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Ainda não são nove horas da manhã, na Praça Rui Barbosa (Praça da Estação), em Belo

Horizonte. Imerso na questão das linhas de composição, observo o entorno e procuro


me observar nesse ato de observação. Deixo de lado as linhas arquitetônicas, os
movimentos perfilados dos transeuntes que saem massivamente da estação dos trens
urbanos, para me deter nos corpos ali entregues ao vago.

Venho constatando nos últimos anos o número crescente de pessoas em situação de


rua. Somente ali nesse lugar, percebo mais de uma centena. Alguns dormiram ali,
outros provavelmente passaram a noite em um abrigo municipal que não fica longe
dali. Há pequenos agrupamentos, onde alguma coisa é compartilhada: das conversas à
garrafa com cachaça. Outra parte, de indivíduos aparentemente solitários, se espalha
pelos bancos, muitos ainda deitados, cada um com seu cobertor.

Nesse rastreamento, meu olhar se detêm por um momento sobre o corpo de um


jovem negro, meio que habitando um espaço entre o deitar e o erguer, com os pés no
banco de cimento da praça, os joelhos dobrados, um dos braço às vezes acenando a
algo tão distante quanto próximo, e o outro a manipular o cobertor. Como uma
pessoa que estando deitado tem de se sentar um pouco para dizer algo a
alguém, ajeitando a coberta a essa nova posição, para logo em seguida deitar-se de
volta, retomando o estado de quietude. Que nesse caso dura pouco. O movimento se
reitera diversas vezes, num fraseado de imagens corporais. Ele tem o dorso nu, está
descalço e se veste com um calção ou bermuda de cor verde.

Percebo toda uma arquitetura de linhas. Elas sustentam um tônus que se ergue no
vazio e no vazio se mantém em suspenso, para fazer outros dobramentos. A cada
movimento ele entrava noutra posição e a mantinha formando uma escultura viva,
feita de linhas intensivas.

Explico o que entendo por linhas intensivas. Mais proximamente, um outro corpo
contrasta totalmente com esse que toma o meu foco. É um jovem deitado sobre o
banco da praça, de calça jeans, camisa, tênis e boné, que recosta a cabeça na mochila
e consulta um celular. Há nesse corpo um estado largado, relaxado, apesar de
articuladamente atento ao entorno. As linhas de intensidade não passam ali. Não há
uma arquitetura que respira sua própria vida. Observo igualmente outros corpos nessa
situação: meio que abandonados, meio que a espera do que não vem ou nunca poderá
vir, meio que desistidos ou ainda insistindo em algo que, no entanto os fez parar ali.
Sim, há um intenso a percorrer alguns desses corpos. Mas de outra ordem: corpos
boiando num mar de náufragos, exauridos, meio que desistidos. O do jovem com o
celular e outros em situação similar mostram o contrário disso: os seus interesses e
ocupações não o deixam entre a uma vaga - ou ao vago, para lembrar Fernand Deligny
e suas observações sobre as linhas de errância das crianças autistas.

Ainda assim alguns corpos formam isso que eu penso ser uma arquitetura de linhas
intensivas. Volto-me ao jovem que se cobria e se descobria com o seu cobertor e me
pergunto para ele olha quando se ergue. Que terras longínquas avista ou que
interlocutor lhe faz companhia sem que eu possa vê-los. Tive a impressão, depois, que
me percebia, dado que eu o percebia também... Por isso, desfiz meu olhar, retomando
um enquadramento mais amplo da Praça repleta de pessoas em situação de rua. Um
número cada vez mais crescente nos últimos tempos. Deixando que o meu olhar
flutuasse um pouco, sem focar demoradamente aqui ou lá, até dar a hora de ir para o
meu compromisso ali perto. Com a minha memória tomada pelo intenso dessas linhas
que compõem uma poiesis do corpo.

Lembro-me aqui da concepção de Gilles Deleuze e Félix Guattari ( O que é filosofia?)


sobre a arte como um monumento.

Para onde

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