O Espelho Quebrado da Branquidade: Aspectos de um Debate Intelectual, Acadêmico e Militante
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O livro permite mostrar a relevância da retomada da reeducação racial entre os brancos e afrodescendentes, buscando revelar as situações veladas que levam à geração da violência simbólica, com suas discriminações no cotidiano civil e religioso das pessoas. Por fim, considera-se nesta obra que, para haver avanços, é fundamental uma abordagem transdisciplinar no processo de reeducação das interações raciais.
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O Espelho Quebrado da Branquidade - Adevanir Aparecida Pinheiro
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
À minha mãe, Vita Santana Pinheiro,
meu pai, Manoelino G. Pinheiro,
meus sete irmãos e sobrinhos.
Agradecimentos
Agradeço primeiramente ao meu pai, minha mãe, meus irmãos e irmãs que não chegaram nem a sentir o cansaço da saudade, pois minhas idas e vindas de um estado para outro, atuando na pesquisa e nas entrevistas, foi o tempo que mais nos uniu.
Quero agradecer a Deus e o meu santo protetor São Sebastião (Oxóssi) que me fortaleceu na fé e na espiritualidade e na minha identidade. Meu pai, Manoelino G. Pinheiro, e minha mãe, Vita Santana Pinheiro, que foram parceiros de idas e vindas para a Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Meus profundos agradecimentos por tão grande alegria a todos os sujeitos afrodescendentes dos três estados que caminharam comigo em diálogo e trocaram experiências sobre a negritude e a branquidade.
Aos meus vizinhos, em especial a dona Célia Santos, a Liomar dos Santos, dona Lina Terezinha dos Santos e as crianças da minha rua, pelo apoio e sustento permanentes.
À Débora Barbosa Bauermann, que foi forte na sua consciência em me auxiliar junto à branquidade mais despreparada da Unisinos.
À Graciele Otília, que foi o nosso ponto partida e pioneira na construção do Grupo Cidadania e os avanços junto à população negra leopoldense. A toda equipe do Neabi, em especial à Elisabeth, Cristiano, Renata e todo Grupo de Cidadania.
Ao reitor, professor Doutor. Pe. Marcelo Fernandes Aquino, e ao vice-reitor, professor Doutor. Pe. José Ivo Follmann, ao pró-reitor acadêmico, professor Doutor. Pe. Pedro Gomes, todos corajosos companheiros jesuítas em abraçar a inclusão e concretização verdadeira da temática da educação das relações étnico-raciais. Aos demais Jesuítas, Pe. Idinei, Ir. Inácio, sempre grandes apoiadores ajudando a desbravar esse reconhecimento da população negra em São Leopoldo, questionando também toda situação da branquidade em discussão.
Aos afrodescendentes de Itajaí que sempre foram meus amigos e parceiros nas organizações negras naquela cidade desde 1984, ao Pe. Sérgio Giacomelli, o estimulador da minha formação, estudos e da organização do Movimento Negro de Itajaí e as Pastorais Sociais, principalmente do Grupo Mariama, na pessoa da Maria das Graças (Nina), da professora Geni Gonçalves... entre tantos outros amigos.
Sumário
Introdução 13
Capítulo 1
Contextualizando o debate: aspectos importantes de uma temática complexa 17
1.1 Revisitando Teorias Sociais Raciais 19
1.2 Na Academia: o Silêncio e as Reproduções Teóricas 24
1.3 Hibridismo, Negritude e Branquitude 30
1.4 Ideologia Dominante e Hegemonia Branca 34
1.5 Para Superar Falácias e a Ética Enganosa 36
1.6 Buscando Novos Horizontes 38
Capítulo 2
Florestan Fernandes, Alberto Melucci e Paulo Freire: três espelhos intelectuais 43
2.1 O Espelho de Florestan Fernandes 46
2.1.1 Um espelho de cientista militante 46
2.1.2 O negro no mundo dos brancos
50
2.2 No Espelho de Alberto Melucci 56
2.3 No Espelho de Paulo Freire 60
Considerações conclusivas do capítulo 69
Capítulo 3
A Importância da Reeducação de Brancos e Negros 71
3.1 Reeducação das relações étnico-raciais e a branquidade 72
3.2 As violências simbólicas no processo educativo 79
3.3 Violência simbólica no campo religioso 83
3.4 Branquidade: por quê? 85
3.5 Transdisciplinaridade para pavimentar a reeducação 99
Conclusão 105
Referências 111
PREFÁCIO
Ter sido convidado para escrever o prefácio deste livro da professora doutora Adevanir Aparecida Pinheiro é motivo de muita alegria e um privilégio, mas, também, sobretudo, um grande desafio.
Conheço a Adevanir, ou a Deva, como todos a chamam em nosso meio, desde meados da década de 1980, quando ela, ainda jovem, militava nas atividades pastorais na Vila Duque, em São Leopoldo, vinda das longínquas terras do norte do Paraná.
A sua personalidade decidida, criativa, empreendedora e totalmente apaixonada pelo que faz me impressionou desde o início. O seu engajamento pessoal pela causa do seu povo afrodescendente e seu jeito muito pessoal de não separar teoria e prática sempre chamaram e chamam a atenção. A construção intelectual que ela faz está profundamente embebida da real realidade
vivida, como ela gosta de dizer e mostrar concretamente no seu dia a dia.
Nesse seu jeito de ser intelectual não acontece a ruptura, que muitos tanto lamentam, entre os rumos que a academia e o raciocínio lógico tomaram e a realidade concreta do dia a dia. Ela traz consigo, de forma natural, para dentro do debate acadêmico, o valor do senso comum, as emoções do cotidiano e as percepções militantes, ao lado de uma criativa, consistente e sempre inquieta elaboração teórica.
Militante incansável, ela é, sobretudo, uma pessoa humana, grande conselheira e atenta companheira de todos e todas que permanentemente buscam o seu ombro amigo e, por que não dizer, as suas lágrimas solidárias. Isso, no entanto, não a descaracteriza de sua ardorosa busca intelectual em leituras sempre novas dentro da temática que mais a envolve.
As leituras que ela faz são leituras profundamente criativas, onde ela de certa forma incorpora
as dimensões espirituais militantes das(os) autoras(es) captando em sua análise aspectos que às vezes permanecem nas entrelinhas dos escritos. As suas análises das(os) autoras(es) são um esforço de atualização, proporcionando a quem lê a sensação de uma interlocução pessoal sem a mediação do texto escrito.
Durante o seu processo de pesquisa para a tese doutoral não sossegou enquanto não localizasse os escritos de um filósofo que fosse africano e que ajudasse a iluminar as suas ideias a partir de uma percepção e leitura mais genuinamente africana. Teve êxito e com ardor se apropriou de alguns escritos fundamentais de Kwame Appiah. Satisfeita com esse tento, lamentou, no entanto, não ter tido oportunidade suficiente para se libertar da demasiada carga de autores brancos e masculinos e foi visível o seu anseio por trazer para a reflexão as contribuições de pesquisadores negros e, sobretudo, de intelectuais mulheres negras, duas das quais, Petronilha Beatriz Gonçalves da Silva e Maria Aparecida Silva Bento, estiveram na banca de sua tese.
O privilégio que eu percebo, em minha participação por meio deste prefácio, é o de poder fazer parte de um grande momento na história social de nosso país, protagonizado pelas decididas políticas de ações afirmativas expressas, principalmente nas Leis n.º 10.639/2003 e n.º 11.645/2008, com a pauta da educação das relações étnico-raciais. Tenho a firme crença de que, depois desse momento, a nossa sociedade não será mais a mesma, ou melhor, restabelecerá as suas autênticas raízes de uma sociedade pluriétnico-racial de verdade e não de mentirinha, como vem sendo até os nossos dias. É um privilégio poder, também, ser protagonista desse momento no qual o espelho da branquidade
é definitivamente quebrado.
O desafio está na permanência fiel e criativa nessa luta, cujo protagonismo central não pode ser senão dos afrodescendentes. O desafio está em não fugir de algo que muitas vezes é árduo, árido e, por que não, muito controverso em nossa sociedade. Mas o Brasil merece encontrar-se consigo mesmo e nós com ele. O Brasil e nós, juntos, brancos e negros, não podemos perder essa oportunidade!
Parabéns, professora doutora Adevanir Aparecida Pinheiro, pela sua grande contribuição nessa luta, por fora e por dentro da academia! Parabéns, sobretudo, pela coragem de sinalizar certeiramente que o maior problema a ser resolvido está nos brancos e não nos negros. Boa leitura!
José Ivo Follmann
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unisinos; Doutor em Sociologia - Universite Catholique de Louvain - UCL, Bélgica, mestre em Ciências Sociais, bacharel em Ciências Sociais, estudos especiais em história contemporânea, cooperativismo e metodologia de pesquisa e planejamento. Diretor de Ação Social das Mantenedoras, Secretário para a Justiça Socioambiental e Coordenador do Conselho para a Missão da Província Religiosa dos Jesuítas do Brasil – BRA
Introdução
AXÉ DA PAZ!
Irá chegar um novo dia, um novo céu
uma nova terra e um novo mar
E neste dia os oprimidos numa só voz irão cantar.
Nesta nova terra o negro não vai ter corrente
os índios todos vão ser vistos como gente.
Nesta nova terra o negro, o índio, os quilombolas
e os brancos todos vão comer no mesmo prato.
Uma trajetória de participação ativa em diferentes frentes de lutas sociais e em defesa dos Direitos Humanos, experiências de aprendizado em comunidades, movimentos sociais e raciais na construção de conhecimentos solidificados ao longo do processo, também no meio acadêmico, forma o horizonte das reflexões que compõem este livro. Foram três os contextos que marcaram essa trajetória de afrodescendente, profissional, militante e estudiosa da temática.
Primeiramente a região do Vale do Ivaí, Paraná, foi o contexto da infância e de parte da juventude. É onde se encontram as raízes e os laços familiares, trabalho rural na lavoura da família, séries iniciais na escola, trabalho como empregada doméstica na adolescência, trabalhos comunitários junto à família, por meio da igreja e das pastorais.
Confrontada com desafios sociais e culturais desde o berço, o engajamento na luta e a militância é algo que está profundamente entranhado na trajetória. O ideal, hoje alimentado, mas que no início era longínquo e obscuro foi se concretizando de forma muito natural e consciente ao longo do tempo, por meio das práticas sociais religiosas, por meio das pastorais e movimentos sociais.