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Título

DA GUERRA E DA ESTRATÉGIA
A NOVA POLEMOLOGIA

Autor
Francisco Proença Garcia

Copyright © Francisco Proença Garcia, Prefácio, 2010

Direitos reservados por


Prefácio-Edição de Livros e Revistas, Lda
Rua Bernardo Lima, n.º 8 - A 1150-076 LISBOA
Tel: 213143378 Fax: 213143380
editoraprefacio@netcabo.pt

Proibida a reprodução, no todo ou em parte,


por qualquer meio, sem autorização do Editor

Capa:
Armanda Vilar

ISBN: 978-989-652-051-9

Pré-Impressão, impressão e acabamento: Tipografia Lousanense, Lda

Depósito legal n.
Introdução 6
Primeira Parte 14
Subsídios para o Estudo da Guerra 15
1. O despertar dos estudos quantitativos da Guerra 19
2. O Correlates of War Project e os trabalhos posteriores 22
3. Tendências de futuro 34
Segunda Parte 37
Tipologias de Guerra 38
1. O espectro da Guerra 38
2. O uso da Força 43
3. Outras tipologias de Guerra 45
Terceira Parte 60
Uma Perspectiva do Fenómeno da Guerra no Novo Século 61
1. A complexidade do Sistema Internacional no início
do século XXI 61
2. As Guerras no Século XXI 64
3. As Guerras irregulares e a transformação do carácter
dos conflitos armados 73
Quarta Parte 75
A Estratégia da Subversão 76
1. A Estratégia 76
2. Caracterização do fenómeno subversivo 79
3. O fenómeno subversivo na actualidade 85
4. As tipologias subversivas 95
5. Premissas da subversão 98
Quinta Parte 100
A Estratégia da Contra-Subversão 101
1. A Estratégia contra-subversiva e as suas integrantes 101
2. A Estratégia político-diplomática 105
3. A Estratégia socioeconómica 108
4. A Estratégia psicológica 111

-5-
5. A Estratégia de Informações 115
6. A Estratégia militar 117
Sexta Parte 123
O Terrorismo Transnacional – Contributos para
o Seu Entendimento 124
1. Conceito 124
2. Natureza, objectivos e estrutura 126
3. Apoios financeiros e outros 132
4. Recrutamento 135
5. A análise estatística 141
Sétima Parte 148
As Ameaças Transnacionais e a Segurança 149
1. A Segurança dos Estados e as ameaças transnacionais 149
2. Uma possível análise das principais ameaças transnacionais 157
2.1 A proliferação de Armas de Destruição Massiva 157
2.2 O crime organizado transnacional 160
2.3 A SIDA 166
2.4 A degradação do ambiente 176
3.7 Portugal e os Estados fracos: Estratégias de resposta. 201
Bibliografia e Fontes 208

-6-
Acrónimos

Apsic — Acção Psicológica


CEDEAO — Comunidade Económica dos Estados
da África Ocidental
CIMIC/CMA — Assuntos Civis Militares
COMINT — Communications Intelligence
COW — Correlates of War Project
C2W — Command and Control, Warfare
DEA — Drug Enforcement Agency
EMP — Empresas Militares Privadas
ETTA — East Timor Transitorial Administration
(Administração Transitória de Timor Leste)
EUA — Estados Unidos da América
FA — Forças Armadas
FND — Forças Nacionais Destacadas
FM (I) — Field Manual (Interim)
HUMINT — Human Intelligence
IAEM — Instituto de Altos Estudos Militares
IMINT — Imagery Intelligence
In — Inimigo
Intell — Intelligence
LRPM — Long Range Precision Guided Munitions
NATO/OTAN — North Atlantic Treaty Organization/Organização
do Tratado Atlântico Norte
NBQ — Nuclear, Biológico e Químico
OCT — Organizações Criminosas Transnacionais
OI — Organizações Internacionais
ONG — Organização Não-Governamental
ONU — Organização das Nações Unidas
OPA — Operações de Apoio à Paz
UA — União Africana

-7-
Acrónimos

PALOP — Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa


PCC — Primeiro Comando da Capital
PKF — Peace Keeping Force
QG — Quartel-General
R2P — Responsabilidade de Proteger
RISTA — Reconnaissance, Intelligence, Surveillance
and Target Aquisition
RMC — Revolução Militar em Curso
SADC — Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral
SIGINT — Signal Intelligence
TO — Teatro de Operações
UNTAET — United Nations Transitional Administration
in East Timor (Administração Transitória das Nações Unidas
em Timor Leste)
USAID — United States Agency for International Development

-8-
Ao Soldado Português

-9-
Agradecimentos

Os meus primeiros agradecimentos são Institucionais e devo-os


às Forças Armadas Portuguesas, onde me orgulho de servir, pela
experiência e pelas oportunidades de vida, quer operacional quer
dedicada ao ensino na Academia Militar e no Instituto de Estudos
Superiores Militares, onde durante anos aprendi e ensinei matérias
relacionadas com as Relações Internacionais e com a Estratégia; de-
pois ao Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, pela
oportunidade de nele poder aprender e leccionar.
A nível pessoal o meu primeiro agradecimento devo-o ao Sr. Profes-
sor Adriano Moreira, meu Mestre e a quem tenho o privilégio de poder
chamar Amigo, pelo exemplo de servir e por ter acreditado em mim.
São inúmeros os camaradas de armas e colegas com quem debati,
aprendi e reflecti sobre os Estudos da Guerra e da Estratégia, e sem
os quais o presente livro não teria sido possível. Sem ser exaustivo,
não posso deixar de destacar os Oficiais Generais Ramalho Eanes,
Pedro Cardoso, Espírito Santo, Loureiro dos Santos, Pinto Ramalho,
Abel Cabral Couto, Lopes Alves, Rodrigues Viana, Carlos Chaves,
Mora de Oliveira, Pereira Agostinho, Martins Branco, Miguel Júnior e

-11-
Agradecimentos

Gilberto Veríssimo; os Almirantes Ribeiro Pacheco, Ferraz Sacchetti,


Reis Rodrigues e Silva Ribeiro e, nos ambientes do IESM/IDN/AM,
a Gomes Bessa, Caçorino Dias, Sanches Osório, Brandão Ferreira,
Martins Pereira, Vieira Borges, Xavier de Sousa, Rui Clero, Barreiro
dos Santos, Rui Ferreira, Ricardo Monsanto, Valente Marques, Ama-
ral Lopes, Dias Martins, Beja Eugénio, Sérgio Carriço, Viegas Nunes,
João Leal, Pires Lousada, Octávio Avelar, Renato Pinheiro, Francis-
co Rodrigues, Luís Carrilho, André Elias, Cabral Gomes, António
Oliveira, José Simões, António Meneses, Rui Vieira, Reis Madeira,
Santos Madeira, Francisco Carapeto e Reinaldo Hermenegildo.
No meio Universitário e civil gostaria de agradecer especialmente
aos Professores Manuel Braga da Cruz, Carlos Espada, Silva Cunha,
Amaro Monteiro, António Telo, Carlos Monjardino, Armando Mar-
ques Guedes, Carlos Gaspar, Carvalho Rodrigues, Ernâni Lopes,
Miguel Monjardino, Jaime Nogueira Pinto, Manuel Almeida Ribeiro,
Eduardo Costa Dias, Bacelar Gouveia, Regina Flor de Almeida, Ber-
nardo Ivo Cruz, Ramiro Ladeiro Monteiro, Helena Carreiras, Isabel
Nunes, Heitor Romana, Raquel Patrício, Paula Brandão, Francisca
Saraiva, Mónica Ferro, Constança Urbano de Sousa, Sónia Neto, Pe-
dro Rebelo de Sousa, José Fontes, Nuno Carvalho, Gabriel Bastos,
Daniel Sanches, Paulo Teixeira Pinto, Miguel Viana, José Manuel
Barroso, Carlos Santos Pereira, Lobo do Amaral, Suzete Abreu, So-
fia Menezes e Madalena Requicha.
Hoje, noutro contexto, pela visão da prática estratégica, não posso
deixar de agradecer aos meus camaradas e colegas, nomeadamente
aos da Delegação Portuguesa junto da NATO e da REPER: Embai-
xador Fernandes Pereira, aos vários Ruis, Tereno, Tendeiro, Elvas,
Carmo, Pereira da Silva, Luís Cabaço, André Bandeira, Mário Fer-
nandes, Brás de Oliveira, Machado Vieira, Almeida Pereira, Sandra
Magalhães e Cristina Almeida.

-12-
Agradecimentos

Aos meus alunos, nas escolas militares ou civis, pelas perguntas,


pelos comentários e pela exigência constante.
Aos meus Pais, por tudo;
Às minhas três meninas, Beta, Catarina e Mafalda, pelo apoio
constante e por darem sentido à minha existência.

-13-
Prefácio

Adriano Moreira
Presidente da Academia das Ciências de Lisboa
Professor Emérito da Universidade Técnica de Lisboa

A questão da interdisciplinaridade, que repetidamente exige meditar


sobre o carácter circunstancial de cada arrumo das actividades de in-
vestigação e ensino, teve um ponto crítico na guerra de 1939-1945, e
uma intervenção determinante nas decisões dos Estados-Maiores que
dirigiram a grande coligação democrática que finalmente a ganhou.
Embora o multiculturalismo tivesse precedentes numerosos na
história dos conflitos militares, a dimensão quantitativa dos exércitos,
a variedade dos povos envolvidos, a pluralidade desafiante de frentes
terrestres e marítimas, não tinha precedente.
A necessidade de organizar uma cadeia de Comando suficiente-
mente maleável, e ao mesmo tempo eficaz, para tropas com tal va-
riedade de identidades nacionais, étnicas, religiosas, linguísticas, e
até de alimentação, não encontrava suficiente experiência histórica
disponível, nem meditação teórica e prospectiva que fornecesse uma
base confiável de inspiração.

-15-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

O recurso ao apoio de saberes, até então menos frequentados pela


actividade bélica, foi largamente exercido, pelo que, das ciências so-
ciais, então ainda sem o estatuto de autoridade que foram ganhando,
vieram apoios valiosos, e a estratégia entrou em reformulação para
racionalizar uma realidade na qual era mais frequente encontrar a
surpresa do que a vida habitual recolhida nas memórias.
Refizeram-se as experiências de organizar redes de cooperação
entre ramos de investigação e ensino, as quais articularam os subsis-
temas privados com os militares, a obtenção de títulos académicos,
nas Universidades civis, por militares, foi-se tornando frequente,
reconhecendo-se até o erro de ter eliminado, como acontecera entre
nós, a antiga prática de disciplinas propedêuticas, indispensáveis ao
preenchimento dos currículos das Escolas Militares, serem cursadas
nas Universidade.
Em Portugal, talvez deva admitir-se que foi o Conselho Nacional
de Avaliação do Ensino Superior (CNAVES), criado em 1998, redu-
zido à paralisia em 2005, e finalmente extinto com displicência em
2007, que deu expressão definitiva à articulação de todos os sub-
sistemas de ensino superior, incluindo portanto o ensino superior
militar, quer de perfil universitário, quer de perfil politécnico.
Entretanto, quer, entre outras, a iniciativa tomada no Instituto
Superior de Ciências Sociais e Políticas (Universidade Técnica), in-
troduzindo a Estratégia nos currículos, quer a posterior iniciativa do
Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, na área da
Segurança e Defesa, consolidou a intervenção da avaliação, sujeita a
idênticas exigências de qualidade, para todos os subsistemas.
Militares distintos obtiveram títulos académicos em várias Uni-
versidades, públicas e privadas, muitos foram convidados para as-
sumir regências, como reputados especialistas, nos cursos das Uni-

-16-
Prefácio

versidades civis, e deve ser sublinhada a participação de oficiais, que


tinham atingido os mais altos postos na hierarquia, nos vários ramos
das Forças Armadas.
No caso presente, o Tenente-Coronel Francisco Garcia não ape-
nas obteve o grau de Doutor em História na Universidade Portu-
calense Infante D. Henrique, como também exerce a docência na
Academia Militar, no Instituto de Estudos Superiores Militares, e na
Universidade Católica.
A dissertação apresentada para a agregação, que foi altamente
valorada pelo júri, ela própria demonstra a dimensão e profundida-
de da sua intervenção científica e profissional na área.
Esta intervenção académica é feita numa data em que a Estraté-
gia parece encaminhada para ser uma Crítica da Estratégia Pura,
porque a época, em todos os domínios, das ciências da natureza à
economia, da vida privada à política, da ordem interna à ordem in-
ternacional, é de incerteza: juízos de certeza, juízo de probabilidade,
são afastados pela débil capacidade de formular apenas frágeis juízos
de possibilidade, tão mutáveis são as circunstâncias, no sentido de
Ortega, tão inseguras ou desactualizadas se encontram as clássicas
referências de boa conduta.
O autor pertence à nova geração de oficiais conscientemente
orientados para responder à incerteza, o que mais exigente torna a
preservação do eixo da roda, que são os valores, incluindo o prestí-
gio reconhecido pelas comunidades às suas Forças Armadas. O rela-
tivismo que cresce nas sociedades ocidentais também exige atenção
a esta exigência básica, uma atenção que é sobretudo dever dos po-
deres políticos.

-17-
Introdução

A Guerra tem expressão em todas as regiões do mundo, constituindo


uma das maiores preocupações da humanidade. O tema da Guerra
inspirou a literatura, a arte, a música e tem sido central para todos os
estudiosos das relações internacionais, historiadores, analistas, po-
líticos e militares.
Como fenómeno global que é, a Guerra desafia todos os aspectos
das sociedades onde ocorre. Nesta ordem de ideias, o seu estudo é
imprescindível para dar resposta a um conjunto de perguntas com-
plexas como:
· O que é e por que razão surge a Guerra?
· Quais são as tipologias da Guerra?
· Como se pode caracterizar a Guerra na actualidade?
· Que modalidades de Guerra tenderão a prevalecer?
· Qual o posicionamento da entidade Estado como estrutura po-
lítica no novo contexto internacional?
· O uso da Força nas Relações Internacionais ainda é útil?
· Porquê, e por quem é a Segurança dos Estados e das pessoas
ameaçada?
· Que estratégias adoptar para enfrentar essas ameaças?

-19-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Estas interrogações acerca da Guerra e da Estratégia constituem o


centro do livro aqui apresentado. Na verdade, estas interrogações es-
tão connosco há cerca de 17 anos e levaram-nos a uma longa viagem
de exploração intelectual e a um conjunto de experiências profis-
sionais como Oficial do Exército, cujo início pode ser retrospecti-
vamente atribuído aos começos da década de 1990. Foi nessa altura
que comecei a redescobrir algo que tinha inicialmente absorvido
nas longas conversas com o meu pai sobre a Guerra em África e que
depois fui aprofundando durante a minha licenciatura em Ciências
Militares na Academia Militar. Não sendo este o local para recordar
em detalhe estas histórias, parece-me suficiente dizer que foi esta
redescoberta que me levou a esta viagem da qual este livro acabou
por emergir.
Essa viagem começou com o estudo de diversas obras sobre a ora
generalizadamente chamada guerra colonial, época em que tive o
privilégio de conhecer o General Pedro Cardoso e o Professor Sil-
va Cunha, que insistiram que eu devia frequentar um mestrado e
aprofundar os meus conhecimentos sobre aquela temática. Aceitei o
desafio e, após a conclusão do mestrado parti, também a convite do
Professor Silva Cunha, para outro desafio, o doutoramento.
A minha vida profissional ao serviço do Exército Português per-
mitiu-me ainda estar em locais como Angola, Guiné-Bissau, Mo-
çambique e Timor-Leste, territórios que enfrentavam guerras civis,
atravessavam processos de paz ou, no caso do último, que se encon-
travam sob administração das Nações Unidas. Esta experiência pro-
fissional permitiu-me consolidar os ensinamentos dos meus estu-
dos, aplicá-los e adquirir, no terreno, uma visão diferenciada sobre
a Guerra e o papel fundamental das Forças Armadas.
Esta minha viagem de exploração intelectual não teria sido possí-
vel se não tivesse estudado sob a orientação do Professor Silva Cunha

-20-
Introdução

e do General Pedro Cardoso e se não tivesse tido o privilégio de con-


versar, aprender e trabalhar com o Professor Adriano Moreira e com
o General Pinto Ramalho, vivências que a meu ver constituíram uma
tremenda experiência educativa.
Depois do meu doutoramento, que foi reconhecido com o Prémio
Defesa Nacional e que levou à sua publicação1, continuei a leccionar
na Academia Militar e a convite do Professor João Carlos Espada,
fui leccionar para o Instituto de Estudos Políticos da Universidade
Católica Portuguesa, a disciplina de Polemologia no programa de
Mestrado e Doutoramento em Ciência Política, Relações Internacio-
nais – Segurança e Defesa; programa hoje solidamente estabelecido
em Portugal e solidamente implantado numa rede internacional de
algumas das melhores universidades, sobretudo de língua inglesa. A
minha colocação no Instituto de Estudos Superiores Militares como
professor de Estratégia dos diversos cursos ali ministrados veio a
ocorrer só após ter concluído, como primeiro classificado, o Curso
de Estado-Maior.
Apesar da minha profissão, consegui manter a minha pesquisa
sobre a Guerra e a Estratégia, sobretudo através do ensino e da
orientação e coordenação de trabalhos académicos e de investiga-
ção. Tive ainda a felicidade de poder trabalhar e aprender com al-
guns dos melhores professores e profissionais, nacionais e estran-
geiros, na área das Relações Internacionais. Deste longo processo,
emergiu o programa da disciplina que submeti às minhas Provas
de Agregação no Instituto de Estudos Políticos da Universidade
Católica Portuguesa.
Este livro emerge de reais interrogações que enfrentei ao longo

1
Garcia, Francisco Proença (2003) – Análise Global de Uma Guerra (Moçambique 1964 - 1974). Lisboa:
Prefácio Editora. (Prefácio do Professor Adriano Moreira e Posfácio do Professor Amaro Monteiro).

-21-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

da minha actvidade profissional como militar e académico. E é um


facto, de que me orgulho, que a proposta global aqui apresentada
não existia quando comecei a leccionar há cerca de doze anos atrás.
A visão que se segue é o produto de uma longa procura e evolução,
feita de avanços e recuos, caminhos ensaiados e depois corrigidos,
por vezes mesmo abandonados. Uma boa parte da evolução ficou a
dever-se à interacção com os alunos, ao diálogo crítico com vários
colegas docentes e militares, à reflexão sobre as suas reacções, in-
terrogações, observações e dificuldades. A todos eles, que seria im-
possível aqui mencionar, bem como ao Exército e à Universidade
Católica que me proporcionaram esta caminhada, a minha profunda
gratidão.
O livro compreende sete partes fundamentais. Na primeira abor-
damos o estudo científico do fenómeno da Guerra através de apro-
ximações quantitativas, um método hoje profusamente utilizado.
Depois descrevemos a base de dados do Correlates of War Project
(COW), que teve como objectivo a compilação de uma significativa
quantidade de informação reproduzível para permitir o apoio ao es-
tudo científico do fenómeno.
A constatação de novas tendências na Guerra exigiu a constru-
ção de novas bases de dados que incluem grupos comunais e outros
actores não-territoriais, a par das listagens tradicionais de Estados.
Assim, analisamos ainda trabalhos posteriores ao COW e que deram
continuidade àquele projecto, findando com uma pequena análise
das tendências de futuro destes estudos quantitativos.
Na segunda parte, cientes de que são inúmeros os critérios de
abordagem e de classificação do fenómeno da Guerra, procuramos
identificar alguns conceitos para o termo “Guerra” e propomos o
nosso próprio conceito; depois descrevemos os espectros da Guerra
e das Operações Militares adoptados nas escolas militares portugue-

-22-
Introdução

sas, identificando as diferentes tipologias que aí surgem, sendo de


salientar que o facto de se empregar a força, decorrerem operações
militares e de existirem baixas, não significa que as Forças Armadas
estejam numa situação tipificada como de guerra.
Feita aquela descrição, reflectimos sobre a utilidade do uso da
força, para posteriormente procurarmos identificar outros conceitos
e algumas possíveis e novas tipologias de guerra não abrangidas por
aqueles espectros e que, com frequência, encontramos na bibliogra-
fia de referência sobre esta temática.
Na terceira parte, descrevemos em primeiro lugar o complexo
Sistema Internacional, para depois nos restantes capítulos poder-
mos efectuar uma análise da conflitualidade nesse mesmo Sistema.
Procuraremos, assim, mostrar que houve uma transformação signi-
ficativa dos conflitos armados. Nesta terceira parte, analisamos ainda
a perda do monopólio do uso da Força pelo actor Estado, mostrando
que emergiram novos actores que competem com ele, o que levou
a que estas guerras fossem apelidadas de novas, e onde se assiste a
uma desmilitarização do conflito. Nesta nova conflitualidade emer-
giu também um novo e subtil instrumento nas Relações Internacio-
nais, as empresas militares privadas, que acabam por vir enfatizar a
utilização do termo civilinização, cujo significado explicaremos.
Na quarta parte iniciamos a abordagem ao estudo da Estratégia.
Nesse sentido entendemos efectuar no primeiro capítulo uma breve
análise da evolução do conceito de Estratégia, para depois passarmos
a uma análise do fenómeno da subversão e da Estratégia a ele asso-
ciada, da sua caracterização e evolução, de quais as suas principais
causas e tipologias, identificando ainda as premissas que acompa-
nham o fenómeno.
A quinta parte efectua uma análise da Estratégia de resposta que
o poder formal dispõe para enfrentar a subversão, ou seja, da Es-

-23-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

tratégia da contra-subversão. Partindo do princípio de que qual-


quer resposta contra-subversiva deve ser contextualizada no es-
paço e em tempo próprios, e que deve ser equacionada para fazer
face à tipologia subversiva identificada, idealizámos um modelo
de análise que tem por base os principais actores do fenómeno
subversivo.
Sobre estes mesmos actores aplicámos diversos processos e téc-
nicas, cuja combinação, integração e coordenação formam a estraté-
gia contra-subversiva, que é total, actua ao nível interno e externo,
directa e indirectamente, anti-lassidão, carecendo de uma coordena-
ção muito estreita de cinco estratégias gerais que constituem a base
do nosso modelo de resposta: político-diplomática, socioeconómi-
ca, psicológica, informações e militar; todas visando a conquista da
adesão das populações. Efectuada a identificação das integrantes da
estratégia total contra-subversiva, efectuamos a análise de cada uma
das estratégias gerais de per si.
Na sexta parte, organizada em cinco capítulos, efectuamos uma
breve análise de uma das principais ameaças transnacionais à segu-
rança, o terrorismo transnacional. No primeiro capítulo procuramos
caracterizar o fenómeno, para depois no segundo abordarmos os
seus objectivos, a sua natureza e tentarmos perceber um pouco a
sua estrutura. O terceiro capítulo aborda a complexa teia dos apoios,
sobretudo financeiros, centrando-se o quarto no processo de recru-
tamento e, por último, fazemos uma breve abordagem à análise es-
tatística do fenómeno.
Na sétima e última parte do nosso livro iremos analisar as amea-
ças transnacionais mais significativas com que os Estados se deparam
para além do terrorismo, começando pela proliferação das Armas de
Destruição Massiva, passando para o crime organizado transnacio-
nal, a SIDA, a degradação do ambiente e o fracasso dos Estados.

-24-
Introdução

Desta análise verificaremos que hoje as ameaças são globais e


que as respostas preconizadas para as enfrentar têm também elas de
ser globais. Uma vez identificado e analisado o problema, apresen-
taremos a nossa proposta de modalidades gerais de acção estratégica
para lhe responder. Modalidades que têm de ser directas e indirectas
e têm que entrar em linha de conta com as diversas estratégias gerais,
sendo a eficácia das mesmas subsidiária da adequada coordenação
multi-institucional e de uma arquitectura de segurança cooperativa.
Esta parte não ficaria completa sem antes efectuarmos uma contex-
tualização da problemática e uma abordagem, ainda que sintética, da
evolução do conceito de Segurança.
Por fim descrevemos os contributos de Portugal em resposta ao
fracasso dos Estados, procurando assim o reconhecimento interna-
cional como Estado “produtor” de Segurança Internacional.
Para a concretização do objectivo proposto utilizámos essencial-
mente a pesquisa em monografias, em publicações em série e, pri-
vilegiámos a análise da documentação legislativa e oficial. Tivemos
ainda presente que a Polemologia e a Estratégia, pela pluralidade de
perspectivas que podem ser chamadas a integrar a temática que da-
quelas Ciências se reclame, determinam o recurso a outras áreas das
Ciências Sociais como, por exemplo, o Direito, a Sociologia, a His-
tória, as Relações Internacionais e a Geopolítica. Esta confluência
possibilitou, julgamos, uma maior precisão do campo de trabalho e
maior nitidez quanto ao desenvolvimento do nosso estudo.

-25-
Primeira Parte
Subsídios para o Estudo da Guerra2
Desde o início dos tempos que ocorreram guerras em todas as partes
do mundo. Este tema que inspirou a literatura, a arte e a música tem
sido uma preocupação de longa data também entre historiadores,
analistas, políticos e militares.
A instituição do sistema de congressos em Viena no ano de 1815
marca o início de um longo período de hegemonia inglesa, em que
os Estados vão estar sobretudo preocupados com a revolução indus-
trial. Na primeira metade desse século são poucos os conflitos entre
os grandes poderes. Na segunda metade, a grande preocupação vai
para as inúmeras intervenções inglesas e francesas num esforço de
conter ambições russas e austríacas em relação ao Império Otomano,
base originária da guerra da Crimeia (1853/1856) que provocou 270
mil baixas militares.
Com o emergir de novos poderes (EUA, Itália, Alemanha uni-
ficada e Japão), o Sistema Internacional evolui de unipolar para
multipolar. Com o novo sistema surge também um novo padrão de

2
Este tema, agora revisto e ampliado, foi inicialmente tratado para uma Conferência no Instituto da
Defesa Nacional a 29 de Setembro de 2003, subordinada ao tema “Tipologias de Guerra” e poste-
riormente publicado na Revista Militar de Novembro de 2003, p. 1103-1136. Dediquei-me depois ao
desenvolvimento deste assunto e acabei por publicar conjuntamente com Francisca Saraiva uma versão
mais documentada do mesmo na Revista Estratégia, Vol. XV, (2005), p. 189-206.

-29-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

conflitos entre os grandes poderes: estes passam a ser mais fre-


quentes, mais rápidos, mas com menos baixas. O conflito mais in-
tenso neste período foi a guerra franco-prussiana, que provocou
180 mil baixas militares.
Na segunda metade do século XIX os grandes poderes empenham-
se nas guerras de império, com as campanhas de pacificação após
Berlim. São guerras por norma numerosas, curtas e pouco intensas.
O século precedente iniciou-se com a guerra dos Boers (1899-
1902), depois, e no imediato, a russo-japonesa (1904-1905), seguida
da guerra italo-turca (1911, ocupação da Tripolitânia, na Líbia) e, por
fim, as guerras balcânicas.
As rivalidades entre as grandes potências e o agudizar dessas ri-
validades conduz a um novo período de guerras globais que se es-
tende de 1914 a 1945. Neste período, que marca a transição da hege-
monia inglesa para a americana, surgem duas Grandes Guerras. A
1ª com 7,7 milhões de baixas militares em quatro anos, o triplo das
napoleónicas (dez vezes mais em termos de média anual) e a 2.ª com
12,9 milhões de baixas militares.
No período de paz tensa entre as duas Grandes Guerras surgiram
inúmeros pequenos conflitos. Em 1919, entre a Turquia e a Grécia,
depois, em 1926-1937, a guerra civil chinesa, ano em que se inicia
também a guerra com o Japão, em 1936 a guerra na Etiópia, em si-
multâneo com a eclosão da guerra civil em Espanha.
O pós-Segunda Guerra Mundial é caracterizado pela rivalidade
da Guerra Fria: uma rivalidade entre os grandes poderes no cam-
po económico, ideológico e político, constituindo a força militar um
dissuasor. Este período é caracterizado pelos inúmeros conflitos nas
zonas de confluência dos interesses das grandes potências, que se
enfrentavam por locução interposta. Era no fundo uma verdadeira
Terceira Guerra Mundial, que começa na Coreia e continua com as

-30-
Subsídios para o Estudo da Guerra

guerras de “libertação” na Indochina, Argélia, Angola, Guiné e Mo-


çambique, entre muitas outras.
No Médio Oriente foram as guerras entre árabes e israelitas em
1948, 1956, 1967, 1973 e 1982. Nesta região ainda hoje persiste uma
complexa guerra entre palestinianos e israelitas, Hizbullah e Isra-
el, o Exército do Líbano e facções da al-Qaeda, e também a recente
guerra civil entre palestinos.
Os EUA enfrentaram a guerra do Vietname, de 1964 a 1973, e em
1979 a União Soviética invade o Afeganistão, onde permanecerá 10
anos, favorecendo o emergir do movimento islamista internacional
de freedom fighters e/ou de terroristas anti-ocidentais, conforme se
queira considerar.
Na América Latina foram sucessivos os Golpes de Estado bem
como a instalação de um clima de violência quase generalizado. Nos
anos de 1980 (1982) a Argentina desafiou uma potência europeia
(Reino Unido) na guerra das Malvinas/Falkland.
Entre 1979 e 1988 iranianos e iraquianos enfrentaram-se na 1.ª
Guerra do Golfo; em 1990 é formada uma coligação internacional
contra o Iraque, procurando libertar o Kuwait.
Em África não se evitaram as inúmeras guerras civis (Angola,
Chade, Libéria, Moçambique, Serra Leoa, Congo, Ruanda, Costa do
Marfim, Guiné-Bissau); na Ásia a revolta Tamil no Sri Lanka, os su-
cessivos conflitos entre a Índia e o Paquistão, onde existe a ameaça
nuclear; as acções de afirmação/imposição de soberania dentro da
Indonésia (Timor-Leste e Acheh), para novamente nos anos de 1990
a guerra voltar à Europa, nos Balcãs.
No fundo, o século XX foi um século repleto de violência, com
perto de 200 milhões de baixas provocadas por uma centena de
guerras, sendo a arma mais mortífera a AK 47/74 Kalashnikov (Bou-
vet e Denaud, 2001; p. 11).

-31-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Com a implosão a Leste, o mundo deixou de ser bipolar e, em vez


de uma era de Paz Kantiana, o mundo emergiu numa verdadeira epi-
demia de guerras. Conflitos horrendos, nos quais foram cometidas
atrocidades da maior barbárie, que pareciam anunciar um regresso
violento a um primitivismo desumano. Samuel Huntington (1996)
chama a estes conflitos fault-line wars, confrontações esporádicas
ao longo das linhas de fractura/fronteiras que separam as grandes
civilizações. Para este autor o choque das civilizações substituiria a
rivalidade das superpotências na ordenação das prioridades na po-
lítica externa de Estados. Outros autores, reconhecendo que o con-
ceito de Estado está em profunda revisão, e os próprios Estados em
mudança acelerada, consideram que o mundo está a enfrentar uma
situação de neo-medievalismo (Berzins e Cullen, 2003), ou mesmo
um eventual regresso ao primitivismo (Kaldor, 2001; p. 91-96).
Este terceiro milénio continua cheio de incertezas. São eviden-
tes as mudanças profundas na conjuntura internacional. A ameaça
que estava bem definida desapareceu, dando lugar a um período de
instabilidade anormal, com uma ampla série de focos de convulsão
regionais e múltiplos radicalismos, riscos e perigos, uns novos, ou-
tros antigos, que apenas subiram na hierarquia das preocupações
dos Estados. A instabilidade é igualmente criada pelos novos tipos
de ameaças e riscos, alguns já hoje manifestos, outros todavia lar-
vares. Aquilo com que nos confrontamos já não é a “guerra irregu-
lar” típica do anterior sistema internacional; é a violência assimétrica
permanente, sem uma origem clara, que pode surgir em qualquer
lugar, típica do mundo tendencialmente unipolar do pós-Guerra
Fria (Telo, 2002; p. 222).
Se após Vestefália, mas sobretudo após o Congresso de Viena, o
Estado passou a ser o principal actor dos palcos de Guerra, a partir
da década de noventa do século XX, surgem outros e novos actores

-32-
Subsídios para o Estudo da Guerra

a disputar o papel principal; actores como senhores da guerra lo-


cais, organizações criminosas ou mesmo o terrorismo transnacional.
Na actualidade as guerras passaram a ser uma mistura explosiva de
aleatório e de determinismo (Thual, 2001; p. 69). As novas guerras
surgirão na procura de acesso a um recurso escasso, como o petró-
leo, a água ou mesmo a informação. Segundo Jacques Sapir (2001;
p. 115-117) assistiremos a guerras que utilizarão vírus ou programas
informáticos para bloquear os sistemas de comunicação e transmis-
são de dados; guerras provocadas pela alteração da relação de forças
entre actores não-estaduais e os Estados; guerras financeiras com o
objectivo de desequilibrar mercados e guerras contra ou entre gru-
pos criminosos, deixando os Estados de possuir o monopólio do uso
da violência (Weber, 1946).
Nesta breve apresentação, e até ao momento, temos feito a des-
crição de um mundo onde parece imperar de uma forma perma-
nente a violência armada global, ou seja, a Guerra, que é de longe a
mais destrutiva de todas as actividades humanas. Mas afinal o que é
a Guerra?
Para compreendermos um fenómeno temos de ser capazes de
descrevê-lo, e esta máxima popular é particularmente pertinente
para a Guerra, uma vez que o termo surge para caracterizar um vasto
conjunto de situações em determinados contextos e períodos histó-
ricos, assumindo formas diversas e que variam ao longo do tempo.
Difícil de analisar, desde a antiguidade que filósofos, teólogos, bió-
logos, matemáticos e politólogos abordam a guerra nas suas múlti-
plas expressões. Nem sempre satisfatórios, os resultados confirmam
que existem no presente razões sérias para continuarmos a tentar
perceber os seus contornos exactos.
O primeiro passo parece ser, assumirmos que não há fenómeno
social cujas causas sejam simples ou lineares. Têm por isso mérito

-33-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

os filósofos, historiadores e especialistas em relações internacionais


que desde o século XVIII procuram, persistentemente, compreen-
der as “causas da guerras” que opõem tantas vezes os Estados.
Já a evidência de que é necessário construir metodologias siste-
máticas de base quantitativa na análise da guerra é algo muito mais
recente. Por razões que têm muito a ver com as duas Grandes Guer-
ras do século XX, as ciências sociais interessaram-se, nos últimos 40
anos, por conquistar um espaço difícil: o estudo científico da guerra
segundo critérios aceites pelas ciências naturais.
Nesta primeira parte do nosso livro vamos abordar precisamente
o estudo científico do fenómeno da Guerra, descrevendo o Corre-
lates of War Project, que teve como objectivo a compilação de uma
significativa quantidade de informação reproduzível para permitir o
apoio ao estudo científico do fenómeno, analisando ainda os traba-
lhos posteriores e que deram continuidade àquele projecto, findan-
do com uma pequena análise das tendências de futuro destes estu-
dos quantitativos.

1. O despertar dos estudos quantitativos da Guerra

A vontade de aprofundar de forma mais sistemática e “científica”


os estudos sobre as causas da guerra e da violência, bem como as
condições da paz e as possíveis relações entre eles tem-se tradicio-
nalmente desenvolvido no seio da Peace Research. Integrando-se
com naturalidade nas ciências sociais, estes estudos assumem uma
abordagem claramente multidisciplinar3. No que respeita aos seus

3
Actualmente a Peace Research adopta uma agenda muito mais alargada, interessando-se por todas as
formas de violência e injustiça, a temática do desarmamento nuclear e alternativas ao modelo estraté-
gico da dissuasão nuclear.

-34-
Subsídios para o Estudo da Guerra

primórdios, nos anos de 1960, talvez por reacção contra as correntes


que entendiam as ciências sociais como estudos de pouco rigor cien-
tífico, os investigadores da paz adoptaram uma metodologia marca-
damente positivista, behaviorista e quantitativa (muito em voga na
Teoria das Relações Internacionais da altura) no estudo do conflito e
da violência. Hoje, como adiante veremos, há já sinais prenunciado-
res de uma mudança de atitude no sentido da assimilação de outras
metodologias (Genest, 1996).
Na comunidade da Peace Research a necessidade de apurar as
causas das guerras teve desde sempre uma ligação estreita ao posi-
cionamento normativo dos investigadores: o desejo de, num futuro
próximo, diminuir a frequência do fenómeno é muito significativo.
Assim – e este traço é complementar do primeiro – abandona-
se a via tradicional de especulação sobre o tema da guerra, a que se
seguia normalmente um estudo detalhado de guerras particulares.
De facto, no passado, as teorias sobre as causas não procuravam a
validação empírica, o que não torna totalmente impossível levantar
algumas interrogações quanto ao seu poder explicativo.
De concreto, podemos afirmar que, diferentemente desta visão
clássica, as análises quantitativas, de cariz indutivo, divergem no que
respeita às assunções empíricas e epistémicas. O princípio de que
o sistema global e os grupos sociais que dele fazem parte actuam
segundo padrões regulares e relativamente recorrentes não sofre
contestação entre os investigadores. Mas, acrescente-se, estas regu-
laridades não têm natureza determinística, uma vez que estas leis
traduzem distribuições estatísticas no domínio das probabilidades
(Vasquez, 2000).
É preciso acentuar que o objectivo último destas análises passa
por construir uma teoria geral da guerra, generalizável através da
comparação de um elevado número de guerras a fim de perceber

-35-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

o que têm em comum. É de reconhecer que ainda estamos, no mo-


mento presente, muito longe de uma teoria científica geral da guer-
ra, mas que já se coligiram dados suficientes, podendo extrair-se
algumas conclusões, ainda que provisórias. Este balanço acontecerá
mais à frente na nossa exposição. De momento, interessa tomar con-
tacto com algumas dificuldades metodológicas associadas aos estu-
dos científicos da guerra.
Desde logo, os trabalhos desenvolvidos no âmbito da Peace Re-
search não podiam ignorar dois importantes problemas teóricos que
se colocavam à sua agenda de trabalho: primeiramente, antes mesmo
de se operacionalizar o conceito de guerra, é necessário esclarecer
o que se procura apurar com as “causas da guerra”. Em segundo
lugar, quanto à tipificação da guerra a questão continua ainda hoje
viva entre os estudiosos da violência, mantendo-se os seus contor-
nos permanentemente em aberto.
Relativamente à primeira questão, e acompanhando em absoluto
o raciocínio de Hidemi Suganami (2001), estamos perante três ques-
tões substancialmente diferentes:
1. Por um lado, pode ser nossa intenção elencar as causas que
têm que estar presentes para as guerras ocorrerem;
2. Em alternativa, pode ser útil apurar em que circunstâncias as
guerras ocorrem mais frequentemente;
3. Finalmente, o nosso objectivo pode passar por compreender
como surgiu uma determinada guerra em particular.

O primeiro ponto remete para as condições necessárias da guerra


(genericamente as “causas da guerra”). No segundo caso o estudo
visa as correlações da guerra, as “causas das guerras”. Finalmente,
existe a possibilidade de a análise se centrar exclusivamente numa
guerra particular: neste caso o que essencialmente procuramos é,

-36-
Subsídios para o Estudo da Guerra

de facto, a sequência total de eventos que levam à eclosão dessa


mesma guerra.
As “causas da guerra” e as “causas das guerras” são matérias dis-
tintas mas não matérias independentes. Deste modo, para se apre-
ciarem convenientemente as causas deste fenómeno – entenda-se
as “causas da guerra” – é necessário estudar o maior número pos-
sível de guerras. Eventualmente será de esperar um número relati-
vamente reduzido de causas comuns num elevado número de ocor-
rências. A tradição do estudo científico da guerra conhece muito
bem esta realidade.
Pode dizer-se que os estudos quantitativos da guerra presumem
que as causas das guerras, ou pelo menos no caso das mais impor-
tantes, têm uma associação estatística com a ocorrência da guerra.
Assim, o objectivo não é outro senão a observação de um número
alargado de guerras para identificar as condições associadas à guerra
como fenómeno social geral, procurando definir um padrão.
Outra questão, mais difícil, é estabelecer uma relação de causa
e efeito: o que é certo é que uma mera correlação estatística não é
suficiente para estabelecer essa relação. Muito mais importante que
esta consideração convém realçar que estes estudos sobre a guerra
têm uma dimensão mais profunda, na medida em que valorizam a
descoberta de factores que promovam a paz.
Passando para a segunda questão, a tipificação da guerra (ao qual
dedicaremos a segunda parte deste livro), convirá porventura realçar
as dificuldades, que não são de hoje, em torno do que se entende por
guerra. Na acepção mais tradicional alguns aspectos contribuem para
singularizar determinadas manifestações de violência como guerra,
nomeadamente: o facto de ser um conflito travado entre grupos po-
líticos, especialmente Estados soberanos; em segundo lugar, o re-
correr a forças armadas e, como último elemento, a sua considerável

-37-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

magnitude e considerável período de tempo em que se desenvolve


(Wright, 1965).
Tal como foi enunciada, a caracterização vestefaliana de guerra
(característica concebida como tendo lugar entre Estados) tem actu-
almente duvidosa operacionalidade, senão em todos os lugares pelo
menos em determinadas zonas do mundo e tempos históricos. Mas,
muito longe da importância da sua caracterização ter decrescido, é
candente compreender os problemas a resolver.
Primeiro, há que realçar que a violência global extravasa em mui-
to o fenómeno da guerra na acepção proposta, encontrando-se num
processo de franca difusão no planeta. Por isso, há lugar para re-
equacionar o limiar da guerra – a barreira que a separa de outras
manifestações políticas de violência – uma vez que parecem existir
novas tipificações de guerra que importa considerar e que apontam
para uma dissolução da distinção entre forças armadas/população
civil, guerra/crime internacional/terrorismo e ainda a aparente des-
vinculação estatal e desterritorialização da luta. Não nos restam dú-
vidas de que nos próximos anos este será certamente um dos desa-
fios mais interessantes para a Peace Research.
Embora o estudo da guerra pelo método científico tenha quase 50
anos, temos que procurar as raízes desta tradição científica apontan-
do os precursores: no século XIX é de realçar Jean de Bloch (1899)4 e,
já na primeira metade do século XX, Pitirim Sorokim (1937)5, Lewis
Richardson (1939) e Quincy Wright (1942, actualizado em 1965).
De facto, deve-se a um professor de Direito Internacional, Quincy
Wright, nos EUA, e a Lewis Fry Richardson, um meteorologista e

4
Economista polaco. Faz a história da guerra quantitativa ao longo de vários séculos em 6 volumes.
Podemos consultar ainda Jean de Bloch (1903).
5
As análises de Pitrim Sorokin, sociólogo russo, assumem um carácter muito mais sociológico e
cultural.

-38-
Subsídios para o Estudo da Guerra

pacifista no Reino Unido, o lançamento, sem conhecimento mútuo,


das bases quantitativas para o estudo da guerra. Estávamos em plena
década de 1930.
Wright ficou na história por ter chamado a atenção para o facto
de a guerra ter causas múltiplas. Apontou quatro factores que es-
tarão na sua origem: 1) tecnologia militar; 2)direito, especialmente
em relação à guerra; 3) organização social e política e, 4) os valores
culturais (Dougherty e Pfaltzgraff , 2001; p. 283).
Richardson, por seu lado, preocupava-se com a ausência de rigor
na delimitação e caracterização do universo de análise nos estudos
de caso históricos. Nesse sentido, via toda a necessidade de opera-
cionalizar correctamente conceitos. Em 1960, na sua obra Arms and
Insecurity estudou pela primeira vez a dinâmica da corrida aos arma-
mentos em linguagem matemática, ou seja, recorrendo a um método
empírico. No Statistics of Deadly Quarrels, do mesmo ano, tentou
pela primeira vez identificar as correlações estatísticas da guerra. As
suas descobertas não esclarecem totalmente os padrões da guerra
mas permitiram acreditar que a matemática e estatística podem ser
trazidas para o estudo destes assuntos. Refira-se que quase nenhum
dos seus estudos foi aceite para publicação em vida.
Estes estudos ajudaram a efectuar a transição das análises des-
critivas (Howard, 1976) para o movimento de investigação científica
da paz, marcado pela análise quantitativa da obra de David Singer
(1968) Quantitative International Politics: Insights and Evidence.

2. O Correlates of War Project e os trabalhos posteriores

A Peace Research viria a assumir-se como campo do saber apenas


nos finais dos anos de 1940, início dos de 1950. Foi em França, no

-39-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

ano de 1945, que se criou o primeiro instituto ligado a estas temáti-


cas, o Institut Français de Polemologie. Mais tarde, em 1957, no am-
biente da Universidade de Michigan foi fundado, pela mão de Anatol
Rapoport e Lewis Richardson, o Journal of Conflict Resolution: A
Quarterly for Research Related to War and Peace. Aqui as investi-
gações empenhavam-se muito no objectivo de mudar o mundo. Foi
igualmente na Universidade de Michigan que arrancou o Center for
Research on Conflict Resolution onde se desenvolveu o incontorná-
vel Correlates of War Project (COW), liderado por J. David Singer.
O projecto COW, que arrancou em 1964, tem como objectivo
compilar uma grande quantidade de informação quantitativa, repro-
duzível e que pudesse dar apoio ao conhecimento científico da guer-
ra. Esta linha de pesquisa não foi abandonada, continuando hoje a
recolher um grande número de informações sobre o fenómeno da
guerra. Um dos aspectos mais importantes do estudo tem que ver
com a sua base probabilística, acreditando-se que é possível encon-
trar regularidades no estudo da guerra, que assim ajudam ao con-
fronto empírico das teorizações existentes. Como ideia de partida,
este grupo de especialistas começou a construir uma enorme base de
dados com que pudesse identificar e depois medir as características
das guerras desde o Congresso de Viena (1815), para alguns o início
do moderno sistema de Estados, estendendo-se o estudo até 1965.
O resultado é o livro de David Singer e Melvin Small, de 1972, The
Wages of War. O método é indutivo: primeiro fazem-se observações
empíricas e não assunções abstractas, com o objectivo de tentar en-
contrar padrões – regularidades empíricas . Nesta obra conclui-se
que, nos anos considerados, 60% das guerras entre Estados envol-
veram pelo menos uma grande potência.
Não podemos deixar de notar que esta metodologia constitui, em
larga medida, uma ruptura com autores clássicos como Tucídides,

-40-
Subsídios para o Estudo da Guerra

Maquiavel, Clausewitz ou, mais recentemente, Waltz e outros pen-


sadores realistas que provam as suas teorias fazendo inferências a
partir da análise de casos históricos isolados.
De facto, o projecto COW partilha com os antecessores o carácter
indutivo, mas simboliza um avanço em relação a Wright e Richardson
quanto à operacionalização da guerra: reconhece-se que fenómenos
como conflitos intergrupos, escaramuças de fronteira ou actos ter-
roristas isolados que envolvam muito poucas mortes se situam abai-
xo do limiar de violência que define a guerra. Difere igualmente das
análises anteriores no período de tempo que contempla (1816-1965),
bem como nas variáveis que podem eventualmente correlacionar-se
com o aparecimento de guerras entre Estados.
Um dos aspectos mais estimulantes desta base de dados é o fac-
to de se terem incluído na análise os factores mais valorizados por
décadas de teorização realista. Ao longo do tempo, o realismo tinha
lançado a ideia de que a proximidade geográfica entre Estados, o
papel das alianças e o impacto das capacidades materiais no com-
portamento internacional dos Estados sintetizam no essencial a pro-
blemática da guerra. Como já se realçou noutro lugar, o objectivo é,
pouco a pouco, proceder à identificação dos factores que co-apare-
cem na guerra (Vasquez e Henehan, 1999), sem procurar as causas
que lhe estão na origem.
A base de dados do projecto COW tem sido tão frequentemen-
te utilizada em todo o mundo que vale a pena referir algumas
das definições de que se socorre. Em primeiro lugar, importa não
perder de vista o critério de classificação dos Estados adoptado
neste estudo. Consideram-se Estados os países com uma popu-
lação de pelo menos 500 000 pessoas e que pertençam à Socie-
dade das Nações Unidas ou ainda aqueles que tenham obtido o
reconhecimento diplomático de pelo menos duas grandes potên-

-41-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

cias (antes de 1920 esses países eram a França e o Reino Unido)7.


Segundo, as condições elementares para que ocorram guerras
entre Estados implicam que os conflitos envolvam pelo menos uma
nação membro do sistema internacional de cada lado da contenda,
resultando no total de 1 000 ou mais mortos em combate. Diz-se que
essas mortes têm de ser de militares (Singer e Small, 1972).
Um outro elemento importante completa a visão dos tipos de
guerras: o aparecimento das guerras extra-sistémicas (coloniais e
imperiais)8.
Em articulação com estes bancos de dados existe um outro con-
junto de dados sobre as principais guerras internas, bem como sobre
disputas militarizadas entre Estados soberanos (Militarized Inters-
tate Disputes), que não são considerados guerra (incluindo aqui as
ameaças explícitas de uso da força, mobilização da força e ainda uso
da força em situações que não chegam a ser de guerra)9.
Nos estudos associados ao COW a guerra é tratada segundo a sua
magnitude, duração e severidade. Por magnitude da guerra entende-
se a soma de todas as nações participantes com envolvimento activo
em cada guerra; a duração da guerra traduz-se no espaço temporal
que decorre entre o seu início até ao seu término. Quanto à severi-
dade, entende-se que essa dimensão se traduz no número total de
militares mortos em combate em cada ano (1 000 mortes)10.
A segunda obra que merece referência, War in the Great Power

7
Depois disso são consensualmente consideradas a Áustria, a Hungria, a Rússia, a Alemanha, a URSS,
a França, o Reino Unido, a Itália, o Japão, os EUA e a China.
8
Para os investigadores do projecto as guerras extra-sistémicas são guerras internacionais onde existe
um membro do sistema internacional apenas num dos lados da guerra, resultando em 1 000 ou mais
mortos em combate por ano e por membro participante do sistema (Singer e Small, 1972; 382). Numa
guerra imperial existe um adversário que é uma entidade política independente, mas que não é mem-
bro do sistema de Estados. As guerras coloniais são guerras em que o adversário é colónia, dependência
ou protectorado com povo etnicamente diferente e distante geograficamente ou, pelo menos, periféri-
co do centro do governo do membro do sistema.
9
Pode ver-se Bremer Jones e Singer (1996).
10
Para estudos recentes a partir do projecto COW, ver David Singer e Melvin Small (1982).

-42-
Subsídios para o Estudo da Guerra

System, 1495-1975, foi escrita por Jack Levy em 1983. O autor efec-
tuou vários estudos, em muitos pontos semelhantes ao projecto de
Singer, tendo começado por definir grande poder (com dificulda-
des, dada a multiplicidade de abordagens possíveis) e enumerou as
guerras em que os grandes poderes participaram. Em conformidade
com os critérios definidos, obteve-se uma base minimamente sólida
para reunir dados estatísticos. O estudo reúne dados que abarcam as
guerras que provocam pelo menos 1 000 mortos militares em com-
bate, sendo também só consideradas as guerras que têm implicações
nas áreas metropolitanas, excluindo desta forma os conflitos colo-
niais. Este autor procura elaborar um padrão para um tipo particular
de conflitos essenciais a fim de se compreender o sistema dos gran-
des poderes.
Num esforço de síntese, cremos poder afirmar-se que as princi-
pais conclusões de Jack Levy relativamente ao período compreendi-
do entre 1495 e 1974 convergem nos seguintes pontos: primeiramen-
te identifica, para cada época histórica, pelo menos 4 e no máximo
8 grandes potências. Em segundo lugar detecta a ocorrência de 119
guerras, onde pelo menos uma das grandes potências esteve envol-
vida. De entre elas destacam-se a Guerra dos 30 anos, a Guerra da
Sucessão de Espanha e da Áustria, a Guerra dos 7 anos, as Guerras
da Revolução e do Império11 e as duas Grandes Guerras.
Tendo como índices de medida a magnitude, a severidade e a in-
tensidade desses mesmos conflitos, Jack Levy concluiu que em mais
de metade dos anos registou-se, pelo menos, uma guerra que en-
volvia um dos grandes poderes. Durante estes 5 séculos, a média de
baixas militares só neste tipo de guerras foi de 6 500 mortos por ano
(Levy, 1983).

11
Na época de Napoleão Bonaparte.

-43-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Se a análise for efectuada tendo em consideração apenas o crité-


rio da severidade das guerras há outros ensinamentos a retirar: neste
caso, detecta-se um padrão muito diferente nos conflitos em cada
período histórico. Entre 1700 e 1815, os períodos de paz são raros
e curtos, duram no máximo 5 anos, sendo registados conflitos em
três quartas partes daquele período temporal, marcado pela luta pela
hegemonia global entre a França e a Inglaterra. São 4 os grandes
conflitos que se destacam com baixas superiores a 100 mil (Guerra
dos 7 anos – 992 mil), terminando o período com as guerras napole-
ónicas, as mais intensas até então, provocando 2,5 milhões de baixas
militares em 23 anos.
Jack Levy surge em 1985 com um outro estudo, este de análise
crítica intitulado Theories of General War. Levy efectua uma longa
análise sobre as teorias da guerra hegemónica ou geral de autores
como Arnold Toynbee12, George Modelski e William Thompson13, Im-
manuel Wallerstein14, Christopher Chase-Dunn e Joan Sokolovsky15,
Robert Gilpin16, Charles Doran17, K. Organski18 e Raimo Väyrynen19.

12
Teoria do equilíbrio de poder. A teoria cíclica de Toynbee baseada na estrutura de equilíbrio de poder
foi a primeira grande tentativa de construção de uma teoria de guerra geral. Esta teoria defendia que o
domínio mundial pela potência dominante levava à coligação de outras potências no sistema e a uma
“guerra geral” para manter o equilíbrio de poder. Para Toynbee uma guerra destas acontece aproxima-
damente de século em século.
13
Teoria dos ciclos longos. A origem do sistema político global seria no ano de 1500. O sistema era
caracterizado por ciclos regulares de liderança mundial e de gestão do sistema, emergindo a potência
mundial de uma guerra global. As guerras globais são conflitos que determinam a constituição do sis-
tema político global e são lutas de sucessão pela liderança precipitadas pelo surgimento de desafiadores
que ameaçam ganhar uma posição de proeminência no continente europeu. Começam com casos loca-
lizados e não com contendas directas entre a potência mundial e o desafiador. Expandem-se em guer-
ras globais quando a potência mundial teme que esta expansão continental desafie a ordem global.
14
A guerra mundial e a economia capitalista. A guerra mundial teria base territorial e envolveria (não
continuamente) quase todas as grandes potências militares da época e seria muito destrutiva em ter-
mos de território e população. Ao mesmo tempo, seria uma luta centrada massivamente no território,
altamente destrutiva, intermitente, com duração de 30 anos, e envolvendo todas as grandes potências
militares da época.
15
A partir das teorias de Wallerstein, Chase-Dunn considerava que as guerras mundiais e a ascensão e
queda das potências hegemónicas principais podiam ser entendidas como uma reorganização violenta
das relações de produção à escala mundial. Posteriormente com Sokolovsky alargou o seu conceito e
a guerra mundial passou a incluir compromissos militares que envolviam coligações rivais das forças
estatais, onde pelo menos uma potência principal era membro de cada uma das alianças em oposição.

-44-
Subsídios para o Estudo da Guerra

Para Levy, as diferentes teorizações apresentadas oferecem hipó-


teses divergentes quanto às causas e consequências da guerra geral,
dado que estas teorias, devido à falta de critérios operacionais com-
pletos que são um obstáculo aos testes empíricos, geraram hipóteses
conflituosas e listas de guerra gerais diferentes. Assim, no estudo
em análise, Levy (1985, p. 350-362) procura:
· Resumir as várias teorias da guerra geral e demonstrar as incon-
sistências das listas existentes sobre as guerras gerais e respectivas
definições;
· Propor uma definição alternativa, baseando-se na estrutura eu-

Eram tentativas para dominar o sistema interestadual, e não determinavam necessariamente quais as
potências dominantes no sistema. Estes autores afastaram-se da noção de que existe uma pequena
classe de guerras que são fundamentalmente distintas das outras em termos das suas características ou
das suas consequências para o sistema mundial.
16
Teoria da guerra hegemónica e de mudança. A guerra hegemónica tem um papel fundamental na
evolução do sistema global e sistemas internacionais anteriores, governados por uma potência domi-
nante em virtude da sua força militar e económica. Uma guerra hegemónica seria uma disputa directa
entre a potência dominante ou potências num sistema internacional e o surgimento de um desafiador
ou desafiadores, bem como a participação de todos os principais Estados e da maioria dos pequenos
Estados no sistema. Estava fundamentalmente em jogo a natureza e a governança do sistema, pelo que
as guerras hegemónicas seriam ilimitadas quanto aos meios, fins e consequências políticas, económicas
e ideológicas e expandiam-se para abranger todo o sistema internacional. A distribuição internacional
do poder muda com o declínio do poder hegemónico e o emergir de novos desafiadores. A potência
dominante considera que expandiu os seus compromissos e que os custos da liderança não podem ser
suportados por uma erosão da sua base de recursos. Tenta reduzir os seus compromissos ou expandir a
sua base de recurso. A guerra hegemónica determina quem governará o sistema internacional e quem
será detentor dos interesses. A nova ordem política e económica não é permanente.
17
Ciclo do poder relativo. Doran explica a evolução do sistema internacional e o despoletar de uma
guerra extensiva, em termos de economia interna e da dinâmica política dos estados directores do
sistema.
18
Teoria da transição de poder. A probabilidade de uma guerra geral é maior quando as capacidades
militares de um desafiador insatisfeito começam a aproximar-se das capacidades da potência dominan-
te. O desafiador que emerge iniciará uma guerra para ganhar uma influência comensurada com o seu
novo poder adquirido.
19
Teoria dos ciclos económicos, transição de poder e guerra. O emergir de uma grande guerra pode ser
explicado pela interacção entre longas “ondas” de desenvolvimento económico, transições de poder
económico entre os grandes poderes, gestão da política internacional por alianças e pressões políticas
internas. Considera estas variáveis como função das forças económicas e tecnológicas internas. Postula
um ciclo de hegemonia que implica: ascensão, vitória, maturidade e declínio. A hegemonia definida em
termos de predomínio económico (sobretudo produção) e liderança política global. Em vez de ciclos
longos de liderança política global, vê ciclos mais curtos de hegemonia económica em simultâneo com
a rivalidade. A crise provocada pela longa onda de desenvolvimento económico não leva inevitavel-
mente à rivalidade hegemónica e à guerra, porque as pressões geradas pelos ciclos económicos apenas
são condições necessárias para a guerra, mas não suficientes.

-45-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

rocêntrica e nas proposições realistas tradicionais, com uma marca-


da primazia para as questões relacionadas com a segurança militar;
· Sugerir critérios operacionais para a identificação das guerras
gerais durante o período de cinco séculos do sistema e comparar re-
sultados da sua lista com as outras estruturas;
· Demonstrar que a maior parte das definições de guerra geral
são, latu sensu, em termos das suas consequências sistémicas e que
as hipóteses-chave das causas e consequências da guerra geral não
deixam de ser meras tautologias.

Na sua análise, Levy chega à conclusão que as teorias de Toynbee,


Wallerstein, Modeslki e Thompson, Doran e Gilpin apresentam
diversos pontos em comum e inúmeros pontos divergentes. O seu
estudo mostra que as listas sobre as guerras não são consistentes
com as respectivas definições, logo falíveis quando testadas empi-
ricamente; um dos problemas comuns tem que ver com a definição
do seu conceito central. Muitas das proposições apresentadas por
aqueles autores têm que ser testadas para serem aceites como expli-
cações válidas sobre o comportamento no sistema global. Dado que
os testes comparativos de diferentes teorias são possíveis apenas em
relação àquelas questões para as quais as diferentes teorias sugerem
diferentes respostas, há que dar mais atenção à identificação de áre-
as específicas em que estas teorias coincidam e entrem em conflito.
Embora Levy admita identificar algumas áreas, diz que serão ne-
cessários mais trabalhos teóricos para gerar proposições adicionais,
verificáveis e conflituantes de cada uma destas estruturas. Nas suas
conclusões realça ainda a importância da construção de uma teoria
associada à teoria do equilíbrio de poder, uma vez que esta teoria
não existe.
Uma vez que o equilíbrio de poder e as hipóteses de Realpolitik

-46-
Subsídios para o Estudo da Guerra

relacionadas têm dominado a literatura sobre o conflito internacio-


nal, poderão oferecer uma alternativa plausível às teorias existentes
sobre a guerra hegemónica. Para Levy, as hipóteses sobre a guerra
geral deviam ser construídas de forma a facilitar o seu teste crítico
face a proposições conflituantes das outras estruturas, o que contri-
buiria para a resolução do debate acerca da guerra hegemónica e da
estrutura e processos do sistema mundial através de análises empíri-
cas e argumentos teóricos.
No final do estudo em análise, Levy adianta uma teoria explicati-
va. Para ele, na era moderna, a maioria dos actores de todas as gran-
des potências foram Estados territoriais e devido à predominância
dos interesses de segurança, ao facto de a primeira ameaça à segu-
rança vir de outras grandes potências, e dado que antes do século
XX praticamente todas as potências eram europeias, o sistema das
grandes potências foi eurocêntrico e não de orientação global.
A determinação dos Estados mais poderosos no sistema, segundo
este autor, tem de se basear em dados relativos às capacidades mi-
litares; na ausência desses dados é necessário fazer juízos com base
nos argumentos da literatura histórica e em dados credíveis sobre a
dimensão dos contingentes militares.
O requisito da participação activa da maior parte dos grandes po-
deres nas guerras levanta uma questão: qual o limite mínimo que
deve ser usado? Pelo menos metade das potências sente uma ame-
aça significativa e luta pelo seu bloqueio. Levy adianta, assim, uma
fórmula sobre o número mínimo de poderes beligerantes, devendo
ser considerado um mais metade dos poderes restantes, ou seja, 1 +
(n - 1) / 2 = (n + 1) / 2, representando n o número de potências con-
sideradas no sistema. O requisito de conflito “substancial” também
deve ser igualmente quantificado, sendo considerado que as mortes
em batalha são a melhor medição da severidade da guerra. Uma vez

-47-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

que o número e o impacto na sociedade são funções da população e


do tamanho do contingente, uma medição das mortes em batalha em
relação à população é usada e definida como a medida de intensi-
dade da guerra. O limite mínimo considerado no estudo de Levy foi
de 1000 mortes em batalha por cada milhão de habitantes europeus
(Levy, 1985; p. 369-370).
Por fim, Levy adianta uma operacionalização de guerra geral
como uma guerra em que uma vitória decisiva de pelo menos um
dos lados gera a possibilidade de liderança ou domínio de um único
Estado sobre o sistema, ou pelo menos, a capacidade para derrubar
uma hegemonia já existente. Esta definição exige que uma guerra
geral inclua a potência dominante no sistema, mais a maior parte das
outras potências, mais um conflito substancial. Com este critério,
Levy identificou 10 guerras gerais ao longo dos últimos cinco sécu-
los (Levy, 1985; p. 371).
É preciso revisitar a década de 1990 do século passado para res-
saltar os progressos dos estudos científicos da guerra. Em 1992,
John Vasquez e Marie Hanehan publicam a obra The Scientific
Study of Peace and War, onde sugerem metodologias para uma
análise quantitativa e sistémica da guerra, a partir de exemplos his-
tóricos, utilizando uma observação controlada, a recolha de factos
e sempre uma conclusão cuidadosa. A obra apresenta também um
precioso anexo em que ensina a aplicação do método científico ao
estudo da guerra.
Mais tarde, Daniel Geller e David Singer (1998) apresentaram um
detalhado estudo intitulado Nations at War: A Scientific Study of In-
ternational Conflict. Neste estudo, os autores procuram uma expli-
cação para a guerra no sistema internacional, analisando os conflitos
internacionais num horizonte temporal muito alargado – partem do
século XV e acabam o estudo no século XX. Em conformidade com

-48-
Subsídios para o Estudo da Guerra

o plano de trabalho desenhado, foram identificados vários factores


que podem eventualmente estabelecer a relação estatística com a
ocorrência da guerra, de destacar: o factor geográfico, a distribuição
das capacidades militares, o impacto das alianças e a associação entre
o carácter ofensivo e destrutivo destes conflitos. A obra, que inclui
casos de estudo, debruça-se sobre a Primeira Guerra Mundial e a
Guerra Irão/Iraque de 1980, procurando ilustrar como as guerras se
iniciam e por vezes alastram abrangendo outros Estados.
O objectivo que presidiu a esta obra foi o de gerar uma série de
leis e probabilidades desenhadas a partir de regularidades empíricas
consistentes, centradas em cinco níveis de análise: 1) o Estado; 2)
pares de Estados3 que entram em conflito; 3) as regiões, 4) o sistema
internacionalww, 5) os modelos de decisão (racional e irracional).
Assim, na análise dos Estados averiguam-se eventuais ligações
da guerra ao sistema político desses países, a pressão populacional,
a cultura nacional ou o número de fronteiras. No estudo dos pares
de Estados observam-se as continuidades geográficas, os diferen-
ciais de capacidades, os padrões comerciais, as dinâmicas de corrida
aos armamentos e os regimes políticos dos Estados. É forçoso levar
em linha de conta que os conflitos envolvendo 2 países representam
aproximadamente 72% de todas as disputas militarizadas entre 1816
e 1976. Este resultado impõe um tratamento muito cuidado dos pa-
íses que alimentam rivalidades já muito antigas e interiorizadas nas
técnicas que se vêm desenvolvendo na resolução de conflitos (Geller
e Singer, 1998; p. 22). Quanto ao sistema internacional, avançou-se
bastante em relação à ideia de que todos os Estados se comportam
de forma similar quando confrontados com a mesma situação ex-

20
A segunda imagem de Kenneth Waltz. Ver Kenneth Waltz (1954).
21
A terceira imagem de Kenneth Waltz.

-49-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

terna. Há no presente um razoável consenso sobre a capacidade do


sistema internacional socializar os Estados para a guerra, na linha
do realismo, mas igualmente para a lógica das normas: deste modo,
parece reconhecer-se utilidade ao estudo da polaridade, das alian-
ças mas também das Organizações Internacionais (OI) e normas de
comportamento não violentas que por vezes guiam as acções exter-
nas dos Estados.
Impõe-se fazer agora uma referência a uma obra coordenada por
John Vasquez, What Do We Know About War?, datada de 2000,
uma vez que passa em revista as causas da guerra e as condições para
a paz. A partir da análise de 35 anos de história desde que David
Singer fundou o projecto COW, o livro procura mostrar que o de-
bate nesta área do saber não é inteiramente consensual; ainda assim
apresenta ideias que devem ser retidas.
Aproveitando as suas conclusões, bem como outros aspectos que
consideramos igualmente pertinentes, é razoável apontar algumas
tendências, todas bastantes recentes, no estudo científico da guerra.
Como já se fez alusão, dispomos na actualidade de investigação
sistemática que cobre largos períodos da história da humanidade.
Singer, por exemplo, recolheu dados a partir do Congresso de Viena
de 181522. Outras análises recuam um pouco mais; há notícia de que
a paz de Vestefália, ou mesmo o ano de 1495 (Levy, 1983), foram as
balizas históricas escolhidas no âmbito de outras investigações. As
próprias guerras na China antiga foram objecto de tratamento esta-
tístico (Cioffi-Revilla, 1995).
Por outro lado, é razoável admitir que os estudos quantitativos da
guerra, que até ao presente conseguiram apresentar poucos resul-

Inicialmente o estudo terminava em 1945. Nova data foi depois estabelecida, 1965, e ainda mais tarde,
22

optou-se por 1980.

-50-
Subsídios para o Estudo da Guerra

tados conclusivos e claros, uma vez que não são totalmente consis-
tentes uns com os outros nem apontam sempre na mesma direcção
teórica, servem, sobretudo, para a criação de modelos de análise que
com alguma precisão científica ajudam a compreender o fenómeno
que se apresenta como a manifestação da violência em cada época
histórica – que também é determinada pela organização social e res-
pectiva base técnica. Como Jack Levy23, acreditamos que nos últimos
anos os trabalhos académicos se tornaram mais sistemáticos e rigo-
rosos na análise dos dados; uma mudança facilitada pelo acréscimo
de informação que passou a contemplar outros actores além dos Es-
tados, reconhecendo-se a necessidade de se modificar a concepção
convencional de guerra.
Tal como sabemos, nas actuais circunstâncias, o critério, muito
utilizado neste tipo de investigações de apenas considerar guerras
que envolvem pelo menos 1 000 militares mortos em combate em
cada ano, é de duvidosa utilidade uma vez que muitas guerras irre-
gulares não atingem estes valores e podem existir, inclusive, parâme-
tros mais interessantes para coligir os dados. Neste contexto, importa
dizer que a forma de guerra mais difundida, dentro das novas tipo-
logias que têm surgido, são provavelmente as Guerras de Terceiro
Tipo que, como sustenta Kalevi Holsti, predominam no sistema in-
ternacional desde 1945, e que são guerras fundamentalmente acerca
das pessoas, de cariz subversivo, em que houve uma desvinculação
do estatal. Caracterizaremos estas guerras adiante neste livro.
Em 2003 Singer, Wayman e Sarkees surgem com um texto in-
titulado Inter-State, Intra-State, and Extra-State Wars: a com-
prehensive look at their distribution over time, 1816-1997, onde

23
Este interessante estudo de Jack S. Levy entitulado Reflections on the Scientific Study of War pode
ser consultado em Vasquez (2000).

-51-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

nos apresentam novos dados que procuram actualizar o COW.


Os estudos até aqui efectuados têm-se centrado sobre um tipo
específico de guerra e muitas das conclusões extraídas não podem
ser generalizadas, dado que é substancialmente diferente estar a
estudar uma guerra que envolva as grandes potências ou estudar
conflitos internos. Partindo desta noção e da necessidade de evolu-
ção do projecto COW, em 1994 reconsiderou-se a classificação do
projecto original, procurando expandir a base de dados de forma a
incluir novas tipologias de conflitos armados, aproveitando-se ain-
da para clarificar as regras de codificação que tinham criado alguma
ambiguidade na classificação das tipologias (Singer, Wayman e Sa-
rkees, 2003).
Assim, a principal alteração introduzida foi a passagem da clas-
sificação de extra-sistémica para extra-Estado e, de civil para intra-
Estado. As primeiras são as guerras que envolvem um Estado com
uma entidade não soberana e além fronteiras do Estado. As segundas
são as que ocorrem entre dois ou mais grupos dentro do território
de um Estado reconhecido internacionalmente, incluindo assim as
guerras civis (o Estado contra outro actor) e as guerras inter-comu-
nais, ou seja, aquelas que envolvem dois ou mais grupos, não sendo
nenhum deles o Estado. Esta alteração de terminologia e critério não
foi semântica, outro sim implicou a reclassificação de um número
de guerras extra-sistémicas em guerras civis. A nova classificação
implicou ainda uma nova subdivisão das guerra-civis em duas va-
riantes: guerra para o controlo do governo central e guerra relativa
a assuntos locais, incluindo a secessão, ganhando aqui uma autono-
mia regional (Singer, Wayman e Sarkees, 2003; p. 59-60).
Esta significativa alteração introduzida no COW permitiu um
acréscimo de novas guerras em cada categoria, sendo que no período
de 1816 a 1997 passaram a haver 401 guerras, das quais 79 inter-Es-

-52-
Subsídios para o Estudo da Guerra

tados, 108 extra-Estados e 214 guerras civis, ou seja, uma média de


22 guerras de todos os tipos, por década. O Projecto passou também
a considerar as mortes totais, tendo assim sido registadas 53 milhões
de mortes em combate entre 1816 e 1997. Deste número, 32 milhões
representam as mortes de militares em combate em guerras inter-
Estados, sendo nas guerras civis registadas 18 milhões de mortes
em combate e em guerras extra-Estado foram registadas 2.709.924
mortes em combate (Singer, Wayman e Sarkees, 2003; p. 64 - 67).
Em 2004 Kristian Gleditsch, do Departamento de Ciência Po-
lítica da Universidade da Califórnia, apresenta o artigo A Revised
list of wars between and within Independent States, 1816-2002,
onde mostra as implicações surgidas na interpretação dos dados,
após ser efectuada uma revisão ao COW. A revisão incide sobre os
critérios que servem para definir quem é ou não membro do siste-
ma internacional, e na lista dos Estados independentes desde 1816.
Este autor sugere ainda uma actualização do COW com novos dados
compilados pelo Departamento de Peace Research da Universidade
de Upsala.
A base de dados de Upsala contém todos os incidentes em con-
flitos armados que envolvem mais de 25 mortes por ano, no período
de 1946 a 2002, considerando que um conflito armado é uma guerra
quando se verificarem 1000 mortes em combate por cada ano. Os
conflitos que não atingirem aquele número por ano, mas que na to-
talidade do conflito atinjam aquele valor, são considerados conflitos
armados intermédios; são considerados conflitos menores aqueles
com 1000 mortes ao longo de todo conflito, mas no qual tenham
ocorrido mais de 25 mortes por ano (Gleditsch, 2004; p. 238).
Seja como for, e independentemente das questões associadas às
novas tipologias da guerra, a Peace Research, pode dizer-se, tem
conseguido identificar algumas regularidades empíricas. Assim, se

-53-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

quisermos sintetizar os principais padrões empíricos já identificados


e que reúnem de forma mais ou menos consensual as opiniões dos
analistas, diríamos que:
1. Em conformidade com a conceptualização tradicional de guer-
ra, que opõe Estados, podemos concluir que a sua ocorrência tem
vindo a declinar acentuadamente nas últimas décadas. Holsti (1996;
p. 23) apresenta-nos mesmo dados estatísticos detalhados e as suas
tabelas indicam-nos que ocorreram uma média de 0,005 conflitos
entre Estados de 1945 a 1995, em contraste com 0.019 guerras por
Estado e anualmente nos Estados europeus durante o século XVIII.
Para o século XIX Holsti indica-nos 0.014 e, 0,036 no período entre
1919 e 1939. De salientar que no seu estudo não se registou nenhuma
guerra entre as grandes potências após 1945. Geller e Singer (1998,
p. 1) realçaram que 150 Estados nunca se envolveram em guerras
desde o período napoleónico e que apenas 49 se envolveram em 1
ou 2 guerras. Mais, das 2034 disputas militarizadas registadas desde
1815, só 102 escalaram para uma situação de guerra (Vasquez, 2000,
p. 361);
2. Parece entender-se como útil estudar a hipótese de os Esta-
dos terem posturas diferenciadas em relação à luta pelo poder. Nesse
sentido é necessário perceber porque é que as guerras só acontecem
em determinados estádios das relações entre os Estados e em certos
períodos históricos;
3. Importa também realçar que alguns tipos de alianças surgem
estatisticamente associadas à guerra, embora seja provavelmente
abusivo afirmar que são a sua causa. É igualmente importante real-
çar que as alianças difundem a guerra entre os seus membros, uma
vez que envolvem na guerra Estados não directamente implicados
na questão;
4. Quanto a um assunto conexo com este, a balança de poderes,

-54-
Subsídios para o Estudo da Guerra

é muito mais difícil apresentar as provas empíricas. Ainda assim,


parece poder dizer-se que a paridade de poder entre dois Estados
se encontra geralmente associada à guerra nos séculos XVI, XVII,
XVIII e XX. A excepção é sem dúvida o século XIX (Singer, Bremer
e Stuckey, 1972)24. Nesse sentido, poderá sustentar-se que o meca-
nismo da balança de poderes não cria condições para a paz, como
gostam de observar as correntes realistas, pelo menos, diríamos nós,
nos tipos de guerras que ocorreram nesses séculos.
5. Acrescente-se que as alterações na distribuição de poder, a ca-
minho de uma situação de paridade (os pontos de transição na teoria
dos ciclos longos de Modelski, na situação de declínio hegemónico
de Gilpin e na transição de poder de Organski) aumentam a probabi-
lidade de guerra entre esses Estados. Ao mesmo tempo, as situações
de preponderância de poder aparecem associadas a uma menor pro-
babilidade de eclosão da guerra;
6. Um elemento importante a reter diz respeito aos estudos so-
bre a distribuição de capacidades no sistema internacional (unipolar,
bipolar e multipolar) que, até ao momento, se encontram numa fase
bastante inconclusiva, existindo várias posições sobre o assunto;
7. De acordo com os estudos disponíveis, é hoje possível dizer
que a presença de armamentos pode ajudar a que uma disputa séria
escale para uma situação de guerra, mas não podemos estar de acor-
do com a ideia de que levam necessariamente à escalada;
8. Já quanto à hipótese da proximidade territorial, parecem exis-
tir provas suficientes de que a guerra é mais provável quando existe
uma contiguidade territorial entre os Estados. Para finalizar, con-
vém realçar que tudo aponta para que as disputas territoriais (que
não incluem na sua contabilidade a questão dos territórios estraté-

24
Este estudo pode ser complementado com outros na mesma monografia de B. Russet (1972).

-55-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

gicos) tenham maior possibilidade de resultar em guerras do que


outros assuntos (Vasquez, 2000)25 que tradicionalmente dividem
os Estados. Curiosamente, a problemática do território só há pouco
tempo começou a receber a atenção devida nestes estudos.

Em conformidade com os dados apresentados, somos forçados a


concluir que os resultados são, por enquanto, bastante reduzi-
dos. Ainda assim representam décadas de esforço que merece ser
continuado.

3. Tendências de futuro

A última das questões que desejamos abordar nesta pequena aná-


lise diz respeito às tendências recentes nos estudos quantitativos
da guerra.
Provavelmente é importante dizer, em primeiro lugar, que ocor-
reu um relativo abandono da preocupação com o estudo dos grandes
poderes, paralelamente a um acréscimo de interesse pelas explica-
ções ao nível da interacção entre dois Estados26, a que corresponde
um menor ênfase no nível da análise sistémica, acompanhando de
forma natural a crescente complexificação das teorias do conflito in-
ternacional. Inegável é, sem dúvida, o interesse que nos últimos 20
anos as variáveis societais tem suscitado. No fundo, um regresso, em

25
John A. Vasquez editou o seu esclarecedor texto Reexaming the Steps to War: New Evidence and
Theorethical Insights, na monografia de Manus I. Midlarsky (2000).
26
O interesse dos pares de Estados prende-se com as investigações relacionadas com a paridade de po-
der ou com a preponderância de poder, muitas vezes localizadas no nível sistémico (balança de poderes
e teorias de transição de poder), quando a questão é essencialmente um fenómeno de pares de Estados.
Por outro lado, existem cada vez mais mecanismos de negociação internacional, o que poderá levar a
que a guerra seja apenas um assunto relevante na análise de pares de Estados. Acresce que as principais
descobertas da pesquisa empírica sistémica se situam pouco no nível sistémico e mais frequentemente
no nível dos pares de Estados.

-56-
Subsídios para o Estudo da Guerra

nosso entender, ao francês Gaston Bouthoul, que na década de 30 do


século XX divulgou o termo polemologia, ou seja, o estudo sistemá-
tico da guerra como fenómeno social27.
Recentemente, formou-se um razoável consenso no sentido de
se acrescentar aos estudos de correlação entre variáveis modelos te-
óricos de explicação da guerra.
Nesta fase da investigação científica sobre a guerra tem-se pro-
curado demonstrar, através de metodologias qualitativas e quantita-
tivas, que a guerra é um processo complexo, tendo provavelmente
causas múltiplas que se relacionam e condicionam mutuamente de
forma dinâmica. Neste âmbito, as discussões em torno do nível (de
análise) mais adequado para proceder aos estudos deixou de fazer
sentido: as teorias são interactivas e multiníveis. O resultado destas
sinergias tem sido a elaboração de pesquisas sobre a guerra com re-
curso a multimétodos, associando, por exemplo, estudos de caso com
análises estatísticas.
Tem igualmente vingado a ideia de que os condicionalismos in-
ternos não devem ser excluídos das relações a estudar. É a teoria da
paz democrática28 que melhor mostra a importância destes factores
relacionados com os aspectos internos dos países, um exemplo claro
de teoria madura, na perspectiva de Midlarsky.29 De acordo com esta
teoria, a ausência de governos democráticos aumenta a possibilidade
de guerra entre pares de Estados. Mais nebulosa é a questão de se sa-

27
O vocábulo foi pela primeira vez utilizado por Gaston Bouthoul, em França, no ano de 1936, num
livro denominado 100 Milhões de Mortos. Bouthoul liga as causas da guerra essencialmente ao aumen-
to demográfico, resultante da revolução científica e industrial. A sua obra mais conhecida é Traité de
Polemologie: Sociologies des Guerres.
28
A teoria da paz democrática tem vindo a defender a existência de uma “lei” essencial na política
internacional. Estudos empíricos validaram a ideia de que as democracias não fazem a guerra entre si,
explicando-se assim a receptividade que esta corrente de investigação tem recebido nos meios acadé-
micos da especialidade. A este propósito ver Michael Brown et. al. (1998).
29
A teoria da transição de poder é a outra apontada por Midlarsky na sua obra Mature Theories, Second
- Order Properties, and Other Matters. In Vaquez (2000).

-57-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

ber se as democracias têm a mesma propensão para entrar em guerra


contra Estados não democráticos que os Estados não democráticos
entre si. Com o objectivo de esclarecer este aspecto, as investigações
prosseguem.

Síntese conclusiva

Pode concluir-se que o estudo do fenómeno da guerra através de


aproximações quantitativas continua a ser profusamente utilizado,
nomeadamente para facilitar a construção de cenários. Recentemen-
te, a constatação das tendências negativas associadas à eclosão de
guerras civis, frequentemente internacionalizadas, exigiu a constru-
ção de novas bases de dados que incluem grupos comunais e outros
actores não-territoriais, a par das listagens tradicionais de Estados.
Pode dizer-se que nem todas as vertentes referidas nesta re-
f lexão se traduziram necessariamente em resultados concretos,
mas o interesse é realçar como é que praticamente todos eles esti-
veram presentes nos debates que animaram as investigações nos
últimos anos.
Por tudo o que mencionámos até aqui, fica claro que o exame da
guerra é um exercício fundamental para as sociedades contemporâ-
neas. Em especial, parece-nos que as novas realidades estratégicas
não devem ser nem esquecidas nem desprezadas pelos investigado-
res, constituindo um importante desafio intelectual para o futuro
deste ramo do saber. Constatamos, com agrado que parecem existir
boas condições para a adaptação progressiva da Peace Research às
novas tipologias da guerra. Na mesma linha de raciocínio, pensamos
que o acompanhamento deste tipo de estudos em Portugal é cada vez
mais necessário, tanto no meio militar como no meio académico.

-58-
Segunda Parte
Tipologias de Guerra30
Nesta parte do nosso livro identificamos alguns conceitos para o ter-
mo “Guerra” e propomos o nosso próprio conceito; depois descre-
vemos os espectros da Guerra e das Operações Militares adoptado
nas escolas militares portuguesas, caracterizando as diferentes tipo-
logias que aí são identificadas.
Feita aquela descrição, reflectimos sobre a utilidade do uso da for-
ça, para posteriormente identificarmos outros conceitos e tipologias
de guerra não abrangidas naqueles espectros e que com frequência
encontramos na bibliografia de referência sobre esta temática.

1. O espectro da Guerra

Carl von Clausewitz na sua obra Vom Krieg, editada por sua mulher
no século XIX, esclareceu que a guerra não é apenas um camaleão,
que se modifica em cada caso concreto, “ mas é também uma surpre-
endente trindade, em que se encontra primeiro que tudo, a violência
original do seu elemento, o ódio e a animosidade, que é preciso con-

30
Uma versão preliminar deste tema, agora revisto e ampliado, foi analisado para uma Conferência no
Instituto da Defesa Nacional a 29 de Setembro de 2003, subordinada ao tema “Tipologias de Guerra”.
O estudo foi posteriormente publicado na Revista Militar de Novembro de 2003, p. 1103-1136.

-61-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

siderar como um cego impulso natural, depois, o jogo das probabi-


lidades e do acaso, que fazem dela uma livre actividade da alma, e,
finalmente, a sua natureza subordinada de instrumento da política
por via da qual ela pertence à razão pura. O primeiro destes aspectos
interessa particularmente ao povo, o segundo, ao comandante e ao
seu exército, e o terceiro releva sobretudo do governo” (Clausewitz,
1976; p. 89).
Na definição mais clássica de Clausewitz, a guerra “não é somen-
te um acto político, mas um verdadeiro instrumento político, uma
continuação das relações políticas, uma realização destas por outros
meios”, acrescentando este autor que, “é apenas uma parte das rela-
ções políticas, e por conseguinte de modo algum qualquer coisa de
independente”, e destina-se a “forçar o adversário a submeter-se à
nossa vontade” (1976; p. 73).
Um dos percursores do estudo da guerra pelo método científico,
Quincy Wright, no seu A Study of War, editado em 1945, entendia a
guerra como “A state of Law and a form of conflict involving a high
degree of legal equality, of hostility, and of violence in the relations
of organized human groups, or, more simply, the legal condition
which equally permits two or more hostile groups to carry on a con-
flict by armed force (…)”, (Wright, 1965; p. 7).
No continente europeu o fundador da Polemologia, o francês
Gaston Bouthol, entende a guerra como “la lutte armée et sanglan-
te entre mouvements organisés”, (Bouthol, 1991; p. 35), e no COW
original ela era-nos apresentada como “sustained combat between/
among military contingents involving substancial casualties (mini-
mum of 1000 battle deaths) ”.
Em Portugal, um dos autores que no século XX mais se notabi-
lizou pelo estudo da Guerra e da Estratégia foi Abel Cabral Couto.
Este estrategista definiu a guerra como a “ violência organizada en-

-62-
Tipologias de Guerra

tre grupos políticos, em que o recurso à luta armada constitui, pelo


menos, uma possibilidade potencial, visando um determinado fim
político, dirigida contra as fontes de poder do adversário e desen-
rolando-se segundo um jogo contínuo de probabilidades e azares ”
(Couto, 1988; p. 148).
Contudo, podemos encontrar situações em que seja utilizada a
violência organizada e não se considere uma guerra em si, como ain-
da referiremos neste livro quando analisarmos o espectro das ope-
rações militares. Quando a força é usada para infringir dor ou para
persuadir um adversário a abandonar ou a abrandar um determi-
nado comportamento, podemos então falar de operações militares
de não-guerra ou, na feliz expressão de Thomas Scheling (1966) de
diplomacia coerciva ou da violência.
Apesar dos inúmeros critérios possíveis para tipificar, caracte-
rizar, estudar, ou mesmo descrever o fenómeno da guerra, neste li-
vro considerámos a necessidade de ter um conceito suficientemente
abrangente mas ao mesmo tempo operacional que permita integrar
a violência armada entre os diversos actores. Assim, na mesma linha
de Clausewitz, atrevemo-nos a propor um conceito de guerra, mes-
mo que imperfeito e restrito. Assim, entendemos a guerra como a
violência armada e sangrenta, entre grupos organizados, que cria e
se desenvolve num ambiente hostil, inerentemente incerto, evolu-
tivo, tendo como finalidade mais evidente o acesso ao, ou a manu-
tenção do, poder.
São inúmeros os critérios para se atribuírem tipologias à guerra.
Gaston Bouthol (1991; p. 445-461) adopta uma tipologia política e
classifica as guerras como internacionais – oposição entre dois gru-
pos soberanos, ou civis – pertença a um mesmo Estado no momento
em que se inicia o conflito.
Um outro critério deste autor é psicopolítico, fundamentado na

-63-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

intenção psicológica atribuída aos protagonistas, em que as guerras


são classificadas como ofensivas, defensivas, preventivas, de nervos
e paz armada. Este autor adopta ainda um terceiro critério relacio-
nado com o processo de desenvolvimento das mesmas e de mentali-
dades: primitiva, de cortesia, nacional e imperial.
No tradicional espectro da guerra (Couto, 1988 e RC 130), estas
podem ser classificadas entre unidades políticas ou no interior das
mesmas, ou seja, internacionais ou internas, e depois com inúmeras
formas de guerra31.
Nas guerras internacionais, as formas de guerra variam em fun-
ção do grau de intensidade de emprego da violência. Estas formas
possuem características políticas, psicológicas e técnicas específi-
cas, e o espectro subdivide-se em guerra fria e guerra quente. De-
vemos no entanto estar cientes que a linha de fronteira entre uma
tipologia e outra é muito ténue, sendo frequente surgirem combi-
nações entre elas.
A expressão Guerra Fria foi divulgada pelo jornalista Walter Li-
ppmann, mas terá sido utilizada pela primeira vez pelo conselheiro
económico do presidente Roosevelt, Bernard Baruch. Inclui a gama
de acções em que são utilizadas todas as formas de coacção (política,
económica e psicológica), sendo que a coacção militar está presente
apenas como potencial.
Na guerra quente considera-se a guerra clássica ou convencional,
e a guerra nuclear. A primeira inclui o emprego de meios militares e,
por vezes, com ameaças do emprego de meios nucleares; a segunda
envolve o emprego efectivo de armas nucleares de natureza táctica
(limitada) ou sem restrições (ilimitada), recorrendo aqui as unidades

O principal critério para distinguir formas de guerra será, de acordo com Kalevi Holsti: 1. O propósito
31

da guerra; 2. O papel dos civis durante a guerra; 3. As instituições da guerra (Holsti, 1998).

-64-
Tipologias de Guerra

políticas ao emprego da força sem limites. Assim, há também um cri-


tério que permite considerar as guerras limitadas ou não limitadas;
limitadas sobretudo quanto à utilização dos meios, aos objectivos e
ao espaço geográfico.
Quanto às guerras internas, são consideradas: a guerra subversi-
va, a revolta militar, o golpe de estado e a revolução, e a guerra civil.
A guerra subversiva32 surge nos manuais militares como a “ luta
conduzida no interior de um território, por parte da população, aju-
dada e reforçada ou não do exterior, contra a autoridade de direito
ou de facto, com o fim de, pelo menos, paralisar a sua acção ” (EME,
1966a)33. É prolongada, metódica e com o objectivo de conquistar o
poder, sendo considerada a mais hábil e sofisticada forma de confli-
to (Collins, 2002).
Existe uma confusão frequente entre o conceito de subversão e
o de guerra subversiva. A subversão, que pode ser entendida como
uma técnica de assalto ou de corrosão dos poderes formais, para
cercear a capacidade de reacção, diminuir e/ou desgastar, e pôr em
causa o poder em exercício, mas nem sempre visando a tomada do
mesmo (Garcia, 2000 a, p. 78)34, nem sempre conduz à guerra sub-
versiva, mas antecede-a e/ou acompanha-a, e em regra trava-se no
plano militar sob a forma de guerrilhas. No fundo, e de uma forma
abreviada, a guerra subversiva corresponde à subversão em armas.
A revolta militar é levantamento militar, em que a totalidade ou
uma fracção importante das forças militares procura derrubar pela
força o poder estabelecido.

32
O tema da guerra subversiva será abordado mais detalhadamente num capítulo específico deste livro.
33
Abel Cabral Couto (1989) define guerra subversiva como: “a prossecução da política de um grupo
político por todos os meios, no interior de um dado território, com a adesão e participação activa de
parte da população desse território”.
34
O sublinhado é nosso. Podemos consultar Monteiro (1993), Lara (1987), Aron (1988) e Muchielli
(1976).

-65-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

O golpe de Estado surge como uma acção clandestina de um


grupo restrito (elite) contra o poder estabelecido e em que aquele
grupo, actuando com rapidez (o planeamento pode ser demorado),
e aniquilando ou neutralizando determinadas personalidades “de
chefia”, consegue a tomada técnica do poder.
A revolução emerge de um levantamento popular súbito, breve,
aparentemente sem controlo e, por norma, não planeado.
As guerras civis não são um fenómeno recente, e algumas delas
foram extremamente severas para as suas populações, que é quem
sofre o maior número de baixas. A rebelião Tai Ping na China (1859-
1864) provocou algo como 30 milhões de baixas. Porém, a visibili-
dade destas guerras é mais notória a partir de 1945. Nos anos 80 do
século XX iniciaram-se 28 guerras civis, a que podemos adicionar
mais 6 que transitaram da década anterior; e nos anos 90 do mesmo
século, 40 unidades políticas viram-se envolvidas neste tipo de con-
flito. A disputa pelo acesso ou manutenção do poder esteve sempre
patente (Pearson, e Rochester, 1997; p. 302).
Nestas guerras, parte da população de uma determinada unidade
política entra em luta contra o governo estabelecido dessa mesma
unidade. Uma das partes procura o reconhecimento do estatuto de
beligerante com todos os privilégios de soberania associados, como
enviar uma delegação para negociações e pedir protecção ao abrigo
de convenções internacionais.
Apesar de internas, há no entanto uma tendência crescente para
a internacionalização destas guerras: 18% entre 1919/1939, 27% entre
1946/1965, 36% entre 1966/1977 (Pearson, e Rochester, 1997; p. 303).
Esta foi a norma durante o período da Guerra Fria, tendo ficado para
os anais da história os killing fields do Kampuchea e Angola. Esta últi-
ma guerra, que só findou com uma solução militar e já no século XXI,
é um excelente exemplo da internacionalização das guerras civis.

-66-
Tipologias de Guerra

As guerras civis podem assumir um cariz etnopolítico ou de se-


cessão. As de cariz etnopolítico proliferaram na década de noventa
do século passado, período em que 19 das 34 maiores guerras civis
visaram a secessão.
É previsível a conjugação de guerras civis e de terrorismo utili-
zando armas ultramodernas (inclusive NBQ), que venham a incre-
mentar o número de baixas.

Espectro da Guerra – (Couto, 1988; p. 152)

Podemos, no entanto, considerar outra sistematização efectuada


nas escolas militares nacionais e que é designado por espectro das
operações militares.35 Aqui só se considera guerra quando o objecti-

35
A análise do espectro das operações militares encontra-se sistematizada em diversas publicações
militares. Em Portugal salientamos o Regulamento de Campanha e Operações, editado pelo Exército
e datado de 2005.

-67-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

vo da operação militar for o de combater e vencer um determinado


adversário. Todas as outras operações militares em que pode haver
combate e até baixas, mas onde o objectivo não seja o de combater e
vencer, são consideradas operações de não-guerra. Nestas operações
o objectivo é diverso, como o combate ao tráfico de droga, a eva-
cuação de não-combatentes, a ajuda humanitária, a estabilização de
uma situação, entre outras.

Espectro das Operações Militares


(Regulamento de Campanhas e Operações)

Nesta fase do nosso livro, descritos que estão os espectros da guer-


ra e das operações militares, pensamos que se impõe uma reflexão
sobre o uso da força. A força é empregue através do instrumento
militar, mas será este instrumento obsoleto ou ainda útil?

-68-
Tipologias de Guerra

2. O uso da Força

Carl Kaysen (1998) analisa num interessante estudo a problemáti-


ca da obsolescência da guerra. Este autor considera que o longo pe-
ríodo de paz armada da Guerra Fria, onde imperava a estratégia da
dissuasão nuclear e a destruição mútua assegurada, esteve sempre
presente, a guerra deixara de ser um recurso útil para os políticos,
questionando-se se a guerra ainda pagava os cálculos económicos e
políticos. Este texto de Kaysen procurava responder a uma situação
diversa da actual36, tendo desde então as estruturas de poder ao nível
mundial sofrido profundas transformações; porém, o autor acres-
centa no seu texto um postscript, em que confirma que as mudanças
entretanto sofridas com a queda do Muro de Berlim surgiram sem
guerra, pelo que a sua tese estaria correcta, esquecendo-se que logo
no imediato, os Balcãs entraram em convulsão. Em contraposição a
Kaysen, Edward Luttwak, no seu artigo Give War a Chance (1999)37,
vem realçar a utilidade da força e argumenta mesmo que a guerra
pode resolver conflitos políticos e conduzir à paz.
Mas quais as condições e quais os critérios para o emprego da for-
ça? Os comandantes militares necessitam de estar cientes deles nas
diversas situações com que se deparam nas operações militares que
conduzem. O general francês Loup Francart (2002; p. 172) considera
que as Forças Armadas só podem ser empregues num quadro triplo,
sem o qual a força pode estar a exercer violência sem a legitimidade

36
O modelo é datado, mas mesmo assim apresenta à partida diversas fraquezas, desde logo porque na
Ordem dos pactos militares, a coacção militar esteve sempre presente, sendo a confrontação entre as
grandes potências por locução interposta, na luta pelas periferias de desempate geopolítico.
37
Edward Luttwak, num artigo publicado em 1999 na Foreign Affairs, considera que a guerra “ can
resolve political conflicts and lead to peace. This can happen when all belligerents become exhausted
or when one wins decisively. Either way the key is that the fighting must continue until a resolution is
reached. War brings peace only after passing a culminating phase of violence” (Luttwak, 1999).

-69-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

política necessária. Esse quadro para Loup Francart é o seguinte:


· Legal, atribuído pelo Direito Internacional e nacional próprio;
· Institucional, que fornece a legitimidade. Se a força não estiver
num contexto de defesa dos interesses vitais, deve estar dotada de
regras de empenhamento (emprego da força, comportamento e uso
de armas);
· Ético, apoiado no respeito pelos direitos humanos fundamentais.
Para Loup Francart (2002; p. 177-178), actualmente as Forças Ar-
madas ao nível estratégico, operacional e táctico, podem ser empre-
gues em dois grandes campos:
· Físico e material;
· Psicológico e imaterial.

Neste emprego podemos considerar quatro formas de actuação: psi-


cológica sobre os actores e espectadores dos conflitos, apoio, con-
tenção e combate.
Esta actuação das Forças Armadas deve procurar conter o con-
flito em diversas dimensões-chave: espaço, massas, armamentos,
urgência, informação e forças; ao mesmo tempo que podem ser cha-
madas a desempenhar missões pós-conflito e participar no restabe-
lecimento da vida pública e privada.
Ruperth Smith (2006), General inglês, também nos apresenta a
sua interessante visão sobre a utilidade da força, desde as guerras da
Revolução e de Império à actualidade. Para ele, as Forças Armadas
quando enviadas para acção numa qualquer confrontação política
ou conflito são um instrumento útil e apenas podem desempenhar
funções que visem melhorar uma situação, conter uma situação, co-
agir ou destruir. Estas funções podem ser desempenhadas também a
qualquer nível da actividade militar, e as diferentes funções podem
também elas ser desempenhadas nos diferentes níveis, ou seja, ao

-70-
Tipologias de Guerra

nível táctico a força pode estar a coagir, mas estrategicamente estar a


melhorar uma determinada situação.
Na linha clausewitziana, consideramos que a força que se ma-
nifesta através da coacção militar, é mais um dos instrumentos ao
dispor da política, para que ela utilize em proveito do interesse que
definir, em princípio o interesse nacional. Assim, consideramos que
a força nos aparece como um instrumento útil que pode ser empre-
gue em diversas situações, servindo para38:
· Melhorar uma situação, como ajuda humanitária, enquanto o
caos continua;
· Conter a situação através, por exemplo, do estabelecimento de
um “cordão sanitário”, sanções, controlo de fronteiras, isolamento;
· Compelir comportamentos ou deter uma ou as partes em litígio;
· Desorganizar estruturas, como a neutralização de fontes de fi-
nanciamento, de fluxos de material, de liberdade de circulação e a
negação de santuários;
· Destruir ou impor uma situação.

3. Outras tipologias de Guerra

Para a análise das novas tipologias de guerra é útil reler o livro de Al-
vin e Heidi Toffler, Guerra e anti-guerra, de 1994. Nessa obra anun-
ciaram a divisão tripartida do mundo e das guerras em vagas: A vaga
das “guerras agrárias”, típica do período das revoluções agrárias; a
vaga das “guerras industriais”, produto da revolução industrial, e por
fim a vaga da “guerra da informação”, resultante da revolução da in-

38
Sobre este assunto podemos detalhar em Loup Francart (2002; p. 179-181) e Ruphert Smith (2006;
p. 320-321).

-71-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

formação e do conhecimento. Esta última está reservada aos EUA e


seus eventuais aliados.
Mais recentemente Robert Cooper (ex-conselheiro de Tony Blair
e actual Director-Geral dos Assuntos Externos e Político-Militar, do
Conselho da União Europeia), no seu livro The Breaking of nations.
Order and chaos in the twenty-first century (2004), descreve-nos
a segurança e as guerras no mundo pré-moderno, moderno e pós-
moderno, e explica-nos como a conflitualidade se processa ou den-
tro ou entre estas sociedades com desenvolvimentos diferenciados.
Também Bill Lind e Gary Wilson (1989) tipificam as guerras em ge-
rações, da primeira à quarta, sendo a primeira assente no poder da
massa humana, a segunda no poder de fogo, a terceira na manobra e
a quarta geração, a guerra do povo iniciada com Mao.
Com o marco simbólico da queda do Muro de Berlim, a comu-
nidade internacional, habituada a um equilíbrio de terror, é forçada
a reconhecer a importância de outros actores do sistema interna-
cional, o que em nosso entender também leva a que actualmente os
conflitos já não possam ser apenas analisados em função do papel
exclusivo do Estado e da relação de forças entre as superpotências
na cena internacional. Foi necessário criar uma nova leitura das si-
tuações, o que não implica que tenhamos forçosamente de substituir
as tipologias; as “velhas” devem de facto servir de ponto de partida.
Nos novos conflitos, o actor Estado está mais autónomo, bem como
os actores infra-estatais o estão em relação ao Estado.
A perda do monopólio do emprego da violência legítima por
parte do Estado já não é uma novidade histórica, isto apesar de a
historiografia recente nos ter habituado ao contrário. A admissão
deste facto não é fácil dado que as nossas referências são colocadas
em causa. Através do fundamental estudo da História Militar veri-
ficamos que por exemplo no século XIX, havia actores não-estatais

-72-
Tipologias de Guerra

(partidos, combatentes irregulares, nações reivindicadoras de espa-


ços de identidade) que utilizaram a violência na cena internacional;
porém, as teorias clássicas não os consideravam como actores mas
sim como elementos com práticas desviantes, perturbadores da or-
dem estabelecida através das suas “espécies de guerra”, na classifi-
cação de Jomini39.
No pós-Segunda Guerra Mundial, essas guerras menores começa-
ram a ser frequentes, ficando o confronto entre Estados para segun-
do plano. Os conceitos ressurgidos das guerras de libertação, guer-
ras revolucionárias, guerras de pessoas, etc., tornaram muito ténue
a fronteira entre o interno e internacional, havendo um amplo leque
de tonalidades de transição e, em muitos casos, nem sequer é possível
dizer se estamos perante uma guerra interna ou internacional.
Nas sociedades da terceira vaga ou pós-modernas, podemos con-
siderar que o espectro tradicional da guerra evoluiu, não quanto às
tipologias propriamente ditas, nem quanto às formas de guerra ne-
las inseridas, mas sobretudo na terminologia aplicada, que por vezes
apenas atribui ao mesmo objecto em análise uma “designação nova”,
uma vez que também estamos intoxicados por um pensamento pa-
dronizado do agrado dos meios de comunicação social e das elites
políticas.
Neste livro, apesar da diversidade de tipologias possíveis de
enunciar, atrevemo-nos a considerar apenas mais algumas que por
vezes nos surgem referidas na diversa bibliografia especializada ou
nos meios de comunicação social.
De uma maneira muito genérica, é comum classificar as guerras
como regulares ou convencionais e irregulares ou não convencio-

39
O General Jomini classificava as guerras como de conveniência, com ou sem aliados, de intervenção,
de invasão, de opinião, nacionais, civis e de religião e as guerras duplas. Jomini (1830 e 1938).

-73-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

nais. Como guerras regulares consideramos os conflitos que obede-


cem ao modelo clausewitziano. Nesse sentido, nas guerras irregu-
lares ou não convencionais participam outros e novos actores para
além dos definidos por Clausewitz e não envolvem Forças Armadas
num campo de batalha, nem recorrem a operações tradicionais no
mar e no ar (Russet et. al. 2000).
Guerra revolucionária – sendo certo que incorpora os conteúdos
conceptuais da guerra subversiva, caracteriza-se por ser conduzida
nos pressupostos do marxismo-leninismo e pretender, em última
análise, a implantação do comunismo, utilizando uma amplitude de
meios e processos que vão da guerra convencional à guerra subver-
siva, ou simples aspectos de Guerra Fria. Ou ainda, o mero esquema
de agitação/propaganda (Pinheiro, 1963). Guerra revolucionária sig-
nifica igualmente a transformação da luta em revolução, já que uma
vez destruída a sociedade velha, através de um sistema de educação
revolucionária, emergirá um “Homem novo”.
Guerra insurreccional – confunde-se com o conceito de guerra
interna, sendo “ uma luta armada, de carácter político, levada a efei-
to num dado país, contra o poder político constituído ” (EME, 1966
a). De acordo com esta definição, diferencia-se da guerra subversiva
por não ser conduzida obrigatoriamente pela população civil.
Parece-nos oportuno esclarecer que estes conceitos se inserem
num mais lato já referido, o de subversão, razão pela qual doravante
neste estudo, referiremos indistintamente, guerra subversiva/guer-
ra revolucionária/guerra insurreccional, dado que todas elas se de-
senvolvem em ambiente subversivo e empregam técnicas comuns
para obter o controlo político do Estado ou simplesmente para des-
gaste do poder instituído. Neste sentido, e porque as guerras sub-
versivas combinam as diversas formas de violência (da militar, à das
vontades, passando pela pressão económica e pela diplomacia), são

-74-
Tipologias de Guerra

uma guerra política na expressão de Paul Smith (1989), ou, na linha


clausewitziana (1976), também elas continuam a política por outros
meios, uma vez que através de uma estratégia total, pretendem, em
última análise, a implantação de um novo sistema político ou, no
mínimo, o desgaste do vigente, pela prática de um desenvolvimento
lento, de guerra prolongada e de esgotamento da ordem constituída.
Isto significa que recorrem a outros meios, para além dos políticos,
para alcançarem os objectivos políticos pretendidos.
Guerrilha – Guerrilha, etimologicamente, significa pequena
guerra. Considera-se que César já enfrentara a luta de guerrilhas
nas Gálias e na Grã-Bretanha. A divulgação do termo ocorre a partir
da luta dos guerrilheiros espanhóis e portugueses contra os exérci-
tos invasores de Napoleão I. Quanto a Portugal, ficaram conhecidas
as “guerrilhas” do Remexido do Algarve, dos marçais de Foz Côa40,
e no último quartel do século XX, durante a guerra colonial, as For-
ças Armadas portuguesas enfrentaram movimentos independentis-
tas que utilizavam sobretudo a guerrilha como técnica, adaptada às
possibilidades psicológicas, geográficas e políticas e a uma relação
de forças (Delmas, 1975). A guerrilha na realização de operações mi-
litares emprega determinado tipo de meios e processos com um ca-
rácter restrito.
As circunstâncias e os meios são determinantes para o coeficien-
te de agressividade destas guerras.
Terrorismo – Este tema será abordado mais detalhadamente em
parte específica deste livro, porém aqui ficam registadas algumas
ref lexões.
Entre 1936 e a actualidade encontramos mais de uma centena de
definições de terrorismo. Normalmente as definições encontradas

40
Veja-se, sobre o tema Loureiro dos Santos (1985).

-75-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

remetem o terrorismo para o quadro da marginalidade violenta, em


consonância com as matrizes éticas do Estado tradicional e com a
legitimidade do seu aparelho político, administrativo, de segurança
e defesa.
Esta entidade protoplásmica começou a ocupar lugar de desta-
que na actividade política, sensivelmente a partir do início dos anos
de 1970. Foi no entanto após o 11 de Setembro, nos EUA, que a noção
de terrorismo foi alterada qualitativamente e este assumiu posturas
radicais, adquirindo também uma categoria transnacional.
John Andrade (1999), na obra Acção Directa. Dicionário de Ter-
rorismo e Activismo Político, apresenta uma categorização dos ter-
rorismos como:
a) Movimento sem verdadeira retaguarda de massa, casos haven-
do em que os actores/militantes praticamente se representam ape-
nas a si;
b) Movimentos com variável densidade política e sociológica, re-
cebendo eventualmente apoios de Estados;
c) Práticas de Estados sobre as próprias populações;
d) Práticas secretas de Estados no plano internacional, com uso
de meios humanos próprios sob cobertura, recurso a grupos terro-
ristas manipulados, ou emprego de “diplomacias coercitivas”, tanto
sobre outros Estados, como sobre pessoas colectivas e individuais.

Guerras étnicas ou identitárias – Este conceito complexo é frequen-


temente apontado como estando na origem de guerras. Esgotada a
noção de uma identidade colectiva, emergem alteridades entre co-
munidades com as sequentes afirmações identitárias, e que por ve-
zes podem ser o detonador de guerras de secessão.
Lembramos que o que por vezes parece étnico pode apenas ser o
reflexo de movimentos sociais mais profundos relacionados com o

-76-
Tipologias de Guerra

território, poder, ou controlo político ou de recursos naturais, (Zaire/


Uganda/Ruanda/Burundi). A linha de fractura pode ter sido étnica,
onde as pessoas mostram o seu descontentamento por uma unidade
política que não foi capaz, ou não quis satisfazer as suas expectativas,
e em que confiavam para defesa dos seus interesses (Pearson, e Ro-
chester, 1997; p. 4-12).
Este tema é desenvolvido de uma forma distinta por Michael Bro-
wn (1996; p. 3 - 25). O autor apresenta quatro grandes factores que
conduzem a este tipo de conflito:
· Estruturais (Estado fraco, problemas de segurança, geografia
étnica);
· Políticos (discriminação político-institucional, política das éli-
tes, políticas inter-grupo, ideologia nacional exclusiva);
· Socioeconómicos (problemas económicos, sistema discrimina-
tório, desenvolvimento económico e modernização);
· Culturais (problemas históricos, discriminação de padrões
culturais).

No seu estudo, Michael Brown dá grande relevo ao papel desempe-


nhado pelas élites domésticas e pelos Estados vizinhos, considerando
que o factor étnico é quase sempre instrumental.
Guerras de secessão – Quando um grupo pretende deixar de es-
tar vinculado a uma determinada unidade política e pretende criar
a sua própria unidade política. Os motivos podem ser étnico-cultu-
rais, económicos, identitários, etc.. As motivações podem ser alter-
nativas ou cumulativas. Em princípio nada têm a ver com as guerras
da independência anticolonial, mas de comum têm a afirmação de
uma identidade. São inúmeros os exemplos, Americana, Chechénia,
ex-Jugoslávia, etc..
Guerra ilimitada – Esta terminologia é preconizada pelos Coro-

-77-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

néis chineses Qiao Liang e Wang Xiangsui (2000). Os autores aler-


tam para a alteração significativa que a função da guerra sofreu, pas-
sando a ter um papel secundário face a questões mais complexas e
relevantes como a política, a economia, a cultura, que vem demons-
trar as limitações dos meios militares. Para eles, as Forças Armadas já
não servem para submeter o inimigo (In) à “nossa vontade”, mas sim
para obrigar o inimigo a aceitar os “nossos interesses”, utilizando
para isso todos os meios, letais e não letais.
Estes autores chineses propõem tácticas para os países em de-
senvolvimento, nomeadamente a China, para num conflito de alta
tecnologia compensar a sua inferioridade militar face aos Estados
Unidos. Os autores advogam o uso de uma multiplicidade de meios,
militares, mas sobretudo não-militares, tais como a actuação com
hackers nos websites, tendo como alvos as instituições financeiras,
o terrorismo, a utilização dos meios de comunicação social e guerra
urbana. Para Qiao Liang e Wang Xiangsui, tudo o que pode trazer
benefícios para a humanidade, também lhe pode infringir danos,
afirmando que actualmente não há nada que não possa constituir-se
como arma, e a primeira e única regra desta Unrestricted Warfare é
que não há regras, tudo é permitido.
Guerra entre civilizações – No ano de 1993, Samuel P. Hunting-
ton publicou um artigo na Foreign Affairs, “The Clash of Civiliza-
tions”, posteriormente em 1996 desenvolvido no livro “The clash
of civilizations and the remaking of World order”, onde define oito
tipos de civilizações: ocidental, japonesa, latino-americana, confu-
cionista, islâmica, hindu, eslava ortodoxa e africana.
Para Huntington, o pós-Guerra Fria é caracterizado pelo ressur-
gimento de fenómenos de identidade e religiosos, frustrados pelo
quadro de pensamento herdado do período da confrontação Leste-
Oeste. As relações internacionais e a corrosão ideológica tendem,

-78-
Tipologias de Guerra

nessa perspectiva, a ser substituídas pelas alianças definidas pela


Cultura e na Civilização e as guerras já não seriam entre Estados ou
alianças, mas entre civilizações. A política global, alterada pela mo-
dernidade, reformula-se segundo eixos culturais, sendo o eixo cen-
tral a oposição entre o Ocidente e o resto o mundo.
A contestação a esta teoria vem sobretudo da escola francesa, que
a considera demasiado determinista, de onde se destaca a posição
de Pascal Boniface, para quem as guerras não são entre civilizações,
mas sim dentro destas (Boniface, 2003; p. 23-27). Daí também o facto
de, por um lado, os governos muçulmanos se cindirem na Guerra
do Golfo, e, por outro lado, a opinião pública dos respectivos países
exprimir desde o princípio a sua oposição ao Ocidente interventor.
Guerra económica – Esta terminologia também não é nova; Clau-
sewitz já considerava que a guerra constituía um conflito de grandes
interesses, solucionada através do sangue e por isso seria melhor
compará-la, “mais do que a qualquer arte ao comércio, que tam-
bém é um conflito de interesses e de actividades humanas” (1976;
p. 164).
As guerras sempre tiveram uma dimensão económica, quer nas
suas origens, quer nas consequências, sendo que a guerra económi-
ca é desenvolvida pelos Estados, organizações de Estados, ou em-
presas, para conquistar mercados, ou seja, com fins essencialmente
económicos, mas pode também ser apenas um instrumento para al-
cançar um objectivo político e militar.
Hoje já não são os blocos ideológicos e políticos que se enfren-
tam no mundo, mas sim os Estados ou os blocos geoeconómicos,
concorrentes ou mesmo rivais (Valle, 2001); podemos até consi-
derar esta guerra como uma das principais formas de conf litua-
lidade moderna.
Num mundo em que o combate se trava na esfera económica, os

-79-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Estados ou empresas precisam de desenvolver os seus sistemas de


intelligence, já não só voltados para a segurança, mas, e sobretudo,
para a economia, para os mercados e para a competitividade, falamos
da Competitive e da Business Intelligence.
Guerra pelos recursos – As guerras pelo acesso a recursos
naturais no pós-Guerra Fria não são eventos isolados, antes pelo
contrário, fazem parte de um quadro global, o sistema geopolíti-
co. Actualmente, estamos perante o emergir de uma nova geogra-
fia dos conf litos, onde a competição pelo acesso a recursos vitais,
escassos se está a transformar no princípio governativo, e onde a
disposição para o emprego da força armada se resguarda (Klare,
2001), pois a desigual distribuição de alguns dos recursos naturais
de que a humanidade depende conduz sempre a conf litos violen-
tos (Westing, 1986).
Guerra psicológica – Este tipo de guerra serve-se da arma psi-
cológica, ou seja, utiliza um conjunto de processos ou meios que
se destinam a influenciar as crenças, os sentimentos e as opiniões
da população, das autoridades e das Forças Armadas, de forma a
condicionar e manipular, dessa forma, o seu comportamento. A sua
utilização será, logicamente, complementar a qualquer outro tipo
de guerra.
Guerra de informação – Entendemos por guerra de informação
as acções ofensivas que visam obter a superioridade da informação,
em apoio à política nacional e à estratégia militar, que afectem a in-
formação do adversário, nos domínios civil e militar, e as actividades
relacionadas com a sua obtenção, tratamento e difusão, a par da pro-
tecção e aumento das potencialidades das nossas actividades corres-
pondentes naquele domínio.
Viegas Nunes (1999), na Academia Militar, define-a como “tudo o
que se possa efectuar para preservar os nossos sistemas de informa-

-80-
Tipologias de Guerra

ção, da exploração, corrupção ou destruição enquanto simultanea-


mente se explora, corrompe ou destrói os sistemas de informação ad-
versários, conseguindo obter a necessária vantagem de informação”.
As guerras de informação são as guerras típicas das sociedades
pós-modernas, sendo que no espaço de batalha actual o mais impor-
tante é o domínio do acesso e utilização oportuna da informação.
A network centric capability/warfare – Esta é uma teoria emer-
gente de guerra (Alberts, 1999). O termo network centric capabili-
ty é redutor, devendo antes ser considerada, segundo Beja Eugénio
(2002; p. 3-1), a designação de Operações Centradas em Rede. Estas
operações referem-se ao conjunto das operações militares levadas a
cabo por uma força armada interligada de acordo com as caracterís-
ticas da Era da Informação. Está muito ligada ao Comando e Con-
trolo e às tecnologias de informação e comunicação e é constituída
por sensores (obter a informação), network (reunir, comunicar e
explorar a informação), interceptores (fazer sentir os efeitos mili-
tares da Força). A questão fulcral é a capacidade para obter, reunir
e integrar, disseminar de forma precisa, informação relevante em
tempo real, que permita a compreensão da realidade do TO a to-
dos os comandantes, aos vários níveis e possibilite a opção quanto a
operações decisivas. A NCW deve permitir maior precisão no con-
trolo das operações, maior precisão na aplicação da Força (Targeting
e actuação “NRT”), acelerar o Ciclo de Planeamento e Processo de
Decisão; conhecer a situação operacional e aumentar a Segurança e
Protecção da Força empenhada.
Estas guerras implicam um domínio ou mesmo uma supremacia
das comunicações e, na maior parte dos casos, do espaço exterior,
como a quarta dimensão da guerra.
Guerra das representações – Alexandre Del Valle, geopo-
lítico francês, apresenta-nos este novo conceito de guerra das

-81-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

representações, cujo propósito é “forjar interpretações subjec-


tivas, por vezes falaciosas, dos acontecimentos, tem como ob-
jectivo legitimar tal ou tal campo, tal ou tal causa, produzindo
nos públicos alvo, em função da sua receptividade e referências
culturais, os efeitos emocionais e psicológicos previstos” (Valle,
2001; p. 219).
A guerra das representações é, no fundo, uma nova tipologia para
a tradicional guerra psicológica, a que acrescenta modernos meios
tecnológicos de apoio.
Guerra do espaço – O espaço extra-atmosférico já não é apenas
a quarta dimensão do campo de batalha e hoje começa-se mesmo a
falar de nova dimensão geopolítica: a do espaço. Aqui pretendemos
ir mais além da utilização da mesma e considerar a possibilidade de
colocação de sistemas de intervenção globais baseados em novos ti-
pos de energia (Telo, 2002; p. 233). No presente, e cada vez mais,
consideramos que se assistirá a uma corrida para a militarização (Bo-
niface, 2003; p. 122) do espaço, visando que, pelo menos do ponto
de vista de uma intervenção militar, o tempo passe a contar-se em
segundos ou minutos, pois seria independente da colocação prévia
de forças no terreno.
Ciberguerra – Parte integrante da guerra electrónica que envolve
a utilização de todas as “ferramentas” disponíveis, ao nível da elec-
trónica e da informática, para derrubar os sistemas electrónicos e as
comunicações do “inimigo/adversário” e manter os nossos próprios
sistemas operacionais (Nunes, 1999; 1726).
Guerra preventiva – Consiste no assumir da iniciativa e atacar
primeiro que o inimigo identificado, beneficiando do factor surpresa
e aproveitando uma oportunidade que lhe confira um qualquer tipo
de superioridade. Um bom exemplo de uma guerra preventiva foi o
desencadear da I Guerra Mundial por parte da Alemanha; o plano

-82-
Tipologias de Guerra

Schliffen teve de ser accionado em 1914, uma vez que em 1916 seria
tarde demais. Em vez de uma frente de batalha, os alemães teriam de
enfrentar duas frentes, uma com a França e a outra com a Rússia.
Esta terminologia está agora em voga, pois a Administração nor-
te-americana tem-na utilizado como justificativo da sua luta contra
o terrorismo transnacional.
Guerra preemptiva – Guerra em que se ataca o inimigo mas ape-
nas depois de aquele ter mostrado as suas intenções de uma forma
explícita; trata-se de atacar antes de o inimigo o fazer, mas apenas
após a revelação da ameaça.
Guerra religiosa – Guerras desta ordem podem surgir quer en-
tre sociedades de tendências promotoras do laicismo e outras de um
confessionalismo, quer no respectivo interior das mesmas. Esta si-
tuação será exponenciada se existirem interesses concorrentes tanto
internos como projectáveis no exterior. A Turquia em si, e face à Ará-
bia Saudita e ao Irão, é um bom exemplo.
Segundo Amaro Monteiro, podem também eclodir guerras “entre
culturas e grupos culturais portadores de comportamentos rígidos,
com características ou práticas susceptíveis de influenciar massas
consideráveis, como acontece com o hinduísmo militante, o judaís-
mo ultra-ortodoxo, o evangelismo fundamentalista, a seita da “Ver-
dade Suprema” e outras organizações de vocação similar (controlo
da sociedade por uma elite) ”; ou ainda entre o Ocidente cristão e o
Islão que, mesmo se não assumido na Sharia como expressão cul-
tural/transcendente de Estado, transporta nos conteúdos jurídicos
de moderna estruturação formal e nos sedimentos do subconsciente
colectivo um apelo da Comunidade Eleita que requer aquela Refe-
rência indeclinável. Tese/antítese óptima como álibi de agressões ”
(1999/2000; p. 18).
Guerras de terceiro tipo – Kalevi Holsti (1996), tipifica as guerras

-83-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

em institucionais, totais e, no seguimento de Edward Rice (1988), surge


como defensor das guerras de terceiro tipo, que predominam no sistema
internacional desde 1945, e que são guerras fundamentalmente acerca
das pessoas. São guerras essencialmente dentro dos próprios Estados
e não entre eles; o próprio Holsti as identifica também com as guerras
de libertação nacional conduzidas pelos movimentos independentistas
(1996; p. 189).
Guerras novas – Mary Kaldor na sua obra New and Old Wars
– Organized Violence in a Global Era, de 2001, avança com este
conceito de guerras novas. A autora considera um novo tipo de
violência organizada, pós-queda do Muro de Berlim e que pode
ser descrita como uma mistura de guerra, crime organizado e vio-
lação massiva dos Direitos Humanos, e apresenta-nos como me-
lhor caso de estudo a guerra na ex-Jugoslávia.
As guerras novas, e num futuro não muito distante, devido a
uma crescente dificuldade de recrutamento, terão uma componente
de forças privadas muito significativa, e os combatentes estatais ou
não-estatais, possuirão uma organização menos hierarquizada, com
um comando e controlo mais descentralizado, com diversos centros
de gravidade; serão os combatentes pós-modernos.
Guerras Híbridas – Para Frank Hoffmam (Hoffman; 2009) as
guerras híbridas são caracterizadas por uma convergência de frentes
em hora e local. O seu desenvolvimento é físico e informacional, en-
volve actores estatais e não estatais, combatentes e não-combaten-
tes. As forças que empregam este tipo de guerra são eminentemente
adaptáveis ao adversário e são capazes de nele encontrar as brechas
necessárias para poder penetrar, podendo os combatentes empregar
capacidades de alta tecnologia e em simultâneo de baixa ou mesmo
nula tecnologia. Nestas guerras a violência estatal pode surgir em
simultâneo com a de um grupo fanático actuando irregularmente.

-84-
Tipologias de Guerra

São diferentes das Guerras Compostas, uma vez que estas contêm
em si uma significativa componente de acções regulares e irregula-
res, mas cuja luta tem apenas uma frente, havendo um significativo
grau de coordenação estratégica entre as diferentes forças (regulares
e irregulares). Segundo Hoffman, as guerras compostas possuem
uma sinergia a nível estratégico, mas não a complexidade, a fusão
e simultaneidade a nível operacional e táctico que caracterizam as
guerras híbridas, onde uma ou ambas as partes acabam por fundir a
ampla gama de tipologias do espectro da guerra.
Guerra e crime organizado – Para Steven Metz, a combinação
entre a guerra e o crime organizado constituem uma guerra de
zona cinzenta que vê no momento a sua importância estratégica
acrescida. As guerras de zona cinzenta envolvem um inimigo ou
uma rede de inimigos, que possui importância política significativa
(2000; p. 56-57).
A guerra de zona cinzenta também pode ser considerada como
uma guerra latente ou indefinida e pode ser estratégica, quando
dinamizada por uma organização ou rede de organizações, tendo
os seus objectivos e lucros muito bem definidos, recorrendo à vio-
lência de forma incisiva e temporizada; pode ser considerada não-
-estratégica (Carriço, 2002; p. 622), se concretizada entre grupos
armados, bandenkriege (guerra de bandos), entre guerrilhas sem
ideologia, no reino dos senhores da guerra e sobretudo num am-
biente de impunidade.
Guerra limpa – Face à esmagadora superioridade tecnológica
tende-se para que não haja baixas, ou se houver que sejam pou-
co significativas. Os Centros de Gravidade não são apenas físicos
e entram já no domínio cognitivo. No fundo uma actualização do
preconizado por Sun Tzu, “subjugar o inimigo sem o combater”
(1974; p. 165), de forma a criar um novo ambiente político com per-

-85-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

das controladas, mesmo para o In, evitando reacções negativas da


opinião pública.
Guerra assimétrica – Para Rupert Smith (2006; p. 4) classificar
uma guerra como assimétrica é um eufemismo, pois a arte na prática
da guerra está em conseguir uma assimetria em relação ao inimigo.
Este velho conceito, a nosso ver, reaparece agora associado à su-
perioridade tecnológica dos meios militares ocidentais. Contudo,
é precipitado concluir que a relação assimétrica tem como origem
unicamente a diferença tecnológica. Ela pode até ser diminuta ou
nem existir. A assimetria pode também ser temporária ou estrutu-
ral. Nesse sentido, a assimetria emerge também da diferenciação na
organização, na liderança mas sobretudo na conceptualização das
operações.
A guerra assimétrica, como ficou dito, explora sobretudo o fac-
tor surpresa, recusa as regras de combate impostas pelo adversário,
utiliza meios imprevistos e actua em locais onde a confrontação não
devia ser provável (Boniface, 2002; p. 137).
Particularmente interessante é o conceito de guerra dissimétrica
desenvolvido nos meios militares norte-americanos. Esta é enten-
dida como a procura de uma superioridade qualitativa/quantitativa
por um dos combatentes (Boniface, 2003; p. 137). A superioridade
induz qualquer adversário a refugiar-se em respostas assimétricas,
socorrendo-se de métodos tradicionais, por vezes rudimentares (na
Somália, os tambores), à mistura com meios de alta tecnologia dis-
poníveis no mercado civil (GPS, telefones por satélite, e-mail). É
uma guerra de desgaste e que pode expressar a sua violência através
de guerrilha, de terrorismo, do crime organizado – depende muito
da imaginação e da força de vontade do adversário.
Guerra urbana – As áreas urbanas e as populações que nelas se
inserem constituem o centro de gravidade onde os militares têm que

-86-
Tipologias de Guerra

cumprir as missões que a política externa dos seus países lhes atribui.
A guerra em áreas urbanizadas será o cenário assimétrico mais
provável e problemático, no presente e num futuro previsível. Estas
áreas podem caracterizar-se pela existência de um número elevado
de refugiados, deslocados internamente, altos índices de desempre-
go, de uma economia paralela, falta de apoio médico, diversidade
cultural, étnica, política e religiosa, onde a proximidade em que gru-
pos sociais distintos vivem uns dos outros promove um ambiente de
elevada tensão (Diliegge, 1998).
A guerra em áreas urbanizadas conduz a um empenhamento
operacional de cariz subversivo, associados a uma alta, média e baixa
intensidade. Nas operações nestes teatros, onde a actividade de in-
telligence é primordial, vamos assistir a um incremento de utilização
de meios tecnológicos, de robótica, de armamento não letal e a uma
diferente organização para o combate das forças militares e milita-
rizadas. A obra de Ralph Peters (1998), Our Soldiers their cities, é
esclarecedora sobre esta temática.
São inúmeros os exemplos retirados da operação Restore Hope
na Somália, das operações da KFOR no Kosovo e, mais recentemen-
te, da operação Enduring Freedoom no Afeganistão, ou as actuais
operações de estabilização no Iraque. O terrorismo também se pode
inserir nesta tipologia.
Guerra informal – Um dos actores é uma entidade não estatal
como uma milícia étnica ou um exército rebelde (Metz, 2000; p.
48). Será a sucessora dos conf litos de baixa intensidade, caracteri-
zada por um combate próximo, estando os combatentes misturados
com a população. Os seus objectivos, fluidos, podem visar, entre
outros, a secessão, a tomada do poder, o acesso e posterior controlo
de recursos. Nestes conf litos é normal o uso da violência de forma
indiscriminada.

-87-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Guerra pela água – Esta será provavelmente uma das causas da


guerra deste século. Cerca de 80 países, representando cerca de 40% da
população mundial, sofrem actualmente de falta de água potável (San-
tos, 2002; p. 63). Enquanto nos EUA cada habitante pode contar com
800 m3 de água por dia, no Bangladesh só podem contar com 6 m3, e
25% da população mundial não tem sequer acesso a água potável.
A crescente escassez da água está a provocar, por exemplo, na
Argélia uma pressão demográfica regular sobre a linha do litoral fér-
til. No Médio Oriente, no constante conflito israelo-árabe, a disputa
também se faz pelo acesso e controlo da água dos Montes Goulã.
Perto de 40% da população mundial vive nas bacias hidrográficas
dos 214 principais rios mundiais que por seu lado são partilhados
por mais de um país. A partilha de recursos hídricos representa uma
situação indutora de violência relacionada com a água. Os 261 rios
mais importantes cobrem cerca de 45% da superfície da terra. Cerca
de 145 países têm uma parte do seu território numa bacia hidrográ-
fica e 33 deles tem mais de 95% do seu território no interior dessa
bacia. Dos principais 214 rios partilhados: 155 são entre dois países,
36 entre três países e os restantes 23 entre 12 países. Para termos uma
ideia mais precisa, o Danúbio corre através de 17 entidades políticas
diferentes; o Congo e o Níger são partilhados por 11 países. Daqui
rapidamente se conclui o quão difícil se torna gerir um recurso tão
disputado (Santos, 2002; p. 96).
Guerra e fluxos migratórios – Nesta tipologia podemos incluir
tudo o que implique movimentos de populações, como as migrações
de trabalho, os refugiados e os deslocados.
A passagem para o Ocidente próspero, tantas vezes apenas em
busca de uma miséria “dourada”, tornou-se obsessiva para milhões
de pessoas. Porém, nem sempre tudo corre como esperado e muitos
acabam por ingressar na ou alimentar a teia das clandestinidades,

-88-
Tipologias de Guerra

desde as do expediente para sobrevivência às da redenção violenta


da miséria (por manipulação de uma cultura do ressentimento).
Guerra entre países desenvolvidos e países em desenvolvimen-
to – Esta tipologia está em consonância com os conceitos de Alvin
e Heidi Toffler e de Robert Cooper. As desigualdades de desenvol-
vimento não são um fenómeno novo. Apesar dos discursos sobre a
Nova Ordem Económica Internacional, o fosso entre países ricos e
países pobres tem-se acentuado, e a tendência é para se agravar ain-
da mais.
Robert Cooper, num artigo publicado pelo Foreign Policy Centre
em 2002, intitulado The post modern State, explica como devem as
forças pós-modernas (3.º vaga ou ocidentais, como se queira ler),
actuar contra forças irregulares pré-modernas ou modernas:

“The challenge of the postmodern world is to get used to


the idea of double standards. Among ourselves, we ope-
rate on the basis of laws and open cooperative security.
But when dealing with more old-fashioned kinds of sta-
tes outside the postmodern continent of Europe, we need
to revert to the rougher methods of an earlier era – force,
pre-emptive attack, deception, whatever is necessary to
deal with those who still live in the nineteenth century
world of every state for itself. Among ourselves, we keep
the law, but when we are operating in the jungle, we must
also use the laws of jungle” (Cooper, 2002; p. 3).

41
A adopção da expressão RMC e não de RMA deve-se ao facto de considerarmos o fenómeno como um
processo dinâmico, em contínua evolução, tratando-se da revolução actual e não um processo findo e
passível de confusão com outros parecidos ocorridos ao longo da História.

-89-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

As Guerras RMA/C41 – A RMA/C (Revolução nos Assuntos Mi-


litares, ou Revolução Militar em Curso) (Garcia, 2000 b; p. 419) está
sobretudo ligada aos grandes poderes, nomeadamente aos EUA e
seus aliados, e surgiu como uma das formas possíveis de um qual-
quer grande poder conseguir vergar a vontade de outro menor,
tendo como instrumento principal o uso da força, sendo essencial
contê-la dentro de limites políticos, éticos e estratégicos aceitáveis
pela comunidade internacional (Telo, 2002; p. 221).
Os Toffler estão associados aos defensores da RMA/C, e Mary
Kaldor (2001), com uma visão liberal das Relações Internacionais,
rompe com o modelo que considera tradicional ao relacionar as
guerras actuais com a RMA, defendendo que a revolução está nas
relações sociais da guerra, não na tecnologia, mesmo que aquelas
sejam influenciadas por esta.
As Guerras RMA/C aparecem-nos muito associadas à guerra
cientificada, onde, numa perspectiva de controlo do mundo e com
o objectivo de destruição, há uma mobilização dos meios científicos
para a própria guerra.
Mas podemos ainda considerar muitas mais terminologias para
tipificar a guerra. Pascal Boniface (2002), por exemplo, na sua obra
Guerras do Amanhã, equaciona uma terminologia que conside-
ramos mais adaptada às formas de guerra do que a uma tipologia
de guerra em si. Esta obra acrescenta à tipologia aqui apresentada,
as guerras: de diáspora, da fome, do petróleo, do ambiente. Este
autor relaciona ainda a guerra com fenómenos como o futebol e
o turismo.

-90-
Tipologias de Guerra

Síntese conclusiva

Nesta parte do nosso livro, cientes que são inúmeros os critérios


de abordagem e de classificação do fenómeno da guerra, procurá-
mos, recorrendo sobretudo aos manuais militares, caracterizar os
espectros da guerra e das operações militares, sendo de salientar,
que o facto de se empregar a força, decorrerem operações militares
e de existirem baixas, não significa que as Forças Armadas estejam
numa situação tipificada como de guerra. Nesta parte procurámos
ainda identificar uma nova conceptualização para o termo “Guerra”
e algumas possíveis e novas tipologias.
Uma vez efectuada esta análise, pensamos agora estar em condi-
ções de na próxima parte perspectivar a guerra no nosso século.

-91-
Terceira Parte
Uma Perspectiva do Fenómeno
da Guerra no Novo Século42
Nesta parte do nosso livro entendemos descrever em primeiro lugar
o complexo Sistema Internacional para depois nos outros subcapí-
tulos podermos efectuar uma análise da conflitualidade nesse mes-
mo Sistema.
No capítulo 2. analisamos as guerras associadas às forças da
transformação, de alta tecnologia, bem como o emergir de um novo
e subtil instrumento das relações internacionais, as empresas mili-
tares privadas, que constituem um novo paradigma do uso da força,
surgido devido à significativa transformação ocorrida na actividade
militar. Por fim, no capítulo 3. faremos uma breve abordagem das
guerras irregulares que caracterizam este novo século.

42
Este é um dos temas a que mais tenho dedicado a minha intervenção pública. A versão inicial foi
apresentada no Seminário “Segurança Internacional”, realizado no Instituto Superior de Ciências So-
ciais e Políticas, em 16 de Maio de 2003, sendo o meu tema “A transformação nos assuntos de Defesa
e a Civilinização das Forças Armadas”. Posteriormente apresentei-o no Instituto da Defesa Nacional,
em 12 de Fevereiro e em 29 de Setembro de 2004, com o título “Guerras do Século XXI”. Este tema
foi depois desenvolvido na Revista Militar de Novembro de 2005, com o título “A transformação dos
conflitos armados e as Forças da Revolução nos Assuntos Militares” p. 1299-1307.

-95-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

1. A complexidade do Sistema Internacional no início do século XXI 43

O fim da II Guerra Mundial foi marcado pela rivalidade de um mun-


do em equilíbrio bipolar. Estas tensões entre os grandes poderes no
campo económico, ideológico e político, traduziram-se na utilização
preferencial da força militar como instrumento de dissuasão. O pe-
ríodo é caracterizado pelos inúmeros conflitos nas zonas de conflu-
ência dos interesses das grandes potências, que se enfrentavam por
locução interposta.
A conjuntura internacional sofreu profundas alterações após a
queda do Muro de Berlim, novamente após o 11 de Setembro de 2001
e, por fim, no complexo e conturbado ano de 2008 com o acumu-
lar de situações críticas na profunda crise global. No actual sistema
internacional caracterizado pela sua complexidade, não linearidade,
imprevisibilidade, heterogeneidade, mutabilidade e dinamismo, a
ameaça, que mantinha coordenadas de espaço e de tempo bem de-
finidas desapareceu, dando lugar a um período de anormal instabi-
lidade, com uma ampla série de riscos e perigos, uns novos, outros
antigos, que apenas subiram na hierarquia das preocupações dos
Estados.
A comunidade internacional, habituada a um equilíbrio pelo ter-
ror do holocausto nuclear, foi forçada a reconhecer que para além
do Estado existiam outros actores que empregavam a força como
instrumento nas relações internacionais, situação que apesar de não
ser nova influenciaria decisivamente a função da guerra a partir da
última década do século XX.
Mas as incertezas no dealbar deste terceiro milénio são inúmeras.

43
Sobre a abordagem do mundo como um sistema complexo, podemos ver o interessantíssimo estudo
de Neil Harrison no seu livro Complexity in World Politics, datado de 2006.

-96-
Tipologias de Guerra

Num mundo hoje marcado pela volatilidade identitária (Badie, 2001;


p. 71), as zonas de interesse estratégico fundamentais alteraram-se,
e passaram a ser aquelas que são capazes de exportar a sua própria
instabilidade (Ramonet, 2001; p. 56). As guerras já não obedecem
apenas à concepção clausewitziana (Estado, Forças Armadas, Po-
pulação), típica do anterior sistema internacional. Na actualidade, a
violência global é assimétrica e permanente, não tem uma origem
clara e pode surgir em qualquer lugar. Para muitos, trata-se de uma
situação típica de um mundo tendencialmente unipolar, do ponto de
vista do esforço militar.
A actual conjuntura internacional, onde o papel do Estado sobe-
rano está em crise, também se caracteriza pela flexibilização do con-
ceito de fronteira e pela aceitação de situações de cidadanias múlti-
plas e de governança partilhada.
No imaginário ocidental, quando se pensa ou fala em guerra, nor-
malmente a imagem associada é a da confrontação entre as Forças
Armadas organizadas de dois ou mais Estados. Porém, os Estados,
como forma de organização política ocidental são criações artificiais
recentes que surgem após Vestefalia, pelo que a guerra como instru-
mento da política do Estado que opunha um Estado a outro e umas
Forças Armadas a outras Forças Armadas constitui um fenómeno re-
lativamente recente e que poderá ter tendência a desaparecer (Cre-
veld, 1991; p. 75).
As guerras contemporâneas, acentuadamente depois de 1945,
tornaram-se cada vez menos entre Estados e passaram a contemplar
outros actores44, infra-estatais, que perseguem múltiplos e diversos
objectivos, que obedecem a lógicas e racionais também diferentes,

44
Já Van der Goltz, na obra Das Wolk in Waffen, de 1883, previa que no futuro as guerras não seriam
um assunto exclusivo das Forças Armadas.

-97-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

verificando-se uma extrema plasticidade dos seus actuantes, asse-


melhando-se muitas vezes a uma luta pela sobrevivência, sem re-
gras, sem objectivos claramente definidos, podemos mesmo dizer,
totalmente irracional, caótica, poluída, penetrada pelo crime orga-
nizado, pelo terrorismo e pelo tribalismo (Bauer e Raufer, 2003; p.
165). Igualmente relevante, o aparecimento de entidades supra-es-
tatais institucionalizadas capazes de executar acções militares con-
juntas é um fenómeno que exige acompanhamento.
Neste sentido, a hipótese de se assistir ao regresso do mundo
ocidental ao passado pré-Vestefaliano parece ganhar corpo. No caso
dos países em desenvolvimento, onde são inúmeros os Estados que
jamais foram capazes de se afirmarem face a outras entidades so-
ciais (nomeadamente em relação à tribo e aos grupos etnolinguísti-
cos)45, tem-se observado que no decorrer de confrontações violentas
a distinção entre governo, Forças Armadas e população começou a
esbater-se antes mesmo de ter sido correctamente estabelecida (Ol-
sen, 2003).
Uma das perguntas a que interessa responder tem que ver com as
modalidades de guerra que tenderão a prevalecer, e qual o posicio-
namento da entidade Estado como estrutura política nesse contexto
específico?
Muitos são os modelos possíveis. Na história existiram as es-
truturas tribais, as estruturas feudais, as associações religiosas, os
bandos de mercenários ao serviço de senhores da guerra, e mesmo
organizações comerciais. A grande parte destas entidades não era se-
quer políticas, nem detentoras de soberania. Não possuíam governo,

45
Trata-se aqui de distinguir a soberania externa (que decorre da igualdade jurídica entre Estados) das
condições para exercício da soberania interna, dentro das fronteiras políticas. Este último requisito
tem sido estudado com grande interesse pelas correntes que defendem a possibilidade da ingerência
humanitária.

-98-
Tipologias de Guerra

Forças Armadas nem população (no sentido actual do termo), mas


defrontavam-se em guerras e campanhas bem organizadas.
O futuro pode revelar-se muito diferente da realidade actual.
Para Holsti (1996; p. 23), a tendência aponta para que as guerras per-
sistam mais entre Estados pequenos e fracos (em termos de legiti-
midade e de eficácia), ou em países menos desenvolvidos, do que
envolvendo as grandes potências, eventualmente com base em con-
siderações étnicas e de identidade, sendo considerado como difícil
que Estados cujo regime político-constitucional seja a democracia
entrem em conflito entre si.
Embora pareça razoável defender esta interpretação, é muito cla-
ro que esta visão da guerra do futuro não colhe a aceitação gene-
ralizada dos estudiosos da estratégia. Como visão divergente, é útil
realçar a posição de Colin Gray (2005). Este autor, dentro da lógica
do neo-realismo clássico a que diz pertencer, defende que a trindade
clausewitziana veio para ficar. Para Gray, seria errado admitir um
desaparecimento, no futuro próximo, das guerras regulares centra-
das nos Estados e que foram típicas do período vestefaliano, embora
admita que presentemente se constata uma tendência importante no
sentido da utilização de forças irregulares.
O normativismo internacional sobre a guerra, inspirado nos pen-
samentos de Santo Agostinho (século V) e de São Tomás de Aquino
(século XIII), ainda existe, mas ninguém lhe confere muita relevân-
cia . Com esta alteração, os Estados, entidades, e mesmo os indiví-
duos, já não sentem a necessidade de assumir posições claras peran-
te os conflitos, bem como também já não sentem a necessidade de
adoptar o amplo normativismo internacional criado para conter ou
limitar a guerra e os seus efeitos.
Nos conflitos da última década não houve qualquer declaração
formal de guerra ou de neutralidade feita por um único Estado,

-99-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

assim como também não houve qualquer tratado de paz formal. A


maior parte dos Estados ou entidades limitou-se a definir uma po-
lítica geral perante o recurso à força militar, que variava ao longo do
tempo (Telo, 2002; p. 225). No Kosovo optou-se pela legitimidade
pelo exercício, bombardeou-se primeiro, só depois se alterou o Con-
ceito Estratégico da OTAN.

2. As Guerras no Século XXI

São diversas as perspectivas de guerras num futuro que já se iniciou.


De uma maneira muito genérica, como vimos, é comum classificar
as guerras actuais e do futuro como regulares e irregulares. Se nas
primeiras o modelo clausewitziano tradicional está presente, nas úl-
timas os Estados podem entrar em guerra contra uma rede terroris-
ta, uma milícia étnica, um movimento independentista, um exército
rebelde ou ainda contra o crime organizado. As guerras irregulares
podem também ser travadas entre dois ou mais grupos organizados,
não envolvendo nenhum Estado. Em ambas as tipologias a superio-
ridade no acesso e tratamento da informação é determinante.
Tudo indica que, regulares ou irregulares, há duas aproximações
fundamentais para caracterizar as guerras do futuro. A primeira as-
senta na crença que as guerras espectáculo, possibilitadas pela RMC,
que têm por base os enormes avanços das tecnologias, sobretudo
tecnologias de informação, dominarão. A segunda visão, que pro-
cura o entendimento de fenómenos como as “novas guerras”, ou de
“terceiro tipo”, tende a defender que a revolução está maioritaria-
mente a ocorrer nas relações sociais da guerra. Nesse sentido, o ele-
mento central da equação, apesar da sua influência, não é a tecnolo-
gia. Como facilmente se pode deduzir, existe consenso de que neste

-100-
Tipologias de Guerra

século as guerras se desenvolvem num mundo assimétrico, com for-


tes desequilíbrios quantitativos e qualitativos.
Esta tipologia de guerra neste início de século foi de algum modo
antecipada no livro dos Toffler (1994), já referido, Guerra e Anti-
guerra. As guerras típicas das sociedades de terceira vaga têm por
base a RMC e estão ligadas sobretudo aos grandes poderes, nome-
adamente aos EUA e seus aliados. Porém, não é possível deixar de
concluir que a RMC na sua formulação mais profunda está associada
exclusivamente, pelo menos por enquanto, à evolução nos EUA e
seus eventuais aliados.
Há uma tendência, que erradamente se generalizou, de caracte-
rizar as guerras RMC apenas pela alta tecnologia, nomeadamente a
tecnologia ligada à informação. Na verdade, não podemos concor-
dar com tal reducionismo. Se apenas estiverem ligadas à tecnologia
podemos considerar que são guerras pós-modernas, mas não são
RMC. A RMC, associada à transformação nos assuntos de defesa,
caracteriza-se por ser um fenómeno em complexificação: assenta na
tecnologia da sociedade da informação, caracteriza-se pela utiliza-
ção do espaço extra-atmosférico, pelas novas tácticas e composição
orgânica das unidades, pela necessidade essencial de conter a vio-
lência dentro de limites políticos, éticos e estratégicos aceitáveis pela
comunidade internacional (Telo, 2002; p. 221), mas também pela ci-
vilinização46 (civil quanto possível, militar quanto necessário), pelo
papel desempenhado pelos meios de comunicação social e opinião
pública, mas sobretudo pelo modelo de organização das tecnologias
existentes e já disponíveis mesmo no mercado civil, e a partir das

46
Termo utilizado por Mira Vaz no seu livro Civilinização das Forças Armadas nas Sociedades De-
moliberais (2002), e que resulta da adaptação do termo civilized soldiers de Janowitz (1974). Também
Peter Singer na sua obra Corporate Warriors – The rise of the privatized military industry, p. 62-63
utiliza esta terminologia como civilianization.

-101-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

quais é possível criar novas e diferentes capacidades num sistema


de sistemas. A tecnologia não modifica a natureza da guerra, mas o
seu carácter; o que implica a operacionalização de um novo conceito
para o termo guerra, que agora designa uma situação que não se dis-
tingue claramente dos períodos de paz.
A ordem de batalha nestas guerras de alta tecnologia, centradas
e em rede, desenvolve-se em volta de acções de Reconnaissance,
Intelligence, Surveillance and Target Aquisition (RISTA) e dos 4S
(Scan, Swarm, Strike, Scatter)47, com profusa utilização de armas
inteligentes48 como as Long Range Precision Guided Munitions
(LRPVM). O novo campo de batalha está dominado por um sistema
de sistemas, com base no C2W (Command and Control, Warfare),
constituindo uma 5.ª dimensão49 da guerra (Pereira, 2003; p. 160),
onde a manobra informacional se sobrepõe e por vezes substitui a
manobra do terreno.
Face à esmagadora superioridade tecnológica e a operações ba-

47
Este conceito, que era já, em tempos idos, ventilado em especial na doutrina Air Land Battle em
ambiente nuclear potencial ou activo, começa a afirmar-se num ambiente em que começa a imperar a
tecnologia, em especial aquela que permite obter-se uma common picture do espaço de batalha. Hoje,
com a emergência de conceitos como o NCW e as EBAO, a táctica resumida pelo acrónimo 4S é ple-
namente possível e encontra-se a ser desenvolvida pelos EUA e o Reino Unido nos TO do Afeganistão
e Iraque. Ela permite o emprego de pequenas células, como sejam uma ou duas viaturas de reconhe-
cimento, actuando separadamente e a largas distâncias umas das outras, varrendo através dos radares
e/ou do reconhecimento (scan) um espaço de actuação, concentrando-se (swarm) num determinado
ponto onde a ameaça foi identificada e se materializou, no momento certo e com rapidez, evitando os
largos espectros electromagnéticos e as assinaturas térmicas. Depois de elas actuarem (strike) ime-
diatamente se dispersam (scatter). Mas se repararmos, esta é a técnica utilizada, também pelas células
terroristas. Estão dispersas, atentas ao momento certo para actuarem, fazendo o varrimento dos acon-
tecimentos, dos locais e das oportunidades. Depois de identificado o momento e o alvo, concentram-se
no local certo, atacam e imediatamente se dispersam. São interpretações de diferentes tipos de acon-
tecimentos à luz da mesma táctica.
48
Conceitos chave: miniaturização, maior alcance, actuação inteligente, furtividade, veículos não tri-
pulados, robotização e novas formas de energia. Estas armas permitem as intervenções cirúrgicas com
zero baixas, ou quase zero.
49
As outras dimensões são a terra, o mar, o ar e o espaço extra-atmosférico.

-102-
Tipologias de Guerra

seadas nos efeitos50, as baixas tendem a ser zero, ou a aproximar-


se do zero, pelo menos de um dos lados. Os Centros de Gravidade
passam a incluir não só os espaços físicos e as origens materiais da
força, mas, e sobretudo, o domínio do cognitivo, e dentro destes em
especial o da razão. O objectivo já não é aniquilar, mas imobilizar,
controlar, alterar e moldar o seu comportamento de forma a criar
um novo ambiente político com perdas controladas, mesmo para o
inimigo, evitando reacções negativas da opinião pública. É por esta
razão que Edward Luttwak definiu este fenómeno como guerra pós-
heróica (Luttwak, 1995): a força pode ser empregue sem o risco de
perdas de vida.
As novas tecnologias e a digitalização ditam novas doutrinas es-
tratégicas, tácticas e organizacionais. A tendência é para a robotiza-
ção do campo de batalha de uma forma progressiva.
As guerras RMC empregam muito a guerra de informação, o
vector moderno da guerra psicológica e da subversão tradicionais
(Valle, 2001; p. 208). No campo de batalha (actual e do futuro), o
mais importante é (e continuará previsivelmente a ser) o domínio da
informação, mais precisamente, o acesso, o controlo e o respectivo
processamento com o objectivo de obter a sua transformação em co-
nhecimento51 e depois partilhá-lo.
No futuro, a psicotecnologia disponibilizará novos instrumen-
tos capazes de influenciar crenças e sentimentos, o que incremen-
tará ainda mais o papel da guerra psicológica e dos guerreiros da

50
O Comité Militar da NATO definiu a aproximação às Operações Baseadas em Efeitos como a “aplica-
ção coerente e compreensiva dos vários instrumentos da Aliança, combinadas com a cooperação prá-
tica com os actores envolvidos não-NATO, para criar os efeitos necessários para alcançar os objectivos
planeados e em última análise o estado final NATO desejado” (NATO, 2006 a).
51
A NATO, no documento Comprehensive Political Guidance (2006 b), é explícita sobre a necessidade
de se transformar a superioridade informacional em superioridade de conhecimento de forma a ser
possível obter a superioridade na decisão.

-103-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

informação que aprendem a implantar falsas realidades e a indu-


zir movimentos psicoculturais e políticos, em prol de determinados
interesses nacionais, criando uma realidade virtual, quando a rea-
lidade efectiva contradiz os imperativos estratégicos de momento,
no fundo uma verdadeira guerra de representações, na expressão de
Alexandre del Valle (Valle, 2001; p. 219). Nesta ordem de ideias, um
outro elemento a ter em consideração nas guerras da actualidade é
a presença e a actuação dos meios de comunicação social. Hoje estes
ajudam os guerreiros da informação a gerir as diversas percepções
que as populações têm da situação. Há uma realidade percebida/
construída, diferente da realidade efectiva.
A guerra de informação a um nível estratégico implica um do-
mínio do ciberespaço, não podendo ser descurados os ciberataques,
com as suas bombas lógicas, vírus e cavalos de Tróia. Esta diferente
forma de guerra implica uma política de segurança e defesa para o
ciberespaço, pois este impôs uma nova dimensão geopolítica, a do
próprio ciberespaço (Adams, 1993).
Nas guerras RMC a supremacia das comunicações é um factor
imperativo. Na maior parte dos casos o espaço exterior deve ser en-
tendido como a quarta dimensão da guerra. No futuro quem domi-
nar o espaço domina o mundo. Não se trata apenas da sua utiliza-
ção para fins militares, mas da sua militarização (Boniface, 2002; p.
122). Nestas guerras podemos assim encontrar uma nova forma de
dissuasão.
Com a civilinização, a distinção entre civil e militar é um domínio
que será susceptível de alteração significativa, uma vez que já não
são apenas as Forças Armadas que entram em combate, mas as co-
munidades políticas que elas servem. Este fenómeno de interpene-
tração é indicador de um novo tipo de Forças Armadas. Estas tendem
a ser profissionais, com efectivos substancialmente mais reduzidos,

-104-
Tipologias de Guerra

com uma maior ligação aos meios universitários e centros de inves-


tigação, a integrarem mais mulheres e minorias e, em certa medi-
da, tende-se para uma privatização da actividade militar (Moskos,
Williams e Segal, 2000).
As guerras que envolvam a grande potência sozinha ou em coli-
gação, sejam elas regulares ou irregulares, serão sempre RMC. A ac-
tual guerra no Iraque é um cenário típico de guerra formal/regular.
A intervenção da coligação internacional em solo iraquiano pautou-
se pela superioridade tecnológica, pela supremacia aérea, com do-
mínio do espaço, pelo uso de armas inteligentes e também por uma
intensa guerra de informação.
Na operação militar no Iraque, a força RMC, com combates su-
cessivos e assimétricos, vergou a vontade de combater iraquiana e
a operação militar foi uma nova Blitzkrieg. Porém, com a ocupação
militar, a tipologia de guerra alterou-se. As operações militares de
estabilização, apesar de RMC, fazem-se agora num ambiente sub-
versivo, de guerra irregular, de combate próximo, estando os com-
batentes misturados com a população, que utilizam como escudo e,
se necessário, como moeda de troca. No Iraque devemos lembrar a
velha premissa de que as guerras de cariz subversivo não se ganham
com acção militar, mas perdem-se pela inacção militar.
As guerras RMC são também guerras distantes. O poder que está
na defensiva é castigado e muito limitado na sua resposta. Muitas ve-
zes sente-se mesmo impotente (Telo, 2002; p. 222). Também distante
no comando e controlo52, onde os meios de comunicação social e a
informação sobre a guerra desempenham um papel primordial. Po-

52
O General Tommy Franks comandou a ofensiva ao Afeganistão a partir do Comando Central (CEN-
TCOM), então situado em Tampa, na Florida. Actualmente a partir de bases em território norte-
americano são controlados aviões não tripulados (UAV) que efectuam as suas missões no Iraque e
no Afeganistão, enviando em tempo real informação sobre as operações, o que permite um melhor
acompanhamento e planeamento das mesmas.

-105-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

demos dizer que é, em certo sentido, uma guerra subversiva feita


pelos grandes poderes na Era da Informação53.
Contudo, o factor tempo marca a grande diferença entre as guer-
ras tecnológicas actuais e as guerras subversivas tradicionais. Estas
actuam por lassidão, prolongam-se no tempo, factor essencial para
obter resultados. Nas guerras RMC a duração em termos de uma ac-
ção militar intensa é muito curta – semanas – e é importante que
assim seja, sobretudo por razões de opinião pública e de interes-
se político (Telo, 2002; p. 227). Isto não quer dizer que no perío-
do posterior à acção militar decisiva, tipicamente de estabilização,
a presença militar não se arraste por vários anos, já que actua em
ambiente subversivo.
Parece gerar consenso a convicção de que as guerras na actua-
lidade, apesar de manterem a mesma natureza, apresentam novos
actores e já não correspondem na íntegra à classificação clássica do
prussiano Clausewitz. Para ele, lembramos, a guerra era a realiza-
ção das relações políticas por outros meios (Clausewitz, 1976; p. 737).
Actualmente, aquela máxima parece ter tendência para se inverter,
passando a política, sim, a ser a continuação/diversificação do estado
de guerra. Para António Telo (2002; p. 225) a guerra é a forma “su-
perior” da política, superior apenas porque mais exigente, pelo que
obriga a cuidados especiais e uma elaboração do pensamento mais
complexa. Em nosso entender, a guerra deve-se sim ao falhanço da
política, mantendo-se dessa forma associada à política; no fundo a
guerra é uma forma de política. Após revisitarmos Clausewitz, con-
sideramos que a sua trindade permanece em parte válida e actuali-

53
António Telo (2002; p. 222) entende que há guerra de guerrilha dos tempos modernos; também Mary
Kaldor (2001; p. 7) entende que as novas guerras baseiam a sua actuação nos ensinamentos da guerrilha
e da contra-insurreição. Nós optamos pela comparação com a guerra subversiva, pois esta é mais lata e
na vertente armada pode sim assumir a forma de guerrilha. Pode ainda ser aplicado a outras tipologias
de guerra irregular, isto apesar de a principal táctica ser a guerrilha.

-106-
Tipologias de Guerra

zada, no sentido em que apesar de os actores envolvidos na guerra


poderem ser outros, a violência original, a lei das probabilidades e
do acaso, bem como a ligação ao fenómeno político persistem.
Uma das mais importantes implicações desta alteração qualita-
tiva do conceito de guerra é a mudança dos laços funcionais entre
o poder político e o aparelho militar. A envolvente política perpassa
agora verticalmente todos os níveis de actuação militar: a estrutu-
ra de comando militar nos diversos patamares de responsabilidade
preocupa-se principalmente com a actuação política54. Mesmo ao ní-
vel táctico, um comandante de uma pequena força desempenha esse
papel no seu contacto com a população e autoridades locais.
Nesta nova conflitualidade, devemos ter em consideração o novo
paradigma que surge com a alteração significativa na estrutura das
Forças Armadas e no emergir da civilinização, onde assumem gran-
de relevância as modernas Empresas Militares Privadas (EMP), que
prestam serviços e tarefas de natureza militar.
A privatização do conflito e o uso de mercenários não são um
fenómeno novo. Porém, o presente contexto é substancialmente di-
ferente e as Corporate Warriors, na expressão de Singer (2003), têm
um enquadramento jurídico distinto dos mercenários tradicionais.
Podemos considerar como elementos de diferencialidade das
EMP em relação aos mercenários55: a sua estrutura organizacional
com directores e accionistas, serem legalmente registadas; presta-
rem contas ao fisco e à segurança social, visarem o lucro a longo

54
A este propósito devemos ver as obras dos Generais Wesley Clark (2004) e Ruperth Smith (2006).
55
De acordo com o primeiro Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 1949, e segundo o seu
artigo 47.º um mercenário apresenta as seguintes características: (a) é especialmente recrutado local-
mente ou fora do local de conflito para lutar nesse mesmo conflito; (b) toma de forma directa parte nas
hostilidades; (c) é motivado pelo desejo de ganhos privados; (d) não é um nacional da parte em conflito
nem um residente do território controlado por uma parte do conflito; (e) não é um membro das forças
armadas de uma parte no conflito.

-107-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

prazo, operarem em vários teatros e para vários clientes ao mesmo


tempo, ou seja, são organizações privadas de natureza comercial,
cujo objecto é o fornecimento de um largo espectro de serviços de
natureza militar e de segurança a entidades nacionais e não nacio-
nais56, apresentando-se como alternativa aos serviços tradicional-
mente consagrados às FA dos Estados.
Existem várias tentativas para categorizar estas empresas, nor-
malmente incidindo sobre o tipo de serviços prestados, que segun-
do o Green Paper57 britânico são os seguintes: apoio ao combate e
operacional, aconselhamento e treino militar, apoio de armamento,
recolha de informações, segurança e prevenção do crime e, apoio
logístico.
As modernas EMP emergem a partir de 1967, ano em que Sir
David Stirling, um dos fundadores do Special Air Service (SAS)
britânico, criou a Watch Guard International, uma companhia que
empregava antigo pessoal do SAS britânico para treinar militares
no exterior. Depois, a partir dos anos 70 do século XX, destaca-se
em África a Executive Outcomes, com grande envolvimento nas
guerras civis de Angola e da Serra Leoa. Com o esboroar do antigo
império soviético, e a sequente redefinição dos dispositivos milita-
res, ficaram disponíveis inúmeros homens e material que, com ini-
ciativa, se organizaram e criaram diversas empresas que passaram a

56
São inúmeras as definições que encontramos. Aqui optamos pela síntese das expressas por Singer no
seu livro Corporate Warriors. The rise of the privatized Military Industry (2003).
57
Documento da Câmara dos Comuns britânica que procura regular a actividade destas empresas.
Singer (2003) apresenta outra tipologia: Military Provider Firms que se centram no ambiente táctico,
fornecendo serviços na linha da frente do espaço de batalha, através do empenhamento quer nas linhas
de unidades especiais ou especialistas; Military Consulting Firms que fornecem serviços de aconselha-
mento e treino. Oferecem análise estratégica, operacional e/ou organizacional e têm empenhamento
com o cliente a todos os níveis, mas sem haver “contacto directo”. Não operam no espaço de batalha:
embora a sua presença possa dar forma ao ambiente estratégico, operacional e táctico, é o cliente que
corre o risco final no espaço de batalha; Military Support Firms que fornecem serviços militares su-
plementares, incluindo auxílio não letal; apoio logístico, aprovisionamento e transportes, assim como
apoio técnico.

-108-
Tipologias de Guerra

estar activas e a desempenhar um papel diferenciador em zonas de


conflito ou de transição, um pouco por todo o planeta. A partir dos
anos 90 do mesmo século o termo EMP começa a ser vulgarizado no
léxico militar.
Com a Guerra nos Balcãs a actividade sofre um grande incre-
mento, mas o grande boom vem com o actual conflito no Iraque. A
actuação destas empresas é hoje global, estando contabilizadas mais
de 150 companhias que funcionam em mais de 50 países nos diver-
sos continentes, da Libéria a Timor, da África do Sul à Chechénia,
dos Balcãs à Colômbia, sendo, no entanto, os seus principais teatros
de intervenção o Afeganistão e o Iraque. Neste território onde são o
segundo maior contingente da coligação, estimam-se mais de 45 mil
funcionários (MilTech, 2007; p. 41).
As EMP vendem os seus serviços a multinacionais, ONG’s, Or-
ganizações Internacionais como as Nações Unidas, contando como
seus principais clientes os Estados. Em termos financeiros, e só para
se ter uma pequena ideia dos montantes envolvidos, entre 1994 e
2002, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos negociou con-
tratos no valor de 300 mil milhões de dólares anuais (Singer, 2003; p.
15) e estima-se que o rendimento desta indústria atinja o valor anual
de 202 mil milhões de dólares no ano de 201058. Os vencimentos au-
feridos pelos funcionários destas empresas no Iraque, em Março de
2007, rondavam os 1500 dólares dia (MilTech, 2007; p. 43).
Porém, a existência destas empresas afecta as Forças Armadas dos
diversos Estados, que investem montantes elevadíssimos na forma-
ção e treino dos seus homens, para depois, muitos dos seus milita-
res irem engrossar os quadros das EMP, não tendo estas qualquer

58
A título de curiosidade, e tendo sempre em consideração as diferentes escalas, lembramos que o PIB
português ronda os 230 mil milhões de dólares.

-109-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

encargo de qualificação. Este assunto é magistralmente tratado no


artigo de Christopher Spearin (2006) na revista Parameters, do US
Army War College. Este autor especifica a sangria dos quadros das
Forças Especiais e as suas consequências, detalhando que muitas
das especialidades ficam sem peritos suficientes para o cumprimen-
to de determinadas missões e, dado que o principal motivo para a
passagem deste militares para as EMP se prende sobretudo com os
salários (quatro a cinco vezes superiores), devem ser adoptadas me-
didas urgentes para evitar uma perda de capacidades na força. Neste
sentido, as SAS britânicas já adoptaram o procedimento de, a partir
de Julho de 2006, qualquer elemento que integre aquela força, só ter
duas possibilidades de a abandonar, ou por morte ou por reforma.
São inúmeras as justificações que levam os Estados a contratar es-
tas empresas. Nos Estados considerados fracos, que caracterizaremos
adiante neste livro, o recurso a este tipo de empresas prende-se, so-
bretudo, com a incapacidade de dar resposta às necessidades básicas
de segurança das populações, ao passo que no mundo pós-moderno,
na expressão de Robert Cooper (2004), esse recurso apresenta-se
mais como uma consequência de considerandos economicistas59,
sociais (Vaz, 2005; p. 821) e políticos60. No caso particular dos EUA,
foi a redução de efectivos e as ambições e responsabilidades globais
que conduziram a uma reflexão sobre o seu papel no mundo. Por um
lado tinham o desafio da sua longa luta “contra o terrorismo” a nível
global, e ao mesmo tempo a necessidade de terem que assegurar ní-

59
Não conhecemos nenhum estudo rigoroso que possibilite a avaliação dos custos efectivos para deter-
minar se de facto a privatização é mais barata.
60
Kevin O´Brien (2002) da Rand Corporation esclarece-nos: “In October 1998 the US government
subcontracted its involvement in the Kosovo monitoring force to DynCorp. The contracting was
done because the US government did not want to send its trained military personnel into harm’s way
unarmed, as the monitors are; it also ensured that the US government did not have to undergo the
political risk associated with sending soldiers into situations that are little understood or supported
domestically”.

-110-
Tipologias de Guerra

veis de prontidão operacional para fazerem face a outras ameaças e


manterem uma presença militar mundial. Assim, o recurso às EMP
surgiu como inevitável, cabendo a estas sobretudo a substituição das
FA em missões não consideradas vitais para a segurança nacional.
O crescimento destas empresas e a diversificação dos serviços por
si prestados não foi, no entanto, acompanhado pela regulamentação
internacional específica. Apesar de esta não existir, não podemos
considerar que haja um vazio legal, havendo um conjunto de legis-
lação nacional e internacional que directa ou indirectamente cobrem
esta actividade. Normalmente as EMP devem operar de acordo com
o enquadramento legal do país objecto do contrato e a nível interna-
cional lembramos, entre outras, o Direito Internacional Humanitário
e diversas legislações sobre mercenários. Porém equacionam-se vá-
rios problemas, como a aplicação directa da legislação sobre merce-
nários61, e muitas vezes os Estados que contratam esta prestação de
serviços têm um sistema judicial debilitado para que possam efectuar
o controlo destas empresas. No Iraque, por exemplo, estão protegidas
contra a responsabilidade criminal, como aconteceu no caso dramá-
tico da prisão de Abu Ghraib, onde os abusos foram cometidos quer
por profissionais das EMP quer por militares, mas apenas os milita-
res foram responsabilizados pelos seus actos (MilTech, 2007; p. 44).

64
O problema com o artigo 47 do Protocolo Adicional I às convenções de Genebra, prende-se, so-
bretudo, com a alínea a) pois tem que ser provado que ocorreu um recrutamento especial para um
determinado conflito. Como o pessoal contratado pelas PMCs é, muitas vezes, contratado a longo prazo
ou até numa base permanente, não pode, desta forma, ser considerado mercenário. Com a alínea b)
o problema coloca-se relativamente à exclusão de conselheiros e formadores, entre outros. E como
quase todas as PMCs não entram em combate (na definição da NATO de combate), não podem ser
consideradas mercenárias. A alínea c) acrescenta um elemento perigoso: a motivação. É difícil julgar
alguém como mercenário argumentando que está envolvido só por desejo de lucro. Não só há mais mo-
tivações, como a ideológica ou a política, como também seria fácil mentir neste ponto. Com as alíneas
e) e f) a questão seria facilmente resolvida com o Estado cliente, dando nacionalidade ou residência,
ou integrando simplesmente o indivíduo nas Forças Armadas. Um exemplo deste tipo de prática é a
integração dos Gurkhas nas Forças Armadas Britânicas. Outro problema com este artigo é o facto de
apenas contemplar conflitos armados internacionais e não guerras civis.

-111-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Os EUA em Março de 2007, deram um passo significativo para con-


trariar esta situação, tendo sido aprovada legislação que coloca as EMP
sob a alçada da lei e dos Tribunais Militares. Anteriormente, esta mo-
dalidade aplicava-se apenas em situações em que o Congresso tivesse
declarado formalmente guerra. Com a alteração agora introduzida, a
lei passa a contemplar Operações de Contingência, onde se incluem as
realizadas no Iraque e no Afeganistão (MilTech, 2007; p. 43).
Estas iniciativas são o indicador de esperança na regulamenta-
ção, no entanto, ficam ainda a faltar os mecanismos de controlo e
inspecção a nível internacional, pois enquanto a regulamentação e
fiscalização não forem eficientes, receamos que este tipo de empre-
sas não possam ou não queiram entender, na mira do lucro, a “na-
tureza complexa dos interesses nacionais e aceitem participar num
jogo em que a sua posição, sem ser claramente oposta aos interesses
do seu país, também não possa considerar-se favorável” (Vaz, 2005;
p. 827), subsistindo assim o perigo real de existir um poder militar
armado não-residente na legitimidade do Estado.
Esta nova realidade complexa e mal estudada carece, além de re-
gulamentação e fiscalização, do nosso acompanhamento como aca-
démicos e cidadãos.

3. As Guerras irregulares e a transformação do carácter dos confli-


tos armados

As guerras da actualidade são fundamentalmente acerca das pessoas


(Holsti, 1996 e Smith, 2006). Apesar da trindade clausewitziana em
parte se manter, as guerras de hoje envolvem outros actores para
além dos Estados e das suas Forças Armadas, emergindo organiza-
ções de um novo tipo que se opõem entre si. Conforme a circuns-

-112-
Tipologias de Guerra

tância, qualificamos os seus agentes como bandidos, terroristas, se-


nhores da guerra, guerrilheiros, mercenários ou milícias. Estes não
representam um Estado, não obedecem a um governo, misturam-se
e confundem-se com a população e possuem uma capacidade e um
impacto desestabilizador em regiões do planeta muito específicas
(Dougherty e Pfaltzgraff, 2003; p. 360). Nestes conflitos é normal a
generalização da violação do direito aplicável aos conflitos armados
(internacionais e não internacionais), bem como do regime de pro-
tecção dos direitos humanos.
O processo que está em curso, segundo Van Creveld (1991; p.
249), é progressivo, irregular e caótico, favorecendo o falhanço do
Estado e o crescimento da violência internacional não-estatal, em
casos extremos, privatizada (Kaldor, 2001; p. 91-96). Para Herfried
Munkler (2003, p. 18) passou a haver uma desmilitarização da guer-
ra, no sentido em que os objectivos civis não se distinguem dos mili-
tares e a violência extrema é exercida contra não combatentes e sobre
todos os domínios da vida social. Nestas novas guerras usam-se pro-
fusamente crianças soldado (Singer, 2005; p. 7)62.
As formas de barbárie que não aparecem desprovidas de funcio-
nalidade, permitem assegurar a fidelidade dos participantes e criam
uma cumplicidade do crime, de afirmação de uma identidade co-
lectiva face ao In (inimigo), de exercer sobre ele um terror cruento,
dificultando a sua resistência pela imprevisibilidade e arbitrariedade
das represálias e da sua crueldade (Sémelin, 2000; p. 124). No fundo,
a violência ascendeu aos extremos a que Clausweitz (1976; p. 75) se

62
Peter Singer no seu livro Children at War apresenta-nos dados impressionantes sobre a dimensão
deste fenómeno, cujo epicentro é o Continente africano; 100.000 só no Sudão, entre 30.000 a 50.000
na RDC. Mas o problema é global; na Turquia o PKK utiliza cerca de 3.000, em Mianmar mais de
75.000, as FARC cerca de 11.000. Devemos ainda consultar a resolução 1612 do CSNU sobre as crianças
e conflitos armados.

-113-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

referia, e o que separa a guerra da barbárie é a existência do conceito


da honra do guerreiro (Ignatieff, 1998; p. 157).
Tendo em consideração que os actores deste tipo de conflito são
outros, também o seu carácter teve que evoluir: são guerras irregu-
lares, estrutural ou temporariamente assimétricas, sem frentes, sem
campanhas, sem bases, sem uniformes, sem respeito pelos limites
territoriais e de objectivos fluidos. Os seus “pontos fortes” estão na
inovação, na surpresa e na imprevisibilidade, em que os fins justi-
ficam os meios, empregando por vezes o terror, onde o estatuto de
neutralidade e a distinção civil/militar desaparecem. Estas guerras
na actualidade não são apenas mais comuns do que no passado, mas
são também estrategicamente mais importantes e desenvolvem-se
em ambiente operacional de cariz subversivo.

Síntese conclusiva

No actual complexo sistema internacional podemos verificar que


houve uma transformação significativa nos conflitos armados. As
guerras podem ser efectuadas por Forças Armadas que possuem
alta tecnologia, que fazem a chamada guerra do Comando e Con-
trolo, seja o seu inimigo uma força regular ou irregular. Por outro
lado, verificamos que o actor Estado perdeu o monopólio do uso
legítimo da força, surgindo novos actores que competem com ele,
o que levou a que alguns autores apelidassem estas guerras de no-
vas, pois nas mesmas assiste-se a uma desmilitarização do conflito.
Nesta nova conflitualidade emergiu também um novo instrumento
que carece de acompanhamento dos decisores políticos, as empre-
sas militares privadas, que acabam por vir enfatizar a utilização do
termo civilinização.

-114-
Tipologias de Guerra

Na próxima parte aprofundaremos a temática das novas guerras


que se desenvolvem em ambiente operacional de cariz subversivo e
que, como veremos, não são tão novas quanto isso.

-115-
Quarta Parte
A Estratégia da Subversão63
Até aqui, no nosso livro, temos falado de guerra, mas como o pró-
prio título indica abordaremos também temáticas relacionadas com
a estratégia. Nesse sentido, entendemos iniciar esta parte com um
capítulo onde efectuamos uma breve análise da evolução do conceito
de estratégia, para depois passarmos para uma análise da subversão
e da sua estratégia, caracterização e evolução, suas principais causas
e tipologias e identificando ainda as premissas que acompanham o
fenómeno.

1. A Estratégia

São inúmeras as definições e os critérios de delimitação do conceito


de Estratégia. Não é nossa intenção neste livro acompanhar a evolu-
ção do termo, da sua aplicação ao longo da história e ir ao encontro

63
Este tema foi inicialmente por nós tratado na Revista Militar com o título “As guerras do terceiro tipo
e a estratégia militar. Uma possível análise”, Novembro de 2005, p. 1349-1371; posteriormente voltámos
à sua análise, mais aprofundada e surge uma nova publicação na revista Nação e Defesa do Verão de
2006, com o título “O fenómeno subversivo na actualidade. Contributos para o seu estudo”, p. 169-191.
A investigação sobre este tema continuou e parte dele foi publicado na Revista Estratégia XVI, de 2007,
integrando um trabalho mais vasto intitulado “Descrição do fenómeno subversivo na actualidade. A
estratégia da contra-subversão. Contributos nacionais”, p. 27-98.

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Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

das origens da estratégia na Antiguidade Clássica, onde a actividade


surgia associada à arte do General. Optámos por analisar os conceitos
de autores já aqui referenciados por nós, e para quem a estratégia se
reduzia à actividade militar, tendo como limite cronológico as guer-
ras da Revolução e do Império. Faremos de seguida uma breve dia-
gonal nessa mesma história e destacaremos os conceitos de alguns
autores de referência do século XX, para quem a estratégia abrange
outros domínios da actividade humana, apresentando ainda alguns
conceitos do termo no início deste século, propondo um conceito
trabalhado pelo autor deste livro, e que apenas se pretende que seja
um instrumento útil para a reflexão e aplicação.
No século XIX Clausewitz e Jomini apresentam uma definição
de Estratégia que reflecte as origens da palavra, relacionando o em-
prego da força militar aos objectivos da guerra. Para Clausewitz a
Estratégia era “a utilização do recontro para atingir a finalidade da
guerra” (1976; p. 199). Já Jomini, na sua obra Precis de L´Art de la
Guerre (1838), considerava a Estratégia como “l´art de faire la guerre
sur la carte, l´art d´embrasser tout le théàtre de la guerre” (p. 155).
No século XX começamos por destacar o Capitão Liddell Hart,
um atento observador do período entre a I Guerra Mundial e a Guer-
ra Fria. É com este estrategista que se pode considerar o início da
distinção entre uma Grande Estratégia e uma Estratégia pura, tradi-
cional, a Estratégia Militar. Para ele a Grande Estratégia “serve para
dar um sentido de execução de uma política, pois o seu papel é o de
coordenar e dirigir todos os recursos de uma nação ou de um grupo
de nações, para a consecução do objecto político, visado com a guer-
ra, que é definido pela política” (1966; p. 406). Identificando a um
nível inferior a Estratégia Militar como “a arte de distribuir e aplicar
os meios militares para atingir os fins da política” (1966; p. 406).
Porém, é o General André Beaufre que na sua obra Introduction a

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A Estratégia da Subversão

la Stratégie, publicada pela primeira vez em 1963 (em plena Guerra


Fria), desenvolve uma nova e diferente teorização em que destaca
que a Estratégia já não é do domínio exclusivo dos militares, consi-
derando relevantes as restantes formas de coacção (económica, psi-
cológica e política) a par da Estratégia Militar. Para Beaufre a Estraté-
gia era “l´art de la dialectique des forces ou encore plus exactement
l´art de la dialectique des volantés employant la force pour résoudre
leur conflit” (1985; p. 16). Com Beaufre surge-nos a sistematização
da Estratégia quanto às formas de coacção subdividida em três níveis
distintos, a Estratégia Total, as diversas Estratégias Gerais e num ní-
vel inferior, cada Estratégia Geral tem depois diversas Estratégias
Particulares, identificando ainda uma categoria distinta, que efectua
a ligação entre a concepção e a aplicação, e que ele designou por Es-
tratégia Operacional (1985; p. 25-26).
O General Beaufre desde a década de 1960 que constitui uma re-
ferência nas escolas militares, tendo a sua sistematização ainda hoje
especial acuidade. Em Portugal, a sua influência fez-se sentir num
conjunto dos nossos principais estrategistas contemporâneos, dos
quais destacamos os Generais Câmara Pina, Loureiro dos Santos,
Pedro Cardoso, os Tenentes-Generais Kaúlza de Arriaga, Lopes Al-
ves, Abel Cabral Couto e o Vice-Almirante Ferraz Sachetti.
O ensino da Estratégia nas Escolas Militares portuguesas no úl-
timo quartel do século XX foi muito influenciado pelo pensamento
do Tenente-General Abel Cabral Couto, para quem a Estratégia era
entendida como “a ciência e a arte de desenvolver e utilizar as forças
morais e materiais de uma unidade política ou coligação, a fim de
se atingirem objectivos políticos que suscitam ou podem suscitar, a
hostilidade de uma outra vontade política” (1988, p. 209).
Neste início de século escolhemos apresentar quatro definições
distintas, o que nos continua a mostrar a falta de consenso em torno

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Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

deste conceito. A definição de Colin Gray, permanece muito próxi-


mo de Clausewitz, referindo o autor que “following Clausewitz (who
else), I must insist that Strategy is about the use made of force and
the threat of force for the goals of policy” (2006; p. 14). Nos manuais
do Army War College norte-americano o conceito tem duas leituras,
a primeira, mais restrita, apresenta a Estratégia apenas como uma
relação entre ends, ways and means, e uma segunda que entende
a Estratégia num conceito mais lato como “the skillful formulation,
coordination, and application of ends (objectives), ways (course of
action), and means (supporting resources) to promote and defend
the national interest” (Bartholomees, 2006; p. 81).
Outros autores efectuam um alargamento do horizonte ôntico da
Estratégia, tendo Abel Cabral Couto passado a defini-la como “a ci-
ência e arte de, à luz dos fins de uma organização, estabelecer e hie-
rarquizar objectivos e gerar, estruturar e utilizar recursos tangíveis e
intangíveis, a fim de se atingirem aqueles objectivos, num ambiente
admitido como conflitual ou competitivo (ambiente agónico)” (Cou-
to, 2004; p. 215).
Já Lawrence Freedman, na sua obra The Transformation of Stra-
tegic Affairs, ao justificar a sua ideia de transformação aplicada aos
assuntos estratégicos, apresenta-nos um conceito que consideramos
demasiado abrangente e que pode levar não a uma generalização do
emprego do termo Estratégia, mas a uma deriva conceptual ou até
banalização na sua utilização. Para Freedman “strategy is about choi-
ce. It depends on the ability to understand situations and to appre-
ciate the dangers and opportunities they contain. The most talented
strategists are able to look forward, to imagine quite different and
more benign situations from those that currently obtain and what
must be done to reach them, as well as more malign situations and
how they might best be prevented. In so doing they will always be

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thinking about the choices available to others and how their own en-
deavours might be thwarted, frus-trated or even reinforced. It is this
interdependence of choice that provides the essence of strategy and
diverts it from being mere long-term planning or the mechanical
connection of available means to set ends” (2006; p. 9).
Neste livro, o conceito de Estratégia já não é apenas o da Anti-
guidade Clássica, que a identificava com a “arte do General”, nem
tão abrangente como o de Freedman. Aqui entendemos a Estraté-
gia, que é antecipatória e pró-activa, na sua essência e em sentido
lato, consistindo na escolha do melhor caminho para se atingir um
determinado objectivo com os meios (de hard e soft power) dispo-
níveis, procurando no jogo dialéctico minimizar sempre as vulne-
rabilidades, maximizar as potencialidades e neutralizar as ameças,
tendo a sua aplicação num ambiente hostil ou competitivo, ou seja,
em ambiente agónico. Aqui também se analisa a Estratégia Militar,
entendida como a aplicação do instrumento militar para alcançar
objectivos políticos64.

2. Caracterização do fenómeno subversivo

As agora generalizadamente chamadas “subversão” e “guerra sub-


versiva” são fenómenos cuja origem se perde na história, tendo sido
teorizados e desenvolvidos desde a Antiguidade por autores que vão
de Sun Tzu (1974) a Bin Laden (2003), passando por exemplo, por
Nguyen Giap (1972) e Amílcar Cabral (1974), entre tantos outros.

64
Apesar de não serem aqui analisados, consideramos importante referir que as leituras dos trabalhos
de Horta Fernandes e de Francisco Abreu (dois dos bons jovens pensadores da Estratégia em Portugal)
muito contribuíram para a formulação das minhas ideias e dúvidas acerca dos fenómenos da guerra
e da estratégia. Não posso também deixar de referir as longas conversas com o Amaral Lopes, Sérgio
Marques e com o teimoso do Beja Eugénio.
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

A subversão em armas inicia-se antes de se evidenciarem as suas


manifestações violentas e, subordina-se, em regra, a uma ideologia
política de um grupo organizado, que actua conscientemente, com
planeamento, preparação e conduta na actuação contra o poder es-
tabelecido, não sendo uma acção espontânea e descoordenada da
população. Os meios para a levarem a cabo são avaliados pela eficá-
cia e pelo seu valor relativamente ao fim em vista, materializando a
população o seu centro de gravidade (EME, 1966 a).
A subversão é um fenómeno progressivo que visa um poder,
político, ou no interior de uma instituição qualquer que interesse
controlar ou dominar, “alargando-se para o efeito a todos ou a parte
dos aderentes desse poder e exprimindo deste modo a luta entre o
grupo subversivo e a autoridade a abater” (Alves, 1992; p. 151). Pode
ter como objectivos políticos a criação de uma nova sociedade, a sim-
ples modificação do regime existente, a substituição das autoridades
que exercem o poder ou a modificação de políticas do antecedente
(Couto, 1989; 215). A escolha desses objectivos deve ter em conta as
tendências psicológicas da altura, assim como as vulnerabilidades do
adversário e dos parceiros a utilizar (Beaufre, 1985; 101).
Empregando ou não métodos violentos, a subversão como téc-
nica que visa não só desgastar e eventualmente conquistar o poder
como também atingir subtilmente a opinião pública, utiliza os co-
nhecimentos das leis da psicologia e da psicossociologia, no bom
uso das doutrinas de Tchakotine (1992; p. 568), para quem a violação
psíquica se faz sem que a isso nada se oponha. A ruína do Estado ou
a destruição do inimigo é alcançada por vias distintas e radicalmen-
te diferentes das da guerra convencional e da revolução. O exército
In cessará o combate porque estará completamente desmoralizado e
doente como resultado do desprezo que o rodeia. Qualquer tentativa
de restabelecimento do status quo ante será uma actuação no vazio

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A Estratégia da Subversão

e o poder deposto, em virtude da sua própria porosidade, partirá só,


sob o olhar indiferente da população (Mucchielli, 1976; p. 6).
Baseada na exploração de problemas ou contradições evidentes
de natureza social, ideológica, política, religiosa, racial, económica,
geográfica ou mesmo exógena, (Couto, 1989; p. 219 e CECA, 1990; p.
54-57), susceptíveis de conquistar a adesão de variados sectores da
população, a subversão pode surgir em qualquer tipo de sociedade e
apresentar-se como uma proposta e/ou alternativa para a resolução
desses problemas ou contradições (Beaufre, 1972; p. 50).
O facto de existirem problemas reais e contradições em determi-
nadas sociedades não é sinónimo da existência de subversão, em-
bora aqueles sejam propícios a esta. É, no entanto, necessário um
agente catalisador que desperte as consciências para tais problemas,
ampliando-os, se preciso, vencendo a tendência das massas para o
conformismo e outros factores de inércia. Porém, devemos distin-
guir entre condições/factores favoráveis e causas. As primeiras se-
rão genéricas; as causas, pelo contrário, são particulares, dinâmicas
e adaptáveis. Apesar de assentes em factores propícios comuns, cada
situação deve ser estudada de per si. A exploração das causas que
devem ser simples, inspiradoras e convincentes (Laqueur, 1984; p.
377), a persistência, a atitude humilde, a actuação psicológica e a ac-
tividade de Informações, se bem geridas, permitirão, a seu tempo,
obtenção de frutos.
A estratégia da subversão é total, actua ao nível interno/externo
através de uma manobra indirecta e por lassidão, não necessitando
de travar batalhas decisivas, materializando o cúmulo da perícia de
Sun Tzu, já referida e que aqui relembramos “subjugar o inimigo
sem o combater” (1974; p. 165).
Na subversão não há blietzkriegs, o seu alastrar é lento e, pro-
curando convencer da sua razão e equidade e do inverso quanto à

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Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

contra-subversão, absorve, como o fenómeno do mercúrio derrama-


do, a população, que é o seu factor de sucesso determinante. Assim,
procurando controlar áreas territoriais e preservar, sob seu controlo,
as populações fidelizadas, desgastando ao mesmo tempo as restantes
e os meios da contra-subversão, dirige-se ao seu objectivo final: a
capitulação da autoridade. Garantida a mobilidade, a segurança (na
forma de negação de alvos ao inimigo), o tempo e a doutrina, a vitó-
ria ficará com a subversão (Lawrence, 1920; p. 69).

2.1. A manobra subversiva

A subversão recorre a um conjunto de técnicas destrutivas e cons-


trutivas, que Cabral Couto (1989; p. 232) sistematizou em: técnicas
de organização, que são a estrutura da subversão (basta uma peque-
na minoria para criar um clima de instabilidade)65; técnicas de ac-
ções gerais (psicológica, política externa e de informações) que se
destinam a apoiar de forma permanente a globalidade da luta e, por
último, as técnicas de acções especiais (agitação, flagelação e acção
militar clássica) que se referem à luta em si, e têm um ritmo pró-
prio de desenvolvimento onde estas técnicas são empregues. Esta
sistematização servirá de base para a nossa análise da manobra sub-
versiva que não se dirige apenas ao domínio restrito dos objectivos
definidos, “mas, pelo contrário, têm incidência sobre todos os domí-
nios em que possa encontrar ideia ou bem material que lhe facilite o
caminho para esse objectivo” (Alves, 1992; p. 151).
A manobra subversiva, tal como a guerra entendida por Clau-

65
Thomas Edward Lawrence, que contribuiu em muito para o entendimento da guerra subversiva,
referiu que a rebelião pode ser feita por 2% de uma força activa e por 98% de simpatizantes pacíficos
(1920, p. 69).

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A Estratégia da Subversão

sewitz (1976; p. 73), destina-se a submeter o adversário à nossa von-


tade. Contudo, os processos da guerra serão sempre violentos, ao
passo que os da subversão podem nem sempre recorrer à violên-
cia física, mas apenas à manipulação frequentíssima das vontades,
ou seja, as técnicas da guerra subversiva “ne se bornent pas à faire
apparaître une volonté populaire préexistante, elles sont suscepti-
bles, en maintes circonstances, de la créer” (Aron, 1988; p. 685).
Podemos considerar que o enquadramento colectivo e a prepara-
ção psicológica são a base de toda a manobra subversiva (Pinheiro,
1963; p. 30), sendo o primeiro fundamental para a mobilização da
opinião pública, tarefa que, uma vez concretizada, permitirá, através
de uma correcta acção psicológica, operar a transferência de univer-
so político/ideológico.
A manobra de acção psicológica deve ser interna e externa. A pri-
meira visa persuadir a população, desenvolver o moral dos militan-
tes, doutrinar as massas, substituindo a hierarquia de valores, res-
tringindo a liberdade de acção do adversário e procurando desgastar
e desagregar as forças de contra-subversão; externamente procura
isolar o adversário e criar/promover um clima favorável à subversão
(Couto, 1989; p. 236).
Neste tipo de guerra onde os êxitos são sobretudo psicológicos, as
palavras, as ideias e as percepções desempenham um papel impor-
tante, sendo a melhor propaganda uma operação militar vitoriosa
(Laqueur, 1984; p. 331). Nas guerras subversivas não podem existir
vocábulos apolíticos ou neutrais. As próprias palavras são armas em-
pregues para isolar e confundir o adversário, motivar amigos e atrair
indecisos (Shy e Collier, 1986; p. 821); a doutrinação das populações
deve conseguir, por um lado, uma atitude permanentemente hostil
face aos invasores e, por outro lado, a protecção e o apoio aos guer-
rilheiros (Giap, 1972; p. 69).

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Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

A população nestas guerras serve de apoio, fornecendo os ele-


mentos para a luta e permitindo a circulação despercebida do agente
subversivo. Nesta ordem de ideias, para além da sua simpatia, a sub-
versão carece da sua cumplicidade.
Os movimentos subversivos, em certas regiões, podem colocar
as populações sob uma das seguintes situações, conforme a evolu-
ção da estabilidade desses grupos populacionais em relação às áreas
controladas pelas Forças Armadas ou pelas Autoridades Adminis-
trativas: controlo por parte da subversão; controlo por parte da con-
tra-subversão; controlo duplo, ou seja, controlo diurno por parte da
contra-subversão e nocturno por parte da subversão ou o inverso.
Clausewitz, a propósito das campanhas da Rússia e na Península
Ibérica tinha já desenvolvido considerações sobre o povo na guer-
ra, mais propriamente sobre a problemática de armar o Povo (Lan-
dsturm), afirmando que essa acção conduziria à ruína “as bases do
exército inimigo tal como uma combustão lenta e gradual” e que,
como esta, “exige tempo para produzir efeitos”. O povo, não po-
dendo entrar no combate decisivo, podia e devia, portanto, atacar as
áreas de retaguarda e as linhas de comunicações (Clausewitz, 1976;
578-581)66.
Para Debray a incorporação do povo na guerra deve ser progres-
siva, permitindo à vanguarda combatente escapar ao esgotamento
ou ao aniquilamento. Essa incorporação permite a extensão do com-
bate em todas as suas modalidades (1977; p. 129). A subversão, ain-

66
É importante salientarmos aqui, e relembrando o que já mencionámos a propósito do significado do
termo guerrilha, que na Península Ibérica, as milícias e ordenanças, bem como a actuação da população
foram fundamentais para, no caso português, expulsar o invasor francês por três vezes. Neste período
ficaram registados nos anais da História Militar Portuguesa personalidades como Francisco da Silveira
e diversos Bispos e Clérigos que assumiram o “Comando do Povo” (Bragança e Faro, entre outros), que,
com acções irregulares desgastavam os Exércitos de Junot, Soult e Macena, tendo o primeiro reagido
com uma campanha punitiva de extrema violência sobre as populações, campanha essa comandadas
por Loison, o famoso maneta.

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A Estratégia da Subversão

da segundo Debray, ou se implanta profundamente entre as massas


populacionais numa região precisa, ou vê-se condenada, num pra-
zo mais ou menos curto, a desaparecer (1977; p. 149-150). Assim, as
massas “devem ser convencidas antes de ser directamente envolvi-
das na luta” (Debray, 1975; p. 33). Este objectivo deve ser conseguido
pelo trabalho de agitação e de propaganda.
A manobra de política externa procura maximizar a liberdade
de acção e dos apoios, que procura entre outras unidades políticas
e OI (Couto, 1989; p. 239). O apoio como veremos adiante neste
livro, é prestado por diversas fontes e sob variadas formas, desem-
penhando um importante papel na manutenção e sustentação de
movimentos subversivos.

2.2. O ritmo subversivo

No desenvolvimento da guerra subversiva, em princípio, distinguem-


se 2 períodos e 5 fases, de limites mal definidos, e por conseguinte
frequentemente indistinguíveis, são eles o período pré-insurreccio-
nal, que compreende a fase preparatória e a fase de agitação, e o pe-
ríodo insurreccional, que compreende a fase armada (de terrorismo
ou guerrilha), a de Estado Revolucionário e a fase final. O seu valor é
relativo pelo que os conflitos devem ser estudados casuisticamente;
a implantação das mesmas fases pode não ser simultânea na tota-
lidade do território-alvo; procurando, em todo o caso, respeitar a
lógica do esquema e evitar ser detida na transição do período pré-
insurreccional para o insurreccional (Oliveira, 1963; p. 24-26).
Assim, normalmente, no período pré-insurreccional, em segre-
do, numa organização ainda embrionária, a manobra é estudada e
planeada. Na primeira fase, o movimento subversivo deve compre-

-129-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

ender um órgão de direcção e alguns elementos para enquadrar a


população, outros para ligações e recolha de informações e outros
ainda para acções de agitação/propaganda. Através da propaganda
a subversão difundirá ideias-força e com notícias tendenciosas pro-
curará remeter a contra-subversão para uma atitude defensiva e de
justificação (Couto, 1989; p. 237).
Ao passar-se para a fase de agitação ou de criação do ambiente
subversivo, ainda se permanece na clandestinidade; todavia, como
os resultados começam a ser visíveis, abandona-se o segredo e de-
sencadeiam-se intensas acções de propaganda que, segundo Hitler
(1987; p. 445), devem preceder o desenvolvimento da organização,
conquistando, assim, o material necessário.
A agitação integra, com grande frequência, a técnica do entris-
mo , da propaganda de agitação, com o propósito de “ganhar” o
67

apoio dos neutros, elevar o moral entre os subvertidos e seus apoian-


tes, minar a confiança no poder instituído e enfraquecer o moral das
suas forças. A propaganda de agitação está ligada à ideia de revolução
como levantamento popular contra um poder opressivo ou repres-
sivo, ideia que procura empolar ou canalizar os descontentamentos,
modificá-los em indignação e cólera, transformando-os rapidamen-
te em agressão àqueles que são considerados os responsáveis da si-
tuação insustentável (Mucchielli, 1976; p. 23).
Nesta fase fomentam-se perturbações da ordem, procura-se le-
var as massas populacionais ao desafio da autoridade (Couto, 1989;
p. 241-242) e cria-se um clima de medo, visando a desmoralização
do poder, o descrédito e o desprestígio da autoridade, “a ruptura
aberta no tecido social, através da organização de contradições entre
as hierarquias estabelecidas e da constituição de forças polarizadoras

67
Infiltração metódica e planeada nas estruturas essenciais do poder a derrubar.

-130-
A Estratégia da Subversão

paralelas; o facto consumado do levantamento, com ou sem o recur-


so ao confronto armado, mas procurando, na hipótese afirmativa,
prolongar as situações de “contacto” das Forças Armadas regulares
com a massa popular, para naquelas criar a “má consciência” e, por
fim, a desobediência aos altos comandos e seu consequente colapso”
(Monteiro, 1993; p. 24).
A organização é reforçada, os sistemas de infiltração e de infor-
mação são consolidados. O status quo, como veremos na próxima
parte, encontra aqui o seu período crítico: ou responde eficiente-
mente ou já não controla a evolução dos acontecimentos na genera-
lidade, apesar de os poder controlar pontualmente, em determina-
dos aspectos ou situações.
A fase armada, de violência declarada da subversão, que assenta
numa manobra de flagelação (feita através de acções de sabotagem,
terrorismo ou guerrilha, rural e urbana), aparece já no segundo pe-
ríodo, o insurreccional. Aqui, a activação de “grupos-chave” é si-
multânea com a guerrilha, que emerge como técnica de tomada do
poder e, se necessário ou útil, usa o acto do terror.
A guerrilha sobrevive devido à sua grande mobilidade e maleabi-
lidade, sem dúvida, mas sobretudo, devido ao apoio das populações,
procurando actuar no seio do povo como peixe na água, para usar o
princípio de Mao Tse Tung (1972; p. 145), para quem a essência da
guerrilha assentava em seis princípios: iniciativa, flexibilidade e pla-
no na condução de uma acção ofensiva durante a guerra defensiva;
coordenação com a guerra regular; criação de bases de apoio, defen-
siva estratégica e ofensiva estratégica; desenvolvimento da guerra de
guerrilhas em guerra de movimento; relações justas de comando.
Aos princípios de Mao, Beaufre (1985; p. 104) acrescenta o dissu-
adir a população de informar, através de um terrorismo sistemático,
e, alargar ao máximo, em superfície, a ameaça da guerrilha, sem no

-131-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

entanto incitar o inimigo a recuar, mas sim a empenhar cada vez


mais meios.
A subversão armada, através das suas actuações, que na maioria
das vezes são espectaculares, procura instaurar o “clima psicológi-
co”, fomentar a agitação geral, mantendo a excitação emocional e, se
possível, a anarquia, tentando também por vezes provocar a reacção
repressiva, criando mártires e preparando a subversão para provocar
a unidade defensiva dos grupos visados. Esta é uma forma de se legi-
timar, aumentar a adesão e perpetuar a sua aceitação.
Tais situações, se retransmitidas amplificadamente pelos meios de
comunicação social numa engenharia de opinião (Chomsky, 1997; p.
25-29), podem criar a convicção pública de que, na generalidade, o
poder é impotente, que a guerrilha atingiu a impunidade e que aquele,
além de opressivo, é repressivo (nos casos em que não é impotente…).
Esta fase é decisiva, dado que, de certa forma, coloca já a subver-
são armada em superioridade sobre as forças da ordem constituída.
Consolida-se a organização, intensificam-se e generalizam-se as ac-
ções violentas, neutralizam-se as instituições, completa-se o esta-
belecer de estruturas político-administrativas e procura-se dominar
algumas áreas do território.
Numa quarta fase os movimentos insurreccionais concorrem
com o poder, improvisando escolas e hospitais, aplicando a justiça
e reclamando a existência de áreas libertadas, alegando ainda que o
território e a população estão cingidos pela sua organização políti-
co-administrativa. Esta fase pode ser designada por “Estado Revo-
lucionário”; nela, a guerrilha esforça-se normalmente por ter uma
conduta idêntica à de força regular e tende com alguma frequência
a invocar o estatuto de “Alta Parte Contratante” no quadro do desa-
fio que formula ao poder instituído, procurando, assim legitimar-se.
Por fim, a máquina subversiva acciona um exército que procurará, a

-132-
A Estratégia da Subversão

partir de bases, dominar todo o território, recorrendo já a operações


convencionais; durante o desencadear desta fase, reclamar-se-á fre-
quentemente o direito ao estatuto de combatente, nos termos pre-
vistos nas Convenções de Genebra e Protocolos Adicionais.

3. O fenómeno subversivo na actualidade

As actuais guerras com cariz subversivo são referidas por outros auto-
res como de terceiro tipo (Holsti, 1996), de quarta geração (Hammes,
2004), de debilitação nacional (Gelb, 1994), guerras pós-modernas
(Luttwak, 1995; Cooper, 2004), guerras híbridas (Hoffman; 2009),
ou mesmo, como adianta Mary Kaldor (2001), por guerras novas. No
seu desenvolvimento utilizam todas as formas de coacção disponí-
veis (política, económica, psicológica e militar) para convencerem os
líderes políticos adversários que os seus objectivos são inatingíveis
ou muito caros para os benefícios esperados (Hammes, 2004, p. 2),
provocando consequências no sistema internacional como um todo.
Nestas guerras as maiores vítimas são os civis inocentes que re-
presentam mais de 90% das baixas (Pearson e Rochester, 1997; p.
306) das quais, na última década, 2 milhões eram crianças, numa
média de uma em cada três minutos (Singer, 2005; p. 4-5), consti-
tuindo-se acima de tudo no principal objectivo. Não podemos tam-
bém esquecer os refugiados e deslocados, vítimas humanas que na
década de 70 do século passado eram cerca de 2,5 milhões, e na de
90 eram já mais de 23 milhões.
Considerarmos o fenómeno subversivo como intemporal e, tal
como Clausewitz o fez em relação à guerra, podemos compará-lo com
um camaleão, que modifica um pouco a sua natureza e se adapta a
cada caso concreto (Clausewitz, 1976; p. 89), assumindo actualmen-

-133-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

te, em consequência de diversos factores (intrínsecos e extrínsecos),


que caracterizam o sistema internacional e as sociedades políticas,
bem como as suas inter-relações, um carácter e formas qualitativa-
mente novas.
Com o fim da Ordem dos Pactos Militares (Moreira, 1996; p. 452)
houve alterações significativas que foram introduzidas no conflito
subversivo, sendo possível considerar duas circunstâncias com im-
pacto em tempos diferentes. A primeira será o impacto imediato pro-
duzido pelo fim da Guerra Fria, sobretudo pelo fim do apoio prestado
pelas grandes potências aos conflitos por procuração, sendo funda-
mental para se compreender a subversão contemporânea, identificar
o papel das suas novas formas, bem como das fontes de financiamen-
to (Byman, 2001; p. XIX). A segunda alteração, o impacto da globa-
lização, porque mais profundo e extenso, faz-se sentir num período
mais dilatado, ainda não terminado (Mackinlay, 2002; p. 15).
O fenómeno subversivo actual manifesta algumas linhas de con-
tinuidade em relação ao passado (assimetria, ambiguidade, lassidão,
guerra psicológica, terreno complexo, a mobilização política, uma
ideologia unificadora), mas, segundo Steven Metz (2004; p. 12-14),
a par da melhoria dos métodos e dos meios, apresenta diversas ino-
vações, como o transferir do esforço das áreas rurais para as urbanas
com a sequente incapacidade de concentração e actuação em larga
escala (o que limita o atingir das 4.ª e 5.ª fase do ciclo evolutivo);
uma diversificação de apoios; a criminalização de actividades; o alar-
gar das ligações e a capacidade assimétrica de projectar poder com o
terrorismo transnacional.
O desenvolvimento provocou uma alteração nas formas de ac-
tuação dos grupos subversivos, que actualmente recorrem à alta
tecnologia de informação e de comunicação disponível, surgindo
o termo infosurgents (Kiras, 2002; p. 227). Hoje, as cinco fases já

-134-
A Estratégia da Subversão

enunciadas para o ciclo evolutivo da subversão podem não ser se-


guidas, saltando-se etapas, como da primeira directamente para a
terceira fase. Actualmente, em algumas tipologias de subversão, o
tradicional apoio da população já não é essencial (Mackinlay, 2002;
p. 28-29), Steven Metz (2004; p. 13) vai mais longe, considerando
que a subversão contemporânea apenas necessita da passividade da
população, dado que grande parte dos movimentos subversivos pre-
cisam somente de garantir as fontes de abastecimento e instalações
que lhes permitam fazer chegar os recursos dos Estados, ou do que
deles resta, ao mercado internacional. Porém, em nosso entender,
uma vez que a subversão se movimenta entre a população, aquele
apoio é sempre fundamental, seja para ser manipulado, instrumen-
talizado, conquistado, ou mesmo para a transformar apenas em es-
pectadora pouco atenta, conseguindo desta forma a sua inacção.

3.1. A subversão e o crime organizado transnacional

Quando os Estados, que têm as suas estruturas de soberania


pouco consolidadas, entram em colapso, perdem o controlo, a
legitimidade e a coesão (Pauline e John, 1996; p. 20), facilitando
a criação, disseminação e consolidação de coligações e redes de
crime (Cooper, 2004; p. 66), as Organizações Criminosas Trans-
nacionais (OCT). Estas, que possuem objectivos lucrativos mui-
to bem definidos, uma capacidade de planeamento ao nível es-
tratégico e de condução de conf litos armados, envolvendo um
inimigo ou uma rede de inimigos, socorrendo-se muitas vezes
das mais modernas tecnologias (Metz, 2000, p. 56-57 e Carriço,
2002, p. 622), desenvolvem a sua actividade criando um ambiente
subversivo, não visando, no entanto, a tomada técnica do poder.

-135-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

No presente, das diversas actividades a que o crime organizado


transnacional se dedica, das mais rentáveis é o tráfico de estupefa-
ciente. As OCT, com as verbas geradas, adquirem um nível de po-
der que compete com o dos Estados. Exprimem-no pela capacidade
para criar diversas formas de instabilidade nos países onde operam,
instabilidade de amplo espectro, da social à económica, da política
à psicológica. Ao mesmo tempo, tentam conquistar indirectamente
o poder político pela corrupção dos seus órgãos de soberania e dos
funcionários. Por outro lado, com a finalidade de intimidar o poder
instituído, de forma a garantirem completa liberdade de acção nas
suas actividades criminosas, grupos como o Mara Salvatrucha68 ,
estão dispostos a usar elevados níveis de violência armada (Santos,
2004; p. 91-92) e, tal como já acontece na Bolívia e na Colômbia,
chegam a administrar partes significativas de um determinado ter-
ritório, assumindo para si os fins de segurança, bem-estar social e
por vezes até de administrar a justiça, substituindo-se plenamente
ao Estado, colocando ao mesmo tempo os conceitos tradicionais de
soberania e integridade territorial em causa.
As novas formas de subversão associadas aos conflitos armados
que surgem no contexto da globalização também têm uma dimen-
são económica, quer na origem, quer nas consequências (Williams,
2000; p. 89). São ainda indivisíveis do que é criminal, que passa para
além das fronteiras e envolve regiões inteiras, misturando numa rede
económica informal o saque e a pilhagem, o tráfico de seres huma-
nos, de armas e narcóticos, as contribuições de imigrantes (Angous-
tures e Pascal, 1996), os “impostos” sobre assistência humanitária,

68
O maior gang a nível mundial, contando com cerca de cem mil elementos espalhados por 6 países,
dedicando-se aos mais diversos tipos de crime, como a extorsão, o tráfico de droga, humano e de via-
turas.

-136-
A Estratégia da Subversão

tudo a viver da insegurança, da guerra, carecendo da continuação


do conflito.
Foram diversas as organizações revolucionárias como o Mouve-
ment des Forces Democratiques du Casamance e o Sendero Lu-
minoso que se envolveram na comercialização de estupefacientes,
criminalizando as suas actividades, pondo assim um pouco à parte a
vertente ideológica do conflito e transformando-se em narco-guer-
rilhas (Labrousse, 1996). Mas este envolvimento, que inicialmente
seria apenas para o financiamento, pode ser depois o próprio motor
da guerra.
A criminalização pode também afectar as Forças Armadas (Pa-
quistão, Peru, Turquia), que ou se deixam corromper entrando
numa lógica de enriquecimento pessoal (narco-corrupção), ou então
utilizam os fundos para financiar as suas actividades. Esta situação
acaba por prolongar os conflitos, pois a eliminação das narcoguer-
rilhas provocaria também o desaparecimento de uma boa fonte de
rendimentos (Labrousse, 1996).

3.2. As guerras civis e a luta urbana

Também algumas guerras civis podem assumir, nalgumas fases do


seu desenvolvimento, um carácter subversivo. Os conflitos inter-
nos que tendem a disseminar-se e que com facilidade ultrapassam
as fronteiras físicas dos Estados, constituem uma fonte acrescida da
instabilidade internacional (Dougherty e Pfaltzgraff, 2003; p. 360),
ao ponto de no presente ser difícil distinguir se uma guerra é inter-
na, internacional ou mista, dado que há um amplo leque de tonali-
dades de transição.
Nas guerras civis, onde os motivos são complexos e ambíguos

-137-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

(Kalyvas, 2003; p. 476) encontramos uma disjunção entre identida-


des e acções ao nível das elites e, por outro lado, ao nível das massas.
As alianças formadas pela conveniência respondem às oportunida-
des de cada momento, e inserem-se num contexto conflitual a nível
nacional e outro a nível local, que estilhaça a autoridade em milhares
de fragmentos e micropoderes (Kalyvas, 2003; p. 479).
Hoje, no mundo em desenvolvimento, assistimos a uma combina-
ção explosiva entre o crescimento populacional e a urbanização (Taw
e Hoffman, 2005; p. 2). As populações rurais motivadas pela fome,
pobreza e pelas guerras, refugiam-se ou imigram para os grandes
centros urbanos que crescem desreguladamente. Essas comunidades
migrantes vão-se instalar nas favelas, bairros da lata, vilas miséria,
callampas ou shantytowns, das cinturas suburbanas em condições
sub-humanas. Neste ambiente encontram terreno para emergir as
mais diversas formas de subversão, como os gangs de rua (Manwa-
ring, 2005)69, que ajustam as suas tácticas e estratégias, no bom re-
conhecimento de que o centro de poder político-económico-militar
está na conurbação, que o poder pode e deve ser atacado na sua sede
e não na periferia (Laqueur, 1984; p. 344), sendo a prossecução de
objectivos políticos através de actuações violentas compelida para as
cidades e para operações de pequena envergadura; ao mesmo tempo,

69
A argumentação de Max Manwaring assenta na seguinte base: “gang-related crime, in conjunction
with the instability it wreaks upon governments, is now a serious national security and sovereignty
problem in important parts of the global community. Although differences between gangs and in-
surgents exist, in terms of original motives and modes of operation, this linkage infers that the gang
phenomenon is a mutated form of urban insurgency. That is, these nonstate actors must eventually
seize political power to guarantee the freedom of action and the commercial environment they want.
The common denominator that can link gangs and insurgents is that some gangs’ and insurgents’
ultimate objective is to depose or control the governments of targeted countries. Thus, a new kind of
war is brewing in the global security arena. It involves youthful gangs that make up for their lack of raw
conventional power in two ways. First, they rely on their “street smarts,” and generally use coercion,
corruption, and co-optation to achieve their ends. Second, more mature gangs (i.e., third generation
gangs) also rely on loose alliances with organized criminals and drug traffickers to gain additional re-
sources, expand geographical parameters, and attain larger market shares” (2005).

-138-
A Estratégia da Subversão

a luta urbana inviabiliza ou condiciona a utilização de determinados


meios pela contra-subversão (O´Neil, 1990; p. 45 - 47).
Se outrora as cidades eram o culminar do processo subversivo,
agora constituem o seu meio ambiente privilegiado. Tal como na
guerrilha rural, nas selvas de zinco e adobe, os combatentes que se
misturam com a população com mais facilidade conseguem a cober-
tura dos meios de comunicação social, mostrando a incapacidade
do poder para a proteger (Taw e Hoffman, 2005; p. 15). Neste pano
de fundo, a subversão acaba por controlar uma determinada área e
estabelecer formas alternativas de poder, beneficiando os seus se-
guidores com a prestação de alguns apoios (incluindo a distribuição
de alimentos).
Um bom exemplo de subversão urbana pode ser hoje encontrado
no Brasil, onde em 1993 no Centro de Reabilitação Penitenciária de
Taubaté (Estado de São Paulo) surgiu o Primeiro Comando da Capital
(PCC). Esta organização inicialmente tinha o intuito de defender os
direitos e bem-estar da população reclusa. Porém, a partir de 2001 co-
meçaram a surgir atentados contra bens públicos e sobretudo contra
as forças de segurança, colocando “a ferro e fogo” várias localidades.
Os atentados eram coordenados a partir da prisão via telemóvel e apro-
veitaram muito o sensacionalismo dos meios de comunicação social.
Marcos Camacho, o “Marcola”, líder desta organização, em entrevista
a Armando Jabor do jornal O Globo é claro quanto à gravidade da
situação. Segundo Marcos Camacho estamos perante uma situação de
pós-miséria, em que já não há proletários, há sim uma terceira “coi-
sa” crescendo, sem medo de morrer, que gera uma cultura assassina
ajudada pela tecnologia, com métodos ágeis de gestão, que lutam em
terreno próprio, que estão no ataque e são cruéis. Para “Marcola” o
problema não tem solução, só a própria ideia é já um erro, afirmando:
“vocês não entendem nem a extensão do problema ”

-139-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

. A solução só viria “com muitos bilhões de dólares” gastos orga-


nizadamente, e tudo sob a batuta de uma “tirania esclarecida”, exer-
cida por um governante de alto nível, que ultrapassasse as barreiras
legislativas e judiciais, o que implicaria uma mudança psicossocial
profunda na estrutura política do país, ou, em alternativa, só recor-
rendo a uma bomba atómica sobre as favelas, sugerindo que “a gen-
te acaba arranjando também umazinha, daquelas bombas sujas … já
pensou? Ipanema radioactiva? ”
Armando Marques Guedes (2005) considera ainda que os movi-
mentos urbanos, como as manifestações e formas de “acção directa
anti-hegemónica” da “Esquerda festiva”, por exemplo, em Seattle
(1999), os motins urbanos, como aqueles que ocorreram em Los
Angeles (Abril/Maio de 1992) e, mais recentemente, em Paris (No-
vembro de 2005), ou os levantamentos populares pró-Democracia
ocidental e liberal na Europa Central e de Leste, constituem casos de
“subversão” notoriamente eficaz. Para Marques Guedes, todos eles
“ foram desenhados com compasso e esquadria; e todos se mostram
tão acéfalos como localizados nas fronteiras difusas entre a ilegali-
dade e a “desobediência civil”, entre a expressão democrática “legí-
tima” e formas nuas e cruas de exercícios voluntaristas do poder ”
(Guedes, 2005).
A luta urbana não é uma técnica nova. Assim foi na América La-
tina, onde no final da década de sessenta do século XX, o centro de
gravidade da luta subversiva passou do campo para a cidade, o que
rapidamente originou uma nova doutrina da guerrilha urbana. No
Brasil destacaram-se guerrilheiros urbanos como Carlos Lamarca e
Carlos Marighella (1969). Este último acreditava que uma pequena
elite subversiva poderia explorar o mais ligeiro descontentamento
e actuar como catalisador de uma insurreição popular mais gene-
ralizada, sem, no entanto, ser necessário efectuar a construção de

-140-
A Estratégia da Subversão

uma organização política, onde o apoio estudantil e da população


em geral aumentava na razão directa da repressão das autoridades
governamentais (Marighella, 1969; p. 39).
Marighella (1969) tentava, através da provocação, forçar o Ini-
migo a transformar a situação política em militar e a liberdade de
acção residia nas pequenas unidades, com uma cadeia de comando
simples, sem comissários políticos, apenas um comando estratégico
e uma coordenação regional. As principais qualidades e vantagens
da guerrilha urbana seriam a surpresa no ataque, um melhor co-
nhecimento do terreno, uma maior mobilidade e velocidade e uma
melhor rede de intell. Ao longo do seu manual, muito citado pelos
autores do Army War College norte-americano (Metz, 2004 e Be-
ckett, 2005), discorre sobre quais os principais alvos (sabotagem de
pipelines e transportes, instalações militares, assassinatos políticos,
raptos de polícias e americanos, artistas, figuras públicas). O rumor
era a base da guerra de nervos e essa informação deveria ser passada
às embaixadas estrangeiras, Nações Unidas (NU), nunciatura apos-
tólica, etc.. Assim, o Povo culparia o Governo da situação caótica e
pela insegurança (Marighella, 1969; p. 99).
Na selva de cimento do Uruguai, os Tupamaros – que combi-
navam a concentração estratégica com a descentralização táctica
– enfrentaram o problema comum a todas as guerrilhas urbanas:
enquanto os seus elementos eram poucos e a escala das operações
reduzida, permaneciam numa segurança relativa; porém, com o
crescimento da organização surgiam os problemas logísticos, de ba-
ses, e com mais facilidade eram identificados e capturados (Laqueur,
1984; p. 346).
As acções subversivas em ambiente urbano surgiram ainda entre
outros países como na Itália (Brigate Rosse), na Alemanha (Baader-
Meinhof), em França (Action Directe), na Argentina (Montoneros),

-141-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

no Japão (Nihon Sekigun) e no Perú (Sendero Luminoso). Todas


desafiaram a integridade política e socioeconómica dos seus países,
criando um clima de instabilidade e de insegurança individual e co-
lectiva (Manwaring, 2004; p. 29), seguindo um processo doutrinário
comum de três fases típicas da subversão urbana: organização, de-
sordem civil e terrorismo (Laqueur, 1984; p. 377), procurando sem-
pre a repressão violenta do Poder. No fundo, o aparelho do Estado
devia ser desmoralizado, parcialmente paralisado, destruindo-se as-
sim o mito da sua invulnerabilidade e ubiquidade.

3.3. As democracias e a subversão

Partindo do princípio que as sociedades dos países subdesenvolvidos


ou em vias de desenvolvimento são aquelas onde surgem as maiores
contradições internas, seriam estas que, face a uma primeira obser-
vação, se encontrariam particularmente vulneráveis à subversão de
qualquer sinal e procedência. Porém, autores como Trinquier (1961),
Delmas (1975), Laqueur (1984), O´Neil, (1990), Mackinlay (2002) e
Munkler (2003), consideram as democracias ocidentais mais atreitas
ao fenómeno, aproveitando a subversão, a sua organização social e
os seus meios para a enfraquecer.
Nestes Regimes, se, por um lado, não ignoram as intenções da-
queles agrupamentos (Delmas, 1975; p. 18), por outro lado, neles,
as reacções à violência estão limitadas por restrições constitucionais
ao horizonte ético, cuja violação afectaria um conceito que moldou
o próprio Estado. Os tempos de resposta são lentos, na medida em
que os aparelhos jurídicos o são, por escrúpulo ou força intrínseca
(como se queira ver); “ as limitações na montagem e funcionamen-
to de dispositivos preventivos, as restrições à instalação (assumi-

-142-
A Estratégia da Subversão

da) dos repressivos, o fosso tradicional entre pensamento político


e pensamento estratégico, a ausência de estruturas de propaganda
e contra-propaganda, a vincada dualidade civil/militar, não capa-
citam as democracias ocidentais à contra-subversão, em termos de
isolar eventuais grupos, desencadear, se preciso, a «operação ver-
dade» (para obtenção de crédito por parte da opinião pública), evitar
a situação de «tribunal popular» (onde o poder aparece réu face à
colectividade) e implementar, com eficácia, vigilâncias (milícias, por
exemplo) locais ” (Monteiro, 1993; p. 22).
Estas fragilidades expõem os governos ao ridículo e ao despre-
zo (Laqueur, 1984; p. 407). Deste modo, as democracias ocidentais
tornam-se vítimas dos seus próprios conceitos. Uma vez conhece-
doras da ameaça subversiva, só se podem preparar e reagir contra
ela, em princípio, reorganizando-se de acordo com princípios to-
talitários (Delmas, 1975; p. 19) ou quase totalitários70. Todavia, esta
situação implica uma restrição dos seus ideais, pelo que acreditamos
que, para a sobrevivência das democracias, essa preparação e reac-
ção passarão forçosamente pelo recurso, entre outros, a um eficaz
sistema preventivo, que preste um apoio isento e esclarecido aos ór-
gãos de soberania, sem complexos nem “má consciência”.

70
Nos EUA, antes do 11 de Setembro de 2001, o relatório da Commission on America´s National Inte-
rest, de Julho de 2000, alertava para a necessidade de o governo americano na sua luta anti-terrorista
não debilitar a sua legitimidade política e infringir direitos e liberdades dos cidadãos americanos. Com
os atentados esta ideia foi pulverizada e o Congresso aprovou legislação muito restritiva (USA Patriot
Act), que conferiu novos e diferentes poderes ao governo federal, visando sobretudo incrementar a
vigilância, controlo e eventual procedimento criminal sobre indivíduos e empresas suspeitos de apoia-
rem organizações terroristas, restringindo seriamente a tradicional liberdade de expressão, de circu-
lação e mesmo a privacidade.

-143-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

3.4. As origens e causas da subversão na actualidade

Podemos analisar a subversão segundo dois ângulos que podem ser


interdependentes: uma análise racional em função dos objectivos,
ou, por outro lado, uma análise segundo as motivações de quem no
terreno efectua as tácticas subversivas, onde os combatentes agem
sem racionalidade e de forma emocional.
Actualmente, os objectivos são idênticos aos do passado, o que há
de novo, em nosso entender, são as motivações e as diferenças nas
tácticas e nos novos recursos utilizados, incluindo tecnológicos. No
fundo, a substância mantém-se, mas a forma varia.
Pela descrição elaborada sobre o fenómeno subversivo na actu-
alidade, podemos efectuar uma sistematização das suas principais
origens e causas. Esta será apenas uma forma possível que auxilia a
análise do fenómeno descrito, devendo ter presente que nesta siste-
matização as fronteiras são ténues e, por vezes, cumulativas. Assim,
consideramos como principais origens e causas da subversão na ac-
tualidade:
· A histórica resistência contra ocupantes, como aconteceu na
Península Ibérica face ao invasor francês no século XIX e actual-
mente no Iraque;
· As formas clássicas da luta de libertação e ideológica, como
em algumas regiões da América Latina;
· Em áreas menos desenvolvidas, nos Estados fracos e colap-
sados, o desencadear de fenómenos violentos de cariz subversivo
para conquistar um poder frágil, como acontece um pouco por
toda o Continente africano;
· Económicas, associadas ou não ao crime organizado;
· A afirmação de identidades nacionais e conflitos de ajusta-
mento de fronteiras tem impelido determinados grupos a desen-

-144-
A Estratégia da Subversão

cadear guerras de secessão. As motivações podem ser alternativas


ou cumulativas e podem ser étnico-culturais, económicas, etc..
Em princípio nada têm a ver com as guerras da independência
anti-colonial, mas de comum têm a afirmação de uma identidade.
Este processo de ajustamento é quase sempre endógeno, explora-
do por potências exógenas, como acontece no Médio Oriente, na
Ásia Central e em algumas regiões de África;
· As mudanças civilizacionais. O desenvolvimento das socie-
dades e a sua transição do pré-modernismo para o modernismo,
ou deste para o pós-modernismo (Cooper, 2004), contêm em si
os germens de uma subversão. Este tipo de mudança cria e altera
significativamente as formas e relações de produção, as estrutu-
ras do poder, as relações entre governantes e governados. As con-
sequências sociais são potencialmente devastadoras, afectando o
equilíbrio das estruturas tradicionais, colocando em risco a sua
integridade social e cultural. No mundo ocidental, é o modelo de
Estado providência que é posto em causa;
· São ainda passíveis de tensão e ruptura nos diversos níveis
(interno e externo) as diferentes formas de migração e a conur-
bação com o fenómeno superveniente do desemprego, da “mi-
séria doirada” e de luta/instabilidade social; o populismo (Ropp,
2005)71; as tensões e mesmo a manifestações de agressão e vio-
lência entre os três tipos de sociedade anteriormente enunciados
quando perante os contrastes oferecidos (sobretudo via novas
tecnologias de comunicação e informação que ultrapassam todas
as barreiras de controlo edificadas, sendo o melhor exemplo a in-

71
Steve Ropp (2005) refere que a incerteza associada à globalização conduz, nas democracias repre-
sentativas, ao desrespeito pelas instituições formais, que pode, em situações extremas, levar ao de-
sencadear de acções políticas directas, ilegais, que minam as bases políticas e alteraram o ambiente
estratégico.

-145-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

ternet); entre sociedades, ou no respectivo interior, de tendências


promotoras de laicismo e outras de confessionalismo mormente
se tal traduz ou veicula concorrências de interesses tanto internos
como projectáveis no exterior (Monteiro, 1999/2000, p. 18).

4. As tipologias subversivas

Face à caracterização efectuada, hoje é possível classificar a subver-


são em quatro grandes tipologias72: lumpen, etnolinguística, popular
e global; sendo cada tipologia explicada como um modelo constitu-
ído por inúmeras facetas de análise (motivação, liderança, recruta-
mento, organização, capacidade de oposição, etc.) (Mackinlay, 2002;
p. 43), comportando um ou mais dos móbiles identificados.
As tipologias enunciadas são meramente académicas e servem
como instrumento de análise para explicar a natureza particular de
um determinado movimento. Esta não é uma tipologia estanque, as
características de cada uma são passíveis de se expandirem e cruza-
rem entre elas.

Lumpen

Os movimentos lumpen são bandos armados ligeiramente organiza-


dos, de estrutura informal e horizontal, que podem emergir e obter
sucesso contra um Estado fraco, a sua energia irradia da rua e não
pelo desenvolvimento intelectual de uma ideologia, a actuação mili-

72
Bard O´Neil (1990) sugere sete tipos de movimentos: anarquistas, igualitários, tradicionalistas, plu-
ralistas, secessionistas, reformistas e preservationistas. Mais recentemente Steven Metz (2004) carac-
teriza-as como nacionais ou como de libertação (2004).

-146-
A Estratégia da Subversão

tar precede a conceptualização dos motivos, em vez de emergir de-


les, e é levada a cabo sobretudo em áreas rurais; a disciplina assenta
na brutalidade extrema, com utilização profusa de estupefacientes
e de bebidas alcoólicas, onde o apoio da população surge pela mera
questão de sobrevivência, pois os elementos das unidades lumpen
sistematicamente agridem e exploram as populações; a pertença ao
grupo, para além da sobrevivência, é uma questão de identidade,
sendo o recrutamento forçado (Mackinlay, 2002; p. 44- 54). A Frente
Unida Revolucionária da Serra Leoa é um bom exemplo.
Para Ignatieff (1998; p. 132), forças destas podem ter apoio estatal,
podendo fazer o trabalho sujo e cometer as maiores atrocidades con-
tra a vida e dignidade da pessoa humana, o que não é “consentido”
às forças regulares.

Etnolinguística

A subversão de base etnolinguística ou similar, como aconteceu na


Somália, é definida pelos laços familiares das estruturas que podem
ser mobilizadas para o conflito em unidades militares primitivas que
são capazes de efectuar pequenas acções, mas não um combate sus-
tentado; são muito idênticas na actuação às forças lumpen, lutando
sobretudo por recursos e, cada vez mais, numa perspectiva de enri-
quecimento, porém as lealdades assentam na genealogia e a pertença
não é uma opção; uma unidade de combate de um clã é organizada
numa estrutura tradicional, onde as decisões são deliberações dos
mais velhos que desempenham um papel de relevo e a sua perenida-
de deve-se à necessidade individual de sobrevivência.
As suas forças são a manifestação da sua cultura e apresentam
poucos vestígios de doutrina de insurreição ou de organização em

-147-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

estado-maior, e a liderança é indicada pelos membros, de onde lhe


advém o ascendente pelos pares e a boa aceitação pelos mais velhos,
de quem dependem na angariação de fundos e recrutamento (Ma-
ckinlay, 2002; p. 54-66).

Popular

As forças populares distinguem-se das lumpen e das etnolinguísti-


cas, pela sua ideologia mais elaborada e pela proximidade das popu-
lações que apoiam essa ideologia, tendendo para uma organização
militar mais consolidada. Na forma tradicional podemos dizer que
tem um período pré-insurreccional e um insurreccional. São a res-
posta a um Estado forte, surgem de uma organização em segredo
que pode evoluir e conduzir operações prolongadas no tempo. A sua
estrutura é celular e tendem para adquirir uma componente política
autónoma da militar. Um bom exemplo é o dos movimentos inde-
pendentistas, como os que o poder português enfrentou em África.
Os seus métodos variam dependendo da fase da campanha.
Por vezes, é difícil distinguir quando se está perante uma cam-
panha revolucionária ou apenas de senhor da guerra. Actualmente,
como já referimos, um movimento subversivo cai com facilidade na
criminalização da actividade, sem procurar qualquer outra forma de
responsabilidade social e política que beneficie a população (Ma-
ckinlay, 2002; p. 94).

-148-
A Estratégia da Subversão

Global

As forças globais, que no período da Guerra Fria se manifestavam


através do movimento comunista internacional, apoiado pelo
Partido Comunista da União Soviética, encontram presentemente
a sua face visível em Bin Laden e na al-Qaeda, que se caracteri-
za por uma organização armada proveniente de diversas regiões,
apoiada por uma vasta diáspora que partilha a mesma ideologia
ou religião, e as suas acções são acompanhadas pelos meios de co-
municação social que lhe ampliam o impacto (Mackinlay, 2002,
p. 12-13).
Estes movimentos estão muito próximos dos movimentos popu-
lares, mas são distintos, uma vez que têm intenções, objectivos,
recrutamento e organização globais. Neste tipo de subversão há di-
versas facetas em tudo semelhantes às dos cartéis da droga: estru-
turas de rede transnacionais; compartimentação em células semi-
autónomas que desenvolvem a maioria das actividades críticas da
organização; planeamento das operações meticuloso com um cui-
dado extremo na pesquisa e análise de intelligence, ambos apren-
dendo com a experiência e adaptando as suas estratégias e práticas
(Kenney, 2003; p. 192).
Consideramos a subversão global como uma entidade de estru-
tura celular, desterritorializada e por vezes acéfala (Bauer e Raufer,
2003, p. 106), que procura atingir os pontos mais críticos de conver-
gência entre a sociedade e o aparelho do Estado e está mais voca-
cionado para desgastar o poder que desafia ou para promover a sua
rejeição do que para o derrubar, procurando forçar um comporta-
mento repressivo, logo, comprometedor, e demonstrar a constran-
gedora ineficácia da prevenção (Monteiro, 2002; p. 3). Para além da
espectacularidade dos efeitos das suas actuações (concepção e exe-

-149-
Qual de Nós Terá Razão?

cução dos actos materiais em si mesmos), procura a ressonância pu-


blicitária junto da opinião pública, bem como os efeitos psicológicos
causados nos alvos.
Ao que nós apelidamos de subversão global, aparece-nos nor-
malmente com a designação de terrorismo transnacional ou mesmo
global, motivo pelo qual neste estudo, e a partir daqui, trataremos
indistintamente os dois conceitos.
O tema do terrorismo transnacional será analisado em parte es-
pecífica deste livro.

5. Premissas da subversão

Pela descrição efectuada pode concluir-se que uma subversão me-


tódica, de cunho voluntarista, normalmente visa desmoralizar ou
desintegrar e desacreditar a autoridade, seguindo cinco premissas
que se encontram nos práticos da subversão, de T´ai Kung, passando
por Mao e indo até Bin Laden: Sustentar que o governo é indigno;
sustentar que o governo não está identificado com valores nacionais
e, portanto, se apresenta como estrangeiro; atacá-lo com violência e
persistência, para impressionar as massas; procurar a impunidade
dos ataques, para demonstrar que o governo é impotente e, logo,
figuração a derrubar e, neutralizar e/ou arrastar as massas para im-
pedir uma intervenção espontânea a favor do restabelecimento da
ordem anterior (Mucchielli, 1976; p. 69 e Monteiro, 1993; p. 23).
O processo é sempre eficiente, reunidas as condições mínimas
nos terrenos sobre que incida. O sinal da sua concreta procedência
ideológica, bem como da estratégia em que se integra, muitas vezes
só é perceptível depois de apurar a quem aproveita ele; isto, sem
embargo de “ conjunturas nas quais, perdido o controlo por parte

-150-
A Estratégia da Subversão

do «autor moral» (situação mais frequente nas organizações terro-


ristas), a subversão entra em órbita irregular (aproveitável então por
forças diferentes das da partida) ou passa a funcionar como elemen-
to de erosão passiva ” (Monteiro, 1993; p. 23-24).
A contínua proliferação de grupos subversivos parece-nos ser
um indicador claro que esta forma de luta assimétrica foi largamente
entendida como um meio efectivo de alcançar o poder, sendo que os
movimentos que obtiveram sucesso foram aqueles que mostraram
capacidade de organizar uma infra-estrutura política suficiente-
mente durável para aguentar um conflito de longa duração (Beckett,
2005; p. 3).

Síntese conclusiva

Nesta parte iniciámos com uma conceptualização da Estratégia para


depois analisarmos o fenómeno da subversão e a Estratégia a ele as-
sociada. Como vimos, obedece a uma actuação global, que visa sem-
pre o poder.
Salientamos da nossa análise o seguinte: a subversão também
é um fenómeno político intemporal que afecta a soberania dos Es-
tados e cuja substância se mantém, mas modifica o seu carácter e
adapta-se a cada caso concreto, assumindo hoje formas qualitativa-
mente novas em consequência de diversos factores que caracterizam
o Sistema Internacional e as sociedades políticas, bem como as suas
inter-relações.
Nesta ordem de ideias, a subversão na actualidade, que agrupá-
mos em quatro grandes tipologias, lumpen, etnolinguística, popular
e global, manifesta-se devido a fenómenos como: a conurbação, o
recrudescimento dos nacionalismos, as mudanças civilizacionais em

-151-
Qual de Nós Terá Razão?

diversas sociedades ou no confronto entre elas, o crime organizado,


o terrorismo transnacional, a forma clássica da luta de libertação e
ideológica, ou através da tradicional resistência à ocupação territo-
rial. Estas motivações podem ser alternativas ou cumulativas, en-
contrando a sua expressão mais violenta nas também designadas por
guerras de quarta geração. Estas guerras são todas irregulares, sem
regras, sem princípios, sem frente ou retaguarda, onde os objecti-
vos são fluidos, no entendimento de que a única legitimidade é a do
exercício, tendo como maiores vítimas as populações.

-152-
Quinta Parte
A Estratégia da Contra-Subversão73
Na parte precedente analisámos a Estratégia da subversão e as carac-
terísticas do fenómeno na actualidade. Pensamos que se impõe ago-
ra uma análise da Estratégia de resposta a dar à subversão, ou seja,
da Estratégia da contra-subversão. Assim, sabendo que a subversão
obedece a uma Estratégia total, adoptámos um modelo de análise ho-
lístico e identificámos as 5 Estratégias gerais (político-diplomática,
socioeconómica, psicológica, informações e militar) que dão corpo à
estratégia total contra-subversiva.
Efectuada a identificação das integrantes da Estratégia contra-
subversiva, foi nossa opção efectuar uma análise de cada uma das
Estratégias gerais que o poder formal vai utilizar para concretizar a
sua resposta.

1. A Estratégia contra-subversiva e as suas integrantes

À estratégia das guerras de cariz subversivo deve ser oposta uma es-
tratégia contra-subversiva, que tem como objectivo final a protec-

73
A versão inicial deste tema foi abordada em outros trabalhos anteriores, de que destacamos a versão
integral na Revista Estratégia XVI de 2007, com o título “Descrição do fenómeno subversivo na actua-
lidade. A estratégia da contra-subversão. Contributos nacionais”, p. 27-98.

-155-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

ção e o fortalecimento de todas as estruturas da região em causa, de


modo a impedir que a subversão possa desencadear-se ou, se inicia-
da, possa ter êxito (Alves, 1999; p. 283), ou seja, evitar a subversão.
Para a prossecução deste objectivo a manobra divide-se em três ob-
jectivos intermédios (Couto, 1989; p. 306 e CECA, 1990; p. 95):
· Neutralizar e destruir a estrutura subversiva;
· Preservar e fortalecer as forças da contra-subversão;
· Preservar e obter a adesão da população, criando interna e ex-
ternamente condições que desfavoreçam a eclosão da subversão.

Estes objectivos podem ser alcançados segundo técnicas destrutivas


e construtivas e diversos tipos de processos como (Couto, 1989, p.
307-311 e CECA, 1990; p. 98):
· Gerais, onde incluímos as actividades de informações, de acção
psicológica e de anti-lassidão;
· Específicos de acção interna, onde são incluídas as acções mi-
litar, policial, psicológica, político-administrativa e socioeconó-
micas;
· Específicos de acção externa, militar, económica, política e psi-
cológica;
· Processos especiais.

Da descrição do fenómeno subversivo feita na quarta parte e pela


sistematização elaborada acerca dos objectivos e processos contra-
subversivos, podemos concluir que os principais actores do ambien-
te subversivo são a população, as forças de subversão, as forças de
contra-subversão e a comunidade internacional, todos eles a rela-
cionarem-se e a condicionarem-se de uma forma dinâmica.
Esta abordagem permite-nos criar um modelo holístico para a
análise do fenómeno subversivo/contra-subversivo com base na ca-

-156-
A Estratégia da Contra-Subversão

racterização da estratégia quanto às formas de coacção de Beaufre


(1985), mas transformado, deixando de ser piramidal e apresentando
agora uma estrutura matricial, e com mais uma estratégia geral, a
estratégia de informações. Este modelo fica muito semelhante ao de
Gordon McCormick da Naval Post Graduate School (2003)74. Para
a definição do nosso modelo, tivemos em consideração que qual-
quer resposta contra-subversiva deve ser contextualizada no espaço
e tempo próprios, deve ser equacionada para fazer face aos móbi-
les que a originaram e à tipologia subversiva identificada, e deve ter
em conta que a aplicação dos diversos processos e técnicas, a sua
combinação, integração e coordenação formam a estratégia contra-
subversiva. Esta estratégia deverá ser total, ao nível interno e exter-
no, directa e indirecta, antilassidão, carecendo de uma coordenação,
muito estreita, de cinco estratégias gerais, que caracterizam o nosso
modelo de análise: político-diplomática; socioeconómica; psicológi-
ca; informações; e militar.
A contra-subversão deve apoiar-se num programa político bem
definido, realizável, que vá ao encontro do pulsar das populações,
realizada com determinação e “ comunicado, esclarecido e valori-
zado através de uma eficiente e intensa acção psicológica ” (Couto,
1998; p. 298), tendo em consideração que o centro de gravidade a
atingir é a população, e que cada actuação afecta as percepções que
quer a população quer a comunidade internacional têm da situação,
pelo que a conquista das suas adesões é fundamental. Só depois de se
conseguir estas conquistas se poderá actuar com operações rendíveis

74
O modelo de McCormick é uma ferramenta para a análise de situações de subversão e de contra-
subversão, tendo por base o desenvolvimento de uma visão simétrica das acções exigidas quer pela
subversão quer pela contra-subversão para alcançar o sucesso. McCormick define a manobra subver-
siva/contra-subversiva assente em cinco estratégias de actuação: a conquista das populações; negar ao
adversário o controlo das populações; acção directa sobre o adversário; afectar as ligações do adversário
à comunidade internacional e estabelecer relações com a comunidade internacional.

-157-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

a outro nível (Canonico, 2004; p. 12). Não queremos com isto dizer
que não haja, por exemplo, uma intervenção directa sobre as forças
subversivas e que as outras manobras não se vão desenvolvendo em
simultâneo, uma vez que elas se complementam.
A estratégia contra-subversiva também tem um ritmo próprio,
que abrange um período de prevenção e outro de intervenção, sen-
do o primeiro contínuo e acompanhando o segundo (Alves, 1999; p.
284). Tal como qualquer doença, a melhor forma é preveni-la para
evitar o desenvolvimento do ciclo evolutivo clássico. Caso não se evi-
te o eclodir da mesma, tudo deve ser feito para reduzir o período de
inércia, de hesitação e de adaptação dos planos existentes, que ca-
racteriza a estratégia contra-subversiva na passagem de um período
a outro (Trinquier, 1968; p. 133). O tempo para a resposta é de facto
importante.
Este ritmo passa pela preparação dos diversos sectores de activi-
dade do Estado no período de prevenção. No período de intervenção
há uma fase de limpeza, onde se estabelece o dispositivo das forças
de segurança e militares, procurando criar um clima de segurança;
uma fase de consolidação, onde se restabelece a organização gover-
namental e o controlo pelas autoridades civis, mantendo ainda uma
forte presença militar e, por fim, uma fase de reconstrução, onde se
regressa à normalidade, com a transferência de responsabilidades
para as autoridades civis e administração locais (Arriaga, 1961/62,
Couto, 1989, e CECA, 1990).
Uma das ironias e problema com a estratégia contra-subversiva
reside no frequente não reconhecimento, ou negação, por parte do
regime que a deve desencadear, da existência de subversão no seu
território, dando tempo a que o fenómeno se desenvolva, iniciando
o conflito com iniciativa e vantagem estratégica (Metz, 2004; p. 23),
levando ainda a um atraso na resposta. A resposta deve demonstrar

-158-
A Estratégia da Contra-Subversão

a sua vontade, os meios e a capacidade para derrotar a subversão e a


sua credibilidade não pode ser afectada por uma constante privação
das liberdades e garantias das populações, nem pelo deixar andar e
permitir a instalação consolidada da subversão.
A contra-subversão é uma actividade de alto consumo de tempo
e de recursos. O tempo mede-se em décadas e não em anos, a vitó-
ria ou sucesso num conflito deste cariz mede-se, sobretudo, pelas
repercussões psicológicas (Couto, 1989; p. 321), e não tanto pelos re-
sultados militares alcançados. Para Marcello Caetano (1974; p. 169),
mais do que em qualquer outra guerra, “ vale nesta o princípio de
que o vencido é o primeiro que desiste de lutar e se considera derro-
tado ”. O sucesso também se alcança pelo ganho de vantagens ao ad-
versário em termos de tempo, espaço legitimidade e/ou apoios. Estas
vantagens não são mutuamente exclusivas e a excelência de uma não
compensa as carências da outra (Kiras, 2002; p. 212).
Nesta tipologia de conflitos a vitória não conduz a uma rendição
incondicional marcada pela assinatura de um documento formal; a
vitória é cada vez mais definida pelo alcançar de uma paz sustentada
(Kitson, 1971; p. 70), de preferência com a remoção das causas que
estavam na origem desse mesmo conflito, bem como as suas mani-
festações (Zartman e Rasmussen, 2001; p. 11).
Para a contra-subversão é imperioso saber contra quem se com-
bate, quais os seus móbiles, dado que é distinto combater contra um
adversário com ética e regras do que combater alguém sem regras,
disposto a tudo; no fundo, a diferença entre combater contra guer-
reiros ou soldados na feliz expressão de Hammes (2004; p. 41). A
contra-subversão deve, pois, cingir-se às normas éticas da condu-
ta das hostilidades, apesar de se poder desenrolar uma luta desleal,
com diferentes regras para os jogadores.
A conduta ética da contra-subversão não invalida de forma algu-

-159-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

ma operações clandestinas e cobertas. O emprego de agentes infiltrados


secretos e de informadores, já referido por Sun Tzu (1974; p. 120), é im-
prescindível em qualquer conflito, dado que aqueles conduzem um con-
junto de actividades necessárias para o conhecimento do adversário. É no
entanto interessante referenciar que no Congresso norte-americano não
há unanimidade quanto ao emprego de métodos extra-legais75.
Uma actuação sem ética pode conduzir a situações semelhantes àque-
las que ocorreram na Argentina onde, entre 1969 e 1979, a repressão foi
violentíssima (assassinatos, raptos, tortura, internamentos compulsivos,
venda dos bens dos desaparecidos, venda dos filhos dos prisioneiros po-
líticos), originando a expressão de guerra suja, que conduziu ao fim da
subversão dos Montoneros e seus aliados, mas que 30 anos passados ainda
faz sentir os resquícios sociais (Manwaring, 2004; p. 16). Aquela resposta
desproporcionada pode-se designar por terrorismo de Estado, que acaba
por afastar o apoio popular. Apesar de tudo, a repressão é considerada por
Trinquier (1968; p. 133) como inibidora da subversão, o que nos pode in-
duzir a pensar numa solução para o fenómeno subversivo pela força, im-
posta pelo terror, mudo ou não. Porém, Raymond Aron (1988; p. 685), para
quem a repressão pode ser necessária quando se atinge a fase da guerrilha,
é esclarecedor ao considerar que ela raramente é eficaz contra a propa-
ganda, a infiltração, as tentativas de sedução dos intelectuais, a exploração
do descontentamento popular e para o convencimento dos hesitantes da
superioridade moral ou histórica da contra-subversão.
Na Itália, no bom entendimento do princípio de Maquiavel que “ os
principais fundamentos que têm todos os Estados (…) são as boas Leis e as
boas tropas ” (1990; p. 56), foi a legitimidade e a ética de actuação do Esta-

75
“The use of law enforcement mechanisms against international threats may also imply that non-legal ins-
truments, such as military force or a covert action by an intelligence agency, are less important and can be
deemphasized. Questioning this assumption, observers argue that some important international outcomes are
utterly unobtainable through judicial processes”. (Congressional Research Service, 2001, p. 6).

-160-
A Estratégia da Contra-Subversão

do que permitiu uma resposta total, legislativa, política, psicológica,


social e económica, para fazer face às quase três centenas de grupos
subversivos com que o poder se defrontava.

2. A Estratégia político-diplomática

Ao falarmos em estratégia político-diplomática equacionamos sem-


pre uma actuação externa e outra interna. A nível interno, a acção
política está estreitamente relacionada com as reformulações de ca-
rácter dinâmico realizadas pelo poder, com a tomada de decisões a
nível administrativo, e com a adopção de medidas de âmbito legislati-
vo, regulamentar, organizativo e de reforço da autoridade do Estado.
A nível externo a contra-subversão tem diversas formas de actuação.
Através da acção diplomática sobre Estados, OI ou outras entidades
identificadas com relevância estratégica, procura angariar apoios e
reduzir os da subversão, promovendo o seu descrédito, recorrendo,
se necessário, a uma diplomacia coerciva (O´Neil, 1990; p. 149). Ao
nível externo, propomos ainda a vertente de actuação cooperativa da
comunidade internacional.
Esta estratégia é fundamental, uma vez que é com e através dela
que se garante a liberdade de acção – a essência da Estratégia – para
se poder conceber a estratégia ao nível interno onde jogam três vari-
áveis fundamentais: as forças materiais, as morais e o tempo que essa
manobra leva (Beaufre, 1985; p.121).
O sistema político-administrativo desempenha um papel fulcral
quer na prevenção quer no combate à subversão, pois é através dele
que grande parte da acção contra-subversiva é concebida, sendo as-
sim necessário adoptar diversas medidas que reforcem a autoridade
do Estado. A título de exemplo: a definição de políticas geradoras

-161-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

de um clima de segurança e bem-estar, prevendo e preparando me-


didas legislativas adequadas (penais e outras), de implementação
permanente; a criação/manutenção de um eficiente sistema de in-
formações; o fortalecimento das instituições militares, de segurança
interna e dos órgãos de soberania, bem como a preparação de planos
de contingência, com a finalidade de dissuadir aquele tipo de activi-
dades, procurando evitar ou, no mínimo, antecipar a implantação da
subversão (Couto, 1989; p. 334-348).
Compete aos Governos fomentar a melhoria das condições de
vida das populações, o seu progresso social, segurança e bem-estar.
Esta missão passa necessariamente pela criação/melhoria das estru-
turas e infra-estruturas de base, como as redes viárias, ferroviárias,
fluviais, eléctrica, de saneamento básico, médico-hospitalar, esco-
lar, entre outras.
É ainda fundamental promover acções de propaganda, de infor-
mação pública, de políticas de combate à corrupção, de partilha de
informação entre os diversos órgãos de soberania e serviços afins
da segurança e defesa, de medidas fiscais e fiscalizadoras rigorosas,
procurando dificultar a lavagem de dinheiro. O combate deve ser
feito sobretudo através de medidas que ajudem a reverter as origens
e causas do fenómeno, uma vez que acreditamos que não é possível
fazer frente à subversão apenas com acções policiais ou com a pu-
blicação de novas leis. A chave do problema está na sociedade em si,
na sua estrutura e, acima de tudo, na formação cívica dos cidadãos.
É a este nível que são necessárias verdadeiras intervenções de fundo
(Williams, 2000; p. 185).
Caso a subversão se manifeste em áreas urbanas, enfatizar o ter-
rorismo e não o apoio popular, a resposta pode ser encontrada em
acções modestas mas vigorosas e adoptadas apenas nos meios urba-
nos (O´Neil, 1990; p. 160), requerendo um conjunto vasto de capaci-

-162-
A Estratégia da Contra-Subversão

dades, doutrina e treino, bem como uma necessidade de identifica-


ção das causas da subversão e dos requisitos políticos para a conter
(Taw e Hoffman, 2005; p. 21).
Vimos na segunda parte que umas das fontes de apoio da subver-
são provém das diásporas e dos refugiados. Assim, os Estados devem
ser pragmáticos no seu controlo impedindo esse auxílio (Byman et.
al., 2001; p. XVI) e, quando oportuno, devem aproveitar as suas liga-
ções em proveito dos seus interesses e da comunidade internacional,
interesses esses que podem passar pela resolução ou transformação
do conflito (Zartman e Rasmussen, 2001; p. 41)76. Os Estados, coli-
gações destes ou OI não devem esquecer o velho princípio que ne-
gociar com a subversão em igualdade apenas serve para a prestigiar
(Couto, 1989; p. 296). Nesta ordem de ideias, as negociações devem
ser feitas em posição de superioridade, para cativar desmoralizados,
ao mesmo tempo que se oferece uma saída sedutora para os não-
irredutíveis (Kitson, 1971; p. 144).
Na actualidade, as guerras subversivas manifestam-se, como vi-
mos, de formas distintas e não como variantes da mesma forma. A
resposta a cada uma delas, de acordo com Mackinlay (2002; p. 99),
é caracterizada por um planeamento diferente, bem como por prin-
cípios e aproximações diferentes, sendo muito perigoso aplicar os
princípios de contra-subversão de uma tipologia a outra tipologia
diferenciada. A estratégia desta resposta depende muito da eficá-
cia da organização global do poder instituído, do espírito de coope-
ração entre as autoridades civis/militares, nomeadamente, do grau
de compreensão que os comandantes militares tiverem da utilida-
de do aproveitamento das autoridades civis. Para proporcionar mais

76
Para Zartman e Rasmussem (2001; p. 11), a transformação do conflito é entendida como “replacing
conflict with positive relationships – cooperation, empathy and interdependence between parties”.

-163-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

rendimento a esta cooperação, a história demonstrou que deve ser


efectuada uma concentração de poderes, civis e militares, na mesma
autoridade77.
Num conflito de carácter total, é necessária uma estreita coor-
denação entre as acções de todos os elementos civis e militares, pelo
que ou se concentram poderes, seguindo o princípio da unidade
de comando, o que pode facilitar procedimentos e, eventualmen-
te, diminuir o tempo de resposta ou, então, em situações onde eles
estejam separados, se criam órgãos e estruturas em que podem ser
delineados planos e tomadas decisões que permitam uma melhor
colaboração e rendimento (em Moçambique, lembramos o Conselho
de Defesa presidido pelo Governador-Geral).
O desenho organizacional da contra-subversão também pode ter
diversas concepções. As estruturas civis ou militares podem estar
cindidas numa só, como já referimos, ou podem ser separadas, e as
responsabilidades pela segurança interna e externa também. Caso
as estruturas estejam dispersas por diversos órgãos de soberania, é
necessário existir um órgão de coordenação das actividades. As es-
truturas serão diferentes nos períodos preventivo e de intervenção,
mas os princípios base que propomos são os da flexibilidade e di-
namismo, que permitam aos Estados transitarem para situações de
instabilidade sem ter, necessariamente, de recorrer a medidas de ex-
cepção, sendo importantes o particularismo da situação e, acima de
tudo, os resultados.

77
Foi o que fez a Inglaterra na Malásia (1948-1960) e no antigo ultramar português, também foi esta a
estratégia adoptada, acumulando o Governador-Geral, nos primeiros anos de guerra, simultaneamen-
te as funções de Comandante-Chefe. Podemos ainda consultar o interessante livro de Adriano Moreira
(1961) Concentração de Poderes e ainda Marechal Lyautey (1933) Lettres de Tonkin et de Madagascar
(1894-1899). Na Itália, a concentração de poderes no Carabinieri General (1968-1982) e na unificação
do intelligence, até o PCI colaborou (Manwaring, 2004). Mais recentemente, a propósito das operações
de estabilização das forças norte-americanas no Iraque, podemos detalhar em Hoffman, Bruce (2004)
– Insurgency and counterinsurgency in Iraq. Santa Mónica: Rand Corporation.

-164-
A Estratégia da Contra-Subversão

Quando uma guerra de cariz subversivo se revela num determi-


nado Estado com instituições consolidadas, tem sido a norma ser
este a procurar resolver por si o problema, o que não impede que ob-
tenha cooperação e colaboração internacional. Se, por outro lado, a
guerra subversiva eclodir num Estado falhado, este é incapaz de por
si só enfrentar a situação, sendo também por norma a comunidade
internacional, quando necessário, legítimo e possível/conveniente,
através de uma OI ou de uma coligação, a procurar solucionar o pro-
blema, ou, pelo menos, a minimizar os seus efeitos e alastramento.
O problema da intervenção internacional em Estados conside-
rados fracos ou falhados, não é simples de resolver e ultrapassa as
questões da legitimidade e do consentimento. A acção poderá ser de
características multidimensionais e assumir a natureza de state buil-
ding ou, então, como adianta Holsti (2001; p. 203), antes, temos de
dar resposta à questão básica que assenta na necessidade de saber se
o conceito Ocidental de Estado é o elemento mais apropriado para as
sociedades que sempre tiveram tipos diferentes de sistemas e orga-
nização política, dado que, como O´Neil (1990; p. 135) bem refere, a
solução pode estar na adopção de um modelo institucional alterna-
tivo local.
As medidas apontadas até agora servem as quatro tipologias
subversivas enunciadas por nós na parte precedente, porém, a sub-
versão global, que se manifesta através das diversas formas de ter-
rorismo é, em simultâneo, considerada uma ameaça transnacional,
pelo que a estratégia contra-subversiva obedece a certas especifici-
dades, sendo também necessariamente uma resposta política trans-
nacional. Este assunto será abordado neste livro em parte específica
relativa às modalidades de acção estratégica para fazer face ao terro-
rismo transnacional.

-165-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

3. A Estratégia socioeconómica

Para Nasution, General indonésio, a contra-guerrilha deve aperce-


ber-se de quais são os problemas socio-económicos e político-ideo-
lógicos que permitiram o emergir e expandir da guerrilha (Nasution,
1965; p. 55), para depois efectuar a conquista da adesão das popu-
lações que não controla, o que só pode ser conseguido se a contra-
guerrilha apresentar uma ideologia superior ou, no mínimo, uma
melhoria da suas expectativas, correndo sempre o risco de todas as
acções policiais e militares, apesar de bem executadas, serem em vão
por se dirigirem apenas aos efeitos e não às causas (Nasution, 1965;
p. 100), sendo também necessário, para conseguir o apoio da popu-
lação, convencê-la da vitória.
Neste estudo consideramos que a actuação socioeconómica sobre
as populações, visando a melhoria das suas condições de vida e a
manutenção ou conquista/reconquista da fidelidade às Autoridades
formais, passa pela síntese de duas acções que devem ser desenvol-
vidas em permanência, inscrevendo-se desde o período preventivo
ao de intervenção: o controlo da população e dos recursos e a melho-
ria das estruturas e infra-estruturas.
As medidas de controlo das populações e dos recursos, para além
de visarem proteger fisicamente a população e destruir a estrutura
subversiva, procuram isolar a população da subversão, impedindo
que as instituições e os serviços sejam afectados pela propaganda e
pelos agentes subversivos (Couto, 1989; p. 322). Consequentemente,
as actividades dos habitantes terão de ser controladas, de forma a
tornar possível a detecção do In e impedir ou dificultar a presta-
ção de todas as formas de apoio. O controlo da população contribui
ainda para a reconversão da população subvertida e para o restabe-
lecimento das instituições e dos serviços afectados. Estas medidas

-166-
A Estratégia da Contra-Subversão

devem ser aplicadas com moderação de forma a não provocarem o


inverso do pretendido e serem assim susceptíveis de aproveitamento
pela subversão.
Face à natureza do objectivo, compete às autoridades civis a exe-
cução destas medidas de controlo. Contudo, nas regiões em que as
autoridades civis se mostrem incapazes de o garantir de per si, as
Forças Armadas (FA) poderão ser chamadas a colaborar nesse con-
trolo. Esta actividade abrange medidas como o recenseamento e
enquadramento da população; o controlo da informação pública; o
controlo de armas e dos meios de transmissão e transporte; o contro-
lo de abastecimentos e movimentos; a imposição de recolher obriga-
tório e, quando necessário, o apoio ao reordenamento de populações
(Arriaga, 1961/62; p. 4-8 e EME, 1966 d; cap. III, p. 2).
O reordenamento, feito normalmente através da prática do alde-
amento, tem seis finalidades principais: 1) Despovoar certas áreas,
com a finalidade de furtar ao inimigo o apoio político e material da
população local; 2) Isolar as populações, da subversão que já exis-
ta na área; 3) Proteger as populações da subversão; 4) Reorientar
politicamente a população, por meio de apoios das autoridades ad-
ministrativas; 5) Desenvolver um espírito de comunidade e interde-
pendência agrícola e económica; 6) Despovoar determinadas áreas,
a fim de dar às forças de segurança mão livre na execução de opera-
ções, libertando-as, assim, do factor inibitivo que é a possibilidade
de se matarem populações inocentes (ADIEMGFA, 1970).
Os aldeamentos também podem ser a resposta à dispersão das po-
pulações e uma forma de facilitar a actuação psicológica e a promo-
ção socioeconómica. Devemos, no entanto, estar cientes que quando
as populações são maioritariamente urbanas, este tipo de actuação é
dificultada, quando não impossível.
O enquadramento traduz-se num esforço de extensão da acção

-167-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

administrativa, policial e militar, procurando com estas medidas a


destruição de eventuais estruturas subversivas no interior da popu-
lação ou pelo menos o seu controlo. Com a autodefesa, além de se
comprometer a população com a causa contra-subversiva e da sua
consciencialização, contribui-se para a economia de esforço das for-
ças militares, que ficam assim disponíveis para outras missões. A
opção pela autodefesa levanta sempre o risco de se estar a contribuir
para o esforço do inimigo (Trinquier, 1961; p. 85).
Ao nível da melhoria de estruturas e infra-estruturas, a adop-
ção de medidas concretas e visíveis contribui para a criação de um
ambiente propício para a conquista da adesão plena das populações.
Esta actuação deve ser conjugada com uma intensa acção psicológica
no sentido de conquistar os corações e as mentes. A estratégia socio-
económica deve ser exercida sobre as populações em duplo controlo
ou controladas pelo poder em exercício, procurando conquistar a fi-
delidade, consolidando as adesões, anulando o efeito da propaganda
adversária e fomentando a apresentação ou, no mínimo, a aceitação
da futura recuperação ou até a situação de duplo controlo. O que
interessa é o exercício de influência: sensibilizar e cativar – a adesão
plena virá a seu tempo.
A promoção socioeconómica das populações faz-se pela elevação
do nível de vida das mesmas, satisfazendo as suas necessidades mais
urgentes e destina-se a sustentar a fidelidade das populações ao po-
der constituído. Essa fidelidade é desafiada pela subversão, que em
certas regiões, como já vimos, pode colocar as populações sob seu
controlo ou sob duplo controlo. Esta estratégia visa conseguir a ade-
são das populações e impedir a subversão da realização dos seus ob-
jectivos psicológicos, tendo a estratégia militar que garantir o espaço
e o tempo necessários para a consecução desse objectivo.
Na manobra interna, os militares com a sua capacidade militar

-168-
A Estratégia da Contra-Subversão

sobrante devem também participar na promoção socioeconómica


das populações em áreas como as assistências sanitária, religiosa,
educativa e económica (EME, 1966 c). Parece-nos evidente a inutili-
dade do esforço militar se os objectivos socioeconómicos, que estão
na base da contra-subversão, não se concretizarem.
A acção de assistência sanitária é um poderoso meio de cativar
populações. Para suprir lacunas e carências de diversa ordem, as FA
podem prestar assistência médica às populações. As equipas médi-
cas, além de participarem activamente nas patrulhas, deslocando-se
a zonas remotas para apoiarem sanitariamente as populações, po-
dem dar consultas em diversas ONG e nos próprios aquartelamen-
tos e materializar-se ainda, entre outras, sob a forma de assistência
medicamentosa e materno-infantil e de campanhas de vacinação.
Espera-se adesão em troca destes préstimos, que devem restabele-
cer/transmitir confiança e serem demonstrativos da boa vontade da
Administração.
A valorização educativa e profissional é mais uma forma de con-
quista da adesão das populações e de as subtrair às actividades sub-
versivas. Ao nível educativo, as FA para além de poderem colaborar
na recuperação de escolas, podem disponibilizar quadros para dar
formação escolar e profissional.
A assistência económica compreende a aquisição de produtos a
autóctones e o emprego em serviços diários, entre outros. Esta as-
sistência, apesar de pouco expressiva em termos macroeconómicos
tem, contudo, efeitos locais, designadamente na melhoria das con-
dições socioeconómicas de algumas famílias.
A engenharia militar desempenha um papel de relevo na recons-
trução de infra-estruturas, reparação de estradas, execução de furos
artesianos para o abastecimento de água potável, a recuperação de
escolas, a formação profissional, entre outras, contribuindo assim

-169-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

também para o esforço da conquista da adesão das populações.


Contudo, nem sempre as reformas e a promoção socioeconómica
são a solução. Estas podem reduzir ou mesmo eliminar as condições
favoráveis para a eclosão subversiva, mas surgirão sempre outras
reivindicações, pelo que as reformas devem ser da iniciativa e dita-
das pela estratégia contra-subversiva e não pela satisfação de desejos
da subversão (Couto, 1989; p. 296).

4. A Estratégia psicológica

Sun Tzu afirmou que se um Exército aguentar um ataque inimigo “


sem sofrer derrota é porque actua com forças extraordinárias e nor-
mais “ (1974; p. 191) pressupondo, assim, a existência de dois tipos de
força, as forças chi e as forças cheng, sendo a primeira extraordinária
e indirecta, na qual cabem toda a psicologia e toda a arte de ludíbrio,
e a segunda normal e directa. Utiliza-se, assim, a primeira, extensi-
vamente, de forma a enfraquecer o inimigo até que este atinja um
ponto em que a mínima força cheng seja necessária para o derrubar;
no fundo, subjugar o inimigo sem luta.
Segundo o volume III do Regulamento “O Exército na Guer-
ra Subversiva”, a acção psicológica é entendida como “ a acção
que consiste na aplicação de um conjunto de diversas medidas,
devidamente coordenadas, destinadas a inf luenciar as opiniões,
os sentimentos, as crenças e, portanto, as atitudes e o compor-
tamento dos meios amigos, neutros e adversos, com a finalidade
de: fortificar a determinação e o espírito combativo dos meios
amigos; atrair a simpatia activa dos meios neutros; esclarecer a
opinião de uns e de outros, e contrariar a inf luência adversa so-
bre eles; modificar a actividade dos meios adversos num sentido

-170-
A Estratégia da Contra-Subversão

favorável aos objectivos a alcançar ” (EME, 1966 c; cap. 1, p. 1).


Em contra-subversão, onde as guerras se travam sobretudo nas
mentes das pessoas (Kitson, 1971; p. 70), as medidas referidas na de-
finição apresentada constituem a estratégia psicológica e devem ter
presente a premissa de Beaufre (1985; p. 104), que a nível psicológi-
co se deve saber perdurar, pelo que se devem desenvolver as forças
morais de combatentes e população. Porém, esta estratégia, além das
vertentes salientadas por Beaufre, deve ainda incidir sobre as forças
da subversão e no meio externo, devendo ser adaptada aos diversos
alvos, assente em ideias-força que explorem as motivações que sir-
vam os objectivos visados e numa informação pública séria e opor-
tuna capaz de neutralizar os efeitos das notícias da subversão (Couto,
1989; p. 317-319).
Para que a utilização da acção psicológica sobre as populações
seja rentável, é necessário ter sempre presente que os civis não po-
dem ser tratados passivamente, manipulados, ou considerados como
um actor invisível, pois, muitas vezes, são eles que manipulam os ac-
tores centrais de forma a despoletarem o seu conflito (Kalyvas, 2003;
p. 481). Nesta ordem de ideias, é imperiosa uma análise do contexto
da sua vida social e das suas estruturas, como operam as sociedades
e como inter-reagem as redes do poder, como se relacionam e so-
brepõem, como é feita a distribuição do poder social e como parti-
cipam as elites no processo de decisão política e não política, qual o
papel das autoridades tradicionais e de outros actores não políticos
capazes de influenciar ou mesmo condicionar as decisões políticas,
quais as motivações e importância dos grupos. Em seguida, é neces-
sário sintetizar o quadro emergente destas análises, definindo coefi-
cientes de reactividade, enunciando as ideias-força que esses coefi-
cientes aconselhem para, posteriormente, serem explorados através
de todas as estruturas possíveis e dos diversos tipos de propaganda

-171-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

(Monteiro, 1989 a, p. 37 e Branco, 2004; p. 155). Consideramos este


esquema válido – tanto para a acção subversiva como para a contra-
acção – por parte do poder desafiado.
Nesta actuação é primordial para a população sentir uma pre-
sença do poder formal com forças policiais e militares, visando man-
ter/restabelecer um clima de segurança e de confiança, dissuadindo
ainda eventuais actuações subversivas. Esta actuação, como já vimos
nesta parte, deve ser acompanhada de uma acção socioeconómica de
apoio, devidamente explorada através das diversas técnicas.
Sobre as forças da contra-subversão também se deve exercer im-
portante esforço psicológico78, procurando manter e fortalecer o mo-
ral dos combatentes. Este esforço desenvolve-se através de acções de
educação moral e cívica, pela justiça na aplicação de penas e recom-
pensas, pela qualidade do equipamento, pela informação, através de
jornais de parede e de unidade, cartazes, programas de rádio e sím-
bolos heráldicos, entre outros. Para além de procurar manter o mo-
ral e a eficiência, a actuação psicológica deve ser orientada de molde
a obter a comparticipação consciente na manobra socioeconómica,
na dignificação e promoção das populações locais e salientar a im-
portância do seu consentimento para a presença militar.
A actuação psicológica também é orientada para o apoio das
operações militares e visa um objectivo triplo: as forças inimigas
combatentes, os respectivos quadros políticos e as populações sob
a sua influência. Nestas actuações, devem ser utilizados os diversos
instrumentos e meios de propaganda e, após a captura, o contacto
directo e pessoal e, em simultâneo, devem exercer-se acções milita-

78
No caso de as Forças serem da OTAN não é doutrinariamente possível exercer acção psicológica sobre
elas, deve-se sim efectuar informação interna. Temos no entanto a certeza que a fronteira entre ambas
pode ser muito ténue.

-172-
A Estratégia da Contra-Subversão

res punitivas visando desgastar o In pela atrição. As declarações dos


“apresentados” devem ser exploradas no apoio às operações, também
psicológicas, dado que é um dos elementos que permite a análise das
motivações das populações sob controlo subversivo. No apoio das
operações militares, a actuação pode ser pré-planeada ou de opor-
tunidade; aproveitando estas condições vantajosas em exploração do
sucesso ou como esclarecedora – do tipo “operação verdade”.
Quanto ao adversário, o objectivo deve ser a sua desmoralização,
dando-lhe a sensação de insegurança, da impotência e descrença do
seu êxito, que o conduza à rendição ou à possível colaboração. Deve
ainda procurar-se isolá-lo da população, para que se sinta em am-
biente hostil. Levar os elementos da subversão à rendição, ou apre-
sentação, deve ser feito de forma clara, não só nas condições estabe-
lecidas para a rendição, mas também na forma como os desertores
se devem apresentar; deve ainda procurar induzir-se o adversário a
interpretações incorrectas das atitudes das forças militares.
Na actuação psicológica a nível externo, a contra-subversão pro-
curará obter o máximo de apoios e negar ou reduzir o apoio da co-
munidade internacional às forças da subversão, desacreditando-lhe
a sua acção (Couto, 1998; p. 318 e Canonico, 2004; p. 11).
A contra-subversão conduz a estratégia psicológica através da
propaganda, da contra-propaganda e da informação, visando a pri-
meira a imposição sobre a opinião pública interna e internacional
de certas ideias e doutrinas e procurando a segunda neutralizar a
propaganda adversa. A informação pretende esclarecer, fornecendo
elementos aos indivíduos para melhor fundamentarem a sua opinião
(EME, 1966 c; cap. 1, p. 5).
As técnicas de propaganda que devem servir para informar,
impressionar, co-optar/coagir e não necessariamente para matar
(Manwaring, 2004; p. 13), foram desde sempre utilizadas pelo po-

-173-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

der como forma de acção psicológica e com o objectivo de: induzir


opiniões e comportamentos por diversos métodos de pressão, para a
modificação e persuasão; ou para converter os espíritos, para recru-
tar e expandir um ideal (EME, 1966c; cap. III, p. 7-12).
Os processos utilizados que tenderão a explorarem ressentimen-
tos, descontentamentos e esperanças da população (Pinheiro, 1963;
p. 39 - 43 e EME, 1966 c; cap. VI, p. 1-13), vão desde a técnica de
panfleto ao uso dos modernos meios de comunicação social. Estes
últimos, no século XX, com o seu carácter universal e instantâneo,
participam na elaboração de uma mentalidade colectiva, atribuin-
do-se-lhes um extraordinário poder pelo esforço de persuasão, pela
manipulação das massas e pela eficiência, ao conseguirem através
das mind munitions (Taylor, 1992), provocar com relativa facilidade
desequilíbrios comportamentais. Este poder dos meios de comuni-
cação social (que por si só são capazes de, querendo, manipular/
fabricar a opinião pública e mesmo criar uma psicose colectiva) e a
transparência das actuais sociedades políticas (no que diz respeito à
circulação de pessoas e ideias) favorecem o fenómeno subversivo.
A transparência das sociedades actuais também alterou as capa-
cidades dos meios de acção psicológica, permitindo uma maior faci-
lidade de transmissão de informação mas, ao mesmo tempo, também
é mais difícil sustentar percepções (Metz, 2004; p. 14).
A conquista das populações na actualidade envolve necessaria-
mente o uso dos meios de comunicação social como difusores e am-
plificadores de ideias-força, através de todas as estruturas e tipos
possíveis de propaganda, quer apoiem, directa ou indirectamente, a
autoridade ou a subversão. Actualmente, os meios de comunicação
social, serão mobilizados bem antes do início das hostilidades, de
modo a catalisar a opinião pública e garantir a oposição ao agres-
sor (Pereira, 2005; p. 346-347). Para desenvolver essas actividades,

-174-
A Estratégia da Contra-Subversão

carecem de matéria explorável como o desencadear de acções vio-


lentas, os feitos e atitudes dos sujeitos da acção e seus aliados e os
erros cometidos pelo adversário, entre outros, pretendendo reforçar
a legitimidade da Autoridade estabelecida (Galula, 1961; p. 21-22).
A estratégia psicológica não pode actuar isoladamente, devendo
ser coordenada e integrada, de forma coerente, em todos os escalões
com as restantes estratégias.

5. A Estratégia de Informações

Já Sun Tzu, na Antiguidade, sustentava que “ a chamada «presci-


ência» ou «previsão» não pode ser deduzida dos espíritos, nem dos
deuses, nem por analogia com os acontecimentos passados, nem por
cálculos. Ela deve ser obtida por homens que conhecem a situação
do inimigo ” (1974; p. 293), sendo esta a razão do êxito do príncipe
iluminado ou do general vencedor.
A expressão de Sun Tzu contém em si uma verdade actual e
premente para justificar a necessidade da existência de um eficaz e
eficiente sistema de Informações, dado que os órgãos de soberania,
que têm por obrigação manter a integridade do território, das suas
fronteiras e garantir a segurança e bem-estar das suas populações,
estão sempre dependentes de um conhecimento oportuno e o mais
completo possível das ameaças ou actividades hostis para poderem
orientar o dispositivo e a prontidão dos meios de defesa e segurança
(Cardoso, 1993; p. 8), dado que a resolução de problemas desconhe-
cidos são sempre de mais difícil solução.
A actividade de Informações envolve um complexo processo
de definição e orientação do esforço de pesquisa, avaliação, análi-
se, integração e interpretação das Informações, as quais devem ser

-175-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

oportunas, precisas e adequadas. Esta é uma actividade permanente,


global e transversal a todas as actuações do poder e é desenvolvi-
da interna e externamente. Sem ela, não é possível saber onde se
encontra o inimigo e, em ambiente subversivo, muito menos saber
quem é ele, dada a sua diluição no seio da população.
Na contra-subversão, as Informações para além de flexíveis, de
estarem em constante adaptação e de se desenvolverem com inicia-
tiva, possuem características distintivas. O esforço de pesquisa deve
ser correctamente orientado não só para o inimigo, para o terreno e
para os meios, mas também e sobretudo para a população. Aquela
orientação exige que as estruturas estejam sensibilizadas e instruídas
para tal esforço, pois “ a eficiência começa por quem concebe os pla-
nos de pesquisa e/ou orientando o respectivo esforço, compreenda
a globalidade do conflito e se aperceba com sensibilidade das suas
especificidades ” (Monteiro, 1993; p. 180) em cada Teatro.
Em Informações, a pesquisa constitui um meio privilegiado para
a obtenção de dados relativos ao conhecimento da tessitura huma-
na e da sua postura no confronto. Neste tipo de conflito as activi-
dades de intell possibilitam estratégias preemptivas e preventivas,
e devem ser efectuadas a todos os níveis numa atitude pró-activa
para detectar com oportunidade actividades e impedir que a subver-
são obtenha informações, empregando diversos métodos, dos quais
destacamos entre outros: IMINT (Imagery Intelligence); COMINT
(Communications Intelligence) SIGINT (Signal Intelligence); HU-
MINT (Human Intelligence), este com um papel de relevo face à sua
proximidade com as populações.
No período preventivo é necessário estudar e equacionar diver-
sos cenários e inimigos e qual a probabilidade da sua revelação; de-
pois é sempre fundamental conhecer o seu móbil, a sua organiza-
ção, o meio onde pretende actuar, as motivações da população que

-176-
A Estratégia da Contra-Subversão

podem ser exploradas, proceder à identificação de indivíduos em-


penhados em actividades subversivas, determinar contactos no ex-
terior, detectar actividades subversivas e identificar a sua natureza,
nomeadamente os seus objectivos, e accionar actividades de contra-
informação (Couto, 1989; p. 316 e Alves, 1999; p. 288).
A informação de carácter essencialmente militar assume pre-
ponderância no período de intervenção e a de nível estratégico deve
garantir o estudo e acompanhamento constante das organizações
através das quais a subversão exerce ou poderá exercer a sua acção
(Alves, 2005). Neste período, para permitir o planeamento e acompa-
nhamento das operações, carecem os executores de uma preparação
mínima, quanto ao terreno humano, sob o ponto de vista étnico, lin-
guístico, religioso e ideológico. Sem esse conhecimento, não é possí-
vel empreender com êxito a conquista da adesão das populações, em
que Lawrence foi um mestre. A sua preparação iniciou-se muito an-
tes da guerra. Ele percorreu durante muitos anos o Oriente semítico,
aprendendo as maneiras dos camponeses e dos homens das tribos e
dos cidadãos da Síria e da Mesopotâmia (Lawrence, 2004; p. 55).
Os diversos organismos que trabalham as Informações e se en-
contram distribuídos pelos serviços específicos das várias estruturas
do Estado não podem desenvolver as suas actividades sem coorde-
nação e em sobreposição, correndo o risco de induzirem o poder em
erro relativamente a várias situações.
Aqueles a quem compete a tomada de decisões dentro dos órgãos
de soberania necessitam de um organismo que centralize e coordene
as Informações dos vários serviços existentes e que elabore análises
oportunas e prospectivas sobre problemas ou atitudes, que envol-
vam decisões àqueles níveis. Desta forma, evitar-se-á a dispersão.
As Informações não só são fundamentais para as actuações ar-
madas, como valiosíssimas para o planeamento e condução da ac-

-177-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

ção psicológica; pois uma acção, para desequilibrar as populações


em favor do seu controlo, para ser rendível, pressupõe Informações
precisas e os diversos órgãos em sintonia no seu esforço de pesquisa,
para saber como, onde e quando se deve actuar.
Cremos que, se fizermos o aferimento dos conceitos expostos
para os processos de acção gerais, será necessário o controlo unifi-
cado do binómio Informações/acção psicológica.

6. A Estratégia militar

Em ambientes de cariz subversivo, apesar da manutenção e do res-


tabelecimento da ordem serem uma responsabilidade primária das
autoridades administrativas, as FA podem ser chamadas a intervir
em apoio adicional das autoridades policiais. As FA podem assim ter
de actuar como força de ordem pública em situações, tais como o
controlo, a dispersão de multidões e a supressão de motins. Todavia,
quando as referidas forças forem chamadas a intervir com essa fi-
nalidade, as responsabilidades, as áreas de intervenção, a missão, as
dependências e as competências devem estar muito bem definidas,
para não deixar, a quem se encontra no terreno, margens para dúvi-
das da cadeia de comando.
Em contra-subversão, o recurso às acções do domínio militar só
se deve verificar no tempo e lugar que verdadeiramente o exija para
repor a situação (Alves, 2005), desempenhando o poder militar um
papel ofensivo ao nível táctico e operacional, e defensivo ao nível
estratégico (Collins, 2002; p. 190).
A estratégia militar da contra-subversão visa essencialmente os
objectivos intermédios 1 e 3 já referidos, e desenvolve-se através de
acções ofensivas e defensivas, especiais e regulares, internas e exter-

-178-
-178-
A Estratégia da Contra-Subversão

nas. A modalidade de acção estratégica a adoptar depende muito da


fase em que o fenómeno se encontra, do grau de liberdade de acção
e da tipologia subversiva.
Para Cabral Couto (1988; p. 300), se estivermos na 1.ª fase da sub-
versão, ela deve ser indirecta e total; sendo que ao nível da manobra
militar interna, as acções devem ser directas e de desenvolvimen-
to de um dispositivo denso que sirva de dissuasor. As FA, como já
referimos, podem e devem colaborar com as autoridades adminis-
trativas e a sua capacidade militar sobrante deve ser utilizada em
actividades socioeconómicas. Durante todo o período preventivo e
pré-insureccional visa-se a pesquisa permanente, o fortalecimento
das estruturas políticas e sociais, uma acção psicológica adequada e a
neutralização dos agentes e estruturas subversivas.
Na 2.ª fase, a coacção deve ser física e fazer-se tudo para evitar a
transição para o período insurreccional, situação que a verificar-se
é indicadora que a manobra do poder formal já falhou no seu papel
preventivo. Na 3.ª fase, devemos estar cientes que o tempo, neste
tipo de conflitos, joga sempre a favor de quem o souber aproveitar
(Couto, 1989; p. 304), pelo que o poder instituído pode ter de recor-
rer a acções de lassidão, procurando a vitória fora do campo militar.
A acção militar, para apoiar uma modalidade de acção estratégica
de contra-lassidão e visar o “forte” do adversário, deve ser eminen-
temente directa, incidir sobre a neutralização e destruição da estru-
tura adversária, dos seus chefes, dos seus recursos e forças militares/
paramilitares, interditar linhas de comunicações e reconquistar ter-
ritório, proteger infra-estruturas, procurando desequilibrá-lo, evi-
tar o seu alastramento e proteger fisicamente a população (Couto,
1989; p. 304-307), utilizando as mais diversas técnicas, ao mesmo
tempo que se procura preservar e fortalecer o poder de facto e con-
quistar a adesão das populações. Assim, a sua actuação deve ser efi-

-179-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

caz, executando acções numerosas e proveitosas, mantendo sempre


a iniciativa, com grande mobilidade e com um eficiente sistema de
intelligence a apoiar.
No fundo, nesta fase é fundamental para a estratégia militar ga-
nhar tempo para a estratégia política, procurando obter o espaço e as
condições de segurança necessárias para se poderem concretizar as
actuações das outras estratégias gerais.
Na 4.ª fase, a actuação militar é prioritária, procurando a destrui-
ção, ou pelo menos a redução do potencial do adversário. As forças
militares devem ser libertadas de outras tarefas para poderem comba-
ter o inimigo armado e evitar a todo o custo a entrada na fase final.
Independentemente da fase em que a subversão esteja, as mis-
sões das forças militares numa guerra desta tipologia devem ser as
seguintes79: defender pontos sensíveis; protecção de itinerários e es-
coltas; patrulhamentos e nomadização; cerco e batida; limpeza/rusga
de uma povoação; golpe de mão; emboscada; interdição de fronteira;
operações de ordem pública e monitorização de actividades (EME,
1966 b e CECA, 1990).
É indispensável que se dissocie o binómio população/In. Con-
sequentemente, as actividades dos habitantes terão de ser con-
troladas de forma a tornar possível a detecção do In e impedir ou
dificultar a prestação de todas as formas de apoio. O controlo da
população tem ainda por finalidade contribuir para impedir que
esta, as instituições e os serviços sejam afectados pela propaganda
e pelos agentes subversivos, numa fase inicial, e, posteriormente,
para contribuir para a reconversão da população subvertida e para
o restabelecimento das instituições e dos serviços afectados. Em
princípio, compete às autoridades civis a execução destas medidas

79
Sobre esta temática podemos detalhar em (Garcia et. al, 2002).

-180-
A Estratégia da Contra-Subversão

de controlo. Contudo, nas regiões em que as autoridades civis se


mostrem incapazes de o garantir de per si, as FA poderão ser cha-
madas a colaborar nesse controlo.
Esta actividade abrange medidas como o recenseamento e o en-
quadramento da população; o controlo da informação pública; o con-
trolo de armas e dos meios de transmissão e transporte; o controlo de
abastecimentos e movimentos; a imposição de recolher obrigatório
e, quando necessário, o apoio ao reordenamento de populações80.
A estratégia militar interna visa fundamentalmente a destruição
física da organização subversiva e actua concorrentemente com as
outras estratégias para procurar alcançar um clima de confiança e
de segurança que permita a normalização das actividades, pelo que
deve actuar punitivamente sobre os grupos armados que prejudi-
quem a estratégia socioeconómica, expulsando-os dos territórios da
zona de esforço, procurando ao mesmo tempo aliciá-los para o lado
da autoridade.
A este propósito é interessante verificarmos o novo conceito dos
Marines norte-americanos, Progressive Reconstruction, elaborado
com base nos ensinamentos coloniais franceses do Marechal Lyau-
tey, onde a intervenção militar deixa de ser uma operação de comba-
te pura, para ser uma acção político-militar, de comando unificado,
que possibilita uma transição imediata do combate para a adminis-
tração do território (mesmo que as acções de combate continuem),
reduzindo assim os vazios de poder (Rohr, 2004; p. 48-49).
Por norma, é adoptado um dispositivo de quadrícula, com uni-
dades estáticas que estão mais próximas da população e onde se pro-

80
Foi o caso da Administração Portuguesa nos conflitos do antigo Ultramar Português, que recorreu
nos três teatros de operações, quando julgado pertinente, ao reordenamento rural e à prática de al-
deamento, e na Guiné, a partir de Setembro de 1968, foi determinada a organização das Tabancas em
autodefesa.

-181-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

cura que os limites dos sectores correspondam aos limites adminis-


trativos. As tropas devem ficar instaladas entre a população e viver
como ela. Esta proximidade e vivência leva a um consentimento e à
aceitação da sua presença (Galula, 1964; p. 108). Este dispositivo per-
mite ainda um maior controlo das populações, bem como um apoio
social e sanitário mais extensivo. Além disso, facilita a pesquisa de
Informações, permitindo, assim, uma acção psicológica mais eficaz e
a intervenção oportuna de outras forças em operações de afirmação
de soberania.
O dispositivo só fica completo com uma articulação com as forças
de intervenção (locais e gerais) que devem ser dotadas de grande
mobilidade, capazes de efectuarem acções de reforço da ocupação
militar, isolamento, protecção, busca e flagelação, aniquilamento ou
redução e reconquista (Couto, 1989; p. 359). Este dispositivo deve
permitir a execução de missões defensivas e ofensivas provocando
o desgaste físico e moral do inimigo, mantendo as FA a iniciativa e a
liberdade de acção.
Uma outra forma tradicional de encarar estas situações é comple-
tar o dispositivo militar com a organização de unidades de “segunda
linha” ou de milícias locais, não integradas na orgânica geral das FA,
com funções de guia, auxiliares, milícia civil e grupos de defesa de
aldeamentos. Estas tropas irregulares libertam daquelas tarefas as
FA e forçam a um empenhamento das autoridades civis das zonas
afectadas. Se a operação militar estiver a cargo de uma força multi-
nacional, esta deve também optar pela localização de efectivos, com
toda a vantagem que estes possuem na maior ligação à população, na
sua compreensão, o que facilita as actividades de intelligence e de
acção psicológica. Esta modalidade foi adoptada pelos portugueses
nas guerras em África (1961-1974), pelos ingleses na Malásia e agora,
por exemplo, pelos norte-americanos no Iraque.

-182-
A Estratégia da Contra-Subversão

Num Teatro de Operações (TO) essencialmente urbano, a mistura


dos elementos subversivos com a população é máxima, sendo mais
difícil isolá-los, situação que levanta constrangimentos ao emprego
de alguns meios militares com grande poder de destruição, uma vez
que é necessário ter sempre em conta a relação causa/efeitos e a opi-
nião pública (Taw e Hoffman, 2005; p. 21).
A acção militar deve partir das lições aprendidas e empregar ac-
ções especiais. Estas são por norma esporádicas e nelas se incluem,
entre outras, a eliminação de líderes com papel-chave, muito de-
senvolvido pelos israelitas (Beckett, 2005; p. 14), acções nos países
apoiantes quer através de operações de sabotagem, quer através da
infiltração de agentes ou apoio a movimentos subversivos, numa
resposta em “espelho”, como fizeram os norte-americanos no Laos
(O´Neil, 1990; p. 152). Estas acções colocam por vezes problemas éti-
cos que devem ser equacionados, uma vez que são passíveis de forte
reacção da opinião pública internacional (Couto, 1989; p. 356).
A Estratégia militar externa depende sempre da relação de forças
e da liberdade de acção; porém, corre-se o risco de contágio, ou seja,
do alastrar do conflito. Esta estratégia pode incluir acções de dissua-
são com base na ameaça, ou com demonstração de força ou de inter-
venção, como a intervenção aberta em força, mas podem igualmente
ser intermitentes; acções progressivas clandestinas ou de represália
militar; intervenção armada localizada ou mesmo invasão (Couto,
1988; p. 353 e Alves, 1992; p. 167).
A nível externo, outras alternativas são equacionadas, tais como
o conceito de utilização de uma política de Foreign Internal Defen-
se norte-americana (Metz, 2004; p. 16), que se traduz no apoio ao
nível da estratégia global a um Estado para combater ou proteger a
subversão, e que pode incluir actividades que vão das operações de
combate, à assistência técnica, exercícios conjuntos, ao apoio logís-

-183-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

tico, treino militar ou à partilha de Informações. Este apoio pode in-


clusivamente ser efectuado através da subcontratação do novo e dis-
creto instrumento de intervenção, as empresas militares privadas,
que acabam por ser uma extensão/colaboração das políticas externas
dos Estados de origem.
Pela análise efectuada, podemos concluir que a estratégia mi-
litar desempenha um papel primordial, dado que este tipo de
guerras, apesar de não se vencerem militarmente, perdem-se pela
inacção militar.

Síntese conclusiva

Partindo do princípio de que qualquer resposta contra-subversiva


deve ser contextualizada no espaço e em tempo próprios e que deve
ser equacionada para fazer face à tipologia subversiva identificada,
idealizámos um modelo de análise que tem por base os principais
actores do fenómeno subversivo, todos eles a relacionarem-se e a
condicionarem-se de uma forma dinâmica. Sobre os mesmos apli-
cámos diversos processos e técnicas, cuja combinação, integração e
coordenação formam a estratégia contra-subversiva, que é total, ac-
tua ao nível interno e externo, directa e indirectamente, antilassidão,
carecendo de uma coordenação muito estreita de cinco estratégias
gerais: político-diplomática; socioeconómica; psicológica; informa-
ções e militar; todas, visando a conquista da adesão das populações.
Da actuação política esperam-se reformulações de carácter di-
nâmico, a tomada de decisões a nível administrativo, a adopção de
medidas de âmbito legislativo, regulamentar, organizativo e de re-
forço da autoridade do Estado; a nível externo, a acção diplomática
deve angariar apoios para a contra-subversão e redução dos apoios

-184-
A Estratégia da Contra-Subversão

da subversão e o seu descrédito. Ao nível socioeconómico, a estra-


tégia assentará na promoção das condições de vida e no controlo da
população e dos recursos.
A estratégia militar, porque subordinada a uma estratégia total,
deve proporcionar condições e “aguentar” até que num momento
político X, o poder (em todas as vertentes e de forma alguma só na
militar) possa desencadear uma muito mais alta e integradora contra-
subversão. Ao “aguentarem”, as FA alimentam o tempo da manobra
política; logo, o seu objectivo prioritário e essencial será o de entre-
tanto garantirem a mobilidade das outras componentes da comple-
xidade estratégica. Para concretizar esta estratégia total, as iniciativas
desencadeadas exigem uma acção muito estreita entre poder civil/
poder militar e as populações.
Estas estratégias gerais pressupõem ainda uma intensa e integra-
da actuação psicológica sobre as populações, a subversão e a con-
tra-subversão. Para poderem conduzir acções rendíveis, todas estas
acções parcelares pressupõem Informações oportunas, precisas e re-
levantes e que os diversos órgãos funcionem em sintonia no seu es-
forço de pesquisa, para saber como, onde e quando se deve actuar.

-185-
Sexta Parte
O Terrorismo Transnacional –
Contributos para o seu Entendimento81
O terrorismo transnacional constitui uma das principais ameaças
transnacionais, e nesta parte do nosso livro procuramos responder
à curiosidade suscitada pelo fenómeno, nomeadamente às questões:
como está estruturado? Quais os seus objectivos? Como se efectua
o recrutamento? Como é financiado? Assim organizámos esta sex-
ta parte em cinco capítulos. No primeiro procuramos caracterizar o
fenómeno, para depois no segundo abordarmos os seus objectivos,
a sua natureza e tentarmos perceber um pouco a sua estrutura. O
terceiro capítulo aborda a complexa teia dos apoios, sobretudo fi-
nanceiros, centrando-se o quarto no processo de recrutamento, e
por último, faremos uma breve abordagem à análise estatística do
fenómeno.

81
Este texto foi inicialmente apresentado na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra num co-
lóquio sobre terrorismo, realizado no dia 9 de Março de 2007. Posteriormente foi publicado na Revista
Militar de Abril de 2007, p. 445-468.

-189-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

1. Conceito

Tem sido extremamente difícil encontrar consenso entre estudiosos,


analistas políticos e homens de Estado, para uma definição unívoca
do conceito de “terrorismo”.
Autores como Adriano Moreira (1995) e Regina Mongiardim
(2004) consideram o terrorismo como um poder político que de-
senvolve uma capacidade autónoma de decisão e de intervenção,
orientada por uma ideologia ou por uma ética que consideram vá-
lida, ajustada e legítima. O fenómeno não possui porém todos os
atributos de um poder na concepção tradicional, sendo considerado
errático, uma vez que carece de uma legalidade objectiva, de insti-
tuições universalmente reconhecidas, tem uma natureza dispersa,
não possui território, nem população nem orçamento – exactamente
o “negativo” do Estado que conhecemos.
Habitualmente, e em consonância com as matrizes éticas do Es-
tado tradicional, a definição do conceito assenta muito na legitimi-
dade do seu aparelho político, administrativo, de segurança e defesa,
inserindo-se assim numa categoria específica do discurso político,
tendo por significado a sistemática utilização da violência sobre pes-
soas e bens, para fins políticos e/ou religiosos, provocando senti-
mentos de medo e de insegurança, e um inevitável clima de terror
(Mongiardim, 2004; p. 417). Segundo o Professor Adriano Moreira
(1995), o conceito de terrorismo tem sido remetido para aquele pla-
no devido à necessidade de se preservarem tais matrizes, o que não
oculta, porém, as coincidências dos seus objectivos com as finalida-
des que, tradicionalmente, são atribuídas aos Estados.
Ao nível internacional o consenso também não se consegue atin-
gir, havendo uma multiplicidade de abordagens, multiplicidade ve-
rificada, por exemplo, na numerosa legislação internacional.

-190-
O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

Para as Nações Unidas, o conceito de terrorismo compreende


“any action (…), that is intended to cause death or serious bodily
harm to civilians or non-combatants, when the purpose of such an
act, by its nature or context, is to intimidate a population, or to com-
pel a Government or an international organization to do or to abstain
from doing any act” (2004; p. 49).
Por seu lado, a União Europeia já tinha definido o fenómeno em
Dezembro de 2001 como: “intentional acts, by their nature and con-
text, which may be seriously damaging to a country or to an interna-
tional organisation, as defined under national law, where committed
with the aim of (i) seriously intimidating a population, or (ii) unduly
compelling a Government or international organisation to perform
or to abstain from performing any act, or (iii) destabilising or des-
troying the fundamental political, constitutional, economic or social
structures of a country or international organisation” (European
Communities, 2002).
No entanto, estas conceptualizações não são objectivadas nem
adoptadas pelos principais actores do Sistema Internacional, haven-
do países, como os EUA, a Rússia, a China e a Índia, que redigiram
as suas próprias definições. Qualquer um destes Estados tem pro-
blemas concretos com o terrorismo, não de todo similares, pelo que
cada qual tende a preocupar-se com o «seu terrorismo», de forma
sectorial, dado que está em causa não só a segurança interna como,
em alguns casos, a própria integridade territorial. Esta situação
coloca-se apesar de, por um lado, o alinhamento pelas «amarras»
conceptuais das OI poder limitar a determinados Estados a liberda-
de de acção que lhes permitam adoptar as modalidades de acção es-
tratégicas consideradas adequadas para lidar com esta ameaça, sem
estar sujeito a eventuais restrições legais (Lousada, 2007; p. 24) e,
por outro lado, se pretender abarcar no mesmo conceito a violência

-191-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

sobre civis, exercida quer pelo actor Estado, quer por actores não-
estaduais, e se pretender ainda consagrar o direito de resistência à
ocupação estrangeira. As dificuldades a ultrapassar são inúmeras e
para as Nações Unidas torna-se um imperativo político encontrar tal
definição (Nações Unidas, 2004; p. 48).
Após esta breve análise conceptual do terrorismo, entendemos
ser necessário neste livro optar por uma definição, sendo que a da
OTAN, expressa no MC 472, nos parece ser um bom instrumento
conceptual para a investigação aqui apresentada. Assim, entende-
mos por terrorismo “uses of violence or the threat of violence to cre-
ate fear, and to coerce or intimidate governments or societies into
acceptance of goals that are political, religious and ideological or
combinations thereof”82. Esta definição insere o terrorismo transna-
cional, que hoje é identificado, sobretudo pelas opiniões públicas e
seus formadores, com Bin Laden e a al-Qaeda (a base), no conceito
mais lato de subversão já por nós definido neste estudo.
Uma vez que o terrorismo transnacional, como veremos, tem
intenções, objectivos, recrutamento e organização globais, conside-
ramos o fenómeno como uma acção subversiva global (Mackinlay,
2002, Garcia, 2007 b) ou Pansurgency (National War College, 2002).

82
Tradução livre do autor: “ a utilização ilegal da força ou da violência planeada contra pessoas ou pa-
trimónio, na tentativa de coagir ou intimidar governos ou sociedades para atingir objectivos políticos
religiosos ou ideológicos ” utilização ilegal da força ou ameaça do uso da força para gerar medo, e para
coagir ou intimidar governos ou sociedades a aceitarem objectivos que são políticos, religiosos, ideoló-
gicos ou uma combinação dos mesmos.

-192-
O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

2. Natureza, objectivos e estrutura

2.1. Natureza

Esta ameaça antiga que funciona com base em critérios políticos,


culturais e religiosos próprios e sempre na clandestinidade, subiu
na hierarquia das preocupações dos Estados, procurando atingir os
pontos mais críticos de convergência entre a sociedade e o aparelho
do Estado, lançando na contenda dois actores do Sistema Interna-
cional (o terrorismo e o Estado), com fins políticos ou político-re-
ligiosos distintos, e que, em regra e numa primeira instância, um
deles recusa a intermediação, a arbitragem e a negociação (Mongiar-
dim, 2004; p. 412).
Ao longo dos tempos, o terrorismo assumiu dois tipos de natu-
reza (Mongiardim, 2004; p. 418): uma secular e outra religiosa. O de
natureza secular determina livremente os seus objectivos, meios e
fins; o de natureza religiosa, por seu lado, está apegado a leis que lhe
são ditadas por um Ente Superior. Estes terrorismos de natureza di-
ferenciada têm em comum o recurso à violência e o elemento cons-
tante é o martírio dos inocentes (Moreira, 2004 a), diferindo ambos,
no entanto, quanto às suas justificações e objectivos. Independente-
mente desta sua diferente inspiração e natureza, este poder errático
goza sempre de apoio popular e é exercido em função da obtenção
de vantagens políticas.
Após o 11 de Setembro de 2001 e na sequência do aparecimento
de estratégias de desestabilização mais radicais, o entendimento do
fenómeno foi sujeito a novas abordagens. Embora persistam fenó-
menos circunscritos ao espaço nacional ou regional, parece poder
dizer-se que há um terrorismo que assumiu uma escala global, por
vezes com ligações ao crime organizado e com outras organizações

-193-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

de solidariedade transnacional de matriz ideológica, cultural e étni-


ca. O seu potencial, quer pelo grau de violência, quer pela capacida-
de organizativa, ou mesmo pelas novas estratégias de recrutamento,
também foi acrescido (Romana, 2004; p. 258), passando no presente
a ser global. O fenómeno sofreu também uma alteração qualitativa e
passámos a falar do ciberterrorismo, do bioterrorismo, do ecoterro-
rismo, e do terrorismo químico e mesmo nuclear.

2.2. Objectivos

A al-Qaeda que ocupa uma posição de coordenação na rede terroris-


ta transnacional (Kenney, 2003, p. 196) tem como móbil uma amál-
gama de considerações político-religiosas. Basicamente, o principal
móbil da subversão global assenta num conceito geopolítico de pan-
integrismo islâmico (Lousada, 2007; p. 32), tendo por base a modi-
ficação da actual ordem internacional e no estabelecimento de um
Califado no coração do mundo islâmico, o Iraque83, regido por uma
Sharia (Corão e Sunna) concebida a partir de uma interpretação in-
tegrista do Corão, procurando assim a transformação da sociedade
muçulmana, limpando-a de inovação doutrinária (Zuhur, 2005; p.
6). Como objectivos intermédios procura não apenas aterrorizar,
mas também a retirada das forças Ocidentais e mesmo dos seus ne-
gócios do Iraque, da Palestina e da terra de Maomé, ou seja, da Ará-

83
Podemos detalhar mais em diversas declarações de Bin Laden disponíveis em www.state.gov./s/ct/rls/
pgtrpt/2003/31711.htm, e mais recentemente em http://www.dni.gov/releases.html. O Governo norte-
americano considera as intenções do Terrorismo transnacional de uma forma ainda mais ambiciosa,
referindo no seu Conceito Estratégico de Segurança, de Março de 2006, que as intenções do Terroris-
mo são: “The transnational terrorists confronting us today exploit the proud religion of Islam to serve
a violent political vision: the establishment, by terrorism and subversion, of a totalitarian empire that
denies all political and religious freedom”.

-194-
O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

bia Saudita e ainda estender a Jihad aos países seculares da região e


a sequente substituição das suas lideranças; no fundo, dominar os
Estados (Garcia, 2007 b; p. 132).
Para alcançar os objectivos é permitido o recurso a mecanismos
não apenas políticos mas também violentos, como se pode ler no
manual de treino da al-Qaeda:

“Islamic governments have never been, and will never be, es-
tablished through peaceful solutions and cooperative coun-
cils. They are established as they have been, by pen and gun,
by word and bullet, by tongue and teeth”84.

Este fenómeno, tal como as outras tipologias subversivas, pode ser


analisado segundo várias perspectivas, mas é aqui que as análises
ocidentais pecam, nas percepções, pois, por norma, segundo Zuhur
(2005; p. 10-11) interpretamos as suas mentalidades como diferentes
das nossas, mas do que na realidade se trata é de uma diferença de
valores e de técnicas associativas, no fundo, os novos combatentes
da Jihad estão auto-convencidos que os seus actos imorais de vio-
lência são morais, mas, de modo nenhum desafiam a lógica moderna
de padrões da sua mentalidade.
O curioso desta atitude, em que os Ocidentais são o inimigo e que
“ para a violência estrutural do Ocidente apenas o terrorismo global é
a resposta eficaz ” (Moreira, 2004; p. 10), é que ela é aceite por cama-
das significativas da população, contrastando com o entendimento

84
Este manual está disponível on line em http://www.usdoj.gov/ag/manualpart1_1.pdf. No início do
texto, a Polícia Britânica esclarece a sua proveniência: “The attached manual was located by the Man-
chester (England) Metropolitan Police during a search of an al Qaeda member’s home. The manual was
found in a computer file described as “the military series” related to the “Declaration of Jihad.” The
manual was translated into English and was introduced earlier this year at the embassy bombing trial
in New York”.

-195-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

do poder, como se verifica com o Paquistão, Arábia Saudita, Egipto,


Argélia, Jordânia, ou ainda em países que estão a braços com movi-
mentos secessionistas de raiz islâmica, como acontece na Rússia, na
China, na Indonésia ou no Bangladesh (Lousada, 2007; p. 32).
Na actualidade, a maior ameaça representada pelo terrorismo
transnacional está na possibilidade de associação do fenómeno à uti-
lização de Armas de Destruição Massiva (ADM), uma vez que é com
relativa facilidade que uma organização terrorista pode ter acesso ou
mesmo montar uma ADM, dado que muitos dos ingredientes ne-
cessários para a sua fabricação não estão devidamente protegidos85.
Contudo, o desenvolvimento desta capacidade implica sempre um
local seguro para testes, sendo na actualidade o Iraque um dos locais
mais aprazíveis para o efeito. Abu Ayyub al-Masri, líder da al-Qaeda
no território, a 28 de Setembro de 2006, encorajou esta actividade,
referindo em comunicado televisivo e através da internet: “ The field
of jihad can satisfy your scientific ambitions, and the large American
bases (in Iraq) are good places to test your unconventional weapons,
whether biological or dirty, as they call them86”.
Se uma arma destas for detonada numa zona urbana, pode causar
entre centenas de milhares a um milhão de baixas, sendo o choque
económico previsto de cerca de um trilião de dólares (Nações Uni-
das, 2004; p. 39). Um ataque desta natureza afectaria a segurança
internacional, a estabilidade dos regimes democráticos e a liberdade
dos cidadãos.

85
Sobre este tema devemos consultar a obra coordenada pelo Brigadeiro-General Russel Howard e pelo
Professor James Forest, Weapons of Mass Destruction and Terrorism, editado em 2006. A obra analisa
detalhadamente os conceitos, a ameaça e as suas variantes, a resposta a dar e ainda as lições aprendidas
e as ameaças futuras.
86
Neste interessante comunicado Abu al-Masri apela à Guerra Santa, principalmente durante o mês do
Ramadão, e acrescenta um dado interessantíssimo sobre baixas do lado dos insurrectos, afirmando que
“The blood has been spilled in Iraq of more than 4,000 foreigners who came to fight”. Foi a primeira
vez que foram contabilizadas as baixas/mortes do lado da subversão. O comunicado pode ser con-
sultado em linha no endereço http://www.netscape.com/viewstory/2006/09/28/iraq-terror-leader-

-196-
O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

Os riscos de armas destas virem a parar em mãos terroristas foi


incrementado com o esboroar do antigo Império soviético, altura em
que quer o controlo quer a segurança da tecnologia e armamento
nuclear russo sofreu uma erosão profunda.

2.3. Estrutura87

Ao nível estrutural podemos identificar algumas características como:


· Estrutura-se como uma scale free network88 transnacional;
· Uma metodologia de acção própria dos serviços de intelligence,
designadamente a construção de redes de contactos, a selecção
de elementos a recrutar (Romana, 2004; p. 258);
· Um planeamento meticuloso das operações com um extremo
cuidado na pesquisa e análise;

A al-Qaeda, ou aquilo que ela representa no nosso imaginário,


apresenta uma maleabilidade, uma plasticidade e um oportunismo
nas suas ligações, efectuando sempre alianças coerentes, mas sobre-
tudo convenientes, juntando grupos que pretendem a derrota do
inimigo longínquo, o Ocidente e Israel, com grupos que apenas pre-
tendem a autonomia local, ou mesmo com grupos mais moderados
(Zuhur, 2005; p. 10).
Na Europa e na América do Norte, aquela “organização” tentacu-
lar procura infiltrar-se através da emigração clandestina, para poste-
riormente estabelecer ligações com diversas organizações naciona-

recruits-scientists/?url=http%3A%2F%2Fabcnews.go.com%2FInternational%2FwireStory%3Fid%3D
2502724%26CMP%3DOTC-RSSFeeds0312&frame=true.
87
Entendemos por estrutura o conjunto das funções e relações que determinam formalmente as mis-
sões que cada unidade da organização deve realizar e os modos de colaboração entre essas unidades.
Sobre este assunto, podemos detalhar mais em (Strategor, 2000).
88
Sobre este assunto, podemos detalhar em (Guedes, 2006) e (Barabási, 2003).

-197-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

listas islâmicas, com grupos étnicos e entidades multinacionais, de


corte radical, levando o seu apelo para a mesma causa comum, causa
capaz de transcender as diferenças (políticas, nacionais e religiosas),
ao mesmo tempo que mantém a sua capacidade de acesso a conside-
ráveis recursos, sobretudo através do crime organizado e do tráfico
de armas (Mongiardim, 2004; p. 425).
Na visão tradicional de abordagem do fenómeno, há autores que,
apesar de referirem a estrutura em rede, consideram que há uma
unidade na “organização”, e que esta reside na identidade centrípeta
religiosa (Lousada, 2007; p. 32), referindo James Phillips, da Herita-
ge Foundation, que a “organização” possui um núcleo disciplinado e
profissional, que provavelmente conta com cerca de 500 elementos.
Segundo este autor, tradicionalmente a al-Qaeda opera através de
uma estrutura horizontal informal, talvez combinada com uma es-
trutura mais formal, vertical, onde surge a figura de Bin Laden, que
será mais importante como porta-voz da “organização”, do que como
Comandante (Phillips, 2006; p. 2), e o egípcio Ayman al-Zawahiri
como Comandante Operacional. Este núcleo, segundo Paul Smith
(2002; p. 35), é assessorado por um conselho consultivo (a majlis al
shura) que coordena quatro comités (militar, financeiro, religioso e
propaganda), cabendo ao comité responsável pela área militar a no-
meação dos responsáveis das células espalhadas pelo mundo.
Na sua estrutura, cada célula desempenha uma função específi-
ca; existem as de “suporte” que possuem funções específicas (ges-
tão de recursos humanos, contratações, etc.), autonomia de acção
e ligação por módulos, e as células “operacionais” (que congregam
os grupos que perpetram as acções directas). Em torno da al-Qaeda
há também colaboradores (informadores, tarefeiros…), militantes e
simpatizantes (Smith, 2002; p. 36-37). Algumas das células, segundo
James Phillips (2006; p. 2), contêm indivíduos auto-seleccionados

-198-
O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

com pouco treino terrorista, ou mesmo nulo, que não pertencem


necessariamente à organização e que podem estar activos apenas
para uma operação, o que os torna mais dificilmente detectáveis.
No modelo em rede abordado por autores como Raab e Milward
(2003) e Sageman (2004), elementos centrais da organização forne-
cem o contexto ideológico, a estratégia, o planeamento, os recursos,
mas com um apoio administrativo muito limitado. Porém, são fun-
damentais para estabelecer a ligação entre células que se encontram
descentralizadas e dispersas geograficamente. Sageman, ao descre-
ver a estrutura da al-Qaeda, adianta um modelo estruturado a partir
de hubs e nodes, sendo os primeiros fundamentais para as ligações
de uma direcção e comunicação centralizada entre os segundos, que
se encontram, estes sim, descentralizados e independentes entre
eles (Sageman, 2004; p. 164).
Para Sageman os hubs são essenciais para a direcção das opera-
ções da al-Qaeda, ao passo que os nodes, que são pequenos grupos
de indivíduos isolados da comunidade envolvente e o produto de
uma livre associação local, com laços de união interna extremamente
fortes e resistentes à erosão, são aqueles que possibilitam as capaci-
dades locais e sobretudo a presença operacional em áreas de inte-
resse da organização como um todo. Segundo este autor, as ligações
hubs/nodes são muito fracas e frequentemente de natureza não-di-
rectiva; porém, na sua análise, destaca sempre o papel fundamental
dos hubs para o comando e controlo, o que os torna vulneráveis a
qualquer acção que vise a sua destruição, ao passo que os nodes, face
à constituição já explicada, são de difícil detecção e monitorização
(Sageman, 2004; p. 164).
Há no entanto uma versão significativamente diferente sobre a
estrutura e organização da al-Qaeda. Para Albert Barábasi (2003; p.
221), no centro desta “teia sem aranha”, não existe qualquer líder

-199-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

central, ou uma cadeia de comando formal, caracterizadora de uma


estrutura militarizada ou das corporações do século XXI, que contro-
le todos os detalhes. Douglas Macdonald (2007) perfilha desta ideia
e vai mais longe, comparando a visão política extremista islâmica a
totalitarismos como o Nazi. No regime do Fuher, os little Hitlers gas-
tavam a sua energia a trabalharem para Hitler, antecipando os seus
desejos a partir dos seus discursos, ideologia e acção, mas tendo a
iniciativa localmente. Assim, para Macdonald, a rede global é melhor
entendida quando comparada a little Bin Ladens, financiados, trei-
nados e guiados pela “base”, mas a planearem os ataques de acordo
com as condições e capacidades locais, citando depois Bin Laden,
em 1998, a propósito dos atentados às embaixadas norte-americanas
em África: “ Our Job is to instigate and, by the grace of God, we did
that, and certain people responded to this instigation ” (Macdonald,
2007; p. 10).
Ao certo, o que podemos considerar é que actualmente aque-
la “organização” funciona cada vez mais como uma confederação
(Brissard, 2002; p. 7) que congrega um conjunto de redes, com uma
dimensão e estrutura variáveis, complexas e flexíveis, que gere e uti-
liza diversos centros de apoio espalhados por aproximadamente 60
países (Phillips, 2006; p. 1), apoiando-se os grupos radicais mutua-
mente, constatando-se ainda a existência de uma rede de solidarie-
dade activa que se estende da Chechénia ao Sudão, passando pelas
Filipinas, pela Somália, pela Malásia e pela Indonésia, bem como
pela Europa, onde possui uma muito elevada interoperacionalidade
em domínios como a recolha de fundos, o recrutamento e a aquisi-
ção de material não letal (Romana, 2004; p. 260).
Esta estrutura descentralizada que financia operações dos seus
seguidores, cuja trajectória político-operacional é, do médio prazo
para diante, uma incógnita (Boniface, 2002; p. 20), parece assim es-

-200-
O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

tar a evoluir para uma maior descentralização, num conjunto de re-


des de base regional (Singer, 2004; p. 145), formando uma “rede de
redes”, demonstrando uma capacidade de actuação global, atacando
inclusivamente o coração de grandes poderes, como fez em Nova Ior-
que, Madrid e Londres, conseguindo sobreviver a intensas contra-
medidas (Mackinlay, 2002; p. 79). A sua capacidade de sobrevivência
advém-lhe da desterritorialização, mas em nosso entender vem-lhe
sobretudo da sua capacidade de aprendizagem organizacional.
A Rand Corporation desenvolveu a este propósito um interes-
sante estudo intitulado Organizational learning in terrorist groups
and its implications for combating terrorism (Jackson et. al., 2005).
De acordo com este estudo, se um grupo terrorista não possuir ca-
pacidade de aprendizagem, a concretização dos seus objectivos será
largamente determinada pelas leis das probabilidades e do acaso (na
boa linha da matriz clausewitziana), mas por outro lado, se o grupo
tiver aptidões de aprendizagem, pode actuar sistematicamente de
forma a complementar as suas necessidades, incrementar capacida-
des e progredir (Jackson et. al., 2005; p. IX). Os grupos devem ainda
ser capazes de institucionalizar o conhecimento de forma a manter
as suas capacidades no caso de uma perda significativa de membros,
motivo pelo qual estes grupos mantêm actividades de treino e inclu-
sivamente elaboram manuais e chegam a difundi-los na internet.

3. Apoios financeiros e outros

A fim de sustentar e manter a subversão global e os seus objectivos,


a al-Qaeda conseguiu construir uma complexa teia de apoios e ins-
trumentos políticos, religiosos económicos e financeiros (Brissard,
2002; p. 7). Embora a mistura entre religião, ideologia, crime e fon-

-201-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

tes de investimento torne difícil a determinação da origem clara de


qualquer fundo terrorista específico, podemos considerar que exis-
tem apoios de diversas fontes e formas.
As principais fontes de apoio são os Estados, diásporas, refugia-
dos, organizações religiosas, Organizações Não-Governamentais,
personalidades com fortuna pessoal, o zakat (esmola legal) e inclu-
sive grupos activistas de direitos humanos. Os motivos de apoio são
variados. Os Estados são mais motivados por questões geopolíticas
do que por afinidades étnicas, ideológicas, ou religiosas. Em con-
traste, as diásporas apoiam sobretudo por motivos étnicos e os refu-
giados são normalmente motivados pelo desejo de regressar a casa
e restaurar as suas vidas e da sua nação em determinado território
(Byman, 2001; p. XIV). As formas de apoio vão do político nos fora
internacionais e junto das grandes potências, ao simples encoraja-
mento para a subversão do poder, passando pelo tradicional apoio
financeiro, material e de intelligence, acabando no santuário, no
treino, ou mesmo em apoio militar directo.
As raízes da rede de financiamento da al-Qaeda têm origem nas
intensas actividades de recrutamento e busca de apoio financeiro es-
tabelecidas para apoiar a Jihad contra os soviéticos no Afeganistão,
por Bin Laden e seus apoiantes (entre os quais os próprios EUA).
Presentemente está enraizada na opinião pública a ideia de que a
globalizada al-Qaeda é economicamente saudável, possui vastos re-
cursos financeiros que emprestam desafogo à sua actividade opera-
cional. Porém, num relatório das Nações Unidas assinado por Jean-
Charles Brissard, e datado de Dezembro de 2002, vêm perfeitamente
identificadas as diversas fontes e formas que a organização utiliza
para o seu financiamento. Brissard desmistifica com este relatório
alguma ideias pré-concebidas sobre a organização e o seu financia-
mento. Mas analisemos mais detalhadamente esse relatório.

-202-
O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

Segundo Brissard, e contrariamente ao mito enraizado na opi-


nião pública, a organização carece de meios financeiros para poder
actuar. Para ele, as células que estão adormecidas não necessitam de
grandes recursos, por outro lado, as que se encontram operacionais
necessitam de avultados meios financeiros. De acordo com o rela-
tório que temos vindo a analisar, das necessidades de financiamen-
to, 90% são destinadas para infra-estruturas, comunicações, insta-
lações, redes, treino e protecção dos seus elementos e os restantes
10% para as despesas correntes diárias, planeamento e execução dos
atentados. Brissard refere depois diversos exemplos de custos asso-
ciados a ataques perpetrados, sendo que o atentado ao USS Cole em
2000 terá custado entre 5 e 10 mil dólares, e o do 11 de Setembro
terá ficado por valores aproximados dos 500 mil dólares, o que leva
Adelino Torres a concluir que não estamos perante “ combatentes
pobres de mãos nuas ” (2004; p. 23).
De acordo com Brissard, a rede não necessita das facilidades dos
off shore para cobrir as suas operações. Segundo ele, a rede possui
os meios e a capacidade para desviar e lavar dinheiro, como o mé-
todo Hawala89, considerando no entanto que a maioria dos fundos
tem uma origem legal e, como veremos, representando a Zakat (dá-
diva obrigatória) a sua maior fonte de financiamento.
Para recolher fundos, a “organização” utiliza diversos métodos,
sendo a ligação ao crime organizado inevitável: cotizações dos mem-
bros; projectos de investimento; empresas de fachada; falsos con-
tratos; assaltos a bancos; cheques forjados; fraude com cartões de
crédito; moeda falsa; raptos; extorsão; contrabando de armas; tráfico
de drogas; e os mais diversos tráficos, como de carros, cd’s e inclu-
sivamente humano (Brissard, 2002; p. 24).
89
Forma tradicional de transferir dinheiro entre países no mercado paralelo, onde não há qualquer
tipo de registos.

-203-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

A Drug Enforcement Agency (DEA) norte-americana estima, por


exemplo, que só no Afeganistão a al-Qaeda lucra mais de 40 milhões
de dólares/ano com o tráfico do ópio (Carpenter, 2004; p. 3).
A Célula de Madrid foi talvez a mais importante a ser desman-
telada desde o 11 de Setembro, tendo-se verificado inclusive que a
mesma financiava outras células, como a de Hamburgo, e que obteve
os fundos para comprar os explosivos usados no 11 de Março, através
da venda de haxixe.
Ao mesmo tempo que como sistema adaptativo complexo (Gue-
des, 2006) se transformava e desenvolvia, a al-Qaeda infiltrou-se e
estabeleceu-se numa série de Organizações Muçulmanas de Cari-
dade, as quais podiam ser facilmente utilizadas para colher donati-
vos, mascarar os fundos de que ela necessitava para financiar as suas
actividades, montar autênticos centros de apoio à causa e distribuir
os necessários às suas células espalhadas pelo mundo inteiro, ao
mesmo tempo que serviam para apoio e ajuda humanitária legítima.
Mais de 50 instituições de caridade locais e internacionais foram in-
vestigadas e conseguiu-se relacionar algumas com a al-Qaeda, sen-
do as mais importantes as seguintes: a International Islamic Relief
Organization (IIRO), a Benevolence International Foundation, a Al
Haramain Islamic Foundation e a Rabita Trust. Todas elas têm es-
critórios espalhados pelo mundo e as suas actividades são, ou eram,
relacionadas com programas religiosos, educacionais, sociais e hu-
manitários (Brissard, 2002; p. 27).
A caridade é bastante importante na tradição e lei muçulmana.
Existe um dever religioso reconhecido no mundo muçulmano de
doar ou atribuir uma porção das posses de cada um para caridade
ou benevolência religiosas (esmola legal), que se intitula Zakat (ava-
liada em cerca de 10 mil milhões de dólares por ano). Há também a
participação em actos de caridade e trabalho voluntário, a que se dá o

-204-
O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

nome de Sadaqah. Em países como a Arábia Saudita ou os Emirados


Árabes Unidos, não existe um sistema de taxas ou impostos implan-
tado, pelo que o Zakat os substitui como a fonte principal de fundos
para as organizações e actividades sociais, religiosas e humanitárias.
Este é recolhido através das mesquitas locais e de centros religiosos,
sendo que os donativos são em grande maioria anónimos e esse é
um dos motivos pelo qual tanto o Zakat como o Sadaqah são con-
siderados responsabilidades religiosas pessoais, não havendo assim
um controlo rigoroso dos mesmos por parte dos governos (Brissard,
2002; p. 34 e Torres, 2004; p. 99).
Esta situação é explorada pela al-Qaeda para recrutar elementos,
aumentar o número de apoiantes à causa e solicitar apoio financeiro
directamente nas mesquitas e centros islâmicos.
Também instituições bancárias, como, por exemplo, o Banco Al
Taqwa, utilizavam as suas filiais em vários países para adquirir fun-
dos para a al-Qaeda, transferindo e lavando esses fundos, servindo
ainda como plataforma de transporte para equipamentos militares
e outros, com destino a elementos internacionais desta rede (Jac-
quard, 2001).
Organizações Não-Governamentais, como a Islamic Relief
Agency, Save Bosnia Now e o Comité de Beneficência e Solidarie-
dade, angariam e manipulam livremente importantes somas de di-
nheiro a coberto de acções humanitárias. Devido à sua natureza não
lucrativa, não se encontram sujeitas a fiscalização, pelo que servem
na perfeição os intentos da al-Qaeda.
Muitos elementos da elite Saudita (homens de negócios, prínci-
pes e banqueiros), descontentes com o rumo dos acontecimentos e
da grande abertura que a família real tem dado aos EUA, têm vindo a
contribuir para a causa do grupo de Bin Laden com valores entre os
300 e 500 milhões de dólares (Brissard, 2002; p. 11).

-205-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

A al-Qaeda opera como um franchise (Zuhur, 2005; p. 9), sus-


tentando financeira, logística e ideologicamente entidades que ope-
ram há vários anos em lugares extremamente diversificados, como
vimos referindo, e cujas acções custam milhares de dólares. Além
disso, grupos terroristas locais podem agir em seu nome com o in-
tuito de aumentar a sua própria reputação, mesmo que ainda não
estejam a receber apoio desta.

4. Recrutamento

Tendencialmente, na opinião pública perpassa a ideia de que o ter-


rorismo está apenas associado à pobreza, à miséria humana; são as
próprias Nações Unidas a reconhecer que existe uma relação muito
próxima entre terrorismo e pobreza, sendo as regiões mais pobres
do mundo as mais propensas à ocorrência de violência, assim como
os Estados fracos como a Libéria e a Serra Leoa ou o Afeganistão, e
os Estados colapsados como a Somália, são aqueles que apresentam
condições mais favoráveis para a eclosão ou para servirem de “ber-
ço” ao terrorismo90, dado que toda a organização terrorista carece
de um local onde se possa organizar, dar instrução e recrutar, isto,
apesar das capacidades de expansão e projecção que a utilização dos
modernos meios de comunicação permitem, ultrapassando o espa-
ço definido pelas fronteiras políticas e criando redes de interesses e
solidariedades dificilmente controladas. Contudo, nos atentados de
Setembro de 2001 em Nova Iorque e de Julho de 2007 em Glasgow,
pela análise das biografias dos suicidas, verificou-se que as fileiras

90
No texto do Coronel Thomas Dempsey referido em bibliografia podemos encontrar exemplos deta-
lhados relacionados com esta temática. Dempsey foi Adido Militar em Monróvia e Freetown e actual-
mente é o Director de Estudos Africanos do US Army War College.

-206-
O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

do terrorismo também são preenchidas por indivíduos de nível so-


cial, económico e educacional relativamente elevado.
As fontes de recrutamento e os motivos para adesão são diversos
e estão sobretudo associadas à revolta com situações sociais degra-
dantes, a factores culturais considerados humilhantes, a injustiça, a
desigualdades e a xenofobia, mas também segundo Zuhur (2005; p.
7), os extremistas recrutam por uma crença recente na missão islâmi-
ca, a da´wa, e na glorificação da Jihad e do martírio, juntamente com
o desejo de poder contribuir para a mudança do meio que os rodeia e
do mundo em geral. A todas estas motivações acresce o exponencial
crescimento demográfico e o factor migratório, com o fluxo orienta-
do predominantemente para os países do Ocidente, onde as novas co-
munidades que se instalam dificilmente são integradas nas socieda-
des locais, potenciando o acréscimo de desencantados e de potenciais
filiados e combatentes pela alternativa apresentada pelo terrorismo.
Independentemente das formas de recrutamentos, para Amaro
Monteiro (Monteiro, 1999-2000; p. 12-13), é de esperar que de uma
maneira geral o recrutamento se efectue sobre indivíduos com os
seguintes perfis psicológicos:
1) Personalidades cujo comportamento se enquadre já no âmbito
da criminalidade comum; baixa ou elementar escolaridade; origem
social ao nível do subproletariado urbano; perfil solitário-sofredor;
nula ou muito vaga consciência política; portador/a de traumas in-
fantis e da adolescência propiciadores de uma permanente auto-ale-
gação de “vítima”; vendo na sociedade a mãe-má de um pesadelo a
apagar/destruir (pelo menos na recusa da responsabilidade). Pro-
penso a “dedicar-se”, carente de ser “necessário”, este tipo psico-
lógico é, na organização terrorista, aliciável e utilizável para todo o
“trabalho menor”, após uma “consciencialização” que lhe resgate a
“menoridade” na medida quanto baste;

-207-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

2) Personalidades, cujo comportamento é de aparência normal e


que estão, no plano da criminalidade comum, fora de qualquer sus-
peita; escolaridade média ou alta, com razoável ou acentuada den-
sidade de leituras; estrato burguês médio ou médio/alto; perfil in-
trinsecamente solitário/lábil, mas dotado de versatilidade e empatia
quando em circunstância de “actor no palco”; frequente portador de
complexo edipiano mal resolvido e de traumas juvenis; vítima real
ou alegada de preterições políticas ou sócio profissionais; idealismo
exaltado e colando-se a mania carismática (“ego” paranóide); perda
progressiva do distanciamento crítico entre a ideologia/religião e a
realidade, com hipertrofia simultânea do elemento utópico. A partir
de determinado ponto, a amoralidade é nele dominante. Sociopata
(?). Levado pela acção a não poder acreditar na própria morte, vê em
todo o seu exterior uma culpa de sangue que só o sangue pode re-
mir. Este tipo psicológico é, na organização terrorista, de aliciamento
normalmente lento, dada a capacidade crítica. Aderindo, destina-se
ao planeamento e/ou comando operacional. Dura enquanto for con-
trolável. É óbvio que os perfis descritos, não sendo universais nem
rígidos, têm porém valor referencial; indexam-se aos contextos cul-
turais e sociais do país ou área de recrutamento.

Estas personalidades são recrutadas essencialmente de duas formas


que podemos designar por recrutamento directo e recrutamento in-
directo.

a. Recrutamento directo

Nesta forma de recrutamento, o contacto com o elemento a recrutar
é feito directamente e incide sobretudo em jovens previamente son-
dados e persuadidos, facilmente manipuláveis, que expressam a sua

-208-
O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

revolta contra a tirania, a injustiça e a corrupção existentes nos seus


países, situações de que estas organizações tiram proveito, sendo por
isso a forma de recrutamento mais eficaz (Zuhur, 2005; p. 23).
O contacto com os futuros recrutas efectua-se sobretudo em
mesquitas, ou nas escolas corânicas. A al-Qaeda envia recrutado-
res que ou estão embeded nas mesquitas ou viajam de mesquita em
mesquita, onde procedem à identificação de potenciais voluntários.
Muitas vezes estes são seleccionados para viajar para um terceiro
país, como o Paquistão ou o Iémen, onde a sua educação religiosa
vai ser incrementada. Uma vez lá chegados, são isolados dos seus
anteriores companheiros e mesmo da família e é-lhes ministrada
formação religiosa mais avançada e, recebendo treino para a Jihad.
O recrutamento também é efectuado em grupos radicais que apoiam
ou dependem de alguma forma da organização e estão disseminados
pelo mundo fora, sendo o Iraque considerado neste momento como
o epicentro para atrair, organizar e treinar a nova geração de terro-
ristas (Phillips, 2006; p. 2).
Sharon Curcio (2005), um oficial reservista norte-americano,
apresenta no seu estudo “As diferenças entre as gerações para travar
a Jihad”, publicado na Military Review, uma interessante análise
sobre as motivações para participar na Jihad e sobre a forma de re-
crutamento. Na base do seu estudo estão 600 entrevistas a prisionei-
ros detidos em Guantánamo.
Para Curcio, desde o tempo em que se deu início à procura de
combatentes estrangeiros para colaborarem no esforço de expulsão
dos soviéticos de solo afegão, até ao 11 de Setembro de 2001, muitos
jovens muçulmanos foram motivados pelas prédicas dos Imãs, a tro-
carem os seus lares e partirem para o montanhoso território da Ásia
Central, Chechénia ou Palestina. O apelo à Jihad seduzia e funciona-
va como um ritual de transição para a idade adulta e era ainda o de-

-209-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

monstrativo da devoção ao Islão, transformando-os em mujahedin.


No seu processo de recrutamento os aliciadores utilizavam múl-
tiplos meios de persuasão, como, por exemplo, imagens de muçul-
manos perseguidos, exibindo filmes onde se mostravam mulheres e
crianças em sofrimento em campos de refugiados na Chechénia e na
Palestina (Curcio, 2005; p. 18). Ainda segundo este autor, de forma a
cumprirem a Jihad eram oferecidas diversas alternativas aos jovens
aliciados, como ensinar o Corão ou árabe; visitar um país-modelo
de Sharia ou mesmo auxiliar irmãos muçulmanos a lutar contra os
opressores ocidentais para extinguir a corrupção que ameaça o Is-
lão em todos os lugares. A estas motivações Curcio acrescenta outras
como o desemprego, problemas financeiros ou outros tipos de fra-
casso pessoal, referindo o exemplo de muitos dos detidos dos países
do Golfo Pérsico que vêm a Jihad como um “emprego alternativo.”
Por outro lado, é curioso notar, e o autor salienta esse pormenor,
que os jovens educados de origem saudita foram motivados pelo de-
sejo de descobrir as suas identidades e experimentarem um desafio;
para os mais puristas, a Jihad era a grande oportunidade de junção
do domínio espiritual com o material; para outros era a oportunida-
de de provar sua masculinidade e, ainda para outros, oferecia alívio
temporário da pobreza ou dos problemas do abuso de drogas. Houve
recrutadores que utilizaram ainda o artifício da peregrinação para
enganar alguns dos jovens aliciados (Curcio, 2005; p. 19)
Para James Dunnigan (2006), uma das formas dos radicais is-
lamitas obterem grande influência sobre as populações passa pelo
controlo da acção educativa básica ou inicial. Na Arábia Saudita as
escolas corânicas (madrassas), largamente apoiadas por instituições
de caridade e por contribuições locais, utilizam cerca de 40% do tem-
po escolar a ensinar assuntos do foro religioso, com os restantes 60%
a serem dedicados a disciplinas como Gramática, Retórica, Discurso

-210-
O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

Público, Lógica, Filosofia, Literatura Árabe, Lei Islâmica, Teologia,


Medicina e Matemática, procurando-se acima de tudo formar jovens
muçulmanos capazes e observadores. Além destes ensinamentos nas
madrassas, cujo número se avalia em cerca de 100.000 em todo o
mundo, passam-se também mensagens como: “luta contra os infiéis
do mal” e “matem os judeus”, que são assim incutidas nos jovens
muçulmanos – e é através destas que a al-Qaeda e outras organi-
zações extremistas capitalizam seguidores e apoiantes (Dunnigan,
2006). Porém, não devemos esquecer que, tal como Bergen e Pandey
(2005) adiantam, estas escolas “ do not teach the technical or lin-
guistic skills necessary to be an effective terrorist ”.
Como uma organização que se modifica e adapta constantemen-
te, procurando novas formas de evitar a detecção ou que os seus
membros sejam capturados, a al-Qaeda tem procurado a surpresa
e a exposição mínima, recrutando operacionais oriundos não só de
países muçulmanos mas também em países como a Grã-Bretanha,
França, Austrália e os próprios EUA.

b. Recrutamento indirecto

Esta forma de recrutamento engloba todos os processos utilizados


pela al-Qaeda para integrar novos membros, sem que exista numa
abordagem inicial, um contacto ou interacção directa entre a entida-
de recrutadora e o elemento a recrutar. Aqui a actuação cinge-se ao
campo das emoções, sendo utilizados os conhecimentos das leis da
psicologia, da psicossociologia a da psicotecnologia para influenciar
crenças e sentimentos.
Destes processos, os mais conhecidos são a divulgação de casse-
tes de vídeo, as intituladas Cassetes de Recrutamento da al-Qaeda,
produzidas por apoiantes de Bin Laden e onde surgem imagens do

-211-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

próprio, além de propaganda sobre o estado do mundo muçulmano,


das causas desse estado e a solução para o mesmo, que não é senão a
“guerra sagrada” contra os infiéis.
Também a internet se tornou um novo meio de recrutamento e
treino dos novos elementos, de captação de fundos e recursos, de
divulgação e reivindicação das suas acções e de comunicação, tudo
isto com facilidade de acesso e a possibilidade de anonimato quase
garantida, mesmo com a intensa vigilância a que esta rede está ago-
ra sujeita. O grupo liderado por Al-Zarqawi, por exemplo, colocou
um vídeo on-line intitulado “Toda a religião será para Alá”, numa
página da World Wide Web com grandes recursos gráficos e com
qualidade profissional, mostrando fotos dos mártires e o treino dos
bombistas suicidas.
A divulgação dos vídeos de decapitações de ocidentais infiéis na
Internet e nas televisões de todo o mundo tem sido também utilizada
como propaganda para o recrutamento. Através destas decapitações,
de raptos e de ataques bombistas no Iraque, a organização conse-
gue dois resultados práticos: a propaganda à organização para atrair
simpatizantes e a intimidação da população e dos “infiéis” (Zuhur,
2005; p. 56).
Nesta forma de recrutamento, os jovens entram num processo
de auto-aprendizagem com recurso a manuais de acções terroristas
e gravações em vídeo ou CD. Quando e sempre que possível, com-
pletam o seu treino a nível operacional com curtas passagens por
grupos paramilitares no estrangeiro (Curcio, 2005; p. 23).
Segundo Sharifa Zuhur (2005), um dos mais poderosos argu-
mentos para o recrutamento desta Jihad tem na sua génese a ocupa-
ção e presença militar “infiel” em terreno muçulmano e, de acordo
com a base de dados, on-line, do Instituto Internacional de Estudos
Estratégicos de Londres, a base potencial de recrutamento da al-

-212-
O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

Qaeda e as suas fontes de financiamento foram consideravelmente


aumentadas pela invasão americana do Iraque, uma vez que subiram
as contribuições de muçulmanos ricos e revoltados com escândalos
como o das torturas e humilhações sexuais em Abu Ghraib ou, mais
tarde, as notícias da colocação do Corão junto às sanitas das celas de
Guantánamo.
Os grupos extremistas conhecem perfeitamente as potencialida-
des da cobertura dos atentados pelos meios de comunicação social
sendo isso evidente numa carta entre dois líderes da al-Qaeda, al-
Zawahiri para al-Zarqawi, onde este referia “we are in a battle, and
that more than half of this battle is taking place in the battlefield of
the media.”91
Por outro lado, também sabem que os ataques suicidas são mul-
tiplicadores de força; atraem os meios de comunicação social; são
relativamente “económicos” e adaptados à natureza irregular da or-
ganização e aumentam o recrutamento, sendo curioso verificar o au-
mento crescente de mulheres suicidas (Zuhur, 2005; p. 54).
Heitor Romana (2004; p. 260) considera ainda uma outra forma
de recrutamento, o free lancer, que assenta em operacionais orga-
nizados em células activas, ou que podem mesmo estar “adormeci-
das”, bem como no apoio logístico que essas mesmas células podem
proporcionar.

91
Podemos detalhar que este documento refere ainda a necessidade de se conquistar o importante
apoio da população, disponível em http://www.dni.gov/releases.html.

-213-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

5. A análise estatística

A partir da análise e descrição efectuadas, pensamos agora ser in-


teressante quantificar incidentes, baixas (mortos e feridos) e custos
associados.
Apresentamos alguns gráficos extraídos da Terrorism Knowled-
ge Base. Esta base de dados é uma boa ferramenta analítica e permite
criar não só gráficos como tabelas sobre incidentes terroristas. Aqui
damos apenas o exemplo de gráficos com o registo do número de
mortos e feridos por ano e depois por região:

-214-
O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

-215-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Ou uma tabela que relaciona incidente por alvos:

Incidentes Terroristas – por alvo Período: 01/01/1968 – 01/07/2007


Alvo Incidentes Feridos Mortos
Abortados 5 2 2
Aeroportos e Companhias Aéreas 809 2395 2181
Negócios 3547 13543 5412
Diplomático 2689 8472 1208
Instituições Educativas 630 1461 570
Reabastecimento de Alimentos e Água 12 5 0
Governamental 4896 10237 5191
Journalista & Meios de comunicação social 600 408 295
Marítimo 132 293 130
Militar 821 4681 1611
ONG 344 301 330
Outros 2118 2790 2518
Polícia 3886 13133 7414
Cidadãos e Propriedade privada 5376 23160 11016
Figuras/Instituições religiosas 1268 6590 2454
Telecomunicações 161 78 63
Terrorismo/Antigo Terrorismo 272 544 462
Turístico 260 1875 676
Transportes 1218 13603 2565
Desconhecido 778 1102 411
Utilidade 1136 558 427
TOTAL 30958 105231 44936

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O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

Ou por mês:

Incidentes Terroristas - Por mês Período: 01/01/1968 – 01/07/2007


Mês Incidentes Feridos Mortos
Janeiro 2612 5954 2944
Fevereiro 2546 6971 3241
Março 2722 14833 3704
Abril 2496 7921 3232
Mai 2510 7059 3339
Junho 2595 6927 3599
Julho 2939 9127 4014
Agosto 2851 14637 4293
Setembro 2526 11150 6873
Outubro 2688 8201 4094
Novembro 2166 6201 2721
Dezembro 2307 6250 2882
TOTAL 30958 105231 44936

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Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Ou mesmo pela classificação do grupo terrorista:

Incidentes Terroristas – Classificação do grupo P


eríodo: 01/01/1968 – 01/07/2007
Classificação por grupo Incidentes Feridos Mortos
Anarquistas 121 16 1
Anti-Globalização 216 98 22
Comunista/Socialista 3708 6656 2823
Ambiental 72 42 3
Esquerdista 432 337 125
Nationalista/Separatista 4723 26925 9800
Outros 299 712 338
Racista 41 79 7
Religioso 2572 36938 13270
Conservador de Direita 127 93 275
Reacionário de Direita 14 10 14

Estes dados estão disponíveis on line em http://www.tkb.org/Analyti-


calTools.jsp.
Porém, as análises estatísticas dependem de diversas condicio-
nantes, tais como a própria definição adoptada para o fenómeno. Por
exemplo, para Frey e Luechinger (2003; p. 4), da Universidade de
Zurique, os incidentes em Nova Iorque contra as torres gémeas são
contabilizados como um ou dois atentados? E podemos depois com-
parar a dimensão desta tragédia numa escala idêntica à de um se-
questro de uma alta individualidade? Ou este será apenas, na melhor
das hipóteses, um método genérico de abordagem do problema?
Encontramos muitas vezes discrepância nos resultados face aos
conceitos utilizados para a análise do mesmo fenómeno. Contudo,

-218-
O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

independentemente do que se pretende quantificar e da escala uti-


lizada, estas análises explicativas e retrospectivas são sempre impor-
tantes e úteis para fins académicos mas, em nossa opinião, também o
são sobretudo para órgãos e/ou entidades que efectuam a gestão das
consequências dos atentados uma vez que lhes permite, a partir das
lições aprendidas, estimar custos, criar cenários e treinar modalida-
des de acção para esses cenários no sentido de minimizar vulnerabi-
lidades, maximizando as suas potencialidades de actuação.
Ao nível dos custos associados aos atentados limitamo-nos a ex-
pressar a preocupação do Banco Mundial, para quem um ataque ter-
rorista tem hoje consequências económicas devastadoras e globais.
Segundo aquela Instituição, o bem-estar de milhões de pessoas é
afectado, inclusive no mundo em desenvolvimento. Como exemplo
refere-se o caso do ataque às torres gémeas em Nova Iorque que, só
por si, teve um efeito de ressonância que provocou um aumento de
10 milhões de pessoas a viverem na pobreza, sendo os custos totais
na economia mundial estimados em 80 mil milhões de dólares (Na-
ções Unidas, 2004 a; p. 19).

Síntese conclusiva

Nesta parte efectuámos uma breve análise de uma das principais


ameaças transnacionais à segurança, o terrorismo transnacional. Da
nossa análise, concluímos que o fenómeno do terrorismo após o fa-
migerado 11 de Setembro de 2001 sofreu profundas alterações qua-
litativas e quantitativas, tendo actualmente uma estrutura adaptativa
complexa. O terrorismo transnacional contemporâneo, seja ele de
matriz secular ou religiosa, viu a sua capacidade de destruição e de
resistência acrescidas, adquiriu ainda uma notável capacidade de re-

-219-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

crutamento, de financiamento, mas, e sobretudo, de actuação, tam-


bém elas globais.
Na próxima parte do nosso livro analisaremos outras ameaças
transnacionais para a Segurança dos Estados e ainda procuraremos
identificar algumas modalidades de acção estratégica para lhes fa-
zer face.

-220-
Sétima Parte
As Ameaças Transnacionais
e a Segurança92
Nesta parte iremos analisar as principais ameaças transnacionais à
Segurança dos Estados. Na parte precedente, o estudo recaiu sobre
uma das ameaças, o terrorismo transnacional, nesta parte identifi-
camos as outras ameaças com que os Estados se deparam e analisa-
mos aquelas que consideramos mais significativas, começando pelo
problema da proliferação das Armas de Destruição Massiva, depois o
crime organizado transnacional, a SIDA, a degradação do ambiente
e o fracasso dos Estados. Identificado e analisado o problema, apre-
sentamos a nossa proposta de modalidades gerais de acção estraté-
gica para as enfrentar, incluindo aqui o contributo português. Esta
parte não ficaria completa sem antes efectuarmos uma contextua-
lização da problemática e uma abordagem, ainda que sintética, da
evolução do conceito de Segurança.

92
Este tema, agora revisto e substancialmente ampliado foi apresentado pela primeira vez no Minis-
tério da Defesa Nacional numa conferência a 7 de Setembro de 2005, subordinada ao tema “As novas
ameaças transnacionais e as missões das Forças Armadas”. Posteriormente foi publicado na Revista
Negócios Estrangeiros N.º 9, de Março de 2006, sob o título “As ameaças transnacionais e a segurança
dos Estados. Subsídios para o seu estudo”, p. 341-374. Contribuíram depois estudos posteriores, no-
meadamente o trabalho apresentada em Nicósia em Dezembro de 2006, e posteriormente publicado na
Revista Negócios Estrangeiros n.º 11, de Junho de 2007. O depoimento publicado em 2007, com o título
“O Papel das Forças Armadas Portuguesas na consolidação de Timor Lorosae”, num livro editado pela
Afrontamento, “Timor, da Nação ao Estado”, p. 73-88, também tem aqui um registo importante.

-223-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

1. A Segurança dos Estados e as ameaças transnacionais

A entrada no terceiro milénio continua cheia de incertezas, sendo


evidentes as mudanças profundas da conjuntura internacional. Com
a implosão a Leste, a ameaça que estava bem definida desapareceu,
dando lugar a um período de anormal instabilidade, com uma am-
pla série de focos de convulsão regionais e múltiplos radicalismos.
A instabilidade é igualmente criada pelos novos tipos de ameaças,
algumas já manifestas, de que os trágicos acontecimentos de Nova
Iorque, Madrid e Londres são o paradigma.
A actual conjuntura internacional, onde o papel do Estado sobe-
rano está em crise, também se caracteriza pela flexibilização do con-
ceito de fronteira e pela aceitação de situações de cidadanias múlti-
plas e de governança partilhada. Este cenário facilita o crescimento
e o disseminar da violência internacional não-estatal, deixando as
guerras de obedecer à concepção típica de matriz clausewitziana, do
anterior sistema internacional. No presente, a violência global, que é
permanente, manifesta-se sobretudo de uma forma assimétrica, não
tem uma origem clara, pode surgir em qualquer lugar e apresentar
um cariz subversivo.
Nesta ordem de ideias, apercebemo-nos de que desconhecemos
quais as variáveis que devem ser controladas para o desenvolvimen-
to e materialização de um quadro institucional que corporize uma
“nova ordem”, que já existe93.
O Conceito de Segurança também sofreu alterações. Estas re-
sultam essencialmente da turbulência e da instabilidade originadas
pela simultaneidade dos movimentos globalizante e individualizan-

93
Para Ferraz Sachetti a Nova Ordem já existe, “estará ainda em construção, mas estamos a vivê-la”
(Sachetti, 2004; p. 59).

-224-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

te. Actualmente, a Segurança vê o seu conceito alargado a domínios


como a política, a economia, a diplomacia, os transportes e as co-
municações, a educação e a cultura, a saúde, o ambiente, a ciência e
a técnica, procurando encarar riscos e ameaças, em que a vontade e
os interesses particulares dos diferentes actores se manifestam neste
ambiente.
A Segurança também modificou o seu valor, passando-se de
uma segurança de protecção dos interesses vitais ameaçados por um
inimigo comum, ou seja, de uma segurança previsível, para uma se-
gurança agora orientada para riscos diversos, mais difusos na forma,
origem, espaço e actores, onde a imprevisibilidade aumenta as con-
dições para a eclosão de conflitos. A Segurança passou assim a ter
interesses além dos vitais, por vezes materializados longe da base
territorial dos Estados.
A Defesa tem obrigatoriamente de procurar corresponder a este
conceito alargado de Segurança e de flexibilização de fronteiras,
através de uma articulação das várias componentes, onde a caracte-
rística determinante será a inovação, a flexibilidade e a oportunida-
de de actuação. No presente, cada vez mais, a Segurança e a Defesa
asseguram-se na fronteira dos interesses e em quadros colectivos e
cooperativos.
A procura de resposta aos desafios de Segurança, Defesa e De-
senvolvimento num mundo interdependente coloca aos Estados
uma multiplicidade de desafios. A resposta a esses desafios passa
pela conceptualização de uma nova legitimidade para intervenções,
impondo forçosamente a definição dos mecanismos nacionais e in-
ternacionais com capacidade para garantir a Paz e a Estabilidade In-
ternacional e de permitir aos actores com responsabilidade na socie-
dade internacional uma orientação da sua acção.
A preocupação com o estabelecimento desses mecanismos regu-

-225-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

ladores, ou para poder acorrer às situações de instabilidade, de for-


ma a diminuir ou reduzir as suas consequências, conduziu a diversos
projectos no domínio da procura da garantia da Segurança e Estabi-
lidade Internacional, competindo às Nações Unidas (na sequência
lógica da Agenda para a Paz), o papel primordial, assim como às or-
ganizações regionais (em conformidade com a própria Carta das Na-
ções Unidas), das quais são referência na área Euro-Atlântica, para
além da OTAN a OSCE.

1.1 A evolução do conceito de segurança

Em termos amplos, podemos considerar a segurança como a busca


da libertação relativamente à ameaça, sendo a resultante da interac-
ção entre as vulnerabilidades de uma unidade política e as ameaças
que a mesma enfrenta (Waever et. al., 1993; p. 23-24)94.
O debate sobre o conceito de segurança não é novo. Este é um
conceito que não consegue consenso internacional, sendo definido
de diversas formas, de acordo com a escola interpretativa, ou mesmo
com a região geográfica ou país. No fundo, é um conceito contestado,
ambíguo, complexo, com fortes implicações políticas e ideológicas95.
Dos contributos para a história do conceito importa anotar que
o estudo sobre questões de segurança, por tradição, se dedicava
mais à dimensão político-militar, estatal e externa, sendo a defesa
da soberania do Estado um dos objectivos primordiais da política
de segurança (Brandão, 2004; p. 40). Esta visão foi consolidada pela

94
Barry Buzan considera que as ameaças podem ser de cinco tipos: militares, políticas, societais, eco-
nómicas e ecológicas (Buzan, 1991; p. 116-142).
95
A este propósito podemos consultar as obras de Buchan; Mackintosh (1973); Buzan (1991), Thomas,
(1992).

-226-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

abordagem realista das Relações Internacionais e pela Guerra Fria.


Historicamente, houve a percepção para as dimensões não-estatal e
não-militar da segurança. Foi todavia necessário que o desenvolvi-
mento científico e tecnológico criasse as condições materiais da glo-
balização, que se tomasse consciência da gravidade dos problemas
globais, que se comprovasse a incapacidade por parte do Estado para
fazer face a esses problemas, para que a segurança saísse dessa pri-
são estatal-militar (Brandão, 2004; p. 39-40) e se encontrasse uma
nova conceptualização.
As propostas são diversas, tendo vindo a afirmar-se uma tendên-
cia para o alargamento do conceito e para nele incluir questões, tais
como a segurança económica, a segurança do ecossistema e outros
conceitos alternativos de segurança, que incluam o crime interna-
cional organizado, a propagação transnacional de doenças e os mo-
vimentos migratórios internacionais em grande escala, entre outros
(Brandão, 2004; p. 37).
Com o fim da Ordem bipolar, o conceito de fronteira entrou
em revisão, surgiram novos actores na cena internacional, novas
ameaças/riscos e perigos de natureza global e transnacional, fican-
do as velhas concepções de segurança da escola realista desade-
quadas para encarar a nova e crescente complexidade das relações
internacionais, indicando assim o limite da concepção tradicional
de segurança ligada à dimensão militar, sendo necessárias outras
dimensões para o conceito. Não envolvendo o uso ou ameaça da
força física nas relações entre as diversas unidades políticas, surgi-
ram novas propostas para o conceito, como o da segurança societal
(Buzan, 1991)96, de segurança humana (PNUD, 1994) e, no plano

96
O conceito de “segurança societal” inicialmente avançado por Barry Buzan, é, posteriormente, de-
senvolvido por um grupo de investigação do Centre for Peace and Conflict Research, no sentido de
diferenciar segurança do Estado (soberania) e segurança da sociedade (identidade).

-227-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

político, o discurso dos governantes passa a contemplar um con-


ceito alargado de segurança.
A segurança societal está relacionada sobretudo com a salvaguar-
da da identidade societal, a capacidade de a colectividade manter o
seu carácter essencial, os seus modelos tradicionais de linguagem,
de cultura, de associação, de costume, de identidade religiosa e na-
cional, em contexto de mudança e perante ameaças possíveis ou ac-
tuais (Waever et. Al., 1993; p. 23)
Na década de 90 do século passado, a pessoa humana adquire nova
importância, passando a ter uma posição central, sendo esta situação
evidenciada pela utilização de conceitos como “segurança humana”.
Este conceito é proposto em 1994, no Relatório de Desenvolvimento
Humano do PNUD, e visava a substituição da abordagem tradicional
da segurança centrada nos Estados, por uma nova abordagem assen-
te na segurança das pessoas97. Consciente dos limites deste conceito,
designadamente dos que decorrem da sua difícil operacionalização,
quer como conceito quer como política, Ana Paula Brandão (2004;
p. 51) lembra que ele nos recorda que a comunidade política, seja ela
o Estado ou outra forma de comunidade política, existe para o indi-
víduo e que a essência do conceito se situa precisamente no actor (a
pessoa humana como objecto da segurança) e não no sector (militar,
não-militar).
O conceito alargado, que na era da informação acolhe um núme-
ro crescente de aderentes, lida com a transição verificada na Ordem
Internacional onde, cada vez mais, indivíduos e comunidades en-

97
Esta nova abordagem assenta nos seguintes pressupostos: centralidade da pessoa humana; universa-
lidade, transnacionalidade e diversidade dos riscos; interdependência das componentes da segurança.
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 1994. Para uma dicussão detalhada sobre o
conceito de segurança humana ver Vigilante, A.; Van Langenhove, Luc; Fanta, E.; Ferro, M.; Scarama-
gli, T.; “Delivering Human Security Through Multilevel Governance,” UNDP, UNU-CRIS, Brussels,
2009

-228-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

frentam ameaças sem inimigos (Prins, 1994), onde o Estado já não


pode ser o único responsável pela segurança.
A problemática em torno das questões da segurança alargada,
colectiva ou cooperativa é fértil e não existe consenso98. A ideia efec-
tiva de se construir um sistema de defesa colectiva parece remontar
ao final da I Guerra Mundial. Este conceito de segurança pressu-
põe num plano teórico a centralização internacional do uso da força
numa Autoridade supra-estatal, legitimada para decidir do seu uso
excepcional, e a criação de uma força militar a ela adstrita (Sarai-
va, 2001; p. 53), estando estas preocupações presentes tanto nas NU
como na OTAN. Este modelo tem algumas limitações, pois regula
um modelo de conflito entre Estados, porém, no presente, a maioria
dos conflitos e das ameaças e riscos à segurança internacional são
infra-estaduais. Ora, um modelo de segurança cooperativa não se li-
mita à militarização do conflito, sendo empregues outras agências e
organizações que não só as de defesa. Esta evolução não é semântica
e também contribui para uma definição de um conceito alargado de
segurança.
No ambiente internacional do pós-Guerra Fria, os Estados con-
tinuarão a estar na linha da frente para fazer face às ameaças à se-
gurança; mas no presente existem seguramente mais oportunidades
do que no passado para os Estados partilharem valores e interesses
comuns, o que estabelece os fundamentos essenciais para o funcio-
namento efectivo de um sistema de segurança colectiva, ou mesmo
cooperativa, que tem de ser credível, coerente, eficiente e, sobretu-
do, transparente, uma vez que só actuando colectivamente e coope-

98
Barry Buzan entende que o conceito alargado de segurança deve contemplar as mesmas áreas do que
as ameaças já definidas por nós na nota n.º 95 deste Livro (Buzan, 1991). Em Portugal, destacamos duas
obras de referência para um melhor esclarecimento dos conceitos Viana (2002); e Saraiva (2001).

-229-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

rativamente os Estados serão capazes de superar as suas vulnerabi-


lidades face à diversidade de novas ameaças que se colocam à sua
segurança.
Não há, no fundo, grandes alternativas. Ou procedemos a nume-
rosas mudanças para enfrentar hoje as novas ameaças, ou aquilo que
conhecemos como mundo moderno perderá o sentido da segurança
e viverá em perpétuo medo (Moreira, 2004 b; p. 32).

1.2 As ameaças transnacionais

Os assuntos relacionados com a segurança transnacional incluem,


como o nome indica, ameaças não militares que cruzam as fronteiras
e que simultaneamente ameaçam a integridade social e política dos
Estados, ou mesmo a saúde dos seus habitantes, bem como a sua
qualidade de vida.
Tipicamente as ameaças revelam-se nos Estados pela sua pró-
pria natureza intrínseca (poluição) ou devido à porosidade das suas
fronteiras. As novas ameaças, assim designadas, emergidas do es-
batimento bipolar, distinguem-se das tradicionais pela natureza
desterritorializada, disseminada e individualizada (Nunes, 2004; p.
276), pela tendência de não se manifestarem num simples evento ou
período de tempo e, por vezes, não têm um ponto focal, onde os po-
líticos e governantes possam concentrar as suas atenções e energias
(Smith, 2000; p. 78). Acresce ainda que muitas das novas ameaças
provêm dos novos actores que se manifestam no Sistema Internacio-
nal, e que procuram constantemente iludir ou evadir-se às autorida-
des formais, impossibilitando quaisquer negociações.
O paradigma das ameaças anteriores enfatizava uma estratégia de
dissuasão, assente em forças nucleares e convencionais associadas a

-230-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

um governo, com uma ordem de batalha, linear no desenvolvimento


e projecção ao longo do tempo, que eram empregues de acordo com
regras de empenhamento estritas e uma doutrina conhecida, ou seja,
as regras do jogo e os jogadores conheciam-se perfeitamente. Por
outro lado, o paradigma das novas ameaças é genericamente não-
governamental, não-convencional, dinâmico, não linear, com regras
de empenhamento desconhecidas, pelo menos de um dos lados, com
um modo de actuação e doutrina assimétrica e imprevisível (Steele,
2002; p. 5); mas “(…) não foi tanto a tipologia da ameaça que mudou,
o que mudou foram os meios e os métodos utilizados (…) ” (Viana,
2003; p. 4) e, nesta ordem de ideias, alterou-se também o conceito
de dissuasão – como dissuadir um adversário com uma atitude de
“santuarização agressiva”, ou como dissuadir um adversário que não
possui base territorial fixa, cuja vontade é destruir e não a partilha
do poder? (Viana, 2003; p. 4).
Ao contrário das ameaças tradicionais centradas na segurança
dos Estados, algumas das ameaças transnacionais são novas, emer-
gem lentamente e as suas causas e efeitos não são facilmente verifi-
cáveis (Smith, 2000; p. 77), como é o caso, por exemplo, das doenças
infecciosas.
Mas afinal o que entendemos por novas ameaças transnacionais,
sabendo que reflectem numerosas alterações políticas, económicas e
sociais ocorridas no mundo desde a queda do muro de Berlim?
Tradicionalmente ameaça é qualquer acontecimento ou acção
(em curso ou previsível), de variada natureza e proveniente de
uma vontade consciente que contraria a consecução de um objec-
tivo que, por norma, é causador de danos, materiais ou morais; no
fundo, o produto de uma possibilidade por uma intenção (Couto,
1998; p. 329).
Porém, este conceito, por não ser suficientemente abrangente,

-231-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

apresenta no momento difíceis problemas quando procuramos pre-


cisar o que compreende. Além do mais, não permite a inclusão das
consideradas ameaças não tradicionais à segurança, como é o caso da
SIDA. É fácil observar que esta pandemia não é uma ameaça na con-
cepção clássica, estruturalmente identificável num produto de uma
capacidade por uma intenção. Por outro lado, também não parece
possível entendê-la como um risco, que durante longas décadas se
opôs ao conceito de ameaça, entendido como acção não directamen-
te intencional e eventualmente sem carácter intrinsecamente hostil
(Nogueira, 2005; p. 73).
De facto, fomo-nos consciencializando de que estamos perante
algumas manifestações com implicações tão sérias que podem ser
classificadas como ameaças não militares à segurança. O assunto,
que ganhou grande relevância na literatura especializada, desenvol-
ve temas de que se destacam o terrorismo, o crime organizado, a
proliferação de armas de destruição massiva, os estados fracassados,
as ameaças económicas e sociais, os movimentos migratórios, ou
ainda as doenças infecciosas.
Face à multiplicidade de conceitos sobre o assunto99, neste estu-
do optámos por adoptar a definição de ameaça transnacional do re-
latório das Nações Unidas, A More Secure World: Our Shared Res-
ponsability, que admite uma concepção bastante ampla de ameaça,
encarada como:

“Any event or process that leads to large-scale death or lesse-


ning of life chances and undermines States as the basic unit

99
O Congresso norte-americano (2001) define-as como: “qualquer actividade transnacional (incluindo
o terrorismo internacional, o tráfico de droga, a proliferação de Armas de Destruição Massiva e os seus
vectores de projecção, e o crime organizado) que ameace a segurança nacional (…); qualquer indivíduo
ou grupo que intervenha em actividades referidas no parágrafo anterior”.

-232-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

of the international system is a threat to international securi-


ty” (2004 a, p. 12).

Apesar do conceito adoptado facilitar a identificação do que é ou


não uma ameaça transnacional, esta não é uma tarefa simples e sur-
gem inúmeros critérios que têm a ver com a própria identificação de
quem faz essa análise.
Para as Nações Unidas existem 6 grandes ameaças com as quais a
comunidade internacional deve estar preocupada, agora e nas pró-
ximas décadas (Nações Unidas, 2004 a; p. 25)100:

1) “Economic and social threats, including poverty, infectious di-


sease and environmental degradation;
2) Inter-State conflict;
3) Internal conflict, including civil war, genocide and other lar-
ge-scale atrocities;
4) Nuclear, radiological, chemical and biological weapons;
5) Terrorism;
6) Transnational organized crime”.

A estas o Congresso norte-americano (2001) acrescenta ainda o


ataque aos sistemas de informação. Por seu lado, a Estratégia Euro-
peia em Matéria de Segurança (EEMS, 2003), ou documento Sola-
na, como é mais conhecido na gíria militar e académica, apresenta as
seguintes principais ameaças, que em parte ou no seu conjunto po-
derão constituir para a União uma ameaça verdadeiramente radical:

100
Tradução livre do autor: Ameaças económicas e sociais, onde se incluem a pobreza, as doenças infec-
ciosas e a degradação ambiental; Conflitos entre Estados; Conflitos internos, incluindo a guerra civil,
o genocídio e outras atrocidades em larga escala; As armas NBQ; O terrorismo; O crime organizado
transnacional.

-233-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

1) O Terrorismo;
2) A Proliferação das Armas de Destruição Massiva;
3) Os Conflitos Regionais;
4) Fragilidade e Radicalização dos Estados;
5) A Criminalidade Organizada.

Esta estratégia foi analisada na sua execução através do “Relatório


sobre a Execução da Estratégia Europeia de Segurança – Garantir a
Segurança num Mundo em Mudança” datado de Dezembro de 2008.
Este relatório, não pretendendo substituir a EEMS, mas sim reforçá-
la, apresenta uma evolução das ameaças anteriormente definidas e
da sua evolução, acrescentando no entanto a ciber-segurança, a se-
gurança energética e as alterações climáticas.
Portugal, por sua vez, no seu Conceito Estratégico de Defesa Na-
cional (CEDN) identifica as ameaças que considera relevantes, das
quais destacamos:
1) O Terrorismo nas suas variadas formas;
2) O desenvolvimento e proliferação não regulados de armas de
destruição massiva, bem como dos respectivos meios de lança-
mento;
3) O Crime Organizado Transnacional.

As novas ameaças transnacionais “ pelos elevados níveis de destrui-


ção que podem provocar e pelas dificuldades de prevenção, dissua-
são e combate que colocam, têm actualmente um carácter diferen-
ciado no plano da segurança ” (Viana, 2003; p. 3) mas, para Adriano
Moreira (2004 b; p. 33), a mais alarmante das conclusões na actual
conjuntura internacional é que a época que se iniciou com o fim da
Guerra Fria nada indica que seja menos exigente do que foi aquela
no que toca à segurança e à defesa desterritorializada.

-234-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

2. Uma possível análise das principais ameaças transnacionais

O primeiro desafio na análise das novas ameaças prende-se com a


determinação de qual delas é a mais crítica para a segurança. Assim,
por uma questão metodológica que nos permita o desenvolvimento
de uma análise coerente e circunscrita no presente livro, estabelece-
mos um critério de identificação extremamente simples.
Em primeiro lugar, procurámos identificar nas ameaças conside-
radas pelas Nações Unidas, pela UE, e pelo CEDN, aquelas que são
comuns, tendo sido identificadas três: o Terrorismo, o Crime Orga-
nizado Transnacional e a Proliferação de ADM. Depois, optámos por
analisar outras ameaças e desafios que, pelo relacionamento que tem
com as ameaças comuns ou face à dimensão da tragédia que consigo
transportam, consideramos relevantes para a segurança tais como:
as pandemias e doenças infecciosas das quais destacamos a SIDA; a
degradação ambiental e o fracasso do Estado.
Nesta parte não analisamos o Terrorismo, uma vez que este tema
já foi tratado em parte específica deste livro.

2.1 A proliferação de Armas de Destruição Massiva

Desde o esboroar da URSS, emergiram as preocupações com a pos-


sibilidade de que partes daquele imenso território pudessem contri-
buir para a disseminação de Armas de Destruição Massiva (ADM),
dado que o controlo estratégico rigoroso imposto até então estava
esbatido. Neste período também testemunhamos um incremento na
proliferação nuclear em Estados não-nucleares.
Para as Nações Unidas, a ameaça colocada pela proliferação de
ADM tem duas origens fundamentais. A primeira prende-se com

-235-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

o não cumprimento por alguns Estados dos Tratados de Não Pro-


liferação de Armas Nucleares, desenvolvendo assim de forma ilegal
programas destas capacidades, adquirindo materiais e formando pe-
ritos, com a opção veiculada de abandonarem os Tratados assim que
estiverem em condições de criar uma arma; a segunda, está relacio-
nada com a erosão e eventual colapso de todo o quadro normativo
dos Tratados (Nações Unidas, 2004 a; p. 34).
De facto o Regime normativo de não proliferação está em perigo
devido à falta de cumprimento dos Tratados, pelo seu abandono ou
ameaça de abandono, situação que cria uma alteração significativa
na segurança internacional. Aproximamo-nos, a passos largos, de
uma situação de não retorno, em que o desgaste dos Tratados pode
levar a um efeito de bola de neve na proliferação.
A Comunidade Internacional deve preocupar-se com esta situ-
ação, dado que na realidade há um incremento de países que pro-
curam construir as suas próprias ADM. Estes podem depois cons-
tituir-se em fontes de proliferação, ou seja, de venda de material,
de tecnologia e de peritos, isto quer pela incapacidade de controlo
de fronteiras ou mesmo de algumas políticas governamentais, as-
sumindo particular relevo a ameaça que constitui a possibilidade
de grupos terroristas terem acesso a ADM, nomeadamente a armas
químicas ou biológicas, quer para chantagear, destabilizar ou para
efectuar acções de terror.
Actualmente são cerca de 60 os países que desenvolvem capaci-
dades nucleares, e 40 possuem tecnologia industrial e infra-estru-
turas científicas que lhes permitem, se essa for a opção, a construção
de armamento nuclear a breve prazo. Hoje são 9 os Estados conheci-
dos com arsenais nucleares (Nações Unidas, 2004 a; p. 34)101.

101
EUA, Rússia, Grã-Bretanha, França, China, Paquistão, Índia, Israel e Coreia do Norte.

-236-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

Um outro perigo equacionado pelas Nações Unidas, que não está


apenas relacionado com a possibilidade de mais Estados adquirirem
armamento nuclear, mas prende-se com a criação de stocks elevados
de material nuclear e radioactivo. Existem actualmente 1300 quilos
de urânio enriquecido em reactores de investigação espalhados por
27 países, mas o volume de urânio acumulado é muito superior, es-
tando algumas quantidades armazenadas em condições que ofere-
cem pouca segurança, tendo sido confirmados mais de 200 inciden-
tes envolvendo tráfico ilícito de material nuclear.
Outra ameaça pode surgir também de armas de destruição mas-
siva, mas de carácter radiológico, biológico ou químico. As armas ra-
diológicas podem apenas utilizar material radioactivo, cuja matéria-
prima está disponível em milhares de fontes na área industrial ou
médica, e permite a construção de uma dirty bomb, com capacidades
limitadas, mas de grande impacto psicológico junto das populações.
As armas químicas e biológicas também são de destruição massi-
va, com a agravante de os agentes químicos e biológicos estarem dis-
poníveis no mercado internacional, em inúmeras instalações indus-
triais e laboratórios em todo o mundo. Lembramos que ataques com
agentes químicos (gás sarim) foram perpetrados no metro de Tóquio
em 1995 e que em diversas instalações terroristas foi encontrado o
tóxico ricin. Este tóxico não tem antídoto e é altamente letal. A utili-
zação deste tóxico pode provocar mais baixas do que uma detonação
nuclear, só uma grama pode provocar entre cem mil e um milhão de
mortes (Nações Unidas, 2004 a; p. 40).
A criminalização da economia e o incremento de políticas ex-
tremistas e do terrorismo em alguns países do Cáspio estão também
relacionadas com a proliferação de ADM na Ásia Central, isto apesar
de os líderes políticos se esforçarem para, em conjunto, combaterem
o tráfico de armamento e de drogas, que incrementou com a porosi-

-237-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

dade das fronteiras; mas a tarefa excede as capacidades daqueles Es-


tados, quer individualmente, quer em conjunto. Naquela instável re-
gião não há provas evidentes do transporte de material NBQ ao longo
dos principais itinerários dos diversos tráficos, mas a preocupação é
crescente, pois a capacidade logística é uma realidade. (Sokolsky e
Charlick, 1999; p. 53).
Nesta delicada situação, o factor humano, porque extremamente
vulnerável, desempenha um importante papel. Segundo um artigo
de Deborah Ball e Theodore Gerber (2005; p. 65), publicado na co-
nhecida International Security, dos 602 cientistas russos que traba-
lham no sector, 20% expressou a sua disponibilidade em trabalhar
para Estados considerados proliferadores, como o Irão que, lembra-
mos, tem ligações estreitas com o Hizbullah, o que pode ser tentador
para que elementos da al-Qaeda procurem por esta via um acesso
clandestino à tecnologia nuclear (Dempsey, 2006; p. 16).
Um outro exemplo surge com o Professor Abdul Qadeer Khan,
“pai” do programa nuclear Paquistanês. Khan confessou em 2004
ter estado envolvido numa rede internacional clandestina relaciona-
da com a proliferação de tecnologia de armamento nuclear, do Pa-
quistão para a Líbia, Irão e Coreia do Norte. Ao que tudo indica, este
cientista teria pouco controlo sobre os elementos da sua rede fora
do Paquistão; além do mais, quer ele quer os seus companheiros, ao
terem acesso a esta sensível tecnologia, terão ficado eminentemente
motivados pelo lucro fácil. Nestas circunstâncias, o risco de acesso
por elementos terroristas a tecnologia nuclear aumenta significati-
vamente (Dempsey, 2006; p. 18).
Pelo exposto, a proliferação e o acesso indiscriminado constitui
assim uma das ameaças (assimétrica) mais dilacerantes para a Co-
munidade Internacional.

-238-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

2.2 O crime organizado transnacional

O crime organizado de cariz transnacional representa uma ameaça


para as sociedades e para os Estados, provocando a erosão do poder
dos órgãos de soberania e da segurança.
Desde o ataque do dia 11 de Setembro de 2004 ao World Trade
Center, o mundo vive obcecado com o terrorismo, com as suas po-
tenciais actividades e com a forma como podem afectar as socieda-
des ocidentais. Raros são aqueles que ousam olhar noutra direcção
e que se apercebem da existência de outras fontes de insegurança,
potencialmente tão perigosas ou mais do que o próprio terrorismo.
O crime organizado transnacional é um dos exemplos de ameaças
que têm procurado explorar a concentração de meios estatais na luta
antiterrorista para expandir as suas actividades. Embora não se trate
de um fenómeno recente, a globalização, juntamente com a evolução
política, económica, social e tecnológica na Europa desde o início
dos anos de 1990 trouxeram condições propícias ao desenvolvimen-
to do crime organizado.
A ameaça representada pelo crime organizado está, no entanto,
mais relacionada com a evolução da sua natureza do que com a sua
dimensão. Devido aos factores acima mencionados, foi adaptando a
sua estrutura, a sua forma de operar e as suas actividades à realidade
que o rodeava, estando em mutação permanente e sempre em busca
da maximização do lucro. O resultado é sem dúvida preocupante:
um maior nível de violência, um maior número de mercados afec-
tados, associações frequentes com grupos armados e objectivos que
passam cada vez mais pela destruição das estruturas estatais.
O crime organizado transnacional não é o resultado da simbiose
entre o crime organizado clássico e a globalização, não se pode re-
duzir o fenómeno a uma criminalidade comum cujo factor distintivo

-239-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

é a capacidade de operar além fronteiras. O crime organizado tem


na actualidade uma dimensão transnacional, envolvendo actividades
numa escala global, onde a permeabilidade das fronteiras permite
a circulação praticamente sem controlo, nomeadamente dos fluxos
financeiros.
Como explicar, portanto, o crime organizado? A resposta não é
consensual, mas Phil Williams, na linha de Clausewitz, adopta uma
resposta interessante ao considerar o Crime Organizado como a con-
tinuação do negócio por meios criminosos; possui uma estrutura de
base em rede, que aparentemente pode parecer de estrutura caóti-
ca mas, na realidade, apresenta-se com uma forma organizacional
sofisticada, marcada por três características distintivas: associação
com finalidade criminosa, corrupta e violenta (Williams, 2000; p.
185-186). Esta última característica mostra como aquele tipo de or-
ganização desafia o poder de monopólio dos Estados na utilização da
violência organizada.
Entre as definições existentes mais importantes encontram-se a
das Nações Unidas102 e a da União Europeia103, cujo conteúdo não di-
verge muito. No que diz respeito a outras definições oficiais, é pos-
sível encontrar diferenças notórias entre estas, como o demonstram,
por exemplo, as definições apresentadas pelos Estados-Membros
da União Europeia. No entanto, destaca-se desde já um conjunto

102
Para as Nações Unidas o crime organizado é constituído por “group activities of 3 or more persons,
with hierarchical links or personal relationships, which permit their leaders to earn profits or control
territories or markets, internal or foreign, by means of violence, intimidation or corruption, both in
furtherance of criminal activity and in order to infiltrate the legitimate economy”. In United Nations
Convention on Transnational Organised Crime (entrou em vigor a 29 de Setembro 2003).
103
A União Europeia entende-o como: “A Criminal Organization means a structures association, esta-
blished over a period of time, of 2 or more persons, acting in a concerted manner with a view to com-
mitting offences which are punishable by deprivation of liberty or a detention order (…) whether such
offences are an end in themselves or a means of obtaining material benefits and, where appropriate, of
improperly influencing the operation of public authorities”. In Joint Action 98/733/JHA of 21 Decem-
ber 1998, adoptada pelo Conselho com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia; disponível em
http://europa.eu.int/scadplus/leg/en/lvb/l33077.htm.

-240-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

de características tradicionais presentes. A primeira é a dedicação


a actividades ilegais desenvolvidas no seio de um grupo de pessoas
hierarquicamente definidas e cujo objectivo é unicamente o lucro, o
que permite uma distinção fulcral entre o crime organizado e outros
grupos, tais como os terroristas104.
A estrutura do crime organizado é muito desenvolvida, durável
e a sua organização pode ser comparável à de uma empresa. A sua
grande flexibilidade permite-lhe ainda adaptar-se permanentemen-
te e expandir a sua actividade a novas zonas geográficas e a novos
mercados, o que lhe dá igualmente um cariz multifacetado. Os méto-
dos são destinados a destruir os obstáculos à sua actividade e passam
habitualmente pelo uso da violência selectiva ou de outros meios de
intimidação e pelo exercício de influência na política, nos meios de
comunicação social, na economia e no meio judicial.
Com as recentes mudanças no Sistema Internacional, é, no en-
tanto, de esperar que o crime organizado, motivado não só pela pro-
cura de maior lucro, mas também pela necessidade de se adaptar às
respostas dos países em que opera, se afaste a pouco e pouco destas
características mais tradicionais.
O crime organizado não é um fenómeno recente, teve, em geral,
origem em pequenos grupos de tipo gang ou clã, com base étnica,
nacional ou até familiar (Schroeder, 1998; p. 82). Embora as causas
para o desenvolvimento deste fenómeno tenham diferido de Estado
para Estado, existem traços comuns que podem ser apontados. É o
caso das mudanças políticas, económicas, sociais, jurídicas e tecno-
lógicas que a Europa sofreu nos últimos anos.

104
David Whittaker, que defende que “the ordinary criminal’s violent act is not designed or intended to
have consequences or create psychological repercussions beyond the act itself. Unlike the criminal, the
terrorist is not pursuing purely egocentric goals – he is not driven by the wish to line his own pocket
or satisfy some personal need or grievance” (Whittaker, 2001; p. 9).

-241-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

No que diz respeito à dimensão política, o factor essencial foi a


desagregação da URSS e a consequente degradação das condições
de vida nessa região. Face a um quadro político-económico negro,
que os governos não conseguiram controlar, o crime organizado viu
a oportunidade de aumentar os seus lucros através do fornecimento
de serviços que os Estados não podiam providenciar aos seus cida-
dãos, ou seja, e generalizando para outros Teatros, o crime organi-
zado adquiriu a capacidade de corromper e minar as já por si fracas
instituições de diversos Estados, chegando por vezes a assumir as
funções do próprio Estado (Sokolsky e Charlick, 1999; p. 51).
Se juntarmos a este cenário as medidas políticas adoptadas pela
União Europeia no sentido de reduzir as barreiras dentro do espaço
europeu, compreendemos facilmente a razão do crescimento expo-
nencial do crime organizado nos últimos quinze anos neste espaço
geográfico. O recente alargamento da União trouxe igualmente ris-
cos, no sentido em que algumas das fronteiras dos novos Membros
são mais permeáveis e estão em contacto directo com países de onde
determinados grupos de crime organizado são originários.
Outros factores podem ser apontados para explicar o aumento
deste fenómeno tais como a crise de valores nas democracias eu-
ropeias, cuja desilusão com a classe política levou a uma sociedade
menos reactiva relativamente à corrupção (Politi, 1998; p. 53); a não
coincidência entre o conceito teórico de soberania nacional e o poder
real dos Estados-Membros; a transferência de poderes na União Eu-
ropeia e o reclamar nos Estados por uma soberania nacional. É neste
vazio de poder, que se traduz, por exemplo, pela falta de capacidade
em gerir fronteiras, que o crime organizado vai florescendo.
A crescente globalização dos mercados induziu estas estruturas
para novos métodos mais profissionais, evoluindo para formas mais
complexas. O resultado desta mutação traduziu-se numa maior difi-

-242-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

culdade na detecção das actividades ilegais e no controlo dos movi-


mentos dos grupos em questão. Mary Kaldor (1998; p. 78) considera
ainda que a aceleração da transição dos países em desenvolvimento
levou à criação de condições propícias ao aparecimento de instabili-
dade e criminalidade.
São cinco as áreas privilegiadas de actuação do crime organizado:
tráfico de droga, crimes financeiros, tráfico de seres humanos, ajuda
à imigração ilegal e tráfico diverso.
O tráfico de droga, que tem grandes implicações com a seguran-
ça, proporciona lucros estimados pelas Nações Unidas para as OCT
de valores entre 300 a 500 biliões de dólares por ano (Nações Uni-
das, 2004 a; p. 49), reciclando cerca de metade na economia mundial
(Raufer e Bauer, 2003; p. 175). Com estas verbas aquelas organizações
adquirem um poder significativo, havendo o risco de num qualquer
país poderem influenciar a eleição de um governo, ou chegarem a
administrar áreas territoriais significativas, competindo assim, na
ordem interna, com o poder formal.
A heroína é o produto mais rentável. Segundo Neil Barnett (2000;
p. 32), 80% da heroína destinada à União Europeia é refinada e trans-
portada por grupos de nacionalidade turca, coadjuvados por grupos
albaneses, através da zona sul dos Balcãs. O tráfico de cocaína, por
outro lado, é assegurado por grupos colombianos que utilizam Es-
panha como porta de entrada da União Europeia. O mesmo acontece
com uma quantidade de cannabis considerável, que é produzida em
Marrocos. No que diz respeito a outros tipos de drogas, é de realçar
a importância do tráfico de substâncias sintéticas e psicotrópicas,
cuja produção é essencialmente realizada dentro da própria União
Europeia. Embora haja indícios relativos à deslocalização de labo-
ratórios para fora do espaço comunitário por razões de custos e de
segurança, a grande maioria destes produtos continua a ter origem

-243-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

nos Países Baixos, na Bélgica e nos países Bálticos (EU, 2003; p. 20).
A diversificação de actividades desenvolvidas também tem sido
uma realidade que passa não só pela escolha de outras actividades
ilegais, mas também pelo desenvolvimento de negócios lícitos com o
objectivo de branquear capitais (os sectores da banca, hoteleiro e dos
transportes são exemplos disso) (Europol, 2003; p. 13). Consequen-
temente, o crime organizado deixou de ser um simples problema da
economia de mercado para passar a ser uma ameaça que diz respeito
à existência dos próprios países. Ao alcançar um nível de poder que
anteriormente era reservado exclusivamente a Estados, este fenó-
meno adquiriu a capacidade de destabilizar económica, social e, ain-
da, politicamente os países onde opera. Esta questão implica, nome-
adamente, que a ameaça passa a ser dirigida igualmente à segurança
dos próprios cidadãos.
Ao nível da dimensão social, a questão mais relevante é a da mo-
bilidade acrescida dos cidadãos, que veio também permitir ao crime
organizado estabelecer contactos a nível internacional ou gerir com
maior facilidade actividades longe do seu país de origem. A exis-
tência de comunidades imigrantes da mesma etnia ou nacionalidade
de um determinado grupo criminoso pode igualmente influenciar a
actuação deste, na medida em que a comunidade pode servir como
base de apoio ou até mesmo de recrutamento.
Em termos jurídicos, o crime organizado tira partido das dife-
renças, ainda acentuadas, entre as legislações nacionais dos países.
São muitas vezes as diferenças entre as definições de determinado
tipo de crime que permitem entrar mais facilmente em certos mer-
cados do que noutros. A falta de harmonia a nível judicial é também
preocupante no sentido em que a cooperação entre as autoridades
nacionais não está suficientemente desenvolvida para fazer face, de
forma correcta, ao crime organizado.

-244-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

A dimensão tecnológica contribuiu igualmente de forma decisiva


para o aumento da actividade criminosa, pois possibilitou a adopção
de novos métodos de actuação mais sofisticados e igualmente mais
anónimos. Um maior acesso às comunicações, nomeadamente ao te-
lemóvel e ao e-mail, e aos novos tipos de transporte, foi de grande
importância para a expansão dos grupos. Para o crime organizado
ligado às falsificações, quer de dinheiro, documentos ou obras de
arte, os avanços tecnológicos vieram ainda permitir a produção de
resultados mais perfeitos (Europol, 2003; p.12).
Em termos de rentabilidade e de dimensão da actividade, o trá-
fico de seres humanos e o apoio à imigração ilegal serão certamente
os sectores mais importantes a seguir ao tráfico de droga, rondando
os 8 biliões de dólares por ano (Smith, 2000; p. 82). A causa de am-
bos os fenómenos é essencialmente o factor de atracção das econo-
mias europeias ocidentais, associado ao movimento de repulsa do
país de origem, provocado pela instabilidade económica e política. O
desespero ou, simplesmente, a esperança de uma “miséria dourada”
levou, nos últimos anos, milhões de cidadãos a recorrer a grupos de
crime organizado para facilitar a sua entrada nos países Ocidentais.
Muitos partem com promessas de bons empregos e vêem-se, pas-
sado pouco tempo, confrontados com situações de extorsão ou até
mesmo de escravatura. Os fluxos migratórios provêm do Sul ou de
países junto à fronteira alargada da União Europeia (Europol, 2004;
p. 2), enquanto o tráfico de seres humanos tem uma origem mais
diversificada, que passa sobretudo pela Europa de Leste, mas igual-
mente pela Ásia, por África e pela América Latina. As rotas utiliza-
das, quer para a ajuda à imigração ilegal, quer para o tráfico de seres
humanos, assim como os meios de transporte, são frequentemente
coincidentes.
Em relação aos crimes financeiros, será importante sublinhar as

-245-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

actividades ligadas à fraude, à falsificação de moeda e ao branquea-


mento de capitais. Trata-se de operações de tipo clássico, cujas con-
sequências se fazem sentir essencialmente a nível económico através
da disrupção de mercados. O Relatório de 2003 da Europol sobre
crime organizado chama, no entanto, a atenção dos países para a
crescente utilização de alta tecnologia no desenrolar das operações
criminosas que têm vindo igualmente a conhecer dimensões cada
vez maiores.
Dentro do sector do tráfico diverso é possível enquadrar activi-
dades que vão desde o contrabando de álcool e de tabaco até ao trá-
fico de armas, passando pelo roubo de veículos (Europol, 2003; p.
22). Quanto ao tráfico de armas, tem vindo a assumir contornos pre-
ocupantes a probabilidade de tráfico de armas nucleares, biológicas
e químicas a partir da estrutura pouco segura da Rússia. Este tipo
específico de tráfico pode vir a permitir a grupos com objectivos de
índole terrorista o acesso a armas de destruição massiva.
De momento, o crime organizado é considerado como uma ques-
tão secundária devido à mediatização do terrorismo, o que lhe tem
permitido atrair menos atenção e actuar mais livremente. No entanto,
existem cada vez mais indícios de que o crime organizado está asso-
ciado de diversas formas ao terrorismo, através do financiamento de
operações ou do fornecimento de armas. Alguns autores defendem
até que se está a proceder, em algumas zonas do mundo, a uma fusão
entre grupos terroristas e grupos criminosos, o que cria, na verdade,
uma ameaça muito mais perigosa do que as anteriores, acumulando
a capacidade financeira e as motivações políticas.
Os Estados, com as suas estruturas de soberania pouco conso-
lidadas, facilitam a criação, disseminação e consolidação de coliga-
ções e redes de crime, que florescem, pois têm também associados a
si benefícios económicos (noção perturbadora mas realista) como a

-246-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

criação de emprego e o reinvestimento nas economias locais (Willia-


ms, 2000; p. 189). Hoje emerge uma nova dimensão da criminalidade
organizada e que resulta da degenerescência do Estado, a pirataria.
Esta tem-se manifestado de forma mais visível no Golfo de Adém,
no Oceano Índico e no Golfo da Guiné.
As OCT aparecem com frequência ligadas às economias de guer-
ra, procurando tirar proveito dos conflitos que proliferam um pouco
por toda a parte. As actividades ligadas ao crime financiam, estimu-
lam e por vezes estão na origem de guerras. Até à queda do muro de
Berlim, as práticas do financiamento dos conflitos pelos proventos,
por exemplo, da droga105, eram monopólio de alguns serviços secre-
tos estatais (Labrousse, 1996); depois, e progressivamente, passou a
constituir uma rede de ligações e de conivências envolvidas no fi-
nanciamento dos conflitos regionais nas zonas cinzentas do planeta.

2.3 A SIDA106

Apesar da evolução das ciências médico-farmacêuticas, as pande-


mias e doenças infecciosas persistem na era da informação. Só em
1995, aquele tipo de doenças provocou a morte a 52 milhões de pes-
soas. Em 1997, por exemplo, foram descobertas 60 novas formas de
doenças infecciosas, considerando alguns autores que estas doen-
ças serão potencialmente a maior ameaça para a segurança humana

105
O tráfico de estupefacientes aparece relacionado com 35 conflitos regionais. As guerrilhas da Amé-
rica Latina, do Afeganistão, Líbano, Curdistão, etc., servem-se dele para financiamento das suas acti-
vidades.
106
Uma versão sobre este tema, agora revisto, foi inicialmente apresentado no antigo Instituto de Altos
Estudos Militares, em Fevereiro de 2005, ao Curso de Estado-Maior. O interesse da matéria como uma
ameaça não tradicional à segurança, levou-me a aprofundar o tema e mais tarde a publicar um texto em
co-autoria com Francisca Saraiva na Revista Política Internacional n.º 30, de Fevereiro de 2006, sob o
título “A Geopolítica da SIDA”, p. 131-151.

-247-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

na era pós Guerra Fria (Smith, 2000). Lembramos o problema no


sudeste asiático com a pneumonia atípica, ou do vírus ébola prove-
niente do Congo, ambos capazes de cruzar fronteiras de avião, ou
mais expressiva em termos numéricos, a tuberculose, que na China
mata cerca de 250 mil pessoas por ano, e no sudeste africano 600
mil, infectando anualmente mais de 1,6 milhões de pessoas (Nações
Unidas, 2004 a; p. 26).
A infecção por HIV/SIDA representa uma pandemia global, da
qual se conhecem casos em todos os continentes. Inicialmente não
se conheciam as reais dimensões do fenómeno, mas o facto é que
desde 1981 já provocou a morte de aproximadamente 22 milhões de
pessoas, deixando 13 milhões de crianças órfãs107. No estudo cientí-
fico da guerra documentamos as baixas em consequência dos con-
flitos armados. Destas estatísticas retiramos o que pode clarificar
o nosso problema: é hoje certo que a SIDA provocou mais baixas
do que qualquer conflito armado ocorrido no século XX, incluindo
qualquer uma das grandes guerras, e a tendência é para o agravar
da situação. Actualmente há cerca de 40 milhões de portadores do
vírus, ou seja HIV, positivos.
Podemos comparar a sua progressão à das Divisões Panzer do
General Guderian, com a Blietzkrieg. Simplesmente agora esta
progressão é profundamente marcada por um carácter distintivo e
único na história da humanidade, quer pela extensão da sua propa-
gação, quer na morte que consigo transporta. A progressão é contí-
nua, global, sem escolher raça nem credo, latitude nem longitude,
nem condição social. O seu poder de destruição estende-se a toda
a comunidade.

O vírus da Imunodeficiência Adquirida (HIV) foi identificado pela comunidade científica há aproxi-
107

madamente 20 anos.

-248-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

No epicentro do fenómeno encontramos o continente africano.


Nesta zona geográfica não faltam motivos de preocupação. De facto,
24 dos 25 países mais atingidos por este flagelo são africanos. Pensa-
se que a SIDA é responsável por 1 em cada 4 mortes de adultos em
África (Singer, 2002; p. 147). No entanto, é difícil dizer que o fenó-
meno é localizado. É inegável que tem expressão global, embora se
manifeste mais ao nível urbano do que rural, progredindo rapida-
mente na Ásia, nas Caraíbas e nas Américas do Sul e Central, bem
como nos territórios da antiga URSS.
Ainda faltam dados seguros quanto aos números reais da pan-
demia. Calcula-se que os casos notificados pelas diversas entidades
nacionais e internacionais, na medida em que muitos países não
apresentam os seus resultados de forma consistente (China), ou cre-
dível (diversos países em desenvolvimento), escondem dimensões
desconhecidas que seria importante conhecer.
Não é provável que esta pandemia, como outras, apresente algu-
ma vez um carácter homogéneo e uniforme. Segundo Isselbacher,
estamos perante ondas epidémicas com características ligeiramente
diferenciadas nas distintas regiões do mundo, dado que há regiões
mais vulneráveis do que outras. Do mesmo modo, há a registar va-
riações também significativas dentro dos países afectados, que de-
pendem de factores como a demografia do país e da região em ques-
tão e mesmo do momento da introdução do vírus (Isselbacher et. al.,
1994; p. 1811).
O efeito devastador da doença encontra-se ampliado em algumas
regiões subdesenvolvidas, sobretudo na África subsaariana. Nesta
região, o padrão de infecção está claramente associado ao sexo hete-
rossexual, uma vez que o número de infectados masculinos e femi-
ninos é idêntico. Esta realidade contrasta vivamente com a situação
na América do Norte e do Sul, Europa Ocidental, Austrália, e outras

-249-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

zonas geográficas similares, onde a maior parte dos casos ocorre en-
tre elementos homossexuais masculinos e devido a práticas de toxi-
codependência com recurso a drogas intravenosas.
Há também casos muito particulares, de países como a China e a
Roménia, em que a principal causa de transmissão do HIV se prende
com a manipulação do sangue ou de hemoderivados contaminados,
devido à falta de condições higiénicas, instalações e recursos para
estudar os tipos de doadores, falta de aplicação de técnicas de este-
rilização de agulhas e seringas, bem como pelo uso inapropriado de
transfusões.
Infelizmente, os dados estatísticos relativos à transmissão da
SIDA na Ásia estão apenas parcialmente documentados. Todavia,
sabemos que a disseminação, desde o final da década de oitenta do
século passado, tem sido bastante rápida. Na Tailândia a epidemia é
recente: terá começado oficialmente em 1988. Até então era classifi-
cada no nível III, ou seja, pouco prevalente, à semelhança do que se
passa em diversos países europeus. No nível III a maioria dos casos
devem-se ao contacto com um padrão I (alta prevalência) ou II (mé-
dia prevalência). De acordo com Isselbacher, entre 1985 e 1987 ape-
nas 1% da população toxicodependente da Tailândia estava infectada
e nas prostitutas esse valor era inferior. Porém, em 1989 o padrão
foi alterado bruscamente, passando a mesma população estudada a
contar com valores na ordem dos 40% de infectados (Isselbacher et.
al., 1994; 1812).
Neste caldo de cultura do submundo urbano, a proliferação da
promiscuidade foi galopante. As trabalhadoras profissionais do
sexo têm grandes responsabilidades na matéria, nomeadamente na
transmissão do vírus aos jovens a cumprir serviço militar. Com toda
a certeza sabe-se que infectaram 10% dos recrutas. Por sua vez estes,
devido à sua mobilidade, ajudaram a espalhar ainda mais a doença.

-250-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

Com a transição do milénio a pandemia da SIDA recebe atenção


especial ao nível internacional. As Nações Unidas têm sido uma no-
tável frente de combate ao problema. A partir do ano 2000 o tema
deu o mote a sessões especiais quer ao nível da Assembleia-Geral
quer do Conselho de Segurança. Sucederam-se, igualmente, diver-
sas manifestações a nível regional, bem como iniciativas mais locali-
zadas em diversos países.
No universo onusiano, o Programa das Nações Unidas especiali-
zado na temática da SIDA, o Programa Conjunto das Nações Unidas
para o HIV/SIDA (ONUSIDA), vem promovendo estudos sobre a sua
evolução.
Segundo o relatório da ONUSIDA de 2009, a SIDA continua
extremamente dinâmica, crescendo e alterando o seu carácter à
medida que vai sofrendo mutações e explorando novas formas de
transmissão. Em Dezembro de 2008 os números totais de pessoas
contaminadas com o HIV estava estimado entre 30z e os 36 milhões,
embora o número de novas infecções tenha diminuído de 3 milhões
em 2001 para 2,7 milhões em 2007. Também só em 2007 estimam-se
2 milhões de mortes provocadas pela SIDA.
Em muitas das regiões do mundo os grupos de maior risco são as
mulheres, nomeadamente as mais jovens (idades entre os 15 e os 24).
O estudo de 2004 da ONUSIDA indica que o número de mulheres
contaminadas tem sido crescente: em cinco anos (1997-2001) passa-
ram de 41% para representar 50% do total do universo dos indivídu-
os contaminados. Segundo o último relatório divulgado (Dezembro
de 2006), são quase 18 milhões as mulheres infectadas, representan-
do um incremento de um milhão em relação a 2004.
Na sua progressão, o crescimento da SIDA entre as mulheres tam-
bém é significativo noutras zonas: nos EUA, Oceânia, América Lati-
na, Caraíbas, Europa de Leste e Ásia Central (Nações Unidas, 2005).

-251-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Apesar de ser difícil comparar regionalmente os factores que


provocam este crescimento, é claro que na base estão as diferenças
de género, especialmente as relacionadas com padrões culturais. O
fenómeno parece ser pluri-causal e inclui factores sociais e culturais
provocados pela desigualdade de estatuto entre a mulher e o homem,
a violência sexual, passando pelas práticas associadas à toxicodepen-
dência intravenosa, acabando na falta de medidas profiláticas.
Para além das mortes associadas a esta doença, enfrentamos no
presente o problema do número das pessoas que têm que viver com
HIV, que foi crescendo em todas as partes do mundo. Verificamos
que os aumentos mais significativos acontecem no Sudeste Asiático,
na Europa Oriental e na Ásia Central.
Na Europa Oriental e na Ásia Central o fenómeno cresceu em 270
mil só em 2006, sendo a principal responsável para a subida vertigi-
nosa a taxa de incidência na Ucrânia, que se conjuga com o crescente
número de casos na Federação Russa, que contam só por si com 90%
daquele efectivo. Na Rússia, entre 1997 e 1998, o fenómeno multi-
plicou por cinco o número de infectados, prevendo-se um cenário
catastrófico de 20% ou mais de contaminações na sua população,
sendo que 80% dos infectados tem idades compreendidas entre os
15 e os 30 anos. A Ucrânia conta com mais de 200.000 casos identi-
ficados (1% dos adultos), prevendo-se para 2016 cerca de 2,1 milhões
de mortes com SIDA (International Crisis Group, 2001; p. 3). Nesta
região imensa apenas 13% dos infectados têm acesso a tratamento
com antiretrovirais.
Sem dúvida que os dados estatísticos coligidos pelas NU referen-
tes ao ano de 2006 indicam a África subsaariana como a região com
maior prevalência de HIV, com 24,7 milhões de pessoas estimadas
como contaminadas, comparativamente aos 24,4 milhões de 2004.
Aqui residem 63% de todas os portadores de HIV. Só em 2006 terão

-252-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

sido contaminados cerca de 2,8 milhões de pessoas e verificaram-se


nesta região cerca de 72% das mortes desse ano. A incidência sobre
mulheres grávidas com idades compreendidas entre os 15 e os 24
anos é também muito expressiva.
Embora a prevalência de HIV se mostre actualmente relativa-
mente estável nesta região, o relatório de 2006 acrescenta um novo
dado, que a tendência é para decrescer o número de óbitos, isto de-
vido à terapia antiretroviral. Mais de um milhão de pessoas na África
subsaariana recebeu tratamento até Junho de 2006, 10 vezes mais em
relação a 2003. Nesta região conseguiu-se reduzir nos últimos dois
anos o número de mortes em quase 790.000. Esta esperançosa no-
tícia não impede que a tragédia se mantenha, dado que o número de
pessoa que contraem a doença aumenta e é igual o número de mor-
tes em relação ao passado. É de salientar aqui que Angola é o país da
África Austral onde a prevalência do vírus é menor.
A segunda região do planeta com maior incidência da doença é
as Caraíbas, excedendo os 2% em 5 países, tendo-se a SIDA tornado
a principal causa de morte na faixa etária dos 15 aos 44 anos, e sen-
do o principal motivo de contracção da doença a homossexualidade
(ONUSIDA, 2006). Na Ásia, a epidemia permanece largamente con-
centrada entre os utilizadores de drogas injectáveis, homossexuais,
trabalhadores profissionais de sexo, clientes de trabalhadores de
sexo e os seus parceiros frequentes. Na Índia, há regiões onde 5% da
população contraiu a doença, com grande incidência nas grávidas,
e na China as proporções são já as de uma epidemia, cujo impacto
pode vir a ser devastador. A prevenção não é efectiva entre estas
populações.
Na Europa Ocidental e na Ásia Central são diversas as epidemias
que se propagam, sendo o principal veículo de transmissão as agu-
lhas e seringas contaminadas.

-253-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Nos países mais desenvolvidos a homossexualidade masculina


desempenha um importante papel como veículo de transmissão da
doença, representando a droga injectável um papel variado, sendo
responsável só no ano de 2002 por mais de 10% da totalidade das
infecções de HIV na Europa Ocidental, e responsável por 25% de
infecções nos EUA (Nações Unidas, 2004 b).
Embora as mudanças de comportamento e tratamentos específi-
cos como os antiretrovirais, possam reduzir a velocidade da infecção
e os índices de mortalidade em países desenvolvidos, é provável que
surja uma expansão rápida da doença entre as populações da Índia,
Rússia, China, e América Latina, o que pode provocar instabilidade
social. De acordo com epidemiologistas da UNAIDS, a Ásia prova-
velmente ultrapassará a África subsaariana no número absoluto de
portadores de HIV antes de 2010.
Globalmente, a epidemia continua a destruir um número devas-
tador de indivíduos e famílias. Nos países mais afectados, esta epi-
demia simplesmente apaga décadas de esforço sanitário e de algum
progresso económico e social, afundando as economias num mar de
pobreza. Na África subsaariana tem igualmente um impacto muito
sério. A crise humana é crescente e transversal a todos os sectores
sociais.
Do ponto de vista político, a SIDA, como ameaça não tradicional
à segurança, deve muito ao empenho da Administração Clinton. A
viagem do embaixador americano nas Nações Unidas, Richard Hol-
brooke, à África do Sul em Dezembro de 1999, foi determinante para
esta mudança. Pouco depois, o Vice-Presidente Al Gore apresentou
ao Conselho de Segurança, a 10 de Janeiro de 2000108, os fundamen-

108
Neste dia, o Conselho de Segurança debateu a SIDA em África, tendo sido a primeira vez que este
órgão discutiu um assunto relacionado com a saúde como ameaça à paz e segurança. O encontro demo-
rou mais de 7 horas e teve cerca de 40 intervenções. Não foi adoptada qualquer resolução.

-254-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

tos do novo posicionamento norte-americano (Prins, 2004; p. 941):


1) O âmago da segurança é a protecção de vidas;
2) Quando uma simples doença ameaça tudo, desde a economia
às operações de manutenção de paz, enfrentamos claramente uma
ameaça à segurança a um nível global;
3) É uma crise de segurança, porque ameaça não só – e apenas –
o indivíduo, mas também as instituições definidoras da sociedade.
Também o Banco Mundial, logo em 2005, pela voz do seu à altura
Presidente James Wolfensohn, se afasta das análises mais tradicio-
nais, ao defender que esta pandemia é o maior desafio para a paz e
estabilidade das sociedades alguma vez conhecido. Com a SIDA, en-
frentamos uma grave crise de desenvolvimento, mas sobretudo uma
séria crise de Segurança (Singer, 2002; p. 145).
O Conselho de Segurança também aprovou em 17 Julho de 2000
a Resolução 1308, que estabelece a SIDA como um problema de se-
gurança, reconhecendo que esta pandemia é exacerbada por condi-
ções de violência e de instabilidade e que se não for acautelada, pode
colocar em risco a estabilidade e a Segurança internacional.
Por outro lado, o trabalho do International Crisis Group (2001, p.
2) aprofundou as múltiplas dimensões geopolíticas deste problema
considerando:
· A SIDA como um problema de segurança pessoal – Quando 5,
10 ou mesmo 20% dos adultos ficam infectados, a saúde pública é
severamente afectada, a longevidade diminui, a mortalidade infantil
cresce, a produção agrícola decresce, as famílias e comunidades são
destroçadas e os jovens não vislumbram futuro viável. As divisões
sociais e étnicas podem ser acentuadas e a migração económica e os
deslocados/refugiados aumentam;
· A SIDA como um problema de segurança económica – Ame-
aça o progresso social e económico, agravando as já de si favoráveis

-255-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

condições para a eclosão de conflitos violentos e de catástrofes hu-


manitárias. Estima-se que uma prevalência de 20% de infecções na
população adulta influencia o PNB em 1% anualmente;
· A SIDA como um problema de segurança comunitário – Afecta
as polícias e consequentemente a estabilidade comunitária. Destro-
ça instituições, vitimizando especialmente os sectores da população
com maior mobilidade geográfica: as elites, os funcionários públi-
cos, os professores, os profissionais de saúde, entre outros;
· A SIDA como um problema de segurança nacional – A doen-
ça afecta sobretudo as Forças Armadas, nomeadamente as africanas.
A debilidade provocada nestas instituições, bem como nos pilares
do crescimento económico, pode tornar os países mais vulneráveis a
conflitos internos e externos;
· A SIDA como um problema de segurança internacional – Cons-
titui-se como uma ameaça, quer por desafiar a segurança interna-
cional, quer pela sua capacidade de minar a aptidão internacional
para resolver conflitos.

2.3.1 A SIDA e os seus reflexos nas populações

Em primeiro lugar, nos países mais afectados a taxa de mortalidade


aumentou drasticamente. O mesmo sucedeu com a esperança mé-
dia de vida, seriamente afectada nestes casos. Estima-se que nalguns
países uma larga percentagem da população (que poderá chegar aos
60%), hoje com 15 anos, não atingirá os 60 anos (Nações Unidas,
2004 c).
Os efeitos do HIV na mortalidade adulta são maiores na faixa etá-
ria entre os 20 e os 30 anos e é proporcionalmente maior no caso
das mulheres. Outro sinal preocupante tem que ver com o facto de

-256-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

os índices de mortalidade para portadores de HIV em países em de-


senvolvimento serem até 20 vezes superiores aos encontrados nos
países mais prósperos, o que reflecte bem as dificuldades no acesso
às terapias antiretrovirais.
Cite-se que, desde 1999, a esperança média de vida recuou em
38 países. Com efeito, em 7 países africanos, onde a prevalência de
HIV excede 20%, a esperança de uma pessoa nascida entre 1995 e
2000 é agora de 49 anos, ou seja, 13 anos menos do que na ausência
de SIDA. Perspectiva-se que na Suazilândia, Zâmbia e Zimbabué a
esperança média de vida de pessoas nascidas na próxima década seja
inferior a 35 anos. A menos que a resposta à SIDA seja drasticamente
fortalecida antes de 2025, estes países terão populações 14% meno-
res do que na realidade teriam se não houvesse SIDA.
Mais alguns factos revelam a dimensão do fenómeno. Referimo-
nos ao facto de o HIV, apesar de mais urbano do que rural, não se
encontrar uniformemente distribuído ao longo das populações na-
cionais. O que significa que a epidemia altera drasticamente as es-
truturas demográficas dos países mais fortemente afectados pela
pandemia. As pirâmides demográficas passam a apresentar novos
padrões. Quer isto dizer que países como a África do Sul verão a sua
estrutura etária perturbada: haverá menos pessoas entre os 30 e os
50 anos e também menos mulheres do que homens.
Neste contexto, não admira que a SIDA provoque uma tendên-
cia de aumento das situações de orfandade. Parece, portanto, que
estamos em presença de estudos prospectivos que indicam que, em
2010, serão cerca de 40 milhões as crianças abandonadas e privadas
da presença dos pais (Internacional Crisis Group, 2001; p. 24). Estas
crianças dificilmente recuperarão as condições para terem uma vida
normal, com todas as consequências sociais que a situação acarreta.

-257-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

2.3.2 A SIDA e as operações militares

Dos países africanos com maior incidência de SIDA mais de metade


estão envolvidos em conflitos armados. As estatísticas também são
claras no que diz respeito aos militares contaminados com o HIV.
São aproximadamente 5 vezes superiores aos civis e em períodos de
guerra este valor cresce para 50 vezes mais.
A situação é de tal maneira grave que muitas vezes as FA são
mesmo o principal grupo de contaminados. Trata-se, sem dúvida,
de uma situação que leva a que, nalguns casos, seja esta a principal
causa de baixas. Além do mais, como a SIDA não escolhe postos, há
consequências importantes nas cadeias de comando, na capacidade
das Forças e mesmo na sua coesão109.
Os motivos para esta taxa de incidência são diversos: desde ra-
zões que se prendem com a idade biológica, ao distanciamento das
companheiras(os) sexuais, a prática de sexo forçado como arma de
guerra110 e, finalmente, uma cultura do risco instalada em muitas
Forças Armadas pelo mundo fora.
Temos que notar que os comandos em países onde a taxa de infec-
ção é significativa já estão preocupados com a capacidade de projec-
ção de força. Esta constelação de problemas agrava-se, como notou
Singer, com a circunstância da SIDA, por via do enfraquecimento da
instituição militar, propiciar mecanismos de desestabilização inter-
na e de debilidade que aumentam a probabilidade de vir a ocorrer
um ataque externo (Singer, 2002; p. 149). Se tivermos em conta que
em alguns países, como a Namíbia, os dados estatísticos de militares

109
No Malawi prevê-se que 1/4 do efectivo tenha perecido dentro de 3 anos (Singer, 2002; p. 148).
110
O uso de violência sexual sobre mulheres chocou-nos a todos durante o conflito na antiga Jugoslá-
via e depois no Ruanda. Foram inúmeros os relatórios sobre violações, gravidez forçada e escravatura
sexual.

-258-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

infectados é uma informação classificada, teremos de admitir que o


fenómeno tomou proporções alarmantes.
Pode presumir-se que a SIDA é um problema de segurança inter-
nacional por colocar evidentes desafios a essa segurança. Em segun-
do lugar, verifica-se que a multiplicação de contingentes de milita-
res infectados com HIV inviabiliza a participação de muitos países
em operações de paz. Pode ainda dizer-se que, devido às caracterís-
ticas e comportamentos dos seus elementos, a própria força tende a
ser uma fonte de infecção no local da missão bem como, no regresso,
um foco infeccioso junto das comunidades de origem, uma vez que
existe sempre o risco/probabilidade de contrair a doença durante as
missões (Internacional Crisis Group, 2001; p. 22-23). O binómio jo-
vem soldado / trabalhadora do sexo é milenar. Assiste-se, estamos
certos, a uma crise nos mecanismos de resolução de conflitos pro-
vocada pela diminuição da capacidade internacional de acudir, com
o potencial humano adequado, a crises e conflitos.
Deve observar-se, por outro lado, que a SIDA é crescentemente
utilizada como uma poderosa arma de guerra. Os raptos e os geno-
cídios combinam-se desde sempre em muitos conflitos. O facto re-
levante é no entanto a sua associação, recente, ao contágio do vírus
da SIDA: é possível que a transmissão de SIDA possa corresponder
a uma prática de genocídio, na medida em que parece estar presente
o elemento de intencionalidade na passagem do vírus para a popu-
lação. Terá sido isto que se passou no Ruanda e presentemente no
Congo, onde mais de 500 mil mulheres foram desta forma infectadas
com SIDA. Os rebeldes depois de violarem as mulheres e jovens gra-
vavam nas suas costas slogans com dizeres como o seguinte: “vais ter
uma morte lenta” (Singer, 2002; p. 153).
Como já referimos, esta é uma doença que afecta os mais jovens,
com implicações nas curvas etárias. Investigações recentes mostram

-259-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

que a probabilidade de eclosão de violência entre os jovens do sexo


masculino é cerca de 40% superior quando comparamos os valores
obtidos nas faixas etárias mais avançadas (Singer, 2002; p. 151). A
explicação pode encontrar-se na predisposição para a agressividade
dos mais jovens, tornando-os alvos fáceis de recrutamento por “se-
nhores da guerra”, que costumam incluir no seu quotidiano ritos
iniciáticos de extrema violência111.
Como se isto não bastasse, estas crianças e jovens, por norma mal
nutridos e com pouca escolaridade, são no fundo um meio barato de
manter milícias e guerras do terceiro tipo. Os conflitos armados pro-
vocam ainda um mar de refugiados que habitam em campos onde nor-
malmente a miséria é grande e os cuidados profiláticos decrescem.
Apesar de estudos recentes não encontrarem evidências de que
as situações de conflito incrementam os níveis de transmissão do
vírus (Nações Unidas, 2006), pensamos que a situação aqui descrita
nos indica que o fenómeno da SIDA se propaga sempre, indepen-
dentemente de a situação ser de conflito ou de paz, pois acreditamos
que se trata de um processo infeccioso de difícil interrupção ao lon-
go da poderosa cadeia de transmissão.

2.3.3 A SIDA e o Estado

A SIDA afecta não só as FA mas o Estado como um todo, corroendo,


à medida que alastra, as bases da sociedade, o indivíduo, a família e a
própria comunidade. De acordo com o Director da ONUSIDA, Peter

111
A este propósito devemos recordar a título de exemplo o recrutamento feito pela RENAMO em Mo-
çambique durante a guerra civil, ou pela RUF na Serra Leoa.

-260-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

Piot, a doença está a devastar os postos de trabalho ocupados pelos


membros mais produtivos da sociedade com uma eficácia que, na
História da humanidade, apenas tínhamos conhecido em resultado
de grandes conflitos armados (Internacional Crisis Group, 2001; p.
1). A sua progressão faz-se sentir nas áreas governamental, econó-
mica e de desenvolvimento social, com a agravante de que estes ele-
mentos mais produtivos, das classes média e alta, dificilmente são
substituídos.
O fenómeno também incrementa as necessidades orçamentais e
as taxas de apoio social, desencorajando o investimento estrangeiro.
A força de trabalho fica assim reduzida o que provoca a queda em
flecha dos ganhos, sobretudo nos países mais debilitados ou em de-
senvolvimento.
Para o Banco Mundial esta doença é a maior ameaça para a eco-
nomia africana, onde se espera que a redução do PIB atinja os 20%
apenas numa década (Central Intelligence Agency, 1999). Esta ame-
aça transnacional atinge igualmente os Estados consolidados, não
apenas pelos reflexos directos, mas indirectamente devido à globa-
lização das economias. Por outro lado, diz Singer (2002; p. 151), não
é de afastar a hipótese de um colapso económico e político agravado
pela presença da SIDA poder lançar o mundo numa nova vaga de
refugiados.
Dispomos agora de dados que nos permitem considerar que a
pandemia é responsável pela perpetuação de ciclos de pobreza e de
miséria. Afecta gerações, diminui a produção, provoca fluxos de re-
fugiados, desastre económico, guerras civis que, por sua vez, agra-
vam o quadro geral de miséria.
Esta situação tem um reflexo enorme nas famílias afectadas com
o vírus: menor rendimento nas actividades laborais, diminuição do
rendimento familiar, crescimento dos gastos com medicamentos, má

-261-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

nutrição. As estimativas disponíveis apontam para uma quebra entre


os 40 e os 60% nos rendimentos (Internacional Crisis Group, 2001).
À medida que a doença progride, os doentes ficam menos efi-
cientes, menos capazes de realizar trabalhos manuais e muitas vezes
o absentismo dispara e o capital humano nacional diminui. Só no
continente africano, em 2020 a força de trabalho deverá ser de 10 a
22% menor do que no início do século.
Segundo o Banco Mundial, a África do Sul verá o seu PNB de-
crescer 17% até 2010, e prevê que no Botswana este valor atinja os
30% (WB press release, Julho 2001). Há sectores-chave que já são
afectados, como a agricultura, a mineração e os transportes. De acor-
do com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e
Agricultura (FAO), na Zâmbia, onde a principal fonte de rendimento
(75%) provém do minério de cobre, 18% dos mineiros estão infecta-
dos. Na indústria dos transportes são os camionistas os mais afecta-
dos. Contraem a doença com facilidade e ajudam na disseminação
(FAO, 2001).
O abandono escolar também é significativo. Os jovens procuram
trabalho para compensar a falta de rendimentos em casa. Por vezes,
a rejeição é apenas social e passa pelo receio de colegas e professores
de que a criança também esteja infectada.
No fundo, o impacto é global e destabilizador social, securitária e
economicamente.

2.4 A degradação do ambiente

A degradação do ambiente persiste como uma das maiores ameaças


mundiais. As agressões sucessivas a este “património comum da hu-
manidade”, que é o ecossistema global, têm reflexos em inúmeros

-262-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

sectores da vida planetária. Estas agressões nem sempre resultam de


actividades intencionais, portanto criminosas, mas são o produto da
incúria humana.
Apesar dos insistentes alertas internacionais para as questões
ambientais, para o problema da camada de Ozono, do consequente
aquecimento do planeta, e dos inúmeros Tratados e Acordos para
diminuírem as emissões de gases para a atmosfera, o ambiente con-
tinua a degradar-se. Mas persistem outros problemas ambientais,
como a desertificação e a escassez de água potável. São mais de 900
milhões de pessoas que são afectadas pelo fenómeno da desertifica-
ção e cerca de 80 países, representando cerca de 40% da população
mundial, sofrem actualmente de falta de água (Santos, 2002; p. 63).
A situação ambiental ao nível estratégico mais problemática é a
das alterações climáticas provocadas pelo efeito de estufa. Estas têm
e vão continuar a provocar um enorme efeito nas sociedades, não
pela actuação de pressão directa, mas através da influência exercida
sobre a diminuição de alguns recursos vitais (Dixon, 1999; p. 14).
Os instrumentos legislativos criados (Protocolo de Quioto de 1997),
para se forçar a diminuição de gases que provocam o fenómeno, cor-
respondem apenas a um esforço de 3% do necessário para anular o
processo (Gresh, 2003; p. 58).
Os problemas ambientais são inerentemente transnacionais,
sendo o fenómeno mais evidente a poluição transfronteiriça
(Smith, 2000; p. 89). Em algumas regiões do mundo o problema
é tão grave que é gerador de tensões e mesmo violência entre
estados vizinhos, como ocorreu entre a Indonésia e a Malásia
em 1997.
A cena internacional do pós-11 de Setembro de 2001 tem sido
dominada pela estratégia norte-americana de luta contra o terroris-
mo, legando para segundo plano questões como as alterações cli-

-263-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

máticas. Porém, a partir de meados de 2006 esta posição tem vindo


a ser alterada, muito tendo contribuído para tal o sucesso do livro e
documentário “Uma verdade inconveniente”, do ex-vice Presidente
da Administração Clinton, Al Gore, que juntamente com o Painel
Intergovernamental para as Alterações Climáticas (Intergoverna-
mental Panel for Climate Change - IPCC), seriam laureados, em
2007, com o Prémio Nobel da Paz. Ao nível da União Europeia, 2007
também foi um ano decisivo; a partir de Março desse ano surgiu o
compromisso de desencadear uma estratégia integrada de políticas
públicas centradas numa relação estreita entre inovação energética e
alterações climáticas.
As questões ambientais passam também a assumir um papel de
relevo na sua estreita relação com a Segurança Internacional, quer
na ONU, onde o Conselho de Segurança debateu nesse mesmo ano o
assunto, quer a partir de Março de 2008, na União Europeia, altura
em que o Alto Representante para a Política Externa e a Comissão
Europeia apresentaram ao Conselho Europeu o documento Climate
Change and International Security.
Este último documento identifica sete formas de conflito que
podem ocorrer em diferentes regiões do mundo e que podem advir
das alterações climáticas:
1. Conflito em torno dos recursos;
2. Prejuízos económicos e riscos para as cidades costeiras e infra-
-estruturas críticas;
3. Perdas de território e as disputas fronteiriças;
4. Movimentos de população induzidos pelas alterações ambientais;
5. Situações de fragilidade e radicalização;
6. Tensão em torno do fornecimento de energia;
7. Pressão para uma governação internacional.

-264-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

Cada uma destas formas de conflito é explicada no documento que


ainda dá seis exemplos geográficos onde cada uma delas se pode ve-
rificar: de África ao Médio Oriente, da Ásia Central e do Sul à Amé-
rica Latina e Caraíbas passando ainda pelo Árctico.
Posteriormente a este documento, a França ao assumir a Pre-
sidência da União Europeia, pela voz do seu Primeiro-Ministro,
afirmou que a primeira prioridade da Europa era a de responder
ao desafio climático, devendo fazê-lo “porque é uma prioridade do
conjunto da humanidade”112. Do outro lado do Atlântico, o US Army
War College publica as actas de um Seminário realizado em Maio de
2008 subordinado ao tema Global Climate Change: national security
implications e, em Junho, o Director of National Intelligence apre-
senta o relatório National Intelligence Assessment on the National
Security Implications of Global Climate Change to 2030.
Em Portugal têm sido várias as ONGs e personalidades a chama-
rem a atenção para o problema da degradação ambiental e sobretudo
para a centralidade das questões climáticas. Lembramos por exem-
plo, entre outras, a Quercus e as publicações “O Desafio da àgua”
coordenado por Viriato Soromenho Marques e a sua excelente e
mais recente obra “O regresso da América”.

2.5 O fracasso dos Estados

São vários os elementos da unidade jurídica e política organizada


sobre a forma daquilo a que se convencionou chamar Estado, como o
território, povo e poder político soberano, competindo-lhe tradicio-

Podemos detalhar mais sobre este interessante discurso de François Fillon proferido a 18 de Junho de
112

2008. Disponível em www.premier-ministre.gouv.fr.

-265-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

nalmente garantir a prossecução dos seus fins de segurança, justiça


e bem-estar social (Caetano, 1991; p. 144-149). A soberania, na de-
finição de Jean Bodin, traduz-se no facto de na ordem interna o Es-
tado ser supremo e na ordem externa ser independente, ou seja, ele
decide por si mesmo como irá enfrentar os seus problemas internos
e externos, incluindo se quer ou não procurar a assistência de outros
e, ao fazê-lo, limitar a sua liberdade chegando a compromissos com
eles (Waltz, 2002; p. 135-136).
Uma das mais importantes ameaças para a segurança internacio-
nal e que emergiu com a alteração do Sistema Internacional após o
fim da Guerra Fria, é a existência de Unidades Políticas, que devido
à má governação (corrupção endémica, abusos de poder, desres-
peito pela dignidade da pessoa humana, debilidade institucional),
à desregulação social, à inexistência de infra-estruturas e serviços
públicos, à incapacidade de impor o estado de direito ou de por fim
à conflitualidade interna, se encontram fracassados113. Existem, para
além destes fenómenos endógenos, uma série de factores exógenos
ao próprio Estado que o empurram para situações de fragilidade e,
eventualmente, para o fracasso e o colapso114.
O fracasso do Estado pode e deve ser relacionado com as outras
ameaças aqui referidas, uma vez que, desprovidos de poder, os Esta-
dos ficam permeáveis a que dentro de si germinem e se desenvolvam
as mais diversas formas de criminalidade organizada e de terrorismo,
com todas as repercussões além fronteiras para a segurança regional
e internacional.
São inúmeros os conceitos que nos aparecem associados à defi-

113
Este assunto pode ser consultado com mais detalhe, entre outros, em Sherman (2003) e na Estratégia
Europeia em Matéria de Segurança.
114
Ver Mónica Ferro, “Quando os estados falham. Estados falhados e segurança internacional” in Revis-
ta Segurança & Defesa Segurança e Defesa, n. º 2, Fevereiro 2007.

-266-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

nição de Estados Fracassados115, bem como diversos os critérios de


classificação116, sejam eles indicados por académicos de renome como
William Zartman (1995 a)117, Robert Rotberg (2004)118 ou Fukuyama
(2006)119, ou institucionais como a Agência norte-americana para o
Desenvolvimento Internacional (USAID)120, o Fund For Peace121, ou
mesmo, no caso nacional no documento Nova Visão Estratégica para
a Cooperação Portuguesa (2005)122.
Porém, em nosso entender é necessário operacionalizar um con-
ceito como instrumento útil. Assim, dentro do conceito latu censu
de Estado Fracassado inserem-se três categorias que nos aparecem
de uma forma gradativa:
· Estados fracos;

115
Para uma dicussão sobre a possibilidade da criação de um conceito, sobre os produtores desse con-
ceito ver Mónica Ferro, “O que falha quando falham os estados?”, Adriano Moreira e Pinto Ramalho
(coords.), Estratégia, Volume XVII, Lisboa, 2008.
116
O critério de classificação varia entre autores e instituições. Podemos complementar esta informa-
ção, em www.worldbank.org/ieg/licus/docs/licus_fs.pdf. A Revista Foreign Policy (http://www.foreig-
npolicy.com/story/cms.php?story_id=3420&page=8) apresenta inclusivamente o ranking actual e a
cartografia global dos estados falhados, definindo ainda uma metodologia do Fund for Peace, para a
identificação e classificação dos Estados. O critério utilizado pode ser consultado em linha em (http://
www.fundforpeace.org/programs/fsi/fsindicators.php). São 12 os indicadores do falhanço de um Esta-
do, mas genericamente podem ser agrupados em apenas três: 1) Natureza social (pressão demográfica,
movimentos de refugiados e deslocados); 2) Natureza económica (desigualdades, declínio económico);
3) Natureza política (ineficácia do sistema judicial, violação da dignidade da pessoa humana).
117
William Zartman (1995 a; p. 14) define colapso estatal como: “o colapso da boa governação, lei e
ordem. O Estado, enquanto instituição que decide, executa e aplica, já não consegue tomar e imple-
mentar decisões”.
118
Este autor diferencia Estados falhados de Estados colapsados. Um Estado falha em resultado “da
violência interna, o governo perde a credibilidade (....) tornando-se ilegítimo para a sua população».
Um Estado colapsado, corresponde «a uma versão extrema de um Estado falhado» em que a segurança
é garantida pela lei do mais forte e onde «existe um vácuo de autoridade», no qual «os senhores da
guerra ou actores não-estatais adquirem o controlo de regiões ” (Rotberg, 2004; p. 5-9).
119
Fukuyama (2006; p. 105) classifica o termo “fraco”, referindo-se à força do Estado e não ao seu alcan-
ce, significando “(…) uma falta de capacidade institucional para implementar e impor políticas, muitas
vezes induzida por uma falta subjacente de legitimidade do sistema político como um todo”.
120
Para a USAID (2005; p. 1) são Estados vulneráveis: “those states unable or unwilling to adequately
assure the provision of security and basic services to significant portions of their populations and whe-
re the legitimacy of the government is in question. This includes states that are failing or recovering
from crisis (…)”. Emprega ainda a terminologia de “Estado em Crise”, para se referir aos Estados onde
“(…) the central government does not exert effective control over its own territory or is unable or
unwilling to assure the provision of vital services to significant parts of its territory, where legitimacy of
the government is weak or nonexistent, and where violent conflict is a reality or a great risk (…)”.

-267-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

· Estados falhados;
· Estados colapsados.

Por Estado fraco entendemos aquele cujos órgãos de soberania e as


suas instituições não conseguem exercer a sua actividade plena em
toda a extensão do território e do seu mar, que são incapazes de ga-
rantir os serviços básicos à população e, perante esta, são tidos como
ilegítimos. Muitos dos que ocupam ou ocuparam posições de relevo
na sua administração, ou seja, a sua elite política, têm uma visão pa-
trimonial do Estado, transformando-se, no fundo, em gestores de
um “ complexo sistema de relações sociais, que premeia o indivíduo
em função da lealdade, punindo os tidos por desleais ou por compe-
tidores ” (Nóbrega, 2003; p. 181). Não é só a elite política que assume
esta postura; este problema afecta toda a estrutura e todos os níveis
do Estado, fazendo parte do modus vivendi destas sociedades.
Já o Estado falhado, e numa escala de insucesso superior, é aque-
le que na ordem interna não tem o monopólio da legítima violência
de que Weber (1946) nos falava, ou seja, surgem outras entidades
como milícias, exércitos privados ou uma qualquer organização
subversiva, nas suas variadas tipologias, que competem com o poder
formal, por vezes controlando partes significativas do território e da
sua população, não tendo necessariamente responsabilidade social
sobre esta última.

121
O Fund for Peace e a Revista Foreign Policy (2007) entendem Estado Falhado como: “A state that is
failing has several attributes. One of the most common is the loss of physical control of its territory or
a monopoly on the legitimate use of force. Other attributes of state failure include the erosion of legiti-
mate authority to make collective decisions, an inability to provide reasonable public services, and the
inability to interact with other states as a full member of the international community”.
122
Neste documento os Estados frágeis são “aqueles que correm o risco de degenerar e desagregar,
fazendo alastrar a insegurança não só por entre os seus próprios cidadãos como também por entre os
cidadãos da região a que pertencem” (VECP, 2006; p. 20).

-268-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

O Estado colapsado aparece-nos no fim desta escala crescente


de inviabilidade do Estado. Nos Estados colapsados o poder formal
simplesmente não existe, os órgãos de soberania e as instituições
num determinado território, que no passado já possuiu os atribu-
tos tradicionais de um Estado, colapsaram; ou seja, no caos jurídico,
legislativo e administrativo, prevalece a lei do mais forte, surgindo
ou subsistindo diversas formas de organização social e comunitá-
ria, lumpen ou etnolinguísticas, que possuem capacidade de exercer
a força e conduzir operações armadas, que competem entre si pelo
controlo de território e pelo acesso a recursos, e que controlam e
exercem alguma forma de responsabilidade social sobre as popula-
ções residentes.123
De acordo com dados da USAID (2005; p. 1), pelo menos um
terço da população mundial vive agora em áreas consideradas ins-
táveis ou frágeis. São inúmeros os exemplos de Estados fracos pelo
Continente Africano e no Sudeste Asiático, já os Estados Falhados
temos o exemplo, entre outros, da Libéria, da Serra Leoa, do Con-
go e do Iraque; como Estado colapsado o exemplo mais premente
é o da Somália.
Todavia a ameaça mais grave provém da possibilidade de Esta-
dos falhados se constituírem em santuários, onde grupos radicais se
podem treinar com as consequências que são conhecidas de todos,
ou aproveitar para desenvolver actividades criminosas de projecção
transnacional. Muito provavelmente a combinação destes dois fenó-
menos pode comprometer ainda mais a já de si frágil existência des-
tes países como realidade política.

123
A OCDE, a UE e as Nações Unidas recusam o recurso a estas tipologias optando por uma categori-
zação genérica de estados fragéis ou em situação de fragilidade; admitindo que todos os Estados têm
elementos de fragilidade o que varia é o grau, a extensão dessa mesma fragilidade.

-269-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

3. A Acção Estratégica face às principais ameaças transnacionais

Durante a Guerra Fria as ameaças estavam bem identificadas e a ac-


ção estratégica assentava essencialmente na dissuasão pela Destrui-
ção Mútua Assegurada (MAD), desempenhando a estratégia militar
um papel de relevo. Com as alterações na ordem internacional no
final do século XX assistimos a alterações profundas nas estratégias
e estruturas militares. Foi um período fértil em gestão de crises e
em operações de apoio à paz e humanitárias, tendo com estas situ-
ações estabelecido um novo paradigma para o uso da força militar,
assistindo-se à substituição da estratégia de dissuasão pela estratégia
de emprego, ou seja, operacional. Esta evolução forçou o “desenhar”
de novas estruturas para a força militar, assim como novos métodos
e processos de actuação.
Na sequência do 11 de Setembro de 2001 colocaram-se outros e
novos desafios aos aparelhos militares, passando alguns países e OI
a exigir às suas Forças Armadas novas missões, novos requisitos de
força, novas capacidades e mesmo novas estruturas de força, de for-
ma a torná-las capazes de fazer face a todo o espectro do conflito124.
Esta evolução deixou antever o emprego das mesmas Forças em mis-
sões de segurança interna.
À medida que se multiplicam as novas ameaças, os líderes mun-
diais, políticos e militares, começam a encarar esta nova realidade,
que nos parece inevitável: as Forças Armadas irão, nas próximas dé-
cadas, ser empregues na ordem interna. Esta perspectiva não é aceite
sem controvérsias apresentadas por muitos líderes militares, como é

124
Este foi o caso concreto da OTAN que, a 21 de Novembro de 2002, na Cimeira de Praga, ratificou
o novo conceito militar para a defesa contra o terrorismo, o MC 472, e a nova estrutura de forças foi
definida em 01 de Julho do mesmo ano, através do Military Decision 317/1.

-270-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

o caso do Brasil125; porém, quer os EUA quer o Reino Unido adop-


taram conceitos como o Homeland Security126. Mais recentemente,
Portugal, no seu CEDN, também estende esta missão às suas For-
ças Armadas, detalhando as Missões Específicas das Forças Armadas
(MIFA) o modo de actuação complementar e supletivo das valên-
cias próprias das Forças de Segurança. Falta, no entanto, a legislação
própria para, entre outros temas, definir concretamente o espaço de
intervenção, a cadeia de comando e os responsáveis127.
A interdependência das novas ameaças, de múltiplas naturezas,
dinâmicas, polimorfas, assimétricas e globais, face à ineficácia do
Estado e dos seus tradicionais instrumentos de política externa e de
segurança, impulsionou o desenvolvimento gradual de uma nova
concepção de segurança alargada, abrangendo outras dimensões
para além da militar, forçando a adopção de uma estratégia de res-
posta holística, sendo a eficácia da mesma subsidiária da adequada
coordenação multi-institucional e de uma arquitectura de segurança
cooperativa onde as diferentes organizações, diferenciadas nos ob-
jectivos e capacidades, se complementarão (Viana, 2003; p. 6)128.

125
O General Rui Monarca da Silveira, no seu artigo Segurança e Defesa – a visão do Exército brasilei-
ro, mostra a relutância que existe em atribuir missões ao Exército para cumprir missões de segurança
interna. Disponível em www.exercito.gov.
126
Ver a este propósito o relatório da United States General Accounting Office, Report to Congressional
Requesters, Homeland Security, June 2004, e a importante obra publicada pela Rand Corporation,
Army Forces for Homeland Security. Santa Mónica: 2004.
127
Quer a Constituição da República quer a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas limitam o
emprego das FA ao plano externo, porém, pelo Parecer nº. 147/2001 da Procuradoria Geral da Repú-
blica, de 9 de Novembro de 2001, homologado pelo MDN, em 6 de Dezembro de 2001, estabelece-se
que as Forças Armadas podem ser empregues em missões de segurança interna, em caso de agressão
ou ameaça externas. Assim, desde que o Poder político defina como sendo externa a origem da ameaça,
a actuação das Forças Armadas no âmbito da segurança interna para o combate a novas ameaças, tem
cobertura legal. Este parecer não é esclarecedor quanto ao campo de actuação das FA.
128
No caso específico de Portugal, as mentalidades vigentes ainda condicionam muito a forma de enca-
rar os assuntos de defesa e segurança; o conceito de Defesa Nacional está muito ligado apenas à activi-
dade militar, mas sabendo que não basta a Defesa para se obter a Segurança, o conceito a adoptar deve
assim ser o de Segurança Nacional, resultante de um conjunto de políticas do Estado, devidamente
articuladas, na vertente militar, mas também em outras políticas sectoriais como a económica, cultural,
educativa, que englobe acções coordenadas de segurança externa e interna, cuja fronteira está actual-
mente desvanecida (Viana, 2003; p. 10-18).

-271-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Porque estamos a falar de Acção Estratégica, entendemos ter por


base o modelo de Beaufre (1985) transformado, já anteriormente ca-
racterizado por nós. Assim, a resposta deve ter por fundamento uma
estratégia total, entrar em linha de conta com as diversas estratégias
gerais (militar, política, psicológica, económica, de informações),
todas interrelacionadas e interdependentes, e que integram os esti-
los de acção directa ou indirecta. A acção directa com o emprego do
hard power, mostrando a utilidade do uso da força (Smith, 2006), e
a acção indirecta a recorrer frequentemente ao designado soft power
(Nye, 2004)129, de forma a serem adoptadas medidas para encorajar
diversos países a aderirem à cooperação na luta contra as novas ame-
aças à segurança.
Qualquer acção estratégica a concretizar, na sua formulação tem
a montante um estudo da situação estratégica130. Neste estudo, o es-
trategista deve ter em conta que o grande objectivo deve ser o da
alteração das relações de poder e que a decisão sobre a sua adopção
deve ser o produto de um efeito psicológico (Couto, 2004; p. 228), ou
seja, que no jogo dialéctico, a gestão das percepções e as mensagens
que se pretendem passar ao adversário são fundamentais, sendo
que o efeito pretendido só é alcançado se existir comunicação com
o Outro antagonista e da sua parte uma assimilação clara do que se
pretende. Assim, desde o momento da elaboração, devem ser tidos
em conta os diferentes padrões culturais e civilizacionais, bem como
os critérios de racionalidade. A partir desta análise pode efectuar-se

129
A capacidade de um actor das relações internacionais obter o que deseja através da atracção e não
pela coação, aplica-se por norma através de relações com aliados, auxílio económico e intercâmbio
cultural com outros actores, projectando uma percepção de comportamento coerente com a retórica
em apoio da democracia e dos direitos humanos, e mais genericamente, mantendo uma opinião pú-
blica favorável e uma credibilidade fora das suas fronteiras. Sobre este assunto podemos detalhar em
Nye (2004).
130
Consiste na análise dos factores de decisão: o objectivo político a alcançar, as características do am-
biente operacional, os potenciais estratégicos dos adversários e o tempo (Couto, 1998; p. 328).

-272-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

então a formulação das possíveis modalidade de acção para alcançar


o objectivo definido.
O objectivo político está bem definido (salvaguardar a seguran-
ça dos Estados das ameaças transnacionais), a situação internacional
foi descrita, conhecemos as ameaças e como elas se manifestam e, o
tempo é o presente. Assim, entendemos necessário conceber e pro-
por algumas possíveis medidas que se inserem na acção estratégica a
adoptar para lhes fazer face.

3.1 O terrorismo transnacional

A internacionalização do fenómeno terrorista conduziu ao surgi-


mento de um multilateralismo antiterrorista, conjunturalmente
agregador de interesses diferenciados. Para ser eficaz, este multila-
teralismo implica a existência de uma elevada capacidade de respos-
ta, em tempo útil, na detecção e neutralização da ameaça (Romana,
2004; p. 261). Porém a luta contra o terrorismo vai muito para além
do combate e destruição das redes terroristas, requer também uma
política “de cooperação multissectorial por parte dos Estados e das
principais organizações de segurança e defesa colectiva capaz de
combater eficazmente o subdesenvolvimento, a ausência de Estado
de direito e de políticas democráticas” (Viana, 2003; p. 6). Para as
Nações Unidas a prevenção de mortes provocadas por actos terroris-
tas requer um profundo empenhamento para estreitar os sistemas
de segurança colectiva/cooperativa, reduzir a pobreza, combater o
extremismo, impedir epidemias e combater o crime organizado (Na-
ções Unidas, 2004 a; p. 45-47).
Neste contexto, a ONU surge-nos como o grande fórum inter-
nacional com capacidade para efectuar o levantamento, discussão,

-273-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

implementação e coordenação dessas medidas, e a OTAN surge-nos


como a entidade política, diplomática e militar com capacidade de tor-
nar consequente qualquer operação contra esta ameaça errática, que
possui uma maleabilidade orgânica extraordinária. Por outro lado, a
OTAN emerge como o único instrumento operacional capaz de in-
fluenciar outros subsistemas geopolíticos (Romana, 2004; p. 262).
Qualquer acção estratégica a definir deve ter em consideração
que é necessário entender primeiro as características e as capaci-
dades das organizações terroristas, incluindo as suas capacidades
de aprendizagem e adaptação, tendo a resposta de contrariar essas
capacidades. No relatório da Rand Corporation são referidas as “le-
arning-focused strategies for combating terrorism”. Neste relatório
especifica-se que “ we must target a terrorist group´s learning ac-
tivities directly, in order to reduce their ability to adopt over time”,
(Jackson et. al., 2005; p. 52) o que pode envolver acções como res-
tringir o acesso ao conhecimento requerido para que com sucesso
alcancem os seus desígnios, identificar e quebrar as ligações entre
os membros dos diversos grupos que facilitem a aprendizagem e
negar o acesso a santuários para realizarem experimentação, inova-
ção e treino.
Com o melhor conhecimento do processo de aprendizagem dos
grupos terroristas, a acção estratégica para os enfrentar estará mais
apta para determinar o nível da ameaça, planear e implementar mo-
dalidades de acção e alocar os recursos apropriados.
Uma vez que os grupos terroristas apresentam uma extrema fle-
xibilidade e mobilidade, o esforço estratégico deve ser antecipatório,
primeiro na detecção e depois na actuação.
Para Howard e Forest (2006; p. 513), a acção estratégica também
deve distinguir nos diferentes grupos as intenções das capacidades,
identificando assim a credibilidade da ameaça, no bom sentido que

-274-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

esta não reside só nas intenções dos terroristas, mas sim no que eles
podem concretizar com sucesso.
Todavia são diversos os factores condicionadores a equacionar
nas modalidades de acção a propor. Regina Mongiardim (2004; p.
426-427) indica-nos alguns exemplos:
· O emprego de métodos militares convencionais contra um só
indivíduo identificado são falíveis, veja-se a guerra contra os Talibã/
al-Qaeda no Afeganistão;
· A eficácia da restrição das fronteiras perante um inimigo invi-
sível e anónimo também é duvidosa, podendo mesmo dar-se o caso
de serem residentes legais ou clandestinos das grandes e modernas
metrópoles do mundo ocidental, como aconteceu no 11 de Setembro
em Nova Iorque ou no 11 de Março em Madrid;
· Não se pode viver mediante dispositivos de segurança refor-
çados, que afectam as liberdades fundamentais, situação que pode
chegar a ser contrária ao Estado de direito democrático, ao mesmo
tempo que não é verdadeiramente equacionado o problema crucial
do Estado de direito em certas regiões controversas, nomeadamente
em África e na Ásia;
· Do mesmo modo, a tentativa de definir uma nova fronteira pla-
netária com referência ao “eixo do mal” prefigura a partição do mun-
do entre duas civilizações antagónicas que se irão digladiar. Seme-
lhante estratégia, para além de abalar a coesão da já de si heterogénea
coligação internacional contra o terrorismo, corre o risco de abrir no-
vas linhas de fractura, assim, maior imprevisibilidade e disseminação
dos factores de descontentamento, do ódio e da vingança.

No plano concreto da actuação, face à mutabilidade do fenómeno,


a modalidade de acção estratégica que vise a sua neutralização tem,
quase sempre, um carácter reactivo como as operações contra as ba-

-275-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

ses e santuários da al-Qaeda, no pós-11 de Setembro de 2001 o vie-


ram demonstrar (Romana, 2004; p. 262).
Uma versão interessante e pouco usual para enfrentar este fe-
nómeno é a aconselhada pelo Congresso dos EUA (2001; p. 8), que
refere a eventual utilização de instrumentos não legais como acções
cobertas praticadas pelos serviços de intelligence e que, por vezes,
quando estiver em causa o interesse nacional, será necessário dialo-
gar com elementos de movimentos terroristas.
A UE adoptou em 2005 uma estratégia antiterrorista, assente em
dois grandes pilares do direito: o direito internacional e os direi-
tos humanos. Esta estratégia faz uma abordagem em quatro grandes
vectores: prevenção da radicalização e do recrutamento, bem como
dos factores que lhes estão subjacentes; protecção de potenciais al-
vos; perseguição dos terroristas; e reacção a atentados e suas conse-
quências. O relatório apresentado por Solana em Dezembro de 2008
refere ainda a necessidade de combater a radicalização e o recruta-
mento, atacando-se a ideologia extremista e a discriminação, caben-
do nesta actuação um papel importante ao diálogo intercultural.
Das diversas modalidades de acção estratégica possíveis para fazer
face ao terrorismo, as FA desempenham um papel específico, primei-
ro na prevenção e depois no combate a esta ameaça, integrando no seu
esforço uma componente de cooperação entre os diversos países, e em
estreita colaboração com os diversos serviços e forças de segurança.
Esta luta requer a nível transnacional a definição e implementa-
ção de políticas e medidas cooperativas, que abranjam além dos Es-
tados, OI’s e ONG´s. Assim, tendo a noção da necessidade de se op-
timizarem e maximizarem as condições e meios específicos de cada
Estado, e tendo por base o MC 472 da OTAN, e o relatório da ONU de
2004, as acções a desenvolver devem ser concretizadas através de:
· Medidas defensivas, ou antiterroristas, com um carácter dis-

-276-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

suasor e preventivo, de forma a reduzir vulnerabilidades, ajudando


a reverter as origens e as causas do fenómeno, promovendo entre
outros, a implementação de sistemas democráticos, as condições de
vida e o desenvolvimento humano. Estas medidas devem incluir ac-
ções para evitar o colapso das estruturas estatais, efectuar um con-
trolo de materiais perigosos, desenvolver legislação internacional
adequada que permita uma vez identificadas as fontes de financia-
mento, secá-las; partilhar informações e criar mecanismos de early
warning, com carácter defensivo e ofensivo, que possam permitir
uma correcta avaliação da situação e uma utilização equilibrada e
eficaz dos meios antiterroristas;
· Medidas ofensivas, ou contraterroristas, com acções tácticas de
destruição das capacidades terroristas e daqueles que os apoiam, em
qualquer localização geográfica;
·Medidas de gestão das consequências, ou controlo de danos, de
forma a minimizar os efeitos de uma ameaça concretizada.

Esta forma de actuação prefigura modalidades de acção inseridas


na estratégia directa, como a dissuasão e a acção militar de aniqui-
lamento. São possíveis ainda acções de estratégia indirecta, como a
pressão indirecta, exercida sobre unidades políticas que apoiam ou
fomentam o terrorismo, através de medidas de coacção psicológica,
económica e política.
No entanto, porque a luta ao terrorismo global é sobretudo uma
batalha de ideias, ideias com poder suficiente para provocar emoções
violentas (Echevarria II, 2003), a força mais importante a promover
para derrotar a presente vaga de terrorismo global, é, segundo La-
queur (2003), a modernidade, uma vez que esta envolve mais do que
as condições materiais da democracia, entrando na transformação de
crenças e filosofias.

-277-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

3.2 A proliferação de Armas de Destruição Massiva

Para combater e prevenir a proliferação de ADM, e porque esta ame-


aça se associa muito ao terrorismo, consideramos as mesmas moda-
lidades de acção estratégica equacionadas para enfrentar aquele ou-
tro fenómeno, salvaguardando que, caso se concretize um atentado
terrorista com recurso a ADM, a gestão das consequências deve ser
estruturada para dimensões superiores.
Para além daquelas modalidades, consideramos que as propostas
preconizadas no Conceito Estratégico dos EUA (2006) deverão tam-
bém ser adoptadas131:
· Proactive counterproliferation efforts;
· Strengthened nonproliferation efforts to prevent rogue states
and terrorists from acquiring the materials, technologies, and ex-
pertise necessary for weapons of mass destruction;
· Effective consequence management to respond to the effects of
WMD use, whether by terrorists or hostile states.

Por outro lado, as Nações Unidas (2004 a; p. 45-49) apresentam pro-


postas interessantes, tais como o desafio da prevenção que inclui es-
tratégias para:
· Redução da procura, através da criação de instrumentos globais, in-
cluindo a redução de armamentos e cumprimento rigoroso dos Tratados;
· Criação de instrumentos que limitem a capacidade dos diversos
actores para adquirirem não só as armas, como os materiais, e a ca-
pacidade de produção;

A Tradução é do autor: Esforço pró-activo contra a proliferação; Estabelecimento de esforços de não-


131

proliferação para prevenir que os Estados párias e terroristas possam adquirir materiais, tecnologias e
conhecimentos necessários para a fabricação de ADM; Gestão eficaz das consequências para responder
aos efeitos do uso de ADM, quer por terroristas, quer por Estados hostis.

-278-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

· Deve efectuar esforços para obter informações credíveis e parti-


lhá-las, bem como penalizar os não cumpridores dos Tratados;
· Defesa da saúde pública nacional e internacional.

Assim, e de acordo com a capacidade dos diferentes Estados, estas


serão as medidas a adoptar para fazer face à proliferação de ADM.
Estas medidas devem, como já vimos neste livro, ser implementadas
cooperativamente com outros Estados e OI’s132.

3.3 O crime organizado transnacional

Para Phil Williams (2000; p. 185), não é possível fazer frente ao cri-
me organizado apenas com acções policiais ou com a publicação de
novas leis. A chave do problema está na sociedade em si, na sua es-
trutura e, acima de tudo, na formação cívica dos cidadãos. É a este
nível que são necessárias verdadeiras intervenções de fundo. Assim,
a estratégia tem de ser total, com políticas nacionais e internacionais
multissectoriais, de ajuda ao desenvolvimento, de consolidação dos
órgãos de soberania e de promoção do ideal democrático133.
A acção estratégica para lidar com o crime organizado transna-
cional também envolve a actuação das FA, sendo estas chamadas a
desempenhar um papel supletivo. Adoptamos também parte do cri-
tério anterior, sendo necessário desenvolver (Gomes, 2004; p. 112):
· Medidas preventivas, de implementação permanente e com a
finalidade de dissuadir aquele tipo de actividades, procurando evitar

132
A UE adoptou em 2003 uma Estratégia ADM que dá ênfase à prevenção, recorrendo sempre à ONU e
a acordos multilaterais. Em 2008 no Relatório sobre a execução da EES, já por nós referido, considera
que o esforço deve ser realizado em domínios específicos como a abordagem multilateral do ciclo do
combustível nuclear, o combate ao financiamento da proliferação, às medidas em matéria de biossegu-
rança e bio-protecção, à contenção de proliferação de vectores de lançamento, nomeadamente mísseis
balísticos.

-279-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

ou, no mínimo, antecipar a sua concretização;


· Medidas de combate, disponibilizando forças e meios para o
apoio a Forças e Serviços de Segurança, em operações que visem
evitar a concretização ou combater a actividade criminosa em curso.

Assim, podemos considerar a acção estratégica directa, através do


combate, destruição de áreas de produção de estupefacientes, e o
apoio adicional à polícia de fronteiras (no caso nacional, o Serviço
de Estrangeiros e Fronteiras) para impedir a entrada de imigrantes
clandestinos. Como acções de estratégia indirecta, uma vez que estas
visam atingir os objectivos através de formas de coacção não-milita-
res, devem promover-se acções de propaganda, de informação pú-
blica, de políticas de combate à corrupção, de partilha de informação,
de medidas fiscais e fiscalizadoras rigorosas, procurando dificultar
a lavagem de dinheiro; contudo, o combate deve ser feito sobretudo
através de uma estratégia económica de promoção das condições de
vida das populações, da democratização das sociedades e do fortale-
cimento dos órgãos de soberania.

3.4. A SIDA

133
O relatório que citámos na referência anterior acrescenta sobre a criminalidade organizada o se-
guinte: “Deverão ser aprofundadas as parcerias já existentes com países vizinhos, para além das que
nos ligam aos nossos principais parceiros, bem como as constituídas no âmbito da ONU, para tratar
as questões da circulação de pessoas, do policiamento e da cooperação judiciária. É essencial a im-
plementação dos instrumentos da ONU em matéria de criminalidade. Deveremos reforçar a parceria
que mantemos com os Estados Unidos para o combate ao terrorismo, nomeadamente nos domínios da
partilha e protecção de dados. Além disso, deveríamos reforçar as capacidades dos nossos parceiros no
Sul da Ásia, em África e a Sul das nossas fronteiras. A UE deveria apoiar os esforços envidados a nível
multilateral, principalmente no âmbito da ONU. É preciso aperfeiçoar a forma como conciliamos as
dimensões interna e externa. Importa igualmente melhorar a coordenação e aumentar a transparência
e a flexibilidade em diferentes agências, tanto a nível nacional como europeu ”.

-280-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

A esperança de encontrar uma solução para o problema surgiu 6


anos após a identificação dos primeiros casos de SIDA (1981), asso-
ciado ao pioneirismo do Programa Global de Luta Contra a SIDA.
Mais tarde surge o programa conjunto das Nações Unidas, o ONUSI-
DA. Este programa foi criado para coordenar o trabalho das diversas
agências das Nações Unidas que estão relacionadas com a SIDA, e
surge dos esforços conjugados do Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF), do Programa das Nações Unidas para o Desen-
volvimento (PNUD), do Fundo das Nações Unidas para a População
(FNUAP), da Organização das Nações Unidas para a Educação Ciên-
cia e Cultura (UNESCO), da Organização Mundial da Saúde (OMS) e
do Grupo do Banco Mundial. Outras três organizações se juntaram a
esta iniciativa foram o Gabinete das Nações Unidas para o Controlo
da Droga e Prevenção do Crime (UNODC) em 1999, a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) em 2001, e o Programa Alimentar
Mundial (PAM) em 2003.
Temos que aceitar que o combate à doença é dificultado pela po-
breza de muitas regiões em desenvolvimento, pela vigilância insatis-
fatória e pela capacidade de controlo reduzida. A África subsariana, a
Índia, e o Sudeste Asiático permanecerão as regiões mais afectadas,
ao passo que nos países desenvolvidos a ameaça reside nas mutações
que o HIV sofre e na resistência aos actuais e aos novos tratamentos
que se venham a desenvolver.
Por outro lado, acredita-se que o desenvolvimento socio-econó-
mico global e a capacidade de melhoria do acto médico possibilitam
uma evolução positiva da situação.
Apesar de todas as iniciativas internacionais, a disseminação
da doença continua fulgurante, sendo necessários cerca de 10 mil
milhões de dólares anualmente para se conseguir ir contendo o fe-

-281-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

nómeno (International Crisis Group; p. 24). O vírus permanece ex-


tremamente dinâmico, mudando de configuração, adaptando-se e
explorando oportunidades de progressão, sem contemplações. A
sua acção é global, não havendo um único país que não tenha sido
afectado. Segundo as Nações Unidas, se não forem tomadas medidas
drásticas, o alastrar da doença prosseguirá a passos seguros e largos
para regiões até agora incólumes a esta maleita (2004 c).
Sem dúvida, a resposta que pode persistir no tempo é a que fomenta
uma visão multidisciplinar e transversal a todos os sectores da sociedade.
A experiência de alguns países mostra que uma correcta administração
dos recursos consegue grandes vitórias neste combate ao nível local.
Por outro lado, sabe-se no presente que quando as epidemias es-
tão no seu início os programas de prevenção junto das populações
mais vulneráveis podem conter a propagação. Mas quando os recur-
sos não são adequados e as instituições estão pouco consolidadas, é
difícil desenhar políticas preventivas ou de combate.
No caso das mulheres, um dos grupos sociais mais vulneráveis, é
fundamental informá-las melhor. De acordo com a UNICEF (2003),
cerca de 50% das mulheres jovens em países de alta-prevalência
desconhece por completo os factores básicos da doença. O problema
é de difícil resolução, uma vez que as mulheres africanas têm cultu-
ralmente um estatuto subserviente e submisso no relacionamento
com os seus companheiros, que por norma são mais velhos.
A falta de respostas nacionais coerentes em muitos dos países mais
fortemente afectados por este flagelo levou a que as Nações Unidas
e os países doadores adoptassem, em Abril de 2004, três princípios-
chave (autoridade nacional coordenadora, mandato multi-sectorial
e um sistema de monitorização e avaliação) para o apoio a acções
conduzidas ao nível nacional.
Estes princípios serviram, sobretudo, para fortalecer a coorde-

-282-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

nação dos programas preventivos, agora mais eficazes. Há ainda a


assinalar uma maior preocupação em canalizar os fundos para onde
as carências são maiores. Os custos dos medicamentos retrovirais
decresceram e há um esforço acrescido para que este tratamento seja
extensível a um maior número de pessoas de países mais desfavore-
cidos (Nações Unidas, 2004 b).
O facto de a qualidade de vida de infectados e das respectivas
famílias estar a melhorar não obsta a que o ritmo de progressão da
doença esteja a afectar seriamente o desenvolvimento de muitas so-
ciedades num verdadeiro martírio dos inocentes.

3.5 A degradação do ambiente

Uma vez que referimos o documento da União Europeia (2008) que


identifica as ameças que as alterações climáticas implicam para a segu-
rança internacional, pensamos ser oportuno também referirmos agora
quais as conclusões e recomendações que o mesmo apresenta para se
fazer face a este desafio de sobrevivência que a humanidade enfrenta.
O documento em análise considera que a União desempenha um pa-
pel activo nas negociações sobre as alterações climáticas, porém a sua
actuação deve ser em parceria e envolver os países mais emissores e as
economias emergentes, formulando as seguintes recomendações:
· Incrementar as capacidades da União ao nível da investigação,
análise, monitorização e alerta precoce, que incluam todas as situa-
ções identificadas como relacionadas com a ameaça;
· Liderança multilateral da UE para promoção de uma Segurança
Ambiental Global;
· Cooperação com países terceiros e instrumentos de diálogo
político focados no impacto que as alterações climáticas têm na

-283-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

segurança.

Em Portugal relevamos a opinião de Viriato Soromenho Marques


(2008; p. 143 – 145), para quem, de forma a se evitar a barbárie ge-
neralizada, se deve passar a adoptar uma estratégia de esperança
partilhada, baseada num novo regime internacional de protecção
climática, centrado no combate ao aquecimento global e que deve
assentar essencialmente em:
· Metas de mitigação, com a redução radical das emissões de ga-
ses com efeito de estufa;
· Medidas de adaptação traduzidas em todos os domínios da vida
social e das políticas públicas;
· Aposta maciça na inovação tecnológica que permita a orienta-
ção para modelos mais sustentáveis de produção e consumo;
· Coordenação entre políticas públicas e mecanismos de mercado.

Em nossa opinião, a estas medidas acrescentamos que devem ser


desenvolvidas sobretudo medidas preventivas, com legislação rigo-
rosa e severamente penalizadora e se desenvolvam ainda medidas
de controlo de gestão das consequências, procurando minimizar os
efeitos. As modalidades de acção estratégica a adoptar passam por
acções sobretudo indirectas e recorrendo às diversas estratégias ge-
rais. Da estratégia política requer-se legislação apropriada, da psico-
lógica uma vigorosa informação pública e da estratégia económica os
apropriados recursos financeiros que possibilitem a implementação
das medidas já referidas.

-284-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

3.6 O fracasso dos Estados

O fracasso do Estado é uma ameaça de múltiplas dimensões, pelo


que é necessário equacionar uma acção estratégica holística para lhe
fazer face. São inúmeras as acções a adoptar, quer a nível global, quer
a nível regional. Hoje o instrumento mais utilizado ficou conhecido
por State Building134.
Foi Boutros Boutros-Ghali que, em 1992, com a Agenda para a Paz
vulgarizou o conceito de peacebuilding135 apresentada por Galtung
(1975)136 na década de sessenta do século XX. Boutros-Ghali distin-
gue naquele documento a situação de peacebuilding pós-conflito
do pré-conflito, ou seja, a diplomacia preventiva, definindo ainda
peacebuilding como uma “action to identify and support structures
which will tend to strengthen and solidify peace in order to avoid
a relapse into conflict ” (Boutros-Ghali, 1992). Posteriormente, no
suplemento àquela Agenda, datado de 1995, referiu explicitamente
que o peacebuilding pós-conflito seria levado a cabo por operações
multifuncionais das Nações Unidas, que deviam adoptar diversas
medidas, tais como a desmilitarização, o controlo de armas ligeiras,
a reforma institucional, a melhoria do sistema judicial, a monitoriza-
ção dos Direitos Humanos, a reforma eleitoral e o desenvolvimento
económico e social (Boutros-Ghali, 1995).

134
A expressão statebuilding popularizou-se mesmo entre os autores de língua portuguesa, embora a
expressão construção de estados possa ser usada como tradução correcta.
135
“To stand ready to assist in peace-building in its differing contexts: rebuilding the institutions and
infrastructures of nations torn by civil war and strife; and building bonds of peaceful mutual benefit
among nations formerly at war” (Boutros-Ghali, 1992).
136
Galtung (1975; p. 282-304) identificou três aproximações para a Paz: peacekeeping, que se prendia
com o parar ou reduzir os manifestos de violência do conflito, através de uma intervenção de forças
militares; peacemaking que se dirigia para a reconciliação política e a atitudes estratégicas através, por
exemplo, da mediação, negociação ou arbitragem e, finalmente a peacebuilding, que correspondia à
implementação prática da alteração social pacífica através da reconstrução socioeconómica e desen-
volvimento.

-285-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Actualmente vulgarizou-se o emprego de State Building ou mes-


mo de Nation Building137, que em rigor, e tendo em consideração o
enquadramento que tem sido dado para criar as operações como as
de Administração Transitória das Nações Unidas, são operações de
peacebuilding (Ferro, 2006; p. 54). Em A Construção de Estados, As
Administrações Internacionais das Nações Unidas, Ferro faz uma
análise detalhada do uso do conceito nas Nações Unidas e das várias
operações de paz nas quais houve elementos de state building (Ferro,
2006). Um bom exemplo, talvez o melhor, destas missões foi a criada
pela Resolução 1272, de 25 de Outubro de 1999, em que o Conselho
de Segurança estabeleceu a Administração Transitória das Nações
Unidas em Timor Leste (UNTAET), operação multidimensional de
consolidação da paz. A esta operação das Nações Unidas foi atribuí-
da a responsabilidade pela administração de Timor-Leste, incluindo
o exercício dos poderes legislativo e executivo e ainda o de admi-
nistração da justiça e, pela primeira e única vez, o poder de celebrar
tratados em nome do território administrado. A UNTAET assumiu
funções no território a partir de 23 de Fevereiro de 2000 e as suas
funções eram as seguintes: segurança e manutenção da ordem, ad-
ministração efectiva, assistência no desenvolvimento de uma função
pública de serviços sociais, coordenação e entrega de assistência hu-
manitária, reabilitação e desenvolvimento, apoio à formação de um
governo próprio e assistência à criação de condições para um desen-
volvimento sustentado.
De forma a garantir os objectivos para que foi estabelecida, a UN-
TAET foi organizada em três componentes:

137
Cynthia Watson define Nation Building como “ending military conflict and rebuilding economic and
political infrastructures, along with basic services, to include the armed forces, police, government,
banks, transportation networks, communications, health and medical care, schools and the other basic
infrastructures” (2004; p. 9).

-286-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

· A componente de administração pública e governo ETTA (East


Timor Transitorial Administration, incluindo a Polícia);
· A componente de assistência humanitária;
· A componente militar – PKF (Peace Keeping Force).

As operações multidimensionais de peacebuilding têm como objec-


tivo primário a constituição de um Estado novo e legítimo, com ca-
pacidade para proteger a sua população e assegurar o respeito pelos
direitos humanos, e podem surgir em sociedades que necessitem da
criação de um novo Estado, como foi o caso de Timor-Leste, ou em
sociedades cujo Estado consegue desempenhar algumas funções,
mas tem de ser reabilitado ou reconstruído, como foi o caso das Au-
toridades Transitórias no Cambodja (UNTAC) e no Kosovo a Admi-
nistração Interina das Nações Unidas (UNMIK).
Em nosso entender, o State Building deve procurar que o Estado
possa no mínimo garantir os seus três grandes fins: segurança, bem-
estar e justiça, bem como o exercício da actividade política, ou seja,
governar. Para conseguir este desiderato, a construção de estados,
quer seja preventiva, quer seja pós-conflito, tem várias fases e formas
de aplicação. Neste estudo vamos descrever alguns modelos existen-
tes e apresentar um outro possível modelo idealizado por nós.
O state building aparece-nos actualmente muito associado à res-
ponsabilidade de proteger. A Responsabilidade de Proteger138 (R2P,
como entretanto se popularizou) ficou consagrada no Documento
Final da Cimeira de 2005 (Setembro), no qual os chefes de estado e
de governo unanimemente afirmaram que cada Estado tem a respon-
sabilidade de proteger as suas populações do genocídio, dos crimes
de guerra, da limpeza étnica e dos crimes contra a humanidade139,
desde logo prevenindo-os. Esta ideia de soberania como responsa-
bilidade – trabalhada por Francis Deng, o Conselheiro Especial do

-287-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Secretário-Geral das Nações Unidas para a prevenção do genocídio


– implica que caso um Estado se revele incapaz de proteger o seu
povo, a comunidade internacional, através das Nações Unidas, tem a
responsabilidade para, usando os meios diplomáticos, humanitários
e outros meios pacíficos, em conformidade com os Capítulos VI e
VII da Carta, ajudar a essa protecção140.
Trata-se de um princípio ético, a caminho de se tornar um con-
ceito operativo com um ainda muito longo percurso até que atinja
o grau de normatividade141 ambicionado pelos promotores da R2P,
que nasce do discurso da ingerência humanitária dos anos de 1960.
Acolhido pelas Nações Unidas, articulado pela primeira vez pela Co-
missão Internacional sobre Intervenção e Soberania do Estado, foi
reiterado como norma nos Relatórios do Secretário-Geral, A More
Secure World: Our Shared Responsibility (2004) e In Larger Fre-
edom: Towards Security, Development and Human Rights for All
(2005) até chegar à Cimeira de 2005. Mais ainda, em duas Resoluções
do Conselho de Segurança, a 1674 (28 Abril de 2006) sobre Protec-
ção de Civis em conflitos armados, e a 1706 (31 de Agosto de 2006)
em que apela ao destacamento de uma operação de paz para o Dar-
fur, o princípio é invocado e aplicado a um caso concreto.
Em Janeiro de 2009, o Secretário-Geral das Nações Unidas lan-
ça o relatório sobre a implementação da R2P, em que esta assenta

138
Este sub-capítulo beneficiou muito das discussões com Mónica Ferro, a universitária nacional que
mais tem escrito e investigado sobre o tema.
139
Sobre este assunto ver: Gareth Evans, The Responsibility to Protect, Ending Mass Atrocitys Crimes
Once and For All, Washington, Brookings Institution Press, 2008; Alex J. Bellamy, Responsibility to
Protect, The Global Effort to End Mass Atrocities, Cambridge, Polity Press, 2009; Mónica Ferro, “Se-
gurança Humana – quando é que nos protegem?” in Boletim do Centro Regional das Nações Unidas,
Fevereiro 2009, disponível in http://unric.org/html/portuguese/newsletter/newsletter_portugal43.
pdf
140
Ver Parágrafos 138 e 139 do Documento Final da Cimeira de 2005.
141
Para uma discussão sobre se a R2P é um princípio, um conceito ou uma norma podemos detalhar
em Bellamy (2009).

-288-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

em três pilares: Pilar 1: as responsabilidades de protecção do esta-


do; Pilar 2: a assistência internacional e a construção de capacidades
nacionais; Pilar 3: uma reposta atempada e decisiva da comunidade
internacional.
Esta estratégia valoriza a prevenção e quando a mesma falha pres-
creve uma acção desenhada à medida de cada caso, adequada às cir-
cunstâncias. A resposta deve vir sempre, em primeira mão. Mas caso
o Estado não seja capaz dessa protecção a comunidade internacional
deve estar preparada para actuar através de vários mecanismos di-
plomáticos indo até à assistência militar a estados que, por exemplo,
vejam a segurança das suas populações posta em causa pela acção
de movimentos armados dentro do seu território. A força não é mais
vista como último recurso, mas sim como uma possibilidade preven-
tiva e embora não haja uma abordagem sequencial dos pilares, uma
acção colectiva ou institucional de imposição da paz estará sempre
em último lugar no rol das opções disponíveis.
O Relatório do SG pretende avançar com propostas para a imple-
mentação deste conceito que por exemplo, para a União Europeia
R2P não é mais do que um novo rótulo para o direito de ingerência;
para a comunidade humanitária a cobertura para todas as situações
em que a dignidade humana está posta em causa; e para alguns think
tanks, como o International Crisis Group cujo Presidente (Gareth
Evans) se tem desdobrado para popularizar o conceito, o mesmo
aparece ligado à ideia de guerra justa. Nenhuma destas interpreta-
ções se pode considerar como encarnando em pleno o espírito de
2005, dos parágrafos 138 e 139 do Documento Final da Cimeira142.
Kofi Annan, no relatório para o Conselho de Segurança, intitu-
lado The Causes of Conflict and the Promotion of Durable Peace
and Sustainable Development in Africa, datado de 1998, entende
que a necessidade fundamental nas situações de peacebuilding pós-

-289-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

conflito é a segurança das pessoas, entendida como uma paz real e


com a garantia de acesso às facilidades sociais básicas. Há factores
que são por ele considerados fundamentais, sendo mencionado logo
à cabeça o factor tempo; em segundo, vem a necessidade de uma
aproximação holística e multidisciplinar; em terceiro, a adequação
financeira ao esforço e, por último, a necessidade de uma coordena-
ção estratégica e administrativa entre os vários actores em presença.
Ciente de que as sociedades pós-conflito se encontram extrema-
mente fragilizadas e com carências especiais, neste mesmo relatório
Kofi Annan estabelece as prioridades do peacebuilding nas áreas
que considera mais críticas, como o forjar a reconciliação comuni-
tária e nacional; o respeito pelos direitos humanos; a promoção da
inclusão política e da unidade nacional; o assegurar do regresso rá-
pido e em segurança dos deslocados e refugiados e a reintegração de
ex-combatentes e de outros na sociedade produtiva, mobilizando ao
mesmo tempo os recursos internos e internacionais fundamentais
para a recuperação económica (Nações Unidas, 1998; p. 18).
O ex-Secretário-Geral da ONU (Nações Unidas, 1998; p.19-28)
estabeleceu duas áreas e um conjunto de premissas por cada uma
delas para que se consiga promover uma paz durável e um desenvol-
vimento sustentável143:
· Boa Governação:
— Garantia do respeito pelos direitos humanos e estado de direito;
— Promoção da transparência e da responsabilização na admi-
nistração pública;
— Melhoria da capacidade administrativa;
— Fortalecimento da governação democrática.
· Desenvolvimento sustentável:

142
Ver Ferro (2009).

-290-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

— Criar um ambiente apropriado para o investimento e cresci-


mento económico;
— Acelerar o desenvolvimento social;
— Reestruturar a ajuda internacional;
— Reduzir o serviço da dívida;
— Abertura ao mercado internacional;
— Apoiar a cooperação e a integração regional;
— Harmonizar as iniciativas bilaterais e multilaterais;

Para Fukuyama (2006, p. 109), que vê a construção de Estados como


“a criação de novas instituições de governo e o fortalecimento das já
existentes”, são três as fases distintas para a construção de Estados:
1. A reconstrução pós-conflito, que se aplica a países recém saídos de
conflitos violentos, onde a autoridade do Estado ruiu por completo e pre-
cisa de ser reconstruída a partir dos alicerces. Aqui o problema a enfren-
tar pelos poderes externos é a garantia de estabilidade no curto prazo;
2. Esta fase inicia-se quando e se o Estado tiver alcançado algu-
ma estabilidade com o apoio internacional. Neste caso, o objectivo
principal é a criação de instituições do Estado auto-sustentadas, com
capacidade para resistir à retirada da intervenção externa;
3. Esta última fase sobrepõe-se à anterior e assenta no fortaleci-
mento dos Estados fracos, mas em que a autoridade do Estado existe
de forma razoavelmente estável, porém debilitado para a realização
de algumas funções necessárias.

143
Miall (1999; p. 188-194) detalha os desafios que são enfrentados pelos peacebuilders após conflitos
de longa duração, distinguindo duas vertentes importantes e inúmeras tarefas associadas: a prevenção
do relapso na guerra e a criação de uma paz auto-sustentada. William Zaartmann (1995 b; p. 95-105)
apresenta-nos as linhas orientadoras para a preservação da Paz em África: adopção de mecanismos
padronizados para lidar com o conflito, construção da capacitação africana, desarmamento e desmobi-
lização; reconstrução das estruturas; construção de coligações; lidar com facções adversas; democrati-
zação; definição de fronteiras e apoio à gestão de conflitos.

-291-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Pelo exposto, pensamos que a acção estratégica para enfrentar a ame-


aça que o fracasso dos Estados representa passará sempre pela ajuda
pública ao desenvolvimento e pela cooperação bi-ou multilateral,
feita por um Estado ou uma Organização Internacional. Os Estados
não são bons construtores de Estados pois estão sujeitos a programas
de governo e a mudanças no mesmo que não são compatíveis com o
empenhamento de longo prazo que a construção de estados pressu-
põe (Ferro, 2006).
Neste livro, aplicamos ao State Building novamente o modelo
de Beaufre transformado, já anteriormente referido por nós144. As
acções a implementar, que têm de ser vistas numa perspectiva de
longo prazo145, devem prever a capacitação146 a todos os níveis, do in-
divíduo às organizações e instituições, com o objectivo final de for-
talecer o Estado no seu todo. Note-se no entanto que antes da adop-
ção de qualquer modalidade de acção estratégica se deve primeiro
responder à seguinte questão: “can Nation-Building be brought to
a people or does it need to be home grown?” (Watson, 2004; p. 10),
uma vez que a História tem confirmado que é impossível impôr esta
actuação às populações e garantir um sucesso sustentado no tempo.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento identifica
claramente esta visão interna do processo afirmando que state bui-
ding pode ser entendido como um processo guiado pelas relações
estado-sociedade, que procura reforçar, construir ou reconstruir a
capacidade e a legitimidade das instituições do Estado, para que pos-

144
O envolvimento contínuo das Nações Unidas em consolidaçao da paz pode ser remetido para a sua
operação na Namíbia em 1978, e que levou ao estabelecimento de Normas de Execução Permanentes
(SOP/ Standard Operating Procedure), que se adaptam depois caso a caso, mas com padrão de actuação
semelhante. O modelo das Nações Unidas para a reconstrução de Estados assenta assim fundamental-
mente em cinco áreas: militar e de segurança, política e constitucional, económica e social, psicológica
e social e ainda internacional. Este assunto pode ser aprofundado em Ferro (2006) e em Hugh Miall
(1999; p. 186-188).

-292-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

sa criar as condições necessárias para uma segurança sustentável e


para o desenvolvimento.147

Estratégia Militar

A acção de partida de qualquer operação peacebuilding deve in-


cidir na reforma do Sistema de Segurança e Defesa (SSD) e na des-
militarização da sociedade (USAID, 2005; p. 5)148. Dado que estes são
conceitos vagos e fluidos, os processos concebidos para melhorar
a governança, a gestão do sector de segurança (incluindo respon-
sabilidade e transparência), melhorar a capacidade operacional das
agências de segurança, reformar os seus sistemas orçamentais, mo-
derar a sua influência política e económica, devem ser incluídos na
SSD (Hutchful, 2004).
Como principais tarefas surgem-nos a reestruturação dos sis-
temas de Comando e Controlo, constituindo-se umas novas Forças
Armadas e uma nova polícia; o adoptar de novos conceitos e missões,
bem como o desarmar e desmobilizar os antigos combatentes para
serem depois reintegrados na sociedade civil149.
Na estratégia militar deve ser ainda equacionado o papel a desem-
penhar pelas Organizações Internacionais, Regionais e Sub-Regio-

145
“For development to succeed - in almost any context - we know we need to take the long view and
stay engaged for the long haul. There are no quick fixes to strengthen governance or build a country’s
ability to improve the lives of its citizens” (USAID, 2005; p. v).
146
A construção de capacidades para a UE assenta em: “To develop and strengthen structures, ins-
titutions and procedures that help to ensure: transparent and accountable governance in all public
institutions; improve capacity to analyze, plan, formulate and implement policies” (Banco Mundial,
2005; p. 6).
147
Draft do Relatório do PNUD sobre State-Building a que o autor teve acesso.
148
A USAID (2005; p. 5) apresenta quatro prioridades para o fortalecimento do Estado: “Enhance sta-
bility, Improve security, Encourage reform related to the conditions that are driving fragility and that
will increase the likelihood of long-term stability. Develop the capacity of institutions that are funda-
mental to lasting recovery and transformational development”.

-293-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

nais de Segurança e Defesa. Na União Africana (UA), por exemplo,


foi criado um mecanismo de gestão de conflitos, e a Comunidade
para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) e a Comunidade
Económica Estados da África Ocidental (CEDAO) acrescentaram aos
seus mandatos a área da cooperação de segurança, tendo já estado
envolvidas em exercícios de treino militar conjunto e de manutenção
de paz (UA, 2002).

Estratégia Político-diplomática

Na manobra interna, o Governo deve ser capaz de lidar com o power


sharing e com todos os problemas relativos à criação de uma autoridade
transitória, caso esta seja criada, e a sua acção deve centrar-se na(o):
· Reforma ou criação de órgãos de soberania;
· Criação de condições para a realização de eleições;
· Garantia que o governo é capaz de responder a novas e diferen-
tes exigências;
· Edificação e capacitação da administração pública;
· Estabelecimento de critérios e padrões de boa governação,
incluin­do o respeito pelos direitos humanos e estado de direito;
· Edificação de um sistema judicial;
· Democratização e apoio à consolidação da sociedade civil.

Na manobra externa, a acção estratégica do poder deve preparar


a transferência de responsabilidade para o controlo local, (caso
tenha sido estabelecida uma autoridade transitória/temporária);

Sobre esta temática podemos ver a publicação Disarmament, Demobilisation and Reintegration. A
149

practical field and classroom guide, de Douglas et. al. ( 2004).

-294-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

deve procurar angariar apoios de países e OI’s; integrar estruturas


regionais (Miall, 1999; p. 204-205) e harmonizar as iniciativas bi e
multilaterais.

Estratégia Socioeconómica

A acção estratégica nesta vertente deve ser centrada numa actuação


de curto prazo, que no essencial visará minimizar o sofrimento hu-
mano e proporcionar o acesso aos serviços essenciais de ajuda hu-
manitária, recorrendo ao realojamento e se necessário ao reordena-
mento de populações (Miall, 1999; p. 205-206), à revitalização dos
serviços básicos, como os da saúde e educação (USAID, 2005; p. 7) e
à iniciação de programas de reintegração na sociedade civil dos ex-
combatentes.
No médio e longo prazo devem ser implementados planos de de-
senvolvimento do tecido socioeconómico, procurando garantir um
desenvolvimento sustentável, apostando na:
· Recuperação de infra-estruturas físicas, como estradas, barra-
gens, áreas portuárias, escolas, hospitais, caminhos-de-ferro, etc.;
· Criação de um ambiente apropriado para o investimento e cres-
cimento económico;
· Criação de emprego, procurando ao mesmo tempo assegurar a
abertura ao mercado internacional.

Estratégia Psicológica

A acção estratégica psicológica a desenvolver tem por finalidade úl-


tima restaurar a tessitura social esventrada pelo conflito, apoiando a

-295-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

transformação de uma cultura de violência numa cultura de perdão,


que conduza à criação de um ambiente de confiança nas comuni-
dades. Assim, e tendo em consideração que a resolução do conflito
só se alcança após a remoção “of the causes as well as the manifes-
tations of a conflict between parties and eliminating the sources of
incompatibility in their positions” (Zartman e Rasmussen, 2001: p.
11), é necessário efectuar a gestão da reconciliação a longo prazo, re-
correndo a diversas técnicas, tais como os rituais de purificação, que
possibilitam o regresso de ex-combatentes ao seio da sua comuni-
dade, ou no recurso a comissões da verdade e reconciliação150, como
ocorreu na África do Sul, nos Balcãs e mais tarde em Timor.

Estratégia de Informações

A resposta à questão formulada anteriormente e, que aqui relembra-


mos, “can Nation-Building be brought to a people or does it need to
be home grown?” (Watson, 2004; p. 10) deve entrar em linha de con-
ta com a estratégia psicológia a adoptar e com a sua estreita ligação a
uma estratégia de informações, entrando aqui em jogo a necessidade
de gestão das percepções, pelo que é necessário efectuar-se um pro-
fundo estudo das populações (grupos alvo), verificar a sua sensibili-
dade e respectivos coeficientes de reactividade às mensagens que se
lhes fazem chegar. Deve recorrer-se a todos os processos e técnicas
disponíveis, procurando sempre criar ou apoiar a criação de um pano
de fundo de reconciliação. Caso haja intervenção internacional, é com
base nas estratégias de informações e psicológica que se vai efectuar a

150
No sentido que Miall (1999: p. 209-211) lhe deu: harmonização de histórias diferentes, aquiescência
face à situação e restauração das relações amistosas.

-296-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

gestão do consentimento aos diversos níveis (estratégico, operacional


e táctico) para a anuência da presença internacional.
Fundamental para o sucesso integral deste modelo é o apoio a
prestar pelos meios de comunicação social. Estes devem ser livres e
independentes, não identificados com as partes em conflito.

São diversas as alternativas ao modelo proposto neste livro. Um pri-


meiro modelo alternativo passa pela acção preventiva, com a criação
de mecanismos de alerta precoce, onde a actuação diplomática, das
organizações regionais e sub-regionais são importantes, bem como
o papel desempenhado pelas opiniões públicas. Um segundo mode-
lo alternativo pode sempre passar pela recuperação de um outro ins-
trumento das Nações Unidas que se encontra esquecido desde a in-
dependência do Palau, o Regime Internacional de Tutela, que prevê
que territórios sejam colocados sobre administração internacional.
Pode ser uma alternativa polémica, no entanto face à dificuldade em
encontrar soluções novas que apresentem resultados consolidados,
será o encontrar da resposta numa solução antiga, reformulada para
fazer face a problemas novos (Caplan, 2003).

Robert Cooper vai mais longe e propõe uma nova forma de imperialismo:
“The most logical way to deal with chaos, and the one most
employed in the past is colonization. But colonization is
unacceptable to postmodern states (and, as it happens, to
some modern states, too). It is precisely because of the dead
of imperialism that we are seeing the emergence of pre-mo-
dern world. (…) Today, there are no colonial powers willing
to take on the job, though the opportunities, perhaps even
the need for colonisation is as great as it ever was in the ni-
neteenth century. (…) What is needed then is a new kind of

-297-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

imperialism, one acceptable to a world of human rights and


cosmopolitan values. We can already discern the outline: an
imperialism which, like all imperialism, aims to bring order
and organisation but which rests today on the voluntary prin-
ciple” (Cooper, 2002; p. 4).

3.7 Portugal e os Estados fracos: Estratégias de resposta.

Portugal, país fundador da NATO e Membro da UE, procura desem-


penhar um papel activo como produtor de segurança internacional,
colocando a sua soberania ao serviço dos interesses nacionais mas
inserida na comunidade internacional (num sentido sempre de re-
ciprocidade), com disponibilidade para contribuir para objectivos
comuns, na boa compreensão que os únicos contributos efectivos, e
como tal reconhecidos, são os contributos activos. As Forças Arma-
das, como instrumento da política externa que são, têm desempe-
nhado um papel significativo para o aumento da visibilidade inter-
nacional de Portugal, contribuindo ao mesmo tempo para reforçar a
sua credibilidade externa, o seu poder negocial e o seu peso político,
ajudando a cimentar a tripla internacionalização do país: na Europa,
na cooperação com os PALOP e nas missões de apoio à paz e de ca-
rácter humanitário.
Nos últimos dez anos foram cerca de 20 mil os soldados portu-
gueses a integrarem missões internacionais, ao serviço de variadas
organizações e em diversos teatros de operações, todos eles diferen-
tes e distanciados entre si: da Bósnia a Timor, de Moçambique ao
Afeganistão e de Angola ao Líbano. São poucos os Estados da União
Europeia com uma contribuição proporcionalmente semelhante.
Estas novas missões de paz tornaram-se indispensáveis, não só

-298-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

para a contenção de catástrofes humanitárias, mas também para lo-


cais onde não existe ou onde falhou o Estado, sem o qual nenhuma
sociedade tem segurança e desenvolvimento.
Portugal utiliza ainda as suas Forças Armadas em proveito da
Comunidade Internacional através de um outro instrumento funda-
mental da sua política externa, a cooperação.
A globalização obriga a que Portugal tenha ideias e estratégias
muito claras para a cooperação, baseadas em valores e princípios
que, sendo universais, assentam também numa visão da história e
da realidade contemporânea portuguesas. Assim, a missão funda-
mental da cooperação portuguesa consiste em “contribuir para a
realização de um mundo melhor e mais estável, muito em particu-
lar nos países lusófonos, caracterizado pelo desenvolvimento eco-
nómico e social, e pela consolidação e o aprofundamento da paz, da
democracia, dos direitos humanos e do Estado de direito” (VECP,
2005; p. 9).
Portugal, apesar de ser um pequeno país, procura a nível bilate-
ral com a Ajuda Pública ao Desenvolvimento e a cooperação, con-
tribuir para aumentar as capacidades dos países beneficiários em
todas as áreas, fortalecendo o tecido social e as instituições locais,
promovendo o acesso à escolaridade e à saúde básicas e criando
condições de emprego, sobretudo para jovens. O combate à po-
breza exige melhorias constantes em matéria de boa governação e
constitui igualmente um contributo para essa mesma boa governa-
ção (VECP, 2005; p. 10).
A cooperação para o desenvolvimento e o apoio ao Estado de
direito e ao respeito pelos direitos humanos é um instrumento de
reforço da segurança humana151, logo da segurança internacional,
desde que devidamente enquadrada. Neste sentido a cooperação
portuguesa está atenta a duas dimensões fundamentais de apoio à

-299-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

segurança humana: a protecção e a autonomização. Protecção no


sentido de apoiar civis que são vítimas de conflito violento, inte-
grando abordagens políticas, militares, humanitárias e de desenvol-
vimento. Em particular, é importante ter em atenção a situação de
refugiados e deslocados internos, apoiando a acção de organizações
internacionais em prol destas pessoas. Autonomização significa criar
as condições de assentamento e de emprego em situações de pós-
conflito, incluindo o apoio à desmobilização e reintegração de mi-
litares, e ainda o reforço dos mecanismos de criação de segurança
humana em «Estados frágeis», incluindo cooperação apropriada nos
âmbitos da polícia e das Forças Armadas (VECP, 2005; p. 9).
No âmbito do reforço da política de segurança humana, e da sua
estreita interligação com os Objectivos de Desenvolvimento do Mi-
lénio, importa ter presente a contribuição específica da cooperação
técnico-militar e da cooperação técnico-policial, designadamente na
reforma do sector da segurança.
A cooperação técnico-militar dispõe, neste contexto, de um cam-
po de actuação abrangente para, em articulação com os países com os
quais Portugal coopera (VECP, 2005; p. 10):
• Garantir eficácia acrescida nos respectivos processos de estabi-
lização interna e de construção e consolidação do Estado;
• Participar, no seu âmbito de intervenção, na capacidade de estes
Estados garantirem níveis de segurança compatíveis com os princí-
pios da democracia, da boa governação, da transparência e do Esta-
do de direito, envolvendo questões relacionadas com a estruturação,
regulação, gestão, financiamento e controlo do sistema de defesa,
desta forma facilitando o desenvolvimento.

151
Para uma dicussão detalhada sobre o conecito de segurança humana ver Vigilante, Van Langenho-
ve, Fanta, Ferro, Scaramagli, “Delivering Human Security Through Multilevel Governance,” UNDP,
UNU-CRIS, Brussels, 2009.

-300-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

A cooperação técnico-policial visa contribuir para o desenvolvi-


mento de formas de organização do sistema de segurança interna,
controlo de fronteiras, gestão de informações, manutenção da ordem
pública e combate à criminalidade dos países com os quais coopera-
mos, privilegiando as relações entre forças e serviços de segurança
ao nível da organização, métodos, formação e treino, participando
no reforço das condições de estabilidade interna, autonomia das ins-
tituições políticas e segurança das populações e na consolidação do
primado dos valores essenciais da democracia e do Estado de direito
(VECP, 2005; p. 9).
As cooperações técnico-militar e técnico-policial contribuem as-
sim para a o que se convencionou chamar de reforma do sector da
segurança, apoiando o desenvolvimento de estruturas institucionais
adequadas que sejam o garante da primazia do controlo político e
que sejam ao mesmo tempo capazes de levar a efeito as tarefas ope-
racionais atribuídas pelas autoridades civis (VECP, 2005; p. 10).
Na sequência da “Visão Estratégica para a Cooperação Portugue-
sa” de 2005, em Abril de 2006, é apresentado o Programa de Apoio
às Missões de Paz em África (PAMPA), que pretende ser uma reo-
rientação estratégica para a CTM.
Esta cooperação pressupõe que Portugal e as suas Forças Armadas
devem partilhar, com os PALOP e Timor-Leste, mas também com
outros Estados e Organizações Regionais e Sub-Regionais africanas,
a sua experiência enquanto membro fundador da NATO e Estado-
Membro da UE, activamente envolvido na PESC e na PESD, e que
participa, desde 1991, em diversas Missões e Operações de Paz na
Europa, África, Ásia e Oceânia, desta forma contribuindo para que
aqueles Países apreendam saberes e edifiquem capacidades próprias
para, por si ou articuladamente, sob mandato internacional, pode-
rem intervir na gestão de crises em África.

-301-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Por outro lado, a experiência africana de Portugal e das suas For-


ças Armadas deve ser tida em conta, tal como a de outros países eu-
ropeus com idêntica tradição, para a preparação e elaboração de uma
política e de uma estratégia da UE e da NATO para África.
O PAMPA desenvolve-se em torno de quatro grandes eixos de
acção:
1.º Capacitação institucional no âmbito da Segurança e Defesa;
2.º Formação de militares dos países africanos;
3.º Cooperação com Organizações Regionais e Sub-Regionais
africanas;
4.º Mobilização da agenda africana nas políticas e estratégias das
Organizações de Segurança e Defesa (em particular NATO e UE).

Cada um destes eixos articula-se e coordena-se estreitamente, de


forma a optimizar os contributos nacionais e as mais-valias que deles
retirarão os países destinatários do Programa.
Este Programa está orientado, em primeiro lugar, para os países
de expressão oficial portuguesa e, de acordo com a sua evolução e
sucesso será expandido para outros países africanos.
Quanto ao 1.º Eixo, a capacitação institucional habilita os países
destinatários e respectivas estruturas com mecanismos e ferramen-
tas essenciais à segurança humana e ao desenvolvimento.
Portugal desenvolve políticas e acções que reforçam essas ca-
pacidades, apoiando os respectivos processos de reestruturação da
Estrutura Superior da Defesa e das Forças Armadas. Neste sentido,
Portugal está receptivo ao desenvolvimento de acções trilaterais com
países terceiros que pretendam fazê-lo, privilegiando aquelas acções
que incidam em áreas de formação, designadamente relacionadas
com conceitos e doutrinas, entre outras.
Um número importante dos projectos de CTM desenrola-se nos

-302-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

PALOP (+), o que obriga ao estabelecimento de assessorias consti-


tuídas por militares e civis das Forças Armadas portuguesas. Estes
projectos cobrem um conjunto de áreas que vão desde a formação
nos PALOP e em Timor Leste, à saúde militar, projectos de enge-
nharia, passando pela elaboração do suporte legislativo e actuação
das Forças Armadas de cada país.
A componente da formação de pessoal, o 2.º eixo do PAMPA,
pretende colaborar na formação das elites militares, que em alguns
casos se confundem com as elites governamentais daqueles países,
e também das bases das respectivas Forças Armadas de forma a mo-
dernizá-las e transformá-las em forças apartidárias, como garante de
instituições democráticas, funcionando deste modo como um vector
de desenvolvimento e de coesão nacional, contribuindo para o re-
forço da identidade nacional e garantindo a segurança e a estabili-
dade internas.
A formação é feita em Portugal e nos países de origem. Estiveram
em Portugal, até 31 de Dezembro de 2005, 1610 alunos/militares. A
formação nos PALOP (+) constitui o complemento da formação em
Portugal e tem vindo a ganhar uma importância crescente. Este tipo
de actividade cobre áreas que vão desde a formação de forças tipo
“Especiais”, em Angola e Moçambique, forças de manutenção de
paz, como no caso do batalhão guineense empregue na Libéria, ou
de forças dos PALOP empregues em exercícios combinados liderados
pela França, no âmbito do Renforcement des Capacités Africaines
de Maintien de la Paix (ReCAMP)152, assessorados por portugueses.

Nomeadamente o exercício “Gabão 2000” com um contingente de S. Tomé e Príncipe, o exercício


152

“Tanzanite 2002”, onde um Oficial e três Sargentos integraram o Destacamento de Instrução Opera-
cional inglês que ministrou instrução aos cerca de 650 militares dos países africanos que participaram
no exercício, e o exercício “Nicusy 2004” com forças de Moçambique. Todos estes contingentes tiveram
assessoria de Oficiais e Sargentos do Exército da CTM. O Exército ainda disponibilizou diverso material
para apoio ao exercício, incluindo rações de combate, ou equipamento completo para os 37 homens do
contingente de S. Tomé.

-303-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Portugal tem ainda apoiado a realização de outros exercícios


multinacionais de preparação e de treino de unidades para partici-
pação em Operações Humanitárias e de Apoio à Paz, dando-se início
à realização dos exercícios anuais da série “FELINO”, os quais, nas
suas primeiras edições (2000 e 2001), tiveram lugar em Portugal.
Esta série de exercícios, com base no conceito de operações com-
binadas, envolveu forças de Portugal e dos PALOP, contando com
observadores do Brasil, e visa o desenvolvimento da capacidade
multilateral de participação em Operações Humanitárias, de Paz e
de Gestão de Crises.
Sobre o 3.º Eixo, Portugal apoia a inserção regional dos PALOP,
capacitando-os na área das Operações de Manutenção de Paz em
matéria de conceitos, princípios e doutrinas, em especial a sua par-
ticipação nas Organizações Regionais ou Sub-Regionais. Portugal
contribui também para apoiar essas organizações, designadamente
a União Africana, a SADC, a CEDEAO e a CPLP, na óptica da sua
valorização e capacidade de intervenção.
Quanto ao 4.º Eixo, Portugal intervém no sentido de serem de-
senvolvidas políticas e estratégias para apoio à edificação, de forma
progressiva, por parte dos países africanos, de capacidades próprias
para garantirem a Segurança em África, em sede da OTAN e da UE.
Além do PAMPA, Portugal possui outros programas e projectos
de cooperação que gostaríamos de salientar e que se prendem com a
prestação de serviços.
A prestação de serviços engloba o apoio prestado às várias enti-
dades dos PALOP (+) que nos visitam e a assistência sanitária, tanto
a essas mesmas entidades como a outros militares e seus familiares
que não possuam as valências médicas necessárias nos seus países
de origem.
No âmbito do Programa de Apoio Fisiátrico a Crianças Angola-

-304-
As Ameaças Transnacionais e a Segurança

nas Amputadas Vítimas da Guerra (AFICRA), foram intervenciona-


das em Portugal (no Hospital Militar Regional n.º 2 – Coimbra) 46
crianças angolanas vítimas da guerra que necessitavam de próteses.
Com estas medidas da cooperação portuguesa, Portugal espera
contribuir para a segurança e bem-estar das populações, criando
condições para a sua fixação, reduzindo assim a sua tendência/ne-
cessidade de movimentação, ao mesmo tempo que procura contri-
buir para a segurança internacional.

Síntese conclusiva

Com as alterações do sistema internacional provocadas pela queda


do Muro de Berlim, a segurança dos Estados passou a ter um enten-
dimento alargado, já não se confinando apenas à vertente militar,
passando a ser transversal a todos os sectores de actividade, abar-
cando áreas como a economia, o ambiente e o crime organizado. A
partir daquela data simbólica outros conceitos entraram em revisão
e revelaram-se novas ameaças e riscos à Segurança.
Neste estudo identificámos e analisámos as principais ameaças
com que os Estados soberanos hoje se debatem: o terrorismo trans-
nacional, a proliferação das ADM, depois o crime organizado trans-
nacional, a SIDA, a degradação do ambiente e o fracasso dos Estados.
Desta análise, verificámos que as ameaças actuais são globais e que
as respostas preconizadas para lhes fazer face também elas têm de
ser globais, através de modalidades de acção estratégica directas e
indirectas, que entrem em linha de conta com as diversas estratégias
gerais, sendo a eficácia das mesmas subsidiária da adequada coor-
denação multi-institucional e de uma arquitectura de segurança co-
operativa. Por fim descrevemos os contributos de Portugal para en-

-305-
Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

frentar o fracasso dos Estados, procurando assim o reconhecimento


internacional como Estado “produtor” de segurança internacional.

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