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Existem

mais
estados
entre o sólido
e o líquido
S
compõe o universo conhecido. Quando

comparamos um belo cristal de quartzo,

com suas facetas planas, pontas bem

definidas, luz de diferentes cores refleti-

das, e um pedaço de vidro ou madeira,

reconhecemos que deve haver alguma

e indagássemos a estu- diferença entre eles, apesar de todos serem

dantes universitários em sólidos. Poderíamos aplicar esse mesmo

quais estados físicos a ma- tipo de raciocínio para os líquidos e veri-

téria pode se apresentar ficaríamos que lá também há diferenças

na natureza obteríamos fundamentais entre alguns deles.

provavelmente, em sua quase totalidade, Para poder detalhar mais essas questões

a resposta: “Os estados físicos são o só- e colocar a discussão num contexto cientí-

lido, o líquido e o gasoso”. Apesar de essa fico, vamos introduzir alguns conceitos

classificação dar a impressão de englobar que nos serão úteis no decorrer deste

todos os materiais com os quais temos texto. O primeiro desses conceitos é a

algum tipo de contato, ela não evidencia noção de ordem. Em um sólido cristalino

a riqueza da estrutura da matéria que (o exemplo do cristal de quartzo), as suas

do que supõe ANTÔNIO MARTINS


FIGUEIREDO NETO

a nossa
é professor do Instituto de
Física da USP.

vã filosofia:
os cristais
líquidos
ANTÔNIO MARTINS FIGUEIREDO NETO
unidades básicas apresentam ordenamento Reinitzer teve uma posição cética em relação
translacional de longo alcance, com os à sua descoberta, imaginando tratar-se de
centros de massa dos átomos ou moléculas material de baixa pureza química. Assim,
localizados em uma rede cristalina. Em al- solicitou ao físico e cristalógrafo alemão
guns casos, essas unidades básicas podem Otto Lehmann, que trabalhava em Aachen
apresentar também ordem orientacional. (atualmente Karlsruhe) (Lehmann, 1989),
Em um líquido isotrópico (como a água à que examinasse com mais cuidado aquelas
temperatura ambiente), as unidades básicas propriedades dos derivados do colesterol,
não apresentam ordem translacional e ro- especialmente no que se referia à pureza
tacional de longo alcance. Entre esses dois dos materiais. A conclusão de Lehmann foi
casos limites em termos de ordenamento das que as observações de Reinitzer estavam
unidades básicas existem outras situações absolutamente corretas. Lehmann propõe
intermediárias. então o termo cristal líquido para esse es-
No caso dos cristais plásticos, as suas tado intermediário em que a matéria pode
unidades básicas (em geral moléculas com a se apresentar entre o sólido cristalino e o
forma de glóbulos) estão localizadas em uma líquido isotrópico. A denominação procura
rede, entretanto, sem ordem orientacional. condensar em um termo a característica
No caso dos cristais líquidos (De Gennes desses materiais que apresentam proprie-
& Prost, 1993; Figueiredo Neto & Salinas, dades tanto de líquidos isotrópicos quanto
2005), as suas unidades básicas possuem de sólidos cristalinos.
ordem orientacional de longo alcance (não No início do século XX o célebre cris-
havendo redes cristalinas presentes) e, em talógrafo francês Georges Friedel (1922)
alguns casos, ordem posicional ao longo propõe a denominação de mesofases para
de algumas direções no espaço. Vamos nos os então conhecidos cristais líquidos, clas-
concentrar neste texto nos cristais líquidos. sificando-os como uma nova fase em que
Eles fluem como um líquido isotrópico e a matéria pode se apresentar na natureza.
apresentam algumas características ópticas Assim, os cristais líquidos são também
próprias dos sólidos cristalinos. A primeira denominados estados mesomórficos da
observação de um material desse tipo foi matéria. Entretanto, o termo cristal líquido
comunicada à comunidade científica pelo prevaleceu e assim são denominados esses
botânico austríaco Friedrich Reinitzer em estados mesomórficos da matéria.
1888 (Reinitzer, 1988, 1989), que trabalhava Desde então esses materiais têm sido
na German University em Praga. Reinitzer extensivamente estudados tanto do ponto
observou no microscópio óptico que alguns de vista da ciência básica quanto das suas
derivados do colesterol (no caso, o acetato inúmeras aplicações tecnológicas. As suas
e o benzoato de colesterila) apresentavam, propriedades eletroópticas possibilitaram a
entre os estados líquido isotrópico (a alta utilização dos cristais líquidos em disposi-
temperatura) e sólido cristalino, um aspecto tivos mostradores em muitos equipamentos
de “fluido leitoso” não transparente. Inter- presentes em nosso cotidiano (telefones ce-
pretou essa propriedade como evidência lulares, painéis, monitores de computador,
da existência de dois pontos de fusão do relógios, etc.).
sólido cristalino: o primeiro, no qual o Os cristais líquidos são classificados em
sólido transitava para um fluido de aspecto duas grandes famílias, a dos termotrópi-
leitoso, e o segundo, no qual esse fluido se cos e a dos liotrópicos, dependendo dos
transformava em um líquido transparente. parâmetros físico-químicos responsáveis
Além disso, observou que aquele fluido de pelas transições entre as diferentes fases
aspecto leitoso refletia seletivamente a luz, líquido-cristalinas.
isto é, a luz branca, ao incidir nesse fluido, Nos cristais líquidos termotrópicos (De
refletia luz de diferentes cores. Chamou a Gennes & Prost, 1993), as unidades básicas
isso fenômeno das cores, que havia sido ob- são moléculas que apresentam alta aniso-
servado em sólidos cristalinos. Inicialmente tropia de forma (por exemplo, as formas

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de bastão, disco ou mesmo de “banana”) tação e na indústria petrolífera (Figueiredo
e as transições entre as diferentes fases Neto & Salinas, 2005).
líquido-cristalinas ocorrem por variações Como a água está presente na maioria
da temperatura e da pressão do material. dos cristais líquidos liotrópicos, o compor-
Além de substâncias puras, misturas de tamento das diferentes moléculas presentes
moléculas também podem originar cristais na mistura com relação às moléculas de
líquidos. Os termotrópicos são largamente água assume um papel de fundamental
utilizados em dispositivos mostradores de importância na estabilidade das estruturas
baixo consumo de energia. auto-organizadas. No campo dos fluidos
Os liotrópicos (Figueiredo Neto & complexos e supermoleculares os conceitos
Salinas, 2005), por sua vez, são misturas de hidrofóbico e hidrofílico se referem à
de moléculas anfifílicas e solventes, em afinidade de uma dada molécula em relação
determinadas condições de temperatura à molécula de água, que possui um dipolo
e concentrações relativas dos seus com- elétrico permanente. A interação inter-
ponentes. As propriedades mesomórficas molecular é, principalmente, de natureza
dessas misturas mudam com a temperatura, elétrica. Do ponto de vista da interação
pressão e concentrações relativas dos com- dipolo-dipolo, moléculas (ou mesmo partes
ponentes da mistura. As moléculas anfifí- das moléculas) com características similares
licas (Figura 1) têm como característica a tendem a se agrupar. É por isso que sub-
presença, na mesma molécula, de regiões stâncias polares e iônicas são facilmente
com propriedades elétricas distintas: uma solúveis na água, enquanto substâncias
região fortemente polar e outra apolar. Uma não-polares ou apolares (como a parafina,
importante característica dos liotrópicos é graxas e gorduras) não se solubilizam em
a auto-agregação das moléculas anfifílicas água. Uma experiência do nosso dia-a-dia
em estruturas chamadas supermoleculares, pode facilmente ilustrar os conceitos aqui
que se tornarão as unidades básicas dos tratados. Quando uma pessoa tem graxa
cristais líquidos liotrópicos. A agregação (que é basicamente um material composto
molecular acontece quando a concentração por moléculas sem dipolos elétricos per-
de moléculas anfifílicas atinge um valor manentes) espalhada nas mãos, sabe muito
crítico denominado concentração micelar bem que, se tentar lavá-las apenas com
crítica (cmc). Muito embora não existam água (molécula polar), não terá sucesso.
muitos dispositivos tecnológicos que utili- A graxa vai se espalhar mais ainda pelas
zem liotrópicos, suas propriedades físico- mãos. Entretanto, se a pessoa utilizar al-
químicas têm uma importante interface gumas gotas de detergente além da água
com sistemas biológicos. Além disso, o e esfregar as mãos, poderá se ver livre
estudo de suas propriedades tem possibili- da graxa. O “aparente mistério” pode ser
tado significativos avanços em aspectos facilmente compreendido se analisarmos
tecnológicos presentes nas indústrias de as propriedades elétricas da molécula do
cosméticos, sabões e detergentes, alimen- detergente: ela é uma molécula anfifílica!
Assim, quando a graxa é misturada com o
detergente e a água, ao esfregarmos as mãos,
FIGURA 1 superestruturas moleculares são formadas
pelas moléculas do detergente e a graxa vai
se acomodar nas regiões apolares internas
dessas superestruturas. As regiões polares
dessas estruturas ficam em contato com a
água, que pode, então, carregá-las para longe
das mãos. Alguns tipos dessas superestru-
turas serão discutidos a seguir.
Molécula anfifílica do decilsulfato Os cristais líquidos liotrópicos podem
de sódio. ser agrupados em três categorias:

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a) sistemas micelares, nos quais as corpos. Fenômenos de auto-organização
unidades básicas são as micelas. Micelas e seus efeitos na estrutura supermolecular
são agregados moleculares de pequena e nas propriedades macroscópicas desses
anisotropia de forma (tipicamente 1:2 em materiais permitem uma grande interface
dimensões lineares), com dimensões típicas entre as investigações científicas nessa
de 10 nm (1 nm = 10-9 metros). Um exemplo área feitas na academia e as aplicações
poderia ser uma bola de futebol americano tecnológicas.
(Figura 2a); Uma característica dos problemas em
b) sistemas com agregados molecula- praticamente todas as áreas do conhecimen-
res de grande anisotropia, tipicamente da to no mundo contemporâneo, em particular
ordem de 1:100 em termos de dimensões no estudo dos cristais líquidos, é a chamada
lineares. Um exemplo poderia ser um cilin- multidisciplinaridade, que não pode ser
dro de comprimento longo comparado com confundida com interdisciplinaridade. Mui-
o diâmetro da secção transversal ao seu tos dos problemas que são colocados aos
eixo (Figura 2b); pesquisadores de uma determinada ciência
c) sistemas bicontínuos, em que as da natureza, hoje, são multifacetários,
moléculas anfifílicas se agregam em estrutu- necessitando uma abordagem múltipla e
ras tridimensionais contínuas em dimensões diferenciada desde a sua formulação cor-
maiores do que 103 nm (Figura 2c). reta, posterior investigação e obtenção das
Os cristais líquidos fazem parte de uma conclusões finais. Essa é a característica da
categoria de materiais denominados fluidos pesquisa em fluidos complexos.
complexos (fluidos supermoleculares ou
não-convencionais). No campo da física da
matéria condensada, o estudo desses flui-
dos se constitui num ramo que possibilita AS ESTRUTURAS DAS FASES
a obtenção de informações extremamente
interessantes sobre a estrutura da matéria LÍQUIDO-CRISTALINAS
do ponto de vista fundamental. Em termos
da pesquisa em ciência básica, técnicas O estado líquido-cristalino da matéria
usualmente empregadas no campo da físico- pode apresentar diferentes estruturas nas
química da matéria condensada podem ser quais as suas unidade básicas se organizam
empregadas para se investigar comporta- no espaço. Vamos descrever aqui algumas
mentos coletivos de sistemas de muitos dessas estruturas mais comumente encon-
tradas na natureza: a nemática, a esmética
FIGURA 2 e a colestérica. As estruturas caracterizam a
particular fase na qual o material se encontra.
Vamos considerar aqui, por simplicidade,
que as unidades básicas sejam moléculas
anisotrópicas representadas por bastões.
Variações de parâmetros físico-químicos
como temperatura, pressão e concentração
relativa dos componentes podem provocar
transições entre as diferentes fases líquido-
cristalinas.
Na fase nemática uniaxial (existe tam-
(a) (b) (c)
bém uma fase nemática biaxial observada
nos cristais líquidos liotrópicos, à qual
Agregados de moléculas anfifílicas em água. voltaremos mais adiante neste texto) os
Em vermelho estão representadas as regiões polares. centros de massa dos bastões estão posi-
(a) micela; (b) agregados de grande anisotropia de cionados no espaço como um líquido
forma; (c) agregados bicontínuos. isotrópico, entretanto, os eixos dos bastões

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apresentam ordem orientacional de longo
FIGURA 3
alcance (Figura 3). Os eixos dos bastões
estão aproximadamente paralelos entre si
e paralelos à direção definida pelo vetor
n, denominado diretor da fase ou eixo de
simetria uniaxial. Um filme fino (da ordem
de 200 micrômetros) de um cristal líquido
na fase nemática, quando observado num
microscópio de luz polarizada, apresenta
uma imagem denominada textura. O filme
de cristal líquido é colocado entre polariza-
dores lineares cruzados, isto é, com seus
eixos de polarização da luz ortogonais entre
si. Se estivéssemos observando um líquido Estrutura da fase nemática uniaxial.
isotrópico e não um cristal líquido, não
haveria imagem observada, mas sim um em que existe uma ordem do tipo nemática
campo escuro na ocular do microscópio. e, de um plano para outro, o diretor realiza
Isso porque a luz é inicialmente polarizada uma torção, formando uma estrutura do tipo
linearmente segundo uma direção e, ao helicoidal (Figura 5).
atravessar o líquido isotrópico, não tem o O passo da hélice (P) é definido como a
plano de polarização alterado, atingindo o distância perpendicular aos planos nemáti-
outro polarizador linear com seu eixo de cos na qual as moléculas, representadas
polarização ortogonal ao anterior. Isso faz pelos elipsóides cor laranja, giram 360o.
com que não haja luz a ser observada na Na fase esmética A (Figura 6), as uni-
saída da ocular do microscópio. Entretanto, dades básicas, representadas por elipsóides
como o cristal líquido é um fluido complexo na figura, estão estruturadas em camadas
anisotrópico, ocorre o fenômeno da dupla denominadas planos esméticos, com os
refração e, após atravessar o cristal líquido, eixos dos elipsóides orientados (em média)
há uma modificação no plano de polarização perpendiculares a esses planos. Outras
da luz originalmente incidente e observa- estruturas esméticas foram observadas,
mos a textura dessa mesofase. Na Figura como a esmética C (Figura 7) na qual os
4 apresentamos uma textura típica de uma eixos dos elipsóides em cada camada estão
mesofase nemática uniaxial não homoge-
neamente orientada. As cores observadas FIGURA 4
vêm da interferência entre os raios de luz
ordinário e extraordinário que são oriundos
do fenômeno da dupla refração da luz in-
cidente no cristal líquido. Como a amostra
não se encontra uniformemente orientada
no espaço, há singularidades topológicas
do diretor, denominadas defeitos.
Além da fase nemática uniaxial foi ob-
servada nos sistemas liotrópicos uma fase
nemática biaxial. Sua característica espe-
tacular é possuir três índices de refração
diferentes, dependendo de como o campo
elétrico da luz que atinge esse material está
orientado em relação aos eixos ópticos do
cristal líquido. Textura da fase nemática uniaxial. Filme líquido-
No caso da fase colestérica, as unidades cristalino de 200 micrômetros de espessura entre
básicas se organizam em planos superpostos polarizadores lineares cruzados.

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inclinados (em média) de um determinado
FIGURA 5
ângulo (θ) em relação à normal aos planos
esméticos, representados pelo vetor A na
Figura 7. Foram identificados, no total, 12
tipos diferentes de fases esméticas: E, H,
K, B, G, J, Bhex, F, I, A , C e O.

Até aqui apresentamos apenas estruturas


formadas por unidades básicas (aglomera-
dos de moléculas no caso dos liotrópicos
ou moléculas individuais no caso dos
termotrópicos) com a forma de bastões ou
elipsóides prolatos. Outros tipos de unidades
básicas com a forma de disco, ou elipsóide
oblato, também formam estruturas de me- Estrutura da fase colestérica.
sofases líquido-cristalinas. Um exemplo
de estrutura está descrito na Figura 8, em FIGURA 6
que moléculas com a forma de disco se or-
ganizam em colunas, dando origem a uma
fase colunar. Essas colunas de moléculas
podem apresentar uma ordem posicional
de médio alcance (hexagonal, retangular,
oblíqua, etc.) no plano perpendicular aos
eixos das colunas.
Nos últimos anos, um grande número de
estruturas características de fases líquido-
Estrutura da fase esmética A.
cristalinas foi encontrado. Elas são criti-
camente dependentes do tipo de molécula,
suas características elétricas e anisotropia FIGURA 7
de forma. Um exemplo de molécula com
simetria discótica é apresentado na Figura
9. Um outro tipo de molécula que também
apresenta estruturas típicas de cristais
líquidos são as moléculas “banana” ou em
forma de arco. Na Figura 10 é apresentada
uma molécula com essa simetria.
Até o presente foram identificadas oito
fases “banana”, denominadas Bi, com i vari-
Estrutura da fase esmética C.
ando de 1 a 7 (Pelzl, Diele & Weissflog,
1999). O total de oito fases se explica porque
FIGURA 8
a fase B7 apresenta duas variantes. As fases
líquido-cristalinas observadas são dos tipos
colunar e esmética, com uma configuração
na qual as moléculas se organizam de forma
bastante peculiar. Há estruturas quirais mes-
mo sem que a molécula “banana” seja quiral!
Isso ocorre devido ao empacotamento espa-
cial desse tipo de molécula. Algumas des-
sas fases apresentam ordem polar elétrica,
constituindo-se assim em cristais líquidos
ferroelétricos. Essa propriedade os qualifica Estrutura de uma fase colunar.

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para potenciais aplicações tecnológicas em
FIGURA 9
mostradores uma vez que suas propriedades
ópticas são criticamente dependentes do
acoplamento do momento de dipolo elétrico
da molécula com o campo elétrico aplicado.
A dificuldade ainda presente é que essa fase
possui uma elevada viscosidade e ocorre a
altas temperaturas (normalmente, superiores
a 100oC), tornando não confortável a sua
utilização. Há esforços dirigidos atualmente
em investigar as propriedades eletroópticas
dessas mesofases ferroelétricas misturando
às moléculas “banana” solventes apolares. Molécula com simetria discótica.
Resultados recentes (Huang et al., 2002) já R representa radicais,
revelaram que as temperaturas nas quais as normalmente flexíveis.
fases ferroelétricas são estabilizadas foram re-
duzidas com o acréscimo do solvente, sem que duzida, por exemplo, por uma bateria de
tenha havido mudança significativa no valor relógio de pulso), e na região esquerda não
da polarização ferroelétrica do material. há a aplicação dessa diferença de potencial.
Como já dissemos anteriormente, os Vejamos o que ocorre na região esquerda
efeitos eletroópticos dos cristais líquidos são da Figura 11. Como não há nenhum campo
espetaculares e possibilitaram sua utilização elétrico aplicado nos eletrodos, o arranjo
em um grande número de dispositivos, em se mantém nemático torcido e o plano de
particular os mostradores. Schadt e Helfrich polarização da luz segue adiabaticamente as
(1971) comunicaram a realização de um moléculas do cristal líquido e, ao sair pelo
mostrador no qual um arranjo nemático segundo eletrodo, a luz está polarizada numa
era “torcido” mecanicamente entre duas direção ortogonal à polarização de entrada
lâminas de vidro tratadas. Na Figura 11 da luz. Em outras palavras, a direção do vetor
apresentamos um esquema da cela proposta campo elétrico da luz incidente no cristal
por Schadt e Helfrich. Um filme de cristal líquido segue a orientação dos eixos maio-
líquido na fase nemática é colocado entre res dos elipsóides que representam as suas
dois eletrodos semitransparentes nos quais é moléculas. Como o polarizador localizado
feito um particular tratamento de superfície. acima da figura está orientado perpendicu-
Esse tratamento é tal que as moléculas do larmente ao polarizador de entrada, a luz
cristal líquido localizadas próximo às super- consegue passar pelo dispositivo e temos um
fícies são ancoradas com os eixos maiores campo claro. Na parte da direita da Figura
dos elipsóides no plano dos eletrodos. 11, onde é aplicada a diferença de potencial
Entretanto, as orientações das moléculas entre os eletrodos, surge um campo elétrico
nos eletrodos superior e inferior não são as que vai atuar sob as moléculas do cristal
mesmas, sendo ortogonais entre si. Nessa líquido. Na presença desse campo elétrico
situação, as moléculas entre os dois eletro-
dos assumem um ordenamento nemático
FIGURA 10
torcido, equivalente ao de um colestérico.
A seta vermelha na parte inferior da Figura
11 representa a luz entrando no dispositivo,
sendo polarizada linearmente.
Para facilitar a compreensão do mecanis-
mo eletroóptico do dispositivo, representamos
na Figura 11 duas regiões distintas. Na região
à direita, os eletrodos estão submetidos a
uma diferença de potencial de 4 volts (pro- Molécula com a simetria de “banana”.

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as moléculas se orientam com o eixo maior de relógios digitais, não há fonte de luz
do elipsóide paralelamente ao campo. O incidente própria no dispositivo, utilizando
arranjo inicialmente torcido é desfeito e as a luz do ambiente externo. Nesse caso, a
moléculas se organizam todas com seus luz externa incide num espelho refletor
eixos maiores paralelos entre si, como em localizado na parte interna inferior do
um nemático usual. dispositivo e é polarizada por reflexão. O
A luz incidente no cristal líquido agora espelho cumpre o papel da nossa fonte de
encontra um arranjo homogeneamente luz incidente mostrada na parte inferior da
orientado com as moléculas alinhadas para- Figura 11. Assim, não há nem mesmo a
lelamente à direção de propagação da luz. necessidade de se colocar uma fonte de luz
Nessa situação o plano de polarização da luz própria em muitos dispositivos, que neces-
incidente não é girado e atinge o polarizador sitaria de energia para ser gerada. Essa é
superior orientado perpendicularmente à uma das razões por que os mostradores de
sua direção de polarização. Nessa situação cristal líquido consomem tão pouca energia
a luz não consegue sair do dispositivo e e são tão eficientes.
teremos um campo escuro. Assim, apenas Alguns dos problemas encontrados pelos
com a aplicação dessa baixa voltagem, físicos, químicos e tecnólogos no início
conseguimos fazer com que a luz atravesse da confecção desses mostradores eram o
ou não o dispositivo. Na região à direita ângulo de visada, ou de observação, e o
da figura, quando o campo elétrico deixa contraste entre uma região clara e outra
de ser aplicado, a organização molecular escura. No caso dos primeiros mostradores,
volta à situação anterior e temos nova- se o observador não se colocasse muito
mente o arranjo nemático torcido. O tempo próximo da direção de propagação da luz,
de resposta do cristal líquido ao estímulo ficaria muito difícil a leitura correta da in-
elétrico, tanto na situação em que o campo formação. Com o desenvolvimento de novas
elétrico é aplicado quanto ao ser desligado, técnicas de acondicionamento do filme de
deve ser pequeno comparado à percepção cristal líquido e confecção do dispositivo,
do observador. Ele depende criticamente esses problemas hoje estão praticamente re-
do tipo de molécula que constitui o cristal solvidos. Uma das configurações utilizadas
líquido e outros fatores como, por exemplo, para melhorar a eficiência do mostrador é
a viscosidade do meio líquido cristalino. a do nemático supertorcido. Enquanto no
Em muitos dispositivos monocromáti- caso do nemático torcido o eixo maior das
cos como, por exemplo, os mostradores moléculas girava de 90o de uma superfície
a outra dos eletrodos, no supertorcido a ro-
tação chega a 270o. Essa rotação extra dá ao
FIGURA 11 cristal líquido uma resposta mais eficiente
tanto no que se refere ao contraste (para
uma mesma diferença de potencial aplicada)
quanto ao ângulo de visada.
Do ponto de vista da física básica, os
cristais líquidos se constituem em sistemas
extremamente interessantes para o estudo
das transições de fase. Uma das teorias
mais utilizadas na descrição das transições
entre as diferentes fases líquido-cristalinas
é a chamada teoria de Landau-De Gennes
(De Gennes & Prost, 1993; Stanley, 1971).
Esta é genuinamente uma teoria de campo
médio. O enfoque se baseia na definição
Dispositivo óptico de transmissão de luz a base de de um parâmetro de ordem que possui as
cristal líquido. características de cada uma das possíveis

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fases nas quais o sistema pode se apresentar. temperatura. Esse fato traz, por um lado,
Vejamos o caso específico, e mais simples, um complicador para o problema mas, por
da transição entre a fase nemática e a fase outro, reconstrói o diagrama de fases ini-
isotrópica em cristais líquidos termotrópi- cial, introduzindo novas possibilidades até
cos, em função da variação da temperatura. então não contempladas na situação anterior
O parâmetro de ordem conveniente para esse (Figueiredo Neto & Salinas, 2005).
tipo de situação é um tensor simétrico de Finalmente vale a pena ressaltar que,
traço nulo, representado por Q. A energia- com o avanço da engenharia molecular,
E
livre é então escrita em termos de uma série novas geometrias são conseguidas e novas
de potências dos invariantes desse tensor, fases líquido-cristalinas têm sido encon-
que são Tr Q2 e Tr Q3, representando os tradas. Uma das mais interessantes é a dos
E
E

traços do quadrado e do cubo do tensor, cristais líquidos cromônicos (Lydon, 1998).


respectivamente. A energia-livre assim As moléculas que constituem esse tipo de
escrita traz embutida a informação sobre mesofase são do tipo discótica, rígidas, com
as simetrias das diferentes fases envolvi- anéis aromáticos. As regiões polares se lo-
das. O procedimento padrão para se obter calizam nas bordas da molécula, tornando-a
o diagrama das fases que são compatíveis solúvel em água. Os grupos polares locali-
com essas simetrias consiste em minimizar zados na periferia se ionizam na presença
a energia-livre e procurar identificar regiões da água, deixando a molécula eletricamente
onde determinadas fases são estáveis. Com carregada. Ao mesmo tempo, o centro da
isso, o comportamento dos invariantes do molécula é hidrofóbico. Para minimizar
parâmetro de ordem é determinado nas o contato do centro das moléculas com a
vizinhanças das transições de fase. Esse água, aquelas se empilham em estruturas
comportamento nos fornece informações do tipo colunar, sem que haja um tamanho
preciosas sobre o comportamento mi- definido para essas colunas.
croscópico das moléculas em situações de Novas misturas de diferentes moléculas
iminência da transição de fase. com propriedades elétricas distintas e for-
No caso dos liotrópicos a situação é um mas exóticas têm mostrado que a estrutura
pouco mais complicada pois a consideração da matéria ainda nos reserva surpresas.
de traço nulo para o tensor parâmetro de É certo que os físicos e químicos ainda
ordem não pode ser trivialmente feita. Isso têm um imenso e fascinante universo a
porque as micelas presentes nos cristais investigar dentro do aparente estreito es-
líquidos liotrópicos mudam suas dimensões, paço entre o sólido cristalino e o líquido
no interior da mesma fase, como função da isotrópico.

BIBLIOGRAFIA

DE GENNES, P. G.; PROST, J. The Physics of Liquid Crystals. Oxford, Clarendon Press, 1993.
FIGUEIREDO NETO, A. M.; SALINAS, S. R. A. The Physics of Lyotropic Liquid Crystals: Phase Transitions and Structural
Properties. Oxford, Clarendon Press, 2005.
FRIEDEL, G. Annales de Physique, 18, 273, 1922.
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