Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Percebo toda uma arquitetura de linhas. Elas sustentam um tônus que se ergue no
vazio e no vazio se mantém em suspenso, para fazer outros dobramentos. A cada
movimento ele entrava noutra posição e a mantinha formando uma escultura viva,
feita de linhas intensivas.
Explico o que entendo por linhas intensivas. Mais proximamente, um outro corpo
contrasta totalmente com esse que toma o meu foco. É um jovem deitado sobre o
banco da praça, de calça jeans, camisa, tênis e boné, que recosta a cabeça na mochila
e consulta um celular. Há nesse corpo um estado largado, relaxado, apesar de
articuladamente atento ao entorno. As linhas de intensidade não passam ali. Não há
uma arquitetura que respira sua própria vida. Observo igualmente outros corpos nessa
situação: meio que abandonados, meio que a espera do que não vem ou nunca poderá
vir, meio que desistidos ou ainda insistindo em algo que, no entanto os fez parar ali.
Sim, há um intenso a percorrer alguns desses corpos. Mas de outra ordem: corpos
boiando num mar de náufragos, exauridos, meio que desistidos. O do jovem com o
celular e outros em situação similar mostram o contrário disso: os seus interesses e
ocupações não o deixam entre a uma vaga - ou ao vago, para lembrar Fernand Deligny
e suas observações sobre as linhas de errância das crianças autistas.
Ainda assim alguns corpos formam isso que eu penso ser uma arquitetura de linhas
intensivas. Volto-me ao jovem que se cobria e se descobria com o seu cobertor e me
pergunto para ele olha quando se ergue. Que terras longínquas avista ou que
interlocutor lhe faz companhia sem que eu possa vê-los. Tive a impressão, depois, que
me percebia, dado que eu o percebia também... Por isso, desfiz meu olhar, retomando
um enquadramento mais amplo da Praça repleta de pessoas em situação de rua. Um
número cada vez mais crescente nos últimos tempos. Deixando que o meu olhar
flutuasse um pouco, sem focar demoradamente aqui ou lá, até dar a hora de ir para o
meu compromisso ali perto. Com a minha memória tomada pelo intenso dessas linhas
que compõem uma poiesis do corpo.
Para onde