagem pelo Afeganistão do Talibã.
292
ÁFRICA
56. Em minha terra (Country of My Skull). Inglaterra/Irlanda/África do
Sul, 2004, dir.: John Boorman, 103 min. Drama sobre o processo de re-
conciliação pós-apartheid na África do Sul.
57. Um grito de liberdade (Cry Freedom). Inglaterra, 1987, dir.: Richard
Attenborough, 157 min. Cinebiografia do militante antiapartheid Stephen
Biko, morto pela repressão.
58. Hotel Ruanda (Hotel Rwanda). EUA/Inglaterra/Itália/África do Sul,
2004, dir.: Terry George, 121 min. Durante a guerra civil de Ruanda,
quando as etnias dos tutsis e dos hutus se enfrentaram, com um saldo de 1
milhão de mortos, um gerente de hotel tenta salvar o máximo de vidas,
enquanto o Ocidente abandona o país à sua própria sorte.
AMÉRICA LATINA
59. Diários de motocicleta (Diarios de Motocicleta). Argentina/EUA/Cuba/
Alemanha/México/Inglaterra/Chile/Peru/França, 2004, dir.: Walter Salles,
126 min. Road movie sobre a viagem sentimental e política do jovem Che
Guevara pela América Latina nos anos 1950.
293
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295