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Introdução
1
De fato os bons manuais de metodologia em Ciências Sociais tratam mais das
especificidades das técnicas e menos da distinção metodológica o que vai ao encontro de
nossos argumentos. Este é o caso, por exemplo, de MANN, 1970.
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Sobre esta discussão ver: LEITE, Fernando Baptista. Posições e divisões na Ciência
Política brasileira contemporânea: explicando sua produção acadêmica. Revista Sociologia e
3
divergência, e isso em todas as áreas do conhecimento científico, das ciências
experimentais às indutivas, que permite o avanço das formas de conhecer e
porque não dizer do próprio conhecimento. Assim, se não está facultado a
todos os participantes da área, por diferenças metodológicas, divergir é porque
algo de mais fundamental e teórico e não meramente metodológico não está
avançando no sentido do conhecimento, mas sim tão simplesmente no sentido
da especialização.
O problema é de ensino. Em sala de aula a expressão, sobremaneira
conhecida e comumente utilizada pelos docentes para distinguir os dois tipos
de abordagem é a seguinte: “utilizamos métodos e técnicas de pesquisa
qualitativa quando queremos saber muito sobre pouco e utilizamos métodos e
técnicas quantitativas quando queremos saber pouco sobre muito”. Didática e
elucidativa a expressão, no entanto, não resolve um problema importante, pois
o objeto em Ciências Sociais - excetuando as pesquisas de tipo bibliográfico
e/ou de análise de conteúdo cujos resultados independem da assim chamada
pesquisa de campo e são apresentados, via de regra, em ensaios
independentes de relatórios de pesquisa - é feito da mesma substância:
atitudes e comportamentos de seres humanos3. Independentemente de se
gravar em áudio para posterior transcrição o que diz o entrevistado objeto da
pesquisa, ou coletar suas opiniões por meio de listas pré-codificadas
assinaladas em um formulário de pesquisa, o que se está coletando são as
atitudes e comportamentos de outrem, público-alvo do estudo, que são
entrevistados ou observados selecionados intencional ou aleatoriamente para
arrecadar material empírico que possa ser posteriormente analisado a guisa de
fomentar análises, considerações e argumentos elaborados anteriormente nos
objetivos e problemas da pesquisa. Se há, portanto, divergências
metodológicas entre os alhures exemplos citados - de culturalistas e neo-
institucionalistas - estas divergências não passam de discordâncias
Política, v.18, n.39, Curitiba, 2010, p.149-82. E também: PERES, Paulo Sérgio.
Comportamento ou instituições? A evolução histórica do neo-institucionalismo da ciência
política. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.23, n.68, out., 2008, p. 53-71.
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Não obstante, podemos argumentar que mesmo pesquisas eminentemente bibliográficas e/ou
de análise de conteúdo tem por objeto, de certo modo, a atitude e o comportamento, na medida
em que analisa algo – texto, imagem, objeto e etc. – que é resultado do comportamento e,
portanto, também da atitude de outrem.
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superficiais, pois em ambos os casos o objeto só ganha concretude no registro
daquilo que as pessoas estudadas falam e/ou pretendem fazer ou fazem.
Daí que nossa proposição vai ao encontro não da contínua distinção
entre os métodos ou, como preferimos chamar, técnicas de pesquisa, mas sim
de um alinhamento que precede a escolha da técnica a ser empregada na
coleta dos dados. Consideramos fundamental o fato de que em todos os casos
de pesquisa de campo as ciências sociais estão frente ao desafio de registrar
atitudes e comportamentos de indivíduos sejam elas resultadas de padrões ou
desvios da coletividade e, em todos os casos, é a pergunta que se faz ao
entrevistado que ativa a resposta seja esta para ser registrada em um gravador
ou em uma lista de respostas.
Mesmo no caso em que a pergunta nem sempre é revelada ao
observado – como no caso da etnografia, por exemplo – consideramos de
fundamental importância que esta esteja sendo elaborada no consciente do
pesquisador com os parâmetros indutivos que a objetividade do conhecimento
em ciências sociais requer. Esta objetividade é senão outra a de reconhecer
que as lentes de nossos microscópios estão sempre demasiado sujas por
nossas próprias atitudes e comportamentos, mas que nossos esforços devem
corresponder a uma “ordenação conceitual da realidade empírica” (WEBER,
2001, p.110) e seja empregando técnicas qualitativas ou quantitativas, pois
este não é de fato o problema, devemos aspirar que a pergunta que se faz para
obter um dado empírico seja, do ponto de vista lógico, porque é de lógica que é
feita a objetividade, correta. E “é certo que – e continuará a sê-lo – se uma
demonstração científica, metodologicamente correta no setor das ciências
sociais, pretende ter alcançado o seu fim, tem de ser aceita como sendo
correta também por um chinês” (WEBER, 2001, p.113-14).
Daí que a tarefa que primeiro se impõe é fazer os conceitos e a teoria
dialogar na consciência do pesquisador com as atitudes e comportamentos que
coleta em campo de modo que suas expressões últimas de análise possam ser
compreendidas por quem quer que seja, mesmo que o leitor último seja de
cultura diversa a do objeto estudado. Em outras palavras toda e qualquer
pergunta em Ciências Sociais, seja na feitura e realização de pesquisas do tipo
qualitativo ou quantitativo devem se preocupar antes de tudo com ‘o que se
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quer saber’ e ‘como deve ser feita a pergunta para se saber o que se pretende
saber’.
De todo modo, devemos sempre “levar em conta as dificuldades
peculiares de uma ciência que lida com os objetos familiares da experiência
diária que carregam consigo um amontoado de ambiguidades e premissas
inconscientes enraizadas na linguagem do homem da rua” (MARSHALL, 1967,
p.25) e que só a efetivação da pesquisa e prática da pergunta, pedra de toque
da objetividade em Ciências Sociais, pode resultar em avanços na pesquisa,
pois é sabido que “os métodos, como os conceitos, só podem ser
aperfeiçoados pelo uso, e devem ser constantemente revistos à luz da
experiência” (MARSHALL, 1967, p.27) e isto vale para abordagem de todo e
qualquer objeto e para qualquer que seja a técnica de pesquisa empregada.
Ainda para que se reitere o que aqui estamos afirmando vale citar que “o
pretendido conflito entre os métodos qualitativos e quantitativos precisa, pois,
ser abandonado, em favor da concepção de que estes termos meramente
representam estágios diferentes de refinamento e de objetividade em nossa
técnica de descrição.” (LUNDBERG, 1939, p.21 apud FERNANDES, 1970,
p.144)
Neste ponto se ficar claro que boa parte do problema de pesquisa está,
em todos os casos, diretamente vinculado à pergunta, então as questões de
objetividade e lógica nas ciências sociais estão facultadas a todos, sejam
estes, para ficar no nosso exemplo, culturalistas ou neo-institucionalistas e,
assim, alarga-se o campo de divergência e inflaciona-se, no sentido da
evolução, o conhecimento na área. Em nossa perspectiva é a clareza sobre o
significado dos conceitos de atitude e comportamento, bem como o
reconhecimento do caráter indutivo da sociologia que permite o alargamento do
campo de discussão sobre a coleta de dados empíricos em ciências sociais.
6
Atitude, comportamento e o caráter indutivo da sociologia
4
Para não dizer que são apenas utilizadas na psicologia vale citar algumas abordagens
sociológicas que valorizam as noções de atitude e comportamento, são elas: BERELSON;
STEINER, 1971; BICUDO, 2010; FERNANDES, 1978; NOGUERIA, 1985 e; NOGUEIRA, 2009.
Ainda sobre este aspecto convém citar trecho que Maria Laura Viveiros de Castro achou em
um exame de Oracy Nogueira de 3 de julho de 1945 onde registra “A Sociologia está
interessada, sobretudo, nas ideias, atitudes e comportamento recíproco de tais grupos (...)
[raciais no caso]” (CAVALCANTI, 2009, p.21)
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Grosso modo pode-se afirmar que os ‘fenômenos qualitativos’ só são passíveis de serem
conhecidos por meio da indução e os ‘fenômenos quantitativos’ pelo experimento. Daí a
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Neste sentido, mesmo que se lance mão de técnicas assim chamadas
quantitativas como a pesquisa de survey não se está distanciando do caráter
indutivo das ciências sociais, pois em qualquer análise de dados e frequências
numéricas de um fenômeno social “as coerências estão distribuídas no espaço
e no tempo” e assim o tratamento estatístico dos fenômenos qualitativos “não
pode ser considerado um método distinto” (FERNANDES, 1970, 140), pois
estará de um modo ou de outro baseado na comparação e/ou na história e
estará sempre se remetendo a um conjunto de ações – atitudes ou
comportamentos – de indivíduos. O mesmo vale para um relatório resultado da
aplicação de entrevistas abertas ou grupos focais. Isto nos leva a considerar
que em todos os casos o “emprego frutífero e construtivo” dos métodos sejam
os assim chamados qualitativos ou quantitativos em sociologia “depende[m],
em grande parte, do conhecimento positivo que se tiver obtido anteriormente,
em setores especiais da investigação sociológica” (FERNANDES, 1970, p.141)
e, sobretudo, da definição lógica dos conceitos fundamentais onde estarão
preservados não o sentido do que é coletado em campo, mas o sentido da
organização do que será coletado.
Em todos os casos, uma vez alinhados os conceitos lógicos com o que
se coletará em campo, em outras palavras, fazendo conversar a teoria e a
pesquisa, é que a indução se torna possível. E “um argumento indutivo afirma,
não que certo objeto de fato é assim, mas que relativamente a certa evidencia
existe uma probabilidade a seu favor” (FERNANDES, 1970, 145).
Dado o caráter indutivo da sociologia frente ao fato de que os ‘casos’ em
ciências sociais são sempre fenômenos qualitativos seja lá qual for o método
que os estude, pois dentro de uma estatística, seja ela descritiva ou inferencial
há casos e dentro de uma transcrição de entrevistas abertas há também casos,
então “não pode haver nenhuma antítese ou exclusividade mútua entre os dois
métodos” (LUNDBERG, 1939, p.49 apud FERNANDES, 1970, p.148). Em todo
caso haverá sempre “uma tendência acentuada a confundir o que deve ser
estudado com o conjunto de métodos sugeridos para seu estudo” (MILLS,
distinção clássica entre as ciências humanas que estudam os fenômenos do primeiro tipo e as
físico-químicas-naturais que estudam os fenômenos do segundo tipo. Ainda sobre o aspecto
eminentemente qualitativo do objeto nas ciências sociais ver QUEIROZ, 1992.
8
1972, p. 60) e a isso, pois o microscópio não é parte daquilo que nele se
analisa, não podemos olvidar.
Nosso argumento é que para atenuar os efeitos da tendência apontada
por Mills os conceitos de atitude e comportamento uma vez definidos podem
contribuir para a produção de enunciados em pesquisas de campo, sejam elas
tecnicamente qualitativas ou quantitativas, e realizar integração objetiva nas
formas de conhecer indutivamente os fenômenos qualitativos da sociedade.
A definição que propomos é deveras simples e objetiva, distinguir o que
é pensado do que pode ser ou foi realizado por um indivíduo. Isto porque no
que diz respeito à ação social dos indivíduos, a despeito do sentido que possa
ter, ou ela está no nível cognitivo e do estritamente pensado isto é aquilo que
diz respeito tão somente à opinião, mas não necessariamente foi de fato e
concretamente realizado ou ela é passível de realização ou já configurou algum
tipo de comportamento. Assim, propomos as seguintes definições:
Atitude - ação social de tipo cognitiva que se realiza no nível do pensado
sobre algum evento do passado, da conjuntura ou do futuro e se concretiza em
uma significação semântica. Pode ser entendida, por assim dizer, por um
propósito ou a significação de um propósito passível ou não de realização
concreta. Como exemplo, poderíamos em uma pesquisa sobre relações étnicas
checar a atitude dos entrevistados perguntando: você votaria em um candidato
negro para a presidência da república? Estaríamos, neste caso, levantando a
opinião do entrevistado independentemente de ele já ter ou não votado para
um candidato negro para presidente. Assim, a atitude não é necessariamente
uma ação social consumada de fato, mas nem por isso deixa de ser social, pois
revela uma definição de certo objeto por parte do entrevistado que concernente
ou desviante da opinião da maioria demonstra relativamente as tendências
gerais sobre um fenômeno coletivo. Como registrou Virgínia Leone Bicudo em
trabalho da década de 1940 intitulado Atitudes Raciais de Pretos e Mulatos em
São Paulo “as mudanças sociais começam com as mudanças nas atitudes
condicionadas pelos indivíduos, operando-se posteriormente mudanças nas
instituições e nos mores” (BICUDO, 2011, p.64).
Comportamento – ação social que independentemente do sentido se
realizou concretamente. Diz respeito há algo que o indivíduo fez interferindo
direta ou indiretamente em um processo ou instituição. Para ficar no exemplo
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supracitado perguntar-se-ia ao entrevistado: você votou em um candidato
negro na última eleição para presidente da república? Neste caso
independentemente do que pensa o indivíduo sobre o assunto em questão está
sendo levantada não uma expectativa ou opinião sobre um fenômeno, mas sim
sua ação concreta que, evidentemente, revela algo sobre sua atitude.6
Evidentemente que nos dois exemplos citados as questões são bastante
simples e nem sempre nos é facultado a simplicidade de enunciados frente aos
objetivos e problemas da pesquisa, mas em qualquer caso, por mais complexo
que possa ser o enunciado – embora devamos sempre tentar simplifica-lo ao
máximo – as duas lógicas são imperativas e se estabelecem ou no nível
atitudinal ou comportamental nos termos que definimos. Estas definições se
aproximam em parte de muitas definições registradas nos dicionários de
psicologia e sociologia, mas aqui tentamos algo um pouco menos abrangente e
mais objetivo que poderia ser definido na tentativa de sempre distanciar a
‘intenção’ do ‘gesto’7.
Uma vez definidos esses dois diapasões a partir dos quais os
enunciados de inquérito podem ser desenvolvidos, seja ele aplicado por meio
de técnicas qualitativas ou quantitativas, ainda não está finalizada a tarefa de
fazer conversar a teoria com a pesquisa. Os níveis de discurso, a elaboração
das questões, os termos da pesquisa deverão corresponder e ponderar o que
se está coletando em campo com aquilo que se quer ordenar conceitualmente
de acordo com a linha teórica e as especificidades do objeto. De todo modo a
principal fragilidade na apresentação dos resultados de uma pesquisa
“encontra correspondência na elaboração dos métodos e no cuidado
empregado” (MILLS, 1972, p.62) e pensamos, portanto, que as ponderações
6 Sobre as noções de atitude e comportamento ver: MESQUITA; DUARTE, 1996; SILVA, 1987;
PIERSON, 1967; BERELSON; STEINER, 1971 e FERNANDES, 1978.
7
Esta tentativa aproxima-se da proposta de Bourdieu para a compreensão do habitus do
indivíduo. Em sua definição mais simples, o habitus é a “interiorização da exterioridade e a
exteriorização da interioridade”, é a compreensão dos indivíduos de como o mundo social é
construído, qual a sua posição nele e a sua tradução em palavras e ações. A análise da prática
(do gesto) torna-se elemento fundamental, pois reúne a intenção e o gesto. O gesto é o
objetivo, a intenção, o subjetivo, e ambos, devem ser apreendidos pelo pesquisador. Por isso,
o uso de instrumentos qualitativos e quantitativos de pesquisa foram recorrentemente utilizados
por Bourdieu como forma de compreender a ação, a intenção da ação e os motivos desta
intenção. Cf. BOURDIEU, Pierre. Esboço de uma teoria da prática. In: ORTIZ, Renato (org.).
Pierre Bourdieu. São Paulo: Editora Ática, 1983. p. 46-81; BOURDIEU, Pierre. A Distinção:
crítica social do julgamento. São Paulo; Porto Alegre, RS: Edusp; RS: Zouk, 2007.
10
feitas até aqui se levadas a cabo estarão sempre voltadas ao necessário
cuidado e serão evitadas as fragilidades. Assim se “havia uma persuasão
coercitiva no famoso grito, ‘dê-nos os instrumentos e acabaremos a tarefa”.
Alguém pode ser perdoado por responder menos ansiosamente a um
intelectual, seja ele um sociólogo ou outra coisa qualquer, que diz: “dê-nos uma
tarefa e passarei o resto da vida polindo os instrumentos.” (MARSHALL, 1967,
p.26) Leia-se: dê-nos uma pesquisa de campo em sociologia e passaremos o
resto da vida pensando na pergunta que faremos aos nossos entrevistados.
A construção do questionário
11
corresponde ao enquadramento teórico da pesquisa (SIMÕES;PEREIRA,
2007).8
Todavia, apenas em um processo de avaliação do instrumento de
pesquisa, feito antes da realização do trabalho de campo, será possível
elucidar se estes recursos foram utilizados de forma a permitir que o
respondente entenda a pergunta e ao mesmo tempo possa atribuir uma
resposta objetiva e não enviesada.
Para isso, faz-se uso da realização do pré-teste, que, na concepção de
Simões e Pereira (2007), não é feito apenas para testar a validade das
perguntas, mas para verificar o entendimento destas por parte dos
entrevistados. O uso da barra de probes9 - onde são marcadas a quantidade e
os motivos pelos quais a pergunta teve de ser repetida pelo pesquisador e se
houve a necessidade de mobilização de outros recursos pelo entrevistador
para possibilitar o entendimento da pergunta - é fundamental para que a
terceira e a quarta tarefas cognitivas possam ser efetivadas, promovendo o
aperfeiçoamento do questionário para aplicação na amostra selecionada.
Este processo todo só é possível se considerar, em um primeiro
momento, recursos de ordem qualitativa, como o conhecimento do universo de
referências que compõe a vida do entrevistado, fundamental para a escolha de
palavras que possam ser entendidas no momento da entrevista, assim como o
perfil deste entrevistado, em termos de gênero, idade, orientação sexual e
religiosa, possibilitando a compreensão da aceitação de determinadas
perguntas, originalmente pensadas para compor o questionário fechado e que
podem ser modificadas para que a pergunta seja entendida, de forma que não
constranja e atinja o seu objetivo: conseguir uma resposta objetiva e
condizente com as atitudes e comportamentos do entrevistado. (BICUDO,
2010)
Queiroz (1999) diz que este processo só é captado pelo uso da pesquisa
qualitativa em etapa anterior a preparação do questionário e do campo da
pesquisa, colocando novamente a necessidade de pensarmos as técnicas de
pesquisa menos como excludentes e fundamentalmente como
8
Há, também, textos elucidativos sobre ‘como fazer perguntas’ em ciências sociais em MANN,
1970; BAQUERO, [s.d.]; BABBIE, 2003.
9
No texto de Simões e Pereira (2007) há explicação mais detalhada, bem como modelo de
uma barra de probes.
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complementares. O que o pesquisador deve ter em mente é que a técnica é
apenas o meio para se resolver o problema de pesquisa, validar a hipótese,
alcançando os objetivos propostos. Essa “associação das duas abordagens
possibilita um aprofundamento cada vez maior das facetas do objeto de
estudo” (QUEIROZ, 1992, p. 18).
Todo este processo faz com que o pesquisador se questione
constantemente e reavalie os caminhos da sua pesquisa, em termos teóricos e
práticos; avaliando sua posição em relação ao objeto, as questões de
pesquisa, ao referencial teórico escolhido, a técnica empregada, podendo,
desta forma, buscar a sua objetivação no processo de pesquisa, garantindo
maior objetividade. A escolha e emprego das técnicas de pesquisa são,
portanto, um exercício dialético, que confronta os valores do pesquisador com
os do entrevistado, com a sua posição na sociedade, refletindo sobre o que ele
espera de e para si, da e para a pesquisa, da e para a sociedade.
Tomamos como exemplo prático as pesquisas realizadas por alunos da
Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo nos anos 1940 e na
segunda década dos anos 2000. Com a chegada de Donald Pierson a esta
instituição em 1939, as técnicas de pesquisa em voga nos Estados Unidos
passaram a ser ensinadas e praticadas nos estudos desenvolvidos por um
grupo de estudantes que, posteriormente, tornaram-se referências em seus
campos de pesquisa. Na época, os estudos feitos por Virginia Leone Bicudo
(1945) e Oracy Nogueira (1942) já traziam em seus títulos a atitude como foco
de análise10. Em seu estudo, Bicudo utilizou técnicas qualitativas, com o
emprego da entrevista semi-estruturada aplicadas em homens e mulheres
negros e mulatos de duas classes sociais distintas procurando verificar a
atitude destes em relação a negros, mulatos e brancos. Já o estudo de
Nogueira partiu da análise dos anúncios de empregos publicados no jornal
Diário Popular durante o mês de dezembro de 1941, que resultou na
identificação dos anunciantes e aplicação a estes de questionário fechado.
Todavia, é no questionário utilizado por Oracy Nogueira no seu inovador estudo
10
Cf. BICUDO, Virginia Leone. Atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo. São Paulo:
Editora Sociologia e Política, 2010; NOGUEIRA, Oracy. Atitude desfavorável de alguns
anunciantes de São Paulo em relação aos empregados de cor. Sociologia, v. IV, n. 1, 1942.
13
sobre os tuberculosos, Vozes de Campos de Jordão, que podemos verificar o
emprego do que Simões e Pereira (2007) chamaram de tarefas cognitivas.
Neste estudo, Nogueira utilizou diversas técnicas de pesquisa, que
incluíram desde a observação participante e histórias de vida ao
“preenchimento de questionários/formulários em que se combinavam questões
fechadas e abertas”, mobilizando “recursos metodológicos e teóricos das
ciências sociais – na confluência da sociologia, da psicologia social e da
antropologia social” (NOGUEIRA, 2009, p. 29). O objeto de Nogueira “foi o
comportamento dos doentes declarados” (NOGUEIRA, 2009, p. 29) e como tal,
os instrumentos de coleta elaborados por ele correspondiam a este objeto.
Em um primeiro momento, Nogueira procura avaliar o comportamento
dos indivíduos antes da doença, como expressa a pergunta “Antes de ficar
doente, V.S. acreditava na cura da tuberculose”. Neste caso vê-se que a
pergunta fornece referências temporais ao entrevistado – período anterior a
doença - que lhe permite localizar em sua memória tal comportamento e
elaborar a resposta esperada pelo entrevistador, em um esforço cognitivo. Esta
pergunta é repetida mais a frente, com a diferença de que objetiva saber se o
entrevistado, já doente, acredita na cura da tuberculose. Desta forma, Nogueira
coloca as referências temporais e reafirma o seu problema de pesquisa, as
experiências sociais e psíquicas do tuberculoso, verificando se os
comportamentos dos entrevistados se mantêm quando confrontados com
diferentes situações de vida que impõe, naturalmente, novo contexto para o
comportamento.
Adiante, o autor volta-se para o comportamento do entrevistado no
período em que já está doente. A pergunta “Depois que V.S. ficou doente,
algum amigo ou conhecido evitou a sua companhia por esse motivo?”, busca
verificar como o entrevistado percebe o comportamento das pessoas próximas
a ele após a doença, em uma análise afinada com as teorias do interacionismo
simbólico11, colocando o entrevistado na posição de observador e promovendo
11
Nogueira deixa claro na Nota para a Segunda Edição que a “inspiração teórica incluía o
interacionismo de George Herbert Mead e da chamada Escola Sociológica de Chicago, cujo
principal expoente era Robert Park” (NOGUEIRA, 2009, p. 29). Ainda sobre este aspecto vale
citar: “A análise de Nogueira articula, assim, as dimensões sociais e subjetivas da doença;
desvenda as regras e hierarquias dos diferentes contextos de sua experiência; expõe os
valores e conflitos, os modos próprios de pensar, sentir e agir característicos desse mundo
segregado. O livro [Vozes de Campos do Jordão] nos faz antever a elaboração sociológica da
14
um exercício de reflexão sobre os seus valores passados e presentes dentro
de um conflito que os indivíduos estigmatizados vivem em uma sociedade
estigmatizante.
Apesar de ter um número grande de questões abertas, o que dificulta a
codificação das respostas e faz com que o questionário de Nogueira esteja
mais próximo de um questionário estruturado de entrevista, é possível avaliá-lo
como um instrumento padronizado, visto que as perguntas não são
modificadas conforme o entrevistado e, em muitos casos, foi auto-aplicado, não
permitindo ao pesquisador intervir no decorrer da pesquisa. Em todo caso, as
perguntas elaboradas responderam aos critérios da perspectiva cognitiva:
linguagem acessível; recursos temporais que facilitassem o entendimento do
contexto da pergunta; alternativas cabíveis com o propósito da pergunta; o que
foi realizado com perspicácia pelo autor, que conseguiu apreender o universo
do entrevistado (conhecimento específico do tema) e traduzi-lo em perguntas
objetivas.
Problemas de tipo enfrentado por Nogueira nos anos 1940 continuam a
se colocar na atualidade. Há pouco tempo os autores deste ensaio foram
confrontados com o desafio de propor um questionário para uma pesquisa
realizada para o Governo do Estado de São Paulo12. Utilizando-nos da
perspectiva cognitiva, procuramos verificar se as dimensões temáticas
previamente elaboradas consideravam o repertório cultural dos entrevistados,
fornecendo os marcos temporais específicos, auxiliando os entrevistados na
recuperação da memória e na elaboração de respostas pertinentes e
condizentes com o enunciado da questão.
A pesquisa tratava de levantar a opinião do entrevistado, isto é, a atitude
sobre eventos futuros. Uma dimensão a ser mensurada, nos termos do Estado,
era “medidas para aumento da disponibilidade hídrica e da proteção e
recuperação de mananciais”. Agregava-se a isto a necessidade de dizer, na
opinião do entrevistado, qual a probabilidade de melhora dos serviços desta
dimensão em 30 anos e o quanto ele achava esta questão pertinente.
noção de estigma, feita mais tarde por Erving Goffman para dar conta dessas formas
peculiares da distância e do preconceito social.” (CAVALCANTI, 2009, p.13-14).
12
A pesquisa foi realizada no contexto de um projeto sobre perspectivas futuras de
desenvolvimento da região macrometropolitana de São Paulo em 2012 pela Fundação Escola
de Sociologia e Política de São Paulo por meio de contratação pela Secretaria do
Desenvolvimento Metropolitano do Governo do Estado de São Paulo.
15
É importante ressaltar que o público desta pesquisa consistia em
moradores da Região Macrometropolitana de São Paulo a serem entrevistados
em pontos de fluxo. Desta forma, todo e qualquer morador da região,
independente de seu nível de escolaridade, tinha alguma chance de ser
entrevistado.
Eram dois os desafios, portanto: transformar os termos do Estado em
termos cognitivamente apreensíveis aos entrevistados e fazê-los compreender
que queríamos a sua opinião sobre a probabilidade de melhora nos serviços
nos próximos 30 anos, bem como que importância ele dava a este serviço.
O desafio de transformar os termos do Estado em um enunciado
amplamente cognoscível nos fez novamente utilizar da vigilância
epistemológica, colocando-nos em contato com o universo do entrevistado,
procurando palavras cabíveis tanto para um analfabeto quanto para um doutor.
Este esforço gerou um enunciado explicativo que traduziu “medidas para
aumento da disponibilidade hídrica e da proteção e recuperação de
mananciais” na seguinte proposição “daqui há 30 anos, é (muito provável,
provável, razoavelmente provável, pouco provável e improvável) que os rios,
lagos e represas de sua região (do lugar que você mora) estarão mais limpos e
protegidos da poluição?”. Com esta questão, registramos a probabilidade, na
opinião do entrevistado, sobre a melhoria deste recurso. Daí, para medir o grau
de importância que o entrevistado atribuía a esta variável, bastava perguntar:
de 0 a 10 o quanto ele achava importante que estas transformações
ocorressem. Era reforçado ao entrevistado que, nesta escala, 0 significava
‘nada importante’ e 10, ‘muito importante’.
Este resultado só foi possível quando os pesquisadores colocaram-se na
posição de entrevistados, verificando até que ponto as perguntas previamente
elaboradas poderiam ou não ser entendidas pelo público alvo da pesquisa.
Ressaltamos, assim, que independente da nossa posição em relação ao
público alvo (conhecidos ou desconhecidos), do nosso conhecimento sobre o
tema, da inserção que temos no campo a ser pesquisado, é preciso um esforço
contínuo de vigilância epistemológica, evitando que as perguntas de nossos
instrumentos de coleta sejam enviesadas ou incompreensíveis àqueles quais
se destina a pesquisa.
16
Considerações finais
Referências
17
BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean-Claude; PASSEROn, Jean-
Claude. A Profissão de Sociólogo: preliminares epistemológicas. 3. Ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
18
(org.). Reflexões sobre a Pesquisa Sociológica. São Paulo: CERU, 1992, p. 13-
29.
19