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Tarkovsky
Aline Lisboa
Resumo
Abstract
The editing of correspondences presents, among its main aspects, the overvaluation of style
and form over content. The objective of this work is to comprehend how the process of open
construction of this kind of editing takes place, making a parallel between its characteristics and
The Double Life Of Veronique (1990) by Kieslowski and The Mirror (1975) by Tarkovsky,
examining the relation among the plans, the principle of transmission and the poetic
composition of these films.
de ordem formal, rítmica e temporal. É uma espécie de montagem que utiliza muito pouco do
recurso narrativo, de modo a não possuir, de fato, um fio condutor que apresente linearidade
aproximativas, que, por vezes, tornam-se distantes e causam sensações que afloram os
sentidos do espectador (XAVIER, 2012). Como exemplo, podemos citar um dos nossos objetos
de análise A dupla vida de Veronique (1990), filme do diretor polonês Krzysztof Kieslowski, que
Utilizando um princípio de transmissão, que mais sugere do que significa ou conta uma
funcionando como efeito estético sensível, a partir do momento em que são dispostas duas
trajetórias aparentemente díspares, mas que na verdade convergem diante de uma ligação
misteriosa entre as duas personagens, Veronique e Veronika, interpretadas por Irene Jacob,
existindo uma separação de até mais de uma hora entre as duas partes do filme.
elementos característicos em sua estrutura relacionada à forma e ao tempo, como afirma Amiel
(2007, p. 114), “as escansões transformam a duração, e os ecos modelam-na de outra forma”.
filme do diretor russo Andrei Tarkovsky, nosso segundo objeto desta pesquisa, que traz uma
análise existencial do ser humano, mesclando ficção científica, poesia e filosofia. Através do
uso de flashbacks e forte ambiguidade, esta última considerada uma característica marcante
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Efeito visual ou sonoro que lembra outro, criando efeitos sensíveis que desembocam em rimas (AMIEL,
2007).
da estética por correspondências. O filme exige do espectador a formulação de hipóteses
continuidade narrativa. Através das correspondências são feitas sugestões, que estimulam a
subjetiva, já que remete à percepção do instante e não à duração, de acordo com a ruptura ou
instantes próximos, durante a montagem, sem que haja uma diferenciação temporal. Neste
processo de construção aberta desse tipo de montagem, traçando um paralelo entre suas
claro se estamos observando Veronika ou Veronique, afinal o diretor, de forma proposital, nos
causa certa confusão entre uma e outra, nos primeiros minutos da película, até que alguns
Isso demonstra certa descontinuidade na articulação entre os planos, pois não segue
precisamente uma relação lógica e contextual, como os outros dois sistemas de montagem,
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narrativa e discursiva . Esta é uma característica própria da montagem de correspondências,
onde é possível questionar até que ponto as diferenças são maiores que as semelhanças e
vice-versa.
fílmica, ou ainda produz significados através do conflito entre as imagens. Trata-se, neste caso,
de ir além da soma de conteúdos entre os planos, já que a intenção é justamente investir nos
sensibilidade ocupe os espaços, fazendo com que o espectador possa fruir diante de
revelando aos poucos elementos característicos de cada personagem para que possamos
começar a identificar quem é quem na construção fílmica. Aqui, apenas uma se dá conta da
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=EecLJK4eI4Y
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A estética da montagem narrativa tem como premissa estabelecer articulações entre os planos, a fim de
narrar uma história. Configura-se como dominante na perspectiva cinematográfica da atualidade.
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Método de montagem que tem como característica dominante criar um dialogismo entre elementos
discursivos e visuais, a fim de produzir o sentido do filme.
Há a predominância da montagem por correspondências, mas o traço narrativo
também está presente em A dupla vida de Veronique; onde encontramos, muitas vezes,
articulações entre os planos ao invés de ecos formais. Além disso, a planificação se faz
presente enquanto procedimento estético, mas é através da colagem que são estabelecidas as
ruptura e reposição – dita o ritmo do filme, que neste caso se mostra um pouco mais lento,
No entanto, apesar de certa lentidão no ritmo, o filme cria associações utilizando rimas
que ora afasta, ora aproxima as personagens e situações vividas por elas. É uma forma de nos
fazer sentir a obra de outra maneira, como se a evidência de algo que estava já certo, aos
poucos desvanecesse e trouxesse outro sentido à narrativa. E essas rimas, de acordo com
Amiel (2007, p. 110): “Se os cortes podem dar o ritmo, já os ecos entre os planos podem
abrem à memória um espaço diferente, e projetam noutros lugares sentimentos que voltam a
palpitar”. Desta forma, acreditamos em um prolongamento através do ritmo mais lento aplicado
à película e o uso de rimas para trabalhar a sensorialidade, ora aproximando, ora afastando o
que em O espelho podemos observar uma não definição da temporalidade de forma proposital,
montagem, diferente de O espelho que evoca a sensorialidade através de artifícios como o uso
função da montagem como “colagem de pedaços”, em que cada um apresenta por si só uma
particularidade temporal, ainda sobre isso ele diz, “a montagem perturba o curso do tempo,
interrompe-o e, simultaneamente, devolve-lhe uma qualidade nova. A sua distorção pode ser
um meio de expressão rítmica”. A postura do cineasta reflete nada mais que a defesa das
correspondências como artifício de ruptura da visão, como forma de criar novas percepções e,
sobretudo, sensações.
artifício para criar paradoxos, ambiguidades e até mesmo sinestesias através das imagens e do
som. Existe uma influência existencialista muito forte em Tarkovsky e em O espelho isso é
notado diante da mescla que ele faz entre poesia, ficção científica e filosofia. Outro recurso
bastante utilizado pelo diretor russo é o uso de flashback para constituir passagens do tempo,
do desfecho final.
fotografia, como tons de sépia e preto e branco. O uso de longos planos sequenciais também
Essa relação proposital entre tempo e espaço é utilizada por Tarkovsky para provocar
momento, é que vai se dar a pressão do tempo, onde “articulações visuais e sonoras permitem
espelho não é distinguir as épocas e situá-las de acordo com a relação entre os planos, mas
A montagem para Tarkovsky é muito mais que uma operação técnica, sobretudo é um
procedimento que envolve a proposta estética do filme e isso pode ser ratificado através de seu
diz que houve mais de vinte versões diferentes até chegar ao resultado esperado. Para ele,
faltava coesão, coerência e lógica entre as articulações dos planos e isso afetava fortemente a
Essa interpretação sobre a montagem faz com que possamos perceber as relações de
tempo para assim provocar a abertura da montagem e criar percepções diferenciadas do que
espelho que mostram a vida da protagonista, Marússia, de trás para frente, criando ainda
conexões aleatórias entre a família espanhola que vivia naquela casa e quando uma das
personagens dialoga com Ignat, confundindo assim o espectador. O uso de metáforas também
é recorrente nesta obra de Tarkovsky, que utiliza a morte do galo como algo simbólico diante
subjetividade toma conta do desfecho de O espelho e traz à tona mais uma vez o recurso da
podemos inferir que essa película é, de fato, um belo trabalho sobre o estímulo ao uso do
incosciente, através das correspondências entre os planos. A montagem aqui tem papel
Considerações finais
Uma montagem aberta, sem evidências de significações. Assim se configura a estética
manifestando, por vezes, uma ausência causada pela ruptura brusca sem explicações, sem
enredamentos.
Filmes como A dupla vida de Veronique e O espelho ilustram bem a construção desse
tipo de montagem que trabalha a impressão e não a narração ou confrontação, como meio de
de relações sensíveis que estes podem estabelecer uns com os outros, inferindo assim novos
narrativa. A montagem para este diretor equivale a um fragmento do real, que acaba
primeira no que concerne aos fluxos transversais que estão para além da sucessão ou do
Referências
AMIEL, Vincent. Estética da montagem. 1ª edição. São Paulo: Texto & Grafia, 2007.
BORDWELL, D.; THOMPSON, K. A arte do cinema: uma introdução. 1ª edição. São Paulo:
Edusp, 2013.
ECO, Umberto. Obra aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. São
Paulo: Perspectiva, 1976.
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. 14. ed. Campinas, SP: Papirus, 2010.