Вы находитесь на странице: 1из 19

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 57-73 JUN.

2007

ESTADO E BURGUESIA NO
CAPITALISMO NEOLIBERAL

Armando Boito Jr.

RESUMO

O artigo é fruto de pesquisa ainda em curso e procura fazer um tipo de análise que foi, em grande medida,
deixado de lado no Brasil. Reatando com uma rica tradição da Sociologia e da Ciência Política brasileiras,
que se formou nos anos 1960 e 1970, o autor tenta examinar os interesses das frações da burguesia brasileira
que chegam a agir como frações distintas no processo político nacional, bem como as relações desses
interesses com a política de Estado. São examinados também os conflitos entre essas frações burguesas e as
relações que, enquanto frações burguesas de um país dependente, elas entretêm com o imperialismo e com
o campo das classes populares. Sempre em uma abordagem tentativa e inicial, o artigo faz referência
também à mudança na hierarquia do poder burguês, isto é, à mudança ocorrida no interior do bloco no
poder, durante os mandatos presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva. O artigo apresenta a hipótese
segundo a qual a nova vaga de internacionalização do capitalismo dependente brasileiro não impediu que
um poderoso setor da grande burguesia interna continuasse atuante e melhorasse sua posição no bloco no
poder ao longo da década de 2000.
PALAVRAS-CHAVE: Estado brasileiro; burguesia; bloco no poder; hegemonia; teoria marxista.

I. INTRODUÇÃO Fausto, Luciano Martins e muitos outros passa-


ram a dedicar-se, conforme implantava-se e
Antes de entrar no tema propriamente dito, peço
aprofundava-se o processo de industrialização no
ao leitor que me acompanhe em uma pequena di-
Brasil do período posterior a 1930, aos estudos
gressão que servirá para situar teoricamente o meu
sobre a burguesia industrial. Alguns desses auto-
trabalho.
res foram os primeiros a analisar os industriais
Existe uma rica tradição de estudos sobre as utilizando o conceito de “burguesia”. Fizeram-no
classes proprietárias no Brasil. Tais estudos são para pensar as relações políticas complexas desse
heterogêneos no que respeita às suas orientações setor social com os centros hegemônicos do ca-
teóricas e preocupações e passaram, nos anos re- pitalismo, com o Estado e com os trabalhadores.
centes, por modificações importantes. Esses estudos, embora alguns deles carecessem
O tema mais tradicional desses estudos é a de levantamento empírico mais sistemático, são
grande agricultura de exportação. O estudo desse muito sofisticados, ensejaram debates vivos e pro-
tema remonta, para restringirmo-nos a autores do dutivos e estiveram ligados, de maneira aberta ou
século XX, aos trabalhos de Octavio Brandão, Caio implícita, à discussão política sobre os rumos da
Prado Jr., Nelson Werneck Sodré, Pierre economia e da sociedade brasileiras. Como é sa-
Monbeing, Celso Furtado, Florestan Fernandes e bido, o debate sobre a burguesia industrial con-
outros precursores das Ciências Sociais, da Eco- centrou-se na questão de averiguar se existia, no
nomia Política e do debate intelectual moderno Brasil, uma burguesia nacional com interesse em
sobre o Brasil. A economia e a sociedade da cana- participar de uma ampla frente de classes por um
de-açúcar, na região Nordeste, e do café, na re- desenvolvimento nacional autônomo.
gião Sudeste, são os temas nobres dessa tradição As orientações teóricas desses estudos eram
bibliográfica. Os estudos sobre os empresários variadas. Pensemos, por exemplo, na diferença
industriais são mais recentes, mas estão longe de entre, de um lado, o marxismo de tipo soviético
serem novidade. Nelson Werneck Sodré, Florestan praticado por Nelson Werneck Sodré, para o qual
Fernandes, Octavio Ianni, Hélio Jaguaribe, a burguesia era o sujeito social dirigente de um
Fernando Henrique Cardoso, Warren Dean, Boris processo de desenvolvimento “de tipo capitalis-

Recebido em 3 de março de 2007. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 28, p. 57-73, jun. 2007
Aprovado em 1º de julho de 2007.
57
ESTADO E BURGUESIA NO CAPITALISMO NEOLIBERAL

ta”, e, de outro lado, a Economia Política de Cel- mais ainda, do restante da sociedade. Hoje, discu-
so Furtado, que fundia a teoria econômica de tir a possibilidade de aliança desta ou daquela fra-
Keynes com a Sociologia de Karl Mannheim, im- ção burguesa com outras classes ou setores soci-
putando à intelligentsia a função de conduzir o ais poderá parecer a muitos como uma questão
desenvolvimento, concebido, no caso de Furta- fora de propósito. É certo que os estudos recen-
do, como “desenvolvimento econômico” simples- tes ganharam na fundamentação empírica e no
mente (MONTEIRO, 2006). Apesar dessa varie- levantamento sistemático das informações; avan-
dade de orientações teóricas, boa parte desses çaram, também, na análise da relação dos empre-
estudos foi realizada por autores marxistas ou in- sários com o processo decisório no Estado. Por
fluenciados, em maior ou menor grau, pela teoria isso, trazem contribuição importante para o co-
marxista. Esses trabalhos operavam, como foi nhecimento do Estado e dos capitalistas brasilei-
indicado nas referências acima, com o conceito ros. Nesse sentido, são exemplos os trabalhos de
de “classe social” e, no que respeita à burguesia, Ary Minella, para o caso dos banqueiros; de Eli
esse conceito era pensado de modo complexo, Diniz e Renato Boshi, para o caso dos empresári-
comportando uma subdivisão dessa classe em fra- os industriais, e de Adriano Nervo Codato, para
ções (nacional, associada, agrária, industrial etc.), citar apenas alguns dos mais conhecidos e que
cujos interesses específicos produziriam efeitos são, pela sua qualidade, referências incontornáveis
pertinentes no processo político nacional. Os con- no estudo da burguesia brasileira2.
ceitos de “burguesia”, “Estado capitalista”, “im-
O nosso trabalho de pesquisa sobre a burgue-
perialismo”, “desenvolvimento capitalista” e ou-
sia brasileira procura retomar a tradição marxista
tros estiveram na base do estudo do Estado for-
que hoje está quase esquecida nessa área de estu-
mado no posteriormente a 1930, da ideologia na-
do, sem a pretensão de equiparar – convém dizê-
cional-desenvolvimentista, da política de industri-
lo – a qualidade do nosso trabalho à daqueles que
alização e de eventos marcantes da história políti-
citamos mais atrás. Concebemos o conjunto do
ca do Brasil, como a própria Revolução de 1930 e
empresariado – banqueiros, industriais, fazendei-
o golpe militar de 1964. Pois bem: esse tipo de
ros, comerciantes – como integrantes da classe
análise perdeu terreno nas Ciências Sociais e qua-
capitalista e o Estado brasileiro como uma entida-
se caiu em desuso no ambiente universitário1.
de moldada, pelas suas instituições e pelo pessoal
O declínio desse tipo de pesquisa é um dos que as ocupa, para servir aos interesses funda-
episódios que fazem parte do declínio do prestí- mentais dessa classe social. Ademais, no campo
gio do marxismo na universidade brasileira – algo da teoria marxista das classes e do Estado, traba-
que não é, diga-se de passagem, homogêneo no lhamos com o conceito específico de “bloco no
mundo universitário, pois nessa mesma época o poder”, desenvolvido por Nicos Poulantzas para
marxismo iniciava sua trajetória ascendente na pensar a classe burguesa como a unidade (classe
universidade estadunidense. Noções como “clas- social) do diverso (frações de classe) nas suas
se social”, “fração de classe”, “ideologia” e “Es- relações com o Estado e com o restante da socie-
tado de classe” desapareceram, no Brasil, da pes- dade (cf. POULANTZAS, 1971, v. II, parte III,
quisa sobre empresários industriais, banqueiros e cap. 4; parte IV, cap. 4).
agronegócio. Na maioria dos casos, estudam-se
O emprego do conceito de bloco no poder
tais setores como grupos que competem entre si,
exige, em primeiro lugar, que o pesquisador de-
como fazem quaisquer outros grupos, para influir
tecte as frações da classe dominante que agem
na política de Estado – entidade que é apresenta-
como força social distinta em uma dada conjun-
da, implicitamente, como uma arena neutra para a
tura, isto é, os interesses econômicos setoriais
disputa entre interesses múltiplos e situados em
burgueses que ensejam, diante da política de Es-
condições de igualdade uns frente aos outros.
tado, a formação de grupos diferenciados que
Outra característica de estudos mais recentes
consiste em isolar o setor da burguesia que se
pretende estudar dos demais setores ou frações e,
2 Refiro-me aos inúmeros trabalhos de Eli Diniz e Renato
Boschi sobre o empresariado industrial e aos diversos tra-
1 Esse tipo de pesquisa não desapareceu completamente balhos de Ary Minella sobre os empresários do setor ban-
no período recente. Recordo, a esse título, o trabalho de cário. Penso também em trabalhos como os de Adriano
Renato M. Perissinotto (1994). Nervo Codato (1997) e de Paulo Neves Costa (1998).

58
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 57-73 JUN. 2007

perseguem, no processo político, objetivos pró- esta como uma crise provocada pelas disputas
prios. Em segundo lugar, exige que o pesquisador entre as frações regionais da classe dominante.
procure esclarecer quais interesses de fração são Há um amplo terreno comum a esses dois traba-
priorizados pela política econômica do Estado e lhos – terreno comum que era, aliás, o que permi-
quais são relegados a um plano secundário. A lo- tia o tipo de discussão que eles ensejaram. O pro-
calização dos interesses efetivamente priorizados cesso político expressa, em ambos, a ação e os
pela política do Estado indica qual é a fração interesses de classe; em ambos, o Estado é, antes
hegemônica no interior do bloco no poder. e depois de 1930, o Estado da classe dominante.
Poulantzas sugere que, regra geral, o bloco no Qual, então, a diferença? No trabalho de Sodré,
poder no Estado capitalista apresenta uma hierar- muda a classe ou a fração da classe dominante
quia mais ou menos estável, configurando a exis- cujos interesses predominam no Estado – deca-
tência de uma fração hegemônica no seu interior. dência dos grandes proprietários de terra, ascen-
Contudo, esse autor também contempla a possi- são política da burguesia –; no trabalho de Fausto,
bilidade de uma crise de hegemonia, que é a situ- os conflitos entre os setores regionais da classe
ação de um bloco no poder em que nenhuma fra- dominante, as chamadas dissidências oligárquicas,
ção burguesa logra impor seus interesses especí- teriam aberto um período de crise de hegemonia,
ficos como interesses prioritários para a política noção expressamente utilizada por esse autor e
de Estado. O conceito de bloco no poder, que re- que já fora utilizada antes por Francisco Weffort
cobre o terreno das classes e das frações de clas- nos seus estudos sobre o populismo nascido pos-
se, permite também a Poulantzas realizar um teriormente a 1930. Quando Antônio Carlos
enfoque novo e sofisticado dos regimes políticos Meirelles, em excelente e pouco conhecido texto,
nos Estados democráticos, remetendo as formas interveio no debate para fazer a crítica da crítica
de governo (presidencialismo ou parlamentaris- de Fausto, foi a vinculação entre o regime político
mo), as disputas entre os ramos do aparelho de e o bloco no poder que serviu de referência
Estado (poderes Executivo e Legislativo), o jogo (MEIRELLES, 1973). Meirelles argumentou que,
partidário (os variados tipos de pluripartidarismo embora Fausto tivesse demonstrado a ausência
e bipartidarismo) às disputas por hegemonia no da burguesia industrial no movimento que depôs
interior do bloco no poder (idem, v. II, parte IV, Washington Luís e a importância da crise
cap. 5). A idéia é que a organização do Estado e o oligárquica para o desencadeamento do movimento
sistema partidário encontram explicação nos inte- político-militar, permanecia o fato de que a cen-
resses burgueses em conflito. tralização do regime político alterara a relação de
forças no interior do bloco no poder, abrindo ca-
Há um forte preconceito contra a corrente
minho para a política de industrialização que se
marxista althusseriana nos meios marxistas brasi-
tornaria clara no final da década de 1930. Por isso,
leiros. Porém, recorrendo a Poutantzas, não nos
Meirelles utilizou a noção gramsciana de revolu-
colocamos distantes, ao contrário do que poderia
ção (burguesa) passiva para caracterizar o movi-
parecer à primeira vista, da tradição brasileira à
mento de 1930.
qual fizemos referência. Os estudiosos brasileiros
operavam com noções e teses que aproximavam Algo semelhante passa-se com as discussões
suas análises daquelas que poderíamos obter utili- sobre a burguesia nacional. Como é sabido de to-
zando, explícita e conscientemente, o conceito dos, Fernando Henrique Cardoso, nos seus estu-
poulantziano de bloco no poder e o tratamento dos sobre o empresariado e sobre a dependência,
que esse conceito sugere para o regime político. esforçou-se para refutar a tese, que ele atribuía
A polêmica de Boris Fausto com Nelson Werneck genericamente aos intelectuais comunistas e ao
Sodré sobre a Revolução de 1930 não dizia res- Partido Comunista Brasileiro (PCB), segundo a
peito ao conflito entre diferentes frações no inte- qual haveria uma burguesia nacional passível de
rior da classe capitalista? Sodré, em uma breve assumir, no Brasil, uma postura anti-imperialista
passagem realçada, talvez exageradamente, por (CARDOSO, 1966). Nos debates sobre o signifi-
Fausto, apresentou a Revolução de 1930 como cado dos golpes de Estado de 1954 e 1964, a ques-
um golpe da burguesia ascendente contra a classe tão da existência ou não de um projeto de desen-
decadente dos proprietários de terra, enquanto volvimento capitalista autônomo e de uma bur-
Fausto, para refutá-lo, tratou de apresentar 1930 guesia nacional foram questões que marcaram a
como fruto de uma crise oligárquica, entendida Ciência Política brasileira (IANNI, 1972).

59
ESTADO E BURGUESIA NO CAPITALISMO NEOLIBERAL

O declínio do prestígio da teoria marxista na ao capitalismo brasileiro certas características


universidade brasileira, o abandono das pesquisas minimamente estáveis que permitem que falemos
sobre a burguesia como classe social e a última em um novo modelo de desenvolvimento capita-
onda de internacionalização da economia capita- lista. Esse modelo, que tem sido chamado
lista – o denominado processo de mundialização – neoliberal, pode ser definido por meio de um con-
poderiam sugerir que esse enfoque e os debates traste com o modelo que o antecedeu, o
que ele enseja estariam superados. Nós acredita- desenvolvimentista – tanto na sua fase nacional
mos que não. Além de trabalharmos com o con- reformista (1930-1964) quanto na pró-
ceito de bloco no poder, lançamos mão de um monopolista da ditadura militar (1964-1985).
outro conceito específico, também produzido por Muitos elementos evidenciam esse contraste en-
Nicos Poulantzas – o conceito de “burguesia in- tre modelo desenvolvimentista e modelo neoliberal:
terna” – para entender boa parte do que ocorre o ritmo do crescimento econômico cai, o papel
hoje com a burguesia brasileira nas suas relações do Estado como empresário e provedor de servi-
com o Estado e com o capitalismo internacional3. ços declina, a prioridade ao crescimento e ao de-
Entendemos que o denominado processo de senvolvimento industrial desaparece, a
mundialização não logrou absorver, integralmen- desnacionalização da economia nacional amplia-
te, a burguesia de um país dependente da se e os direitos sociais e trabalhistas sofrem um
semiperiferia, como o Brasil, o que significa que processo de redução ainda maior do que aquele
os conflitos entre uma burguesia compradora, que que sofreram durante a fase ditatorial-militar do
é o braço local da atual forma de dependência, e modelo desenvolvimentista. Esses elementos for-
uma burguesia interna, com base de acumulação necem-nos as pistas para detectarmos qual é a
e nos interesses específicos, explicam parte im- fração burguesa hegemônica ao longo do período
portante do processo político nacional. Com tais neoliberal. Para tanto, deveremos detectar qual
conceitos, elaboramos duas hipóteses principais fração burguesa é prioritariamente beneficiada
de trabalho. A primeira é que vigoraria, no perío- pelas características do novo modelo.
do neoliberal, iniciado no governo Collor e que se
No período do modelo capitalista
estende até o presente, a hegemonia do grande
desenvolvimentista, verificou-se uma expansão,
capital financeiro internacional, junto ao qual os
ainda que limitada e não-linear, dos direitos traba-
grandes bancos brasileiros funcionam como bur-
lhistas e sociais. O modelo neoliberal de capitalis-
guesia compradora. A segunda hipótese é que o
mo inverteu essa tendência. Desse elemento so-
governo Lula representa uma novidade: sem rom-
bejamente conhecido, podem-se tirar conclusões
per, até aqui, com a hegemonia do grande capital
novas. Na medida em que tal elemento contempla
financeiro internacional, Lula promoveu a ascen-
os interesses do toda a burguesia brasileira e do
são política da grande burguesia interna brasileira
capital internacional aqui investido, ele deve ser
no interior do bloco no poder. Isto é, o governo
considerado um elemento que tem assegurado uma
Lula, pelo menos no tema que nos ocupa, que é o
unidade política mínima da burguesia em torno
tema do empresariado e de sua relação com o
do modelo neoliberal4. Muitos analistas, dentre os
Estado, não seria, a despeito de manter o modelo
quais se destacam os economistas críticos da
neoliberal, uma mera continuidade do governo
Comissão Econômica para a América Latina e o
Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Caribe (Cepal), não percebem esse fato. Consta-
II. O BLOCO NO PODER NO PERÍODO NEO- tando que o modelo neoliberal promove a
LIBERAL desindustrialização do país – entendida como a
redução do produto industrial no conjunto do pro-
A política econômica e social do Estado brasi-
duto interno bruto e como o rebaixamento
leiro ao longo das duas últimas décadas conferiu
tecnológico da indústria instalada –, demonstram
sua perplexidade diante do apoio ou das críticas
3 O conceito de burguesia interna indica a fração da bur-
guesia que ocupa uma “posição intermediária” entre a bur-
guesia compradora, que é uma mera extensão dos interes-
ses imperialistas no interior dos países coloniais e depen- 4 Nesta parte do texto, retomo, com nova formulação,
dentes, e a burguesia nacional, que em alguns movimentos parte do que já escrevi em trabalho anterior sobre o bloco
de libertação nacional do século XX chegou a assumir po- no poder no conjunto do período neoliberal. Ver Boito
sições anti-imperialistas. Ver Poulantzas (1976). Júnior (2002, cap. I, item 4).

60
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 57-73 JUN. 2007

muito limitadas da burguesia industrial ao anteriormente citado e que consistia, como disse-
neoliberalismo. Ignoram que a indústria é parte da mos, em separar a indústria do conjunto da classe
classe capitalista e que, nessa medida, o modelo capitalista. Pois bem: é examinando essa divisão
tem algo a oferecer-lhe. As grandes empresas que que podemos verificar quais interesses burgueses
se acredita respeitarem a legislação trabalhista tam- são priorizados e quais são negligenciados ou pre-
bém usufruem, mesmo que indiretamente, por meio teridos pela política neoliberal.
de seus fornecedores e da prática da
O segundo elemento do modelo a ser conside-
subcontratação, a desregulamentação do merca-
rado é a política de privatização, que reduziu mui-
do de trabalho e a redução dos custos que essa
to o capitalismo de Estado brasileiro que fora um
desregulamentação propicia; a “mercadorização”
dos elementos propulsores da industrialização ca-
de direitos e de serviços como saúde, educação e
pitalista no período posterior a 1930. Novamente,
previdência também atende, de modo variado, di-
o rompimento com o modelo capitalista
ferentes setores da burguesia. Em primeiro lugar,
desenvolvimentista é evidente, embora as conse-
ela estimula a expansão dos negócios de uma nova
qüências políticas desse fato não sejam evidentes
fração burguesa que denomino “nova burguesia
para muitos estudos sobre o assunto. A
de serviços”, beneficiária direta do recuo do Esta-
privatização, nessa nova fase do capitalismo bra-
do na área dos serviços básicos. Como veremos
sileiro, atende diretamente aos interesses dos gran-
adiante, o crescimento da nova burguesia de ser-
des grupos econômicos privados, ou seja, do con-
viços é apenas uma das modificações promovidas
junto do grande capital – nacional ou estrangeiro,
pelo modelo neoliberal na composição da burgue-
industrial ou financeiro. Já a média burguesia per-
sia brasileira. Em segundo lugar, a
maneceu, devido às regras estabelecidas pelo Es-
“mercadorização” reduz os gastos sociais tradici-
tado brasileiro para o processo de privatização,
onais do Estado, atendendo à pressão do grande
excluída do grande negócio que foram os leilões
capital para apropriar-se do orçamento público. A
de empresas estatais. Menos de 100 grandes gru-
desregulamentação e a “mercadorização” foram
pos econômicos privados apoderaram-se da qua-
mantidas pelo governo Lula. Ele preservou as re-
se totalidade das empresas estatais que foram a
formas promovidas por FHC, além de ter realiza-
leilão, contando com favorecimentos de todo tipo
do e estar preparando novas reformas – da previ-
– subestimação do valor das empresas, possibili-
dência, do estatuto do servidor público (generali-
dade de utilização das chamadas “moedas podres”,
zação da contratação no modelo da Consolidação
financiamento subsidiado pelo Banco Nacional de
das Leis do Trabalho (CLT)), trabalhista e sindi-
Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes),
cal, privatização de hospitais e universidades e
informações privilegiadas, preferência e ajuda das
outras. Esse elemento do modelo neoliberal recu-
autoridades governamentais etc. Grandes empre-
pera – parcialmente e em uma situação histórica
sas industriais, como os grupos Votorantin, Gerdau
nova – aquela que era uma característica do mo-
e Vicunha; grandes bancos, como Itaú, Bradesco,
delo capitalista vigente no período anterior a 1930:
Unibanco e o Bozzano-Simonsen; grandes empre-
o mercado de trabalho desregulamentado e a au-
sas estrangeiras, como as empresas portuguesa e
sência de direitos sociais.
espanhola na área de telefonia, enfim, o grande
Se o desmonte dos direitos trabalhistas e soci- capital nacional, industrial ou financeiro, e o grande
ais garante a unidade política da burguesia em torno capital estrangeiro, isto é, a cúspide do capitalis-
do programa neoliberal, os demais elementos do mo brasileiro apropriou-se da siderurgia, da
neoliberalismo têm dividido a classe burguesa no petroquímica, da indústria de fertilizantes, das
plano corporativo dos interesses de fração. A maior empresas de telecomunicação, da administração
parte dos trabalhos que utiliza o conceito de clas- de rodovias, dos bancos públicos, das ferrovias
se social para analisar a burguesia ignora essa di- etc. O resultado foi que a participação das estatais
visão, imaginando uma classe burguesa com inte- no produto interno bruto (PIB) brasileiro caiu
resses homogêneos frente ao modelo neoliberal e muito ao longo das duas últimas décadas5. As
favoráveis integralmente a ele, o que impede es-
ses trabalhos de explicarem os conflitos que tal
modelo tem ensejado entre os próprios empresá- 5 Entre 1989 e 1999, dentre as 40 maiores empresas operan-
rios. Trata-se de uma abordagem que comete, di- do no Brasil, o número de empresas estatais caiu de 14 para
gamos assim, o erro simétrico e oposto àquele apenas sete empresas (DINIZ & BOSCHI, 2004, p. 69).

61
ESTADO E BURGUESIA NO CAPITALISMO NEOLIBERAL

empresas privatizadas estão hoje entre as mais desregulamentação financeira, nesse caso, até um
lucrativas do capitalismo brasileiro. O governo setor importante do grande capital privado, o in-
Lula herdou e manteve essa privatização, inclusi- dustrial, teve seus interesses negligenciados ou
ve os contratos leoninos que asseguram alta preteridos em proveito do grande capital financei-
lucratividade aos novos monopólios privados, e ro nacional e internacional.
nem sequer cogitou de investigar os casos de
Para a análise do capital financeiro e do atual
corrupção mais rumorosos que envolveram a po-
modelo de acumulação, seguimos François
lítica de privatização. Além disso, as empresas
Chesnais, para quem a forma dominante de capi-
privatizadas que se dizem em dificuldades, como
tal hoje é o financeiro, concebido como “[...] a
a Ferronorte, vêm recebendo ajuda financeira pri-
fração do capital que se valoriza conservando a
vilegiada do atual governo, o que contraria os ob-
forma dinheiro” (CHESNAIS, 1997, p. 31). O
jetivos declarados da política de privatização. A
grande capital financeiro no Brasil é diversificado
legislação criada pelo governo Lula para as parce-
quanto à origem do capital, ao tipo de inserção no
rias público-privadas (PPPs) para serviços públi-
mercado brasileiro e à área de atuação. Temos,
cos e de infra-estrutura é a sua mais ambiciosa
acima de tudo, os grandes bancos comerciais –
proposta na área da privatização. Serão esses
nacionais e estrangeiros – que possuem rede de
mesmos grandes grupos econômicos que mono-
agências no Brasil – Bradesco, Itaú, Unibanco,
polizarão o acesso à exploração dos serviços de
Santander, HSBC e outros. Dados do final da dé-
infra-estrutura com o privilégio de terem, confor-
cada de 1990 apontavam que, em um universo de
me estabelece a legislação das PPPs, a lucratividade
200 bancos funcionando então no Brasil, um total
assegurada em lei – está prevista a suplementação
de 25 deles detinham, sozinhos, mais de 80% do
de dinheiro público para os empreendimentos que
ativo total. O balanço dos lucros dos bancos no
não atingirem a “lucratividade esperada”.
primeiro trimestre de 2005 mostrava que os cin-
A política de privatização é um elemento do co maiores bancos do país respondiam por 69%
modelo neoliberal que atinge de modo desigual os de todo o lucro do sistema bancário; se conside-
diferentes setores da burguesia. Ela tem, como rados os dez maiores, essa parcela subia para 83%
indicamos, aumentado o patrimônio e os lucros do total dos lucros7. No Brasil, grandes bancos e
do grande capital em detrimento do médio capital grandes grupos industriais mantêm-se relativa-
e ferido os interesses da camada burocrática que mente separados e uma particularidade brasileira
controlava essas grandes empresas estatais. A re- no quadro da América Latina é a importância dos
dução das empresas estatais significa, do ponto grandes bancos nacionais, setor que, aliás, até
de vista da estrutura de classes, a redução de um meados da década de 1990 não apresentava in-
setor da burguesia nacional, pois a cúpula dessas vestidores estrangeiros dignos de nota (cf.
empresas funcionava como uma burguesia naci- MINELLA, 1997). As demais empresas e institui-
onal de Estado. Juntamente com a expansão da ções que integram o capital financeiro são os ban-
nova burguesia de serviços, essa é outra mudança cos estrangeiros comerciais e de investimentos
importante que ocorreu na composição da bur- que, sem terem rede de agências no Brasil, pos-
guesia brasileira. Tal fato tem uma conseqüência suem investimentos de curto e de longo prazo no
política que vem sendo, como anunciei, ignorada país e os fundos e investimento e os fundos de
nos estudos sobre a matéria: ela restringe a base pensão nacionais e estrangeiros. No Brasil e em
social e a influência política do nacional- outros países dependentes, esse capital financei-
reformismo burguês no Brasil6. ro funciona, em grande medida, como capital usu-
rário e predador – o capital dinheiro portador de
Finalmente, no que diz respeito ao terceiro ele-
juro que se valoriza, a taxas muito elevadas, sem
mento da política neoliberal que julgamos impor-
financiar a produção capitalista (posse dos títulos
tante, que são a abertura comercial e a
da dívida pública, fornecimento de empréstimo

6 Desenvolvi esse ponto no meu já citado trabalho Política 7 O levantamento foi feito pelo Banco Central do Brasil
neoliberal e sindicalismo no Brasil (cf., especialmente, em um universo considerado de 106 instituições bancárias
BOITO JÚNIOR, 2002, parte I, cap. 3-4). (cf. LUCRO DOS BANCOS CRESCE, 2005, p. B-9).

62
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 57-73 JUN. 2007

ao consumidor a taxas que chegam a 8% ao mês, capital financeiro internacional e, de outro lado,
empréstimo consignado, a taxas ditas “populares”, os grandes grupos industrial-financeiros dos paí-
dirigidos a assalariados e aposentados de baixa ses dominantes exigiram a abertura comercial da
renda etc.)8. América Latina para aumentarem as suas expor-
tações para essa região (CHESNAIS, 1997, p.
Para que o grande capital financeiro possa va-
310). Como é sabido, a política neoliberal supri-
lorizar-se com rapidez e a taxas elevadas, alguns
miu o protecionismo dos mercados internos lati-
aspectos da política de Estado são, nas condições
no-americanos – protecionismo que fora a marca
atuais e principalmente nos países dependentes,
do modelo desenvolvimentista. Essa abertura, além
fundamentais: a) a integração do mercado finan-
de atender aos interesses do capital internacional,
ceiro nacional com os mercados internacionais,
tem o objetivo de inibir, ao acuar a burguesia in-
isto é, a desregulamentação financeira que asse-
terna com a concorrência de produtos importa-
gura a livre conversão das moedas e a livre circu-
dos a preço menor, a remarcação de preços dos
lação das aplicações em títulos públicos e em bol-
produtos industriais, contendo a inflação interna e
sas de valores; b) o câmbio relativamente estável
contribuindo, assim, para a estabilidade interna da
e livre que permita a conversão e a reconversão
moeda e para a relativa estabilidade do câmbio.
das moedas sem sobressaltos ou prejuízo; c) o
Essa política provocou, no primeiro governo FHC,
pagamento da dívida pública externa e interna com
sucessivos déficits na balança comercial, o que
taxa básica de juro real elevada para assegurar uma
era “compensado” da maneira que melhor convi-
alta remuneração para os títulos públicos detidos,
nha aos interesses do capital financeiro: taxa bási-
majoritariamente, pelas empresas que têm maior
ca de juros elevadíssima para atrair capital finan-
liquidez, isto é, pelo próprio capital financeiro. Os
ceiro estrangeiro volátil em busca de valorização
balanços dos grandes bancos privados brasileiros
rápida e elevada, compensando com o ingresso
mostram que, ao longo dos últimos anos, a recei-
desse capital de risco de curto prazo o desequilíbrio
ta oriunda do recebimento de juros dos títulos da
da balança comercial e das contas externas. Claro
dívida pública representa cerca de 40% da receita
que tal política poderia produzir mais à frente –
total dessas instituições; d) liberdade para o capi-
como de fato produziu – uma dívida pública e um
tal financeiro cobrar o máximo possível pelo ca-
desequilíbrio externo cada vez maiores.
pital que cede emprestado a capitalistas e consu-
midores – spread liberado – e e) ajuste fiscal que A abertura comercial e a desregulamentação
garanta o pagamento dos juros dos títulos da dí- financeira atendem, portanto, aos interesses do
vida pública – nos paises europeus, déficit públi- grande capital financeiro, nacional e internacio-
co limitado; nos latino-americanos, superávits pri- nal, em detrimento mesmo da grande indústria
mários. Sabemos que todos esses cinco elemen- interna. Esta perdeu o mercado cativo para seus
tos foram mantidos ou aprofundados durante o produtos, passou a pagar muito mais caro pelo
governo Lula. capital que toma emprestado para investimentos e
sofreu a redução da parte da receita do Estado
A desregulamentação financeira está vincula-
destinada à infra-estrutura e ao fomento da pro-
da ao avanço recente da desnacionalização das
dução. Alguns autores enfatizam que os grandes
economias dependentes como o Brasil e também
grupos industriais também separam parte do seu
à abertura comercial que foi promovida nesses
capital para investir no mercado financeiro. Nos-
países. De um lado, a compra e a venda de ações
so entendimento, contudo, é que esse fato não
ou mesmo a aquisição de empresas públicas e pri-
anula as perdas que a política monetária e de aber-
vadas é um dos terrenos para a valorização do
tura comercial acarretam para a indústria ou, pelo
menos, não faz que os grupos industriais deixem
de pressionar contra essas perdas.
8 Embora o capital dinheiro mantenha-se sempre exterior à Concluindo, podemos afirmar que o grande
produção, ele funciona como capital que poderíamos deno- capital financeiro nacional e internacional é a fra-
minar de “indiretamente produtivo” quando é emprestado
ção burguesa hegemônica no modelo neoliberal
ao capitalista ativo que vai, este sim, convertê-lo em meios
de produção e em força de trabalho para a geração de mais- porque todos os aspectos da política neoliberal –
valia, o que não ocorre com o capital usurário (cf. os textos o desmonte do direito do trabalho e social, a
recentes de CHESNAIS et alii, 2005). privatização, a abertura comercial e a

63
ESTADO E BURGUESIA NO CAPITALISMO NEOLIBERAL

desregulamentação financeira – atendem integral- III. A ASCENSÃO POLÍTICA DA BURGUESIA


mente aos interesses dessa fração da burguesia. INDUSTRIAL E DO AGRONEGÓCIO NO
Com exceção do primeiro aspecto, todos os ou- GOVERNO LULA
tros contrariam, em maior ou menor medida, os
A hegemonia política do grande capital finan-
interesses das demais frações integrantes do blo-
ceiro nacional e internacional não se exerce sem
co no poder – médio capital, burguesia de Estado,
resistência e nas mesmas condições ao longo de
grande capital industrial. O resultado prático da
todo o período neoliberal. Alguns intelectuais crí-
correspondência objetiva entre o modelo capita-
ticos, talvez devido ao grande desajuste entre a
lista neoliberal e os interesses financeiros é a taxa
imagem pública do Partido dos Trabalhadores (PT)
de lucro superior que o sistema financeiro tem
e o curso real do governo Lula, foram levados a
obtido ao longo dos últimos anos frente à taxa do
enfatizar, de modo unilateral e errôneo em nosso
setor produtivo. Entre 1994 e 2003, segundo le-
entendimento, o elemento de continuidade entre
vantamento da ABM Consulting, o lucro dos dez
FHC e Lula9. Nossa análise é diferente. Como dis-
maiores bancos brasileiros cresceu nada menos
semos, a novidade do governo Lula é que ele pro-
que 1 039% (LUCROS DOS BANCOS SOBEM,
moveu uma operação política complexa que con-
2004, p. B-3). Durante o primeiro ano do gover-
sistiu em possibilitar a ascensão política da gran-
no Lula, os bancos voltaram a bater recordes de
de burguesia interna industrial e do agronegócio,
lucratividade. Alguns levantamentos feitos pela
principalmente dos setores voltados para o co-
Economática e pelo Instituto Brasileiro de Plane-
mércio de exportação, embora, é verdade, não
jamento Tributário (IBPT) mostraram que o in-
tenha quebrado a hegemonia das finanças e
vestimento em fundos rendeu, no mesmo perío-
tampouco alterado a posição subordinada do mé-
do, quatro vezes mais que o investimento nos se-
dio capital no bloco no poder10.
tores produtivos; sobre esses investimentos
incidem menos impostos (FUNDOS RENDEM 4 Durante o seu primeiro mandato, Fernando
VEZES, 2004, p. B-1, B3, B4). No decorrer do Henrique Cardoso ampliou a abertura comercial,
primeiro trimestre de 2005, o lucro dos bancos promovendo mais uma rodada de suspensão de
manteve a trajetória de alta – cresceu 52% em barreiras alfandegárias e não-alfandegárias às im-
relação ao mesmo período de 2004 (LUCRO DOS portações; ampliou a desregulamentação do ingres-
BANCOS CRESCE, 2005, p. B-9). so e saída de capitais; manteve o câmbio valoriza-
do, aumentou a taxa de juros e a dívida pública.
Acrescentemos que, além da correspondência
Acumulou déficits crescentes na balança comer-
objetiva entre os interesses do grande capital fi-
cial e fez um ajuste fiscal duro – embora esse
nanceiro e o modelo neoliberal, verifica-se, tam-
ajuste possa parecer, nos dias de hoje, um ajuste
bém, a identificação política e ideológica das enti-
brando, tendo em vista o nível elevadíssimo de
dades nacionais e internacionais do capital finan-
superávit primário imposto pelo governo Lula ao
ceiro com os sucessivos governos neoliberais no
país. Segundo os dados do Banco Central do Bra-
Brasil. A política desses governos, de Fernando
sil, FHC obteve, em porcentagem do PIB nacio-
Henrique Cardoso a Luiz Inácio Lula da Silva, vem
nal, 0,27%, 0,08% e 0,01% de superávit primá-
sendo aprovada pelo Fundo Monetário Internaci-
rio, respectivamente, em 1995, 1996 e 1998; no
onal (FMI), pelo Banco Mundial e pela Federação
ano de 1997, ocorreu um pequeno déficit primá-
Brasileira de Bancos (Febraban). Indicador signi-
rio de 0,95% do PIB. Dois aspectos dessa políti-
ficativo dessa situação é a simbiose que se verifi-
ca foram particularmente criticados pela grande
ca entre o pessoal dirigente dos sucessivos go-
burguesia industrial interna: a abertura comercial
vernos do período, principalmente os pessoais do
e o nível da taxa de juros. Durante o primeiro go-
Ministério da Fazenda e do Banco Central, e o
verno FHC, a Federação das Indústrias do Estado
pessoal dirigente do setor financeiro nacional e
internacional. Iniciar a carreira como diretor do
Banco Central e prossegui-la como executivo de
9 Penso em trabalhos de críticos de esquerda ao governo
banco privado ou fazer o caminho inverso é, há
Lula como Francisco de Oliveira e Leda Paulani (cf.
anos, um fato corriqueiro no cenário político bra-
PAULANI, 2007).
sileiro. Como veremos adiante, o governo Lula
10 Retomo nesta parte idéia que desenvolvi no artigo “A
apresenta algumas mudanças secundárias nessa
burguesia no governo Lula” (BOITO JÚNIOR, 2005).
matéria.

64
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 57-73 JUN. 2007

de São Paulo (Fiesp), secundada pela Confedera- rou publicamente, inclusive por meio de texto as-
ção Nacional da Indústria (CNI), vocalizou a in- sinado pelo seu Presidente e publicado na grande
satisfação desse setor. imprensa, apoio a uma greve nacional de protesto
contra o desemprego que estava sendo organiza-
Neste ponto da nossa análise, é obrigatório
da pela CUT e pela Força Sindical. A Fiesp, du-
considerar a presença política das classes traba-
rante os meses de maio e junho daquele ano, esta-
lhadoras. Podemos distinguir, metodologicamente,
va organizando em Brasília, com a colaboração
os empresários do restante da sociedade para
da CNI, uma manifestação de industriais de todo
elegê-los como objeto de estudo. Porém, o que se
o país contra “o ritmo acelerado” da abertura co-
passa no interior da classe capitalista relaciona-se
mercial, contra o “ritmo lento” das privatizações
com o restante do mundo político e social. De-
e contra a política de juros. O governo FHC sen-
pendendo das características do setor empresari-
tiu a pressão e, sem alterar a sua política geral,
al considerado e da sua inserção no conjunto das
efetuou um recuo: apoiou-se nas normas da Or-
relações políticas, ele pode lograr estabelecer ali-
ganização Mundial do Comércio (OMC) – salva-
anças ou frentes com setores das classes popula-
guarda, direitos compensatórios e proibição ao
res, que estão excluídas do bloco no poder. No
dumping – para criar barreiras à importação de
caso em exame, é importante lembrar que os gran-
tecidos da China, da Coréia do Sul e de Formosa
des industriais contaram, nesse protesto contra
e à importação de brinquedos11. Na campanha elei-
as políticas de abertura e de juros, com o apoio da
toral de 2002, o PT e seu candidato, Luiz Inácio
Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da cor-
Lula da Silva, esforçaram-se para atrair o apoio
rente majoritária do Partido dos Trabalhadores,
da Fiesp, proferindo um discurso segundo o qual
principalmente de sua seção paulista. A CUT,
fariam o governo da produção contra a especula-
dirigida por uma nova aristocracia do trabalho re-
ção. Pareciam reeditar as tradicionais ilusões da
presentada por trabalhadores qualificados da in-
esquerda brasileira no suposto papel político da
dústria automotiva, do setor petroleiro e dos ban-
“burguesia nacional”.
cos, aspirava, apesar dos protestos da minoria de
esquerda da Central, à ressurreição do velho Além dessa pressão política, é preciso consi-
desenvolvimentismo, que, acreditavam os sindi- derar um fator econômico. Os déficits crescen-
calistas, seria obtido com a redução da taxa de tes na balança comercial do país, se atendiam aos
juros e outras medidas de incentivo ao investi- interesses do capital internacional, poderiam, a
mento. A proposta de câmaras setoriais apresen- médio e longo prazos, gerar problemas para o pró-
tada pela CUT no início da década de 1990 era prio capital financeiro nacional e internacional. O
concebida como o espaço privilegiado dessa ali- desequilíbrio das contas externas, provocado pelo
ança, em que empresários e trabalhadores de cada pagamento da dívida, pela crescente remessa de
setor discutiriam, juntamente com o governo, aque- lucros oriunda do avanço da internacionalização
les que seriam os pontos de estrangulamento da da economia e pela própria abertura comercial,
produção e do emprego – financiamento, impos- poderia comprometer a capacidade de pagamento
tos, política de contratação etc. Essas câmaras do Estado brasileiro e, no limite, se se chegasse a
eram pensadas, basicamente, para o setor indus- um nível muito baixo de reservas internacionais,
trial e a única que vingou foi a Câmara do Setor poderia, inclusivamente, inviabilizar, por escassez
Automotivo, posteriormente fechada pelo gover- de reservas, a liberdade básica do capital finan-
no FHC. Além das câmaras setoriais, em inúme- ceiro internacional de entrar e sair do país. A eco-
ras ocasiões a Fiesp e a CUT trabalharam conjun- nomia brasileira aproximou-se dessa situação crí-
tamente na elaboração de propostas e de projetos tica com a crise cambial de 1999, no momento de
de política econômica – como na proposta de re- transição do primeiro para o segundo mandato de
forma tributária, elaborada pela Fiesp e pela CUT FHC. O fantasma daquilo que os
com a participação da Fundação Instituto de Pes-
quisas Econômicas, vinculada à Universidade de
São Paulo (FIPE-USP), proposta que visava a 11 Os números da revista da Fiesp publicados entre abril
“desonerar o capital produtivo”. e julho de 1996 dão ampla cobertura a esses acontecimen-
tos e realçam a ação e os objetivos dos industriais – no mês
Houve um momento alto dessa aliança quan- de junho, a publicação da Fiesp trocou o título sóbrio No-
do, em junho de 1996, a diretoria da Fiesp decla- tícias pelo afirmativo Revista da Indústria

65
ESTADO E BURGUESIA NO CAPITALISMO NEOLIBERAL

desenvolvimentistas da Cepal denominavam de a sua política agressiva de exportação, centrada


“estrangulamento externo” rondava as contas bra- no agronegócio, nos recursos naturais e nos pro-
sileiras com o exterior. A situação exigia alguma dutos industriais de baixa densidade tecnológica e
correção de rumo. Fernando Henrique Cardoso implementou as medidas cambiais, creditícias e
percebeu isso: demitiu da Presidência do Banco outras necessárias para manter essa política. O
Central Gustavo Franco, o ideólogo da valoriza- próprio perfil da indústria brasileira mudou, com
ção cambial; desvalorizou o real; abandonou a declínio dos setores mais sofisticados e ascensão
política de déficit na balança comercial e adotou dos setores industriais que processam recursos
uma política de balança comercial superavitária. naturais – minérios, papel e celulose, produtos
O saldo positivo na balança comercial e um acor- alimentícios etc.14. O carro-chefe das exporta-
do de emergência obtido com o FMI passaram a ções é o agronegócio, setor responsável por cer-
ser os trunfos de que dispunha o segundo gover- ca de 40% de todas as vendas do país no exterior
no FHC (1999-2002) para restaurar a confiança – destacam-se o complexo da soja que lidera as
do capital financeiro internacional na economia exportações, seguido por carnes, madeiras, açú-
brasileira. Esse foi o embrião da política de ex- car e álcool, papel e celulose, couros, café, algo-
portação que seria implementada em seguida pelo dão e fibras, fumo e suco de frutas (EXPORTA-
governo Lula12. ÇÃO DO AGRONEGÓCIO, 2005, p. B-3).
Diversos são, portanto, os fatores responsá- Tratou-se de uma vitória, ainda que parcial, da
veis pela nova política de comércio internacional grande burguesia interna industrial e do
e pela correspondente ascensão política da gran- agronegócio. Essa fração burguesa permaneceu
de burguesia interna industrial e do agronegócio. como força secundária no bloco no poder, uma
Dado o economicismo que domina as análises da vez que o Estado continuou priorizando os inte-
política econômica brasileira, é importante desta- resses do capital financeiro, mas o governo Lula
car os fatores políticos que induziram essa mu- ofereceu a ela uma posição bem mais confortável
dança – a pressão da grande burguesia industrial na economia nacional. O resultado disso pode ser
ao longo da década de 1990, a pressão conver- visto no comportamento da Fiesp. Essa entidade,
gente dos sindicatos e a própria vitória da candi- que foi crítica dos aspectos mais financistas da
datura Lula na eleição presidencial de 2002. Con-
taram também fatores econômicos nacionais e
internacionais – a ameaça de estrangulamento ex-
neiras distintas pela taxa de câmbio de acordo com pelo
terno que se evidenciou na crise cambial de 1999, menos duas variáveis: se a fixação do preço da mercadoria
o crescimento do comércio internacional de ma- da empresa ou do segmento é feita em moeda forte (como
térias-primas e de recursos naturais, a melhora produtos agrícolas) ou em moeda nacional (como produtos
nas cotações desses produtos, o declínio, na dé- industriais) e se a empresa ou segmento tem alto ou baixo
cada de 2000, do fluxo de dólares dirigido aos índice de abertura. As empresas e segmentos que apresen-
tam um baixo índice de abertura (importam pouca matéria-
países dependentes pelos fundos de aplicação dos
prima, insumos e equipamentos) e têm o preço de suas
países dominantes e, finalmente, a grande desva- mercadorias fixado em reais são as mais prejudicadas com a
lorização cambial provocada, involuntariamente, valorização cambial; no outro extremo, as empresas ou seg-
pelo temor do capital internacional diante da imi- mentos que têm os preços de suas mercadorias fixadas em
nente vitória de Lula em 200213. Uma vez no go- moedas fortes e que apresentam um alto índice de abertura
verno, Lula decidiu radicalizar na direção da cor- são os menos prejudicados pela valorização cambial. Boa
parte do agronegócio ocupa uma posição intermediária en-
reção iniciada no segundo governo FHC. Iniciou
tre essas duas posições extremas. Há alguns dados siste-
matizados sobre esse assunto por Fernando Pimentel Puga
no texto “Câmbio afeta exportadores de forma diferencia-
12 Os setores industriais voltados para exportação au- da” (TORRES FILHO, PUGA & FERREIRA, 2006. p.
mentaram sua influência no interior da Fiesp ao longo da 65-70).
década de 1990, o que torna compreensível a posição atual 14 Fazendo o balanço do período 1992-2000, Ricardo
da entidade face ao governo. Sobre esse ponto, ver Bianchi
(2004). Carneiro afirma: “O que se pode concluir do conjunto dos
dados é que a estrutura do comércio exterior brasileiro re-
13 O prosseguimento de nossa pesquisa deverá levantar fletiu fielmente as mudanças ocorridas na estrutura produ-
um perfil mais preciso da grande burguesia interna, princi- tiva, com exportações concentradas em setores de menor
palmente do seu ramo exportador. O lucro dos diferentes conteúdo tecnológico, ocorrendo o inverso com as impor-
segmentos da grande burguesia interna são afetados de ma- tações” (CARNEIRO, 2002, p. 334).

66
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 57-73 JUN. 2007

política econômica e da abertura comercial dos reduzir o desequilíbrio das contas externas, sem
anos 1990, é presidida hoje por um homem de o que a sua livre circulação e sua elevada remune-
confiança do Palácio do Planalto, que se elegeu ração poderão ficar comprometidas. O objetivo
para a Fiesp com o apoio do governo federal. O principal do estímulo à produção deve ser, então,
governo Lula multiplicou os canais institucionais a exportação, isto é, a caça aos dólares e às de-
de consulta aos industriais e aos exportadores, o mais moedas fortes – não é no consumo popular
que representa um grande contraste, segundo de- interno que essas moedas poderão ser obtidas. Por
poimentos dos próprios empresários, com o que isso, estimula-se especificamente a produção para
se passava no governo FHC (cf. DINIZ, 2006). exportação e não a produção em geral. Em segun-
do lugar, mesmo na política de estímulo à expor-
Quanto ao tamanho das empresas exportado-
tação, tudo deve ser feito de modo a não ultrapas-
ras, predomina amplamente o grande capital. Se-
sar a medida daquilo que interessa às finanças.
gundo os dados da Associação Brasileira de Co-
Corrida aos dólares, sim; mas desde que os dóla-
mércio Exterior, o Brasil tinha, em fevereiro de
res obtidos sejam direcionados para o pagamento
2005, dezenove mil empresas exportadoras. Des-
dos juros da dívida. Assim sendo, o superávit pri-
se total, apenas 800 empresas eram responsáveis
mário e os juros devem permanecer elevados
por 85% do total das exportações do país. Quan-
mesmo que isso limite o próprio crescimento das
to à origem do capital, das 40 maiores empresas
exportações. De fato, faltam infra-estrutura e re-
exportadoras brasileiras, responsáveis por 41% do
cursos humanos – estradas, silos, portos, funcio-
total das exportações, são empresas estrangeiras
nários para a vigilância sanitária etc. – para que o
22 delas (MÚLTIS USAM PAÍS, 2004, p. B-1).
capitalismo brasileiro possa crescer pelo menos
O governo diz estimular a participação das peque-
dentro da taxa média das principais economias
nas e médias empresas nacionais nesse novo ne-
latino-americanas e ainda que como mera plata-
gócio da China mas, segundo os dados do Servi-
forma de exportação. Porém, do ponto de vista
ço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Em-
do capital financeiro, não interessa desviar para a
presas (Sebrae), no ramo industrial, as milhares
infra-estrutura o dinheiro que deve ser encami-
de “micro” e pequenas empresas exportadoras
nhado para remunerar os bancos. Os pontos de
respondem por apenas 2% das exportações do
estrangulamento poderão, quem sabe, ser supe-
setor (REAL VALORIZADO, 2005, p. B-1). A
rados pelas PPPs, concebidas pelo governo Lula
política de “caça aos dólares” representa, portan-
justamente para contornar os problemas de infra-
to, uma política que atende aos interesses do gran-
estrutura sem ameaçar a política de elevados
de capital nacional e estrangeiro vinculado à
superávits primários. O mesmo raciocínio aplica-
agroindústria, à extração mineral e aos produtos
se à política de juros básicos elevados, que forta-
industriais de baixa densidade tecnológica. Nova-
lece o perfil usurário do capital financeiro, des-
mente, o médio capital ocupa uma posição subor-
via-o do financiamento da produção e encarece
dinada.
os investimentos, limitando o crescimento da ex-
IV. ASCENSÃO POLÍTICA SEM CONQUISTA portação. Pelo que podemos ver então, o superá-
DA HEGEMONIA vit primário elevado e a alta taxa de juros não são,
no governo Lula, um desvio financista incrustado
Por que então, apesar do estímulo governa-
em uma política globalmente desenvolvimentista.
mental ao setor exportador e da alta lucratividade
São, na verdade, consistentes com esse novo e
que esse setor está apresentando, entendemos que
modesto crescimento econômico voltado para a
o grande capital financeiro nacional e internacio-
exportação. O aumento das exportações foi acom-
nal permanece hegemônico no interior do bloco
panhado do aumento do superávit primário, que
no poder no governo Lula? A resposta é a seguin-
saltou de uma média de 1% do PIB no primeiro
te: porque esse governo estimula a produção, mas
mandato de FHC para 3,5% no segundo mandato
no interior dos limites permitidos pelos interesses
e, agora no governo Lula, está na casa de 4,5%.
fundamentais do grande capital financeiro.
A política externa do governo Lula também
Em primeiro lugar, ele estimula,
expressa a nova situação do bloco no poder. Ou
prioritariamente, a produção voltada para a expor-
seja, ela não está desconectada da política inter-
tação. Do ponto de vista das finanças, não inte-
na, como sugerem aqueles que a consideram a
ressa priorizar a produção voltada para o merca-
“parte sã” desse governo. O Presidente Lula diz
do interno. O grande capital financeiro necessita

67
ESTADO E BURGUESIA NO CAPITALISMO NEOLIBERAL

estar lutando por uma nova “geografia comerci- outro, o conflito entre os poderes Executivo e
al” e é aqui que reside o segredo da vinculação da Legislativo, o sistema partidário e os conflitos
sua política externa com a sua política econômi- variados no próprio interior do Estado e do go-
ca. A política externa é, ao mesmo tempo, depen- verno devem, ponderados demais fatores
dente (frente ao imperialismo) e conquistadora intervenientes, ser remetidos aos conflitos entre
(frente às pequenas e médias economias da peri- as frações burguesas que compõem o bloco no
feria). De um lado, reafirma-se a posição subal- poder. O hiperpresidencialismo brasileiro, que
terna do capitalismo brasileiro na divisão interna- consiste, fundamentalmente, no apoderamento da
cional do trabalho com a política de especializa- função legislativa pelo poder Executivo federal,
ção regressiva no comércio exterior mas, de ou- serve aos interesses da fração hegemônica no in-
tro lado, o governo quer ocupar de fato o lugar terior do bloco no poder. Tudo que se relaciona a
que cabe ao capitalismo brasileiro nos mercados esse arranjo político e institucional remete, obri-
agrícola, de recursos naturais e produtos indus- gatoriamente, à disputa de interesses entre as fra-
triais de baixa tecnologia, mesmo que para tanto o ções burguesas. Um eventual fortalecimento do
capitalismo brasileiro deva expandir-se às custas Congresso Nacional e dos executivos estaduais e
das demais burguesias latino-americanas e mes- municipais poderia representar uma ameaça à
mo que gere tensões comerciais localizadas com hegemonia do capital financeiro. O
alguns países dominantes. A luta contra o prote- hiperpresidencialismo acarreta ainda, dada sua
cionismo agrícola da Europa e dos Estados Uni- condição de regime político centrado na capaci-
dos e a deterioração das relações com a Argentina dade decisória da burocracia e na legitimidade de
ilustram o que estamos afirmando. tipo burocrático em detrimento da legitimidade de
tipo representativo, o declínio das funções
O empenho do Estado brasileiro em construir
governativa e representativa dos partidos políti-
uma aliança de estados da periferia, consagrada
cos.
no denominado G-20, na reunião de Cancún da
OMC em outubro de 2003, visa exatamente a sus- Não estamos afirmando que a cúpula da buro-
pender o protecionismo agrícola dos países do- cracia do Estado e a cúpula dos governos ajam
minantes. O discurso que o governo Lula aciona em uníssono na defesa dos interesses do grande
para legitimar a reivindicação do G-20 é um dis- capital financeiro. São o Ministério da Fazenda e
curso neoliberal que pleiteia a “verdadeira abertu- o Banco Central que se constituem nos locais pri-
ra” dos mercados e concentra a luta no comércio vilegiados nesse esquema de concentração do
de produtos agrícolas. Não estão excluídas, como poder em benefício da fração hegemônica. Eles
se tem verificado, novas concessões na política são, por isso, os principais centros de poder na
de abertura comercial para produtos industriais e definição da política econômica – o Ministério da
serviços em troca de recuo dos países dominan- Fazenda é responsável pelo controle das variáveis
tes no protecionismo agrícola. Ao proceder as- macro-econômicas e determina a dotação orça-
sim, o governo abdica de lutar por normas que mentária de todos os outros ministérios. Porém,
regulem o comércio internacional visando a favo- em outros setores da cúpula burocrática e em
recer os países dependentes. Já a face hegemonista outros centros de decisão do governo, tanto no
dessa política está abalando o Mercado Comum período FHC quanto, mais ainda, no período Lula,
do Sul (Mercosul). A grande burguesia interna o grande capital industrial e o agronegócio tam-
brasileira, como aliada subalterna do grande capi- bém detêm posições importantes a partir das quais
tal financeiro, aspira a ter acesso a porções cres- procuram resistir às medidas de política econô-
centes do mercado latino-americano e essa aspi- mica adversas a seus interesses. Durante os dois
ração está abalando a aliança com o capitalismo mandatos de Lula, esses atritos têm-se renovado:
argentino no Mercosul. o antigo conflito entre José Dirceu (Casa Civil) e
Antonio Palocci (Fazenda), entre Carlos Lessa
V. O REGIME POLÍTICO E A HEGEMONIA DO
(Bndes) e Henrique Meirelles (Banco Central), entre
CAPITAL FINANCEIRO
Dilma Roussef (Casa Civil) e, novamente, Henrique
Digamos, agora, uma palavra sobre o regime Meirelles etc. No período FHC, a proeminência
político que corresponde a esse bloco no poder. de quadros políticos neoliberais extremados –
Como já indicamos, da nossa perspectiva teórica, Pedro Malan, Gustavo Franco, Armínio Fraga –
a preponderância de um ramo do Estado sobre sobre os neoliberais moderados – José Serra,

68
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 57-73 JUN. 2007

Dorotéia Wernceck e outros – era mais clara. No podiam esperar, com o PT durante os dois gover-
governo Lula, a dinâmica desses conflitos no in- nos Lula. O resultado extremado do rebaixamen-
terior do governo é um dos indicadores do cres- to do poder Legislativo e da função governativa
cente fortalecimento da grande burguesia indus- dos partidos políticos é que o regime político bra-
trial interna e do agronegócio. No início do seu sileiro produziu um conjunto de partidos, alguns
segundo mandato, em janeiro de 2007, Lula lan- de tamanho médio ou grande como o Partido Tra-
çou o Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC, balhista Brasileiro (PTB), cuja única função é esta:
que parece todo ele voltado para os interesses da servir de base parlamentar ao governo do momen-
grande burguesia interna, principalmente indus- to em troca de favores. Os demais partidos divi-
trial. O Ministério da Fazenda passou a ser ocu- dem-se entre os interesses do grande capital fi-
pado por um economista de formação heterodo- nanceiro e da burguesia interna. A ala majoritária
xa, Guido Mantega, ficando o Ministério do De- do PSDB, vanguarda eleitoral do neoliberalismo
senvolvimento nas mãos de um economista no Brasil, representa o grande capital financeiro
monetarista. Trata-se de uma inversão em relação internacional e os interesses dos empresários e
ao conjunto do período FHC – quando o Ministé- banqueiros brasileiros estreitamente ligados a esse
rio mais importante permaneceu sob controle de capital. O PT, nascido como um partido social-
um economista ortodoxo, restando aos democrata de esquerda e vinculado ao movimen-
neodesenvolvimentistas o secundário Ministério do to sindical, desde meados da década de 1990,
Desenvolvimento. quando o então chamado Campo Majoritário ini-
ciou o processo de reformulação programática e
As frações subordinadas do bloco no poder,
organizacional do Partido, vem realizando um
desigualmente contempladas pela política de Es-
movimento em direção à grande burguesia inter-
tado, têm maior acesso ao Congresso Nacional e
na. Em sintonia com essa fração burguesa, o PT
aos ramos subordinados do Estado – governos
procura conter ou reverter apenas as medidas de
estaduais e municipais – no regime político vigen-
política econômica que prejudicam essa fração da
te. A experiência da história política recente mos-
burguesia, como os juros elevados e a abertura
tra que, caso dependessem de decisão do Con-
comercial, mantendo aquelas que a favorecem
gresso Nacional, muitas das características do
mesmo que em detrimento do bem-estar dos tra-
atual modelo econômico e muitas das decisões de
balhadores – reforma da previdência, flexibilização
política econômica encontrariam dificuldades,
do contrato de trabalho no setor público, reforma
devido à publicidade que ganhariam e ao caráter
trabalhista etc. O antigo Partido da Frente Liberal
heterogêneo da representação parlamentar – o
(PFL), atuais Democratas, também representa os
grande capital financeiro não tem condições de
interesses financeiros internacionais, mas parece,
homogeneizar o Congresso Nacional no mesmo
dentre todos os grandes partidos, o mais vincula-
nível que logra fazê-lo no núcleo do poder Execu-
do aos interesses da nova burguesia de serviços.
tivo federal. Sempre que as reformas neoliberais
O Partido do Movimento Democrático Brasileiro
exigiram reforma constitucional e, portanto, tive-
(PMDB) possui basicamente três alas: uma go-
ram de passar pelo Congresso Nacional, as difi-
vernista, outra mais próxima dos interesses finan-
culdades foram grandes e muitas das reformas
ceiros internacionais e uma terceira ainda ligada à
almejadas ou efetivamente tentadas não chegaram
média burguesia e à antiga burguesia de Estado.
a sair do papel.
Mas, convém repetir, como o regime político re-
O sistema partidário é consistente com o pa- duziu muito a função governativa dos partidos,
pel preponderante do poder Executivo, a começar correspondentemente a sua função representativa
pelo Executivo federal. No neoliberalismo brasi- também ficou minada. Os diferentes setores so-
leiro, não existe governo de partido, mas partido ciais percebem que o partido não é um instru-
do governo. Os deputados do partido de onde saiu mento importante de poder e dirigem suas luta e
o Presidente da República funcionam como mera pressão diretamente para a burocracia de Estado.
base de apoio do governo no Congresso Nacio- O resultado disso é que o vínculo representativo
nal, tendo de enquadrar-se em decisões políticas entre o partido e a sociedade fica debilitado.
para cuja elaboração não foram nem sequer con-
Esse enfoque pode abrir perspectivas novas
sultados. Foi assim com o Partido da Social De-
para a análise das lutas partidárias durante os dois
mocracia Brasileira (PSDB) nos dois governos
governos Lula. Como pensar, nesse contexto, a
FHC e está sendo assim, ao contrário do que muitos

69
ESTADO E BURGUESIA NO CAPITALISMO NEOLIBERAL

ação do PSDB na sua postura de oposição ao go- onal, aludem a dimensões verdadeiras da institui-
verno, em episódios como a “Crise do mensalão” ção, mas fazem-no de maneira a, também, produ-
ou o movimento “Cansei”? Seria uma ação do zir mistificações.
partido do capital financeiro contra um governo
A detração do Congresso Nacional sugere uma
que promove os interesses da grande burguesia
suposta eficiência e grandeza política do poder
interna industrial e do agronegócio? Inicialmente,
Executivo; o discurso sobre o paroquialismo das
durante a “Crise do mensalão”, cheguei a pensar
emendas de deputados e senadores oculta que, na
que não. Parecia-me que o PSDB estava deslo-
paróquia, estão as pequenas e médias empresas,
cando-se de sua própria base ao voltar-se contra
justamente aquelas que a política econômica pre-
o governo, pois, naquela ocasião, as principais
tende marginalizar. A proposta de orçamento do
entidades do patronato fizeram questão de prestar
poder Executivo federal que destina um terço das
apoio público ao governo Lula no pior momento
receitas da União para pagamento dos juros da
da crise. A persistência dessa ação, contudo, pa-
dívida pública, isto é, para cerca de apenas 20 mil
rece indicar para um fenômeno orgânico. A dis-
famílias segundo os cálculos dos economistas,
puta pela hegemonia no bloco no poder parece ter
supõe-se técnica e racional, enquanto uma emen-
extravasado para o plano político-partidário
da de Deputado Federal ou Senador visando a as-
(NUCCI JÚNIOR, 2007). O PSDB age como re-
faltar as ruas de uma pequena cidade ou financiar
presentante do capital financeiro e angaria apoio
pequenas empresas é dita paroquial e fisiológica.
na alta classe média. Essa fração da classe média
Todo esse discurso esconde, ainda, que é a fun-
parece incomodada com a ampliação das políti-
ção que faz o político: é claro que um Congresso
cas compensatórias durante o governo Lula, aquilo
rebaixado atrai quadros políticos dispostos a ser-
que poderíamos denominar o social-liberalismo
vir, em troca de favores, como base passiva dos
desse governo. Devido à sua situação de classe, a
sucessivos governos – no limite, temos, cada vez
alta classe média é atraída pelo discurso moralista
em maior número, os fugitivos da Justiça que se
contra a corrupção, isto é, o discurso que atribui
candidatam para obter a imunidade parlamentar.
a corrupção à índole malévola dos governantes e
Ou seja: o discurso em defesa do poder Executi-
que acredita ser possível instaurar ou restaurar
vo e do capital financeiro inverte os termos do
uma suposta natureza neutra e impessoal da qual
problema: o efeito do rebaixamento político do
teriam se desviado as instituições do Estado capi-
Legislativo é apresentado como se fosse a sua
talista.
causa. A porção de verdade que esse discurso ide-
Voltemos à concentração do poder no Execu- ológico contém é, portanto, apenas a quantidade
tivo federal. Há toda uma ideologia política que necessária à sua eficácia como discurso
legitima essa concentração – ideologia sistemati- mistificador.
zada e difundida pelos representantes, conscien-
VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS
tes ou inconscientes, do grande capital financei-
ro. São elementos dessa ideologia: a idéia segun- Talvez seja possível detectar a lógica que está
do a qual a política monetária teria um caráter téc- subjacente à hierarquia do bloco no poder no ca-
nico; a defesa da medida provisória como conse- pitalismo neoliberal brasileiro. Essa lógica é sinte-
qüência, também técnica, da necessidade de rapi- tizada pela política econômica do Estado e resulta
dez na ação de governar; a acusação unilateral do da inserção do capitalismo brasileiro nas mudan-
caráter fisiológico, paroquial e clientelista do Con- ças ocorridas na divisão internacional do trabalho
gresso Nacional, das emendas orçamentárias de e da correlação política de forças no interior do
deputados federais e senadores etc. Todas essas país.
idéias legitimam a concentração do poder decisório
A política econômica define uma hierarquização
no Executivo e a marginalização política do poder
das frações da classe capitalista privilegiando cer-
Legislativo. Algumas delas, como o caráter su-
tas dimensões do capital em detrimento de outras:
postamente técnico da política monetária, idéia
quanto à função do capital, privilegia a função fi-
defendida, invariavelmente, desde o início dos anos
nanceira; quanto ao porte, privilegia o grande ca-
1990, por todos os presidentes e diretores que
pital; quanto ao destino da produção, o mercado
passaram pelo Banco Central, são pura mistifica-
externo e a fatia de alta renda do mercado interno.
ção; outras, como as acusações de fisiologismo,
A essas prioridades correspondem, uma a uma,
clientelismo e paroquialismo ao Congresso Naci-
as dimensões que são preteridas: quanto à função

70
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 57-73 JUN. 2007

do capital, a produção, isto é, o capital ativo; quanto sões privilegiadas e preteridas pela política eco-
ao porte do capital, o pequeno e médio capital, e nômica de Estado, como é o caso dos bancos de
quanto ao destino da produção, o mercado inter- tamanho médio e das pequenas empresas volta-
no de bens de consumo populares. Poderíamos das para a exportação. Ao longo dos últimos anos,
estender a lista, lembrando que entre as grandes muitos bancos de tamanho pequeno ou médio fo-
empresas estatais e a grande empresa privada, a ram levados à falência e muita pequena empresa
política econômica privilegiou, principalmente na voltada para exportação prosperou.
década de 1990 com os leilões de privatização, as
Este artigo restringiu-se ao tema do bloco no
grandes empresas privadas.
poder no período neoliberal, particularmente ao
Tais prioridades consagram uma hierarquia do exame das relações da burguesia com o governo
poder burguês que comporta duas posições ex- Lula. Não tratamos das relações dessa burguesia
tremas. No topo, temos o grande capital financei- e do governo com as classes trabalhadoras, em-
ro internacional e os grandes bancos nacionais, bora seja impossível separar completamente es-
enquanto na base da pirâmide, temos o médio ca- sas duas faces da política brasileira – como se
pital, aplicado no setor produtivo e voltado para o viu, recorremos à presença política dos trabalha-
mercado interno de bens de consumo populares. dores para poder analisar a ascensão política da
O primeiro setor indicado concentra todas as van- grande burguesia interna. Há outras questões re-
tagens cumulativas frente à política econômica e lacionadas à população trabalhadora e que poderi-
é um setor que age como fração distinta de clas- am ser motivo de exame. Por exemplo, o cresci-
se; o segundo carrega todas as desvantagens cu- mento das políticas compensatórias, como o Pro-
mulativas frente à política econômica e não che- grama Bolsa Família, pode repercutir significati-
gou a constituir-se em fração autônoma da classe vamente na política econômica e nas posições re-
burguesa. Ainda falando das posições na hierar- lativas das frações burguesas no interior do bloco
quia de poder, cabe indicar que a grande burgue- no poder? Poderia chegar a promover considera-
sia industrial e o agronegócio, principalmente as velmente os negócios das médias empresas volta-
grandes empresas voltadas para a exportação, das para o mercado de bens de consumo popula-
ocupariam uma posição intermediária entre aque- res? As políticas de incentivo à produção industri-
las duas posições extremas. Ficamos, então, com al e ao agronegócio, voltados principalmente para
três posições: a fração hegemônica, cujos interes- a exportação, representam, em contraste com as
ses têm sido priorizados pela política econômica políticas estritamente financistas, alguma melhoria
tanto na década de 1990 quanto na década de 2000; para os assalariados e camponeses brasileiros?
a fração intermediária, que iniciou uma trajetória Nossa análise sugeriu que tais políticas são uma
política ascendente sob o governo Lula e cuja mudança muito limitada. Poderíamos acrescentar
conversão em fração hegemônica é uma possibi- que descuram do desenvolvimento do mercado
lidade real – como já indicamos, a “globalização” interno – pois em um modelo que privilegia a ex-
não absorveu a totalidade da burguesia brasileira portação o salário entra, primeiro, como custo e
– e, por último, a fração marginalizada pela políti- como desvantagem na competitividade internaci-
ca de Estado, as pequenas e médias empresas do onal – e inviabilizam – devido ao papel estratégico
setor produtivo voltadas para o mercado interno atribuído ao agronegócio – a reforma agrária. Mas
de bens populares, cujos interesses sempre são uma discussão como essa demandaria muito mais
ignorados quando colidem com os interesses do reflexão. Indicamos esses temas apenas para evi-
grande capital, seja ele financeiro ou produtivo, denciar que, ao tratar os empresários como clas-
seja voltado para a exportação ou para o mercado se dominante e não como um setor social qual-
interno. Esse é um quadro geral que considera as quer, o nosso texto sugere, necessariamente, ques-
situações típicas. Há situações mais complexas, tões políticas e sociais mais amplas do Brasil con-
de setores que reúnem, ao mesmo tempo, dimen- temporâneo.

Armando Boito Jr. (boito@uol.com.br) é Professor Titular do Departamento de Ciência Política da


Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisador do Centro de Estudos Marxistas (Cemarx)
da mesma universidade e editor da revista Crítica Marxista.

71
ESTADO E BURGUESIA NO CAPITALISMO NEOLIBERAL

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIANCHI, A. 2004. O ministério dos industriais DINIZ, E. & BOSCHI, R. 2004. Empresários,
– a Federação das Indústrias do Estado de São interesses e mercado. Belo Horizonte : UFMG.
Paulo na crise das décadas de 1980 e 1990.
IANNI, O. 1972. Estado e planejamento econô-
Campinas. Tese (Doutorado em Ciências So-
mico no Brasil. Rio de Janeiro : Paz e Terra.
ciais). Universidade Estadual de Campinas.
MEIRELLES, A. C. 1973. La révolution de
BOITO JÚNIOR, A. 2002. Política neoliberal e
1930 : une révolution passive. Critique de
sindicalismo no Brasil. 2ª ed. São Paulo :
l’économie politique, n. 16-17, 1973.
Xamã.
MINELLA, A. C. 1997. Elites financeiras, siste-
_____. 2005. A burguesia no governo Lula. Críti-
mas financeiros e governo FHC. In :
ca Marxista, Rio de Janeiro, n. 21, p. 52-77,
RAMPINELLI, W. J. & OURIQUES, N. D.
primeiro semestre.
(orgs.). No fio da navalha. Crítica das refor-
CARDOSO, F. H. 1966. Empresários de desen- mas neoliberais de FHC. São Paulo : Xamã.
volvimento. São Paulo : Difel.
MONTEIRO, K. M. 2006. O desencantamento
CARNEIRO, R. 2002. Desenvolvimento em cri- da razão : a ideologia política de Celso Furta-
se – a economia brasileira no último quarto do do – 1972-1992. Campinas. Dissertação
século XX. São Paulo : UNESP. (Mestrado em Ciência Política). Universidade
Estadual de Campinas.
CHESNAIS, F. 1997. La mondialisation du ca-
pital. Paris : Syros. NUCCI JÚNIOR, R. 2007. A oposição de direita
ao governo Lula. Artigo escrito em 22 de ago.
CHESNAIS, F. ; DUMÉNIL, G.; LÉVY, D.;
Disponível em : http://
JOHSUA I. & BRUNHOFF, S. (orgs.). 2005.
onoctivago.blogspot.com/2007/08/possveis-
Séminaire d’Études Marxistes : la finance
razes-para-oposio-de-direita.html. Acesso
capitaliste contemporaine et Marx. Paris : École
em : 13.set.2007.
des Hautes Études. Disponível em : http://
www.jourdan.ens.fr/levy/sem05.htm. Acesso PAULANI, L. 2007. Brasil delivery : servidão fi-
em : 13.set.2007. nanceira e estado de emergência econômico.
São Paulo : Boitempo.
CODATO, A. N. 1997. Sistema estatal e política
econômica no Brasil pós-64. São Paulo : PERISSINOTTO, R. M. 1994. Classes dominan-
Hucitec. tes e hegemonia na República Velha. Campi-
nas : UNICAMP.
COSTA, P. R. N. 1998. Democracia nos anos
50 : burguesia, corporativismo e parlamento. POULANTZAS, N. 1971. Pouvoir politique et
São Paulo : Hucitec. classes sociales. Paris : F. Maspero.
DINIZ, E. 2006. Empresários e governo Lula : _____. 1976. La crise des dictatures. Portugal,
percepções e ação política entre 2002 e 2006. Grèce, Espagne. Paris : Seuil.
Artigo apresentado no workshop Empresa,
PUGA, F. P. 2006. Câmbio afeta exportadores de
Empresários e Sociedade, realizado em Porto
forma diferenciada. In : TORRES FILHO, E.
Alegre, de 2 a 5 de maio de 2006. Digit. Dis-
T.; PUGA, F. P. & FERREIRA, F. M. R.
ponível em : http://www.fee.rs.gov.br/
(orgs.). Visão do desenvolvimento. Rio de Ja-
5workshop/pdf/mesa02_eli.pdf. Acesso em :
neiro : Banco Nacional de Desenvolvimento
13.set.2007.
Econômico e Social.

OUTRAS FONTES

Exportação do agronegócio chega à marca dos US$ Fundos rendem 4 vezes mais que produção. 2004.
39 bi. 2005. Folha de S. Paulo, 7.jan., p. B-3. Folha de S. Paulo, 11.jun., p. B-1, B3-B4.

72
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 57-73 JUN. 2007

Lucro dos bancos cresce 52% no 1o trimestre. Múltis usam país como base exportadora. 2004.
2005. Folha de S. Paulo, 4.jun., p. B-9. Folha de S. Paulo, 17.out., p. B-1.
Lucros dos bancos sobem mais de 1 000%. 2004. Real valorizado já reduz base exportadora. 2005.
Folha de S.Paulo, 21.jun., p. B-3. Folha de S. Paulo, 27.maio, p. B-1.

73
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 259-263 JUN. 2007

STATE AND BOURGEOISIE IN THE BRAZILIAN NEO-LIBERAL CAPITALIST MODEL


Armando Boito Jr.
This article, fruit of ongoing research, engages in a type of analysis that has to a large extent been
neglected in Brazil. Reaffirming ties to a rich tradition of Brazilian Sociology and Political Science —
a tradition that came into being in the 1960s and 1970s — the author attempts to examine the
interests of fractions of the Brazilian bourgeoisie that come to act as distinct segments within the
national political process and the relations that these interests maintain with the politics of the State.
Conflicts between these fractions of the bourgeoisie and the relations that, as bourgeois fractions in
a dependent country, the former develop with imperialism and with popular classes are also examined.
In an approach that is always tentative and only a beginning, the article also makes reference to the
shift in the bourgeois hierarchy of power, that is, the shift that occurred within the block in power
during the two presidential mandates of Luis Ignácio Lula da Silva. We offer the hypothesis that
dependent Brazilian capitalism’s new position within internationalization did not impede the action
and improved position of a powerful sector of the large bourgeoisie of this country within the block
in power, a situation that developed over the first decade of the 2000s.
KEYWORDS: bourgeoisie; bourgeois fractions; neo-liberalism; Lula Government; entrepreneurial
class;
* * *

260
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 267-271 JUN. 2007

ETAT ET BOURGEOISIE DANS LE MODÈLE NÉO-LIBÉRAL BRÉSILIEN


Armando Boito Jr.
L’article, produit d’une recherche qui est en cours, cherche à effectuer une analyse qui a été assez
délaissée au Brésil et reprend une tradition de la sociologie et de la science politique brésiliennes,
tradition issue des années 1960 et 1970. L’auteur essaye d’examiner les intérêts des fractions de la
bourgeoisie brésilienne qui agissent en fractions distinctes dans le processus politique national, ainsi
que les relations de ces intérêts et la politique d’État. Sont également examinés les conflits entre ces
fractions bourgeoises et les relations qu’elles entretiennent avec l’impérialisme et le champ des
classes populaires puisqu’il s’agit des fractions bourgeoises d’un pays dépendant. Au moyen d’une
approche initiale, l’article se reporte ausssi au changement dans la hiérarchie du pouvoir bourgeois,
c’est-à-dire au changement survenu à l’intérieur du bloc au pouvoir, pendant les mandats du président
Luis Ignácio Lula da Silva. Selon l’hypothèse formulée, une nouvelle vague d’internationalisation du
capitalisme dépendant brésilien n’a pas empêché qu’un secteur très fort de la bourgeoisie interne
agisse toujours et ait une position plus favorable au sein du bloc au pouvoir au long des années 2000.
MOTS-CLÉS: bourgeoisie; fractions bourgeoises; néo-libéralisme; Gourvernement Lula;
entrepreneurs.
* * *

268

Вам также может понравиться