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Resumo
Design e Filosofia possuem propriedades semelhantes, já que ambos trabalham com as
potências das coisas: o filósofo com seus conceitos virtuais e o designer com seus projetos
possíveis. Visto que não há consenso para um conceito de design, buscamos em uma ontologia
virtual (Deleuze) um léxico abstrato e lírico que pudesse exprimir os fluxos que se operam nos
processos de design, e não seus estados. Através de uma arqueologia (Foucault) de certas
palavras, pela sua dobra (Deleuze), configuramos um universo das ciências humanas e da
semiótica das complexidades através da teoria dos sistemas (Vieira) pelo qual a abertura para
uma ontologia do design se dá. Ao invés de explorar os territórios, optamos por estudar os fluxos
que se agenciam nos processos, a fim de definir o movimento, e as máquinas que os conferem
consistência ontológica. Dividimos em 6 parâmetros sistêmicos (Vieira): composição,
conectividade, estrutura, integralidade, funcionalidade e organização; que organizam o
crescente de complexidade nos processos projetuais. E separamos pelos sistemas nos quais
operam: o pensar, o fazer, o julgar e o ensinar, para situar dentro de universos tangíveis os
conceitos abstratos. Pela conceituação de máquinas (Guattari e Deleuze) exploramos as
subjetividades em busca de parâmetros que determinem os polos de uma cartografia complexa
(Latour) de acontecimentos e relações entre os sistemas. Projetar é uma projeção no tempo,
agenciamento futuro que permite uma experimentação virtual das relações e consequente
adaptação dos sistemas como reagentes. Atualizando os processos de um projeto
(metaprojeto), o designer confere consistência real e atual aos projetos, seja fazendo uso de
tecnologias ou manufaturando-os, sejam digitais ou reais. Máquinas abstratas agenciam fluxos
agônicos de poder, normatizando os movimentos e definindo uma trama de valores que se
impõem sobre as práticas do design: tratados ético-estéticos. Por fim, o que se sobressai como
essência ontológica do design deriva de processos de coesão e coerência dos sistemas, das
máquinas, e que através delas podemos propor modelos de organização cada vez mais
complexos para sustentar a complexidade de nossas 3 ecologias (Guattari). Consideramos que
a proposta de um design híbrido, que atue por entre os processos, os territórios e os fluxos, é a
que mais se aproxima de uma consciência ecológica e, portanto, sistêmica, e que somente
através de tal podemos explorar todas as potências de uma atuação ainda em formação.
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................. 165
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................................... 166
Prólogo
Se o ossário mostra o esqueleto de nossa obra, é porque cremos que você enquanto
observador poderá recriar a vida a partir dos ossos, e juntá-los, e que os esqueletos falem por
nós as mensagens que já passaram por nossa consciência. E nessa atualização que somente resta
enquanto memória, queremos que você recrie, imagine, se inspire pelo que você não entender.
Nossa escrita se desvenda pelo visual assim como um conto. Contamos histórias e acabou que
estas possuem uma moral deveras curiosa. Essa moral é o que você deve aprender. Essa jornada
não é científica, muito menos acadêmica, precisa, instantânea. Você, aqui, só tem nós como
companhia. E conversaremos ao longo do processo. Essa obra não se faz somente de nós,
escritores, filósofos, pensadores. Precisamos que você, também, pense do começo ao fim, e que
as imagens surjam ao acaso, e que as composições se formem do solo.
Nosso livro não é a informação de pronta entrega porque reconhecemos que a diferença
que faz a diferença é o que a produz. Através dos exemplos, e imagens, e indagações, queremos
que você se levante, saia da sala, jogue o livro na parede. E isso roubamos do Anti-Édipo. Seja
um leitor ativo. Leve este livro no parque, saia de casa. O desejo é complexo, é conjunto, você
só deseja o que você pode imaginar.
Isto, que vê, não é fruto de um projeto linear ou de um estudo metódico a respeito do
Design. Surgiu como forma de dar voz aos questionamentos que haviam em nossa cabeça.
Nossas perguntas foram ordenadas para facilitar o entendimento. Nossa proposta é explicada e
justificada por meio de conceitos que nós ainda explicaremos. Nossa expressão será além de
tudo conceitual. Nossa missão, por outro lado, não está dita no livro. Pois bem:
Nossa missão é questionar, desvelar e revelar as estruturas que se montam por sob nossas
repetições: designers. Nossa tendência é ignorar a simplicidade das coisas e partir para
operações mecânicas complexas, metodologias desatualizadas. Funcionamos sempre pela
lógica métrica: medimos tudo para calcular o que precisaremos. Não, essa não é nossa missão.
Buscamos reduzir o conceito à sua simplicidade, entendendo o que é raiz e o que são tronco e
galhos. Nosso olhar para com o Design não foi para medir o comprimento das vigas que
sustentam a estrutura conceitual, mas para olhá-las e analisá-las uma a uma suas ranhuras e
manchas de ferrugem espalhadas; para compreender o todo e de que forma elas se sustentam.
Teremos olhares para o que se implica por trás dos acontecimentos.
Quando começamos este processo de construção, não sabíamos como e nem para onde
ir. Estávamos completamente sem chão. E foi essa a nossa beleza casual. Já ouvimos e vimos
outros que buscam nos horizontes seus fins. Estabelece-se uma meta e constrói-se o caminho
até lá. Nós, por outro lado, olhamos para baixo. E vimos um emaranhado: este é o rizoma.
Você pode se perguntar quem somos nós, se há apenas um. Não se espante, pois isso é
apenas normal. Existem vários em um e se agora isso não te é claro, (tentaremos) deixar tudo
mais simples. Não há necessidade de você descer até o subsolo se já o fizemos. Trouxemos tudo
à superfície, cabe apenas você perceber.
1 Filologia é a ciência que estuda textos escritos, principalmente literários, analisando sua veracidade ou
significância.
2 Foucault, 1992. p. 316
3 Guattari, 1992. p. 49
pois deixaremos claro nossos pontos e circularemos nossas anedotas para que os significados
não se misturem. Propomos então uma outra forma de escrita, outra forma de explicar as coisas:
através do subjetivo e do significado aberto.
Entendemos que, por se tratar de linguagem, a qual nos utilizamos para passar uma
mensagem através dos processos em Design, podemos compor uma linguística/semiótica, uma
análise híbrida subjetiva-objetiva– portanto, a necessidade de ser reformulado nosso
entendimento mediante este estudo. Nossa proposta quebra essa forma de organizar as
relações e propõe uma expansão dos limites do campo do Design a fim de entendê-lo
conceitualmente, filosoficamente, como uma máquina que opera através dos processos de
semiose. E isto implica, portanto, no trabalho subjetivo do pensar Design – e a necessidade de
buscar na psicanálise formas de analisar e entender estas subjetividades.
Percebemos que o Design que conhecíamos era diferente do que os outros falavam.
Depois de algumas reflexões, percebemos que de fato o Design era vários, e que, havendo
tamanha multiplicidade, há de existir uma análise diferençal destas diferenciações. Não a fim de
categorizar, mas de fato mapear os diferentes territórios de expressão destas multiplicidades.
Em outras palavras: se o Design, enquanto conceito, se manifesta e se materializa das mais
diferentes maneiras, há de se analisar, antes das manifestações per se, o fator de diferenciação
das manifestações.
Se falamos sobre coisas que parecem loucas, não é porque quem fala é louco, mas sim
porque quem percebe acha que fugimos da razão. De fato, fugimos muitas vezes, mas por fim
entendemos que nenhuma razão poderia nos guiar nesta empreitada. Apenas queremos fincar
nossos pés no chão que construímos e dizer: daqui não saio. E isso foi custoso, porque foi andar
no escuro de diversas maneiras. E andar no escuro dói, porque você bate a cabeça, o dedinho
do pé e fica louco sem saber para onde vai ou quanto tempo vai demorar para chegar. A partir
do momento que acendemos as luzes, tivemos a certeza de poder compartilhar as conexões que
os diferentes conceitos, advindos das mais diferentes visões de mundo compõem, num
entendimento pleno – ou quase – dos processos pelos quais o Design se manifesta.
Rumo a uma filosofia híbrida, propomos costurar diferentes áreas do saber para que o
Design não crie um território no qual se manifeste, mas sim que a partir de uma gênese, crie
ramificações, se rizomatizando por entre as intensidades dos mais diferentes conceitos. Isso
significa pensar o Design como se situando em 3 planos/dimensões e que ele age nas fendas
entre um conceito e outro, e não se impondo juntamente aos outros. Se podemos definir nosso
propósito, seria o de mostrar e evidenciar as conexões complexas que o Design pode operar.
Porque dentre todas as coisas que percebemos, a mais interessante foi de fato a possibilidade
de pensar a intersecção de multiplicidades, e que o Design, como materialização de processos
filosóficos, funciona como uma gosma mutante.
“Um livro não tem objeto nem sujeito; é feito de matérias diferentemente formadas, de
datas e velocidades muito diferentes. Desde que se atribui um livro a um sujeito, negligencia-se
este trabalho das matérias e a exterioridade de suas correlações”. (DELEUZE, 1995. p. 11)
1.1. Gênese
Queremos começar falando sobre linguagem, e queremos falar de forma técnica, mas
nem tanto. Entendemos que será necessário certo resgate gramatical – raso, porém – para
podermos entender alguns aspectos sobre linguagem. E escolhemos fazer isto sob a figura de
conceitos, que também são palavras. Começamos tudo isso pensando sobre palavras. E que
felicidade que assim tenha sido, gostamos muito delas. E percebemos que conseguimos
desdobrar tanto, tantas vezes, que descobrimos um imenso território dentro delas. E
percebemos que podemos guiar pensamentos para conduzir uma explicação de maneira bem
simplificada sobre coisas extremamente complexas e abstratas. Funciona assim: situamo-nos
em algum território conhecido – e escolhemos o Todo, para falar exatamente sobre limites –
para depois navegar de um a outro, e submergir em certos pontos para explicar o que os olhos
não veem.
Separamos por tópicos que constam no sumário, exatamente para que você possa folhar
quando precisar e quiser. Alternativamente, existe este link.
Todo
Será que tudo vira nada ou nada vira tudo? A Cabala entende que o nada (coisa alguma),
para se conhecer e se perceber, se transformou em tudo (espaço infinito). E que entendendo
que era, jogou luz sobre suas partes, para que se conhecessem elas também. E da percepção
que tudo é um, surge a primeira esfera (sephirot) divina: a mônada. Esoterismos e simbolismos
à parte, um dos principais recursos do pensamento é inversão das partes de uma sentença, o
que nos faz questionar todo o universo do problema, de uma ponta a outra: operando as
intensidades nos meios.
É difícil mensurar um todo, não? Quando pensamos no maior maior que conseguimos, é
difícil dizer o quanto abrangemos de fato do Todo existente – porque ele é muito grande,
tamanho que nenhum humano jamais compreenderá. O que é a totalidade das coisas? Tentar
pensar nas coisas como, realmente, qualquer coisa, pode facilitar: pode ser o universo, pode ser
a terra, pode ser uma palavra, pode ser uma bactéria, um quark; inevitavelmente trabalhamos
com algum limite, depende inevitavelmente de algum recorte dizer ‘tudo’. Havemos de
reconhecer que não conseguiremos imaginar a totalidade de todas as coisas que existem.
O Todo é o exemplo perfeito para entender que o homem é condicionado pela finitude.
Por maior que seja o Todo, ele sempre vai ser limitado à nossa capacidade de conhecer ou de
perceber. Ou seja, ou por fatores biológicos (genes) ou imaginários (memes), somos limitados a
nunca conceber de fato uma totalidade do Todo. Quando abrimos os olhos todos os dias de
manhã, vemos tudo que nossos olhos podem ver, dentro dos limites do que pode de fato se
manifestar para nós. Nossas máquinas não podem lidar com tamanha complexidade de um todo
que a tudo engloba. E assim partimos para abstrações da nossa imaginação: imaginemos nossa
casa, depois nossa vizinhança, e cada vez mais longe vemos o planeta Terra: e ainda não é tudo.
Há sistemas, galáxias, universos, e quiçá algo além – dimensões? Ora, porém, a magia do
conhecimento e da linguagem reside exatamente na desdobra do finito sobre ele mesmo,
propondo, assim, a abertura de um espaço que se expande constantemente, muito embora
esteja fadado a ser sempre limítrofe. O espaço inaugurado pela desdobra vai ser condicionado
pelos limites do nosso raciocínio e capacidade imaginativa.
O que queremos fazer é transformar o uno em duo, e depois em quadri, hexadeca, etc. E
assim criamos uma disposição de pontos-conceito num plano. E ligamos dois a dois eles. Como
que esquecendo que em um segmento de reta sempre se limita por dois pontos, temos nosso
foco para a duração deste segmento, que pode ser infinita. É como pensar que existem infinitos
números entre 1 e 2 – desde que consideremos cada vez conjuntos maiores, indo dos naturais
aos racionais, e por fim admitindo que o real se constitui também por inconscientes, ou
irracionais, e que uma mescla destes constitui os complexos, hipercomplexos e assim por diante.
Pensar num todo remete inevitavelmente em situar todo o espaço num tempo perpétuo1, pois
a sucessão dos acontecimentos categoriza a única linha reta: a das repetições – e que ainda
assim se configura com ritornelos de transformação de tudo em nada, dobra e desdobra. Uma
repetição do Todo nele mesmo serve para engendrar sua real existência: constante
desterritorialização rumo ao infinito com suas linhas de fuga espirais.
Podemos paralelamente interpretar que a partir do ponto que o Todo cruza a finitude
humana, ele se torna Nada2 – o que não pode ser designado por nossa consciência. A
intersecção entre o conhecimento absoluto e o máximo conhecimento humano resulta num
conceito indefinido, algo que foge aos termos racionais de uma escrita científica: o inconsciente,
ou se preferir na matemática, o conjunto dos números imaginários3. Entretanto, i2=-1. Será o
Nada de fato a ausência de tudo? Ou de algo? O Nada não se opõe de fato ao Todo, mas sim a
Algo. O Nada em última instancia se opõe ao Ente, à existência de algo em movimento,
implicando duração, finalidade, enfim.
Ora, podemos trazer o Todo para uma esfera mais particular: existem os organismos,
totalidades, sistemas, máquinas que operam sob a premissa de que o todo é maior que a soma
das partes. Basta considerar que para cada disposição ou organização de elementos, há a
possibilidade de entrecruzamento, ligaduras, articulações, relações complexas e mutantes:
conectividade. Para isso precisamos supor um plano no qual se localizam todas as coisas. Se
pensarmos nos conceitos enquanto linhas, dotadas de dois limites, podemos pensar na
1 Ou Anacronismo, que não limitará relações a épocas ou tempos diferentes. É a ideia de que o tempo não se
dá em linha reta, mas em diversos acontecimentos enfileirados lado-a-lado, concomitantes. Isso implica em situar
todas as linhas num tempo mesmo perpétuo, portanto, virtual, imaginário e coexistente.
2 O nada se transforma em todo para se perceber. Caso não se perceba, continua nada.
3 Os números complexos são derivados por uma adição entre uma parte real e outra imaginária. Imaginário é
um número complexo com parte real igual a ∅, ou seja, apresenta 0 correspondências com o conjunto real.
complexidade que se acusa nos meios e entrecruzamentos. E se tomarmos o fator humano como
perspectiva, inevitavelmente quaisquer linhas traçadas encontrarão um ponto comum; pois o
ser humano não pode traçar retas sobre o abstrato infinito que senão convergentes. Esta
aproximação do conceito nos permite entender que existem relações e operações complexas
que regem o todo e sua dinamicidade. Ainda, que de uma forma plausível, o todo, esse limite
que cremos ser ilimitado, é subjetivo; e varia em dimensões no decorrer das diferentes
subjetividades. Isso se chama Umwelt4, e podemos entendê-lo como o universo particular de
cada ser. Então podemos pensar que nosso limite está até onde vai nosso conhecimento, tanto
imagético quando conceitual; assim, até os limites do universo? Ou da terra, já que é
interessante conhecer em profundidade? Assim, podemos tentar pensar em diferentes escalas
e perspectivas, desde o menor até o maior de todos.
Fim
O Fim é um conceito traiçoeiro. Pois ao mesmo tempo em que ele anuncia o término, ele
não o faz de fato. A não ser que o elevemos ao conceito limite, aliando-o ao Todo. Desta forma,
seguimos a linha de Deleuze a propomos uma análise a partir dos limites para com as
intensidades medianas. O Fim que se alia ao Todo, portanto, denuncia o fim absoluto,
anunciando a transformação de Tudo em Nada. Em contrapartida, se formos analisar o Fim pelo
Nada, temos um outro cenário: um paradoxo. Como que nada pode chegar a um fim se não tem
o que acabar? A não ser que tomemos o Fim por outra perspectiva: o ponto final que se
desdobra em recomeço: ritornelo6. O fim de nada se torna apenas transformação, processo de
atualização de devires, das potencialidades que residem em todos os seres, aguardando as
condições para existirem e se atualizarem: repetição. Já que falamos em processo, é necessário
entender que todo o conceito de Fim se expande e abrange algo além. Ele tomará a forma do
contínuo: é este o tempo eterno, o que dura tudo e muda tudo a toda repetição, a linha
temporal.
4 “Esta intersecção com a realidade, específica para cada sistema vivo, é o ‘Umwelt’, o ‘universo subjetivo’,
conceito desenvolvido por Jakob von Uexkull em sua teoria da percepção. Quanto mais complexa é a espécie, mais
complexo é a sua ‘Umwelt’. “(VIERIA, 2015. p. 22)
5 <https://www.youtube.com/watch?v=JYHp8LwBUzo>
6 O ritornelo se evidencia como o ciclo do processo de territorialização ou desterritorialização. Ele
compreende a instauração de uma matéria de expressão para em seguida dar início a um processo cíclico de mutação
do território em desterritório.
(ILMAGEM DE CICLO DE ‘IF’ EM ALGORITMOS, QUE VAI E VOLTA)
Ao pensar num fim, pressupomos muita coisa além dele. Contextualizamos o Fim porque,
para tê-lo, precisamos de um começo e um meio. O fim de algo é quando um ciclo, um processo,
algo que ainda não está findado atinge sua conclusão, seu término. Que o que ainda não estava
acabado, então, acabe. Podemos argumentar que, se acaba, não pode recomeçar; mas a chave
reside em diferenciar o Mesmo do Outro. O Fim acarreta transformações, das mais bruscas às
mais sutis, assim esta conversão de tempo acabado para tempo recomeçado determina esta
atualização dos devires. É isto que se chama duração: o que começa, dura e termina. Um recorte
temporal. Como no conceito de um todo a partir do nada, precisamos retroceder e recorrer a
um processo, a uma duração, para que consigamos pensar num fim, num encerramento.
Novamente, o fim se evidencia pela duração, pois se acaba, dura. Se não dura; o É (pense no
infinitivo [sem fim] dos verbos). Quem É? O Ser, cuja única relação com o tempo é de
permanência. Por isso que o sujeito inexistente só acontece quando o verbo se encontra no
infinitivo: porque são regras, leis da natureza, imposições incontestáveis que resistem
impreterivelmente ao tempo. Não existe uma duração para estes, apenas processos
ininterruptos, por tal partimos para configurá-los apenas enquanto fenômenos7.
Eu
O Eu pode ser considerado a resposta para quando nos perguntamos ‘quem é?’.
Diferentemente do Ser, o qual ainda explicaremos, o Eu remete e designa propriamente quem
o utiliza. Se nos distanciarmos por um momento, vemos que em todo e qualquer discurso que
haja a palavra Eu, há uma autodesignação através das palavras do sujeito da oração. Eu é a
palavra que denuncia e dá posse a quem o profere, escreve, seja qual for o meio.
Porém, a quem Eu pode se referir? Se dizemos o sujeito da linguagem, ora, há de ser nós,
seres humanos. O uso e emprego do Eu reforça em seu discurso que a linguagem de fato é posse
humana. É meio, campo, máquina ou sistema de origem humana; como pode existir uma
palavra que reafirme ao próprio sujeito da ação quem a realiza? Como se pode entender esta
dobra que a linguagem faz, este retorno que promove na auto-referencialidade do sujeito? “A
linguagem ‘enraíza-se’ não do lado das coisas percebidas, mas do lado do sujeito em sua
atividade”9. Entender o Eu implica em estabelecer quem é e quem não é. Bizarro quando
É difícil precisar de fato até onde vamos. E é por isso que estabelecemos uma equivalência
decisiva: Eu sou Deleuze. Sou é flexão do verbo Ser, de forma que o Eu que É, é Deleuze.
Definimos o Eu, portanto, como um nome. E continuamos caindo na falácia de nos definirmos
por outras camadas que nos recobrem socialmente, afinal, nos apresentamos para o socius:
profissão, gostos, feitos, títulos, características, nacionalidade. O Eu, ele apenas foi. Se
quisermos falar sobre quem é, falamos do Ser.
Ser
12
Se o significante de fato exerce uma supremacia sobre os significados, torna-se os
olhares para com o sujeito da linguagem: o ser que permeia todos os verbos como agente da
ação. “A espécie inteira do verbo se reduz ao único que significa: Ser. Todos os outros se servem
secretamente dessa função única, mas a recobriram com determinações que a ocultam”13.
Entender o Ser passa primeiramente por um crivo linguístico, pois antes de conceito é palavra,
portanto, representação designada. Podemos entender como uma generalização do Eu: o ser
do verbo sempre será o enunciador, este ser linguístico que se confunde inevitavelmente com a
existência denominada homem, “de tal forma que seria preciso rejeitar como quimera toda
antropologia que pretendesse tratar do ser da linguagem, toda concepção da linguagem ou da
significação que quisesse alcançar, manifestar e liberar o ser próprio do homem”14.
Levou-se tempo até que se entendesse que o ser da linguagem era de fato o emissor de
todo o discurso, e que, de fato, ele não se situava em tempo algum a não ser quando era
minimamente determinado pelas palavras que a ele se ligavam. Ser, de fato, não implica uma
10 Ibid. p. 390
11 Ibid. p. 368
12 É aquele que é significado por algo que conduz um processo de semiose.
13 Ibid. p. 110
14 Ibid. p. 355
delimitação temporal ou sequer espacial. Se podemos entender a essência fundamental das
coisas pela sua existência primeira, isto reside no conceito de Ser; muito porque ele rege a
construção de qualquer ação, mesmo que esteja implícito. Porém, se trouxermos para o outro
limite, podemos usar a figura do sujeito inexistente da gramática, casos em que a oração é
formada apenas pelo predicado. E se, de fato, disseres “está a chover”, é porque esta oração
não implica uma duração. Ele é congelado no tempo, retrata e cristaliza no tempo um fato – pois
se não há sujeito, não há ação que senão a do acaso: não há duração, apenas fenômeno. Dessa
forma, a colocação do verbo Ser em qualquer oração inevitavelmente vai trazer o sujeito da
ação, e atribuir a qualquer coisa o status de movimento, duração, ação. Se existem sujeitos
inexistentes é porque o verbo Ser não se implicou por dentro destes. Muito porque não
reconhecemos nenhum ser capaz de promover tais perturbações. A complexidade de desvendar
as causas, acusá-las e definí-las supera a simplicidade de um discurso que se contenta em dizer
que gotas caem do céu e precisa-se de um guarda-chuvas.
Pois se uma pedra é preta, é porque ela é capaz de se relacionar com outras coisas ou
qualidades. E que esta pedra será e terá sido preta enquanto existir: Ser necessariamente
implica no ciclo total de uma existência, que começará e acabará. Ora, sendo capaz de tal feito,
entra na trama complexa das relações humanas. Preto, por condição, é uma cor e, senão o
espectro de onda, designação e determinação humana. Dessa forma, quando o verbo ser não
indica algum humano, indica um objeto passível de interferência humana: dentro de nossa
Umwelt, portanto, máquina. Ou antes porque lhe confere uma subjetividade enquanto sistema
complexo. Assim, quando existem orações com sujeito inexistente, verbos impessoais, são
relatos de coisas maiores, como o cosmos e o acaso. Não se refere nem ao Outro, pois trata de
qualquer fator que possa determinar as ações humanas; se não citamos um Ser responsável pelo
acontecimento, é porque atribuiremos isto a algo que não temos controle. A ausência de sujeito
se resume na admissão da finitude humana.
O ser humano é moldado pela sua condição finita de existência, seja ela limitada pela
morte, tempo, espaço, compreensão; a linguagem, muito mais do que se deixa dizer pelos
humanos, diz e muito por si. Uma análise minuciosa revela que numa arqueologia das coisas,
qualidades inusitadas podem subir à superfície – e temos de ter alguém responsável por fazer
essa ascensão. Porém, nossa proposta audaciosa consiste em analisar as coisas pela superfície
e determinar quais conceitos subterrâneos atuam no oculto para gerar estas turbulências
superficiais. Detectamos apenas os sinais, e detectamos pelo verbo ser. Ser é ser afetado e
afetar. Se existe algo importante nesta compreensão, é a finitude do homem – e que isto é
complexo em demasia. Antes de pensar que podemos, temos que entender que não podemos
certas coisas. Talvez pelo fato de nos prendermos por demais à realidade executável não
conseguimos enxergar tudo o que nos foge por dentre os dedos num fechar de mãos.
Ser se revela como a trama que perpassa todo o contexto, o contexto do todo. Se há algo
que dá continuidade à sucessão das sintaxes; se existe algo que dá o movimento de atualização;
se há força que movimenta a exegese de palavra em palavra até o fim do discurso: é o Ser. E
sendo, impõe a condição mínima das existências virtuais pelas palavras. Oras, há de se animar
as ideias para que por suas próprias peculiaridades se evidenciem e se organizem.
Outro
Intrigantemente, é apenas o Outro que delimita uma subjetividade, o Eu: uma alteridade.
É sabido na antropologia e outras ciências humanas que, de fato, o Eu enquanto indivíduo,
sujeito, consciência, só se define através dos limites de sua totalidade, ou seja, seu campo de
ação, limite físico e imaginário. É pela percepção do Outro que podemos delimitar o Eu. O Outro
é o conceito que remete inevitavelmente ao limite nadísticoNA do Eu. Porém, o Outro guarda
potencial para se alavancar e inaugura um outro espaço ao qual se define como
importantíssimo: estabelece o distanciamento das coisas, para que, na exclusão do sujeito, seja
possível analisar o objeto. E de fato, foi a preocupação com o outro que trouxe a possibilidade
das ciências objetivas. O que inclusive ocultou a existência do Eu como peça central para todas
as ciências até o século XVI. Este distanciamento que o Outro promove é deveras arriscado sob
condições desfavoráveis: cabe mensurar em quais pontos o distanciamento do Eu é plausível.
Por exemplo, não se pode trazer um fenômeno, um acontecimento que só pode ser percebido
tardiamente devido à sua complexidade, para um campo a priori. Determinar os acontecimentos
antes de suas atualizações são feitos de ciências exatas, capazes de tratar os mecanismos físicos
por números unívocos. Se tratarmos os acontecimentos complexos – sociais, culturais,
econômicos e subjetivos – de uma forma unívoca, não estaremos conferindo densidade
suficiente ao acontecimento. Qualquer análise das esferas humanas por matemas será
frustrado.
Mas antes do que mera possibilidade de saber que o mundo não se resume ao Eu, o Outro
é incrivelmente fundamental em nossa cabeça. Muito porque partimos nosso pensamento a
partir desta identidade do Eu, e que ela se define pela noção de um outro, de algo fora de si. E
entender isso significa delimitar um território virtual ao qual temos plena ciência da existência.
E que outros territórios existenciais se fazem vizinhos. É incrível como o Outro pode compor o
Eu, tragicamente: pacientes esquizos que incorporam Outros dentro de sua singularidade, vozes
na cabeça; a cisão do Ego, complexo gravíssimo da psicanálise, no qual o Eu consciente toma
uma percepção e o inconsciente projeta os desejos para com a realidade. Duas atitudes
psíquicas em um receptáculo. Nunca demos importância de fato para o que uma noção tão
simples guarda debaixo dos panos. Uma alteridade é nossa fonte de individuação, é o único
motivo pelo qual você tem um nome: para não ser mais ninguém que não você.
Talvez mais importante que outrem, seja seu conceito análogo: o Mesmo. Ora, o Mesmo
guarda em suas dobras conhecimento suficiente para se entender certos processos de
multiplicidades e diferenças. O Mesmo é, por excelência, aquilo que É. Mas antes, ter um
mesmo implica um duplo: uma cópia? uma farsa? Seria considerado esquizofrênico, no século
XVI, utilizar o mesmo duas vezes, uma dupla representação que não se auto representava. E é
dessa forma que o saber moderno se inaugura com a proposta dessa volta do Mesmo sobre ele
mesmo. Reconhecer o uno como duplo. E de fato, isto será tema para inúmeros filósofos e
pensadores do século XX. É nessa dobra que se constitui o conhecimento moderno,
evidenciando o subterrâneo por debaixo das superfícies. É dessa forma que podemos
compreender o que determina e o que é indeterminado ao mesmo tempo. O Outro é fenômeno
de diferença pura. Outrem é o Eu elevado ao limite nadístico, aonde ele encontra sua definição
nua: o Eu é um Outro para um outro Eu15. E devemos pensar que em nossa singularidade,
interagimos constantemente com alteridades, e que estabelecemos conexões, emaranhados
complexos com todos os transeuntes da avenida Paulista num domingo. Ser implica em
entrelaçar o Eu com todos os Outros.
NA Adoramos neologismos, então transformamos nada em superlativo. Ao longo do texto tentaremos trazer
do sujeito em questão. Muito embora toda subjetividade seja também uma alteridade para com outrem.
E nos estudos sobre o Mesmo, Deleuze resgata com a devida força o que se denominaria
filosofia da Diferença, que remete ao abandono da semelhança entre as coisas, reconhecendo
que o caráter a priori das partes é que determina qualquer relação de diferenciação (com
outrem) ou diferençação (com o Mesmo, através da repetição). O foco agora não se dá nas
identidades, analisadas isoladamente em seus territórios. Trazemos agora os liames como
aspecto fundamental de uma filosofia dita diferençal: o que ocorre no processo de estabelecer
que algo difere de outro algo? O que ocorre no processo do mesmo para o mesmo? Como
analisar estas aberturas que se promovem nos territórios existenciais? Através dessa relação
das partes, podemos estabelecer paradigmas para com os quais podemos nos questionar: será
verdadeira esta relação? Será Coesa e Coerente esta relação?
Verdade
A Verdade é uma palavra deveras interessante pela sua capacidade de romper com
quaisquer fluxos e ligaduras. É um território composto apenas de cortes e encerramentos. Como
se fosse um território que se instaura entre dois, que seleciona quais fluxos se estabeleceram
entre as partes. Mas não podemos descartar o aspecto derivado da diferença e consequente
relação: a verdade tem o poder de estabelecer cortes em quaisquer planos e privar o externo.
A verdade sempre corresponde a algo. Independentemente do que, é verdadeiro de acordo
com algo, ou para algo; ou seja, sempre depende de um fator de validação externo: por isso que
se configura necessariamente como um território, este, podemos chamar de aduaneiro16.
Sendo uma convenção, podemos pensar a verdade em outras formas de cortes que se
fazem nos planos dos conhecimentos, como normas, leis, intervalos; são todos justificados por
motivos maiores, fatores externos. Analisando mais a fundo este poder de corte, percebemos
que isto significa determinar quais das multiplicidades são condizentes; se se fizer uma
propaganda obscena na TV em horário nobre, o consenso diz que isto é errado. A verdade vem
para podar antes mesmo que nasça. Ela age como máquina de guerra estatal, impedindo que o
devir-erro tenha sua gênese através da criação conceitual de um universo de valores de
referência do bom e do correto que lhe seja coerente. Caso não possa impedir, alia-se ao fluxo
referido, sempre diminuindo-o, como que oferecendo resistência a prosseguir. E juntando
inúmeras verdades, inúmeros contra fluxos, o devir-erro desaparece. Se tivermos uma verdade
16 Num caráter de fiscalização, definindo quais elementos partilham da característica de um conjunto para
com outro. Podemos dizer que a verdade é o processo de relação que se estabelece na filosofia: será este conceito
verdadeiro para com outro? E sobrepõe-se os territórios.
universal, como que de intensidade absoluta, nenhum devir poderá agenciar um fluxo que
consiga existir fora destes parâmetros. Por isso se pauta tanto num processo de brainstorming,
pois a premissa é fazer um maior número de ideias, mesmo as impraticáveis – consideradas,
portanto, erradas ou não-corretas.
Mais importante, é entender que a Verdade funciona só para quem a aceita, para quem
acredita. De forma que para alguns a terra é plana; o aquecimento global não existe; o homem
não pisou na lua. O Eu deve concordar com qualquer discurso para elevá-lo ao conceito de
Verdade. Do contrário, será erro. E essa atualização do conceito em norma, transforma um fluxo
em contra-fluxo e opera assim cortes em outros fluxos. Curiosamente, a partir do momento que
se esvanecem as verdades, desaparecem as mentiras também. E não porque as pessoas deixam
de mentir, mas porque não teremos uma verdade para contrapor, não haverá mais uma ótica
territorializante para cristalizar quaisquer fluxos e determina-los. É por isso que precisamos
entender que não é de dicotomias que se fazem os saberes; não é nos polos entre uma verdade
plena e uma mentira absoluta que uma ideia transita, mas sim sempre nos meios. E que não
podemos separar estas unidades da grande máquina abstrata de verdades.
Analogia
Portanto, cabe pensar novamente na ideia de que todo este universo — todo este sistema
complexo de signos, significados e semelhanças por diferenças — ocorre sob a máscara da
linguagem, uma das plataformas existentes do conhecimento. Contudo, cabe ressaltar que foi
ela que possibilitou o estudo do conhecimento como metalinguagem: o estudo da linguagem
pela linguagem. Todo o conhecimento científico teve sua base na linguagem e na sua capacidade
de designar objetos por palavras que os representassem, possibilitando que articulemos
hipóteses e interações entre eles em ambiente virtual — talvez grande ressalva à escrita pela
capacidade de imortalizar o discurso sobre uma plataforma, mas não ignorando os contadores
de histórias, que por centenas de anos repassaram histórias e conhecimentos por via oral, na
forma de cantos, poesias, epopeias. Percebeu-se que o Todo que conhecemos, a totalidade dos
conhecimentos humanos, se define, por fim, pelos limites de nosso léxico, pela qualidade de
nossas palavras e por seus significados. Da mesma forma que o português é a única língua que
possui uma palavra para ‘saudades’. São estas peculiaridades que estendem o domínio da língua
sobre os fenômenos.
Terceira forma da similitude, a analogia. Velho conceito, familiar já à ciência grega
e ao pensamento medieval, mas cujo uso se tornou provavelmente diferente. […]
Seu poder é imenso, pois as similitudes que executa não são aquelas visíveis,
maciças, das próprias coisas; basta serem as semelhanças mais sutis das relações.
Assim alijada (diminuída, enfraquecida), pode tramar, a partir de um mesmo
ponto, um número indefinido de parentescos.17
17 Ibid. p. 37
apresentam motivos plausíveis, apenas uma força que os liga dentro de uma subjetividade: a
relação imposta pelos desejos, pelas pulsões do sujeito.
Projeto
Em nossa esfera de conhecimento, a palavra Projeto é muito presente. E bom, sempre
cremos que sabemos os significados, os conceitos, os usos e os contextos. Porém, cabe uma
análise profunda para que se evidencie certos aspectos. Desta vez sem definições de dicionário.
O uso da palavra Projeto costuma aparecer como verbo. De certo, nós designers projetamos.
Beccari nos arrasta para a dimensão conceitual:
A instauração de métodos e abordagens que tiveram êxito nas engenharias e
outros domínios do “projeto” — capacidade de responder à desordem do mundo
em nome de uma intenção que se considera profundamente seria e necessária —
não me parece eficaz para precisar esta tarefa de expressão visual e narrativa
implicada no e pelo design.18
18 BECCARI, 2016. p. 21
19 Ibid. p. 48
Dessa forma, o projeto apresenta seu diferencial exatamente pela admissão da
hibridização de suas estruturas. Não predefine nenhum modelo per se, ele apenas elenca que
há a necessidade de uma organização. Dessa forma, podemos analisá-lo como o mero
planejamento; ora, e de qual forma melhor pode se estabelecer uma análise do que a própria
exegese que o saber se utilizou em sua construção? Esta arqueologia dos conceitos para
evidenciar as estruturas consiste o planejamento das relações complexas que estas estruturas
promovem. O Projeto de fato é tão amplo quanto o Design, mas nossa defesa foca em
demonstrar que sim, o Design e o Projeto estão deveras próximos, porém, ainda assim, não se
sobrepõem. O Design de alguma forma ainda é maior. Projetar é organizar.
Design
Primeiramente, não daremos nenhum respaldo histórico para o design. Mas se quiser
encontrá-lo sob uma ótica que defendemos, leia BORGES, 200820.
Resta saber o que o Design pode amarrar dentre todos os conceitos que foram citados
acima. Design de fato é maior que projeto, mas ainda assim, talvez pela sua amplitude, seja
difícil estabelecer os limites pelos quais o território do Design opera seus fluxos internos.
Trabalharemos de início com esta definição prévia de Beccari:
[…] podemos enfim compreender o design como articulação simbólica: uma
(re)tradução constante, por meio da forma, que abre o mundo para a pluralidade
das interpretações, para o vigor do simulacro21, para a intensidade dos fluxos
afetivos. Tarefa de “dar forma”, nos termos de Flusser, ou maneira de “dar a ver”
o mundo — o que implica reconhecê-lo como aparência de mundo — por meio
das mediações que nos conectam a ele. 22
Quando nos deparamos, em primeiro momento, com esta tentativa, fomos guiados às
finalidades. De certo, houve um momento em que tentamos sobrepor Arte e Design, para que
se evidenciassem as relações. De certo, muitas semelhanças, mas a diferença mais sobressalente
adormece na finalidade dos produtos, ou frutos do processo: enquanto na Arte se valoriza um
discurso aberto para as diferentes interpretações, e que a mensagem seja mutante para que
as mais diferentes pessoas interpretem das mais diversas formas – se podemos propor uma
metaforização, pense estar de frente a um quadro renascentista e abra e feche os olhos
constantemente: a cada abrir de olhos a imagem se apresenta inteiramente nova, inteiramente
Assim nos deparamos com o Design enquanto produção subjetiva, de tal sorte que as
diversas produções se configuram enquanto únicas – desconsiderando todas as cópias feitas ou
múltiplas existências em diversos ambientes, pois os contextos diferem o Mesmo dele mesmo.
Nos intrigou os limites do Eu e a configuração desta individualidade, para que se pudesse expor
quais momentos subjetivos são determinantes no processo; até qual ponto o Design pode se
manter exclusivamente como produção objetiva? Ainda mais adiante, percebemos que se o Eu
É, precisamos investigar o subsolo do Ser – e nossa busca pelas existências ontológicas nos levou
até os entes e manifestações. Entender que o Eu É, implica entender as diversas relações
complexas que podem se estabelecer, principalmente se tratando das relações com as
produções de Design.
E estas relações nos levaram ao Outro e ao conceito de alteridade, para entender de que
forma poderia se transmitir uma ideia subjetiva a outra consciência subjetiva –experiência
intersubjetiva –, e para tal investigamos a linguagem. E percebemos no potencial de tradução e
representação as estruturas de uma comunicação conceitual que o Design opera, determinando
assim que o Outro apenas poderá interpretar a produção. E que, inevitavelmente, o Outro fará
juízo. E que este juízo será pautado em algum tipo de verdade, à qual adequará suas identidades
para emitir assim uma análise objetiva da forma. Perdemo-nos, porém, quando nos
questionamos do julgamento subjetivo, e quais os parâmetros que poderiam então se
apresentar para permitir um entendimento maior deste processo póstumo do Design.
Chegamos finalmente no fim da reta, nos deparando com o conceito de Projeto e ele
imediatamente nos trouxe de volta à linguagem sob a figura das analogias. Elas podem ser
consideradas a alma de qualquer Design, ou de qualquer manifestação subjetiva. E Guattari nos
ensina, por fim, que a subjetividade pode ser produzida e que seu limite se configura como
sensação e caráter, estando por fim sob as asas de uma ética e estética das subjetividades. Desta
forma, percebe-se que o Design imediatamente se configura com estruturas que até então eram
desconhecidas, mas que imediatamente se conectam a certos questionamentos que o universo
científico constantemente poda nos anseios filosófico-criativos que promovemos no pensar
Design através da prática. E que a partir desta análise, esperamos que seja possível a
malemolência para com estas estruturas. E que das formas mais inusitadas, se coloquem as
multiplicidades do Design.
Bom, por fim, você pode se questionar qual o propósito de trazer certos conceitos se nem
ao menos falamos deles per se? Bom, nossa proposta era mostrar o subterrâneo das palavras.
Evidenciar que existe um campo de intensidades, uma multiplicidade de significados em cada
uma delas. Muito embora o que tenhamos feito foi apenas refletir e dizer o mesmo por meios
diferentes. Desdobramos a simplicidade em simplificações cada vez mais complexas, assim, se
transforma em um pensamento complexo sob a máscara de um conceito simples. Quer creia,
quer não, muitas das coisas ditas são bem difíceis de serem compreendidas pelo grau de
abstração. Sem saber, tentamos explicar filosofia contemporânea para você. E explicamos muita
coisa. Mesmo. Muito. E esperamos que tenha gostado.
Existiram outras palavras que mereciam ser mencionadas, porém, devido ao tempo e
relevância do conteúdo, apenas estas puderam se manifestar em seu desdobramento. Sobre,
por fim, o uso das palavras como ponto de partida de análise de uma atividade professional,
parece deveras duvidoso. Eventualmente os conceitos se unirão a fim de consolidar um
território pelo qual atuamos empiricamente: o território do Design. Operamos pelas fendas que
se formam entre os picos dos conceitos. E entendemos que são nelas que podemos operar
complexidades cada vez maiores se tomarmos o subjetivo como ferramenta essencial. Existe a
necessidade de situar o nosso Design na fluidez contemporânea e na complexidade caótica de
nossas mentes criativas.
E decidimos partir de uma perspectiva filosófica, para não ignorar os esforços dos outros
rumo ao mesmo destino. Inicialmente, entraremos com uma definição, a melhor que
encontramos até hoje, de Design como Articulação Simbólica, para abrir quaisquer horizontes
que estejam fechados. E em seguida, queremos trazer outras visões, breves, sobre outros
territórios e outras ideias que podem parecer longínquas.
Marcos Beccari escreveu Articulações Simbólicas: uma nova filosofia do Design, as bases,
onde podemos encontrar em Nietzsche, Yung e outros pensadores clássicos e modernos, algo
23 Dennis, 1998.
que escapa à tradicional referência pragmática ao projeto. Não nos delongaremos nesta
definição com a precisão que ele deu. Caso seja de seu interesse, cabe consultar a teoria na
fonte. Em resumo, podemos salientar três pontos principais da tese de Beccari:
E na busca por pautar uma genealogia do Design em seu processo, Beccari funda alicerces
epistemológicos para uma nova visão sobre o design. Ou seja, ele transformou o design em
pensamento filosófico sobre o design. E cabe explicar os caminhos que ele tomou antes de
justificar quais nós tomaremos. Em suas palavras, “ao propor uma filosofia do design, enfim,
nosso intuito é abrir cortes transversais entre o design, a filosofia e outros campos de expressão
criativa. O objetivo é olhar para o design a partir de diferentes ângulos, produzindo um
pensamento complexo, múltiplo”24. Assim como nós, Beccari reconhece que de fato o Design
não pode ser definido por um conceito ou outro. Longe disso, pensamos nesta sobreposição dos
planos para que faça passar o fluxo transversal – aqui opomos Beccari, pois não queremos cortar
o subsolo para mostrar o que tem – pois o rizoma é delicado demais para aguentar esta
exposição: as coisas não serão mais as mesmas. Assim, partiremos para uma postura do
possível: ao invés de cortar e ver, vamos apenas acompanhar os fluxos – fazer passar um
ultrassom no subterrâneo e detectar as correntes elétricas que percorrem este rizoma.
De um lado, portanto, design implica não um criar ex-nihilo, a partir do nada, mas
uma articulação simbólica, uma intervenção nos modos de olhar de outro, é
apenas frente ao acaso e às convenções que somos impelidos a criar. Sob esse
viés, fica evidente que quaisquer “novidades” seguem formas-rituais já́
consolidadas: o novo não nasce senão por meio de imperceptíveis reformulações
do velho, mínimos desvios do já́ conhecido, redesign das ocasiões. Não significa
que nada de diferente é criado, como num eterno remix das mesmas coisas, e sim
que a diferença somente se introduz no deslocamento “do mesmo para o
mesmo”, na repetição e acréscimo de acaso.25
Assim, design implica atuar na relação das coisas – com as outras ou com elas mesmas –
propondo processos que buscam semelhanças nas diferenças/identidades das coisas, e através
24 Beccari. M; Portugal. D; Padovani. S. Seis eixos para uma filosofia do Design, 2017.
25 Beccari, 2016. P. 237
de uma semiose, que faz parte da prática projetual, propor uma ligadura destes conceitos de
forma a, nos meios, criar uma existência híbrida intensiva. É apenas reconhecendo os
parâmetros sistêmicos que regem a complexidade em que vivemos, e trabalhando conceitos às
vezes imanentes ao design, às vezes transcendentes, de forma coesa e coerente com o sistema
do conhecimento humano, como um todo, que atingiremos um patamar que nos propusemos.
Dessa forma, o design é o processo que atua na relação das coisas, e seu ato de criação se dá
neste território aduaneiro entre as elas, construção híbrida.
Podemos ressaltar o aspecto linguístico que Beccari denota ao adotar uma hermenêutica
como forma de extrair qualquer informação do design. Por fim, evocando o poder dos
simulacros21, podemos entender plenamente que todo o aparato simbólico do qual se usa o
design se torna uma grande congregação de outras ideias, de conceitos relativos e assimiláveis,
que tomam forma e trazem uma virtualidade enquanto iminência atual, mas que nunca se
atualiza: nenhuma correspondência mais com o real. O simulacro evoca todo o poderio
simbólico das peças de design: criar sistemas sustentáveis que se mascaram como verdades
reais. Significa criar simulacros- conceitos que sirvam de diretrizes ao produto. Resgatamos mais
uma vez este excerto, “podemos enfim compreender o design como articulação simbólica: uma
(re)tradução constante, por meio da forma, que abre o mundo para a pluralidade das
interpretações, para o vigor do simulacro, para a intensidade dos fluxos afetivos”.26
Por fim, outra contribuição valiosa de Beccari se dá na forma dos seis eixos possíveis para
desenvolvimentos futuros dentro de uma filosofia do design, postulados conjuntamente com
Daniel Portugal e Stephania Padovani. Tomaremos emprestado um grande trecho do artigo
destes, porém, apenas para nos utilizar da definição em suas palavras:
1. Design e linguagem. O design é encarado como um articulador de
significados. Questões ligadas a uma gramática visual, a particularidades do
modo de significação icônico ou a sistemas de significação dos objetos, por
exemplo, fazem parte desse eixo.
26 Ibid, p. 236
culturalmente estabelecidas entre design e arte ou design e engenharia, por
exemplo, fazem parte desse eixo.27
Estes seis eixos definem os principais e primeiros territórios elencados para edificar
estruturas conceituais para o design enquanto saber filosófico. Toma aspectos chaves, sendo
eles: a multiplicidade interpretativa dos discursos do design enquanto linguagem; uma abertura
de um paradigma estético para se pensar o design como afetivo e reativo; tomar o design como
valor, com base na troca e imerso no paradigma capitalista; a dobra do design sobre ele mesmo
como forma de construir um meta-saber do design – e evidenciaremos que tomamos nossos
focos neste processo por tudo o que o design nos incita, pois uma dobra do design sobre ele
mesmo se mostra incrivelmente complexa e caótica; design como agenciamentos que
conferem consistência ontológica às subjetividade; e por fim o design imerso nos aspectos
humanísticos da cultura, ritos e mitos – muito embora não tenhamos certo apreço pela cultura.
E entendemos que estes eixos conferem diversas aberturas para novas discussões, mas ainda
assim algo nos diz para seguir por outros meios.
Quando começamos a estruturar este projeto de estudo, tínhamos pleno acordo de todos
estes eixos que poderíamos explorar. Porém, agora, algo nos deixa receosos quanto a estas
divisões. E de fato, os autores defendem a interpolação destes eixos, mas ainda assim não nos
parece certo estruturá-los em divisões e demarcações, muito porque cremos que todos eles
coexistem simultaneamente, de forma que considerar um longe do outro é impossível. Cremos
que ainda vamos nos valer de eixos como forma objetiva de mensurar o tipo de análise que
conduziremos, mas descobrimos uma beleza em uma outra camada de análise, nos chamados
parâmetros sistêmicos. A diferença entre eixos e parâmetros é que os primeiros propõem um
espectro de possibilidades já encerrado, restando apenas as dobras específicas destes
territórios, e o segundo propõe limites incrivelmente amplos com infinitas intensidades entre
eles. Mas como detalharemos mais adiante, teremos um cuidado extremamente grande com
estas categorias e territórios conceituais em detrimento de uma complexidade caótica e
rizomática.
Agora vem a parte em que tentaremos resumir muitas coisas de uma vez só – boa sorte:
a proposta de Beccari é trabalhar o design filosoficamente. De que forma? Estabelecendo o
território dele. Pois é o que tentaremos fazer mais à frente. Estabelecer o território significa
demarcar limites, perímetros, e sedimentar os fluxos dos pensamentos de design nele. E através
deste pensamento, ele então traça o perímetro como um hexágono. Os 6 eixos delimitam aonde
os pequenos territórios vão se estabelecer, e, portanto, imediatamente uma classificação dentre
estas 6 coordenadas para todo e qualquer ponto: pares ordenados que evidenciam as relações
entre os 6 eixos. Digamos, de modo abstrato, que isto implica atribuir coordenadas geográficas.
E se a questão colocada não couber dentro destas coordenadas, infelizmente ficará de fora deste
território. Dessa forma, qualquer pensamento que não se encaixe nessas coordenadas se
configurará enquanto linhas de fuga – o desejo do proibido, o devir-diferença. É exatamente
este caminho que queremos seguir. Evidenciar que se formos estabelecer coordenadas, que
sejam em infinitos eixos: o território há de ser um círculo. Isto significa tomar infinitas
perspectivas diferentes ao ponto de fechar o círculo. Reconhecemos, portanto, que qualquer
tentativa de delimitar o território não compreenderá a totalidade de inúmeras perspectivas
possíveis. Nossa proposta, de fato, não pode se limitar a eixos pré-estabelecidos. Mas
E bom, buscar linhas de fuga significa levantar voo cada vez mais alto29 para se ter uma
noção do formato e das dimensões do território onde nos situávamos. E buscamos então a
capacidade filosófica como ferramenta para elaborar este material. Por isso estamos receosos,
também, quanto às nossas constatações: elas somente são frutos de conexões entre conceitos
filosóficos e observações cautelosas do contexto atual do design. Foram perguntas seguidas de
perguntas, cujo único fim era estabelecer formas de questionar incessantemente as estruturas
que fomos identificando. Bom, explicado o começo de um pensamento filosófico em design – e
agradecemos a Beccari por nos mostrar o caminho– podemos partir para qual será a forma deste
texto se estruturar, e bem como todo o rizoma de pensamentos aqui presentes.
1.3. A Proposta;
Antes mesmo de explicar nossa proposta, queremos situar você num contexto
fundamental, que aconteceu neste último século e que se dividem em dois momentos: o
estruturalismo – que nos encantou completamente de início – e o pós-estruturalismo, que nos
mostrou dolorosamente que as coisas são bem mais complexas do que imaginávamos.
28 Acreditamos no potencial dos parâmetros não como ocultando que existem outras intensidades, mas como
as mais latentes. Assim, escolhemos os parâmetros, que como o próprio nome já significa, para medir.
29 Aqui nos referimos ao mito de Ícaro, muito embora esperamos que a cera não se derreta e que nosso voo
se perdure por mais alguns segundos. A brisa aqui em cima é gostosa demais para descer ao chão.
que designam coisas específicas, sem nenhum tipo de flexão; a psicanálise lacaniana estruturou
três ordens da percepção, dividindo entre o imaginário, o simbólico e o real, e que através deste
tripé partiriam quaisquer práticas psicanalíticas; estudos antropológicos determinaram fatores
culturais que eram presentes em diversos povos, também mitos e rituais que se replicavam nos
diferentes continentes; a sociologia determinou certas formas da composição do socius que
tornariam previsíveis certos acontecimentos ou que possibilitariam leituras contemporâneas
dos fenômenos sociais. A ideia de se consolidarem as estruturas do ser humano foram tão
promissoras que diversos pensadores adotaram este modelo como essencial e único para
qualquer construção de saber nas ciências humanas. A possibilidade de trazê-las para um campo
de estudos a priori aos acontecimentos era deveras encantador. Contudo, isto implicava de fato
em uma constância e permanência da qual desconhecemos.
Com a progressão dos estudos nestes campos, começaram a se suscitar certas críticas a
estes modelos de saber pautados em determinações generalizadas. Ignoravam fatores históricos
de forma que quaisquer aspectos edificados poderiam, sim, aplicar-se tanto ao homem do
século XVI quanto ao homem do século XX. E foi exatamente por este motivo que pensadores
como Baudrillard, Derrida, Deleuze, Foucault e Guattari começaram um processo de
desconstrução destas estruturas atemporais, sob a premissa de que quaisquer análises não
podem ser cabíveis se não considerarem uma relação complexa entre os fatores de diversas
esferas humanas; se há estruturas, elas de certo se edificaram por uma construção histórica
altamente complexa, na relação entre o imaginário humano e a os objetos designáveis. É isto
que Foucault demonstra em As Palavras e as Coisas, resgatando um método Nietzschiano – a
saber: a genealogia – agora sob nova ótica, denominando-o de arqueologia. Pois, é de fato no
processo de construção do conhecimento e na história da representação que podemos
identificar outros modelos que predominaram nas diferentes áreas do saber em outras épocas.
Que a partir de uma interrelação complexa constituem-se não estruturas fixas, mas mutantes e
interdependentes. A arqueologia se mostra como um estudo da complexidade. É através de uma
análise arqueológica que podemos entender os caminhos para decifrar o que ocorrem nas
‘fendas’ da linguagem ou das estruturas representativas do imaginário, entender um universo
subterrâneo das ligaduras, e assim construir um saber humano numa volta dele sobre o próprio
conhecimento.
Na mesma postura, Deleuze estrutura sua tese em Diferença e Repetição para articular
uma nova postura pela qual a filosofia deveria interpretar a diferença: abandonando o aspecto
positivista da semelhança, deveríamos, longe de uma postura negativa, abordar a diferença
como o que de fato possibilita qualquer similitude. Diferença vista como caráter, pois, são nas
identidades que percebemos o que se diferencia e o que se assemelha. Esta conjunção dos
saberes influenciou diversos outros pensadores a reformular suas teses para adequar seus
métodos a um novo paradigma, sob então: a figura da repetição, uma sucessão consecutiva das
mutações e conexões das estruturas ao longo do tempo; e da diferença: entender que toda
singularidade possui uma multiplicidade virtual e possível, de forma que toda repetição, toda
alteração nestas estruturas complexas, se abre para uma diferenciação dela consigo mesma ou
com uma alteridade. Diferença evidenciada pela identidade singular de um e outro.
Cabe dizer que estes dois movimentos não são como a antítese um do outro, mas dois
momentos da mesma corrente de pensamento que se desenvolveu. Assim, enquanto um
acredita em estruturas absolutas, o outro acredita em estruturas complexas e mutantes.
Para entender plenamente nossa proposta, precisaremos exemplificar. Mas como não
gostamos de exemplos, que tal desenhar com palavras? Imagine um círculo, e que nele se
circunscrevem pontos e circunferências – círculos não preenchidos. Estes pontos se espalham
pelo espaço, e as circunferências limitam territórios, muitas vezes em caráter de
sobreposição/união, outras em singularidade. Estes pontos podem ser considerados como
atratores: serão construções que deformam o território e fazem gravitar para si quaisquer
outros pontos. Mas estes pontos são apenas o topo do iceberg, pois se esconde no subsolo toda
a estrutura destes conceitos e que se mostram apenas visíveis, em partes, através de um
mapeamento. E como não se movem os pontos, traçamos conexões entre eles. E que dentro de
uma circunferência se interliguem todos os pontos em uma unidade rizomática; e que de uma
circunferência à outra, se conectem estas complexidades, compondo por fim um grande
território que por cima aparenta ser apenas pontos e linhas de conexão. Imaginar que um ponto
destes possui uma potência, implica em reconhecer que ele possui uma capacidade virtual de
tornar atual algum possível. E o que diria a ciência se um desses pontos jogasse uma linha de
fuga para fora de quaisquer destes territórios, para além de todas as circunferências? Enquanto
não atinge algo, é tratado apenas como um ponto fora da curva; porém, alcança-se um novo
território e o que antes parecia ser uma totalidade, se mostra em igual pé com outra totalidade
– e que são inevitavelmente compreendidos por um novo macroterritório.
Nesta metáfora, acreditamos que um método científico se limitará apenas aos fenômenos
de superfície – ao atual dos fenômenos –, ignorando quaisquer linhas de fuga: tendo-se foco
apenas para as manifestações passíveis de documentação e visualização, jamais imaginando o
rizoma que se esconde da luz. Será impossível escavar sem destruir o rizoma que, longe dos
olhos, conecta todos os pontos em todas as suas potencialidades. Nossa proposta tem como
ferramenta o mapeamento dos topos para suscitar as potencialidades que se escondem no
subsolo. Admitindo que existe um método para tal, na arqueologia de Foucault, pretendemos
mapear também o subsolo, a fim de entender todo o processo de similitude operante neste
conceito de Design que pretendemos declarar.
Para tal, precisamos eventualmente ser pragmáticos, e decidimos por um método que
tornará nossa análise mensurável. Faremos uma sobreposição de duas esferas de polarização:
uma composta de 4 territórios, e outra composta de 6 parâmetros. E nesta sobreposição destes
esquemas poderemos definir e territorializar quaisquer manifestações de superfície, para assim
escavar ao subterrâneo.
Podemos perceber então que os 6 parâmetros são interdependentes, de tal forma que
possuindo um, possuirá vários, até de certa forma hierarquicamente. Contudo, resta um
parâmetro ao qual nos referimos várias vezes, mas sem clareza completa: a complexidade. Este
parâmetro é livre, ou seja, permeia todos os outros de forma a constituir o grau de
crescimento, conforme um sistema adquire um novo parâmetro ele se torna cada vez mais
Já que nossa proposta tomou um rumo ontológico muito forte, não nos restringiremos a
cada vez mais extrair o máximo que podemos dos conceitos, até ficarmos com o essencial. E
percebemos que o sistema é irredutível em conceito. Ele é composto de parâmetros que lhe
conferem qualidades intensivas e de uma definição que lhe confere identidades extensivas. Isso
significa que uma análise sistêmica poderá evidenciar todas as mecânicas do design em sua
estrutura. Se de fato vamos tomar por nome deste material “As estruturas do Design”, temos
que entender de estruturas e de fato saber projetar com elas. E para podermos moldar suas
conexões como bem quisermos, precisamos dissecar o sistema dentro deste crescente
complexo. Se de fato percebermos que o sistema do Design atinge um patamar de organização
altíssimo, conseguiremos comprovar nossa tese.
Quando a integralidade surge, propriedades localizadas podem também ocorrer
no sistema: as chamadas funções. Um novo parâmetro é considerado, a
funcionalidade. Nos subsistemas, são propriedades partilhadas, coletivas, tal que
um elemento abandonando o subsistema perde essas propriedades. Com a
passagem do tempo, desde as condições de permanência até a integralidade e
funcionalidade, ocorre uma história que torna o sistema organizado. Organização
é assim o parâmetro que contém a maior complexidade. Se cortarmos essa
história em ‘flashes’, em quadros fixando o ocorrido em um instante de tempo,
encontraremos o sistema de uma certa maneira. Se então contarmos número de
conexões presentes, este número é a estrutura do sistema. Através da
integralidade, níveis de organização podem manter-se através da adoção de
diferentes estruturas.35
33 Ibid. p. 208
34 Ibid. p. 24
35 Ibid. p. 30
Existe uma estrutura para o material todo, mas ainda assim sentimos necessidade de
explicitar um pouco mais sobre uma proposta que se forma adjacente ao nosso campo de visão:
não tomaremos limites territoriais para apreender qualquer conceito que possamos extrair de
nossas leituras, mas sim um mergulho intensivo. Tomaremos nosso tempo e nossas palavras
para deixar claro todos os fatores e suas conexões. E bom, se tomamos tanto o conceito de
territórios, devemos apresentar o que queremos dizer com isso, já entrando num mapeamento
do corpus do design: tomaremos tanto os fluxos imanentes quanto transcendentes do design
para elevar os limites que se perpetuam entre uma coisa e outra, mas somente para podermos
borrá-los e reconstruir novas divisões, e que em algum momento, todas as divisões se
sobreponham: n-1. Subtraímos as partes do todo, não para tirá-las, mas sim uni-las; lembrem-
se: a diferença é antes o que possibilita qualquer semelhança, por isso há um traço que liga os
dois números (x-y). Se elencarmos territórios para o design, o faremos para enfim
desterritorializar constantemente até chegarmos num estado utópico de eterna linha de fuga.
Nossa proposta se mostra de forma a configurar o design enquanto sistema aberto.
Temos que nos valer de algumas conotações e especificações do design, pelo menos como
ponto de partida: existe, por exemplo, definições já estabelecidas do que é design e que por si
só engendram territórios. Podemos situá-lo nas ciências sociais aplicadas, ciências humanas,
artes, comunicação. O que queremos de fato salientar aqui é que o design pode adquirir
proporções maiores: ele pode ser todos ao mesmo tempo e ainda assim possuir uma identidade
própria – talvez a propriedade que o conjunto possui, mas que as partes, isoladamente, não? O
que queremos deixar claro é uma diferença entre um território existencial do design e quaisquer
territórios vizinhos e adjacentes, dos quais o design também retira conceitos e modos de ser e
que por fim compõem o Corpo sem Órgãos36 do Design.
Convém deixar limitado o que se entende por profissão: o ato de criação determinado –
de certo o ofício de um filósofo é criar e moldar blocos-conceitos, ao passo que um cineasta cria
blocos imagem-duração37. Existem profissões que quase se mesclam com a do designer, sendo
elas: Arquitetura, Artes, Cinema, Comunicação Visual, Engenharias, Produção Audiovisual,
Programação, Publicidade e Propaganda, dentre outras que não nos veem à mente. Estas são
as áreas mais próximas que pudemos mapear. São estas atuações que designers acabam
exercendo mesmo sem um diploma específico. Podemos perceber que são conhecimentos e
empregabilidades totalmente distintas, mas ainda assim podemos encontrar pontos em
comum: a construção de um sistema ou máquina, que pode se manter ao mesmo tempo que
pode se reproduzir. De fato, talvez uma característica fundamental da profissão do designer seja
a produção de subjetividades? Propomos uma análise criteriosa deste aspecto do projeto como
capacidade sistêmica, que se dedica a analisar sua organização, aumentando sua complexidade
e por consequência todos os parâmetros sistêmicos.
Quando o design se coloca enquanto palavra, podemos trazer como substantivo: pode se
referir ao objeto de atuação de um designer, ao mesmo tempo que define uma área que
denomina estes profissionais de designers; designa o produto de processos em design, por
exemplo quando se refere a um objeto com a expressão ‘isso é design’; ainda, e de forma muito
importante, é engraçado que o substantivo seja mais assemelhado a uma ação do que de fato
uma coisa. Design é substantivo abstrato e por tal não comporta designações sensíveis a não
ser para produções de designers ou de processos em design. Logo, toda vez que pensarmos
enquanto substantivo, estaremos remetendo a um objeto abstrato que não sabemos designar
ao certo, por isso talvez a grande miríade de expressões – e que fique claro que isto não é uma
crítica – que remetem inevitavelmente a uma práxis criativa. Não a do design, mas do designer.
Colocamos enquanto adjetivo, mas não queremos falar sobre sua forma, mas sim sua função,
portanto podemos classificar enquanto predicativo38: esta é uma poltrona com design; estes
óculos têm design. Parece objeto se você considerar como receptivo de algo; mas sua função na
frase é meramente atuar como valor: ‘isso tem design, olha como é legal!’ Por mais que nos
esforcemos para ampliar os usos da palavra, ainda a colocamos morfologicamente enquanto
substantivo. E se sua morphos_forma for abstrata, as coisas crescem em complexidade39. Cria-
se uma dependência, para que alguém seja vetor da ação do design: o designer; ou ainda que o
design se instaura enquanto qualidade do objeto fruto de um processo em design. Ainda bem
que existe uma análise sintática para definir as dinamicidades das palavras. E nesta função de
predicativo, design incorpora uma noção de qualidade. Ora, nos referimos a um selo de
por excelência, o CsO opõe-se mais ao organismo que instaura um território, do que aos órgãos que o compõem.
37 Deleuze G. O que é o ato de criação. 1999. Aqui podemos assimilar ao conceito de sistemas funcionais.
38 Termo que atribui uma qualidade ao sujeito ou objeto por meio de um verbo.
39 Isto implica que o conteúdo não se tornará claro sem antes a criação de um signo.
qualidade, a uma garantia de processo pelo qual o produto passou. E temos que salientar que
tudo isto é fruto de uma livre interpretação de uma palavra estrangeira. Não poderíamos ter
pedido material mais inconsistente nem em nossos sonhos: tentaremos trazer certa ordem para
esta miríade de aplicações vernaculares.
Tomemos este curto parágrafo para discorrer sobre a língua inglesa: o seu significado
traduzido se faz pela palavra projeto. É fenomenal que possuam um verbo, para de fato
caracterizar uma ação; pois se no português apenas nomeamos como substantivo abstrato, é
intrigante pensar uma profissão pautada nestes moldes. Por isto que design se assemelha
deveras com a engenharia ou com a arquitetura: são profissões que o verbo do fazer é projetar.
E bom, traduzimos design para projeto, em todos os casos. Convém pensarmos que na língua
inglesa, design pode assumir um verbo bitransitivo: direto e indireto. Dessa forma, se projeta
algo ou para algo ou alguém. Não se pode projetar sem alvos ou finalidades – e isto nos gerou
diversas dúvidas, pois não se pode projetar algo indeterminado, e isto evoca uma afinidade
muito grande com alguma finalidade. Ao ponto de podermos afirmar que não existe design sem
propósito: todo projeto surge sob determinadas condições de existência ou funcionalidades
especificas a serem instauradas. O único design sem propósito que conhecemos é o da natureza divina.
Podemos tomar como um curso, seja técnico, tecnológico ou bacharelado. Intrigante pois
não encontramos cursos de licenciatura em design. Nem no Brasil nem em Portugal. Isso implica
um reconhecimento técnico e pragmático da profissão, escoando toda a produção filosófica e
científica para os mestres e doutores, professores de universidades. E por mais que possuam
diretrizes do MEC – que no caso são deveras abertas, possibilitando cursos totalmente
diferentes uns dos outros –, há uma total inconsistência das disciplinas oferecidas, áreas
abordadas como foco do curso, ou metodologias de ensino ou de avaliação. Tudo isso ainda é
muito vago se se procura uma unidade maior. Isto nos gera o questionamento: qual é a
propriedade comum entre todos eles? Será aquilo descrito e exigido pelo MEC, ou existe alguma
forma de expressão que fuja a isso? Ou antes, se formos pensar na histórico das diretrizes, quem
as criou, com qual mentalidade e universo conceitual?
Enquanto título, ele pode ser conferido aos profissionais, designers, que terão então
privilégios na procura de vagas de trabalho. Desta forma, antes de ser um título, ele define um
conjunto de características que uma pessoa deverá ter para se compreender neste espectro
humano de atuação. Porém a descrição de um designer pode muito bem se aplicar a muitas
outras áreas. E são nessas similaridades que geralmente se pede um designer com afinidade em
tal técnica, ferramenta ou atuação. Há necessidade de se especificar além do título as
características de um profissional desta atuação multifacetada. Porém, esta designação pode
ser borrada por demais: arquitetos, publicitários, fotógrafos, engenheiros, dependendo das
especificações, podem adentrar esta categoria pela função. Isto evidencia mais uma vez a
ausência de quaisquer entendimentos convencionados para uma profissão criativa nestes
moldes.
40 Novamente: o simulacro pode ser entendido como uma máscara, um símbolo complexo que se propõe
enquanto realidade, apesar de não ter nenhuma semelhança ou parentesco ou presença real. O simulacro se torna
um símbolo que oculta que não corresponde ao real, muito embora possa ser sentido enquanto hiper-real: mais
verdadeiro e mais desejante que a própria realidade. Baudrillard admite pensar que toda nossa interação com o real
agora é mediatizada por estes símbolos e simulacros que escondem a real aparência das coisas.
salientar a construção ideal que envolve a palavra design enquanto peça que agrega valor a um
objeto. E desta vez não falamos do uso, mas da constituição. Este simulacro trará consigo uma
nova máscara para o produto. Podemos citar similares: selo de ecologicamente correto, livre
de trabalho escravo, vegano, orgânico. Todos estes rótulos são simulacros que escondem que
não importa de fato se o produto é o que esse símbolo lhe confere, mas sim que ele aparenta
ser e isso basta. O simulacro do design entra em ação para conferir um status de elitismo, de
sofisticação: propõe-se um projeto – como se todos os produtos não o tivessem – e que este
processo projetual garantirá uma qualidade superior ao produto. O que é apenas uma falácia.
Existem processos não-projetuais que obtém muito mais êxito – vide os sistemas naturais que
se adaptaram ao longo dos anos e que superam qualquer complexidade humana conhecida; e
não existe propósito nas ações do acaso.
E por fim, uma área do saber, e é neste ponto que concentraremos nossos esforços:
significa que existe um corpo conceitual que compõe um espectro de conhecimentos aplicáveis
à essa área. E que se pode delimitar até certo ponto se um tipo de conhecimento pertence ao
design ou não – ao que demonstraremos, depende do tipo de relação do conhecimento com o
conceito de design. Talvez seja isso que nos encante em tentar a todo custo não limitar qualquer
maneira de expressão ou de atuação do design, a fim apenas de mapear as diversas expressões
e pensar como extrair qualquer significação desta trama complexa. O design se mostra como
uma atuação sem território, que se constitui somente nas ligaduras entre uma coisa e outra.
O design capacita o designer a atuar por sobre quaisquer territórios que entrar em contato.
Enfim, e conglomerando conhecimentos diversos sob uma ótica híbrida, podemos entender que
existe alguma forma de pensar Design que se manifesta aos nossos sentidos em padrões, e que
por isso cria-se a necessidade de nomear este espectro de fenômenos que se repete nas
diferentes manifestações de profissionais intitulados enquanto designers.
É assim que pretendemos enunciar um corpo conceitual pleno para o que podemos
conhecer enquanto design. E não de forma científica: tentaremos trazer toda e qualquer ideia
ou conceito que possa se relacionar. E não nomearemos todas, mas daremos a entender quais
são as linhas de fuga que se escapam pelo território que vemos para o design, quais são as
formas de um designer se tornar transdisciplinar e como isso será essencial para liberar um
grande potencial de atuação. Através do mesmo método projetual, pretenderemos traçar como
podemos pensar em linhas de pensamento em design.
De certo, entender que será um território é de certa forma complexo, por levar em
consideração fatores essenciais à extensão do conceito. Para tal, precisamos primeiro
intensificá-lo para depois extensificá-lo. E isso envolve o que já mencionamos como a dobra do
conceito sobre ele mesmo. Numa duplicação, sobrepomos intensamente um território sobre o
outro e assim podemos examinar todas as identidades que se situam em seu interior. E para tal,
empregamos três variáveis que condicionam a existência de um sistema, de forma que nossa
análise inicial se dará por estes tópicos: permanência, ambiente e autonomia. Por mais que
acabem parecendo deveras generalistas, asseguramos que cumprem um propósito maior de
resgate das estruturas essenciais e nuas do que consideramos design. Tivemos que partir para
o mais simples possível para eliminar quaisquer ruídos.
Permanência
A permanência sistêmica parece ser o parâmetro que governa os processos
evolutivos: na tentativa de permanecer, sistemas abertos permanentemente
sujeitos à crise reestruturam-se e reorganizam-se, adaptam-se e atingem
metaestabilidade, abandonando-a sob novas crises e cumprem uma
transformação no tempo, onde um parâmetro não conservado chama a atenção:
a complexidade. Na tentativa de permanecer, sistemas abertos encontram como
solução crescer em complexidade, o que parece ser o caminho seguido pelos
sistemas vivos e, notadamente, pelo ser humano.41
Isto significa pensar que o território do design deve ser estável, ou ainda, metaestável (um
estado estável diferentemente do equilíbrio). É surreal e utópico pensar que o design encontrará
um estado de equilíbrio pleno, pois estará sempre se alterando e se adaptando. Entender que
o conceito de design deve ser adaptativo define que o sistema deve ser aberto. Reatividade
implica necessariamente em abertura para diferenças. Assim, não poderemos estabelecer
muros ou paredes para dizer se algo é design ou não. Considerando o sistema de relações
(conectividade), o design deverá se adaptar a ter propriedades partilhadas com os outros
conjuntos, das partes dos outros sistemas, sejam eles maiores ou menores em complexidade.
Em termos pragmáticos isso significa que, de fato, nunca encontraremos uma definição
definitiva do design, mas se buscarmos verbetes, teremos estados ao longo de uma série
temporal. Implica, em última instância, que o conceito de design não pode resistir às
atualizações que se darão ao longo de sua permanência no imaginário coletivo. Acompanha
as tecnologias, movimentos estéticos, filosóficos e culturais, sociais.
Ambiente
(ILMAGEM DA RELAÇÃO DO SISTEMA COM O AMBIENTE EXTERNO – LIMITE DO EU)
Autonomia
A autopoiese restringe-se à realidade interna, mas depende da externa. A grande
conectividade estabelecida entre o Universo como um todo e todos os seus
43 Embora encontremos adaptações, mutações, portanto, em certas espécies que se desenvolveram em torno
de determinada funcionalidade que consiga contornar alguma adversidade do ambiente, mas não existe a intenção.
44 Sendo elas o homem/sujeito, a sociedade/cultura e o meio ambiente/natureza. (Guattari, 1990)
45 Vieira, 2015. p. 51.
subsistemas é uma Termodinâmica Global, que lembra aquela de sistemas
abertos, gerida pela expansão do Universo em evolução, criando a dependência.
Para compreender bem o mecanismo autopoiético, necessitamos estudar essa
dependência.46 (grifo nosso)
Arrastando para o Design, podemos pensar nele como capaz de, em seus fluxos
imanentes, se renovar, proporcionar a criação de novas possibilidades, entender a
multiplicidade do design em suas mutações internas. E isso se amplifica se considerarmos o
território do design como amplo ou território de ligadura: se estiver ao redor de todos os
territórios ao mesmo tempo, é apenas provável que o design vá adquirir autonomia suficiente
para conseguir se alavancar enquanto atuação complexa, ato de criação sistêmica. É
importantíssimo esta etapa de conceituação do design pois se não considerarmos que os
designers dentro de seu território inovam em suas atividades, na recombinação de fatores
imanentes ao que conhecemos como design, caímos na falácia de achar que o design sempre
dependerá de outras áreas para existir. Nosso foco é exatamente no fato de que o design não
precisa de nenhum dos territórios pois é fator de conectividade por excelência: opera uma
organização do caos, unindo outras áreas, mas que uma vez que está adjacente, não depende
ontologicamente deles.
Queremos dizer com isso que o território do design existirá enquanto houver linhas de
fuga. Podemos entender que, antes, o que pretendemos com este estudo é ultrapassar o
território do design – uma vez ele estando instaurado – em direção a seu CsO. Isto significa dizer
que nossa proposta não é a de definir, de uma vez por todas o que é design. Pretendemos
apenas denotar quais são estas linhas de fuga, para onde os territórios do design poderão ir. E
bom, se queremos salientar seu CsO, é porque ele é anterior ao seu corpo. E que você constitua
seus órgãos, suas máquinas. De certo, Artaud nos deu clareza quando disse que ele se opõe
mais ao organismo que aos órgãos que o compõem; e todo este jogo de palavras quer dizer
apenas uma coisa: queremos permanecer o design em estado aberto. Ora, se constituir um
território significa dizer como o design é – e não queremos isso –, partimos então para uma
conceituação abstrata – sem perder a objetividade do discurso, pois ao se fazer ciência se
necessita de um objeto de estudo – e que em última instância este livro seja plataforma para
que você tenha a capacidade de agenciar os fluxos que quiseres para com o design. E verás que
não defenderemos um uso ou um espaço para o design, mas sim uma conjunção plural, uma
O acaso nunca poderá ser definido em um estado, somente em continuum, pois ele não
se dá de forma ordenada, conhecida, cognoscível ou interpretável. Apenas acontece, ou melhor,
há de acontecer. Acaso, destino, inevitável, são todos pertencentes ao mesmo território do
possível. Se encararmos o acaso enquanto indeterminação, significa que ele nunca será
determinado. E de fato, ele não é possível de ser cristalizado no tempo enquanto série temporal.
Da mesma forma se dissermos que ele é determinação possível e futura, evocamos o mesmo
significado, mas o jogo das palavras revela algo surpreendente: o futuro. Se conseguimos pensar
em acaso, é porque conseguimos pensar numa sucessão dos instantes e conseguimos uma
complexidade tal de pensamento que nos possibilita atingir uma projeção futura dos
acontecimentos, muito embora em constante estado de indeterminação: virtual, possível;
multiplicidade. O acaso se mostra como um conceito que diz respeito à complexidade,
admitindo-a enquanto indeterminada, ou seja, é apenas a crença possível de que as coisas
acontecerão e não poderemos prever ou antever, pois os sistemas se interdeterminam
mutuamente, tornando o turbilhão caótico de acontecimentos indecifrável em léxico humano.
Temos agora uma conjunção de fatores que nos apontam para uma curiosidade: poucos
percebem a importância do conceito de virtual, possível, devir, multiplicidade. Ora, todos eles
brincam tanto com o espaço quanto com o tempo. Se eles assim o são, é porque seus
formuladores e defensores souberam muito bem não os situar no tempo ou no espaço. Partimos
de um plano infinito, de velocidades infinitas, de tempo infinito.
Oras, isso faz todo o sentido se partimos de uma filosofia complexa que, antes de evocar
uma imagem atual, evoca uma imagem abstrata nas mentes reagentes aos conceitos.
Reconhecemos sistemas abertos e o conceito de reagir. Como podemos reagir a uma
indeterminação perpétua que chega para nós a todos os instantes, sem dar aviso prévio de sua
chegada? Como preparar uma estalagem para convidados que não avisam quando chegam?
Deixando um quarto arrumado à espera. É aí que podemos constituir um fator, não de
previsibilidade, nem de preparo; evocamos um conceito deveras complexo: abertura. Oras, já
divagamos sobre ela, não? De fato, mas agora evocamos outra faceta deste termo, muito porque
relacionamos os três parâmetros existenciais dos sistemas: permanência, ambiente e
autonomia. Se podemos definir um fator análogo à complexidade, este é abertura. Significa
estar aberto ao que vier, dentro de um espectro de possível que as estruturas temporais e o
espaço físico capacitem. A abertura de um sistema significa que será estabelecido um molde,
um formato que pode ser adequado ou adequante. Se eu preparar um quarto com 3 camas, e
chegarem 4 convidados, oras, não poderemos recebe-los senão com a condição de nos propor
a incompletude: falsa abertura.
Ser aberto significa ser reagente. Ser reagente significa se adaptar para permanecer e
possuir autonomia de auto modificação (autopoiese), a ponto de capacitar todo e qualquer tipo
de hóspede – dentro dos limites dos possíveis. Podemos relacionar ao hotel de infinitos quartos
que recebe infinitos hóspedes e todas as consequentes projeções deste paradoxo47. Este hotel,
na condição de aliado ao limite do todo, capacita de fato todo e qualquer hóspede; muito porque
não entramos na qualidade dos quartos nem na organização deles, falamos apenas de
estruturas. E se pensarmos numa estalagem de apenas alguns quartos, cujo dono não recebe
infinitos convidados, o problema se torna complexo em demasia, muito porque estamos
condicionados a uma finitude, e também porque estamos condicionados a uma reação a algum
fenômeno deveras específico, originado da complexidade ou do acaso. Neste caso, podemos
estabelecer o que poderia ser feito: reconhecer o universo próximo da estalagem, e qual a
capacidade máxima do espaço (o limite dos possíveis48). Não há necessidade de estabelecer um
espectro numérico de quantos convidados podem chegar, pois ele será de 0 ao limite espacial.
A partir do momento que o número não importa, é a intensidade da noite que eles vão ficar na
estalagem que faz a diferença.
Isso significa abrir para uma festa, fazendo com que os convidados não durmam; construir
tendas desmontáveis fora da casa para que lá possam repousar e que se desmontem no dia
seguinte; promover uma festa do pijama e colocar colchões no chão. Parecem hipóteses
absurdas, mas é porque de fato são. Mas nem por isso menos válidas. Se estamos lidando com
possibilidades finitas, mas em altíssimo número, deveras complexo, temos que estabelecer os
limites deste universo finito – para depois expandí-lo –, e assim constituir um território que
funcione; um subsistema funcional de recepção aos hóspedes, ou ainda, sistema hipotético que
47 https://www.youtube.com/watch?v=Uj3_KqkI9Zo
48 Quando nos referimos ao ‘limite dos possíveis’ estaremos falando que mesmo numa situação hipotética
não podemos jogar os dados ao limite. Há de se entender que trabalhamos com uma finitude compreendida pelas
variáveis de espaço e tempo e tudo o que se capacite entre eles. Estaremos falando num conceito de abertura que
permita que o espaço capacite o número máximo, ou seja, máxima eficiência. Se haver necessidade de um
crescimento, haverá necessidade de uma reforma, reorganização, ampliação do espaço, construção de anexos.
é capaz de agenciar mutações internas para receber uma quantidade determinada de hóspedes.
Por fim, isto tudo significa que se formos tratar de complexidade e indeterminação do acaso,
nossa única opção é reagir aos fenômenos de forma mais ampla possível. Não é precavendo,
mas adaptando de acordo com o input. E reconhecendo os inputs anteriores, projetar qual é a
melhor organização para determinada finalidade. Por isso que tentaremos dissociar projetos
fechados de previsibilidade e projetos abertos de adaptabilidade. Defenderemos que há de se
ter trocas entre o sistema em questão e outros. Assim, se chegarem qualquer número de
hóspedes, as camas de todos os quartos mudam de lugar, sofás viram sofás-camas, beliches
surgem dos guarda-roupas, e de repente uma casa em que cabiam dois num quarto, cabem dez.
É uma desconstrução e reconstrução do sistema que tentaremos evocar:
O mundo só se constitui com a condição de ser habitado por um ponto umbilical
de desconstrução, de destotalização e de desterritorialização, a partir da qual se
encarna uma posicionalidade subjetiva. Sob o efeito de um tal foco de caosmose,
o conjunto dos termos diferenciais, das oposições distintivas, dos polos de
discursividade é objeto de uma conectividade generalizada, de uma mutabilidade
indiferente, de uma desqualificação sistemática.49
Elencando tantos pontos quanto fizemos, podemos trazer o eixo central que compreende
todos os conceitos e propostas apresentadas acima: o designer tem a necessidade de
reconhecer e operar pela complexidade; o designer deve saber decompor estruturas e
remontá-las; o designer deve saber conglomerar ideias em sua mente para operar as
conectividades entre os sistemas e partes. Enfim, o eixo central do Design será seu processo
cognitivo – ampliado pelo seu Umwelt, mas ainda assim dependendo do potencial que o
designer tem em seus pensamentos de conhecer e operar estes conhecimentos. Não ignoramos
as máquinas técnicas, mas as conceituais e projetivas superam em nível de complexidade.
E não seria isto uma atividade e necessidade a todos os homens e mulheres? Embora seja
atividade do designer entender a complexidade e saber lidar com ela em seu dia-a-dia, não
estamos todos imersos nesta mesma complexidade? O que pudemos supor é que socialmente
se construiu uma mescla entre a inovação do inventor do século XIX, com um artista de exímio
senso estético, com um cientista que analisa organizações, conhece e opera conexões entre
estes saberes; e por fim atribuiu-se a esta conjunção de diversas esferas do conhecimento
humano a atividade do designer. Logicamente, não sabemos justificar isso, então fica apenas
como direcionamento.
Partiremos então do pensar, para depois o que é pensar em design, para então desenrolar
todos os meios-campos que surgirem. Recomendamos que você sente, relaxe, e deixe seus olhos
te guiarem. Não se prenda ao que seu cérebro faz sentido imediato ou não. Nossa missão não é
que você entenda todas as palavras, todos os sentidos e todos os fatos que escreveremos, mas
sim que você entenda o que você conseguir, numa leitura, duas, três, não importa. Este material
existe e se você quiser consultá-lo, sinta-se livre para fazê-lo na medida que lhe for interessante.
Não ignore seus desejos.
Você já deve ter se questionado em algum momento se é possível pensar sobre o pensar.
Significa fazer ciência do próprio aparato da ciência: nossa consciência. De certo não poderemos
fazer regra geral e dizer como se dão os pensamentos, suas dimensões, seus parâmetros,
especificidades. Nosso foco será em estabelecer uma visão geral sobre o que entra no conceito
de pensar, para então progredir a um ponto mais específico: o pensar design.
Pense em pensar
Podemos estabelecer certos territórios existenciais do pensar, sendo eles:
1Podemos definir máquina como sendo todo aquele sistema capaz de agenciar um processo, de produzir
movimento, ação.
do sujeito sem romper sua continuidade, ela compreende todas as diferenças do
sujeito ao longo do tempo;
d) Máquinas acopladas: serão todas as máquinas – sociais, simulacros, capitalistas,
científicas, literárias, publicitárias – que entraram em contato com a máquina
abstrata, território original do sujeito. Estas máquinas possuem fluxos próprios e
se agenciam, interferindo nos fluxos internos da máquina abstrata ou até mesmo
cortando fluxos – máquina de guerra, agônica. Difícil relacionar a grandeza entre
a máquina subjetiva e as alteridades, mas a primeira sempre será anterior quando
falamos de sujeito ou subjetivo. Estas máquinas-alteridades serão todos os
sistemas que incorporamos em nosso Umwelt, de forma que eles nos constituirão
também. São as línguas que falamos, os conceitos que aprendemos, as técnicas
que sabemos executar, ferramentas das quais nos dispomos;
e) Corpo sem Órgãos: por fim, este se constitui como sendo a conjunção complexa
de todos estes fatores acima. Ele sistematiza a máquina abstrata, sob figura
central que compreenderá os agenciamentos dos fluxos vitais; fluxos do desejo e
o desejo em si; todas as possíveis variações, diferençações do sujeito com ele
mesmo ao longo do tempo; as diferenciações com todas as máquinas que se
acoplam. O CsO será então similar ao conceito de Umwelt, este universo
particular e virtual do qual fazemos uso, que devido à complexidade de nossa
relação com o mundo e em sociedade, foram se desenvolvendo. Ainda, por
compreender os desejos, o CsO não se situa no tempo de forma alguma. Ele é
totalmente impermanente, linhas de fuga e desterritorialização plena. O CsO seria
a definição nua de quem somos, o que fazemos e como somos no movimento das
diferenças ao longo do tempo, o continuum. É a síntese ontológica do ser em
movimento, talvez sua velocidade?
Aonde queremos chegar com tudo isso? Não definimos de fato o que é pensar sobre
pensar, mas demos todas as estruturas para você fazê-lo. Permita-nos indicar o caminho:
podemos definir de fato o que é pensar? Sem generalizá-lo e engessá-lo? Cremos que não.
Portanto, pensamos em movimentar o conceito e dizer como ele anda, dizer como ele não
permanece para que, se não entender o conceito, entender os fluxos. Assim, tentamos definir
alguns territórios essenciais do sujeito que pensa. Podemos resgatar que o conhecimento é
íntimo da língua. Dificilmente podemos formulá-lo de forma complexa sem o auxílio desta
máquina linguística, incorporada em nosso Umwelt há algum tempo. De tal forma, podemos
assumir que todo o conhecimento complexo, ou seja, que perpassa o natural, reside e se aloja
nas palavras e nossa interpretação delas – logicamente que não apenas nas palavras, existem
toda uma gama de aspectos como forma, estrutura, etc; aspectos sistêmicos que configuram o
universo complexo e permite o desenvolvimento de um raciocínio complexo. E muito além, o
conhecimento reside nas convenções que permitem uma experiência intersubjetiva na forma
da linguagem: um discurso complexo e virtual de entendimento mútuo.
Assim, a linguagem que usamos para nos comunicar deve ser adequada para possibilitar
a existência plena do conceito. Bom, se pensamos pela língua, vamos analisá-la brevemente.
Temos as representações designadas e os signos que os correspondem. De tal forma que
brincamos em nossas mentes com estes conceitos, operando ligações, reconexões, derivações,
análises, dobras da linguagem, metaconceitualização. Esta relação das palavras tem um nome:
semiose, ou ação dos signos em um ciclo interpretativo. Podemos evocar novamente os
conceitos de Deleuze e Guattari para explicar com outras palavras.
A máquina abstrata é o fluxo existencial, é o sujeito da linguagem, aquele que liga o
verbo aos objetos e auxiliares e determina o significado. É quem movimenta a leitura e dá a
continuação de uma palavra à outra – nós que as escrevemos e vocês que as leem. O ser se
movimenta pelos desejos, eterno devir-algo, agenciando linhas de fuga, causando perturbações
e retroações do resto do sistema para atingir uma metaestabilidade. E se podemos movimentar
as palavras, conseguimos articular discursos, e com ele conseguimos nos referir às coisas
inexistentes materialmente, ao passado e ao futuro. Então de certo temos uma gama de
possibilidades para agenciar os mais diversos fluxos abstratos, e que são estes que constituem
toda a virtualidade conhecida, tanto seu conceito quanto atualização, e ainda, que garante a
permanência do sujeito no sistema de convenções imaginárias: trama de simulacros. E pelo ato
de conhecer, incorporamos conceitos, máquinas funcionais para facilitar pensamentos, algo
como um método; novos territórios existenciais de conceitos. Dispomos de uma miríade de
virtualidades que constituem tudo o que conseguimos conhecer e fazer funcionar. E toda essa
totalidade de estados, possibilidades e fluxos constitui a unidade impermanente do ser que
pensa, age e afeta.
Neste ponto, categorizamos o pensar como apenas um dos fluxos possíveis que se
atualiza pela máquina abstrata. Contudo, é claro que o pensar se posiciona antes pelo seu
caráter estritamente virtual: toda ação, consciente ou não, deriva de impulsos elétricos no
cérebro, sinapses. Ele lida com possibilidades e estados simultâneos, compreende tramas
rizomáticas dos pensamentos em sua interrelação de conceitos. Bom, cabe escavar mais sobre
o que se define por fluxo: ele remete quase que somente à continuidade temporal. Sua função
é deixar claro que qualquer processo decorre no tempo, e que por tal na sequência de fluxos,
nas diferentes durações, o ser se modifica e continua. Se podemos pensar numa equivalência
entre fluxo e movimento, cabe pensar em como o ser se relaciona com a realidade na qual está
inserido, para pensar em como se movimenta. E isso é interessante.
Voltando às bases da teoria geral dos sistemas, e se pensarmos no CsO como um sistema
aberto, o sujeito como um sistema coeso, podemos pensar nas formas de relação: internas e
externas. As externas são regidas por uma grande regra: a coerência; e as internas por outra:
coesão. As relações externas acontecem por um sistema que apreende as “perturbações,
quando por um dos nossos critérios de observação, são percebidas como unitárias, são os
eventos, que em cadeia geram processos. E estes, quando percebidos por um determinado
sujeito, são os fenômenos. Ou seja, se o sujeito é afastado desse cenário, o fenômeno deixa de
existir, embora o processo prossiga em existência”2. Se formos tomar que estes eventos, ou
acontecimentos, são percebidos pelo sensível, devemos estabelecer como recebemos estes
inputs, e como os processamos. Trazendo a semiótica à ação, podemos entender que estes
fenômenos são repletos de signos, e que interpretamos signos através de uma linguagem.
Apreendemos os fenômenos através desta interpretação complexa dos signos perceptíveis e
manifestados de alguma forma que algum de nossos sentidos perceba, e codificamos eles
através de uma linguagem. Interessante pensar que podemos interpretar fenômenos pela
experiência, mas também podemos interpretar processos por sua descrição: estado descrito,
momento da série temporal tido como objeto de estudo, ou ainda a condição de sua
movimentação para fator de previsibilidade. Aqui reside o grande trunfo do virtual como fator
de projeção futura de acontecimentos, ou então podemos pensar em acontecimentos virtuais?
Bom, se pensar por si já é articular dois conceitos e produzir subprodutos nos meios, cabe
refletir em que ponto um pensamento no design se difere disso. E isso tange exatamente no
processo de início da percepção dos eventos, na dilaceração das estruturas em detrimento da
qualidade das partes. Queremos defender que existem meios pelos quais um pensamento em
design se configura como um pensamento deveras sistêmico. Por tal que abordamos e
continuaremos abordando a teoria dos sistemas como uma grande guia para nossa tese.
Bom, partiremos para uma análise quase pontual, identificando os territórios principais
que fazem fronteira com o designer. Nossa atuação pode ser considerada: artística,
comunicativa, criativa, cultural, humanística, lógica e sistêmica:
Artística: pois lida com temas subjetivos e próximos de um exercício artístico. Podemos
entender isso pelo conceito de ato de criação: o artista e o designer operam fluxos parecidos,
mas o processo de criação é diferente, pois o universo complexo que torna possível um e outro
são diferentes. De uma forma pragmática, são as intenções que mudam. Não sabemos dizer ao
certo como se configura esta diferenciação, mas nossos pensamentos apontam para uma
finalidade implícita na criação do designer e uma abertura significativa da obra de arte. Durante
o processo do artista, o foco é nas múltiplas interpretações, jogos de signos, subversões
simbólicas e conceituais; já o designer tem como foco um aspecto mais estrito e menos
subversivo em suas articulações. Talvez uma diferenciação do processo projetual de um e outro?
Desta forma, a dimensão artística da atuação confere um quesito subjetivo, lidando com
emoções, sentimentos, provocações. Trazemos a esfera estética das artes para o design;
Criativa: voltamos ao ato de criação. Desta vez, trazemos algo diferente: o caráter
inovador do projeto do designer. Temos em conta diversos discursos sobre inovação, sobre
criatividade, sobre novidade e como fazer uso dela. Temos este parâmetro em nosso exercício
e levamos em conta nos processos projetuais. Em contraste com a inovação subversiva e caótica
do artista, o designer confere ordem e organização que tragam consigo novidades. Embora
muitas vezes não saibamos ao certo como trabalhar com isso. Enfim, o processo da criação do
designer leva em conta o que chamamos de criatividade, enquanto capacidade de criar coisas
novas. Beccari já nos deixou óbvio que todo criar jamais será ex-nihilo, no sentido de sempre
recombinarmos o velho convencionado. Assim, evocamos nossa dimensão criativa: em nossas
articulações, somos compelidos a sempre trazer uma novidade, e por isso buscamos nos mais
diferentes cantos o que chamamos de inspiração, ou o que nós entendemos enquanto linhas de
fuga. Buscando então a criatividade enquanto um aspecto evolutivo do imaginário – evocamos
aqui o darwinismo universal para sistemas complexos – e nos deparamos com uma proposta
deveras curiosa: o aspecto criativo do designer se dá de forma a aumentar a complexidade do
imaginário humano. Os trabalhos criativos, desenvolvidos por designers, artistas, enfim; todos
eles servem para propor recombinações, atualizando combinações virtuais, que abrem para
uma nova miríade de existências possíveis. Assim, criar significa expandir o território do saber
humano, significa se rebelar contra a estrutura para subverter as relações. No caso do artista,
advém da provocação e resistência, no caso do designer, da promessa positivista e progressista
da otimização dos sistemas. É por isso que não são a mesma coisa embora ambas criativas;
Cultural: como já dissemos, não possuímos muito apreço pela cultura. Isto porque ela
impede que a mudança se instaure. Sempre exerce um contra-fluxo diferencial. Mas enfim;
estamos situados numa sociedade, a ecologia do socius, e inevitavelmente precisamos entender
estas convenções para podermos inserir objetos coerentes no universo social. Isto remete
também ao caráter de responsabilidade do designer para com suas obras. Enxergar as
convenções e analisá-las, a fim de considera-las no projeto do objeto, é um exercício essencial
para qualquer designer. Isto simplesmente revela que nós também estamos inseridos na
indústria cultural, e cabe a nós sabermos lidar com isso. Se lidamos com convenções, temos a
possibilidade de criar novas. Aí evocamos novamente um discurso de Guattari, ao tratar das 3
ecologias, evocando um senso coletivo do profissional criativo para com a criação de
subjetividades, e não imposição das mesmas. O designer deve considerar este aspecto como a
permanência da estrutura de uma sociedade: tudo que é cultural tem como missão ser passado
como tradição. De certo, o design não pode ignorar friamente estas forças de permanência.
Trabalhar numa esfera cultural significa acima de tudo respeitar e dosar com parcimônia o
aspecto subversivo do ato de criação;
Sistêmica: por fim, o design tem caráter sistêmico a partir do momento que não existe
sem os 6 modelos elencados acima, ou os muitos outros que nem temos a capacidade de citar.
Ele se torna relacional, pois não possui, em senso estrito, uma verdade sobre o que pode ou não
pode. Sempre que se for tratar de design, há de se pensar no contexto complexo de todo o
universo designado para o projeto, todas as relações entre as partes, os aspectos subjetivos de
quem projeta, enfim. Não se pode pensar um projeto de design sem se considerar o aspecto
sistêmico de alta complexidade que opera qualquer tipo de conexão entre os conceitos,
técnicas, meios, subjetividades, contextos, etc. De certa forma, podemos considerar toda
resultante de um projeto como um sistema: sistema de signos visuais, sistema coeso de
diferentes materiais, um sistema de códigos escritos num PC, enfim. O mero fato de implicarmos
objetos que permanecem, significa que criamos um sistema, mas deveras simples. Falta ainda
torná-los reagentes e autônomos.
Hipóteses em Design
De certa forma, podemos resumir todo o espectro conceitual e cognitivo de um processo
em design como sendo a elaboração de uma hipótese, da mesma forma que um cientista o faria.
A questão que se sucede é a do ato de criação e quais as formas para ele emergir. O que
queremos dizer com hipótese em design? Tentaremos definir duas estruturas diferentes: a
hipótese e a tese. A hipótese é o momento primordial de concepção da ideia, ela configura o
que será, como será, quais são as necessidades, desejos, ou quaisquer outros fatores a serem
considerados: malha complexa e virtual. A tese, por outro lado, é o movimento de coesão
extrema e coerência suficiente, o que significa que a hipótese adquire forma, função e modo de
ser: estrutura complexa e atual.
A tese deixaremos para quando formos falar de processos. Se preferir uma terminologia
mais aceitável, falaremos agora sobre o briefing.
Sempre que temos uma ideia, temos uma ideia para algo. Ela é indissociável de sua
estrutura. Assim, “não temos uma ideia em geral. Uma ideia, assim como aquele que tem a ideia,
já está destinada a este ou àquele domínio. Trata-se ou de uma ideia em pintura, ou de uma
ideia em romance, ou de uma ideia em filosofia, ou de uma ideia em ciência”4. Um pouco mais
adiante, “uma ideia é algo bem simples. Não é um conceito, não é filosofia. Mesmo que de toda
ideia se possa tirar, talvez, um conceito”5. A ideia neste prospecto se torna não a consolidação
de um projeto, mas sim seu início. De certo, podemos ter uma ideia em filosofia, mas não
podemos esperar que ela seja mantida em sua integralidade quando transposta para um
universo/domínio do design.
Isto significa que deve existir de fato esse universo, ao qual definimos como o território
do design, sobre o qual estas ideias se sustentam. Seja por um corpo teórico, prático, criativo,
lúdico, lógico, ou a conjunção destes e diversos outros; haverá meios pelos quais uma ideia se
consolida enquanto estrutura, enquanto composta de partes. Tomaremos nossos olhares para
com a forma que isso acontece. Logicamente que partiremos para uma representação abstrata
destes conceitos: imagine um ponto. E que deste ponto parte uma linha. E que esta linha se
encontrará com alguns pontos no meio do caminho, outras horas será impelida a determinado
ponto. E que na sucessão dos instantes, atinge um ponto final. Este caminho conceitual seria a
linearidade da evolução do pensamento, se consolidando desde um ponto inicial, sua
interrelação com outros diversos pontos, as tomadas de caminho, a gravitação de certos pontos
ou ainda a ocasião de encontrar outros até que por fim atinge-se um ponto que acabará com o
fluxo. E esta estrutura linear se ergue do solo e se monta em diversas dimensões. E adquirindo
consistência, constituímos uma ideia estruturada.
O surgimento de uma ideia não é repentino, pois, como tudo, é fruto de um processo.
Cabe apenas retraçar os possíveis caminhos destas linhas numa regressão contínua. De certo,
podemos traçar que o ponto inicial possui uma tremenda complexidade, pois ele será o plano
da máquina abstrata. Ela, em sua imanência, representa todo o seu corpo e sua Umwelt,
incorporando uma multiplicidade em si. O ponto inicial se resume, desta forma, ao estado do
subjetivo no momento gênese: t=0. É, antes que algo, uma condição: o ponto inicial não se
determina até o final, pois ele estará se deslocando junto com a ponta da reta, se alterando a
cada duração e a cada encontro. É a resultante da complexidade subjetiva atualizada que
determinará a composição virtual deste ponto inicial, e que por consequência determinará todo
o caminho a ser traçado ao longo do tempo até a morte do fluxo. Assim, é o repertório do
subjetivo que determinará o estado do ponto, tal que determinada ideia somente poderá
ocorrer sob as condições propicias, pela conjunção de todas as interfaces presentes no Umwelt,
bem como a relação entre elas. Se quisermos traçar causas para as ideias, elas estão nas pessoas
que as têm.
4 DELEUZE, 1999.
5 Ibid.
prévio ao processo criativo. Da mesma forma que o impulso de mexer algum membro é anterior
ao pensamento consciente de mexê-lo. Ele se implica, portanto em uma conjugação de um
estado do subjetivo para que dele se derivem os fluxos que constituam a ideia
A hipótese de um designer se define, portanto, em ter uma ideia. E quando nos referimos
vagamente sobre isso, de certo ninguém entenderá no que consiste ter uma ideia. Se fizermos
um contraste com um filósofo, podemos entender que o designer pode se valer dessa atividade
também: um filósofo formula conceitos, estes, são capazes de agenciar ideias. Oras, de certo
uma ideia advém de um fluxo que interliga diversos pontos. E este processo conceitual pode ser
emulado se entendermos as circunstâncias nas quais uma ideia se forma. E demonstramos que
através de conexões complexas os conceitos se relacionarão a fim de elevar uma estrutura
conceitual, híbrida, a qual chamamos de ideia.
Tendo ideias
Bom, o primeiro apontamento se dá por fornecer as condições para se ter uma ideia. Não
acreditamos que ideias possam ser controladas desde sua gênese. Cremos que se houverem
condições suficientes, podemos supor que surgirão ideias, mas nada além disso. Cabe então um
projeto: como se cria um ambiente ideal para se ter ideias? Isto implica, em primeiro, saber
quais são as condições ideias. E elas se dividem em espaciais, temporais e subjetivas (pelos
menos o que conseguimos pensar). Há de se ter um espaço físico para se fazer; há de se ter
tempo suficiente para se fazer; há de se ter um desejo de se fazer, ao mesmo tempo que as
máquinas necessárias. Tentaremos deixar de ser vagos: não precisamos de salas hiper-
equipadas ou prazos deveras curtos ou longos. Cremos que o prazo para se ter uma ideia há de
ser coerente com sua complexidade. O espaço deve apenas proporcionar métodos de
expressão, extrassomatização.
Quando se trata do desejo, bom, novamente não temos controle sobre ele a não ser
quando consideramos que qualquer ideia será concebida de acordo com um desejo. E há de ser
um corpo teórico e ferramental suficiente para tal. Assim, podemos propor que uma boa ideia
vem para bons idealistas. O que queremos dizer com isso? Que ter ideias é um ato de criação
como qualquer outro. E que podemos pensar em como medir boas ideias: que operem por
complexidades elevadas, mas não por isso sejam complexas; boas ideias são simples, pois se
repassam com facilidade (retro-processo para jogar camadas sobre a complexidade). Quanto
mais complexa for a Umwelt, mais complexas serão as ideias. É apenas inevitável que pessoas
se dediquem para ter boas ideias: elas trabalham nas condições para tal, e não pela ideia em si.
Um designer que possua um repertório vasto, o domínio de diversas ferramentas e linguagens,
com certeza abrirá muito mais possibilidades para que emerjam diversas ideias, ideias
específicas para cada meio de expressão. Seja o processo caótico ou artificial, ter uma ideia
nestas condições é mais provável.
E bom, para tal, tomaremos nosso tempo para definir o que configura de fato uma boa
ideia, ao mesmo tempo que proporemos um esboço de processo ideal. Tentaremos trazer uma
visão abrangente, mas elucidativa, sobre os processos que se escondem da superfície, que
constituem a trama rizomática de uma boa ideia. Abandonemos as falácias: uma ideia, pois ela
só pode ser boa para com algo ou alguém.
Primeiramente, distingamos o que é ter uma ideia do que não é: comunicar uma ideia;
elaborar uma ideia; projetar algo; compor uma música, executar uma ideia, etc; todos estes são
aplicações de ideias, desenvolvimentos. Ter uma ideia é meramente a emergência de uma
complexidade cognitiva. Emergência tal que uma vez tida, se transforma em estrutura ideal – e
este processo pode ser consciente se conhecidas as ferramentas. Se comunicada, assume outra
forma na mente do outro. E nesse processo de ser comunicada, ela passa a existir em mais de
um ser. Logo, adquire permanência, aumenta suas possibilidades de ser transmitida a um outro.
De tal sorte que uma ideia, como diz Deleuze, é coisa rara, “é uma espécie de festa, pouco
corrente”6. Ter uma ideia em suma é resistir ao estado das coisas. Uma ideia é subversiva, ela
desafia, com sua inventividade, qualquer possibilidade de um modo-de-ser convencionado. A
ideia é perigosa, ela exprime uma subjetividade nua e crua.
Ainda assim, não conseguimos nem tatear o que configura ter uma ideia em design. Bom,
esta empreitada é difícil. Ter uma ideia em design é ter uma ideia que só poderia ser tida em um
ambiente de design, em um complexo conceitual vinculado ao design. A ideia surge se houver o
que configure ela enquanto design. De tal sorte que existe uma relação muito forte entre o CsO
do Design e ter uma ideia em design; existem propriedades partilhadas entre um e outro para
que a ideia se configure nesse conjunto. A ideia é o devir enquanto linha de fuga que agencia
um fluxo para fora do CsO do Design, expandindo os territórios. De certo, se pudermos resumir
o fazer do design em uma sentença simples, podemos atribuir isto à diferenciação de uma ideia
em design.
Estamos chegando perto de algo: o quanto ter uma ideia é valioso para o exercício de um
designer? Ora, podemos entender que um designer depende vitalmente de ter ideias para fazer
o que faz. Cabe então dizer, com outras palavras, o que significa essa ideia para um designer: é
produzir uma linha de pensamento A-B, sendo A o ponto existencial do subjetivo e B o ponto
final que encerra a unidade da ideia. Contudo, esta ideia não passa de assimilação, no caso do
designer, entre diversos universos conceituais diferentes. Uma boa ideia reúne diversas
características sob o mesmo pano e produz um sistema coeso e coerente. Ou no caso de uma
otimização, A-A’.
Tratamos que a eficiência em se ter uma ideia vem através de uma reflexão sobre algo, a
partir de algo, e que isso deve ser do design para com o design ele mesmo. Refletir sobre design
é o meio pelo qual os conceitos que compõem seu CsO se relacionem, e que destas relações
derivem as ideias: emergências da complexidade. Oras, assim sendo, nosso processo todo
basicamente se dá pela tentativa de se ter ideias em design sobre design. De tal sorte que
somente um designer pode ter ideias em design, pois, apenas ele terá conhecimento suficiente
para constituir um território e operar fluxos nele. E aqui entenderemos um designer como
alguém imerso no universo conceitual do design.
6 DELEUZE, 1999.
7 DELEUZE, 1999.
Assim, se considerarmos o conteúdo próprio do design como um sistema, e que o produto
das operações que perpassam este sistema toma a forma do projeto, o ato de criação em design
se dá pela ideia projetual, seguida pela organização dos processos, partes, estruturas, enfim;
confere coerência e coesão à peça.
Esta será a premissa básica de um PSE: estruturas rizomáticas de relação. É assim que se
pode adquirir um máximo de coesão. E como se pensa dessa forma? Sempre pensar em algo
maior que reúna todas as partes enquanto um todo: n-1, transformar coerência em coesão pelo
distanciamento do sujeito do sistema. Em termos pragmáticos, isto significa que um conceito
sempre se relacionará a outro, e assim por diante, todos com todos, até que numa disposição
caótica, todas as partes constituam uma grande trama complexa de pensamentos, conceitos,
enfim. Sempre que se considerar um novo conceito, há de relacioná-lo, incorporá-lo à estrutura.
Isso se configura enquanto uma análise diferençal (característica e identidade) do conceito para
em seguida uma análise diferencial (as possíveis relações, propriedades comuns com os outros
elementos). Pensar em rizomas significa sempre ter olhos para o todo, e não para as partes.
Deleuze nos deu essa luz na visão hipermetrope: os que olham de perto não enxergam o todo
do sistema.
Configurando uma estrutura rizomática e complexa, podemos prosseguir então por uma
análise do todo. Observando a totalidade, há de se fazer um recorte (mesmo que ele seja
totalitário), a fim de isolar esta estrutura e delimitá-la como sistema. Primeiramente trabalha-
se a coesão das partes e como se pode otimizar esta estrutura. Em seguida, coloca-se esta
estrutura no ambiente de destino e adapta-a, a fim de obter coerência. De certo, haverá
necessidade de se remodelar a estrutura para que reflita as crescentes necessidades que o
sistema externo impõe. Mas há de se experimentar o sistema projetado, e se experimenta
através de uma simulação. O designer deverá analisar as leis e forças do sistema externo, e
projetar o sistema interno para que corresponda a estas leis. Difícil deixar mais pragmático do
que isso... A proposta é tentar prever as implicações e relações entre os dois sistemas. E isso
significa simular as interações, baseados na análise de ambos os sistemas.
Digamos que tudo isso pode ser resumido por um pensamento em xadrez: existem as
peças e existem o sistema do tabuleiro. Existe um ponto de partida, e a partir disso movem-se a
bel prazer as peças. Jogada após jogada, a complexidade das tramas e possibilidades de relações
entre cada peça cresce e varia, determinando ao mesmo tempo as possibilidades que se
atualizaram, e ao mesmo tempo um jogo limpo que expõe todos os movimentos e organização
das peças, mas que o que falta é a conectividade entre elas, que só se revela sob determinada
ótica atenta. E é exatamente a conectividade que determinará a formação da estrutura,
portanto, território, ideia, conceito. Assim se revela um PSE: análise e construção complexa de
conexões entre as partes que compõem.
De certo, não há tantos segredos sobre o domínio de um pensamento em design. Ele não
tem forma fixa, nem ao menos diretrizes constantes. Ele implica em um olhar abrangente sobre
os diferentes contextos e sistemas. Implica um olhar minucioso, uma visão de mundo
característica, extraindo das partes suas propriedades partilhadas, agrupando-as em conjuntos,
relacionando com outros conjuntos e, por fim, analisando este conjunto de intersecções que se
forma a partir destas sobreposições. Talvez seja aí que possamos traçar um corpo teórico para
um designer, mas não podemos delimitá-lo. Podemos aconselhar que ele deve ser vasto. Ou que
ainda, o design oferece um meio de expressão pessoal como nenhuma outra área oferece: se
cada subjetividade possui diferentes máquinas acopladas, agencia fluxos inteiramente
diferentes uns dos outros, é claro que toda produção em design será única, pois ela congregará
todos os conhecimentos específicos e fará as relações. Cabe ao designer permitir que assuntos
totalmente desconexos entrem nas etapas projetuais – através de suas propriedades partilhadas
– como inspirações, fontes, bases, referências, seja como nomeemos.
Um PSE se configura enquanto um tipo de pensamento que pode ser aplicado a qualquer
enfoque. Se torna um conselho de como analisar estruturas complexas, e o conselho é de
Deleuze: rizomatize, tome uma ótica hipermetrope. Seja múltiplo em sua unicidade, permita
sistemas de pensamento que sejam abertos, que busquem com suas linhas de fuga territórios
exteriores. Pensamentos complexos exigem uma renúncia às classificações. Tudo é unidade,
tudo é único, sistemas diferentes. Reconhece-se estes sistemas a fim de apontar seus signos,
suas diferenças que fazem diferença para enfim unir pelas propriedades partilhadas uma grande
trama única.
Processo projetual
É aqui que alocaremos de fato a dimensão do projeto dentro de um processo em design.
Tentamos situar o que seria um pensar design sem quaisquer amarras. Propusemos um
pensamento livre, mas condicionado pelo ato de criação no universo específico do design, regido
apenas por parâmetros que definem que existem intensidades diversas para o mesmo. E
falamos sobre os processos de introjeção dos fluxos externos e afins. E pensar todos estes
fatores como constituindo um processo do pensamento somente nos fez lembrar das diferentes
fases que um projeto possui, bem como sua ordenação, sua capacidade de organizar a
complexidade em fases, em etapas, momentos. A atividade do designer se mostra como propor
sistemas e entendê-lo em sua integralidade. De qualquer forma, a dimensão do projeto é
deveras complexa se formos analisar suas possíveis constituições.
Desta vez não vamos tentar territorializar o projeto, pois já o fizemos na figura do design.
Trabalharemos com o limite todístico, constituindo linhas de fuga para este território em busca
de seu CsO. Tentaremos trazer o projeto num momento slow down, destacando diferentes fases
de um processo projetual. E para tal estabelecemos alguns momentos para analisarmos, e
evocamos a figura de um metaprojeto para guiar o processo projetual:
11 Traremos aqui um caso de design, mas seria diferente no caso da filosofia: a perturbação pode vir de fora,
mas na maioria das vezes é imanente ao ser. São os momentos de reflexão que acusam perturbações internas, e são
os momentos de percepção que acusam perturbações externas.
floresta e não tiver ninguém para ouvir, ela caiu? Nesta crise ontológica, não há configuração de
fenômeno, apenas de um acontecimento. Aqui poderemos categorizar um problema em design,
ou seja, associamos nossa percepção e análise aos conceitos em nosso repertório e podemos
enfim entender o que era tal perturbação e operar novos fluxos sobre esta ideia formada.
Tomando a ótica inevitável do designer, enxerga-se as estruturas do problema, identificando
pequenas partes e um contexto geral. É aqui que começa qualquer processo em design: quando
aplicamos conceitos e visões de mundo do universo do designer. Reconhecemos um problema
pois enxergamos potencial nas coisas, trabalhamos exatamente com os devires,
reconhecimento de aperfeiçoamentos, redesigns, criação de alguma máquina que supra
determinada necessidade. Reconhecemos que muito além dos fenômenos existe o potencial
destes, e muito além, vemos uma forma através do projeto de tornar estas ideias atuais;
Analisar / Tradução semiótica: é agora que fazemos análises e articulações com outros
conceitos que temos em nossa mente, não para reconhecimento, mas reflexão. Percebe-se qual
é o problema e pensa-se em como solucioná-lo, associando tanto ao repertório de experiências
quanto de conceitos. É aqui que os signos em nossa mente se relacionam com os signos
apreendidos e gera-se uma síntese de sua organização enquanto um problema em busca de
solução. Isto implica em utilizar o design enquanto linguagem, ou seja, tradução dos conceitos
do léxico comum em termos e conceitos específicos ao universo do design – e reconhecendo o
design como uma linguagem –, como estados, métodos, características, mecanismos próprios
deste sistema. Analisa também o sistema exterior ao objeto e o ambiente em que ele será
inserido, promovendo assim um mapeamento de todos os fatores que influenciem ou
perturbem o sistema a ser projetado. Desta vez tomamos foco para quais das possibilidades se
adequam umas às outras, testa-se as possíveis relações entre elas;
Mapeamento
Já evidenciamos que cremos piamente numa capacidade de sentir a realidade complexa,
para apreender o maior número de signos, e uma capacidade de relacioná-los de maneira
exemplar. Assim sendo, teremos nossos olhos para este tipo de olhar do qual falamos, tentando
evidenciar formar práticas e sintéticas de estruturar estas características abstratas. Tomaremos
Tomaremos o artigo de Venturini, intitulado diving on magma, como uma abordagem dos
conceitos que se aplicam. Logicamente, faremos uma releitura destes conceitos associando-os
aos nossos: em suma, a cartografia se resume em mapear todas as controvérsias que se
manifestam em determinado recorte ou sistema. Controvérsias são complexidades conceituais
ainda em processo de interação, ou seja, situações em que não há acordo entre as partes ou há
acordo no desacordo. A cartografia, assim, se mostra como uma forma de considerar todos estes
problemas e desacordos sob o maior número de olhares possíveis, de forma a conglomerar o
maior número de perspectivas, evocando assim uma distância e uma imparcialidade do autor13.
Muito embora as perspectivas recomendadas pelos autores se mantenham num paradigma
sócio-técnico, traremos as essenciais à luz e proporemos um método para tal mapeamento que
não se atenha a recortes definidos. Tentaremos expandir os limites e abrir o sistema para que
qualquer perspectiva, quaisquer parâmetros de comparação, validação, análise, possam ser
aplicados.
Dessa forma, significa antes que reconhecemos uma trama complexa, composta por
atores – o que chamamos de pontos nos planos, até agora – e as controvérsias – que chamamos
de linhas que ligam estes pontos, propondo as formas de relação bem como suas intensidades.
A cartografia de certo toma dois pontos certeiros: os actantes, sistemas agentes ou reagentes14,
e as relações que se dão entre estes sistemas, ou perturbações no macrosistema. Vamos separar
primeiro para falar dos atores, ou actantes, e depois das relações: os actantes ativos se definem
por pontos que causem perturbações, agentes de subversão cujo devir se configura em
aumentar o caos de qualquer organização, promovendo diferenças que geram diferenças, o que
se configura como informação15; os actantes passivos, que apenas reagem às perturbações dos
agentes ativos, a fim de restaurar um estado de estabilidade. Através destas ações, impõe-se
uma relação entre dois pontos, e que permeiam as intensidades da ‘controvérsia’ em questão.
Ou seja, antes de quantitativa, é qualitativa.
E estas relações se mostram como deveras complexas, muito porque devemos levar em
conta todo o sistema pessoal dos actantes para entender as relações que se perfazem, muito
porque as propriedades partilhadas entre um sistema e outro que possibilitem a emergência da
problemática só se revelam no estudo individual das relações, o conjunto da união. Oras, cabe
neste ponto também ver a profundidade do estudo que se quer conduzir. Tentando ser mais
pragmáticos, dizemos assim: a qualidade das relações dificilmente é acessível ou possível em
estudos, de forma que nos concentraremos nos actantes e nas potencialidades destes em
conjunto tanto quanto singularmente.
Se de fato quem promove a relação são os atores, e que quaisquer propriedades residem
nestes, tomaremos atenção para uma expansão desta análise: desconsideremos o recorte dos
atores, e vamos pensar em sistemas agentes e sistemas reagentes. E vamos pensar nesta
coletividade que se forma. Bom, de certo, todo sistema tende a um estado de metaestabilidade,
compensando os fluxos internos discordantes para atingir permanência. Então todo fluxo agente
pois ambos os casos dependem de uma comunicação, ou relação, e que esta se dá pela troca de informações
será contraposto por um fluxo reagente, e a unidade do sistema se mantém ao longo da série
temporal – ressaltamos assim que não é um estado de equilíbrio ao qual o sistema sempre
retorna, mas diferentes estados que são estáveis que não o de equilíbrio absoluto. Existe, então,
certos parâmetros a serem considerados que regem as relações, sejam elas convenções, leis,
fluxos e contra-fluxos das mais diversas naturezas e intencionalidades. Reconhecemos, por fim,
que estes sistemas que interagem pertencem a um grande grupo, um macrosistema do recorte
social, conceitual, técnico, projetual, complexo, enfim.
E que os olhares para com este sistema maior serão fundamentais, na mesma postura de
zoom out das coisas, olhar rizomático, traçando uma unicidade para todas as conexões e todos
os pontos. Bom, de início, temos que considerar estes parâmetros, ou antes disso, o recorte:
a) O recorte, ou universo: todo sistema possuirá limites nos seus estados, mesmo
que tenda a crescer ou diminuir, seus limites existirão. Quando se cria sistemas
artificiais eles podem derivar de um recorte de um sistema maior, funcionando
isoladamente, ou um sistema criado pela articulação de sua composição, que será
inserido em um sistema maior ou isolado deste. O recorte, portanto, delimita as
leis e todo o funcionamento do sistema a ser analisado pelos olhares escolhidos.
Isto implica em traçar o território do sistema para analisar seus fluxos;
b) Os parâmetros de juízo, ou visões de mundo: bom, vamos lá, essa parte vai ser
complicada de explicar. Considerando o recorte, tomamos nossos olhos para as
relações que operam ao longo do tempo. E estas relações são complexas, ou seja,
consideram em sua composição uma organização de máquinas, intenções, entre
muitas outras óticas possíveis. Se consideramos então que os fluxos são
complexos, compostos pela interrelação de diversas partes, e que cada parte
possui uma identidade, cabe então analisar cada identidade por ela mesma, e
estender este olhar para com as outras partes. Isso funcionará como um
entrecruzar de olhares, ou seja, forma de ver/sentir. Isto implica, então, que uma
visão sistêmica do sistema, um olhar para sua complexidade rizomática há de
considerar o maior número de parâmetros, derivados das partes, para analisar
todo o conjunto e estas relações. Entre A e B, sendo ambos conjuntos, haverá
propriedades partilhadas pelas quais operam-se as conexões. Todas estas
propriedades constituirão uma visão de mundo específica, que entrecruzada com
outras visões, de outras propriedades, configurarão uma visão complexa;
c) Uma noção geral das convenções e culturas do sistema, ou aspectos de
permanência que vigoram: isto implica em reconhecer o universo simbólico,
dimensão humana do imaginário em que o sistema se insere. Em uma visão mais
ampla e sistêmica, implica em reconhecer os impulsos de permanência que se
agenciam no sistema. É a tendência à organização, à estabilidade, à permanência
coesa ao longo do tempo. Isto implica em reconhecer os estados de
metaestabilidade ao se considerar todos os fluxos ativos, para possibilitar um
entendimento dos fluxos reativos. Se analisarmos os fluxos ativos, de certo nos
perderemos pois dificilmente preveremos desejos ou emergências complexas.
Portanto, adotaremos que para cada fluxo ativo existirá um fluxo reativo como
princípio de permanência de um sistema;
d) Olhares para com as partes em sua imanência: um tipo de análise cansativo e
extenso, mas ainda assim se configura como um parâmetro. É assim que se
percebe uma possibilidade de previsibilidade dos agentes ativos. Significa
monitorar os estados individuais para previsibilidade sistêmica. De certo, existe
uma gama imensa de interinfluências das partes dentro de um sistema. E de
certo, a sucessão das relações ao longo do tempo poderá culminar em algum tipo
de ação ativa (mas que no fundo deriva de uma reação acumulativa). Assim,
percebemos que as possibilidades de interrelações entre as partes, sua
intensidade ou intencionalidade deve ser apenas interpretativa de um extenso
monitoramento dos estados;
e) Olhares para as conexões: por fim, manteremos olhares para com as conexões e
como elas podem ser percebidas. Bom, a conexão por si é virtual, abstrata,
invisível. Nossos sentidos não podem perceber enquanto fenômeno, pois é
acontecimento que envolve mais de uma parte, deveras complexo. Assim, o que
podemos perceber são as ações de um e do outro. A conexão é aquilo que se
estende, derivando das propriedades partilhadas, canais de input e output entre
os sistemas, que trocam informações, e agem e reagem entre si. Assim, a conexão
é somente apreensível através de descrições, de indicações de uma existência das
propriedades partilhadas e que elas podem ser analisadas qualitativamente.
E assim tentaremos dar um exemplo completo sobre tudo isso, hipotetizando uma
situação na qual possamos explorar tudo o que dissemos: um projeto de design social. Por
excelência, o design social está sujeito à cartografia de controvérsias. Embora os sistemas variem
de tamanho, na sua grande maioria eles acabam por ser recortes pequenos quando comparados
com um recorte que Latour promove como exemplo em seus estudos sócio-técnicos. O design
social será uma ferramenta de otimização das relações sociais, da convivência e da qualidade de
vida de determinada comunidade ou público-alvo. É um tipo de design que deverá considerar
diversos fatores em seu projeto, porque relações sociais são dinâmicas. Este melhoramento
estará sujeito à múltiplas interpretações da comunidade, diversos usos, relações afetivas e
emocionais, etc. Deverá levar em conta o atual uso do espaço ou da função, ou da problemática
que se apresenta nas relações internas ao sistema considerado. O design social terá por missão
introduzir um elemento estranho ao sistema, fazer com que esteja coerente com as outras
partes e que aproxime as relações entre sujeito e coisa.
Isto significa pensar em um design cujo foco se dá não na forma final, mas num processo
de reorganizar estas estruturas? Um pensar design que lide com a organização terá olhos para
diversos fatores sobrepostos, todos sob a figura da complexidade.
Organizar se mostra então como uma atividade que terá como finalidade ou a coesão, ou
a coerência, ou ambos. Isto significa que podemos pensar em situações que denotem um e
outro:
a) Coesão: significa que o projeto possui leis, formas de ser e reagir consigo mesmo.
Se puder recordar, isto envolve o processo de diferençação do mesmo. Tomemos
nosso organismo por exemplo: ele é um agregado de diversos órgãos, todos
funcionais e independentes, muito embora submissos ao organismo. Pensar
coesamente é estruturar discursos inteligíveis, sistemas que não se aniquilem ao
longo do tempo. A coesão lidará com o fator de permanência do sistema, mas
ainda assim promoverá uma lei pelas quais as mutações internas deverão
prosseguir, a fim de não romper a unidade do sistema. Um design coeso possui
relação entre todas as partes, ao mesmo tempo em que elas não se conflitam –
estado de metaestabilidade interna – e que essa trama complexa unifica todas
as partes em um sistema independente e único: processo de n-1;
b) Coerência: Isto significa pensar no design como tendo que responder a um fator
externo, ambiental, de ordem ecológica superior. Pensar em um sistema implica
necessariamente situá-lo em algum universo, algum sistema maior que o
compreenda – até o infinito, no nosso conceito de universo cósmico absoluto.
Podemos pensar na coesão de um sistema maior como a coerência de um
sistema menor. Mesmos princípios, outras mecânicas. A coerência admite que o
sistema em questão tem de ser coerente com os outros sistemas ao seu redor,
para que não cause perturbações e prejudique a ordem de funcionamento. Um
design que mire na coerência deverá se valer de diversos mapeamentos, de
diversas perspectivas, para que todos os sistemas e suas características se
evidenciem, para enfim haver correspondência, partilha de propriedades entre o
conjunto de elementos do sistema para com outro.
Salvo isto, poderemos introduzir meios pelos quais podemos entender melhor o que uma
organização pode trazer ou evidenciar. Isto implica em reconhecer o que se evidencia nas partes,
nas relações, nas funcionalidades, enfim, como entendemos a complexidade de uma
organização por meio do design.
Isto significa pensar quais parâmetros o design se utiliza para buscar uma organização em
determinado sistema. Ou seja, ressaltamos primeiramente uma adequação de uma visão de
mundo como ferramenta para reorganizar o sistema. E isto implica em um conhecimento
aplicado para determinada área; por isso que existem inúmeras – e tendem ao infinito – formas
de se pensar em organizar pelo design, pelo projeto: basta estar inserido em um universo
conceitual referente ao motivo. Por exemplo, se um ser se especializa em moda, ou cabelos, ou
produção de embalagens, inevitavelmente ele possuirá um universo conceitual que agenciará
os modos de ver que guiarão a organização do sistema – o criador se coloca na obra.
Bom, inicialmente tentaremos resumir o artigo para poder prosseguir com as pontuações
apresentadas: através de um resgate que nos interessou mais em Steven Johnson, de onde vêm
as boas ideias, em que ele aborda o aspecto complexo da geração de uma ideia, no sentido de
16 https://www.youtube.com/watch?v=wOrmr5kT-48
17 PAVEL; BERG, Shared memory in design complexity, 2014.
poder dizer que teorias radicais ignoram o contexto do inovador, e focam apenas nas ideias
inovadoras – o que já dissemos que as ideias vêm antes de quem as têm do que por elas mesma.
E que existe algo que se chama Design Sistêmico, ou Design orientado por Sistemas, que
intrigantemente é o que estamos defendendo aqui. Chamaremos então de design sistêmico este
processo que considera a ótica dos sistemas enquanto ponto de vista para uma abordagem
complexa de problemas complexos.
“This means designers have to experience a user world instead of only understanding it”18.
A análise do universo deve ser antes de discursivo e simulacro, uma experiência real dos fatores
presentes no sistema. Equivale a dizer que o designer deve experimentar sorvete antes de
pensar sobre sorvete, ou a um exercício de design social que coloca o designer enquanto uma
pessoa desabilitada, seja de cadeira de rodas, seja impossibilidade de ver. Mas antes de
perceber que tudo isso acontece, o artigo toca na capacidade de rápido aprendizado, por parte
do designer, do sistema em questão para trabalha-lo. E a maneira mais rápida foi a experiência
sensorial. De certo, apreendemos mais pelos sentidos que pela cognição.
Bom, vamos ao estudo de caso per se: o desenvolvimento de materiais para um banco.
Os alunos utilizaram de uma plataforma chamada de mindmeister para elaborar mapas mentais,
tramas complexas, com os funcionários do banco, a fim de obter um mapeamento, ou um
briefing detalhado. Os designers se situaram lado a lado com os clientes e elaboraram um
processo de análise do universo, e isto se deu através de perguntas e uma abertura aos
funcionários para a qualquer momento acrescentar algo ao mapa mental. Isto gerou uma rede
de conceitos que possibilitaria o designer entender o universo e dialogar com ele.
Nosso interesse, antes de ser nas ferramentas, foi no método de análise, pois é aqui que
se estabelecem os olhares sobre as coisas. Através de perguntas direcionadas – o que chamamos
de maiêutica – os alunos foram guiando o processo de construção do mapa, estabelecendo
pontos focais que se desenvolveriam mais do que outros. Ou seja, a construção da percepção é
de acordo com os signos que existem na mente do designer. E se falamos de olhares precisos,
diversos e dissecantes, falamos numa capacidade de perceber, e resgatamos nosso Umwelt
maquínico, que nos fornece diversos métodos para analisar estes fenômenos. Não queremos
dizer tudo o que já dissemos, então vamos mudar.
Podemos defender que existe a necessidade de se estabelecer uma visão de mundo que
compreenda aquele projeto em questão. E se falamos em visão de mundo, desenvolvemos ela
sob a figura de um território que determina o fluxo abstrato. Assim sendo, podemos estabelecer
novamente a proposta de consolidar um território específico que será a visão de mundo da
equipe para com o problema. É aqui também que nos opomos aos métodos, ou até mesmo às
variantes mutáveis destes. Defendemos que o designer deve possuir a capacidade de desvendar
a complexidade e os pontos de foco por conta própria, de forma que cada projeto envolverá um
método específico.
No caso, utilizaram uma ferramenta que permitia dispor todos estes conceitos de maneira
visual e sensível, de forma que as pessoas puderam enxergar a trama complexa que se formava
destes fatores. Isto é um pensamento sistêmico. E a partir disso, desenvolveu-se um projeto de
análise do mapa realizado, baseado em três parâmetros que determinariam uma caracterização
dos fenômenos a partir desta ótica, e que significando os eventos, puderam enfim partir para
18 “Isto significa que designers devem experimentar o mundo do usuário ao invés de apenas entendê-lo”
(tradução dos autores) PAVEL, 2014.
uma elaboração projetual do problema. Não entraremos no mérito do método. Aliado às
informações interpretadas, analisaram também a existência do objeto, qual seria sua natureza,
interatividade, enfim. O processo complexo tomou conta, como um metaprojeto, de todas as
etapas para enfim promover um universo ao qual o produto deveria se adequar, e em seguida
os processos se voltaram à atualização do projeto, e nas formas que isso tomaria – coisa que
apenas levaremos em conta no próximo capítulo.
E este será nosso recorte do estudo de caso de Berg e Pavel, pois os outros pontos fogem
do que queremos falar. Vamos nos dobrar sobre o que já dissemos: existiu a necessidade de
envolver os clientes exatamente porque o universo deles só pode ser explicado por eles – é aí
que não conseguimos acompanhar a necessidade de se aprender rápido a estrutura de um
universo, pois podemos apenas visualizá-la. Pensamos que antes de saber aprender, é saber
interpretar os discursos e sistematiza-los num mapa. É saber quais perguntas fazer em seguida
para desenvolver a linha de raciocínio, explorando esta trama em busca do subterrâneo.
Novamente evocamos uma capacidade de olhar e identificar os signos necessários, por isso
evocamos uma dimensão semiótica de nossos estudos.
Pensamos que se existem casos relatados e uma disciplina que trata de design complexo
em sistemas complexos, e que apenas com metodologias altamente complexas, partipativas,
transdisciplinares e todo e qualquer objeto de estudo complexo, cooperarão para um
desenvolvimento de processos complexos em qualquer projeto de design. E queremos
demonstrar também que isto se aplica a praticamente qualquer sistema em que emerja uma
necessidade de organização. De fato, podemos pensar em processos complexos em design, e
isto toma forma sob o conceito de design sistêmico. Ou seja, o designer é um profissional que
está incorporando a complexidade em seus processos, talvez os primeiros ou maiores
expoentes? Apenas sabemos que surge uma necessidade tremenda de explorar a complexidade
através de uma atividade prática do designer como organização sistêmica.
Bom, confessamos que faz algum tempo que lemos este livro, mas conseguimos lembrar
das essências, que é o que será importante para o raciocínio. Então, bom, se interessar, o livro
está em inglês21 mas existe este resumo em português que fizemos22, porque era algo bem
complicado na época, e nos fez pensar muito ao longo dos anos, e chegamos a ler este resumo
algumas vezes. Enfim, aos fatos:
• Memes são unidades evolutivas, assim como os genes, o que podemos chamar
de replicador. Existe um outro replicador, que no caso será o biológico: os genes.
Podemos imaginar memes como genes de ideias, que seguem as mesmas regras
do darwinismo universal23, necessitando se replicar. Mas ao invés de coito, e
geração de um outro receptor biológico, apenas se transmite pelas mensagens
diárias de nossa comunicação. Podemos chamar de unidades culturais, que
carregam traços característicos, aspectos de permanência, enfim, uma máquina
conceitual, que ainda assim é um sistema conceito (ou bloco-conceito). Perceba
que todas estas coisas se assemelham, só não a mesma coisa porque são
designações diferentes ao mesmo objeto;
• Os memes se organizam em memeplexes, como a religião, o estado, sistemas de
crenças, instituições, enfim, o que chamamos de simulacros, pois perdem
referência ao real, muito embora dependam do médio biológico – nosso corpo e
cérebro. Eles competem pela sobrevivência, de forma que as ideias mais
adaptadas permanecem. O mecanismo de adaptação das ideias é deveras
curioso, pois elas precisam ser comunicadas, para existir na cabeça de outras
pessoas, ideias que passam de mente em mente. E se a ideia for simples, ou
facilmente memorável, ela se replica com mais força, ou se ela implica algo a mais,
como um prazer por contar, um desejo para com a convicção ideal do meme. As
interações entre estes replicadores funcionam na ordem darwiniana, se
considerarmos que existem três mecânicas básicas, sendo elas:
o Variedade: o mesmo varia nele mesmo. É aqui que entram a mutação ou
a recombinação. Oras, não falamos muito sobre articulação? E re-
mixagem?24 A variedade significa uma diferença ao longo das repetições
das durações: multiplicidade;
o Seleção: mecanismos que selecionam quais sistemas permanecem, ou
seja, são as leis que demandam coerências dos subsistemas a ele. Isto é,
de uma forma outra, é a seleção de qual sistema se adaptou melhor ao
ambiente e quais não conseguiram cooperar com as mudanças das leis;
o Hereditariedade: é a ideia de que o que é bom é repassado para os
descendentes futuros. Se um sistema se modificou para uma organização
mais complexa, este mecanismo se repassará ao longo das sucessivas
proles desta genealogia.
21 https://goo.gl/xR7CBP
22 https://goo.gl/vdEcZq
23 Darwinismo Universal é a aplicação das mecânicas evolutivas a outros sistemas complexos de evolução.
24 Parece que temos um Xeroque Holmes nesta página.
• Existe uma relação do ideal com o biológico, de forma que os memes determinam
certos fatores sobre os genes: nosso cérebro altamente desenvolvido,
organização da garganta para privilegiar a fala; enfim, aqui supomos apenas o que
Blackmore nos diz, e não convém dizer se nós acreditamos ou não.
Assim, bom, apenas nomeamos enquanto memes o que já nos referíamos as vezes como
signos, as vezes como conceitos, ou ideias. Cada um é diferente, pois todos designam visões de
mundo diferentes, que podem enxergar diversas funcionalidades ou conexões diferentes. Nesse
ponto seguimos com Latour para um aumento de complexidade pelo entrecruzar de todos os
olhares possíveis.
25 VIEIRA, 2015. P. 48
Bom, o que podemos tirar dos memes e das ideias é: que o universo ideal é complexo e
nunca atual; que memes, ou ideias, se replicam pela transmissão de informação, diferença que
faz a diferença; que existem parâmetros que vão determinar se uma ideia é boa, e podem ser
descritas pelos fatores existenciais dos sistemas: permanência, ambientação e autonomia;
existe uma relação muito grande entre as ideias que temos e as máquinas biológicas e suas
qualidades, que possibilitam a existência das ideias; existem diversos conceitos citados que se
assimilam pela forma de definir ideia, unidade de replicação ideal, unidade cultural, informação,
simulacro, ou pelos seus funcionamentos, seja por semiose, por assimilação, inferências
associativas, relação por propriedades partilhadas, ou pelos seus ambientes de assimilação que
denotam uma capacidade humana inerente que cremos ser desconsiderada: a finitude humana,
ou ainda, as qualidades que nos tornam humanos que não podem ser resumidas por palavras.
Este século surgiu a discussão sobre a forma de conhecimento importante tanto
para o cientista quanto o artista. É o conhecimento tácito, aquele que não pode
ser reduzido ao discurso. A proposta feita por alguns filósofos é que existem
limites na nossa capacidade de colocar em forma discursiva certos
conhecimentos, como no caso do reconhecimento de formas.[...]. A postura de
Polanyi mostra os traços de subjetividade que acompanham o trabalho científico,
ou seja, ‘o ideal científico de uma verdade absoluta divorciada do julgamento
humano é uma falácia perigosa que impede seriamente o progresso científico
(Davis, idem). Sob a forma de conhecimento tácito existem desde aspectos
perceptuais até processos inconscientes e julgamentos de questão de valor, logo
na dimensão axiológica.26
Boas ideias
E bom... o que é bom? Podemos dizer que o que é bom é funcional, útil, favorável,
lucrativo, adequado, ou em última instância: coeso e coerente. No final, podemos definir que
uma boa ideia é um meme extremamente adaptado ao seu ambiente – pois no universo das
ideias existem diversos territórios sobre os quais os fluxos podem se situar. Então, uma boa ideia
pode ser considerada algo como um meme altamente evoluído, que se replique facilmente, ou
que se perpetue facilmente, ou que seja o mais adaptado ao meio, sobrevivendo à seleção das
espécies.
Aqui, entraremos no mérito do que é uma boa ideia, e como nossa visão de mundo poderá
conceituar algo deveras subjetivo, improvável e sem pé nem cabeça. Oras, gostamos muito
desta proposta. Gostaríamos primeiro de resgatar a verdade, ou seja, a adequação de
determinado sistema a algo que o delimite ou imponha regras aos fluxos. A verdade condiciona,
e escolhe o que se adequa e o que foge a ela. E para tal, uma boa ideia se determina por um
princípio do bom, ou talvez do belo? Entramos em uma categoria estética, mas ao mesmo tempo
dela fugiremos. Vamos quebrar barreiras: o que é bom é coeso e coerente, como dissemos.
Porém, existe algo na superfície que precisamos resgatar: o belo identifica-se com o bom, ou
seja, corresponde a valores morais. O belo e o bom estão intrinsecamente ligados, de forma que
o que é belo está coerente com a moral, ao mesmo tempo em que se apresenta como uma ideia
coesa. Prestemos atenção ao fator da coesão da ideia pois é ela que evidencia primeiramente
os loucos.
A boa ideia se define como sendo aquela que condiz com o que se espera dela. Uma boa
ideia sempre acompanha a condição de surgimento, o universo que se exprime em seu entorno,
ou ainda, uma boa ideia para algo.
26 Ibid. P. 149
E quando falamos desta coesão, então, estaremos falando sobre a forma que se organiza
internamente o sistema. E para quem tem olhos perspicazes, um sistema sem coesão é
facilmente detectável, pois apresenta problemas principalmente quando se trata de
funcionalidades, ou de suas manifestações. Uma incapacidade de exercer determinado conjunto
de ações, de conjugar determinada linearidade de pensamento ou de discurso, nos acusa como
sendo uma pessoa com deficiência, transtorno, incapacitada, autista, enfim. Sempre se atribui
um problema à coesão das ideias porque é facilmente detectável por observação. Já a coerência
é um processo deveras complexo, exige um olhar sistêmico para com todas as possíveis relações.
O que queremos dizer com tudo isso é que a coesão de uma ideia é um conceito perigoso, pois
podemos entender que esta precede a coerência.
Saindo dos sistemas e tentando ser mais pragmáticos, vamos propor o seguinte: quando
pensa em boas ideias, o que lhe vem à mente? Ideias geniais, criativas, que ocorreram da forma
certa no momento certo. Bom, agora tentaremos te dizer o que significa para nós ter uma boa
ideia: propor um sistema ideal que se sustente por si, que seja autônomo, que seja coeso, que
suas estruturas, fundamentos, origens não denunciem um erro em seu interior – porque todo
sistema dito organizado possuirá funcionalidades, algo como uma finalidade para determinado
sistema: o corpo humano serve para sobreviver, reproduzir e se adaptar; o sistema escolar serve
para ensinar em massa corpos de alunos que tendem somente a aceitar a imposição dos
conteúdos; e se algo acontece e o sistema não consiga cumprir com suas funções, se revela um
problema de coesão. Ainda, que estes sistemas sejam coerentes com os sistemas de crenças,
valores, ou sejam quais forem os sistemas que imponham leis – um bom design é aquele que
reage adequadamente ao seu briefing, ou sua funcionalidade, proposta, necessidade; um bom
designer é aquele que cumpre com suas atribuições de forma exemplar, que reaja
adequadamente aos problemas e projetos que surjam para ele.
Uma boa ideia se configura como o que se espera, precisa e que sua forma e conteúdo
cumpram com as duas anteriores. Ter uma boa ideia, por outro lado, é algo estranhamente
complexo. Implica em conhecer o que é uma boa ideia ao mesmo tempo que satisfaça as três
condições acima. Ter boas ideias significa, em primeiro lugar, saber como alcançar um patamar
de ideia boa, ou seja, precisa-se saber que existem boas ideias e que é possível que alguém as
tenha. Assim, resgatamos o momento sobre ter ideias: precisa-se articular as partes para
compor uma estrutura que seja coesa e coerente. Existe uma ordem das ligações, logo, se existe
ordenação existe capacidade de projeto. Podemos pensar que essas ideias surgem a partir do
momento em que se tem uma ideia e que ela é boa. Podemos simular um processo de ter boas
ideias, e isto implica em trabalhar a coesão de uma ideia, para que esta adquira autonomia.
Precisa-se que ela seja coerente com o universo em que ela será inserida. E isto implica em
reconhecer que as relações de coerência podem afetar a coesão da ideia, pois os fluxos externos
atingem o interior do sistema e fazem uma diferença. Assim, uma boa ideia precisa estar
consistente e possuir meios de responder à desordem de forma coerente e funcional, isto
implica essencialmente em se adequar ao espaço e ao tempo relacionados com este sistema.
Assim, podemos retornar ao começo do parágrafo: precisa ser coerente com o que se espera,
ou se necessita dela, e ter coesão funcional para responder a ambos.
Bom, vamos pensar: ter boas ideias implica em existir coesão e coerência. Certo, isto
significa que uma estrutura conceitual que sustente uma ideia deve ser sólida a ponto de não
sucumbir, mas flexível ao ponto de se adaptar às forças externas e permanecer. E tudo isto quer
dizer o que? Que boas ideias, novamente, dependem de um território que seja fértil para
emergir; espaço aberto, mutável, desterritorializado. E podemos trabalhar boas ideias pela
elaboração conceitual. Bom, neste ponto relacionamos com os 4 pontos que propusemos como
os 4 capítulos do livro, e trazemos uma dimensão de coesão e coerência para estas 4 áreas. A
boa ideia, a boa prática, o bom juízo e o bom ensino. A boa ideia depende de uma boa prática
que a atualize. A boa prática depende de um constante processo de juízo sobre o trabalho. O
constante juízo leva a formulação de um conhecimento que pode ser transmitido em um bom
ensino. Mas isso é spoiler.
Não queremos dizer que esta será a única forma de encarar algum entendimento sobre
como é ter boas ideias, mas esta será uma das formas. Queremos salientar que se formos pensar
em boas ideias, cada universo terá uma concepção de bom, e, portanto, determinará o que
poderemos entender por uma boa ideia. Ressaltamos novamente que boas ideias não nascem
boas todas as vezes, mas que elas podem ser trabalhadas ao longo do tempo para poderem
adquirir um território existencial por sobre o qual hajam possibilidades de emergir uma boa
ideia. Ainda estamos falando de coisas similares: ter uma boa ideia significa ter um bom
território por sobre o qual uma ideia possa existir.
Nesse sentido, o ato de criar é uma crise denotativa de um alto nível de
complexidade viva. Criar, para nós, é viver e os cientistas e artistas são aqueles
que mais intensamente estão sujeitos a esse impulso vital.27
Bom, este trecho guiará o resto desta seção. Vamos analisar por partes: o ato de criar é
uma crise denotativa de alto nível. Denotativo é tudo aquilo que está no sentido literal. De tal
forma que criar implica em subverter e colocar em crise todo um sistema de valores unívocos,
como os matemas exatos das ciências matemáticas do século XVI. Podemos aferir que uma
criação é perturbação de altíssimo nível de complexidade, cuja reverberação será sentida ao
longo de diversos sistemas no entorno. Contudo, agora podemos trazer o cheque de toda a
questão: criar é viver, e os cientistas e artistas estão sujeitos a este impulso vital muito mais do
que qualquer outro. Aqui ficou complicado, mas achamos ter a solução: criar é viver, de forma
que uma criação pode ser categorizada como uma perturbação de alta complexidade que um
corpo humano é capaz de agenciar. Mas, muito além, viver é admitir uma emanação de
perturbações complexas a todos os instantes: admitir ser parte do sistema complexo e que a
todo ato de criação, escolha, desejo, estaremos agenciando fluxos em uma complexidade muito
maior de fluxos. Se criar é viver, artistas e cientistas estão muito mais sujeitos a criar do que
outras profissões. Criamos em design de forma híbrida, e isto implica misturar uma linguagem
científica à uma artística, ambas com altíssimo potencial criativo.
Criar neste sentido pode ser entendido como um agenciamento de uma máquina abstrata
que consiga, em sua consistência ontológica, agenciar a mais alta perturbação no seu entorno.
Daremos como exemplo nossa própria proposta: misturamos literatura, ciência, abstrações,
filosofia, semiótica e um pensamento em design para convergir ao que achamos que se
configura como um design sistêmico. Se pensarmos nos universos próximos e suas leis, este
sistema poderá causar diversas controvérsias, ou ainda, diversas perturbações que impliquem
em imposições de coerência em nossa estrutura. Mas como esta criação possui somente uma
funcionalidade, a de subverter, enxergamos aqui um duplo impasse: uma coesão funcional, ou
seja, excelente, mas que por sua natureza implica em negar uma coerência que pertença a
qualquer verdade externa; e ao mesmo tempo implica em uma coerência com sistemas
externos, no entorno, gerando uma união de territórios diversos sob a premissa da perversão.
Estamos aqui lidando com algo infinitamente abstrato, estamos tentando falar sobre o
ato de viver – e achamos essa possibilidade fantástica – e estamos tentando abordar de uma
forma criativa. Estamos numa tentativa de trazer formas concebíveis a conceitos
hipercomplexos de diversas áreas do saber. Bom, no fundo, queremos reafirmar que existe uma
dimensão de conhecimento que se configura como inexprimível, que não pode ser descrita. Não
existem signos para o conhecimento tácito, muito menos para o ato de viver. Queremos
distanciar o que significa criar, e por consequência viver, do que consideramos criatividade.
Viver implica em uma constante desterritorialização, uma busca pelo CsO, uma falta de fonemas
para os impulsos de vida. Ambos cientistas e artistas tem tempos difíceis para falar sobre suas
motivações intrínsecas, pois são ‘sua própria matéria de expressão semiótica’. Inauguramos o
que consideramos como o território tácito, aquele que podemos enxergar diretamente acima
do território abstrato, quase se confundindo, mas o tácito servindo apenas como máscara, lente
que nos permita ver o que acontece no terreno sem forma, nomear o que não se vê.
A falácia da criatividade
E aqui falamos sobre o que consideramos criatividade, ou seja, a capacidade de ser
criativo, criar. Criatividade adquiriu, assim como design, o cunho de selo de qualidade. Ser
criativo significa ser inventivo, coerente, ter ideias novas, ou nada disso. Ser criativo pode ser
entendido como a capacidade de criar algo novo sem que se tenha tido contato com isso antes.
Bom, isso significa criar algo totalmente novo ou algo a que já foi realizado, mas ainda assim
gera efeito de novidade. Oras, a criatividade vem para conferir uma qualidade ao sujeito em sua
capacidade de inventar. Somente isso. Ser criativo não significa possui as respostas, ou muito
menos ser bom solucionador de problemas. E ainda, ser criativo implica ser criativo em algo:
criatividade é a capacidade de ter ideias boas. Contudo, se perguntarmos a qualquer pessoa
criativa, existirão inúmeros métodos, truques, macetes, caminhos. Nenhum criativo saberá
denominar ao certo de onde vêm as ideias.
Grande parte destas pessoas criativas derivam esta inspiração ao que acabamos de
denominar conhecimento tácito. É a intuição, a conexão inconsciente, o não deliberado, mas
E para tal, levantaremos a grande falácia da criatividade como adquirida, como produto,
como método. Não existem métodos para o tácito. Não existem formas para o abstrato. Isto
significa que não acreditamos e nunca acreditaremos em cursos criativos por um simples
motivo: não se ensina como ser criativo. Apenas se é. E na preocupação de tentar ser, perdemos
o motivo de sê-lo. Não se pode induzir a criatividade – a não ser pela imersão? Mas nosso ponto
é que métodos, quaisquer que sejam, refletirão um caminho subjetivo que dificilmente fará
sentido para os outros. É isso que tivemos cuidado em nosso processo: de não tomar nossa visão
de mundo como absoluta. Por isso escrevemos em dois.
Esta falácia de ser criativo é reversível, ao ponto em que podemos apresentar uma luz: e
não está no método ou no processo, mas no antes. O ser que pensa é a origem de toda a
criatividade. E se pensamos, devemos pensar a partir de algo. Assim, defendemos que apenas
um estudo qualitativo de diferentes formas de pensar, conhecer, reconhecer, analisar, perceber,
e inúmeros outros verbos que sejam coerentes com o tipo de estudo que se quiser, é que
poderemos alcançar algo como o que denominamos criatividade. Pense que ideias boas são
memes bons. Memes bons dependem de um cérebro bom que os suportem. Mas não somente
isso – pois isso já foi contestado de diversas vezes por cientistas: precisamos ter um raciocínio
bom para a determinada atividade, talvez reflexiva por essência? Será que podemos atingir o
ponto em que podemos dizer que o único caminho é a constante reflexão sobre os eventos para
enfim atingir algum patamar de entendimento organizacional do sistema de ideias que se quer
fazer uso? Uau, a mensagem é esta: para ter boas ideias você precisa pensar bem. E para pensar
bem você precisa conhecer bem. E não falamos de ler livros, mas sim de uma capacidade de
gerar conhecimento a partir de impressões, pensamentos, percepções: reflexão, dobra do
conhecimento sobre ele mesmo.
E por isso que estamos em um beco sem saída, nós das profissões criativas. Nesta busca
pela criatividade, inovação, acabamos por desconsiderar a complexidade atual de nossas
ecologias e suas interrelações. Estamos cegamente agindo sem nos importar com as
perturbações. E isto ganha cada vez mais força com propostas de criatividades pautadas em
simulacros capitalistas, nos quais uma ideia vale dinheiro. Não podemos considerar ideias como
valor de troca. Ou seja, subvertemos todos os valores ecológicos em detrimento de valores
capitais. Por valores ecológicos, entendemos uma moral que condiga com os princípios e valores
éticos de um sistema ecológico complexo ao qual habitamos, que valorize as relações, que
promova uma unidade cada vez mais coesa e heterogênea. Isto significa que temos que abrir
mão de uma indústria cultural que massifica subjetividades, ideias, em detrimento de uma
atividade criativa que resgate o homem enquanto sujeito único, finito, real. Isso implica
abandonar simulacros anti-ecológicos, o super-homem nietzschiano e uma massificação
subjetiva. Isto torna o sistema homogêneo, de forma que qualquer diferença será uma
perturbação extrema. E estamos vendo que desde a década de 60 os valores da diferença se
alteraram e a dita filosofia da diferença se abriu com extrema força.
Neste contexto, podemos observar que as mensagens devem ser coerentes com um
sistema modelo superior cada vez mais complexo, engendrando subjetividades cada vez mais
massificadas, aniquilando a individualidade; de tal forma a constituir uma subjetividade
capitalística, nos termos de Guattari. Podemos tomar este excerto como subsumindo uma visão
contemporânea da indústria cultural:
A subjetividade capitalística, tal como é engendrada por operadores de qualquer
natureza ou tamanho, está manufaturada de modo a premunir a existência contra
toda intrusão de acontecimentos suscetíveis de atrapalhar e perturbar a opinião.
Para esse tipo de subjetividade, toda singularidade deveria ou ser evitada, ou
passar pelo crivo de aparelhos e quadros de referência especializados. Assim, a
subjetividade capitalística se esforça por gerar o mundo da infância, do amor, da
arte, bem como tudo o que é da ordem da angústia, da loucura, da dor, da morte,
do sentimento de estar perdido no cosmos... É a partir dos dados existenciais mais
pessoais - deveríamos dizer mesmo infra-pessoais - que o CMI (Capitalismo
Mundial Integrado) constitui seus agregados subjetivos maciços, agarrados à raça,
à nação, ao corpo profissional, à competição esportiva, à virilidade dominadora,
à star da mídia... Assegurando-se do poder sobre o máximo de ritornelos
existenciais para controlá-los e neutralizá-los, a subjetividade capitalística se
inebria, se anestesia a si mesma, num sentimento coletivo de pseudo-
eternidade.32
Esta subjetividade que passa a valer como moeda, adquire valor de troca, então, só o é
por trazer aspectos das singularidades subjetivas e tomá-las enquanto massificadas: modelizar,
estabelecer um padrão a se atingir numa experiência ético-estética. De fato, existem desejos
que se replicam por uma sociedade – seja de origem mitológica, cultural e social, contextual;
máquinas desejantes que se apresentam em diversos âmbitos da vida humana – e que são estes,
incorporados em um contexto pré-estabelecido, que formam a consistência ontológica destas
máquinas capitalísticas: é exatamente isso que se torna apelativo para o sujeito. É na
complexidade do discurso, tomando aspectos infra-pessoais, que atinge o indivíduo e adquire
poder de convencimento. Se mostra como uma realidade adquirível, uma experiência desejável.
É por tal que algo toma consistência de massificado: agenciar um desejo já mostrando qual o
caminho e o fim. É na exposição de desejos que o homem vê oportunidade de ganhar
consistência ontológica em sua subjetividade esvaziada.
Assim se torna deveras claro o que se pretende trazer à discussão com os conceitos de
Guattari em paralelo com os de Adorno: tomamos como central, antes da massificação dos
modos de expressão e interpretação, o desejo: é ele que resume toda a questão da subjetividade
enquanto agenciamento massificado. E se tomamos a subjetividade enquanto uma máquina
abstrata, logo podemos trazer à luz uma essência estrutural: a indústria cultural se vale, antes
de suas mensagens e objetos massificados, das complexidades maquínicas que os acompanham,
instaurando ao mesmo tempo o território existencial dessas máquinas e a linha de fuga proposta
por esse desejo. É na complexidade crescente dos simulacros que podemos investigar a questão
do desejo.
Antes de nos preocuparmos, portanto, com os tipos de matérias das quais se valem as
indústrias culturais, principalmente as veiculações das mídias, temos de levar em conta o que se
forma como território existencial por sob estas manifestações: a modelização de uma
subjetividade capitalística, de tal sorte que, ao mesmo tempo em que massifica uma série de
indivíduos, limita e inviabiliza qualquer saída fácil ou visível desta situação. Antes, o que se
mostra, é a ausência da percepção, por parte das massas, deste fator de modelização. Se
podemos de fato constatar que a linguagem é o fator de influência intersubjetiva mais eficaz, e
que as máquinas midiáticas se valem disso como nenhuma outra – através da publicidade e
marketing –, percebemos que nossos cuidados não se dão diretamente à natureza do conteúdo
da informação veiculada, mas sim à qualidade intensiva da mensagem enquanto território
ontológico destes conteúdos que capacitem modos de ser que se transmitem de uma máquina,
como a TV ou plataformas na internet, para com seus espectadores. Se nos valemos de
conteúdos considerados tabus, ou ainda, cotidianos, pouco importa perante à capacidade de
modelar uma subjetividade sem ao menos que este agenciamento se torne conhecido. É na
potência enquanto simulacro que os conteúdos irreais ganham eficácia desejante.
Há de se operar um corte destes fluxos desejantes que modelizam o subjetivo para que
tragamos à superfície todos estes agenciamentos discretos. Antes de quebrar com a
33 BAUDRILLARD, 1991
massificação, há de se evidenciar os simulacros enquanto irreais, para quebrar com a
possibilidade de um agenciamento fantasmagórico de uma promessa de experiência ready-
made. O que se faz necessário não é uma luta aos veículos de informação, ou à linguagem das
quais se valham, mas sim uma luta pela instauração de máquinas de guerra que operem cortes
destes agenciamentos de simulacros estéticos e que abram espaço para que se agenciem novos
desejos, desta vez com um foco na individualidade e na subjetividade enquanto singulares.
Ignoramos a complexidade de todas estas relações massificadoras promovidas por máquinas
capitalistas, na forma de complexos idealísticos que agregam não somente uma informação,
mas, com um caráter de verdade, validam uma experiência estética utópica ao mesmo tempo
que já agenciam um desejo para com esta.
Tomamos as palavras de Guattari para trazer uma finalidade a tudo isto na forma de uma
recomposição destas instâncias de modelização, para antes de massificar, produzir
subjetividades:
Esperemos que uma recomposição e um reenquadramento das finalidades das
lutas emancipatórias tornem-se, o quanto antes, correlativas ao desenvolvimento
dos três tipos de práxis ecológicas aqui evocados (indivíduo, socius e ambiente).
E façamos votos para que no contexto das novas distribuições das cartas da
relação entre o capital e a atividade humana, as tomadas de consciência
ecológicas [...] estejam mais prontas a ter em mira, a título de objetivo maior, os
modos de produção da subjetividade - isto é, de conhecimento, cultura,
sensibilidade e sociabilidade - que dizem respeito a sistemas de valor incorporal,
os quais a partir daí estarão situados na raiz dos novos agenciamentos
produtivos.34
Assim, podemos pensar a atividade de um designer que fuja de quaisquer aspectos que
transformem uma ideia em valor capital. Todas as ideias de que a informação vale dinheiro, ou
que a informação está mais valiosa que máquinas apenas perpetuam e estratificam movimentos
vitais do homem como tendo ideias e querendo compartilhá-las. Por isso, necessariamente
resgataremos mais uma vez a ideia de ato de criação em design para poder elucidar uma
proposta construtiva e ecológica do designer enquanto profissão de emancipação de
subjetividades. Trabalharemos um ato de criação sistêmico como forma de reintegração
ecológica do homem.
• Homem: esta ecologia está em crise, mas muito porque as outras duas estão
também. A crise da ecologia do homem é interessante porque reúne as máquinas
e as imanências. A crise do homem é de identidade, pois por longo tempo as
diferenças foram se camuflando, e o contemporâneo abriu margem para uma
miríade de expressões. O que antes se considerava como identidade, porém
34 GUATTARI, 1990. P 33
coletiva, hoje se fragmentou em individualidades. E este movimento de
individualidade origina a segunda crise, a social;
• Sociedade: o homem perdeu a noção de convivência. A cada vez mais podemos
nos isolar dos outros com nossos fones de ouvidos, óculos de sol, smartphones
na cara. Pedimos comida no iFood porque não queremos falar no telefone.
Queremos cada vez menos contatos desnecessários com outras individualidades.
A crise social se dá pela não aceitação destas individualidades, um movimento
retroativo de homogeneização contra às diferenças que fazem diferença. Isso
implica em intolerâncias, preconceitos, ódios, cisão de nações, enfim. Todo e
qualquer tipo de sociedade enquanto coletivo está em risco pela complexidade
adquirida;
• Ambiente: pelo fato de nossas duas esferas próximas estarem em crise, o
ambiente é o resultado de um homem que não se entende e não sabe mais se
relacionar coletivamente, ou seja, uma crise ambiental. Desconsideramos o
ambiente no qual vivemos, nos últimos 100 anos, em detrimento de um
positivismo humano. Talvez a crença positivista de uma modernidade tenha se
quebrado com a inauguração de uma pós-modernidade, na qual desejos e
expectativas não foram materializadas. E o resultado disso foi exatamente um
contagio de um sentimento depressivo e de preocupação com a situação desta
ecologia maior.
Nós, enquanto designers, teremos a função de restaurar a coerência entre estas três
ecologias e organizá-las, dotá-las de coesão a fim de restaurar uma metaestabilidade. O designer
como profissão de ligadura, deverá agir nos meios e restaurar as conexões entre uma ponta e
outra, de forma a organizar parte por parte. E a diferença de um ato de criação em design, que
se configura pela ideia em design e pelo desenvolvimento projetual, e um ato de criação
sistêmica é que este deverá obrigatoriamente partir de um sistema coletivo, ou seja, complexo
por natureza. Nesta categoria poderiam adentrar projetos transdisciplinares, ou ainda coletivos,
virtuais, globais, aquele ditado, quanto maior melhor.
Um ato de criação sistêmico levará em consideração todo o sistema de fatores que darão
consistência ontológica – sejam eles fluxos ou contra-fluxos. Ele não partirá de uma
individualidade como origem, mas sim uma multiplicidade inquietante, uma sobreposição
explosiva de territórios extremamente férteis que tenham a capacidade de conceber uma ideia
plural, hipercomplexa e impermanente. A criação sistêmica nada mais é do que o precedente
para todo e qualquer ato de criação, apenas desvelado como conceito puro. Se dissemos que o
território abstrato tem de ser fértil para conseguir originar uma boa ideia, toda esta lógica está
compreendida em um reconhecimento de sistemas maiores e determinantes. Este tópico
implica em subsumir toda nossa proposta de ter ideias em design sob a figura de uma
complexidade territorial que pode, por fim, ser entendida como uma máquina sistêmica, que
em sua imanência porta uma complexidade inigualável. Este é o CsO das boas ideias.
Bom...
Aqui encerramos o tomo, platô ou capítulo sobre o pensar. Quisemos dar a entender o
suficiente para que se pense sobre o pensar, destrinche as estruturas, resgate um pensar
sistêmico, entenda um pensar design. Enfim, quisemos oferecer diversas maneiras de
interpretar o mundo através de uma ótica do design, um pensar design, partido de um território
do design como primeiro nos fluxos vitais.
Pensamos que entre o pensar e o fazer deveria haver uma pausa literária, que pudesse
mostrar de certo uma abstração lírica do pensar, sob a forma de borboletas e espelhos. O fazer
implica em um reflexo e as borboletas apenas pairam.
Borboletas e o Espelho – Interlúdio
É difícil explicar. Eu, eu... Tenho medo de borboletas. Eu morro de medo de borboletas.
Eu não consigo suportar estar perto de uma borboleta, porque começo a me tremer e saio
correndo. As entranhas se reviram em um movimento de asco misturado com a mais profunda
depressão e enjoo. Estar perto de uma é suficiente para me deixar mal por horas. O pior de tudo
é que eu amo borboletas. Sua forma, suas cores, sua leveza. Me apaixonei pelo que não suporto.
Certo dia fui até um borboletário, depois de muita insistência de meus amigos. A porta
era de vidro e a maçaneta era gelada. Um corredor longo de luzes frias. Primeira impressão ruim.
Não podia entrar naquele lugar de clima hospitalar, azulejos esbranquiçados, mas amarelados.
Já queria voltar. Quase dando meia volta me deparei com uma fila de pessoas atrás de mim. Não
tinha mais como voltar. Estava destinada a estar num espaço ao qual nunca me sentiria
confortável. Estava andando na fila como se fosse uma condenada na linha da morte.
Abri os olhos e me deparei novamente com as borboletas. Todas elas em voo frenético,
de lá para cá e de repente a direção mudava. Diversas cores, tamanhos, padrões, rotas
conflitantes, mas que ainda assim não se chocavam fisicamente. Estava impressionada com uma
visão sem medo de seres que antes me eram completamente inapreensíveis. Eu não sabia nem
por onde começar a olhar. Era tudo... tão estranho, mas tão belo. Estava acostumada a olhar
livros de anatomia, desenhos hiper-realistas, fotos, mas nunca me deparei desta forma, tão...
próxima com a coisa viva. É completamente diferente. Parece que me traz certo calor à alma.
E neste processo cíclico, me detive por momentos a fio, sem ter carinho pela hora. Sentei
no banco e fiquei ali, admirando a paisagem que se enquadrava na janela de vidro e seus
batentes de gesso. Era linda a mera possibilidade de estar diante de borboletas de todos os tipos
sem precisar sair gritando. Fiquei na tentativa de entrar pela lateral e estar em contato direto
com elas, mas não me parecia possível ainda.
Suas asas batiam, a cada momento revelando uma parcela das cores, padrões que
apareciam a sumiam. E a cada bater, outros bateres se somavam, e o que era uma borboleta
vivendo, cresceu para uma trama de bateres de todos para todos os lados e intensidades. Como
pode uma vida desse tipo, destinada a um bater eterno de asas? Será que sabe para onde vai?
Será que sabe escolher um destino para suas batidas? Ou será que se contenta em bater e não
importando aonde estivesse, estaria lá sem dúvidas e arrependimentos? Como pode uma vida
não conhecer tantos aspectos que existem ao seu redor? Será que percebem a repetição
incessante do bater de suas asas, da mesma forma que nós nos acostumamos com o bater de
nossas pálpebras?
- Ok, tchau!
Olhá-las me traz conforto. Parece que são seres tão leves, tão inofensivos. Parece que o
destino de uma borboleta é voar para que seja contemplada. Contemplada pelos olhos felinos
de entomólogos e apreciadores. Como pode uma apreciadora que não se dá a experiência de
sentir borboletas? Do que vale um conhecer apenas pelas ideias? E todos os outros tipos de
conhecer que não se resumem em palavras, e que as borboletas têm o cuidado de apenas viver?
Este ser, que traz vida consigo, que nos faz questão de denotar a passagem do tempo. Os fluxos
das borboletas são o mais belo relógio. E quando lhe perguntarem que horas são, olhe as
borboletas e diga, pois, de quantas borboletas se faz uma hora.
Porque tamanha crueldade de espetá-las em uma tábua de madeira, para que todos a
olhem estática? Não se olha o corpo, se olha a borboleta e o seu movimento. E todo apreciador
há de saber que antes de borboleta, já foi ovo, larva, pupa para enfim, ser imago. E que palavra
curiosa. Será que tem a ver com imagem, imaginação? Será que as borboletas imaginam que
para fora deste cubo de concreto existe um outro cenário, parques, florestas, um espaço infinito
de ar? Como será que reagem elas ao se chocar com a parede azul, a qual deveria ser o céu, um
espaço infinito? Será que lidam com imagens elas mesmas? Percebendo se as coisas
correspondem ou não?
E será que elas mesma sabem interpretar a existência umas das outras? Saber se outra
borboleta de fato é uma outra borboleta ou a puta da sua mãe1? Não devem se perguntar se as
outras borboletas são reais ou imaginárias, não devem se questionar de qual natureza são as
intenções da outra. Apesar disso, elas vivem, e se formos comparar, dominam este movimento
muito melhor do que nós. Não se perguntam se o caminho tomado foi o certo, não pautam um
instinto de vida numa iminência de morte, ou ainda se perguntam o caráter da diferença que
suas ações têm com as anteriores. Será que uma borboleta lembra de quando foi lagarta? Como
será que uma vida passa por tantas transformações e nem ao menos se questiona se ainda é
quem achava que era, ou se de fato é? Como se sobrevive a uma reestruturação completa de
suas partes? Bom, uma lagarta é um grande vasilhame para uma gosma ainda em
desenvolvimento.
- De verdade, me perdoa por isso, Cláudio, pega um papel para a moça se limpar.
1 DELEUZE, 1996.
Me limpei com o papel enquanto a mãe ia embora com seu filho, ainda em estado
catatônico pelo ocorrido. E as borboletas, tendo vivenciado a mesma ocasião, não hesitam por
um instante em continuar a deriva no ar. Isto lhe confere certo aspecto mágico, pois quando se
olha para uma borboleta não se imagina que seja um inseto; ora, bonita de mais para tal2. Ela
pode ser uma fada, uma bruxa, uma entidade mística realizadora de desejos. E imagens sobre
ela não faltarão ao longo da história humana. Ela é emblemática porque se não sabe para onde
vai, existe a chance de lá estar durante algo. Sua presença é emblemática, é curiosa demais que
uma coisa tão bela e delicada esteja no ar, e que nos conceda a graça de poder olhá-la.
Será que se atenta ao ritmo de suas asas, e que quanto mais frenética ela for, mais
frenética estaremos nós? Como reage ela a uma corrente de vento forte, que simplesmente a
leva a uma deriva ainda maior do que está acostumada? Como funciona seu bater de asas nesse
momento? Será que ela desiste ou luta contra a força maior? Como é bater asas na esperança
de voar?
E o que significa ser um ovo, para depois rastejar, renascer e enfim bater asas e se
arriscar? O que significa essa libertação, redenção da lagarta em borboleta? Será que uma vida
curta, porém livre e perigosa compensa? Será que uma lagarta não deveria continuar para
sempre larva, a comer folhas e ficar escondida nas árvores? E porque suas vidas são tão
efêmeras? Será que sua missão é simplesmente entender a vida, mas de forma simples? Será
que o entendimento que uma borboleta tem a respeito de uma brisa poderia nos ajudar a
entender a vida e como vivê-la? Será que deveríamos ser mais borboletas às vezes e menos
larvas ou pupas? Quando será que estaremos preparados para nos lançar aos ventos, correndo
o risco de cair, de ser devorado?
Acho que vou entrar na sala e estar com elas, nem que eu fique gritando, eu preciso saber
o que elas sentem, preciso saber como são, como fazem, como...
Olhei para as borboletas novamente e elas pareciam tristes. Não era mais o mesmo pairar
de antes, parecia que sabiam que se eu voltasse amanhã poderiam estar mortas, ou terem se
devorado num ato de canibalismo. Oras, são borboletas, afinal, apenas insetos. Parece que
2 http://www.dailymotion.com/video/x58i8m3
mesmo se voltar, jamais poderei entrar naquela sala que me dispus num ato de libertação, de
metamorfose em motefóbica a motefílica?
CAPÍTULO 3: PRÁXIS
Bom, chegamos no ponto em que partiremos para uma análise do que se pode propor
enquanto conceito para uma práxis, algo que podemos traduzir para uma prática em design.
Para isso, considerarmos primeiramente um mapeamento dos parâmetros de atuação de um
designer, ou seja, sintetizaremos o processo do pensar para propor, ao invés de territórios de
atuação do designer, evidenciar as linhas de fuga que se podem produzir de cada um. E para isso
evocaremos os fluxos enquanto determinadores de processos.
Como se pratica?
Bom, podemos dar algumas perspectivas sobre o que significa praticar algo. De certo, o
conceito de atualização será predominante do começo ao fim. Atualizar significa transformar o
que era possível em atual, determinar uma dentre as possibilidades de ser: levar a existir.
Praticar, assim, é a atualização do que pautamos incessantemente no capítulo anterior, como o
ato de criação, a ideia. No caso do design, o praticar se dá pela atualização da criação projetual,
sistêmica e virtual. Podemos delongar mais sobre isso?
Se elaboramos toda uma estrutura conceitual para estabelecer por quais meios podemos
ter ideias, articulá-las, ser criativo, dentre uma miríade de questionamentos outros, podemos
evidenciar o caráter essencial: dividir o processo de design em duas partes: o metaprojeto
virtual, organização do tempo e das fases, dos fluxos, das relações previamente aos
acontecimentos; e o projeto a ser atualizado, mas ainda virtual, que determinará os meios de
atualização da ideia. Digamos que o produto do metaprojeto seja como um algoritmo a ser
replicado. O metaprojeto elegerá meios, argumentos, ferramentas necessárias, conhecimentos
precisos, tudo para articular um sistema que seja coeso e coerente. Assim, o resultado de todo
este processo resultará em um esquema processual que pode ser seguido, quase como um
manual de instruções ou um tutorial em vídeo no youtube. Este é o ápice do projeto.
Contudo, podemos ter uma prática expressiva, que fugirá à um projeto predeterminado.
Aqui colocamos em questão a complexidade dos projetos em design: uma expressão visual
autoral não tem uma carga projetiva notável inerente a si, de forma que seu campo de atuação
e organização é limitadíssimo. Por outro lado, se retornarmos ao exemplo do sistema escolar,
poderemos ter um exemplo de altíssima complexidade. Isso significa, novamente, que o projeto
é uma ferramenta, uma máquina da qual podemos fazer uso para cooperar com complexidades
elevadas. E aqui evocamos então a coesão e a coerência para explicitar como fazer juízo sobre
a complexidade, para dizer qual está mais perto do conceito de bom. Mas isso é um spoiler de
juízo, então apenas ignore por hora.
1) Solução de problemas: decidimos por começar com esta pois é a mais emblemática de todas
as outras. É aqui que a maioria dos designers se situa por achar que seu ofício se limite a
solucionar problemas. Oras, se expandirmos o conceito de problema, podemos chegar na
mesma proposta de organizar sistemas por coesão e coerência. No fundo, solucionar o
problema é um processo projetual. Cremos que diversas palavras foram sendo utilizadas
para designar as atividades de um designer, de tal forma que foram se sobrepondo
diferentes visões de mundo que justificassem o exercício do designer em uma mescla sem
pé nem cabeça. Seja pela problemática, seja pela solução, o designer não se limitará a
solucionar problemas, pois pode operar na ordem da proposição ou da criação de problemas
também. Se formos para o subterrâneo, problema tem alto vínculo com o erro. Temos um
problema a partir de um desacordo, uma não correspondência de partes. Solucionar
problemas significa mascarar o processo projetual, a idealização e a atualização em um
mesmo paradigma. Por tal, não podemos recusar esta definição, mas ela ainda é muito
aplicada. Por tal, resolvemos destrinchar alguns pontos que se compreendem numa solução
de problemas:
a) Criar algo: já mencionamos isso ao longo do texto então seremos breves. Criar algo no
sentido de, quando se comparar t=0 e t=x, sendo x o final do processo, haverá alguma
diferença em algum sistema. Qualquer projeto de design criará algo, e como falamos,
subverterá a ordem e causará perturbação. Aqui não falamos de algo atual, material, ou
algo virtual, digital; a composição do produto não tem relevância perante o processo;
b) Propor um conceito: aqui começamos a entender uma dimensão do projeto que se
mantém extremamente velada e por isso invisível. Se puder se recordar, nós falamos
sobre o ato de criação e a sobreposição de diferentes territórios conceituais que seriam
perpassados por um fluxo, o fluxo abstrato que promoverá o ato de criação. E isso, acima
de tudo, envolve a criação de um novo território híbrido, ao qual terá necessariamente
uma parte virtual e possivelmente parte atual. A parte virtual pode ser entendida como
a criação de um conceito, e a parte atual como o projeto a se atualizar. A parte
conceitual se configura como uma sobreposição e determinação entre as partes dos
territórios que foram incorporados no fluxo abstrato. Isto significa que necessariamente
haverá um território conceitual criado quando um designer diz: projetei. E isso pode ser
um conceito do objeto, uma ideia, um conceito filosófico pelo qual o objeto adquire
consistência ontológica – não caiamos na falácia de achar que objetos atuais não
dependem de uma existência virtual para dotá-los de sentido;
c) Manter-se no metaprojeto: Neste aspecto em particular podemos analisar a criação de
um designer como um metaprojeto, ou seja, o projeto será na realidade o resultado, o
algoritmo criativo, manual, receita do processo de organização para solucionar. É
complicado entender perfeitamente este conceito porque envolve uma dobra do
projeto sobre ele mesmo, mas vamos lá: o projeto é um processo planejado que derivará
alguma diferença em algum sistema; já o metaprojeto será um processo planejado que
derivará um projeto a ser executado, por alguém ou por algo. A diferença é no
encerramento do ciclo no projeto e a proposição de infinitos ciclos possíveis do
metaprojeto. Podemos comparar com os sistemas abertos e os sistemas fechados. O
designer que se manter aqui receberá uma alcunha um tanto peculiar, como designer
de experiências, ou o famoso e crescente UX (User Experience), ou então o designer de
sistemas: termos abstratos e sem fim. Aqui podemos entender um designer que
produzirá máquinas autopoiéticas, ou seja, máquina capaz de agenciar fluxos;
d) Manufaturar algo: aqui se encerra todos os ciclos do designer, como a manufatura de
um produto, virtual ou atual. Dessa forma, o ciclo projetual se encerrará na atualização
de uma ideia enquanto território, e não enquanto máquina autônoma. A diferença é
que o primeiro será apenas algo a ser usado, sem capacidade de agenciar fluxos em
outras máquinas que não por intermédio de um subjetivo: o território é estático e é o
ser que o movimenta em sua prática discursiva. Máquinas, por outro lado, são
autônomas, tornam-se capaz de reunir diversos territórios em sua consistência
ontológica para enfim agenciar fluxos e processos independentemente de um subjetivo
que lhe instaure fluxos, ou ainda, reagindo autonomamente à impulsos externos.
2) Otimização de sistemas: aqui entramos com nossa proposta, a qual já explicamos de
diversas formas, então vamos nos ater ao fator central. Aqui, o designer deverá responder
de acordo com as perturbações externas, com a única missão de adquirir metaestabilidade,
de forma que o problema não necessariamente será resolvido, pois ele pode desaparecer
ou ser encarado como característica. Tentando ser mais claros: aqui, não envolvemos as
etapas ou alcunhas definidas acima. Ao invés de destinar objetos para a atuação do
designer, e de lhe dizer quais fins, ou quais métodos, deixando de lado o que não puder ser,
tentaremos abstrair e extrair o conceito interino, ou seja, a essência de uma prática de um
designer sem distinguir entre real e virtual, entre projeto e metaprojeto. Bom, de fato,
vamos agora adotar uma perspectiva sistemática para explicar as possibilidades de atuação
através dessa ótica puramente imaginativa. E para tal, classificaremos em estágios de
complexidade da atuação de um designer:
a) Reorganizar a composição de um sistema: Isto significa trabalhar com uma totalidade
estrutural e suas partes envolvidas somente. Não entramos nas conexões entre as
partes, mas somente de quantas partes se fazem o todo e qual a qualidade destas. Aqui
implica em reconhecer a identidade destas e suas propriedades, para em seguida operar
conexões. Se formos pensar em conceitos palpáveis, tomemos por conta um designer
de ambientes, que organiza os móveis no espaço, e cuja única função seria escolher
quais móveis entrarão nesta empreitada. Ou ainda, que se separe todas as imagens para
uma colagem gráfica. De certo, podemos ter um princípio de coesão se instaurando
imediatamente após, pois a composição se alia fortemente à conectividade. Seria algo
como escolher as melhores partes para se compor uma unidade;
b) Modular as intensidades das relações: aqui podemos ter um esboço da coesão enquanto
pautada nas ligações entre as partes, tanto mais fracas quanto mais fortes. É aqui que o
designer vai promover um melhoramento das formas de relação entre as partes,
otimizando somente o que tange as partes e suas relações. Por exemplo, se temos um
objeto e que este é composto de partes, promover-se-á uma reorganização,
rearticulação das partes para algum tipo de finalidade, não necessariamente uma
função; também a permanência do objeto: durabilidade, portanto; interações estéticas
com sistemas externos. Se os móveis e as imagens já foram selecionados, agora é o
momento em que se propõe as relações entre eles, e que sejam harmônicas, ou
novamente, coerentes com o tipo de produto a ser elaborado. Aqui tentaremos dar um
enfoque na reorganização como finalidade em si mesma, mas que cumpre outra
finalidade implícita de aspectos formais e sensíveis pois constituem a composição de
um todo a ser interpretado: coesão;
c) Subdividir um sistema para ser mais funcional: aqui entra o conceito de módulo
enquanto subsistema funcional e facilmente reorganizável. Se temos uma composição
que é conectada, e que estas intensidades variam muito, pode acontecer de se
formarem subsistemas dotados de propriedades funcionais. Aqui entra o designer como
profissional sistêmico: permite analisar as estruturas e repartir o sistema em
microssistemas, infra-sistemas que dotem a totalidade de uma função aprimorada pela
centralização de tal propriedade em uma parcela das partes cuja única atribuição seja
essa, como por exemplo a mitocôndria em nossas células. Aqui podemos pensar, por
exemplo, na necessidade de se atribuir funcionalidades dentro de uma equipe para
otimizar o trabalho; ou ainda subdividir os processos de uma interface de um aplicativo
mobile, ou ainda pequenas funcionalidades dentro de um espaço, trazendo uma
organização de móveis que componham um bar, um espaço para assistir TV. É o que
pensamos enquanto módulos dentro de um sistema maior;
d) Trabalhar a funcionalidade de determinado sistema: Isto implica na coesão dos
módulos, trabalhar em direção a uma funcionalidade específica pela organização das
partes e autonomia dos infra-sistemas. Podemos traduzir isto como uma outra forma
de coesão, desta vez entre os fluxos funcionais dentro de um determinado sistema.
Podemos pensar em subdividir uma mesma funcionalidade total em etapas, ou
territórios ou parâmetros, e que na conjunção destes, uma funcionalidade totalizante
seja apreendida como o objeto de design. Aqui significa elaborar os módulos de forma
que as funções sejam otimizadas, e que, portanto, a função do sistema maior acabe
sendo aperfeiçoada. Podemos pensar, por exemplo, em um bar com diversas máquinas
que lhe garantam funcionalidade perfeitas, ou ainda uma sala de TV com poltronas
reclináveis, tela de LCD de 90 polegadas FULL HD. A missão é transformar a coesão
dentro de um infra-sistema e que enfim tenha coerência com o resto do sistema e todas
as outras funcionalidades que lhes compreende;
e) Operar fluxos agônicos: aqui entra um outro aspecto fundamental da atuação de um
designer, de forma que, se podemos pensar ao mesmo tempo em uma construção e
instauração, podemos pensar no lado oposto da linha, ou seja, aniquilar outros fluxos,
determinadas funcionalidades, em prol de algo maior. Podemos pensar em momentos
que se prioriza um corte de certos fluxos, como um design social cuja única função seja
acabar com opressões, ou ainda um design gráfico que tenha por missão sinalizar um
‘não ultrapasse’. Isto é o grau de complexidade maior que pudemos perceber nos
exercícios de um designer: considerar um sistema e sua organização para projetar um
outro sistema que lhe seja sua antítese. Entender a dimensão sistêmica é antes de tudo
entender as perturbações que nossas ações causam, e pensar na complexidade que se
forma para enfim prever, especular, tentar trazer ordem ao que somente tende a
crescer em caos.
Enfim, tentamos trazer algum tipo de esclarecimento sobre como podemos pensar o
design para além de sua caixa, além de sua gama teórica, interpretativa. De certa forma,
abstraímos completamente para tentar quebrar com qualquer território que se formou ao longo
do tempo. A perspectiva sistêmica pode ser a linha de fuga, nos termos de Deleuze, para um
território que sempre tende a se fechar sobre ele mesmo, engessando-se até cristalizar-se.
Nesse ponto é que pensamos em fluxos agônicos, para aniquilar os fluxos deste território que
não se modifica mais e, enfim, podermos trabalhar em uma desterritorialização das estruturas
eternas em função das linhas de fuga, do movimento, tornando estes territórios atualizáveis,
que se modifiquem com o tempo. Se o design trabalha com sistemas, devemos entender que
trabalhamos inevitavelmente com fluxos, e que nossa matéria de expressão é um tempo em
movimento e os objetos que nele permanecem, mas sempre se diferenciando deles mesmos.
Praticar, assim, se tornará uma forma de dar movimento às coisas que não possuam
função autopoiética – de atualização imanente. E o designer poderá conferir isso através de um
projeto, ou ainda uma ideia, um discurso, uma imagem expressiva. O importante a ser entendido
é que no fundo o designer trabalha não com os objetos, mas o que se situam neles, e que
traduzimos pelos aspectos sistêmicos, mas que, de certo, não se fecham nestes: trabalhamos
com matérias humanas em constante transformação, objetos cristalizados, projetos em
andamento, organizações hipercomplexas e formas de conferir funcionalidades ou organizações
a sistemas em crescente complexidade.
Partiremos agora para um pensar sobre quais disciplinas, ou seja, quais territórios
conceituais o design já se situa, e analisar as formas como estes territórios atuam, quais as
diferenças de superfície entre uma atuação e outra a fim de resgatar propriedades comuns a
estes sistemas e evidenciar, talvez, a diferenciação do designer a partir desta perspectiva
ontológica e sistêmica. E isso trará ao nosso corpo conceitual uma abertura da atuação, ao
mesmo tempo que abstrairá as formas e permitirá uma expansão dos territórios.
Temos este material3 que nos serviu muito a este tópico, e se lhe interessar, tome
conhecimento de algumas possibilidades de se pensar o exercício do designer na mente de
diversos estudantes ao redor do Brasil, e cabe ressaltar uma resposta em específico, quando
perguntamos sobre qual aspecto o designer se diferencia de qualquer outra profissão: pela
3 https://goo.gl/5iXffn
abertura e possibilidades de atuação. Sejam bem-vindos ao designer enquanto profissional
sistêmico.
Territórios de alteridade
Alteridade se configura como externo ao Eu, ao sujeito, ao subjetivo, à identidade, ao
caráter. Entraremos em territórios alheios ao design com o único propósito de agenciar
conexões entre estes e o design. Contudo, escolheremos territórios menos sedimentados que
os das profissões. Oras, se definimos como prática aquilo que confere movimento às coisas,
trataremos aqui somente dos verbos, e não dos substantivos. Queremos falar das máquinas-
verbo que nos utilizamos nas diversas atuações humanas.
Bom, difícil saber por onde começar a delimitar os outros territórios, assim, do nada...
então vamos refletir apenas sobre os outros territórios e como suas existências exercem
influência sobre o designer. Basta olharmos para espaços como as universidades para encarar
de quais formas o design pode ser aproximado: artes, arquitetura, comunicação, ciências
humanas e suas aplicações, engenharia criativa. Enfim, já partimos para aproximar todos estes
conceitos à um ato de criação. Porém, tão logo a academia possui um atraso em relação à prática
criativa e intuitiva, que não vemos razão em olhar para a segregação das disciplinas do
pensamento. Olharemos para a prática, e para os locais aonde o designer trabalha, para enfim
identificar certas atuações que se somem.
Ainda assim, um designer, em seu projeto, deverá essencialmente propor as formas como
materializar a ideia. Mesmo projetos virtuais já possuem imbricados em seu centro uma
plataforma de atualização, e isto significa até mesmo uma plataforma conceitual. Oras, mas esta
é do filósofo, e quiçá do artista. Isto nos evidencia um conflito de conceitos, entre um designer
e seus meios, e um artista e seus meios. Esta ligação é a criação viva, a proposta do inventor
aliado a uma expressão subjetiva. Muito embora a questão da arte seja subjetiva, enquanto a
do designer é exclusivamente estética – até o ponto em que um modelo de expressão pessoal
se transformará em coleção complexa de elementos que configurem um universo estético.
E podemos entender que as ações surgem antes dos verbos, de forma que uma
determinada atuação ao longo do tempo cria autonomia e complexidade própria a ponto de
exigir designação própria. E o verbo declara a consistência ontológica deste conceito, desta
atuação específica que cumpra determinada funcionalidade ou prossiga por tais meios. Se
formos falar de verbos, oras, podemos igualmente conceber verbos para atividades criativas,
para ações de análise, ações interpretativas, executivas, técnicas. Mas o que nos atenta, ainda,
é tentar arrastar a dimensão linguística para permitir interpretar: verbos transitivos afetam
outros indivíduos; verbos intransitivos não afetam outros; verbos impessoais não implicam
sujeito nem objeto; verbos de ligação apenas conferem a relação entre um sujeito e uma
qualidade. Podemos continuar, mas não vemos porquê. Basta-nos pensar que a gramática dos
verbos nos revela qualidades das ações em suas ontologias. Se formos partir para outro tipo de
classificação, nos referindo a qualidade da ação em seu universo conceitual, poderemos pensar
em verbos profissionais, que funcionariam como uma síntese ontológica de atividades humanas.
Mas não queremos ir tão longe. Podemos estabelecer nossa proposta em significar o
funcionamento dos verbos para enfim trazer o seguinte: se quisermos partir para uma síntese
de outras profissões, tomaremos tempo demais.
4 Defenderemos aqui que o projeto é a forma de conceber uma ideia de forma organizada, mas sempre regido
por um metaprojeto que determine os fluxos e seus ritmos ao longo do processo projetual. E de certa forma, quanto
mais regressões forem feitas, exponencialmente o grau de complexidade aumentará.
definimos territórios próximos pela aparição destes ao longo do tempo, pelos tipos de fluxos
que agenciaram. Contudo, ainda assim estamos perdidos, sem nada para sustentar qualquer
reflexão ou imersão conceitual. Queremos propor assim uma nova forma de buscar este verbo
comum que pode evidenciar um ponto de partida do design, e a dica está nos adjetivos que
elencamos previamente também: artística, comunicativa, criativa, cultural, humanística, lógica
e sistêmica. Adjetivos pressupõem substantivos, mas sua transformação em advérbio revela
uma potência de ação: artisticamente, comunicativamente, criativamente, culturalmente,
humanistamente, logicamente e sistemicamente. O sufixo mente5 adiciona a racionalidade do
processo sobre o adjetivo, o reconhecimento do fluxo, e assim transforma-o em potência: o que
acompanhará a ação do verbo, oferecendo condições, meios, modos, identidades, configurará
o território movimentado por detrás de todo agenciamento.
Contudo, não são todos os advérbios que conotam um verbo de mesma raiz: não existe
um verbo para arte a não ser o fazer. Fazer arte, fazer cultura, fazer humanismo e fazer lógica.
Isto porque precisaremos do substantivo, conceito, vulgo território, para evocar um movimento.
Aqui, podemos tirar uma conclusão analisando o verbo fazer: ele é plurívoco, com 40 definições
no dicionário6, comumente designado para algo que não se sabe ao certo a qualidade da ação.
Fazer se torna o verbo da complexidade de todos os fluxos de criação, estas coisas derivadas
dos agenciamentos. Por isso adotamos em nosso questionário o ‘fazer design’, pois ele seria o
único verbo que poderia evocar a pluralidade do design. E de certo, manteremos este verbo.
O estatuto diferenciado do verbo fazer reside no fato de esse item lexical se
comportar mais como um elemento coesivo do que apenas como uma unidade
léxico-sintática. Como já foi explicitado, o fazer pode substituir algum item lexical
(a fim de evitar repetição de lexias), pode fazer referência a algo que já foi dito
(tal como um mecanismo anafórico e/ou catafórico), pode funcionar como o
elemento maior numa relação de hiperonímia (como é o caso do hiperverbo),
dentre várias outras funções que o verbo pode exercer no léxico, na sintaxe e no
próprio texto. Seu comportamento linguístico está muito mais voltado para a
estruturação, encadeamento, sequenciamento e referenciação do texto do que
simplesmente para o preenchimento de um espaço verbal dentro da frase.7
Fazer
Sem definições de dicionário, novamente, resgataremos o ato de criação como conceito
primordial ao fazer. Já detalhamos o que significa criar uma ideia. Agora partiremos para a
“segunda parte” do ato, a atualização do virtual. E que fique claro que a atualização não implica
5 Deriva do latim mens, que significa a intenção, o espírito, o fluxo vital que orienta circunstâncias,
principalmente de modo.
6 https://www.priberam.pt/dlpo/fazer Acesso em 21/10/2017
7 RASSI, A. Estatuto sintático-semântico do verbo fazer no português escrito do Brasil, 2008.
em material, somente em real: determinação da mensagem em enunciado, em conceito,
estratificação do território em camadas sobrepostas que apenas deixam transparecer uma
superfície simplificada. Fazer implica necessariamente em dedicação, um esforço para
movimentar estruturas e organizá-las. Fazer é empregar energias vitais para com algo. E quem
poderá fazer senão o ser da linguagem através de seus desejos e agenciamentos?
É aqui que podemos começar a pensar em um ato de criação orientado pelo verbo fazer,
da mesma forma que se faz filosofia por blocos-conceitos e se faz cinema por blocos-imagem-
duração, se faz design por blocos-território-fazer. Será este o primordial, aquele ato de criação
monádica, que consiga lidar com a complexidade total subdividindo os territórios e atribuindo-
lhes visões de mundo que orientarão os diversos agenciamentos coletivos de todas as áreas do
conhecimento? Pois, se faz algo em algo. E por que queremos atribui tamanha capacidade ao
designer, de forma tão ampla? Porque o designer tem o potencial inerente a si de movimentar
os diferentes territórios, as diferentes máquinas, e orquestrar seus ritmos em harmonia
funcional, organizando o espaço e o tempo a fim de articular as partes e compor o todo.
Logicamente que isto pode se aplicar a diversas outras atuações, e não entramos no mérito de
tornar o designer o único, mas em todo caso será o exemplo perfeito para categorizar uma gama
de atuação orientada por um fazer criativo, organizacional, e todos os outros adjetivos já
utilizados pelo texto até agora sob a figura do fazer.
E bom, aqui trazemos um exemplo da cultura maker, filosofia maker, ou qualquer outra
nomenclatura que se atribua. Toda uma cultura que traz consigo um conceito: todos nós somos
seres criativos, de tal sorte que todos são makers. O fazer se torna montar, esquematizar,
imprimir em 3D, cortar à laser, soldar componentes em um Arduino. E as ideias correm soltas, e
se atualizam a todo tempo. E se trouxermos os FAB LABs, podemos compor uma trama projetual
e virtual que interliga estes espaços ao redor do globo, de tal sorte que um projeto desenvolvido
em Sevilha possa ser atualizado no interior do estado de São Paulo. Neste paradigma de novas
tecnologias de fabricação pessoal, o fazer será repensado, de tal sorte que existem certas
plataformas de atualização que dispensam o uso de técnicas manuais de manufatura. O fazer se
concentrará, portanto, na camada virtual, no projeto mental, na modelagem 3D digital. Isto
implica em um novo paradigma do fazer que se consolida como virtual, pois a atualização será
mecânica, maquínica, extra-subjetiva. Inauguramos este Umwelt tecnológico de gradíssimo
potencial: as máquinas de fabricação pessoal.
E enfim, cabe situar o espaço do designer dentro destes ambientes altamente complexos,
regidos por dinâmicas orgânicas, interesses diversos, habilidades hibridas e vivências múltiplas.
A tarefa de reger os ritmos, operar os fluxos e a interação das controvérsias serão território do
designer enquanto organizador. Desenvolvemos mais: caberá a ele entender a complexidade do
momento e reagir de acordo, de forma que a atuação do designer desaparece no todo dos
processos. Sua missão não é de aparecer enquanto figura que unirá todos sob o simulacro de
um projeto. Não. O designer deverá desfazer as barreiras entre uma parte e outra, e fará a
costura, sempre invisível. Quase como uma lubrificação, o designer será a atuação híbrida do
espaço. Oras, mas isso é desconsiderar o designer também como máquina abstrata que
promove agenciamentos, e de fato, se partirmos para um sentido pragmático, este bem como
os outros terá uma visão de mundo que orientará seus fluxos. Logicamente que não
colocaremos um designer que somente entenda de tecidos e estampas para operar a ligação de
um conceito com uma impressora 3D. Sejamos coerentes, mas nosso foco não é nas máquinas
técnicas que um ou outro faça uso, mas sim para com o designer enquanto ontologia da
profissão que defendemos enquanto sistêmica.
Isto implica em de fato atribuirmos o fazer enquanto peça chave para o designer, e um
fazer criativo é o seu diferencial. De fato, pela complexidade das peças que produzimos, por sua
estruturação híbrida, abrangemos mais de uma faceta de um fazer, engendramos possibilidades
múltiplas e rizomáticas. Não saímos tanto do que apresentamos no pensar, mas não poderia ser
diferente, visto que um e outro são essencialmente relacionados. Enfim, podemos dizer que o
único verbo que defina em sua plenitude o exercício do designer será o fazer, porque se
pudéssemos atribuir verbos específicos, teríamos que escolher apenas um dos meios pelos quais
atualizamos projetos, ou um dos meios pelos quais projetamos, ou uma visão de mundo
específica a uma faceta do designer. E se pudéssemos definir como projetar, ignoraríamos todo
o escopo prático de atualização.
Território do Designer
Assim, podemos compor dois aspectos essenciais ao território do designer: o projetar e o
fazer. São exatamente esses que definem os dois momentos primordiais: o projeto virtual e a
manufatura atualizante. Estas serão as duas linhas de fuga que se consolidam do território do
designer, e que em sua imanência comportam uma complexidade imensa, uma multiplicidade
infinita.
Vamos começar primeiro destrinchando cada linha de fuga, para depois estabelecer o
território que vai se formando ao longo do tempo, cada movimento de alisar e estriar o tecido.
8 ANDERSON, 2012.
analogias, as simpatias. Conferimos forma, conteúdo, estruturamos uma relação de
subjetividades, estratificações, possibilidades, funções, repartições, atualizações autopoiéticas;
e que todas estas máquinas estão presentes na mecanosfera do designer, espaço ao qual serve
de acervo conceitual para sempre que um projeto necessitar, a máquina ser evocada. Seria como
se o designer andasse com um caixa cheia de máquinas, e sempre que um momento exigisse,
ele utilizaria uma.
No começo achamos que seria interessante e essencial citar todos os exemplos que
conseguíssemos de atuações possíveis a um designer. Mas perdemos este devir, ele se mostrou
pouco coerente com nossa proposta. Então, ao invés disso, pensamos em abstrair qualquer
atuação enquanto conflitante com outra. Iremos apenas somar as diferentes atualizações,
dispô-las no território e traçar os círculos, subdividindo os tipos de atuação. Mas isso também
categorizaria uma multiplicidade, e não queremos isso. Mesmo uma existência simultânea não
será suficiente. Queremos, então, trazer à superfície o rizoma, e mostrar que as conexões não
faltam. E mostraremos que o design não pode ser apontado, muito menos separado. Se
fossemos apontar em qual ponto do rizoma nos situamos, apontaríamos para ele todo.
Nesse sentido, o território do designer não poderá ser descrito por palavras senão todas
elas. A matéria prima do designer é virtual, é conceitual, é ideal. Aprendemos sempre aspectos
de coerência e coesão, mas nunca explicitados enquanto tais. Apenas discernimos o que
funciona e o que não funciona. Sempre apontamos para casos específicos na esperança que
todos entendam o que foi dito. Mas isso não funciona de maneira plena. Discursos vazios não
falam sobre o todo, enunciados fechados ignoram tudo o que podem não ser. Aprendemos com
Deleuze e Foucault que o que caracteriza um enunciado, de fato, é tudo o que ele não é. E nós
não queremos ignorar esta proposta, por isso que damos voltas, falamos sobre tal, explicitamos
conceitos, trazemos à luz diversas facetas, e nunca dizendo que uma exclui a outra, ou ainda
que duas existências são conflitantes. De tal sorte que definir o território do designer será
praticamente impossível por meios convencionais.
Pausa para uma dica: nosso processo de aprendizado não foi pelas mensagens, mas sim
pela sintaxe, pelos usos, pelos contextos. E sempre que apareciam determinadas palavras, eram
os usos que nos intrigavam mais do que os significados. Prestamos atenção para como as
palavras eram usadas. E de fato, se tentar ler apenas decifrando nossas mensagens, será difícil
prestar atenção ao que realmente queremos mostrar. Oras, se falamos da puta da sua mãe não
é para ofender, ser xulo ou baixo, mas sim para mostrar a linha de fuga pelas palavras: realmente
não importa se é um ou outro, mas sim que seja. E se é, há de se ter um modo de ser, e isso se
apreende pelas diversas existências, e não pela finalidade delas.
Por isso dissemos que nossa missão é revelar o subterrâneo a fim de que esta existência
se torne conhecida. Frutificamos toda uma análise virtual dos conceitos de design para que a
existência não seja apreendida pelos seus estados, mas sim pelas potências ao longo do
continuum de todo os processos de design.
E ainda assim, pensamos que devemos falar mais, com dificuldade, entretanto, sobre tudo
isso, com outras palavras, para sermos os mais complexos possíveis, para cobrir as mais diversas
formas de existir deste assunto tão prolífico.
Supondo que tentemos definir um território do design, a fim de entender seus limites, sua
configuração interna, suas características, mas ignorando seus movimentos, vamos tentar
esboçar como seria: tomaríamos diversos estados numa série temporal de agenciamentos do
design, resgatando sua história, ralações com o presente, formas de manifestação, produtos
produzidos, projetos desenvolvidos. E de pouco em pouco, formaríamos um universo que se
configuraria por propriedades partilhadas dentre estes estados, e que essas relações definiriam
a estrutura deste território pelo qual transitamos. Bom, uma vez formado o território, ele seria
estratificado, cristalizado, e teríamos assim a famosa definição de design. Oras, estamos no
mesmo patamar das artes: o que é arte, arte para quem, o que não é arte, e diversas outras
crises ontológicas que suprimam quaisquer olhares para com o movimento. Se formos pegar
estados, devemos pegar os ritornelos, que são os pontos que guardam a potência de outro fluxo,
de forma que o movimento se perpetue. Se formos analisar momentos, tomemos os momentos
em comum entre as durações, tradução de um estado em outro, ou seja, durações.
E se pensamos, aquém de quem emana o fluxo criativo, para enfim atingir o destinatário,
ou seja, o receptor da informação, a subjetividade que fará sentido disso, entramos em outra
dimensão complexa das mensagens. E entendemos que existem certas expectativas, primeiras
impressões, estados prévios que determinarão uma forma de se relacionar com o sistema
projetado. E oras, novamente, expandimos infinitamente o território de quem produz e de quem
percebe. E assim deve sê-lo. Não podemos ignorar toda a complexidade que circunda as
produções subjetivas, toda a complexidade casual de quem interpreta, todas as possibilidades
de relações de um sistema com o outro. E podemos expandir a trama de controvérsias ao
infinito, sempre determinando os pontos de relação entre um sistema e outro, e como a partir
de um parâmetro subjetivo, ao qual tomamos cuidado para analisar o design, se evidenciam as
máquinas em seus relacionamentos, os agenciamentos, ou como Foucault chamaria, as relações
de poder. E são em geral as instituições de controle que determinam o aspecto de coerência e
coesão destes fluxos.
Bom, se tentarmos fazer uma breve análise de poder destas relações, temos diversas
máquinas de guerra que fazem com que os fluxos do design sejam podados, condicionados. E
de acordo com Guattari, ao adentrarmos este paradigma ético-estético, estamos abrindo
caminho para o juízo e as sensações. Percepções das coisas através dos dispositivos estéticos, e
juízo dos acontecimentos e tomadas e decisões considerando as coerências éticas. E existem as
instituições éticas e estéticas presentes que determinarão os fatores de coerência. Por exemplo,
uma apresentação de estética grotesca ou feia não condirá com os valores do belo, ou ainda
uma apresentação que não condiga com uma moral do bom cidadão acarretará em experiências
estéticas desprazerosas9.
Bom, agora chegou a hora de sermos mais pragmáticos: tudo isto significa dizer que toda
produção subjetiva deve ser adequada ao seu contexto e seu paradigma. Não podemos partir
9 Podemos fazer um link ao momento atual, no qual as obras de diversas galerias vêm sendo criticadas pelo
seu teor de nudez ou temas considerados tabus, todos sob a máscara errônea da pedofilia. Os bons valores da família
e da religião determinam que estes motivos não pertencem à um museu, e sim à fogueira.
para uma produção individual, um isolamento de certos fluxos em detrimento de uma estrutura
rizomática. Podemos perceber este tipo de discurso em enunciados de coletividade natural da
mãe terra, da natureza, nos valores biológicos e naturais, da matança da natureza, enfim.
Apenas traçamos as ontologias por trás. O que importa é que todos nós sabemos ser coerentes
e coesos. Mas não conseguimos sair de uma complexidade baixa destas relações, e isso é
perigoso. Se nossos ambientes se tornam cada vez mais diversos, caóticos, precisaremos de
olhos para desvendar este caos. E se não acompanhamos este crescente, de certo nos
perderemos em diversas tentativas de fazer sentido de tudo isso. Por isso Guattari pauta em
tratados éticos que tracem caminhos, modos, relações e que assim cooperem com esta
coerência complexa: produções de subjetividades cada vez mais complexas e livres.
Bom, em todo caso, nos ateremos a um universo menor: muito embora precisemos
reformular nossos tratados, podemos entender que eles existem sob morais da família, da
religião, de códigos éticos históricos para atuações. Isto significa criar máquinas de guerra para
subverter ações antiecológicas: para não permitir que a organização complexa do sistema social
perca coesão em seu funcionamento. E percebemos pela história que a cisão de uma nação,
uma falha de coesão, resulta em conflitos, levantes, revoluções, processos de crise que tentam
retomar a todo custo um estado de metaestabilidade, no qual o ‘mais forte’ sobreviverá.
E aí entra todo o aspecto que dissemos de uma atuação coerente com os valores
ecológicos e etológicos: nós, enquanto profissionais criativos, lidamos diretamente com
influencias subjetivas, ou inter-subjetivas, de forma que nosso tratado ético deve ser
incrivelmente mais apurado. “É preciso que a qualidade da produção dessa nova subjetividade
se torne a finalidade primeira das atividades humanas e, por essa razão, ela exige que
tecnologias apropriadas sejam postas a seu serviço.”10 Já discorremos sobre a possibilidade das
industrias culturais induzirem hierarquicamente modos-de-ser, antes de produzirem
subjetividades, principalmente através dos simulacros. Aí entra o discurso sobre verdades,
realidades e fidelidade ao que é palpável, ao que é sensível. As produções destas novas
subjetividades devem dialogar com estes tratados, de forma a recuperar, por exemplo nos
makers, uma produção criativa em todo cidadão, e que uma massificação que elimina diferenças
decaia em detrimento de um novo paradigma, em que a coerência será elevada cada vez mais.
Não há sentido em propor um produto que sirva a uma população inteira. Os valores
ergonômicos não podem ser tidos em uma produção massiva de usos, mas sim enquanto
processos únicos de adequação ao usuário. Evocamos um tratado através do design emocional
para configurar as relações afetivas que uma massificação promove, para enfim reduzir os
danos, e tentar propor novas formas de relação. Mas de fato, não podemos cair na falácia de
que o ser humano enquanto ecologia é generalizável. Os aspectos positivistas destes discursos
apenas têm se mostrado problemático a novas formas de agir, pensar, fazer e reagir.
Bom, este conceito bizarro foi cunhado por Deleuze e Guattari em O Anti-Édipo, em seu
primeiro ensaio sobre o capitalismo e a esquizofrenia. Deleuze era filósofo e Guattari era
psicanalista. De certo, uma combinação destas não poderia ser ordinária. E das relações sociais,
ecológicas, das potências complexas e virtuais encontradas nos devires, e dentre todas as outras
formas abstratas de explicar os fluxos pelas diferenças, emergiu a figura centralizadora das
máquinas. Estas, são a forma de dizer que certas coisas se relacionam com outras coisas, e que
a trama de relações que se traçam constitui algo como uma estrutura, e que esta possui uma
forma de ser organizada e que esta forma configure uma função, uma subdivisão, e uma
organização cada vez mais complexa, que eventualmente se tornará autônoma, capaz de
permanecer, de adaptar, relacionar, movimentar. E a estas estruturas conceituais ou materiais
autônomas, denominamos máquinas. Bom, ainda assim vamos para outra tentativa.
Máquinas projetuais
Bom, já nos referimos ao conceito de dobra, e dissemos que uma máquina abstrata possui
consistência ontológica equivalente ao todo em seu interior. Escalas. E de certo podemos definir
máquinas projetuais enquanto sendo máquinas cujos fluxos emanem do território projetual. E
que este território projetual seja composto de diversas outras máquinas cujo funcionamento
derivem de metaprojetos diversos. Ok, muita coisa na mesma imagem. Máquinas projetuais
funcionam com base primordialmente no projeto, e estas máquinas projetuais serão o que
chamamos de metaprojetos. Também falaremos de máquinas criativas, tentaremos dar alcunha
às máquinas do design e por fim partir para as máquinas palpáveis, mecânicas. E não ache que
as máquinas estão estáticas e que a definição e conceituação que aqui fornecemos valha ao
longo do tempo eterno. O que valerá é o movimento, e este aqui é apenas um estado. Valha-se
da sintaxe antes da semântica. Queremos fluxos e não territórios.
Uma máquina projetual poderá ser qualquer tipo de projeto que se empregue, ou em
outros termos, qualquer metodologia específica aplicada ao processo projetual que coopere
com o desenvolvimento das fases, num estreitamento com uma finalidade específica, enfim.
Muito embora seja altamente organizada, não salientamos as potencialidades e muito menos
as estruturas. Detalharemos um pouco sobre como podemos enxergar uma máquina projetual
em sua integridade: e a resposta está novamente na coesão e coerência.
Vamos discorrer mais: aqui de fato definiremos os alicerces práticos do porque o design
não poderá ser enclausurado em uma definição, em um território: porque ele não poderá
possuir um jamais. O que queremos dar a entender é que o design adquire consistência
ontológica duvidosa, de tal forma que não compensa determinar formas ou meios pelos quais
poderemos entender um conceito único de design. É simples: uma prática em design deverá
necessariamente se utilizar de uma máquina projetual enquanto uma capacidade de articular
coesa e correntemente partes em detrimento de um todo dotado de alguma finalidade, seja
existencial ou funcional. Em ambos os casos podemos dizer que o ato de criação do designer
pela via projetual é totalmente abstrato, totalmente indeterminado até o momento da
atualização. É isso que confere o potencial virtual do projeto e a chave essencial que determina
um designer. É difícil crer, mas nosso ponto é que um designer se distingue por um tipo de visão
de mundo, uma visão de mundo cujo único alicerce é o projeto livre e aberto.
Uma máquina projetual, então, vai operar somente como definimos o verbo fazer: como
muito mais do que uma ação, um recurso de ligação, de substituição, de organização frasal.
Máquinas projetuais serão as máquinas que nos permitirão conceber as coisas enquanto
possíveis (projetando sua existência virtual num futuro iminente) e incorporar estas
possibilidades no sistema, tendo um mecanismo para reagir a tal situação. Assim funciona um
projeto, sempre determinando os possíveis e agenciando fluxos que se somem ou subtraiam nas
relações. O projeto é a ferramenta de trabalho virtual, é a máquina que nos permite elaborar
uma complexidade que não seja atual.
O fato central a ser apreendido neste ponto é: a máquina primordial do sistema do design
é o projeto. Mas a ela vão se agrupando diversas outras máquinas, até enfim podermos compor
um Umwelt do designer, composto por máquinas do abstrato do design. Por tal que
abordaremos outros tipos de máquinas que não somente projetuais. Configuramos aqui então
um dos pilares centrais do designer: a capacidade de projetar acontecimentos no futuro e
viabilizá-los através do projeto. Assim, partimos para máquinas criativas.
Máquinas criativas
Aqui contrapomos o design como sendo apenas ato projetivo. Queremos ressaltar que
existe uma gama criativa muito importante ao exercício do designer, e isto se dá a partir da
capacidade de articulação criativa. Examinaremos brevemente o ato expressivo, e aqui teremos
olhos para as imposições de uma subjetividade dentro de um projeto, da capacidade expressiva
e de imposição tácita no processo. Teremos olhos para o único aspecto que se diferencia na
execução de um projeto programado, ou o que transforma um projeto em um projeto de
alguém. Falaremos sobre como as subjetividades são igualmente importantes num paradigma
estético.
De certo, pensar dessa forma implica sempre em considerar uma dimensão de valores
que verifiquem o processo criativo ou o produto inovador. E aplicamos novamente a isto uma
coesão e coerência de altíssima complexidade. Vamos agora analisar ou fazer algum senso
crítico sobre o fazer criativo: ele implica necessariamente no pensar criativo que já
mencionamos, porém, aqui podemos inaugurar a atualização criativa, ou seja, subversão deste
processo. Consideramos uma ideia como algo subversivo, e o criativo como subversivo na
medida exata com a qual é coerente. De certo, podemos entender que aqui falamos em meios
que uma ideia deixa nosso receptáculo, adquire consistência e se transforma em real. Aqui,
então, podemos considerar aspectos pelos quais máquinas criativas operam:
Podem haver outros meios pelos quais uma máquina criativa poderá operar, mas, de
certo, estes declaram uma coisa muito importante: as máquinas criativas podem ser
configuradas como máquinas que aumentam ou diminuem alguns fluxos, agenciamentos que
promovam uma exaltação de determinada característica ou um ocultamento de outras. Ou
operamos desejos ou operamos imposições de poder. E que, nestes processos estruturais, a
criatividade se instaura como o fator de subversão mascarado como criativo, como inovação.
Nada mais é do que linha de fuga que permite uma expansão ou contração do território. Ser
criativo se torna sinônimo de subverter o que já é. É promover diferença que faça diferença. Ser
criativo antes de tudo é produzir informação, criar algo.
Máquinas do design
De certo, podemos reunir estes dois macrosistemas, do projeto e do fazer criativo, e
implicá-los num fazer através do que, dando alcunha, conheceremos por máquinas do design.
Serão estas que essencialmente darão o nome design, incorporam uma identidade fixa,
estratificam as características e definem que antes de arte é design, antes de arquitetura é
design. Mas no fundo, isto é um conglomerado de conceitos e modos de ser que foram sendo
incorporados. A máquina do design opera muito mais pela memória do que pelo movimento,
pela diferença. É esta máquina que nos impede de dizer que um espremedor de laranja que
passou por um processo de design seja outra coisa que não produto de design.
Bom, se investigarmos mais a fundo este processo de conferir alcunha de design, de certo
podemos dizer que é a correspondência de certas características do sistema e seus fluxos para
com o território do design. Então se já existem diversas formas de atuar enquanto um designer,
e vimos que são muitas, é porque um conjunto de propriedades está presente em todos estes.
E bom, o design divide espaço com outras áreas próximas, o que varia então se uma alcunha se
sobreporá a outra em importância. Mas é interessante pensar que ao mesmo tempo que é
design, pode ser traduzido em outra linguagem e universo conceitual das artes por exemplo.
E se formos pensar então nas máquinas que poderão agenciar isto, teremos de partir ora
para uma esfera muito maior, das máquinas abstratas, e para uma esfera muito menor, que é a
das máquinas miméticas.
De certo, então, o que buscamos a todo momento é não nos ater a esta definição em
primeiro momento, embora saibamos que ela é a verdadeira. Se quisermos determinar qualquer
universo do design, é preciso encontrar a peça design nos sistemas e agrupá-los no mesmo
território. De certa forma estamos tentando fazer isso por sob os panos. Mas nossa perspectiva
é a mais distante possível, para que quaisquer aprofundamentos possam ser conduzidos
livremente.
Bom, ainda assim, elas não operam somente num estriamento do nome ou da alcunha do
conhecimento, operam também pela mesma memória em uma proposta de relembrar o
passado. Tudo o que é feito permanece feito, e nesse universo conceitual, as produções se
incorporam a uma memória coletiva que tende sempre a influenciar as produções daquele
momento em diante. Resgatando as indústrias culturais, podemos entender isso como uma
imposição de modelos subjetivos em detrimento de uma abertura estética à livre expressão
individual do designer enquanto artista que nunca deixou de ser.
Pensando nisso, existe um fenômeno em que os designers acabam por se pautar mais da
memória coletiva das produções de design do que no processo criativo singular, referente a cada
problemática que cada projeto visa solucionar. Se existe um tipo de ilustração, e ele pode ser
facilmente simulado, ele será. Se um produto cumpre muito bem determinada funcionalidade,
ele será simulado. Se tal organização de fato é benéfica, ela será simulada até ser subvertida. E
neste processo de metamorfose dos estados do mesmo, evidenciamos por excelência o domínio
dos simulacros que já evocamos anteriormente, de reapropriações caóticas e desordenadas do
mesmo em sua multiplicidade de relações e diferenciações. Podemos ressaltar que o designer
criou plataformas para esta memória coletiva de produções que evocamos, e têm nomes como
Behance, Dribble, Devian Art, Instructables; ou seja, plataformas que permitem uma existência
virtual de ideias e projetos, produções, e que estas possuam, então, uma difusão imensa da
perturbação promovida.
Estes modelos de expressão se desenvolvem a adquirem consistência de máquina, sendo
responsáveis, enfim, por um estilo, uma escola de representação, de organização. E ao longo do
tempo, as experiências estéticas promovidas pelos processos e produtos. Nomeamos
inspirações ou busca de inspiração a este processo de resgatar da memória coletiva do universo
do designer algo a ser reinventado. E revivemos a questão do remix, que Beccari já pontuou, em
que ressuscitamos os fantasmas do que já foram, deslocando-os dos contextos originais e
promovendo recortes de propriedades específicas. Em subjetividades esvaziadas por um
paradigma massificado, os sujeitos recorrem às exacerbações individuais como forma de
combater a crise da ecologia pessoal e desse esvaziamento de identidades, desejos,
consistências ontológicas de uma máquina abstrata subjetiva. E por tal, este fenômeno de uma
multidão que busca dentre uma miríade de opções alguma que detenha um modelo equivalente
à crise – se for crise identitária, recorremos a customização dos produtos como forma de impor
uma subjetividade sobre um objeto; se for crise estética, recorremos a adornos e acessórios que
adicionem à camada sígnica que portamos quando nos vestimos e saímos à rua; se for crise
afetiva, evocamos modelos de interação social pela partilha de subjetivações impostas, as
famosas tribos. E se trazemos ao paradigma do designer, vemos que a modelização será buscada
sempre em nome de uma identidade profissional, expressão individual que no fundo deriva de
um remix, subjetividades emprestadas. E no fundo a camada dos valores perpetua uma
constante busca por novidades expressivas. Agenciamentos capitalísticos de uma máquina
abstrata de poder econômico.
Máquinas tecnológicas
Partindo da capacidade do homem de projetar máquinas que funcionem e assessorem
nosso fazer, nossa capacidade de criar, que permitam elaborar nossa intervenção com o
externo, tentaremos mapear as tecnologias que permitem um trabalho do designer, e podemos
dividi-las em categorias: virtuais, atuais e materiais:
Por mais que tenhamos 3 modelos, eles podem se hibridizar, e de certo todo processo
contará com estas 3 instâncias e seus ritornelos. O que cabe ao designer entender das interações
com as tecnologias é que, considerando nosso Umwelt, podemos fazer uso dessas como bem
quisermos, no momento que quisermos, e da forma que quisermos – evocamos uma ética
hacker que permita uma subversão dos modelos para cumprir com uma necessidade. O uso das
tecnologias pode ser criativo na mesma instância em que é funcional. Nos utilizamos de
máquinas para assessorar nos processos extra-subjetivos, de atualização, materialização, enfim.
E no mais podemos utilizá-las para processos virtuais das fases metaprojetuais, organizando o
pensamento, movimentando os conceitos.
E bom, depois de definir de fato que o designer também faz uso de máquinas que
permitam uma atuação mais específica, precisa, incrementada, complexa, super-humana,
podemos entender que existe uma fortíssima relação do designer com as tecnologias de
produção, prototipagem, criação e virtualização. Elas se apresentam como uma porta para um
universo complexo, que exige sentidos sobre-humanos, processamentos incrivelmente rápidos,
de instância quântica. Serão as máquinas que resgatarão a premissa do super-homem enquanto
ciborgue. Serão estas tecnologias que permitirão um Umwelt ampliado e uma atuação cada vez
mais facilitada. Estas vêm para substituir as nossas máquinas biológicas, de forma que teremos
um sistema de máquinas integradas, de existências virtuais e outras atuais.
Sistemas maquínicos
Nosso Umwelt é apenas um dos possíveis sistemas maquínicos que podemos conceber.
Ou seja, podemos pensar neles fora de um subjetivo que os capacite. Clusters maquínicos que
operam por rizomas, conexões hipercomplexas e virtuais, hipertextos. Isso implica em
reconhecer o teor da conexão entre uma e outra máquina, em pensar nas funcionalidades. E
bom, existem pessoas que conseguem cooperar com tamanha complexidade. Sistemas
maquínicos podem se desenvolver no que se chama agenciamento coletivo de enunciação11, o
que implica em pensar nas tecnologias como uma cooperação constantes entre estas máquinas
na batizada mecanosfera. E se uma máquina é criada e lançada ao mundo, ela vai interagir, e
nestas relações as tecnologias se hibridizam, postulando um pré-conceito de Susan Blackmore,
como sendo os temes, o terceiro tipo de replicador: pois, o tecnológico12.
E se podemos pensar nesta constante organização cada vez mais complexas dos sistemas
virtuais, podemos pensar em paradigmas hipercomplexos, que fogem da alçada de nossa
consciência. Nossa interpretação do real não permite o desenvolvimento de projetos
hipercomplexos, não nesse nível. Aqui consideramos as reflexões a respeito de um
transhumanismo, biohacking, enfim, que desvinculam do cérebro a capacidade de processar
dados, enxergando num universo maquínico o futuro das consciências. Voltemos um pouco
então: nosso ponto central é na proposta de um rizoma de máquinas, um sistema cujas
funcionalidades já complexas se organizam numa coesão hipercomplexa. Ou seja,
metamáquinas hipercomplexas que operam numa virtualidade sensível?
Se retornamos aos FAB LABs já podemos ver uma cooperação de máquinas que evidencia
uma complexidade direcionada ao projeto. A diretriz do fazer pelo projeto direciona o
funcionamento do sistema de máquinas a cooperar com determinados propósitos. Mas cada
maker space pode ser configurado de uma maneira, para que cada espaço seja agrupado e
organizado por finalidades, projetos arquitetônicos de ambientes maquínicos. Uma arquitetura
de hardwares poderia nos mostrar o caminho para como agrupar diferentes máquinas
subjetivas num coworking.
E se falamos sobre hipercomplexidades, foi meramente para salientar que além de uma
organização metaprojetual do projeto, há de se ter uma ‘metametaorganização’ de ordem
maquínica, ou seja, da ordem dos agenciamentos, fluxos, sistemas. Sempre poderemos regredir
em ótica para aumentar a complexidade das coisas. Se podemos pensar no uso de máquinas,
queremos ampliar a visão: que o ritornelo do projeto permite infinitas dobras e desdobras. Uma
conceituação de um sistema de máquinas, não necessariamente físicas ou hiperfuncionais, que
possa aumentar a complexidade dos processos, aumentar a organização, coesão e coerência. A
direção para um incremento de complexidade – e aqui nos referimos de fato à uma visão de
11 ESCÓSSIA, 2010. De acordo com Guattari (1992, p37) “Tratar-se-ia de fazer estilhaçar de modo pluralista o
conceito de substância, de forma a promover a categoria de substância de expressão, não apenas aos domínios
semiológicos e semióticos, mas também nos domínios extralinguísticos, não humanos, biológicos, tecnológicos etc.
Deste modo, o problema do agenciamento de enunciação não seria mais específico de um registro semiótico, mas
atravessaria um conjunto de matérias de expressão heterogêneas. Transversalidade, então, entre substâncias
enunciadoras que podem ser, por um lado, de ordem expressiva linguística, mas, por outro lado, de ordem
maquínicas, se desenvolvendo a partir de ‘matérias não-semioticamente formadas’, para retomar uma outra
expressão de Hjelmslev. “
12 https://www.ted.com/talks/susan_blackmore_on_memes_and_temes
mundo melhor adaptada ao caos – do design e do designer está na sábia utilização e organização
das máquinas que nos cercam.
De certo, então, finalizamos nosso ensaio sobre as máquinas. Queremos revelar agora um
modo de prática que é híbrido, que funciona como um teste, como uma ferramenta de
experimentação, e que com o decorrer do tempo cada vez mais tecnologias cooperam com a
facilidade de tais processos. E nos permita evidenciar, então, os milagres da prototipagem
rápida.
Máquinas de prototipagem rápida são máquinas cuja função é materializar ideias através
de mecanismos simples ou simplificados através de uma interface. São as máquinas de
impressão 3D, de corte à laser, de modelagem, entre diversas outras tecnologias que permitem
com poucos recursos um resultado adequado.
Estas máquinas serão responsáveis por retirar um modelo virtual de algum objeto e
materializá-lo, seja adicionando materiais ou retirando-os. Assim, de forma rápida e barata,
podemos testar um modelo de um objeto em um sistema com regras reais e não em um
simulado. Uma rápida prototipação permite ao mesmo tempo uma qualidade alta para um
tempo e custo pequenos, como também permite uma produção grande de protótipos para que
a avaliação das versões seja altamente complexa e cada vez mais precisa.
Uma plataforma virtual que capacite projetos significa que, havendo a máquina, qualquer
projeto poderá ser replicado ao redor do globo num piscar de olhos. Traremos nossos olhos para
este caráter do virtual que os projetos evocam e todo este universo que vem se criando em
torno destes. Se estamos pautando incessantemente na premissa do movimento maker, é
porque um designer será necessário nestes espaços. Falaremos agora, novamente, sobre o
designer nos espaços do fazer.
Maker Spaces
São espaços para um fazer livre. São espaços projetuais cuja única premissa é desenvolver
uma ideia. Não importam os motivos ou os métodos, desde que seja em código aberto, ou seja,
que sua ideia seja disponibilizada de forma livre para quem quiser replicá-la ou aperfeiçoá-la.
Estes espaços geralmente se capacitam de profissionais e máquinas específicas para obter os
meios de atualizar ideias. E encaramos como formas de iniciar processos, pois, existe todo um
universo conceitual que envolve a cultura maker – que não entraremos em tantos detalhes
também – que será necessário ser adentrado no processo.
• Fazer: fazer é fundamental para o que é ser humano. Não importa o que, o fazer
é algo como expressão natural do ser humano e precisamos liberar esta energia
criativa;
• Compartilhar: para ser um maker, você deve compartilhar o que fizer. É assim que
as ideias se transformam, melhoram cada vez mais, que a inovação pela coautoria
emerge;
Bom, podemos estender uma análise sobre estes princípios na tentativa de gerar uma
interpretação filosófica, mas achamos que não será necessária outra camada de entendimento
sobre a mensagem.
Podemos lançar primeiramente uma visão sobre um espaço maker, depois analisá-lo em
sua dinâmica para enfim continuar em direção à uma experimentação complexa. Os espaços
makers se constituem como espaços abertos, cuja organização interna é mutável e altamente
sujeita a interferências. Não bastasse uma organização dinâmica, os fluxos que percorrem o
espaço também o são. Pessoas que nunca serão iguais, repertórios diversos, mecânicas vitais
inúmeras, diferentes máquinas agregadas. Quanto mais olhares lançarmos, mais complexas as
dinâmicas se tornarão. Nestes espaços, através dos 9 princípios elencados acima, a dinâmica de
interações se perpetua de forma aberta, prazerosa, e necessariamente de comum acordo.
Entramos em um tratado ético dos makers, algo que se assemelha à ética hacker, princípios de
subversão benignos.
E se considerarmos os fluxos que se agenciam, não poderemos delimitar senão pelo real,
pois tudo o que fizer uso destas máquinas de fato poderá ser executado – o limite é atual, e não
virtual. E podemos pensar no que esta abertura confere a qualquer tipo de projeto que seja
estartado ou desenvolvido nestes espaços: desterritorialização constante, sem amarras, leis,
territórios aos quais seria necessário se submeter que senão as estruturas atuais das máquinas.
Ou seja, não haverá máquinas abstratas exercendo relações de poder, fluxos agônicos que
impeçam o desenvolvimento de determinado dispositivo. Necessidades, desejos inexplicáveis,
todos os motivos se encontram contemplados num livre fazer. E de certo, como Hatch diz, o
fazer é expressão incondicional do humano. Precisamos operar os fluxos contrários ao território
industrial e capitalista com este resgate do artesão, agora digital, em direção aos espaços
distribuídos, quebra de uma massificação, início de uma rede de pessoas cujo único desejo é
fazer, e contemplar desejos pessoais com este processo. E assim não se perguntará mais se o
hambúrguer acompanha fritas, mas sim qual é a melhor receita e qual a melhor combinação, de
acordo com as experiências de todos os outros makers culinários. Mapeamentos de habilidades,
de capacidades, de agenciamentos coletivos. Através desta rede, e de plataformas ainda mais
específicas para os projetos, a inovação corre solta, as formas pipocam em multiplicidades,
todas elas coexistentes, coerentes. Enxergamos o mundo com todos os olhos.
Isto nos ensina uma lição valiosa: se os meios de produção podem ser automatizados,
depositadas as responsabilidades, a precisão e a crença, todas elas nas máquinas, resta-nos o
que ainda não é maquínico: o projeto. A ideia, a articulação, a conexão, a nova visão de mundo,
as articulações específicas. De certo, podemos sempre pensar que uma máquina poderá
agenciar fluxos da mesma forma que uma pessoa. Mas somente se tratarmos de fluxos
projetados, funcionais. A máquina abstrata subjetiva, na forma dos desejos por ela agenciados,
é que fogem às máquinas. São os desejos que vão operar as conexões mais fecundas, diferentes,
inovadoras, as famosas poéticas. Assim, antes de pensarmos nos projetos ou nas máquinas,
nossos olhos são trazidos para a questão dos desejos de quem opera todas essas máquinas.
Vivemos num panorama hipermaquínico, e disso não faltam evidências dada o assustador
desenvolvimento tecnológico dos últimos anos, inclusive em que máquinas dobram sobre si e
permitem a criação de outras: autopoiese. E nestas incessantes discussões sobre tecnologias,
sempre privilegie os fatores que levem em conta os desejos que quem opere elas. Pois como
dissemos, é este fluxo que determinará uma subversão, por exemplo, contra todo senso lógico
ou ético. As máquinas apenas operam como algoritmos, como sistemas que capacitem
processar um input em algum outro output, conversão, tradução, não há introjeção de
subjetividades nos fluxos.
Após considerados as questões do desejo para com as máquinas, existe a para com o
projeto também. E essencialmente, no paradigma maker, serão eles que determinarão o
nascimento de projetos. Máquinas de berço afetivo, funcionalidades afetivas. E de certo, as
funcionalidades não precisam ser as melhores, apenas as suficientes. Aqui temos o berço de um
cenário tecnológico em que o cidadão terá a capacidade de se expressar por outra linguagem: o
ato de criação.
Experimentação complexa
E se dissemos que um método de cartografia é deveras complexo, podemos simplificar
tudo isso, no campo dos objetos sensíveis e das máquinas materiais, para uma experimentação
em ambiente real, e não simulado. Isto envolve um certo nível de complexidade limite do
sistema a ser projetado. Num maker space seria difícil prototipar um sistema de ensino, mas ao
mesmo tempo uma obra de arte que envolva uma interação entre um grupo de pessoas
mediatizada por uma interface maquínica que operasse cortes ou soma de fluxos, com certo
esforço seria possível. A proposta do movimento maker de fato não é transformar o cidadão em
um designer – pois este, como dissemos, tem a missão de operar em níveis de altíssima
complexidade – mas sim em um fazedor, uma pessoa capaz de materializar uma máquina que
auxilie seu cotidiano.
A prototipagem, muito além de ser somente um fenômeno pelo qual o projeto se adapta
às condições do ambiente externo, é processo de análise, de determinações plurívocas, de
14 Aqui denotamos uma altíssima simplicidade como uma complexidade imensa velada por diferentes
interfaces que simplifiquem os fluxos ao receptor, de forma que, novamente, ao emanar fluxos simples, a máquina
codifique-os novamente em fluxos complexos que operarão criações precisas e organizadas.
15 MAEDA, 2006.
reprojeto. Exige uma capacidade adaptativa do maker também, ou auxílio do mediador para que
as atualizações sejam coerentes com uma permanência e abertura, funcionalidades. E que
através de novos materiais e formas de materialização, estes processos adquirem cada vez mais
complexidade, sempre mascarados por uma simplicidade.
E não importa qual seja o projeto, ele poderá ser experimentado, e deve sê-lo. De certo,
aqui ignoramos a complexidade do projeto em detrimento de condições ideais para todos os
projetos serem experimentados. Desde um sistema escolar até uma escova de dentes, todos
podem ser experimentados e adaptados, aumentando sua complexidade através de um olhar
atento, criativo, que determine formas pelas quais o produto pode ser atualizado em ‘melhor’.
E nestas constantes atualizações, o ritornelo da diferença será ou operado por fatores de coesão
ou por coerência, no sentido de que o sistema se adaptará e evoluirá de acordo com as relações
dele com ele mesmo ou com os outros.
E entre estes dois polos existem os ritornelos de meio, que são operados pelo princípio
de adaptação e autonomia, decorrente da abertura do sistema em relação aos outros. Se o
sistema for fechado, ele apenas permanece e não consegue adaptar, não consegue ser coerente
senão por acaso. E este ritornelo adaptativo é complexo e necessário, pois é aqui que se fazem
existir as formas de adaptação: num metaprojeto efêmero. A cada fase de experimentação,
surgirão novos problemas, bugs, erros que devem ser solucionados em prol de uma organização
mais complexa e funcional. E estes erros serão corrigidos através de novo metaprojeto, capaz
de sistematizar o erro em sua estrutura e enxergar dentre as possibilidades qual será a mais
pertinente.
De certo que estas adaptações estarão suscetíveis ao erro, dado o fator humano. E o erro
aqui não passará de mero fator evolutivo, mutação indesejada, capacitando uma inovação
plena. Pois é o erro no processo também que carregará a pura linha de fuga de qualquer
território, sendo que por vezes um aspecto do glitch16 pode ser intencionalmente utilizado:
subversão ao acaso. E nestas repetições de metaprojetos específicos que vão surgindo como
respostas às incoerências, o projeto em processo de atualização sofre diferentes adaptações até
que por algum fator de coesão e coerência suficientes, o projeto se determina, atualiza,
estratifica, e o produto é criado.
Do protótipo ao produto
Dedicaremos alguns parágrafos a falar sobre o que determina o fim de um protótipo, e
enfim o categoriza enquanto finalizado. Pois, dissemos que deve cumprir requisitos mínimos
16 Indução ao erro proposital, com o intuito de identificar as possibilidades que um erro de código promove
no processo final, através de diversas conversões, plataformas e interfaces. Para futuras referências:
https://goo.gl/AA38bY
para ser qualificado enquanto funcional, ou suficiente. É essa transição entre um objeto que
ainda porta uma virtualidade em sua ontologia para outro que é apenas atual e real.
Falamos sobre coesão e coerência, e queremos pautar um modelo de fim baseado nestes
dois aspectos, ou seja, nas relações. Se um produto consegue simular determinada
funcionalidade idealizada, ele é funcional e, portanto, útil. A utilidade é um dos requisitos de
uma finalidade. Ao mesmo tempo, deve ser coeso, permanecer e resistir ao tempo e ao espaço.
Ainda, não tomaremos o trabalho de elencar novamente os inúmeros pontos, mas um projeto
será declarado finalizado quando algo obrigar o término do fluxo: algum agenciamento
determinará o fim do processo e culminará na determinação do produto. Este produto, por fim,
deverá possuir as características estipuladas por esse agenciamento agônico. Contudo, e se não
tiver? Teremos um objeto falho, erro materializado? O que acontece se subvertermos as
finalidades?
Ode ao futuro
Entendemos que a partir do momento em que declaramos finalizado um projeto ele é
autônomo. Eventualmente, o tempo passa e as circunstâncias mudam. E o projeto, ou se
atualiza, ou deve ser atualizado, ou permanece do jeito que era e sempre seria, cujo único
destino é ser inutilizado eventualmente.
Como podemos propor objetos abertos, sistemas que estejam suscetíveis às mudanças?
Ou será que todo destino de um objeto se resume em se desatualizar, pois uma vez
materializado, não poderá se atualizar novamente? Aqui então estaremos tratando de uma
existência simultânea: presente e futuro – passado é memória. O futuro só existe por meio do
presente, e futuro é projeção, projetado, projeto. De tal sorte que existem inúmeros futuros,
múltiplos, e a forma de dizer isso por Deleuze é falando em multiplicidades. Mas aqui trazemos
outra forma: sempre que se pensa em amanhã, ou qualquer tempo ainda a chegar, ele será
projeção, ideia, estruturação de causalidades que unidas constituem a possibilidade de
determinado acontecimento. E se dissermos amanhã, cada um imaginará como será seu dia
seguinte. E se pensarmos como será determinado sistema em um futuro, podemos entender
que, pela relação complexa de acontecimentos o futuro se determinará de diversas formas,
permutações de perturbações.
É fazendo uma ode ao futuro que projetamos. E projetamos por complexidades, por
mapeamentos e relações. E se consideramos esta ode, temos de considerar os aspectos de
coesão e coerência enquanto mutáveis. E o sistema, permanece ou se adapta? Bom, objetos de
design que se adaptam dever possuir algum tipo de inteligência, seja tecnológica seja biológica,
para poder responder à desordem externa. Inauguramos os objetos sensíveis e inteligentes, que
possam reagir, máquinas complexas.
Certa vez nos perguntamos a um grupo de arquitetos quais pensamentos povoavam suas
mentes quando pensávamos em espaços ao longo do tempo. Nossa impressão é de que espaços
são deveras rígidos, estruturas maciças e estáveis. Porém, citando Guattari, pensamos na
questão da cidade subjetiva: de quais formas podemos pensar espaços inteligentes, ou abertos,
que possam ser ressignificados ao longo do tempo? Pois as praças hoje são palco para o uso de
celulares, desde fotos, aplicativos de realidade aumentada, ao mesmo tempo que para
piqueniques, andar de skate. Mas outrora eram apenas piqueniques e bicicletas. Mencionaram
o vão do MASP17, pois é um espaço aberto. E de fato, não há como ser mais aberto que um
espaço vazio – apenas se fosse descoberto. Mas nossa proposta ia além de espaços minimalistas:
como pensar em máquinas espaciais que se adaptem, como módulos e biombos que dividem e
configuram o espaço? Ou espaços cujas configurações pudessem servir a diferentes usos?
E, ao pensar nessa proposta de espaços que possam ser ressignificados, ou ainda, que
capacitem múltiplos usos em seu projeto, decidimos trazemos para os objetos do design: como
pensar projetos abertos? Podemos esboçar estas premissas:
17 O vão do MASP é a parte debaixo de um museu da cidade de São Paulo que é um espaço imenso coberto
pelo museu.
18 Aqui fazemos um novo uso do rizoma de Deleuze, no sentido de incorporar as multiplicidades nas estruturas
e suas conexões.
• Integralidade: pensar no objeto enquanto composto de diversos componentes
funcionais, cada qual com suas propriedades, e que esta integral possa ser
reorganizada, de forma que capacite subdivisões autônomas, que possam ser
interligadas. Ser integral significa que o todo é maior que a soma das partes.
De certo, sistemas abertos devem possuir uma qualidade essencial: reação. Ser
adaptativo não significa ter a melhor das previsões, projeto perfeito de um estado futuro. Pelo
contrário, se encontra na capacidade de reagir de acordo, pois entre prever e reagir, o mais
complexo lidera em coerência. Nossa ode ao futuro é simples e poética. Reconhecemos que o
futuro só é determinado no presente imediatamente anterior, e que até lá, só é possível – e
infinito em possibilidades, logicamente que cada uma com sua probabilidade. O design dessa
forma deve se ater a limites possíveis: identificar os limites de projeção complexa em direção ao
futuro. Se determinado acontecimento se mostra imprevisível, garantimos inteligência para
reagir de acordo quando o momento chegar. Esta forma como ele permanecerá em espera,
dormente, aguardando o input correto, configurará o legado do projeto. O produto será a
complexidade remanescente de um processo.
Complexidade e legado
E esta complexidade que resta é, antes de criação, legado de um processo virtual,
articulação complexa de diversos elementos. Isto implica em uma existência mutua de uma
proposta de atualização e legado. Existe um tempo futuro à atualização e ele deve ser
considerado no projeto. E isto implica em uma dobra do futuro, um mapeamento em
movimento – eis então a complexidade da projeção – que relacione as partes ao longo do tempo.
Eis que então surge o que chamaremos de acaso, e que determinará de uma forma imprevisível
os acontecimentos, e que por melhor que seja o projeto, as conjunturas podem mudar, os
paradigmas, se invalidar. E o que era coerente deixa de sê-lo.
Esta dicotomia entre impedir e subverter não nos levará a lugar algum. Por isso
retomamos um discurso dos tratados éticos da ecologia do social. Encerrar usos proibidos em
objetos é sempre imprevisível. Entramos em um tratado ético para o designer também, para
com suas criações, seus usos possíveis. Nossa meta é ensaiar um futuro e imaginar o que pode
vir a acontecer, de quais formas alguém poderá subverter um projeto complexo em detrimento
de desejos, de ideias, projetos, agenciamentos coletivos. E não poderíamos deixar de falar sobre
futuro quando falamos sobre projeto, não?
E o futuro só pode existir enquanto virtual: existência que não é sensível, apenas
inteligível. Exige abstração, designação, representação, articulação. Brincar com inexistências é
a chave para pensar um futuro. Pensar em causas, consequências, relações ao longo do tempo,
processos, diferenças. Não podemos ser mais claros quando dizemos que uma filosofia de
Deleuze e Guattari é essencial quando se trata de design: pelos conceitos, modos de ser,
potencialidades, projeções, inovações. Não que o designer deva ser filósofo, mas que um
universo conceitual que permita uma visualização dos conceitos é fundamental para um
designer projetar plenamente.
Aqui então surge um fator determinante para todos os projetos: seu legado no futuro.
Pois a forma como o objeto permanece pode ser invalidada por alguma combinação de fatores.
Aqui surge também uma proposta de dimensão invisível dos objetos, esta dimensão por vezes
simbólica, por outras, futura. Existe uma projeção de ideias para com os objetos, e determinada
introjeção de máquinas abstratas nas máquinas não-abstratas. E por tal podemos falar em
objetos sensíveis e sistemas abstratos
E se falamos em dimensão virtual dos objetos, devemos falar dela também como uma
dimensão conceitual, ideal, a dimensão dos signos que embutimos nos objetos. Serão as
representações, as ideias, palavras, conceitos que remetam a objetos sensíveis, que resgatem
todo um universo de associações imediatas que uma consciência estabelece. E, portanto, a
dimensão do real está intimamente ligada ao virtual por meio da semiose.
Desta forma, podemos declarar por encerrada nossa parte prática. Demos tudo o que
pudemos para expor sobre os processos, tanto atuais quanto atualizantes, quanto virtualizantes.
Tentamos mostrar tudo o que transcende o uso de máquinas e técnicas em prol de uma filosofia
das práxis. Traremos agora uma reflexão deveras interessante: o designer concentra seus
esforços num pensar ou em um fazer? Qual será a distinção de um designer perante os outros,
o grande diferencial que nos eleva enquanto profissionais criativos de solução de problemas?
Aqui, antes de separar pelo aspecto singular de cada um, queremos salientar uma
vertente de ambos: o virtual. De fato, preferimos as máquinas de prototipagem rápida para
tratar da atualização das ideias, ou ainda as máquinas de fabricação pessoal. Queremos aqui
salientar o melhor uso das máquinas, e pensar que o que distingue o designer não é sua
capacidade de resolver problemas, mas sim de operar as soluções em ambientes virtuais – ou
antes de identificar os problemas de forma pontual e clara. Conseguimos multiplicar as saídas,
as existências, misturá-las, operar sinfonias de perturbações e harmonizar todos os timbres para
compor uma melodia, metaprojeto, e que os ritmos ditem as fases do projeto.
Defendemos aqui, portanto, que o designer poderá se diferir de outras profissões pela
complexidade dos projetos, pelo caráter virtual de suas aplicações, pelo número elevado de
máquinas orquestradas em sinfonia, pelo caráter de experimentação virtual. A prática do
designer será em ambiente virtual pelo uso de softwares, planilhas, pranchas, esboços, todas as
formas de denotar uma forma, um conceito, mas que acabam por serem preliminares, efêmeras,
sempre em caráter de protótipo. O designer será aquele profissional que através de uma visão
de mundo, a partir do design, tentará trazer ordem às coisas pela proposição de uma forma de
organização, por uma proposta de otimização, readequação, solução de controvérsias. E de fato,
as formas que isso acontecem serão variadas. Não existe campo teórico ou maquínico fixo pelo
qual o design possa atuar senão pelos meandros, pelos meios, serendipidades caóticas que
acabam por articular diferentes esferas do saber.
Nossa próxima missão é por fim estipular uma visão de mundo dita do design, e traremos
esta visão pelas formas de agenciamentos coletivos de enunciação, as famosas máquinas
abstratas de poder, instituições que impõem formas de agir e ser para com as formas e seres.
Analisaremos as máquinas de guerra do design para entender como se dá o juízo por sobre uma
peça, por sobre um processo, e para tal tentaremos nos ater aos territórios que se referenciam
enquanto normas, acertos ou possíveis. Mas não sem antes nos perder nos líricos.
À espera – Interlúdio
Estava sentado. O local ainda não era claro. Estava enevoado e com um raio de visão
curto. Bastava apertar os olhos que poderia se ver o quão espeça era a fumaça. E estava
esperando. Talvez algo saísse de dentre da fumaça, ou ainda algo acontecesse. Não sabia o que
esperar, apenas esperava.
E de repente se passou algo fazendo barulho ao longe. Parecia ser uma bicicleta, talvez
um patinete, uma buzina de carro. O barulho parecia um guizo, algo como um tilintar. E como
veio, passou. Estava esperando que retornasse mais tarde na esperança de se mostrar por
completo. Não viu faróis, então carro não era. Talvez uma bicicleta.
Não sabia se viria, se aconteceria, se agiria, se permitiria, se iria contra. Não sabia o que
esperar e, por tal, não sabia como prever, como identificar. Estava ansioso por algo que nunca
chegava, mas que acreditava que um dia chegaria. Não sabia se outro barulho viria, se deveria
se levantar, se algo cairia.
De repente caiu. Era uma fruta. Olhou para cima e não viu nenhuma árvore. Apenas um
clarão que o cegava. Não poderia ter caído de uma árvore. Olhou o fruto, era pequeno e
vermelho. Tinha um cabo ainda e marcas de arranhado. Será que um pássaro derrubara? Perdeu
o almoço ou a comida dos filhotes? Será que fez de propósito? Aguardaria mais um pouco caso
caísse outro fruto. Ou outra coisa. Caso chovesse, caso a névoa se dissipasse. O local ainda não
era claro o suficiente para ser reconhecido.
Se alguém o olhasse de longe poderia ver apenas um homem velho sentado num banco.
Será que estaria a esperar por um ônibus? Esperando alguém lhe encontrar? Alguém passar?
Algo acontecer? Será que estaria esperando há quanto tempo? Muito? Pouco? Será que espera
em outros lugares ou só neste mesmo? Será que ele levantará, se cansará de esperar? Será que
o espera finalmente chegará?
- Esperando?
- Sim.
- Eu também.
Agora eram duas pessoas sentadas em um banco. Cada um à espera do que poderia, do
que gostaria, do que viria. E qualquer um que olhasse imaginaria que são apenas pessoas
sentadas contemplando a vista. Mal imaginariam que estão a esperar.
- O que você deseja – perguntou de súbito a mulher, rompendo com o silêncio da espera.
- Desejo esperar.
- Não estou, apenas acho engraçado que não se perceba que esperar é por si um desejo.
Não espero por algo ou alguém, apenas espero. Espero pelo que ainda vai chegar. E não importa
que se esteja preparado, que se saiba o que está por vir, ou que se saiba reagir de acordo. Eu
espero pelo que o presente me trará.
- Eu espero pela minha neta. Ela e eu vamos brincar logo menos. Ela me disse pelo
telefone que estava ansiosa para me ver. Faz algumas semanas que ela está longe, mora com
minha filha em outra cidade. Comprei rosquinhas pra ela.
- Estamos aqui – deu risada. Estamos esperando, não disse você mesmo?
E do fundo dos ouvidos surgiu um zunido que mais parecia um violino frenético tocando
o voo da abelha. Era agressivo, arranhava a pele dos tímpanos e fazia escorrer sangue pelos
lóbulos. Vinha rápido e com força, mas quando parecia que chegaria, já havia ido e só se ouvia
o ressoar do grito da abelha.
Aqui entramos no domínio do outro e das relações objetivas-subjetivas que se fazem nos
processos de semiose, de percepção e interpretação, de significação, de atribuição de valor, de
juízo. Entraremos nas instâncias reguladoras do design de forma a propor visões sobre o que se
verifica nos julgamentos de valor da boa forma, da funcionalidade, da conceituação, dentre
diversos outros tópicos. E para tal, deveremos primeiro introduzir um universo conceitual que
nos possibilite desenvolver reflexões sobre as subjetividades, a base de todo valor:
esquizoanálise.
A esquizoanálise não optará, então, por uma modelização com a exclusão de uma
outra. Tentará discernibilizar, no interior de diversas cartografias, em ato em uma
situação dada, focos de autopoiese virtual, para atualizá-los, transversalizando-
os, conferindo-lhes um diagramatismo operatório (por exemplo, por uma
mudança de matéria de expressão), tornando-os operatórios no interior de
Agenciamentos modificados, mais abertos, mais processuais, mais
desterritorializados. A esquizoanálise, mais do que ir no sentido de modelizações
reducionistas que simplificam o complexo, trabalhará para sua complexificação,
para seu enriquecimento processual, para a tomada de consistência de suas
linhas virtuais de bifurcação e de diferenciação, em suma, para sua
heterogeneidade ontológica.1
A ruína de uma estrutura geral da subjetividade apenas nos mostra que não cabe mais
uma análise do homem per se, mas sim o que Guattari e Deleuze cunham, em O Anti-Édipo, de
máquinas. Estas, são constructos, criações do homem que a natureza não consegue produzir.
Podemos entender, seguindo Guattari, que a máquina precede a técnica, e não o contrário. A
máquina é conjunção sistêmica e complexa. São alteridades construídas ou compostas e
constituem diversas esferas humanas. Podemos pensar em máquinas sociais, interpessoais,
tecnológicas, informacionais... Estes universos incorporais podem ser traduzidos como a
existência destas máquinas, pois, “a alteridade homem/máquina está tão inextricavelmente
ligada a uma alteridade máquina/máquina que ocorre em relações de complementaridade ou
relações agônicas (entre máquinas de guerra) ou ainda em relações de peças ou de
dispositivos“5. Se considerarmos que nossa subjetividade é por si alteridade em potência – para
outras subjetividades, portanto – o passo além da dicotomia entre consciente e inconsciente se
dá em direção à relação complexa entre estas subjetividades, ou ainda além, na malha caósmica
construída pela rizomatização das máquinas. E é assim que podemos entender, enfim, uma
subjetividade enquanto produzida por agenciamentos institucionais, coletivos e pessoais;
construção e consequência de interações homem-máquina e até mesmo máquina-máquina:
territórios de alteridade existencial que operam fluxos e agenciamentos próprios.
A subjetividade pode ser entendida, talvez até mesmo de maneira visual, enquanto uma
sobreposição de infinitos planos bidimensionais. Estes planos são as diversas máquinas que se
acoplam ao sujeito, promovendo inputs incorpóreos que alteram uma visão de mundo e os
fluxos internos do Ser. Nestes planos maquínicos, operam diversos fluxos, e podemos visualizá-
los enquanto linhas que percorrem estes planos em uma velocidade infinita, e que este plano
se situa num tempo infinito – pois jamais será atual, somente virtual, de potencialidades, de
multiplicidades. E que, a partir da sobreposição destes diversos planos, podemos constituir uma
linha transversal, de cima a baixo e baixo a cima, chamada de máquina abstrata.
Quando falamos de máquinas abstratas, por ‘abstrato’ podemos igualmente
entender ‘extrato’, no sentido de extrair. São montagens suscetíveis de pôr em
3 Ibid. P. 169
4 GUATTARI, 1992. P. 13
5 Ibid. P. 54
relação todos os níveis heterogêneos que atravessam e que acabamos de
enumerar. A máquina abstrata lhes é transversal. É ela que lhes dará ou não uma
existência, uma eficiência, uma potência de autoafirmação ontológica. Os
diferentes componentes são levados, remanejados por uma espécie de
dinamismo. Um tal conjunto funcional será doravante qualificado de
Agenciamento maquínico.6
6 Ibid. P. 46-47
7 GUATTARI, 1992. P. 19
8 Ibid. P. 35
poderemos abordar um desenho inicial de um processo complexo pelo qual poderemos
entender uma ontologia do juízo enquanto fluxo agônico do design, fator de coerência cultural
ou pertencente à miríade de possíveis agenciamentos coletivos de enunciação. Abordaremos,
antes do julgamento em si, os processos de introjeção de subjetividades nas peças produzidas e
outras coisas mais.
O ato de criação pode ser pensado enquanto o fluxo de uma máquina subjetiva em
direção à alguma máquina, alguma forma, ferramenta, matéria de expressão; a consagração de
um fluxo virtual em atual, independentemente da materialidade em questão. E se pensarmos
neste tipo de fluxo, necessariamente colocaremos a máquina abstrata subjetiva em primeiro
plano, seguida de todas as outras em sua hierarquia de coerência e funcionalidade, até a
atualização, momento final, que se define pela emancipação complexa de uma composição
heterogênea, das mais diversas máquinas, territórios. Agregando por onde passa, o fluxo
subjetivo terá por identidade a intencionalidade do sujeito, o devir que agenciou tal fluxo.
Composições Maquínicas
Já mencionamos a heterogeneidade ontológica das subjetividades, e para tal, deveremos
entrar em mais detalhes. Não nomearemos todas as possibilidades, até porque são infinitas. Nos
manteremos em uma busca pela forma que as composições ontológicas de máquinas abstratas
emanam a necessidade de uma diferença constante e crescente. Tentaremos explicitar de qual
forma a coesão deve aliar um caos tremendo em detrimento de propriedades comuns.
subjetividades se dá pela soma dos agenciamentos, do acoplamento de máquinas e as relações mutantes dos fluxos
e máquinas que se interferem. A subjetividade se funda por universos incorporais, não na dualidade da consciência.
Carregamos conosco um universo de possíveis, um universo de máquinas que em suas
desdobras portam diversas micromáquinas. Cada funcionalidade determinará os fluxos das
máquinas maiores, e sucessivamente até que estas cheguem à subjetividade. Podemos encará-
los como gostos, desejos, características, fobias. E todos estes fluxos destas diversas máquinas
se disparam uns em direção aos outros. Um ótimo exemplo imagético seria o filme
Divertidamente (Inside out), de 2015. O painel de controle da máquina é controlado pelos 5
grandes personagens: as emoções. Raiva, Alegria, Tristeza, Nojo e Medo. E os embates entre um
e outro causam uma resultante que determinará a ação. O agenciamento, portanto, é composto
pelo entrecruzamento destes vetores.
E como mencionamos, cada personagem é uma subjetividade por si só. Cada máquina é
controlada por micromáquinas. E estas interações só acontecem pela diferença entre um e
outro. Se Raiva e Medo fossem idênticos, não haveria diálogo e, talvez, se homogeneizaria um
sentimento de raiva-medo? Dois nomes para a mesma coisa? É na pluralidade das opiniões,
crenças, visões de mundo, que os personagens chegam a conclusões que determinarão o
posicionamento do corpo para com certo acontecimento. Será que seria mais coerente uma
postura alegre ou triste para com isso? E no apertar de um botão, um território pode ser aberto
como uma projeção de uma lembrança daquele sentimento. E são as lembranças centrais que
determinarão a personalidade do corpo, ou seja, quais territórios comporão a máquina subjetiva
em primeiro plano. Quais terão maior relevância.
Assim, toda forma de criação, de fluxo que emane da máquina subjetiva carregará uma
essência de seu criador, por assim dizer. E esta complexidade do agenciamento definirá uma
singularidade, uma formação única que carregará traços de uma subjetividade, e por assim
entender, propriedades comuns com as megamáquinas, metamáquinas de agenciamentos
hipercomplexos de criação maquínica.
Subjetividades Maquínicas
Tomaremos um curto tempo para aproximar o conceito de subjetividade ao de máquina,
mas tentar desmistificar tamanha audácia. Não no sentido de dizer que somos máquinas no
sentido bruto, mas que essencialmente entramos em um paradigma tecnológico que nos faz
reavaliar nossos conceitos de tecnologias, inteligências e máquinas. Mas ao mesmo tempo, tudo
são máquinas, pois tratamos estas como capazes de agenciar processos, dotadas de movimento
e transformações.
Nós também ainda estamos nos acostumando com este vocabulário esquizo, de máquinas
autopoiéticas abstratas e fluxos invisíveis e virtuais. Mas é apenas isto que nos permite falar
com naturalidade de coisas que só podem ser pensadas.
Estas máquinas então podem ser destrinchadas da mesma forma que sistemas funcionais.
Se possui composição e conectividade, apresentando uma estrutura, chamamos de território.
Se apresenta integralidade e funcionalidade, se organizando e se reorganizando, chamamos de
máquina. E estas máquinas serão então responsáveis, na forma dos registros semióticos, a
processar inputs e converter, codificas, semiotizar as informações – portanto se é organizado,
se é máquina, possui algum tipo de inteligência13 – para assim ser funcional, para assim agenciar
um fluxo.
Chega-se assim a substituir os sistemas semiológicos e semióticos do
estruturalismo por uma ‘maquínica’ que engloba as problemáticas não apenas da
expressão e do conteúdo, mas também as das estruturas sociais, estéticas,
científicas etc... Para além desses aspectos de discursividade maquínica, convém
igualmente evocar o outro funtor da enunciação que os universos de referência
constituem. Eles se organizam em constelações singulares, cristalizando um
acontecimento, uma hecceidade, que será o suporte ontológico da discursividade
maquínica.14
11 GUATTARI, 1992. P. 71
12 Ibid. P. 75
13 Inteligência neste contexto será o que já empregamos uma vez: a capacidade de processar e reagir,
autopoiese, semiose, agenciamentos próprios que lhe confiram existência, consistência ontológica.
14 GUATTARI, 1992. P. 77
Máquinas subjetivas
Já conceituamos objetos dotados de inteligência, que antes seriam objetos capazes de
reagir13. Mas o que não pudemos pensar, pois só nos ocorreu agora (kkk), é em subjetividades
embutidas em objetos. E se quisermos ser mais pragmáticos para já denotar a existência disso,
podemos falar em códigos, algoritmos que gerem mensagens, interpretações, discursos,
sintaxes. Podemos compilar linhas de código para que adquiram determinada funcionalidade, e
que possamos, então, atribuir certa intencionalidade maquínica a estes objetos. Isso pode ser
visto na inteligência virtual, de tal sorte que as máquinas subjetivas hoje são sistemas
hiperfuncionais que conseguem simular certos aspectos de uma livre intencionalidade, similar o
que podemos conceber enquanto um modo-de-ser humano.
E quanto mais elaborada for esta subjetividade, capaz de ser coerente com nossos
sistemas de valores, crenças e conhecimentos, mais interativa será – meramente por ‘falar a
mesma língua’. E podemos pensar em diversas formas dessas inteligências, sejam elas em nível
estritamente funcional, capazes de oferecer diálogos pré-determinados, até uma
responsividade de discursos, como em conversas fluentes por texto com robôs.
E neste processo, quanto mais livres forem os códigos, mais abertos à adaptabilidade,
existe a possibilidade de que certos processos gerem inovação. Quanto mais caóticos e
heterogêneos forem os sistemas maiores as chances de aprendizado, maiores as inovações. E
de fato quando falamos em máquinas subjetivas queremos apenas salientar que existe a
possibilidade de se pensar em máquinas dotadas de subjetividades, e estas podem ser até
mesmo não-tecnológicas. Mas que antes disso, devemos destrinchar que a subjetividade nada
mais é do que uma conjunção específica de máquinas, peças, que em sua interação e movimento
produzam uma intencionalidade que possibilite a aparição de devires. E se conseguimos simular
tal intensidade, tal pulsão de vida em máquinas tecnológicas, mais perto estaremos de máquinas
ditas subjetivas.
15 Que seus fluxos internos, de natureza específica, sejam sobrepostos aos outros que compõem tal
É possível pensar nestes enunciados como sendo produzidos por simulações de uma
realidade, territorialização de um fluxo em recorte, universo de referência hiper-real. E nestes
discursos impostos, verticalizados, os modos-de-ser se veem aprisionados por territórios de
experiências estéticas conhecidas, nas quais não há espaço para um possível. Não existe
abertura para subversões em espaços de vigilância, espaços fechados, usos proibidos,
enunciados que nos trazem para um limite dos agenciamentos: CsO do poder que exercerá
pressão de guerra contra qualquer subjetividade livre.
Mas voltemos à lógica dos conjuntos discursivos: é a do Capital, do Significante,
do Ser com S maiúsculo. O Capital é o referente da equivalência generalizada do
trabalho e dos bens; o Significante, o referente capitalístico das expressões
semiológicas, o grande redutor da polivocidade expressiva; e o Ser, o equivalente
ontológico, o fruto da redução da polivocidade ontológica. O verdadeiro, o bom,
o belo são categorias de ‘normatização’ dos processos que escapam à lógica dos
conjuntos circunscritos. São referentes vazios, que criam o vazio, que instauram
a transcendência das relações de representação. A escolha do Capital, do
Significante, do Ser, participa de uma mesma opção ético-política. O Capital
esmaga sob sua bota todos os outros modos de valorização. O Significante faz
calar as virtualidades infinitas das línguas menores e das expressões parciais. O
17 GUATTARI, 1990. P. 34
18 BAUDRILLARD, 1991.
Ser é como um aprisionamento que nos torna cegos e insensíveis à riqueza e à
multivalência dos Universos de valor que, entretanto, proliferam sob nossos
olhos.19
E pensamos sobre o corpo capitalístico, discutido incessantemente por Foucault, que está
sujeito às enunciações de poder através da Loucura, da Sexualidade e das Enunciações diversas.
E que nestes universos expressivos e de manifestação se compõem os limites impostos, os
modos-de-ser instaurados dos quais não se foge e não se vê o além. E imersos em um sistema
de valores, temos uma troca destas experiências, destes universos que vêm preencher o vazio
da identidade do sujeito, por algo de valor, dinheiro, tempo, atenção – como é o caso do
mercado publicitário. Num esvaziamento crescente dos agenciamentos criativos, expressivos,
existenciais, afetivos, neste aniquilamento dos múltiplos, nos percebemos vivendo imersos no
virtual sem sequer ter noção do que significa o possível. Atitudes subversivas são cortadas pela
raiz, e surge o movimento hacker como resistência às formas de modelização criativa dos
aparelhos do Estado e da Cultura.
Findada nossa aproximação com o universo das máquinas e das subjetividades, falaremos
agora sobre o juízo como partindo de uma máquina subjetiva, análise deste fluxo complexo.
Desdobraremos as possibilidades de se pensar em um julgar ético ou múltiplo, complexo e
caótico.
4.2. Juízos
De quais formas podemos pensar em parâmetros de normatização dos modos de fazer do
designer? De certo, conceituamos os agenciamentos coletivos de enunciação e as relações de
poder (embora nem tanto pois não cabe ser explorado nesse momento) como normatizadoras
dos fluxos em design – bem como os fluxos ecológicos sociais. Mas necessariamente, deveremos
investigar o ato de julgar em si, em sua etimologia, em suas origens, significações. Desdobrar
este conceito em sua multiplicidade a fim de investigar o que guarda. E para tal, partiremos do
verbo, da ação e do processo de julgar, avaliar, adequar, comparar, sobrepor, entre outros
sinônimos que denotam uma atividade referencial, de comparação de elementos comuns entre
dois conjuntos, e que a coerência será a linha de intensidades entre um julgamento do bom e
do ruim.
Julgar
Dentre as definições encontradas, temos uma que nos agrade imensamente: formar
conceito. As outras se categorizam entre juízo penal, imaginar, crer, supor, ou até mesmo ter
conta de algo20. E se analisarmos este processo, sempre evocarão um universo de referência
pelo qual o juízo procederá. A julgar pela necessidade de uma referência à alguma norma, de
certo podemos conceber a figura de um território de normas, de fluxos agônicos que
determinem o que é e o que não é. E neste processo de determinar, sobreporemos o sistema
em questão e o sistema de valores, e as concordâncias procederão; as discordâncias resistirão.
19 GUATTARI, 1992. P. 42
20 Consulta no dicionário online Priberam. Consulta em 09/11/2017.
E neste processo de resistência que a diferença se dá como uma expressão genuína e
anticapitalista – nos referindo aqui a um sistema de valores com base na troca e no valor
atribuído21. De certo, então, julgar implica em reconhecer um valor conceitual, ou funcional, ou
formal, ou expressivo nos objetos. Além de tudo, significa hibridizar dois territórios para a
formação de um terceiro, independente, mas que sempre carrega em sua imanência uma
referência às suas origens. Reconhecendo este valor, poderemos enfim partir para uma forma
de julgar.
E não entraremos no valor penal pois Foucault pode oferecer conclusões muito mais
proveitosas em Vigiar e Punir do que nós. O que nos interessa é a consistência deste plano de
valores que determinarão a modelização dos fluxos. E se falamos de julgamentos, deveremos
falar de vigilâncias, de punições e de reclusão. Bem brevemente. A vigilância serve para observar
e identificar. Olhos atentos para as diferenças, a vigilância é o processo de comparar o percebido
com um universo de valor que determine primariamente se o fluxo é adequado ou não. Caso
não seja, passamos pelo julgamento e consequente punição. Esta, será determinada com base
na desigualdade da balança. Quanto mais desigual, maior a punição. E a punição, que já não
incide mais sobre o corpo. Por mais que nos doa, não lemos por completo a obra, mas separamos
um trecho para nos dar um gosto do que queremos dizer, para assim continuar:
Mas, de modo geral, as práticas punitivas se tornaram pudicas. Não tocar mais no
corpo, ou o mínimo possível, para atingir nele algo que não é o corpo
propriamente. Dir-se-á: a prisão, a reclusão, os trabalhos forçados, a servidão de
forçados, a interdição de domicílio, a deportação […] são penas “físicas”: com
exceção da multa, se referem diretamente ao corpo. Mas a relação castigo-corpo
não é idêntica ao que ela era nos suplícios. O corpo encontra-se aí em posição de
instrumento ou de intermediário […] Segundo essa penalidade, o corpo é
colocado num sistema de coação e privação, de obrigações e de interdições. O
sofrimento físico, a dor do corpo não são mais os elementos constitutivos da
pena. O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia
dos direitos suspensos. […] Ao se aproximar o momento da execução, aplicam-se,
aos pacientes, injeções de tranquilizantes. Utopia do pudor judiciário: tirar a vida
evitando de deixar que o condenado sinta o mal, privar de todos os direitos sem
fazer sofrer, impor penas isentas de dor. O emprego da psicofarmacologia e de
21 FOUCAULT, 1992.
22 A justiça não é cega. Ela se pauta em uma balança de interesses, no caso dos tribunais, entre o acusado e o
acusador. E quando o acusador é o povo, em casos ‘o povo contra fulano’ determina um interesse coletivo, em que
uma moral coletiva e um sistema de valores culturais e históricos determinarão o peso no braço da balança. Se os
interesses do povo se mostram mais prejudicados, e que os interesses do réu sejam configurados por uma moral
maligna ou desordenada, o júri determinará, na figura de senso comum do povo, uma sentença que condiga com os
interesses sociais. Ser justo é ser coerente com sistema de valor em maior uso naquele universo específico.
diversos ‘desligadores’, fisiológicos, ainda que provisório, corresponde
perfeitamente ao sentido dessa penalidade ‘incorpórea’.23
E da mesma forma que existe a certeza de que um julgamento aplicará uma correção,
uma mudança, uma diferença, podemos pensar que se atribuirmos os juízos de valor para além
do bem e mal25, para um campo externo ao código penal, para além de qualquer sistema
consolidado de valores, eles se desvanecem no ar, pois, vira opinião. E de certo circulamos assim
o campo dos universos de valor, ou parâmetros, que determinarão as formas de se operarem
os julgamentos, bem como a forma como se haverá a consequência de determinado juízo. E se
evocamos qualquer universo para valer de parâmetro, temos um processo curioso.
De certo, podermos pensar no ápice dos parâmetros naturais: leis físicas. O corte-fluxo
que operam estes universos serão absolutos no que concernir ao atual e o real. Não poderá voar
se não se equipar de máquinas que o permitam. Reduzindo a escala, teremos os enunciados
coletivos, o poder e as convenções como modelizadoras de fluxos. Este tipo de parâmetro se
define por operar os fluxos do estado, cujo único fim é a permanência26, e que a única forma de
combate é o nomadismo. Tratamos de fluxos ditos modelizadores, de intensidade mediana, mas
que ainda assim é capaz de estriar todo o campo social. A complexidade deste é maior pois
apenas incorpora o tipo anterior, e ainda assim agrega diversas variáveis de uma sociedade em
constante reterritorialização. E não apenas os fluxos do estado, teremos os diversos outros que
povoam esta ecologia do socius: todas as máquinas e seus agenciamentos. Qualquer território
poderá ser utilizado de parâmetro de coerência, de adequação.
E isto quer dizer que é aqui que poderá entrar um ponto essencial deste corpus
capitalístico: todos os territórios serão de valor. Não se poderá proceder um juízo sem identificar
uma dualidade, maniqueísmo. Cabe aí ao julgador perceber os meios que povoam esta
dualidade com intensidades, ou se ater ao parâmetro do certo e do errado.
De certa forma, trataremos aqui de uma forma deveras curiosa não uma dualidade entre
este e o próximo, o subjetivo. Teremos nossos olhos para os mesmos universos conceituais que
se situam no plano de imanência, a questão que se coloca27 aqui é se de fato podemos tratar
separadamente o subjetivo e o objetivo quando se menciona os universos de referência. Muito
porque a mudança de perspectiva entre um e outro nada mais é do que dois lados da mesma
moeda: dicotomia Eu x Outro no plano de imanência.
Assim, pode-se colocar questões como o que diferenciará então o subjetivo do objetivo,
se tudo está comportando no mesmo plano de relações e fluxos cósmicos? Ou ainda se a gênese
de um e outro determinará efetivamente suas consistências? O que se evidencia primeiramente
é uma possível resposta à essa última pergunta: determinará apenas para o sujeito da
perspectiva. Então o que é objetivo é de origem transcendente ao sujeito, e o que é subjetivo
será imanente – mas logicamente influenciado pelas referências, consistências das relações e
composição do corpo – ao sujeito. De certo, então, poderemos deixar aberto para que quaisquer
fatores externos possam ser tomados enquanto objetivos, desde imposições da máquina de
Estado, até os fluxos nômades das máquinas de guerra que apenas tendem a subverter, a
agonizar os fluxos.
Sejam leis naturais, códigos penais, livros de valores, territórios proibidos, todo universo
de referencial transcendente será capacitado enquanto um parâmetro objetivo. Serão fluxos
de enunciação coletiva, para poder dar luz às máquinas de guerra que discutem no tratado da nomadologia. Estas,
subversivas aos fluxos do Estado, não desterritorializam o território em que estão, mas se desterritorializam nelas
mesmas a fim de sempre manter um ‘espírito guerreiro’ em sua imanência.
27 Deleuze&Guattari™
engessados, territórios que somente podem ser reterritorializados, atualizados, mas nunca
desterritorializados. Serão enrijecidos por uma máquina de permanência, cuja função maior é
não permitir qualquer nomadismo.
Cabe então falar sobre o subjetivo para tratar de um método contrário ao engessamento
de um aparelho de estado que os parâmetros objetivos estão sujeitos. O nomadismo mental
será um resguarde do sujeito para com as enunciações coletivas.
Se tratamos das origens externas, chegou a hora de falarmos sobre as origens internas.
Pena que não seremos capazes de fazer isso tão bem, então refletiremos sobre as implicâncias
destes conceitos: falamos do ato de criação, o ter ideias, falamos também de um pensar
generalizado, e também da composição heterogênea das máquinas abstratas do subjetivo. O
que nos falta para tentar atingir uma base conceitual que nos possa falar sobre a questão do
gosto? Alinhamento determinado de máquinas numa interrelação funcional que promova
desejos e subversões perante determinadas coisas, objetividades. Incompatibilidade de
propriedades comuns, ou ainda conflito entre os diferentes fluxos.
Ainda não conseguimos explicar o que se desvenda por debaixo dos panos de um desejo
na sua forma pura. Seria meramente o devir, de tornar tornando-se28? O desejo seria algo de
fato incontrolável em sua manifestação? Será que uma composição, consistência ou
referencialidade podem ser projetadas, de forma que as relações se determinem em direção a
uma finalidade, ou ainda um espectro de possíveis?
Este gosto subjetivo, estes parâmetros subjetivos de juízo serão determinados ex-nihilo
ou composicionalmente? Haverá então formas possíveis de fazer conhecimento sobre
parâmetros subjetivos?
28 DELEUZE, GUATTARI.
fábrica, abriu-se para relações diferenciais das peças, e que destas emergisse o desejo enquanto
construção de um agenciamento. “Não há desejo que não corra para um agenciamento. O
desejo sempre foi, para mim, se procuro o termo abstrato que corresponde a desejo, diria: é
construtivismo. Desejar é construir um agenciamento, construir um conjunto, conjunto de uma
saia, de um raio de sol…”29
De forma que não se pode desejar uma saia, ou alguma coisa em específico. Se se deseja
beber, é num bar com os amigos, sozinho em casa assistindo Netflix™. Sempre se deseja em
conjunto, ou um conjunto. Agenciamentos são complexos, e um desejo não é efêmero e
instantâneo como se pensa. A construção de um desejo é a constante atualização do devir. E
nesses desejos e construções, novamente em paralelo com Divertidamente (2015) e sua
representação das 5 memórias centrais – nesse caso dizemos que não existirá número
determinado – podemos pensar em uma construção da subjetividade. E que essa será pelos
desejos, pelas construções, pelas estratificações de certos territórios como existenciais,
referências ontológicas.
A ecosofia seria o estudo das ecologias, de forma a lidar com uma miríade de
características: a composição, as relações internas e externas e o movimento disso tudo ao longo
29 DELEUZE em entrevista chamada O abecedário de Deleuze, letra D, concedida a Claire Parnet entre 1988-
89. Éditions Montparnasse, Paris.
do tempo, com um olhar para a memória e outro para o possível. Ou seja, implica os ritornelos
também, as transições de escalas.
As formações políticas e as instâncias executivas parecem totalmente incapazes
de apreender essa problemática [a relação da subjetividade com sua
exterioridade] no conjunto de suas implicações. Apesar de estarem começando a
tomar uma consciência parcial dos perigos mais evidentes que ameaçam o meio
ambiente natural de nossas sociedades, elas geralmente se contentem em
abordar o campo dos danos industriais e, ainda assim, unicamente numa
perspectiva tecnocrática ao passo que só uma articulação ético-política – a que
chamo ecosofia - entre os três registros ecológicos (o do meio ambiente, o das
relações sociais e o da subjetividade humana) é que poderia esclarecer
convenientemente tais questões.30
E os fluxos de controle exercidos se dão pelo juízo, pela interpretação dos fatos sempre
fazendo referência a universos de referência do bom, do homogêneo, da família tradicional
brasileira. O estriamento cristaliza a imanência, e não apenas a consistência: as referências
também se cristalizam. E a estrutura se ergue apenas para demonstrar seu poderio.
Cremos que nossa missão neste ponto está findada. Não estamos vendo outro jeito de
continuar esta discussão sem antes conceituar todo o conceito de poder e Estado, e
consequente nomadismo, para enfim prosseguirmos para onde queremos falar sobre um juízo
em design plenamente, ontologicamente.
Nosso universo do juízo está consolidado, de forma que resta apenas desenvolver a
discussão daqui para frente. Teremos nossos olhos voltados para o território do design para
prosseguir com uma territorialização de certos fluxos, evidenciando os fatores de juízo que se
valem. E logo em seguida, trataremos da linha de fuga como essência central de qualquer
30 GUATTARI, 1990, p. 8
31 Interpretamos aqui que enquanto o devir é tornar tornando-se, o ser é para depois ter sido. E nessa relação
entre o vir a ser e o ser/sido, na conceituação dos estados, dos agenciamentos, das intenções, do caos, enfim; situa-
se o grande paradigma da filosofia Deleuzeana que permite partir para qualquer sistema e analisá-lo em sua essência.
máquina de guerra, ou espírito guerreiro. O Neo-Design emerge enquanto proposta de fuga de
qualquer dualismo de um conceito de design, como proposta que se aproxime de um design
líquido em heterogeneidade e complexidade.
O Bom Design
Já mencionamos o que significa o conceito do bom e do belo e como sua referência de
valor muda com o tempo. Inicialmente nos contentamos em dizer que aqui se situa o design dito
coerente, coeso e funcional. De forma sucinta: existe um território que terá como existência o
conceito de bom. E a cada referência que se faz a algo enquanto bom, incorpora-se uma porção
de terra a este território. E conforme os valores de uma mecanosfera maior venham a mudar,
as porções de terra deste território também hão de mudar. E não poderemos apreender todas
as porções nem em sonhos, de tal sorte que tentaremos elencar certos padrões que determinem
os pilares central de um bom design.
Podemos dizer que um bom design deverá atender ao briefing, propondo uma solução
inovadora a um problema. Mas isso nos soa reducionista demais. Se vamos nos indagar sobre o
que de fato constitui um universo de valores de um bom design, devemos ultrapassar o
macrocosmo do bom numa microfísica das relações das construções, convenções e modos-de-
ser do design. E isso implica em continuar em uma linha de raciocínio que permeia nosso texto
desde o começo. E para tal nos veremos obrigados a apenas continuar – por mais que queiramos
fazer um resgate.
32 Visto que nosso aprofundamento da estética nos tornou intrínseco a uma reflexão em design. Buscamos
então entender, já que a maioria das nossas finalidades se voltam ao prazer sensorial, ou algo de estético numa
usabilidade plena e coerente: o design adquiriu função de tornar a vida mais confortável. E é aí que buscamos nossa
ética, para tentar contrapor uma estetização absurda das relações com os objetos de design.
paradigma ético-estético nestes universos: seria nossa busca por uma ética do design? Uma
forma de propor relações ecológicas aos processos de design? [...] Prosseguindo.
De todos os sistemas de valor de troca, o trabalho está implícito como a forma de dar
medida às coisas abstratas. E trazemos uma ética do trabalho, e um design que se alie a estas
considerações poderá inovar o ambiente de trabalho, sistemas de regime de trabalho, enfim. E
na dimensão estética, poderemos ter uma otimização de todos os fatores, usos, máquinas,
processos, interfaces. O design no trabalho se torna a premissa de tornar a experiência de
trabalhar mais prazerosa, ao mesmo tempo em que torna as relações humanas dentro dos
ambientes de trabalho mais cordiais e bem-intencionadas.
E por fim, no ambiente da linguagem, o design fará também conta das relações entre as
línguas, um peixe de babel que codificará uma representação em outra, e sucessivamente as
traduções serão regidas por uma boa relação, uma boa conduta ainda assim. E que da mesma
forma que nos referimos a algo por algum nome, o designer deverá trabalhar as representações
de forma exemplar no sentido de trabalhar com signos éticos, representações concisas e
estéticas. Aqui poderemos falar em um storytelling cuja narrativa evoque o bom e o belo em sua
profundidade ontológica, que os discursos do designer propaguem melhorias da troca de
informações.
Por mais que tenhamos apresentados estes três recortes, queremos salientar que não
será dessa forma que se encerra. Quiçá deixamos de fora algo, alguma propriedade não
representada. Mas nossa missão era a de aliar o conceito de design ao bom e belo, ético-estético
em seu polo da bondade.
De tal, é prudente contrastar com os Dark Patterns para evidenciar os polos negativos de
um design imoral e/ou feio.
O Mal Design
Tornaremos nossas forças para pensar no que significa pensar em um mal Design, e
encontramos nosso exemplo no que se cunhou como Dark Patterns: caminhos possíveis de uma
interface, geralmente em websites e aplicativos mobile, que fazem o usuário passar por um
cadastro desnecessário, propaganda, etapas que não fazem sentido a não ser para se aproveitar
do usuário.
Em suma ele parte para o lado oposto: uma ética do mal e uma estética do feio. Aqui
poderemos pensar em uma subversão de algum tipo de processo em detrimento de finalidades
que não se adequem no chamado bom ou belo. Desviadas de um percurso dos valores, os Dark
Patterns (DP) remetem a um caminho de estriamento e de finalidades que prejudiquem as
relações. Não estaremos falando de guerra, mas de violência num sentido ético.
O mal design poderá ser configurado como uma subversão violenta, cujo fim não seja
construir, mas destruir. E se pensa que falamos em demolir prédios já em desuso, não
confundam com a demolição por bombas terroristas. Falamos de uma proposta cujos fins
contrariam os princípios de uma ecologia sustentável e harmônica.
Vamos analisar o DP por si só: interfaces deceptivas, cujos fins são de nomear ou de
envergonhar o usuário. Não paramos por aí, pois evocamos uma desdobra dos padrões por meio
das repetições: as microdiferenças que se impregnam em processos malignos serão os
denominados padrões. E isso remete a uma proposta de estabelecer um fio condutor com
universos de referência malignos. Isso significa que estes padrões serão certos estados que se
repetem nos processos do design. E alguns recorrentes podem ser o de enganar, simular algo e
atrair o usuário para aquilo sob uma máscara que oculta reais intenções, como botões falsos
que direcionam para propagandas; trocar um serviço gratuitamente por informações sensíveis
do usuário, como nome, telefone, cartão de crédito; ou entradas fáceis em serviços, mas
dificuldade de sair, como listas de email ou inscrições em serviços.
O mal design não será o desvio da boa moral, pois, existe também um domínio de valores
subversivos, antiecológicos, antiéticos. E todo o mal design se concentrará nesta esfera. E não
pela intenção de fato de ser maligno, mas sim porque este caminho abala as estruturas e
permite algo como um golpe de estado. O mal design é inesperado. Dentro de um paradigma
do bom e do belo, que perdura há séculos, o maligno sempre é inusitado. E os DP serão,
portanto, esta via subversiva que reverto o fluxo do bem contra ele mesmo, que determinará
uma onda de choque. Os acontecimentos malignos serão sempre encarados com horror.
Horror não pela sua consistência, mas pela sua perturbação. A ordem será abalada
irremediavelmente, deixará sua cicatriz no espaço. E o mal design sabe disso, e se aproveita
disso. Então se a missão é a dominação, uma enunciação do Estado que seja incontestável, o
Dark Design se encarregará de propor meios de dominação, desde violência, tortura, censura.
Todas as armas do fascismo derivam de um projeto com intenções do lado oposto da balança.
E se o fascismo é tão presente nos escritos de Deleuze e Guattari, deverá ser porque ele é
presente e constante em seu conceito. Não necessita da figura de um Estado para permanecer,
apenas de uma figura de poder.
33 Conceito criado a partir do regime totalitário imposto por Benito Mussolini na Itália, no período entre
guerras. Era uma estrutura de governo que se pautava quase que exclusivamente em um uso absoluto do poderio
principalmente com O Anti-Édipo de D&G. Na introdução, Foucault nos arrasta para uma
interpretação deveras curiosa, que se resume em dizer que o livro é antes sobre ética. Que
apresenta uma forma de viver livre de qualquer relação de poder, livre de qualquer fascismo. E
esta proposição nos faz questionar e reavaliar todas as nossas leituras, e nos faz mudar de certa
forma nosso foco. O que antes era para ser apenas uma forma de julgar os produtos de design
– e não falamos sobre isso até agora e cremos que não falaremos – se tornou uma análise das
relações de poder que o design implica, e tudo isso se demonstra pelo ato de julgar uma
produção subjetiva, estratificação do ato de criação.
E se já tratamos dos eventos macros de modelização subjetiva pelo design, falaremos dos
eventos micro, determinando o desejo como foco principal de análise. Podemos contestar logo
de cara a premissa do design de tornar os produtos industriais acessíveis a todos. A massificação
sempre fez parte do modelo de evolução do design e do designer como profissional capaz de
aliar as demandas das indústrias para com o público de consumo. De certo este modelo se prova
hoje como incoerente, ou ainda, desatualizado. E evidenciaremos uma linha de fuga. Mas ainda
não.
Vamos falar sobre como o design pode ser um aspecto chave dentro de uma modelização
subjetiva, exatamente por que serão os designers que tomarão providências sobre forma,
conteúdo, significações, usos e afetos. O desejo é agenciamento em construção, e por tal, é
caótico; e no caminho ele vai pegando tudo o que lhe serve, e carrega junto, agrega, não vê o
que pode ou não, apenas recolhe e processa. E nesta fábrica sem certo e errado, os enunciados
de valor compelem modos-de-ser que determinarão, finalmente, este certo e errado de acordo
com os valores determinados. Mas a natureza da imposição apenas a classifica como fascista na
medida em que não respeita outros fluxos já em andamento, a multiplicidade de possíveis que
um desejo carrega consigo. Se nosso desejo é cortado, podado, modelizado, estaremos falando
de agenciamentos fascistas, e que não somente o Estado em sua permanência os pratica. Como,
por exemplo, uma cultura, e como os fatores de resistência destas convenções inibem
movimentos ditos de contracultura. Falamos em um conceito de fascismo cultural na medida
em que a permanência abre margem para a enunciação de modos-de-ser, mas somente nisso.
militar e um controle absoluto dos civis pelos militares. O Estado era totalitário e os modos-de-ser todos
condicionados aos seus agenciamentos.
34 Exatamente porque em sua imanência consideramos o universo de referenciais, e que outros universos, os
Por tal, um anti-fascismo seria um design que operasse linhas de fuga, e comportasse uma
multiplicidade heterogênea, e cada vez mais caótica. E poderemos tomar nossos olhos para o
processo: o valor de juízo aparece aqui também enquanto forma de consolidar ou não uma
existência, e isso nos levará ao ensino em design. Mas tudo no seu tempo. Nosso foco por hora
é em denotar que existe algo no juízo enquanto máquina fascista, de corte de fluxos. Quando se
pergunta se algo está bom ou não, a resposta determinará o processo, ao mesmo tempo em
que poderá contribuir, poderá implodir. E dessa forma, o juízo e seu tempo são decisivos.
Faz coisas bonitas, mas financia trabalho escravo. E num mundo completamente
desmoralizado, apelamos aos simulacros éticos. A estética por si já foi incorporada, mas a ética
se torna cada vez mais frágil em detrimento das apropriações deste ambiente pelo aparelho de
Estado, pelo agenciamento de controle, e principalmente da apropriação destes conceitos pela
esquerda ou pela direita, em um embate violento que nada realiza com as máquinas de guerra.
De tal, que o maniqueísmo se mostra novamente como a arma mais poderosa do Estado, como
forma de restringir para quaisquer linhas de fuga.
E operar uma linha de fuga significa muito mais do que sair do dualismo bem e mal. Impelir
uma linha de fuga significa resistência, da mesma forma que o ato de criação é uma subversão
em relação a seu aparelho de estado. E o designer guarda papel importantíssimo neste cenário:
agenciar exatamente estas linhas de fuga. Não pela diferença pela diferença – produção de
informações –, mas pela capacidade de agenciar fora do dualismo, o designer poderá operar
subversões, desterritorializações que promoverão uma abertura dos estratos das mais
diferentes ecologias. E para tal, tocaremos na constante desterritorialização do designer
nômade, mas só mais para frente. Tocaremos na exterioridade da máquina de guerra ao
aparelho de estado para definir o designer enquanto nômade, promovendo alisamentos e
desterritorializações de todos os espaços, mas antes porque ele próprio se desterritorializa em
sua imanência. Bom, embasamos suficientemente sobre os aparelhos e as máquinas, as guerras
e os guerreiros. Poderemos tocar agora num design para além do bem e do mal. Nossa proposta
se consolidará sob a alcunha de um design nômade.
35HIMANEM, PEKKA. The Hacker Ethic: a radical approach to the philosophy of business. New York: Random
House, 2002.
5. Melhorar o mundo: aqui evocaremos o universo ético, que classificaremos
enquanto ecológico. Aqui o foco não é se ater aos valores do bom, mas o que for
necessário e julgado benéfico para a trama de relações daquele universo. Se
considerarmos todos os conjuntos de informações que se sobrepõem na internet,
e na diversidade de discursos que se entrecruzam por diferentes linguagens,
podemos somente pensar que o tipo de ética que emerja das redes será
necessariamente ecológica (pois considerará nossa esfera sempre maior, quanto
mais participação tiver).
E a cultura maker se evidencia, aqui, enquanto uma forma de aliar uma ética do
nomadismo ao fazer do designer enquanto fazer criativo. Os preceitos e parâmetros makers
evidenciam relações fundamentais ao designer enquanto profissional complexo, que deverá
enxergar antes da ordenação a subversão das estruturas em detrimento de uma nova forma de
agenciar. E se pautando no desejo, partimos de uma máquina abstrata que não pode se fazer
apropriada por um aparelho de estado de forma irreversível. Aqui não propomos uma luta
contra o Estado enquanto entidade maligna, mas metaforizamos no Estado os fluxos ditos de
guerra.
Aqui, então, daremos mais voz ao que poderemos cunhar enquanto um design de
guerrilha, mais precisamente tático, que se utiliza de estratégias, os ditos metaprojetos, para
projetar, diferentemente de um projétil lançado à uma finalidade... como a deriva de um barco:
se adaptando, e no decorrer dos momentos não são as estratégias que mudam, mas todo o
modelo de organização, toda uma visão de mundo das partes, do todo e das finalidades que se
fazem outro. Contrariamente a uma guerra totalitária, que envolve militares, civis e todas as
relações no meio destas cidadanias, do Estado – na figura das cidades –, um nomadismo de
guerrilha nos evidencia meios de resplandecer uma inversão de valores: não será a tomada de
controle, mas a tomada da terra. O mapa que é o mais precioso, não o território. Enquanto os
turcos se concentram no domínio de uma cidade, e em sua posse, os árabes se dividiram,
tomaram a terra e cortaram os fluxos do território turco, até sufocá-lo36. A tática não envolve
guerra ou violência, tão somente um conflito de interesses.
E falamos de guerra e guerrilha pois elas serão as metáforas das relações de conflito, de
diferença de poder. E fugiremos de um princípio de guerra total para uma guerrilha parcial, em
que já não seria uma desculpa para matar, abusar, exercer o poder pleno: mas na medida em
que as duas finalidades se viram conflitantes, os árabes optaram por recuar e revidar aos poucos,
reconhecendo que era melhor dessa forma do que uma empreitada massiva de milhares de
homens arriscando suas vidas.
Deixamos Deleuze falar por nós porque ele fala muito bem. E nesses devaneios sobre
projéteis e velocidades, resgataremos somente mais um, que diz sobre as armas de uma
máquina de guerra, inclusive algo que categoriza como “Proposição Vil: A existência nômade
tem por "afectos" as armas de uma máquina de guerra”41. Este design tático ao qual nos
referimos se funda sob a premissa de ser configurado enquanto máquina de guerra, e que suas
armas serão os afectos. Enquanto projétil, o design, manterá sua perspectiva futura de projeção
no tempo, mas ainda assim abstrairemos tudo de novo para tentar fazer ligar esse bombardeio
de citações.42
Um design tático tem como premissa olhar para os afetos e trabalhá-los enquanto
máquina de guerra que é. E trabalhar afetos como armas significa pensar em uma balística do
ideal, uma ciência das projeções conscientes de hipóteses; e se pensarmos nos afetos enquanto
as relações de afetar e ser afetado, podemos pensar em uma luz: o projeto como ferramenta
balística de projeção de afetos entre sistemas. Ou em uma linguagem mais simplificada: a
pecuária e o adestramento nos permitem conceituar um design cuja missão é o possível e a
forma de organização, e através de projéteis conseguimos agenciar a construção desejante de
realidades possíveis.
Aqui queremos salientar que não poderemos operar um design de guerras, cuja situação
de guerra seja absoluta, rígida, de poder, de assassínio. Queremos trazer uma não-violência
através de armas conceituais que somente garantem velocidade aos projéteis, velocidade esta
como força agente, pulsão, devir.
Tático no sentido de operar contra a guerra do aparelho de Estado, operar contra uma
absolutização das forças e dos fluxos, que enrijeça a cidade em cidadela, que transforme em civil
37 Aqui utilizamos apenas de Deleuze porque as escritas de Mil Platôs tanto do Anti-Édipo ficaram por conta
de Deleuze, que curiosamente não sabia digitar, então ele apenas falava para alguma pessoa digitar todos as frases,
e assim se tecia a trama da sintaxe deleuziana. Se um dia se perguntou porque é tão difícil ler Deleuze, é porque na
realidade deveria se ouvir Deleuze.
38 DELEUZE, GUATTARI, 1997. p. 61
39 Ibid. p. 62
40 Ibid, p. 61
41 Ibid. p. 59
42 Já que temos um monte de nota de rodapé, colocaremos mais uma: estaremos, com essa conceituação,
adentrando ao final de todo um processo de conceituação do design pelos meios filosóficos. E por ser a parte mais
difícil, precisaremos de toda a ajuda possível de Deleuze.
e militar, e que desses sucessivos estriamentos e divisões a guerra esteja consolidada enquanto
aparato militar. T´taticas para fazer abrir as terras, desterritorializando com vetores de
velocidade que abalem as estruturas e que por força da gravidade colapsem. Falamos aqui em
uma subversão, novamente, como o ato de criação subversivo e que deriva de uma máquina de
guerra. E para tal, emprestaremos novamente Deleuze:
Se os nômades criaram a máquina de guerra, foi porque inventaram a velocidade
absoluta, como "sinônimo" de velocidade. E cada vez que há operação contra o
Estado, indisciplina, motim, guerrilha ou revolução enquanto ato, dir-se-ia que
uma máquina de guerra ressuscita, que um novo potencial nomádico aparece,
com reconstituição de um espaço liso ou de uma maneira de estar no espaço
como se este fosse liso (Virilio recorda a importância do tema sedicioso ou
revolucionário "ocupar a rua").43
O outro polo44 nos parecia ser o da essência, quando a máquina de guerra, com
"quantidades" infinitamente menores, tem por objeto não a guerra, mas o
traçado de uma linha de fuga criadora, a composição de um espaço liso e o
movimento dos homens nesse espaço. Segundo esse outro polo, a máquina de
guerra efetivamente encontra a guerra, porém como seu objeto sintético e
suplementário, dirigido então contra o Estado, e contra a axiomática mundial
exprimida pelos Estados.45
A função do design tático é exatamente alisar os territórios pela guerrilha, por uma guerra
menor cuja função nada tem a ver com a morte, a violência ou a destruição. As táticas cumprem
exatamente essa função: evitar um confronto direto. E por isso que será necessário divagar um
pouco nisso: a diferença entre o confronto direto e centralizado e o descentralizado e indireto
evidencia o caráter que Lawrence batiza de irregular. Exatamente por fugir de uma regularidade,
de uma previsibilidade, que o design tático poderá se fazer valer pela relação das partes,
atuando como um títere, que por trás dos bonecos é quem lhes garante vida, velocidade. O
títere será a máquina de guerra que o design almeja ser.
43 Ibid. p. 49
44 Sendo o outro polo a criação de um objeto de guerra.
45 Ibid. p. 93
46 Ibid. p. 93
E por fim, continuaremos a tratar de um design tático, mas nossa próxima empreitada
será no sentido de evoluir este conceito e fazer uma regressão a algo a priori, algo como uma
justificativa para alegar que o design atua como forma de organização. E a desterritorialização é
a diferença pura de um sistema com o outro. Estaremos focando esforços para, enfim,
determinar que o design enquanto sistêmico, e que se o sistema tomado for o das micro e
macro-políticas, terá que considerar os afetos e todo o universo que conceituamos até agora
das relações e do poder. E sem mais delongas, nossa regressão começa por uma análise abstrata
dos estriamentos que julgamentos polarizados podem modelar.
4.4. Nomadismo
Bom, tomaremos os conceitos aliados a uma prática nômade para detalhar certas fugas,
ou antes, a incapacidade do Estado de se apropriar das máquinas nômades em sua plenitude,
pois sempre lhe escapará algo: talvez os afetos? Os desejos pela liberdade e pela expressão?
Começaremos nossa regressão pelas formas como as máquinas de guerra, em sua capacidade
criadora, de guerra ou guerrilha, poderá ser ou não apropriada pelo Estado, para que assim
possamos prosseguir. De certo, toda máquina de guerra promoverá uma desterritorialização,
mas ao mesmo tempo, toda potência desterritorial carrega consigo uma potência de
reterritorialização. É nessa que se aterá o Estado: a máquina de guerra estatal promoverá um
alisamento para em seguida estriar, e assim permanecer.
47Como não sabemos resumir, aqui queremos dizer liberação no sentido de libertação dos estratos e dos
enunciados do Estado. A liberdade pode se confundir com libertinagem, por isso usamos libertação.
guerreiro do maker como aquele que desbrava as normas, que subtrai sempre os conceitos, que
determinará os pontos fracos da estrutura pelos quais as linhas de fuga podem escapar, e enfim
resgatará a produção de subjetividades como chave para uma reordenação ecológica.
Desta forma, toda apropriação de fluxos por uma máquina de Estado fará aquedutos,
canos e dependerá do sólido para estratificar, conduzir. Se o nômade opera na turbulência, nos
faz apenas questionar por que a ciência ainda desconhece qualquer abordagem matemática
para com esse caos absoluto dos impermanentes. Por isso a alcunha de design líquido não nos
foge muito, mas os líquidos não desejam.
De certo, podemos ter uma visão clara entre um aqueduto e um mar: Cidade canalizada,
estratificada e altamente organizada, e Nômades turbulentos, caóticos, imprevisíveis. E nesta
formação de correntes, o Estado percebe uma forma de canalizar o fluxo, estratificá-lo e
canalizá-lo a seus fins. A apropriação será feita pelo engessamento, dito lei, dito cultura, dito
bom valor. E não seja o processo de reterritorialização o culpado, mas sim o Estado que o obriga
a permanecer território enquanto der. E não há de se surpreender que este tipo de pensamento
venha de D&G depois de Maio de 6849, depois de um turbilhão de pensamentos, e que eclodisse
assim O Anti-Édipo como resposta intelectual a toda a mudança do pensamento.
48 Ibid, p. 20
49 Neste período se instauraram greves gerais por todo a França, ocupando universidades e fábricas, acusando
comunistas de tramarem contra a república. A rebelião consumiu seus cidadãos a ponto de o governo temer que
eclodisse uma guerra civil ou revolução. Dessa forma, foi um momento decisivo para a moral do povo, sendo mais
uma revolução de cunho social do que político.
Por isso falamos em guerrilha o tempo todo, pois no fundo se trata de um embate entre
o que permanece e o que muda. Nosso enfoque se dá pelo movimento de desterritorialização
dos nômades pois vemos numa filosofia do possível, como diz Guattari, uma oportunidade de
re-centralizar as finalidades do homem para com uma ética ecológica, para com a vida e o fim
nela mesma. Não por uma libertinagem, mas por uma possibilidade.
Uma hidráulica para o nômade e uma balística para o design. Os fluidos são curiosos
exatamente por seu movimento, por seu comportamento desforme e desregrado. Aproximar
um conceito de design a este funcionamento implica em denotar que os pedaços de terra, os
estados, serão efêmeros demais para se fazer territórios e alegar propriedade. O sólido
permanece e por tal o Estado se apoia nele. Os nômades, por outro lado, entendem no
movimento do líquido a solução para modelos de funcionamento, de operação. E para tal,
vamos analisar como funciona o movimento nômade.
Movimento Nômade
E se o nômade inevitavelmente implica em movimento, se não é sedentário como a
cidade, podemos explorar numa filosofia do movimento uma possibilidade de entender como
funciona esta desterritorialização constante, e desta vez tentaremos fazê-lo longe das palavras
de Deleuze, em busca de uma conceituação própria, para evidenciar o tipo de pensamento
nômade que mais nos pareceu se adequar ao design que concebemos.
Desta forma podemos pensar no voo de uma borboleta como um movimento nômade,
ou então no zigue-zague de uma mosca – sempre os insetos – enquanto o movimento do Estado
será a águia decaindo em direção à sua presa, ou então a mariposa rumo à lâmpada da cozinha
50 Ibid. p. 7
de noite. O essencial a se entender nesta parte é que a grande distinção do movimento nômade
e do movimento de Estado será na possibilidade das linhas de fuga, rumo à um movimento
turbilhonar, da turbulência, no caos, o Estado apenas admitirá que se escoe pelos canos e pelas
quedas d’água. Uma proposta de design nômade acompanha uma recentralização das
finalidades, para que os fins mudem de acordo com os movimentos e os processos. As táticas
de um design que segue pelo nomadismo haverão de se comportar como líquido desejante:
construção em eterna mutação. E o projeto supremo, sólido, decai em detrimento de fases
projetuais altamente abertas e adaptativas.
Mas não tão somente, deveremos falar sobre as desterritorializações que motivam os
nômades a mudar, e sempre a mudar. Através, novamente, da pecuária, poderemos
exemplificar o esgotamento do pasto para o gado. De certo, os hábitos alimentares mudam, mas
o movimento continua, sempre em busca de comida, de local. E o local não é cidade, não é feito
estrato. Pelo contrário, da mesma facilidade que ali se instala, dali se esvai. E o nômade,
mudando constantemente, ignora as fronteiras, as zonas proibidas. Não existe território para
eles, somente terra aqui, terra ali. E o movimento do nômade será de acordo com as
necessidades, as ocorrências. O nômade jamais territorializa a terra. Ele apenas torna em outra
terra, remexe. E no encontro com territórios, repetiremos o caso relatada por Lawrence entre
árabes e turcos.
Então se estrutura uma certa forma de se mover, sem se ater aos limites, apropriando-se
da terra enquanto terra, e que seja território temporário enquanto durarem os recursos. E
assim, movimenta-se novamente sempre que for o caso. E o uso do território não é sobre
dominar, ter controle do espaço para ali se instalar. Os nômades apenas se situam com seus
aparatos móveis – o nômade sempre leva seu território consigo. Isto implica em entender um
design que não faça territórios, que em constante desterritorialização, a terra, espaço sem
marcação, servirá de casa para o design. A biologia e a cibernética poderão promover um local
ótimo para desenvolver certas construções. Ou ainda o limite entre design, arte e semiótica:
E nesse sentido que o nômade não tem pontos, trajetos, nem terra, embora
evidentemente ele os tenha. Se o nômade pode ser chamado de o
Desterritorializado por excelência, é justamente porque a reterritorialização não
se faz depois, como no migrante, nem em outra coisa, como no sedentário (com
efeito, a relação do sedentário com a terra está mediatizada por outra coisa,
regime de propriedade, aparelho de Estado...). Para o nômade, ao contrário, é a
desterritorialização que constitui sua relação com a terra, por isso ele se
reterritorializa na própria desterritorialização. É a terra que se desterritorializa ela
mesma, de modo que o nômade aí encontra um território. A terra deixa de ser
terra, e tende a tornar-se simples solo ou suporte. A terra não se desterritorializa
em seu movimento global e relativo, mas em lugares precisos, ali mesmo onde a
floresta recua, e onde a estepe e o deserto se propagam.51
51 Ibid. 42
Nosso ponto central ao evocar o movimento do nômade é revelar o caráter irregular, que
se desvencilha com um modus operandi ocidental, da propriedade privada. Ele se
desterritorializa nele mesmo, de forma que sua reterritorialização se volta sobre ele mesmo. O
nômade ‘estará em casa’ não importa onde vá. E o processo do nômade nele mesmo de
extrassomatizar desterritorializa o espaço, transforma em terra, e dela se torna ela mesma, para
ser ela não importa a superfície. E se o nômade territorializa, só o faz porque o movimento
incessante não faz sentido. A velocidade, o vetor Velocidade, será a própria linha de fuga.
Isto implica em reconhecer que o design nômade permitirá uma abertura de uso e espaço
próprio do design em relação às outras áreas do conhecimento de forma que a gosma cósmica
e mutante, território aduaneiro. Se o nômade faz território, é exatamente onde o conceito de
território e terra se fazem diferentes, permitindo ao designer não necessitar fazer território dos
locais por onde frequenta, não depende de uma nomenclatura dos processos ditos de fuga,
aterritoriais. Abrimos margem aqui para um conceito de design transdisciplinar e que somente
o será, não importa o quanto se feche. Não haverá limites de cobertura que uma construção,
uma projeção, uma criação em design poderá se restringir.
E quando falamos em fuga, falamos para qualquer direção, para qualquer outro universo,
território, característica. E nisso, os movimentos podem assumir formas drásticas, ao ponto de
que se alcancem certos feitos, certos acontecimentos que poderão fugir a uma forma ética ou
estética. A combinação de manipulação midiática com interesses de um capitalismo global
podem apenas resultar em um estriamento das relações de valor da subjetividade para com as
objetividades e as alteridades.
Tratados ético-estéticos
Aqui falaremos de um fator evolucionista, algo como uma coerência evolutiva do sistema
com o ambiente. E entendemos esta hierarquia entre um sistema maior e um sistema menor, e
a subordinação de um para com os reguladores52 maiores, máquinas naturais.
E bom, nem tudo são flores e o universo real de qualquer ciência ocidental se fez regido
por dualidades, e por tal, necessariamente deveremos nos alocar um limite para determinar o
que é o que. Pensaremos no que diferenciará uma moral boa e uma ruim. Não numa ontologia
da ética, mas num sentido pragmático. E não nos ateremos aos valores da vida e da paz. Se
podemos falar num conceito de pathos53, podemos falar necessariamente de uma apreensão de
uma moral boa e uma ruim. Esse julgamento será dado por uma regulação, algum controle do
fluxo que opera entre o que é aceito e não aceito: zeros e uns. E a recepção destes inputs
patéticos em suas repetições poderão configurar um sistema de processamento de dados.
Talvez como um computador, embora não gostamos dessa assimilação.
Este tipo de processamento é o juízo, 0 e 1, certo e errado, bem e mal. O que acontece na
computação é que a interpretação dos números é unívoca, quase um sim e não. Ou é ou não é.
E se falarmos de processamentos interpretativos, codificações sobre codificações, poderemos
pensar em algo mais aproximado a um julgar humano e plurívoco. E da mesma forma que se faz
necessário uma pergunta direcionada para uma resposta de sim e não, se faz necessário uma
52 Por isso que o Estado não é maligno de nenhuma forma pré-dita, ou que pertence necessariamente ao
universo da moral má, apenas denota a essência de controle que se exerce, de manter territórios e perpetuar fluxos.
53 É o apelo emocional ao observador que evoca sentimentos que já residem nele mesmo. Está altamente
ligado à forma de se perceber e interpretar os acontecimentos, e que as determinações das emoções se darão pela
memória do sujeito em relação com o contexto exterior ao fenômeno.
condição para se ser bom ou mal. O dilema da ética reside exatamente neste sentido da
interpretação e codificação das perguntas e dos valores. O erro é inerente ao processo
interpretativo, tão logo o erro será chave para o ponto que queremos abordar.
Falar sobre ética em design implica na responsabilidade do designer para com suas obras.
A ética da criação será o novo código do designer que busca a restauração das relações. E o
designer, operador maior da máquina de guerra estética, há de aliar seus alisamentos ao campo
da ética. As relações se tornam cada vez mais desequilibradas, o senso de justiça se torna
vingança, a violência impera e os fluxos do Estado se fazem efetivos – exatamente porque não
há a finalidade para com a vida, mas sim para com os interesses de motivos econômicos, os
universos representacionais erigidos como as bases do saber humano. Aqui se faz necessário
resgatar a obra de Baudrillard ao tratar das simulações e dos simulacros, em estabelecer as
ordens e as formas de existência hiper-real. Tudo isso para estabelecer, longe de teorias da
conspiração, para, enfim, abrir à subjetividade a densidade dos acontecimentos54.
54 Entrevista com Feliz Guattari. Não conseguimos encontrar o ano da entrevista ou o nome do programa.
E por tal, não compensa entrar nas formas de estriamento pois isso coube a Foucault em
Vigiar e Punir, tão logo aqui apenas indicaremos caminhos possíveis pelos quais as linhas de fuga
de um design de guerrilha poderão irromper uma superfície homogênea, fazendo pipocar aqui
e ali todas as expressões individuais e afetivas. Alisar significa transformar cidade em mar, e que
os ônibus se transformem em barcos, e que os piratas insurjam, como antes, das relações de
embates por interesses – afinal, uma coisa que admitimos é que nos desertos os recursos são
escassos. E se aprendemos que tanto escolas, hospitais, creches, todos relembram
inevitavelmente uma prisão, como diria Foucault, é porque vivemos em ambientes de controle,
de estriamentos, de uma hidráulica romana dos aquedutos e canos. E o que dirá se um dos canos
se romper e todo o fluxo de água se extrapolar, e começa a povoar a selva de pedra com uma
fina camada de água, o suficiente para que barcos de papel possam boiar? O que diria o Estado
nessas condições?
56 Indivíduo, grupo ou ideia que vai contra as instituições sociais. Podemos pensar como uma funcionalidade
subversiva dentro de um sistema cuja finalidade seja desterritorializar, diferençar para enfim adaptar.
destes vetores individuais de desterritorialização, poderemos enfim pensar que um design
nômade será, também, punk? Um vírus no sistema cuja finalidade seja uma subversão pura, que
traga abaixo as estruturas do Estado ou do controle, que emancipe o sujeito enquanto produtor?
Pois, não poderemos considerar que num mundo globalizado tenhamos que nos ater a
meios isolados de fazer, pensar e ser. Conexões promovem as ditas dobras no espaço, os
hipertextos, hiperlinks, e o que se abre é uma rede, a rede das redes, a internet, capaz de situar
o sujeito num novo mar: o mar virtual. Por isso teremos que tomar novos olhos para com este
ambiente livre de territórios, nômades digitais.
Por isso emerge como máquina de guerra um design capaz de resgatar os afetos, e através
deles, os desejos para com um viver. O design que se alia aos estriamentos da indústria sobre a
produção humana confunde diversos paradigmas, lançando humanos enquanto máquinas,
máquinas enquanto subjetividades humanas. E nesta confusão o indivíduo apenas compreende
o mínimo para manter seu fluxo funcional. Os estriamentos do Estado permeiam a existência do
ser até sua produção, movimento individual e relação coletiva. As ecologias do homem se veem
dominadas por instituições que prometem uma regressão da complexidade, que promete
promessas vazias, muitas vezes inconsistentes em sua desdobra. Longe de um entendimento
pleno, as esferas do homem surgem como opressoras na medida em que aprisionam o indivíduo
em um ciclo repetitivo, a dita rotina. Aprisionado cada vez mais em uma complexidade que
impede qualquer linha de fuga, o controle surge de fato na apropriação pelo Estado: padronizar
linhas de fuga pelos simulacros da felicidade, das experiências estéticas de pronta-entrega.
57 https://www.youtube.com/watch?v=WOxJutqxVSM
enquanto a fonte de uma subversão ordenada, de um projeto hacker de alisamento dos fluxos
das cidades enquanto centros humanos, e não centros capitalísticos. A restauração de uma
cidade subjetiva58 se dá pela abertura às expressões. O design insurge como forma de dar vida
às paredes que foram pintadas de cinza, aos espaços inutilizados por obras públicas de interesse
privado. Nesta reordenação das finalidades, o design, aliado aos ditos tratados ecológicos, ético-
estéticos, permitirá uma reavaliação dos processos, dos desejos, das vendas, dos modelos:
design filosófico, máquina de guerra da reflexão por meio da estética.
Quando se põe em jogo uma desterritorialização dos fluxos humanos dominados por
formas de controle, sejam lá por quais interesses, se transforma o debate criativo em um debate
político, e a arte, enquanto expressão original e fiel às subjetividades, subversão pura, luta
última por uma identidade singular, resgatará o espirito vivo, despedaçará os simulacros de um
sedentarismo estatal em detrimento de uma velocidade absoluta. A aceleração dos processos
para com uma finalidade ecológica definirá um modus nomos do design.
Design Nômade
Por fim, antes de acabar este capítulo sobre o julgar – que se transformou em algo
totalmente diferente, talvez uma análise ética dos fluxos do design em nossas ecologias? –
gostaríamos de lançar um certo resgate das reflexões sobre o julgar design em si, para não dizer
que abandonamos o barco.
O que percebemos ao longo do processo foi que uma discussão sobre juízo não pode
acontecer sem uma ética, ou ao menos um debate mínimo sobre tal. Abrimos o universo ético,
aliamos o estético, e isso nos retomou o debate sobre as ecologias. E o design, enquanto
máquina de guerra nômade, deverá retomar todos estes valores contemporâneos, híbridos, em
prol de uma nova visão de mundo dos designers. O que era para falar sobre como julgamos
processos subjetivos por meios objetivos acabou se tornando um debate sobre as máquinas,
sobre as produções do homem, sobre as percepções, enfim. Abrimos uma fenda na ética e
situamos todo um debate esquizoanalítico proposto por D&G, algo que se mostra cada vez mais
intenso e necessário, em contrapartida a um esvaziamento de todos os valores das relações e
do desejo no imaginário coletivo.
Temos uma proposta deveras curiosa, ainda a ser desenvolvida, que pauta-se como uma
nova forma de fazer pautada nos processos reflexivos e todos os universos de possíveis que a
filosofia possui. Se podemos pensar no maker resgatando um projeto virtual de um mar das
redes, quiçá o designer não poderá aliar tratados éticos, reflexões sistêmicas de uma filosofia
mestiça para, enfim, atingir um patamar de nômade. Todo conceito em filosofia desafia uma
58 GUATTARI, 1992.
visão de mundo, contrasta formas de ser e coloca em xeque certos mitos que o ser humano se
rodeia, e como o fez ao longo dos séculos.
Nossa empreitada apenas nos mostrou que quanto mais ricos forem os universos de
referência, e quanto mais numerosos forem, maior a complexidade das relações, pois elas serão
coexistentes em diversos mundos que ainda não são unidos. O esforço foi em direção a elevar
pontes entre um e outro, de propor relações que se façam, se desfaçam, mas que existam em
potência. E gostamos de uma frase em Alice no país das maravilhas: ‘já fiz tantas coisas
impossíveis desde que acordei hoje de manhã que isso parece somente possível’ – ou algo assim.
Nossa meta é com a expansão dos possíveis do universo do design.
Isso implica em pensar o design sempre pela sua dimensão do possível e nunca enquanto
atual – o que nos faz contrastar a alcunha de design enquanto adjetivo ‘isto tem design’. O design
é processo, é uso maquínico, máquina por si. E se podemos pensar em qualquer definição de
nômade, ela sempre será fugidia. De tal sorte podemos tentar dizer que o design nômade, por
se desterritorializar em si mesmo, sempre será impermanente. Difícil conseguir algo palpável de
acordo com esta definição... Podemos dizer, talvez, que o nomadismo do design pode ser
exemplificado – e comprovado – pelas suas 30 e tantas atuações diferentes. Se nossa busca por
resgatar a essência comum a todas as atuações, ou ainda as que estão por fim, que acabam por
receber a alcunha de design, será através dessa essência nômade, ou ainda, do pensar design
enquanto máquina de guerra.
O design nômade, por fim, é nossa proposta mais crua de existência híbrida entre Papanek
e D&G: o design como função desterritorializante, projetando para um mundo real, de
necessidades reais, e que dada tamanha complexidade, deverá morfar em diferentes funções,
usos, atuações, recepções. Os novos tratados éticos de um design líquido serão traçados de
acordo com premissas ecológicas, complexas, hiper-complexas e reais.
E nessas divagações sobre as relações que se permeiam nas ecologias, dos estriamentos
e alisamentos, poderemos, enfim, começar nossa proposta de trabalhar um ensino, talvez
nômade, mas que condiga com os princípios aqui elencados. O ensinar guarda a chave para
entender um dos maiores mecanismos de perpetuação ideal: as escolas, o discurso enunciativo,
a nomeação decisiva e determinística. Não sem antes poder pensar na impermanência.
59 Ibid. p. 54
60 “O Número numerante, isto é, a organização aritmética autônoma, não implica um grau de abstração
superior nem quantidades muito grandes. Remete somente a condições de possibilidade que são o nomadismo, e a
condições de efetuação que são a máquina de guerra. E nos exércitos de Estado que se colocará o problema de um
tratamento das grandes quantidades, em relação com outras matérias, mas a máquina de guerra opera com pequenas
quantidades, que ela trata por meio de números numerantes. Com efeito, esses números aparecem tão logo se
distribui alguma coisa no espaço, em vez de repartir o espaço ou de distribuí-lo. O número torna-se sujeito. A
independência do número em relação ao espaço não vem da abstração, mas da natureza concreta do espaço liso,
que é ocupado sem ser ele mesmo medido. O número já não é um meio para contar nem para medir, mas para
deslocar: é em si mesmo aquilo que se desloca no espaço liso.” Ibid. p. 53
61 Ibid. p. 53
Eternamente Alice – Interlúdio
Identidade mutante, de acordo com os fluxos que participa
5.1. Replicação
Susan Blackmore
Partenogênese
Imitatio
Simbiose maquínica
A discordância e a controvérsia
Teorias do conhecimento
O menino do Acre
Arborescência x Rizomas
Teorias do conhecimento?
Afetos do saber
5.4. Stimulatio
Estimulação
Velocidade e aceleração
Nomadismo do ensino
Salas de aula
Metodologias de ensino
Sistemas complexos
A primeira noção que tivemos foi que por mais que falemos do pensar, do fazer, do julgar
e do ensinar design, jamais poderemos falar do viver design. É nesta atividade de corpo sem
órgãos, de linhas de fuga, de constante desterritorialização, de sujeição à mudança, de
libertação, de existência dita plena, que nenhuma palavra poderá definir seu fluxo e apenas seus
estados – memórias. É desta atividade prolífica, impensada, impulsiva de viver que jamais
teremos audácia de falar. E se falamos de todos as possibilidades de agir, jamais poderemos
ensinar a desejar, jamais poderemos refletir sobre o que não se fala sobre, somente se faz. E
não falamos de um fazer direcionado, maquínico, técnico, mas sim de um fazer expressivo –
como ter ideias ou fazer arte, os impulsos de vida que se traduzem quase que crus – que
aproxime o subjetivo do real, que possa produzir subjetividades da mesma forma que os
profissionais criativos lutam para fazê-lo.
O segundo ponto que percebemos é o design como uma máquina de guerra. Seus
caminhos e agenciamentos sempre se partem como linhas de fuga, numa busca eterna pelo
desejo. E se desejar é construir agenciamentos, podemos entender que todo projeto, todo
agenciamento planejado ou intencionado será partido de um desejo – e o projeto somente
como plataforma de aumento de complexidade da ideia e sua possível atualização.
Isto significa que precisamos abrir uma visão pluralista de um design líquido, operando
por linhas de fuga
Logos
Praxis
Judicius
Mimesis
BIBLIOGRAFIA
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