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 ORGANIZADORES:
CELSO JOÃO FERRETTI
DAGMAR M.L. ZmAS
FELICIA R. MADEIRA
MARIA LAURA P.B. FRANCO

NOVAS TECNOLOGIAS,
TRABALHO E EDUCAÇAO: -
UM DEBATE MULTIDISCIPLINAR
3~ Edição

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar I organizadores
Celso João Ferrem ,.. 1et aI. I. -Petrópolis, RI: Vozes, 1994.

Y ários autores.
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Bibliografia. 'il I I,

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ISBN 85-326-1175-3
3 11- '.'
'I
I. Educação profissional 2. Mudança organizacional 3. Relações industriais
Nq 36 rí
I'
4. Trabalho e classes trabalhadoras - Efeitos de inovações tecnológicas
Celso João, 1935-
r. Ferretti,
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94-0916
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Índices para catálogo sistemático:
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I. Educação e trabalho 370.193 11
Petrópolis i
2. Trabalho e educação 370.193 1996 \',

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 © Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luís, 100
25689-900 Petrópolis, RJ
Brasil
FICHA TÉCNICA:

COORDENAÇÃO EDlTOlUAl.·

Ilrrfllllll~11 1111 ~'" III1 JIIII~IIIIIIIII

A1;dilloGrassi

COORDENAÇÃO INDUSTlIlAl.
José Luiz CMtto-

EDITOR DE ARTE:
03227/98
OmarSanl0S

EDlTORAP!O:
EdilOrJção e organização li!erd,.itJ: L\ki.a MathiJde E. Orth
Re..,üiio gr4tka:Revirec SIC SUMÁRIO
DlagramaçiILJ: Sheila Roque
Supervisão gráfi<:a.· VaMeres Rodrigues

ISBN 85.326.1175-3

APRESENTAÇÃO: Um debate multidisciplinar, 7

CAPíTULO 1
r- Processo e gestão do trabalho, 19

A Cultura da qualidade ou a qualidade da muqança, 21

Maria Tereza Leme Fleury i
I'
Modernização tecnológica e relações de trabalho, 36 I I
i
Márcia de Paula Leite
Trabalho e organização na empresa industrial integrada e flexível, 54
Mário Sérgio Salemo
DEBATE: Henrique Rattner, 77
CAPÍTULO 2
Demandas por recursos humanos e mudanças organizacionais, 85
O empresariado e a educação, 87
Horácio Penteado de Faria e Silva Filho
Capacitação tecnológica, revalorização do trabalho e educação, 93
Ruy de Quadros Carvalho
Este livro foi composto e impresso nas oficinas gráficas da EdLlora Vozes Ltda.

I
i
 Da polarização das qualificações ao modelo da competência, 124
Helena Hirata
DEBATE: Nassim Mehedff, 139
CAPÍTULO 3
Mudanças organizacionais, novas tecnologias e educação, 145
-)0 trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias, 147
\< Dermeval Saviani
r)\\."~/ A educação e os desafios das novas tecnologias, 165
'"" Lucília Regina de Souw Machaao
A educação e a formação profissional na encruzilhada das velhas e
novas tecnologias, 185 APRESENTAÇÃO
Marisa de Assis
DEBATE: Aparecida"Jóly' Gouveia, 200
CAPÍTULO 4
Considerações Finais, 207
DEBATE: Cláudio Salm, 209
DEBATE: Marco Antonio de Oliveira, 214

UM DEBATE MULTIDISCIPLINAR

o trabalho humano tem sido focalizado de vários pontos de vista. Tal

como ocorre com outros objetos de estudo e pesquisa, essa abordagem
variada traz inúmeras contribuições, mas suscita, por outro lado, diversos i\,
problemas. O mais sério destes é o da produção de conhecimentos especí- I
ficos, segundo as diferentes áreas de eS,tudo, conduzindo à '}Weensão I
segmentada do objeto sob investigação. E claro que um problema dessa
natureza pode ser minimizado, e mesmo superado, se forem adotados
(
princípios teóricos e procedimentos metodol6gicos que se proponham
obter uma visão de totalidade sobre o objeto. No interior das diversas
ciências que têm se debruçado sobre a temática do trabalho, nem sempre
isso ocorre, o que não significa dizer que os estudos produzidos pelas
mesmas sejam, como um todo, despidos de sentido ou irrelevantes.
No entanto, os resultados dessas investigações tendem a circular entre
públicos restritos a cada área, não s6 pelos interesses específicos dos
pesquisadores. mas, também, porque o aproveitamento melhor desses
resultados depende do domínio de enfoques teóricos, conceitos e catego-
rias particulares dos diferentes campos científicos.

7
 Aqui se situam nossas preocupações enquanto profissionais da Edu-
cação que estudam as relações entre esta e o trabalho. Apesar do conheci-
mento que já se detém sobre essas relações, em função das investigações
que vêm sendo realizadas e das tentativas de articulação com cientistas de
outras disciplinas, é inegável que são precárias as informações dominadas
pelos educadores a respeito do trabalho e, mais recentemente, a respeito
das transformações pelas quais este vem passando devido à utilização de
tecnologias avançadas e das propostas de novas formas de organização da
produção.
De outrO lado, embora valorizando genericamente as contribuições da
Educação para o processo produtivo, os profissionais de outras áreas como
Economia, Administração, Ciências Políticas e Sociologia do Trabalho
nem sempre conhecem detalhadamente as concepções dos educadores a
respeito dessas contribuições e das relações que, no entender deles, seria
legítimo defender entre Educação e trabalho.
Essas preocupações "mbasaram a organização do seminário "Trabalho
e Educação", realizado na Fundação Carlos Chagas - com o financiamento
do INEP (do Ministério da Educação) e do CNPq - em agosto de 1992. O
objetivo foi aprofundar o debate da questão de uma perspectiva multidis-
ciplinar, tendo em vista a amplitude que vem ganhando ultimamente no
País a discussão sobre o papel que cabe à Educação desempenhar frente à
modernização produtiva e os desafios econômicos e políticos interpostos
pela nova ordem internacional.
Os resultados muito produtivos da iniciativa inspiraram a publicação
deste livro, que contém os textos apresentados naquela ocasião, incluindo
também as intervenções dos debatedores. Nesta organização, optou-se por
conservar a mesma estrutura do seminário. Assim, cada capítulo é cOllsti-
tuído pelo conjunto de textos elaborados pelos participantes de uma das
mesas de debate, bem como do comentário preparado pelo respectivo
debatedor ou debatedora. Cláudio Salm e Marco Antonio de Oliveira
ficaram com a tarefa de fazer uma apreciação geral do seminário e seus
textos compõem o capítulo final.
AS QUESTÕES
Existem várias formas de se introduzir uma coletânea de textos. A mais
comum consiste em arrolar as colocações mais importantes dos diferentes
trabalhos, tendo por-iJaSe aquelas que efetivamente contribuem para o
avanço do conhecimento sobre o tema em discussão. Outra, é dar alguns
passos além, refletindo e evidenciando o que está ainda por fazer, desta-
8
cando os consensos, mas também as divergências e ambigüidades, identi-
ficando as perguntas não respondidas e as que deixaram de ser feitas.
Dado O espírito que nos motivou a organizar o seminário e, posterior-
mente, a coletânea, optamos pela segunda alternativa. De fato, como
anunciamos na apresentação, nosso objetivo maior foi proporcionar um
diálogo crítico entre cientistas de diversas áreas, mas que têm em comum
o fato de lidarem com questões que giram em tomo do impacto das
inovações tecnológicas na estrutura produtiva e/ou as ~mplicações ~du~a­
cionais desses novos paradigmas científicos, tecnológIcos e orgamzacIO-
nais. Pensávamos que, a partir do esforço conjunto, poderiam ~urgir nov~s
vertentes explicativas ou diferentes linhas de reflexão que abnssem c~­
nho;Para algumas conclusões, mesmo que provisórias, ou para a realiza-
ção de novas investigações.
O resultado foi amplamente compensador. Houve a divulgação de
importantes dados empíricos e nítidos avanços conceituais, mas também
ficou muito claro que eXiste ainda um árduo caminho a percorrer. Nesse
sentido, diversas questões colocadas não puderam ser plenamente respon-
didas. Por outro lado, perguntas decisivas, que não faziam parte do con-
junto dos textos, acabaram emergindo no ~alo~ do deb.a~e. A!iás, não foi
por outro motivo que incluímos nesta pubbcaçao a partlcIpaçao dos deba-
tedores.
I "
Uma idéia reiterada em diferentes textos diz respeito à inevitabilidade
da adesão do Paísao atual modelo de competição internacional através da
incorporação e difusão das novas tecnologias. Tal resultado pode surpreen-
der pelo fato de se tratar de tema extremamente polêmico que tem suscitado
posições divergentes por parte de um expressivo grupo de'pensador~s, em
que pese o posicionamento finne e decisivo de poderosos orgamsmos
internacionais sobre a questão.
Tomando de empréstimo a expressão utilizada por um dos nossos
debatedores, julgamos que há uma identificação equivocad~.e.recorrente
entre tendência e destino; ou seja, a imposição da competItlvldade e de
condições para ampliar o mercado exportador pode ser considerada u~a
tendência internacional. Entretanto, tendência não é destino. TendênCIas
sempre houve, mas sabemos que coexistem, lado a lado, i~port~ntes e
diferentes opções. Cabe aos estudiosos explicitá-Ias e cabe a SOCIedade
escolher e lutar por uma delas.
Entre os consensos, registrou-se um amplamente an~rado em resu~­
lados empíricos: a constatação da existência de uma enorme ~ete~ogenel­
dade de situações na implementação de processos de modernlzaçao.
9
~r
, Os textos de Mário Sérgio Salemo e Maria Tereza Leme FIeury
I' ,apontam, sob diferentes ângulos, esta .questão. ~alientam que as fonna~ de
flexibilização e integração desenvolVIdas por dIferentes empresas vanam
em função do produto, do processo de produção, do mercado, da estratégia
I competitiva adotada, bem como da organização e das relações de trabalho
privilegiadas. Esses estudos sugerem, inevitavelmente, a seguinte pergun-
ta: as inovações adotadas significam a instalação de uma tendência estável
na direção da difusão maciça da produção flexível ou refletem situações
específicas que pennane2erão apenas corno modelo?
Sob nossa ótica, embora notícias de jornais de meados de 1993
informassem que cerca de 120 empresas, representando aproximadamente
30% do PIB nacional, estavam seriamente empenhadas em modernizar-se,
adotando tecnologias e diretrizes organizacionais compatíveis com o mo-
delo empresarial flexível e integrado, parece arriscado tentar uma resposta
de caráter mais definitivo à pergunta acima. Isto porque, além de não se
dispor, ainda, de pesquisas empíricas em número suficiente, sabe-se tam-
bém que as empresas de grande peso no PIB nacional empregam, em
verdade, menos de 20% da mão-de-obra disponível.
A julgar pelos dados di vulgados, fica fortalecida a hipótese de que está
se consolidando uma modernização limitada a alguns setores, muito diver-
sificada no interior de cada um, com uma incorporação apenas pontual das
inovações tecnológicas e organizacionais. Helena Hirata corrobora essa
afirmação, demonstrando, através de dados de pesquisas internacionais,
que mesmo na França a coexistência de novas figuras produtivas como o
fordismo é uma constante. Essa autora acrescenta que a heterogeneidade
demadelos produtivos é aprofundada pela divisão sexual do trabalho.
Exemplifica essa tese com o caso de indústrias francesas, que flexibilizam
o trabalho executado por homens, mas mantêm a taylorização em setores
femininos como o de embalagem.
No Brasil, na opinião de diversos autores, o que estaria acontecendo
mesmo seria a ampliação do leque de heterogeneidade dajá diversificada
estrutura produtiva brasileira, herdada da superposição de modelos dife-
rentes, superposição essa intensificada a partir da d'écada de 50. Seria, em
outros termos, uma "nova" heterogeneidade que estaria se sobrepondo à
já existente. Portanto. parece-nos que Marco Antonio de Oliveira está com
razão quando comenta, como debatedor, que faria muito mais sentido
falar-se, ao menos a médio prazo, de um processo de "desestruturação" do
que propriamente de reestruturação do processo produtivo. Além disso, a
perspectiva de incorporação apenas marginal da modernização produtiva
justifica a afinnação do autor de que as demandas do campo educacional
poderiam ser facilmente atendidas através de reciclagem desenvolvida
l()
pelas próprias empresas. Para O~iveira, "uma reforma ampla ,do ~istema
educacional só seria um imperallvo se houvesse urna modemlzaçao pro-
funda, que fosse capaz de unir competitividade e eq~ade".
Essa afirmação traz à tona as questõ~s que julgamos de maior relevân-
cia no contexto das atuais discussões: E possível. no presente quadro da
divisão internacional do trabalho, aliar competitividade e eqüidade? A
política educacional teria algum papel importante a desempenhar na con-
figuração do modelo final? Qual?
Sobre esse tema, estamos mais inclinados a afirmar, co~ Cláudio
Salm, que, infelizmente, sempre será possível a inserção do BrasJ1 na n~va
ordem, de forma perversa, mantendo-se ou até incrementando-se.relaçoes
de trabalho extremamente autoritárias, garantindo-se, por essa VIa, a per-
sistência de baixos salários e a extrema desigualdade na distribuição da
renda e dos benefícios sociais. A história brasileira recente está repleta de
exemplos nessa direção. Como bem coloca Salm, "o Bra~il ~oi um sucesso
no fordismo dito cC!J!!nga, isto é, sem ~ealizar as tr~~sf~renclas dos ganh.os
de produtividade corno nos países mats avançados . Ha elemento~ consl~­
tentes para se afirmar que o processo da 3! Revolução IndustrIal sena
diferente?
Os textos de Maria Tereza Leme Fleury, Ruy de Quadros Carvalho e
de Márcia de Paula Leite contribuem, de forma muito relevante, para este
debate.
Aeury divulga resultados de importante investigação que permitem
traçar um panorama menos pessimista. Como já comentam~s,e~sa aut~ra
registra grande heterogeneidade no processo de modemlzaçao. Alem
disso, constata que, mesmo nos casos de modernidade produtiva m~lhor
estabelecida, o poder continua ainda bastante concentrado n~ c~ula
diretiva das empresas. Apesar disso, seus dados permitem que se VIslumbre
uma tendência de adoção do modelo de produção integrado, flexível e
participativo, onde as relações de poder se inclinariam lentamente para a
democratização. Sobre esse aspec!o da pesquisa, perrn~eceu ~m abe~o,
durante os debates, uma questão. E de cunho metodológiCO e dIZ rcsp~lto
à restrição das entrevistas ao âmbito de diiêtori.as até o nív:l?e superv~so­
res. Questionou-se, então, o seguinte: a entrevista de oper~os mudana ~
configuração dos dados, principalmente no tocante às relaçoes de poder.
Carvalho, também baseado em dados empíricos, insiste em ~ue as
condições de baixa remuneração e alta rotatividade da mão-de-obra I~d~s­
trial são amplamente majori!~as no Brasil, caracteri~ando a predomman-
cia e a estabilidade de umpadrão altamente predat6no do uso da força de
trabalho.
11
 ,
~
'
, I
!~ Leite discute o conceito de "modernização conservadora", e, histori-
.1 cizando brevemente os esforços de atualização da indústria brasileira,
I: ressalta que, ao lado da adoção de novas técnicas e novos métodos, têm
;, predominado relações de trabalho retrógradas, baseadas em baixos salários
jI, e na recusa de procedimentos de estabilização da mão-de-obra.
j Com referência a essa conceituação, Henrique Rattner levanta um
arguto questionamento, pois, citando exemplos da Alemanha e do Japão,
letllEíra que todos os processos de modernização empresarial já realizados
são "conservadores", Assim, pergunta se seria possível uma "moderniza-
ção revolucionária", Aqui parece-nos pergnente a seguinte observação: ao
contrário do que acontece na maioria dos países do Primeiro Mundo, onde
diríamos que prevalece hoje um "conservadorismo esclarecido", o caráter
predatório de nosso conservadorismo coloca-nos um problema de natureza
diversa e mais grave.
Rattner, em verdade, aprofunda o debate ao explicitar a necessidade
de se examinar a questão dos novos paradigmas organizacionais não só a
partir do contexto fabril, mas levando-se em conta a pluralidade de racio-
nalidades que permeia o tecido social e cultural mais amplo. Em nossa
opinião, a importância de se tornar como referência, nessa discussão, a
cultura social abrangente está principalmente na possibilidade de, assim,
mapear-se as características autoritárias e predatórias da sociedade tomada
como um todo, características essas que, historicamente geradas em rela-
ções de produção muitas vezes descritas como "selvagens", acabam atin-
gindo diversamente cada uma das instituições sociais. Nesse sentido,
sabe-se que uma das causas dos elevados índices de fracasso escolar
registrados no País é a permeabilidade da escola a um tipo de relação social
autoritária e extremamente preconceítuosa no que concerne às camadas
populares.
Neste ponto, como subsídio para o debate da questão estritamente
escolar, parece pertinente introduzir tópicos importantes dos textos de
M~risa de Assis e ~orácio Penteado de Faria e Silva referentes às expec-
tativas de empresános quanto à fonnação da mão-de-obra. Assis, lembran-
do que a Educação não deve ser tratada a reboque da produção, traz relação
de atitudes e habilidades mencionadas por e'lnpregadores corno necessárias
p~ra.o moderno trabalho produtivo. O exame desse .(Q! pode despertar
otmllsmo entre os educadores, porque parece haver, finalmente, compati-
bilidade entre necessidades da indústria e os objetivos humanísticos há
muito tempo colocados à Educação.
No entanto, o depoimento de Faria e Silva suscita algumas dúvidas
sobre a generalização de tais conclusões. Explicando que o programa de
Competitividade Industrial foi estabelecido por uma parcela diminuta do
12
emprçsariado como instrumento para sensibilizar a categoria para as
vantagens do investimento em modernização industrial, o que implicaria
no apoio a iniciativas para a melhoria da qualidade do ensino formal, o .
autor deixa entrever que há pouca adesão tanto ao novo modelo produtivo
quanto às sugestões de valorização educacional que constam do programa.
Por outro lado, poderíamos aqui indagar se a grande ênfase na debili-
dade educacional como empecilho à modernização não se transformaria
em argumento escamoteador de outros fatores, bem mais detenninantes do
processo, mas demais difícil aceitação por parte do empresariado. Ruy de
Quadros Carvalho, por exemplo, ao descrever as relações predatórias que
vigoram no âmbito da produção, classifica esse fato como sendo o maior
obstáculo para o avanço do novo modelo. Ainda, Helena Hirata arrola a
divisão internacional do trabalho entre os detenninantes do atraso da
modernização.
Nassim Mehedff traz importantes subsídios para esse debate. Lem-
brando, corretamente, que as grandes agências internacionais de financia-
mento são atores políticos da maior importância, que certamente
participam e vão continuar participando da definição das regras do jogo
em quase tudo o que diz respeito à nossa sociedade, expõe algumas de suas
preocupações com relação a esse fato.
Uma delas consiste na seguinte indagação: a prioridade corretamente
dada ao ensino fundamental, mas minimizando-se demasiadamente a
atenção que deveria ser dada ao ensino médio e ao 3º grau, não estaria
contribuindo para o jogo de interesses internacionais? Ao discutir esse
tema, Mehedff baseia-se em argumentos derivados de sua experiência
como técnico do BID e nos relatórios e diagnósticos do Banco Mundial
relativos ao nosso sistema de ensino. Coloca, ainda, duas questões: Até que
ponto os empresários vêm adotando ingenuamente o discurso dos educa-
dores? Até que ponto foram ou estão sendo manipulados pelos interesses
internacionais? Em seguida, lembra que os Tigres Asiáticos, ao investirem
fortemente na escola fundamental, absolutamente não abandonaram os
outros níveis de ensino. Segundo Mehedff, nenhum país, que conseguiu
atingir um determinado patamar de desenvolvimento, desprezou a sua
Universidade, as suas pesquisas e o seu ensino médio. Esta é também uma
conclusão importante que deriva do trabalho de Ruy de Quadros Carvalho.
Resta perguntar qual a ótica dos educadores sobre essas questões.
Dermeval Saviani e Lucília Regina de Souza Machado incorporam a
concepção de que o trabalho na empresa integrada e flexível demandará
uma formação mais sofisticada e complexa e percebem, neste fato, uma
dimensão contraditória do capitalismo que, afinal, beneficia os trabalha-
dores. De um lado, como assinala Machado, se a introdução das novas
13

tecnologias e de novas formas de organização do trabalho não conduz
linearmente, como alguns pensam, à maior autonomia e dignidade do
trabalho, por outro, abre possibilidades para a generalização de um conhe-
cimento mais exato sobre as leis que regem a vida natural e social em
contextos determinados. Nesta mesma direção, Saviani defende a tese de
que as transformações na produção instauram as condições objetivas para
a superação da dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual,
inutilmente tentada pela escola porque não é nela, mas na própria produção,
que tal dicotomia se origina. Enrrm, na entender destes autores, a possibi-
lidade concreta da generalização das novas formas de produção oferece as
condições objetivas para uma sólida educação geral única, integrada,
flexível e crítica.
Tais considerações têm um peso argumentativo inquestionável quando
afirmam uma certa "positividade" nas novas relações entre educação e
trabalho, a partir das transformações na produção. Todavia, é impossível
deixar de expressar alguma perplexidade diante do fato de que, apesar de
toda urna reflexão crítica e consistente ao econol1Úcismo ocorrida ao longo
dos anos setenta e oitenta, a década de 90 inaugura-se com um forte
revigoramento das antigas esperanças no poder transformador da educação
via impacto no processo de trabalho.
Adicionalmente, convém lembrar, nesta discussão, Tomaz Tadeu da
Silva (Novas Tecnologias e Relações Estruturais entre Educação e Produ-
ção. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n~ 87, novo 93), quando argumenta
que existe uma tendência de se restringir o debate a urna definição exclu-
sivamente fisiológica, conteudística e técnica das modificações nas habi-
lidades exigidas pelas novas tecnologias, I1Únil1Úzando-se os elementos
sociais e políticos aí envolvidos. Segundo esse autor, o fato de que tenha
havido um alargamento da base das aptidões compreendidas no processo
de execução, exigindo-se agora do trabalhador, por exemplo, certos tipos
de tomada de decisão, não significaria, de modo algum, que se tenha
ultrapassado a barreira da separação social e política entre concepção e
execução, entre trabalho mental e manual. O desaparecimento das tarefas
mais fisiologicamente manuais não implicaria no desaparecimento do p6lo
social e politicamente manual do trabalho.
Para aqueles que percebem as relações entre Educação e produção
como marcadas, no âmbito do novo modelo produtivo, por ganhos que se
dirigiriam tanto a um como a outro pólo, Aparecida Joly Gouveia coloca
duas inquietantes indagações. A primeira: Qual seria a função de uma
educação democrática diante da segmentação da mão-de-obra, constituída
pelas contradições estruturais do novo modelo que exigiria, sim, maior
qualificação dos trabalhadores, mas não de todos, criando, então, conco-
14
I1Útantemente, um contingente de desempregados e de trabalhadores me-
nos qualificados inseridos em trabalhos por conta própria ou em pequenas
empresas? A segunda: Teria a educação algum papel a desem~enhar para
alterar os desdobramentos indesejáveis das novas tecnolOgIas? Como
exemplo de tais desdobramentos, cita dados que parece~ ind!car estar ~e
desenvolvendo um novo tipo de controle de trabalho, maIs sutil, mas maIS
preciso.
Se for possível aos educadores encontrar respostas convincen!es para
tais questões, restam ainda outros desafios explicitados por Apa~eclda Joly
Gouveia em seu texto. No entanto, parece-nos que as tentatIvas de se
responder às suas oportunas "provocações" devem levar em conta as
condições reais do nosso sistema escolar. E aqui perguntamos: Afinal, qual
é a realidade de nossa escola?
Para melhor enfrentarmos essa questão é conveniente notar que, nos
anos 70, demandas sociais e econômicas, exercendo forte pressão sobre os
setores educacionais, exigiam ampliação das oportunidades de acesso ao
ensino formal. Nesse panorama, efetuaram-se esforços - que, em última
instância, representaram apenas acomodações às condições existent~s ~
para aumentar a oferta de matrículas nas instituições da rede públIca,
principalmente naquelas de ensino fundamental e médio.
Relatórios oficiais mostravam,já no ilÚcio da década de 80, resultados
que, à primeira vista, pareciam ausEi~iosos qu~nt? a númerO de matrículas
iniciais. De fato, sob uma persptfcbva quantitatIva. os dados atestavam
porcentagens promissoras de acesso à escola, em todos os níveis. Mes~o
assim, jánaquele momento, muitos analistas empenhara~-seemde~un:la;:
as perversas estratégias que tomaram possível essa. de~oc~atlzaçao
superficial e inconsistente. Tais estratégias compreendiam pnnClpalmente
o seguinte: classes superlotadas, escolas funcionando em até 5 tu.n:'0s,
sensível rebaixamento salarial de professores etc. Esses dados penruUam
pr9tnosticar conseqüências desastrosas para a qualidad~ de ensino. .
Atualmente, novos e bem mais sofisticados procedImentos penmtem
constatar que 95% das crianças de cada geração têm acesso à esco!a, ~
falta de vagas deveria, assim, deixar de figurar no rol de fatores exphc~tJ­
vos da ineficiência da educação brasileira. Tal ineficiência estaria relacIO-
nada principalmente às altas taxas de repetência escolar, já que outr~s
dados também atestam não existir elevada evasão precoce. A evasao
aparece inflacionada nos registros oficiais porqu~, qua~do a repr?v~ção se I
toma iwtnente, os estudantes desistem, ou são mduzIdos a deSIstIr, ~as 11
;1
rematriculam-se no ano seguinte. Esse artifício da rotina escolar tem Sido II
denominado de "repetência branca" e, durante muito tempo, confundiu os !
analistas. Além disso, é preciso considerar que quando a evasão se toma
15
1i
 ,definitiva é porque urna longa série de reprovações consta do histórico do
aluno.
Esses argumentos, com forte base estatística, trazem o benefício de
pennitir que se enfrente, com mais firineza e determinação, a questão da
; repetência e da pesada ~esponsabil~dade que cabe à escola no pretenso
fracasso dos alunos. VentIlam, tambem, com muita propriedade o conceito
'J de "cultura da repetência", que consiste no desdobramento 'no âmbito
-i,
i:f
escolar, da cultura predatória que, como J·á discutimos anterio t de balas até que um dia caiu. Eles (os alunos) já estão acostumados.
. d " rmen e,
gUiam o U!O a !orça de trabalho em nosso meio. De fato, os preconceitos
com relaçao a c~adas populares, gerados a partir de relações de produção
perversas, permeIam toda a sociedade, refletindo·se na escola na fonua de
produção de elevados índices de retenção.
A~ se d~ relevo ao fato de que a análise acima tem aspectos muito
prod~tIVOS, Julgamos necessário registrar, concomitantemente, o seguinte
questI.onamento: Pode ser temerário concluir, a partir de dados estatísticos,
que a mfra-es~tura e os in~umos destinados à educação sejam suficientes
para que s~ atnbua agora o problema da qualidade quase que exclusiva-
mente à dImensão peà1gógica. Isto porque devemos considerar de que
escolas es~mos falando quando afirmamos que há vagas para praticamente
todas as cnanças.
. Sabemos que um expre~sivo número de escolas rurais isoladas, prin-
~Ipalmente" no Nordeste, sao ~s?aços que funcionam sob o rótulo de
ES~?LA ,mas.que, para adrrutí-los como tal, é preciso deixar de lado o
tra~IcIonal conceito que se tem da instituição de educação formal. Estabe-
l~cIdas nas pobres residências das professoras, tais "escolas" estão orga-
mzad~s em ~lasses mu~~seriadas, g~r~do para os alunos uma dupla
tarefa. os maIS velhos nao apenas auxIham os mais novos nos trabalhos
escolares co~o, também, em muitos casos, ajudam na preparação da
merenda e .at~ nos cuidados com os filhos das professoras. Estas, na sua
grande maI~na, recebem salários apenas "simbólicos" e, sem formação
~dequa,d~, ~~sputam u~a ;aga p~ ser "~r~fessora" principalmente pelos
benefIcIOS que, por hipotese, terao o dIreIto de usufruir junto ao INSS.
E na~ regiões m~is desenvolvidas do Brasil, serão "escolas" aquelas
que fUnCI?na~ em c~nco turnos por dia, onde os baixos salários afastam
o~ pr~fiSSlOnaI~ quah~cados, abrindo constantes vazios nos quadros fun-
CIOnaIs? PesqUIsa realIzada pela Fundação Carlos Chagas junto a curso
n?turno, estadual, de 1~_e 2~ graus, na grande São Paulo, registrou que a
dificuldade de contrataçao de professores habilitados era tamanha qu
·lh' . euma
pI~r.Iarecorrent~entre? pessoal administrativo dizia o seguinte: "Só falta
agora chamar o pipoqueIro da esquina para dar aulas".
t6
Ainda, serão "escolas" aquelas cujos problemas, ecos de nossas pro-
fundas mazelas sociais, ex.trapolam, de muito, as questões pedagógicas?
Nesse sentido, é pertinente transcrever aqui o depoimento da diretora de
um estabelecimento situado entre duas violentas e populosas favelas no
Rio de Janeiro: "Aqui temos 2.300 alunos que já estão acostumados com
os tiroteios entre as quadrilhas de traficantes e os policiais. Mandamos
construir um muro alto para protegê-los, mas ele vivia sempre cravejado
Aprenderam a se defender quando percebem algo de anormal. Mas conti-
nuam vindo à escola. Não querem que as aulas sejam suspensas" (Revista
VEJA, 25 ago., 1993). Em outra escola carioca, os traficantes ordenaram
a suspensão das aulas porque usariam o espaço para venda de drogas.
Professores apavorados foram focalizados em telejomal e admitiram ser
obrigados a mandar os alunos para casa.
Ainda, podemos minimizar a incidência de fatores materiais na inefi-
ciência do sistema escolar quando, em um Estado rico como São Paulo,
instalou-se, em 1993, uma greve de professores (que lutavam contra
salários realmente iníquos e por melhores condições de ensino) que se
arrastou por mais de 70 dias, deixando 6 milhões e 500 mil crianças sem
aulas? .
A qualidade do ensino, tradicionalmente, apresenta-se como uma
grande dificuldade na América Latina quando se supõe resolvido o proble-
ma da oferta.
Entre nós, acreditamos que é preciso enfrentar esta problemática no
bojo de um caótico e perveF50 panorama de acesso à educação formal, que
está longe de ser resolvido. Diminuir a importância das dificuldades
materiais e sociais da escola e do processo escolar, insistindo-se unicamen-
te na dimensão pedagógica, pode redundar em uma visão simplista e linear,
colocando-se novamente a educação como panacéia para o desenvolvi-
mento e para a superação da crise econômica.
Para concluir, julgamos oportuno recuperar algumas questões coloca-
das por José Luis Coraggio (Economía y Educaci6n en América Latina -
mimeo., s/d, FLACSOIEQUADOR) que podem servir de fio condutor para
a leitura crítica dos textos aqui apresentados.
- Por que, sendo este um momento em que se destroem os direitos
humanos em nome de uma razão sistêmica, sendo também um momen-
to de demanda de infonnação empírica precisa e, em todo caso, de
conhecimento instrumental - tanto técnico como interpretativo dos
processos cujos efeitos se experimentam - coloca-se agora a defesa
da educação como um direito, sobre bases morais, e como fonnação
universalista que transcende muito a necessidade imediata?
J\.__.
l7
 .:
~:~'i~;. ~- ~~, >.-:;.;r~~:;r;':'i';:t>;;~-"=-(-;·l~79i~~~~~;~"~~~~)1

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_ Em que medida isto responde a';e:quisitos sis§.micos'da economia""

(do mundo da produção) ou às necessidades de lêgitimação política de
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um projeto econômico excludente?

~i, ·
'11
- Que convergências táticas ou estratégicas podem se dar entre esta
Ir'l'l' proposta e os interesses populares na conjuntura atual?
É na cO!1.t.luênd~ dessas indagações que situamos as penetrantes aná-
lises e os instigantes de.bates colocados pelos textos aqui publicados. A teia
de reflexões, que o livro - em seu conjunto - com certeza suscitará em cada
leitor, poderá ser penneada por esse e por outros questionamentos críticos,
Se assim for, terão sido atingidas, de maneira muito gratificante, as metas
deste trabalho coletivo.
Celso João Ferretti'
Dagmar M.L. Zibas··
Felícia R. Madeira···
Maria Laura P.B. Franco····

Fundação Carlos Chagas

São Paulo, fevereiro 1994,

PROCESSO fOJ

EGESTAODO
TRABALHO

~
• Pesquisador da Fundação Carlos Chagas e Professor Assistente, Douto, do Programa de
P6s-G,aduação em Hist6ria e FIlosofia da Educação da PUc/SP,
•• Pesquisado•• da Fundação Cados Chagas,
••• Pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e da Fundação Sistema Estadual de Análise de
Dados (SEADE),
•••• Pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e Pmfessora Titular e Vice-Presidente da
Pós-Graduação da PUCISP,

I
18
l-
i.
 ~! A CULTURA DA QUALIDADE OU A
il QUALIDADE DA MUDANÇA

Maria Tereza Leme Fleury"

Nos debates recentes a respeito das questões de qualidade, produtividade

e competitividade empresarial, um tema tem aparecido com cada vez maior
freqüência associado a estas questões: o da cultura organizacional. Todos
concordam que o sucesso'na introdução destes programas depende de, ou
impacta a, cultura da empresa, mas por que, como e quando isto ocorre,
poucos se detêm a questionar.
a objetivo deste texto é procurar encaminhar algumas reflexões a esse
respeito. O seu ponto de partida conjugou preocupações de ordem teórico-
conceitual, de discussão com autores que se têm debruçado sobre a
temática da cultura e relações de poder no interior das organizações, com
o material empírico levantado em uma pesquisa sobre a adoção de progra-
I'
mas de produtividade e qualidade por empresas brasileiras.
O conceito de cultura organizacional que, no iIÚcio da década de 80,
muitos receavam se tratar de mais um modismo na área da Administração,
mostrou-se um constructo cujo valor heurístico tem se revelado importante
para a apreensão, análise e intervenção dos fenômenos organizacionais.
a foco para a análise da cultura pode ter um zoam de amplitude variada,
desde os estudos sobre a cultura de um país e sua influência sobre as
práticas de gestão das empresas (exemplo: os trabalhos de Hofstede, 1990),
até aos estudos sobre a cultura de uma determinada organização' e às
discussões mais recentes sobre as culturas dos subgrupos em uma organi-

• Professora Titular da Faculdade de EconollÚa, Administração e Contabilidade da Universidade

de São Paulo..
I. Grande parte das pesquisas realizadas sobre cultura organizacional são baseadas em estudos
de caso. Não .penas a literatura internacional, como os trabalhos realizados recentemente no Brasil
procuram focar a realidade de uma organização. A esse respeito. vide por exemplo a coletânea Cultura
e poáer nas organizações (Fleury, M,T., 1989), que reúne estudos de organizações bastante diversas
como empresas de setor bancário, de selViços. infonnática estatal e uma organização penitenciária.

21

I.
 2
zaçã0 • Segundo Sainsaulieu (1987), um dos autores que defende este
último enfoque, a empresa é constituída por um tecido de grupos, que
possuem suas formas próprias de representação, uma relação particular
com a empresa e o trabalho, um patrimônio comum de experiências, não
sendo possível portanto falar de cultura de empresa, mas de cultura de
gmpos.
Para trabalhar a problemática de adoção de programas de qualidade e
produtividade, é necessário ajustar o foco sobre a organização e seus
múltiplos recortes: hierárquicos, funcionais, regionais; é evidente que a
questão da cultura nacional se faz presente, não apenas na identificação
dos traços culturais de um país que dificultam, ou facilitam a adoção de
um determinado modelo de organização, mas principalmente no valor que
se atribui à educação e ao próprio fator trabalho.
O conceito de cultura por nós adotado remete à proposta de Schein
(1985) que define a cultura como o conjunto de pressupostos básicos que
um gmpo descobriu, desenvolveu ao aprender Como lidar com os proble-
mas de adaptação externa e integração interna e que funcionaram bem o
suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros
corno a forma correta de perceber, pensar e sentir com relação a esses
problemas. Esta proposta foi por nós retrabalhada em outros textos (Fleury,
M.T., 1989) apontando a necessidade de politizar o conceito de cultura, ou
seja, observar como este conjunto de pressupostos básicos, expressos em
elementos simbólicos, em sua capacidade de ordenar, atribuir significa-
ções, constmir- a identidade organizacional tanto agem como elemento de
comunicação e COnsenso como ocultam e instrumentalizam relações de
dominação. Em outras palavras, em nossa proposição, os fenômenos da
cultura e das relações de poder no interior das organizações se encontram
intimamente imbricados.
Na medida em que uma organização se desenvolve no tempo, certos
padrões de relações externas e internas, certas formas de resolver os
problemas vão se consolidando e tomando difíceis de serem questionadas.
As organizações mudam, mas as mudanças são quase sempre limitadas,
rotineiras e há uma tendência à estabilização, notadamente de suas dimen-
sões mais básicas.
Gagliardi, citado por Ferro (1991), identifica três tipos de mudanças
culturais nas organizações:
. 2. Um Se.minário Internacional sobre "Cultura organizacional e estratégias de mlldarJça~T relJniu
dIversos pesqUIsadores que apresentaram lrabalhos sobre a questão da cultura dos gropos nas organi~
zações. A Revista de AdministraçãolUSP, abril/junho de 1991, reúne os papers apresentados neste
seminário.
22
• a mudança aparente, quando a organização realiza alguma mudança
a fim de preservar sua cultura;
. à revolução cultural, quando os novos valores incorporados são
antagônicos aos anteriores e isto representa um grande esforço dos
membros fundadores, que construíram a identidade organizacional em
tomo dos valores antigos, de substituí-los; é acompanhada quase
sempre de fluxos de saída e entrada de pessoal e destruição de símbolos
importantes;
.. o incrementalismo cultural, quando os valores propostos são com·
plementares aos existentes, ampliando leques de alternativas de solu-
ção dos problemas.
A nosso ver, a conjugação de forças externas e internas à organização
pode impulsionar mudanças nos padrões culturais. Ou seja, enqu~nto ~ão
se esgotam todos os mecanismos tradicionais para se resolver as sltuaçoes
emergentes, a organização continua procurando equacionar seus proble-
mas segundo os padrões culturais mais tradicionais.
Entre as forças externas, destacamos: a ação do mercado nacional.o.u
internacional, que coloca para as empresas novos patamares de competltl-
vidade em termos de especificações e qualidade de seus produtos, ou
serviços e de preço; a ação do Estado e suas políticas econômicas e s?ciais;
a ação dos movimentos sociais pressionando por novas formas de llltera-
ção.
Entre as forças internas, as mudanças na cúpula diretiva da organização
(nas políticas mercadológicas, financeiras, de recursos humanos) ou nas
formas de organização e gestão do trabalho podem provocar mudanças nos
padrões culturais.
A adoção das novas técnicas de produção e dos chamados progr~m~s
de qualidade implica em mudanças significativas nas empresas. Da ~r~pna
noção de qualidade, como conformação a urna norma, ou a uma sene de
especificações a ser adotada pelo coletivo de trabalho, isto é, por tod?s os
funcionários, independentemente do nível hierárquico, da empresa (Huata,
1991) decorre o seu caráter potencializador de mudanças. Como o coloca
Hirata, o critério de qualidade é colocar o produtor diretamente diant~ ?o
problema da valorização, ou seja, a visualização da expressão do u.suan?,
satisfeito ou não com o produto. Isto requer que o trabalhador esteja mais
integrado e partícipativo na definição e realização do que é pro~uzir co~
qualidade. As técnicas, os programas para se alcançar esta qualIdade sao
bastante variados, porém têm um ponto em comum: para alcançarem
sucesso exigem mudanças profundas nas empresas, mudanças estas que
impactam a cultura e as relações de poder vigentes.
23
 No Brasil, como em outros países, principalmente do Terceiro Mundo,
as tendências às mudanças no cenário político, econômico, social têm se
manifestado com cada vez maior intensidade. As transformações nas
regras do jogo do mercado internacional e nacional, com o fIm das reservas
de mercado, rompendo com situações oligopolísticas, as intervenções
"neoliberais" do Estado, a ação dos movimentos sindicais, questionando
condições e relações de trabalho, dos movimentos ecológicos, pressionan-
do por novas ~ormas de. int:raçào com o ambiente, as novas tecnologias,
os novos arranjOS orgarnzaClOnatS caracterizam um cenário extremamente
mutável.
A reação das empresas neste contexto tem se mostrado das mais
variadas: algumas se antecipando. outras reagindo e outras se fechando.
As empresas que se antecipam são aquelas, segundo Schein (1990),
que desenvolveram uma cultura mais favorável à mudança e que, entre
outros traços, apresentam os seguintes: consideram a atividade humana
provocat~va, orientada em direção à resolução de problemas, sendo a
cooperaçao possível, orientação em direção ao futuro próximo, o ambiente
é considerado como administrável e controlável, o pensamento integrativo
prevalece em.o~osição ao segmentalismo e a presença de agentes inova-
dores .em ,!J0slçoes de comando reforçando a capacidade de inovação da
orgamzaçao.
Entre as empresas brasileiras, algumas têm assumido de forma mais
con.sisten:e .a necessida~e de redefinir o conjunto de suas estratégias
melcadologrcas, financeIras, de produção ede gestão de recursos humanos,
para fazer frente às mudanças no cenário nacional e internacional. E como
isto envolv~ mudar padrões culturais, redefinindo relações de poder, os
processos sao complexos, apontando múltiplas direções. . res.
Outras empresas, entretanto, respondem de forma pontual a essas
dem~~das ~or mudanças, introduzindo inovações no sistema produtivo ou
admmrstratr:o, que não alteram substancialmente o seu modo de interagir
com o ambIente e o seu padrão de relações de poder internas. Dois
exe~plos nos parecem significativos a eSSe respeito: a criação dos CCQs
- CIrculas de Controle de Qualidade, no início dos anos 80, e a implantação
dos CEPs - Controle Estatístico de Processo no final da década. Em muitas
das empre~~s, estas inovações foram introduzidas como um pacote, com
fins especlfrcos e delimitados para resolver um problema: melhorar a
comun.ic_ação interna (fazendo frente à penetração do movimento sindical)
e condrçoes de trabalho,. no caso do CCQ, melhorar o controle de qualidade,
no ~aso do CEPo Ou seja, representavam para essas empresas uma sinali-
z~çao de mudanças, de modernidade nas relações de trabalho, ou no
sIstema de produção, porém de escopo limitado e descolada das demais
24
estratégias da empresa. Em um primeiro momento essas intervenções
tiveram algum sucesso, melhorando o clima organizacional, principalmen-
te no caSO dos CCQs. Entretanto, no que esse efeito se gastou e não se
sucederam outras mudanças, reações conservadoras se manifestaram e a
tendência foi para o fechamento e manutenção dos padrões vigentes.
O objetivo deste texto é procurar refletir sobre estes processos, bus-
cando apreender o porquê, o como, o quando ocorrem mudanças, em que
medida alteram os padrões culturais e as relações de poder no interior das
organizações. Uma pesquisa realizada entre empresas industriais paulistas
propiciou o pano-de-fundo empírico necessário à discussão dessas ques-
tões.
I. O PROCESSO DE INOVAÇÕES NO SISTEMA PRODUTIVO E
DE GESTÃO DE EMPRESAS BRASILEIRAS
I'
,r
"
1. Considerações Metodológicas
Em um projeto de estudos sobre a difusão de novos métodos para
qualidade no Brasil e seus impactos sobre recursos humanos, foi feita uma
pesquisa entre 20 empresas industriais, paulistas e gaúchas, a maioria do
setor metal-mecânico, que vinham adotando, ou já haviam adotado pro-
gramas e métodos para qualidade e produtividade',
Ili '
i
Em cada empresa entrevistou-se o diretor industrial, ou o responsável
pela concepção ou implantação do projeto de inovação, o gerente de
qualidade, gerente de produção, gerente de recursos humanos e superviso-
Para fins deste texto, analisamos apenas as informações de empresas
f
I
paulistas. Estas foram agrupadas tomando como referência a fase em que
estão com relação às mudanças pesquisadas:
e empresas que pouco ou nada introduziram de mudanças no sistema
produtivo e no sistema de gestão;
.. empresas que introduziram mudanças e estão vivenciando um mo-
mento de retrocesso, em função de problemas diversos;
• empresas que introduziram mudanças no sistema produtivo e no
sistema de gestão.
I~ I
3. o estudo em questão foi realizado para o IPEA. em 1991192. por uma equipe de pesquisadores
formada por Afonso Fleury (Poli/USP), John Humphcey (IDS-Univmidade de Sussex), M. Tereza I
Fleury (FEAlUSP), Roberto Marx (PolilUSP) e Robel1o Ruas (UFRS). O título do projeto t: "Recursos
humanos e a difusão e adaptação de novos métodos para a qualidade no Brasil"'.
25
I:

1.1. As empresas à margem das mudanças
Das empresas pesquisadas, três se situam à margem das mudanças
vivenciadas pelas demais.
São empr~sas peq~en~~ (entre 150 e 250 empregados), familiares, cujo
fundador, antlgo funclOnano de uma grande empresa, ainda se encontra à
fre?te do negócio (em um dos casos o fundador cedeu lugar ao filho, mas
o sistema de gestão continua familiar).
. Fabricantes de autopeças, estas empresas entretanto fogem das indúS-
tnas montadoras, procurando se situar em nichos de mercado em que são
menos pressionadas pelos clientes, pela qualidade dos produtos.
Os métodos de produção e a tecnologia adotados são bastante conven-
cionais. Em. termos d~ introdução de métodos de controle de qualidade,
li.ma delas unha um SIstema de CEP "para inglês ver", ou seja, usava o
s~stema somente nos dias de visita do avaliador do cliente. Em outra, o
SIstema começou a ser desenvolvido em um setor, antes do Plano Collor.
Três encarregados foram treinados em um curso promovido por uma
montadora e começaram a implantar o CEP, com dificuldades e adapta-
ções, em um determinado setor. O programa entretanto ficou bastante
comprometi~o,,q~ando, por ocasião de uma greve, convocada pelo Sindi-
cato, este fOI o umco setOr que parou completamente, indicando o descon-
tentamento dos operários com o novo sistema. Após o Plano Collor o
sistema foi desativado. ' De urna situação próxima às empresas do primeiro grupo, esta empre-
São empresas que trabalham com altas taxas de rotatividade (em tomo
de :?% ao ano) sendo a maioria por demissão voluntária por causa de
saIano ou desavenças. Não há investimentos em treinamento e as iniciati-
vas de envolvimento dos operários com programas da empresa (higiene e
segurança no trabalho) são encaradas com ceticismo.
A ~ível do d!scurso, os dirigentes destas empresas concordam com a
necessldad_e de vlre~ a modernizar seus métodos de produção e a equacio-
nar a ques.ta~ d~ q~aIId~de. Mas a sua prática cotidiana é pautada pela busca
d: sobrevlvencla ImedIata, naqueles nichos de mercado onde as exigências
sao menores.
EI.l termos de padrões de relações de trabalho adotam o modelo da
década de 70, em que a rotatividade e a não-qualificação de mão-de-obra
direta mantêm b.aix.os os custos de pessoal. A única diferença é a pressão
e~erCIda pelos slndlc~tos para o cumprimento mínimo dos acordos nego-
Ciados com a categona, o que não ocorria há anos atrás.
26
Saindo deste grupo, pesquisamos uma pequena empresa produtora de
componentes eletrônicos, que está passando por uma fase de redefinição
de todas as suas estratégias organizacionais e produtivas.
Há dois anos, a empresa estava em um estágio de pré-falência, quando
foi assumida por uma empresa multinacional, da qual era fornecedora.
Procederam a uma reorganização administrativa, com o enxugamento do
quadro de empregados.
A empresa já tinha algumas iniciativas na área de programas de
qualidade; com a crise e posterior mudança no controle acionário redefiniu
suas prioridades em termos de diminuir custo para competir no mercado
interno e externo e alcançar padrões de qualidade, com a certificação por
empresas clientes. Procurou reduzir o material em processo, introduzir o
CEP e está implantando a ISO 9000. Está também trabalhando com
indicadores como o índice de refugo e índice de rejeições pelos clientes.
Mudanças significativas podem ser percebidas nesta empresa com
relação à gestão da mão-de-obra direta. No passado convivia com índices
de rotatividade de 5% ao mês - hoje está trabalhando para ficar na faixa
dos 10% anuais. Mudou os requisitos para recrutamento e hoje procura
selecionar apenas pessoas (na maioria do sexo feminino) com primeiro
grau completo, ou seja, pessoas com a formação básica necessária para
acompanhar as mudanças no sistema produtivo. Está investindo no treina-
mento desta mão-de-obra com cursos de CEP, matemática, interpretação
de desenhos.
sa, impulsionada por uma crise que ameaçava sua própria sobrevivência,
está procedendo a mudanyas significativas, chegando mesmo a redefinir
seus padrões culturais. É interessante observar como, no bojo destas
mudanças, o papel desempenhado pela mão-de-obra direta começou a ser
questionado e novas relações de poder desenhadas.
1.2. Os avanços e os retrocessos
Duas das empresas pesquisadas, de setores bastante diferentes - auto-
peças e calçados - estão vivenciando momentos de transição difíceis,
marcados por retrocessos em relação a desenvolvimentos e conquistas
anteriores.
l
A empresa do setor de autopeças pode ser caracterizada como uma I
I
empresa de grande porte (1500 empregados), que durante a década de 80
procurou se posicionar estrategicamente para enfrentar as mudanças no (
mercado. !
27 I
'I
11.
·I.'~"-,,*""'---"'!"'"
Implantou-se assim um Centro de Pesquisa e Desenvolvimento, foi
fundada uma empresa subsidiária para produção de equipamentos mÍcro-
eletrônicos (CLP; Controladores L6gicos Programáveis) e houve esforços
no sentido de introduzir vários programas como CCQ. m, CEPo
Entretanto, a crise que se abateu sobre o setor, com a abertura às
importações e fim de um posicionamento oligopolístico no mercado, não
encontro~ a empresa realmente preparada para enfrentar os novos tempos.
As p~ssoes das montadoras por qualidade e preço têm sido duramente
negocl a~as pela empresa, que solicita prazos para enfrentar a concorrência
estrangeIra.
Das mudanças int:0duzidas, houve vários retrocessos; os dirigentes
f~ch~am a planta fabncante de CLP, desativaram os CCQs. reduziram e
slmpltficaram ~s CEPs, TPMs (Total Productivity Maintenance) e traba-
lham com um SIstema TIT parcial.
. D~as ~p,óteses explicativas podem ser levantadas justificando esta
sltuaçao, hipoteses estas que têm a ver com a estratégia organizacional
adotada pela empresa.
A primeira diz respeito às políticas de gestão de recursos humanos
q~e não foram equacionadas para acompanhar o mesmo ritmo das moder~
n~z.ações nas áreas téc~cas. A visão do empresário e dos principais
dIngent~s sobre o operanado é bastante negativa: são indolentes, pregui.
çosos, nao querem se fixar no emprego, ganham pouco mas custam muito.
,?onvi~e as.sim com altos índices de rotatividade (superiores a 20%
anuaIS), baIXOS Investimentos na mão-de-obra direta' o setor de treinamen-
to foi in.c1~sive desativado após o Plano Collor e nã~ se tem previsão para
reorg~mza-lo. !:ffi enfrentado problemas com os sindicatos da região, por
questoes salanalS e pelas demissões em massa. Utiliza muito -mais o
recrutamento externo do que o interno para preencher os postos mais
qualificados na empresa.
n:
U a outra hipótese. complementando a primeira, se refere à estrutura
de g~stao ad~tad~ pela empresa. Os cargos diretivos são ocupados pela
f~mt1~a pr~pfletári~da f'tnpresa e a média gerência é formada por profis-
SlOnats. ~ lll~~duçao das mudanças na década de 80 complexificou mais
d~ que slmphfrcou o processo produtivo: o corpo gerencial e diretivo não
fOI preparado e capacitado para enfrentar um ambiente turbulento de
mudanças internas e externas.
A outra empresa, do setor de calçados, pode ser caracterizada como
uma. empres~ de grande porte (1200 empregados) que, durante a década de
80, rntroduZIu uma série de mudanças técnicas e organizacionais, para
28
penetrar no mercado internacional, com padrões de qualidade e custos
compatíveis.
É interessante observar que estas mudanças tenderam mais para o lado
organizacional do que técnico, enfatizando a criação de estratégias parti-
cipativas e políticas de gestão que viabilizassem o comprometimento dos
empregados com suas metas de qualidade e produtividade.
Os diretores implantaram o CCQ, formas de controle de qualidade pelo
grupo de operadores, realizaram altos investimentos em treinamento de
todos os lÚveis de empregados, introduziram o pagamento do abono
coletivo, em vez de pagamentos individuais. Em termos de mudanças no
sistema produtivo, implantaram o CAD (Computer Aided Design), o
sistema de células de produção para determinadas atividades e planejamen-
to e controle da produção computadorizados.
Com a crise no mercado externo e no mercado interno, caiu o fatura-
mento da empresa, surgindo controvérsia, a nível da cúpula administrativa,
se estas estratégias de modernização técnica e administrativas seriam as
mais adequadas para os novos tempos. Em meio à crise a empresa realiza
denússões, contrariando seus princípios de procurar estabilizar a mão-de-
obra, desativa alguns programas e o diretor, idealizador de toda a estratégia
participativa, se demitiu.
A ala mais conservadora da diretoria familiar propõe que a empresa
saia do mercado internacional, voltando-se para a produção de calçados de
baixo custo, para o mercado interno. O outro grupo defende a continuidade
da estratégia de modernização adotada.
O caso destas duas empresas ilustram como os processos de mudança
não ocorrem em uma única direção e podem sofrer avanços e retrocessos
em função das crises externas e internas.
O ponto diferenciador entre elas diz respeito ao tipo de estratégia de
mudança adotada, ou seja, em que medida privilegia-se mais o lado técnico
do que o lado organizacional, ou se define uma estratégia mais equilibrada.
No primeiro caso a ênfase nas mudanças técnicas no sistema produtivo,
COm um sistema bastante conservador de gestão e de relações de trabalho,
não produziu os resultados esperados e na crise a empresa está experimen-
tando um retrocesso sério. Na segunda empresa, em que as estratégias
foram formuladas de forma mais equilibrada, definindo-se uma cultura
mais voltada para inovações, as possibilidades de retrocesso total são mais
remotas.
29

1.3. As mudanças mais consolidadas
O denominador comum às empresas situadas neste último grupo é o
,. grau de maturidade das mudanças introduzidas nos sistemas de produção
~i
l:i e gestão. São empresas que iniciaram seus processos de mudanças há uma
fi década, percorrendo caminhos e encontrando soluções para seus impasses
;! bastante diferentes, mas que, de um modo geral, se encontram numa
posição mais consolidada em relação às demais.
O elemento comum detonador das mudanças foram as exigências do
mercado: internacional para o caso de certas empresas e nacional, repre-
sentado pelas indústrias montadoras, ou por outras indústrias, no caso das
demais.
A escolha das estratégias de mudanças foi bastante variada, assim
como os caminhos percorridos e o timing de cada processo.
Três das empresas pesquisadas são do setor de autopeças, de médio
para grande porte. Duas das empresas são subsidiárias de empresas multi-
nacionais e receberam forte influência das matrizes no processo de intro-
dução de inovações.
A empresa nacional é a que se encontra em estágio mais avançado nos
programas de qualidade e produtividade, tendo iniciado suas primeiras
tentativas ainda nos anos 70, por pressão da indústria automobilística, que
visava colocar seus produtos no mercado internacional.
É interessante observar que nos três casos as inovações tiveram um
caráter eminentemente técnico, centrado no setor produtivo, com ênfase
no binômio qualidade/custo. Implantaram o CEP, células de prod.ução, o
sistem lTT-Kanbam, conseguiram reduzir o tempo de set-ap e estão intro-
duzindo a norma da ISO 9000, principalmente por exigência das monta-
doras.
A introdução de cada uma destas técnicas foi feita por tentativa e erro.
Duas delas relataram que estão acertando a implantação do CEP na terceira
tentativa, com um enfoque mais seletivo, ou seja, implantado a técnica
naqueles setores em que isto se mostra interessante, com programas
pilotos, deixando de lado as propostas de mudanças radicais da planta
inteira. A criação de sistemas de indicadores que pernúta avaliar o êxito
ou fracasso de cada tentativa é peça essencial do processo.
Em teanos de mudanças organizacionais, reduziram níveis hierárqui-
cos, eliminando cargos de supervisão, procuraram estabilizar o quadro de
pessoal, trabalhando com índices de rotatividade inferiores a 10% ao ano
30
1
e investiram significativamente em treinamento, inclusive da mão-de-obra
direta.
São empresas que estão enfrentando os desafios da concorrência
nacional e internacional, as exigências sempre crescentes das empresas
clientes, incorporando a idéia de inovação no seu cotidiano. Ou seja, são
empresas que incorporaram a flexibilidade para tentar, para mudar, como
um padrão cultural, sem alterar entretanto, significativamente, as relações
de poder vigentes.
Houve uma mudança na postura com relação à mão-de-obra direta,
considerada importante para o êxito dos programas; as políticas de recursos
humanos refletem esta postura: os investimentos com treinamento são
elevados e o sistema de recompensas procura fixar os trabalhadores à
empresa.
Não se procurou, entretanto, definir estratégias participativas que
visassem o comprometimento dos trabalhadores com os programas. Os
gerentes de recursos humanos entrevistados mencionaram que este seria
um passo interessante a ser dado, mas p.or enquanto fica para. os plan~s I
II
futuros. Ou seja, a estrutura de poder fOI pouco mudada pela lOtroduçao
das inovações no sistema produtivo.
Uma outra empresa pesquisada, nacional, de médio porte, do setor
II
metalúrgico destacou-se deste grupo pela estratégia adotada.
Seu processo produtivo é relativamente simples e a introdu~ão .de
programas de qualidade e do sistema JlT-K.anbam acontec.eu na pnme~ra
metade da década de 80, por pressão dos chentes e necessidade de racIO-
nalizar o uso do espaço físico disponível.
Em um processo bastante gradual de mudanças, a empresa foi retirando
os inspetores de qualidade de algumas áreas da fábrica e introduzindo testes
de qualidade pelos trabalhadores com dispositivos bastante simples. Co~
a implantação de um sistema também simplificado de Kanbam, conseg~l­
ram diminuir os estoques e o {ead-time (tempo entre uma ordem ser aceita
e o produto estar pronto para ser enviado).
Estas mudanças foram precedidas por intensas campanhas de cons-
cientização e mobilização de todo o quadro de empregados. Foram feitos
programas de treinamento desde os trabalhad?res diretos ~té os ge:entes,
com uso de recursos internos e ex:temos; f 01 dada atcnçao espec13l aos
supervisores, cujas funções e poderes fora~ bastante reduzidos ~om ~~tas
novas práticas. Foram introduzidos tambem grupos de melhoria, vlsltas
dos operários às fábricas clientes, principalmente quando ocorrem recla-
mações, para que todos se envolvam com a discussão e solução dos
problemas.
31
 Criou-se um sistema de "abono eficiência", isto é, um bônus mensal
pago aos empregados, baseado na eficiência global da planta.
Vem-se investindo também na estabilização do corpo de empregados
(seu índice de rotatividade é inferior a 10% ao ano) desincentivando até as
demissões voluntárias.
Nesta empresa, diferentemente das anteriores deste grupo, as mudan-
ças introduzidas no sistema produtivo e no sistema de gestão provocaram
não apenas mudanças em certos padrões culturai s, de uma empresa fechada
para uma empresa mais aberta, monitorando de perto o mercado, mas
também mudanças nas relações de poder, no espaço que a mão-de-obra
direta começa a ocupar nas estratégias da empresa.
Duas outras empresas de grande porte - uma nacional, no setor
metalúrgico, de relaminação de aços, e outra multinacional, no setor de
telecomunicações - apresentaram os casos de estratégias de mudanças
mais consistentes, equilibradas e consolidadas.
Nos dois casos, as mudanças se originaram por pressões do mercado
intemacional e do mercado nacional, representado pela indústria automo·
bilística.
Na empresa nacional, as mudanças se iniciaram ainda na década de 70,
com a passagem do comando da empresa do fundador para seus filhos,
quando foi encetado um processo de mudança organizacional, buscando
sair de um estilo de gestão paternalista e centralizador para um estilo mais
participativo. Foram então sendo introduzidos os projetos: CCQ, Planeja-
mento Estratégico Participativo (envolvendo até o nível de supervisores)
e programas de qualidade.
O Projeto de Produção com Qualidade foi sendo implantado de forma
gradual, com acertos e erros. O CEP, por exemplo, foi planejado para ser
introduzido em toda a fábrica. Os dirigentes treinaram todos os operadores,
procuraram implantá-lo, mas verificaram que para certos setores não era
interessante a sua aplicação e em outros sim. Estão atualmente infonnati·
zando todo o processo de controle da produção e de qualidade e introdu-
zindo os procedimentos da ISO 9000.
Além disto, conseguiram reduzir o tempo de set-up, implementaram
esquemas de manutenção preventiva, procurando racionalizar todo o sis-
tema produtivo. Têm tido dificuldades para implantar o sistema JlT com
seus fornecederos (na maioria empresas estatais) mas trabalham neste
sistema com empresas montadoras clientes.
A empresa vem investindo há muitos anos na modernização de seu
sistema de gestão, reduzindo níveis hierárquicos, redefinindo atribuições
de departamentos e cargos, adotando a estratégia de focalização. A sua
32
política de recursos humanos vem, desde os anos 80, procurando valorizar
o seu pessoal, investindo na educação básica, no treinamento e na manu-
tenção de todo o quadro de empregados; o índice de rotatividade é abaixo
dos IÚ% anuais. Os investimentos em treinamento são elevados, tantoem
programas de cunho comportamental, como técnico. As áreas de treina-
mento e programação e controle da produção têm trabalhado em conjunto
em termos de desenvolvimento de programas e de sistemas de avaliação
de resultados, que levem em consideração indicadores de produtividade e
qualidade. I (
Na empresa multinacional, as mudanças no sistema produtivo e de
gestão foram iniciadas na década de 80, fortemente impulsionadas por um
diretor industrial entusiasmado com o modelo japonês. A empresa foi
introduzindo, ao longo dos anos, o CEP, o sistema JIT-Kanbam e células
de manufatura; está criando também uma categoria de operários poliva-
lentes, treinados para se movimentarem por uma gama de postos de
trabalho. Está implementando também os procedimentos da ISO 9000.
Procedeu à redução de níveis hierárquicos, eliminando níveis de
supervisão e de gerência. Vem procurando ter um quadro est~v~l de
pessoal, embora ainda trabalhe com índices elevados de rota~lvldade
(superiores a 20% anuais); tem feito investimentos elevados em tremamen-
to de pessoal, tanto para o pessoal operacional, como técnico e gerencial.
A empresa vem procurando modernizar seu sistema de comunicação
intemo, introduzindo práticas como o "café com o chefe", política de
"portas abertas" e outros programas, visando maior envolvimento de todos,
em um estilo de gestão mais participativo.
Observamos assim que nestas empresas as mudanças foram sendo
introduzidas de forma gradual, porém transformando de forma significa-
tiva os padrões culturais e relações de poder existentes.
lI. AS MUDANÇAS NOS PADRÕES CULTURAIS E NAS
RELAÇÕES DE PODER
A análise, de uma amostra ainda que bastante limitada de empresas,
possibilitou mapear as diferentes estratégias adotadas para enfrentamento
de um cenário de mudanças e crises, característico do Brasil atualmente.
As estratégias variaram desde o fechamento e busca de nichos de
mercado pouco competitivos, às mudanças pontuais, de implantação de
uma ou outra técnica de produção ou gestão, às propostas de mudanças
mais profundas e consistentes com as estratégias gerais da empresa.
33
I. \
:ri'
.~ i
I
I
Se estas mudanças provocaram verdadeiras revoluções culturais nas
empresas pesquisadas, os dados levantados não possibilitam tal análise;
observamos, porém, que, em todos os casos em que os projetos de mudança
foram encaminhados de forma continuada, com êxitos e fracassos, mudan-
ças culturais incrementais ocorreram.
Entre as mudanças culturais, envolvendo as relações de poder existen-
tes nas empresas, a nosso ver, merecem especial atenção as que se referem REFERÊNCIAS
à participação e envolvimento dos trabalhadores nos processos de mudan-
ça. Uma tipologia proposta por Coriat (1991), sobre as formas de envolvi-
BIBLIOGRÁFICAS
mento dos trabalhadores, é a esse respeito interessante. Segundo este autor
é possível identificar três tipos de envolvimento:
e O envolvimento imposto e controlado, como uma fonnade controle
social baseada na organização do trabalho e que consiste em um
endurecimento dos métodos antigos e seu reforço pela tecnologia. A
flexibilidade é imposta por meio de controle externo e o trabalho é
rotinizado e parcelizado. O CCQ pode ser utilizado, mas o autor duvida
que produza resultados para obtenção de qualidade;
.. envolvimento estimulado: o trabalho é reorganizado segundo os
CORIAT Benjamim. Du fordisme au post-for~isme, ~ne décennie de
princípios da flexibilidade e multifuncionalidade. Para se obter o
comprometimento dos empregados com a produtividade e qualidade mod;misation. quels modeles socio-productifs? ParIs: CNRS, 1991.
são oferecidas trocas ("trade-offs"). Mas o itens trocados como: esta- FERRO, José Roberto. Decrifrando culturas organizacionais. São Paulo,
bilidade de emprego, salários, bônus dependem sempre do desempe- 1991. Tese (dout.) EAESPIFGV.
nho do trabalhador e nunca são claramente negociados. Encoraja-se FLEURY, Maria Tereza. O desvendar a cultura de uma organ~zaç~o: u~a
fortemente o envolvimento dos empregados, porém os gestores retêm discussão metodológica. In: CULTURA e poder nas organlzaçoes. Sao
um poder quase discricionário;
Paulo: Atlas, 1989.
co envolvimento negociado: o padrão de organização do trabalho é o
HüFSTEDE et ai. Measuring organizational cul,tu.res: ~ qual~tative and
mesmo que no tipo anterior, porém o "trade-off' é explicitamente quantitative study across twenty cases. AdmlmstratLVe selence Qua-
negociado e faz parte de acordos coletivos.
terly, v. 35, n. 2, 1990.
A maioria das empresas brasileiras, até a última década, trabalhavam
HIRATA Helena. Organização do trabalho e qualidade industrial: notas a
segundo o esquema do envolvimento imposto e controlado. Hoje, com
partir' do caso japonês. São Paulo: Revista do Instituto de Estudos
todas as pressões por mudanças, estão caminhando, umas mais rapidamen-
te e outras com muito mais vagar, para a estratégia de envolvimento AvançadosIUSP,1991.
estimulado. _. Organizational culture. American Psychology, v. 45 n. 2,1990. .
É preciso ressaltar, entretanto, que mesmo este envolvimento estimu- SCHEIN, Edgar. Organizational cullure and leadership. São FranCISco:
lado implica numa mudança significativa na postura em relação ao traba- Jossey Bass, 1985.
lhador. O poder continua ainda bastante concentrado na cúpula diretiva da SAINSAULTEU, R. Sociologie de l' o,.ganizatio~et de l' en~~eprise. Paris:
empresa, porém mudanças nos padrões de relações de trabalho se fazem
sentir fortemente.
Presses de la Foundation Nationale des SClences polltlques-Dalloz,
1987.
~
i
Quanto ao envolvimento negociado, apenas as duas últimas empresas \
analisadas, sendo que uma com tradição de negociações sindicais mais I
consolidadas que a outra, parecem caminhar nesta direção.
1
f'
I

34 35
I
t
"1'1
MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA E RELA-
ÇÕES DE TRABALHO
Mdrcia de Paula Leite'
Os estudos .recentes ~obre o processo de modernização tecnológica têm
destacado a ImportâncIa que vêm adquirindo as inovações organizacionais
na estratégia de modernização das empresas.
Co~ efeito, tud? indica que após uma fase inicial em que os esforços
modernlzadores es~veram concentrados na aquisição de novos equipa-
mentos.. . o empresanado começou a se dar conta de que a reorganização da
produçao se ~presentava como uma questão fundamental, seja porque os
nov~s concelt~s de produção apoiados nos princípios da flexibilidade,
qualtdade e rap~dez d? processo produtivo exigiam fonnas de organização
do ~rabal~o maIS ágeIS e menos rígidas do que as que predominavam até
entao, Seja porque as n.o~as fo~as de organização do trabalho logo se
mostraram corno centraJS meIusIve para a garantia de uma utilização mais
eficaz dos novos equipamentos (Fleury, 1988' Abramo 1990- Liedke
1991). ' "
Essa realidade tem alçado a primeiro plano as preocupações com as
transfonnações qu~ vê~ ocorre.ndo nas f-orrnas de organização do processo
de trabalho, as quais vem ensejando uma grande quantidade de. trabalhos
sobre o te_ma.. A rela.ç~o entre.as. novas formas de organização do trabalho
~ as relaçoes mdustnals constltUlu-se também rapidamente num dos temas
Importa~te~ da d~scussão, ainda que a produção a esse respeito seja muito
menos slgmficatlva.
. Este. tex~o pretende ser uma contribuição a essa reflexão a partir da
slstematlzaçao de estudos anteriores que de urna forma ou de outra têm
trabalhado a questão.
* Professora da Faculdade de Educação da UNICAMP e colaboradora do LABORJInslitulo Ed
S~~.
36
1. AS NOVAS TENDÊNCIAS ORGANIZACIONAIS
1.1. As técnicas japonesas de organização do trabalho
Grande parte dos estudos que têm se dedicado à análise das caracte-
rísticas das novas fonnas de organização do processo de trabalho têm
chamado a atenção para o esforço que o patronato brasileiro vem fazendo
no sentido de introduzir as técnicas e métodos japoneses de organização
da produção, como o just-in-time, Kanbam, kaizen, organização celular,
controle estatístico de processo, sistemas participativos, CCQ, TQC etc.
Embora o processo de modernização tecnológica do parque industrial
brasileiro venha sendo lento e indicando um envolvimento muitas vezes
dúbio das empresas, seja devido às condições macroeconômicas do país,
seja em virtude das dificuldades inerentes aos próprios programas de
modernização (Fleury e Humphrey, 1992), a difusão das técnicas japonesas
vem sendo significativa e é um dado inquestionável.
Antes de passannos, entretanto, à discussão de como essas técnicas
vêm sendo introduzidas no país, seria necessário elucidar seu significado,
o que nos remete para a discussão das características da indústria japonesa
atual.
A proposta, entretanto, não é simples, tendo em vista que a primeira
dificuldade para se trabalhar nesse sentido diz respeito às controvérsias
sobre a compreensão de quais seriam as características determinantes do
, "modelo japonês"'. Para alguns, como Piore e Sabel (1984), o Japão se
apresentaria como um exemplo do novo paradigma industrial, baseado na
especialização flexível que, ao contrário do paradigma tayloristaJfordista,
se assentaria na produção diversificada e em pequenos lotes e na utilização
de uma mão-de-obra qualificada e multifuncional, mais adaptada a desen-
volver diferentes tarefas e a responder aos constantes problemas que a
produção variada coloca para as empresas. Para outros, contudo, a organi-
zação japonesa do trabalho se apresentaria mais corno um "fordismo
híbrido" (Boyer, 1989) na medida em que pode-se identificar uma série de
aspectos em que características da organização fordista do trabalho se
mantêm. Ferreira et alo (1991) sublinham, por exemplo, nesse sentido a
busca do aumento da produtividade através da supressão dos poros da
l. Tal como Ferreira et alo (1991) utilizamos aqui o tenno "modelo j:aponês" como a expreSS;lO
de um conjunto de earacteristieas que tendem a predominar naS fonuas de organização do lrabalho
utilizadas nas indústrias japonesas. Não significa. nesse sentido~ a existência de um "modelo" único e
~ acabado e nem muito menos de algo passlvel de ser transposto tal e qual a outros países.
37
 jornada de trabalho e da intensificação do trabalho que caracterizam o
taylorismo/fordismo.
É necessário considerar também que há autores que têm chamado a
atenção para o fato de que não há uma única estratégia definidora da
indústria japonesa e de que as empresas diferem significativamente na
maneira de responder aos desafios colocados pelo mercado. Esta é, por
exemplo, a posição de Humphrey (1990, para quem há, no entanto, alguns
princípios gerais que parecem guiar as empresas japonesas, especialmente
aquelas que produzem grandes volumes de produtos discretos. Nesse
sentido, mais do que um modelo, teríamos alguns princípios de elevação
da eficiência e produtividade que estariam levando a indústria japonesa a
disseminar um conjunto de métodos e técnicas de produção, os quais o
autor resume nos seguintes itens:
a) Centralização no produto. As firmas japonesas tendem a enfatizar o
produto final, mais do que o processo de produção, o que as leva a
priorizar o atendimento do cliente em termos de qualidade e de prazos
de produção e buscar uma maior integração das várias atividades da
empresa, desde o projeto e a produção até às vendas.
b) Eliminação do desperdício. Baseado na eliminação dos obstáculos, este
princípio se baseia no tempo que as peças e materiais passam dentro da
fábrica; no tempo que os materiais levam para serem trabalhados em
relação com o tempo que eles gastam dentro da fábrica; e na distância
percorrida pelos materiais dentro da fábrica. Esse princípio leva natu-
ralmente ao just-in-time que pode ser definido como "a produção da
quantidade certa, com a qualidade correta, no momento preciso em que
foi requerida" (Humphrey, 1991: 4).
c) Tentativa e erro. O processo produtivo é compreendido como um
processo que admite a melhoria contínua e o uso de práticas experimen-
tais no chão da fábrica, os quais requerem a cooperação dos trabalha-
dores e uma atitude adequada da gerência.
Ainda de acordo com Humphrey esses são princípios que definem os
objetivos da produção japonesa, mas não os métodos que devem ser
empregados para alcançá-los. Nesse sentido, não há uma única estratégia,
ou método, mas um conjunto deles que podem ou não ser empregados de
acordo com as características e necessidades de cada empresa (Humphrey,
1991: 5).
I
I
~ I
38
..
1.2. A difusão dos métodos japoneses no Brasil
Iniciando a discussão pelas técnicas que têm sido mais difundidas no
Brasil, valeria destacar o just-in-time, associado às células de manufatura
e os programas participativos, ou de envolvimento dos trabalhadores.
O just-in-time consiste num instrumento de controle da produção
baseado no propósito de atender a demanda com a maior rapidez possível
e de minimizar os estoques de matéria-prima, bem como os intermediários
e finais. Para tanto, assenta-se num sistema de informações preciso que
estabelece o momento exato, o material exato e a quantidade exata de
produção.
O sistema pode envolver a relação da empresa com fornecedores e
consumidores (just-in-time externo) ou apenas as várias etapas da produ-
ção que têm lugar no interior das empresas (just-in-time interno).
O just-in-time externo tem tido pouca difusão na indústria brasileira I
em virtude de uma série de dificuldades que vão desde problemas de I
qualificação e desenvolvimento dos fornecedores, a instabilidade da eco-
nomia brasileira e a dificuldade que as empresas enfrentam para trabalhar
com planos de prazos mais longos até a falta de condições do comprador I
l
para a viabilização do processo, e a estrutura oligopolizada da economia
brasileira que toma freqüente a produção de insumos intermediários por
um único fornecedor, gerando grande vulnerabilidade da produção em caso
2
de interrupção do fomeciment0 • I
Já o just-in-time interno baseia-se na integração das várias etapas da
produção no interior de uma mesma empresa, a partir das necessidades
colocadas pelas vendas. O fluxo de produção passa, nesse sentido, a ser
puxado de trás para frente, com a operação subseqüente pressi~nando a I
precedente e, em geral, utilizando-se do Kanban (indicador VIsual em
forma de cartão ou de placa) que transmite a infonnação sobre a produção
necessária de uma etapa a outra. A tendência é de se produzir os menores
lotes possíveis de forma a propiciar que ernerjam os problemas anterior-
mente mascarados pelos estoques. O sistema vem se difundindo rapida-
I
mente no país entre as indústrias de produção seriada, especialmente na
metal-mecânica e indústrias de montagem, onde tem vindo associado ao
sistema de células de fabricação e à tecnologia de grupo.
I
2. Já não são poucos os casos encontrados de empresas que tíveram SU~ produção paralisada em I,
função da inteoupção de fornecimento de insumoS, por exempJo, por mOtIvo de greve na empresa
fornecedora.
39
 As células ou ilhas de fabricação constituem-se, por sua vez, numa
forma de organização da produção em que as máquinas são dispostas em
grupos de forma a acompanhar o fluxo das peças. Substituindo o arranjo
funcional (no qual as máquinas são agrupadas segundo os tipos), essa nova
forma de disposição dos equipamentos prescinde inclusive da tecnologia
mÍcroeletrônica, podendo ser utilizada com qualquer tipo de máquina. Sua
evolução lógica, entretanto, pressupõe a introdução dos equipamentos
computadorizados e a constituição dos sistemas flexíveis de manufatura
(FMS) que consistem na formação não só de células baseadas em máqui-
nas-ferramenta a comando numérico computadorizadas, como na integra-
ção com o departamento de métodos e processos, o que permite que sejam
monitoradas à distância através de terminais de computação (CAM).
Embora o sistema de células venha se difundindo rapidamente entre
as empresas, são ainda muito raros os FMS. Segundo Fleury e Salemo
(1989: 29), o maior e mais famoso é encontrado numa empresa que produz
um único produto com altos tempos de ciclo de produção, não se conhe-
cendo até o momento nenhum tipo de instalação "que aceite chegada
aleatória de ordens de produção e que seja monitorada à distância por
terminais de computador.
Todavia, apesar de não terem avançado muito no sentido da integração
com os escritórios, esse tipo de organização da produção vem permitindo
diminuir bastante o lead time das peças, na medida em que, dada a
integração entre as máquinas de cada célula, elimina-se o tempo que as
peças têm que normalmente aguardar nas prateleiras para poderem ser
usinadas em cada máquina, viabilizando também uma sensível redução dos
estoques intennediários. Convém destacar que o grupamento celular im-
plíca também, em geral, urna intensificação do trabalho, já que normal-
mente vem associado à prática de destinar mais de uma máquina (podendo
chegar até ao conjunto de máquinas de cada célula) a um mesmo operário.
É importante lembrar que o grupamento celular vem sempre acompa-
nhado da tecnologia de grupo, que se baseia no agrupamento das peças a
partir de sua similaridade geométrica e seqüência de processamento e na
destinação do mesmo grupo de peças às mesmas máquinas, diminuindo
significativamente o tempo de preparação dos equipamentos.
Seria importante ressaltar que a organização do trabalho baseada nos
princípios do just-in-time e na organização celular vem sendo quase
sempre acompanhado pela utilização do CEP, que consiste na integração
do controle de qualidade à produção. Baseando-se "na utilização de
conceitos básicos de estatística (média e desvio padrão), no controle de
qualidade de cada operação e em cada posto de trabalho" (Neto, 1989: 3.3),
de forma a facilitar que ele possa ser feito pelos próprios operadores de
máquina, o CEP está intimamente ligado ao just-in-time. Conforme expli-
40
cita Salemo (1985: 195), "ao reduzir lotes em processo, a qualidade de
conformação da fábrica fica mais exposta, toma-se mais difícil esconder
peças inadequadas e chega-se mais facilmente à origem dos problemas.
Quem produz é responsável por aquilo que faz, sendo que quanto menos
pessoal não ligado diretamente à produção, à atividade de transformação,
melhor. Assim, agregam-se às tarefas de operação certos tipos de inspe·
ção".
Da mesma maneira, vale destacar a integração da manutenção preven-
tiva na produção, na medida em que as tarefas de rotina relacionadas à
manutenção de equipamentos como limpeza, lubrificação e troca regular
de peças e materiais vem sendo transferida dos manutentores para os
próprios operadores (Leite, 1990).
Convém salientar ainda a difusão dos programas participativos, ou de
envolvimento dos trabalhadores, entre os quais se destacam os CCQ i
(Círculos de Controle de Qualidade). Estes, embora já tenham sido anali- ! I
sados (Freyssenet e Hirata, 1985) como não se constituindo num aspecto
organizacional (na medida em que se configura como uma estrutura
paralela que não interfere na organização do trabalho das empresas),
também têm sido apontados (Schõnberger, 1984: Escrivão Filho, 1987)
como parte integrante dojust-in-time. Conforme esclarece este último, no
Japão, os CCQ nascem no contexto do surgimento do just-in-time e de uma
ampla campanha ideológica pela qualidade que tomou conta do país nos
anos 50 e 60. Nesse sentido, eles estariam integrados a uma filosofia central
das novas fonnas de organização do trabalho, que consiste na preocupação
com a qualidade.
Qualquer que seja, entretanto, a compreensão a respeito de sua relação
com a estrutura organizacional, existe um certo consenso no sentido de I
que, além dos objetivos técnicos relacionados à melhoria da qualidade e à
,~\
economia de custos, os CCQ têm também um objetivo ideológico expresso
na busca gerencial de envolver os trabalhadores com as metas das empresas
e criar uma identidade entre a direção e os operários (Freyssenet e Hirata,
1985: 6). Nesse sentido, os círculos podem ser entendidos como comple-
mentos importantes do sistemajust-in-time, na medida em que ele aumenta
a vulnerabilidade a que as empresas ficam expostas face à organização e
mobilização dos trabalhadores com a diminuição dos estoques, tornando-
as, nessa medida, mais dependentes da colaboração do coletivo de traba-
lhadores.
Ainda que os esforços empresariais no sentido da implementação de
programas participativos no Brasil tenham sido bastante significativos, a
difusão dos círculos de controle de qualidade se mostrou bastante proble-
mática na década passada, tendo em vista o caráter conflitivo õas relações
de trabalho no país e a resistência das empresas em ampliar a participação
41
 dos trabalhadores nas decisões relativas ao processo produtivo. O fracasso
da primeira onda de introdução dos círculos nos anos 80 não significa,
entretanto, que o patronato não continue investindo em programas partici-
pativos.
2. NOV~S FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E
RELAÇOES INDUSTRIAIS
Se a difu~ã? das técnicas e métodos japoneses de produção nas
empres~s brasl1elras ?ode s~r considerada como um dado inquestionável,
na med~da em que e atraves deles que O empresariado vem buscando
modernJzar suas empresas, a discussão sobre a forma como essas técnicas
vêm sendo introduzidas em nossas empresas, entretanto é bastante com-
p!e~a e é ~reci.samente neste ponto que a questão da modernização tecno-
loglca se 1mbnca com a das relações de trabalho.
O balanço da bibliografia especializada sugere claramente desde o
início uma opção do e~pr~s~ado brasileiro por uma modernização con-
servadora, na qual as 11llclatlVasde reorganização do trabalho tendiam a
manter características importantes da organização. taylorista/fordista do
tr:ab~lho como a co?centração do planejamento e concepção nas mãos dos
tecmcos e engenheiros e a centralidade do trabalho individualizado e em
t:.mpos impostos. Do mesmo modo, a literatura apontava para a manuten-
çao das forma.s de gestão da mão-de-obra autoritárias e pouco compatíveis
com o env~lvlmento dos traba~hadores que vêm predominando há longos
anos no paiS, baseadas nos baIXOS salários, na divisão dos trabalhadores
através de políticas salariais que buscam individualizá-los, na resistência
em estabilizar lninimamente a mão-de-obra.
Com efeito, já nos primeiros estudos sobre o tema, dedicados em sua
maio: parte à aná!ise. da difusão dos programas participativos, o caráter
confll11Vo e autontáno das relações de trabalho no Brasil foi detectado
como um elemento importante a modificar as características dos círculos
d~ controle de qualidade em relação à experiência japonesa ou até a
dificultar a sua disseminação no país.
Os t~abalhos pioneiros de Hirata (Hirata, 1983; Freyssenet e Hirata
I ?85; Hlrata, 1.990) foram enfáticos nesse sentido, apontando sempre ~
dlficul~ade_de Incorporação de "técnicas gerenciais que dependem, para
sua aphcaçao e seu sucesso, de condições sócio-culturais e históricas bem
partü:ulares': ÇHirata,.1983: 65) e sublinhando os limites impostos pelas
relaçoes SOCiaiS em VIgor na sociedade brasileira. Entre outras formas de
a~aptação da experiênciajaponesa no Brasil, a autora destacava a resistên-
CIa das .e'Jolpre~as em d~l~gar decisões aos trabalhadores da produção, bem
com a hrmtaçao da partICIpação a trabalhadores mais qualificados, técnicos
42
e supervisores e apontava o risco de que os objetivos iniciais do CCQ
estivessem sendo defonnados em nosso país.
As dificuldades por que passavam os CCQ no Brasil foram também
consideradas por Salemo (1985) que sublinhou a pequena abrangência dos
assuntos tratados nos grupos (sendo a maior parte deles relacionados a
problemas de custo), assim como a resistência dos sindicalistas aos pro-
gramas e as denominações pejorativas que eles comumente davam aos
círculos como forma de desvalorizá-los frente ao conjunto dos trabalhado-
res. Em estudo mais recente o autor chamava também a atenção para a
tentativa empresarial de utilização dos CCQ como forma de disciplinari-
zação da iniciativa operária, apontando a ocorrência de "casos de altera-
ções no método de trabalho por iniciativa operária que, apesar de terem
tomado a produção mais eficiente, foram revogados pela engenharia de
métodos dado que o processo se deu fora de seu controle" (Salemo, 1991:
10).
Na mesma linha de considerações encontra-se o trabalho de Carvalho
(1987), que ressaltava a vinculação dos CCQ em uma grande montadora
de automóveis à hierarquia da empresa e seu controle pelos técnicos e
supervisores, bem como a contradição presente na indústria automobilís-
tica brasileira, na medida em que o objetivo dos CCQ "em conquistar a
confiança e o interesse dos trabalhadores entra em conf1i(ó com a manu-
tenção da linha fordista como sistema de controle técnico do trabalho"
(Carvalho, 1987: 204 e 205).
Essas questões foram sublinhadas ainda por Humphrey (1989) ao
discutir a implicação da adoção de técnicas japonesas na organização do
trabalho das empresas brasileiras e chamar a atenção para a necessidaqe
de adaptação das técnicas japonesas em nosso país, tendo em vista a
resistência do empresariado em adotar métodos baseados na participação ,'
dos operários.
Também no que se refere às demais técnicas e métodos japoneses,
muitos estudos enfatizaram a diferença entre a maneira como eles tendem
a ser empregados no Japão e o modo como estavam sendo difundidos no
Brasil, sublinhando o caráter autoritário das relações de trabalho no Brasil
e a resistência do patronato brasileiro em conviver com uma participação
mais efetiva dos trabalhadores nas decisões relativas ao processo de
produção, bem como a aceitar o trabalho em equipe.
Já em 1985 Salerno alertava para o fato de que a maneira como o
just-in-time vinha sendo introduzido no Brasil tinha muito pouco a ver com
o trabalho multiqualificado exercido por equipes de trabalhadores. Basean-
do-se num estudo de caso de uma empresa produtora de motores, o autor ·1
i
frisava que o conteúdo do trabalho só havia sido alterado no sentido da
padronização: "qualquer noção de trabalho menos monótono, participati- i
r
II
43
,I.
f
I'.

vo, em grupo, não encontra sustentação; o operário faz durante sua jornada
uma seqüência limitada de operações padronizadas e repetitivas; a poliva-
lência significa a capacidade de alimentar mais de um tipo de máquina,
antes de ser o operário especializado em cada uma delas; o grupismo se
refere a um grupo de máquinas e não a um grupo de trabalhadores"
(Salerno, 1985: 199). Em 1991 o autor voltaria a insistir nessas questões
ao afirmar que "boa parte da implantação dos sistemas de manufatura
celular elou just-in-time verificada até agora segue uma rígida divisão do
trabalho. A maior (qualificação) para operadores de célula seria a discipli-
na fabril, não o conhecimento técnico" (Salerno, 1991: 5). Sublinhando o
caráter con,servador da mo~ernização brasileira, Salerno ressaltava que "o
trabalho, Via de regra, contInua tendo uma prescrição individual, via carta
de processos, roteiros de fabricação ou ordens orais. A polivalência parece
ser antes uma multitarefa do mesmo teor (...) do que um desenvolvimento
de múltiplas habilidades por uma força de trabalho altamente qualificada"
(Salerno, 1991: 9). Apontando ainda a ausência de autonomia dos operários
na definição dos métodos de trabalho e na alocação das atividades no
decorrer da jornada de trabalho nas empresas com células de produção, o
autor insistia nas formas específicas que a difusão de métodos organiza-
cionais baseados no "modelo japonês" estavam assUlnindo no Brasil,
concluindo com a feliz expressão de que aqui "o modelo deixa de ser
japonês para tornar-se nissei" (Salerno, 1991; 8).
Também Ferreira et aI. (1991) frisaram as diferenças no uso das
técnicas japonesas no Brasil e no Japão. Partindo do princípio de que o
"modelo japonês" não consiste apenas numa sorna de métodos e técnicas,
mas antes numa forma de organização da produção que se assenta "num
conjunto de relações sociais de trabalho onde há participação coletiva na
inovação, na resolução de problemas, na gestão da produção e onde o
processo produtivo é baseado no trabalho em grupo" (Ferreira et a1.,·1991 :
18), os autores chamavam a atenção para a impropriedade de se caracterizar
as tendências atuais de organização do trabalho no Brasil como se elas
pudessem estar significando a introdução do "modelo japonês" no país,
tendo em vista as características diferentes que tendiam a predominar nas
relações de trabalho, marcadas pela dificuldade do patronato em adotar
seja o trabalho em grupo, seja urna participação mais efetiva dos trabalha-
dores na gestão da produção.
A relação do caráter conservador das relações de trabalho no Brasil
com as opções técnicas relacionadas à organização da produção foram
apontadas por vários outros estudos dedicados à questão.
Analisando especificamente o caso da indústria automobilística, Car-
valho e Schmitz (1990) sublinharam que ao invés de urna superação dos
princípios fordistas, a modernização tecnológica estaria significando no
44
II
• j
Brasil uma extensão da linha de montagem a postos que anteriormente não
estavam sujeitos a tempos impostos de maneira tão rígida como os da linha.
Da mesma forma, a resistência da gerência em permitir que os traba-
lhadores participassem dos trabalhos de programação das máquinas a
comando numérico como forma de garantir o controle sobre a força de
trabalho evidenciou-se em estudo desenvolvido em urna grande empresa
produtora de máquinas que possuía uma importante tradição inovadora e
vinha envidando esforços importantes no sentido da modernização (Leite,
1990).
Em 1990 Humphrey sugeria que a opção que estaria sendo desenvol-
vida no Brasil seria a do just-in-time taylorizado, na qual "os gerentes
podem usar o just-in-time como um meio de definir as tarefas de trabalho
e revelar se elas estão ou não sendo executadas", com um aumento
significativo da pressão sobre os trabalhadores e a gerência tentando dirigir
a fábrica como se fosse uma máquina. Embora considerando essa alterna-
tiva corno um meio de controle menos eficiente do que o uso de uma força
de trabalho bem motivada dividida em pequenos grupos que se ajudariam
entre si, Humphrey considerava que esta poderia ser a maior aproximação
aos métodos japoneses que muitas empresas brasileiras poderiam alcançar
(Humphrey, 1990: 19).
O caráter conservador da moderni zação brasileira veio também à tona
com os estudos sobre as políticas de gestão da mão-de-obra, as quais foram
sendo sucessivamente analisadas como desestimulantes para o envolvi-
mento dos trabalhadores com os objetivos das empresas e muitas vezes
contraditórias em relação aos objetivos de flexibilização do trabalho,
colocados pelo processo de modernização.
Embora os estudos sobre a flexibilidade do trabalho no Brasil tenham
elucidado que o exemplo brasileiro é muito mais flexível do que o da
maioria dos demais países, tendo em vista que os principais aspectos do
processo de trabalho são isentos de regulamentação, evidenciou-se que há
características da política de gestão das empresas que tendem a enrijecer
a estrutura organizacional ao invés de flexibilizá-la. É o caso, por exemplo,
3. Comefeilo. a inexistência da contratação coletiva de trabalho no país faz com que os principais
aspectos do processo de trabalho relacionados. por exemplo, aOS tempos. ritmos e volumes de trabalho
sejam isentos de regulamentação. o que dá uma ampla margem de mano!". il gerência das fábricas
para modificá-los de acordo com as necessidades da produção. D. mesma fonoa, nio há muitos
empecilhos a acomodações de horário, tendo em vista o recurso às horas extras, largamente utilizado
pelo parronato. bem como l transferência de trabalhadores entre ünhas. setores ou mesmo plantas de
uma mesma empresa.
Em interessante estudo romparalivo entre uma planta inglesa e uma pl.nta brasileira da Ford,
por exemplo, EUs.belh Silva (1991) aponta a maior flexibilidade do trabalho no país como um
importante rator expUe.tivo do bom desempenho da fábrica brasileira quando comparada com sua
congênere inglesa. apesar de ela se encontrar num estágiQ muito menos avançado em lennos de
introdução da automação industrial.
45 i
r
,I
I·
I.
 das políticas de cargos e salários que, por se apoiarem na preocupação de
dividir o coletivo de trabalhadores e incentivar a disputa entre eles para
poder melhor controlá-los, baseiam-se num grande número de faixa~ e
steps, tomando difícil a movimentação dos trabalhadores entre os vários
, namento da mão-de-obra (Humphrey, 1982; Stutman, 1981), o recurso às
_'1
postos.
Há já um número razoável de estudos de caso que trouxeram à tona
conflitos gerados por problemas desse tipo. A fim de elucidar a questão,
citaremos dois exemplos encontrados no ABe paulista, que se apresentam
como importantes testemunhos de como a cultura do "dividir para reinar"
tem se mantido forte entre o empresariado brasileiro.
Em uma empresa metal-mecânica, a necessidade de deslocar por
curtos períodos de tempo alguns trabalhos de ferramentaria para um grupo
de retificadores gerou uma greve de 12 dias em toda a fábrica devido às
diferenças salariais entre os dois postos de trabalho e a exigência dos
trabalhadores - não aceita pela empresa - de que o trabalho de ferramen-
taria feito pelos retificadores fosse pago a partir dos mesmos valores pagos
aos ferramenteiros. Para contornar o problema, a empresa, ao invés de
eliminar ou diminuir a diferenciação entre as duas categorias, optou por
criar uma outra faixa entre os retificadores relativa à categoria de retifica-
dor especializado com uma remuneração diferenciada para um grupo de
retificadores que ficou também encarregado de fazer o trabalho de ferra-
mentaria quando necessário (Leite, 1990)4. Em Uma montadora, onde as
máquinas de usinagem eram classificadas em A, B, e, D... e destinadas a
operadores também classificados em A, B, e, D ... que correspondiam a
diferentes faixas salariais, de acordo com a máquina que operassem, a
necessidade de deslocamento dos trabalhadores entre as máquinas por
parte da empresa gerou uma operação tartaruga (redução do ritmo de
trabalho) entre os trabalhadores e a reivindicação de unificação das faixas
salariais. A empresa respondeu ao movimento com uma rigidez ainda
maior, etiquetando as máquinas para evitar o que foi considerado como um
"uso 'desregulado' da força de trabalho" (Salerno, 1991t
Por outro lado, o excesso de flexibilidade presente na inexistência de
impedimentos legais à demissão de trabalhadores desde 1967 gerou entre
as empresas a prática de trabalhar com altas taxas de rotatividade da
mão-de-obra. Apesar de que elas vêm tendendo a diminuir em relação aos
4. É interessante notar que esse tipo de gestão salarial se diferencia muüo daquela praticada pela
matriz da empresa na Suécia. onde a esínJtura de cargos é muito mais "enxuta" e se apóia centralmente
na qualificação dos trabalhadores e na avaliação das equipes de trabalho.
S. Esses casos contrastam fonemente com muitos outros exemplos. como o da Foro de Henno·
siJ1o, no México. onde a estrutura de cargos e salários foi estabelecida a partir de 8 categorias de
trabalhadores da produção e na qual o critério de ascensão é determinado de acordo com os
conhecimentos dos trabalhadores e não com postos de trabalho rigidamente determinados (Menens.
1990).
46
índices observados nos anos 70 quando as empresas se utilizaram larga-
mente da rotatividade não só como fauna de garantir que os salários se
mantivessem em baixos patamares, mas também como forma de discipli-
demissões como forma de enfrentamento das crises de produção já foi
bastante apontado como um impedimento à adesão dos trabalhadores aos
programas participativos tipo eCQ, TQC ou outros.
Muitos estudos de caso chamaram a atenção para a dificuldade de os
programas de envolvimento dos trabalhadores terem êxito no Brasil devido
às constantes demissões de trabalhadores feitas pelas empresas (Tauile,
1990; Humphrey, 1990). Talvez o exemplo mais ilustrativo a esse respeito
seja o de uma empresa metal-mecânica no Rio Grande do Sul, estudada
por Rodrigues (1991), a qual dedicou vários anos à reorganização produ-
tiva baseada no just-in-time e outras técnicas japonesas. O processo, ainda i
I
que permeado por conflitos, contou com a colaboração dos trabalhadores
que deram várias sugestões à empresa (s6 em 1989 foram sugeridos pelos il
.1
trabalhadores 680 projetos de melhorias na produção, dos quais 105 foram
considerados factíveis). Após, entretanto, uma onda de demissão massiva
por parte da empresa, em que a mão-de-obra foi reduzida a menos da
metade (de 3.600 para 1.700 funcionários) no período de um ano, os
trabalhadores retomaram uma posição de desconfiança que se constituiu,
segundo a autora, no motivo fundamental da falência do projeto de implan-
tação do just-in-time.
j
~I
É assim que esse conjunto de características presentes nas formas de
organização do trabalho e de gestão da mão-de-obra, associadas à tradicio- li
11'
nal resistência do patronato brasileiro em negociar as questões relaciona-
das à organização e condições de trabalho6, foi consolidando um certo
.I,
consenso entre os analistas de que o país estava se encaminhando em i
direção a um modelo bastante conservador de modernização que, conforme J"
apontávamos em 1991, tendia a combinar a "inovação tecnológica com >
práticas extremamente conservadoras de gestão da mão-de-obra que, por
sua vez, dificultam a adoção de formas de organização do trabalho basea-
das numa participação mais efetiva dos trabalhadores nas decisões relati-
vas ao processo produtivo" (Leite e Silva, 1991: 15).
Alguns estudos recentes, entretanto, parecem estar indicando alguma
mudança na postura dos empresários brasileiros. Gitahye Rabelo (1991),
por exemplo, apontam para uma mudança significativa nas estratégias de
recursos humanos das empresas de autopeças da região de Campinas,
sublinhando a preocupação do patronato com a escolarização e estabiliza-
6. Sobre a negociação das novas fonuas de organização de trabalho, ver Bresciaoi (1991).
47
 çâo da mão-de-obra, bem como com propostas de modificações nas
estruturas de cargos e salários que vêm levando a ''um notável enxugamen-
to do número de cargos na empresa, diminuindo as fortes diferenças
hierárquicas que caracterizam a maior parte das empresas brasileiras"
(Gitahy e RabeIo, 1991: 26).
Baseando-se numa investigação realizada no final de 1990 e na pri-
ri meira metade de 1991 em uma amostra de 18 empresas do setor, os autores
,I ressaltam que "uma conseqüência importante do processo de adaptação
das empresas da amostra ao novo ambiente competitivo (...) foi a moder-
,
;;.
nização da gestão de recursos humanos" e que as empresas perceberam nos
últimos anos "que uma área de recursos humanos bem estruturada era uma
condição fundamental para uma efetiva introdução dos novos instrumentos
de garantia de qualidade" (1991: 20). Gitahy e Rabelo insistem que quase
todas as empresas estavam se reestruturando no sentido de introduzir uma
visão mais estratégica na área de recursos humanos, na qual a preocupação
com o elemento "humano" assume uma importante centralidade, ainda que
não possa ser ignorado o alerta dos autores no sentido de que as empresas
de capital estrangeiro estavam bem à frente das de capital nacional.
Também Humphrey (1991) encontrou tendências semelhantes em
empresas do Rio Grande do Sul, onde o patronato vem se mostrando
disposto a desenvolver políticas de treinamento e estabilização da mãó-de-
obra. Embora destacando que as firmas não dão em geral garantia da
estabilidade, "em parte por causa da incerteza das condições macro-eco-
nômicas no Brasil e em parte porque elas querem manter o direito de
demitir os trabalhadores que não cooperam" (1991: 12 e 13), o autor
ressalta a estabilização da mão-de-obra como a principal transformação
nas condições de emprego que a adoção dos métodos japoneses estaria
gerando, a qual poderia ainda ser vista como "uma conseqüência do maior
treinamento e responsabilidade dos operadores" (1991: 12).
Esses novos "achados" colocam, sem dúvida, novas questões aos
estudiosos do assunto, as quais não parecem muito fáceis de serem respon-
didas: Estaria o empresariado brasileiro efetivamente optando por uma
modernização mais sistêmica, baseada no enriquecimento do trabalho e
em relações de trabalho mais democráticas? Até que ponto a postura
assumida pelas gerências das empresas encontradas nas pesquisas de
Humphrey, Gitahy e Rabelo pode ser estendida, senão para o conjunto.
pelo menos para uma parte significativa do empresariado brasileiro ou se
restringe a apenas algumas grandes empresas tecnologicamente mais de-
senvolvidas? O estágio das pesquisas no país seria suficiente para nos
pennitir realmente falar de uma nova tendência das empresas no que se
refere às formas de gestão da mão-de-obra? E, finalmente, se assumimos
48
que as empresas estão efetivamente mais dispostas hoje à adoção de uma
modernização mais sistêmica, na qual, como apontam Gitahy e Rabelo
(1991 :-18), "os temas da cultura gerencial e da importância da qualificação
e gestão de recursos humanos passa a ser abordada de forma mais sistemá-
tica", seria necessário perguntar ainda até que ponto essas transformações
estariam apontando para modificações mais substanciais nas relações de
trabalho no sentido da adoção de um modelo de relações industriais
efetivamente mais democrático e participativo.
Ainda que essas questões não possam ser elucidadas sem um avanço
significativo da pesquisa no país, seria importante considerar que posturas
semelhantes às encontradas por Humphrey, Gitahy e Rabelo vêm sendo
também registradas em alguns importantes documentos empresariais.
Em um documento interno de uma organização que congrega os 20
mais importantes grupos empresariais do país, por exemplo, encontram-se
inúmeras alusões à necessidade de formação e treinamento da mão-de-obra
e de melhoria do sistema educacional do país no sentido de garantir a
formação básica dos trabalhadores brasileiros, assim como uma análise das
atuais relações gerenciais/trabalhistas como um elemento que contribui
para o atraso tecnológico das empresas brasileiras, tendo em vista seu
caráter anacrônico, que encara o trabalho como um custo e não como um
recurso primordial da produção, dando pouca atenção à participação, ao
treinamento e à formação de operários polivalentes. Criticando ainda a
persistência de padrões atrasados de relações trabalhistas por multiplica-
rem desnecessariamente os conflitos ao invés de buscarem um consenso
em prol da produtividade, o documento aponta para um projeto de moder-
nização competitiva para o Brasil baseado num mínimo de solidariedade
social que se assenta num modelo de modernização sistêmica não só a nível I,
individual das empresas, como da economia como um todo? I
Nesse sentido, o documento parece vir confirmar as descobertas das
últimas pesquisas com relação a uma nova postura no que se refere às
relações de trabalho, ainda que seja difícil dimensionar em que medida
estas idéias estariam difundidas no meio empresarial como um todo.
Seria necessário considerar, contudo, que a ausência de propostas
voltadas para a negociação das transformações em qualquer documento
empresarial de que se tem notícia, bem como a prática patronal de continuar
se opondo à negociação dessas questões com os sindicatos e trabalhadores
não pode deixar de ser considerada como uma séria limitação a transfor-
mações mais significativas no modelo brasileiro de relações industriais que ~
(
7. Cf. Mudar para Competir: Modernização Competitiva, Der1WCracilJ e Justiça Social, IEDI I
l
(Instituto de ESludos para o Desenvolvimento Industrial), São Paulo, junho/no
I
49
[
J
apontem em direção a um novo sistema efetivamente mais democrático e
participativo, ainda que as novas tendências de gestão possam ser suficien-
tes para lograr um clima de maior harmonia e menor conflitividade no
interior das empresas, mais favorável às novas formas de organização do
trabalho e ao envolvimento dos trabalhadores com os objetivos do processo
produtivo.
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~ I
53

TRABALHO E ORGANIZAÇÃO NA EMPRESA
INDUSTRIAL INTEGRADA E FLEXÍVEL
l
Mário Sérgio Salemo
Dentre os inúmeros aspectos, análises e formas de abordagem que o
processo de reestruturação produtiva comporta, as questões organizacio-
nais e de caracterização da atividade de trabalho merecerão nossa atenção
neste texto. As questões organizacionais ganharam notoriedade tanto pelo
fracasso de inúmeras tentativas de automação, quanto pelos sistemas tipo
just-in-time ou grupos semi-autônomos, ainda que seja muito mais ampla;
as questões relativas à atividade de trabalho' na empresa "reestruturada"
não mereceram tanto destaque nas discussões teóricas, metodológicas ou
práticas, sendo restritas a grupos pequenos de analistas, pesquisadores e
agentes diretos (gerência, trabalhadores e sindicatos), mas são fundamen-
tais tanto para um aprofundamento da discussão de qualificação e formação
profissional, quanto para instrumentalizar o incremento do desempenho
dos sistemas de produção.
Teremos então duas unidades de análise: a empresa, e a atividade de
trabalho em si. Abordaremos inicialmente os parâmetros que conformam
as trajetórias organizacionais das empresas, passando para a discussão das
alternativas organizacionais e tecnológicas que as viabilizam, desembo-
cando na discussão do trabalho.
l. Professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP.
Agradeço os comentários de Helena Rirat•.
2. A abordagem que proporemos não se confunde com a discussão "qualificação-desqualifica-
ção". mas pauta-se pela análise do trabalho, envolvendo o que efetivamente é feito n. produção. e não
apen.s no que está fonnalizado na descrição de cargos ou na de métodos e procedimentos. Tampouco
poder-se-ia. confonne esse procedimento. tecer considerações sobre o trabalho direto a partir de
entrevistas com gerentes-, engenheiros ou pessoal da área de recursos humanos.
54
1. FLEXffiILIDADE E INTEGRAÇÃO:
CRITÉRIOS PARA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA
A reestruturação produtiva tem sua 16gica derivada de um contexto
social, político e econômico marcado pelas crises financeiras, de mercado
(ou de concorrência intercapitalista) e social (conflitos capital-trabalho,
relativos à organização e controle da produção e do trabalho, e distributivo)
que emergem nos anos 60/70, e colocam para as empresas novas necessi-
dades de integração (para dar saltos de produtividade, necessários devido
tanto ao acirramento da concorrência quanto aos entraves sociais colocados
às formas tradicionais de organização da produção e do trabalho) e de
flexibilidade (como forma de fazer frente a um ambiente - especialmente
a um mercado - pouco previsível e com alta instabilidade). Daí surgir o
paradigma da empresa integrada e flexível, contrapondo-se àquele da
empresa "taylorista-fordistá".
Esta é caracterizada ou pela produção de produtos padronizados em
alto volume, ou pela produção mais diversificada mas com um grau de
integração relativamente mais baiJw. É preciso muito cuidado com a
extrapolação linear do "tipo idear' paradigmático para a economia como
um todo; da mesma forma que a linha de montagem não diz respeito a todas
as empresas, a produção integrada e flexível também não o dirá. Não
devemos nunca esquecer a grande heterogeneidade e coexistência de
formas diferentes de padrões tecnológicos e sua difusão.
É preciso lembrar que flexibilidade e integração não são propriedades
únicas e homogêneas dos sistemas de produção, e que as necessidades de lIi
flexibilidade e integração, além de historicamente delimitadas, não se
apresentam de forma homogênea, nem no tecido econômico, nem no
interior de uma dada fábrica. Elas vão depender, entre outros, do tipo de
produto, do tipo de processo, do tipo de mercado (relação produto-proces-
sa-mercado), do tipo de estratégia competitiva praticada, da organização
e das relações de trabalho.
De uma forma simplificada, podemos considerar a integração, para
efeitos deste texto, como relacionada tanto aos fluxos materiais de produ-
ção quanto aos fluxos informadonais. Já flexibilidade será conceituada
como "a habilidade de um sistema produtivo para assumir ou transitar entre
diversos estados sem deterioração significativa, presente ou futura, de
custos, qualidade e tempos, sendo uma variável de segunda ordem, não
homogênea, definível a partir de aspectos inlra e extrafábrica" (Salemo,
1991: 76).
55

2. A DISCUSSÃO DOS NOVOS PARADIGMAS
ORGANIZACIONAIS
Uma vez que a reestruturação produtiva visa atingir objetivos de
flexibilidade e integração, o padrão tecnológico tradicional vai perdendo
espaço para um outro mais afinado com esses objetivos. Informática e
automação flexível (de base microeletrônica) são os componentes mais
conhecidos do padrão tecnológico emergente, ao lado das mudanças
organizacionais. As análises sobre a reestruturação produtiva em curso
mostram que não é possível tratar informática e automação isoladas da
questão organizacional. Zarifian (1993), por exemplo, considera que o
diferencial de performance (desempenho) de uma empresa industrial fren-
te à outra está ligada à qualidade de sua organização.
Somando-se ao fato de illúmeras pesquisas no Brasil mostrarem uma
difusão relativamente baixa de equipamentos e sistemas de base microele-
trônica, ao lado de uma difusão muito mais significativa de mudanças
organizacionais, privilegiaremos a discussão da caracterização dos novos
paradigmas organizacionais, e não abordaremos a caracterização de outros
componentes do novo padrão tecnológico como a automação e a informá-
tica.
Propomos quatro neveis para a discussão das mudanças organizacio-
nais em curso na indústriaJ, antes de discutirmos o trabalho em si:
2.1. Mudanças na relação entre empresas
Através de acordos cooperativos, compartilhamellto de projeto e ca-
pacidades produtivas (como no caso da Autolatina), desenvolvimento
conjunto de produto e processo entre clientes e fornecedores produtivos,
aumento da subcontratação via terceirização etc. Esta última vem sendo
objeto de muitas análises: consideramos que o processo de terceirização
comporta três possibilidades não excludentes:
- a terceirização da atividade produtiva propriamente dita, quando a
empresa que terceiriza deixa de produzir certos itens e passa a com-
prá-los de fornecedores;
- a terceirização de atividades de apoio, de serviços de apoio à
produção, via contratação de empresas que fornecem esse serviço - é
3. Dada a exigüidade de espaço. faremos apenas um enunciado: para uma discussão mais
cuidadosa e dernlhada segundo a estrutura exposta, vide Salemo (1991). Vide também Zarifian (1993).
56
o caso típico das atividades de vigilância, jardinagem, restaurante,
serviço médico, limpeza, manutenção etc.;
- a'sublocação de mão-de-obra para ser empregada na atividade
produtiva - a empresa contrata uma "agenciadora" de mão-de-obra
que aloca trabalhadores para trabalharem na atividade direta da con-
tratante, mas com vínculo com a contratada. Fazelldo um paralelo,
seria o esquema de "gatos", usado para agenciamento de bóias-frias
no campo, agora estendido à atividade fabril "moderna" - como se vê,
o "moderno" não tem pudores de se utilizar de recursos arcaicos.
2.2. Mudanças na organização geral da empresa
Via abrandamento das estruturas divisionais e funcionais clássicas,
constituindo-se uma organização mais voltada a resultados, e menos
calcada em especialidades; a terceirização pode relacionar-se a esse "en-
xugamento" organizacional. Abrange, portanto, a definição de "unidades
de negócios", a redução de níveis hierárquicos, a redivisão das áreas de
competência ("diretorias", "departamentos" etc.) com a quebra das divi-
sões funcionais - por exemplo, agrupando diretorias de produção, quali-
dade, manutenção, suprimentos numa área só, de "operações". Integração
de áreas, particularmente projeto do produto, vendas e produção: projeto
conjullto de produto e processo, engenharia simultânea, designfor manu-
facturing, designfor assembly colocam novos critérios de projeto e de seu
relacionamento com a prodUÇão.
As mudanças relativas à forma de encarar a atividade de projeto do
produto são extremamente relevantes ~ não são poucos os autores que
creditam uma grande parte do sucesso de parcelas da indústria japonesa à
forma, métodos e organização referentes à atividade de projeto e sua
integração com a produção (Zarifian, 1993; Berggren, 1993).
2.3, Mudanças na organização da produção
Busca-se a redução do tempo de atravessamento, aumento do giro do
capital e redução de estoques, numa situação de produtos variáveis ao
longo do tempo. O tempo de atravessamento, em sua formulação genérica,
envolve todo o intervalo entre o fechamento de um negócio e a entrega do
produto nas condições previstas; o tempo de atravessamento na produção
é caracterizado pelo intervalo entre a ordem de produção e o término da .~
confecção do produto. I
Em indústrias de produção discreta em lotes (autopeças, mecânica
etc.), são fundamentais os conceitos de tecnologia de grupo, célula de
II
Ir
57
I
!'
;1.
 T
produção e rninifábricas. A organização ~adicional ~ funci~nal, onde os
equipamentos são agrupados segundo seu tipo ou funçao (seçoes de tomos,
seções de fresa, de retífica etc.), o que tende a levar a um giro muito lento
do capital circulante e a um grande volume de estoque intermediário. A
tecnologia de grupo visa fonuar famHias de peças com roteiro produtivo e
geometria semelhantes, para que possam ser produzidas inteiramente num
conjunto de máquinas organizadas seqüencialmente de acordo com o fluxo
produtivo da peça dominante na farm1ia (célula). Muitos resultados são
surpreendentes: a Massey Perkins (hoje Maxion) de Canoas, RS. informa-
va que obteve com a celularização reduções médias de 80% do material
em processo, 40% da mão-de-obra, 40% do espaço ocupado, 70% do tempo
de preparação de máquinas (set up) e 90% do percurso na fábrica (Salvany
e Boscarioli, 1988).
O sistemajust-in-time, que incorpora as células e propõe urna forma
de ordenar o fluxo de materiais e de informações na produção corno um
todo, é outro na ordem do dia, basicamente devido ao sucesso da Toyota
japonesa. Mas não é uma panacéia universal, e recentemente vem sofrendo
uma série de críticas importantes a nível da própria Toyota e do Japão4 , há
outros métodos para buscar aumento de giro, redução de tempos de
atravessamento e de estoques, flexibilizando a produção'. Porém, há
muitos indícios que nos levam a considerar a hipótese de tal sistema passar
a ser (se já não passou) o paradigma para indústrias de produção em massa,
tal como o fordismo o foL Sem nunca esquecer que paradigma não se
confunde com a realidade e com as trajetórias concretas de cada empresa.
2.4, Mudanças na organização do trabalho
Em sua concepção mais avançada, leva à tendência ao abandono
relativo das noções de tarefa e de posto de trabalho, tão arraigadas na
organização clássica. Suas decorrências são as várias formas de polivalên-
cia, a junção de atividades de operação, inspeção de qualidade e primeira
4. Os pontos críticos seriam: a exigência de poucas flulUações de volume e pouca diversidade na
produção (o que fica projudicado Com a retração da indústria automobilfstica mundial em 1992/1993,
inclusive a jap"nesa - " mercado japonês enc"lheu 20% em relação a 1990, a produção da Europa
deve ser 17% menor em 1993 com relação a 1992 - e a diversificação de modelos perseguida Como
arma competitiva); a pressão para diminuição das h"ras trabalhadas e das horas-extra n" Japão, o que
leva a um incremento dos estoques; o crescímento da resistência operária - 25% dos trabalhadores
efetivos jovens empregados em abril de 1991 tinham saído da empresa em dezembro do mesmo ano,
e uma pesquisa feila entre operários das montadoras no Japão mostrou que apenas 45% deles
recomendariam o trabalho aos filhos, porque é muito duro. Vide Nomura. 1993.
5. O sistema Toyota. de enonne sucesso, não é aplicado em muitas. outras empresas de sucesso,
como outras montadoras japonesas. fabricantes de máquinas da região de Bologna, Itália, ou do sul da
Alemanha.
58
6
manutenção • Em sistemas muito automatizados, a operação pode ter a
função não só de atuar rapidamente sobre as disfunções, imprevistos ou
incidentes, mas também a de preveni-los, antecipando ações corretivas, de
forma a não paralisar ou comprometer o fluxo produtivo.
A operação, assim, assume responsabilidades de gestão do fluxo em
termos de velocidade e qualidade (confonnidade às especificações); para
tanto, pode abarcar uma série de atribuições tradicionalmente designadas
às chefias, ao pessoal de planejamento - e esta é uma das razões da redução
de níveis hierárquicos, da redução das chefias intermediárias e do staffque
se verificam em algumas fábricas. Cresce a importância da comunicação
horizontal entre os trabalhadores, levando alguns autores a associarem
produtividade e simbolização, introduzindo um paradima comunicacional
(Zarifian, 1993).
Sobre polivalência, termo ambíguo, é preciso distinguir entre traba-
lhador multifuncional e trabalhador multiqualificado: enquanto o primeiro
se caracteriza por operar mais de uma máquina com características seme-
lhantes - o que pouco lhe acrescenta em tennos de desenvolvimento e
qualificação profissional' - o segundo desenvolve e incorpora diferentes
habilidades e repertórios profissionais. Trata-se, portanto, de duas visões
sobre o trabalho: uma, aditiva (adicionar mais tarefas às anteriores, visando
geralmente à intensificação do trabalho); e outra, integrativa (definir o
papel dos trabalhadores diretos, ao invés de especificar-lhes as tarefas).
Há inúmeras propostas alternativas que podem ser utilizadas para
abranger os tópicos acima. Michel Freyssenet (1992), analisando sistemas
com elevado grau de automação na França, aponta duas possibilidades para
tratar a organização do trabalho numa empresa com elevadas necessidades
de flexibilidade e de integração, onde os sistemas tradicionais não apre-
sentam bom desempenho. A primeira abordagem, que seria a mais comum,
busca urna automação de forma a evitar a ação humana, buscando limitá-Ia
à substituiçãO de módulos defeituosos, visando à rápida recolocação da
produção em marcha; é privilegiada a ação "curativa", mesmo que as
causas do problema não possam ser conhecidas. A segunda abordagem
privilegia o desenvolvimento da competência técnica da equipe operária
para diagnosticar e atuar sobre as causas dos problemas. Ainda que isto, a
6. PoreÃemplo, na solda automatizada de uma montadora francesa por nós pesquisada~ a operação
acabou assumindo a manutenção mais simples< OçoITe que tais ocorrências eram cesponsá.veis por 70%
da il1terv~nção da equipe de manutenção_
7. Um operador de máquina que opere n equipamentos semelhantes numa empresa é visto no
mercado de trabalho como operador de máquina, função considerada "semiqualificada", não mudando
sua situação;. seu próximo emprego tende a ser de operador. até mesmo de uma única máquina.
Configura-se, neste caso de polivalência multi funcionaI. um processo de tlltensificação do trabalho.
59

curto prazo, signifique maiores tempos de inatividade da produção, a longo
prazo o conhecimento efetivo do funcionamento real do processo tende a
possibilitar saltos de eficiência e capacidade de inovação de produto e
processo.
Em termos concretos, temos a diferença entre a polivalência multifun-
cional e a multiqualificada, entre esquemas onde o planejamento do
trabalho é externo aos seus executantes! e entre esquemas onde a definição
de como produzir (em termos de método de execução do trabalho) é
prerrogativa do operariado, como na proposta sócio-técnica e desdobra-
mentos que a aprofundam.
Pesquisas que efetuamos em empresas radicadas no Brasil em 1993
mostram que algumas delas estão associando redução de níveis hierárqui-
cos - há casos de existirem apenas três níveis numa fábrica - com trabalho
em equipe semi-autônoma de inspíração sócio-técnica; isto não era encon-
trado anos atrás.
Portanto, há inúmeras possibilidades de organização e gestão da em-
presa, da produção e do trabalho; as particularidades em termos de cultura
empresarial, legislação, política e poder sindical nos locais de trabalho, é
que vão contribuír na definição de corno o trabalho se estrutura, ao lado, é
claro, das variáveis tradicionalmente abordadas como estratégia de negó-
cios, mercado, andamento da economia etc. A observação díreta do traba-
lho que se desenvolve nos processos industriais "integrados e flexíveis"
vai mostrar uma riqueza de que as abordagens correntes de teoria organí-
zacional não se dão conta.
3. O TRABALHO NA PRODUÇÃO INTEGRADA E FLEXíVEL
Conforme vimos, a empresa integrada e flexível tende a trabalhar com
estoque baixo de produto em processo, tende a ter um giro elevado da
produção (ou seja, se marcarmos urna chapa de aço, esta mesma chapa é
vendida como produto final em curto espaço de tempo), tende a trabalhar
com produtos que apresentam baix.o ciclo de vida (ou seja, há mudanças
constantes de modelos e linhas de produtos). Tudo isto aumenta a variabi-
lidade da produção, ao mesmo tempo em que diminui o tempo entre a
encomenda e a entrega dos produtos. E não se pode contar tanto com os
estoques como amortecedores dos problemas da produção. Por exemplo,
se uma peça é produzida fora de dimensão e não há outra em estoque, as
operações posteriores podem ser paralisadas pela falta de suprimento.
8. Nonna básica introduzida por Taylor no come~O do século. cOmo n. defini~ão da !arefa a ser
cx.ccutada por um poli valente multifuncional numa célula de produção.
60
T
i
i
o papel dos operários diretos passa a ser o de gerir a variabilidade e
, reduzír a vulnerabilidade, com vistas a manter o fluxo de produção dentro
das especificações de tempo e qualidade de confonnação. Mesmo que a
produção tenha um forte conteúdo de trabalho manual díreto, tal caracte-
rística do trabalho se mantém.
Em sistemas industriais intensivos em trabalho (processos discretos),
isso significa, ao lado da operação de transformação propriamente dita, o
zelo pelo estado do processo, pelas condições de conformidade das espe-
cificações e até pela prevenção de incidentes - por exemplo, solicitando
troca de ferramental ou corrigindo seu curso antes que o produto em
t elaboração saia fora da tolerância dimensional
•
! Se o processo é discreto e automatizado, operar significa acompanhar
I o desenrolar da produção, prevendo e antecipando-se aos problemas,
gerenciando os imprevistos decorrentes da matéria-prima, do equipamen-
to, da organização, da ação operária (e não operária) de estágios anteriores
da produção. Tudo isso visa minimizar os tempos não produtivos e a
produção fora de especificação.
Esse"s objetivos têm sua lógica derivada:
a) do amortecimento dos custos fixos, relativamente mais altos com
automação;
b) do aumento da taxa de ocupação dos equipamentos ("saturação").
Lembremo-nos que um dos diagnósticos dos processos discretos orga-
nizados tradicionalmente é o baixo tempo empenhado em atividades
que efetivamente agregam valor. E um aumento da taxa de ocupação
significa ter urna maior disponibilidade de capacidade efetiva, com o
mesmo investimento físico - a mesma instalação apresenta maior
produção, elevando assim a capacidade ,eal;
c) da redução da propagação de problemas localizados. Se a produção
ocorre com estoque baixo, qualquer parada ou produção fora do padrão
é problemática, podendo ganhar muita amplitude (vulnerabilidade).
Nos processos de propriedade, e particularmente nos contínuos (petro-
química, refino de petróleo, cimento, celulose etc.), o papel dos operadores
é manter o processo sob controle, ajustando os parâmetros reais de opera-
ção (pressão, temperatura, vazão, ângulo de abertura de válvulas etc.)
àqueles definidos teoricamente.
Os processos baseados em automação flexível são delicados e caros.
Muitas vezes ocorre uma dificuldade de modelagem matemática e/ou
computacional, devido às imprevisibilidades (variâncias), a determinados
processos de base empírica, não facilmente reduzíveis a formulações
matemáticas, ou à impossibilidade de se conseguir certos dados do estado
61

do processo. Isto dá à atividade opera.tória uma dimensão de redobrada
importância, conforme veremos a seguIT.
3.1. Trabalho prescrito, trabalho real e elementos para análise do
trabalho
"Leo acionava seu tomo mais devagar que o manual dizia, dava um
incremento mais rápido que o dito manual, colocava seu ombro e parte
do seu peso no carrinho porta-ferramenta para conseguir um pouco
mais de estabilidade, apagava seu cigarro, e usava um pincel de 59
centavos para aplicar uma mistura de óleo e querosene feita em casa.
O resultado era uma peça perfeita".
H. Shaiken (1985a: 19)
"Diferentes serviços da empresa definem, previamente, uma produção,
um trabalho, os meios para realizá-lo: estes são detenninados a partir de
regras, de normas e de avaliações empíricas. São elementos previstos e,
portanto, teóricos. A um posto de trabalho, a um trabalhador, a um grupo
de trabalhadores, serão designadas tarefas, isto é, o tipo, quantidade e
qualidade da produção por unidade de tempo, e meios para realizá-los
(ferramentas, máquinas, espaços...). Deste conceito teórico do trabalho e
dos meios de trabalho provêm o que chamamos de trabalho prescrito, isto
é, a maneira como o trabalho deve ser executado: o modo de utilizar as
ferramentas e as máquinas, o tempo concedido para cada operação, os
modos operatórios e as regras a respeitar. Porém, este trabalho prescrito
nunca corresponde ex..atamente ao trabalho real, isto é, ao que é executado
pelo trabalhador" (Daniel1ou, Laville e Teiger, 1989: 7).
O componente prescrito é relativo aos objetivos assinalados ao traba~
lhador por instâncias externas a ele; a prescrição clássica do método de
trabalho seria um extremo dessa assinalação. Exemplos: inserir a resistên~
cia X na placa Y, usando o gabarito Z, num posto de trabalho previamente
configurado e encadeado com outros; tirar uma fração de x% de óleo diesel
numa etapa do refino de petróleo.
A questão é que o trabalho não é passível de ser totalmente formaliza-
do, não podendo, portanto, ser totalmente prescrito e descrito. A descrição
resulta em algo diferente: como descrever o soar de um clarinete? Como
descrever os movimentos para um motorista encostar um automóvel junto
ao meio-fio?
62
A análise do trabalho, conforme desenvolvida basicamente pela escola
francesa de ergonomia, bem como por sindicatos metalúrgicos italianos
(Marchisio & FIOM, 1990), e por grupos de pesquisadores escandinavos
(Ehn, 1992) baseia-se na distinção entre tarefa e atividade, apesar das
distinções de análise e de foco de cada uma dessas abordagens. A tarefa
indica o que se tem para fazer; a atividade, o que se faz.
Segundo Montmollin (I986), tarefa designa um conjunto constituído:
a) pelo equipamento e suas manifestações e reações;
b) pelas peiformances exigidas na situação de trabalho estudada;
c) pelos procedimentos escritos e pelos conhecimentos que eles supõem
para sua execução.
A atividade seria a mobilização da pessoa para realizar as tarefas. Pode
ser considerada corno uma organização de diferentes cursos de ação e
acontecimentos, e não uma justaposição indiferenciada de atividades ele-
mentares. O curso da ação é definido como "um comportamento consciente
(ao menos em parte), intencional, planificado, socialmente controlado (ou
dirigido) e significante para o operador em situação de trabalho" (Pinsky
e Theureau, 1987: 7).
Tarefa/atividade constituem uma associação indissolúvel. A atividáde
ocorre nos marcos definidos pela tarefa a ser executada; a tarefa delimita
as condições de contorno da atividade. A atividade de trabalho desenvol-
ve-se através de uma série não prevista de fluxos de infonnação entre os
trabalhadores, que rompem as barreiras da prescrição.
Daniellou (1989), sintetizando resultados de análise do trabalho em
processos discretos automatizados, aponta os seguintes problemas geral-
mente incorridos na concepção de um sistema de produção:
a) Subestimação do número de intervenções humanas. Os projetistas
consideram o equipamento "nominalmente", ou seja, antes de seu
funcionamento efetivo, sem levar em conta os incidentes. Na realidade,
há muitos incidentes devido à variabilidade das matérias-primas (com-
posição, dimensões etc.), das ferramentas (folgas, desgaste, regula-
gem), dos sistemas de tratamento das informações (sensores,
computadores), dos sistemas de potência (vazamentos hidráulicos, falta
de energia etc.). Daí a necessidade de freqüentes intervenções humanas
perfeitas.
63
 Já nas indústrias de propriedade de processos contúlUos, as análises do
trabalho mostram:
Figura 3.1. ,
OS TÓPICOS DE UMA ANALISE DO TRABALHO a) Dificuldade de construção de uma informação confiável sobre o estado
real do processo. As abordagens de organização do trabalho consideram
c que os trabalhadores consultam a informação apresentada; mas a infor-
r
---i
Procedimentos
prescritos Perforrnance~
exigiebs. ~s.
O
N
mação útil para desencadear uma ação não é simplesmente aquela
Objetivos apresentada, mas a "construída", a que contribui para a representação
D
,- ~re.reqljeriC'JOS
r-:onhedmenlOS
_ I
da situação. O problema operatório nas salas de controle é fazer uma
L_~

ç representação da situação, do estado do processo. Essa representação é

Õ
dificultada pela confiabilidade dos sensores e pela subestimação, nos
E projetos técnico-organizacionais, do papel dos índices informais (indi-
Meio ambiente
S
cadores construídos pela equipe de operação - cor da fumaça que sai
físiCO
de uma chaminé, temperatura sentida pelo tato, ruídos, cor da chama,
s associações de várias indicações de instrumentos etc.9).
O b) Contradição entre uma visão da informação centrada sobre a otimização
C do funcionamento em períodos estáveis e a atividade constante dos
I operadores na prevenção e recuperação de disfunções.
TAREFA
A
c) Períodos de partida ou repartida difíceis; problemas de segurança
I
S Nos nossos levantamentos, observamos que durante a partida das
ATIVIDADE
instalações, após paradas, set up etc., há um período de alta instabilidade
no processo, e muitas vezes a operação não tem informação suficiente do

~
---

D
Pe~orrnance' que está ocorrendo. Por exemplo, numa refinaria de petróleo pesquisada, i

__
___ . 'e<JiZadas E
p=edlrTlenta> ]-~- - - - -- Resunodos
segundo palavras de operadores e de engenheiros, a operação segue "no
"~= L . T escuro" durante algumas horas, até que o laboratório consiga determinar a
[ Intel!genle~ R composição da matéria-prima, que é uma místura natural não tratada
A industrialmente. Os operadores definem os set points'° antes da partida e,
_, C~~énc~ 1. . ---D'~nlfestoçoe5
SIntéticos
-]
B
A
L
seguindo atentamente a evolução das variáveis, construindo representa-
ções do estado do processo, procuram evitar descontroles e instabilidades.
É um período de grande tensão para todos aqueles ligados direta ou
IndIretos
ooatMdOde H indiretamente à produção. O problema é tão mais intenso quanto menor a
----- O estabilidade do processo e a éxperiência dos operadores tanto no processo
quanto na instrumentação.
FONTE: Extraído de Monlmol1ín (\986: 17).
d) Eventualmente, nos processos muito estabilizados, risco de perda de
b) Intervenções humanas di ficul tadas pelo dispositivo técnico. Dificuldade experiência em havendo longos períodos sem intervenção.
de ser informado (distância, concepção da apresentação da informação
e dos dispositivos de comunicação). Dificuldade para diagnosticar.
9. Numa indústria química locali~ada no Estado de São Paulo. um. parada foi evitada porque o
Dificuldade para intervir (acesso, manutenibilidade). Dificuldades li- operador de campo percebeu, pelo tato, um superaquecimento de uma bomba. Feita a comunicação
gadas à programação e reprogramação de computadores. com a sala de controle, houve tempo hábil de deslocar O fluxo para outro duto antes que a bomba
deixasse de funcionar e interrompesse a seqüência produtiva.
c) Dificuldades de coordenação entre trabalhadores (tamanho das instala- 10. Os ser points podem ser entendidos como os valmes que parâmetros básicos de monitoração
ções, conhecimento insuficiente do trabalho dos outros operadores, do processo deveriam atingir. como a temperatura numa determinada altura de uma coluna de
concepção dos sistemas de comunicação). destilação. a pressão num determinado vaso. Boa parte da ação operat6na visível para um observador
externo é compreendida pe lo ajuste dos set poinrs às condições concretas: do desenrolar do processo.

64 f 65

I!
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A atividade de trabalho é coletiva. Por exemplo, todos os operadores
de processo contínuo ficam ouvindo o walkie-talkie; assim, um operador
de campo fica sabendo o que está acontecendo em outras áreas; o operador
que está na sala de controle solicita informações ao operador d~ c.~po e
discute procedimentos. Mesmo em processos com elevada diVisa0 do
trabalho, baseados numa concepção que supõe que a fabricação de um
produto pode ser dividida em operações elementares, independentes, cujo
resultado final é o produto tenlÚnado, "pode-se constatar que as operações
não são independentes e que a realização do produto acabado supõe uma
troca de informações entre os operadores de diferentes máquinas e de
diferentes serviços (manutenção, controle, fabricação). Estas trocas acon-
tecem muito freqüentemente, de modo não oficial, na empresa, mas são
elas que permitem uma produção de qualidade conveniente" (DanielJou,
Laville e Teiger, 1989: 9).
Essas observações levam Daniellou a considerar que "a informatiza-
ção e a automação baseiam-se na visão que os projetistas têm do que será
o trabalho. Visão muitas vezes teórica, que subestima a complexidade das
estratégias colocadas em prática por homens e mulheres que asseguram a
produção e a manutenção nas situações tradicionais. Subestimação, em
particular, da variabilidade industrial, dos incidentes e das fases de per-
turbação decorrentes" (1989: 1.6). Por outra abordagem, Daniellou conclui
o mesmo que Ehn (1990), quando este discute a postura tradicional-carte-
siana de projeto e alerta para o problema da concepção extemalizada de
projeto, que admite a universalização de uma racionalidade única, qual
seja, a do projetista.
Shaiken, por sua vez, analisando usinagens automatizadas via coman-
do numérico (CNC), considera que "há, de fato, dois caminhos diferentes
para caminhar em direção a uma produção mais automatizada. Um conti-
nua sendo enfatizar o valor do julgamento humano. Conforme essa visão,
os níveis correntes de tecnologia não eliminam completamente a imprevi-
sibilidade e, portanto, a habilidade e o gênio dos humanos é o corretivo
mais efetivo para essa incerteza. Então, enquanto partes especfficas do
processo ficam mais automáticas, os homens (operários] retêm o controle
do sistema. O segundo caminho procura saltar para uma operação comple-
tamente automática. Desde que o objetivo é eliminar a atuação humana
direta, não se obtém a junção mais eficiente de recursos humanos e físicos.
Na prática, a realidade leva o sistema de volta a uma operação menos
automática: as coisas não funcionam a menos que haja urna ação humana
'não oficial'" (l985b: 69). É uma conclusão semelhante à de Freyssenet
(1992), discutida anteriormente.
Também em sistemas manuais se verifica a subestimação das variabi-
lidades e a tentativa de imposição da racionalidade dos projetistas organi-
66
r
zacionais. Numa empresa de montagem eletrônica, havia uma bancada
com três operárias em cada lado, e o prescrito era que cada operária
realizasse uma parte da inserção de componentes e passasse a placa para a
colega ao lado. Um analista notou que havia muita conversa com as
operárias que estavam do outro lado da mesa, além de mistura das placas
entre os postos. Ao invés de verificar o porquê, colocou um anteparo na
mesa para impossibilitar a conversa, para que o método prescrito fosse
seguido. A produtividade caiu, pois a "conversa" que se queria eliminar
era a coordenação de uma redivisão do trabalho com vistas a diminuir os
tempos de transporte e de preparação das placas para inserção.
Pode-se argumentar que um bom analista de métodos não procederia
como nos casos acima, o que é correto. Nossa intenção, contudo, não é
estabelecer o que seja um bom ou um mau analista. Desejamos apenas
recuperar exemplos os mais simples possíveis para ilustrar que, mesmo
num sistema muito estável como a montagem eletroeletrônica de alto
volume, as regras prescritas não são suficientes para garantir a produtivi-
dade e a qualidade da operação.
Os exemplos são muitos. Daniellou, Laville e Teiger (1989) mostram
que o trabalho de inserção de componentes na montagem eletrônica tem
outros tipos de interferência humana. Uma parcela razoável da atividade é
composta de suboperações não previstas fonnalmente: conserto de "per-
ninhas" entortadas, ajuste de sua abertura, separação de componentes
misturados. Para compensar o tempo gasto nessas atividades não previstas,
é preciso ganhar tempo sobre as regulares, muitas vezes via alteração da
ordem prevista de montagem, da disposição das canaletas de alimentação
de componentes, da redivisão de trabalho com os(as) colegas. Se fosse
seguido o prescrito, o nível de refugo de componentes e o tempo necessário
à produção seriam mais altos.
E, quanto maior a variabilidade da produção, quanto menor o estoque
e quanto mais difícil sua reposição, maior a importância da gestão dos
imprevistos pelos trabalhadores. O que significa uma necessidade de
tempo para a gestão dessa variabilidade.
"As dificuldades encontradas pelos trabalhadores para diminuir a
I
diferença entre o trabalho teórico e a realidade [...] resultam para a empresa
e para a coletividade em custo econômico elevado. Para a empresa, a
produção insuficiente, o baixo rendimento das máquinas, atrasos na pro-
dução, o grande volume de refugos são, freqüentemente, a sanção das
dificuldades encontradas pelos operadores. Mas estes custos são em geral
encobertos, na medida em que os recursos contábeis raramente os deixam
aparecer. Para a coletividade, as doenças ocupacionais, o desemprego
ligado a um afastamento precoce dotrabalho, as dificuldades da reconver-
são profissional são fonte de custos sociais elevados, extemados pelas
empresas" (Daniellou, Laville e Teiger, 1989: 11).
67

Os autores acima afirmam que, para reverter esse quadro, se deve
"colocar um flm à ficção e encarar a realidade das caracteósticas dos
operadores, bem como dos siste~as téc,?Íco-organizacion.ais, o qu~ não
ocorre sem dificuldades; esta cons1deraçao faz com que seJam questIona-
dos os princípios e as práticas que servem para definir os meios de trabalho
e o próprio trabalho, bem como as qualificações do emprego operário e os
procedimentos de fonnação" Cp. 9).
3.2. Da percepção à ação nos processos automatizados
A operação de processos automatizados é, muitas vezes, associada
com supervi são e controle. Operá-los significa estar constantemente fazen-
do representações do que pode estar acontecendo com o processo. A
representação da situação atual do processo significa uma "focalização"
seletiva, que toma o operador atento mais a certas classes de eventos que
a outras, preparando-se para determinadas ações (Daniellou, 19&9: 8.6.):
dada a quantidade de pontos de controle, a representação vai no sentido de
priorizar, numa dada situação, determinadas estratégias de supervisão e
ação.
A representação do estado do processo está ligada a um conjunto de
conhecimentos virtuais do operador, conhecimentos que pennitam uma
manipulação mental da realidade, abrangendo as ligações preferenciais
entre certas configurações da realidade e das ações a executar. Esses
"modelos mentais" variam conforme a função do trabalhador e sua expe-
riência, sendo alimentados pelas informações que recebe sobre o andamen-
to da produção.
"O tratamento humano das informações não é do tipo 'sinal-resposta'.
São sublinhados a pesquisa ativa da informação, guiada pela experiência,
a antecipação do resultado que seria obtido por uma ação antes de efetuá-la,
o controle do resultado real em comparação ao pretendido. Essas caracte-
rísticas do tratamento humano da informação estão ligadas à estrutura do
sistema nervoso, sendo incontornáveis" (Daniellou, 1989: 2.6).
A exploração perceptiva não começa, em geral, com a chegada de um
sinal (sonoro, luminoso). A exploração perceptiva é um fenômeno perma-
nente da atividade cognitiva humana, e "está ligada ao curso da ação ao
qual a pessoa se encontra engajada num dado instante, e, em particular, aos
objetivos que busca. (...) A descrição dos mecanismos de exploração
perceptiva permite sublinhar que a supervisão-monitoração de uma má-
quina ou aparelho não é um fenômeno passivo" (Daniellou, 1989: 8.4).
Por exemplo, a representação do estado de um ciclo de usinagem por
um operador num dado instante comporta, segundo Daniellou (1989):
• um conhecimento dos objetivos dessa fase da usinagem;
68
r II
• uma previsão da evolução esperada do ruído da máquina;
• a antevisão dos brilhos (faíscas) que vão OCorrer e uma avaliação dos
tempos necessários a tanto;
• a preparação para a ação seguinte (retirar a peça, por exemplo).
Nos processos de propriedade, procurar responder por que uma deter-
minada temperatura continua a subir e inverter essa tendência "supõe, às
vezes durante horas, uma intensa atividade de pesquisa e tratamento da
informação, dentro e fora da sala de controle" (Wisner, 1987: 181).
Na mesma refinaria referida anteriormente, a injeção de vapor em
fundo de torre exige controle preciso de nível, pois sua elevação pode
arrebentá"la - a operação acompanha atentamente a manobra, inclusive
com operador de campo comunicando-se via rádio com a sala de controle.
Não se espera um alarme de nível; se atua para que o nível não se eleveI!.
,
O exemplo mostra que não basta ter a infonnação via painel, é preciso ,I,
confIrmá"la (no caso, via operador de campo) e acompanhar sua evolução
~ pois os operadores têm na memória os inúmeros incidentes e acidentes
ocorridos devido à tomada de decisão baseada em informação falsa, por
problemas no sistema de informações (sensores, transmissão, instrumen-
tos)12 ~ e criar um representação do que pode estar acontecendo com o
processo para que uma ação seja tomada.
Mesmo que não haja falha no sistema de informações, ele é sempre
parcial, exibindo o estado das variáveis de alguns pontos que foram
definidos para controle, e que, em determinadas situações de emergência,
de imprevistos, podem não ser sufIcientes ou adequados. Pessoa (s.d.)
ilustra o ponto a partir do projeto de controle em siderurgia. A laminação
exige o controle de aceleração, velocidade e deformação do material
trabalhado, mas "é impossível medir temperaturas internas em um esboço
que está sendo laminado. Em um fomo de coqueria, é impossível medir os
gradientes de temperatura do material em aquecimento. Dessa forma, a
instrumentação fecha as malhas de controle através de medidas indiretas
que através de tabelas operacionais possibilitam inferir os valores dessas
I
variáveis internas e inacessíveis" (p. 83).
Daí a incerteza, a necessidade de "construção" da informação e da
I representação do estado do processo na operação. A modelagem é a partir
I
i do teórico; a operação, se baseada no teórico, desenrola-se a partir do real.
I
.1 t I~ "A operação tem que assumir riscos, senão a usina não funciona" (engenheiro chefe de setor
produtivo).
!! 12. Um coordenador de lumo de uma petroqulmica nos contou um acidente com vflimas, que
deíxou a produção parada vários dias, devido a manobra executada com ba.se numa infonnação
incorreta mostrada na sala de operação. Acidente semelhante ocorreu numa outra
vazamento de um tanque.
fábrica~ quando do
,í,
j
69
J
I'
. !l
, I ~
 r,
Os projetistas trabalham com modelos de equilfbrio (em processos de o programa "oficial", O tempo de ciclo da usinagem é alto l3 , e, quando o
propriedade - cálculo de reatores, colunas de destilação etc.) e com erro dimensional foi percebido, parou-se a produção e o chefe acionou o
modelos-padrão de matérias-primas, condições de operação etc. Isto faz setor decprograrnação. '
com que a imagem operatória, a representação das condições de operação
pelos projetistas, tenda a ser a de estabilidade, ao passo que a dos Tabela 3.1.
operadores tenda a ser a de incerteza. OPÇÕES ~O CICLO PROGRAMAÇÃO
Sem essa compreensão corre-se o risco de considerar corno "ociosida- OPERAÇAO EM CNC
de" o tempo durante o qual os operários estão supervisionando, monito- SITUAÇAO A SITUAÇÃOB
rando o estado do processo. E é justamente a capacidade de representação
progrJedição extemalizada programJedição pelo operador
dos estados do processo que leva a uma operação eficiente, mormente se
opção AI opção A2 opção BI opçãoB2
o processo for instável ou apresentar muita variabilidade (matéria-prima,
mix, comportamento do equipamento). Quando o operador aparentemente Oper<Uior/CQ
Operador
Operador/CQ Operruior/CQ Edita o programa
não está fazendo nada, ele está, via de regra, construindo essa representa- Detecta problema e Detecla problema e Detecta problema. antecipando-se ao
ção, que é fundamental para a pronta intervenção nos incidentes. chama chama programador Edita programa, problema I

lotado junto à produção tentando solução. Op.normal I

Mas nem sempre a operação tem os instrumentos para uma rápida Chefes.tor Pode pedir auxflio à li
intervenção no processo visando prevenir ou atenuar variabilidades. A É comunicado e Programador programação se
usinagem via comando numérico (CNC) é um caso típico. contada a programação Vai verifiCaI" o
problema e tentar
necessário (AI. A2)
Op.normal
'I'~
.'

Chefe programo solucioná-lo

Recebe pedido paTa
3.3. A divisão do trabalho e o ciclo programação-operação em
comando numérico (CNC)
resolução do problema. Programador
Aloco programador
conforme
+
Operador
,I'
disponibilidade Teste da modificação ' ...

Numa metalúrgica radicada no Estado de São Paulo, que usina peças i'
complexas, dois operadores de uma fresadora-plainadora CNC de cinco Programador Operador
eixos e vinte e cinco metros de mesa, custando mais de um milhão de Vai ao setor verificar Op. normal
problema e tentar
dólares, discutiam com o chefe. A máquina estava parada. O chefe dizia solucioná-lo, Pode
que não interessaria o que eles fizessem, mas queria que uma detenninada voltar ao escritório
peça saísse dentro das especificações, porque a linha final de montagem já para pegaT dados
estava parada pela sua falta, e ele estava sendo pressionado. Os trabalha- Programador
dores disseram que poderiam efetuar a produção correta, desde que pudes- +
sem, dali para a frente, confeccionar e editar programas CNC. Feito o Operador
Teste da modificação
acordo verbal, a máquina começou a funcionar.
Operador
A origem do caso é que a empresa tinha como diretriz, nesse setor, que Op.mormal
os operários não interferissem nos programas. E, quando um programa veio
com uma cota errada, os operadores perceberam, alteraram-na, editando o
programa na máquina, e produziram as peças corretamente. Ocorre que, Situação A: Operadores não agem sobre programas, que são feitos fora da produção.
devido à diretriz, eles não tinham meios técnicos (perfuradora) para Situação B; OperadoTes confeccionam e editam programas; programação externa como apoío.
fazerem uma nova fita. E, a seguir as regras, nem mesmo poderiam
comunicar o ocorrido, pois significaria uma infração ao esquema organi-
zacional que formalmente os impedia de manipular programas. A fita
original voltou à programoteca sem alteração. Da vez subseqüente que veio
um pedido dessa mesma peça, os operadores confeccionaram o lote, que 13. Cerca de duas horas. pois. além da complexidade geométrica, o material é titânio (duro e
caco); o prazo para forneCImento externo de ferramenta! era de oito meses l época do nosso
sofre 100% de inspeção com medidora de coordenadas de mesa, utilizando levantamento.

70 71
 Porém, o programador que confeccionou o programa estava resolven-
do outros problemas, e não apareceu no dia e nem no seguinte. Foi aí que
os operários entraram em entendimento com o chefe.
Essa concepção centralizada de resolução dos problemas cotidianos
da produção'" se por um lado aumenta a prerrogativa de áreas não operá-
rias, por outro gera um ciclo de resolução de problemas muito moroso. O
operador detecta o problema e chama seu chefe, que comunica ao chefe da
programação, que conversa com o programador, e só aí a pessoa que
teoricamente vai resolver o problema toma conhecimento dele. Porém, o
programador tem inúmeras tarefas no seu trabalho, havendo a necessidade
de uma definição de prioridades. Isto leva a atrasos ainda maiores na
resolução dos problemas considerados não prioritários sob a ótica da
programação.
Todavia, se o programa é feito e editado pelos trabalhadores diretos,
diminui potencialmente o controle externo, e tende a aumentar a fluidez
da produção. Poderia ser argumentado que o operador pode não saber
confeccionar bem os programas, o que pode ser um fato, mas o inverso
também pode ocorrer: muitas vezes os programadores fazem programas
que não funcionam. Pode-se falar, também, que enquanto o operador está
fazendo programas, a máquina não está operando. Isto pode ser verdade,
dependendo do arranjo organizacional. Mas, para casos mais complexos,
o operador poderia contar com a assistência do programador e, de qualquer
modo, o tempo de digitação (se for feita entrada via teclado) e de teste e
aceito do programa seria relativamente menor. E, se a operação conhece a
lógica com que foi montado o programa, tem maior possibilidade de
intervir rapidamente na ocorrência de incidentes.
O caso da metalúrgica citada bem como outros relativos a comando
numérico evidenciam o problema da decisão referente à programação-ope-
ração. Ao abordarmos o processo decisório, tomamos três pontos: os
níveis, o ciclo (ou topologia) e a interdependência das decisões.
Do ponto de vista da flexibilidade (e da integração e eficiência)
produtiva, um dos aspectos básicos é o tempo de atravessamento. O
aumento da taxa de ocupação das máquinas, além de um efeito direto sobre
o custo, pode também auxiliar na redução desse tempo. Outro aspecto
ligado a tempo e custo é o controle das variabilidades o mais próximo
possível da fonte (Chems, s.d.), o que leva a uma tendência de a operação
ser responsável pela inspeção de qualidade e pela manutenção mais sim-
ples.
14. Numa nova linha de u.inagem de blocos de motor numa fábrica de molares diesel o teclado
e o vfdeo dos CNCs ficam numa caixa de vidro trancada a chave.
72
Na tabela 3.1 verifica-se que o ciclo decisório na situação A é mais
longo, envolvendo um maior número de pessoas e até de setores/departa-
mentos. O problema não é resolvido na fonte, havendo um aumento do
pessoal indireto.
Na situação A, duas "unidades" relacionam-se diretamente para que a
produção possa acontecer. Em termos de níveis decisórios. a programação
f estabelece a lógica da usinagem, estando o operador subordinado a ela. O
~ bom andamento da operação depende do produto do trabalho da progra-
mação, numa interdependência seqüencial, coordenada por rotinas e re-
f gras, própria para situações estáveis, rotineiras e com poucas ocorrências
i
I
í
"extraordinárias". Não se pode esperar da operação a redução de índices
de refugo ou de tempos, pois uma parte do necessário para tanto (progra-
mação) não é de sua responsabilidade.
Caso o operador tenha prerrogativa para confeccionar e editar os
programas (situação B),. a gestão da variabilidade torna-se muito mais
f
simples; o sistema tende a ganhar em flexibilidade, eficiência e qualidade.
f
i A literatura mostra vários casos onde, para muitas operações, é impor-
tante em termos de eficiência e qualidade que o operador saiba e possa
I,
t
programar: "Numa fábrica que visitamos, um programa consistia em fazer
um pesado corte num bloco de alumínio - uma operação que gera calor
considerável - e então fazer dois furos com distância precisa entre eles.
I Quando os passos do programa são carregados nessa ordem, a distância
entre os furos diminui à medida em que o alumínio esfria. O operário foi
r capaz de corrigir o problema. alterando o programa para fazer primeiro a
furação" (Shaiken, 1985b: 19). Nossas observações empíricas vão nessa
mesma direção.
***
A rigor, o texto possui duas partes com certa autonomia relativa em
termos de objeto e de quadro analítico. A primeira, de caracterização de
aspectos importantes das mudanças organizacionais de uma forma geral,
e a segunda, relativa ao trabalho na empresa integrada e flexível.
As considerações são fortemente baseadas na indústria de transforma-
ção. Contudo, é esta que é produtora de inovações organizacionais, e que
exporta paradigmas para outras áreas da economia - da mesma forma como
se falava nos anos 60 em "taylorismo" nos escritórios e nos bancos, fala-se
hoje em '~ust~in-time" bancário. l
~ I
Nunca é demais repetir: os paradigmas funcionam como balizadores
I
das opções empresariais, mas não são uma camisa de força; as empresas
apresentam diferentes trajetórias, ainda que possam ter um fundo coinum.
I
73
I.
f.
 r
í
A questão do trabalho é mais complexa. A forma de abordagem
proposta ajuda a superar certas dificuldades das análises relativas aos
"impactos" das inovações tecnológicas, mas apresenta em si outras difi-
culdades. É de difícil realização, exige conhecimentos não muito bem
sedimentados da área de ergonomia/psicologia cognitiva. Mas acreditamos
que talvez seja das mais apropriadas para aprofundar a discussão sobre o
trabalho.
REFERÊNCIAS
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,
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travail et conception ergonomique. Paris: CNAM, 1987 (Col1ection vocou uma série de reflexões cujo
d'ergonomie et de neurophysio!ogie du travai! CNAM n. 88). aprofundamento demandaria mais
SALERNO, Mário S. Flexibilidade, organização e trabalho operatório: espaço que o disponível. Serei
elementos para análise da produção na indústria. São Paulo, 1991. sintético porque realmente o tema
232 p. Tese (Dout.) - Departamento de Engenharia de Produção, é provocativo.
PolilUSP.
A primeira reflexão que sur-
SALVANY, M.A., BOSCARIOLI, N. Just in time: na prática, uma giu foi: quais são as indagações
experiência bem sucedida. Canoas: Massey Perkins, 1988, 45 p. básicas desses três textos distintos
(Apresentado no simp6sio "Como Adotar Estratégias de Produtivida- que, sem dúvida, são trabalhos de
de", Porto Alegre, 1988). pesquisa respeitáveis? A segunda
preocupação foi a de tentar ver a
SHAlKEN, H. The automated factory: lhe view from the shop floar.
que conclusões chegam e o que é
Technology Review, v. 88, n. I, p. 16-24, jan. 1985b.
possível inferir dessas conclusões
- . Worktransformated: automation and labor in the computerage. Nova
em termos de propostas concretas.
Iorque: Holt, Rinehart and Winston, 1985a.
Isto porque me parece que todo o
WISNER, A. Por dentro do trabalho. São Paulo: OborélFTD, 1987. debate aqui proposto visa encon-
trar algumas diretrizes para a
ZARIFIAN, Philippe. Quels modeles d'organisation pour l'industrie eu-
ropéenne?: l'émergencede lafirme coopératrice. Paris: L'Harmattan, I atuação do sistema educacional e
1993. I de formação de mão-de-obra para
r fazer face aos desafios emergen-
tes, a partir das mudanças nas es-
truturas econômica, social e tec-
I
nológica. Essas perguntas, de al-
guma forma, permanecem em
aberto. Tentarei encaminhar a dis-
I
; cussão para, talvez em conjunto,
conseguirmos definir algumas li-
nhas de reflexão e de futuros tra-
balhos que possam esclarecer e
orientar a nós e àqueles aos quais
pretendemos apresentar nossas
conclusões e recomendações.
• Professor titular do Depto. de Economia da Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade da USP. Consultor da Universidade das Nações Unidas (USP).
I
76
Henrique Rattner'
O que nos falta para poder
responder a essas perguntas ini-
ciais é um referencial mais amplo.
i i
Esses estudos, processos ou fatos
relatados se inserem em que qua-
dro mais abrangente? Claro que
há aqui e ali referências às mudan-
I I
ças tecnológicas, ao contexto so-
cial e político mais amplo, mas
não de forma sistemática. Daí
uma primeira questão quanto ao
título que a Maria Tereza Fleury
usou: cultura da qualidade. Eu
completaria "qualidade da cultu-
ra". E, corno segunda pergunta:
que tipo de cultura, no sentido an-
tropológico da palavra, nós esta-
mos vivendo e de cuja gestação
estamos, de alguma forma, parti-
cipando? Isto levaria a uma rede-
finição do objeto das pesquisas
que é muito centrado, a meu ver,
na cultura das organizações, como
se as organizações, sobretudo de
trabalho e, no caso específico, em-
presas dentro do setor metal-me-
cânico, fossem únicas ou ex-
clusivas ou determinantes de uma
tendência histórica e social muito
mais ampla e geral. Deveríamos
pensar em termos de culturas po-
líticas, no sentido de urna grande
abrangência, quanto ao comporta-
77
I
~~';")"'r~""ff''''''''''''-'''''-"'7'" _...
.- . .
mento dos indivíduos, das insti-
tuições e das organizações, por-
que a cultura política tem uma
amplitude maior do que apenas a
atuação dentro de uma organiza-
ção produtiva. Ela se refere à pr6-
pria forma como os indivíduos de
todas as categorias, dentro da or-
ganização, justificam ou legiti-
mam suas ações ou procuram
encontrar sua raison d'être. A ra-
cionalidade não pode ser concebi-
da segundo os parâmetros nos
quais somos formados e treina-
dos, ou seja, como racionalidade
única, substantiva, que seria váli-
da para todos, mas a que a maioria
não tem acesso por falta de infor-
mação. É absolutamente errada
essa visão, pois, na realidade, o
que se evidencia ao analista críti-
co é a pluralidade de racionalida-
des. Cada grupo e cada indivíduo
desenvolve uma determinada vi-
são do mundo, com uma estrutura
cognitiva e seus valores, com seus
vieses, com s\las formas de agir e
de reagir e com suas formas espe-
cíficas de interpretar certos fenô-
menos da realidade de acordo com
uma racionalidade específica.
Dos pontos acima advêm vá-
rios dos problemas de funciona-
mento de um sistema demo-
crático. Toda nossa visão mani-
queísta do bem e do mal, de direita
e esquerda, do que é certo e do que
é errado é totalmente irreal à luz
desse pluralismo político e cultu-
ral. Esta é uma primeira observa-
ção metodológica, em termos da
78
T
~
f
análise. Há tentativas bastante re-
centes de tentar tratar desses pro-
blemas de um ponto de vista mais
abrangente e sistêrnico do que se
propõem os estudos no nível da
cultura da organização.
A segunda observação, sem-
I
•
~
I
!!
pre dentro dessa preocupação com
f
o referencial mais amplo, é a ques-
tão da perspectiva hist6rica, o que
implica necessariamente numa re-
trospectiva. As análises feitas pe"
los três colegas se fIXam num
determinado momento histórico,
embora, no caso da Márcia de
Paula Leite, haja também pesqui-
sas dos anos 80 e 85, e, no caso
dos outros, do começo da década
de 90, mas, ainda assim, em um
momento muito específico. Acho
que o processo de trabalho e as
relações de trabalho dentro da or-
ganização que, no fundo, como
todos reconhecem, são relações
de poder, têm que ser vistos em
sua perspectiva e retrospectiva
histórica, Não basta nos fixarmos
em um determinado mõmento,
numa história muito peculiar, mui
"sui generis" da sociedade brasi-
leira. Há necessidade de se anali-
sar ou, pelo menos, fazer refe-
rência a toda uma evolução das
relações de trabalho e de poder.
Para isso, bastaria fixarmo-nos na
evolução industrial capitalista,
que passou por diversas fases, que
se refletiram na evolução especí-
fica das sociedades, com alguns
passos para a frente, Ol.ltCós para
trás.
Não existe uma evolução li-
near, como seria muito de nosso
agrado, para· podermos prever e,
eventualmente, planejar. A evolu-
ção social é, na realidade, contra-
ditória, dada essa heterogenei-
dade e complexibilidade das cul-
turas políticas. Por isso, a perspec-
tiva hist6rica me parece
fundamental. Sem ela, seria extre·
mamente difícil encontrar algum
amparo para propostas concretas
de políticas e de diretrizes.
É a perspectiva histórica que
permite situar e avaliar mais ade-
quadamente o que está acontecen-
do. Enfocando a evolução política
recente, dentro de uma perspecti-
va hist6rica mais ampla, fica claro
que aquilo que normalmente po-
deríamos considerar como aspec-
tos extremamente negativos são,
na realidade, sinais de vitalidade
e de superação de certas condi-
ções que prevaleceram ao longo
dos últimos 20 ou 30 anos, mas
que não foram devidamente dis-
cutidos porque não foram levados
ao conhecimento da sociedade.
Hoje parecem graves porque, de
repente, pipocaram de todos os
lados, embora sempre estivessem
presentes. Refletem, mais uma
vez, a estrutura de poder, as rela-
ções de poder profundamente ar-
raigadas nesta sociedade. Todas
essas facetas, todos esses aspectos
que estamos observando e viven-
do, na realidade, são sinais de rea-
ção e de vitalidade da sociedade
para enfrentar seus problemas.
79
o terceiro ponto crítico é o
contexto internacional. Claro que
não cabe tudo isso dentro de um
projeto de pesquisa limitado, so-
bretudo quando se trata de um es-
tudo de caso ou de uma amostra
limitada de empresas. Mas há,
claramente, alguma relação entre
o que está se processando em ní-
vel internacional em termos da
reestruturação da economia in-
dustrial, sobretudo das relações de
poder e o que se passa interna-
mente na sociedade brasileira no
nível das organizações industriais
que são objeto dessas pesquisas.
Isso, na realidade, é fundamental
quando se discute um aspecto par-
ticular da modernização conser-
vadora que a Márcia de Paula
!l
~:
Leite menciona. Ora, me parece
que todas as modernizações im- !'
portantes DO último século foram
:i I·I
n
conservadoras. Afinal, amoderni-
zação do Japão não tinha nada de
revolucionária. Era conservadora,
no sentido de manter as relações
de poder existentes dentro da so-
:'
ciedade. Por sinal, conseguiram
isso muito bem. Da mesma forma,
a modernização da estrutura da
Alemanha, iniciada por Bismark,
i
no fmal do século passado, foi i
extremamente conservadora e le-
vou às contradições que desembo-
caram no nazismo e na Segunda
Guerra Mundial. Temos que man-
ter esses aspectos em mente quan-
do discutimos esses problemas
porque, se não, deixamos implíci-
to que existiria alguma forma de
modernização revolucionária,
dentro do marco jurídico-político

capitalista, que não se sabe muito
bem onde poderia ter ocorrido.
O que mais se aproxima desta
categorização das diferentes es-
tratégias de inovação tecnológica
ou de modernização é ainda o tra-
balho de Chrís Freeman sobre ino-
vação tecnológica na indústria.
Trata-se da obra clássica de Free-
man, Economia Política da Ino-
vação, em que ele estabelece 7 ou
8 estratégias ou formas de ação
das empresas face à problemática
da inovação, porque todas elas,
para pennanecer no mercado, são
obrigadas a inovar. Mas há diver-
sas fonnas de inovar. Alguém que
investe em pesquisa, se coloca na
fronteira, procura realmente ser o
pioneiro porque tem recursos, tem
produção em escala e tem também
uma certa visão dos negócios que
geralmente falta aos pequenos e
médios empresários, sobretudo no
contexto econômico e político de
um país de desenvolvimento tar-
dio como o Brasil. Seria exagera-
do esperar um comportamento
diferente, senão o conservador,
por parte dos outros empresários.
Simplesmente não há argumento
para defender essa expectativa. E
isto tem implicações, no trata-
mento da força de trabalho, geran-
do falta de qualquer disposição de
dialogar com os trabalhadores e
de estabelecer um consenso.
Por outro lado, todas as ten-
dências parecem levar a que se
estabeleça um diálogo, tanto entre
entidades empresariais e sindica-
80
í
tos quanto entre instituições polí-
ticas regionais, locais e descentra-
lizadas, de caráterpúblico e destas
com a sociedade civil, através da-
quilo que se costuma chamar hoje
de organizações não governamen-
tais (que obviamente não são ape-
nas aquelas que se preocupam
com a biodiversidade e a proteção
do meio ambiente). Há inúmeras
organizações não governamentais
que aparecem como atores políti-
cos importantes e que certamente
vão continuar a pressionar e a par-
ticipar nas definições das regras
do jogo em tudo o que diz respeito
à sociedade e, sobretudo, no que
diz respeito à fonnação e à educa-
ção do cidadão como, também, à
configuração das próprias estrutu-
ras políticas.
A visão histórica da evolução
das relações de trabalho, de poder,
é referencial importante para se
distinguir o que se passa em nível
nacional e internacional. Essa
perspectiva nos ajuda a melhor
interpretar todos os dados forneci-
dos pelas pesquisas apresentadas
que, sem dúvida alguma, são bem
fundamentadas e refletem uma
certa realidade e que, por outro
lado, nos ajudam a encontrar dire-
trizes para a educação e o treina-
mento. Acho que esse é o objetivo
fundamental desses estudos. Não
pesquisamos apenas para acres-
centar mais um ponto às evidên-
cias empíricas já existentes. Em
certos momentos, há necessidade
de se fazer uma espécie de resumo
e perguntar o que a sociedade fará
com esses resultados. Isto, me pa-
rece, não pode ser inferido apenas
a partir,das descrições. É necessá-
rio também fazer algumas infe-
rências e deduções e, se não for
possível tirar conclusões, pelo
menos fazer projeções ou extra-
polações dessas tendências, para
nos situarmos dentco do processo
histórico, assim caracterizado.
Quando indagamos que tipo
de formação da mão-de-obra, que
tipo de educação propor às esco-
las, desde o primeiro grau até a
universidade, tocamos em um
problema que de alguma forma
deriva das tendências do sistema
produtivo. Mas esse tipo de infe-
rência ou de raciocínio, por en-
quanto, está faltando. Diria que
nós teríamos que trabalhar sobre
isto. Porque se não for derivado
desse tipo de estudo, de onde vi-
ria? Simplesmente continuar
como antes, - "business as usual"
- como dizem os americanos?
Continuar como o sistema sempre
foi, supondo-se que assim terá que
ser porque assim se mantém as
estruturas de poder? Francamen-
te, acho que sem enfrentar esse
problema nós falharíamos e falta-
ríamos à nossa tarefa, às nossas
obrigações para com a sociedade.
Diria que, dentro dessa visão, te-
mos que nos perguntar que tipo de
formação e de treinamento propor
às próprias empresas, às institui-
ções educacionais, às escolas, às
universidades, sobretudo aos cur-
sos de nível superior que fonnam
os dirigentes, os gestores, os tec-
nocratas. Há uma série de diretri-
81
zes muito claras que é possível
apreender através de análise des-
ses e de outros estudos, realizados
em várias partes do mundo. Não
bastará mais às empresas que
queiram acompanhar essas ten-
dências à modernização, uma
mão-de-obra, seja de que nível
for, mas sobretudo no nível admi-
nistrativo' que tenha uma fonna-
ção orientada para a mera exe-
cução de instruções que vêm de
cima.
O novo padrão exige que o
indivíduo tenha a capacidade de
analisar, interpretar e, se for ne-
cessário, corrigir as instruções
que lhe chegam, sejam de quem
for. Vejam bem, isso não é apenas
uma questão quê se põe para as
organizações produtivas. Os pró-
prios exércitos que estão se mo-
dernizando, as forças annadas,
abriram espaço para esse tipo de
questionamento e refonnulação
do regulamento interno. Todas as
rotinas estavam baseadas no prin-
cípio da obediência estrita às or-
dens: se a ordem é de morrer, de
torturar, de matar, tem que ser
cumprida. Todas as experiências
das últimas décadas mostraram a
inviabilidade desse posiciona-
mento, não somente do ponto de
vista ético, mas também do ponto
de vista funcional. Certas ações
com~ndadas pelos chefes sim-
plesmente vão contra os interes-
ses superiores da organização, da
nação, à qual supostamente as for-
ças armadas devem servir. Se há
mudanças até nesse setor da socie-
dade, com muito mais razão deve-
...,..~"""="..,,,-c~-
"'''''.'''.,- ---- --
ria haver nas organizações produ-
tivas.
Exige-se a capacidade de ana-
lisar e interpretar e. se for neces-
sário, corrigir e defender essa
nova postura perante as instâncias
superiores. Há necessidade de
educar o indivíduo para enxergar
os problemas da empresa em ho-
rizontes geográficos 'e temporais
mais amplos do que o instantâneo,
de produzir com eficiência para
colocar os produtos no mercado.
Mas que mercado? Como houve
evolução, quais as tendências.
quais as inovações que despontam
no horizonte? É mais ou menos
nesta direção que uma parte das
empresas japonesas está tentando
difundir uma nova filosofia nas
relações industriais. Essa difusão
não é completa e abrangente. mas
é a visão dos horizontes interna-
cionais mais amplos que tem aju-
dado as empresas japonesas a
superar certas adversidades que
surgiram nos últimos anos, como
a desvalorização do dólar, por
exemplo. O fluxo de exportações
japonesas teria sido inviabílizado
não fosse essa capacidade dos
funcionários de intemalizar esse
contexto e agir de acordo. Quer
dizer: tentar, esforçar-se, empe-
nhar-se para elevar a eficiência do
processo para que o produto man-
tivesse sua competitividade, em-
bora, em termos da moeda nacio-
nal japonesa. seu preço pudesse
ter aumentado. Em resumo, a vi-
são, o horizonte geográfico e tem-
poral. muito mais amplo do que
normalmente se dá ao empregado
82
de uma empresa. é fundamental
no treinamento da mão-de-obra
japonesa.
Outra característica refere-se
ao sistema de comunicação e isso
tem a ver com o que o Mário Sér-
gio Salemo levantou sobre o tra-
balho prescrito e o trabalho real.
Está claro que, com toda a auto-
mação e com todo o sistema flexí-
vel. o indivíduo tem que ter
espaço para se expressar, tem que
ter a possibilidade de comunicar
suas impressões, suas vontades,
dizer aos colegas aquilo que sente
e receber "feedback". É essa co-
municação que vai resultar em
maior identificação com a organi-
zação, com a tarefa a cumprir, ge-
rando, assim, uma solidariedade
que é fundamental para alcançar
os objetivos da organização, seja
ela empresa, seja ela uma entidade
cultural, educacional ou política.
A comunicação em dois sentidos,
em duas mãos, é que definirá o
grau de identificação e de solida-
riedade.
E aqui chegamos ao último
ponto, fundamental. Quando falei
da qualidade da cultura, a pergun-
ta subjacente era: no fundo, a que
leva a nossa cultura contemporâ-
nea? Há várias tendências, sem
dúvida. Já disse alguém que ten-
dência não é destino. Existem ten-
dências, mas a última opção é
nossa. É nossa como entidade or-
ganizada, consciente, trabalhando
sobre os problemas, tentando en-
contrar caminhos e saídas. O que
os indivíduos procuram nessas
I
J l_L
culturas, do que sentem falta, mas
não sabem expressar?
Novamente, em retrospectiva
histórica, o que me parece impor-
tante ressaltar é que há toda uma
transformação, desde a desapro-
priação dos meios de produção até
a fase de desapropriação do saber
profissional e, eventualmente,
uma nova fase, que se vislumbra,
de retomada do saber profissional
e talvez dos próprios meios ode
produção no processo histórico.
Claro que não se repete a História,
não se volta atrás. Se falamos da
retomada do saber e dos meios de
produção, pensamos que se dará
através do esforço coletivo. Os
produtores (e isso abrange desde
a função menos qualificada até a
mais alta direção), organizados
coletivamente dentro de uma filo-
sofia e de uma cultura política di-
ferenciada, realizam tarefas para
atender as necessidades da socie-
dade e de cada um. É assim que a
sociedade encontra seu equilíbrio
e maior hannonia, assegurando o
83
chamado desenvolvimento sus-
tentável. É assim, também, que o
indivíduo encontrará o que hoje
em dia está faltando para a maior
parte: o sentido da vida. Qual é o
significado daquilo que os indiví-
duos estão fazendo? É possível
encontrar uma resposta num siste-
ma taylorista e mesmo no sistema
já um pouco mais avançado da
produção flexível? O indivíduo
encontraria aí uma resposta à per-
gunta fundamental, para o sentido
da existência? O sentido é algo !
construído e, ao meu ver, cons- ,I
truído coletivamente. I
Os estudos que foram aqui
apresentados, bem como as dire-
trizes que são passíveis de serem
extraídas desses estudos, certa-
mente contribuirão para uma defi-
nição - seja no sentido filosófico,
seja no sentido prático - da edu-
caç~o, da organização do trabalho
e das relações de poder, enfim, da
sociedade, como sociedade civil e
civilizada.
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DEMANDAS POR
RECURSOS HUMANOS
EMUDANÇAS
ORGANIZACIONAIS

I
1
 o EMPRESARIADO E A EDUCAÇÃO

Horácio Penteado de Faria e Silva Filho *

Um dos objetivos do nosso Instituto é apoiar e gerenciar projetos, basica-

mente, nas áreas de meio ambiente e educação.
Uma das ações do IHL está sendo junto ao Comitê de Educação da
Comissão Empresarial de Competitividade (CEC). A CEC, criada por
decreto presidencial, é constituída por cerca de 210 empresários represen-
tando todos os segmentos do setor produtivo e todos os estados do Brasil.
Os empresários estavam, em sua maioria, preocupados com o ensino
técnico de 2!! e 3!! graus, mas muitos não sabiam sequer que não existiam
mais o primário e o ginásio. A primeira tarefa foi colocar para o cOnlltê a
importância do ensino fundamental, enfatizando que aí estava o gargalo
do sistema educacional brasileiro.
NOJl_assado, os anseios da oferta (educadores) e as necessidades da
dema~da (empresáiiós)erarn conflítahtes. A escola'única com qualidade
igual para todos não era necessária, pois, na primeira etapa do processo de
industrialização, foi possível a países corno o nosso estabelecer um parque
industrial razoável contando com uma base estreita de mão-de-obra qua-
lificada, somada a um contingente enorme de trabalhadores pouco educa-
dos e mal preparados para enfrentar desafios mais complexos.
:'1' Hoje, no entant,o,a realidade é outra. Predominam as altas tecnologias
de produção e infOrmação, e nenhum país se airisca aentrar em competição
por mercadosintemacionais sem haver antes estabelecido um sistema
educacional onde a totalidade da população, e não só a força de trabalho,
tenha atingido um mínimo de 8 a 10 séries de ensino de boa qualidade. Na
maioria dos países europeus, foi preciso um século para que se atingisse
essa performance, no Japão 70, na Coréia e Taiwan menos de 30 e em
Cingapura menos de 20.

• Coordeoadorde projeto. na áreaeducacíooa! do Instituto HerbertLevy. Assessor da presidencia

da Gazeta Mercantil.

j 87
 Para se integrar no contexto da época atual e exercer ~ficazmente um
pape! na atividade econômica, o indivíduo tem que, no mínimo, saber ler,
interpretar a realidade, expressar-se adequadamente, lidar com conceitos
científicos e matemáticos abstratos, trabalhar em grupos na resolução de
problemas relativamente complexos, entender e usufruir das potencíalida-
des tecnológicas do mundo que nos cerca. E, principalmente, l?recísa
aprender a aprender, condição indispensável para poder acompanhar as
mudanças e avanços cada vez mais rápidos que caracterizam o ritmo da
sociedade moderna.
Essas competências são imperativas não só para o trabalhador mas
também para o indivíduo e o cidadão.
Procuramos com esse discurso mostrar que hoje os anseios dos educa-
dores - escola única, voltada para o desenvolvimento pessoal, a preparação
para a cidadania e a preparação para o trabalho - vão de encontro às
necessidades dos empresários.
Com relação ao papel dos empresários, evoluiu-se para a seguinte
posição: não sugerimos que os empresários podem ou devem cuidar das
escolas melhor do que o governo ou ao invés do governo. Essa não é sua
responsabilidade, sua missão e, muito menos, sua intenção. Além disso,
por mais que os empresários se envolvam diretamente com as escolas, o
efeito dessas intervenções será sempre limitado. Hoje existem centenas e
centenas de empresas que se dedicam a atuar no ensino fundamental, mas
não chega a duzentos mil o número de crianças que são atendidas. Isto em
um universo de vinte e nove milhões de crianças de 7 a 14 anos. A solução
passa necessariamente pela escola pública.
No entanto, a participação direta do empresário no trato das questões
da educação e da escola é importante, por três razões: porque fainiliariza
o empresário com essas questões; porque, no estado atual da educação
brasileira, é útil complementar a ação do governo; e, como atesta a própria
vivência dos empresários, é a empresa quem mais ganha quando a comu-
nidade onde se insere melhora seu padrão educacional.
Além da participação direta, o empresário pode atuar localmente,
participando da gestão da escola, e, através das confederações, que têm
acesso ao poder, propor e cobrar políticas educacionais. Para tanto, os
I .
empresários precisam conhecer o tema Ensino Fundamental.
Com esse objetivo, o Instituto começou a desenvolver um primeiro
trabalho intitulado "Ensino Fundamental e Competitividade Empresarial
- uma proposta para ação do governo". Contratamos especialistas, gente
de renome internacional que pensa a questão da educação para o trabalho
da forma como expusemos. A identidade de pensamentos foi proposital
88
porque, se fosse composto um grupo muito heterogêneo, ia ficar improdu-
tivo.
Na primeira parte, o trabalho mostra a realidade do ensino de primeiro
grau nos aspectos de eficiência, qualidade e financiamento.
O acesso à escola de primeiro grau está hoje praticamente universali-
zado: 95% da faixa etária adequada se matricula na 1ª série do I!! grau e
dos 5% sem acesso, 80% encontra-se no Nordeste rural miserável, onde a
educação não é prioridade.
Os dados sobre a ineficiência do ensino são alarmantes. Os 43% que
se formam levam em média 12 anos, desses apenas 3% se formam em 8
anos: o sistema consome mais de 20 matrículas para um graduado. A
evasão precoce é um mito: os 57% que não se formam ficam de 6 a 7 anos
na escola e se evadem após 3 ou 4 repetências. Essa pedagogia da repetên-
cia, denunciada pelo Prof. Sérgio Costa Ribeiro, massacra a auto-estima. i
Boa parte dos evadidos acaba nas ruas das periferias e milhares deles "
acabam indo para as áreas centrais, fazendo da rua a sua sobrevivência e
até mesmo a sua moradia.
Os dados sobre a qualidade do ensino indicam que a qualidade no
Brasil é urna das piores do mundo. Em 1990, o programa chamado Sistema
de Avaliação do Ensino Básico do MEC (SAEB) realizou testes em mais
de 100 mil alunos em todo o Brasil; os alunos aprendem, em média, 48, I %
do que deveriam aprender e o Estado com maior média foi Santa Catarina
(53,4%), que é um escore muito baixo. Em 1991, o Educational Testing
Services, em New Jersey (ETS), realizou testes em alunos de 20 países:
somente conseguimos melhor desempenho do que Moçambique, um dos
países mais pobres da África, assolado por uma guerra civil e varrido por
uma crise que o Brasil jamais conheceu.
A Educação tem recursos garantidos pela Constituição. Ela impõe à
União, Estados e Municípios que destinem, respectivamente, 18%,25% e
25% das receitas líquidas àEducação. Desses valores, até 1998, pelo menos
50% devem ser aplicados na erradicação do analfabetismo e no ensino
fundamental. Para esse grau de ensino existem também os recursos do
salário educação: 2,5% dos salários. Estudos garantem que poderíamos
destinar cerca de US$ 300 por aluno/ano, que, se aplicados racionalmente
no ensino, permitiriam, por exemplo, dobrar ou triplicar a remuneração
dos professores.
No entanto, gastam-se apenas US$ 200 face ao não cumprimento da
lei (a União não destina os 50%), atrasos e corrosões provocadas pela alta
inflação. Desses 200, apenas 100 chegam à sala de aula. Estamos falando
em média, pois há escolas que recebem 25 e escolas que recebem 250.
89
 Esta segunda malversação dos recursos advém de inchaços fantásticos
nas máquinas das secretárias, do absurdo pagamento dos inativos, da ilegal
utilização da verba de educação para compra de merenda etc.
Finalmente, o que chega nem sempre é eficazmente utilizado. Há
escolas com funcionários em demasia face ao empreguismo político.
Definitivamente, o problema não é de falta de recursos. Eles existem.
Ocorre que se gasta mal.
Na segunda parte, o trabalho coloca estratégias de mudanças. Propõe
a implantação de um mecanismo que garanta um padrão mínimo de
recursos para as escolas e um sistema nacional de avaliação das escolas.
Em outros termos, não é outro o objeto da proposta que equipar as
escolas e instrumentalizar a sociedade. Nós entendemos que avaliações
feitas permanentemente, comparando escolas em áreas e situações diferen-
tes, vão começar a traçar um caminho para que a sociedade possa eficaz-
mente cobrar. Hoje é muito difícil alguém chegar e dizer que aquela escola
ensinou bem ou mal seu filho; não existe parâmetro, não existe avaliação
externa. O nosso trabalho mostra também corno outros países equaciona-
ram suas políticas educacionais.
O trabalho foi entregue ao Presidente da República e ao Ministro da
Educação e foi muito bem recebido. O Secretário Nacional de Educação
Básica Dr. Paulo Elpydio Menezes Neto promoveu um seminário realizado
no Rio de Janeiro nos dias 3 e 4 de agosto de 1992. Convocou represen-
tantes de vários segmentos da sociedade, acadêmicos de quase todos os
Estados, integrantes da CUT, profissionais do SENAI e SENAC, presiden-
tes do CONSED - Conselho dos Secretários Estaduais de Educação, e da
UNDIME - União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação.
No seminário o trabalho foi debatido. Houve intensa participação de
alto nível, gerando o seguinte documento:
"Os participantes do Seminário sobre Educação Fundamental e Com-
petitividade Empresarial, reunidos nos dias 3 e 4 de agosto para analisar
as propostas contidas no documento do mesmo nome, e com base nas
diversas contribuições fornecidas pelos presentes, recomendam à Secreta-
ria da Educação Básica: Que se aprofundem as propostas referentes às
questões do financiamento e gerenciamento do ensino fundamental, crian-
do mecanismos claros e declarados para a sua aplicação prática, dentro da
heterogeneidade social e cultural das regiões brasileiras; que se reveja
também, clara e precisamente, a distribuição das competências entre as três
instâncias públicas com responsabilidade no ensino fundamental - União,
Estados e Municípios; que se considere a educação, na definição dos
objetivos gerais da proposta apresentada, não só sob o prisma da compe-
90
i
_I
titividade empresarial, mas principalmente como instrumento indispensá-
vel para a cidadania e o desenvolvimento pleno das potencialidades hUma-
nas; que se desenvolvam estudos complementares sobre a questão do
magistério; definindo caminhos e possibilidades viáveis, tanto em relação
à fonnação profissional como no que diz respeito à remuneração do
professor e à sua motivação para o exercício da função, tendo em vista a
essencialidade de seu papel na reforma do sistema educativo; que as
experiências que estão acontecendo em diversos pontos do país visando à
remodelação do ensino fundamental sejam apoiadas, dentro do possível,
pelo MEC, e que se proceda a uma constante avaliação de sua evolução e
resultados, recolhendo subsídios para que outras ações do gênero sejam
empreendidas com sucesso; que se fomentem, com base na proposta,
experiências-piloto objetivando testar as teses centrais do documento,
tanto as relativas ao financiamento, quanto as referentes aos processos
sugeridos para a determinação dos padrões de desempenho e avaliação dos
alunos das escolas e das políticas públicas; que a avaliação seja considerada
e utilizada como elemento transformador, indo além de sua função diag- !.
nóstica, contando nesse sentido com a participação de todos os envolvidos
no processo, dentro e fora do sistema educativo; que o documento seja
considerado como contribuição importante no processo de mudança da
cultura política brasileira, ora em ruptura com o velho modelo de estado
patrimonial e clientelístico, que sempre impediu quaisquer tentativas de
desenvolver uma política educacional de qualidade, condizentes com os
interesses legítimos da população; que se considere a influência dos fatores
políticos, econômicos e culturais como ponto relevante da determinação
da baixa qualidade do ensino, incorporando propostas e soluções capazes
de superar a persistência das desigualdades sociais dentro das escolas; que
se desenvolvam propostas visando ao equacionamento dos descompassos
existentes entre os processos pedagógicos, livros didáticos e as fonnas
modernas de comunicação; que se enfatize nos processos culturais-educa-
tivos a valorização das associações de pais e o papel da família e da
comunidade como fator decisivo na transformação da escola; que se
estabeleçam, junto aos meios de comunicação de massa, ações no sentido
de obter a adesão dos pais e da sociedade civil como estratégia no
fortalecimento do papel social e pedagógico da escola; que se considere,
como um dos pontos fortes do documento em referência, a participação
dos pequenos, médios e grandes empresários, entendida como manifesta-
ção de preocupações capazes de contribuir decisivamente para a organiza-
ção das demandas por uma escola pública de qualidade; que se reexaminem
os mecanismos atuais de financiamento da educação, ampliando-os se for
o caso, tendo em vista corrigir as distorções do ensino fundamental; que
se reafirme a contribuição social do salário-educação como instrumento
91

:'
.. importante de combate às desigualdades regionais no ensino fundamental
e se fortaleça a locação de recursos com base em critérios redistributivos,
objetivos e transparentes; que se considere a imperativa necessidade de
realizar estudos adicionais que analisem mais especificamente a relação
entre educação e competitividade empresarial, observando inclusive ou-
tros níveis de ensino sem prejuízo da adequada ótica comparativa interna-
cional; que o documento passe por uma discussão mais ampla entre os
empresários e outros setores da sociedade visando a um maior engajamento
às propostas".
Procurei fazer um resumo da atividade do Instituto Herbert Levy junto
à classe empresarial. A sensação que estou tendo é que os empresários terão
uma força razoável baseada em uma intensa necessidade. O nosso plano é
que os empresários estejam a serviço da educação, pressionando, partici-
pando, tentanto buscar o engajamento da sociedade como um todo. Eu
gostaria muito de terminar ~izendo que hoje temos 90% dos empresários
engajados. Mas isso é, por enquanto, um ideal distante. Mas acredito que
trabalhando muito chegaremOll lá.
92
:1
CAPACITAÇÃO TECNOLÓGICA,
REVALORIZAÇÃO DO TRABALHO
E EDUCAÇÃO
Ruy de Quadros Carvalho *
Este textoJçm.como objetivo situar a importância da oferta deeducação
de qualidade e da clisponibilidadedeümabase de recursos humanos
I
i
I I
qualificada, paiáodesenvolvimento da com~titividade do setor produtivo f.
no Brasil, nas atuais condições de aceleração do progresso técnico. O artigo
procura fazer umbalailço crítico da situaçãõda iiia"stria brasileira no que
t
diz respeito à sua base de recursos humanos e às políticas'de uso do trabalho
adotadas pelas empresas industriais, em grande medida responsáveis pela
conformação daquela base.
O eixo do argumento é de que a disponibilidade de uma força de
trabalho educada é condição necessária, embora não suficiente, para via-
bilizar estratégias produtivas centradas na capacidade de aprendizado e
inovação das firmas. A ex.periência internacional, examinada na Seção 2,
demonstra que face à aceleração do progresso técnico a capacidade de
inovação das.empresas é fator dinâmico crucial para a competitividade de
uma econOmIa.
Por sua vez, tal capacidade requer políticas de recursos humanos (no
plano macro) e de uso do trabalho (no plano micro) que valorizem o
desenvolvimento do conhecimento e da inteligência da força de trabalho,
em todos os níveis da atividade produtiva, da alta administração até o chão
de fábrica. As experiências dos países melhor sucedidos no atual processo
de reestruturação industrial também apontam nessa direção. Entre os vários
aspectos da transformação social associada ao atual processo de mudança
tecnológica naqueles países, um dos mais importantes é a mudança da
natureza do trabalho e a percepção de seu papel pelas gerências, sobretudo
• Professor Assistente-Doulor do Departamento de Política Cientffica e Tecnológica. Instituto
de Geocienci.sfUNICAMP.
93
: f.

do trabalho produtivo na indústria e nos serviços. Muitos autores têm
apontado com ênfase para uma radical re~isã~ do papel do trabalh.o nas
estratégias de produção das empresas. A difusao das novas tecnologias de
produção, das novas técnicas de gestão a elas associadas e a busca perma-
nente da capacidade de inovação exigiriam a recuperação da "inteligência
da produção", vista como ruído indesejável dentro do dogma taylorista, até
então dominante!.
A situação do Brasil é examinada em contraste com a experiência
internacional (Seção 3). A estrutura ocupacional da indústria brasileira é
extremamente polarizada entre uma grande massa de trabalhadores semi-
qualificados ou sem qualificação e uma parcela bem menor composta por
trabalhadores qualificados, técnicos de nível médio e superior e pessoal de
direção. Metade dos trabalhadores empregados na indústria (setor formal)
não foram além dos quatro anos de escola. O salário médio não chega a
quatro salários DÚnimos, e a rotatividade da mão-de-obra é altíssima
(acima de 50% no setor formal da indústria, na segunda metade da década
passada). Estes números indicam que o desenvolvimento e O aproveita-
mento da "inteligência da produção" não são O ponto forte da indústria
brasileira. E'mbora haja significativas exceções setoriais (que são comen-
tadas), o trabalho corri pouca qualificação, barato e muitas vezes "descar-
tive!" continua sendo a base em que se sustenta a maior parcela das
atividades do setor secundário no Brasil. O artigo busca documentar e
discutir os principais determinantes desta contradição, representada pela
continuidade no Brasil de um padrão predatório de uso do trabalho num
momento em que as economias mais avançadas do mundo promovem a
valorização do trabalho.
Embora o tratamento dado neste artigo privilegie o setor se_cundário
corno um todo, exemplos setoriais, baseados em pesquisa do autor, são
introduzidos a fim de enriquecer os argumentos. A principal conclusão do
artigo (Seção 4) é a de que o nosso "atraso" no que diz respeito ao perfil
da força de trabalho industrial e ao uso que dela se faz está profundamente
associado à fragilidade tecnológica da indústria brasileira. A superação
L Entre os autores que apontam para a revalorização do trabalho, a reprotissionalização e a perda.
de funcionalidade do paradigma taylorista nas novas condições de produção. Schmitz (Schmitz e
Cassiolato 1992), Corlat (1990) e Kem e Schumann (1987) estão entre os mais difundidos no Brasil.
Outros autores chegaram a fonnular teorias mais compreensivas.. em que a reversão da tendência à
fragmentação do trabalho é colocada no centro do que seria uma ruptura na hIst6ria do capitalismo
industrial. equivalente em importância ao que foi, por exemplo, a passagem do artesanato para a
manufatura_ Neste sentido, talvez a "marchê·' mais conhecida seja The Second lndustrial Divide, de
Piore e Sabel (1984). O sistema desenvolvido por Kaplinsky (Kaplinsky 1988, Hoffman e Kaplinsky
1988), que apresenta o momento atual como de constituição da era da "sistemofatura". sucedendo a
era da maquinofatura, é igualmente abrangente. Estes autores vêem no Japão, e particulannente em
sua indústria automobil[stica~ o lugar de nascimento do "novo processo de rrabalho'·. A propósito da
configuração e transferihilidade de um modelo japonês de organização industrial, ver Rirata (1993).
94
dessa situação requer mudanças significativas nas políticas empresariais e
governamentais.
I. ACELERAÇÃO DO PROGRESSO TÉCNICO E
REVALORIZAÇÃO DO TRABALHO NAS ECONOMIAS
CAPITALISTAS AVANÇADAS
1.1. Aceleração do progresso técnico e capacidade de inovação da
empresa
Uma das características centrais da atual mudança estrutural das
economias industrializadas é a aceleração do progresso técnico, isto é, a
intensificação do crescimento da taxa de acumulação de conhecimento
científico e tecnológico e de sua correspondente participação na geração
de crescimento e riqueza. A larga disseminação da expressão "revolução
tecnológica" revela o lado mais aparente do fenômeno: a impressionante
rapidez na geração e difusão de novas tecnologias, na introdução de novos
produtos e processos produtivos e na disseminação de novos métodos de
organização da produção.
A crise dos anos 70 levou as empresas e economias nacionais a
intensificarem a busca de novos caminhos para a elevação da produtividade
e para o desenvolvimento de novos produtos e mercados. Tal procura
realizou-se sobretudo pela exploração das oportunidades oferecidas com
o progresso realizado no campo das novas tecnologias.
A este respeito, o caso das tecnologias da informação, baseadas na
microeletrônica, tem sido notável, devido à sua ampla pervasividade e
potencial para criar novos produtos e mercados, influir na transformação
de quase todos os produtos e serviços existentes ou pelo menos na maneira
de produzi-los e vendê-los'. A difusão dos meios de produção da nova base
técnica abriu caminho para uma profunda reorganização tecnológica e
organizacional em quase todos os setores de atividade econômica. Produ-
tos têm sido inteiramente redefinidos, para se tomarem "inteligentes".
Foram derrubadas algumas das mais antigas barreiras técnicas à automa-
ção, viabilizando a associação desta com a flexibilidade de produção. A
emergência de tecnologias descentralizadas de processamento e sua com-
binação com novas técnicas de telecomunicações têm pennitido um ver- '[
..•
r
. 2. Ver Freeman e Soete (1987), para uma discussão abrangeote e empiricamenle documentada
das novas indústrias e serviços baseados nas tecnologias da infonnaçllo, e de co?,o ~stas lê?, :üetado li
as demais indústrias, Para uma avaliação abrangente e documentada da expenênc.a braSIleIra. ver :1
Schmitz e Cassiolato (1992)_ I:
I
I
95
 dadeiro salto no processo de horizontalização e descentralização das
organizações.
A geração e difusão das tecnologias da informação constituem um dos
aspectos centrais do que acima se chamou de aceleração do progresso
técnico. A competição com base na inovação tecnológica é o fator domi-
nante num número cada vez maior de mercados de produtos industriais e
de serviços. Firmas e países têm intensificado seu esforço na busca de
novas trajetórias tecnológicas. Aumento da produtividade, melhora da
qualidade e conquista de mercados dependem crescentemente da capaci-
3
tação tecnológica de firmas e países. Em suma, a competitividade depen-
de, em grande medida, da capacidade de gerar ou incorporar inovações.
Um indicador aproximado da intensificação dos esforços tecnológicos
nas economias avançadas é o crescimento dos investimentos em pesquisa
e desenvolvimento (P & D) como proporção do PNB. Entre meados dos
anos 70 e meados dos 80, este indicador cresceu de um patamar abaixo dos
2% para o nível de 2,7%, no conjunto dos sete países mais industrializados
(CEPAL 1990)4. Nos Estados Unidos e Japão, os investimentos em P & D
superavam os 3% do PNB, em 1985 (Dahlman 1989). Estes números
subestimam a totalidade do esforço tecnológico feito por estas economias,
porque não consideram as atividades inovativas no âmbito da produção
que não são formalizadas como P & D. Tais atividades têm um peso
bastante significativo para a geração e incorporação das inovações incre-
mentais (minor innovations). Ainda assim, é a ordem de magnitude do
crescimento do investimento formalizado como P & D que se apresenta
como bom indicador da aceleração do progresso técnico.
Da mesma forma, são as variações no tempo e a distância em relação
à posição dos países mais industrializados que nos permitem situar, a partir
do mesmo indicador, a posição relativa dos países em desenvolvimento,
frente à aceleração tecnológica. Ainda de acordo com os dados da CEPAL,
os países asiáticos 5 expandiram significativamente seus gastos em P & D
ao longo dos anos 80, a partir de uma base quase nula nos anos 70, até
atingir 1,3% do PlB, em meados da década (CEPAL 1990). O caso da
Coréia é que o revela maior dinamismo, com gastos em P & D saltando de
0,6% do PIB em 1980 para 1,6% do PIB em 1985 (Dahlman 1989). Em
contraste, a situação do Brasil é reveladora da estagnação do esforço
3. Sobre o conceito de c.pacitação tecnológica, particularmente nO caso dos países em desenvol-
vimento, ver Bell (l984), Fransman (1986), Enns e Park (1988), Enos (1991) e Lall (1992).
4. Inclui Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França. llália, Japão e Reino Unido,
5. Inclui Coréia, Filipinas, Hong-Kong, Cingapura e Tailândia. • colocaram cerca de US$ 88 bilhões em P & D (Basiness Week, 28f06l93). Apenas as oito empresas
96
"
t
tecnológico na América Latina: desde meados dos anos 70, os investimen-
tos em P & D realizados no Brasil não ultrapassam 0,6% do Pffi nacionat
A distância das l;mpresas brasileiras em reiação ao esforço de acumu-
lação de conhecimento tecnológico pelas empresas das economias mais
dinâmicas é ainda mais expressivo. Enquanto nestas o setor privado é o
maior responsável pelos investimentos em P & D realizados na economia
(em tomo de 80%, nos casos de Japão e Coréia)\ o setor produtivo
brasileiro é responsável por apenas 7% dos gastos nacionais em P & D
(SCT 1991). A diferença revela o quanto as empresas brasileiras estão
atrasadas em seu ajuste para acompanhar a "revolução tecnológica"·.
A importância da capacitação tecnológica como fator competitivo,
bem como da ação inovadora das firmas para o entendimento da dinâmica
econômica, tem-se refletido no crescimenio do interesse pela investigação
da natureza da atividade tecnológica, ao nível da fIrma e dos espaços
econômicos nacionais. Dada a irrealidade de seus pressupostos e a incapa-
cidade de seus modelos para explicar a dinâmica da inovação, a abordagem
neoclássica tradicional tem sido refutada. Tem crescido a influência das
teorias "evolucionárias" da inovação, de inspiração schumpeteriana, so-
bretudo na formulação de Nelson e Winter (1982) e Dosi (1982 e 1984),
Para esta perspectiva, o conhecimento tecnol6gico e a capacidade de inovar
são um processo cumulativo, em muitos aspectos endógeno à fuma,
embora determinado em grande medida por fatores institucionais. Assim,
o conhecimento tecnológico não é um bem livremente disponível, nem
.1
facilmente imitado ou transferível entre as fIrmas. A transferência de li
tecnologia requer aprendizado, porque as tecnologias são, em grande
medida, tácitas e, portanto, apropriáveis pelas fIrmas inovadoras. A mu-
dança tecnológica (desde as pequenas mudanças até as inovações radicais)
é entendida como parte de um processo contínuo para absorver e criar
conhecimento tecnológico, determinado. em parte por inputs extemos e em
parte pela acumulação anterior de conhecimento e qualificações.
6. Este dado é divulgado pelo governo brasileiro (Brasil/Ser 1991) e se baseia numa estimativa
dos gastos em C & T em 1988. Todavia, a metodologia adotada bem como os números divulgados pela
Secretaria de Ciência e Tecnologia têm sido questionados. Aron Kuppermann, em seminário recente-
mente realizado na Universidade de São Paulo, apresentou uma estimativa discrepante, baseada em
novas observ.ções empíricas para o ano de 1995. Na sua avaliação, os gastos em C & T no Brasil não
ultrapassariam 0,35% do Pro (Gazeta Mercantil, 13110193).
7. Um aspecto importante desse fenômeno é que Ocrescimento da participação das atividades de
P & D na produção de valor agregado não se dá apenas nas indústrias de alta tecnologia. Nas economias
avançadas. esta tendência também é presente em muitas das indústrias ditas maduras. A esse propósito
ver OIT, 1988. e a avaliação de Business Week, de 28106193.
8. Pela estimativa da Secretaria de Ciência e Tecnologia, as empresas produtivas (estatais e
f6
'1.
privadas) no Brasit investiram em conjunto cerca de US$ 700 milhões anualmente em P & D. Em
contraste, as 200 empresas estrangeiras não americanas que mais investitam em P & D no IDO de 1992
italianas que constam desse mesmo grupo investiram US$ 3,8 bilhões em P & D em 1992.
97
[
II,
r
L
 Como veremos a seguir, as tendências recentes do progresso técnico
têm implicado mudanças substanciais nos processos de trabalho nas eco-
nomias mais avançadas, com reflexos sobre o emprego e o uso do trabalho.
O entendimento da atividade inovativa como um processo de aprendiza-
gem, localizado e cumulativo, ajuda a entender as novas funções do
trabalho.
1.2. As implicações da aceleração do progresso técnico para o processo
de trabalho: atenuação da divisão do trabalho e crescimento de seu
conteúdo inovativo
No que diz respeito às implicações do atual processo de aceleração do
progresso técnico para o processo de trabalho produtivo, nas econolIÚas
mais avançadas, três aspectos merecem destaque.
a) Em primeiro lugar - e talvez esta seja a mudança de impacto mais
profundo e duradouro, embora de realização mais demorada - o cres-
cimento da participação das atividades de inovação (e não apenas de P
& D), no valor agregado pela produção industrial, coloca em xeque o
conceito mesmo de processo de trabalho. Isto parece especialmente
válido para as fronteiras que a literatura sobre processo de trabalho
usualmente estabelece, ao restringir o conceito ao que ocorre no chão
da fábrica ("shopfloor"). Do ponto de vista da produção de valor,
atividades que se consideram fora da "produção", como P & D, enge-
nharia e serviços após venda têm sido sua participação relativa subs-
tancialmente ampliada.
A separação conceitual completa entre inovar e produzir começa a
deixar de fazer sentido. Nas condições do capitalismo contemporâneo,
produzir é cada vez mais "produzir inovação". Esta generalização deve ser
qualificada em função das distintas realidades setoriais, sobretudo no que
diz respeito às diferentes características da geração e difusão de tecnolo-
gias. Não cabe aqui entrar numa classificação deste tipo, mas a menção a
alguns casos concretos ajuda a fortalecer o argumento.
Para indústrias que esmo na fronteira tecnológica, e que já constituem
uma parcela muito significativa da produção nas economias avançadas,
"produzir" avanços tecnol6gicos é o estágio crucial do seu ciclo produtivo,
assim como a inovação é o principal produto ou serviço que vendem.
Quanto mais um setor ou fuma é "intensivo em ciência", isto é, quanto
mais sua posição competitiva depende do contínuo desenvolvimento de
tecnologias apropriáveis derivadas de avanços científicos, mas o centro de
gravidade de seu ciclo produtivo tende a se deslocar para suas atividades
de inovação. Não obstante, mesmo em indústrias mais dependentes de
outros fatores competitivos como escala e produtividade do trabalho, mas
98
com investimentos elevados em P & D (por exemplo, nas indústrias de
máquinas), as atividades ligadas à inovação de produto estão se tomando
cada vez mais importantes, como resultado da fragmentação dos mercados
e da maior importância da produção costumizada.
No entanto, esta tendência não deve ser entendida como perda da
importância estratégica da produção. Ao contrário, o mesmo processo que
leva a ampliar o conceito de produção para incorporar a "produção da
inovação", atua no sentido de ampliar o conceito de inovação para incor-
porar a inovação que "nasce" no chão da fábrica. Em indústrias cuja
competição está mais centrada na inovação de produto, a força de trabalho
na produção tem tarefas decisivas relacionadas com a implementação, o
teste e a correção dos novos processos e produtos. O mesmo argumento
vale com relação à contribuição do conhecimento acumulado no chão da
fábrica para que as empresas que adotam automação programável possam
se beneficiar das oportunidades oferecidas por esta tecnologia para acele·
ração da taxa de inovação de produto e processo, como argumentado por
Hoffman (1988). A idéia de "fábrica-laboratório" (Freeman 1988), nascida
a partir de uma pesquisa em indústrias japonesas de bens de consumo
eletrônicos, sintetiza bem esta noção de que a fábrica é o local privilegiado
dos testes de projetos de novos produtos, cujos ciclos de vida são cada vez
menores.
A força do "modelo" japonês de inovação consiste exatamente no
aproveitamento máximo da força criativa decorrente da acumulação de
conhecimento no chão da fábrica. Organizacionalmente, a principal carac-
terística do modelo consiste em aproximar e integrar as áreas e funções de
engenharia e produção. Amsden (1989) também insiste neste ponto, ao
tratar das características do processo de aprendizado tecnológico na Co-
réia, bastante inspirado nas características organizacionais japonesas.
b) Em segundo lugar, é importante ressaltar que a mudança por processos
de trabalho industriais modernos é impulsionada em grande medida
pela difusão da automação programável. Sobretudo nos setores que,
antes da atual onda de automação, eram caracterizados por processos
de trabalho predominantemente manuais ou semi-automatizados (por
exemplo, nas indústrias envolvendo mOlltagem em série, como a ele-
trônica e a automobilística), está havendo mudança na I)atureza e no
conteúdo do trabalho na produção. Para além da destruição/criação de
empregos, a própria natureza do trabalho "vivo" está se modificando
no curso do presente salto da automação. O trabalho manual direto -
em sua maior parte fragmentado e pouco qualificado ~ está sendo
progressivamente eliminado, emergindo em seu lugar tarefas de moni-
toramento e supervisão de sistemas automatizaüos, de natureza total·
mente distinta (Carvalho 1993).
.1
99 r
t.
t.
 o trabalho em sistemas automatizados contém um conteúdo intrinse-
camente relacionado com o processo de inovação tecnológica. Não se trata
apenas da maior freqüência de introdução de novos produtos possibilitada
pela extrema flexibilidade da nova tecnologia e que tem no teste da
produção um laboratório indispensável para aperfeiçoamentos. Trata-se
também de que os sistemas automatizados são sistemas abertos, perma-
nentemente em evolução, sendo que esta se vale muito do feedback que
vem do chão da fábrica. Neste sentido, pode-se dizer que a automação
flexível, ao mesmo tempo que libera o trabalhador produtivo de grande
parte das tarefas mais repetitivas elou perigosas, exige-lhe um novo tipo
de tarefa, ligada ao conhecimento do sistema produtivo e à necessidade de
prever e corrigir disfunções do sistema.
c) Em terceiro lugar, mas não menos importante, a mudança nos processos
, de trabalho tem sido facilitada pela disseminação de novos métodos ou
"I técnicas de organização da produção (para alguns autores, "técnicas
i,l ~ ';:
japonesas de organização da produção", para outros, "novos métodos
de qualidade e produtividade"), tais como just-in-time, Kanbam etc.
Tal difusão é relativamente independente de mudanças tecnológicas
de produto ou de processo que envolvam equipamentos, matérias-primas
etc. As novas técnicas de gestão facilitam a integração das funções de
produção, controle de qualidade e organização da produção. A idéia de
"produzir qualidade", um dos objetivos principais dessas técnicas, pressu-
põe uma delegação considerável da responsabilidade sobre a qualidade
para o trabalho de produção. Além disso, pressupõe também uma busca
permanente de pequenas inovações na maneira de produzir, que nascem
do conhecimento acumulado pelos trabalhadores na própria vivência da
produção. Neste sentido, as novas técnicas organizacionais parecem ser
um instrumento importante (embora não suficiente) para viabilizar aquilo
que acima denominamos como "a inovação que nasce no chão da fábrica".
Algumas dessas técnicas criam um espaço fonual para que trabalhadores
de diversos níveis e funções participem deste tipo de processo inovativo.
A consideração das três tendências, acima comentadas, em separado,
só faz sentido como urna abstração construída para fins analíticos. Em
concreto e na prática, elas ocorrem em conjunto e fazem parte de um
mesmo processo marcado pela aceleração do progresso técnico, afetando,
cada urna delas, em maior ou menor grau, a maioria dos setores produtivos.
Mais ainda, essas tendências se reforçam mutuamente; por exemplo, a
eliminação do trabalho manual mais pesado e repetitivo abre espaço para
o melhor aproveitamento do trabalhador em atividades que requerem
inventividade.
O que parece ser subjacente a todas estas mudanças no processo de
trabalho capitalista é o aumento substancial da proporção de trabalho
100
voltado direta ou indiretamente à inovação, em todas as esferas da atividade
produtiva. Tem crescido progressivamente, também na produção, a pro-
porção ~de tarefas e responsabilidades não rotinizáveis, que de alguma
fonua estão relacionadas com objetiyos que constantemente se renovam.
1.3. As lmfJYcaj:õe~pªrClo uso do trabalho e o perfil do emprego
industrial
Nessas condições, parece que estão mudando radicalmente o papel
~1!ͺoª.Q. tr{lJ~!j.lhQ.p.clas-emp.[~ª~~..suunanejrade (lr.&llni~á-lo e admi-
nistrá-19. Numa organização onde .o ritmo da mudançaJe~está
sendo ac_~I~rllcl.ll, a..h{lbilidade-<:hl.fm:ça de trabaJh~~adaptar r~ida­
~el~!"~_a novas "campanhas" de produção pode ser um importantefatõrOe
ç.Q!!l~YjjYid~. Face à intensifica ão da competi ão com base na inova-
5~? te.~~~I?g~c~~~()SQ.I1ML1ffiento_ªcumu a _~~ trabalha<!orej:-:-é_u.!!iJ1
}õnte c~(:~vações.incrementais,que não pode ser subestimada. O
acompanhamento de ~~~e_semp.n;.
podem ~rf.s.entar falhas m~Eera as requer uma mão-de-obra res onsá-
ver;~~~nta e conh~ dos eq~ipamentos. Os benefícios da integração
entre velldils";P& D e a área de Ij'lanufatura serão maiores se o trabalhador
individual ou o grupo receberem maior responsabilidad~utonl})li1a"e
m~flIll se comunic.ll!-:C?~g\!.~á!:e~~ .d~~tro da empresa. Todos e;ses-
Íatores coriêorrempãía tomar ineficaz uma abordagem taylorista rígida,
seja na organização do trabalho, seja na gestão do mesmo 9•
Com efeito, o_ql:l.~~os assistindo. nas eco!l9~ais avançadas
é nill.Jeal enfragu~ms:n~dosdogI)lª~!ªyJ-º.tistas sobre ~Jragmenta.x!9
do trabalho, com as gerências mudando em direção a um usõ~mais abran-
gente dó mesmo, no qual o conhecimento e a criatividade de uma força de
trabalho responsável e cooperativa constituem uma contribuição bem-vin-
da na busca da eficiência, da qualidade e da inovação.
As mudanças no processo de trabalho capitaJista, particularmente a
mªiorinventividade e conhecimentos requeridos do trabalhador, refletem-
se em mudançasaêentuadas no padrão de uso do trabalho e nas caracterís-
ticas quantitativas e qualitativas do emprego do setor industrial das
economias avançadas. Estas mudanças serão aqui sintetizadas em quatro
• 10 '
Itens .
9. Entre os inúmero, autores que chamaram a atenção para e'te ponto, eslão Schmitz (1985 e I
1988), Coriat (1990), Kaplinsky (1988), Kem e Schumann (1987) e Schumann (1990). Há também
uma vasta literatura, de caráter mais nOrnlativo, na área de Administração. sobre o mesmo tema. I
10. Estes mesmo, pontos são di,cutidos com detalhe em Carvalho (1993, Capftulo lI).
t
101
iI,l
11:
a) Mudança na estrutura ocupacional: "Terciarização" e dissipação do
trabalho produtivo direto
A intensificação das atividades de P & D e a difusão da automação
programável têm atuado em conjunto para acelerar a tendência - já
anteriormente detectada - de queda da participação dos trabalhadores
diretos na estrutura global da força de trabalho, com o correspondente
ll
crescimento do número relativo de trabalhadores indiretos . Esta tendên-
cia pode ser desdobrada em dois aspectos. Em primeiro lugar, tem crescido
substancialmente a participação, na estrutura ocupacional, dos cientistas,
engenheiros, técnicos e outros profissionais ligados ao suporte à gerência.
A esta tendência corresponde a idéia de urna "terciarização" da indústria
(Cardoso 1982). Watanabe (1987), por exemplo, reporta que entre os anos
60 e 80 a proporção de trabalhadores da indústria automobilística japonesa
engajados na produção decresceu de 57% para 45 %, ao passo que a parcela
representada pelo "staff' técnico e adlIÚnistrativo subiu de 19 para 34%.
Isto, por um lado, é reflexo do crescimento dos esforços em P & D
realizados pela indústria automobilística japonesa.
Por outro lado, e aí está o segundo aspecto, a diminuição da proporção
de trabalhadores diretos é reflexo do que Coriat (1990, p. 199) chamou
"dissipação" do trabalho direto de produção e extensão do trabalho indi-
reto. Estes são fenômenos complementares decorrentes da difusão da
automação programável que, como vimos, tem efeitos significativos na
eliminação do trabalho manual, sobretudo o de natureza simples e repeti-
tiva. Ao mesmo tempo que concorre para aumentar a produtividade do
trabalho direto, a introdução de sistemas automatizados complexos requer
um volume maior de manutenção, inclusive em áreas de especialização
novas, como a programação e a manutenção eletrônica dos equipamentos.
b) As novas qualificações exigidas: conhecimento, capacidade de abstra-
ção e qualidades comportamentais
A questão das novas qualificações exigidas pela aceleração do pro-
gresso téénico é complexa e bastante dependente dos contextos tecnológico
e social. O grau de difusão da automação programável em uma indústria é
uma variável-chave, à medida que dele dependerá a maior ou menor
mudança na natureza do trabalho vivo, da qual decorrerão necessariamente
determinadas tarefas. No entanto, novas tarefas podem ser agrupadas de
11. Estou considerando como trabalhadores diretos aqueles encarregados de rarefas diretamente
relacionadas com a operação de processos produtivos (tais como a operação/coorrole de equipamentos
ou ferramentas, a alimentação ou monitoramento de máquinas automáticas. a montagem ou manipu-
lação de componentes ou materiais etc.). Em contraparte, as tarefas dos trabalhadores indiretos >lio
tod"" aquelas que se referem à manutenção/transformação das condições gerais para a produção (desde
as tarefas de fIUlnutenção até aquelas relativas à pesquisa e desenvolvimento de novos processos e
produtos).
102
diferentes maneiras, umas favorecendo mais um enriquecimento geral dos
conteúdos dos postos de trabalho e outras favorecendo a polarização entre
trabalhos mais e menos qualificados. A escolha entre estas alternativas é
primordialmente, questão gerencial, portanto, escolha social. .,
Se tormarmos como objeto da nossa análise aquelas situações (indús-
Irias) em que, de alguma forma, se combinam intensificação das atividades
de P & D e alta densidade de difusão das novas técnicas de produção, é
possível verificar uma profunda mudança nas qualificações exigidas para
o trabalho industrial. Apesar dos múltiplos aspectos envolvidos, essa
mudança poderia ser sintetizada como perda de importância das habilida-
des manuais em favor das habilidades cognitivas e comportamentais
(Carvalho 1993). Estas "novas" qualificações poderiam sercompreendidas
em três grandes grupos: novos conhecimentos práticos e teóricos, capaci-
dade de abstração, decisão e comunicação, e qualidades relacionadas à
responsabilidade, atenção e interesse pelo trabalho l2•
No entanto, a cautela recomendara evitar uma conclusão apressada a
respeito de uma tendência geral ao aumento do nível de qualificação dos
trabalhadores industriais diretos das economias mais avançadas. Além do
fato de os estudos existentes estarem bastante concentrados em um limi-
tado número de setores, há outros motivos metodológicos para tal cautela.
As mudanças que as empresas estão introduzindo na organização do
u:abalho são, na maior parte dos casos, experimentais, sendo que a diver-
sldade de situações não parece indicar que haja um "modelo" dominante.
Além disso, dado que o material empírico das pesquisas disponíveis em
geral não se vale de medidas objetivas do grau de qualificação, fica difícil
estabelecer comparações. O que, sim, parece inquestionável é que, com o
avanço da automação programável, há uma tendência para que o trabalho
direto assuma um caráter de monitoramento, passando a exigir do traba-
lhador maior capacidade de abstração, decisão, comunicação e um maior
grau de responsabilidade. No.entanto, como sugere Coriat (1990), trabalho
mais abstrato não necessaria'!1ente significa trabalho mais qualificado.
Os novos perfis profissionais associados ao avanço da automação e à
difusão dos novos métodos de organização da produção requerem maior
capacidade de abstração, o exercício do discernimento, e certas qualidades
comportamentais relacionadas com a confiança e a cooperação. Como
lembra Coriat, "esta dissolução do trabalho direto e a extensão do trabalho
indireto poderiam também ser vistas como um movimento geral em direção
12. Isto é o que se depteende das pesquisas empíricas de Kem & Schumann (Kem & Schumann
1987, 1991; Schumann 1990) realizadas sobre a experi~ncia alemã no. setores automotivo. químico e
de máquinas.ferramenta. Schmitz (198$) realiza um survey da literatura dos países mais industrializa-
dos que aponla na mesma direção.
103

à abstração do trabalho, abstração significando que, mais do que o manejo
oncreto de ferramentas baseado em prescrições de operação, agora esta-
~os lidando com a capacidade para ler, interpretar e decidir com base em
dados formalizados e fornecidos pelas máquinas" (1990, p. 202). Pode-se
ainda acrescentar que a inclusão no escopo do trabalho de produção de
responsabilidades tais como controle de qualidade e busca pe~anente de
pequenas melhoras no processo produtivo reforçam a necessIdade de o
trabalhador compreender a lógica e as condições do seu trabalho, estabe-
lecer relações e decidir entre alternativas.
Finalmente, parece também ser uma exigência bastante difundida, nas
novas condições de produção, que a força de trabalho apresente uma atitude
confiável, cooperativa e interessada pelo trabalho e pelos objetivos da
produção. Se considerarmos as características centrais do processo de
reestruturação produtiva acima comentadas e suas implicações para o
processo de trabalho, não é difícil compreender de onde nascem estas
exigências. Apenas para ficarmos com as implicações da difusão da
automação programável, vale lembrar que, nas condições de uma produção
altamente automatizada e integrada, os custos de quebras e interrupções
são muito altos (em comparação com processos semi-automatizados). Isto
é função não apenas dos custos de manutenção dos equipamentos, mas
também dos custos geralmente maiores da perda de produção advindos de
paradas em produção integrada. Isto requer que os trabalhadores tenham
responsabilidade para atuar dentro das especificações, atenção para perce-
ber rapidamente sinais de pane e interesse (motivação) para antecipar
problemas, intervir no processo em tempo adequado etc. Da mesma forma,
conceitos de organização da produção como Qualidade Total e Grupos de
Aperfeiçoamento pressupõem uma clara motivação da força de trabalho
para participar, refletir criticamente sobre o trabalho e sugerir modifica·
çõcs.
Para concluir, todas as evidências levam a crer que o operário limitado,
de gestos mecanizados e pouco discernimento, típico do modelo tayloris-
ta/fordista de organização da produção, deixa de ser funcional para os
objetivos gerenciais dentro da nova etapa aberta com a recente aceleração
do progresso técnico. Como veremos, esta mudança está associada a um
crescimento substancial da importância de uma boa educação formal da
força de trabalho.
c) Maior exigência de escolaridadefarmal
As mudanças nas exigências de qualificação tendem a afetar a estrutura
ocupacional também no que se refere ao grau de escolaridade formal. Nas
economias industriais mais avançadas parece haver uma clara tendência
104
J
II
para um aumento do grau de escolaridade da força de trabalho, dentro e
fora da fábrica (OIT 1988).
Este crescimento está certamente relacionado ao aUmento do pessoal
engajado em atividades de P & D e engenharia, mas não só a isto. Por
exemplo, na indústria automobilística alemã, a existência prévia de uma
mão-de-obra com alto nível de escolaridade formal e treinamento vocacio-
nal facilitou a transição para um novo esquema de organização do trabalho
nas plantas mais automatizadas, em que os novos cargos de "controladores
de sistemas" puderam ser enriquecidos com tarefas mais complexas de
manutenção (Jürgens et aI. 1986). O fato de os operários de produção
alemães em geral terem educação básica e profissional acima da exigência
média da estrutura fordista anterior acabou contribuindo para uma transi-
ção mais rápida.
Parece provável que as indústrias que agora estão se automatizando·
(sobretudo aquelas que produzem produtos mais complexos) irão seguir o
caminho das indústrias de processo em fluxo contínuo, onde o nível de
escolaridade formal é mais alto, em todos os níveis da mão-de-obra. As
novas exigências de capacidade de abstração, raciocínio crítico e presteza
de intervenção são de tal ordem que o grau e a qualidade da escolaridade
formal terminam por ter impacto direto sobre a produtividade do trabalho.
Neste ponto, nada melhor do que o exemplo do Japão e das novas
economias industrializadas do Leste Asiático. Estas economias entende-
ram que o investimento na universalização de uma boa educação de
primeiro e segundo graus era um requisito essencial para acelerar a adoção,
a adaptação e a absorção de tecnologia. O espetacular uso da engenharia
reversa feito por países como Coréia, Taiwan, além do próprio Japão, que
lhes permitiu ir até os estágios finais na absorção de tecnologias importa-
das, seria impensável num contexto com mão-de-obra pouco escolarizada.
O sucesso desses países, em particular nas indústrias que constituem a base
do novo paradigma tecnológico. deve muito aos pesados investimentos
feitos na melhora e universalização da educação secundária e na ampliação
da educação superior, em particular sua ênfase na engenharia e outras áreas
de ciência aplicada (Dahlman 1989). A Tabela I, a seguir, dá uma dimen-
são do avanço da educação secundária e terciária nesses países, em
contraste com a situação de países da América Latina, entre eles ° Brasil.
A situação do Brasil será comentada mais à frente.
~
I
lOS
 , I
i I

d) Políticas de gestão da mão-de-obra voltadas para a estabilização e o

envolvimento
TABELAl
INDICADORES DE EDUCAÇÃO EM PAÍSES O desenvolvimento dos novos requisitos comportamentais, educacio-
SELECIONADOS nais e de conhecimento do processo produtivo, exigidos dos trabalhadores,
tem levado as empresas a introduzirem inovações em suas políticas de
pessoal e de relações industriais. Nas empresas dos países mais industria-
Coréia Taiwan Japão México Brasil lizados, é crescente o número de experiências com novas políticas de
salários e carreiras, desenhadas com o intuito de desenvolver o compro-
li Percentagem do grupo
etário matriculado no
metimento dos funcionários com os objetivos da organização e estabilizar
l" o vínculo empregatício.
i Ensino Secundário A partir do que já foi examinado nas seções anteriores, é possível
I (1965) 35 38 82 17 16
(1985) 94 91 96 55 35'
entender a motivação das empresas para tal mudança, O investimento em
treinamento para operação de novos equipamentos, ou para desenvolver
Ensino Superior funções dentro das novas técnicas japonesas, é geralmente elevado. As
(1965) 6 7 13 4 2 empresas têm interesse em preservar este tipo de ativo. Da mesma forma,
(1985) 32 13 30 16 11
há grande interesse em preservar as "cabeças" e as "idéias" desenvolvidas
Estudantes do
e acumuladas ao longo de anos num laboratório de pesquisa. O conheci-
Ensino Superior como mento detalhado da produção, base do aperfeiçoamento permanente, exige
% da população 3,6 2 2 1,5 1,1 tempo, confiança e estabilidade do vínculo empregatício, Confiança recí-
proca é também a base para que se possa contar com uma atitude respon-
Esrud8lltes de
Engenharia
sável da parte de trabalhadores que operam equipamentos caros. Todos
esses fatores convergem no sentido de ampliar o interesse das gerências
Total (milhares) 227,6 128,7 418,9 281.8 164,6 pela estabilização de sua força de trabalho. Neste sentido, parece confir-
mar-se a expectativa de Schmitz (1985) de que a difusão das novas
Como % da população 0,54 0,68 0,34 0,35 0,13 tecnologias iria ampliar a tendência de as empresas buscarem a estabiliza-
ção de seus empregados, tendência esta que Schmitz caracteriza como
Ano (1987) (1984) (1986) (1986; (1983) típica da produção automatizada em fluxo contínuo (na indústria química,
por exemplo).
A novidade, contudo, está em que as atuais experiências em matéria
Fonte: Dahlman e Frischtak (1990).
de políticas de remuneração e çarreira implicam mudanças mais profundas
• Os dados relativos ao Brasil provavelmente subestimam seu indicador porque~ devido a diferentes do que o simples pagamento do salário-confiança (reliability wage) que
definições de curso secundilrio, a faixa etária considerada como base no caso brasileiro vai de 15 Schmitz identificou como a peça central das políticas de estabilização
a 17, em contraste com as faixas considendas para o México eJapão (12-17) e Coréia (lO-la). naquele tipo de produção'. Ainda que este aspecto não esteja descartado,
A necessidade de que a força de trabalho receba uma boa educação nas experiências atuais predominam sistemas em que se busca antes
básica vem tornando obsoleto o conceito que separa a educação básica da vincular a progressão funcional e salarial à performance individual dos
educação profissional. Embora a educação profissional continue sendo trabalhadores. Sistemas de carreira/remuneração do tipo pay-for-Ieaming
necessária para a formação de determinadas "fam.I1ias" de profissionais ou performance-pay, na trilha da experiência japonesa, desvinculam a
(eletrônica, mecânica, química) que constituem a base a partir da qual as carreira individual de postos de trabalho específicos. No caso do pay-for-
novas categorias de trabalhadores da produção estão se constituindo, a leaming, por exemplo, os trabalhadores são promovidos salarialmente à
exigência de uma boa formação de segundo grau vem a ela se agregar. medida que são capazes de aprender e dominar um novo grupo de qualifi-
cações, que podem inclusive estar fora da produção. Assim, as carreiras

106 107
I
I
 são mais abertas, podendo um trabalhador de produção .resenvolver com-
petência e atuar na área de manutenção (Carvalho 1993).
É necessário, no entanto, estar atento para as críticas a esses novos
sistemas, que apontam para o enfraquecimento da capacidade de atuação
coletiva dos trabalhadores. Malsch, Dohse e Jürgens (1984), por exemplo,
falam do caso japonês como uma verdadeira refeudalizaçãodas relações
de trabalho. No entanto, não há como negar que estes novos esquemas de
gestão do trabalho, em suas diferentes formas, representam uma ruptura
com os padrões tradicionais, em que as perspectivas de carreira e ascensão
individual eram, para a grande massa de trabalhadores manuais com pouca
qualificação, bastante limitadas.
11. O CONTRASTE DA SITUAÇÃO BRASILEIRA:
FRAGILIDADE TECNOLÓGICA} PERMANilNCIA DO
TAYLORISMO E USO PREDATORIO DO TRABALHO
Em relação à experiência dos países de industrialização avançada e
dos NICs asiáticos, a situação brasileira apresenta um contraste marcante.
Embora o processo de industrialização brasileira também tenha ocorrido
com velocidade e vigor notáveis, ele tem sido marcado pelo baixo dina-
mismo tecnológico, o que constitui uma fragilidade crucial no atual mo-
mento de reestruturação baseada na aceleração da mudança tecnológica.
A baixa prioridade atribuída historicamente à capacitação tecnológica
no Brasil, aliada aos efe!tos da crise sobre o investimento, que terminaram
por retardar o processo de modernização e a difusão de novas tecnologias
e técnicas organizacionais, são os determinantes mais diretos da relativa
permanência de processos de trabalho convencionais, assentados sobre o
princípio taylorista da separação entre o saber e o fazer. Assim, em que
pese a ocorrência de exceções setoriais, prevalecem no Brasil processos
de trabalho industriais com baixo grau de automação, organizados com
base na fragmentação do trabalho e na constituição de postos de trabalho
com tarefas simplificadas, cuja participação no processo inovativo das
empresas, quando ocorre, é marginal.
Esta situação se reflete claramente nas características estruturais da
força de trabalho industrial no Brasil bem como no padrão - preôatório -
prevalecente no uso do trabalho. A maior parcela da força de trabalho
industrial é composta de trabalhadores semiqualificados ou não-qualifica-
dos, COm baixo grau de escolarização formal e cujas experiências de
treinamento são de curta duração. Os salários da mão-de-obra industrial
no Brasil estão entre os mais baixos do mundo, enquanto que a taxa de
rotatividade no emprego, mesmo excluindo a construção civil, está entre
108
as mais altas. Além disso, as empresas brasileiras investem pouco em
treinamento e formação, quando comparadas com padrões internacionais.
Estes s_ão sintomas de que, na maior parte das empresas, ainda prevalecem
políticas de pessoal de visão curta - inexistência de carreiras, baixos
salários, uso da demissão como instrumento disciplinador e como expe-
diente para controle de reivindicações salariais - que revelam pouco
interesse das gerências com a fixação da força de trabalho. Examinemos
esta situação em maiores detalhes.
Il.l. O escasso dinamismo tecnol6gico e o atraso relativo da indústria
brasileira
Ainda que, dentro do quadro de heterogeneidade tecnológica que
marca nossa estrutura industrial, uma parcela ponderável dos setores
industriais seja relativamente moderna, atualizada em termos de tecnolo-
gias de produto e processo (Araújo Ir. 1992), a indústria brasileira apre-
senta um baixo grau de capacitação tecnológica, isto é, dificuldade
, i
estrutural de inovar. Tal dificuldade deve ser entendida no contexto de um
,I
padrão de industrialização que foi marcado pela exploração predatória de 1
mão-de-obra barata e de recursos naturais abundantes e na manutenção de
um protecionismo generalizado e ilimitado no tempo.
É importante distinguir aqui entre atraso/modernidade tecnológica e
baixo grau de capacitação ou dinamismo tecnológico. Enquanto o primeiro
é um conceito estático e diz respeito ao grau de atualização (em relação às
tecnologias mais modernas) das tecnologias de produto e processo utiliza-
dos na indústria, o segundo refere-se à capacidade das firmas de acumula-
rem conhecimento tecnológico, que lhes permita evoluir numa cadeia que
vai desde a compra e a utilização competentes de "pacotes" tecnológicos
até à capacidade de geração endógena de inovações. Trata-se, portanto, de
um conceito'dinâmico, de particular importância para países de industria-
lização recente, em que o dinamismo tecnológico é, em parte, função da
capacidade das fIrmas de "completarem o ciclo de assimilação de tecno-
logias importadas" (Enos e Park 1988).
Se efetivamente há modernidade em áreas do parque industrial brasi-
leiro, isto se deve sobretudo ao fato de que setores como a petroquímica,
papel e celulose, parte do setor sidenírgico etc. são de constituição relati-
vamente recente e foram implantados com base em importação de "paco-
tes" tecnológicos atualizados, No entanto, é preciso enfatizar que, de
acordo com os resultados de pesquisas recentes (Furtado et aI. 1992;
IE-UNICAMPIIPT 1992), a indústria brasileira apresenta, de maneira
geral, um baixo grau de capacitação tecnológica, que tem se refletido numa
109
i
I.
i.
 incapacidade para gerar ganhos significativos de produtividade e para
desenvolver inovações e aperfeiçoamentos em seus produtos.
Esta afIrmação deve ser qualificada dentro do contexto de heteroge-
neidade da indústria brasileira. Nas empresas mais atrasadas, a fragilidade
tecnológica se manifesta até mesmo na dificuldade das empresas em
identificar oportunidades tecnológicas, em escolher equipamentos e for-
necedores de tecnologias e em utilizá-los adequadamente. Mas mesmo nos
setores mais atualizados tecnologicamente (na siderurgia e na petroquími-
ca, por exemplo), ainda que se tenha desenvolvido uma considerável
capacitação operacional nas empresas líderes, propiciando um nível efI-
ciente de operação e a introdução de pequenos aperfeiçoamentos tecnoló-
gicos, muito pouco se avançou em direção a estágios mais avançados de
capacitação tecnológica. Em que pesem as exceções já conhecidas, as
empresas desses setores pouco fizeram no sentido da assimilação efetiva
das tecnologias importadas, que lhes permitisse não apenas reproduzir
produtos e processos industriais, mas neles introduzir modificações signi-
ficativas e, principalmente, desenvolver produtos e processos inéditos".
A assimilação de tecnologias e o desenvolvimento endógeno de ino-
vações são processos cumulativos que exigem das empresas uma signifi-
cativa mobilização de recursos ~ financeiros e humanos - e, não menos,
uma organização e estratégia de longo prazo voltada para este objetivo.
Um bom indicador da fragilidade das empresas brasileiras, neste aspecto,
é a reduúda dimensão de seus investimentos em P & D. Como se observou
na Seção 11.1., estes investimentos podem ser considerados desprezíveis
em qualquer comparação internacional.
Esta fragilidade tecnológica da indústria brasileira, herança estrutural
da forma assumida pelo processo de industrialização por substituição de
importações no Brasil, parece difícil de ser revertida na presente conjun-
tura. A intensificação de atividades de P & D e capacitação tecnológica
das empresas exigiria um esforço de investimento incompatível com o
atual contexto econômico e institucional. No atual quadro de incertezas
econômicas e de dificuldades que o Brasil vem encontrando para estabili-
zar sua economia e recuperar a capacidade do Estado de articular políticas,
as decisões de investimento são conservadoras e defensivas. Não cabe aqui
aprofundar esta discussão, mas vale registrar que a substancial queda da
taxa de investimento nesta década (agravada nos ultimos dois anos) reflete
a prevalência de estratégias de modernização defensivas ou reativas, onde
se destacam objetivos como racionalização, redução de custos, "enxuga-
13. Para uma ilustração deste ponto. ver Carvalho (1992). que discute a fragilidade tecnológica
na indústria petroqufmica brasileira a partir de um sW'Vey em 18 empresas.
110
mento", mais do que mudanças de maior fôlego nas estratégias tecnológi-
14
cas .
Tàis estratégias defensivas têm se refletido claramente na lenta difusão
da automação flexível na indústria brasileira. Com maior intensidade entre
os usuários da automação da manufatura do que entre as indústrias de
processo, acumula-se uma enOrme defasagem entre a indústria brasileira,
de um lado, e os pa(ses de industrialização mais avançada e os "tigres"
asiáticos, de outro (Carvalho 1993). Entende-se essa defasagem quantita-
tiva quando se examina a natureza dos investimentos em automação
industrial no Brasil. Conforme assinalado em diversos estudos setoriais, o
objetivo conservador ou defensivo da maior parte desses investimentos se
revela, em graus variáveis, no caráter seletivo e pontual da incorporação
dessas inovações •
15
Os mesmos fatores que retardam a difusão de novos equipamentos de
produção atuam no senti~o de atrasar a incorporação dos novos métodos
Uaponeses) de organização da produção voltados para o aumento da
qualidade e produtividade. Uma criteriosa pesquisa encomendada recen-
temente pelo IPEA, compatrocínio do Banco Mundial (Fleury e Humphrey
1992), e que se concentrou numa amostra de empresas que estavam
introduzindo novos métodos e técnicas (TQC, m, TPM etc.) levou às
seguintes conclusões:
.. • Existe, efetivamente, um reduzido número de empresas no Brasil que
estão avançadas na introdução dos novos métodos de Q & P;
• a imensa maioria das empresas industriais sequer iniciou esforços
nessa direção;
• o ritmo de difusão é lento e tem sido sujeito a retrocessos.
O mais importante, no entanto, é que a introdução desses métodos no
Brasil está passando por uma adaptação que tende a evitar mudanças mais
profundas na organização do trabalho, concentrando-se nos aspectos mais
fonnais e técnicos dos novos métodos (Posthuma 1990, Humphrey 1991).
Humprey e Fleury (1992) chamam a atenção para o fator que poderia ser
identificado como o principal obstáculo à difusão dos novos métodos de
Qualidade e Produtividade: "a amplitude e a profundidade das mudanças
exigidas por tais programas". Em condições de retração do investimento,
14. Há exceções importantes neste quadro~ que compreendem sobretudo empresas ligadas a !
setores que têm ap(csentado notável crescimento na atividade exportadora. Destacam-se uma parcela
b
dos produto(es de autopeças. o setor produtor de papel e celulose e uma parcela da agroindústria.
(
15. Sobre as características qualitativas da inc0'1JOração da automação programável na indústria
b(asileira nOs anos 80, ver Prado (1989) para o caso do setor de autopeças, Hewitt(1988) para a indústria
de bens de infonnátic. e Carvalho (1987 e 1990) para a indústria automobilística. Laplane (1988) I
apresenta uma avalíação semelhante.
I
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I
I·
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~'~-:-:-:~"'~.=."'---'.
eu acrescentaria que é pouco factível (embora não impossível) esperar
mudanças em profundidade. Este ponto será retomado adiante.
/l.2. A pennanência de processos de trabalho convencionais: o pequeno
conteúdo inovativo do trabalho no Brasil
A fragilidade tecnológica da indústria brasileira e a sua defasagem na
incorporação de novos conceitos e técIÚcas de produção estão na raiz do
grau relativamente modesto, em comparação com outras econorruas, das
mudanças por que têm passado os processos de trabalho industriais no
Brasil. Para facilitar a argumentação, faço a seguir uma comparação
sistemática com as principais tendências levantadas na seção II.2.
a) Pequena participação das atividades de inovação na agregação de
valor
Se a tendência nas economias mais avançadas é para uma crescente
integração entre as funções de inovação e produção, com a agregação de
valor cada vez mais se fazendo a partir das atividades voltadas para a
inovação em todos os níveis da empresa, na produção industrial brasileira
prevalece uma baixa participação das atividades de inovação na agregação
de valor e a dissociação entre inovação e produção.
A baixa participação das atividades de inovação no valor agregado pela
indústria é reflexo de sua baixa capacitação tecnológica. Esta, por sua vez,
é condicionada pela escassez de investimentos em P & D. A pequena
expressão da formalização das atividades de P & D nas empresas brasilei-
ras reflete··se, por exemplo, na presença quase insignificante de pesquisa-
dores em seus quadros. De acordo com Dahlman e Frischtak (1990, p. 5),
apenas 2% do universo de pesquisadores empregados no país em 1987
(totalizando pouco mais de 1.000 pessoas) faziam parte dos quadros das
empresas, sendo que mais de dois terços dos mesmos exerciam suas
atividades em empresas do setor público '6 . Mesmo em setores industriais
onde o índice de formalização de atividades de P & D é maior, como na
petroquímica, a importância dessas atividades, medida no número de
patentes registradas ou de pesquisadores empregados, é extremamente
pequena, quando comparada com padrões internacionais.
Da mesma maneira, a preocupação com a inovação ainda é uma
realidade distante do chão das fábricas. Nesse sentido, minha investigação
no setor petroquímico brasileiro foi bastante reveladora. Embora o conhe-
16. Como me sugeriu André Furtado. esla baixa participação é ainda mais significaliva (e
intrigante) quando se leva em consideração que o estoque de cientistas e engenheiros fonnados no
Brasil é um dos maiores entre os pafses de industrialização recente (acima de 1.350, de acordo com o
Anuário Estarfstico da Unesco de 1988).
112
I
j
cimento prático sobre processos acumulado pelos operadores petroquími-
cos seja potencialmente decisivo para a capacitação tecnológica dessa
indústria, já que na maioria dos casos ela opera com pacotes tecnológicos
i~portados pouco transparentes para os engenheiros, as práticas de orga-
nização do trabalho adotadas pela maioria das empresas petroquúrricas
brasileiras não facilitam o desenvolvimento e aproveitamento desse conhe-
cimento. Ao contrário das práticas de trabalho em equipe com rodízio de
tarefas, comuns nas plantas de processo contínuo em países mais indus-
trializados, as empresas petroquímicas brasileiras mantêm uma fórmula
ultrapassada que divide e separa tarefas de controle central das tarefas de
campo (operadores de painel x operadores de campo) e fixa os operadores
em áreas específicas da fábrica por longos períodos. Isto dificulta o
desenvolvimento de uma visão mais integrada pelos operadores, o que
poderia constituir excelente fonte de informações e conhecimento para o
setor de engenharia (Carvalho 1993, capo 7).
b) A pennanência de processos intensivos em trabalho manual
Ao contrário da tendência encontrada nas economias mais industriali-
zadas, em que o avanço da automação programável implicou um signifi-
cativo deslocamento do trabalho manual direto (sobretudo das tarefas
manuais mais simples) o caráter seletivo da difusão dessa nova tecnologia
nas fábricas brasileiras não resultou em nenhuma mudança substancial na
natureza do trabalho nos processos mais intensivos em mão-de-obra.
Enquanto que nos sistemas mais automatizados há a emergência dos
"controladores de sistemas", cujas tarefas se aproximam, pelo menos nos
objetivos, das tarefas de manutenção, nas fábricas brasileiras serru-auto- i'
matizadas as tarefas de produção, em sua maioria, continuam a ser funda-
mentalmente diferentes daquelas de manutenção e controle de qualidade.
Neste sentido, o caso das indústrias de montagem, em particular do
setor automobilístico, é paradigmático..A automação seletiva "deixou"
para o trabalho humano o grosso das operações de manufatura, incluindo
as tarefas menos nobres de montagem. Dado o quadro de instabilidade
econômica, e retração de investimentos em novas fábricas mais automati-
zadas, fatores como o baixo custo de mão-de-obra não qualificada e o custo
que representaria o treinamento ou a substituição de coletivos de trabalha-
dores pouco qualificados, parecem ser determinantes da continuidade de
práticas tradicionais de organização do trabalho. É difícil conceber como
um esquema de organização do trabalho que não estivesse fundamentado
na continuidade de postos de trabalho simples e fragmentados poderia ser
econorIÚcamente eficiente. O baixo nível de automação em indústrias de
produção em massa termina por induzir a continuidade da fragmentação
113

do trabalho, particularmente quando se trata da modernização de plantas
já existentes onde a mão-de-obra é barata (Carvalho 1993).
c) A permanência de prindpios tayloristas, fordistas de organização do
trabalho: A continuidade da divisiÚJ do trabalho
No quadro da incipiente difusão dos novos métodos de Qualidade e
Produtividade na indústria brasileira, os resultados das pesquisas disponí-
veis sugerem que as modificações introduzidas nos esquemas de organi-
zação do trabalho não alteraram substancialmente os princípios tayloristas
que detenninam a estreita divisão do trabalho entre planejamento, controle
e produção e entre as várias funções de produção (em particular a divisão
entre produção e manutenção). Nas indústrias de produção de bens discre-
tos (particularmente na produção em série), predominam os postos de
trabalho simplificados e é apenas marginal o envolvimento dos trabalha-
dores com atividades de aperfeiçoamento permanente.
Mais uma vez, o caso do setor automobilístico parece ser paradigmá-
tico. Em contraste com as experiências recentes de países como Alemanha
e México, as gerências das montadoras brasileiras escolheram evitar
qualquer mudança de peso na enraizada divisão de trabalho fordista. Ao
contrário, revelando que o controle sobre o trabalho continua sendo um de
seus objetivos, essas gerências aproveitaram-se das novas tecnologias para
estender a organização fordista do trabalho a novas áreas de produção. Em
linha com esta mentalidade no desenho dos lay-outs de produção, o
desenho dos postos de trabalho continuou seguindo uma abordagem estrei-
ta. Trabalhos semiqualificados continuam a predominar e a ser definidos
com base em tarefas fragmentadas e simples, especializadas por áreas de
produção. Os períodos de treinamento (on-the-job) para a massa de traba-
lhadores semiqualificados são curtos (duração máxima de 6 meses). O
número de categorias de trabalho aumentou (na contramão da tendência
universal de redução do número de categorias). Montadores, soldadores,
pintores, operadores de prensa, operadores de máquinas continuam presos
aos seus postos e tarefas (Carvalho 1993).
O que estou afinnando não significa desconhecer a ocorrência de
mudanças, mas apontar para sua superficialidade. Por exemplo, embora se
tenha introduzido tarefas de Controle Estatístico de Processo para traba-
lhadores da produção em algumas montadoras, a responsabilidade sobre a
qualidade continua fundamentalmente numa área separada: de inspetores
de qualidade. Nem mesmo a experiência de rotação dos trabalhadores entre
diferentes "especialidades" semiqualificadas tem sido tentada (Carvalho
1993).
Este tipo de resultado, decorrente de um estudo que enfocou as relações
entre a automação programável e a organização e uso do trabalho numa
114
indústria de produção em série (Carvalho 1993), é corroborado por outros
estudos que enfocaram a difusão das técnicas japonesas de organização da
produçªo no Brasil. Posthuma (1990), por exemplo, ao examinar as impli-
cações dessas técnicas para a indústria de autopeças brasileira, insiste em
que elas têm passado por um processo de adaptação ou "brasilianização"
que, embora resultem em ganhos significativos de qualidade, não implicam
mudanças significativas no processo de trabalho em si mesmo (p. 2 e
p.II).
Humphrey (1991), avaliando casos de fumas brasileiras que adotaram
técnicas como SPC, produção e células, Kanbam, etc., indica que, de fato,
nesses casos tem havido uma certa transferência de funções de controle de
qualidade para os trabalhadores nas linhas de produção, que também
muitas vezes passam a operar mais de uma máquina. Todavia, Humphrey
chama a atenção para o fato de que a mudança na natureza do trabalho e
das qualificações, em muitos casos, é mínima (p. 14). Mais ainda, ele
identifica uma certa "tecnificação" da abordagem feita pelas gerências
brasileiras, no sentido de que muitas firmas se preocupam mais com o
aspecto formal da adoção da técnica do que com a criação de condições
para um maior envolvimento e participaçãO dos trabalhadores. Neste
sentido, ele antevê como possível uma opção com "baixo envolvimento",
embora se possa questionar os limites de tal opção em relação a um dos
objetivos centrais das novas técnicas, que é o da inovação permanente.
Resumindo o argumento desenvolvido nesta seção, a incorporação de
conteúdos inovativos no trabalho industrial no Brasil tem sido marginal, II
em comparação com as tendências dominantes nos países de industriali-
!'
zação avançada.
i.;
[I
, '
IJ.3. O peifil do trabalho no Brasil: O uso predatório de umaforça de
trabalho pouco qualificada
Sempre lembrando os limites da possibilidade de generalização sobre
uma estrutura industrial heterogênea como a brasileira, passemos a exami-
nar as implicações das tendências apontadas acima - fragilidade e defasa-
gem tecnológica, continuidade de padrões tayloristas e de organização do
trabalho e, portanto, baixo conteúdo inovativo do trabalho - para o uso da
força de trabalho industrial no Brasil.
il"
i
l
,I
a) Estrutura ocupacional: Uma força de trabalho pouco qualificada
(,1<
l
O perfil ocupacional do emprego industrial no Brasil revela claramente :b
I/
os efeitos de uma atividade industrial marcada por um baixo grau de
inovação e pela predominância dos princípios tayloristas na organização I,I
da produção. O contraste com as tendências recentemente reveladas nos I
I
115 I
I
.(
:[.
 países avançados - terciarização. queda da participação dos trabalhadores sionais, gerência e operários qualificados) compreende mais da metade do
blue-collar, queda da participação dos trabalhadores diretos - é significa- emprego. Apesar de as atividades de P & D serem limitadas, a participação
tivo. de engenheiros é significativa, o que decorre do interesse das empresas por
i No Brasil, a estrutura ocupacional da indústria é bastante polarizada: sua capacitação operacional.
I:
! o emprego industrial parece ser majoritariamente composto por trabalha- Todavia, no universo industrial brasileiro, a situação do setor petro-
dores com pouca qualificação. com a participação de uma camada bem químico é certamente a exceção e não a regra. São pouquíssimos os setores
menor de operários qualificados e de outra camada ainda menor composta que acompanham o mesmo perfil.
por técnicos, engenheiros e administradores. Como se poder observar na
Tabela 2 a participação dos operários de todos os tipos no emprego da TABELA 2
indústria de transformação é largamente majoritária (perto de 70%), en-
quanto que o componente de engenheiros, técnicos e profissionais de todos
COMPOSIÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO NA INDÚS-
os tipos é de apenas 5%. TRIA DE TRANSFORMAÇÃO BRASILEIRA (pOR CATE-
GORIA DE QUALIFICAÇAO) (EM %)
O exame da composição do emprego no setor automobilístico é mais
I
revelador, não apenas por estarem os dados mais desagregados, mas I
principalmente porque permite o contraste numa indústria moderna cujo ,

rápido e profundo processo de mudança, a nível global, tem sido bastante Indústria
Transformação
Setor Setor II
estudado. Em 1986, mais da metade do emprego (55%) naquele setor (1983)
Aulomobil.
(1986)0
Pelroqufm. I,
(1986)
correspondia a operários semiqualificados e não qualificados (Tabela 2).
A segunda maior categoria, com participação bem menor (15%), é com- Engenheiros, Técnicos
e outros profissionais 5,0 8 3*.
posta de operários qualificados. Finalmente, enquanto que a participação 1 18,4
dos técnicos está acima da média para a indústria de transformação, a Gerência 1,2 0,7 2,3
presença dos engenheiros é desprezível (0,7%). Em que pese o fato de ser
um setor internacionalizado e, portanto, com o grosso de suas atividades Saff Administrativo 13,8 6.8 21,1
de P & D fora do país, este é um número surpreendentemente baixo para
uma indústria que tem sido considerada líder do ponto de vista tecnológico Operários 68,1 75,4 48.3
ou, pelo menos, indutora de inovações no complexo metal-mecânico.
Supervisores 4,4 3,2
Poder-se-ia argumentar que dados de um único ano não _revelam Qualificados 14,9 28,2
Semiqualif. 47,6
tendência. Mas em oulro trabalho (Carvalho e Schmitz 1990), o exame da Nãoqualif.
8,5
8,5 8,5
estrutura ocupacional do setor automobilístico mostrou a ausência de
qualquer mudança significativa. Entre 1980 e 1986, período em que Serviços gerais 3.5 2,9 5,4
ocorreu o volume mais expressivo de investimentos em modernização, a
participação do trabalho semiqualificado foi ampliada. De lá para cá, o Resíduo 8,4 5.9 4.5
ritmo de inovações no setor desacelerou-se.
A Tabela 2 apresenta ainda a composição do emprego no setor petro-
químico brasileiro. Esta foi incluída a fim de contrastar com as anteriores Fonte: RAlSIMTB (tabulação preparado pelo autor para os Se to". automobj/(stico e petroqulmico).
i
e exemplificar a heterogeneidade de situações, já que está indústria apre- • Os dados referem-se às quatro maiores montadoras de automóveis inslaladas no Brasil.
senta uma fora de trabalho com alto grau de qualificação. Neste caso, a
I
:1
:1
participação dos operários não chega a 50%, sendo que a maioria deles é
qualificada (o que decorre do fato de ser uma indústria altamente automa-
tizada, operando processos razoavelmente complexos). O componente
** Desta percentagem, 0,7% s.o engenheiros e 6,9%. lécnicos, dos quais a grande maioria é de
desenhistas e cronometristas.
li
I qualificado da mão-de-obra nesta indústria (engenheiros, técnicos. profis-
I
I
116

I
117
b) Baixo grau de escolaridadefomuJl daforça de trabalho de atividade. O ,setor automobilístico acompanha de perto a indústria de
As características de escolaridade da força de trabalho industrial no transformação. A medida que subimos para os graus superiores o desem-
Brasil são simétricas "às da estrutura ocupacional polarizada acima apre- penho da indústria automobilística é inferior ao da indústria d~ transfor-
sentada. A composição do emprego por grau de instrução indicada na mação. Apenas 9,5% dos trabalhadores automobilísticos apresentam nível
Tabela 3 revela a existência de uma massa majoritária de trabalhadores que de escolaridade i~ual ou superior ao segundo grau completo, enquanto que
não chegaram a completar o primeiro grau do ciclo básico (8 séries), ao a proporção equivalente é de 13% na indústria de transfonnação e 28%
lado de um grupo bem menor dos que têm o segundo grau completo (lI para o setor formal da economia como um todo. Deve-se acrescentar que
séries), e um grupo bastante reduzido de empregados que chegaram à os dados da Tabela ~ superestimal? o nível de escolaridade da população
educação superior. trabalhadora, à medIda que os dados da RAIS são obtidos apenas junto ao
setor formal da economia.
TABELA 3 _Estes nú~ero~ são bastante expressivos e contêm uma série de impli-
GRAU DE INSTRUÇÃO DE FORÇA DE TRABALHO (BRA- caçoes, Em pnmerro lugar, salta aos olhos o contraste com países como o
SIL E INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO) Japão, a Coréia e a Alemanha, que praticamente lograram universalisar o
ensino de segundo grau. .
Em segundo lugar, é preciso enfatizar que tal situação de escolaridade
1985 (em % do emprego)
do estoque de trabalhadores industriais é produto, entre outros fatores, de
Indústria Indústria uma ~emanda que vem sendo formada, ao longo do tempo, por critérios
Transform. Aulomobilísl. *
taylonstas derecrutamento. Em boa parte das atividades industriais as
exigências de escolaridade para a obtenção de emprego são bast~te
Grau (em séries) baix.as, o.que é compreensível quando se trata de recrutar para empregos
semlquahficados (co~o vimos, a Jmensa maioria) que não exigirão mais
Até 4' completa 38.0 49,7 do que 6 meses de tremamento. E verdade que um número crescente de
Até 8' incompleta 51.5 68,9 69.3 empresas tem aumentado as exigências de escolaridade nos ultimos anos 17•
Até 8' completa 63,7 80.3 Mas esta mudança não parece ter atingido um nível crítico que levasse a
Até 2' grau incompl. 70,8 86,4 91,1 mudanças significativas nos indicadores mais agregados. Minha pesquisa
nas montadoras do setor automo~ilístico (Carvalho 1993), por exemplo,
2" grau completo 15,4 7,4 5,5 revelou pouca ou nenhuma modIficação nos níveis de escolaridade da
mão-de-obra entre 1980 e 1988.
Superior (comp+incomp) 12,7 5,7 4,0
De qualquer maneira, e em terceiro lugar, os dados parecem indicar
Total 100 100 100
~ue, aI! aqui, ~um contexto de fragilidade tecnológica, baixo grau de
lllovaçao e de difusão de novas tecnologias, o nível de escolaridade dos
trabalhadores que as empresas estão buscando no mercado de trabalho tem
sido, grosso modo, compatível com a oferta do sistema educacional que, I
Fonte: RA1S/MTB (tabulação da aulor).

• Dados de 1986.
Mais significativo é que a indústria de transformação apresenta indi-
cadores piores do que aqueles que se referem à economia formal como um
todo (Brasil): a proporção dos trabalhadores que não completaram o
primeiro grau chega a quase 70% na indústria de transformação, enquanto
que esta proporção é próxima de 50% quando considerados todos os setores
como sabemos, é também bastante polarizada. Afinal, se apenas 30% da
população do grupo etário correspondente eram capazes de concluir a 8!
~
série do primeiro grau em 1985 (de acordo com os dados do modelo 't
17. Gitahy e RabellO,estudando empresas do setor produtor de autopeças no Brasil, identificaram
que duas empresas !fderes. que têm ampliado suas exparta,ões, têm elevado o perfil de escolaridade ',~
I
de sua mão-de-obra. Isto parece ter sido efejto da ação combinada de dJis fatores: maior corte nos
quadros com baixa escolaridade nas situações de demissões coletivas e exigência de escolariclade mais :i
elevada como critério de recrutamento. Ainda assim. a participação de trabalhadores que não foram !j
além do primeiro grau completo no total da fo,>" de trabalho era de 72% em um caso e de 63% em !i
outro (Gítahy e Rahello 1991. Tabela 7, p. 22).
:1
"

!
118 119

lI.
 Profluxo aplicado à PNAD) (IPEA 1991), igualmente apenas 31% da algumas empresas, o uso disciplinar da demissão ainda é visto como
população empregada na indústria de transfonnação possuíam tal nível de instrumento corriqueiro para resolver problemas como absenteísmo, al-
instrução. coolismo, acidentes de trabalho e doenças profissionais. Este é o caso, por
Empresas e empresários têm apontado o baixo grau de instrução da exemplo, de uma das grandes montadoras visitadas em minha pesquisa
mão-de-obra no Brasil como um sério obstáculo à implementação de novas (Carvalho 1993).
ténicas de qualidade e produtividade (Posthuma 1990, Humphrey 1991, A rotatividade da mão-de-obra na indústria de transformação havia
Gazeta Mercantil 1991). No entanto, as evidências são de que o problema, caído em meados dos anos 80 (em comparação com os últimos anos da
além de ser decorrência da precária oferta do sistema educacional, foi década de 70), seja como decorrência da crise (que diminuiu a mobilidade
gerado pela própria indústria, que insistiu em práticas de recrutamento que dos trabalhadores) seja como efeito de um maior poder de controle do
não privilegiam o grau de instrução, levando à constituição de um estoque movimento sindical sobre demissões abusivas. No entanto, os números
de mão-de-obra de baixo grau de instrução. Desse ponto de vista, parece apresentados na Tabela 4 evidenciam que ela não apenas se mantinha muito
lógico que, caso se privilegie a estabilidade do vínculo empregatício, os elevada para padrões internacionais, como voltou a subir significativamen-
esforços das empresas nesse campo devem ser prioritariamente dedicados te em 1988. Isto parece confirmar a continuidade de práticas de emprego
18
a elevar o grau de instrução de seus empregados. Não obstante, de acordo que buscam a instabilização da mão-de-obra •
com pesquisa recente de uma grande empresa de consultoria (Gazeta
Mercantil 27107/92, p. 7), as maiores empresas brasileiras dedicam menos TABELA 4
de 5% de seu investimento ao desenvolvimento de recursos humanos ÍNDICES DE ROTATIVIDADE DO TRABALHO PARA CA-
(atividades de treinamento), o que foi considerado, pelo mesmo estudo, TEGORIAS SELECIONADAS NA INDÚSTRIA DE TRANS-
como absolutamente insuficiente.
FORMAÇÃO (1985 E 1988) (EM PORCENTAGEM DO
c) Baixos salários e alta rotatividade: O uso predatório dos recursos EMPREGO MÉDIO ANUAL)
humanos
O quadro que estamos examinando se completa ao acrescentarmos as 1985 1988
práticas de gestão do trabalho que são dominantes na indústria brasileira.
A revalorização do papel do trabalho nas economias mais avançadas
terminou por acelerar a tendência à difusão de práticas de emprego voltadas Indústria de transformação 42.6 53,1
para a estabilização do vínculo empregatício. Além de políticas salariais
Operários (grupos 7/819 da eSQ) 59,3 72,2
inovadoras, fomentadoras da identificação do empregado com a empresa
e premiadoras do esforço individual, as empresas aperfeiçoaram outros Mestres 31,5 36,9
esquemas que visavam à redução do absenteísmo e da rotatividade da
mão-de-obra. Operadores de tomo 37.5 41,9
Neste sentido, o contraste com as práticas brasileiras é, mais uma vez,
marcante. É sabido que a indústria brasileira paga um dos salários mais Mecânicos 33,0 38,3
baixos do mundo (o salário médio do setor formal da indústria de transfor-
Soldadores 55,8 64,8
mação equivalia a 4 salários I1Únimos em 1985). Mais importante, no
entanto, é o fato de que são raríssimos os casos de empresas que alteraram Trabalhadores não qualifico 71,5
suas políticas salariais com a perspectivade estabilizar a mão-de-obra (com
exceção de setores que, desde sua constituição, sempre dependeram bas-
tante da estabilidade dos trabalhadores como, por exemplo, os setores
Fonte: RAISlMT8.
petroquímico e siderúrgico).
Além disso, a falta de perspectiva de carreira e um enfoque excessiva-
mente disciplinador na relação gerência/trabalhadores continuam contri- 18. Apenas a tflulo de comparação. vale mencionar que, na Coréia, a taxa média nacional de
rotatividade do trabalho era de 5,4% em 1984 (Amsden 1989).
buindo para a manutenção de taxas elevadíssimas de rotatividade. Em

120 121
 II
J

Pesquisas recentes (Humphrey 1991, Gitahy e Rabelo 1991) aponta-
ram casos de empresas que têm implementado tentativas de estabilização
dos trabalhadores, com isso reduzindo sua rotatividade de maneira expres-
siva, em associação com a adoção de técnicas japonesas de organização da
produção. A estabilidade é considerada imprescindível para a criação de
um ambiente cooperativo e de confiança na relação com os trabalhadores,
e para sua colaboração com estratégias de melhoria de qualidade.
De forma análoga, já se apontara uma queda da rotatividade do
trabalho na indústria automobilística na primeira metade dos anos 80
(Carvalho 1987, Silva 1988), como induzida por aspectos ligados à res-
ponsabilidade requerida no trabalho com equipamentos automatizados (a
despeito disto, a taxa de rotatividade neste setor voltou a dobrar entre 1983
e 1986). Estes parecem ser ventos promissores de mudança de algumas das
práticas empregatícias tradicionalmente adotadas na indústria brasileira,
Mas nada indica que tal mudança esteja perto de se constituir em regra.
* * *
Este artigo procurou evidenciar que o gap que nos separa do Primeiro
Mundo é sistemático (reproduzindo-se em todos os indicadores), tanto no
que se refere à capacidade de inovação da indústria como na maneira de
perceber e lidar com o trabalho produti vo.
A meu ver, talvez a conclusão mais importante que daí se pode tirar é
que o nOSso "atraso" no que diz respeito ao perfil da força de trabalho
industrial e ao uso que dela se faz no Brasil não pode ser dissociado da
I,
'I própria fragilidade tecnológica da indústria brasileira. São fenômenos
gêmeos, originários de anos de prática de uma industrialização que privi-
"
de trabalho efetivamente se modificarão e a demanda por trabalho quali-
ficado e trabalhadores escolarizados no Brasil assumirá grandes propor-
ções.
Mas não será o mercado, ainda que mais competitivo, que por si mesmo
criará as condições para uma mudança de tal envergadura nas estratégias
empresariais. Tal mudança exige a recriação de um ambiente favorável ao
investimento, em particular do investimento em desenvolvimento tecno-
lógico. E isto, a meu ver, exige bem mais do que a liberação das forças de
mercado. Cabe à política econômica, e em particular a uma política
industrial e tecnológica fazê-lo. Isto certamente tem relação com a estabi-
lização da economia e a recuperação da confiança no futuro, mas refere-se
também a mecanismos de financiamento que estimulem a tomada do risco
tecnológico. cuja criação deve ser encaminhada simultaneamente.
A contribuição das demais políticas públicas será importante para
viabilizar a reorientação das estratégias das empresas industriais. Em
particular, será fundamental uma política educacional que busque a uni-
versalização do ensino básico e a elevação de sua qualidade, que privilegie
a formação de cidadãos bem informados e trabalhadores qualificados; e
uma política trabalhista que estimule a associação nos ganhos e responsa-
bilidades, ao invés do conflito e da desconfiança.

legiou a ocupação do mercado interno, mas negligenciou a eficiência, que

se valeu de um protecionismo e de subsídios sem limites, mas não se
colocou o desafio da ocupação estruturada dos mercados externos, que
preferiu se valer da exploração da mão-de-obra barata e descartável, e de
recursos naturais abundantes, a construir uma capacitação tecnológica
estruturada sobre recursos humanos e organizações qualificadas, que lhe
permitisse dar um salto qualitativo em face dos desafios apresentados pela
presente fase de mudanças acentuadas na economia mundial.
Como lados de uma mesma moeda, acredito que ambos os problemas
só serão resolvidos em conjunto. A questão crucial, a meu ver, diz respeito
às estratégias empresariais que se forjarão para enfrentar a crise e a
competição nos próximos anos. É a busca da modernização, da capacitação
e da inovação que colocará para as empresas a necessidade de fazer uma
revolução em suas políticas de recursos humanos. Somente quando uma
parcela substancial das empresas brasileiras adotarem estratégias que
busquem a acumulação do conhecimento tecnológico é que os processos

122 123

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127

DA POLARIZAÇÃO DAS QUALIFICAÇÕES AO
MODELO DA COMPETÊNCIA
Helena Hirata*
o objeto desse texto é de apresentar as tendêrrcias recerrtes do debate em
sociologia e em economia do trabalho sobre a evolução das qualificações
e da divisão social do trabalho conseqüente às mudanças tecnológicas e
organizacionais na empresa, mudanças que configuram hoje a emergência
de um novo paradigma produtivo, considerado alternativo ao fordismo.
Apresentamos inicialmente as característícas de qualificação e, mais
geralmente, do trabalho, requeridas pelo novo paradigma de produção
emergente, analisando simultaneamente a evolução do debate acadêmico
l; que acompanha essas mudanças no terreno da empresa. Concentraremos
nossa atenção sobretudo no momento da passagem das teses sobre a
polarização das qualificações para o modelo da competência, indicando a
importância que vem adquirindo a distinção entre qualificação formal e
qualificação "tácita" no contexto desse debate.
Em segundo lugar será feita uma crítica aos novos paradigmas produ-
tivos e aos novos paradigmas de qualificação a partir da introdução, na
análise, da divisão internacional do trabalho e da divisão sexual do traba-
lho. A tese da requalificação dos operadores como conseqüência da intro-
dução de rrovas tecnologias de base microeletrônica será fortemente
questionada a partir de um enfoque levando em conta as diferenças de
gênero e o lugar ocupado na divisão irrtemacional do trabalho. Os novoS
paradigmas de produção tem como referencial explícito ou implícito o
trabalhador homem como encarnarrdo o universal. A especialização flexí-
vel não parece um conceito pertinente para a mão-de-obra feITÚnina, nem
no Brasil e nem nos países de capitalismo mais avançado.
Por último, abordaremos a questão da subjetividade e dos componentes
intersubjetivos da competência, na medida em que a emergência dos novos
• Direlora do "Groupe d'éludes sur la division sociale el sexueUe du travail" (GEDISST) do
"Institut de Recherche sur les Sociétés Contemporairtes", Paris, França,
128
paradigmas de produção, de trabalho e de qualificação toma incontornável
a reflexão sob~e o lugar do sujeito, da subjetividade e da intersubjetividade
no desenvolVImento e no sucesso da implantação dos novos modelos
produtivos.
1. OS NOV_OS PARADIGMAS DE PRODUÇÃO E A EVOLUÇÃO
DA DIVISA0 DO TRABALHO E DA QUALIFICAÇÃO
? desenvolvimento d~ pro~ução no quadro do regime de acumulação
fordlsta baseou-se na fabncaçao em massa de bens padronizados através
do uso de máquinas especializadas não flexíveis e com recurso a uma
massa de trabalhadores semiqualificados.
Desses trabalhadores se exigia (e se exige, pois o fordismo não se
conjuga inteiramerrte no passado...) um cumprimento rigoroso das normas
operatórias, segundo um one best way, a prescrição das tarefas e a disci-
p~i,na no seu cumprimento; a não-comunicação (isolamento, proibição de
dialogas durante o trabalho em linha etc.). .
As rrovas modalidades de organização e desenvolvimento industrial
alternativas ao paradigma fordista, foram conceptualizadas no início do~
anos oitent~ como o modelo da "especialização flexível" por economistas
como M. PlOre e Ch. Sabel (1984) nos Estados Urridos e como um "novo
conceito de produção" por sociólogos como H. Kern e M. Schumann
(1984) na Alemanha.
O modelo da especialização flexível representaria o incremento das
inovações organizacionais e tecnológicas, a descentralização e a abertura
ao mercado internacional (M. Piore e Ch. Sabel, 1984). Ele teria como
figura emblemática, no plano da organização da produção, a fábrica
flexível; no plano da hierarquia das qualificações, o operário prudhoniano;
e, no plano da mobilidade dos trabalhadores, o trabalhador temporário isto
é, a possibilidade de variar o emprego e o tempo de trabalho em função da
conjuntura (R. Boyer, 1986:237).
Essa flexibilidade, que deveria permitir a superação da crise da produ-
ção de massa fordista, teria como corolário a volta a um trabalho de tipo
artesanal, qualificado e uma relação de cooperação entre management e
operários multifuncionais.
E.ste "novo conceito de produção", segundo H. Kem e M. Schumann,
representaria uma ruptura com o taylorismo e o fordismo, com uma nova
lógica de utilização da força de trabalho. A divisão do trabalho seria menos
pronunciada do que no taylorismo, uma maior integração de funções se
tornando perceptível. A automatização da produção é corrsiderada como
representando tendencialmente um impulso para a formação e para a
129 ,I
I I:
reprofissionalização da mão-de-obra direta, nos três ramos industriais
estudados por esses autores (química, máquinas-ferramentas, automobilís-
tica), mesmo naquel~s s~tores onde ~ mão-de-obra não qualific~da :epr~­
senta ainda a maiOrIa dos efellvos (54%), como na mdustna
automobilística alemã (cf. M. Schumann, 1989:8).
A emergência de um novo paradigma de produção industrial alterna-
tivo à produção de massa fordista é bem representada, segundo autores
corno M. Piore e Ch. Sabel (1984), R. Boyer (1991) ou B. Coriat (1991)
pelo modelo empresarialjaponês, modelo que é, ao mesmo tempo, um dos
inspiradores da construção teórica de um tal paradigma por economistas e
sociólogos.
As características da organização do trabalho da empresa japonesa em
ruptUla com o taylorismo e o fordismo são essencialmente o trabalho
cooperativo em equipe, a falta de demarcação das tarefas a partir dos postos
de trabalho e tarefas prescritas a indivíduos, o que implica num funciona-
mento fundado sobre a polivalência e a rotação de tarefas (de fabricação,
de manutenção, de controle de qualidade e de gestão da produção). O
trabalhador japonês, polivalente e multi funcional, não tem uma visão
parcial e fragmentada, mas urna visão""de conjunto do processo de trabalho
em que se insere (1. Magaud e K. Sugita, 1992). Tal visão de conjunto é
necessária para julgar, discernir, intervir, resolver problemas, propor solu-
ções a problemas concretos que surgem cotidianamente no interior do
processo de trabalho.
As qualificações exigidas no interior desse "novo modelo produtivo",
represen.tado pelo modelo empresarial japonês, contrastam fortemente
com aquelas relacionadas com a lógica taylorista de remuneração, de
definição de postos de trabalho e de competências: trata-se da capacidade
de pensar, de decidir, de ter iniciativa e responsabilidade, de fabricar e
consertar, de administrar a produção e a qualidade a partir da linha, isto é,
ser simultaneamente operário de produção e de manutenção, inspetor de
qualidade e engenheiro, Se tal caracterização se aplica menos às trabalha-
doras do sexo feminino e aos operários de empreiteiras subcontratados pela
empresa, trata-se em todo caso de uma caracterização válida em geral para
o conjunto dos trabalhadores do sexo masculino das grandes empresas,
com um emprego regular. Também pode-se afirmar que as pequenas e
médias empresas (e no que se refere aos trabalhadores temporários e aos
do sexo feminino) acompanham tendencialmente o movimento geral das
grandes, que influenciam fortemente as modalidades de gestão das demais,
impondo um padrão de um máximo de polivalência e multifuncionalidade,
de controle de qualidade e de manutenção possível para cada categoria de
trabalhadores e tipos de empresa.
130
2. DA POLARIZAÇÃO DAS QUALIFICAÇÕES AO MODELO
DA COMPETÊNCIA: A EVOLUÇÃO DO DEBATE NO
CONTEXTO DOS NOVOS PARADIGMAS PRODUTIVOS
O debate aberto por H. Braverman (1974) no início dos anos setenta
em tomo da desqualificação inelutável, gradual, progressiva como conse-
qüência do aprofundamento da divisão do trabalho no capitalismo teve
como uma de suas variantes consagradas durante um período relativamente
longo a tese da polarização das qualificações. Segundo essa tese, a moder-
nização tecnol6gica estaria criando, de um lado, uma massa de trabalha-
dores desqualificados e, de outro, um punhado de trabalhadores
superqualificados (Freyssenet, 1977; H. Kern e M. Schumann, 1980; A. i
Sorge el alii, 1983 etc.). As novas tecnologias reforçariam a divisão do il
trabalho e a desqualificação da mão-de-obra'. :I!
Uma ruptura se dá com esse paradigma dominante da qualificação em
meados de oitenta. Vinte anos depois dos primeiros estudos sobre as
i~
conseqüências da introdução das IJovas tecnologias sobre a divisão do
trabalho e a qualificação, autores como M. Freyssenet, B. Coriat, H. Kern
e M. Schumann, constatam uma requalificação dos operadores, ou uma
reprofissionalização, com o aprofundamento da automatização de base
microeletrônica nas indústrias.
Essa requalificação dos operadores está estreitamente relacionada,
nessas análises, à adoção de novos modelos de organização industrial que
levariam as empresas a adotarem organizações do trabalho de tipo "quali-
ficadoras" (cf. Ph. Zarífian, 1990; M. Freyssenet, ]992), tanto pelas
oportunidades de formação profissional abertas pela introdução de inova-
ções na empresa quanto pelas próprias modalidades de execução das
atividades produtivas.
O novo "conceito de produção" exigiria, assim, uma massa de conhe-
cimentos e atitudes bastante diferentes das qualificações fonnais requeri-
das pelas organizações do trabalho de tipo taylorísta, e mais próximas
daquelas requeridas pela empresa J (empresa japonesa, em oposição à
empresa A - americana; cf. M. Aoki, 1991). A atualidade do debate sobre
a empresa J é provavelmente um dos fatores explicativos 2 da importância
1. Uma excelente revísão bibliográfica internacional sobre 3 evolução do debate sob(e a
qualiflc.ação e a divisão do trabalho pode: ser encontrada em V, Paiva. 1989. Para uma revisão mais
sucinta do debate, cf. C. du Teme e G. S,ntilli, 1992:136-153.
2. Os outros dois fatores explicativos d. importância crescente da distinção entre qualificação
tácita Ou social e qualificação formal e organizada são, a nosso ver, o desenvolvimento nos anos
recentes da sociologia dos modos de vida e da sociologia das (elações de gênero. Ambas, mas
p.rtlculannenlc a última (cf. D. Kergoal, 1982), estabelecem uma forte relação entre a qualificação,
de um lado, e a socialIzação famHiar e as dimensões e,;;tratrabalho (profissional}, de outra.
131

adquirida, na evolução recente do debate so1?re a q~alifica5ã?, pela ~uestã~
do seu nível de fonnalização: componentes ImplícItos e oao orgamzados
da qualificação versus componentes "organizados" (a express!o é, de.M.
Aoki, 1991:12 e seg.) e explícitos: educação escolar, forrnaçao tecmc_a,
educação profissional. Um enfoque por postos de trabalho e por aloc~çao
do indivíduo ao posto daria ênfase aos últimos; um enfoque por eqUlp~s
de trabalho e responsabilização coletiva na execução do trabalho tendena
a enfatizar os primeiros. Ademais, a "qualificação tácita" (B. Jones e S.
Wood, 1984), ou social ou informal é amplamente solicitada para a
implantação de novas tecnologias.
Enfim, a tese da requalificação dos operadores com a adoção de novas
condições de produção vai conduzir - dentro da sociologia das qualifica-
ções - a uma superação do paradigma da polarização das qualificações,
dominante desde o fim dos anos setenta e à emergência do modelo da
competência.
A competência é uma noção oriunda do discurso empresarial nos
últimos dez anos e retomada em seguida poc economistas e sociólogos na
França (cf. M. Dadoy, 1990). Noção ainda bastante imprecisa, se ~omp~­
rada ao conceito de qualificação, um 'dos conceitos-chaves da SOCiOlogIa
do trabalho francesa desde os seus primórdios (cf. P. Naville, 1956); noção
marcada política e ideologicamente por sua origem, e da qual está total-
mente ausente a idéia de relação social, que define o conceito de qualifi-
cação para alguns autores (cf. D. Kergoat, 1982, 1984; M. Freyssenet,
1977,1992).
A riqueza da noção de qualificação foi ressaltada por esses últimos
estudios05, que salientaram a sua multidimensionalidade: qualificação do
emprego, definida pela empresa a partir das exigências do posto de
trabalho, e que serve de base ao sistema de classificações na França);
qualificação do trabalhador, mais ampla do que a primeira, por incorporar
as qualificações sociais ou tácitas que a noção de qualificação do emprego
não considera - essa dimensão da noção de qualificação sendo, por sua
vez, susceptível de decomposição em "qualificação real" (conjunto de
competências e habilidades, técnicas, profissionais, escolares, sociais) e
"qualificação operatória" ("potencialidades empregadas por um operador
para enfrentar uma situação de trabalho", cf. M. Sailly in A. Lerolle,
1992:7); finalmente, a dimensão da qualificação como uma relação social,
como o resultado, sempre cambiante, de uma correlação de forças capital-
3. As classificações profission;lo~s são li expressão fonnalizada c objetivada das qualificações
individuais. consagrada ao nfvel dos acordos coletivos na França desde 1936. Como diz M. Da~oy. "~
qu.alificação é de nall/.reza qualitativa. as classificações profissionais são sua expressão quanf,fotJva
(M. Dadoy, La qualificalion <n questiono cit. in Définir la qualifica/ion? '/autor, Cadres CFDT,
1984:48).
132
! I
trabalho, noção que resulta da distinção mesma entre qualificação dos
empregos e qualificação dos trabalhadores (cf. D. Kergoat, 1984:27).
Difêrentemente desta acepção mu1tidimensional da qualificação, o
modelo da competência corresponderia a um novo modelo, pós-taylorista,
de qualificação no estágio de adoção de um novo modelo, pós-taylorista,
de organização do trabalho e de gestão da produção. Sua gênese estaria
associada à crise da noção de postos de trabalho (Ph. Zarifian, 1992), e a
de um certo modelo de classificação e de relações profissionais.
A adoção do modelo da competência implica um compromisso pós-
taylorista, sendo difícil de pôr em prática se não se verificam soluções
(negociadas) a toda uma série de problemas, sobretudo o de um desenvol-
vimento não remunerado das competências dos trabalhadores na base da
hierarquia (Ph. Zarifian, 1992), trabalhadores estes levados no novo mo-
delo de organização do trabalho a uma participação na gestão da produção,
a um trabalho em equipe c a um envolvimento maior nas estratégias de
competitividade da empresa, sem ter necessariamente uma compensação
em termos salariais.
Nesta nova empresa, "a qualificação, correspondência entre um sa·
ber, uma responsabilidade, uma carreira, um salário, tende a se desfazer"
(P. Rolle, 1985 :35), na medida em que a divisão social do trabalho se
modifica. Às exigências do posto de trabalho se sucede" um estado instável
da distribuição de tarefas" onde a colaboração, o engajamento, a mobili-
dade, passam a ser as qualidades dominantes.
A imprecisão - o avesso mesmo da codificação que representa a
classificação (dos cargos) - marca, assim, a noção de competência. Como
diz A. Lerolle analisando essa noção: "A referência às aptidões pessoais
necessárias aos empregos não é certamente uma novidade. Parece entre·
tanto que a parte destas capacidades gerais e mal definidas tende a crescer
com a aceleração das variações da organização e das atribuições (de
cargos). Quanto menos os empregos são estáveis e mais caracterizados por
objetivos gerais, mais as qualificações são substituídas por "saber-ser" (A.
Lerolle, 1992:5).
A competência remete, assim, a um sujeito e a uma subjetividade, e
nos leva a nos interrogar sobre as condições subjetivas (e intersubjetivas)
da produção (Ph. Zàrifian, 1992:49): passamos aqui a analisar a relação de
gênero, quase sempre ignorada pelos teóricos e estudiosos dos novos
paradigmas de organização e de produção.
133

3. QUALIFICAÇÃO, ESPECIALIZAÇÃO FLEXíVEL E
DIVISÃO SEXUAL E INTERNACIONAL DO TRABALHO
As teses sobre os novos paradigmas de organização industrial e sobre
a requalificação dos operadores como conseqüência da introdução de
novas tecnologias são fortemente questionadas se introduzinnos, na aná-
lise, a divisão sexual e a divisão internacional do trabalho. A coexistência
de novas figuras produtivas e do fordismo, que é uma realidade mesmo em
países de capitalismo avançado como a França (cf. S. Volkoff, 1981), é
ainda mais verdadeira em países ditos do "Terceiro Mundo", onde as
fonuas tayloristas de produção e de organização do trabalho são ainda
amplamente dominantes (cf., por exemplo, R. Quadros Carvalho e H.
Schmitz, 1989).
Não se pode afinnar que no Brasil já se deu a dupla ruptura, com a
ideologia do taylorismo na empresa e com o modelo taylorista ao nível da
teoria, constatada por autores como M. Schumann na Alemanha (1989),
embora alguns autores brasileiros enfatizem, a partir de pesquisas efetua-
das em grandes indústrias dinâmicas e competitivas, empregando mão-de-
obra masculina, a emergência, também no Brasil, de um novo padrão de
organização do trabalho e da produção alternativo ao fordismo (cf. por ex.
A. F1eury, 1988).
A introdução da divisão sexual do trabalho tem, como primeira con-
li seqüência no plano analítico, fazer explodir a unidade categorial "empre-
I
sa", pois as relações de gênero e a divisão entre os sexos atravessa o
conjunto da sociedade, e não apenas o espaço da empresa. A segunda
conseqüência importante é que a introdução da dimensão de gênero ques-
tiona fortemente as ciências sociais e as ciências econômicas, que partem,
:1
;1
iI
ii:1
I
nas suas elaborações teóricas, da figura do trabalhador homem como
encarnando o universal. Assim, os novos paradigmas da "especialização
flexível" ou do "novo conceito de produção" são fundados sobre essa
,! figura arquetípica do operário prudhoniano. Caso mudarmos o ângulo de
ataque e passanuos a considerar como objeto de estudo o trabalho das
mulheres e os países ditos "em vias do desenvolvimento", verificaremos
que as práticas e os métodos tayloristas e a produção em grande série de
bens estandardizados, muitas vezes sem grande preocupação com a quali-
dade, vai coexistir com algumas "ilhas" de modernidade e de sofisticação
tecnológica e organizacionaL
O cenário de uma tal coexistência foi, aliás, reconhecido mais recen-
temente como um dos cenários possíveis por M. Piore e Ch. Sabel, a partir,
justamente, da consideração da divisão internacional do trabalho. No
134
prefácio à edição francesa (1989) de seu livro, eles reconhecem: "Aqueles
que nos criticam podem citar exemplos de vestígios importantes de velhas
estruturas e práticas da produção em série, e mesmo casos em que
economias nacionais inteiras ~ em particular a Coréia do Sul - se
lançaram. não apenas na via do desenvolvimento, mas conseguiram ainda
se manter e progredir ao longo dos anos 80 graças a uma estratégia de
produção em série. E as experiências mais bem sucedidas do mundo
industrial neste domínio parecem ter permitido a elaboração de uma
estratégia mista no interior mesmo da produção. estratégia aliando equi-
pamentos rígidos, especializados e ilhas deflexibilidade. Pode-se deduzir
destas constatações que o sistema que emerge atualmente como suporte
da recuperação econômica é um sistema misto, aliando as duas tecnolo-
gias de uma maneira que o texto (The Secand Industrial Divide) não soube
antecipar" (M. Piore e Ch. Sabel, 1989:13).
Esse reconhecimento se limita, na verdade, à evolução empírica, pois
a ressalva que fazem a seguir reduz bastante seu alcance: "Num sentido,
pensamos que essa maneira de ver representa uma leitura correta de
certos fatos recentes. Entretanto, a um outro n(vel, ela constitui um erro
fundamental de interpretação da problemática de base" (id. ib, 1989:14).
Entretanto, mesmo se a retificação é parcial e não questiona os postu-
lados teóricos, o reconhecimento da heterogeneidade tecnológica, a partir .. ,
da consideração da divisão internacional do trabalho, é digno de nota; não
se pode dizer que nuances do mesmo tipo sejam introduzidas em textos
mais recentes dos dois autores sobre a questão da divisão sexual do
trabalho.
I'
A noçãoJmesma de flexibilidade ou de especialização flexível foi
construída ignorando todo enfoque em tennos de gênero; também a tese I·
de uma requalificação dos operadores como conseqüência da introdução
de novas tecnologias de base microeletrônica na empresa foi fundada até
aqui quase exclusivamente sobre estudos de ramos masculinos (por ex., na
França, o caso da indústria automobilística, estudado por M. Freyssenet;
o caso da petroquímica, estudado por G. de Terssac e B. Coriat - cf. para
J
os dois estudos o n. especial de Sociologie du Travail, 3/84; na Alemanha, 1I
o caso de diferentes ramos utilizando mão-de-obra masculina - química,
automobilística, máquinas-ferramenta - estudados por H. Kern e M. Schu·
li
b
mann, 1989). Da mesma maneira, os estudos sobre a fonnação para novas
tecnologias não se referem praticamente nunca ao sexo dos trabalhadores
objetos de formação, e, em todo caso, as conclusões são enunciadas em
relação ao conjunto de efetivos, sem distinção de sexo (cf. por exemplo A.
Rosanvallon e l.F. Troussier, 1983 ou Y. Lucas, 1990).
r,
i
f
i
I
135
li
lt·
I.

Entretanto, alguns estudos sobre a divisão sexual dos processos de
formação para inovações tecnológicas mostram até que ponto esta genera-
lização, a partir de uma população masculina, pode induzir em erro. As
ações de requalificação não têm a mesma extensão, nem o mesmo alcance,
nem a mesma significação, para as mulheres e para os homens, e a
formação pode ser o lugar mesmo da construção da incompetência técnica
das mulheres (cf. G. Doniol-Shaw et alii, 1989; G. Doniol-Shaw e A.
Lerolle, 1990).
Um primeiro exame dos textos sobre a empresa, a divisão sexual do
trabalho e a inovação mostrou que tais inovações podem reforçar a margi-
nalidade das mulheres, e que podem constituir um perigo, sobretudo para
as mulheres não qualificadas (cf. um "state of the arts" sobre a questão in
H. Hirata, 1991).
Essas diferenças no plano da qualificação, da formação e da flexibili-
dade são exemplarmente resumidas por D. Kergoat quando indica dois
· ,
cenários sexuados da flexibilidade: "Primeiro caso: dois setores coexistem.
Um, flexibilizado (masculino), outro taylorizado (feminino): é por exem-
plo o caso das empresas onde a rentabilidade exige automatizar apenas a
produção, a manutenção (do estoque) e a embalagem, setores femininos,
permanecendo taylorizadas. Segundo caso: todos os setores, masculinos e
femininos, são afetados pela modernização. Mas de maneira bem diferente
quanto ao espírito e quanto aos resultados (reprofissionalização para os
homens e utilização de formas atípicas de emprego para as mulheres), (...)
A política seguida consiste, ao contrário, em justapor taylorismo e flexibi-
lidade; a "nova" qualificação feminina é assim concebida como a adição
das qualidades novas (capacidade de autocontrole, integração das exigên-
cias de qualidade, de gestão dos estoques, regulagens e primeiras manu-
tenções corretivas) às qualidades antigas destreza e rapidez" (D. Kergoat,
1992:80,81).
Todas essas considerações nos conduzem a pensar que o panorama é
extremamente complexo e heterogêneo quando se leva em consideração
as diferenças relacionadas com O gênero, a qualificação e a divisão inter-
nacional do trabalho: as teses de alcance universal, tais como as dos novos
paradigmas ou dos novos conceitos de produção, são forçosamente ques-
tionadas à luz de pesquisas empíricas introduzindo tais diferenciações.
136
i:l .
4. OS COMPONENTES INTERSUBJETIVOS DA
COMPETÊNCIA NOS NOVOS PARADIGMAS DE
ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL
o conjunto de questões aqui levantado sobre os novos requisitos de
qualificação associados à emergência e ao desenvolvimento de novos
paradigmas de organização e de desenvolvimento industrial aponta para
um problema incontornável, mas raramente levado em conta pelos econo-
mistas e sociólogos do trabalho que estudam a questão dos novos modelos
produtiv~s: o do sujeito, da subjetividade e das relações intersubjetivas,
que condiCIOnam o sucesso da implantação dos novos paradigmas organi-
zacionais, fundados na comunicação.
Claus Offe à questão: "O trabalho é uma categoria fundamental da
sociologia?" respondia pela negativa, numa convergência explícita com J.
Habermas, assinalando a passagem de um paradigma do trabalho e da
produção para um paradigma da comunicação (C. Gffe, 1989).
O não-reconhecimento, por C. Offe, da centralidade do trabalho na
sociedade contemporânea se deve, a nosso ver, a diferentes razões: uma
definição extremamente restritiva do trabalho que exclui todo trabalho que
não seja diretamente produtivo e industrial (cf. C. Gffe, 1989:8-9), elimi-
nando, assim, desde o trabalho no setor de serviços até o trabalho doméstico
- um enfoque pela divisão sexual do trabalho nuançaria provavelmente sua
análise; e uma visão europocentrista, que não leva em conta a divisão
internacional do trabalho, que concentra cada vez mais nos países ditos
"subdesenvolvidos" ou "semi-industrializados" as atividades labour-in-
tensive.
Nós tenderíamos a concordar com Ph. Zarifian, quando ele conclui sua
análise sobre o trabalho nas indústrias automatizadas: "Habermas propõe
substituir o paradigma do trabalho, pelo da linguagem. N6s pensamos que
é necessário procurar, não uma substituição, mas uma nova s(ntese entre
trabalho e comunicação. Um paradigma do tipo: o trabalho comunicacio-
nal'~ (Ph. Zarifian, 1990b:21).
Neste tipo de trabalho, o lugar do sujeito e das relações intersubjetivas
seria absolutamente central, na medida em que a mobilização psíquica do
indivíduo, sujeito do processo de trabalho, constituiria a pré-condição
mesma de toda atividade produtiva.
137
!II.
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WOOD, S. (ed.). The lransfonnation ofwork? Londres: Unwin Hyman, cendo na fábrica, mas considerar preciso situar os problemas de
1989. que há uma dinâmica de transfor- uma perspectiva de internaciona-
mação que está fora dela. Vou me lização da economia e do merca-
ZARIFIAN;, Ph. La nouvelle productivilé. Paris: Hannattan, 1990.
referir, também, ao que foi trazido do. Sabemos que, muitas vezes,
TravaU et communication dans les induslries automalisées: conferên- aqui por Helena Hirata, ao discutir vários países se juntam para reali-
cia. São Paulo: Depto. de SociologialUSfI, 1990. o problema da formação profis- zar detenninadas fonnas de coo-
Organisation qualifiante et capacité de prise de décisions dans l'in- sional versus escolaridade. São peração. O que acaba prevale-
dustrie, 1990a (mimeo.). dois enfoques que podem forne- cendo são decisões oriundas de
';1'I::
"

agências internacionais, com inte-

Vers une sociologie de /'organization industrielle: un itinéraire de cer mais elementos para o debate.
! .' recherche; coopération, qualification, gestion, organisation en milieu Em um dos textos, há a se-
li '.; industriel. Université Paris X - Nanterre, LATIS-CERTES, Ecole guinte frase: "Para que o Brasil se
Nationale des Ponts et Chaussées, 1992 (Rapport d'habilitation). viabilize como nação qualificada
l,Ii e alcance a modernidade, deve ser
" implantado um sistema de educa-
i
! ção fundamental que seja univer:
sal, eficiente c de qualidade". E
uma afirmação absolutamente
correta e todos nós a endossamos.
No entanto, gostaria de alertar que
a mesma pode estar profunda-
mente incompleta, além de esca-
motear determinadas prioridades
e políticas que começam a ser pra-
resses muito específicos.
Para ilustrar as afirmações
acima, parece importante relatar
aqui urna experiência que viven-
ciei como técnico do BID, espe-
cialista em projetos de Educação
para a América Latina. O BID é
um· banco multinacional, finan-
ciado majoritariamente pelos Es-
tados Unidos. Neste depoimento,
em nenhum momento estarei mi-
nimizando a prioridade da educa-
ção básica. O objetivo é levantar
uma outra dimensão, pois discar-

• Texto editado a partir da gravação da palestra (Seminário "Trabalho e Educação", Fundação

Carlos Chagas, 1992), (sem revisão final do autor).
:f * Che fe de Assessoria de Planejamento Estratégico N acionaI do SENAI. Vice~presidente para

â América do Sul da '"'Intemational Vocational Eduçation and T{ainningAssodation·~.

142 143
 do da idéia de que o ensino básico
seja suficiente para que a nação
alcance a modernidade e para que
a população conquiste a cidada-
nia.
Vejamos como isto se coloca
no caso do BlO do qual participei.
~J Apresentou-se para ser apro-
~'
tI
vado pelo BID um projeto de me-
lhoramento da Universidade de
São Paulo, que incluía uma gran-
I1 de reformulação daquela institui-
~,
ção em vários aspectos. Nós éra-
(1 mos, naquela época, cinco espe-
L cialistas internacionais em educa-
ção no BID. Pessoalmente. fui
contra O projeto durante todo seu
processo de análise, pela seguinte
razão: julguei que o Banco Inte-
ramericano deveria seguir a sua
linha de apoio a uma política de
desenvolvimento e de melhoria da
Universidade do Brasil, gerando
centros de excelência, ou de semi-
I ;~ excelência nas diferentes regiões
r: do País e não apenas na USP. Essa
discussão foi muito desgastante,
mas, finalmente, a proposta che-
gou ao "board" de diretores. Eu-
I tretanto, em apenas cinco minutos
I de reunião do "board", mudei de
Ii ,
opinião. Por quê? Porque um dire-
11
,I tor, representante dos Estados
i
Unidos, manifestou-se contra o
I projeto da USP, não pelos moti-
vos que eu levantava, mas com o
seguinte argumento: considerava
que as ajudas internacionais ao
Brasil e à América Latina não de-
veriam ultrapassar, de nenhuma
~ cipalmente no caso das Universi-
i' forma, o ensino básico. Esta deve-
:1 ria ser a prioridade fundamental.
,j
I
,I
I
144
I
t
Este fato gerou uma nova discus-
são, entre especialistas e direto-
res, que durou duas semanas.
Alguns de nós perguntávamos:
por que priorizar o ensino básico
implica na exclusão dos outros ní-
veis? E a resposta que permeou a
discussão foi aproximadamente a
seguinte: existe um nível de mer-
cada internacional, estabelecido
(posso estar explicando as coisas
linearmente, mas vou correr esse
perigo) de tal forma que a deter-
minados grupos de países cabe,
para sua realização democrática,
um determinado nível de escolari-
dade da população.
Visões correlatas embasam
os relatórios do Banco Mundial
sobre Educação Superior no Bra-
sil e sobre Ensino de 2Q grau. Para
o 2g grau, as propostas fundamen-
tais são: eliminação das escolas
técnicas, transformação das mes-
mas em centros de estudos de
ciências e reformulação das mo-
dalidades de financiamento para o
sistema de formação profissiollal
no Brasil. Ou seja. algo que deu
certo, pelo menos razoavelmente
certo, estava sendo questionado.
Quanto ao 3!! grau, o relatório do
Banco Mundial diz que, no Brasil,
basicamente, se salvam três uni-
versidades: USP, UNICAMP E
UFRJ. As outras, para sobreviver,
deveriam comprovar determina-
das eficiências. Mas sabemos que
a história não é bem assim, prin-
dades Federais.
O problema fundamental é fa-
zer com que a universalização
atinja pelo menos o 2g grau, por-
que alcançar a escolaridade de I º
grau não é suficiente. É suficiente
numa "democracia manca". A
universalização do ensino funda-
mental, mal ou bem, parece estar
resolviQa no Brasil. É certo que
permanece o problema da quali-
dade. No entanto, é preciso notar
que esse problema não se resolve
somente ao implantar programas
nacionais de avaliação, como pa-
recem sugerir alguns analistas.
Concordo plenamente qUé é pre-
ciso estabelecer sistemas de ava-
liação. mas todos sabemos que a
escola pública, em nosso país, tem
sido engolida nos últimos vinte
anos pelas próprias políticas de
desenvolvimento social. Há 20
anos as escolas públicas eram cen-
tras de excelência. Deix:rram de
ser. Volto a repetir que é impor-
tante reavaliar o que significa es-
colaridade no Brasil.
Por exemplo, a explicação
acerca da falência do ensino bási-
co, inclusive a contextualização
histórica e internacional, precisa
ficar mais clara. É preciso pergun-
tar se a prioridade do ensino fun-
damental não está sendo manipu-
Jada por interesses alheios ao de-
senvolvimento econômico e sa-
cial no Brasil. Por quê? Vou
recorrer a um exemplo concreto:
O SENAI, nos últimos cinco anos,
tem passado por reformulações e
questionamentos internos. Um
145
dos questionamentos mais sérios
é o seguinte: at~ agora estivemos
trabalhando com alunos, de uma
escolaridade determinada, mas
existe um outro contingente que
ainda não atingimos. Precisamos
enfrentar o problema d a nova seg-
mentação de mercado, pois pode ,
I
estar sendo aprofulldada a divisão
entre os jovens que terão possibi- ~ I
lidade de se integrarem à moder-
'I
, nidade e aqueles que serão excluÍ-
'I
dos. Para dar conta dessa situação,
o SENAI tratou de fazer algo a 11
partir de sua própria experiência.
''Ii!l
Verificou-se que determinados ·il
"r
!
currículos estavam adequados
para atender níveis de escolarida-
de mais elementares, mas estavam
:1"
equivocados para incorporar a
inovação tecnológica e a reformu-
lação dos processos de produção.
Partiu-se, então, para a criação de
centros tecnológicos. O SENAljá
tem hoje doze centros tecnológi-
cos, especializados por área ou
por setor econômico: Centro Tec-
i
nológico da indústria têxtil. da in- I
dústria de madeira, da indústria de
couro, de preparação de pessoal
para cuidar do meio ambiente, de
alimentos, e assim por diante.
Nesses Centros, fornecemos as-
sistência técnica às empresas,
principalmente as pequenas e mê-
dias, cujos proprietários, em ge-
ral, têm baixo nível de escola- II
dade. Assim, além da formação Il~
profissional, ê preciso trabalhar ,ii
na área da assistência técnica, da
II
transferência tecnológica e da in-
J
li
I
 formação tecnológica. Mas, para
isso, ou seja, para legitimar essas
quatro atividades, deve haver pes-
quisa tecnológica no âmbito do
Centro Tecnológico. Toma-se ne-
, cessária, então, a presença de qua-
I' dros universitários nas empresas e
'I
nos centros tecnológicos, capazes
! de reformular os cursos de apren-
i
! dizagem do SENAI para que vol-
tem a ter a importância que
tiveram nos anos 40.
Não podemos, pois, priorizar
apenas o ensino fundamental e
correr o risco de limitar a possibi-
lidade do avanço tecnológico do
País. É preciso, sim, um ensino
fundamental de qualidade, mas,
também escolaridade de 2º e de 3º
graus. É certo que alguns países
demoraram um século para che-
gar à escolarização de lº grau,
mas durante esse tempo não des-
prezaram os seus cursos médio e
superior. São exemplos: a Europa,
o Japão, a Coréia, e outros países
asiáticos. Os famosos Tigres Asiá-
ticos cuidaram do desenvolvi-
mento do ensino de 2º grau e da
Universidade. Não estabeleceram
prioridades excludentes. Esse tipo
de exclusão pode ser absoluta-
mente correto do ponto de vista de
uma eficiência limitada, mas não
do ponto de vista político. Além
disso, é preciso considerar que os
empresários brasileiros têm difi-
culdade muito grande em superar
o modelo de desenvolvimento
econômico baseado na mão-de-
obra não qualificada, na discrimi-
146
nação e em relações trabalhistas
autoritárias. Assim, é preciso
compreender tais fatos para não
fazer análises reducionistas. Na
verdade, estou enfatizando algu-
mas idéias para que não tenhamos
a ingenuidade de querer resolver,
somente com o ensino fundamen-
tal, o problema da inovação tecno-
lógica, do progresso científico, da
melhoria da qualidade de vida, da
melhoria da eficiência da empresa
e da incorporação do avanço tec-
nológico. Repito: esta não é a ex-
periência dos outros países. Ne-
nhum país, que conseguiu chegar
a um certo patamar de desenvol-
vimento, desprezou a sua Univer-
sidade, o seu ensino superior
médio e as suas pesquisas.
Outra vertente que queria co-
mentar diz respeito à formação
profissional e seu vínculo com a
questão da avaliação. A atual ên-
fase que se coloca na necessidade
de estabelecimento de um sistema
nacional ou regional de avaliação
precisaser analisada frente a ex-
periências internacionais. Exis-
tem países que não desenvol-
veram processo avaliativo nacio-
nal, mas têm sistemas de ensino
fundamental e médio bastante ra-
zoáveis para as suas necessidades.
Quando digo "para as suas neces-
sidades" quero enfatizar que,
além do problema da avaliação do
ensino de Iº grau, é preciso repen-
sar a própria finalidade do lº grau
no contexto da escola brasileira.
Isso será possível somente se exis-
tirem estudos sérios que analisem
as relações que se estabelecem en-
tre a avaliação, o setor produtivo
e o processo tecnológico do país.
Com isso, não estou ressusci-
tando a teoria de Capital Humano
dos anos 70. Também não estou
defendendo que a escola deva su-
bordinar seus objetivos à necessi-
dade da empresa. Estou, sim,
dizendo que a escola deve repen-
sar o processo tecnol6gico exis-
tente no país, para que seja
possível trabalhar com indicado-
res e referências de qualidade. O
SENAI, por exemplo, está fazen-
do isso. O SENAI desenvolveu,
nos seus 50 anos de existência,
programas de formação tecnoló-
gica de ponta, mas no nível da
produção artesanal da pequena e
média empresa e da produção ar-
tesanal de massa (que é um seg-
mento fundamental no Brasil)
esta formação está muito pouco
desenvolvida. Está-se repensando
isso no SENAI.
Em geral, está também muito
pouco discutido o problema da ar-
ticulação do sistema de ensino
com a necessidade de inserção do
cidadão no processo teçnológico.
Para relacionar o sistema educati-
vo (relacionar e não subordinar)
às necessidades da Nação, toma-
se necessário ter um entendimen-
to muito concreto do que significa
o processo tecnológico. Tal enten-
dimento não se limita ao conheci-
mento da empresa, mas abrange
147
todo o processo tecnológico do
País. S6 então será possível con-
trapor as duas faces da questão:
aqui está o processo tecnol6gico e
aqui está o processo educativo. É
preciso saber em que interface es-
ses dois componentes vão se rela-
cionando, porque, hoje, pensar em
um cidadão que não tenha a neces-
sária participação tecnol6gica, é
pensar em um cidadão alienado e
sem a possibilidade de entender
em que sistema econômico ele
está vivendo ou sobrevivendo.
Trata-se de um cidadão que não
sabe de que tipo de produção está
participando, que tipo de inserção
vai ter, seja no mercado foonal ou
informal, seja na pequena e média
empresa ou no setor de tecnologia
de ponta.
Reduzir a questão da eficiên-
cia do sistema a uma questão de
avaliação pennanente, como mui-
tos analistas apregoam hoje, sig-
nifica tecnificar a problemática e
contribuir para a criação dé equí-
vocos. Em matéria de avaliação
educacional, lembro o SAT, que é
um teste americano considerado
aqui como muito eficiente para
medida da qualidade do sistema
educacional daquele país. No en·
tanto, através da experiência de
meus filhos nos EUA, onde estu-
daram, acabei constatando que
'I
67% dos candidatos a Universida- L
des americanas preparam-se atra- !~
:1
vés de cursos particulares para
submeterem-se ao SAT. São cur- 1[1..
sos de duração média de seis se- Ii
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manaS, especializados em ensinar

"truques" para obtenção de apro-
vação no exame. Tais "truques"
podem ser eficientes e, por isso, o
sAT e outros testes semelhantes
estão sendo contestados nos EUA.
Levantei apenas um exemplo
que pode sugerir reflexões mais
CAPÍTULo
,
.~
. .
acuradas a respeito da exagerada
validade que muitos atribuem à
avaliação externa enquanto guia
do avanço educacional.

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MUDANÇAS
ORGANIZACIONAIS,
! NOVAS TECNOLOGIAS
I:
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EEDUCAÇÃO
I

148
 ',',--'

'I
I
1
I
I
o TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO
FRENTE Às NOVAS TECNOLOGIAS
r

I
Dermeval Saviani*

'~ o problema das relações entre educação e trabalho tem sido abordado de
diferentes maneiras.
Em termos gerais, a cO!1cepção difusa parece ser aquela que contrapõe
de modo excludente educação e trabalho. Considerando-se que na atuali-
dade educação tende a coincidir com escola (esse tema será retomado mais
adiante), a tendência dominante é a de situar a educação no âmbito do
não-trabalho. Daí o caráter improdutivo da educação, isto é, o seu enten-
dimento como um bem de consumo, objeto de fruição.
Essa situação tendeu a se alterar a partir da década de 60 com o
surgimento da "teoria do capital humano", passando a educação a ser
entendida como algo não meramente ornamental mas decisivo para o
desenvolvimento econômico. Postula-se, assim, uma estreita ligação entre
educação (escola) e trabalho; isto é, considera-se que a educação potencia-
liza trabalho. Essa perspectiva está presente também nos críticos da "teoria
do capital humano", uma vez que consideram que a educação é funcional
ao sistema capitalista, não apenas ideologicamente, mas também econo-
micamente, enquanto qualificadora da mão-de-obra (força de trabalho).
Entre as duas posições opostas acima indicadas, os educadores têm
oscilado ao considerar a educação apenas em termos gerais, com ou sem
referências à, formação vocacional e profissional, ou propondo um sistema
dualista com a formação geral desvinculada da formação profissional ou,
ainda, concebendo uma escola única que pretenderia articular educação
geral e formação profissional.
As discussões atuais obviamente não ignoram o quadro acima. De
minha parte, gostaria de convidar os colegas a refletirem sobre as origens
r
• Professor Titular em História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Diretor
associado da Faculdade de Educação da UNICAMP.
I

151
e o desenvolvimento histórico do problema, como via para a compreensão
de suas coordenadas atuais.
EDUCAÇÃO E TRABALHO: AS ORIGENS
É sabido que a educação praticamente coincide com a própria existên-
cia humana. Em outros termos, as origens da educação se confundem com
as origens do próprio homem. À medida em que determinado ser natural
se destaca da natureza e é obrigado, para existir, a produzir sua própria vida
é que ele se constitui propriamente enquanto homem. Em outros termos,
diferentemente dos animais, que se adaptam à natureza, os homens têm
que fazer o contrário: eles adaptam a natureza a si. O ato de agir sobre a
natureza, adaptando-a às necessidades humanas, é o que conhecemos pelo
nome de trabalho. Por isto podemos dizer que o trabalho define a essência
humana. Portanto, o homem, para continuar existindo, precisa estar conti-
nuamente produzindo sua pr6pria existência através do trabalho. Isto faz
com que a vida do homem seja determinada pelo modo como ele produz
sua existência.
Inicialmente prevalecia o modo de produção comunal, o que hoje
chamamos de "comunismo primitivo". Não havia classes. Tudo era feito
em comum: os homens produziam sua existência em comum e se educa-
vam neste próprio processo. Lidando com a terra, lidando com a natureza,
se relacionando uns com os outros, os homens se educavam e educavam
as novas gerações. À medida em que ele se fixa na terra, que então era
considerada o principal meio de produção, surge a propriedade privada. A
apropriação privada da terra divide os homens em classes.
Na Antiguidade, tanto grega como romana, ocorre a propriedade
privada da terra: ternos então a classe dos proprietários e a classe dos não
proprietários. O fato de uma parte dos homens se apropriar privadamente
da terra dá a eles a condição de poder sobreviver sem trabalhar. Com efeito,
os não proprietários que trabalham a terra assumem o encargo de manter
a si próprios e aos senhores. Nesse sentido, surge uma classe ociosa, ou
seja, uma classe que não precisa trabalhar para viver: ela vive do trabalho
alheio.
Se antes, no comunismo primitivo, a educação coincidia inteiramente
com o próprio processo de trabalho, a partir do advento da sociedade de
classes, com o aparecimento de uma classe que não precisa trabalhar para
viver, surge uma educação diferenciada. E é aí que está localizada a origem
da escola. A palavra escola em grego significa o lugar do ócio. Portanto, a
escola era o lugar a que tinham acesso as classes ociosas. A classe
dominante, a classe dos proprietários, tinha uma educação diferenciada que
152
era a educação escolar. Por contraposição, a educação geral, a educação
da maioria era o próprio trabalho: o povo se educava no pr6prio processo
de trabalho. Era o aprender fazendo. Aprendia lidando com a realidade,
aprendia agindo sobre a matéria, transfonnando-a.
A forma como a classe proprietária ocupava o seu ócio é que constituía
seu tipo específico de educação. Não só a palavra escola tem essa origem
mas também a palavra ginásio, que era o local dos jogos que eram
praticados pelos que dispunham de 6cio. A palavra ginásio mantém esta
duplicidade de significado ainda hoje. A origem da palavra ginástica é a
mesma da palavra ginásio: exercícios físicos'como lazer. A ginástica dos
que tinham que trabalhar era o próprio trabalho, era o trabalho manual, era
o manuseio físico da matéria, dos objetos, da realidade, da natureza.
IDADE MÉDIA: ESCOLA E PRODUÇÃO
Algumas características da sociedade antiga persistem na Idade Média,
no modo de produção feudal, porque, assim como na Antiguidade, também
na Idade Média o meio dominante de produção era a terra e a forma
econômica dominante era a agricultura. Na Grécia e Roma, os homens
viviam na cidade, mas do campo, porque a vida na cidade era suprida pelo
trabalho desenvolvido nos arredores da cidade, que era o trabalho agrícola.
Na Idade Média, os homens viviam no campo e do campo, ou seja, viviam
no meio rural e da atividade agrícola. A forma do trabalho da Idade Média
se diferenciava da Antiguidade na medida em que não temos mais o
trabalho escravo e sim o trabalho servil.
Temos, na [dade Média, as escolas paroquiais, as escolas catedralícias
e as escolas monacais que eram as escolas que se destinavam à educação
da classe dominante. As atividades que constituíam a educação dessas
classes se traduziam em formas de ocupação do 6cio, como na Antiguida-
de. Isto foi traduzido na Idade Média através da expressão "ócio com
dignidade". Então, ocupar o ócio com os estudos significava não precisar ,
'
trabalhar para suprir as necessidades da existência. Ocupar o 6cio com ,
dignidade é ocupá-lo com atividades consideradas nobres e não com
atividades consideradas indignas. Essa expressão deriva da influência da
Igreja. A classe dos proprietários se dedicava aos exercícios físicos que
estavam ligados às atividades guerreiras, o que é expresso através da noção ib
I da Cavalaria, cuja ocupação era a guerra. Daí a relação cavaleiro e I:'
I
cavalheiro como o sujeito de boas maneiras- a formação dos nobres incluía :f
I as atitudes corteses. Cortês deriva de corte, formação destinada à aristo-
cracia - a formação para a cavalaria envolve então esses dois aspectos, o
I da arte militar e o da vida aristocrática. Em contrapartida, a grande maioria
continuava se educando pelo trabalho, no próprio processo de produzir a
I
II
J!
.1
J53
I
'I
J I.
 própria ex:istência e de seus senhores. Nesse contexto, a fonna escolar da
educação é ainda uma fonua secundár!a qu~ se contrapõe como não-traba-
lho à fonna de educação dominante detenmnada pelo trabalho.
O modo de produção feudal contrapunha o campo, que era referência
da vida na Idade Média, à cidade, que eram núcleos subordinados ao
campo, onde se desenvolvia apenas o artesanato. O que é artesanato? É
uma espécie de indústria rural, de indústria própria da agricultura. Por quê?
Porque através do artesanato se produziam apenas aqueles instrumentos
rudimentares que a própria vida no campo demandava. No entanto, o
desenvolvimento das atividades artesanais, fortalecendo as corporações de
ofícios, aliado ao grau de acumulação que a economia feudal pôde desen-
volver, possibilitou o crescimento de uma atividade mercantil que está na
origem da constituição do capital. Esta atividade mercantil foi se concen-
trando nas cidades, primeiro organizadas periodicamente na fonua de
feiras de trocas, de grandes mercados de trocas. Esses mercados foram se
fix.ando e dando origem às cidades. A origem do burguês é o habitante do
burgo, ou seja, o habitante da cidade. Através do comércio, ele foi acumu-
lando capital que, em seguida, passou a ser investido na própria produção,
originando assim a indústria. Estes processos de transfonuação conduzi-
ram ao deslocamento do eixo do processo produtivo do campo para a
cidade, da agricultura para a indústria. Temos, então, a partir deste proces-
so, a constituição de um novo modo de produção que é o capitalista ou
burguês, ou modo de produção moderno.
EDUCAÇÃO E MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA
A época moderna se caracteriza por um processo baseado na indústria
e na cidade. Neste sentido, diferentemente da Idade Média onde era a
cidade que se subordinava ao campo, a indústria à agricultura, na época
moderna, inverte-se a relação e é o campo que se subordina à cidade; é a
agricultura que se subordina à indústria. Por isso, na sociedade capitalista,
,]'
I'
a agricultura tende a assumir cada vez mais a fonua da indústria, tende a
se mecanizar e adotar formas industriais e a se desenvolver segundo
determinados insumos, insumos esses que são produzidos segundo a forma
industrial. De outro lado, dado que a indústria é a base do desenvolvimento
das cidades, a sociedade moderna vai se caracterizar pela subordinação do
campo à cidade ou, dizendo de outra maneira, por uma crescente urbani-
zação do campo. O próprio campo passa a ser regido por relações do tipo
urbano.
Esta sociedade rompe as relações dominantemente naturais que pre-
valeciam até a Idade Média, ou seja, dado que até aí a forma de produção
dominante era lidar com a terra, as relações também dominantes eram do
154
tipo natural e se constituíam comunidades segundo laços de sangue. Daí o
caráter estratificado, hereditário: a nobreza passava de pai para fJlho, a
servidão também passava de pai para filho. Na sociedade moderna, capi-
talista, as relações deixam de ser naturais para serem dominantemente
sociais. Neste sentido é que a sociedade capitalista rompe com a idéia de
comunidade para trazer, com toda a força, a idéia de sociedade. Sendo
assim, a sociedade capitalista traz a marca de um rompimento com a
estratifrcação de classes.
Isto é posto em evidência pelo fato de que a sociedade deixa de se
organizar segundo o direito natural, mas passa a se organizar segundo o
direito P9sitivo, um direito estabelecido fonnalmente por convenção con-
tratual. E por isto que os ideólogos da sociedade moderna vão fazer
referência ao chamado contrato social e à sociedade como sendo organi-
zada através de um contrato e não por laços naturais.
A isso está ligada a noção de liberdade. A noção de liberdade, como I
i
princípio do modo de organização da sociedade moderna, que está carac- I1
terizada na ideologia do liberalismo, significa que cada um é livre para
dispor de sua propriedade. É importante considerar que a liberdade está
estreitamente vinculada à propriedade. É uma sociedade de proprietários
li
livres. Considera-se o trabalhador como proprietário da força de trabalho
li
Ir
e que vende essa força de trabalho mediante contrato celebrado com o
11:
capitalista. Isto rompe com o caráter servil da Idade Média. A sociedade 'i
moderna arranca o trabalhador do vínculo com a terra e o despoja de todos
os seus meios de existência. Ele fica exclusivamente com sua força de
trabalho, obrigado, portanto, a operá-Ia com meios de produção que são
alheios. É neste sentido que Marx, em O capital, faz referência a esta
l
libertação que a sociedade capitalista opera e que o faz em dois sentidos: I'
o trabalhador se converte em trabalhador livre porque desvinculado da
terra, livre porque pode vender sua força de trabalho, mas também porque
ir
i
é despojado de todos os seus meios de existência. A liberdade posta num
sentido contraditório, duplo, aparentemente positivo -livre para dispor de
sua força de trabalho - mas também no sentido negativo na medida em que
é desvinculada dos seus meios de existência. II.
I
A ESCOLA NA SOCIEDADE MODERNA I
b
A questão da educação e da escola, o que tem a ver com isso? Tudo
isso é importante pelo seguinte: a sociedade contratual, baseada nas I,-
relações fonuais, centrada na cidade e na indústria, vai trazer consigo a
I
~
exigência de generalização da escola.
A produção centrada na cidade e na indústria implica que o conheci- ,i
mento, a ciência que é uma potência espiritual, se converta, através da
155
 :ndústria, em potência material. Então, o conhecimento - Bacon assim
colocava no início da Época Moderna - é poder, conhecer é poder. Todo
o desenvolvimento científico da Época Moderna se dirigia ao domínio da
natureza: sujeitar a natureza aos desígnios do homem, transformar os
conhecimentos em meios de produção material. E a indústria não é outra
coisa senão o processo pelo qual se incorpora a ciência, corno potência
material, no processo produtivo. Se se trata de uma sociedade baseada na
cidade e na indústria, se a cidade é algo construído, artificial, não mais algo
natural, isto vai implicar que esta sociedade organizada à base do direito
positivo também vai trazer consigo a necessidade de generalização da
escrita. Até a Idade Média, a escrita era algo secundário e subordinado a
formas de produção que não implicavam o domínio da escrita. Na Época
Moderna, a incorporação da ciência ao processo produtivo envolve a
exigência da disseminação dos códigos formais, do código da escrita. O
direito positivo é um direito registrado por escrito, muito diferente do
direito natural que é espontâneo, transmitido pelos costumes. O domínio
da escrita se converte, assim, numa necessidade generalizada. Com efeito,
já que não existe ciência oral (a ciência implicá em registro escrito), ao
incorporar a ciência a cidade incorpora, na sua forma de organização, a
exigência do domínio da escrita. Esta é uma questão que ainda hoje está
presente. ou seja, o desenvolvimento da escola vinculado ao desenvolvi-
mento das relações urbanas. É o que por vezes se chama de vínculo entre
a escola e os padrões urbanos. Quanto mais avança o processo urbano-in-
dustrial, mais se desloca a exigência da expansão escolar. Por aí é possível
compreender exatamente por que esta sociedade moderna e burguesa
levanta a bandeira da escolarização universal, gratuita, obrigatória e leiga.
A escolaridade básica deve ser estendida a todos.
A palavra cidade traz sempre referência ao progresso, ao desenvolvi-
mento, enquanto o campo está sempre vinculado ao atraso, ao rústico, ao
pouco desenvolvido. Se levarmos em conta a etimologia das palavras, isto
fica claro. Assim temos civilizado, que vem de civitas - que é a palavra
latina que designa cidade - da qual igualmente deriva cidadão, que designa
o habitante da cidade; mas também cidadão significa sujeito de direitos e
deveres, sujeito de direitos políticos. Político vem de pólis, palavra grega
que significa cidade, e daí também derivam expressões como polido,
sujeito bem educado.
Se examinarmos as palavras originárias de campo, como por exemplo
rus, palavra latina que designa campo, temos então rústico, rude, para
designar algo atrasado, não desenvolvido. E se tornarmos a palavra agrós,
que em grego significa campo, vamos ter agreste, acre, que significa algo
agressivo, que não tem boas maneiras, que não é polido, que não é
civilizado. Estas referências sugerem, então, uma contraposição entre uma
sociedade baseada na cidade e na indústria, desenvolvida, por oposição a
156
uma sociedade agrária baseada no campo, que sugere algo atrasado, pouco
desenvolvido.
A escola está ligada a este processo, como agência educativa ligada às
necessidades do progresso, às necessidades de hábitos civilizados, que
corresponde à vida nas cidades. E a isto também está ligado o papel político
da educação escolar enquanto formação para a cidadania, formação do
cidadão. Significa formar para a vida na cidade, para ser sujeito de direitos
e deveres na vida da sociedade moderna, centrada na cidade e na indústria.
O que tivemos com este processo? Que a fonnaescolar emerge corno forma
dominante de educação na sociedade atual. Isto a tal ponto que a forma
escolar passa a ser confundida com a educação propriamente dita. Assim.
hoje, q~ando pensamos em educação, automaticamente pensamos em
escola. E por isso que quando se levantam bandeiras em prol da educação.
o que está em causa é o problema escolar.
Se a educação escolar é a forma dominante na sociedade atual, com-
preende-se por que as demais formas de educação, ainda que subsistam na
sociedade moderna, passam para um plano secundário, se subordinam à
escola e são aferidas a partir da escola. Ocorre aqui com a questão escolar
o mesmo fenômeno que Marx descreveu com relação à economia, ou seja,
trata-se de compreender as formas menos desenvolvidas a partir das mais
desenvolvidas e não o contrário. É nesse sentido que é possível compreen-
der a educação a partir da escola e não O contrário. As formas não escolares
de educação têm que ser compreendidas a partir da escola, que é a forma
desenvolvida de educação. Este é o fenômeno que observamos hoje em
dia, a tal ponto que, quando falamos em escola, não é necessário adjetivar;
todos entendem do que se está falando. Mas quando se quer falar em
educação que não seja a da escola, temos que fazer a referência sempre
pela via negativa: educação não escolar, educação não fonnal, infonnaL O
critério para entender as demais é a forma escolar.
Isto nos permite compreender por que assistimos hoje em dia a urna
verdadeira hipertrofia da escola. Em outros termos: tende-se a considerar
e a atribuir à escola tudo aquilo que é educativo; a escola tem que absorver
todas as funções educativas que antes eram desenvolvidas fora da escola,
j á que hoje há uma tendência a esperar que as mesmas sejam desenvolvidas
dentro da escola. Ela é alargada tanto em sentido vertical como em sentido
horizontal. No sentido vertical, ela é espichada para cima (3~ grau, 4~ grau)
e é espichada para baixo (pré-escola). Veja-se como ocorre hoje a reivin-
dicação da pré-escola: não se trata apenas de acrescentar I ano, para
preparar as crianças para o processo de alfabetização, mas reivindica-se
mais do que isso; quer-se uma pré-escola do zero aos seis anos. Isso foi
reivindicado junto à Constituinte e incorporado à nova Constituição. Já se
fala até em educação pré-natal. Há uma expectativa de alargamento das
157
mnções da escola. Nessa exp~ctativa o que ~stá aconte<;endo? A função
educativa que antes se acreditava ser própna da família agora passa a
assumir a forma escolar.
Também se advoga o alargamento da escola no sentido horizontal, ou
seja, a expansão do tempo de permanência nas escolas. Está na ordem do
dia a defesa da jornada de tempo integral, 8 horas por dia.
A exigência da escola se alarga tanto vertical como horizontalmente,
isto é o que se chama hipertrofia da escola.
Além disto, também se reivindica que a escola, no seu interior, assuma
encargos que extrapolam aquilo que é especificamente pedagógico.
Começa-se a introduzir no cumculo toda uma série de atividades que
se imagina que tenha alguma função educativa, portanto, deve ser tratada
dentro da escola. Isto para falar no currículo. Mas existem as atividades
extracurriculares, como a merenda escolar que envolve o sentido mais
amplo que a educação possa assumir, inclusive ° sentido latino de educar
enquanto alimentar, portanto propiciar o crescimento físico no sentido
literal da palavra; e se reivindica que a escola exerça também este tipo de
função. Esta tendência é compreensível no quadro histórico esboçado. Se
se trata de um tipo de sociedade onde a forma escolar é dominante e ela é
que define a educação, as demais formas são aferidas a partir dela. Então,
é compreensível que se reivindique que a forma escolar asst,lina. na prática,
toda aquela extensão que o tipo de sociedade está exigindo dela. Se nós
prestarmos atenção, vamos verificar que, concomitantemente a esta ten-
dência que descrevi, ocorre também hoje em dia a tendência oposta.
Ao mesmo tempo em que a escola é hipertrofiada nos dias de hoje, ela
também tende a ser secundarizada; ou seja, surgiu também nos dias de hoje
um discurso que tende a afirmar que a educação escolar não é a única forma
de educação e sequer a principal. É muito comum hoje afirmar-se que a
escola é uma das formas de educação, uma entre muitas e, entre estas, não
é a principal. Educa-se através de múltiplas organizações, não apenas
através da escola. Educa-se, por exemplo, através dos sindicatos, dos
partidos, das associações dos mais diversos tipos, através dos clubes, do
esporte, dos clubes de mães. Educa-se através do trabalho, através da
convivialidade do relacionamento informal das pessoas entre si. Daí se
considera que a escola é uma entre essas muitas formas de educar e não é
a que tem maior peso. No bojo disso surgiu até uma tendência radical de
desvalorização da escola: a teoria da desescolarização, encabeçada por
IlIich. Aí chega-se a afirmar que a escola tem uma função negativa do ponto
de vista educacional e, portanto, a sociedade ganharia se se livrasse das
escolas.
_ Como entender essa contradição?
158
A CONTRADIÇÃO DO PROCESSO ESCOLAR
Ao mesmo tempo em que a escola é desvalorizada, ela é hipertrofiada.
Essa contradição atravessa o próprio interior da escola; pode-se dizer
que existe essa tendência de se dar com uma mão e tirar com a outra. Ela
se amplia e se esvazia ao mesmo tempo. Estende-se, mas perde substância.
Hoje se' coloca dentro da escola toda uma série de atividades que acabam
descaracterizando-a. Parece que a escola cuida de tudo, menos de ensinar,
de instruir. Isso é mais ou menos palpável observando nossas escolas.
Cheguei a ilustrar isso num artigo com as famosas semanas de comemo-
rações. O ano letivo começa na 21 quinzena de fevereiro e já em março
vinha a semana da RevoluçãO, depois a Semana Santa, a Semana das Mães,
as Festas Juninas, Semana do Índio, Semana do Folclore, Semana da Pátria,
Jogos da Primavera, Semana da Criança, Semana da Asa, e nesse momento
já estamos em novembro; o ano está terminando, se comemorou muito,
mas pergunta-se: estudou-se Português, História, Geografia, Ciências?
Constata-se, então, que isso foi relegado a plano secundário. As comemo-
rações acabaram esvaziando o conteúdo específico da escola.
Como entender este paradoxo em que se enreda a escola? Aqui
chegamos a um ponto importante do tema em discussão. Trata-se do modo
como a história chega a colocar a forma escolar como forma dominante da
educação. Já que a fonna escolar é a forma dominante e a escola vive este
paradoxo, como situar o papel que a educação deve assumir nanossa época,
na história presente, na história que, de algum modo, estamos fazendo?
Parece importante resgatar algo que está subjacente à exposição. Coloquei
as origens da educação concomitantemente à origem do próprio homem.
Essa origem era inicialmente comum, coletiva. A humanidade se divide
em classes. A história da escola começa com a divisão dos homens em
classes. Essa divisão da sociedade em classes coloca os homens em
antagonismo, uma classe que explora e domina outra. Atingimos, com a
sociedade capitalista, o máximo de desenvolvimento da sociedade de
classes.
A contradição entre as classes marca a questão educacional e o papel
da escola. Quando a sociedade capitalista tende a generalizar a escola, esta
l
generalização aparece de forma contraditória, porque a sociedade burguesa
preconizou a generalização da educação escolar básica. Sobre esta base
comum, ela reconstituiu a diferença entre as escolas de elite, destinadas
f
predominantemente à formação intelectual, e as escolas para as massas,
que ou se limitam à escolaridade básica ou, na medida que têm prossegui-
mento, ficam restritas a determinadas habilitações profissionais.
I
159

Essa contradição da sociedade capitalista em relação à escola está
presente desde as origens da sociedade capitalista, mas de fonna subjacen-
te. Na época atual, essa contradição vem à tona e se torna mai]> aguda. Os
ídeólogos da burguesia proclamaram a escola universal, gratuita e obriga-
tória, portanto, uma escolaridade comum para todos, porque isto corres-
pondia ao caráter da burguesia revolucionária que expressava seus
interesses em termos universais. Neste sentido o acesso ao saber, à cultura
letrada, o domínio dos números, dos elementos necessários para conhecer
cientificamente a realidade era considerado um direito de todos os homens.
Dessa maneira, a burguesia se contrapunha aos privilégios de que gozavam
a nobreza e o clero. Mas esta pregação universalizante já apareceu de forma
diferenciada no discurso da economia política clássica. Ali os teóricos da
economia política localizavam com mais realismo a questão da escola.
Alguns deles chegavam a afirmar que a escola era totalmente dispensável
para os trabalhadores, que a instrução escolar era tempo roubado à produ-
ção; que enquanto as crianças estavam nas escolas, não estavam colabo-
rando com a produção e, portanto, com o crescimento da mais-valia, ou
seja, com o crescimento e acumulação do capital. Mas os te6ricos da
economia política mais perspicazes, que captavam de forma mais objetiva
o processo da sociedade burguesa, percebiam que a instrução escolar
estava ligada a uma tendência modemízadora, a uma tendência de desen-
volvimento própria de uma socíedade mais avançada. Esses teóricos, como
Adam Smith, afirmavam que a instrução para os trabalhadores era impor-
tante; à medida que os trabalhadores dispusessem de educação básica, se
tomavam mais aptos para viver na sociedade, e se inserir no processo
produtivo, se tomavam mais flexíveis, com pensamento mais ágil e mais
adequado à necessidade da vida moderna. Adam Smith percebia isso no
nível da educação básica. Daí a famosa frase a ele atribuída: "Instrução
para os trabalhadores, porém, em doses homeopáticas". Quer dizer, é
preciso um mínimo de instrução para os trabalhadores e este mínimo é
positivo para a ordem capitalista, mas, ultrapassando esse mínimo, entra-se
em contradição com essa ordem sociaL
O que significa ultrapassar esse mínimo? Significa o seguinte: na
sociedade moderna, o saber é força produtiva. A sociedade converte a
ciência em potência material. Bacon afirmava: "saber é poder". É meio
de produção. A sociedade capitalista é baseada na propriedade privada dos
~eios de produção. Se os meios de produção são propriedade privada, isto
SIgnifica que são exclusivos da classe dominante, da burguesia, dos capi-
talistas. Se o saber é força produtiva deve ser propriedade privada da
burguesia. Na medida em que o saber se generaliza e fi apropriado por
todos, então os trabalhadores passam a ser proprietários de meios de
produção. Mas é da essência da sociedade capitalista que o trabalhador só
160
f
I f
•
detenha a força de trabalho. Aí está a contradição que se insere na essência
do capitalismo: o trabalhador não pode ter meio de produção, não pode
deter o saber, mas, sem o saber, ele também não pode produzir, porque
para transformar a matéria precisa dominar algum tipo de saber. Sim, é
preciso, mas "em do~es homeopáticas", apenas aquele mínimo para poder
operar a produção. E difícil fixar limite, daí por que a escola entra nesse
processo contraditório: ela é reivindicada pelas massas trabalhadoras mas
as camadas dominantes relutam em expandi-la. '
No próprio processo de produção foram encontrados instrumentos
mais adequados de contornar este problema. Uma das formas bem lípicas
é o taylorismo, ~ue partiu do estudo de como os trabalhadores produziam,
portanto, de q~als os conhecimentos que os trabalhadores dominavam para
poder produzlr, chamado estudo de tempos e movimentos. Analisando as
formas do processo de produção cujo saber os trabalhadores dominavam
05ue fez Taylor? Elaborou, sistematizou essas formas. Com esse proce~
dlmento, ele desapropriou os· trabalhadores daquele saber, elaborou-o e
desenvolveu-o na forma parcelada. Nesse processo da análise dos conhe-
cimentos que os trabalhadores detinham e na sua elaboração, os trabalha-
dores foram desapropriados c o saber sistemático relativo ao conjunto do
processo produ!ivo passa a ser domínio apenas da classe dominante, do
empresariado. E dessa forma que se contorna a contradição. O trabalhador
domina algum tipo de saber, mas não aquele saber que é força produtiva, "
porque a produção moderna coletivizou o trabalho e isso implica em
conhecimento do conjunto do processo, conhecimento esse que é privativo
dos grupos dirigentes. Cada trabalhador só domina aquela parcela que ele
op~ra no processo de produção coletiva. Este processo atinge um ponto
malS avançado na fase atual do capitalismo, que é a fase monopolista.
Neste ponto, cumpre registrar que o processo de constituição da escola
como forma principal, dominante e generalizada de educação, iniciado na
modernidade, ainda não se completou. Com efeito, no interior desse
processo foram mantidas, obviamente com novas configurações, formas
l~portantes de educação à margem da escola, especialmente aquelas
dlfeta~ente ligadas às atividades produtivas. Assim, a formação profissio-
nal fOl sendo organizada no interior do próprio aparelho produtivo, com
destaque para as fábricas, brotando daí organizações que, refletindo a
tendência dominante, assumiram a forma de escolas de tipo especial, as
escolas profissionalizantes, como um siste"ma paralelo e independente da f
escola propriamente dita. Esse fenômeno pode melhor ser compreendido I
,~
à luz da divisão entre trabalho manual e trabalho intelectlla!. 'i
Até aqui, a leitura proposta do processo histórico privilegiou a divisão !
entre trabalho e não-trabalho ficando a educação para o trabalho de um
J
li
161 II
l,L
 lado e a educação para o não-trabalho, de outro. Em outros tennos, a
formação dos que necessitavam trabalhar, isto é, produzir diretamente os
meios de existência, se dava no próprio processo de trabalho, ao passo que
a formação dos que não necessitavam produzir diretamente os meios de
vida se dava fora do trabalho, num espaço e tempo próprios, definidos
como escola. Portanto, os primeiros se educavam fora da escola; os
segundos, na escola. ,-
É possível, porém, refazer essa leitura considerando que no primeiro
caso a educação correspondia às necessidades do trabalho manual; no
segundo caso estava em causa o trabalho intelectual.
Assim é que, desde suas origens, a escola foi posta do lado do trabalho
intelectual, constituindo·se num instrumento para a preparação dos futuros
dirigentes que se exercitavam não apenas nas funções da guerra (liderança
militar), mas também nas funções de mando (liderança política), através
do dominio da arte da palavra e do conhecimento dos fenômenos naturais
e das regras de convivência social. Isso pode ser detectado no Egito desde
as primeiras dinastias até o surgimento do escriba, assim como na Grécia,
em Roma e na Idade Média cujas escolas, restritas, cumpriam a função de
preparar os também restritos quadros dirigentes (intelectuais) então reque-
ridos. Nesses contextos, as funções manuais não requeriam preparo esco-
lar. A formação dos trabalhadores se dava com o concomitante exercício
das respectivas funções. Mesmo no caso em que se atingiu alto grau de
especialização, como no artesanato medieval, o sistema de aprendizado de
longa duração exigido ficava a cargo das próprias corporações de ofícios:
o aprendiz adquiria o domínio do ofício exercendo-o juntamente com os
oficiais, sob a orientação do mestre, por isso mesmo chamado de "mestre-
de-ofícios".
O advento da indústria moderna conduziu a uma crescente simplifica-
ção dos ofícios, com a conseqüente redução (tendente à supressão) da
qualificação específica. Isso foi possível pela incorporação da ciência à
produção, a qual propiciou a introdução da maquinaria que passou a
executar a maior parte das funções manuais, Ora, a maquinaria não é outra
coisa senão trabalho intelectual materializado, dando visibilidade ao pro-
cesso de conversão da ciência, potência espiritual, em potência materiaL
Tal processo ganhou nitidez com a chamada "Revolução Industrial" que
II' data do final do século XVIII e a primeira metade do século XIX. O
fenômeno da objetivação e simplificação do trabalho coincide, pois, com
o processo de transferência para as máquinas das funções próprias do
trabalho manuaL Assim, os ingredientes intelectuais antes indissociáveis
do trabalho manual humano, como ocorria no artesanato, dele se destacam,
indo incorporar-se às máquinas, o que viabiliza a mecanização das opera-
i 162
ções manuais, sejam elas executadas pelas próprias máquinas ou pelos
home?s, os quais passam a operar manualmente como sucedâneos das
máqumas, não necessitando, nessa condição, de fazer intervir as suas
faculdades intelectuais. Pode-se, pois, estabelecer uma relação entre o
caráter abstrato do trabalho, assim organizado, com o caráter abstrato
próprio das atividades intelectuais. Em outros termos, o trabalho se tornou
abstrato, isto é, simples e geral, porque organizado de acordo com os
princípios científicos, simples e gerais, vale dizer, abstratos, elaborados
pela inteligência humana. Nessas condições, o trabalho especificamente
humano, mesmo no ~bito da produção material (no interior das fábricas),
passa a ser o trabalho mtelectual consubstanciado no controle e supervisão
das máquinas e de seus eventuais sucedâneos. É, assim, um trabalho
"político" já que diz respeito ao exercício do poder de controle, de direção,
de comando.
À medida em que essa nova fonna de produção da existência humana
i
se torna dominante, reorgànizam-se as relações sociais de maneira corres-
pondente. Assim, à dominância da indústria no âmbito da produção cor-
I r
~esp?nde a dominância da cidade no âmbito das relações sociais,
I
Imphc~n~o, em ambos os casos, a generalização das funções intelectuais
e a oh~etlvação das operações abstratas, quer dizer, a incorporação de
p:oc~~Imentos f?~ais à vida social em seu conjunto. E se a máquina
vI~bIhza a mat~n.ahzação das funções intelectuais no processo produtivo,
a VIa para se ObjetIvar a generalização das funções intelectuais na sociedade
fo~ a ~sc.ola. ~is por que foi sob o impacto da revolução industrial que os 1
pnnCIpaIs palses se entregaram à tarefa de constituir os seus sistemas
nacionais de ensino, generalizando, assim, a escola básica. Dir·se-ia, pois.
II
que à Revolução Industrial correspondeu uma Revolução Educacional. , ,
Aquela colocou a máquina no centro do processo produtivo; esta erigiu a
escola em fanua principal e dominante de educação.
. . ~ universalização da escola primária promoveu a socialização dos
Indl vIduos nas fonuas de convivência próprias da sociedade moderna.
Familiarizando-os com os códigos formais integrantes do universo da
~ultura letrada, que é o mesmo da indústria moderna, capacitou-os a
Inte~r~r 0processo ~rodutivo. Assim, a introdução da maquinaria eliminou
a eXlgencla de qualIficação específica;mas impôs um patamar mínimo de Ib
qualificação. g~raI, equacionado no currículo da escola primária. Preenchi- I
do eS,se ~eqU1slto, os trabalhadores estavam em condições de conviver com
as maqUInas, operando-as sem maioras dificuldades. Mas, além do trabalho
de operar com as máquinas, era necessário também realizar atividades de
l
!
manuten~ão, reparos, ajustes, assim como o desenvolvimento e adaptação I
a nova~ c.Hcunstâncias. Subsistiram, assim, no interior da produção, tarefas
que eXigIam determinadas qualificações específicas, obtidas por um pre-
163
·paro intelectual também espe.cífi~o. Esse espaço foi ocu~ado pelos c~sos
profissionais organiz~dos no a~bIto das empresas ou d? sIstema.de enSinO,
tendo coma referênCia o padrao escolar, mas determmados dIretamente
pelas necessidades do processo produtivo. Portanto, sobre a base geral e
comum da escola primária, Q sistema de ensino se bifurcou entre as escolas
de formação geral e as escolas profissionais. Estas, por não estarem
diretamente ligadas à produção, tenderam a enfatizar as qualificações
gerais (intelectuais) em detrimento da qualificação específica, ao passo que
os cursos profissionalizantes, diretamente ligados à produção, enfatizaram
os aspectos operacionais vinculados ao exercício de tarefas específicas
(intelectuais e manuais) no processo produtivo considerado em sua parti-
cularidade.
Parece que é essa situação que vem sendo posta em xeque atualmente
no contexto da chamada introdução de novas tecnologias.
NOVAS TECNOLOGIAS E EDUCAÇÃO
Estamos vivendo aquilo que alguns chamam de Segunda Revolução
Industrial! ou Revolução da Informática ou Revolução da Automação. E
qual é a característica específica dessa nova situação? Penso que se antes,
como se descreveu, ocorreu a transferência de funções manuais para as
máquinas, o que hoje está ocorrendo é a transferência das próprias opera-
ções intelectuais para as máquinas. Por isso também se diz que estamos na
"era das máquinas inteligentes". Em conseqüência, também as qualifica-
ções intelectuais específicas tendem a desaparecer, o que traz como con-
trapartida a elevação do patamar de qualificação geral. Parece, pois, que
estamos atingindo o limiar da consumação do processo de constituição da
escola como forma principal, dominante e generalizada de educação. Se
assim é, a universalização de uma escola unitária que desenvolva ao
máximo as potencialidades dos indivíduos (formação omnilateral) condu-
zindo-os ao desabrochar pleno de suas faculdades espirituais-intelectuais,
estaria deixando o terreno da utopia e da mera aspiração ideológica, moral
ou romântica para se converter numa exigência posta pelo próprio desen-
volvimento do processo produtivo. Indícios dessa tendência estão apare-
cendo cada vez mais fortemente, como se vê pela universalização do ensino
médio, já real em vários países, e pela perspectiva de universalização do
ensino superior, assim como pela convicção crescente, inclusive entre os
empresários, de que o que importa, de fato, é uma formação geral sólida,
1. Outros autores preferem denom inar essa fase de Terceira Revolução Industrial. considerando
como Segunda Revolução Industrial O Proçe~lso que preparou e desembocou no taylorismo/fordismo.
164
a capacidade de manejar conceitos, o desenvolvimento do pensamento
abstrato.
Entretanto, o atingimento dessa meta enfrenta obstáculos postos pelas
relações sociais vigentes que, dificultando a generalização da produção
baseada na incorporação maciça das tecnologias avançadas, dificultam
também a universalização da referida escola unitária. Esta, com efeito, só
se viabilizará plenamente com a generalização do não-trabalho ou, para
usar um eufemismo, com a generalização do trabalho intelectual geral. Isto
porque, se as prQrjas funções intelectuais específicas também são transfe-
ridas para as máquinas, conclui-se que todo o trabalho passa a ser feito por
elas. O processo de produção se automatiza, vale dizer, se torna autônomo
auto-regulável, liberando o homem para a esfera do não-trabalho. Genera~
liza-se, assim, o direito ao lazer ou, como dizia Lafargue, o "direito à
preguiça", atingindo-se o "reino da liberdade" próprio da "sociedade
regulada" nas palavras de Gramsci.
Por certo que o trabalho, mesmo aí, continuará sendo uma prerrogativa
humana, conservando-se a sua definição geral corno atividade através da
qual O homem, guiado por deteffiÚnada finalidade, transforma um objeto
por meio de determinados instrumentos (K. Marx, O Capital, livro I, vaI.
I, Civ. Brasileira, 1968, p. 201-210).
As máquinas, corno extensão dos braços e agora também do cérebro
humano, não são mais do que instrumentos através dos quais o homem
realiza aquela atividade, ainda que se trate de instrumentos capazes de pôr
em movimento operações complexas, múltiplas, amplas e por tempo
prolongado. Portanto, o criador desse processo, aquele que o domina
plenamente e que o controla em última instância, continua sendo o homem.
Continua, pois, sendo um trabalhador. Seu trabalho consiste agora em
comandar e controlar todo o compleXco das suas próprias criaturas, man-
tendo-as ajustadas às suas necessidades e desenvolvendo·as na medida das
novas necessidades que forem se manifestando. Mas convenhamos que as
fronteiras entre esse tipo de trabalho e o lazer, entreesse tipo de atividade
e aquela própria do desfrute das artes e dos jogos desportivos se tomam
!
tênues, diversamente do que ocorria (e ainda ocorre) no !'reino da neces-
sidade".
Em suma, pode-se afimar que o trabalho foi, é e continuará sendo o
princípio educativo do sistema de ensino em seu conjunto. Determinou o
lI·
seu surgimento sobre a base da escola primária, o seu desenvolvimento e
diversificação e tende a determinar, nOCOntexto das tecnologias avançadas, ~
a sua unificação. f
I
A incorporação das novas tecnologias por empresas brasileiras nas
atuais circunstâncias, além de pôr em evidência o atraso em que nos II
r
165
I
lI.
 encontramos em matéria de educação, terá, espera-se, o papel de acentuar
o sentimento de urgência na realização da meta de universalizar a escola
básica a antiga escola primária com o seu currículo já clássico, como ponto
de par'tida para a construção de um sistema educacional unificado em
correspondência com as exigências da nova era em que estamos ingressan-
do. A sensibilidade nessa direção já começa a se manifestar msmo naquela
área mais recalcitrante da "Intelligentia" nacional representada pelo em- REFERÊNCIAS
presariado, como o ilustra o artigo do candidato da situação à presidência
da FIESP (cf. Folha de S. Paulo, 22/06/92, caderno I, p. 3). BIBLIOGRÁFICAS
Foi com base nessas coordenadas e tendo presente a perspectiva
indicada que se procurou introduzir no texto da nova L.D.B. o dispositivo
relativo ao sistema nacional de educação. Tal idéia vem enfrentando,
porém, resistências acirradas, oriundas dos setores conservadores vincula-
dos ao atual governo federal que ironicamente se apresentam como os
paladinos da modernidade. Este parece ser, no entanto, o grande desafio
interposto à educação pela introdução de novas tecnologias em empresas
brasileiras. Com efeito, como vem sendo reconhecido cada vez mais
amplamente, sem um sistema educacional consolidado sobre a base de uma
escola elementar comum universalizada, não será possível modernizar o Este texto foi elaborado como uma síntese pessoal, a partir de um
parque produtivo nacional. Se esse desafio permanecer sem resposta, as conjunto amplo de estudos. Segue, abaixo, a lista das obras que foram
I' metas proclamadas de modernização tecnológica, incremento da produti- levadas em conta de forma mais direta na exposição do tema:
'I
I vidade e ingresso no Primeiro Mundo não passarão de promessas blandi- FRlGOrrO, G. A produtividade da escola improdutiva. São Paulo: Cor-
i
.1
ciosas. tez, 1984.
i ILLICH, l. Sociedade sem escolas. Petrópolis: Vozes, 1973.

!if' LOCKE, J. Segundo Tratado sobre o Governo. In: OS PENSADORES:

Locke. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
, MANACORDA, M.A. História da educação. São Paulo: Cortez, 1989.
MANDEVILLE, B. Historia de las abejas. México: Fondo de Cultura
Econ6mica.
MARX, K. O Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
- Fonnações econômicas pré-capitalistas. Rio de Janeiro: paz e Terra,
1975.
OLIVEIRA, M.a.L. Escolaridade e processo de trabalho: o impacto das
inovações tecnológicas na qualificação do trabalhador da indústria
mecânica. São Paulo, 1991. Tese (doutor.) - PUC-SP.
PINTO, A.M.R. O mundo capitalista e as transformações do fordismo: a
reabilitação da escola clássica na era das máquinas inteligentes. São
Paulo, 1991. Tese (doutor.) - PUC-SP.
PONCE, A. A Educação e luta de classes. São Paulo: Cortez, 1985.

166 167
.1
;1
I
ROUSSEAU, J.l. Du Contrat social. Paris: Aubier Montaigne, 1976.
SALM, C. Escola e trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1980.
SCHUL1'2, T. O Capital humano. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
SMITH, A. Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das Nações.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1981, v. 2. A EDUCAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS

Lucl1ia Regina de Souza Machado *

INTRODUÇÃO

Os estudos sobre os impactos sociais das atuais inovações tecnológicas,

organizacionais e gerenciais, introduzidas nos processos de trabalho, sobre
o perfil da força laboral, partem do pressuposto de que o trabalho linear,
i
segmentado, padronizado e repetitivo, característico do padrão tecnológico I
,

~
taylorista e fordista, tem sido substituído por uma nova modalidade mar-
cada pela integração e pela flexibilidade.
Por impactos sobre o perfil da força de trabalho, estamos considerando i
I:
o conjunto de transformações e ajustes que ocorrem no plano dos requeri- I

mentos culturais, educacionais, ideológicos, psicossociais etc., tendo em

vista atender à necessidade objetiva de correspondência entre as funções
laborais dos trabalhadores e o nível de desenvolvimento da base técnica
l
da produção social.
A qualidade do trabalho humano, manifestada nos objetivos alcança- . :1
, !
I ~i

dos e na fonna de consegui-los, depende da qualidade do trabalho vivo,

mas este é resultado de um conjunto de fatores relacionados ao nível e à I'
direção da organização da produção e do desenvolvimento tecnológico. I
I
Tais fatores envolvem aspectos econômicos, políticos, ideológicos e
culturais, tais C2!"IlO o grau médio de qualificação dos trabalhadores, o nível t
I
de progresso da ciência, o tipo de organização social, o volume e a eficácia I

dos meios de produção, as condições naturais etc.

Assim, quando ocorrem transformações nas funções dos trabalhado-
res, estas são acompanhadas por todo um conjunto de mudanças que
l
I!
incidem sobre as diferentes combinações sociais do processo de trabalho.
~
• Professora Adjunta e vice-<liretora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de I
Minas Gerais.

168 169

1. o DESENVOLVIMENTO DA BASE TÉCNICA DA
PRODUÇÃO SOCIAL
As necessidades da produção material estimulam o desenvolvimento
progressivo e inter-relacionado da ciência e da técnica, convertendo a
própria produção em um processo tecnológico. A atividade de conheci-
mento se faz presente na organização do processo de trabalho, mediando
as relações entre capital e trabalho. Este processo tem transformado a
ciência em força produtiva direta, não somente corno apoio ao processo de
reprodução ampliada e intensiva do capital, mas também como área
específica de investimento produtivo capitalista. Surgem, então, empresas
voltadas exclusivamente para a produção de alta tecnologia e de novos
processos de produção.
Às atuais transformações no sistema de conhecimentos científicos
tem-se atribuído, graças à sua radicalidade, um caráter revolucionário. Esse
novo sistema de conhecimentos e essa transformação radical da técnica
decorrem de descobrimentos significativos em pelo menos cinco áreas: na
compreensão da estrutura atômica e molecular da matéria, pennitindo-se
a produção de novos materiais sintéticos; na química, com a obtenção de
substâncias com propriedades pré-definidas; no estudo dos fenômenos
elétricos que ocorrem nos corpos s6lidos e gases, ensejando o aparecimen-
to da ele~rôni~a; .no domínio do núcleo atômico, dando origem à exploração
da energia atolTIlca e no plano da matemática, abrindo amplas perspectivas
para a automatização.
A atual revolução científico-técnica manifesta-se no campo da micro-
eletrônica, com formidáveis resultados como a informática, as máquinas
numéricas e a robótica. Evidencia-se, também, no campo da microbiologia,
dando orig~m à nova pesquisa biotecnológica e no campo energético, com
a engenhana nuclear.
_ P~a a produção social, tais avanços constituem alavancas propulsoras,
pOIS lIbertam o homem de uma série de limites impostos pela natureza e
pelas suas próprias condições físicas. Tais possibilidades no entanto
permanecem, para a imensa maioria da humanidade urna m;ra promessa'
pois o capitalismo se vê impossibilitado de cumprir ~arefas sõciais corres~
p~ndentes ao avan~o técnico alc~nçado. Este desenvolvimento, por si só,
na? g,arante a geraçao de urna sociedade realmente emancipada da pobreza,
pOIS e modelado pelas relações de produção dominantes.
Sua utili~ação volta-se, sobretudo, para a intensificação do trabalho e
para urna maIOr concentração da riqueza.
170
c..
.'.;. .
ã !~
Na atual etapa monopolista de reestruturação industrial dos países
capitalistas mais avançados, a tecnologia tem se constituído no fator mais
importante deste processo, pois cria novas oportunidades de investimento.
A tecnologia, enquanto expressão teórico-prática da ciência, configura.
atualmente, uma agregação de interesses político-econômicos, um poder
social.
2. DESENVOLVIMENTO DA BASE TÉCNICA E MUDANÇAS
NA DIVISÃO DO TRABALHO
A desigualdade no plano da divisão internacional do trabalho acentua-
se com o desenvolvimento da crise geral do capitalismo e com a forma,
por saltos, com a qual se processa o desenvolvimento dos países imperia-
listas. Estes saltos decorrem do brusco processo de concentração e centra-
lização do capital graças às conquistas das ciências e das técnicas,
apropriadas pelo capital monopolista.
J
Nas matrizes das empresas multinacionais são desenvolvidas as ativi- I
dades dc pesquisa e desenvolvimento, concentrando-se lá os recursos i
materiais, técnicos e financeiros. Às filiais cabe somente fazer a adaptação
dos produtos e processos às condições locais.
Vantagens competitivas apresentadas, até então, pelos países periféri- t
cos como mão-de-obra e matérias-primas abundantes e baratas deixam de
I
ter importância significativa para o atual padrão tecnológico.
O desenvolvimento do progresso técnico nos países capitalistas avan-
çados não é, todavia, linear. Ele ocorre de forma contraditória, corno
conseqüência da tendência ao estancamento na atual fase parasitária do
.1
Il
capitalismo monopolista.
Nesta fase, a tendência é da predominância dos interesses rentistas, de I
I'
setores que crescem às custas de inversões especulativas. O progresso I
técnico pode ser também deslocado para gastos improdutivos, tais como I:
fins militares e até mesmo ser refreado se for de interesse dos grupos
I
monopolistas.
I
A mudança de padrões tecnológicos provoca saltos qualitativos no
avanço do capitalismo. Trata-se, no entanto, de um processo restritivo,
heterogêneo e não coetâneo, na medida em que está intimamente ligado à
dinâmica da concorrência intercapitalista e aos períodos de acentuada crise f
e estagnação econômica. b
f
Mesmo dentro de uma mesma empresa, é possível encontrar um
sistema de produção dual, coexistindo diferentes opções tecnológicas
tendo, de um lado, um grupo de trabalhadores atuando segundo a organi-
171
1
!I.

i.ação fordista e. de outro, outro grupo operando sistemas flexíveis. São
.ógicas organizacionais diferenciadas, que necessariamente não se opõem,
porque sua combinação atende a uma lógica comum e superior, à lógica
da acumulação.
Os incentivos em direção às novas tecnologias são estimulados pela
busca de antídotos à tendência de queda da taxa de lucros e dão origem a
uma nova política de produção.
Esta política, que tem sua origem na necessidade de reordenamento do
processo de acumulação capitalista. sai do âmbito fabril para outras esferas
da sociedade - especialmente o Estado - responsáveis pelos fatores da
produção, tais como a reprodução da força de trabalho e o aperfeiçoamento
dos meios de produção (objetos e meios de trabalho). Com isso, surgem
novas demandas para as políticas de educaçãO, saúde, ciéncia e tecnologia,
industrial etc.
Do ponto de vista da divi são social do trabalho por setores da produção,
ou seja, da divisão geral, tem se verificado uma diluição das diferenças
específicas que os caracterizam, com o emprego generalizado das novas
tecnologias. O novo padrão tecnológico traz a necessidade de adoção de
linguagens, instrumentos e estilos organizacionais relativamente comuns
por todos os setores que o incorporam. Considerando-se a participação
percentual dos setores no volume das ofertas de emprego,verifica~se que
a adoção das novas tecnologias tem implicado em significativo crescimen-
to do setor terciário em detrimento dos demais. Nesta direção, de crescí-
menta do setor terciário, é importante destacar as conseqüências sobre a
divisão singular do trabalho, aquela que ocorre dentro da empresa, com a
expansão das atividades de escritório no interior das fábricas. Assim, o
impacto das inovações tecnológicas sobre o modo de produção incide tanto
nas relações de troca, atingindo os setores da economia, quanto -nas
relações de produção stricto sensu, nas formas de cooperação e de incor-
poração ao trabalho, nas características e maneiras de combinar os elemen-
tos do processo de trabalho (a atividade humana, a matéria a que se aplica
o trabalho e os meios e instrumentos utilizados).
3. DESENVOLVIMENTO DA BASE TÉCNICA E MUDANÇAS
NO PROCESSO DE TRABALHO
O desenvolvimento das forças produtivas· se expressa na produção de
novos conhecimentos, no aperfeiçoamento da experiência produtiva e dos
hábitos de trabalho. Isto significa desenvolvimento do instrumental, mo-
dificações no processo de trabalho, utilização de alternativas energéticas
mais racionais e investimento na formação científico-técnica dos trabalha-
172
dores, de forma a potenciar os recursos naturais, culturais e humanos
disponíveis. Temos, assim, de um lado, meios de trabalho e objetos de
trabalho, que sob o domínio da propriedade privada capitalista atuam como
capital. De outro, força de trabalho ou capacidade humana de transforma-
ção e de realização de trabalho útil, cuja venda ao capitalista toma o
trabalhador alienado das suas condições de produção e realização.
Os instrumentos de trabalho, parte integrante dos meios, constituem a
espinha dorsal de toda produção e crescem em im~ortância c?m a atual
revolução científico-técnica. Os avanços nos conheclmentos, tais como os
que permitem a alteração da estrutura atô~ca e molecular das substância~,
têm incrementado também o papel dos objetos de trabalho, com a substl-
tuição de materiais naturais por outro.s produzidos ar:ificialmente, a exem-
plo do uso alternativo das fibras ótlcas. com relaçao ao ~obre. Surgem,
assim. novos campos de trabalho relaCIOnados ao aperfelç?amento dos
meios de produção, tanto no desenvolvi~e~to d~ novos I~strumen~os
quanto no tratamento preliminar dos materIaIS, sejam natur31S ou artifi-
ciais, que serão submetidos· à ação humana.
Para o capital é de crucial importância o aperfeiçoamen.to do.s mei?s
de produção, pois embora estes não sejam capazes d~ prodUZir ~a.:s-vaha,
característica específica da força de trabalho, constituem condIçao desta
produção, ao incidir sobre o aumento. da produtiv~dade. Com as ~o:as
tecnologias, aumenta a relação entre melOS de produçao (trabalho preteTl:o)
e número de trabalhadores (trabalho vivo) empregados na produçao,
alterando-se a composição técnica do capital e a relação entre capital
constante (destinado à compra dos meios de produção) e capital variável
(destinado à compra da força de trabalho).
As políticas voltadas para o aperfeiçoamento do~ meios d~ p~odução
visam buscar alternativas para a perda das suas propnedades tecmco-pro-
dutivas e de seu valor de uso, provocada pelo seu desgaste físico e sua
desatualização. Os novos instrumentos se caract~rizam p~la flexibilid~de
e capacidade de múltiplas combinações, dando ongem a dlfere?tes opçoes
integradas e passam a responder por funções novas como momtoramento,
controle e operações lógicas.
Se a mecanização da produção represento~, no pas.sad,o~ a subs~it~ição
do trabalho manual pelas máquinas, pela adoça0 do prInCIpIO ~ec~mco. o
novo princípio de base microeletrônica e calcado na aut.omatIzaç~o., vem
trazer possibilidades absolutamente novas para a técmca maqUlnIzada.
Dispositivos automáticos, sob a direção, o~servação, ac~mpanhamento e
ajustes de operadores, orientados por préVia progra~açao, passam.a co- ~
mandar e controlar as funções das máquinas. Um conjunto de procedImen- II
173 I
I'J
11.

u..s e meios técnicos volta-se para uma maior eficácia na obtenção, fixação,
transmissão, armazenamento e processamento das informações.
Os novos instrumentos de trabalho caracterizam-se pela funcionalida-
de, pois compõem-se de pequenos blocos adaptáveis uns aos outros, que
se prestam à produção de um amplo espectro de valores de uso, materiais
e simbólicos, podendo atender imediatamente ao redesenho de produtos e
de processos. Todas estas características e a capacidade de retroalimenta-
ção compõem o que se chama de flexibilidade tecnológica, ajustada para
atender demandas diversificadas de produtos, sem riscos acentuados de
rápida obsolescência.
A organização do processo de trabalho, baseada na automação, resta-
belece, sob novas bases, princípios utilizados pela organização clássica
anterior, como a implementação do fluxo contínuo da produção, com a
introdução de uma racionalização sistêmica, e o fracionamento do traba-
lho, com a atribuição a grupos pequenos da responsabilidade por tarefas
específicas.
A fragmentação do trabalho taylorista-fordista levou ao máximo a
parcelização e a especialização como formas de intensificação do trabalho
na produção seriada. A gerência se reservava o monopólio do conhecimen-
to e toda a organização pressupunha um adestramento prático do trabalha-
dor nas tarefas mecânicas e padronizadas, de tal maneira que habilidade
tornou-se sinônimo de repetição rápida e com margem mínima de erros de
um pequeno número de gestos predeterminados e fixos.
O fordismo representa a adaptação do taylorismo à linha de montagem
e também está voltado para a produção estandardizada para o consumo de
massa, se possível a custos unitários sempre decrescentes. Enquanto eco-
nomia de escala, tira todo proveito da base eletromecânica para disciplinar
e intensificar o trabalho segundo um ritmo imposto mecanicamente. A
estrutura ocupacional apresenta-se polarizada, hierarquizada e rígida. Sal-
vo um pequeno grupo de trabalhadores qualificados, composto por técni-
cos, tais como ferramenteiros e da manutenção, a grande maioria não
requer atributos escolares e culturais de alguma relevância.
O modelo fordista mostra-se ainda presente e adequado a muitos
objetivos produtivos, principalmente nos processos de trabalho discretos,
mas tem sido ameaçado pelos seus próprios limites, manifestados pela
condenação dos trabalhadores à degradação e brutalização por ele impos-
tas, e pelas novas alternativas tecnológicas e organizacionais flexíveis e
integradas surgidas com a microeletrônica.
A quantidade e a qualidade dos meios de produção, as possibilidades
de aplicação das ciências na produção, associadas a formas de organização
174
r~-
social dos processos de trabalho, constituem fatores fundamentais que
interferem nO perfil de qualificação dos trabalhadores.
Os meios de produção, especialmente os meios de trabalho, contri-
buem decisivamente para demarcar e distinguir épocas históricas, pois são
indicadores do nível de desenvolvimento social alcançado e das potencia-
lidades oferecidas ao aperfeiçoamento individual e coletivo dos trabalha-
dores, enquanto mediadores das relações sociais de ~rod~ção. São fatores
da qualidade do trabalho e criam a base para a orgam~açao d? pr~cesso de
produção: as formas de cooperação, os padrões de.hl~rar~UlzaçaO e co~­
trole da força de trabalho, as possibilidades de soclahzaçao ~~s conheCI-
mentos, as oportunidades de desenvolvimento das hablhdades, de
interação e de exercício da autonomia.
A qualidade do trabalho não é, entretanto, uma decorrência nat~r~l do
aperfeiçoamento dos meios de produção. ~ão ~~is,decisivos os obJetIvos,
as intenções e as orientações de quem deCIde utilIza-los e segundo a forma
que deseja. O anestesiamento das capacidades dos tra~alhadores permane-
ce um recurso acionável a qualquer momento que os mteresses do lucro o
exigirem. No entanto, ficam como contraponto, a questi.onar as opç?es ,da
gestão, as necessidades objetiva.s da bas~ técnic~-rnaten.al. Um~ COIsa e o
padrão tecnológico; outra, o regime fabn~, que diZ respeito .a~ sIstema que
rege as relações de trabalho, tanto as téclllcas quanto as SOCIaIS, bem como
suas interdependências.
O taylorismo e o fordismo, intrinsecamente, aportaram organizações
de trabalho autoritárias. As inovações organizacionais subvertem este
modelo trazem formas mais participativas, integradas, grupais, descentra-
lizadas:autônomas, envolventes e flexíveis, maS não significam que sejam,
por isso, democráticas, ainda que constituam patamares superiores que
favorecem o aperfeiçoamento do trabalho humano.
Por pressão da concorrência emerge um novo tipo de gestão do
processo produti vo orientado por uma sistemática racionalização de custos
e de busca de maior produtividade. A capitalização decorrente da acumu-
I:
lação de mais-valia, resultado da aplicação do progresso técnico, cria, por I
sua vez, novas condições para a elevação da eficiência da produção, que i.
r
para o capitalista significa uma menor relação entre gastos efetuados e
resultados conseguidos.
As inovações tecnológicas, ao permitirem o crescimento da pro?utivi-
dade do trabalho, favorecem a redução dos gastos com os salános; ao
possibilttarem o uso mais intensivo das capacidades de prOdução,. levam à
diminuição dos gastos com amortização e ao elevarem a quahdade da
produção, contribuem para o aumento da eficiência do conjunto da produ-
ção sociaL
175
· Uma produção qualitativamente diferente e diferenciada, quase que
personalizada. voltada para pequenos segmentos do mercado e em peque-
nas quantidades vem substituindo a economia de escala com ênfase na
produção de massa e organizada em série. Numa conjuntura de prolongada
crise e de crescimento retardado. o que passa a contar não é tanto a
quantidade do que se produz, mas a possibilidade de se atender à contínua
mudança no produto e nos processos, um mercado minoritário e seletivo,
mesmo às custas de uma obsolescência precoce, artificial e rápida das
mercadorias.
A organização taylorista e fordista atendia às necessidades da econo-
mia de escala e da produção de massa. No atual processo de reconcentração
do capital, algumas empresas procuram sair da crise através da renovação
do capital fixo, propiciada pelo progresso técnico. A crise, por ser inerente
ao desenvolvimento da produção capitalista, não pode ser resolvida pela
via da inovação tecnológica e organizacional, apesar do momentâneo
alívio que esta propicia. A própria aceleração do progresso técnico acelera
também a obsolescência do capital fixo, tomando as crises mais freqüentes
e profundas. A base de tudo isso é a tendência decrescente da taxa de lucros,
resultado da incidência de fatores contraditórios como a elevação da
composição orgãnica do capital e a diminuição da sua rotação.
Em resposta a estes desafios, as empresas passam a buscar fonnas que
reduzam os custos de capital e as necessidades de capital circulante,
diminuindo, por exemplo, seus estoques; a encurtar, cada vez mais, os
tempos gastos com a fabricação e a comercialização; a procurar uma
melhor qualidade da produção; a se pautar pela flexibilidade de modo a
atender, ao mesmo tempo, mercados distintos e a montar uma organização
mais leve e ágil nas respostas às necessidades emergentes.
4. FORÇA DE TRABALHO E REPRODUÇÃO AMPLIADA E
INTENSIVA DO CAPITAL
As atuais transformações tecnológicas vêm incrementar enonnemente
a composição técnica do capital, com a redução relativa da força de
trabalho empregada. Trazem, no entanto, novos elementos à tendência
contraditória do desenvolvimento do capitalismo, pois se se exige elevação
dos gastos com capital constante, também se tomam mais elevadas as
despesas com o capital variável, haja vista a necessidade de utilização de
uma força de trabalho mais qualificada. Além disso, importantes alterações
ocorrem no âmbito do trabalhador coletivo, ou seja, na combinação social
das forças de trabalho individuais, com as mudanças no conteúdo do
176
trabalho e nas relações entre os membros das unidades produtivas, trazendo
novos contornos para a relação entre capital e trabalho.
O conjunto destas transfonnações representa um reordenamento do
processo social da produção, próprio da reprodução ampliada do capitalis-
mo, que lhe é inerente. Trata-se de urna reprodução ampliada intensiva,
pois se baseia na incorporação de recursos correspondentes a um nível
tecnológico superior, tendo em vista saltos qualitativos no crescimento da
produtividade.
Esse processo implica na reprodução não só dos meios de produção e
da força de trabalho, como também das relações de produção e das
contradições capitalistas. As transfonnações e os ajustes que se fazem
necessários nem sempre são possíveis. pois o caráter anárquico da produ-
ção capitalista impede a realização de um movimento proporcional das
partes, de forma a conferir harmonia ao todo.
A busca da reprodução ampliada e intensiva do capital pelo emprego
crescente das novas tecnologias e das novas formas de organização do
trabalho representa mais que a simples busca de mais-valia relativa,
resultado do incremento da produtividade social do trabalho. Trata-se da
tentativa de realização de uma mais-valia extraordinária, que tem como
fonte uma produtividade individual mais elevada, pennitida pelo emprego
de uma tecnologia superior, ainda não generalizada, cujo resultado é uma
significativa redução do valor unitário da mercadoria, comparativamente
ao valor social da mesma, ditado pelas condições sociais médias de
produção. Ao colocar as mercadorias no mercado pelo seu valor social, o
capitalista consegue aumentar sua margem de lucro, até que se generalizem
os avanços técnicos por ele utilizados. Com isso, a concorrência interca-
pitalista invade o terreno das investigações científicas e tecnológicas e as
submete à sua lógica e ao seu domínio.
Com relação à força de trabalho, surgem novas necessidades e desafios
pertinentes ao aperfeiçoamento profissional, ao domínio de novas especia-
lidades, à mudança nas atividades, à requalificação dos trabalhadores
dispensados e à redistribuição da força de trabalho pelos ramos e ati vidades
da economia. I
~
Verifica-se um movimento complexo, heterogêneo, não coetâneo e
difuso de qualificação e desqualificação da força de trabalho, com os
deslocamentos, substituições e absorções de segmentos laborais, a partir
de critérios emergentes e pouco explícitos de inclusão e exclusão, ditadas
pelas inovações tecnológicas e organizacionais.
Os efeitos das novas tecnologias sobre a superpopulação relativa, a
l
f
força de trabalho sobrante com relação à sua demanda por parte do capital,
177
I

são difíceis de separar porque o fenômeno do desemprego depende, em
larga medida, do ritmo dos investimentos.
Espera-se, no entanto, perda de postos de trabalho nos. setores e
empresas que não apresent~ compe~~vidade e im~actos negatIvos s?bre
ocupações rotineiras, manUaIS e repetitivas, transfendas para. as ~áqumas.
Perdem lugar operadores de máquinas-ferramentas convenCIOnaIS, o~rá­
rios-a!tífices, oficiais mecânicos, supervisores e trabalhadores manuais em
geral. Inauguram-se formas alternativas de contrata~ão de mão-de-obra
como subcontratações e encomendas de tarefas espeCIficas.
Os estudos têm indicado, entretanto, efeitos estimulantes em outras
áreas do mercado de trabalho, seguramente não compensadores em termos
numéricos, pois a nova tecnologia é capital-intensivo e a dinâmica d~ novOS
investimentos tem sido afetada pela profunda e prolongada cnse que
atravessa o sistema capitalista.
Os impactos positivos têm incidido sobre ocupações com nível. mais
elevado de qualificação, principalmente as voltadas para o desenvolVImen-
to de novos produtos e processos, a melhoria da qualidade e substituição
dos produtos existentes.
Ganham lugar também as atividades de escritório, inclusive n~ fá?rica,
que passa a apresentar um fluxo mais intenso entre trabalhadores mdlfe~os
e diretos, estes com tendência ao declínio. Crescem as atividades de servIço
em geral, apresentando novas modalidades como o "telework", tra~alho
em residência com comunicação instantânea com contratante, atraves de
equipamentos informáticos.
As contradições que surgem neste movimento de qualificação e des-
qualificação da força de trabalho são amplas e ?r~fund~s por~ue. as
substituições e ajustes nem sempre se revelam posslvels. EXistem lumtes
estruturais dados pela impossibilidade inerente ao capitalismo de compa-
tibilizar transformações na base técnica da produção com a criação de
condições sociais adequadas à formação do trabalhador, apesar das neces-
sidades objetivas do sistema produtivo.
Essa não-correspondência decorre da forma social do trabalho em
vigor neste sistema social, de seu caráter social, do tipo de vínculos e de
relações que são estabelecidos pelas pessoas, que fazem co~ que. os
resultados do trabalho, embora este tenha sua feição cada vez maIS socIal,
sejam apropriados de forma privada e cada vez mais monopolista.
Os produtos do trabalho humano, inclusive as conquistas científicas e
tecnológicas, tornam-se independentes de seus produtores, passam a ter
vida própria e a ser expressão do capital, proprietário dos meios que as
produziram.
178
Se estas relações sociais mostram-se passíveis de modificações a partir
de transformações nas forças produtivas, é necessário considerar tanto a
possibilida<!e de sua completa alteração, se não se revelâm capazes de
absorvê-Ias, como de adaptações que representem formas ativas de dire-
cionamento deste movimento de mudança tecnológica, sem que seja
necessária a alteração da base social que alicerça o regime vigente de
propriedade social.
São as relações de propriedade que definem a forma de relacionamento
dos trabalhadores com os meios de trabalho, na qual se fazem cada vez
mais presentes as inovações técnicas e organizacionais, pois são elas que
também definem a própria finalidade da produção social, a partir da lógica
da apropriação social.
Assim, o papel dos trabalhadores no processo da produção, a possibi-
lidade de desenvolvimento das suas forças físicas e espirituais e de apro-
veitamento do potencial criador inerente ao trabalho humano, neste
momento de importantes transfonnações tecnológicas, vêm recolocar a
necessidade de indagações sobre as implicações do sistema de relações
sociais sobre o modo de se produzir.
5. SISTEMOFATURA, RACIONALIZAÇÃO SISTÊMICA E
DEMANDAS DE QUALIFICAÇÃO
A nova forma de integração social no trabalho decorre de um tipo de
racionalização de caráter sistêmico, podendo-se dizer, mesmo, que se trata
de uma sistemofatura, por contraposição à maquinofatura, característica
do padrão tecnológico e organizacional anterior.
O núcleo central e irradiador da dinâmica deste sistema é o processa-
mento rápido, intenso e confiável da informação. O elemento integrador é
o próprio tempo exigido pelos equipamentos que processam as infonna-
çõcs, com a tendência de se definir o "tempo real" para todas as operações,
o que significa garantir imediata resposta às demandas apresentadas e
simultaneidade de condutas.
Para tal faz-se necessário um planejamento rígido e fonnalista, a partir
de regras prescritas com antecedência, tendo em vista atender fins prag-
máticos. Essa prescrição é feita a partir da apropriação de conhecimentos,
muitos deles produzidos pelos trabalhadores diretos, que são codificados
e congelados para serem utilizados sob a forma de programas.
A prescrição determina os meios considerados adequados à execução
do trabalho e tem forte componente intelectual, incluindo-se especifica-
ções quanto ao conteúdo da tarefa, a definição de responsabilidades, as
179
 regras e métodos, as condições ambientais, as habilidades requeridas, os
tempos etc.
Um trabalho orientado fortemente por instruções formalizadas não
favorece o desenvolvimento da imaginação e da criatividade dos trabalha-
dores e mais facilmente os conduz à monotonia e à desqualificação. No
caso da flexibilização tecnológica, entretanto, este resultado pode ser
relativizado com a reunificação do trabalho antes parcelado e diversifica-
do, no funcionamento de equipes, que se ocupam de um conjunto de
funç6es integradas.
A racionalização sistêmica introduzida pela nova organização do
trabalho diminui os espaços de liberdade que possam existir entre o
trabalho prescrito e o trabalho realmente executado, pois são reduzidos ao
máximo todos os componentes indetermináveis, sujeitos a julgamento e
enfatizados os passíveis de codificação, padronização e transferência.
A produção informaticamente programada não é muito permeável à
introdução de modificações no processo de trabalho pelos operadores, não
possibilita muitos espaços para a emergência de saberes originados do
trabalho. Por outro lado, a informática consegue dar conta de um número
maior de variáveis a serem controladas, tornando o planejamento mais
potente, enquanto instância prescritora. As possibilidades de prévia deter-
minação crescem com o recurso das novas tecnologias, embora se possa
dizer que nenhu!ll trabalho é totalmente prescritívcl.
A demanda de intervenção criadora dos novos operadores sai do
âmbito da mera execução e cresce em exigências nas tarefas de acompa-
nhamento e ajuste dos equipamentos, no caso de surgimento de imprevis-
tos. Mesmo com a forte presença do elemento da prescrição, o trabalho
tradicionalmente considerado como manual tem, portanto. seu componen-
te intelectual acrescido, ainda que submetido às lógicas formalistas dos
modelos. Surgem novos parâmetros a orientar o trabalho do operador:
observação de painéis, leitura de mostradores etc.
A mudança que ocorre no trabalho do operador é ampla e atinge seu
conteúdo, sua estrutura c seqüência, pois é a máquina que vai responder
por uma execução tradicionalmente conhecida como função dele. No
entanto, novos desafios se apresentam para as tarefas de preparação da
máquina, que passa a ser da responsabilidade do operador, em tennos de
conhecimentos e habilidades. Estes se referem aos testes e ajustes, à
necessidade de informar ao técnico-programador sobre os procedimentos
adotados e as dificuldades encontradas, à necessidade de fazer o acompa-
nhamento e o controle de qualidade etc.
180
I
~ operador tem ~dquirido um perfil amplo, ao integrar à operação as
funçoes de pr~p~açao, de ~o?"trole de qualidade e até de elaboração de
programas maIs SImples, eXlgmdo-se dele maior responsabilidade e com-
~~ência. Com isso, removem-se tempos mortos e alcança·se maior produ-
tIVIdade.
A programação é uma área em cres~imento dentro das empresas, que
vem renovando sua_base tecn~lóglca. Ex~ge conhecimento teórico e prático
e envo!ve elabor~~ao de proJetos, espeCIficação do processo de execução
(máquma a ser utilIzada, com que velocidade, seqüência etc.), transforma-
ção d? processo de execução em programa (adaptação à linguagem da
máquma), preparação do relatório, da fita e realização do teste, orientação
do operador no manejo do programa etc.
A atividade de manutenção vem exigindo, também, um perfil mais
amplo e qualificado do trabalhador, pois requer que este compreenda, para
poder exercer sua função, o processo que orientou a concepção do equipa-
mento, no qual intervêm "diversas áreas do conhecimento. Nem todos os
conteúdos são revelados pelo fabricante do equipamento ficando reserva-
dos à assistência técnica. Cabe ao técnico da empresa zelar pela manuten-
ção preventiva, pois, além do ônus desta assistência. os sistemas integrados
são duramente atingidos pelas interrupções no funcionamento dos equipa-
mentos.
Se considerarmos estas exigências do novo conteúdo do trabalho
v~rifica-~e que a organização flexível do trabalho toma-se necessária, poi~
a mteraçao que promove contribui para facilitar a comunicação entre os
trabalhadores e relativizar as defasagens entre o trabalho prescrito e o
trabalho real. Todavia, há que ressaltar o aumento das dificuldades de
comunicação entre os técnicos e operadores, nos novos sistemas integra-
dos, comparativamente às exigências do padrão anterior. Essas dificulda-
des demandam resolução, pois é contraproducente, neste novo modelo
uma grande distância entre a concepção e execução. '
. A inovação requer, para o seu próprio aprimoramento, a participação,
o mteresse e o envolvimento dos trabalhadores e se ela pressupõe flexibi-
lidade é preciso preparar todos para reagir às mudanças dc demanda do
mercado, dos produtos e dos processos.
O trabalhador necessita ser flexível, ou seja, saber lidar com uma l'
l
variedade de funções, saber integrar-se a diferentes formas de agregação
e mobilização de trabalhos.
Além disso, exige-se que seja mais responsável por estar lidando com
I
equipamentos sensíveis e de alto custo. Isto significa que deve observar
181
normas, realizar com exatidão o seu trabalho e ter consciência das conse-
qüências trazidas por seus atos.
Esses elementos mostram que o controle dos trabalhadores pelo capital
pede também novos parâmetros.
Este controle é dado, antes de tudo, pelo próprio caráter integrador das
novas tecnologias e formas organizacionais, que tende a diminuir a parce-
larização do trabalho, com a perda de importância dos postos fixos de
trabalho e das tarefas parciais, a dispensar o supervisor e o capataz.
Além disso, são criados novos tipos de controle embutidos no próprio
equipamento e nas formas grupais asseguradoras de uma participação
regulada.
A existência de grupos de trabalho semi-autônomos indica aparente-
mente um modelo de organização descentralizado, onde seja possível
exercer a liberdade de planejar, a capacidade de decidir e de organizar o
próprio trabalho. No entanto, há um tempo infonnático que integra o que
parece estar disperso. Além disso, o forte apelo à lealdade à empresa cuida
de assegurar o mesmo espírito integrador e de restauração da centralização.
Se, de um lado, t necessário ter abertura, criatividade, motivação,
iniciativa, curiosidade, vontade de aprender e de buscar soluções, de outro,
deve-se demonstrar cooperação, responsabilidade, organização, equilí-
brio, disciplina, concentração e assiduidade.
Essa forma grupal de organização constitui uma novidade capaz de
introduzir ganhos significativos em termos de produtividade com a com-
binação de capacidades humanas, antes degradadas pelo esquema tayloris-
ta-fordista. Ela modifica a estrutura hierárquica verticalista anterior e
confere espaços e oportunidades de manifestação, exercício e desenvolvi-
mento de competências, ao permitir maior integração vertical e horizontal
das informações.
O trabalho em equipe pode ser analisado, em termos de qualificação,
sob dois ângulos: seus resultados para o coletivo e para o indivíduo. Tanto
a qualificação coletiva quanto a individual podem ser vistas como pressu-
posto e resultado de uma e da outra. No entanto, assim como o todo é maior
que a soma das partes, cada parte não guarda correspondência biunívoca
com o todo. É necessário analisar como essa nova divisão de trabalho se
estabelece tanto entre como intra-equipes.
Assim, um enriquecimento intelectual de uma equipe não significa
necessariamente enriquecimento intelectual de todas as equipes ou de
todos os indivíduos que as compõem. A própria atividade em grupo pode
também ajudar a dissimular as diferenças normalmente existentes entre
182
qualificação formal, a requerida pela empresa, e a real, a efetivamente
apresentada pelo trabalhador no desempenho de suas funções.
~ -matéria-pr~ma fur:damen~al é a informação e ganha mais em quali ~
ficaçao quem estiver mais prÓXImo e souber dominar o circuito completo
de seu processamento, o que demanda fundamentos teóricos do conheci-
mento formal, habilidades que permitam uma interação inteligente com os
equipamentos e visão ampla e profunda do processo produtivo como um
todo.
O novo conteúdo do trabalho exige um menor recurso às atividades
sensório-concretas, à força física e aos atributos musculares. Demanda,
também, um menor contato com o objeto a ser transformado, diminuindo
o peso das atividades diretas na produção, tomando o trabalho mais
desmaterializado.
Requer, porém, um maior recurso à atividade de abstração, à capaci-
dade analítica, necessárias para lidar com operações que levem à transfor-
~~ção d,~ símbol~s em ações de máquinas. É preciso interagir com o ,
_cerebro dos equlp!1mentos e fazer com que ele leia e transforme cada I
Instrução em ações. E preciso saber decodificar as mensagens emitidas por
~
ele no acompanhamento e controle da execução e na avaliação do desem-
penho segundo padrões previamente estabelecidos.
l
Surgem, portanto, novas referências culturais com a necessidade do
domínio de códigos diferentes para leitura e interação com a realidade. O
novo universo simbólico tem sido introduzido e, às vezes, de forma
a~rupta, s~m prévia iniciação, no cotidiano das pessoas, isto é, em dimen-
soes da VIda para além das relações de trabalho, pois expressa um novo
modo de vida cultural e moral.
O conhecimento do significado dos símbolos, o domínio de diferentes
tipos de linguagem destinados a um consumo imediato e vulnerável à
rá?~da ~ubstitui~ão e o desenvolvimento de habilidades que pennita sua
utIllzaçao constituem desafios para a formação na perspectiva da nova
cultura tecnológica.
. Ver~fic~-se, com isso, a substituição da demanda de formação profis- I
SIOnal dIreCIOnada para o aprender a fazer por outra formação que permita
o aprender a aprender. Trata-se de uma nova maneira de trabalhar a
informação, de uma nova matriz a orientar os critérios de eficiência e
l
I
competência, portanto, a própria política de qualificações. i
Em termos de habilidades, o que se requer é saber identificar tendên-
cias, limites, problemas, soluções e condições existentes; associar, discer- r
I
nir, analisar e julgar dados e informações, usando um raciocínio ágil,
abstrato e lógico; saber lidar com situações diferenciadas, aproveitando lI
I
t83
I,
t
r
.l.
 conhecimentos extraídos e transferidos de outras experiências, demons-
trando predisposição para o trabalho grupal, dispondo de recursos de
comunicação oral, escrita, visual, de forma a se mostrar com condições de
mobilidade, flexibilidade e adaptação às mudanças. Tais habilidades são
consideradas importantes para que o trabalhador tenha condições de trei-
nabilidade e saiba continuar aprendendo com autonomia.
Componentes integrantes do padrão tecnológico-cultural anterior não
são necessariamente eliminados. Com alguns isso pode realmente aconte-
cer, mas o que efetivamente ocorre é a implantação de uma nova 16gica
sistêmica, que leva à redefinição da agregação das informações, o que
pressupõe a criação de componentes culturais específicos às novas neces-
'ii
; sidades: domínio de funções conexas, de linguagens diferenciadas, de
.) símbolos verbais e numéricos, de modelos etc.
As infonnações correspondem a todos os dados da realidade que
nossos sentidos possam captar. Esta captação depende basicamente das
possibilidades oferecidas pelo contexto social para o desenvolvimento de
nossas condições físicas e mentais, imprescindíveis ao pleno uso dos
sentidos. Faz parte destas possibilidades a disponibilidade de instrumentos
e mecanismos, em quantidade e qualidade suficientes, que potenciem o uso
dos sentidos pelos sujeitos para uma mais completa percepção dos objetos.
É necessário, portanto, analisar se os recursos apartados pelas novas
tecnologias para captar, tratar, organizar, sistematizar, conservar e trans-
mitir as infonnações, estão realmente potenciando os sentidos dos seus
usuários.
As análises têm chamado á atenção para as enormes vantagens com-
í.'; parativas das novas tecnologias em relação aos recursos do passado, para
I;,,'
1"1 o processamento das informações. Falta, entretanto, esforço similãr para
analisar as implicações, em termos qualitativos, do uso dos novos instru-
mentos para o desenvolvimento dos indivíduos, considerando-se a integra-
lidade do ser humano e o pressuposto de que a formação humana
transcende a racionalidade técnico-instrumental. Além disso, uma maior
qualidade dos instrumentos c uma maior qualificação das funções não
significa, necessariamente, maior qualificação do indivíduo.
A integração multilateral das informações e a natureza das descobertas
científicas têm trazido conseqüências para a organização das ciências,
provocando o rompimento das fronteiras que delimitam tradicionalmente
as áreas do conhecimento. Essa tradição representada pelo modelo formal
positivista, baseado no princípio da coordenação, não possibilita captar as
conexões genéticas que engendram as diversas formas de movimento da
matéria, objeto sobre o qual se debruçaram as ciências intermediárias, tais
como a bioquímica, a geofísica etc., que cuidam destas transições. Exem-
t84
pIos desta rearticulação no campo da organização das ciências, que leva à
criação de novas áreas e à redefinição de anteriores, constituem as propos-
tas inovadoras de cursos de graduação introduzidas pela Universidade de
São Paulo: Ciências Moleculares e Mecatrônica.
Essas propostas voltam-se contra a concepção analítica, originada no
século passado, a partir do modelo comteano e confrrmam a tendência
sintética do desenvolvimento científico contemporâneo. Para dar resposta
às novas necessidades, será necessário, entretanto, ir além da mera inter-
disciplinaridade. I
* * *
A sistemofatura refere-se, portanto, a uma nova e ampla fonna de
aglutinar e trabalhar com as informações, num mundo onde o poder que o
acesso às mesmas confere tem se transformado numa questão estratégica
nas relações entre indivíduos, grupos, classes, regiões e nações.
O papel das informações, na atualidade, tem se tornado cada vez mais
importante. Todas as atividades humanas necessitam se apoiar numa base
de informações confiável e, se possível, cada vez mais completa e são
afetadas quando essa base passa a ser objeto de disputa e elemento para a
reprodução das desigualdades sociais. A disponibilidade destes recursos
deve integrar a pauta de reivindicações por uma sociedade mais justa e
igualitária.
Não se trata, entretanto, de desenvolver apenas a capacidade de usar
as informações e de com elas produzir melhor. Neste nível, as conquistas
são necessárias, porém insuficientes. Não basta saber aplicar conhecimen-
tos, dominar praticamente procedimentos, empregar habilidades específi-
cas e instrumentais, encontrar soluções tecnológicas disponíveis para
objetivos determinados etc.
Este patamar de relacionamento com as novas tecnologias, embora
elementar, exige posse de educação básica e treinamentos específicos e
práticos. A preparação informal tem cedido lugar a atividades mais siste-
máticas de formação. Os cursos, apesar de curta duração e voltados para
conteúdos bem definidos, tendem a exigir níveis mais aprofundados de
formação geral.
Trata-se de desenvolver a capacidade de inovar, de produzir novos
conhecimentos e soluções tecnológicas adequadas às necessidades sociais,
o que exige muito mais do sistema educacional.
l
I
Exige o desenvolvimento de habilidades intelectuais gerais e funda-
mentais ao emprego de estruturas lógicas inerentes a métodos e teorias.
Requer o domínio prático de procedimentos que permitam, além do uso, a f
produção de instrumentos necessários à realização de fins previamente
t85
 definidos, segundo as cadeias causais objetivas, das quais é expressão o
conhecimento científico.
A capacidade de inovar sintetiza competências adquiridas pelo domí-
nio de conhecimentos e habilidades científico-técnicas, sociais e metodo-
lógicas, dentro de um sistema de relações sociais e técnicas, que favoreça
o despertar da consciência e dos valores emancipadores do ser humano,
tais como autonomia e liberdade. REFERÊNCIAS
Pressupõe domínio da técnica com cultura científica e discernimento BIBLIOGRÁFICAS
político, que resultem num saber gestionário, numa nova capacidade de
intervenção nas atuais fonnas organizat6rias do trabalho humano. Trata-se
da elevação da técnica-trabalho à técnica-ciência e do desenvolvimento da
capacidade de organização e construção. Este discernimento refere-se ao
desenvolvimento da consciência, conhecimento do mundo pelo homem e
dele mesmo no mundo.
° princípio educativo fundado na tradição greco-romana, baseado no
humanismo clássico, na cultura geral indiferenciada, tal como mostrou
Gramsci, mostra-se desatualizado. As novas relações entre trabalho inte-
lectual e trabalho industrial colocariam, segundo ele, tanto para a escola ALB UQUERQUE, E. A Foice e o robô: as inovações tecnológicas e a luta
como para a vida social em geral, a necessidade de um outro princípio operária. São Paulo: Artes Gráficas, 1990,338 p.
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ANÁLISE & CONJUNTURA. Seminário Microeletrônica e Sociedade:
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e a social-estatal. Pelas características politécnicas, que assume na atuali-
BURAWOY, M. A Transfonnação dos regimes fabris no capitalismo
dade, com as transfonnações tecnológicas, pede uma fonnação correspon-
avançado. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 13, 1990.
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Orientada pelo princípio da relação entre ciência e aplicação tecnoló-
calificaci6n ocupacional: implicaciones para la fonnación profesionaI.
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Revista Latinoamericana de Estudios Educativos, México, v. 12, n. 2,
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A politecnia pressupõe s6lída formação básica que contribua para
~ Efectos de la inovación tecnológica sobre el empleo y Ia calificaci6n.
superar a dualidade tradicionalmente existente entre fonnação técnica e
Revista Latinoamericana de Estudios Educativos, México, v. 15, n. I,
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188
A EDUCAÇÃO E A FORMAÇÃO PROFISSIONAL
NA ENCRUZILHADA DAS VELHAS E NOVAS
TECNOLOGIAS
Marisa de Assis *
A discussão sobre as relações entre educação e novas tecnologias (NTs)
está longe de ser encerrada. Isso em grande parte se deve ao fato de que ,
t '
ainda vivemos uma fase de transição para as novas tecnologias, em que a
indústria não concluiu o processo de abandono de paradigmas tradicionais
e de ruptura com sua base técnica precede~t~\de t~Lso~e que não se
vislumbram com clareza quais são os efeitos dessamüdânça.
Efetivamente, até há pouco tempo, a indústria estavaassentada em uma
base técnica eletromecânica e os princípios[ tayloristas e fordista~ orienta-
vam a organização do processo produtivo, cuja tônica era a divisão do
trabalho e a especialização funcional. Recentemente, àelétrônlca-e'l11aIs
prêl:Ísatneil1eairlicroeleüônlca'[oram invadindo as plantas fabris e cau-
sando alterações profundas no processo de produção, de tal sorte qlle ,hoje
se reconhece que <UruIústria ~y.oluiu de~uma_Q.ase técnica eletrom&:ânica
para uma base micr(J_el~trQnica. Essa nova ba5eTécrucapropiciou, entre
outtos;6-apaiêdmento do fenômenoda automação. A par disso, novas
* Chefe da Divisão de Pesquisa, Planejamento e Avalia.ão do Depto. Regional do SENAI em
São Paulo.
I. De falo, estudos realizados mostram que, embora as inova.iles já estejam presentes em parte
do parque industrial. elu não atingem igualmenle todo o setor; na verdade, O que se observa. pelo
menos no Brasil, é um ainda reduzido grau de abs-orçio dessas tecnologias tanto intra como interem-
presas. Nos vários ramos industriais, é pequeno o número de estabelecimentos que contam com NTs
e, além disso. quando elas existem, convivem com a maquinaria tradicional que constitui a maior pane
do parque de máquinas (cf. ASSIS, 1988). Na Região Metropolitana de Slo Paulo, por exemplo, não
mais que 6%, 18% e 45% dos estabelecimento. industriais, respectivamente, pequenos, médios e
grandes possuem alguma informatização nos seus selores de produçilo; 4%, 10% e 36%, respectiva-
mente. nos seus selores de feaamentaria; as áreas de manutenção foram atingidas pela informatização
apenas nas empresas médias e grandes, nas proporções de 3% e 30%; os setores mais informatizados,
em qualquer dimensão, sio os de administração, "marketing·' e vendas~ planejamenlo e suprimentos
(sobre O assunto ver LIMA, 1991). Igualmente, a difusão das.novas teenologias de organização é ainda
limitada, pois encoctra algumas bane.iras de natureza "cultural'" que contribuem para impedir que das
sejam aplicadas de forma mais integral e sem desfigurações muito gmves, no contexto das empresas
(CARVALHO e SCHMITZ, 1990; ASSIS E ARRUDA, 1990).
189
[.

técnicas organizacionais desenvo.lve;a:n-se e dirundiram-s~, favorecendo,
em boa parte, a superaçãodos !?nnClplOs taylonstas e t:.o~cli~tas.
Nesse quadro erri"q~e-as mudanças ~i~da estão ocorrendo, muitas vezes
em ritmo acelerado, os estudiosos - embora reconhecendo a existência de
reflexos das inovações tecnológicas sobre o fator trabalho - estão longe
de chegar a um consenso quanto à direção das modificações daí resultantes.
O dissenso passa por temas os mais diversos como o nível de emprego, o
nível de qualificação do trabalho, o grau e ritmo de difusão dessas inova-
, ções e a importância relativa das diferentes categorias ocupacionais no
li'
i' futuro.
Assim, por exemplo, no capít!lI..2.-do emprego, há os que acreditam que
no futuro haverá uma extensa e intensa redução do nível deste; outros
argumêritam-qüe aÍgumas categorias ocupacionais poderão tcr seus con-
tingentes ampliados~~if6-ruturo, não obstante a queda geral do nível de
emprego; para outros, a destruição de postos de trabalho em algumas áreas
será compensada pela criação de postos em outros setores.
As teses sobre a Cl!!ª1i!}çação dotrabalhQ t!lJ.l).b.ç~ se .colocam d,;ntro
~ de ampla gama de variaçª-o. P~1J!!~' ()ll,lt\lrQJ~!fá ~iu~ deiqua~i~~a­
ção; para outros, seráinevitáve! uma._p.Q!a.!i~ªção<!asqualificações,sur-
gindo um número restrito de postos de trabalho de alto nível de qualificação
e um grande número de outros mais desqualificados que os atuais; para
ciiliro grupo ainda, daqui para a frentêbaverá o aumento generalizado da
qu~lificação do trabalho (sobre o assunto ver PAIVA;1989):
Além do fato de que o processo de difusão de NTs está ainda em curso,
a variedade de pontos de vista sobre os resultados do seu uso é conseqüên-
cia, também, da observação de que os impactos das inovações não incidem
igualmente sobre todos os ramos/ocupações que as incorporam: em alguns
casos, elas causam a criação de ocupações novas, em outros· ainda a
recriação, a manutenção ou a destruição de ocupações preexistentes (AS-
SIS, 1988). Evidentemente, processos tão distintos como esses não podem
produzir efeitos iguais em termos de nível de emprego e de qualificação
do trabalho'.
Sem ignorar o quadro de debate ainda aberto sobre as relações entre
NTs e trabalho bem como o grau de risco envolvido na defesa de qualquer
2. o processo de recriação tem lugar quando o perfil das ocupações uadicionais se vê ampliado
Ou alargado por novos conhecimentos/habilidades na transição para as novas tecnologias. ao mesmo
tempo em que alguns conhecimentos e habilidades deixam de integd-lo. Não há uma ruprura entre as
"novas'· ocupações e as ocupações convencionais. Nesse sentido, a inovação técnica cria uma
qualificação adicional que pode ser construída a pattir de conhecimentos ..antigo..•• que passam a
constituir o ponto de partida da "nova" qualificação. Cumpre lembrar que o prOCeSSo de ''recriaçlio''
de ocupações implica - ao lado da incorporação - também a "subtração" deconhecimento<!habilidades
de um perfil prévio, É como se ocorresse um movimento compensatório, onde a cada parcela perdida.
outra fosse devolvida. na figura de conhecimenloslhabilídades não requeridos no sistema preceden-
-4
190
,ti.
das posições sobre a questão, os parágrafos que se seguem procuram
apresentar alguma evidência de que ~ novas_.te~_nol~gl!J.S - segundo o
sugerem alguns indicadores disponíveis - em várias oc~i.Q.e.§~êm-l>e fe.itÇ)
acompanhar de qualificação mais elevada da força de trabalho, o que traz ..
umaimpliêãÇão-óbvia para a educação e a fonnação profissionâl,que~~rão
obJigadas a se reposicionar no futuro, para que possam atender a demandas
mais complexas advindas do setor próâúllvo.
Á-ca'~~i~são de que asNTs promoveriam aqui denominad~~Q:_
cação mais et~v.a~a" da força de trabalho se baseia na análise de trêsdasses .\'
de indicadóres: os atributos e conhecimentos considerados essenciais ao <~
trabã.Íhador·que as irá operar; a demanda futura pelas diferentes categorias
profissionais que compõem a estrutura ocupaciomil das empresas; e o tipo
de profissional demandado pela "nova" indústria.
. As evidências mais recentemente levantadas em pesquisa 3 vão na
direção de mostrar que "as novas tecnologias se difundem graças ao
emprego de pessoal mais qualificado na fábrica" (IEIlUFRJ, 1989, p. 465)
e se sustentam graças a dados coletados junto a proprietários/altos dirigen-
tes de empresas já "experientes" no uso de NTs, que foram questionados
sobre suas expectativas quanto a variações no nível de qualificação das
diversas categorias profissionais (técnicos qualificados e semiqualifica-
dos), nos vários setores de trabalho (projeto, planejamento, produção,
controle de qualidade e manutenção), sob O impacto das NTs. Levantadas
as opiniões desses informantes mediante a aplicação de uma escala com-
te: há como que uma recomposição da unidade original. O processo de manutenção de ocupações se
dá quando a introduçlio das iilovações tecnol6gicas não produz alterações nos perus das ocupações
tradicionais, ou elas são tão pequenas. que o conleúdo das funções que as compõem l'antes'" c: '~depois"
são praticamente idênticos. Essas alterações núnimas tanto podem ser no sentido de alargar como de
reduzir um pouco o conteúdo dos pedis originais; também esses dois processos podem ocorrer
simultaneamente. reproduzindo-se em escala mais restrita o "movimento compensatório" já mencio-
nado no processo anterior. O que diferencia a "recriação" da "m.nutenção" de ocupações está
exatamente na magnitude das adições tlou subtrações do perfil original. Quando essa> parcelas são
llÚnimas, identifica-se um processo de "manutenção"; quando estas são mais expressivas. o que ocorre
é a "recriação"; O processo de criação de ocupações difere fundamen..lmenle dos anteriores uma vez
que a introdução das n(}vaS tecnologias determina mudanças de tal ordem nas formas de realização do
tr;balho~ que .provocam Uma ruptura com o sistema convencional, tornalldo-se inviáve1. nas: novas
funções. a utilização de conhecimentos e habilldades anteriores. Nesse caso há efetivamente o
aparecimento de uma ocupação "nova" rom conlelido próprio. o qual guarda pouca (ou nenhuma)
relação com Os perfis ocupacionais convencionais. Nessasituação~ não se trata de adaptar ou reconverter
conhecimentúslhabilidades do sistema convencional para o "novo'·, pois as funções emergentes
prescindem desles. O processo de destruição de ocupações se dá quando tarefas e operações presentes
na prOCeSSO produtivo precedente desaparecem com a disseminação da inovação tecoológica, ou estas
'l
funções são totalmente assumidas pelo equipamento. dispensando-se a presença de trabalhadores que I
as executem.
3. Referimo-nos aqui a estudo recentemente patrocinado pelo Departamento Nacional d(} SENAI \j
- executado pelo Instituto do: Ec(}nomia Industrial da l1nivo:rsidade Federal do Rio de Janeiro i
(IEI!UFRJ). Com Oobjetivo de delinear o cenário para a fonnação pmfissional no ano 2000 - que teve I
como informantes empresas Ifderes nos seus segment(}s de mercado e que já inicíatam o processo de
I
incorporação de inovações modernizaoles. Para O estudo foram entrevistadas 134 empresas.
191
posta de três pontos - aumento, es~abilidade e queda de nível de qualifica-
ção - os resultados foram os segumtes: '
Setores Técnico Qualifi<:ado Semiqualificado
ProjelO alimento estabilidade estabilidade
Planejamento aumento aumento estabilidade
Produção aumento aumento aumento
Cootrole de qualidade aumento aumenlO aumento
aumento aumenta
Manutenção estabilidade
Como regra geral, os informantes julgaram que o nível de qualificação
da mão-de-obra tenderá a ser maior com a introdução das inovações
modemizantes, não importando o setor de trabalho que as incorpore. Essa
t'novo e-íntegrando funções produtivas - pode~~r Qbsery~?O, por exemplo,
mesma expectativa se aplica à categoria de técnicos, sem exceção, e aos
profissionais qualificados (exclusive os que aluam em áreas de projeto,
cujo nível de qualificação deverá se manter estável, conforme opinião dos
entrevistados). Vale ressaltar que os informantes manifestam forte consen-
so quanto a essas expectativas, pois pelo menos 70% destes partilham delas
(apenas no caso dos qualificados da área de projelos a concordância não é
tão forte, visto que a opinião majoritária é partilhada por apenas 54% do
grupo). Quanto à mão-de-obra semiqualificada, o impacto das novas
tecnologias parece ser ainda'uma questão em aberto, visto que não só os
resultados esperados variam entre setores como obtêm baixo consenso,
uma vez que não chegam a concentrar porcentagens altas de respostas.-E~.
suma,pç.19 menosos.técnico~Le.os_qlJ.ªljflç-ª{)os_~e:~e:Iiíº aprese.n!.ar .quah-
fícação maior, seg!-'indo a..lêxpectativa dos informantes.
Esses resultados evidenciam que não deve ocorrer nem desqualifica-
ção, nem requal ificação generalizada da força de trabalho. Aparentemente,
as distintas categorias ocupacionais ampliarão seu nível de qualificação na
proporção direta do grau de qualificação hoje apresentado (o trabalho
técnico ampliará mais seu nível de qualificação que o trabalho qualificado
e este mais que o trabalho semiqualificado).
Essa perspectiva de aumento de qualificação da mão-de-obra não é de
todo inesperada, ao contrário, ela encontra justificativa na natureza das
mudanças que a indústria vem sofrendo na passagem para a nova base
técnica e para os novos processos de organização do trabalho, já referidos.
No sistema vigente até o surgimento das novas tecnologias, ass~ntado,,\,"
na intensa divisão do trabalho e especialização funcion,al e apoiadoem UIlla \
estrutura ocupacional poiiiriziida - em que a grande maioria dos tiãl:íãlha-
dores executava tarefas simples e rotineiras em um ritmo imposto pela
supervisão ou pelo equipamento e apenas uma proporção mínima se
responsabilizava pelo planejamento e transmissão de tarefas à mão-de-
192
obra ocupada - o baixo perfil educacional da força de trabalho e o ~rnQdesto
requisito de quaIlficação do cóletivo de trabalho (reqüeiiopÕrque restrito
a uma parédareduzida do p~ssoal) não chegaram a constr.!J1IEoo~Sláculo a,?~-
processode industrializaçãO . - -- -
ContudQ"quando a indústria passa a se confrontar com técnicas dife-
rentes'de organização QQ.tn!b"alho e de aut,?mação, istonãOémais possível:
"oresultado mais espetacular... é a valorização do trabalhãêlof direto.
Agoi-a:::aestrUtUra ocupacional passa a ser mais iritegradã-;""c-ómmaior
participação dos trabalhadores em decisões que,antes eram exclusivas da
gerência. Isto se deve não só às características técnicas do novo equipa-
mento, mas, principalmente, às n"ovas formas de organizar o trabalho"
(SALM e FOGAÇA, 1992, p. 6).
Esse (!!!plD_efeito.nas NTs - recriando ocupações que ganham conteúdo
I.
l,i I,
na ocupação de operador demªquina.~feiTarn~l!tacoméorri~n~hiiüifférico,\
que rnliitos-cõnsideram ter sofrido processo de desqualificaç~éi-tülJiassa­
I"'
'I
gero para as novas tecnologias, comparativamente à ocupação ex~rcida i
pé/o Pfl;>Í}ssi0rtalque trabalhava ~om máqui~as convencionais. Conforme·
constatQ4 LEITE, cotejaIl-~o 8;~ funções do trabálhadorque.!11ane)ava
miq~inas~ferrãmentas "anfes"'e "depois" do comando numérico, observa-
se que as tarefas de execução da peça realizadas poreste último reduzem-se
rriilíio,'pois a máquina praticamente faz o trabalho sozinha; em compensa-
çãO. as aÍlviªalfesde-pre,Paração do trabalho (incluindo preparação de
máquina, ferramental, teste do programa) tomam-se mais complexas,
exigindo_novas habilidªde.s/conhecimentos, além do que o "novo" opera-
doirealiza também o try-ou~ do programa e a inspeção/controle de quali-
dade da peça. Em complemêntação, passa a ser chamado a participar mais I
das tarefas de programação da máquina - estas de responsabilidade do ',('I
programador - pois com sua "prática" p9de perceber erros de programa e I
sugerir soluções, visto que, segundo empresas e empregados entrevistados, I
"nenhum programa sai perfeito" (LEItE, 1985, p. 59).
As evidências acima indicam que, de fato, do ·'.!.rªb~lhadordo futur~"
será exigido "maior nível de qualificação"; contudo, se deve convir que
esta condusãoéairida genérica e abstrata para emb?sar qualquer ação
fúfúra voltada para a preparação desse profissional. Afinal, oque significa
séi mais qualificado? '
'A"ffienci~nada pesquisa do IEIJUFRJ pode ajudar no aprofundamento
dessa questão. Ainda a partir da opinião dos infonnantes, o estudo mostrou
~
4. o Estado de São Paulo é um exemplo típico desse falo. O seu inegável "boom" industrial- pelo
I
I
menOs até os anos 80 - ocorreu na presença de baixo DÍvel educacional do pessoal ocupado. Dados da I
RAIS refereotes ao Estado de São Paulo moslram que 48% da mão-de-obra industrial havia condufdo.
00 máximo. as quatro séries do l' grau; 32% fi I' grau; 13% fi 2' grau e 7% o 3' grau (RAISIMTb-1987),
193
 ...'ue em um rol de 15 atributos de qualificação despontaram coroo os mais
r~levantes para o profissional do futuro os que se seguem, todos eles
apontados por mais de 213 dos entrevistados:
- raciocínio lógico;
_ habilidade para aprender novas qualificações;
- conhecimento técnico geral;
- responsabilidade com o processo de produção;
- iniciativa para resolução de problemas.
A simples enumeração dessas qualidades revela qu~ mudançaleCnQ~
lógica, _~_um certo sentido, subverteu a escala, de I1rioridades antigas,
e
cólocando no'-selltopoaptiâãen:ognitivas cQnht:çimeritos teóricos' àté
entãopoucoimpo.rtantés, e, conseqüeillêmtmte, relegandoa posiçãõsecun-
--aan;;habilidaaés manuais fundamentais para o trabalhador tr'adicional:
I trabalhadores nem consenso absoluto sobre os pontos de vista dominantes
coordenação motora e destreza manual; por exemplo, ,perdem status no
perfil de qualificações criado pelas NTs, caindo para as últimas posições
doranking de atributos (quando representavam as qualidades mais impor-
tantes no sistema convencional de trabalho).
Essa mud~llçªrªgJ~at na on:I~_naçªo dos atributos de qualificação não
tem apenas significado em si: ela também é importante porque determina
a valorização de um fator até então colocado à margem no processo de .
formação dos conhecimentoslhabilidades requeridos do trabalhador. Dito
de outra forma, os atributos mais valorizados - raciocínio, capacidade de
aprender, capacidade de resolução de problemas, capacidade de decisão -
são qualidades adquiridas através dos conteúdos gerais da educação básica.
Desse ponto de vista, a educação - reduzIda: áiJril papelmarginal na
preparação dos trabalhadores no paradigma anterior, visto que a grande
maioria da mão-de-obra se destinava à realização de tarefas atQmÍzadas;'
rotineiras e repetitivas - se vê resgatada, j~ que o novo padrãotecnológico
demanda olltrogênero de capaciaaâ~ éujo deseny.olvil1).~nto só pode ser
asseguradopo~_ela. "Os novos requisitos apontam numa direção que é
oposta ao conceito tradidonalde qualificação, mas que não é eSil"aMitab
sistema educacional. São requisitos novos em relação ao operariado, mas
são exatamente os mesmos que sempre foram persegl!idos na formação da
elite dirigente, de modo geral oriunda das UnIversidades e, portanto, das
escolas deerisino básicoacadêrnico ou propedêutico" (SALM e FOGAÇA,
op.Cit., p. 7-8).
Vale observar que pesquisas realizadas com enfoque diferente do
adotado no estudo do IEIlUFRJ - não mais expectativas dos empresários,
mas condições postas em prática nas áreas de recrutamento de pessoal em
empresas que possuem NTs - confirmam que esse repertório de atributos
"mentais" faz parte dos pré-requisitos de vários profissionais recrutados
194
para trabalhar com as novas tecnologias, em especial de trabalhadores
qualificados.E!'tu~q~<l.~ o SEN.~! reali~ou na indústria metalmecânica e
gráfica reiteràm ~. conclusã6 de que-a:agilrdade deracíõdrn(j~ vivacidade
mental:racilldade de aprendêr. capacidade de julgarrieiifo,iriiCiativa, cria-
tividade e discernimento, entre outros, são aptidões associadas-ã-várias
ocupações Vinculadas às NTs como operador, programaaôi~ J!iantenedor
de máquina~~erraJijehta~oiíl comandónumérico, operador de fotocótTIp()-
nedoraeoperador de scânner. Já no caso de trabalhadores semiqualifica-
dos, esses atributos "menfáis"são substituídos por atributCJ's "físicos",
como é o caso, por exemplo, de fiandeiros open-end e tecelões de tear sem
lançadeira, que precisam apresentar estatura, agilidade/rapidez, habilidade
manual, acuidade visual e capacidade tátil, o que é consistente com o fato
anteriormente mencionado de que, sobre essa categoria ocupacional, nem
há expectativas definidas de aumento futuro do nível de qualificação dos
sobre a questão.
Esses dados parecem configurar uma situação em que se demandam
das ocupações mais simples qualidades físicas e das demais, atributos
"mentais".
Voltando à análise do que significa "trabalho mais qualificado", tor-
na-se necessário considerar um outro componente da qualificação aponta-
da como necessária ao profissional que estará atuando no contexto das
novas tecnologias, isto é, os conhecimentos que a integram. A opinião de
empresários que já possuem experiência de utilização de NTs confirma a
conclusão de que o novo trabalhador não poderá ser preparado apenas para
o exercício de tarefas fragmentadas e repetitivas. No nível da atividade
concreta do trabalhador tomam-se prioritários no novo paradigma conhe-
cimentos sobre processo global de fabricação e gestão da produção, que se
configuram corno conhecimentos abrangentes e amplos do processo pro-
dutivo. A esses se juntam conhecimentos de eletrônica, informática e
estatística, pouco demandados no processo convencional.
Confirmando as mudanças no perfil de conhecimentos e atributos que
compõem a qualificação requerida pelas inovações tecnológicas, é impor-
tante ressaltar ainda que muitos deles, fundamentais no sistema conven-
cional ~ como destreza manual e coordenação motora, no primeiro caso, e
eletricidade e mecânica, no segundo - perdem status, sendo relegados às
últimas posições em um rol de vários títulos. t
I,
I
A hipótese de que a qualificação exigida pelas NTs tende a superar a J
demandada pelo sistema convencional encontra apoio ainda no fato de que
há expectativas de que categorias ocupacionais hoje pouco numerosas e
comparativamente mais qualificadas, situadas mais no topo da estrutura
ocupacional vigente (que se apresenta em forma de pirâmide), cresçam
195
;,'(ativamente mais no futuro que categorias ocupacionais de menor qua-
lificação. Esse é, por exemplo, o caso dos técnicos.
Uma tendência muito apontada em estudos internacionais é a de que
os técnicos/engenheiros - categorias próximas ao topo da qualificação -
deverão crescer tanto em tennas absolutos como em números relativos,
enquanto a maioria das demais categorias ocupacionais será reduzida (em
proporção e/ou em volume absoluto). . é também perceptível no Brasil.
O gráfico que se segue ~ apresentado em estudo da Comissão da
Comunidade Européia - retrata com clareza essa tendência, sugerindo
necessidade de revisão do papel da educação que prepara técnicos (2!!
grau), que provavelmente será chamada a ampliar em muito sua contribui-
ção para a formação do novo trabalhador.
º.
gráfiçQJugerecomclar.e_~~.ilue a de~_~~ia. de mão-de-~m
termos absolutos tenderá adiminuir. Além disso, fica evidenciado que as
catêgonas ocupacio'nilis situadas nos níveis mais elevados da pirâmide
ocupacional crescerão proporcionalmente (é o caso de gerentes, técni·
cos/engenheiros e pessoal de escritório/administrativo) e as mais próximas
à base (qualificados, semiqualificados e não qualificados) declinarão pro-
porcionalmente.
MUDANÇAS PREVISTAS NO VOLUME E ESTRUTURA OCUPA·
CIONAL DO EMPREGO NA INDÚSTRIA MANUFATUREIRA DO
REINO UNIDO
10%
.o+~'00%='-----_ Gelentes
~--Tecnicos
'- • c' .• ,.1- IlnclLíndo engen'1eiros)
41% -.....:.<.<2~ ;t, {f;i*=-~~- Pessoal de 8SCrifÓl'10
ou Oc1mlniSlrOtiVO
~ Qu:ltifJcadOS
.-l----~~~~ ~~~1_0_%llf=---~-- Sem 00 nãoqualilicodos
1980 1995
Fonte~ Commission af lhe Eumpean Communities (in association with the joumal FUTURES)~
Eurofutures - The challenges of innovation, The FAST Report (London Butterworths, \9&4), p. 100.
apud ALFfHAN. TorkeL Deve10ping skiils for technological cnange: some policy issues, in lotema·
tional Labour Review, vol. 124, n. 5. september-october, 1985. p. 517·529.
Cumpre registrar que os técnicos/engenheiros serão a categoria numç:
ricamente mais e~pressiva noSQr.jUllto. (l()Jgt4! d~ mão-de-9bra ºcupa,da
no ano limite da previsão, representando nada menos que 40% do total da
força de trabalhó industrial.
A tendência de ampliação da mão-de-obra técnica - categoria hoje
relativamente pouco expressiva - no conjunto da mão-de·obra industrial'
Recente pesquisa conduzida pelo SENAI de São Paulo sobre demanda
e perfil do Técnico em Informática Industrial, realizada em 1990, permite
analisar com clareza essa questão. O material coletado no bojo deste estudo
- constante, entre outros, de entrevistas diretamente realizadas com repre-
sentantes de empresas quejá possuem recursos de automação da manufa-
tura e de depoimentos registrados em bibliografia disponível sobre o
assunto -levou à conclusão de que, na perspectiva da classe empresarial,
o SENAI, na condição qe agência de formação para o trabalho, no futuro,
deverá cada vez mais ser chamado a dar sua contribuição para a solução
do problema da preparação da mão-de-obra técnica. ~rnUl1la macrovisâo
do mercado, de acordocom oe~presariado,aparceIa da força d_e~traoãlho
.que~ais' deveria'- receber á átenção das agências de fonnação profissional
seria. a'correspondente às categorias profissionái~ intennediárias da pirâ-
mide ocupacional, pois são elas as maisdiretarnente responsáveis pelos
"gargalos" que comprometem a produtividade (que deveria ser mais ele-
vada) e o custo dos produtos(que deveria ser mais baixo). O depoimento
abaixo é ilustrativo dessepo'sicionamento:
"...nossos operadores... não .são absolutamente os responsáveis pelo
nível de produtividade relativamente baixo e de qualidade ainda de
alto custo... descartando ou reduzindo a responsabilidade do opera-
dor... resta-nos a hipótese de responsabilizar a média e alta gerência,
os níveis administrativos e técnicos, o pessoal dedicado à gestão do
processo produtivo. São esses os níveis que mais precisam se aperfei-
çoar..." (DOMPIERI, 1989).
Essa perspectiva é reiterada pelo estudo realizado pelo lEI-UFRJ já
citado. Uma das questões propostas aos informantes dessa pesquisa dizia
respeito ao grau de importância atribuído a atividades que o SENAI deveria
desempenhar até o ano 2000. Foram relacionadas diversas ações (algumas
de caráter formativo e outras de apoio técnico às empresas) e os entrevis-
5. Segundo estudo realizado pelo SENAl·SP, em 1990, por inlennédio de sua Diretoria de
Pesquisas, Estudos e Avaliação (DPEA), em aproximadamente 650 estabelecimentos industriais da
Região Metropolitana de São Paulo, as ocupações té<'nicas concenlravam apenas 4% do pessoal
ocupado, contra 19% absorvidos pelas ocupações qualificadas, 44% pelas semiqualificadas e 67% pelas
demais calegorias ocupacionais (cf. LIMA. 1991).

196 197
I
;·
I
"
 :"dos indicaram a importância de cada uma delas a partir de uma escala de
4 pontos ("não importante", "pouco importante", "importante" e "muito
importante").
A apuração das respostas obtidas mostrou que, conforme os entrevis-
tados, em uma ordem de prioridade, as atividades formativas a serem
desempenhadas pelo SENAI na década de 90 seriam, em ordem decres-
cente de importância:
- formação profissional de 2Q grau (ensino técnico);
- treinamentos (cursos específicos de curta duração);
- formação de tecnólogos (3 Q grau);
~ formação profissional de 1Q grau.
A relevância da formação profissional técnica aqui indicada é consis-
tente com o fato de ter sido esta a categoria profissional para a qual foi
previsto não só o maior aumento do nível de emprego, em razão da difusão
das novas tecnologias, como também a maior elevação do nível de quali-
ficação, conforme já mencionado em parágrafos anteriores.
Finalmente, vale lembrar que a evolução das NTs, parece, criará
necessidades específicas em termos do tipo de profissional a ser chamado
a trabalhar com elas. Vai ser requerido um profissional mais eclético, ou
"muI tidiscípli nar".
.De.fato, emnível internacional, as inovações tecnológicas começaram
a atmgIr as empresas sob a forma de recursos tecnológicos isolados, isto
é, máquinas/equipamentos de base microeletrônica que podiam ser auto-
matizados e controlados individualmente, mas qué traba.lhav:úri'iildepen-
dentemente uns dos outros. Essa etapa do processo caracterizou-se pela
recorrência às máquinas-ferramenta de controle numérico, que automati-
zavam a usinagem de materiais, mas que não tinham capacidade de
trabalhar interligad'as entre si ou com outros tipos de recursos de automação
industrial.
. Mais recentemente, evoluiu-se desseconceito para o de automação
~ntegrada, que pressupõe a automação e 'éoiifrole, por-compütador, de
lfistalações complexas, compostas pelo encadeamento ordenado e orgáiü-
zadq de várias máquinas individuais: Issole"Vã;ao lâdõ'Qã iisiriãgem
automatizada da peça, à análise das funções técnicas complementares de
manejo, transporte, medição, controle de qualidade, lavagem, tratamento
térmico, estocagem e montagem (cf. MOURA, 1979, p. 60). A interligação
de todas essas seqüências cria "fluxos contínuos" na produção de indústrias
de processos discretos.
198
No Brasil "A automação industrial está entrando... em sua segunda
etapa: os grandes usuários que começaram a se automatizar na década de
70 já'têm um número razoável de máquinas automáticas e estão passando
a integrar essas máquinas para obtcr a automação global do processo de
fabricação" (INFORMÁTICA HOJE, 1989, p. 12).
Os indícios de que as empresas já se estão aventurando no campo da
integração de tecnologias isoladas são dados, por exemplo, pela dissemi·
nação de equipamentos CAD/CAM - independentemente de porte - que
constituem tecnologias nitidamente integradoras, pennitindo estabelecer
um fluxo único entre as áreas de projeto e de fabricação. Segundo dados
da SOBRACOM, em 1989, apenas a indústria nacional comercializou
quase 1.500 estações CAD/CAM(das quais 93% de pequeno porte, isto é,
estações e softwares baseados em microcomputadores e plataformas de 32
bites e 7% de grande porte, isto é, em main[rames). Além disso, os
equipamentos CAD/CAM, notadamente os de pequeno porte, foram os
recursos que mais tiveram sua comercialização aumentada entre 1986/89,
comparativamente a máquinas-ferramenta com comando numérico, con-
troladores lógicos programáveis e robôs/manipuladores.
Confonne recente_e_studo do SENAI, o perfil do profi_ssiomll a ser
chamado a atuar em empresas que já ingressaram - mesmo que parcial-
mente - no sistema de automação integrado deve contemplar um conteúdo
amplo que o capacite a trabalhái-em"qualquer ponto do sistema;':Opõí-itü'O .
dê Vista abaixo, emitido por um dos infonnantes da pesquisa, ilustra bem
a perspectiva acima mencionada:
"...estamos fazendo um esforço danado para montar umas áreas novas
onde a gente 'só tem jogador de vôlei', quer dizer, o indivíduo pode
até ser um bom 'cortador', ou bom na 'barreira', ou bom no 'saque',
mas ele vai jogar em todas as posições 90% do tempo ... então não
funciona ficar com alguns preciosismos de definição: esse aqui é um
operador CAD para projetos de arquitetura, este aqui é especialista em
CAD para projetos de placa eletrônica... Não é isso que a gente está
Vendo, nós estamos vendo 'um mOl1te de funções' que precisam ser
executadas" (ASSIS e ARRUDA, 1990, p. 80). .
Na mesma linha, um outro participante da pesquisa enfatizou a natu-
reza variada dos conhecimentos necessários ao profissional destinado ao
trabalho em sistemas integrados de automação: "para trabalhar... tem que
ter boa noção dos sistemas produtivos: corno estão estruturados, como
estão montados e como O FMS, o CIM etc. passam por problemas de
conectividade. Então, é por isso que o indivíduo precisa ser multidiscipli-
nar: realmente, ele tem que ter uma visão mecânica, tem que ter uma noção
199

eletrônica, de potência, de software e até de conexão de softwares..."
l",
(ASSIS e ARRUDA, 1990, p. 80).
O comentário, em tom jocoso, de outro informante do mesmo estudo
vem na mesma direção do anterior: "Se a gente buscar muito a especiali-
zação, uma vez que essas máquinas em si têm multifunções, há o risco, por
exemplo, de um fornecedor qualquer - quando o equipamento fornecido
'der pau' em qualquer lugar deste Brasil- ter que mandar um Boeing cheio
de técnicos para pegar da tomada até a ponta da ferramenta de uma
máquina" (ASSIS e ARRUDA, 1990, p. 150).
As observações acima indicam que o processo de automação na sua
fase "integrada" cria demanda por um profissional "multidisciplinar" ou
"multitarefa", com visão abrangente do seu campo de trabalho.
A existência dessa demanda é comprovada pelo fato de que - na
dificuldade de contarem com tio) profissional único que incorpore esse
conjunto de conhecimentos que são verdadeiros ecléticos - as empresas
vêm recorrendo à constituição de equipes de trabalho compostas por
diversos profissionais com formação/experiência variadas, cada um deles
apresentando parte desses conhecimentos.
A conclusão de que as NTs - principalmente em seu estágio mais
avançado - implicam a presença de trabalhadores com formação mais
abrangente encontra apoio em dados obtidos junto a empresários sobre os
impactos das inovações tecnológicas na organização do trabalho
(IEIlUFRJ, 1989). O estudo comprovou que os informantes têm expecta-
tivas de que:
- o grau de flexibilidade/polivalência (envolvimento de trabalhador direto
em decisões que antes não lhe competiam) do corpo coletivo de trabalho
venha a ser maior (do total de informantes mais de 80% manifestaram
essa crença);
- o grau de especialização (conhecimentos específicos do trabalhador para
operar equipamentos) seja maior (mais de 2/3 compartilhavam dessa
idéia);
- o grau de repetitividade das tarefas seja menor (em torno de 60% dos
informantes defendiam esse ponto de vista);
- o grau de controle da gerência sobre o trabalho seja menor (cerca de 45%
de respostas endossavam esse ponto de vista).
Portanto, conhecimeJ1tos mais profundos sobre equipaIne_n~o,~ici­
pação_~m tarefas anterionnenie-éoncentradas nas"inãos de profissionais de
ca:fegorià mais elevada (aesfratégiáda "Qiúilidiide 'tÓl:<il" é excrnpló-típiCo
desse fato), maior autonomia quanto aos métodos de trabalho utilizados e
200
quanto às gerências fazem Parte. do perfil do profissional das novas
tecnologias.
* * *
Os resultados de alguns estudos aqui apresentados confirmam que -
em termOS genéricos - O nível de qualificação do trabalho deverá crescer
sob o efeito das NTs, o que significa uma formação mais "sofisticada" e
complexa que privilegie o desenvolvimento do raciocínio lógico do traba-
lhador, de sua capacidade de aprender, de sua iniciativa para resolver
problemas, entre outros. Essa fonnação para o futuro necessariamente terá
que implicar a preparação de profissionais flexíveis/poliviilentes, que I
dominem o processo de fabricação de suas empresas e que iconheçam j)
I.1
funcionamento dos equipamentos. - !I
fi ,
Entretanto, nãose--pode--ignorar que essa realidade não pode ser 'I ,
i
generalizada para toda a força de trabalho: os conhecimentos, qualificações
!
e atitudes requeridas pelas NTs variarão segundo diferentes categorias
ocupacionais, de modo que de algumas delas será. exigido nível maior que
o atual e, de outras, as demandas permanecerão inalteradas ou mesmo serão
menores.
No contexto de elevação de nível, a educação ganha nova dimensão,
pois só ela tem condições de desenvolver as novas capacidades espéradas
do trabalhador, uma vez que, no nível de responsabilidade e compIexibi-
lidade dos trabalhos definidos pelas NTs, as habilidades manuais especí-
ficas vão se tomancio cada vez menos importantes e vãocrescendó em
importância as qualificações de ordem superior, especificamente os-conhe-
cimentos gerais teóricos e conceituais.
A visão de que deverá surgir um novo tipo de assoct!lçú_ .entre
educação e trabalho, contudo, não pode ser acompanhadidà perspectiya
de que a tecnologia é a variável causal e ª~ducaçã9_a,.Y<ifÍ~vej dependente
e de que a formação desse novo trabalhadordeva responcÚr às mudanças
nas qualificações e conheci'!1entos determimidos peias inovações tecnoló·
gicas. Isso seria reduzir a educação e ignorara fato - talvez mais importante
- de que a causação pode se dar no sentido oposto e de que as políticas de-
formação podem influir na direção e ritmo das mudanças tecnológicas. Em
lugar de ajustar-se reativamente e defensivamente às inovações tecnológi-
~as, deve-se considerar que a educação tem U1n~pelativo_e_estimulador
a desempenhar e que tem, além disso, que cumprir um importante objetivo,
a saber, a promoção da inovação e do progres_S.QJé.cpJfc>'pa ec()nqrnia.
201
 INTERNATIONAL LABOUR REVIEW, OIT, Genebra, v. 124, n. 5,
sep./out. 1985.
PAIVA, Vanilda. Produção e qualificação para o trabalho: uma revisão
da bibliografia internacional. Rio de Janeiro: UFRJ/IEI (Texto para
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LIMA, Márcia Helena de. Perfil das atividades econômicas vinculadas ao
SENA1. São Paulo: SENAI, 1991. j
LIMA, Márcia Helena de, CARNEIRO, Heloísa M.B. Novas tecnologias
na indústria editorial e gráfica e impacto sobre a mão-de-obra. São ~
I
Paulo: SENAI~SP, 1986. i;
MOURA, Reinaldo A. Flexibilidade total: homem X máquina. São Paulo: !
IMAM,1979.

202 203

Aparecida Joly Gouveia*
Os textos apresentados são
bem diferentes quanto à abran-
gência do campo de análise. Der-
meval Saviani aborda o tema,
objeto deste seminário, percor-
rendo longo caminho que vai dos
primórdios da civilização aos nos-
sos dias, ou seja, até a situação
atual do mundo capitalista. Suge-
re, também, como gostaria que se
encaminhasse a relação entre edu-
cação e trabalho daqui para o fu-
turo. O texto pareceu-me bastante
otimista em suas conclusões. O
autor espera que muita coisa acon-
teça no que respeita à qualidade da trial. Sabemos, também, que as
educação. Lucília Machado foca-
liza diretamente os efeitos da in-
corporação das novas tecnologias
sobre a organização da produção
e as exigências colocadas aos tra-
balhadores. A perspectiva é bas-
tante ampla. Marisa de Assis
aborda as transformações da es-
trutura da mão-de-obra e centra-
se nas habilidades requeridas dos
trabalhadores em decorrência da
ulitização das novas tecnologias
nas indústrias de transformação.
Como se vê, a seqüência da
apresentação corresponde a uma
ordem decrescente de abrangên-
cia do campo de análise.
• Professora titular do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP.
tem antigas crenças de que foi a
Revolução do século XVIII, com
seus ideais de democratização,
que levou à difusão da escolarida-
de naquele país. Historiadores
pesquisaram os arquivos das pa-
A respeito do texto de Derme- róquias e descobriram que, muito
vai Saviani, tenho algumas dúvi- antes da Revolução Francesa, as
das. Saviani afirma que o regiões onde o protestantismo ha-
desenvolvimento industrial, via se expandido mostravam os
aquele que se deu há mais de um maiores índices de alfabetização.
século, exigiu a elevação do nível As áreas que permaneceram pre-
de escolaridade da população, ou dominantemente católicas conti-
seja, a elevação da escolaridade nuaram, por longo tempo, com
teria sido conseqüência da Revo- taxas de escolarização muito bai-
lução Industrial. Alguns estudos xas.
realizados por historiadores da Quanto aos pontos levantados
Educação chegaram à conclusão por Lucília Machado, pediria que
que a escolarização no sul da In~ esclarecesse como a politecnia
glaterra, na realidade, iniciou-se poderia ser operacionalizada em
antes da eclosão do surto indus-
nossas escolas. Também gostaria
de saber qual a importância que
próprias invenções tecnológicas, ela atribui à orientação politécni-
que perrni- tiram o desenvolvi C
ca nos diferentes níveis de ensino.
mento industrial daquele país sur-
São duas questões que valeriam
giram fora da escola. As
ser discutidas neste fórum.
biografias dos inventores da épo-
ca atestam que a Universidade não O trabalho de Lucília Macha-
contribuiu direta- mente para o do aborda, ainda, o caráter com-
desempenho desses inventores. plexo das conseqüências das
Oxford e Cambridge tratavam de novas tecnologias quanto aos re-
preparar elites dirigentes sociali- querimentos relativos à força de
zando os estudantes em valores trabalho. A autora também men-
aristocráticos, clássicos, expon- ciona o que acontece na organiza-
do-os às obras de autores e fami- ção da produção. De acordo com
liariando-os com certos estilos de as conclusões de diversos estudos,
vida. Por outro lado, estudos rela- a tese da desqualificação tenden-
tivamente recentes sobre História cial da força laboral, se não está
da Educação na França desmen- superada, deve ser pelo menos re-
lativizada.
204
Por outro lado, quando se in-
tensifica a incorporação dessas
tecnologias, como tem ocorrido
em países de economia mais de-
senvolvida, certos efeitos se fa"
zero sentir também no volume
total d'a mão-de-obra, que tenderia
a diminuir. E, ao mesmo tempo,
há reflexos da participação dife-
rencial das diferentes categorias
da estrutura ocupacional. Sobre
essas alterações, o gráfico repro-
duzido, informativo e bem docu-
mentado, no trabalho de Marisa
de Assis mostra que a oferta de
emprego tenderia a aumentar nas
categorias que exigem qualifica-
ção mais elevada e a diminuir para
funções menos qualificadas. Es-
sas previsões, relativas ao ano de
1995, foram elaboradas por uma
comissão da Comunidade Euro-
péia e referem-se apenas ao setor
industrial; porém, em face das
transfonnações que ocorrem com
velocidade no setor das comuni-
cações e no setor das finanças, é
de se esperar que diferenciais de
demanda próximos daqueles pre-
vistos para o setor manufatureiro
ocorram também no terciário.
Esta ilação encontra apoio na di-
luição tendencial das diferenças
que caracterizam os vários seto-
res, diluição essa que é apontada
por Lucília e, de certa forma, foi
mencionada também por outros
participantes. Como tem crescido
muito, como se sabe, a participa-
ção relativa do setor terciário, des-
de que se registre neste setor um
205
:X:rfil de ofertas semelhante ao
previsto para o setor fabril, é de se
esperar que o aumento dos empre-
gos de qualificação mais elevada
resulte numa alteração sigrúficati-
va do perfil do conjunto da força
de trabalho.
As análises referentes ao pro-
cesso de modernização indicam,
porém, que as inovações técnicas
e organizacionais que tendem a
alterar a estrutura do emprego não
atingem de maneira uniforme
todo o sistema econôrrúco. O mo-
vimento é mais acelerado e abran-
gente em certos ramos que em
outros, naqueles onde persistem
as técnicas e as fannas de organi-
zação de trabalho herdadas de fa-
ses anteriores. Assim sendo, se a
exigência de maior qualificação
dirrúnui a probabilidade de em-
prego para trabalhadores menos
qualificados, ou até provoca a sua
expulsão dos setores de ponta, de
outro lado, podem eles buscar al-
ternati vas em setores de alto risco,
que são encontradas num merca-
do de trabalho que se caracteriza
pela heterogeneidade.
Conforme assinala Vanilda
Paiva, há tendências contraditó-
rias, ao mesmo tempo homoge-
neizadoras e heterogeneizadoras,
que se cruzam no capitalismo con-
temporâneo. Se isto ocorre nos
países de economia desenvolvida
verifica-se o mesmo fenômeno'
com maiores complicações, no~
países periféricos. Nestes países,
206
caracterizados por baixos níveis
de aplicação das novas tecnolo-
gias. a elevada heterogeneidade,
própria da estrutura global tradi-
cional, convive com uma nova he-
terogeneidade desencadeada
pelos setores mais modernos. In-
clusive, entre nós, o ritmo da ab-
sorção da tecnologia ainda não é
tão abrangente, mesmo em indús-
trias que poderíamos considerar
mais modernas. Suponho que tal
situação não seja irrelevante
quando se considera o sistema
educacional em face das caracte-
rísticas do mercado de trabalho.
Esta é urna questão que me parece
interessante considerar na discus-
são. Contudo, por significativas
que sejam ou venham a ser as
alterações do volume relativo das
diferentes categorias, mais ou me-
nos qualificadas, no conjunto da
força laboral, importante em um
seminário como este, particular-
mel)-te nesta sessão, é a questão da
natureza da qualificação agora
exigida dos trabalhadores.
O texto apresentado por Lucí"
lia Machado, bem corno o referido
trabalho de Vanilda Paiva, indi-
cam que a qualificação requerida
se reveste de características espe-
ciais, ou seja, não se trata daquelas
que se exigiam ou se exigem em
indústrias tradicionais. Não é
mais suficiente um simples au-
mento do nível de escolarização,
mas é preciso considerar o desen-
volvimento de habilidades que
não são adquiridas necessaria-
mente através da extensão dos
anos em que as pessoas passam na
escola. Por outro lado, é pouco
provável que tais competências
possam ser desenvolvidas em cur-
sos voltados para a transfonnação
de perfis profissionalizantes de
feição convencional. Isso me pa-
rece importante em face da idéia
de um 2º grau técnico e de cursos
profissionalizantes na rede regu-
lar de ensino desse nível.
Pelo que nos relata Vanilda
Paiva a respeito de reflexões feitas
por autores alemães e franceses,
não bastaria promover alterações
na estrutura dos sistemas educa-
cionais, pois o currículo teria im-
portância igualou até maior do
que os aspectos fonnais da se-
qüência escolar.
Como nenhum dos trabalhos
apresentados se detém sobre as
condições que propiciariam o de-
senvolvimento das habilidades
desejáveis ou mesmo requeridas
pelas novas tecnologias, seria in-
teressante que seus autores, e tam-
bém os demais participantes,
informassem e emitissem opi-
niões a respeito de mudanças na
educação que vêm sendo pensa-
das, ou menosjá tenham sido im-
plementadas. Além dos exposi-
tores, vejo que há nesta reunião
pessoas bem infonnadas e bem
atentas às tentativas de renovação
na área. Essa é uma questão que
proponho para o debate.
Antes, porém, convém lem-
brar quais as características que
207
tê~ sido apontadas como desejá-
veiS, ou mesmo necessárias a pes-
soas que se envolvam em situa-
ções de trabalho decorrentes da
introdução de novas tecnologias:
flexibilidade, raciocínio lógico,
iniciativa, capacidade de decisão
etc. Entretanto, o novo perfil não
será exigido de todos os trabalha-
dores, pois é necessário conside-
rar as características diferenciais
do mercado e também as diversas
categorias de trabalhadores de
uma determinada organização ou
de determinada empresa. [sto nos
i
traz outra questão: essa heteroge- ,f
neidade não constituiria mais um I,
I!
complicador quando se tem em
mente um sistema educacional iI'
abrangente e democrático?
A respeito ainda das altera-
ções do perfil da força de trabalho, 11,
detalhada é a análise apresentada
no texto de Lucília Machado.
~'
Afinna-se, de um lado, ser neces-
I
f
sário ter abertura, criatividade,
motivação, iniciativa, curiosida- II
de, vontade de aprender (Interes-
I'
sante que essas características me I
~
fazem lembrar de reflexões en-
I
contradas na obra de Kilpatrick, i
i
que li na escola normal, no tempo
do escolanovismo). Deoutro lado,
I:
acrescenta Lucília Machado, o Ii
trabalhador precisa demonstrar
cooperação, responsabilidade, or-
ganização, disciplina e assiduidade.
Importante para"mim é o fato
de Lucília Machado não se limitar
à enumeração de tais característi- ,!,
I
cas. Ela explicita também por que
as transfonnações na organização
I
r
l'
L
 .'~ no processo de trabalho, decor-
tentes das novas tecnologias, tor-
nam tais habilidades necessárias.
Ao fazê-lo, porém, parece revelar
grande preocupação com o caráter
integrador e centralizador que vê
nessas novas tecnologias. Emcer-
to momento, diz: "Se de um lado
existe um grupo de tarefas semi-
autônomas, onde seria aparente-
mente possível exercer a liberda-
de de planejar, a capacidade de
decidir e de organizar o próprio
trabalho, de outro lado, há um
tempo informático que exige inte-
gração completa da produção".
Então, se de um lado, há con-
dições favoráveis ao desenvolvi-
mento mais completo do trabalha-
dor, há, de outro lado, um tempo
informático que integra e controla
as ações. Há, também, um forte
apelo à lealdade à empresa. Porém
se o processo de trabalho mudou
e a própria organização da empre-
sa teve que se transformar, per-
gunto se a nova centralização é do
mesmo tipo e da mesma qualidade
da antiga e se tem os mesmos efei-
tos danosos sobre o trabalhador.
Parece-me que necessitamos de
uma análise mais pontual sobre as
novas formas de controle do tra-
balho.
O que se espera da escola é
que ofereça condições para que as
crianças e os jovens possam en-
frentar situações novas que se de-
lineiam e possam, ao mesmo
tempo, contribuir para a alteração
208
de rumos sócio-econômicos con- Resta perguntar agora como neira como essas matérias são de-
siderados indesejáveis. seria essa escola que contribuiria senvolvidas, e como se relacio-
para a modernidade. Enfatizando- nam. Neste contexto, pergunta-se:
Mudanças significativas es-
se a importância do currículo, oU- a temperatura desse caldo e a sua
tão ocorrendo na sociedade e não
tros problemas porém se apresen- densidade deveriam ser as mes-
apenas na economia. Talvez as
tam. Que ingredientes entrariam mas para todos os níveis de ensi-
mudanças de maior importância
no currículo a fim de se obter o no? Ou ainda: que importância
nem sejam as que ocorram na es-
caldo de cultura propício ao de- teria o formato do sistema educa-
fera econômica (por exemplo, as
senvolvimento dessas habilida- cional, especialmente numa so-
mudanças na relação entre os se-
des? O currículo aqui deve ser ciedade tão desigual como a
xos). De qualquer maneira, não se
entendido no sentido bem amplo: nossa? São essas as questões que
pode negligenciar o mercado de
não apenas no sentido das maté- proponho principalmente aos
trabalho quando se pensa na esco-
rias que o compõem, mas da ma- educadores aqui presentes.
larização. Isto não simplesmente
ou necessariamente porque se de-
seje uma economia mais moder-
na, mas, sobretudo, porque é em
tomo do trabalho que direta ou
indiretamente gira a vida da gran-
de maioria das pessoas.
Se aquelas atividades requeri-
das pelas novas tecnologias pude-
rem, de alguma forma, ser estimu-
ladas pela escolariZação. a escola
I
estará ao mesmo tempo propi- ~
ciando o desenvolvimento de con-
dições para que o estudante de
hoje possa amanhã participar
[
mais ativa e responsavelmente de I
todas as esferas da vida, não ape- ,i
nas da economia (Não uso aqui a
1
, '
[.
palavra cidadania porque é uma 1'.1 ,
,
expressão hoje muito desgasta- I'I
da). Assim, se as novas competên- i
cias, as desejadas, puderem ser
desenvolvidas no espaço escolar,
a escola não estará produzindo I
apenas trabalhadores mais adap- I I
tados às novas tecnologias e à eco- f~
nomia.
l
f
'I
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209 r-
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CONSIDERAÇOES i.
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FINAIS IL

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I
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li
It
li
I
li.
li Os trabalhos aqui reunidos
são tão ricos e abrangentes que se
toma difícil e até pretensioso que-
rer acrescentar considerações fi-
nais "sobre os temas tratados",
Ainda assim não vou me eximir da
tarefa que me foi atribuída!,
As relações entre inovação
tecnológica e gestão da mão-de-
obra no capitalismo, i. é, num
'i mundo "desencantado" (M. We-
bcr) - porque regido pelo cálculo
i econômico - é naturalmente uma
I questão afeta à Economia. Digo
I materiais, o segundo coma produ-
isso não para reivindicar para os
economistas qualquer domínio
sobre a questão, mas para lembrar
Claúdio Salm*
O maior problema que a orga-
nização da produção deve enfren-
tar é o de valorizar o capital,
dar-lhe rentabilidade, que se ex-
pressa por uma taxa de lucro por
unidade de tempo (x% ao ano), Ou
seja, é uma discussão voltada para
os fatores que influenciam a velo-
cidade de rotação do capital.
Esta, por sua vez, pode ser decom-
posta (Marx) em: tempo de produ-
ção, tempo de trabalho e tempo de
circulação. O primeiro tem a ver
com as propriedades naturais dos
tividade do trabalho (automação e
I
I:
gestão da mão-de-obra) e o tempo

que a partir da literatura especia-
lizada fica mais fácil ordenar as
idéias e, inclusive, como veremos,
indicar o que a Economia não tem
podido esclarecer mesmo naquilo
que se propõe a analisar. Além
disso, na medida em que se dispo-
nha de boas teorias, capazes de dar
conta de novas situações, não de-
penderemos tanto de estudos de
caso para perceber algumas ten-
dências.
I
de circulação, com o manejo de
estoques e fluxos, tudo convergin-
do para a diminuição dos tempos
mortos e das porosidades.
Em síntese, trata-se do estudo
li· I
das formas de superação dos en- II
traves que a base técnica (proces- :1
~I
so de trabalho) possa impor ao li
processo de valorização do capi-
taf. Portanto, a partir da análise
econômica entende-se o porquê
da tendência de transformar toda

• Professor Adjunto do Institulo de Economi. Industrial da UFRJ.

1. Em se tratando de uma, abordagem multidisciplinar,gOSlariadeas.sinalacalgumas das vantagens
e das limitações da Ecoliomia p.<U'<J. O estudo do tema. Espero. como subproduto. mostrar rambém que
enfoque econômico não é. necessariamente, sindnimo de viés economiciJta.
2. Assim, quando Mário Salemo fala de "rápido atendimento ao mercado, aumento do giro do
capital. redução de esroques e do cusco financeiro ..:· está se referindo a uma mesma coisa: velocidade
de rotação do capital.

213

produção em algo o mais parecido
possível com os processos de flu-
xo contínuo, como já fonnulado
por Adam Smith, há 200 anos
atrás, ao explicar as vantagens da
divisão (manufatureira) do traba-
lho.
I sionalizante, vocacional, foi uma
Os cientistas c os engenheiros
devem explicar como que as ino-
I vações tecnológicas alteram as
matérias-primas, aumentam a
I produtividade do trabalho e das
I
máquinas; os cientistas polítÍCos,
I os sociólogos e os demógrafos de-
vem nos ajudar a entender os con-
flitos que surgem da batalha da
'I concorrência, bem como as suas
conseqüências sobre a mobilidade
ocupacional ou regional; os edu-
cadores, o exame das relações en-
tre o sistema escolar e o que se
requer na produ~ão capitalista, e
assim por diante.
Preocupado com os efeitos
devastadores da divisão do traba-
lho sobre a formação da cidadania.
A. Smith propõe enfaticamente
que o Estado se encarregue da
educação, pública e gratuita, dos
trabalhadores. Seu objetivo era o
de "compensar" o embrutecimen-
to a que era submetida a classe
trabalhadora. O foco muda na se-
gunda metade do século XIX.
Grandes economistas, como AI-
fred Marshall, passam a acentuar
as externaI idades econômicas
3. Quanto. essas relações, faço um par~rlcese para uma defesa "corporativa" da Economia. Não
conheço outro ramo da filosofia moraJ ou das ciências sociais em geral que tenha enfatizado mais a
i mponânci. da educação escolar para os lf.I>.lhadores. pelo menos até o início do século xx.
214
proporcionadas pela educação bá-
sica. E, importante, Marshall de-
nunciava como grande equívoco-
econômico - uma educação para
os trabalhadores voltada para o
"fazer", distinta da educação de-
dicada ao "pensar".
Reconheço, entretanto, que a
educação da classe operária nem
sempre mereceu a mesma atenção
por parte do pensamento econô-
mico. E isso se deve a que a sua
importância tem que ser entendi-
da a partir da base técnica domi-
nante em cada época, como bem
lembrou Helena Rirata.
Ocorre que o processo de tra-
balho e, portanto, a necessidade
de escolaridade dos trabalhado-
res, não é um processo linear de
desqualificação, como acreditam
os adeptos da "Bravermania".
Dermeval Saviani identifica cor-
retamente a disseminação da edu-
cação escolar com a incorporação
da ciência à produção: "Na época
moderna a incorporação da ciên-
cia ao processo produtivo envolve
a exigência da disseminação dos
códigos fonnais, do código da es-
crita". Mas isso só vai se tornar
uma evidência nas últimas déca-
das do século passado, quando. de
fato, a indústria incorpora a ciên-
cia (química) e se torna essencial-
mente urbana (eletricidade).
Por outro lado, Denneval Sa·
viani comete, a meu ver, um equí-
voco comum aos economistas
radicais americanos, que não
vêem o taylorismo-fordismo
como uma etapa do desenvolvi-
mento industrial. O ensino profis-
expressão dessa etapa. Quando
Saviani diz que "o advento da in-
dústria moderna conduziu a uma
crescente simplificação dos of!-
cios ... certamente não imagina o
U
quanto custava a formação de um
torneiro Oll frezador na segunda
metade do século passado, na 2ª
Revolução Industrial. A constitui-
ção dos sistemas nacionais de en-
sino respondeu às necessidades
dessa nova indústria, incorpora-
dora de ciência.
Só depois, quando a base téc-
nica taylorista-fordista se torna
dominante, a desqualificação do
trabalho passa a ser um objetivo
mesmo da gestão. Entretanto,
cabe assinalar que a divisão e sim-
plificação das tarefas não consti-
tui um objetivo em si do cálculo
empresarial, mas decorre da supe-
ração de técnicas que se tomam
ineficazes face aos objetivos da
valorização do capital ou da busca
de maior competitividade. É sem~
pre bom lembrar isso, para não
cairmos em explicações ingênuas
do tipo "di vidir para reinar",
como alguns fizeram. Sim, porque
o que está emjogo nesta discussão
é, justamente, a valorização e o
enriquecimento das atividades do
215
trabalhador direto na produção
capitalista atuai. A desqualifica-
ção taylorista do trabalho ao longo
do século XX foi feita em nome
do aumento da escala e da "flui-
dez" da produção, para usar um
termo do Mário Salerno. Pois
bem, hoje, a atribuição de cres-
cente responsabilidade ao opera-
dor (programação. controle de
qualidade, manutenção) - e que
corresponde ao conceito mais
"alemão" de poIívalência - se faz
com vistas aos mesmos objetivos.
Lucília Regina Machado sin-
tetizou bemas implicações educa-
cionais das novas técnicas de
automação e de organização do
trabalho: "O taylorismo co fordis-
mo, intrinsecamente, aportaram
organizações de trabalho autoritá-
rias. As inovações organizacio-
nais subvertem este modelo,
trazem fonnas mais participati-
vas, integradas, grupais, descen-
tralizadas, autônomas, envolven-
tes e flexíveis, mas não significam
que sejam, por isso, democráticas,
ainda que constituam patamares
superiores que favorecem o aper-
feiçoamento do trabalho huma-
no... A matéria~prima fundamen-
tal é a informação e ganha mais
em qualificação quem estiver
mais próximo e souber dominar o
circuito completo de seu proces~
l
sarnento, o que demanda funda- I
mentos teóricos do conhecimento b
formal, habilidades que permitam f
uma interação inteligente com os I
equipamentos e visão ampla e
J
I
 profunda do processo produtivo
como um todo", E continua a ar-
gumentação mostrando que o en-
sino vocacional já não resolve:
"Verifica-se, com isso, a substi-
tuição da demanda de formação
profissional direcionada para o
aprender a fazer por outra forma-
ção que permita o aprender a
aprender".
Poucos dos textos aqui apre-
sentados (como, por exemplo, de
Marisa de Assis) colocaram em
dúvida a importância ou mesmo a
velocidade da difusão das novas
tecnologias entre n6s. A questão
que realmente dividiu as opiniões
foi a da defasagem que se observa
no Brasil entre a adoção das novas
técnicas de automação e das novas
formas de organização do traba-
lho". Será possível ao Brasil absor-
ver e difundir a automação de base
microeletrônica, sem alterar sig-
nificativamente as relações de tra-
balho?
Afinal, à Brasil foi um suces-
so no fordismo dito "capenga",
isto é, sem realízar as transferên-
cias dos ganhos de produtividade
como nos países mais avançados.
Teremos uma 3! Revolução In-
dustrial também "capenga" no
Brasil?
A questão desdobra-se em vá-
rias outras: Cabe esperar a con-
centração, de novo, do conheci.
mento requerido, num pequeno
segmento, mantendo os operado-
res "semiqualificados" como no
fordismo? Pode-se elevar a capa-
citação tecnológica e a competiti-
vidade sem alterar o autoritarismo
que caracteriza nossas relações de
trabalho e sem buscar um "envol-
vimento negociado" (Coriat, cita-
do por Maria Tereza Fleury), que
implique em representação sindi-
cal nas empresas? Por que a relu-
tância da maior parte dos nossos
empresários quanto à adoção das
novas formas de organização?
Deve-se, de fato, ao medo de per-
der o controle, como alguns suge-
riram, ou simplesmente à falta de
mão-de-obra habilitada (Fleury)?
Para tais perguntas, relativas
às conexões entre a tecnologia e
as relações de trabalho, todas alta-
mente pertinentes ao nosso tema,
a Economia tem apresentado ape-
nas respostas vagas ou ambíguas.
Nas discussões, não s6 as opi-
niões se dividiram, como a pró-
pria evidência colhida nos casos
apresentados não permite definir
ainda qualquer tendência clara
para o conjunto das empresas bra-
sileiras 5 •
Notrabalho de Lucília Regina
Machado encontramos uma con-
tribuição valiosa: "A qualidade do
trabalho não é, entretanto, uma
decorrência natural do aperfei-
çoamento dos meios de produção.
São mais decisivos os objetivos,
as intenções e as orientações de
quem decide utilizá-los e segundo
a forma que deseja. O anestesia-
menta das capacidades dos traba-
lhadores permanece como recurso
acionável a qualquer momento
que os interesses do lucro·o exigi-
rem. No entanto, ficam como con-
traponto, a questionar as opções
de gestão, as necessidades objeti-
vas da base técnico-material. Uma
coisa é o padrão tecnológico; ou-
tra, o regime fabril (grifo nosso),
que diz respeito ao sistema que
rege as relações de trabalho..."
Significa que não há nada que seja
intrinsecamente predeterminado
por uma técnica de automação,
nem mesmo numa linha de mon-
tagem.
Concluindo, assim como foi
possível industrializar o país na
base de um fordismo "capenga",
nada indica que o processo de glo-
balização da economia mundial
irá, por si s6, difundir amplamente
entre nós os novos padrões de
qualificação e de democratização
das relações de trabalho.
Tudo vai depender da forma
como iremos nos inserir na nova
divisão internacional do trabalho.
Sempre será possível fazê-lo de
uma forma "pobre", mantendo es-
truturas ocupacionais polariza-
das, relações. de trabalho autori-
tárias e baixos salários, como aliás
temos feito com grande dinamis-
mo nos anos recentes. Certamente
não bastará superar as deficiên-
cias educacionais dos trabalhado-
res para alterar o quadro atual
mas, sem enfrentar este problema,
não há como aspirar a nada me-
lhor.

4. Li~has de produção de concepção [ardiana têm usado a automação flexfvel, mantendo a
frag~entaçao dos postos de trabalho e centralizaodo a reconcepção/flexibilização no suporte compu-
tadonzado de comando da fábrica.
5. Cito alguns exemplos. Para Márcia de Paula Leite, a convivência entre a ME e o atraso nas
relações de trabalho não se deve apenas à resistência patronal mas também à descrença síndical quanto
à maior participação do. trabalhadores. Mário Salemo também não aposta em grandes mudanças quanto
à qualificação: "A maior qualificação para operadores de célula seria a disciplina fabril, não o
conhecimento técnico... A polivalêri-da parece ser antes urna multitarefa do mesmo teor que o
desenvolvimento de múltiplas habilidades por uma força de trabalho altamente qualificada". Para ele,
estamo. longe de entregar a programação das máquinas para os optradores. Já outros assinalaram
mudanças que vêm ocoITendot principalmente nas empresas de capital estrangeiro, na demanda por
maior escolaridade, nas djstâncias híerárquicas e na estabilidade no emprego.

216
217

Marco Antonio de Oliveira*
Gostaria de iniciar com uma
advertência: Não sou especialista
na questão educacional. Meu inte-
resse no tema resulta muito mais
da minha atua- ção no movimento
sindical do que em razão de qual-
quer preocupação acadêmica. É
com esse enfoque que pretendo
expor minhas impressões.
Longe de pretender uma sín-
tese de tudo que foi debatido nos
textos anteriores, apenas chama-
ria a atenção para aquilo que me
parece ser um consenso básico en-
tre todos nós e, a partir daí, gosta-
ria de levantar os pontos mais
polêmicos que, acredito, s6 uma
análise em profundidade poderá
elucidar.
As exposições dos especialis-
l.ils na matéria deixaram claro o
fato de que estamos diante da
emergência de um novo paradig-
ma tecnológico e organizacional e
que tal paradigma impõe novas
exigências no que se refere à qua-
lificação profissional. Todos tam-
bém parecem concordar com a
idéia de que essas novas exigên-
cias têm, no plano educacional,
muito mais a ver com a valoriza-
ção dos atributos e conhecimentos
• Coordenador Geral do DESEP - Depto. de Estudos S6cifr-Econômicos e Políúcos da CUT e
pesquisador do CESIT - Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho do fElUNrCAMP.
próprios do ensino formal do que
com as formas tradicionais de en.
sino profissionalizante.
Mas as concordâncias não pa-
recem ir muito além disso. Os pro-
blemas começam a surgir quando
se trata de considerar a amplitude
das demandas colocadas nesse
âmbito. Em outras palavras, tudo
parece depender da capacidade de
difusão do processo de reeslrutu-
ração produtiva e tecnológica, a
partir do qual deverá ganhar força
esse novo paradigma.
Se é verdade que as mudanças
atualmente em curso afetam o
próprio perfil da classe trabalha-
dora e praticamente exigem um
trabalhador de tipo novo, é verda-
de também que essas exigências
devem ser ponderadas à luz dos
casos concretos de reestruturação,
o que significa que não podemos
transpor mecanicamente a expe-
riência dos países capitalistas
avançados.
No caso do Brasil, vimos nos
últimos anos muito mais um pro-
cesso de desestruturação do que
propriamente de reestruturação.
O que houve, no máximo, foi uma
modernização restrita da ativida-
218
de produtiva que se fez a partir das
linhas de menor resistência e que
permitiu uma incorporação ape-
nas marginal das inovações tecno-
lógicas e organizacionais.
As exigências com relação à
qualificação profissional e à reci-
clagem de mão-de-obra se fize-
ram sentir justamente nas poucas
ilhas de excelência e competitivi-
dade que resultaram dessa via de
modernização. Nessas ilhas, sem
dúvida nenhuma, se impuseram e
cada vez mais deverão se impor os
novos requisitos educacionais de
que falamos tanto. . ponderações é, em primeiro lugar,
Mas, quando olhamos o con-
junto de nossa economia, somos
obrigados a reconhecer que esta·
mos muito longe de ter as condi-
ções favoráveis à generalização
de novos padrões educacionais, o
que nos leva a relativizar as leses
que sustentam a necessidade de
uma ampla reforma do sistema
educacional como condição à in-
corporação do progresso técnico.
Se se consolidar essa via de
modernização restrita, como tudo
leva a crer, as demandas no campo
educacional poderão ser facil-
mente resolvidas através de pro-
gramas de reciclagem desenvol-
vidos pelas pr6prias empresas ou
através de programas públicos
orientados exclusivamente para
esse fim. Uma reforma ampla do
sistema educacional só seria um
imperativo se houvesse uma mo-
dernização ampla, que fosse ca-
219
paz de unir competitividade e
eqüidade.
Mesmo assim, a questão edu-
cacional não poderia ser vista ape-
nas do ponto de vista das variáveis
econômicas, mas _inclusive do
ponto de vista dos direitos básicos
de cidadania. Ou seja, ela interes-
sa não s6 em termos das condições
de acesso ao mercado de trabalho
e dos ganhos de produtividade.
Interessa também como condição
indispensável ao exercício efetivo
da cidadania.
O que pretendo com essas
relativizar a importância dos no-
vos requisitos educacionais na di-
fusão da modernização técnico-
produtiva, particularmente no que
se refere à reforma do sistema de
ensino. A meu ver, tudo depende
das estratégias globais de desen-
volvimento, especialmente quan-
do falamos do Brasil.
Em segundo lugar, pretendo
chamar a atenção para o fato de
que, por mais que se tome uma
variável econômica de importân-
cia, o debate sobre o papel da edu-
cação em nosso país deve ser
mediado pelos problemas de dife-
renciação econômica e social. Ou
seja, os problemas mais elementa-
res da cidadania parecem prece-
der, em termos de importância, às
exigências de requalificação pro-
fissional, sobretudo se considerar- 11
J
I
mos as características de nossa
economia.
 Seja como for, há um dado atuem para além de seus interes-
relevante que nenhum de nós pode
negar. Ao se conferir importância
econômica à educação, abre-se o
ses meramente corporativos. Até
pouco tempo atrás o tema da edu-
cação era, no meio sindical, um
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Fox{0411233.1570 fo<: {0111258.2841
220