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Disciplina

Estágio em Ensino de Análise Linguística

Coordenador da Disciplina

Prof.
Prof.ª Aurea Suely Zavam

8ª Edição
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados desta edição ao Instituto UFC Virtual. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida,
transmitida e gravada por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, dos autores.

Créditos desta disciplina

Realização

Autor

Prof.ª Mônica de Souza Serafim

Colaborador

Prof. Dr. Valdinar Custódio


Sumário
Aula 01: Concepções de gramática e objetivos do ensino-aprendizagem de análise linguística... 01
Tópico 01: Introdução aos tipos de ensino de análise linguística ..................................................... 01
Tópico 02: Concepções de gramática e tipos de ensino – Parte I: o normativo e o descritivo ......... 06
Tópico 03: Concepções de gramática e tipos de ensino – Parte II: o produtivo. .............................. 16
Tópico 04: Objetivos do ensino de análise linguística – os PCN em tela.. ....................................... 25
Tópico 05: Outros objetivos do ensino de análise linguística.. ......................................................... 34

Aula 02: Gramática em uso – recursos significativos para a construção do texto ......................... 37
Tópico 01: Atividades metalinguísticas e atividades Epilinguísticas ............................................... 37
Tópico 02: Questões funcionais sobre fonologia relevantes para o ensino-aprendizagem ............... 44
Tópico 03: Questões funcionais sobre classes gramaticais relevantes para o ensino-aprendizagem 50
Tópico 04: Ensino integrado dos aspectos da linguagem ................................................................. 58

Aula 03: Reflexões sobre o ensino de análise linguística no livro didático ..................................... 63
Tópico 01: O livro didático e sua importância na prática docente. ................................................... 63
Tópico 02: As diretrizes do MEC, dos PCN e do PNLD. ................................................................. 68
Tópico 03: Avaliando o livro didático de língua portuguesa ............................................................ 74

Aula 04: Propostas didático-pedagógicas para o ensino-aprendizagem de análise linguística..... 81


Tópico 01: Introdução ....................................................................................................................... 81
Tópico 02: O ensino de análise linguística a partir de gêneros textuais ........................................... 83
Tópico 03: O ensino de análise linguística a partir de textos produzidos por alunos ....................... 92
Tópico 04: Outras possibilidades para o ensino de análise linguística ............................................. 97

Contribuições:
Lição 01 ............................................................................................................................................ 104
Lição 02 ............................................................................................................................................ 109
ESTÁGIO EM ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 01: CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA E OBJETIVOS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DE ANÁLISE LINGUÍSTICA

TÓPICO 01: INTRODUÇÃO AOS TIPOS DE ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA

OBJETIVO 1
Reconhecer os diferentes tipos de ensino de análise linguística, em
suas relações com as concepções de gramática e as concepções de
linguagem;

OBJETIVO 2
Analisar criticamente os objetivos do ensino-aprendizagem de língua
materna;

OBJETIVO 3
Perceber o valor dos recursos linguísticos nos processos de
significação dos textos;

OBJETIVO 4
Analisar a qualidade do material didático voltado para o ensino-
aprendizagem da análise linguística;

OBJETIVO 5
Propor exercícios de análise linguística compatíveis com objetivos de
ensino consistentes.

A fim de cumprir os objetivos propostos, dividimos a disciplina em


quatro aulas. Os dois primeiros objetivos serão contemplados na primeira
aula; cada um dos outros três objetivos será contemplado nas aulas
subsequentes.

Esperamos que, com este curso, você adquira conhecimentos e


habilidades relevantes para o exercício efetivo, responsável e (talvez
principalmente) prazeroso da docência. Estamos assumindo como missão
principal a formação do professor pesquisador: alguém atento ao mundo que
o cerca, capaz de levar esse mundo para o dia a dia da profissão, consciente
de que sua autonomia é fundamental, e disposto a estudar sempre.

Que todos encontremos excelentes motivos para aprendermos mais!


Comecemos, então.

Conheça agora um pouco dos autores da disciplina. Clique nas abas


abaixo e conheça cada um.

AUREA ZAVAM

Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro


(UERJ), especialista em Leitura e Escrita, mestre e doutora em Linguística
pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Coautora de fascículos
destinados à formação continuada de professores da rede pública,
publicados pela Fundação Demócrito Rocha em parceria com a Secretaria
de Educação Básica do Ceará, e do livro A língua na sala de aula: questões
práticas para um ensino produtivo, além de publicações em livros e revistas

1
especializadas. É professora do Departamento de Letras Vernáculas (DLV)
da UFC.

VALDINAR CUSTÓDIO

Graduado em Letras pela Universidade Estadual do Ceará (UECE),


mestre e doutor Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Organizador, em parceria com mais três professoras, do livro Texto e
Discurso sob múltiplos olhares, volumes 1 e 2, e autor de diversas
publicações em livros e revistas especializadas. É professor convidado do
Curso de Especialização em Ensino de Língua Portuguesa da UECE e
coordenador e assessor de Língua Portuguesa em escolas da rede particular
de ensino.

Para iniciar, solicitamos que você realize uma breve atividade (se quiser,
pode realizá-la mentalmente, mas pensamos que a produção escrita pode ser
mais útil como estratégia para solidificar a reflexão solicitada). Como, nesta
aula, vamos tratar (entre outras coisas) das concepções de gramática,
gostaríamos que você propusesse uma definição de gramática. O que é
gramática para você? Em sua resposta, leve em conta, caso julgue necessário,
o que você já aprendeu, em disciplinas anteriores, sobre a gramática de uma
língua.

Em seguida, assista ao vídeo sobre a canção Asa branca, de Luiz


Gonzaga (caso não possa acessar o vídeo pelo link abaixo, leia a letra da
música). Tente fazer uma análise da canção a partir da sua concepção de
gramática. De acordo com sua concepção, como você julgaria a qualidade da
canção? A linguagem utilizada está adequada? Por quê?

MULTIMÍDIA
Assista ao vídeo sobre a canção Asa branca, de Luiz Gonzaga:

Para assistir ao video acesse o ambiente SOLAR!!


ASA BRANCA, DE LUIZ GONZAGA

Quando "oiei" a terra ardendo


Qual a fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação

Eu perguntei a Deus do céu, ai


Por que tamanha judiação

Que braseiro, que fornaia


Nem um pé de "prantação"
Por farta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Por farta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão

2
Inté mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
"Intonce" eu disse, adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração

"Intonce" eu disse, adeus Rosinha


Guarda contigo meu coração

Hoje longe, muitas légua


Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim vortar pro meu sertão

Espero a chuva cair de novo


Pra mim vortar pro meu sertão

Quando o verde dos teus "óio"


Se "espaiar" na prantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu vortarei, viu
Meu coração

Eu te asseguro não chore não, viu


Que eu vortarei, viu
Meu coração

Letra disponível em: <http://letras.terra.com.br/luiz-


gonzaga/47081/ [1]>. Acesso em: 7 jul. 2011.

Ainda hoje, é muito comum o entendimento de que a língua de uma


comunidade e a sua gramática são a mesma coisa. Você já deve ter ouvido
alguém dizer (ou você mesmo já pode ter pensado assim, logo que iniciou sua
graduação em Letras) que não sabe português porque não consegue falar
corretamente: não coloca todos os "s" marcando o plural; não sabe conjugar
direito os verbos irregulares; faz uma confusão com a colocação pronominal,
enfim, não é capaz de utilizar, de forma “correta”, as regras de construção
das palavras e períodos. O que está por trás dessa sensação é a noção de que
a gramática é um conjunto de regras que determinam como usar a língua de
forma correta. Se não domina as regras (e elas são tantas e tão difíceis!),
então a pessoa não conhece (ou conhece pouco) a língua.

CURIOSIDADE
A ideia de que o português é uma língua muito difícil é um dos mitos
apresentados pelo linguista Marcos Bagno, no livro Preconceito
linguístico: o que é, como se faz (1999). Neste livro, o autor descreve oito
mitos, bastante reproduzidos pelo senso comum, os quais perpetuam
noções equivocadas sobre o fenômeno da linguagem. Bagno afirma que

3
conhecer os mitos (e combatê-los) é uma das tarefas do professor de
Língua Portuguesa.

Se levarmos em conta essa noção, poderíamos dizer que o enunciador da


canção Asa branca não sabe português porque ele comete muitas
incorreções em relação às regras gramaticais: por exemplo, é incapaz de
produzir o dígrafo lh (“oiei”, “fornaia”) e o encontro consonantal pl
(“prantação); além disso, não obedece às regras de concordância (“muitas
légua”, “teus óio”). Na melhor das hipóteses, numa visão mais complacente,
seria aceito dizer que, como se trata de uma canção – o que coloca o texto
num patamar próximo (ou equivalente) ao do texto literário –, o produtor
teria certas liberdades para burlar as regras, mas isso não é permitido em
outros textos, nem é todo mundo que tem esse direito.

ENUNCIADOR

Em muitas situações, é importante estabelecer uma diferença entre


autor e enunciador. O autor é o sujeito de carne e osso que produz o
texto; o enunciador é a instância responsável pelo que é dito. Por
exemplo, num artigo de opinião, autor e enunciador são equivalentes,
pois quem produz o texto é o responsável pelo seu teor; já em um
editorial de jornal, autor e enunciador não coincidem: o autor é o
jornalista que produz o texto, mas o enunciador é a própria instituição.
No universo literário, o autor é o escritor/poeta/compositor; o
enunciador é o narrador/eu lírico;

Há todo um conjunto de estudos científicos que derrubam essa ideia. No


Brasil, pelo menos desde a década de 1970, alguns linguistas têm procurado
combater a noção de língua como sistema de regras que orientam o uso
correto. Contudo, mesmo contestada por evidências científicas, essa noção
ainda predomina entre os diversos estratos sociais de nosso país. É claro que
isso traz consequências para o ensino-aprendizagem de língua portuguesa.

A fim de se analisar com cuidado e seriedade a noção de


gramática/língua como conjunto de regras corretas, é preciso ir além do
senso comum e perceber a complexidade do fenômeno da linguagem. Neste
caminho, vai-se chegar a duas constatações importantes:

1ª CONSTATAÇÃO

A língua não se resume a uma gramática (embora a gramática seja


importante). Há diversos aspectos de produção e compreensão da
linguagem que não se resolvem apenas com o conhecimento gramatical; a
construção da argumentação, por exemplo, requer conhecimentos que vão
além da gramática – saber se posicionar em uma polêmica e munir-se de
argumentos para sustentar uma posição são habilidades bastante
importantes para o pleno desempenho linguístico de um sujeito, mas isso
não está atrelado, intrinsecamente, ao conhecimento gramatical. Na aula 2
desta disciplina, quando discutirmos as relações entre texto/discurso e
gramática, isso ficará ainda mais claro;

4
2ª CONSTATAÇÃO

A gramática não necessariamente se resume ao conjunto de regras


corretas sobre o uso de uma língua. Há outros aspectos gramaticais que
podem (e devem) ser levados em conta além das regras de correção. A
estruturação das palavras e dos enunciados e a adequação dos recursos
linguísticos, por exemplo, são partes constituintes da gramática de uma
língua. Isso ficará mais claro a seguir, quando refletiremos sobre as
diferentes concepções de gramática.

FONTES DAS IMAGENS


1. http://letras.terra.com.br/luiz-gonzaga/47081/
2. http://www.denso-wave.com/en/

Responsável: Prof.ª Aurea Suely Zavam


Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

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ESTÁGIO EM ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 01: CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA E OBJETIVOS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DE ANÁLISE LINGUÍSTICA

TÓPICO 02: CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA E TIPOS DE ENSINO – PARTE I: O NORMATIVO E O DESCRITIVO

No livro As ciências linguísticas e o ensino de línguas (1974), os


pesquisadores Michael Halliday, Angus McIntosh e Peter Strevens
apresentam uma distinção entre três tipos de ensino de gramática:
prescritivo, descritivo e produtivo. Eles esclarecem que cada um desses tipos
de ensino está subordinado a diferentes concepções de gramática; as
concepções de gramática, por sua vez, são subordinadas a diferentes
concepções de linguagem.

O que se enfatiza com essas relações de hierarquia é que a prática


pedagógica do professor de língua (materna ou estrangeira) revela – mesmo
que, muitas vezes, o professor não se dê conta disso – a sua crença sobre o
que é e para que serve a linguagem. Se, num determinado momento, em uma
determinada sala de aula, a prática vai mal, então a concepção de linguagem
adotada não está sendo a mais adequada para aquele contexto. Mas
modificar a prática não se limita a aplicar “receitas” de práticas novas,
muitas vezes “aprendidas” em cursos de capacitação, porque a mera
aplicação, sem a compreensão dos princípios fundamentais, pode ser tão
prejudicial quanto a prática anterior.

VERSÃO TEXTUAL

O que se exige da prática docente responsável e comprometida é a


ação consciente para se conhecer o que está por trás do dia a dia da
sala de aula, a fim de tomar decisões consistentes sobre esse cotidiano.
Em suma, o que garante a ação eficaz do professor é sua reflexão sobre
por que faz aquilo que faz e sobre como isso pode ser aprimorado (e
quem vive o dia a dia da sala de aula sabe que sempre tem algo a ser
aprimorado).

Nesse contexto de “refletir para melhorar”, conhecer as relações entre


concepções de linguagem, concepções de gramática e tipos de ensino é
fundamental, por isso a proposta dos autores britânicos ainda hoje é
pertinente para o estudo da análise linguística. No Brasil, essa proposta
passou a ser amplamente conhecida por meio da obra Gramática e
interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus, de
Luis Carlos Travaglia (1997). É com base nesse livro que apresentamos, a
seguir, os três paradigmas de ensino de gramática.

GRAMÁTICA E INTERAÇÃO: UMA PROPOSTA PARA O ENSINO DE GRAMÁTICA NO


1º E 2º GRAUS

O título desse livro foi modificado em suas edições mais recentes:


Gramática e interação - uma proposta para o ensino de gramática.
Com isso, evita-se a terminologia “1º e 2º graus”, já não utilizada para
fazer referência aos segmentos da educação básica;

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2.1 HOLOFOTES NA NORMA: CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM, CONCEPÇÃO DE
GRAMÁTICA E TIPO DE ENSINO

A primeira concepção é a de LINGUAGEM COMO EXPRESSÃO DO


PENSAMENTO. Tal concepção afirma que a expressão (de informações e
emoções) se constrói no interior da mente, de onde o indivíduo extrai regras
apreendidas para organizar de maneira lógica o pensamento, que se
exterioriza por meio de uma linguagem organizada e articulada. De acordo
com tal concepção, expressa-se bem quem pensa bem, e pensa bem quem
conhece as regras de organização lógica do pensamento. A enunciação é vista
como um ato monológico, individual, não afetado nem pelo receptor da
mensagem nem pela situação social em que ocorre. A língua, portanto, é
consequência do ato de pensar.

O tipo de gramática associado à linguagem como expressão


do pensamento é a GRAMÁTICA NORMATIVA, caracterizada por
um conjunto de regras para bem falar e escrever, estabelecidas
pelos especialistas, a partir de critérios estéticos, elitistas,
políticos e históricos, com base no uso da língua consagrado pelos
grandes escritores. A gramática normativa reconhece a variação
padrão como a única válida (a única capaz de expressar
corretamente o pensamento), sendo as demais tidas como erros,
deformações, inadequações, as quais devem, portanto, ser
evitadas e desconsideradas.

O tipo de ensino de língua associado à linguagem como expressão do


pensamento e à gramática normativa é o prescritivo. Tal ensino só privilegia
o trabalho com a norma escrita padrão, tendo como um de seus objetivos
básicos a correção formal da linguagem. Há a intenção de substituir os
padrões linguísticos considerados errados por outros considerados corretos,
gerando daí uma gama de juízos de valores, que regem o que pode ou não ser
dito ou escrito.

PRESCRITIVO

Entre outros sentidos, prescrever significa, segundo o Dicionário


Houaiss eletrônico, “aconselhar uma norma de comportamento, uma
prática etc.; normatizar”

Esse é, sem dúvida, o paradigma hegemônico no que diz respeito a como


os diversos estratos sociais (de maneira geral) entendem o fenômeno da
linguagem. A ideia apresentada no tópico anterior – a de que língua e
gramática se confundem – se sustenta na noção de que a gramática existe
pura e simplesmente para organizar as formas mais perfeitas de expressão
do pensamento. Esse paradigma tem um peso histórico tão grande que
afirmar teses contrárias a ele – como a de que não existe o certo e o errado,
mas o adequado e o inadequado – é uma blasfêmia – tão grande como
afirmar, na Idade Média, que a Terra girava em torno do Sol.

OLHANDO DE PERTO

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A gramática surgiu na Grécia antiga. Embora, entre as diferentes
cidades, houvesse línguas diferentes, os povos gregos tinham uma
sensação de unidade, revelada pelas “gritantes” diferenças entre suas
línguas e as línguas dos povos não gregos (os bárbaros) e pela literatura
comum partilhada entre eles.

Em determinado momento da história dos gregos, a necessidade de


educar os cidadãos livres passou pela iniciação no conhecimento da
literatura escrita e da legislação. Aí surgiram as primeiras descrições
gramaticais, que davam conta dos usos linguísticos que deveriam ser
dominados pelo cidadão. Nesse momento, a gramática era uma descrição
de usos “úteis”; tinha, pois, uma função instrumental.

Com a expansão da civilização grega, a língua “pura” começou a sofrer


influência das línguas estrangeiras. Com isso, o conhecimento gramatical
passou a ter um papel mais regulamentador: em vez de partir dos usos
para descrevê-lo, a ação agora consistia em mostrar as regras para corrigir
os usos. Desde então, o caráter normativista passou a prevalecer, tendo
ganhado ainda mais força com a ascensão do Império Romano.

Mais detalhes dessa interessante história do caminho da gramática


normativa podem ser encontrados no artigo “A herança greco-latina”, de
Michel Casevitz e François Charpin (2001).

Você deve lembrar que, no primeiro semestre de 2011, houve intensa


polêmica em torno de um livro de língua portuguesa (alcunhado pela grande
imprensa de “cartilha do MEC”) que estaria “ensinando os alunos a falarem
errado”. No cerne dessa discussão, está o paradigma “normocêntrico”, o qual
define a língua, única e exclusivamente, como uma norma que deve ser
seguida, sempre (ou, para os menos radicais, quase sempre). Ainda faremos
uma atividade, nesta aula, sobre a polêmica, mas destacamos, desde já, que
faltou a muitos dos sujeitos que participaram da discussão um conhecimento
mais amplo sobre concepções de linguagem e de gramática. Se muitos
jornalistas tivessem dedicado tempo e esforço para compreender melhor o
fenômeno da linguagem (tempo e esforço que eles parecem dedicar a outras
áreas, como as ciências da saúde e as ciências exatas), provavelmente não
teríamos visto tantas opiniões cientificamente falhas.

Conhecendo a força histórica do paradigma normativo, fica fácil


perceber por que é tão difícil propor outras formas de compreensão sobre a
linguagem e sobre a gramática. E, a partir desse percurso histórico, também
temos condições de entender como são construídas as regras. Por que, por
exemplo, a forma “os meninos” (e não “os menino”) é correta? Porque essa é
a forma utilizada pelos falantes cultos. É a forma que se vê na escrita. É a
forma socialmente prestigiada. No final das contas, a escolha das regras ditas
corretas é socialmente direcionada, contudo a retórica normativa se
encarrega de defender que essas regras representam a melhor maneira de
expressar o pensamento.

EXEMPLO

8
Um exemplo de pensamento essencialmente normativista se encontra
a seguir. Durante o ano de 2004, uma das participantes do reality show
Big Brother Brasil, Solange, tinha um comportamento linguístico
“impróprio”. Acesse o link a seguir para ver um vídeo em que a
participante discute com uma colega.

Big Brother Brasil 4 - Marcela e Solange brigam por peruca [1]

Veja, a seguir, alguns comentários sobre Solange, presentes no site


Yahoo respostas. A pergunta que motivou os comentários foi “Solange do
BBB 4, o que vc acha..rsrs?”.

FIF

Membro desde: 26 de dezembro de 2009

Solange do BBB 4, o que vc acha..rsrs?

BY R O

Membro desde: 18 de dezembro de 2008

Melhor resposta - Escolhida por votação


Ela era tão burra que chegava a ser engraçada..., mais uma que teve seus
minutinhos de fama e desapareceu...

BY RAFINHA_...

Membro desde: 01 de dezembro de 2009

Outras respostas
Já passou... a vez dela já foi... Ainda bem que não foi ela que entrou nesse
BBB...
Aquela, tonta.

BY UNGIDA

Membro desde: 22 de novembro de 2009

Outras respostas
kkk dou muitas risadas quando ela fala
bom pra divertir a gente
Paz

Disponível em:

http://br.answers.yahoo.com/question/index?
qid=20100227124952AAe3326 [2].

Acesso em: 11 jul. 2011.

LEITURA COMPLEMENTAR
Veja, ainda, outra fala sobre Solange, publicada no site Pura balela: o
rei da encheção de linguiça. O título da matéria é “O que aconteceu com as
celebridades do BBB4?”.

SOLANGE

9
A BBB troféu Cérebro de Ouro, narra a sua vida pós BBB no seu
“quem sou eu”.

De acordo com ela, ela largou o trabalho de frentista, comprou uma


casa, viajou pros EUA.

Ou ela pagou um puta curso de português, ou o profile nao foi


escrito por ela! Tá até irreconhecível! Ela até mostra conhecimento de
palavras como webblogger… Pelo menos ela assume que “Detesta” ler.

Um procedimento cirúrgico simples pra tirar aquela baratinha que


ela tem do lado do nariz ainda não foi feito.

Ai está a foto dela, a inesquecível Cérebro de Ouro responsável pelo


sucesso “Uiarideuound”.

Repara na roupa dela o $. Hahahaha

Disponível em: http://www.purabalela.com/cinema-e-


tv/bbb/o-que-aconteceu-com-as-celebridades-do-bbb-4 [3]. Acesso em:
11 jul. 2011.

Fonte [4]

As opiniões sobre Solange deixam patente o tributo que o normativismo


paga à concepção de linguagem que o sustenta: perceba que ela é taxada de
“burra”, “tonta”, “ignorante”. Mais que isso, a denominação “Cérebro de
ouro” explicita o julgamento da inteligência de Solange, que, entre outros
fatores, é baseado no seu desempenho linguístico. Afinal de contas, segundo
essa concepção, alguém que fala "O pobrema é meu" e desrespeita as regras
de concordância não pode ser uma pessoa inteligente.

REFLEXÃO
Deve ter ficado claro, a partir de nossa exposição, que os estudos da
Linguística apresentam um direcionamento inverso ao que propõem os
estudos gramaticais convencionais. Com base nessa informação, seria
correto admitir que os aspectos prescritivos de uma língua devem ser
desprestigiados? Coloquemos um exemplo da prática docente: questões de
concordância e regência devem ser postas de lado quando o professor
avaliar a produção textual de seus alunos? Mais à frente, proporemos uma
resposta para essa questão. Mas você já pode ficar pensando nela por
enquanto. Em seguida, continue sua leitura sobre os tipos de ensino.

2.2 HOLOFOTES NA ESTRUTURA: CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM, CONCEPÇÃO


DE GRAMÁTICA E TIPO DE ENSINO

10
Nem só de norma vive uma língua. O tratamento normativo da
linguagem, de natureza marcadamente subjetivista, mostrou-se como
INSTITUTO UNIVERSIDADE
proposta teórica insuficiente quando, por volta do final do século XIX e
VIRTUAL
início do século XX, a produção do conhecimento científico elegeu como
modelo o positivismo.

CURIOSIDADE
O positivismo é um “sistema criado por Auguste Comte (1798-1857)
que se propõe a ordenar as ciências experimentais, considerando-as o
modelo por excelência do conhecimento humano, em detrimento das
especulações metafísicas ou teológicas” (Dicionário Houaiss eletrônico).
De acordo com Lyons (1987), o positivismo rejeita qualquer apelo a
entidades não-físicas. Central nessa proposta é o princípio de verificação:
nenhuma formulação tem significado a menos que possa ser verificada
pela observação ou por métodos científicos padronizados.

Em um panorama caracterizado pela exigência da observação neutra e


da descrição minuciosa, teses como “A regra é essa porque os grandes
escritores fazem assim” têm pouco ou nenhum valor. Em um ambiente que
preza aquilo que se vê, aquilo que pode ser quantificado, a expressão do
pensamento é algo muito abstrato, muito pouco palpável e, por isso mesmo,
desprovido de valor científico. Uma nova concepção de linguagem precisou
emergir; eis que o foco na estrutura ganha destaque.

VERSÃO TEXTUAL

De modo geral, pode-se entender que todo o desenvolvimento da


ciência linguística moderna deriva de propostas de investigação da
linguagem contrárias à tradição gramatical normativa. O
Estruturalismo (como vemos neste item) focaliza a descrição
(criticando, além da tradição gramatical, a Linguística Histórica). E as
propostas da enunciação (como veremos na seção “Holofotes no uso”)
elegem como foco a participação dinâmica dos sujeitos no processo da
comunicação. Tanto os sujeitos quanto a estrutura ficavam de fora da
proposta normativista.

São partidários desse enfoque todas as concepções e/ou teorias


abrigadas sob o manto do Estruturalismo, as quais você já deve ter estudado
nas disciplinas introdutórias do seu curso de graduação. Numa versão
difundida pela Teoria da Comunicação, o foco estruturalista propicia a
concepção de linguagem como INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO. Nela, a
linguagem é tida como um código, convencionado dentro de uma mesma
comunidade, utilizado para transmitir informações de um emissor a um
receptor. A ênfase no código, isolado de sua utilização, desconsidera os
interlocutores e a situação de uso como determinantes das unidades e regras
que constituem a língua.

TEORIA DA COMUNICAÇÃO

11
A Teoria da Comunicação engloba estudos acadêmicos que
pesquisam os efeitos, origens e funcionamento do fenômeno da
COMUNICAÇÃO SOCIAL em seus aspectos tecnológicos, sociais,
econômicos, políticos e cognitivos. [...] Os estudos em Comunicação
Social começaram com a crescente popularização das tecnologias
midiáticas e seu uso durante as EXPERIÊNCIAS TOTALITÁRIAS da
Europa. Em sua primeira fase, concentraram suas atenções sobre as
mensagens da MÍDIA e seu efeito sobre os indivíduos; na segunda,
enfatizaram o processo de seleção, produção e divulgação das
informações através da mídia"

Fonte: [5]. Acesso em: 17 de julho de 2017

A gramática resultante dessa concepção é a GRAMÁTICA DESCRITIVA,


que propõe uma descrição da estrutura e funcionamento da língua. O que se
pretende com essa gramática é a explicitação da estrutura de cada expressão
da língua, a fim de se estabelecerem regras de uso. Não importa qual a
variedade de língua utilizada (padrão ou não); todas são passíveis de estudo
e descrição.

Referente à gramática descritiva, temos o ENSINO DE LÍNGUA


DESCRITIVO, que procura mostrar como a linguagem funciona. Trata de
habilidades já adquiridas pelo indivíduo, mostrando como podem ser
utilizadas. Trata de todas as variedades linguísticas, inclusive a norma
padrão, integrando, portanto, a gramática normativa. Em virtude de o ensino
descritivo também cuidar das formas características da norma padrão, é
comum haver uma confusão entre os dois paradigmas.

Qual seria, então, o limite entre a descrição e a normatização? Para


percebermos essa diferença, vejamos, a seguir, dois trechos presentes no site
Nossa Língua Portuguesa.

(1) “PERNAS, PRA QUE VOS QUERO?”

Há uma expressão que provoca calafrios e é usada justamente em


situações em que se está apavorado com algo: “Eu, hein?!! Pernas pra que
te quero!”.

O “Nossa língua portuguesa” foi às ruas e propôs as seguintes frases


aos passantes, pedindo-lhes que dissessem qual consideravam correta:

Pernas, pra que te quero?


Pernas, pra que vos quero?

Observem: “pernas” é plural e “te” é singular. Logo, essas palavras,


sendo de número diverso, não combinam. A expressão correta é, portanto,
“pernas, PRA QUE VOS quero?”.

Outra expressão, também muito usada, é “grosso modo”.


Normalmente as pessoas dizem “a grosso modo”. Mas a expressão é latina
e deve ser dita na forma original, “grosso modo”, que significa “de modo
grosseiro, impreciso”.

Disponível em:

12
Nossa Língua Portuguesa [6]

Acesso em: 17 jul. 2017.

(2) DIFERENÇA ENTRE “MAL” E “MAU”

Numa de suas provas, a FUVEST, que faz o vestibular da USP,


Universidade de São Paulo, pediu aos alunos que escrevessem três frases
com a palavra “mal”. Mas era necessário usar os três valores gramaticais da
palavra “mal”.

Todo mundo se lembra imediatamente de dois desses valores. “Mal”


pode ser advérbio, como ocorre na frase:

Aquele jogador joga MAL


em que “mal” designa o modo como alguém joga.
“Mal” também pode ser substantivo:

Nunca pratique o MAL; pratique sempre o bem.

E o terceiro valor gramatical da palavra“mal”? É o de conjunção


indicativa de tempo e equivalendo a “logo que”, “assim que”,
“imediatamente depois que”:

Assim que você saiu


Logo que você saiu
MAL você saiu, ela chegou

Esse “mal” se escreve com “l” e é conjunção.

Disponível em:

Nossa Língua Portuguesa [7]

Acesso em: 17 jul. 2017.

O trecho 1 discute a correção de uma expressão coloquial; por


apresentar o fenômeno à luz do que pode ou não pode ser falado/escrito,
com vistas a estabelecer o uso considerado correto, tem-se uma perspectiva
prescritiva.

O trecho 2 descreve as diferentes funções gramaticais do termo “mal”.


Não se trata, aqui, de dizer o que é correto falar/escrever. Por isso, a
perspectiva é descritiva.

Observe que os dois fenômenos fazem parte das gramáticas tradicionais.


Isso mostra que essas gramáticas (que englobam as gramáticas pedagógicas,
ou seja, as gramáticas utilizadas na escola) são constituídas tanto por partes
normativas quanto por partes descritivas.

OLHANDO DE PERTO
Com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), as
editoras que produzem livros didáticos de língua portuguesa e gramáticas
pedagógicas têm se preocupado em apresentar “inovações” condizentes
com as recomendações desse documento oficial. No início, as coleções
insistiam que o conteúdo era livre dos preconceitos que naturalmente se

13
estabeleciam quando predomina o ensino prescritivo; contudo, o que viu
foi uma substituição da excessiva prescrição por uma excessiva descrição
da norma padrão. Só mais recentemente, as editoras têm procurado lançar
coleções que privilegiam o ensino produtivo (sobre o qual falaremos
adiante). Ainda assim, a excessiva descrição (sem uma crítica à
Nomenclatura Gramatical Brasileira) parece permanecer. Na aula 3,
voltaremos a falar disso.

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (1998)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais são diretrizes elaboradas


pelo governo federal que orientam a educação no Brasil e são
separados por disciplina.

Se você consegue perceber com nitidez a distinção entre a vertente


prescritiva e a descritiva, então já sabe que cada uma permite explorar o
fenômeno da linguagem de forma diferente. Se voltarmos à canção de Luiz
Gonzaga, poderemos dizer que, do ponto de vista da descrição, apresenta-se
um registro linguístico característico de um “tipo” brasileiro, o sertanejo. São
marcas desse registro, por exemplo, algumas ocorrências fonéticas (como as
já exemplificadas) e algumas marcas de concordância que não seguem a
recomendação gramatical. Trata-se, portanto, de um texto em que o
enunciador revela sua origem por meio dos recursos linguísticos que utiliza.
Dizer mais que isso, em direção à adequação formal do texto, é sair da
descrição em direção à prescrição.

PARADA OBRIGATÓRIA
Uma pergunta frequente dos alunos, na atualidade, é “Pra que que
serve isso?”. Cansados de lidar com conteúdos os quais não se relacionam
com seu dia a dia, os aprendizes (hoje mais que antes) não fazem
cerimônia para demonstrar seu desinteresse quando o assunto não lhes
“diz respeito”. Levando-se em conta que essa é, muitas vezes, a tônica da
sala de aula, qual a postura do professor de língua portuguesa em relação
ao ensino descritivo? Por tratar de estruturas, ele deve ser abandonado?
Ou é possível organizar a prática pedagógica de modo que fique claro “Pra
que que serve isso”? Pense sobre o assunto; posteriormente, vamos sugerir
algumas propostas de ação.

FONTES DAS IMAGENS


1. http://www.youtube.com/watch?v=tqueAVmELjk&feature=related
2. http://br.answers.yahoo.com/question/index?
qid=20100227124952AAe3326
3. http://www.purabalela.com/cinema-e-tv/bbb/o-que-aconteceu-com-as-
celebridades-do-bbb-4
4. http://goo.gl/ZjrQzp
5. http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_da_comunica%C3%A7%C3%A3o
6. http://www2.tvcultura.com.br/aloescola/linguaportuguesa/problemasg
erais/pernapraquevosquero.htm
7. http://www2.tvcultura.com.br/aloescola/linguaportuguesa/problemasg
erais/bem-bom-mal-mau.htm

14
8. http://www.denso-wave.com/en/

Responsável: Prof.ª Aurea Suely Zavam


Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

15
ESTÁGIO EM ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 01: CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA E OBJETIVOS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DE ANÁLISE LINGUÍSTICA

TÓPICO 03: CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA E TIPOS DE ENSINO – PARTE II: O PRODUTIVO

VERSÃO TEXTUAL

Vimos, no tópico anterior, dois dos três paradigmas de ensino de


gramática e a respectiva visão que cada um assume sobre o que é
língua/linguagem. Nas duas concepções anteriores, tanto o sujeito
quanto a situação de uso foram desconsiderados. No terceiro
paradigma, sobre o qual falamos a seguir, esses elementos – sujeito e
situação de uso – são trazidos para o centro da discussão sobre o
fenômeno da linguagem.

HOLOFOTES NO USO: CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM, CONCEPÇÃO DE


GRAMÁTICA E TIPO DE ENSINO

O foco na estrutura não foi a única resposta contestatória à hegemonia


da vertente prescritiva. Já na década de 1920, o grupo intelectual comandado
pelo pensador russo Mikhail Bakhtin, com o livro Marxismo e Filosofia da
Linguagem (1997), mostrava que o estruturalismo saussuriano não era a
proposta de investigação da linguagem mais adequada. Com isso, Bakhtin
rejeita tanto o excesso prescritivista quanto a descrição estrutural pura e
simples. O filósofo defende que a linguagem deve ser investigada como um
processo do qual participam sujeitos reais em situações reais. Os usos,
portanto, são o foco da linguagem.

Bakhtin pode ser considerado um dos nomes que mais contribuíram


para o que hoje se chama de perspectiva sociointeracionista-discursiva dos
estudos da linguagem. Na concepção de LINGUAGEM COMO PROCESSO DE
INTERAÇÃO, a língua é considerada como forma de atuação sobre o
interlocutor. Interessa, aqui, utilizar a língua para promover efeitos de
sentido nos outros sujeitos, avaliando, inclusive, a situação social em que os
usuários se encontram. A língua é tida principalmente como fenômeno social
da interação verbal, tendo o diálogo, em sentido amplo, como sua maior
caracterização.

A gramática que tem a linguagem como processo de


interação é a INTERNALIZADA. Consiste no conjunto de regras
que o indivíduo de fato aprendeu e das quais lança mão ao
utilizar a língua. Tais regras não são obtidas, a princípio, pela
instrução escolar formal, mas a partir da ativação e
amadurecimento progressivo da própria atividade linguística.
Aqui não há o erro, mas a inadequação utilizada em uma
determinada situação de interação comunicativa. Por ser de
caráter essencialmente pessoal, dependendo da situação de cada
indivíduo, não há gramáticas internalizadas escritas.

16
O ensino proveniente das concepções de linguagem como interação e
gramática internalizada é o PRODUTIVO, que pretende aumentar os recursos
linguísticos do indivíduo, sem alterar os padrões que ele já possui. Trata-se
de um trabalho que visa aumentar a gramática internalizada do indivíduo, a
partir da reflexão e automatização de novos conceitos, a fim de que esse
adquira maior condição de se adequar perfeitamente às mais variadas
situações de interação comunicativa.

OLHANDO DE PERTO
Perceba que cada vertente – prescritiva, descritiva e produtiva –
concebe o sujeito de forma distinta. Na vertente prescritiva, o sujeito,
alguém capaz de expressar bem o pensamento, é individualizado; a ele
basta ter uma intenção do que quer dizer – não é preciso levar em conta
com quem fala e como deve falar. Na vertente descritiva, o sujeito é mero
reprodutor, pois cabe a ele apenas transmitir a informação. Na vertente
produtiva, o sujeito é “ele mesmo mais o outro”, em um dado contexto,
pois o seu papel na interação é dependente de como o(s) outro(s)
participante(s) age(m).

Sem sombra de dúvida, a vertente sociointeracionista-discursiva domina


o panorama atual das pesquisas linguísticas no Brasil, inclusive em relação à
aplicação no ensino. Com a falta de rigor científico da gramática normativa
(o que acarreta profundos desvios em relação à função do ensino-
aprendizagem de língua materna) e a limitação dos estruturalistas sobre o
que pode ser estudado (o fonema, a palavra, a oração e o período, mas não o
texto ou o discurso) , esta vertente é, das três, a que mais tem oferecido
respostas consistentes para os desafios da prática docente. Por isso, o
processo de escolarização, no que diz respeito ao domínio da língua materna,
deve ser pautado, predominantemente, pelo ensino produtivo.

Na verdade, quando se defende o ensino produtivo de gramática, não se


está excluindo nem a normatização nem a descrição. O que interessa, em
uma perspectiva produtiva, é instrumentalizar o aluno para que ele tenha um
repertório que o faça ser bem-sucedido em suas interações pela linguagem,
nas mais diversas situações. Isso quer dizer, por exemplo, que ele deve ser
capaz de compreender e produzir textos formais, o que demanda, entre
outras habilidades, a aplicação de regras da gramática normativa seguidas
nesse tipo de texto. O ensino produtivo também deve ser capaz de propor ao
aluno uma sistematização da descrição da língua, pois o conhecimento sobre
a abstração de estruturas é fundamental para o desenvolvimento de uma
“mente científica”; uma vez que a ciência lida com classificações e funções, o
reconhecimento de padrões na descrição linguística pode contribuir para que
o aluno se aproprie, de forma mais prática, do fazer científico.

Podemos dizer que o ensino produtivo contempla as


dimensões descritiva e normativa, quando lida, respectivamente
com a gramática teórica e com a gramática normativa. O ensino
produtivo de gramática teórica pretende, principalmente, que o
indivíduo conheça a instituição social que é a gramática. Não se

17
deve ensinar gramática teórica ((= descritiva)) com o objetivo de
que o indivíduo aprenda a ler e escrever bem, mas se deve ensiná-
la para que o indivíduo aprenda um pouco do conhecimento
cultural, social e científico que todo cidadão deve ter.

Já a gramática normativa tem sua importância redimensionada no


ensino produtivo. Ela deve ser trabalhada a fim de que o indivíduo aumente
sua gramática internalizada com mais essa variedade linguística, que será
mais ou menos importante dependendo do contexto comunicativo. É
fundamental que o indivíduo adquira as regras de gramática normativa para
que as utilize como conhecimento comunicativo, mas é também importante
que ele não julgue ser este o único ou o melhor conhecimento comunicativo
que possui.

Você já deve ter percebido que, nos três parágrafos anteriores, foram
respondidas as perguntas feitas anteriormente nas seções “Olhando de
Perto”. O viés prescritivo é importante na medida em que os textos formais
costumam seguir muitas das regras preconizadas pela gramática normativa.
E a descrição linguística tem, sim, uma função ((um “Pra que serve isso”)) ela
colabora para o refinamento da possibilidade de pensar os fenômenos à luz
dos mecanismos científico-analíticos. Nesse sentido, o conhecimento sobre a
valoração social das formas linguísticas ((normativo)) e sobre a estruturação
do sistema linguístico sistema linguístico ((descritivo)) também apresentam
funções que devem ser dominadas pelos alunos.

A fim de percebermos com mais clareza a dimensão de uma perspectiva


produtiva sobre a análise linguística, vejamos os três textos a seguir:

TEXTO 1

Ter um ministro negro no Supremo Tribunal Federal representa um


avanço, não há dúvida, num país onde os negros há séculos são passageiros
de terceira classe. Igualmente representa muito ter negros no ministério,
uma boa bancada negra no Congresso, negros na diretoria de grandes
empresas, nas universidades, nas profissões chamadas liberais e na
imprensa. Tudo o que signifique para os negros possibilidades de ascensão
social mais amplas do que as oferecidas pelo antigo e caricato binômio
futebol/música popular representará um passo importante na criação de
uma sociedade harmônica e civilizada. Ainda assim...

Ainda assim, fica-se cogitando se a ênfase não está sendo posta na


ponta errada da contradição social. Temos um negro no Supremo, mas não
os temos entre os garçons, nos restaurantes dos Jardins, em São Paulo.
Temos negros no ministério e no Congresso, mas faltam negros nas lojas
dos shopping centers chiques das várias cidades do país. O desemprego
entre os negros é maior do que entre os brancos não só por causa do nível
educacional mais baixo, mas também da barreira odiosa representada pelo
medo do patrão de, recrutando-os, espantar a freguesia, quando não se
espantam eles próprios. É o estigma de outra caricata expressão da vida
brasileira, aquela que se esconde sob o rótulo sinistro da "boa aparência".

18
Ao caminhar pela Quinta Avenida, em Nova York, e constatar que os
negros ocupam postos nos mais elegantes estabelecimentos daquela parte
elegante da cidade, verifica-se que os Estados Unidos levaram a sério a
política de combate à segregação. Os americanos têm negros no Supremo,
na assessoria da Casa Branca e na chefia do Departamento de Estado, mas
os têm também nas lojas e nos restaurantes da moda. De certa forma, é
mais fácil nomear um negro para o Supremo. Basta uma canetada. Coisa
mais complexa e difícil, porque mexe com tolices e fantasias há muito
incrustadas na sociedade, seria a luta para facilitar-lhes o acesso a funções
aqui embaixo, que a maioria deles está apta a exercer, mas que lhes são
interditadas por barreiras que não ousam dizer seu nome.

Roberto Pompeu de Toledo. In Veja, 14 maio 2003.

TEXTO 2

Quinta-feira, dia 5 de dezembro

Fala sério, a vida te reserva tantas coisas maneiras, que cara, é lance
você guardar isso – não só na memória, mas tipo assim, escrevendo
mesmo. A partir de hoje eu vou ter mais esse grande amigo na minha vida,
que é você, Diário.

[...]

Cara, eu tenho que aproveitar a vida, a hora de bombar é essa. Se bem


que eu bombei tanto, que eu acho que vou levar é uma bomba no final do
ano. Pode deixar que eu vou te mantendo informado. Tá selada hoje nossa
amizade e pra você eu sei que eu posso falar o que eu quiser que você
nunca vai abrir a boca pra falar nada pra ninguém. Boa noite.
Heloísa Perissé. O diário de Tati. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003, p.5-6.

TEXTO 3

Os grandes gênios jamais largaram a prática da leitura. Hoje ela ainda


é presente no hábito da sociedade em si, mas mesmo com as campanhas e
incentivos dessa prática no Brasil, a tendência e de até ter uma certa
diminuição. A internet e a facilidade de acessos a várias fontes para um
determinado assunto muitas das vezes tendem a disponibilizar uma
informação superficial que nem pode ser comparadas às de um livro.
Podemos utilizar tal hábito para nos enriquecermos de informações e nos
tornamos mais inteligentes - ser mais inteligente é cada vez melhor, não
concorda? As horas passam rápidas e podemos até ser mais feliz. Um
segredo para dormir bem é sempre ler algo agradável antes de deitarmos,
pois ajuda a enriquecer o sono. Separar algumas ou até mesmo uma única
hora do dia para lermos alguma coisa ao invés de ficarmos vagando por aí
pelo orkut sem fazer nada de útil e agradável ou ter aquela conversa
superficial pelo MSN é um grande passo, lembrando que devemos fazer o
mesmo com a televisão. Saia da internet, desligue a tv e leia um livro; em
poucos tempos você mesmo notará que ficará mais inteligente e feliz.

Disponível em: Fonte: [1]

Acesso em: 17 jul. 2017.

19
Analisando os três textos com base na perspectiva produtiva,
constatamos que os textos (1) e (2) podem ser considerados adequados,
porque a linguagem utilizada está de acordo com o contexto de interação.

ANÁLISE TEXTO 01
No texto (1), um artigo de opinião, o autor mostra domínio do grau
formal: ele usa a pontuação de forma convencionalizada, aplica as regras
recomendadas sobre concordância e regência, usa adequadamente os
pronomes oblíquos etc. Trata-se, portanto, de um texto cujos itens
gramaticais – de acordo com a norma – são aplicados adequadamente.

ANÁLISE TEXTO 02
Também no texto 2 há adequação, só que em outra direção. A intenção
da autora Heloísa Perissé é mostrar a “voz” de uma adolescente por meio
da escrita de um diário. Nesse caso, o registro informal é o mais adequado,
devido tanto à faixa etária da personagem quanto à situação de interação
(produção de um diário). Por isso, o texto apresenta gírias e promove uma
quebra da correlação pronominal (ao “misturar” os pronomes “te” e
“você”). Percebe como o conjunto de regras gramaticais é apenas uma
possibilidade entre outras? Pode ser necessário em muitos contextos, mas
não em todos.

ANÁLISE TEXTO 03
Já o texto (3), no que diz respeito à utilização das formas linguísticas,
não está tão adequado quanto os demais. Como se trata de um artigo de
opinião, o registro formal deveria ser a tônica, mas o que se vê é a não
utilização de algumas regras as quais deveriam ser seguidas, nesse
contexto.

PARADA OBRIGATÓRIA
Você consegue apontar algumas? Faça uma lista dos problemas do
texto (3). Se achar necessário, consulte seu tutor.

De tudo isso, fica uma importante lição: ao se defender um ensino


plural, que contemple diversas manifestações da linguagem, não se está
dizendo que tudo é possível sempre. As relações sociais impõem restrições
diferentes para situações diferentes, de modo que pode ser inadequada tanto
a não marcação do plural em um artigo de opinião quanto o uso do pronome
“vós” em uma conversa informal.

Se voltarmos à letra da canção com que iniciamos esta aula, veremos


que, além das observações já feitas sobre a estrutura das formas linguísticas
utilizadas, podemos também analisar a pertinência dessas formas dentro do
contexto. Claramente, entendemos que as formas estão de acordo com a
intenção do enunciador: como ele, um sertanejo, pretende exprimir seus
sentimentos em relação à falta de chuva no sertão, então a linguagem
escolhida é a mais adequada, porque garante autenticidade ao enunciador.
Esse é mais um uso produtivo da língua.

OLHANDO DE PERTO

20
Observe que o uso do grau informal, muitas vezes, tem por objetivo
gerar efeito estilístico. Tanto o compositor de Asa branca quanto a
escritora do Diário de Tati utilizaram um registro menos formal com o
objetivo específico de tornar o texto mais interessante, por promover a
expressão de uma “voz” mais real, menos artificial. Essa busca pelo estilo,
que muitos consideram como característica exclusiva do universo literário,
na verdade, é mais universal do que se pensa. Basta lembrar as vezes em
que você (ou alguém que conhece) muda o tom do seu texto ou usa um
estilo menos “rigoroso” para deixar uma boa impressão no interlocutor.

A exemplificação mostrada até aqui dá conta de como o aluno pode


compreender o papel das formas linguísticas nos textos, a partir de uma
perspectiva produtiva. Mas, como já vimos, o ensino produtivo não se limita
ao reconhecimento da pertinência das formas linguísticas. Também é muito
importante capacitar os alunos a produzirem textos utilizando as diversas
formas de expressão de linguagem. O professor de língua, portanto, tem uma
importante contribuição a dar: propiciar atividades em que o aluno lide com
a adequação linguística de seu texto de acordo com diferentes parâmetros
contextuais. Sobre isso, vejamos duas sugestões de atividades:

ATIVIDADE 1

(atividade adaptada a partir de uma questão proposta em avaliação


para alunos do 6º ano de uma escola particular de Fortaleza (CE))

Releia o trecho a seguir e faça o que se pede.

"O amor em forma de amizade deveria impregnar todas as relações e


estender-se à humanidade como um todo porque os amigos se aceitam em
suas limitações" (linhas 08-09).

Considere que você e um(a) amigo(a) estão conversando sobre


amizade. Durante a conversa, você resolve dar uma definição de amizade.
Reescreva o trecho, mantendo a mesma ideia, utilizando uma linguagem
informal. Sua reescrita deve apresentar pelo menos duas expressões do
quadro a seguir.

Macho véi A parada Tá ligado Tipo assim Irado


(ou)
Mulherzinha

ATIVIDADE 2

(atividade adaptada a partir de uma questão proposta em avaliação


para alunos da 1ª série do ensino médio de uma escola particular de
Fortaleza (CE))

Complete as frases abaixo com uma das formas que estão entre
parênteses, fazendo a concordância de acordo com a norma padrão. Se
houver duas possibilidades de concordância, indique-as.

a) A Alemanha ou a Espanha [ ] o resultado da pesquisa sobre a


bactéria Escherichia coli enterohemorrágica em um congresso
internacional. ( apresentará-apresentarão)

21
b) [ ] duas semanas que os cientistas pesquisam a nova variedade da
bactéria E.coli. (Faz-Fazem)

c) [ ] vários motivos para desconfiarem de que as bactérias estivessem


nos pepinos, nas alfaces e nos tomates. (Havia-Haviam)

d) Fomos nós quem [ ] da pesquisa sobre a nova bactéria E. coli.


(participou-participamos)

e) [ ] uma e cinquenta quando anunciaram a origem do surto da


bactéria Escherichia coli enterohemorrágica. (Era-Eram)

Em ambas as atividades, os alunos são solicitados a produzir respostas.


Mas, somente por isso, ambas podem ser consideradas atividades
produtivas?

Na primeira, solicita-se que o aluno produza a reformulação de um


enunciado, considerando um novo contexto colocado. Para resolvê-la, o
aluno deve adaptar o texto a esse contexto. Trata-se, portanto, de uma
atividade em que o aluno deverá mostrar um CONHECIMENTO ATIVO da
língua, pois ele tem de produzir algo de acordo com parâmetros
estabelecidos. Esse é o tipo de atividade genuinamente produtivo: focaliza-se
um aspecto específico da linguagem ((no caso, o grau de formalidade)) e
solicita-se que o aluno crie algo que mostre o seu domínio sobre aquele
aspecto.

OLHANDO DE PERTO
Focalizou-se, nessa atividade, o grau de formalidade. Mas a
proposição de atividades produtivas em que o aluno precise criar
enunciados pode ser feita com qualquer aspecto da linguagem: fonológico,
morfológico, sintático, semântico e textual-discursivo.

Já a atividade 2 versa sobre um conhecimento normativo necessário


para a produção de textos formais: as regras de concordância verbal não
previstas pelo princípio básico – o verbo de uma oração deve concordar com
o seu sujeito. Como se trata de algo que é efetivamente utilizado em algumas
situações de interação, o conteúdo tem sua relevância. Mas isso, por si, não
garante uma abordagem produtiva.

Veja que, na verdade, cabe ao aluno, nessa atividade, apenas reconhecer


qual a forma correta. Esse tipo de reconhecimento é importante, porém mais
importante que saber reconhecer é saber formular enunciados em que essas
especificidades de concordância apareçam. Então, se o professor quer
realmente saber se o aluno domina essas estruturas, ele deve verificar isso ou
nas produções textuais ou em atividades específicas nas quais o aluno precise
produzir enunciados com o fenômeno em destaque (como se vê, por
exemplo, na atividade 1).

Além disso, outra forma de promover o conhecimento ativo do aluno é


estimulá-lo a utilizar outros expedientes quando não estiver convicto da
aplicação de uma regra normativa. Normalmente, os professores gastam
muito tempo e esforço para trabalhar com os alunos as regras normativas.

22
Mas poucos se interessam em mostrar aos aprendizes que, quando eles não
dominarem uma regra, eles devem procurar novas formulações do
enunciado em que a tal regra não precise ser utilizada. Esse seria um caso
típico de “saída pela esquerda”, como dizia o personagem de desenho
animado Leão da Montanha.

Como isso seria aplicado em uma atividade? Para exemplificar,


tomemos duas ocorrências da atividade 2:

CLIQUE AQUI PARA VER


◾ Fomos nós quem da pesquisa sobre a nova

bactéria E. coli. (participou-participamos)


◾ uma e cinquenta quando anunciaram a origem

do surto da bactéria Escherichia coli enterohemorrágica. (Era-Eram)

Um comando de questão compatível com o direcionamento sugerido


seria o seguinte:

CLIQUE AQUI PARA VER

Considere que, durante uma avaliação de produção textual, ao


escrever uma reportagem sobre a bactéria Escherichia coli, você formulou
os enunciados acima. Na hora em que foi passar o texto a limpo, você ficou
em dúvida quanto à concordância verbal: não sabe se, na primeira lacuna,
o correto seria participou ou participamos, e se, na segunda lacuna, o
correto seria era ou eram. Como não é possível consultar uma gramática, e
você não quer cometer inadequações em sua produção, reescreva os
trechos, mantendo as informações, mas evitando as estruturas que
geraram dúvidas.

Observe que, nesse novo direcionamento, estimula-se que o aluno


procure novas formas de resolver suas dúvidas sobre concordância. Temos,
aí, uma tendência que favorece a ação e, por isso, garante o teor produtivo da
atividade.

A importância dos exercícios produtivos reside no fato de que estes são a


forma mais válida para se desenvolver a competência comunicativa. A
competência comunicativa (sobre a qual ainda falaremos nesta aula) é a
capacidade que o indivíduo tem de utilizar adequadamente a língua tanto
para expressão como compreensão (ou como escritor/falante ou como
leitor/ouvinte). Interessa aqui o êxito comunicacional em qualquer situação,
e não apenas naquelas em que se utiliza a norma padrão. Daí ser importante
que o aluno seja apresentado aos mais diversos tipos de situação de
interação.

Para concluirmos nossa discussão sobre os tipos de ensino, retomamos,


no quadro a seguir, informações importantes. Esperamos que, a partir da
reflexão proposta aqui, você tenha adquirido conhecimentos necessários
tanto para efetuar o estágio de observação com mais propriedade quanto
para, quando em sala de aula, produzir atividades e avaliações que tenham
como meta o desenvolvimento da competência gramatical.

TABELA-RESUMO SOBRE OS TIPOS DE ENSINO DE ANÁLISE


LINGUÍSTICA

23
PRESCRITIVO
◾ Caracterização - Privilegia a norma padrão. Em sua versão mais
“radical”, faz distinções entre o certo e o errado.
◾ Concepção de Linguagem - Linguagem como expressão do
pensamento: só sabe escrever e falar bem aquele que pensa bem.
◾ Concepção de Gramática - Gramática normativa: conjunto de regras
que determinam o que é correto, tanto para a fala quanto para a escrita.
◾ Importância - Desconsiderando-se a postura taxativa, o domínio de
boa parte das regras da norma padrão é necessário para a produção e a
compreensão de textos formais.

DESCRITIVO
◾ Caracterização - Privilegia a descrição da estrutura da língua. O
importante é entender como a língua se organiza para transmitir informações.
◾ Concepção de Linguagem - Linguagem como instrumento de
comunicação: é necessário dominar o código para se comunicar.
◾ Concepção de Gramática - Gramática descritiva: exposição da
estrutura dos diversos estratos gramaticais, contemplando qualquer variedade
linguística.
◾ Importância - A análise da estrutura linguística pode ser útil para a
formulação de uma mente voltada para a análise científica dos fenômenos.

PRODUTIVO
◾ Caracterização - Privilegia o aumento do repertório linguístico do
aluno. O contato com situações diversificadas (e a reflexão sobre elas)
possibilita o pleno desempenho linguístico em diferentes contextos.
◾ Concepção de Linguagem - Linguagem como forma de interação: o
importante é saber como utilizar a linguagem para agir sobre os outros.
◾ Concepção de Gramática - Gramática internalizada: conjunto de
regras que o sujeito domina e que efetivamente utiliza para produzir e
compreender textos.
◾ Importância - O viés produtivo preocupa-se em acrescentar
conhecimentos e habilidades sem desconsiderar o que o aluno já sabe, e por
isso contribui para a ação transformadora do ato de educar.

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO
A seguir, são apresentados quatro exercícios retirados do livro Curso
de gramática aplicada aos textos (Ulisses Infante, Scipione, 2001). Para
cada exercício, você deve:

◾ identificar o tipo de ensino (prescritivo, descritivo ou produtivo);


◾ justificar a identificação feita.

Além disso, você deve escolher um dos exercícios considerados


prescritivo ou descritivo e reformulá-lo de modo a torná-lo produtivo.
Clique aqui para abrir o arquivo.

FONTES DAS IMAGENS


1. http://coisasecasosfeitosefatos.blogspot.com.br/2012/01/as-vantagens-
de-uma-boa-leitura.html
2. http://www.denso-wave.com/en/

Responsável: Prof.ª Aurea Suely Zavam


Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

24
ESTÁGIO EM ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 01: CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA E OBJETIVOS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DE ANÁLISE LINGUÍSTICA

TÓPICO 04: OBJETIVOS DO ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA – OS PCN EM TELA

Já mencionamos, nesta aula, a ocorrência de “movimentos teóricos” que


se insurgiram contra a tendência normativo-prescritiva sobre o fenômeno da
linguagem verbal. Vimos que uma dessas respostas ((a mais produtiva, no
que diz respeito ao ensino-aprendizagem)) focaliza os usos da língua. De
acordo com essa abordagem, O OBJETIVO MAIOR DO ENSINO-
APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA É O DESENVOLVIMENTO DA
COMPETÊNCIA COMUNICATIVA. Esse conceito firma o entendimento de que
o aluno deve, ao final do seu período de escolarização básica, estar apto a
Fonte [1]
utilizar sua língua nas mais diversas situações. O objetivo do processo de
escolarização é, portanto, preparar o aprendiz para saber falar, escutar,
escrever e ler, em diferentes contextos e com diferentes objetivos.

No Brasil, na década de 80 do século passado, essa perspectiva ganhou


destaque, e, a partir de então, diversas propostas políticas, didáticas e
metodológicas foram sugeridas e/ou implementadas, tomando a
competência comunicativa como tema central. Todo esse movimento
implicou uma crítica ao que se convenciona chamar de “método tradicional
do ensino de língua portuguesa”. O ensino excessivamente gramatical,
centrado na memorização e na análise sintática de frases isoladas, passou a
ser contestado. Foi necessário, então, pensar outra forma de desenvolver as
habilidades gramaticais, a qual pudesse preparar os alunos para dominar as
regras efetivamente necessárias ao desempenho linguístico satisfatório.

CURIOSIDADE
O pesquisador Marcos Baltar (2004) sugere que, para além da
competência comunicativa, há uma competência discursiva. Esse conceito
mantém a ideia de que é importante o desenvolvimento das habilidades de
fala/escuta e leitura/escrita, mas reforça a tese de que o desempenho dos
sujeitos é fundamentalmente social, de modo que depende de
imposições/possibilidades decorrentes das relações sociais. A partir dessa
ideia, vê-se que o papel do contexto social é bastante relevante. Nesta aula,
deste ponto em diante, utilizaremos o termo “competência discursiva”, em
que se inclui a competência comunicativa tal como enunciada
anteriormente.

Mais que propor um novo olhar sobre o trabalho com gramática, a


proposta centrada na competência discursiva solicita uma mudança na
hierarquização dos objetos determinantes do ensino-aprendizagem da
língua. De um lado, uma nova vertente do trabalho com gramática é
necessária e absolutamente fundamental; de outro lado, ainda mais
necessário e ainda mais fundamental é o trabalho com o texto. O texto,
portanto, considerado como a unidade básica da linguagem quando se trata
de produção e compreensão de sentidos, passa a ser o objeto fundamental
em qualquer dimensão (política, pedagógica, metodológica etc.) do processo
de aprendizado em linguagem(ns).
25
Não poderia ser diferente, já que o desenvolvimento da competência
discursiva pressupõe o agir em interação, e os indivíduos interagem uns com
os outros, fundamentalmente, a partir de textos, os quais
constroem/manifestam os discursos. Produzir e transmitir informações,
participar do embate de ideias, aprender como proceder para a obtenção de
um resultado, apreciar (e aprender com) uma boa história, reconhecer
objetos, entender os procedimentos do fazer científico, capturar as visões de
mundo dos artistas, pedir e reclamar, seduzir... Enfim, dizer o que se quer
e/ou o que se pode, e “receber” o que se quer e/ou que se deve, só é possível
por meio dos textos. Nessa dimensão, portanto, residem os elementos
essenciais que garantem aos indivíduos a inserção em seus grupos sociais e a
capacidade para transformá-los.

Confirmando o valor dessas ideias, os Parâmetros Curriculares


Nacionais (1998)definem os principais objetivos do ensino de língua
portuguesa. A partir daí, todo o planejamento pedagógico das escolas
brasileiras deve propor subsídios para que os alunos aprendam a:

1- expandir o uso da linguagem em instâncias privadas e utilizá-la com


eficácia em instâncias públicas;

2- utilizar diferentes registros, inclusive os mais formais da variedade


linguística valorizada socialmente;

3- conhecer e respeitar as diferentes variedades linguísticas do português


falado;

4- compreender os textos orais e escritos com os quais se defrontam em


diferentes situações de participação social;

5- valorizar a leitura como fonte de informação, acesso à literatura e


possibilidade de fruição estética;

6- utilizar a linguagem como instrumento de aprendizagem;

7- valer-se da linguagem para melhorar as relações pessoais;

8- usar a reflexão sobre a língua para expandir o uso da linguagem e a


capacidade de análise crítica;

9- analisar criticamente os usos da língua como veículo de valores e


preconceitos.

No que diz respeito à análise linguística (ou, como dizem os PCN, a


REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA), os objetivos propostos deixam claros dois
aspectos principais: a organização funcional das construções linguísticas e a
natureza heterogênea da linguagem. Vamos, então, tecer alguns comentários
sobre esses dois aspectos.

4.1 A FUNCIONALIDADE DOS ITENS GRAMATICAIS


No que diz respeito à configuração funcional das construções
linguísticas, a perspectiva produtiva defende que as análises da língua
((fonológica, morfológica e sintática)) só têm relevância pedagógica se
estiverem a serviço de mostrar como os sentidos são produzidos e
compreendidos. Por exemplo: mais importante que saber definir um

26
substantivo é perceber o valor fundamental das coisas, seres, sentimentos
(entidades, enfim) para a apreensão do conteúdo de um texto. Mais
importante que classificar o sujeito como indeterminado é saber diferenciar
o sentido entre as construções “Roubaram minha carteira” ((em que, na
maior parte das vezes, o sujeito não sabe, de fato, quem praticou a ação)) e
“Falaram mal de você” ((em que, em certos contextos, o sujeito sabe quem
praticou a ação, mas opta por não revelar)) .

O que se está criticando, aqui, é o ensino do conteúdo gramatical


desvinculado das funções que as estruturas fonológicas e morfossintáticas
exercem nos textos. Essa postura tradicional ((ou seja, a descrição
desvinculada dos usos)) já mostrou que, no mais das vezes, é insuficiente
para desenvolver plenamente a competência discursiva dos alunos. Aliás, se
dissemos que essa é uma visão tradicional, é preciso completar que, em
algumas instituições, essa tendência ainda vigora, a despeito de reiteradas
críticas vindas da reflexão acadêmica e dos organismos oficiais que regulam
a educação.

VERSÃO TEXTUAL

Vejamos um exemplo de tratamento funcional do conteúdo


gramatical, a partir das vozes do verbo. A gramática normativa
contempla as distinções entre sujeito agente e sujeito paciente. O
sujeito agente é aquele que exerce a ação verbal tradicional; (“Eu
pintei o quadro”); o sujeito paciente é aquele que sofre a ação verbal
tradicional; (“O quadro foi pintado” [por alguém]). Normalmente, as
lições gramaticais sobre o assunto se limitam a definir as vozes e
solicitar que os alunos façam a transformação da voz ativa em passiva
ou vice-versa. Além disso, insiste-se na exercitação da voz passiva
sintética, (“Pintou-se o quadro” versus “Pintaram-se os quadros”), o
que revela, no fundo, uma preocupação com a memorização de regras
de concordância.

Não se menciona que a decisão por explicitar ou não o agente pode estar
relacionada a intenções discursivas. Por exemplo, se um garoto precisa
informar a sua mãe que quebrou um vaso muito apreciado por ela, ele pode
preferir a voz passiva à ativa, já que, com o uso da voz passiva, a sua
responsabilidade fica atenuada.

Além disso, a gramática normativa não considera a voz média, em que


se coloca o objeto da ação em posição de sujeito, mas não se utiliza uma
estrutura passiva tradicional ((O vaso quebrou)) . Em contextos informais,
essa provavelmente seria a escolha do garoto para informar a quebra do vaso
à sua mãe.

Vemos, mais uma vez, que as formas linguísticas estão completamente


relacionadas às intenções a serem manifestadas nos textos. Isso é tão
importante que dedicaremos a próxima aula para mostrar muitos exemplos
de tratamento textual-funcional das formas linguísticas.

27
Para o momento, importa destacar que o ensino-aprendizagem de
gramática continua a versar sobre as regularidades, mas essas regularidades
devem estar conectadas a intenções que se pretende transmitir, explícita ou
implicitamente. As classificações e definições só têm sentido se, a partir
delas, o aluno for capaz de aumentar seu leque de usos aplicáveis em textos.
Mais uma vez, o texto é o ponto de partida e de chegada.

4.2 A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA


Quanto à heterogeneidade das formas linguísticas, devemos retomar os
estudos de Sociolinguística Variacionista e lembrar que toda língua varia, ou
seja, apresenta diferentes formas para comunicar um mesmo conteúdo. As
formas variantes podem ser originadas tanto por fatores internos ao sistema
linguístico quanto por fatores externos.

Para ilustrar as diferentes causas da variação (internas e externas),


vejamos a discussão a seguir. No plano morfológico, é possível reconhecer as
variantes “oS carroS” e “oS carro” como semanticamente equivalentes.
Tomando-se como referência os fatores internos, tanto faz, em termos
informacionais, dizer uma como outra forma, já que a categoria de número
pode ser redundante em português. Logo, a segunda forma, em que a marca
de plural atinge somente o determinante, adviria da não necessidade de
marcar repetidamente o plural.

As mesmas variantes podem ser analisadas quanto à frequência de uso.


Neste caso, é preciso recorrer aos fatores externos, que explicarão, por
exemplo, porque em certas situações é mais comum se utilizar “os carros” e,
em outras, o uso de “os carro” é mais frequente. Dessa forma, vê-se que os
usos linguísticos são determinados, em parte, pelos fatores sociais.

Aceitando-se a intervenção de fatores extralinguísticos na


heterogeneidade do sistema, é inegável, portanto, o impacto dos
aspectos sociais na investigação sobre a linguagem. É possível, a
partir daí, estabelecer frequências de usos associadas a
determinados estratos sociais, bem como a determinadas
situações de linguagem. Pode-se então descrever as variedades
linguísticas a partir de parâmetros sociais. Em termos de
tratamento tipológico, a variação pode ser classificada como
geográfica (ou diatópica) ou social (diastrática).

A variação geográfica está relacionada às diferenças linguísticas


distribuídas no espaço físico, decorrentes do desenvolvimento de
comportamentos culturais específicos de determinados locais, que
identificam os membros de uma comunidade e os distinguem dos membros
de outras. Por exemplo, no plano sintático, os habitantes da região Nordeste
preferem fazer a negação com o verbo anteposto à partícula negativa, ao
passo que no Sudeste a preferência é pelo verbo posposto. Se alguém
perguntar por exemplo, “Você viu o Fulano?”, um falante da região Nordeste
provavelmente responderá “Vi não”, enquanto o falante da região Sudeste
dirá “Não vi”.

28
A variação social tem a ver com a identidade do falante, decorrente de
seu pertencimento a diversos grupos socioculturais. São exemplos de fatores
intervenientes na constituição desses grupos:

A CLASSE SOCIAL
Observemos, no plano fonético, as variantes [frauta] e [flauta], esta
associada à classe economicamente privilegiada e aquela, à classe
desfavorecida;

A IDADE
No plano lexical, lembremo-nos das gírias, que denotam um falar
específico da faixa etária jovem;

O SEXO
No plano morfológico, atentemos para a maior frequência de uso dos
diminutivos pelos sexo feminino (“lindinha”, “cheirosinho”, “maridinho”).

Um outro exemplo de variação social seria a adequação linguística a um


determinado contexto de interação. As variantes características desse
aspecto se abrigam sobre o estudo da variação de registro (ou diafásica). Um
exemplo de variação desse tipo seria a adequação que os falantes realizam de
acordo com o grau de formalidade da situação comunicativa. Para a região de
Fortaleza, por exemplo, pode-se citar o uso preferencial do pronome “tu” em
situações mais informais, em oposição à escolha do pronome “você” para
situações mais formais.

As reflexões da Sociolinguística Variacionista apresentam um aparato


descritivo que explicita coerentemente a relação entre aspectos
socioculturais e língua efetivamente utilizada. Muito fortemente associada a
essa descrição se encontra o estudo acerca das avaliações que os falantes
fazem sobre os usos linguísticos de sua comunidade. Ou seja, para a
Sociolinguística Variacionista, não interessa apenas descrever os usos, mas
também investigar como os usos descritos são avaliados ((quais são mais ou
menos prestigiados)) pelos falantes de uma comunidade.

Dessa forma, há certos usos mais prestigiados, por representarem a fala


dos indivíduos plenamente escolarizados. A estes usos costuma-se dar o
nome genérico de norma culta. A norma culta não é mais prestigiada porque
apresenta estruturas linguísticas melhores; a eleição de uma variedade como
culta é determinada absolutamente por critérios político-ideológicos. Seu
prestígio, portanto, decorre unicamente da importância da classe social a que
corresponde.

CURIOSIDADE
Na obra A língua na sala de aula (2004), organizada pelas
pesquisadoras Nukácia Araújo e Aurea Zavam, encontramos a importante
distinção entre norma padrão e norma culta. A primeira engloba o
conjunto de regras prescritas pelos manuais e compêndios gramaticais; a
segunda, o conjunto de regras efetivamente utilizadas pelos falantes
plenamente escolarizados de uma comunidade, especialmente nas
interações formais. Por exemplo, a recomendação de que não se deve

29
iniciar frase com pronome oblíquo faz parte da norma padrão, mas os
falantes cultos do português brasileiro não aplicam essa regra quando
usam a linguagem; em vez de “Passe-me a manteiga”, usa-se “Me passa a
manteiga”. Trata-se, portanto, de uma regra da norma padrão que não é
atualizada pela norma culta.

Ao tratar da questão da avaliação das formas linguísticas, a


Sociolinguística Variacionista apresenta uma contribuição de ordem prática
inestimável para o ensino de língua materna, pois demonstra, a partir de
uma perspectiva científica, a ineficácia do tratamento linguístico
exclusivamente gramatical. Entre outras coisas, as pesquisas na área
comprovam que o padrão gramatical, considerado coletivamente como o
único padrão linguístico “correto”, não é completamente seguido pelos
falantes escolarizados de uma determinada comunidade, nem mesmo
quando se trata de interações mais formais. Não faz sentido, pois, advogar
em favor de um ensino que tenha como único objetivo ensinar a norma
gramatical, visto que tal objetivo é insuficiente para formar cidadãos capazes
de utilizar a linguagem nas mais diversas situações sociais.

VERSÃO TEXTUAL

Dessa forma, as contribuições teóricas da Sociolinguística


possibilitam uma reflexão em torno da prática de ensino, no sentido de
defender um processo de aprendizagem linguística que considere o
caráter inerentemente heterogêneo da linguagem. É preciso formar
alunos capazes de reconhecer quando devem mudar de uma variedade
linguística para outra, aumentando seu arsenal comunicativo, para o
que o estudo da gramática normativa, sem dúvida, contribui, mas não
é suficiente.

Como dissemos, o ensino produtivo propõe o alargamento da gramática


internalizada dos indivíduos. O domínio da norma culta garante a apreensão
de mais essa variedade linguística, que será mais ou menos importante
dependendo do contexto comunicativo. Como já salientamos, é fundamental
que o indivíduo domine as regras da gramática normativa para que as utilize
nas diversas situações de interação, mas é também importante que ele não
julgue ser este o único ou o melhor conhecimento que possui sobre a língua.

Vejamos um exemplo de atividade (atividade adaptada a partir de nota


de aula dirigida a alunos da 2ª série do ensino médio de uma escola
particular de Fortaleza (CE)) em que o reconhecimento da variação
linguística é abordado a partir da interpretação de texto.

EXEMPLO DE ATIVIDADE

Encontraram-se, trinta anos depois, numa festa. Ela sorriu e disse: “Como
vai?”
— Vocês já se conhecem? — perguntou a dona da casa.
Ele não disse: “Nos conhecemos. No sentido bíblico, inclusive. Foi o amor
da minha vida. Quase me matei por ela. Sou capaz de morrer agora. Ah,
vida, vida”.

30
Disse:
— Já.
— Faz horas, né? — disse ela.
Sentou-se ao lado dela. Estava emocionado. Mal conseguia dizer:
— Trinta anos...
— Xiii! Nem fala. Estou me sentindo uma velha.
E acrescentou:
— Caquética.
Curioso, ela engordara, claro. Tinha rugas. Mas o que realmente mudara
foi a sua voz. Ou será que ela sempre tivera aquela voz estridente?
Impossível. Ele se lembrava de tudo dela. Tudo. O amor da sua vida. Ela
agora lhe cutucava o braço.
— Tu tá um broto, hein?
— Que fim você levou? Quer dizer...
— Nem me fala, meu filho. Sabe que eu já sou avó?
— Não!
Ele não conseguia esconder o horror na sua voz. Mas ela tomou como um
elogio. Gritou: “Haroldo”, chamando o marido, que veio sorrindo. Ela
apresentou: “Este aqui é um velho amigo...” Mas não disse o nome. Meu
Deus, ela esqueceu o meu nome! Ela instruiu o marido:
— Mostra o retrato do Gustavinho.
E para ele:
— Tu vai ver que mimo de neto.
O Haroldo pegou a carteira. Ela esqueceu o meu nome. E eu me lembro de
tudo! A cicatriz do apêndice. O apartamento na André da Rocha. “Vou te
amar sempre, sempre”! Tudo!
O Haroldo tirou o retrato da carteira. Ele pegou o retrato. O Gustavinho
olhava assustado para a câmara.
— Não é um amor? — perguntou ela.
Ele devolveu o retrato para o Haroldo. Disse:
— Não.
— Como, “não”?
— Não achei, pronto.
E saiu atrás de um uísque.
Veríssimo, Luis Fernando. COMÉDIAS DA VIDA PRIVADA: 101 crônicas
escolhidas. 15. ed. Porto Alegre: L&PM, 1995. p. 71-72.

QUESTÃO 1 - A mulher utiliza duas construções que desobedecem à


norma gramatical: “Tu tá um broto” e “Tu vai ver”. Sobre estes usos,
marque V ou F conforme sejam verdadeiras ou falsas as assertivas a seguir.

a. ( ) O narrador pretende mostrar que a mulher vem de uma classe social


mais baixa.
b. ( ) O narrador pretende enfatizar o contexto de informalidade que
envolve a cena.
c. ( ) O narrador pretende contrastar o comportamento da mulher com o
do homem.

QUESTÃO 2 – Justifique sua resposta ao item “c”, explicitando em que


o comportamento do homem e o da mulher se assemelham (caso tenha

31
julgado o item como falso) ou em que os comportamentos deles se
diferenciam (caso tenha julgado o item como verdadeiro).

Na atividade proposta, elegem-se duas variantes linguísticas (“Tu tá” e


“Tu vai”) que revelam uma possibilidade de flexão verbal contrária aos
ditames da norma padrão. As questões propostas não versam sobre a
incorreção desses usos, mas, sim sobre a função dessas variantes no texto.
Com essa abordagem, o aluno é estimulado a perceber a heterogeneidade em
funcionamento. Isso tanto mostra que o texto deve ser, de fato, o ponto de
partida e de chegada do ensino-aprendizagem quanto revela a pertinência da
análise das formas linguísticas para o processo de compreensão dos sentidos.

Considerando-se os princípios defendidos neste tópico, O OBJETIVO DO


ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA ORIENTADOR DO
PLANEJAMENTO DOCENTE é a expansão do conhecimento linguístico dos
aprendizes, focalizada na apreensão de aspectos normativos necessários à
plena participação social e na reflexão sobre os sentidos e as intenções
transmitidos por certas construções regulares. A fim de que possibilite esse
desenvolvimento em seus alunos, o professor pode lançar mão das seguintes
orientações:

ORIENTAÇÃO 01

Organizar as aulas em torno do eixo USO→REFLEXÃO→USO (PCN,


1998), que investe no tratamento cíclico das estruturas da linguagem: a
partir de textos (socialmente veiculados ou produzidos por alunos),
elegem-se fenômenos específicos, os quais são analisados à luz dos
conhecimentos consolidados, para, a partir de então, serem "usados"
novamente, agora com mais propriedade, em virtude da reflexão
estabelecida;

ORIENTAÇÃO 02

Analisar as construções linguísticas características das situações mais


formais e mais informais, a fim de reconhecer o grau de adequação
característico de cada interação, com especial atenção para as situações de
escrita informal (como a interação por meio de uma carta pessoal ou de um
batepapo virtual) e de oralidade formal (como a apresentação de um
seminário ou a fala de um jornalista na televisão);

ORIENTAÇÃO 03

Promover uma cultura de apreciação da linguagem em termos de


adequado X inadequado (em oposição a certo X errado), na qual o
preconceito linguístico é constantemente combatido e a autoestima dos
falantes, no que toca à variedade linguística que traz de sua comunidade, é
permanentemente estimulada.

PRECONCEITO LINGUÍSTICO

O preconceito linguístico diz respeito ao julgamento


depreciativo sobre usos da língua, estabelecido, principalmente, a
partir de critérios socioeconômicos. Sob essa visão, os usos
julgados como errados (como, por exemplo, boa parte das regras
de concordância) são os usos praticados pelos falantes não

32
escolarizados. Usos não condizentes com a norma padrão (como,
por exemplo, as regras de formação do modo imperativo), mas
que são utilizados por falantes plenamente escolarizados, não são
passíveis de preconceito.

FONTES DAS IMAGENS


1. http://www.brasilescola.com/upload/e/PCN.jpg
2. http://www.denso-wave.com/en/

Responsável: Prof.ª Aurea Suely Zavam


Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

33
ESTÁGIO EM ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 01: CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA E OBJETIVOS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DE ANÁLISE LINGUÍSTICA

TÓPICO 05: OUTROS OBJETIVOS DO ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA

Além do desenvolvimento da competência discursiva, há outros


objetivos para o ensino de análise linguística. Travaglia (1997) cita os
seguintes:

1º OBJETIVO
Levar o aluno a dominar a norma culta e/ou ensinar a modalidade
escrita da língua;

2º OBJETIVO
Levar o aluno ao conhecimento da instituição social que é a língua;

3º OBJETIVO
Ensinar o aluno a pensar cientificamente.

Ao descrevermos os tipos de ensino, já se tratou, de certa forma, desses


objetivos. O primeiro deles implica um ensino produtivo da norma
linguística. Lembramos que a crítica feita ao ensino prescritivo não é uma
crítica à necessidade de se aprender a norma gramatical; trata-se, muito
mais, de uma proposta para relativizar o papel desse aprendizado, que é um
entre outros.

O segundo e o terceiro objetivos relacionam-se ao ensino descritivo. A


rigor, muito (mas não tudo) do aprendizado sobre produção e compreensão
de textos pode ser efetivado sem que o aluno conheça as minúcias da
descrição estrutural. Contudo, ainda assim ela é importante. Em primeiro
lugar, porque pelo menos o aprendizado da modalidade escrita depende, em
parte, da descrição; o uso adequado da pontuação em textos formais só se
manifesta se o escritor tiver noção (ainda que não plenamente) da função
sintática dos termos de um enunciado.

Além disso, mesmo quando não apresenta uma função genuinamente


instrumental, o ensino descritivo tem seu valor, o que se explicita nos dois
objetivos em tela.

Conhecer a língua como instituição social é um saber socialmente


valorizado. Não é necessário, por exemplo, que os cidadãos saibam de cor
todos os elementos químicos da tabela periódica, mas é recomendável que
conheça os principais elementos, que ele saiba, por exemplo, o que é um
átomo. Também não é preciso saber quais foram todos os presidentes
brasileiros, mas é preciso tem uma boa noção do que seja república e do que
INSTITUTO UNIVERSIDADE fizeram os presidentes mais importantes. Enfim, existe uma gama de
VIRTUAL informações que são exigidas dos cidadãos plenamente inseridos em suas
comunidades. No caso da língua materna, por exemplo, saber o que é um
substantivo, um verbo etc. ou distinguir o sujeito do predicado, ainda que
não tivesse aplicabilidade no aprendizado sobre os textos, tem seu valor
como moeda cultural.

34
Finalmente, o ensino descritivo, ao possibilitar a reflexão sobre o
sistema da língua, o que demanda estabelecer definições, classificações e
relações de valor entre termos, estimula o pensamento científico. A
compreensão dos fenômenos à luz da ciência se dá por nomeação, localização
e comparação. Logo, estudar o sistema da língua pode ser útil para formar
uma “mente científica”.

FÓRUM
Leia o conteúdo dos dois links a seguir. No primeiro, há uma
reportagem da revista Istoé [1] sobre o livro didático Por uma vida
melhor. [2]

No segundo, há um capítulo do referido livro, mais especificamente, o


capítulo que serviu de mote para a polêmica de que “o governo está
ensinando os alunos da rede pública a falar errado”.

Após a leitura, discuta, com seus colegas, sobre a abordagem da


revista Istoé (que, no final das contas, revela a visão que predominou nos
órgãos de imprensa). A abordagem foi adequada? As informações
apresentadas pela revista são compatíveis com o conteúdo do livro?
Procure sustentar sua argumentação com excertos presentes tanto na
reportagem quanto no capítulo do livro.

Discuta, também, a noção de “falar errado” com base nos tipos de


ensino de análise linguística, nos objetivos do ensino-aprendizagem de
língua portuguesa e na contribuição da Sociolinguística para o ensino da
língua.

REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Nukácia M.; ZAVAM, Aurea. (Org.). A LÍNGUA NA SALA DE
AULA: questões práticas para um ensino produtivo. Fortaleza: Perfil
Cidadão, 2004.

BAGNO, Marcos. PRECONCEITO LINGUÍSTICO: o que é, como se faz.


2. ed. São Paulo: Loyola, 1999.

BAKHTIN, Mikhail. MARXISMO E FILOSOFIA DA LINGUAGEM:


problemas fundamentais do método sociológico na ciência da
linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 8. ed. São
Paulo: Hucitec, 1997.

BALTAR, Marcos. A validade do conceito de competência discursiva


para o ensino de língua materna. LINGUAGEM EM (DIS)CURSO.
Tubarão, v. 5, n.1, p. 209-228, jul./dez. 2004. Disponível em:
<www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/.../0501/12%20art%2010.pdf>.
Acesso em: 22 fev. 2011.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. PARÂMETROS


CURRICULARES NACIONAIS: língua portuguesa.Brasília: Ministério
da Educação / Secretaria de Educação Fundamental, 1998.

35
CASEVITZ, Michel; CHARPIN, François. A herança greco-latina. In:
BAGNO, M. (Org.). NORMA LINGUÍSTICA. São Paulo: Loyola, 2001, p.
23-53.

LYONS, John. LINGUAGEM E LINGUÍSTICA. Tradução Marilda


Winkler Averbug e Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1987.

TRAVAGLIA, Luiz C. GRAMÁTICA E INTERAÇÃO: uma proposta para


o ensino de gramática no 1o e 2o graus. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1997.

FONTES DAS IMAGENS


1. http://www.istoe.com.br/reportagens/138200_O+ASSASSINATO+DA+
LINGUA+PORTUGUESA
2. http://www.4shared.com/document/QVkKYcPJ/Por_uma_vida_melho
r_-_Heloisa_.html
3. http://www.denso-wave.com/en/

Responsável: Prof.ª Aurea Suely Zavam


Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

36
ESTÁGIO EM ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 02: GRAMÁTICA EM USO – RECURSOS SIGNIFICATIVOS PARA A CONSTRUÇÃO DO TEXTO

TÓPICO 01: ATIVIDADES METALINGUÍSTICAS E ATIVIDADES EPILINGUÍSTICAS

Na aula 1, mostramos que o redimensionamento do ensino-


aprendizagem de análise linguística passa pelo tratamento funcional do
sistema gramatical, o que implicar levar em conta a heterogeneidade
constitutiva de toda e qualquer língua, bem como o papel dos recursos
linguísticos nos processos de construção dos sentidos (processos, em última
instância, de produção e compreensão de textos). Na aula anterior, já
discutimos os aspectos atinentes à abordagem pedagógica da variação
linguística. Nesta aula, falaremos da relação entre recursos linguísticos e
sentidos do texto.

VERSÃO TEXTUAL

O objetivo é levar você a produzir conhecimentos sobre uma


abordagem pedagógica que o ajude a concretizar o tão desejado
“ensino de gramática no texto”. Trata-se de uma tarefa bastante árdua,
entre outros motivos, porque não há uma produção acadêmica que
proponha sistematização sobre isso. Há muitos trabalhos científicos
que propõem uma descrição funcional dos recursos de linguagem,
entre os quais podemos destacar os volumes da Gramática do
português falado, e a Gramática de usos da linguista Maria Helena de
Moura Neves (editora Unesp, 2000).

Contudo, obras desse tipo têm como objetivo a descrição científica dos
fenômenos, sem que haja uma preocupação direta com o fazer pedagógico.
Claro que são recursos muito valorosos para a formação teórica do professor,
mas a prática docente em língua portuguesa ainda carece de material
suficiente para que daí surja uma proposta sistemática de ensino-
aprendizagem de gramática, a qual contemple abordagens produtivas sobre a
maior parte dos fenômenos gramaticais.

Essa proposta, na verdade, não existe (ainda). Mas isso não significa que
o professor não possa promover um ensino funcional de análise linguística.
O conhecimento sólido da teoria aliado à capacidade de “raciocinar
funcionalmente” sobre os fenômenos da linguagem pode colaborar para
sanar a falta que uma proposta mais sistemática faz. Com isso em mente,
pretendemos, nesta aula, explicitar alguns aspectos funcionais atinentes aos
estratos gramaticais. Destacaremos, aqui, os aspectos fonológico. Intentamos
mostrar que os elementos desses estratos (e também dos estratos sintático e
semântico) podem ser analisados sob o foco de seus usos nos textos. Não
vamos, aqui, mostrar todas as possibilidades (até porque isso é impossível).

O que queremos é instigá-lo a observar os fenômenos por outro olhar,


a fim de que, em sua trajetória profissional, você tenha condições de agir
com autonomia quanto à proposição de abordagens pedagógicas
condizentes com o ensino produtivo. O primeiro passo será dado aqui:

37
conhecer possibilidades para depois formular suas próprias ações em
busca do aprendizado efetivo de seus alunos.

Para começarmos, é importante traçar uma distinção entre


metalinguagem e epilinguagem. Provavelmente, você deve conhecer o termo
metalinguagem. Quando estudamos as funções da linguagem de Jakobson
vemos que uma delas é a função metalinguística, a qual focaliza o código
linguístico. A metalinguagem ocorre, portanto, quando usamos a linguagem
para explicar a linguagem. O dicionário, que usa palavras para definir
palavras, é um exemplo de metalinguagem. As explicações gramaticais (uso
da linguagem para descrever o sistema da língua) também configuram a
metalinguagem.

METALINGUAGEM E EPILINGUAGEM

Para mais informações sobre metalinguagem e epilinguagem,


sugerimos a leitura do livro Portos de passagem (GERALDI, 1997) e
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998).

JAKOBSON

Pensador russo e um dos maiores linguistas do século XX, foi


pioneiro da análise estrutural da linguagem, poesia e arte. Ainda que
seu nome não apareça em muitos dos livros e manuais didáticos
voltados para o ensino de língua e literatura, Jakobson é referência
obrigatória quando se fala das funções da linguagem. O objeto do
linguista russo, ao distinguir seis funções da linguagem, cada uma
relacionada a um dos componentes do processo de comunicação, era
mostrar que no ato comunicativo a linguagem pode ser usada em
distintas funções. Sobre as funções da linguagem, acesse o link [1]

Já o termo epilinguagem, provavelmente, é menos conhecido. Vamos


tentar defini-lo? Primeiramente, vejamos que o prefixo grego ep(i), segundo
o Dicionário Houaiss eletrônico, apresenta, entre outros sentidos, os
seguintes: em cima, muito perto, depois, a seguir; além de, sobre, no meio
de, conforme a; com respeito a. Qual destes caberia em uma definição de
epilinguagem? Esse termo contemplaria algo muito perto da linguagem? Ou
depois da linguagem? Ou sobre a linguagem? Ou conforme a linguagem?

A fim de especificarmos a natureza da epilinguagem, vamos comparar as


duas explicações a seguir:

EXPLICAÇÃO 1

OS TEMPOS DO VERBO – São:

• PRESENTE - Em referência a fatos que se passam ou se estendem


ao momento em que falamos: eu canto

• PRETÉRITO - Em referência a fatos anteriores ao momento em que


falamos e subdividido em imperfeito, perfeito e mais-que-perfeito:
cantava (imperfeito), cantei (perfeito) e cantara (mais-que-perfeito);

38
• FUTURO - Em referência a fatos ainda não realizados e subdividido
em futuro do presente e futuro do pretérito: cantarei (futuro do presente),
cantaria (futuro do pretérito).

EXPLICAÇÃO 2

Normalmente, o presente do indicativo tem as seguintes funções:

• Falar de hábitos

Falar de hábitos (algo que se repete ou se perdura)

Corro na Beira-Mar todas as manhãs.

Você frequenta o Centro Cultural Dragão do Mar?

• Falar de algo que já aconteceu

Falar de algo que já aconteceu (presente histórico):

Em 1822, Dom Pedro I proclama a independência do Brasil.

Você é de lascar. Marca comigo e nem aparece.

Tal uso é comum em manchetes de jornais e revistas, bem como em


títulos de notícias jornalísticas. Veja, por exemplo, algumas manchetes de
“capa” do Universo Online de 18 de julho de 2011:

Morre repórter que denunciou grampos de tablóide

Djalminha e Evair (dir.) condenam desequilíbrio do Brasil nos


pênaltis

De volta à Record há um mês, Datena já reclama da emissora

Após eliminação da Copa América [2], Mano cita Argentina e


promete que Brasil será forte em 2014

Disponível em: UOL [3]. Acesso em: 18 jul. 2017.

• Falar de algo que ainda vai acontecer

Meu avião parte às sete horas da noite.

• Falar de verdades "universais"

Falar de verdades "universais" (normalmente, fatos científicos e


situações cotidianas)

A água ferve a 100º C.

Dilma é a presidente do Brasil.

A Gramática Normativa diz que a função do presente do indicativo é


expressar algo que está ocorrendo no momento em que se fala; no entanto,
pelo menos no português do Brasil, essa função é normalmente exercida
pela locução verbal com gerúndio.

— O que você está fazendo?

— Estou estudando para a prova.

39
EXPLICAÇÃO 1: disponível em BECHARA, Evanildo. Moderna
gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999, p. 221;

EXPLICAÇÃO 2: trecho de uma nota de aula para alunos da 2ª série do


ensino médio de uma escola particular de Fortaleza (CE).

As duas explicações versam sobre tempo verbal. Você percebe a(s)


diferença(s) entre elas? Qual a abordagem de cada uma? Qual delas se
relaciona com a metalinguagem e qual se relaciona com a epilinguagem? As
duas explicações são adequadas e necessárias?

A primeira explicação é marcadamente metalinguística, pois focaliza a


estrutura dos tempos verbais, bem como a sua função semântica elementar
(apresentada, para cada tempo, como a única função). Há, portanto, um
direcionamento voltado para o entendimento de uma categoria gramatical
(no caso, os tempos verbais) como parte de um sistema. Para que essa
categoria seja reconhecida como elemento pertinente do sistema, descreve-se
a sua forma de realização e a sua significação. Temos, aqui, o uso clássico da
metalinguagem: o foco é a caracterização do sistema linguístico.

Se por um lado a metalinguagem fornece respostas para a linguagem,


por outro, a epilinguagem cuida de refletir sobre a linguagem, ou, mais
especificamente, sobre os usos da linguagem. Nessa dimensão, interessa
saber como e por que os sujeitos usam alguns recursos para comunicar
alguma coisa (informações, sentimentos e opiniões). Na explicação 2, temos
uma descrição dos usos do tempo presente do modo indicativo no português
do Brasil. Veja que há até um comentário que corrige a informação veiculada
pelo estudo gramatical tradicional.

PARADA OBRIGATÓRIA
A Gramática Funcional é a teoria da Linguística que investiga as
relações entre usos da linguagem e formas gramaticais. Uma das teses
dessa teoria é a de que as formas estão a serviço dos usos, e não o
contrário. Com isso, procura-se descrever os elementos gramaticais
presentes em textos, mostrando-se a frequência e os sentidos veiculados. A
Gramática Funcional traz grandes contribuições ao destacar as limitações
da classificação gramatical tradicional. A descrição do presente do
indicativo conforme a explicação 2 é um exemplo disso. Em outros
momentos desta aula, procuraremos confrontar a análise funcional
(epilinguística) com as limitações da análise tradicional.

Você consegue formular uma distinção entre as duas abordagens? Tente


fazê-la completando as lacunas do enunciado a seguir. Se achar necessário,
mostre sua resposta ao tutor, a fim de que ele faça as observações
necessárias:

Enquanto a metalinguagem

a epilinguagem

40
Da mesma forma que temos explicações metalinguísticas e explicações
epilinguísticas, temos as ATIVIDADES METALINGUÍSTICAS e as
ATIVIDADES EPILINGUÍSTICAS. Estas são formuladas para que o aprendiz
reflita sobre o uso de recursos expressivos em função das atividades
linguísticas em que esteja engajado; aquelas levam à construção de noções
com as quais se torna possível categorizar tais recursos. Observemos os dois
exemplos de atividade a seguir:

ATIVIDADE 1

Classifique sintaticamente as orações subordinadas substantivas


destacadas.

a) “Estava era louca para que o dia amanhecesse depressa.” (Aníbal


Machado)

b) “Pergunto onde é que fica a casa de Simeão pescador, o


zarolho.” (Rubem Braga)

c) O certo é que todos só sabem criticá-lo.

d) “Quem sabe se os dois não tinham uma receita de


felicidade.” (Carlos Drummond de Andrade)

e) Eu lhe disse apenas: não me aborreça com tolices.

Atividade presente em CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES,


Thereza Cochar. Português: linguagens, v. 3. 4. ed. São Paulo: Atual, 2004,
p. 57.

ATIVIDADE 2

Leia o texto a seguir e responda ao que se pede.

CLIQUE AQUI PARA VER O TEXTO

A classe médica e de enfermagem e o Hospital Nossa Senhora da


Conceição de Tubarão tiveram um papel essencial antes, durante e
depois da enchente. Prova disso é que não se teve notícias de
epidemias, tétano, leptospirose, entre outras doenças.

Antes que a catástrofe se manifestasse com todo o seu poderio,


naquele 24 de março de 1974, alguns médicos já agiam em termos de
prevenção. O médico Arary Bittencourt conta que, com auxílio da
Rádio Tubá, sempre que possível, levava aos ouvintes informações de
como se conduzir em certas circunstâncias e como prevenir-se de
possíveis riscos. [...]

O médico ainda conta que a enfermagem do hospital participou


na criação de alojamentos no Edifício Dom Joaquim, ao lado da
Catedral, para dar assistência a doentes flagelados. “Quando a
desgraça aconteceu, o hospital, sem energia elétrica, à luz de velas e
lanternas, acessado pelo caminhão da Ferrovia, que andando de ré
vencia as águas sem morrer a máquina, recebia as equipes de
trabalho e as primeiras vítimas das águas”, destaca.

41
Disponível em:
http://diariodosul.com.br/cadernos/enchente/9.htm. Acesso em:
09 fev. 2006.

1. Nós aprendemos que o adjetivo é a "palavra que caracteriza os


seres". No texto lido, as palavras "catástrofe" e "desgraça" atuam como
caracterizadoras? Essas palavras são classificadas como adjetivos?

2. A partir das respostas dadas na questão anterior, complete o


enunciado a seguir, fornecendo uma informação sobre a relação entre
substantivos e função caracterizadora. Alguns substantivos, além da função
de nomear os "seres", podem assumir a função textual de

3. Comprove que você compreendeu a reflexão apresentada: escreva


um parágrafo em que o substantivo "brilho" apresente a função
mencionada por você na questão 2.

Adaptação de atividade presente em uma nota de aula para alunos da


2ª série do ensino médio de uma escola particular de Fortaleza (CE).

No primeiro exemplo (uma atividade metalinguística), a reflexão


proposta encaminha o aluno para o reconhecimento da classificação sintática
das orações subordinadas substantivas. Por promover a possibilidade de o
aluno saber mais sobre a caracterização do sistema linguístico, o foco é a
metalinguagem.

No segundo exemplo (uma atividade epilinguística), parte-se dos usos


de dois substantivos no texto para permitir que o aluno reflita sobre uma
função que não está relacionada à morfossintaxe do substantivo (ou seja, não
é descrita pelos compêndios gramaticais tradicionais): alguns substantivos
podem apresentar uma função caracterizadora (ou, melhor dizendo,
avaliativa). Esse é um uso muito frequente e muito importante
(fundamental, por exemplo, em textos argumentativos). Por focalizar o uso, e
por permitir que o aluno reconheça tal uso (tanto na compreensão quanto na
produção), o exercício é de natureza epilinguística.

DICA
Na aula anterior, mencionamos que o tratamento pedagógico da
linguagem requer uma abordagem cíclica, explicitada pelo tripé
USO→REFLEXÃO→USO. A atividade 2 exemplifica essa abordagem:
parte-se de um uso (a função caracterizadora que alguns substantivos
podem assumir), o qual gera uma reflexão; a partir dessa reflexão, é
possível acrescentar novos conhecimentos, que devem ser postos em uso
novamente (no caso, a partir da formulação de um parágrafo em que a
função destacada deve estar presente).

Acrescentamos que, embora a atividade 1 não seja formulada no


esquema USO → REFLEXÃO → USO, isso não quer dizer que atividades
metalinguísticas não possam passar pelo mesmo tratamento.

42
Ambos os tipos de atividade são fundamentais para o desenvolvimento
da competência discursiva. Contudo, destacamos que, em um processo de
produção de conhecimento, para que as atividades metalinguísticas tenham
alguma significância, é preciso que as atividades epilinguísticas as tenham
antecedido, especialmente porque as gramáticas existentes (que tratam da
metalinguagem) são insuficientes para dar conta de muitas reflexões
epilinguísticas que podem (e devem) ser feitas. Um estudo que integre
metalinguagem e epilinguagem permite aos sujeitos retomar suas intuições
sobre a linguagem, aumentá-las, torná-las conscientes e produzir, a partir
delas, conhecimentos sobre a linguagem que se usa e que os outros usam.

FONTES DAS IMAGENS


1. http://www.jackbran.pro.br/linguistica/funcoes_da_linguagem_jakobs
on.htm
2. http://click.uol.com.br/?rf=home-
mancheteE&u=http://esporte.uol.com.br/futebol/campeonatos/copa-
america/2011/ultimas-noticias/2011/07/18/mano-menezes-orienta-
treinamento-da-selecao-brasileira-em-los-cardales-na-argentina-
05072011.htm
3. http://www.uol.com.br/
4. http://www.denso-wave.com/en/

Responsável: Prof.ª Aurea Suely Zavam


Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

43
ESTÁGIO ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 02: GRAMÁTICA EM USO – RECURSOS SIGNIFICATIVOS PARA A CONSTRUÇÃO DO TEXTO

TÓPICO 02: QUESTÕES FUNCIONAIS SOBRE FONOLOGIA RELEVANTES PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM

Quase todas (se não todas) as gramáticas pedagógicas apresentam uma


seção sobre Fonologia da língua portuguesa. Normalmente, essas seções
descrevem os fonemas da língua, caracterizando-os quanto ao ponto de
articulação ((nos lábios, entre a língua e os dentes, nos alvéolos etc.)) e
quanto à vibração das cordas vocais ((surdos e sonoros).) . Nessas seções,
INSTITUTO UNIVERSIDADE também são apresentadas as recomendações sobre acentuação e sobre
VIRTUAL ortografia, afinal, essas duas esferas são influenciadas pela Fonologia. O que
temos, nas gramáticas, no que diz respeito à Fonologia, é uma perspectiva
descritiva.

A Fonologia tem importância fundamental no processo de alfabetização.


As primeiras investidas com vistas à formalização da escrita passam pelo
entendimento crucial da relação entre som e letra. Quanto mais cedo o aluno
for capaz de compreender que não há uma equivalência de 1 para 1 entre o
alfabeto e os sons da língua ( (ou seja, não vale a regra “para cada fonema, há
uma e apenas uma letra correspondente”)) , mais rápido passará a dominar a
escrita alfabética. Outras questões, como a noção de sílaba e divisão silábica
e a percepção de regularidades ortográficas elementares, também passam
pela compreensão dos recursos fonológicos.

Além da aplicação direta na alfabetização, haveria outra “utilidade” para


a Fonologia? Ou o estudo dessa matéria, nas séries finais do ensino
fundamental e no ensino médio, se limita a reconhecer que /b/ é um fonema
bilabial, /a/ é uma vogal média etc.? A depender do que ensinamos a
respeito desse assunto, poderemos ouvir várias vezes a célebre pergunta “Pra
que serve isso?”.

Na verdade, há aplicações pedagógicas da Fonologia bastante


importantes. Aqui, vamos destacar a importância do conhecimento
fonológico para a produção textual. Vejamos os seguintes exemplos:

EXEMPLOS
(1) “Porém isto não é o que se VER na realidade.”

(2) “Ele consegue APRIMORÁ as necessidades dos seres humanos.”

(3) “Acredito que num país como o Brasil, que a maioria da população
tem a renda muito baixa, que mal DA para se ter um pouco de cada
necessidade”

(4) “O que você construiu de forma boa e DESCENTE para sua vida é
que lhe tráz felicidade”

(5) “O dinheiro dá as pessoas á terem uma melhor ESPECTATIVA de


vida”

44
(6) “O dinheiro pode contribuir plenamente na vida de uma pessoa,
pois sempre abre oportunidade EXELENTES trazendo felicidade para
qualquer pessoa”

(7) “chegando na maioria das vezes ser injustos, principalmente para


aqueles que querem estudar, CRECEREM na vida e que não tem
oportunidade.”

(8) “No planejamento de coisas simples como: ir a praia, esperar o


filho nascer, assistir o jogo de FUTIBOL do seu time, ler um livro que você
gosta varias vezes e muitas outras coisas que a vida construida por você,
oferece”

(9) “Será que você ainda acha que o dinheiro não CONTRIBUE para a
felicidade?

(10) “O dinheiro HOJÊ em dia, pode trazer felicidade para muita


gente carente que existe no PAIS”

(11) “Dinheiro não é tudo, MAIS nos proporciona a uma condição de


vida melhor.”

(12) “No entanto não podemos viver sem dinheiro, pois tudo gira
ENTORNO dele.”

Os exemplos apresentados consistem de trechos de produções textuais


de alunos de um curso pré-universitário de Fortaleza (CE) e foram
transcritos tais quais os originais. Os vocábulos destacados mostram que
uma parte dos problemas relacionados às convenções da escrita deriva da
“interferência” da fala na escrita. Em virtude de os sujeitos pronunciarem
certos vocábulos de uma tal maneira, eles creem que a escrita de tais
vocábulos reflete fielmente essa pronúncia.

É possível até, para alguns casos, reconhecer a (ir)regularidade


envolvida. As ocorrências (1) a (3), por exemplo, atestam a seguinte
realização: na fala, a terminação “r” da conjugação verbal não é pronunciada;
“estar” e “está”, “ver” e “vê”, “sentir” e “senti” – os pares são pronunciados da
mesma forma. Isso gera dúvidas quanto à escrita, que são extrapoladas
inclusive para contextos em que não há a mesma pronúncia – não há
equivalência sonora entre “aprimorar” e “aprimora”; observe, contudo, que,
na ocorrência (2), o aluno registra “aprimorá”. Também as ocorrências (4) a
(7) partem de uma mesma “raiz”: a grande variedade de manifestações
gráficas do fonema /s/.

EXERCITANDO
Você é capaz de reconhecer os “fatos fonológicos” que estão por trás
dos problemas presentes nas ocorrências (8) a (12)? Procure descrevê-los.
Caso ache necessário, discuta suas respostas com seu tutor.

Você pode estar “horrorizado” que alunos que concluíram a educação


básica apresentem “erros” dessa natureza. Acontece que essas inadequações
são bem mais frequentes do que se imagina. E, se levarmos em conta que

45
esse tipo de problema (por saltar imediatamente aos olhos) é um forte fator
para o julgamento que se faz sobre a qualidade do texto, compreenderemos
que não importa qual o momento escolar em que o aluno deveria dominar
esses aspectos; se ele apresenta esse tipo de dificuldade, o professor precisa
agir para ajudá-lo.

OLHANDO DE PERTO
Nesta disciplina, já foi dito, mais de uma vez, que o texto é o ponto de
partida e o ponto de chegada. Isso implica que o mais importante, no que
diz respeito ao desenvolvimento da escrita, é a capacidade de produzir
textos coerentes. A qualidade do “sentido” do texto, portanto, é
fundamental. Contudo, isso não quer dizer que outros aspectos – como,
por exemplo, a adequação ortográfica em textos escritos formais – não
tenham seu valor. Não custa lembrar: devemos preparar nossos alunos
para se comunicarem bem em qualquer situação. Em situações formais, o
uso adequado das convenções de escrita tem grande peso quanto à
apreciação que os outros fazem. Portanto, “A César o que é de César”.

É possível propor uma intervenção didático-pedagógica que incida sobre


esses aspectos? Cremos que sim. Em primeiro lugar, sempre que o professor
encontrar esse tipo de inadequação no texto de um aluno, deve fazer uma
marcação, a fim de que este saiba que precisa propor uma correção para a
ocorrência destacada. Em segundo lugar, o professor deve estar ciente ((e
trabalhar essa percepção com o aprendiz)) de que problemas ortográficos
dessa natureza podem ser divididos em dois tipos: aqueles em que a
convenção é “soberana” ((e por isso o aluno deve memorizar as grafias
corretas)) e aqueles em que é possível perceber uma regularidade sistemática
das inadequações ((e por isso o professor pode propor atividades de
reflexão)) .

No primeiro caso, inclui-se a grafia do fonema /s/. No mais das vezes,


essa grafia é, para nossa percepção sincrônica, completamente arbitrária, já
que não temos como reconhecer a motivação diacrônica (etimológica) que
definiu a grafia.

No segundo caso, inclui-se a grafia das formas verbais do infinitivo. A


inadequação dessa grafia é um problema que pode ser solucionado a partir
de uma reflexão direcionada. Nesse caso, poderíamos propor atividades de
substituição das formas por outras de sentido equivalente, para as quais não
há uma mesma pronúncia. Veja os casos:

VERSÃO TEXTUAL

“É preciso _____ atento e forte.”


É preciso PERMANECER atento e forte.

Você _____ atento ao que lhe digo?


Você PERMANECE atento ao que lhe digo?

Em algumas situações, é preciso _____ a outra face.


Em algumas situações, é preciso OFERECER a outra face.

46
Ela _____ um beijo a quem lhe pede.
Ela OFERECE um beijo a quem lhe pede.

É difícil _____ coração quando a cara é bonita.


É difícil ENXERGAR coração quando a cara é bonita.

Quem _____ cara não _____ coração.


Quem ENXERGA cara não ENXERGA coração.

As lacunas da primeira linha devem ser preenchidas com as formas


"estar" e "está"; as da segunda, com as formas "dar" e "dá"; as da terceira,
com as formas "ver" e "vê". Comparando os enunciados da coluna esquerda
com os da coluna direita, fica fácil saber o que colocar em cada lacuna.

EXERCITANDO
Você seria capaz de enunciar a "regra" que está por trás desse
exercício? Se achar necessário, discuta a pertinência de sua sugestão com
seu tutor.

Quando o aluno tiver dúvidas quanto à forma verbal de infinitivo


("estar" X "está", "ver" X "vê", "ler" X "lê", "dar" X "dá" etc.), ele pode

A abordagem funcional da Fonologia também está implicada no


processo de instrução formal dos alunos que vêm de comunidades nas quais
convivem, basicamente, com sujeitos não escolarizados. Esses alunos
utilizam algumas ocorrências que são altamente estigmatizadas. No plano
fonológico, são comuns a ditongação do som referente ao dígrafo /lh/
(“espalha” → “espaia”) e o rotacismo de alguns encontros consonantais
(“bloco” → “broco”); também é frequente a troca do fonema /a/ pelo
fonema /e/ nas formas verbais da primeira pessoa do plural do presente e
pretérito perfeito do indicativo dos verbos de primeira conjugação (“Nós
cantamos na festa” → “Nós cantemos na festa”).

ROTACISMO

Troca do “l” pelo “r” nos encontros consonantais. Entenda melhor


esse fenômeno acessando o link ;

Cabe ao professor a tarefa de mostrar aos alunos que usos desse tipo são
fortemente julgados como incorretos; logo, os falantes são considerados
incapazes (e, no mais das vezes, burros). Nós já sabemos que tal julgamento
é fruto do preconceito e da ignorância, mas isso ainda é muito predominante.
Daí ser necessário que os falantes evitem ocorrências desse tipo,
substituindo-as por formas aceitas pela norma culta.

CHAT
A Fonologia também tem muito a dizer sobre a conversação informal
mediada por computador. Seria interessante propor um trabalho com os
alunos sobre isso. Veja as seguintes ocorrências:

47
O ABC DO INTERNETÊS

O ABC do internetês

Um pequeno glossário das abreviações mais poplulares na Internet

VC: você

BLZ: beleza

KD: cadê

FDS: final de semana

NET: Internet

TB: também

TAH: tá

TC: teclar, digitar, conversar

FLW: falou

FMZ: firmeza

TDO: tudo

QDO: quando

PQ: porque

EAI: oi

QNT: quando

ALG: alguém

ANS: anos

AXO: acho

Q: que

ND: nada

Ñ: não

NAUM: não

A V: a ver

XAU: thcau

ATT: atualizar

ADD: adicionar

ACC: aceitar

BJS: beijos

ABS: abraços

48
Revista Lingua Portuguesa - 2/2009 - Edição 40

A partir desses exemplos, poderia haver uma discussão produtiva,


levantando-se questionamentos tais como: "O que é mais importante para
a criação de uma abreviação: a vogal ou a consoante? Por que isso
acontece?"; "Qual a regra geral para a formação de "palavras da internet?
Todas as palavras obedecem a essa regra?"; "Há outros contextos, além da
internet, em que essas palavras são usadas? "Cite-os." O seu tutor irá
marcar uma data e horário que seja necessário para realização do chat.
Discuta com os seus colegas e tutor sobre as questões acima.

FONTES DAS IMAGENS


1. http://www.denso-wave.com/en/

Responsável: Prof.ª Aurea Suely Zavam


Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

49
ESTÁGIO ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 02: GRAMÁTICA EM USO – RECURSOS SIGNIFICATIVOS PARA A CONSTRUÇÃO DO TEXTO

TÓPICO 03: QUESTÕES FUNCIONAIS SOBRE CLASSES GRAMATICAIS RELEVANTES PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM

Os teóricos que incorporam a tendência descritiva costumam apresentar


sérias restrições à heterogeneidade de critérios utilizados na definição das
classes gramaticais. Eles acentuam que as definições são pautadas por
critérios distintos e (muitas vezes) confusos. Por exemplo, quando se afirma
que o verbo é a palavra que indica ações e processos, está-se utilizando um
critério semântico; já quando se diz que o adjetivo é a palavra que
acompanha o substantivo, o critério é sintático.

A sugestão dos estudiosos estruturalistas é que cada uma das classes


gramaticais seja definida com base nos três critérios:

MÓRFICO (FORMAL)
Caracterização da estrutura da palavra; cabem, aqui a descrição dos
tipos de morfema (lexical e/ou gramatical) e o reconhecimento da
necessidade de flexão (variável ou invariável);

SINTÁTICO
Papel do vocábulo na oração, em relação aos outros termos; o
vocábulo pode ser núcleo, determinante ou conector.

SEMÂNTICO
Significado que os vocábulos pertencentes àquela classe gramatical
podem exprimir.

O quadro a seguir apresenta uma proposta de descrição das classes


gramaticais que toma por base os três critérios.

SUBSTANTIVO
ADJETIVO
PRONOME
ARTIGO
NUMERAL
VERBO
ADVÉRBIO
CONECTIVO

SUBSTANTIVO

Funcional (função ou papel da oração): Palavra que funcionam como


núcleo de uma expressão ou como termo determinado.

Mórfico (Caracterização da estrutura da palavra): Palavras formada por


morfema lexical (base de significação) e morfemas gramaticais.

Semântico (modo de significação: extralinguístico e intralinguístico):


Palavra que designa os seres ou objetos reais ou imaginários.

ADJETIVO

50
Funcional (função ou papel da oração): Palavra que funciona como
especificador do núcleo de uma expressão (ao qual atribui um estado ou
qualidade)

Mórfico (Caracterização da estrutura da palavra): Palavras formada por


morfema lexical (base de significação) e morfemas gramaticais.

Semântico (modo de significação: extralinguístico e intralinguístico):


Palavras que especifica e caracteriza seres animados ou inanimados, reais ou
imaginários, atribuindo-lhes estados ou qualidades.

PRONOME

Funcional (função ou papel da oração): Palavra que substitui o núcleo


ou funciona como termo determinante do núcleo de uma expressão.

Mórfico (Caracterização da estrutura da palavra): Palavra formada


unicamente por morfema gramatical.

Semântico (modo de significação: extralinguístico e intralinguístico):


Palavra que serve para designar as pessoas ou coisas, indicando-as (não
nomeia as pessoas ou coisa nem as qualidades, ações, estados, quantidades
etc). Pronomes: pessoais, possessivos, demonstrativos, indefinidos,
interrogativos e relativos.

ARTIGO

Funcional (função ou papel da oração): Palavra que funciona como


termo determinante do núcleo de uma expressão.

Mórfico (Caracterização da estrutura da palavra): Palavra formada


unicamente por morfema gramatical (palavra variável em gênero e número).

Semântico (modo de significação: extralinguístico e intralinguístico):


Palavra que define ou indefine o substantivo a que se refere (definido,
indefinido)

NUMERAL

Funcional (função ou papel da oração): Palavra que funciona como


especificador do núcleo de uma expressão ou como substituto desse mesmo
núcleo (numeral: substantivo, adjetivo)

Mórfico (Caracterização da estrutura da palavra): Palavra formada


unicamente por morfema gramatical.

Semântico (modo de significação: extralinguístico e intralinguístico):


Palavra que indica a quantidade dos seres, sua ordenação ou proporção
(cardinal, ordinal, múltiplo, fracionário, coletivo).

VERBO

Funcional (função ou papel da oração): Palavra que funciona como


núcleo de uma expressão ou como termo determinado.

Mórfico (Caracterização da estrutura da palavra): Palavra formada por


morfema lexical (base e significação) e morfemas gramaticais.

Semântico (modo de significação: extralinguístico e intralinguístico):


Palavra que indica um processo (ação, estado, passagem de um estado a
51
outro). Processo verbal => fenômeno em desenvolvimento, com indicação
temporal.

ADVÉRBIO

Funcional (função ou papel da oração): Palavra que funciona


basicamente como determinante de um processo verbal.

Mórfico (Caracterização da estrutura da palavra): Advérbios formados


por morfema lexical mais morfema gramatical. Advérbios formados apenas
por morfema gramatical.

Semântico (modo de significação: extralinguístico e intralinguístico):


Palavra que especifica a significação de um processo verbal.

CONECTIVO (PREPOSIÇÃO E CONJUNÇÃO)

Funcional (função ou papel da oração): Palavra gramatical que funciona


como elemento de ligação (conexão) entre palavras ou orações. Divisão dos
conectivos: preposição e conjunção.

Mórfico (Caracterização da estrutura da palavra): Palavra formada


apenas por morfema gramatical.

Semântico (modo de significação: extralinguístico e intralinguístico):


Palavra relaciona palavras e orações, e indica origem, posse, finalidade,
meio, causa, etc.

Fonte da tabela dinâmica: Pinilla, 2007, p. 178

PARADA OBRIGATÓRIA
No quadro apresentado, não aparece a interjeição. Isso decorre de
uma posição quase unânime entre os estudiosos: a interjeição não é uma
classe gramatical, porque os "vocábulos" que fazem parte dessa suposta
classe não podem ser descritos com base nos três critérios apresentados.

A partir de uma descrição mais coerente das classes gramaticais, é


possível propor um ensino mais pertinente. Neste sentido, o reconhecimento
de cada classe não deve ser um fim em si mesmo, mas um meio que permita
ao aluno saber que recursos pode utilizar ao produzir e compreender textos.

É importante saber o que é um substantivo, um verbo uma conjunção


etc.? Sim, é muito importante, não apenas porque esse é, como já foi dito na
aula 1, um conhecimento social "básico", como são outros conhecimentos de
outras disciplinas; para além da classificação, é importante que o aprendiz
internalize a sistematização sobre as classes gramaticais, a partir do que ele
poderá perceber, com mais "fluência", o papel textual das palavras como
evidência, também, do seu estatuto mórfico, sintático e semântico.

Podemos dizer que, de maneira geral, os aspectos mórfico e


sintático são relevantes para o conhecimento sobre regras de
prescrição normativa exigidas em textos formais. Por exemplo,
dominar os mecanismos de realização das flexões (aspecto
mórfico) e saber qual pronome – reto ou oblíquo – escolher

52
(aspecto sintático) são habilidades necessárias ao bom
desempenho em textos formais. Já o aspecto semântico seria, de
maneira geral (o que aliás, é bastante óbvio), o foco quando se
trata de investigar os usos no texto. Nesse sentido, o ensino
produtivo das classes gramaticais deve ir além da mera
constatação de uma potencial significação para um vocábulo que
pertence a uma dada classe. Vamos, a seguir, ilustrar com dois
exemplos, o verbo e o pronome.

3.1 O QUE DIZEM A GRAMÁTICA E O USO SOBRE OS VERBOS


A tabela apresentada logo acima nos informa que, quanto ao potencial
de significação, o verbo denota um processo (ações, estados, passagem de
um estado a outro). Saber apenas isso pode ser útil para o reconhecimento
do que seja um verbo, mas não é suficiente para perceber os mais diversos
sentidos manifestos pelas categorias de tempo, modo e aspecto.

ASPECTO

por meio de traços semânticos, flexionais ou contextuais, exprime a


duração do processo verbal – perfectivo/imperfectivo –, em relação à
posição do falante no ato da enunciação. Veja mais explicações,
acessando o link [1]

Uma abordagem funcional deve cuidar dessas minúcias, sem


reducionismos “incoerentes”. Por exemplo, já vimos (quando mostramos um
exemplo de abordagem epilinguística) que, para o presente do indicativo,
não basta informar que esse é o tempo usado para exprimir ações/processos
que ocorrem simultaneamente ao ato de fala. É preciso mostrar aos alunos as
diversas formas de uso desse tempo verbal, a fim de que ele saiba se
comunicar valendo-se dessas formas e saiba compreender plenamente, em
textos que lê/escuta, o papel de tais formas.

Isso também pode ser aplicado a outros tempos e modos verbais.


Vejamos alguns exemplos.

• O pretérito imperfeito do indicativo, além das funções normalmente


citadas (falar de hábitos do passado ou de ações que foram interrompidas
por outra), é utilizado em descrições, quando uma narrativa tem como tempo
predominante o passado:

Harry não se parecia nada com o resto da família.


Tio Válter era corpulento e sem pescoço, com uma
enorme bigodeira preta; a tia Petúnia tinha uma cara
de cavalo e era ossuda; Duda era louro, rosado e
lembrava um porquinho. Já o Harry era pequeno e
magricela, com olhos verdes-vivos e cabelos muito
pretos que estavam sempre despenteados. Usava
óculos redondos e, na testa, tinha uma cicatriz fina em
forma de raio.

53
J. K. Rowling. HARRY POTTER E A PEDRA
FILOSOFAL. São Paulo: Rocco, 2000.

• As gramáticas normativas informam que os verbos no modo


imperativo têm a função de exprimir ordem, pedido, conselho, convite. A
essa informação, é preciso acrescentar que tais atitudes podem ser expressas
por locuções verbais com valor de imperativo. Veja:

ABA 1

Imperativo

Cale a boca, agora!

Passe-me a faca, por favor.

Faça as pazes com seu namorado.

Venha a minha festa.

ABA 2

Locução verbal

Você tem de calar a boca agora.

Você poderia me passar a faca, por favor?

Você deveria fazer as pazes com seu namorado.

Você pode vir a minha festa.

OLHANDO DE PERTO
A análise dos usos das formas verbais pode fornecer uma reflexão
interessante sobre o registro coloquial. Observe o quadro a seguir:

Ele já fora avisado do crime Ele já tinha sido avisado do crime


quando a polícia chegou. quando a polícia chegou.

Ele deixará o material na sua casa Ele vai deixar o material na sua
amanhã. casa amanhã.

• Se eu passar no vestibular, • Se eu passar no vestibular,


comemorarei com um grande comemoro com um grande
churrasco. churrasco.

• Se eu passasse no vestibular, • Se eu passo no vestibular,


comemoraria com um grande comemoro com um grande
churrasco. churrasco.

• Se eu passasse no vestibular,
comemorava com um grande
churrasco.

Percebe como não basta descrever as formas do pretérito mais-que-


perfeito e do futuro do presente? E o que dizer da correlação verbal entre
indicativo e subjuntivo? Podemos levar nosso aluno a refletir e ir além do
que diz a descrição gramatical mais convencional.

54
O estudo da funcionalidade das formas verbais provê várias situações
que evidenciam a importância do conhecimento gramatical para os processos
de compreensão/produção textual.

3.2 O QUE DIZEM A GRAMÁTICA E O USO SOBRE OS PRONOMES


Embora o que a gramática diga sobre os pronomes seja certamente
importante, é preciso acrescentar o estudo sobre a fundamental função desta
classe gramatical na construção da coesão referencial do texto. São muitas as
possibilidades de retomada pronominal. Vejamos algumas a seguir.

• O pronome pode se referir tanto a seres humanos quanto a outros


seres animados ou inanimados:

Suave e Salsicha, os dois animais de estimação


de Sara, eram ótimos amigos. Suave era um gambá e
Salsicha, um cachorro, mas eles se adoravam.

Noah Gordon. SAM E OUTROS CONTOS DE


ANIMAIS.

Porém, uma pesquisa mais aprofundada sobre


as raízes e a evolução do Carnaval logo mostrará a
Portela como a mais tradicional, pois ela, além de ser
a mais antiga, inventou enredo e samba-enredo, a
comissão de frente e o casal de mestre-sala e porta-
bandeira.

VEJA, 8 fev.2006.

• Os pronomes demonstrativos neutros (isto, isso, aquilo; o/lo com


significado de aquilo) podem manter um relação anafórica com porções
textuais de maior extensão (por exemplo, um fato, uma informação, uma
constatação). Nesses casos, ao contrário dos anteriores, os pronomes não são
anáforas de um substantivo, mas sim de todo um conteúdo informacional:

Há aqui no Rio de Janeiro certa classe de gente


que se ocupa mais com a vida dos outros, do que com
a sua própria; e em parte dou-lhes razão; de que
viveriam eles sem isso, quando têm a alma oca e
vazia?

José de Alencar, LUCÍOLA.

Minha vontade era de dizer a todo mundo o


quanto eu estava desapontado. Mas não o fiz.

Trecho criado para exemplificar o aspecto


tratado.

55
PARADA OBRIGATÓRIA
De acordo com a norma culta, o pronome “mesmo” também
apresenta a função de se referir a uma porção textual de maior extensão,
mas não a função de se referir a um substantivo. Por isso, o exemplo 1 é
considerado adequado e o exemplo 2, inadequado.

1. Mas a oposição não dorme no ponto, principalmente quando se


avizinham as eleições de seis de outubro. A reação do governo, no tocante
a iluminação pública, se deu sob a pressão de alguns vereadores. O mesmo
ocorre com a limpeza e conservação dos logradouros.

Prova de fogo [2].

2. [...] vão ser feitas campanhas de incentivo aos viciados a deixarem o


vício e documentários com depoimentos “chocantes” de pessoas que
ficaram entre a vida e a morte em consequência do mesmo.

Trecho de texto produzido por aluno pré-universitário.

Essa informação é muito importante para a produção textual escrita.


Muitas vezes, numa prova de redação, para não repetir um determinado
substantivo, o aluno acaba realizando uma retomada com o pronome
mesmo (ou mesma, mesmos, mesmas). Como já sabemos que esse uso é
inadequado, o professor deve sugerir que o aluno utilize outra forma de
retomada: repetição do substantivo, utilização de pronome pessoal,
utilização de termo sinônimo.

• Em alguns contextos, os pronomes podem retomar elementos sem


respeitar as regras de concordância:

Há aqui no Rio de Janeiro certa classe de gente


que se ocupa mais com a vida dos outros, do que com
a sua própria; e em parte dou-lhes razão; de que
viveriam eles sem isso, quando têm a alma oca e
vazia?

José de Alencar, LUCÍOLA.

A expressão “certa classe de gente” encontra-se no singular. Entretanto,


como se refere a um grupo, a sua ideia é de elemento plural. Por isso o
narrador optou por realizar anáforas com os pronomes plurais “lhes” e
“eles”. Esses casos são chamados pela gramática de silepse de número.

• Em alguns contextos, os pronomes de terceira pessoa podem realizar


uma anáfora indireta, ou seja, o elemento retomado pelo pronome não se
encontra no texto:

Os alunos da primeira série aprenderam as


vogais. Ela utilizou um método novo para ensiná-los.

56
Texto sem indicação da fonte de onde foi
retirado.

Neste caso, o pronome “Ela” se refere ao elemento “professora”, que,


embora não apareça no texto, pode ser inferido (“adivinhado”) pela presença
dos elementos “Os alunos da primeira série”, “aprenderam” e “método novo
para ensiná-los”. Por isso temos uma anáfora indireta, porque o pronome se
refere, indiretamente, a um elemento que não está expresso no texto.

• O pronome pode fazer remissão a um referente que ainda vai aparecer


no texto (nesse caso, tem-se uma catáfora):

Isto não pode mais acontecer; se ficar


novamente até tarde na rua, só vai entrar em casa
quando amanhecer.

Trecho criado para exemplificar o aspecto


tratado.

O mesmo princípio usado para tratar dos aspectos da significação dos


verbos e dos pronomes no texto pode ser aplicado às outras classes
gramaticais. Em suma, o ensino de análise linguística relevante e prazeroso
demanda uma "descrição textual" que complete as informações trazidas pela
descrição gramatical convencional.

FONTES DAS IMAGENS


1. http://www.filologia.org.br/anais/anais%20III%20CNLF%2049.html
2. http://www.getulio.com.br/sections.php?op=viewarticle&artid=176
3. http://www.denso-wave.com/en/

Responsável: Prof.ª Aurea Suely Zavam


Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

57
ESTÁGIO ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 02: GRAMÁTICA EM USO – RECURSOS SIGNIFICATIVOS PARA A CONSTRUÇÃO DO TEXTO

TÓPICO 04: ENSINO INTEGRADO DOS ASPECTOS DA LINGUAGEM

Sempre que possível, é recomendável que o estudo sobre as classes


gramaticais seja “casado” com outro aspecto da linguagem. Em vez de
estudar as classes gramaticais num bloco único, o ideal seria ver que outros
assuntos estão conectados a determinadas classes. Por exemplo, o estudo das
conjunções faz mais sentido se realizado com o estudo das orações
coordenadas e subordinadas adverbiais; o pronome relativo deve ser
abordado quando se estudam as orações subordinadas adjetivas; o conceito
de numeral cardinal (e, a partir dele, dos outros tipos de numeral) pode estar
atrelado ao trabalho com o gênero receita; o papel do modo imperativo como
recurso persuasivo pode ser abordado quando se estudam os gêneros do
universo publicitário. Com esse estudo integrado, a pertinência dos
conteúdos é mais facilmente percebida, o que contribui para um aprendizado
mais efetivo (e afetivo também).

EXEMPLO
Vamos ver um exemplo em detalhe? Consideremos a classe
gramatical do substantivo. Uma função primordial dessa classe de
palavras, no texto, é estabelecer os referentes que garantem o
reconhecimento do tópico discursivo (ou seja, do assunto do texto). Então,
uma abordagem didática poderia começar mostrando os princípios da
continuidade e da progressão, que fazem parte de qualquer texto.

PRINCÍPIOS DA CONTINUIDADE E DA PROGRESSÃO

Segundo Costa Val (1999), a continuidade é a retomada de


elementos e ideias no decorrer do texto, ao passo que a progressão
diz respeito aos que fazem o sentido do texto avançar. A progressão é
obtida a partir da adesão de novos conceitos e informações aos
elementos responsáveis pela continuidade.

Depois de cumprida essa etapa, aí sim, pode ser mencionado que um


importante elemento a atuar na dinâmica da coesão é o substantivo. Para
que o aluno chegue a essa constatação, pode ser sugerida uma atividade
como a seguinte:

CLIQUE AQUI PARA VER A ATIVIDADE

58
No texto seguinte, foram empregadas três pseudopalavras (palavras
inventadas) no lugar das palavras originais. Leia-o e descubra o significado
dessas pseudopalavras.

Toda curepa precisa estar preparada para receber alunos com


gidaliência. Nesses locais, deve haver estrutura para que os cadeirantes
possam se locomover adequadamente para todas as salas de aula e demais
espaços. Além disso, é preciso que os profissionais das curepas saibam
lidar com as dificuldades específicas de cada gidaliência. Por exemplo: para
ajudar os gidalientes auditivos, alguns professores deveriam conhecer a
língua brasileira de sinais. E a sua curepa? E a curepa de seu bairro? Será
que ela já está fazendo a sua parte no movimento pela inclusão na
educação?

O aluno (provavelmente com facilidade) perceberá que “curepa” é


escola, “gidaliência” é “deficiência” e “gidaliente” é “deficiente”. Entre outros
fatores, a repetição dos termos garante-lhes estatuto central, de modo que a
continuidade e a progressão são construídas a partir deles. É possível, a
partir do exercício, estabelecer uma relação entre coerência/coesão e
participação do substantivo.

Nesse momento, pode ser dada a definição gramatical dessa classe de


palavras (considerando os aspectos mórfico, sintático e semântico),
juntamente com as especificidades: singular X plural; comum X próprio;
concreto X abstrato (de preferência, mostrando essas especificidades em
textos).

Além disso, podem ser abordadas algumas estratégias de retomada de


referentes características do substantivo. Sobre isso, vejamos a atividade a
seguir:

Preencha as lacunas dos enunciados a seguir com expressões


nominais que garantam a coerência. Atenda à solicitação a
respeito da estrutura de cada expressão.

1º) Roberto Carlos foi o grande homenageado do Carnaval


carioca em 2011. [ ] (artigo + substantivo) foi o tema da escola
campeã.

2º) Procure comer cenoura frequentemente, pois [ ]


(pronome demonstrativo + substantivo) é rica em betacaroteno,
um poderoso antioxidante.

3º) Estou com um problemão pra resolver no [ ]


(pronome possessivo + substantivo). A chave não quer entrar de
jeito nenhum.

4º) Amanhã haverá uma grande comemoração na [ ]


(substantivo). Todos os alunos deverão vestir traje social.

Para a resolução da atividade, o “manuseio” do substantivo é


fundamental. Nos dois primeiros itens, o conhecimento das relações de

59
“hierarquia” semântica garante a resposta correta: Roberto Carlos é um
cantor; (estabeleça a relação hierárquica

do segundo item). Conclui-se, assim, que a relação entre hipônimo e


hiperônimo é uma produtiva estratégia de coesão.

PARADA OBRIGATÓRIA
Hiperônimo pode ser definido como o tipo de conjunto a que
determinado elemento pertence. Por exemplo: carro pertence ao conjunto
dos automóveis, logo automóvel é um hiperônimo de carro; dentista
pertence ao conjunto de profissionais, logo profissional é hiperônimo de
dentista.

Hipônimo é um elemento de um conjunto. Nos exemplos dados,


“carro” e “dentista” são hipônimos de “automóvel” e “profissional”,
respectivamente. Veja, a seguir, mais dois exemplos de coesão estabelecida
a partir de relação hierárquica.

De repente, o jumento empacou. E não teve quem conseguisse


mobilizar o animal.

De acordo com o cardiologista, o governador passa bem. Segundo o


médico, poderá ter alta ainda hoje.

Nos outros dois itens (3º e 4º), as relações entre os substantivos se dão
não por hierarquia propriamente dita, mas por pertencimento ao mesmo
campo semântico. No 3º, o substantivo que preenche a lacuna está
relacionado à “chave”; no 4º, a “alunos”. Trata-se, aqui, não de retomada de
um termo, mas da apresentação percebida por meio de relações de
inferência: mais uma estratégia de coesão que conta com a participação do
substantivo.

Outra questão importante, sobre o papel do substantivo na construção


da referência, é a natureza mais específica ou mais genérica do referente. Se
o aluno conseguir perceber a diferença entre “O meu amigo segurou minha
barra naquele dia” e “O verdadeiro amigo é aquele que estende as mãos sem
que você precise”, ele saberá que o substantivo, no texto, pode dar corpo a
entidades de natureza diversa.

Finalmente, devem ser mencionadas as questões normativas mais


importantes – flexões e graus (também abordando os usos), tipos de
concordância entre substantivo e determinantes – que se relacionam ao
substantivo.

Pode-se, então, definir as seguintes habilidades sobre o estudo do


substantivo:

HABILIDADE 1

Reconhecer a participação fundamental dos substantivos na


construção da referência e no estabelecimento do tópico discursivo;

HABILIDADE 2

60
Perceber a função dos diferentes tipos de substantivo (singular X
plural; comum X próprio; concreto X abstrato; genérico X específico) no
texto;

HABILIDADE 3

Dominar as recomendações sobre flexão, grau e concordância do


substantivo características da variedade culta da língua.

REFLEXÃO
Se quisermos, a abordagem das classes gramaticais envolvidas nas
relações de coesão referencial pode ser ainda mais abrangente. Percebe
que os pronomes também fazem parte do processo? Seria, então, possível,
elaborar um plano didático que partisse da coesão para chegar à
gramática? Se quiser, converse com seu tutor sobre isso.

DESAFIO
Nesta aula, não tratamos do ensino funcional da sintaxe. Mas, pelo
que falamos aqui, é possível perceber fenômenos sintáticos passíveis de
um tratamento "textual": as estratégias de explicitação/apagamento do
sujeito; a ordem dos termos na frase; os usos da vírgula; valor semântico
das orações... São muitas as possibilidades. Converse com seu tutor sobre
algumas delas.

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO
Em cada enunciado da atividade em anexo, destacou-se um vocábulo,
o qual você deve analisar. Identifique a classe gramatical do vocábulo e
indique que sentido o termo confere ao enunciado. Em sua classificação,
forneça as especificações; por exemplo, se tratar de um substantivo,
indique se é próprio ou comum, primitivo ou derivado etc.

Depois, responda a seguinte pergunta (para cada enunciado): as


informações que a gramática tradicional fornece sobre a classe gramatical
a que pertence o vocábulo são suficientes para a interpretação do vocábulo
no texto? Justifique sua opinião. Clique aqui para ter acesso à atividade.

FÓRUM
O trecho seguinte foi transcrito de um artigo produzido pelo linguísta
Carlos Franchi (2006, p. 63-64).

“Interessa pouco descobrir a melhor definição de substantivo ou de


adjetivo ou do que quer que seja. [...] Mas interessa, e muito, levar os
alunos a operar sobre a linguagem, rever e transformar seus textos,
perceber nesse trabalho a riqueza das formas linguísticas disponíveis para
suas mais diversas opções”.

Discuta com seus colegas no fórum:

61
1) Nessa citação, Franchi revela uma posição contrária ao ensino de
gramática? Em seu comentário, faça remissão a algum trecho desta aula.

2) Apesar da revitalização por que o ensino-aprendizagem de língua


portuguesa tem passado, ainda é mais comum do que o que desejávamos
ouvir os alunos dizerem que não gostam de português, que essa é uma
matéria chata ou difícil. Em que medida esse tipo de comentário se
relaciona ao trabalho pedagógico com a gramática? Em seu comentário,
faça remissão a algum trecho desta aula.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. PARÂMETROS
CURRICULARES NACIONAIS: língua portuguesa.Brasília: Ministério
da Educação / Secretaria de Educação Fundamental, 1998.

COSTA VAL, Maria da Graça. REDAÇÃO E TEXTUALIDADE. 2. ed. São


Paulo: Martins Fontes, 1999.

FRANCHI, Carlos. Gramática e criatividade. In: POSSENTI, S. (Org.).


MAS O QUE É MESMO “GRAMÁTICA”? São Paulo: Parábola, 2006, p.
34-101.

GERALDI, João Wanderley. PORTOS DE PASSAGEM. 4. ed. São Paulo:


Martins Fontes, 1997.

PINILLA, Maria da Aparecida. Classes de palavras. In: VIEIRA, S. R.;


BRANDÃO, S. F. (Org.). ENSINO DE GRAMÁTICA: descrição e uso. São
Paulo: Contexto, 2007, p. 169-183.

FONTES DAS IMAGENS


1. http://www.denso-wave.com/en/

Responsável: Prof.ª Aurea Suely Zavam


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62
ESTÁGIO EM ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 03: REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA NO LIVRO DIDÁTICO

TÓPICO 01: O LIVRO DIDÁTICO E SUA IMPORTÂNCIA NA PRÁTICA DOCENTE

VERSÃO TEXTUAL

Na aula 1, mostramos a distinção entre as concepções de


gramática, relacionando cada uma dessas concepções a um tipo
específico de ensino; vimos ainda o que dizem (e recomendam) os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) sobre o ensino de análise
linguística. Na aula 2, voltamos nossa discussão para os recursos
linguísticos que atuam no processo de construção de sentidos,
focalizando aspectos funcionais no estudo de alguns conteúdos
gramaticais, tomados como exemplo. Tratamos, assim, de aspectos
teóricos que nos darão suporte para a análise e a prática que faremos
nesta aula e na subsequente.

Nesta aula, vamos refletir sobre a forma como a contribuição da


Linguística Aplicada, particularmente o conhecimento científico que se
refere ao ensino da gramática, vem se apresentando no livro didático
de língua portuguesa, a fim de tentarmos perceber a(s) concepção
(ões) dos autores sobre o que (e como) deve ser a atividade de análise
linguística e consequentemente compreender como essa contribuição
tem sido incorporada por esses autores.

O objetivo é nos prepararmos para deixar a (possível) condição de


usuário, aquele que recebe o livro didático (LD) e limita-se a seguir o
conteúdo proposto – um simples consumidor – e, então, assumir a de
analista, aquele que avalia a forma como os conteúdos são veiculados e
procura adequá-la a sua concepção de ensino, bem como às características de
seus alunos e ao projeto político-pedagógico da sua escola – um crítico
construtor.

Para que possamos nos sair bem nessa tarefa de avaliador, vamos
inicialmente procurar entender como se deu a consolidação do LD em nossas
escolas. Para tanto, precisamos voltar um pouquinho no tempo a fim de
retomar, ainda que brevemente, a história do LD na educação de nosso país.
Em seguida, vamos rever os critérios adotados para a avaliação do LD e a
proposta dos PCN e do PNLD, a fim de, munidos desses conhecimentos,
podermos proceder à análise de um dos nossos instrumentos de trabalho.
Vamos lá?

Desde 1938, quando foi criada a Comissão Nacional do Livro Didático


(CNLD), o governo federal manifesta preocupação com a utilização dos livros
didáticos. Tal preocupação deve-se, sobretudo, ao fato de o livro didático,
instrumento de trabalho do professor, ter grande alcance e poder na
disseminação de valores e crenças. Nesse sentido, a CNLD, nascida num
contexto em que se buscava garantir a identidade nacional, tinha como
objetivo maior o controle não só técnico-científico, como também (e
principalmente) político-ideológico das obras que seriam utilizadas, por
63
professores e alunos, na educação básica, já que a ela competia avaliar os
livros didáticos, concedendo, ou não, autorização para seu uso.

A partir de 1964, com as mudanças impostas inicialmente pelo novo


regime político e posteriormente por outras contingências políticas, o
controle do livro didático, que se transformara em um lucrativo produto de
mercado, passou a ser exercido por distintas instâncias: Comissões Estaduais
do Livro Didático, Comissão do Livro Técnico e Didático ((COLTED)) ,
Fundação de Assistência ao Estudante ((FAE)) , Programa do Livro Didático
((PLID)) , o qual, em 1985, teve seus objetivos significativamente ampliados
e recebeu a denominação pela qual o identificamos hoje: Programa Nacional
do Livro Didático ((PNLD)) .

COMISSÃO NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO (CNLD)

A CNLD foi criada pelo Decreto-lei nº 1.006, de 30 de dezembro de


1938, que estabelecia "as condições de produção, importação e
utilização do livro didático". Confira acessando o link [1]

PARADA OBRIGATÓRIA
A professora Eloísa Höfling, da Unicamp, historia o percurso do
PNLD, ao discutir a implementação desse programa de política
educacional. Para a pesquisadora, a participação de grupos editoriais
privados no processo decisório de seleção e adoção de livros didáticos
compromete os objetivos e o alcance do PNLD. O artigo "Notas para
discussão quanto à implementação de programas de governo: em foco o
Programa Nacional do Livro Didático". Confira! [2] (Visite a aula online
para realizar download deste arquivo.)

O objetivo principal do PNLD é distribuir para os alunos do ensino


fundamental da rede pública livros didáticos de Língua Portuguesa,
Matemática, História, Geografia e Ciências, e ainda de Língua Estrangeira,
inglês ou espanhol, para os alunos do 6º ao 9º ano. Os livros para alunos do
ensino médio, antes distribuídos pelo Programa Nacional do Livro para o
Ensino Médio Didático, ((PNLEM)) a partir da edição atual do PNLD
(2012),passam também a distribuídos pelo PNLD.

A distribuição é gratuita e atende a escolha feita pelos professores, a


partir de uma lista de livros sugeridos. A aquisição e a distribuição dos livros
didáticos cabem, portanto, à esfera federal, já o monitoramento dessa
distribuição, bem como o remanejamento dos livros ociosos entre escolas
compete à Secretaria de Educação de cada estado.

PARADA OBRIGATÓRIA
Quer saber mais sobre os
programas de distribuição de
livros didáticos? Para o Guia
PNLD 2011 (Ensino Fundamental)
[4], Para o Guia PNLC 2012
(Ensino Médio) [5].

64
Fonte [3]

Para melhor compreendermos o espaço que o livro didático ocupa hoje


em nossas escolas, é necessário olhar para fatores que condicionaram e
determinaram as modificações no mercado de materiais destinados às salas
de aula.

Durante muito tempo, até os idos de 1960, a escola atendia


exclusivamente a alunos provenientes de grupos social e economicamente
privilegiados, isto é, os filhos das classes abastadas. Essa clientela, já falante
da variedade culta, buscava na escola nada mais que o (re)conhecimento das
normas e regras de funcionamento de sua variedade, além, é claro, da
escolarização em si. Os professores que atendiam esses alunos eram,
conforme nos lembra Magda Soares, quase sempre

VERSÃO TEXTUAL

Estudiosos autodidatas da língua e de sua literatura, com sólida


formação humanística, que, a par de suas atividades profissionais
(eram médicos, advogados, engenheiros e outros profissionais liberais)
e do exercício de cargos públicos, que quase sempre detinham,
dedicavam-se também ao ensino (2001, p. 151).

Esses professores, também pertencentes à classe favorecida e, por esse


motivo, com conhecimentos não só de gramática, mas também de literatura,
retórica e poética, ministravam suas aulas – ensino de gramática na
perspectiva tradicional – apoiados em gramáticas e antologias (livros de
textos com trechos de obras literárias). Esses manuais não traziam
exercícios; a proposição de questões era tarefa que cabia ao professor, e tão
somente a ele.

Acontece, porém, que, nos anos 60, as classes menos


favorecidas intensificaram a reivindicação pelo direito à
escolarização. E o ensino que até então parecia adequado a quem
dele se beneficiava revela-se inadequado ao alunado emergente.
Altera-se, fundamentalmente, dessa forma, a clientela da escola.
Já não são somente os filhos da classe alta que frequentam a
escola, mas crianças provenientes das classes média e baixa.

Como o contingente de alunos aumentou substancialmente,


intensificado pelo processo de democratização do ensino, era natural que
houvesse uma maior procura por professores para que se pudesse atender a
essa crescente demanda. Atrelada a esse novo perfil do alunado, uma outra
configuração sócio-histórica reclamava mudanças a fim de que seu projeto
político alcançasse êxito.

A Revolução de 1964 (ou golpe militar, como preferem alguns), com a


assinatura do acordo MEC-USAID , em 1966, contribuiu consideravelmente

65
para a mudança no ensino e para estatuto que o livro didático goza hoje na
sala de aula.

MEC-USAID

A Agency for International Development – USAID, cujo objetivo


era assessorar países subdesenvolvidos a fim de garantir a vigência do
sistema capitalista nesses países, exercia influência sobre decisões e
estratégias não só na área da educação, como também em outras, por
exemplo, a agricultura

Se antes tínhamos uma escola com menos alunos e um professor que


detinha sólidos conhecimentos teóricos, com a nova situação passamos a
contar com um número bem maior de alunos e de professores que já não
vinham das classes favorecidas e nem possuíam, consequentemente, o
esperado notório saber. Nesse contexto, era preciso que o professor tivesse
em mãos um material já pronto, com um planejamento definido, com
questões previamente elaboradas, tudo – conhecimentos gramaticais, textos
para leitura, exercícios – em conformidade com a perspectiva de ensino em
vigor.

PARADA OBRIGATÓRIA
Considerando as concepções de gramática e tipos de ensino que
discutimos nos tópicos 2 e 3 da aula 1, qual a concepção e o tipo de ensino
que, na sua opinião, norteavam a escola dessa época (anos 60-70)? Que
consequências trouxe para o ensino da língua portuguesa? Essas
consequências ainda são observadas nos livros didáticos que usamos hoje?
Pense sobre essas questões. Você vai voltar a elas quando for fazer análise
de um livro didático.

O fato de contar com o livro didático como instrumento de trabalho não


significa dizer que você, como professor, deverá segui-lo fielmente. É para
isso também que, em seu processo de formação, você discute teorias
linguísticas e aprende mais sobre a língua. É justamente esse conhecimento
teórico que lhe dará condições de exercer seu papel de crítico construtor.

É importante que você compreenda o papel que o livro didático pode


desempenhar na sua prática docente e dele tire proveito. É importante ,
ainda, que você esteja preparado para fazer a escolha que lhe parecer mais
adequada. Como já dissemos, ao PNLD compete a aquisição e a distribuição
do material, a você cabe a seleção.

OLHANDO DE PERTO
“O que dá a um livro o seu caráter e qualidade didático-pedagógicos é,
mais que uma forma própria de organização interna, o uso adequado à
situação particular de cada escola; e os bons resultados também
dependem diretamente desse uso. Podemos exigir – e obter – bastante de
um livro, desde que conheçamos bem nossas necessidades e sejamos
capazes de entender os limites do LD e ir além deles.” (GUIA DE LIVROS
DIDÁTICOS - PNLD 2012, p. 13 – grifo do original)

66
Para, então, que você se sinta mais seguro diante dessa tarefa, vamos
conversar um pouco sobre os critérios balizadores do processo de avaliação,
escolha e aquisição do livro didático de língua portuguesa, assunto de nosso
próximo tópico.

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO 1
Leia o artigo, de Ângela Dionísio,"Livros didáticos de Português
formam professores?". Identifique os "encontros e desencontros" a que
autora se reporta ao tratar da parceria entre professor e livro didático. Em
um quadro esquemático, aponte, em coluna própria, tanto os encontros
quanto os desencontros. Em seguida, teça um comentário sobre a
conclusão a que você chegou após conceber seu quadro. Poste o texto final,
incluindo o quadro, em seu portfólio. Não se esqueça de, em um
cabeçalho, indicar o artigo a que se refere o texto que você elaborou.
(disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/vol1b.pdf [6]
(Visite a aula online para realizar download deste arquivo.)).

FONTES DAS IMAGENS


1. http://www2.camara.gov.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-
1006-30-dezembro-1938-350741-publicacaooriginal-1-pe.html
2. http://www.scielo.br/pdf/es/v21n70/a09v2170.pdf
3. http://2.bp.blogspot.com/-CEergDoPrpM/TdBd9QMqveI/AAAAAAAAA
RE/M9PkttsMUNk/s1600/PNLD.jpg
4. http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld-guia-do-livro-didatico/2349-
guia-pnld-2011
5. http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld-guia-do-livro-didatico
6. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/vol1b.pdf
7. http://www.denso-wave.com/en/

Responsável: Prof.ª Aurea Suely Zavam


Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

67
ESTÁGIO EM ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 03: REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA NO LIVRO DIDÁTICO

TÓPICO 02: AS DIRETRIZES DO MEC, DOS PCN E DO PNLD

VERSÃO TEXTUAL

Já sabemos que os conhecimentos e questionamentos promovidos


pela Linguística nas últimas décadas impulsionaram a “virada” no
ensino da língua. Essa virada pode ser percebida também nos
documentos oficiais, elaborados no âmbito do MEC, que pautam a
elaboração e seleção dos livros didáticos.

Vamos, neste tópico, tratar dos mecanismos instituídos pelo MEC


para controlar e avaliar a produção de livros didáticos,
especificamente o de língua portuguesa. Tais mecanismos funcionam,
na verdade, como forma de alcançar a pretendida qualidade de um dos
principais materiais que orientam os professores quanto ao “o que
ensinar” e “como ensinar”.

Acreditamos que, conhecendo esses mecanismos, além dos


conhecimentos teóricos necessários, o professor estará mais bem preparado
para desempenhar com competência uma de suas atribuições: selecionar
criteriosamente o livro com o qual vai trabalhar.

O foco nesta aula está sendo basicamente o livro didático, porque os


programas do MEC (especificamente o PNLD e o PNBE), responsáveis pela
aquisição e distribuição de material didático, ainda se limitam ao livro
impresso. No entanto, não podemos deixar de ressaltar que, na sociedade da
tecnologia e informação em que vivemos, há muitos outros materiais, em
outros suportes (jogos, vídeos, áudios, por exemplo) que, talvez por
explorarem outras linguagens e tecnologias, acabam ficando fora do escopo
das políticas públicas.

Por outro lado, não ser distribuído às escolas não significa que esse tipo
de material não possa ser utilizado em sala de aula. O professor pode, e deve,
lançar mão desses outros materiais, sobretudo porque o livro didático não é
o único instrumento auxiliar da atividade docente, ainda que seja muito
importante no processo ensino-aprendizagem.

PNBE

Programa Nacional Biblioteca da Escola, voltado para a


distribuição de obras de literatura, de pesquisa e de referência e outros
materiais relativos ao currículo nas áreas de conhecimento da educação
básica;

DICA
Você conhece o Portal do Professor?

68
Criado por meio de uma parceria do MEC com o
Ministério da Ciência e Tecnologia, o Portal do
Professor é um espaço público que se destina a
armazenar ferramentas midiáticas para serem usadas
em sala de aula, bem como a apoiar professores no uso
INSTITUTO
das tecnologias da informação e comunicação (TIC)
UNIVERSIDADE
que estão, cada vez mais, conquistando espaço no
VIRTUAL
ambiente escolar.

Acesse o link [1] e descubra ferramentas que você


poderá utilizar com seus alunos.

Com o objetivo de garantir que o livro didático possa efetivamente


contribuir para o ensino de língua materna em conformidade com o que está
proposto pelos PCN, o MEC, por meio da Secretaria de Educação Básica,
estabelece critérios para a avaliação desse material. Tais critérios são
distribuídos em dois grupos: comuns e específicos. Tanto uns quanto outros
são eliminatórios, ou de exclusão, pois, por se referirem a requisitos
indispensáveis à qualidade didático-pedagógica, definem se determinado
livro constará ou não da lista dos indicados.

Os critérios eliminatórios comuns dizem respeito a aspectos válidos para


todas as áreas. Rangel (2001, p. 13) apresenta esses critérios de forma
resumida. Vejamos:

i) Estar isento de erros conceituais graves;

ii) Abster-se de preconceitos discriminatórios e, mais do que isso, ser


capaz de combater a discriminação sempre que oportuno;

iii)Ser responsável e eficaz, do ponto de vista das opções teóricas e


metodológicas que faz, de tal forma que o programa declarado no livro do
professor não só se configure como compatível com os objetivos do
ensino de língua materna e como também seja corretamente efetivado no
livro do aluno.

DICA
Você pode conferir esses critérios na íntegra acessando o link [2]: ou
consultando a página 84 do Guia PNLD 2012.

Os critérios eliminatórios específicos são definidos em função de cada


área, pois cada disciplina tem uma forma característica de construir
conhecimentos e, portanto, de organizar o pensamento e estruturar a
explicação e a argumentação próprias. No caso da Língua Portuguesa,
especificamente em relação ao trabalho com a análise linguística, os
conteúdos e atividades do livro didático do ensino fundamental devem:

69
(Guia do Livro Didático - PNLD, 2011, p. 23).

NORMAS URBANAS

O Guia do Livro Didático PNLD 2011 justifica a opção pelo termo


"norma urbana de prestígio", em substituição à expressão "norma
culta", por ser "um termo técnico recente, introduzido para designar os
falares urbanos que, numa comunidade linguística como a dos falantes
do português do Brasil, desfrutam de maior prestígio político, social e
cultural e, por isso mesmo, estão mais associados à escrita, à tradição
literária e a instituições como o Estado, a Escola, as Igrejas e a
Imprensa" (p. 20).

Em relação ao ensino médio, considerado como continuidade do ensino


fundamental, o LD deve:

i) retomar e aprofundar a capacidade de reflexão sobre a língua e a


linguagem, com a necessária introdução dos conhecimentos linguísticos,
não só como ferramentas, mas também como objetos de ensino-
aprendizagem próprios;

ii) oferecer uma abordagem dos fatos e das categorias gramaticais na


perspectiva de seu funcionamento comunicativo em experiências textuais
e discursivas autênticas;

iii) sistematizar progressivamente os conhecimentos metalinguísticos


decorrentes da reflexão, com o objetivo de levar o aluno a construir uma
representação cientificamente plausível da língua.

Com esse direcionamento, o MEC espera que o ensino de língua


portuguesa, sobretudo no ensino médio, seja capaz de:

ABA 1
Considerar, no processo de construção dos sentidos de um texto, as
relações que se estabelecem entre a linguagem verbal e outras linguagens
(do rádio, da televisão, do cinema, da publicidade, do computador, por
exemplo);

ABA 2
Sistematizar os conhecimentos construídos, com base na observação
do uso efetivo da língua;

70
ABA 3
Privilegiar, em função do uso como objeto de reflexão, as abordagens
discursivo-enunciativas da língua, sem se ater ao nível da frase.

Sobre a necessidade de se ultrapassar o nível da frase, os Parâmetros


Curriculares Nacionais (1998, p. 78) salientam que:

Quando se toma o texto como unidade de ensino,


os aspectos a serem tematizados não se referem
somente à dimensão gramatical. Há conteúdos
relacionados às dimensões pragmática e semântica da
linguagem, que por serem inerentes à própria
atividade discursiva, precisam, na escola, ser tratados
de maneira articulada e simultânea no
desenvolvimento das práticas de produção e recepção
de textos.

Portanto, o ensino da análise linguística deve partir da produção de


textos e os conteúdos devem ser selecionados de acordo com as necessidades
da turma, sempre considerando a língua em uso, de modo a favorecer a
compreensão da variação em função de valores geográficos, históricos,
sociais, técnicos, da modalidade e dos registros.

DOS REGISTROS

Professor, conheça o teor da proposta dos PCN para a prática de


análise linguística acessando o link [3] (Visite a aula online para realizar
download deste arquivo.), p.59-63.

Como já foi dito na aula 2, o ponto de referência para a reflexão sobre a


língua não é a gramática tradicional. Os conteúdos para análise devem ser
selecionados de acordo com as dificuldades apresentadas pelos alunos na
produção de textos, quer orais ou escritos. A metodologia não segue o
modelo normativo em que se faz a classificação, a definição e o exercício. O
método consiste em promover reflexões a respeito da língua(gem), sem
preocupações intermináveis com nomenclatura (ARRAIS, 2004).

Tirar a gramática tradicional do foco das aulas de língua portuguesa não


significa eliminar a gramática da sala de aula, já que não há língua sem
gramática, como lembram Possenti (1996) e Antunes (2003). A análise
linguística engloba, entre outros aspectos, os estudos gramaticais, mas em
um paradigma diferente, na medida em que os objetivos a serem alcançados
são outros (MENDONÇA, 2006).

OLHANDO DE PERTO
O Guia de Livros Didáticos PNLD 2012 (p. 16-17) lembra que um bom
LD deve desempenhar as seguintes funções:

FUNÇÃO I

71
Apresentar qualidade, correção e atualização das informações
científicas e gerais que transmite;

FUNÇÃO II

Incorporar adequadamente avanços na área do saber relacionado à


disciplina, de forma a favorecer a formação pedagógica do professor;

FUNÇÃO III

Servir como um roteiro ou um plano detalhado para as aulas;

FUNÇÃO IV

Contribuir para a avaliação dos conhecimentos práticos e teóricos


adquiridos.

INSTITUTO UNIVERSIDADE VIRTUAL

Agora, com o que discutimos nas aulas 1 e 2 e com o que aprendemos


sobre os critérios em que se baseia o MEC para recomendar (ou não) um
livro didático, acreditamos que você, professor, possa reconhecer se há no
livro didático (um a sua escolha), mais especificamente, no ensino de
gramática, um direcionamento, de fato, para a análise da língua em uso, com
vista à construção de conhecimentos sobre o funcionamento da linguagem, o
sistema linguístico, as variedades da língua, os diferentes registros, os
mecanismos próprios de estruturação de cada gênero, considerados
relevantes para as práticas de produção de textos – falar e escrever – e de
recepção de textos – ouvir e ler, como postulam os PCN.

Vamos, então, passar para a parte prática?

DÚVIDA
Exibir, na capa do livro, carimbo com expressões como "Aprovado
pelo PNLD" ou "De acordo com os PCN" assegura à obra coerência entre
pressupostos teóricos e práticas metodológicas? O que o professor deve
fazer para certificar-se de que o livro selecionado realmente favorece o
trabalho com o ensino produtivo, isto é, o trabalho com a língua em
contextos de usos efetivos e reais?

DICA
Você já ouviu falar do LIVRES?

O LIVRES – Banco de Dados de Livros Escolares Brasileiros – é um


projeto da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo,
financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP), que tem como objetivo recuperar, coletar e disponibilizar pela
Internet livros escolares brasileiros, produzidos entre 1810 e 2005.

72
Para conhecer esse projeto, acesse o link [4].

FONTES DAS IMAGENS


1. http://portaldoprofessor.mec.gov.br/index.html
2. http://portal.mec.gov.br/index.php?
option=com_content&view=article&id=160&Itemid=86
3. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf
4. http://www2.fe.usp.br/estrutura/livres/index.htm
5. http://www.denso-wave.com/en/

Responsável: Prof.ª Aurea Suely Zavam


Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

73
ESTÁGIO EM ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 03: REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA NO LIVRO DIDÁTICO

TÓPICO 03: AVALIANDO O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Já sabemos que o ensino da gramática, praticado de acordo com as


sugestões dos PCNs (1998 e 2000), vem apresentando avanços significativos
quanto a novas metodologias empregadas na abordagem dos conteúdos.
Essas metodologias rompem com a concepção de ensino tradicional de
língua materna de feitio normativo e conceitual.

Por outro lado, a concepção de análise de língua sustentada no eixo


USO→REFLEXÃO→USO (PCN, 1998), como vimos no tópico 4 da aula 1,
possibilita uma superação das práticas de ensino de gramática normativa
pautadas na simples identificação e classificação dos fenômenos linguísticos
analisados em frases soltas, extraídas de enunciados representativos da
variedade padrão.

Com a proposta de o ensino da língua ser conduzido na perspectiva do


texto e do discurso, a prática de análise linguística deve visar, pela mediação
do professor, à construção de conhecimentos sobre o funcionamento da
linguagem, o sistema linguístico, as variedades da língua, os diferentes
registros, os mecanismos próprios de estruturação de cada gênero,
considerados relevantes para as práticas de produção de textos (fala e
escrita) e de recepção de textos (escuta e leitura) .

Nessa perspectiva, a prática de análise linguística se


distingue, portanto, do ensino da gramática tradicional, pois,
uma vez que partem do texto como unidade de ensino, além dos
aspectos fono-ortográficos e morfossintáticos a serem
considerados, tal prática se volta também para os aspectos
semânticos, pragmáticos, textuais e discursivos que o texto em
determinado gênero do discurso apresenta.

O fato de os documentos oficiais e políticas públicas terem assimilado as


contribuições da Linguística (e áreas afins) e consequentemente a mudança
de paradigma no ensino da língua não significa dizer que toda escola e todo
material didático trabalhem efetivamente com a concepção de língua
sociointeracionista e de ensino produtivo.

O que ainda constatamos, a despeito de vários livros didáticos, em suas


capas e manuais do professor, afirmarem que seguem as orientações dos
PCN, é a permanência de um ensino prescritivo da gramática.

PARADA OBRIGATÓRIA
O Manual do Professor é uma peça chave para o uso adequado e
satisfatório do livro didático. Um manual eficiente deve deixar clara a
proposta didático-pedagógica que apresenta, descrever a organização
interna da obra e orientar o professor em relação ao seu uso. Além disso,
deve explicitar os fundamentos teóricos que os norteia e, ainda, indicar e
74
discutir, no caso de exercícios e atividades, as respostas esperadas. É com
um bom Manual do Professor que o LD cumpre mais adequadamente sua
função de formação pedagógica específica. (GUIA PNLD, 2012, p. 19)

Vamos, então, saber se, de fato, a orientação pragmática que


transformou a concepção de língua e a visão que se tinha do processo de
ensino-aprendizagem da língua materna, em particular o ensino da
gramática, é posta em prática pelos livros didáticos.

LIVROS DIDÁTICOS

Embora reconheçamos que alguns livros didáticos proponham um


trabalho diferenciado, realmente orientado pelos PCN, nossa intenção é
desenvolver a competência do professor para avaliar o material com o
qual vai trabalhar em sala de aula.

Antes de passarmos à análise de uma atividade de análise linguística em


um livro didático, reproduzimos, a seguir, uma tabela que ilustra a diferença
entre os procedimentos de ensino de gramática (visão tradicional) e os de
prática de análise linguística (visão atual), concebida por Mendonça (2006,
p. 210-211) e sintetizada por Sousa e Vago (2008, p. 135). O objetivo é
fornecer a você um quadro comparativo que irá ajudá-lo (a) a fazer sua
avaliação.

ENSINO DE GRAMÁTICA X ANÁLISE LINGUÍSTICA


OBJETO DE ENSINO

ENSINO DE GRAMÁTICA
Advérbio, locução adverbiais e orações adverbiais
ANÁLISE LINGUÍSTICA
Expressões adverbiais, indicadoras de circunstâncias.

ESTRATÉGIA MAIS USADA

ENSINO DE GRAMÁTICA

◾ Exposição de frases e períodos (ora inventados, ora retirados dos textos de


leitura) para identificação e classificação dos termos;
◾ Uso das explicações gramaticais como texto didático de base para
abordagem do assunto.

ANÁLISE LINGUÍSTICA

◾ Leitura e comparação de gêneros diversos. Observação de casos particulares


para se chegar a conclusões mais gerais;
◾ Consulta a manuais gramáticas e dicionários para ampliar as discussões e o
próprio repertório de expressões, etc.

HABILIDADE ESPERADA

ENSINO DE GRAMÁTICA

◾ Identificar e classificar os termos em orações e períodos;


◾ Transformar advérbios em locuções adverbiais;
◾ Fazer a correspondência, em exercícios escolares, entre locuções adverbiais e
advérbios; resultando, algumas vezes, em construções que não se equivalem
pragmaticamente (por ex.: de forma feliz, felizmente, de forma real, realmente
etc.)

ANÁLISE LINGUÍSTICA

75
◾ Perceber que as circunstâncias podem ser sinalizadas – por meio dos
adjuntos adverbiais e de outros recursos – constituindo-se expectativas de
leitura e matizes de sentido relevantes para a compreensão global (ex.: o uso de
Na verdade, indicando a posição do locutor);
◾ Em diferentes gêneros. Há usos específicos desses recursos para atender a
propósitos distintos (ex.: notícia e fábula)

Mas o que se vê nos livros didáticos sobre o ensino de língua


portuguesa é mesmo o que se encontra proposto pelos documentos oficiais
(PCN, PNLD)?

Veja, a seguir, a parte destinada à exploração gramatical de uma


unidade do livro “Português: linguagens, volume 3”, de William Cereja e
Thereza Magalhães, aprovado pelo processo avaliatório oficial do PNLD.

CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. v. 3. 4. ed. São Paulo: Atual, 2004,
p. 289
É fácil perceber que este exercício proposto trabalha com frases soltas e
com conteúdos distintos ( (ambiguidade e concordância nominal)) , sem
promover a contextualização dos enunciados nem a sistematização do que
está sendo focalizado, como vemos, principalmente, nas questões 1 e 3.

A questão de número 2 transforma o texto (tirinha) em pretexto para a


cobrança da concordância esperada para as formas obrigado/obrigada. Não
há consideração sobre as normas de uso nem por que se fala, por exemplo,
uma forma pela outra. Trata-se, nas palavras de Moura Neves (2003, p. 131),
“ de uma amostra da limitação a que se submeteu uma determinada tradição
de ensino de gramática”.

Ao se limitar à “lição de gramática”, o livro deixa de explorar a situação


de interação entre os interlocutores (a Gatinha, rata que o Níquel Náusea
acha uma gata, e seus filhotinhos). Gatinha vê seu sentimento de ser adorada
como mãe frustrado ao perceber que seus filhotes estavam interessados na

76
refeição que ela tem para oferecer. Essa frustração é justificada porque mãe e
filhotes estariam em “sintonias” diferentes. Essa incompatibilidade,
provocada pelo fato de um interlocutor não perceber a intenção do outro,
deixa, então, de servir a possíveis reflexões que o aluno poderia fazer sobre a
quebra de expectativa dos interlocutores, uma das situações problemáticas
no circuito da comunicação, como lembra Moura Neves, 2003.

OLHANDO DE PERTO
Não podemos deixar de ressaltar que esta mesma obra de Cereja e
Magalhães apresenta também pontos positivos, conforme se depreende da
resenha apresentada aos educadores no Guia PNLD (cf. avaliação no Guia
PNLD 2012, p. 59 a 63).

O que pretendemos destacar é que o professor deve estar preparado


para identificar e suprir os pontos fracos do livro didático com qual irá
trabalhar.

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO 2
Agora é a sua vez!

Você já percebeu que coexistem, pelo menos, duas diferentes


propostas nos livros didáticos (tanto os que estão quanto os que não estão
indicados pelo Guia PNLD): uma em que a gramática é explorada numa
perspectiva funcionalista e em estreita articulação com os outros eixos de
ensino (leitura, escrita e oralidade) e outra em que a gramática é
trabalhada de forma tradicional, desvinculada dos demais eixos e centrada
no reconhecimento e classificação dos fatos linguísticos.

Levando em conta essa realidade e considerando que o livro didático,


mesmo aquele que foi avaliado positivamente pelo PNLD, não é um
material sobre o qual não se tenha nada para acrescentar ou reformular,
escolha um livro didático de língua portuguesa para você avaliar.

Como o nosso foco é a prática de análise linguística, sua avaliação


deve voltar-se para esse eixo de ensino.

Apresentamos um roteiro para ajudá-lo nessa tarefa, clique aqui.

Após preencher a Ficha de Avaliação, poste-a em seu portfólio.

DICA
Quer participar de uma discussão na web sobre o livro didático?

Entre no site [1] e se torne um dos membros do blog.

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO EM DUPLA


Esta é uma atividade para ser realizada, preferencialmente,
em dupla. Neste caso, realize a atividade com um colega de sua
turma.

77
Leia o texto “No meio do caminho tinha um equívoco: gramática, tudo
ou nada” (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.), de
Irandé Antunes.

Baseado(a) no texto lido, cada dupla deverá escolher duas das


perguntas a seguir para responder. Além das perguntas escolhidas, deverá
responder ainda à reflexão proposta (questão de nº 10).

Atenção: Cada resposta dada deve ser clara, objetiva e fundamentada


em posicionamentos assumidos pela autora e no que conhecimento que
você(s) construiu(íram) até aqui.

VER AS PERGUNTAS

1. A que equívoco a autora se refere no título do texto?

2. Que argumentos a autora apresenta para validar a afirmação de


que “os alunos concluem o segundo grau com imensas dificuldades de
escreverem textos socialmente pertinentes, com propriedade linguística
e relevância informativa” (3º §)?

3. No 4º §, a autora diz que o ensino de gramática é exaustivo


(“apesar de tanto ‘ensino de gramática’”) e logo, em seguida, diz que o
ensino de gramática ficou aquém do que era esperado (‘faltou ‘ensino de
gramática’”). Explique essa aparente contradição.

4. Por que a autora propõe “concepções mais amplas acerca do que


é uma língua”?

5. Explique a afirmação da autora: “toda atividade verbal se realiza a


partir dos padrões estabelecidos por uma gramática, mesmo que os
usuários da língua, por acaso, não tenham conhecimento explícito das
regras que utilizam” (2ª lauda).

6. Justifique a afirmação: “as propriedades da gramática não


perfazem a totalidade dos requisitos exigidos para o exercício da
atividade verbal” (2ª lauda).

7. Por que é verdadeira a seguinte afirmação da autora: “não se


consegue sucesso sem alterar a concepção de gramática que temos e a
concepção de seus limites na semântica das atuações verbais” (4ª
lauda)?

8. Quando a Irandé Antunes afirma “que se chegue a uma escola em


que o estudo da língua não se reduza a um conteúdo insípido e
inócuo” (último parágrafo), a que conteúdo insípido e inócuo ela está se
referindo?

9. Para a autora, como deveria ser o ensino de gramática na escola?


Justifique com passagens do texto.

10. (Reflexão) O que este texto pode indicar sobre a experiência


que será vivenciada com o estágio de observação?

FÓRUM

78
Sendo o livro didático hoje imprescindível ao processo ensino-
aprendizagem, de que meios o professor pode lançar mão para que esse
material se torne um apoio efetivo a sua forma de conceber o ensino da
língua e ao projeto político-pedagógico da escola? Reflita sobre essa
questão e coloque suas reflexões no fórum. Interaja com seus colegas
comentando as respostas que eles derem.

REFERÊNCIAS
ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São
Paulo: Parábola Editorial, 2003.

ARRAIS, Rochelly P. Do texto à análise linguística. In: ALMEIDA,


Nukácia; ZAVAM, Aurea (Org.). A língua na sala de aula: questões
práticas para um ensino produtivo. Fortaleza: Perfil Cidadão, 2004. p.
205-235.

MENDONÇA, Márcia. Análise linguística no ensino médio: um novo


olhar, um outro objeto. In:BUNZEN, Clecio; MENDONÇA, Márcia
(Org.). Português no ensino médio e formação do professor. São
Paulo: Parábola Editorial, 2006. p. 199-226.

NEVES, M. Helena Moura. A gramática: conhecimento e ensino. In:


______. Que gramática estudar na escola? Norma e uso na Língua
Portuguesa. São Paulo: Contexto, 2003. p.128-152.

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola?


Campinas: Mercado de Letras, 1996.

RANGEL, Egon. Livro didático de língua portuguesa: o retorno do


recalcado. In: DIONÍSIO, Angela P.; BEZERRA, M. Auxiliadora. O
livro didático de português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro, 2001.
p.7-14.

SOARES, Magda. Que professores de português queremos formar?.


Movimento: Revista da Faculdade de Educação da UFF, n. 3, p. 149-
155, 2001.

Disponível em: <http://www.filologia.org.br/viiisenefil/07.html>.


Acesso em: 30 jul. 2011.

SOUSA, Socorro Cláudia T. de; VAGO, Rejane de Araújo. Crenças dos


professores sobre o ensino de gramática e formação linguística: uma
intersecção necessária. In: PONTES, Antônio Luciano; COSTA, M.
Aurora Rocha (Org.). Ensino de língua materna na perspectiva do
discurso: uma contribuição para o professor. Fortaleza: Edições
Demócrito Rocha, 2008. v.2. p.129-157.

FONTES DAS IMAGENS


1. http://saladeaula.terapad.com/
2. http://www.denso-wave.com/en/

Responsável: Prof.ª Aurea Suely Zavam

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Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

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ESTÁGIO EM ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 04: PROPOSTAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM DE ANÁLISE LINGUÍSTICA

TÓPICO 01: INTRODUÇÃO

Como vimos na aula 1, notadamente na década de 80 do século passado,


a perspectiva do ensino produtivo ganhou destaque no Brasil, e, a partir de
então, diversas propostas didáticas e metodológicas foram implementadas
nas aulas de língua portuguesa.

De acordo com essa perspectiva, trabalhar com a gramática, ou seja,


trabalhar com a análise linguística, significa possibilitar o domínio da língua,
INSTITUTO UNIVERSIDADE priorizando o desenvolvimento da competência discursiva. Aprender a língua
VIRTUAL implica refletir sobre a língua, sobre suas situações de uso, sobre seus
mecanismos de constituição e funcionamento.

VERSÃO TEXTUAL

A reflexão sobre os fatos gramaticais assume relevância ao


facilitar a compreensão/produção do objeto linguístico, materializado
por meio de um texto. Não é sabendo o que é substantivo, adjetivo,
verbo ou advérbio ou mesmo sujeito e predicado que os alunos se
tornarão capazes de construir textos que atendam satisfatoriamente a
um propósito comunicativo estabelecido. Tais conhecimentos, por si
só, não vão habilitá-los na proficiência da língua. Os aspectos
gramaticais devem emergir dos diversos textos com os quais os alunos,
como usuários da língua, lidam nas distintas situações de interação,
tanto os produzidos por outros, quanto os produzidos por eles
próprios.

A proposta de se trabalhar a gramática a partir do texto, por outro lado,


levou (e ainda leva) muitos autores de livros didáticos (e professores
também) a cometerem o equívoco de ver o texto como simples repositório de
substantivos, verbos, locuções, orações subordinadas e tantos outros
elementos linguísticos que apenas são “pescados” do texto, isolados e
forçosamente colocados dentro de regras classificatórias da gramática
normativa, como vimos, na aula 3, no exemplo que comentamos de um livro
didático.

No polo oposto, encontramos livros didáticos (e professores) que, ao


intensificarem o trabalho com a leitura e a escrita de textos, deixam de lado a
exploração de conteúdos gramaticais. Como já salientamos na aula 1, o
ensino produtivo não prescinde da descrição e análise linguística. Esse
conhecimento é necessário para que o aluno venha a usar a língua com
propriedade.

PARADA OBRIGATÓRIA
O professor Jean-Paul Bronckart, em visita ao Brasil no ano passado,
ao proferir a conferência “Gêneros de texto e desenvolvimento”, alertou
sobre as posições extremistas no ensino da língua: “Antes era ensinar

81
gramática sem se preocupar com o texto. Hoje há uma forte concentração
no ensino da produção de texto e se minimizou o ensino da gramática. É
improdutivo. Não se pode passar de um extremismo a outro. O sucesso do
ensino depende da capacidade de articular o ensino da língua ao ensino do
texto”.

Confira a entrevista, acessando o link [1]

O objeto privilegiado de estudo da língua deve ser de fato o texto. Não o


texto fragmentado, isolado, artificializado, mas aquele resultante de uma
situação de interação discursiva, consideradas suas regularidades, suas
normas e suas convenções de ocorrência, e, sobretudo, ressaltado o caráter
de funcionalidade das regras linguísticas, analisadas de acordo com as
particularidades de cada gênero textual.

Desse modo, não devemos partir de fatos gramaticais difusos, virtuais


ou descontextualizados para só depois passarmos à escolha de um texto que
se preste à cobrança do que foi visto aprioristicamente.

Para atender a proposta do ensino produtivo, de que forma devemos,


então, selecionar o conteúdo a ser trabalhado nas aulas voltadas para a
análise linguística?

A fim de contemplar as orientações dos PCN, há, pelo menos, duas


possibilidades para o ensino da gramática. Vamos ver cada uma discutindo a
forma como podem ser viabilizadas.

FONTES DAS IMAGENS


1. http://www.portalentretextos.com.br/noticias/priorizar-o-genero-sem-
descuidar-da-gramatica,952.html
2. http://www.denso-wave.com/en/

Responsável: Prof.ª Aurea Suely Zavam


Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

82
ESTÁGIO EM ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 04: PROPOSTAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM DE ANÁLISE LINGUÍSTICA

TÓPICO 02: O ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA A PARTIR DE GÊNEROS TEXTUAIS

O ensino de língua portuguesa deve privilegiar os gêneros não apenas


porque essa é a orientação dos PCN ou o direcionamento que se verifica no
livro didático, mas, sobretudo, porque os alunos sabem, ainda que
intuitivamente, que os textos que produzem (orais ou escritos) adequam-se a
formatos textuais, que, por sua vez, atendem ao contexto de interação do
qual participam.

Nós sabemos que os alunos se dão conta de situações em que se deve


protestar, aconselhar, pedir desculpas, contar um fato, solicitar algo, por
exemplo. A escolha do gênero é, pois, determinada pela situação de uso do
texto que se pretende produzir. E, para o aluno materializar sua escolha com
eficiência, isto é, ser bem-sucedido no seu projeto de dizer, faz-se necessário
o saber acerca da língua e de seu funcionamento.

Um dos aspectos mais relevantes na adoção dos gêneros textuais como


base para o ensino de análise linguística diz respeito ao fato de ser possível a
superação da dicotomia, demasiadamente restrita, do "certo" e do
"errado" ((sobre a qual falamos na aula 1)) , tão presente nas aulas de
gramática.

VERSÃO TEXTUAL

Ao considerarmos os gêneros textuais, as regras linguísticas


ganham funcionalidade em razão de serem definidas de acordo com as
peculiaridades de cada gênero. Desse modo, a língua virtual, a
idealizada, tal qual se encontra descrita nas gramáticas normativas,
cede lugar à língua real, que se caracteriza pela atuação dos sujeitos
falantes. Nesse contexto, os conceitos de “certo” e “errado” não
caberiam, pois o foco passa a ser a adequação (ou inadequação) de
determinadas estruturas ou recursos linguísticos ao gênero que dá
forma ao texto resultante da situação de comunicação realizada.

Escolhemos, assim, o gênero textual das práticas sociais e discursivas


com as quais o aluno está envolvido. Uma vez escolhido o gênero, podemos
explorar fenômenos linguísticos mais recorrentes no gênero em questão. Por
exemplo, se optamos por estudar o gênero conto ou crônica, possivelmente
encontraremos marcadores temporais ((advérbios, locuções adverbiais,
orações adverbiais)) , elementos linguísticos que compõem a estrutura desse
gênero.

Em outras palavras, sob a perspectiva do atual paradigma de ensino,


passamos a reconhecer, comparar, analisar e categorizar fenômenos
linguísticos, de natureza morfológica, sintática, semântica e pragmática,
identificando sua ocorrência, diferenciada em função do gênero, da
modalidade (oral/escrita), do registro (formal/informal), da variedade da

83
língua (culta/não padrão) e dos fatores que condicionam as variedades
linguísticas (de idade, de região, de nível socioeconômico, entre outros).

Para que possamos entender melhor o que está sendo proposto, vejamos
a seguir uma atividade elaborada para trabalhar com o gênero receita e o
emprego do modo verbal imperativo.

EXEMPLO 1
Leia o texto (Adaptada de uma atividade elaborada por alunos do
Curso de Letras da UFC para a disciplina 'Gêneros Textuais e Ensino') a
seguir:

TEXTO I

ARROZ À GREGA DE FORNO

(Pronto em 45 min. Rende: 8 porções)

Ingredientes:

◾ 3 colheres (sopa) de manteiga


◾ 1 pimentão vermelho picado
◾ 2 talos de salsão picados
◾ 1 cebola picada
◾ 2 dentes de alho amassados
◾ 4 xícaras (chá) de arroz branco cozido
◾ 1 lata de mix de ervilha e cenoura escorrida
◾ 1 lata de milho verde escorrido
◾ 1 tomate sem sementes picado
◾ 1 xícara (chá) de azeitonas verde picadas
◾ 2 colheres (chá) de sal
◾ 2 xícaras (chá) de queijo mussarela ralado
grosso
◾ Margarina para untar

Preparo:

Em uma panela, em fogo médio, aqueça a manteiga e frite o


pimentão, o salsão, a cebola e o alho por 3 minutos ou até dourar
levemente. Em um refratário médio untado com margarina, misture esse
refogado com o arroz, o mix de ervilha e cenoura, o milho verde, o
tomate, as azeitonas e o sal. Cubra com o papel alumínio e leve ao forno
médio, pré-aquecido, por 20 minutos. Retire do forno, retire o papel,
espalhe o queijo mussarela e retorne ao forno por mais 10 minutos ou
até derreter o queijo e dourar levemente. Sirva em seguida.

Alho mais saboroso

Para realçar o sabor, descasque o dente de alho, corte-o ao meio no


sentido do comprimento e elimine o miolo esverdeado.

FONTE: Livro de receitas: Arroz de forno (Série PURO SABOR).

1. Responda:

84
a) O texto acima pertence a que gênero? Que características permitem
reconhecê-lo como tal?

b) Qual o propósito desse gênero?

c) Esse gênero é apresentado obrigatoriamente na modalidade


escrita? Justifique.

Leia agora este outro texto:

TEXTO II

RECEITA DA FELICIDADE

Ingredientes:

◾ 1 xícara de serenidade
◾ 3 colheres de sopa de paciência
◾ 2 xícaras de caridade
◾ 4 colheres de compreensão
◾ 1 dose de respeito
◾ a mesma medida de tolerância
◾ 1 dúzia de amor
◾ 1/2 litro de carinho
◾ 3 copos de alegria
◾ 1 kg. de fé
◾ 2 kg. de pensamento positivo
◾ 1 pitada de inteligência
◾ e muita humildade para semear.

Preparo:

Misture tudo, coloque dentro do seu coração aquecido para


aproximadamente tempo infinito.

Rendimento:

Para todos que buscam a felicidade.

Fonte [1]

d) Que gênero está servindo à composição do texto II?

e) Podemos afirmar que o propósito do texto II é o mesmo do texto I?


Justifique sua resposta.

f) Tanto no texto I quanto no texto II, os ingredientes são indicados


recorrendo-se à classe dos substantivos. Comparando os dois textos, que
diferença há entre os substantivos que indicam os ingredientes de um e de
outro texto?

85
g) Em relação à linguagem empregada, que diferença há entre os dois
textos?

h) Podemos dizer que os dois textos pertencem ao mesmo gênero?


Justifique sua resposta.

i) Agora volte sua atenção, em ambos os textos, para a parte do


Preparo. Qual é o modo verbal (indicativo, subjuntivo ou imperativo)
predominante? Por que se emprega esse modo verbal nesse gênero
textual?

2. Vamos focar nossa atenção agora no emprego do imperativo.

Observe:

Texto I

Em uma panela, em fogo médio, aqueça a manteiga e frite o


pimentão, o salsão, a cebola e o alho por 3 minutos ou até dourar
levemente.

Texto II

Misture tudo, coloque dentro do seu coração aquecido para


aproximadamente tempo infinito.

Veja:

Modo imperativo afirmativo

Verbos de 1ª Verbos de 2ª Verbos de 3ª


conjugação conjugação conjugação

Canta tu Bebe tu Finge tu

Cante você Beba você Finja você

Responda:

a) A que pessoa do discurso (2ª – tu; ou 3ª – você), as formas


destacadas nos trechos selecionados se referem?

Como você pode observar, houve o que chamamos de uniformidade


de tratamento, isto é, manteve-se o mesmo pronome pessoal para as
formas verbais empregadas. No entanto, a uniformidade de tratamento,
recomendada para os textos em que se deve empregar a variedade culta,
nem sempre é seguida.

Observe o refrão de uma propaganda veiculada pela Caixa Econômica


Federal.

86
Vem pra caixa você também, vem!

b) Podemos dizer que neste enunciado a forma verbal ("vem") é a que


corresponde ao pronome empregado ("você")?

c) Assinale a opção que identifica a intenção do autor do enunciado ao


desobedecer ao que dita a gramática normativa.

◾ Desacreditar os preceitos gramaticais que não são seguidos.

◾ Promover a variedade não-padrão falada pela maioria dos brasileiros.

◾ Aproximar-se do público-alvo fazendo uso do registro coloquial.

◾ Seguir a variedade praticada pelos publicitários.

d) O gênero, bem como o seu propósito, pode condicionar a


uniformidade de tratamento no emprego do imperativo? Cite exemplos
que ilustrem sua resposta.

Agora compare:

(i) Desce já daí, menino, que você pode cair. (uma mãe da região
sudeste falando para seu filho)

(ii) Desça já daí, menino, que você pode cair. (uma mãe da região
nordeste falando para seu filho)

3. Conclua:

Podemos afirmar que há variação no uso do imperativo? Essa


variação se deve a fatores de natureza social ou geográfica? Cite outros
exemplos que comprovem sua resposta.



POSSÍVEIS RESPOSTAS

1. a) Gênero receita (culinária). A estrutura do texto, dividido em:


ingredientes, modo de preparo e rendimento (opcional); o uso de unidades
de medida; o emprego do modo imperativo; a presença de sequências
injuntivas.

b) O propósito do gênero em questão, receita, é dar instruções àquelas


pessoas que desejam preparar algum alimento a ser servido em alguma
refeição.

c) Não, podemos encontrar também na modalidade oral.

d) Receita (culinária).

e) Não, pois o texto II não tem prioritariamente a intenção de ensinar


alguém a fazer algo, mas, sim, a de sensibilizar o leitor.

87
f) No texto I, há predominância de substantivos concretos; no texto II,
de substantivos abstratos.

g) No texto I, a linguagem é objetiva, denotativa; no texto II, a


linguagem é subjetiva, há elementos metafóricos.

h) Não, pois o texto I é uma receita, e o texto II é um poema. No texto


II, o poema assume a forma composicional de uma receita, o que permite
identificá-lo como receita poética.

d) Imperativo, pelo fato de ambos os textos apresentar/dar instruções


para execução de algo, ainda que, no texto II, a intenção maior não seja
verdadeiramente a de instruir o leitor a executar algo.

2. a) você

b) Não

c) ( ) Aproximar-se do público-alvo fazendo uso do registro coloquial.

d) Sim. No gênero carta pessoal, por exemplo, podemos escrever:


Estou te escrevendo para contar as novidades. Assim você fica sabendo
do que anda acontecendo por aqui na sua ausência.

3. Sim, há variação no uso do imperativo no português brasileiro e essa


variedade se deve, notadamente, a fatores de natureza geográfica. Falantes
da região sul e sudeste empregam mais a forma “Fecha a porta; apaga a
luz”; falante da região nordeste empregam mais a forma “Feche a porta;
apague a luz”. A mistura de tratamento é um traço típico da variedade culta
informal.

OLHANDO DE PERTO
Sobre a variação no uso do imperativo no português brasileiro, leia o
artigo "O uso do modo imperativo em revistas em quadrinhos do Menino
Maluquinho" [2] (Visite a aula online para realizar download deste
arquivo.), de Jeferson Alves.

DICAS
Quer conhecer outra proposta de trabalho com a gramática a partir de
um gênero textual específico?

Acesse link [3] e veja o que propõe Terezinha Costa-Hübes, no artigo


Uma tentativa de análise linguística de um texto do gênero "Relato
Histórico".

Clique aqui (Visite a aula online para realizar download deste


arquivo.) para baixar o arquivo.

Os gêneros que podem ser explorados em sala de aula não são somente
os que se apresentam impressos, em livros, jornais ou revistas. Há uma
variedade de gêneros na web, ainda que nem sempre saibamos como nomeá-
los, que possibilitam trabalhos bem interessantes em sala de aula. Quer ver
como isso é possível? Veja, então, o exemplo a seguir.
88
EXEMPLO 2 (ESTA ATIVIDADE TAMBÉM PODE SER APLICADA EM SALA DE
AULA, DESDE QUE SE TENHA ACESSO À INTERNET PARA QUE OS ALUNOS
POSSAM ASSISTIR AO VÍDEO INDICADO)

Vocês costumam ver vídeos no YouTube?

O texto – esquete (pequena sequência cômica) – com o qual vamos


trabalhar foi veiculado originalmente no programa Jô Onze e Meia, em
2007, e logo ganhou reprodução no YouTube.

Vamos assistir, então, ao vídeo "A revolta da letra i"?

"A REVOLTA DA LETRA I"


"A REVOLTA DA LETRA I"

Atividade elaborada a partir de sugestão apresentada por


Anderson Carnin, Maria Julia Macagnan e Fabiana Kurtz, no
artigo, cuja leitura recomendamos, "Internet e ensino de línguas:
uma proposta de atividade utilizando vídeo disponibilizado pelo
YouTube", disponível em: clique aqui para baixar.

macagnan.pdf (Visite a aula online para realizar download deste


arquivo.)

1. Respondam oralmente:

a) Segundo o texto, quais as desvantagens de ser a letra “i” no Brasil?

b) Em relação a outras línguas, que desvantagens a protagonista


apresenta?

c) Considerando o posicionamento da personagem e os argumentos


por ela utilizados, qual seria a saída menos dolorosa para que a letra “i”
ficasse satisfeita?

d) Que características você identifica nesse tipo de gênero (vídeo


veiculado pelo YouTube)?

e) Qual o propósito desse vídeo?

f) Que outros propósitos os vídeos veiculados pelo YouTube


apresentam? Cite exemplos que comprovem sua resposta.

g) Que relação este vídeo pode ter com uma aula de língua
portuguesa?

h) Em que “conteúdos” da gramática tradicional são tratadas questões


como a que é abordada no vídeo?

2. Relembre esta fala da personagem: “Porque o ‘a’ pode usar todos os


acentos que quiser”.

Se usar o acento, a letra “a” pode aparecer em várias palavras.


Preencha o quadro abaixo observando a sílaba tônica em que a letra “a”
deve aparecer.

89
Com acento agudo Com acento circunflexo

Oxítona: Oxítona:

Paroxítona: Paroxítona:

Proparoxítona: Proparoxítona:

3. Que exemplo(s) de palavras oxítonas terminadas em "a" com acento


circunflexo você encontrou?

4. A que conclusão você pode chegar sobre o emprego do acento


circunflexo na letra "a" em posição final de palavra?

5. Agora reflita sobre o emprego dos acentos (agudo e circunflexo) em


relação ao timbre da vogal (aberto ou fechado). Em seguida, preencha
corretamente as lacunas.

O acento agudo é empregado para indicar que a vogal deve ser


pronunciada com timbre , como em bálsamo,

fácil, sofá; já o acento circunflexo indica que o timbre é


, como em câmara, câncer.

DESAFIO
A exemplo da proposta apresentada para trabalhar o vídeo "A revolta
da letra i" e com base no artigo de Carnin, Macagnan e Kurtz (2008),
elabore uma atividade para o vídeo "Assalto a língua portuguesa",
disponível em:
http://www.youtube.com/embed/xKPigUEkCqU

OBSERVAÇÃO
Ao trabalhar com os gêneros, o professor deve evitar o que chamamos
"didatização do gênero", isto é, a focalização somente nos aspectos
formais, aqueles mais prototípicos, ligados à estruturação do gênero. O
professor não deve deixar de explorar a dinamicidade e plasticidade dos
gêneros bem como seus contextos de produção e circulação.

FONTES DAS IMAGENS


1. http://www.simoneautoajuda.com/receita_felicidade.htm
2. http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br//arquivos/File/2010/artigos_
teses/LinguaPortuguesa/artigos/modo_imperativo.pdf
3. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1518-
76322010000100009&script=sci_arttext
4. http://www.denso-wave.com/en/

Responsável: Prof.ª Aurea Suely Zavam

90
Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

91
ESTÁGIO EM ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 04: PROPOSTAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM DE ANÁLISE LINGUÍSTICA

TÓPICO 03: O ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA A PARTIR DE TEXTOS PRODUZIDOS POR ALUNOS

Para desenvolvermos a competência discursiva, é necessário criar em


sala de aula situações de reflexão sobre o uso da língua para que o aluno
possa compreender o processo de constituição da língua em contextos reais
de interação. Sob essa ótica, a sala de aula é, pois, o espaço privilegiado para
a reflexão sobre a língua e suas formas de manifestação.

A prática de análise linguística, desse modo, nada mais é do que um


exercício de reflexão sobre a organização do texto, seja oral ou escrito. Tal
reflexão deve levar em conta a situação de produção e interação, o gênero, os
mecanismos de textualização, as regras gramaticais envolvidas e pode ser
desenvolvida tanto com textos produzidos por terceiros quanto aqueles
produzidos pelos próprios alunos.

VERSÃO TEXTUAL

Neste tópico, vamos, então, explorar um exemplo de criação de


oportunidade em que aluno é instado a refletir sobre a língua e o uso
que faz dessa língua, a partir de produções dele mesmo e de seus
colegas. Bem sabemos que uma das maiores dificuldades dos alunos
diz respeito à escrita de textos, sobretudo aqueles mais
estandardizados e que, por isso, devem ser escritos dentro de um
registro mais formal. Essa é, portanto, uma atividade que ajudará o
aluno a repensar o seu escrito, pois irá focar aspectos que precisam ser
melhorados para que seu texto esteja de acordo com as regras
gramaticais próprias da variedade culta, exigida pelo gênero e pela
finalidade da situação de interação em que se encontra envolvido.

Evidentemente a proposta que apresentamos não é a única forma capaz


de provocar a reflexão sobre a língua, apenas ilustramos uma possibilidade
de trabalho que poderá ensejar a criação de outras, que se assemelham a esta
e/ou que a ultrapassam.

O texto com o qual vamos trabalhar foi produzido por um aluno de


ensino médio, que simulou o atendimento à seguinte proposta de redação do
vestibular 2011.1 da Universidade Estadual do Ceará:

O aluno fez opção pela proposta 1 (produção de um artigo de opinião) e


escreveu o seguinte texto:

92
O texto em análise é um artigo de opinião e representa, portanto, o
discurso da esfera jornalística. Devemos inicialmente verificar se a
organização do texto e a linguagem empregada atendem satisfatoriamente à
situação de interação determinada (um articulista que escreve para
determinado jornal para se posicionar a respeito de um assunto de ordem
cotidiana) e consequentemente às características do gênero.

Pelos problemas que podemos identificar, chegamos à conclusão de que


este aluno está com algumas dificuldades no que se refere tanto à articulação
de ideias/períodos (aspectos textuais) quanto ao cumprimento de algumas
regras de regência e concordância (aspectos gramaticais). Percebemos,
ainda, alguns problemas ligados às convenções da escrita, especificamente de
pontuação e acentuação.

Vamos, no entanto, focar nossa atenção em apenas dois problemas de


natureza estritamente gramatical, que é o nosso objetivo, identificados nos
trechos reproduzidos a seguir:

1º PROBLEMA
"sem se adequar a legislação" (l.04-05) / "se adequarem as regras do
Patrimônio da União" (l. 09);

verificamos um problema de regência verbal. O aluno demonstra


desconhecer a regência padrão do verbo "adequar".

2º PROBLEMA
"ultrapassando os limites. Onde o juiz federal, sentenciou..." (l.07-08)

o problema é com o emprego culto do pronome relativo "onde".

CONTRIBUIÇÃO

93
Para trabalhar com a regência verbal, clique aqui

Você certamente observou que o problema identificado no


texto do aluno (em relação ao verbo "adequar-se") foi retomado
na atividade de modo a propiciar a reflexão sobre a ausência do
acento indicativo da crase para marcar a presença da preposição
A exigida pela regência do verbo em questão. Trabalha-se, dessa
forma, com o conteúdo gramatical voltado para a situação de uso
da língua.

Agora vamos voltar nossa atenção para o segundo problema destacado:


o uso culto do pronome relativo "onde".

Como já foi salientado na aula 2, os pronomes exercem função


primordial na construção da coesão referencial do texto. Com o pronome
relativo "onde" não é diferente. Esse pronome (que assume o mesmo valor de
"em que") tem a função de retomar um referente, mas, na variedade culta,
com uma particularidade: esse referente precisa ser um locativo, isto é,
encerrar ideia de lugar.

Vejamos esses exemplos:

EXEMPLO 1

(1) Conheci a casa onde nasceu José de Alencar.

("onde" está retomando "casa", que indica lugar)

EXEMPLO 2

(2) Sempre morei na cidade onde nasci.

("onde" está retomando "cidade", que indica lugar)

EXEMPLO 3

(3) "Minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá" ("Canção do


Exílio", de Gonçalves Dias)

("onde" está retomando "terra", que indica lugar)

Agora analise a construção retirada da redação em destaque:

"A maior parte das barracas exploram grandes espaços,


ultrapassando limites da legislação. Onde o juiz federal,
sentenciou que os responsáveis das barracas [deveriam] se
adequarem as regras do Patrimônio da União." (2º parágrafo)

DÚVIDA
Nesse fragmento, o pronome "onde" está retomando algum termo
com ideia de lugar?

Por que o aluno produziu o enunciado dessa forma?

94
Acontece que os pronomes relativos, como já dissemos, têm uma
importante função no estabelecimento da coesão referencial. Basta observar
os exemplos (1), (2) e (3), nos quais o pronome "onde" ajuda a construir a
articulação entre as informações que estão sendo apresentadas e faz, dessa
forma, o texto progredir.

Vejamos como isso acontece, por exemplo, no enunciado (1):

Conheci a casa. Na casa nasceu José de Alencar.

Para retomar um termo que já foi citado e unir as duas orações em um


único período, lançamos mão do pronome "onde", que funciona como elo
coesivo. Assim, temos: Conheci a casa onde nasceu José de Alencar. À
primeira oração (Conheci a casa), agregamos a informação seguinte (Nessa
casa de que estamos falando nasceu José de Alencar) e assim construímos
um único período "costurando" as informações com a ajuda do elo coesivo
"onde".

O usuário da língua percebe essa função coesiva do pronome "onde" e


estende a outros contextos, mesmo àqueles em que a palavra retomada não
encerra ideia de lugar. Por esse motivo, é muito frequente encontrarmos
construções como:

(4) Essa é uma situação onde eu me sinto desconfortável.

(5) O ministro disse que é na educação onde estão os mais difíceis


problemas nacionais.

(6) Isso aconteceu numa época onde a superstição fervilhava na cabeça


do povo.

Não é difícil perceber que, em nenhum dos três enunciados acima, o


pronome "onde" está se referindo a um lugar físico, pois "situação",
"educação" e "época" não são locativos, isto é, termos que indiquem lugar.
De acordo com o que recomenda a gramática a ser seguida em situações nas
quais se exige o domínio culto da língua, esses enunciados poderiam ser
assim formulados:

(4a) Essa é uma situação em que eu me sinto desconfortável.

(5a) O ministro disse que na educação estão os mais difíceis problemas


nacionais.

(6a) Isso aconteceu numa época em que a superstição fervilhava na


cabeça do povo.

Além dos contextos em que não está retomando um termo que


manifesta ideia de lugar, o pronome "onde" também é usado, na variedade
não padrão, para "costurar" informações que vão sendo acrescentadas ao
texto, como é o caso do enunciado retirado da redação. Se observarmos bem,
o pronome "onde" não está retomando nenhum termo específico nem
95
nenhuma porção maior do texto. Sua função está sendo a de agregar uma
informação que se relaciona ao tópico do parágrafo: a infração cometida
pelas barracas de praia.

CONTRIBUIÇÃO
Para trabalhar com a diferença entre o uso culto e o uso não
padrão do pronome relativo "onde",clique aqui

EXERCITANDO
Pesquise e encontre outros exemplos de uso inadequado do pronome
relativo "onde".

Mas atenção: nem sempre a palavra "onde" é pronome relativo. Em


um período como "Onde você nasceu?", por exemplo, não é possível
pensar em pronome relativo porque estamos diante de um período
simples. Nesse caso, "onde" é advérbio interrogativo.

FONTES DAS IMAGENS


1. http://www.denso-wave.com/en/

Responsável: Prof.ª Aurea Suely Zavam


Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

96
ESTÁGIO EM ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 04: PROPOSTAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM DE ANÁLISE LINGUÍSTICA

TÓPICO 04: OUTRAS POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA

VERSÃO TEXTUAL

Nos tópicos anteriores, trabalhamos com o ensino da análise


linguística a partir ou dos gêneros ou dos textos dos alunos. Há, ainda,
possibilidade de se trabalhar com conteúdos gramaticais ainda que
não estejam diretamente vinculados a uma ocorrência dentro de um
texto/gênero específico. Nas aulas anteriores, nós falamos no esquema
“uso-reflexão-uso”, proposto pelos PCN. Isso quer dizer que o trabalho
com gramática no texto não implica apenas interpretar a função dos
itens; requer também que o aluno produza enunciados considerando
os conteúdos gramaticais.

EXEMPLO 1 (PARA TRABALHAR COM SUJEITO)

INSTITUTO UNIVERSIDADE VIRTUAL

1. Na construção dos enunciados, uma estratégia utilizada para


diminuir a responsabilidade de uma pessoa sobre uma determinada ação
diz respeito à escolha do sujeito gramatical. Se, por exemplo, um garoto
diz para sua mãe "Mãe, o seu vaso chinês quebrou", em vez de "Mãe, eu
quebrei seu vaso chinês", ele, com a modificação do sujeito da frase,
diminui a sua parcela de responsabilidade na destruição do vaso. Com
base nessa informação, construa um enunciado a partir das seguintes
orientações:

• Você é o responsável por cuidar dos escravos de uma fazenda.

• Houve uma fuga de escravos porque você estava dormindo enquanto


devia estar vigiando-os.

• Você deve contar o acontecido ao patrão, mas não pode parecer como
culpado, pois tem medo de que ele o demita.

Que frase você utilizaria para dar essa notícia ao seu patrão?

2. Imagine que Lu soube da traição de Décio por meio de uma amiga.


Essa amiga poderia iniciar seu relato de duas maneiras:

Relato I: Lu, você foi traída.

97
Relato II: Lu, o Décio te traiu.

Com base na análise dos dois enunciados, responda ao que se pede.

a) Qual o sujeito da oração I? Ele realiza ou recebe a ação?

b) Qual o sujeito da oração II? Ele realiza ou recebe a ação?

c) Caso a amiga quisesse enfatizar a culpa do namorado infiel, ela


escolheria, provavelmente, o enunciado I ou o enunciado II? Justifique sua
resposta.

EXEMPLO 2 (PARA TRABALHAR ESTRUTURAÇÃO DE PERÍODOS)

INSTITUTO UNIVERSIDADE VIRTUAL

1. Leia: "Encontrei um guarda. Perguntei ao guarda sobre a rua. Eu


estava procurando a rua. O guarda não sabia dizer." Reescrevendo-se estas
frases num único período, e observando-se as alterações necessárias, a
construção adequada é:

(a) Encontrei um guarda e perguntei-lhe sobre a rua que estava


procurando, onde ele não sabia dizer.

(b) Encontrei um guarda, perguntei a ele onde ficava a rua e ele não
sabia dizer a rua que eu procurava.

(c) Quando encontrei um guarda, perguntei onde que ficava a rua que
eu procurava, então ele respondeu não saber.

(d) Quando encontrei um guarda, perguntei aonde ficava a rua que


procurava e ele não sabia dizer.

(e) Perguntei a um guarda que encontrei onde ficava a rua que eu


estava procurando, mas ele não sabia dizer.

2. Construa um só período com as orações seguintes,


seguindo as instruções dadas entre os parênteses. Reorganize
as orações do período atendendo à modalidade culta da língua.
Evite repetições desnecessárias e a utilização de palavras
dispensáveis.

I. O horário de verão foi adotado no Nordeste. (oração principal)

98
II. O horário de verão não representa economia de energia no
Nordeste. (oração subordinada concessiva da oração principal)

III. A adoção do horário de verão no Nordeste atendeu a pedido de


governadores nordestinos. (oração subordinada causal reduzida de
gerúndio da oração principal)

IV. Os governadores nordestinos levaram em conta um estudo feito


pela SUDENE. (oração subordinada adjetiva explicativa da oração III)

3. Os períodos abaixo estão alinhados desordenadamente.


Organize-os em uma sequência lógica. Na resposta, indique, por
meio dos números, a ordem em que eles devem dispor-se.

1. Além disso, ainda há muitos lugares onde não há telefones.

2. Nos Estados Unidos e no Canadá, por exemplo, existe


disponibilidade de acesso ilimitado à Internet por uma tarifa mensal,
incluindo o telefone.

3. No Japão, por exemplo, todos têm de pagar 10 ienes por três


minutos on line.

4. A Internet pode ter um caráter mundial, mas em cada país há


especificidades econômicas e sociais que podem facilitar ou limitar o
acesso à rede.

5. Na maioria dos países, no entanto, seu uso é cobrado por minuto.

6. Por isso, em regiões da Rússia, da África ou da América Central, o


acesso à Internet está fora de questão.

(Adaptado de Zeff, Robbin. São Paulo: HSM Management, n. 17, ano


3, p. 127, nov./dez. 1999)

4. A partir dos dados abaixo, crie frases, observando as


indicações entre parênteses. Suas frases devem ser coerentes e
atender a variedade culta da língua.

a) Oto (Predicado verbal = verbo

transitivo direto + objeto direto + adjunto adverbial)

b) Sílvia (Predicado verbo-nominal

= verbo transitivo + complemento verbal + predicativo do objeto)

99
EXEMPLO 3 (PARA TRABALHAR RELAÇÕES SEMÂNTICAS E
ESTRUTURAÇÃO DE PERÍODOS)

INSTITUTO UNIVERSIDADE VIRTUAL

1. Releia os enunciados seguintes e responda ao que se pede.

a) Identifique a relação semântica estabelecida entre:

→ as orações A e B do trecho I:

→ as orações C e D do trecho II:

→ as orações E e F do trecho III:

b) Reescreva a oração C do trecho II, empregando outro conectivo


com o mesmo valor semântico. Faça as adequações que julgar necessárias.

2. Leia as orações, relacionando-as em um único período de acordo


com a "equação" abaixo. Não se esqueça de fazer as adequações
necessárias à variedade culta e de evitar repetições dispensáveis.

ITEM 1)

A – A refinaria de petróleo não virá para o Ceará.

B – A refinaria de petróleo foi disputada por dois estados


nordestinos.

C – Políticos cearenses fizeram declarações à imprensa.

D – Políticos cearenses demonstraram a insatisfação.

E – Essa decisão causou insatisfação aos cearenses.

PERÍODO COMPOSTO: A (adverbial causal, subordinada a C) + B


(adjetiva, intercalada, subordinada a A) + C (oração principal) + D
(adverbial final, reduzida de infinitivo, subordinada a C) + E (adjetiva,
subordinada a D)

100
ITEM 2)

A – A raposa lembra os despeitados.

B – Os despeitados fingem-se superiores a tudo.

C – A raposa desdenha das uvas.

D – A raposa não pode alcançar as uvas.

PERÍODO COMPOSTO: A (oração principal) + C(adjetiva restritiva,


intercalada, subordinada a A) + D (adverbial causal, intercalada,
reduzida de infinitivo, subordinada a A) + B (adjetiva explicativa,
subordinada a A)

ITEM 3)

A – Os homens sentem-se desprezados pelas pessoas.

B – Os homens têm um bom caráter.

C – Os homens não conseguem trabalho.

D – A sociedade discrimina o homem.

E – O homem não produz.

F – O homem não tem culpa de estar desempregado.

PERÍODO COMPOSTO: A (oração principal) + B (adjetiva


explicativa, intercalada, subordinada a A) + C (adverbial temporal,
intercalada, subordinada a A) + D (adverbial causal, subordinada a A) +
E (adjetiva restritiva, subordinada a D) + F (adverbial concessiva,
subordinada a E)

A habilidade de produzir textos com coesão e coerência dentro da


variedade culta é um processo que vai sendo desenvolvido ao longo da vida
escolar. Um ensino direcionado para o desenvolvimento dessa habilidade
tem muito a contribuir com a competência discursiva do aprendiz.

Como ficou demonstrado, embora o foco das aulas de análise linguística


não deva ser a simples identificação e classificação dos fatos linguísticos, o

101
conhecimento sobre as regras de funcionamento da língua, bem como a
compreensão sobre seu uso e função, é imprescindível. Ainda que o aluno
não decore essas regras nem saiba fazer uma exposição sobre elas, a reflexão
sobre seus usos leva à gramática internalizada de que falamos na aula 1.

LEITURA COMPLEMENTAR
Luís Fernando Veríssimo, na crônica "O gigolô de palavras" [1], trata,
de forma bem-humorada, da relação do escritor com a gramática e encerra
seu texto com essas palavras: A Gramática precisa apanhar todos os dias
para saber quem é que manda.

Leia a crônica e descubra por que o cronista faz essa instigante


afirmação.

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO
Escolha 2 exemplares de um mesmo gênero textual. Identifique
fenômenos linguísticos recorrentes nesse gênero textual. Elabore, então,
uma atividade para trabalhar com esses textos de modo a contemplar
questões sobre o gênero e sobre a gramática nesses textos.

A fim de evitar que seja tomado como pretexto para exploração de


conteúdo gramatical, elabore também questões sobre interpretação do
texto.

FÓRUM
Vamos trocar ideias sobre o ensino de análise linguística nas escolas?

Procure uma escola, de ensino fundamental II ou ensino médio (não


esqueça de levar a carta de apresentação Link (Visite a aula online para
realizar download deste arquivo.)), para você observar algumas aulas
voltadas para o ensino de gramática (essa atividade pode ser feita em
dupla).

Assista às aulas e faça anotações.

Poste suas considerações e discuta com seus colegas a que conclusão


você(s) chegou(aram) sobre o ensino de análise linguística. Ao fazer seus
comentários, preserve a identidade do professor cujas aulas você assistiu.

LEITURA COMPLEMENTAR
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

BARROS-MENDES, Adelma das N. N.; PADILHA, Simone de J.


Metodologia de análise de livros didáticos de língua portuguesa: desafios
e possibilidades. In: COSTA VAL, M. das Graças; MARCUSCHI, Beth
(Org.). Livros didáticos de língua portuguesa:letramento e cidadania.
Belo Horizonte: Ceale-Autêntica, 2005. p.119-145.

KUHN, Tanara Z.; FLORES, Valdir do N. Enunciação e ensino: a prática


de análise lingüística na sala de aula a favor do desenvolvimento da
102
competência discursiva. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 43, n. 1, p. 69-
76, jan./mar. 2008. Disponível em: Link [2]. Acesso em: 14 jul. 2011.

MELO, Antônio Bezerra. A gramática no livro didático: análise de


abordagens e propostas metodológicas. Dissertação (Mestrado em
Linguística e Ensino). Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes,
Universidade Federal da paraíba, João Pessoa, 2007. Disponível em:
Link [3]. Acesso em: 26 jul 2007.

NEVES, M. Helena Moura. Que gramática estudar na escola? Norma e


uso na Língua Portuguesa. São Paulo: Contexto, 2003.

SALZANO, Josefa Tpia. Análise de um livro didático em língua


portuguesa. Integração, ano X, n.42, p. 285-293, jul/ago/set 2004.
Disponível em: Link (Visite a aula online para realizar download deste
arquivo.). Acesso em: 02 ago. 2010.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática ensino plural. São Paulo: Cortez,


2003.

VIEIRA, Sílvia R.; BRANDÃO, Sílvia F. Ensino de gramática: descrição


e uso. São Paulo: Contexto, 2007.

REFERÊNCIAS
ALVES, Jeferson da Silva. O uso do modo imperativo em revistas em
quadrinhos do Menino Maluquinho. Letra Magna, Revista Eletrônica
de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e
Literatura, ano 5, n. 10, 1º sem. 2010.

CARNIN, Anderson; MACAGNAN, Maria Julia P.; KURTZ, Fabiana D.


Internet e ensino de línguas: uma proposta de atividade utilizando
vídeo disponibilizado pelo YouTube. Linguagem & Ensino, Pelotas, v.
11, n. 2, p. 469-485, jul./dez. 2008.

COSTA-HÜBES, Terezinha da Conceição. Uma tentativa de análise


linguística de um texto do gênero “Relato Histórico”. Linguagem em
(Dis)curso, Palhoça, SC, v. 10, n. 1, p.181-205, jan./abr. 2010.

FONTES DAS IMAGENS


1. http://tiagogebrim.blogspot.com.br/2008/05/o-gigol-das-palavras-luis-
fernando.html
2. http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/viewFile/
2873/2169
3. http://pt.scribd.com/doc/59630245/TESE-A-GRAMATICA-NO-
LIVRO-DIDATICO-ANALISE-DE-ABORDAGENS-E-PROPOSTAS-
METODOLOGICAS
4. http://www.denso-wave.com/en/

Responsável: Prof.ª Aurea Suely Zavam


Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

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ESTÁGIO EM ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 04: PROPOSTAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM DE ANÁLISE LINGUÍSTICA

LIÇÃO 1

REGÊNCIA (Adaptada de uma atividade elaborada para alunos do 9º ano


de uma escola particular de Fortaleza (CE))

A regência é o fenômeno pelo qual certas palavras exigem esta ou aquela


preposição. Por exemplo, nenhum falante de português dirá “Eu gosto bolo
de chocolate”; todos vão dizer normalmente “Eu gosto DE bolo de
chocolate”. Isso ocorre porque o verbo “gostar”, no sentido de ter afeição
por algo ou alguém, exige a preposição “de”.

Pela regência, implicamos COM alguém, precisamos DE alguma


coisa, ansiamos POR felicidade, fazemos referência A alguém,
telefonamos PARA ou A ele, pensamos EM alguém etc.

Como falantes da língua, nunca perdemos o sono por causa da regência:


dominar a linguagem cotidiana, desde os primeiros anos de vida, é também
dominar sua regência. Nesse sentido a regência está na “alma” da língua.
Contudo, alguns problemas podem ocorrer quando se leva em conta alguns
casos de regência na língua escrita formal que são pouco utilizados no dia-a-
dia. Vejamos por que isso ocorre.

• Normalmente, o vocabulário da linguagem informal (que utilizamos nas


nossas conversas diárias) é mais restrito que o vocabulário da linguagem
formal (especialmente o do texto escrito formal); ao conversar, usamos
palavras de uso mais frequente, cuja regência já está, por assim dizer,
"automatizada" pelo uso comum.

• Na escrita formal, o emprego de palavras menos comuns muitas vezes


"tropeça" no desconhecimento de sua regência.

• Muitas regências já universalizadas pela fala comum das pessoas


(assistir um filme, obedecer alguém) não são aceitas pela gramática
normativa (assistir A um filme, obedecer A alguém), o que exige uma
atenção especial de quem escreve. Talvez seja esta a área da língua em
que se observa uma distância maior entre o uso informal e o formal.

• A regência não tem muita "lógica"; daí a dificuldade de sistematizá-la


em regras ou sistemas. Na maioria das vezes, é preciso DECORAR mesmo,
de tal modo que a memorização também passe a ser automatizada.

Naturalmente, ninguém vai deixar de escrever só pelo fantasma da


regência... A prática constante de produção de textos vai revelar as dúvidas
mais frequentes, que, com um pouco de atenção, logo deixam de ser dúvidas.
E a leitura é fundamental nesse processo: quem lê bastante se familiariza
com a regência padrão de um grande número de palavras, no seu uso
concreto. Além desses recursos, um bom dicionário ajuda a tirar dúvidas
sobre regência, apresentando exemplos de uso. Por exemplo, veja como o
Aurélio define o verbo “compartilhar”:

CONTRIBUIÇÃO

104
Compartilhar. V.t. d. e t.d. e i. 1. Ter ou tomar parte em; participar de;
partilhar, compartir: Compartilhando a sorte do marido, com ele partiu
para o degredo; Compartilha sua riqueza com os amigos. T. i.2. Ter ou
tomar parte: participar; compartir: Compartilhar da alegria de alguém.

As abreviaturas significam:

CLIQUE AQUI

Em 1, verbo transitivo direto e verbo transitivo direto e indireto; em


2, transitivo indireto. Os exemplos são claros: no padrão escrito,
podemos compartilhar algo ("Compartilhando a sorte...")
compartilhar alguma coisa com alguém ("Compartilha sua riqueza
com os amigos") ou compartilhar de algo ("Compartilhar da
alegria").

Muitas vezes somos surpreendidos, ao consultar o dicionário, por uma


regência padrão diferente da que normalmente se usa na linguagem
informal.

Veja alguns casos frequentes:

EXEMPLO 1: IMPLICAR

Um exemplo comum é o verbo implicar, no sentido de ser causa de.


Muita gente letrada pensa que se trata de um verbo transitivo indireto, isto
é, que exige preposição. Na verdade, segundo a norma padrão, é transitivo
direto, como no exemplo: “Problemas sociais implicam aumento de
criminalidade”.

Como é muito frequente o uso de implicar em, mesmo em textos


escritos de boa qualidade, podemos inferir que está havendo uma mudança
linguística. No caso, uma mudança tão forte que não sentimos mais essa
estrutura como erro, embora a norma padrão ainda não a aceite.

EXEMPLO 2: ASSISTIR

A mesma coisa acontece com o popularíssimo "assistir", no sentido de


ver. Naturalmente ninguém vai implicar com você se você disser "Assisti
um filme genial".

Seu amigo pode implicar com a sua opinião, mas não com a regência!
Mas os gramáticos implicam com ela: o padrão seria "Assisti A um filme
genial". No caso do verbo assistir, o seu uso sem preposição já está de tal
forma disseminado que a mudança já se consagrou. Mesmo assim, em
textos mais formais (ou que valem nota, como um exame de vestibular, por
exemplo), o melhor é você mostrar que domina as variedades da língua e
usar a preposição.

EXEMPLO 3: IR

Último exemplo muito comum: ir. Normalmente as pessoas dizem


"Fui na casa de Fulano", mas o padrão exige outra regência:" Fui à
casa de Fulano". Segundo a gramática normativa, quem vai, vai a
algum lugar, e não em algum lugar.

105
Quando é importante dominar a regência padrão? Pelo que foi mostrado
até aqui, você já deve ter percebido que o domínio da regência padrão é
essencial em situações de comunicação formal (principalmente, as que
envolvem a escrita). Em textos que escrevemos para sujeitos que dominam a
norma culta, o ideal é que utilizemos as regras de regência como recomenda
a gramática. Isso vale, por exemplo, quando escrevemos algum texto para ser
publicado em jornal; ou quando escrevemos representando um grupo (um
aluno que escreve em nome da sua escola); ou, ainda, em avaliações de
produção textual que solicitam um texto formal.

Como exercício, escreva sentenças empregando as palavras e expressões


que seguem. Observe que, em muitos casos, permite-se mais de uma
preposição. Depois, com um bom dicionário, confira os seus acertos de
regência, de acordo com o padrão.

a) simpatizar

b) compartilhar

c) conviver

d) apavorar-se

e) identificar-se

f) adequar-se

g) ter acesso

h) ter horror

i) ter confiança

j) ser contrário

k) dar contribuição

l) estar certo

Há uma estrutura especial de sentença que exige uma atenção maior


quanto à regência. Observe esses dois exemplos:

1. Sempre gostei desse tipo de festa.


2. Esse é o tipo de festa que sempre gostei.

Eis aí duas estruturas muito comuns na linguagem oral: em 1, a ordem


direta conserva a regência natural do verbo "gostar": gostei de...; em 2, o
"de" desaparece, "engolido" pelo "que".

Apesar de seu uso praticamente universal nas situações informais, essa


estrutura não é aceita pela gramática normativa, que exige a presença da
preposição, mesmo quando distante do verbo. Ainda que o apagamento da

106
preposição antes do pronome relativo seja um fato normal mesmo na
variedade culta informal, a gramática assim recomenda escrever:

Esse é o tipo de festa DE que sempre gostei. (gostar de)

VEJA OUTROS EXEMPLOS

Há coisas de que até Deus duvida. (duvidar de)

Essa é a opinião com que concordo. (concordar com)

São poucos os recursos de que dispõe. (dispor de)

Ninguém leu o livro a que ele fez referência. (fazer referência a)

Renato Russo é um cantor com quem simpatizo. (simpatizar com)

Chegou a carta pela qual ele estava ansioso. (ansioso por)

Como exercício, passe para o registro formal as sentenças seguintes,


comuns em situações informais.

a) Ele fez afirmações que ninguém concordou.

b) Isso é o tipo de coisa que ninguém discorda.

c) O filme que ele assistiu foi Superman.

d) Essa regra ninguém obedece.

e) A pessoa que ele tem confiança é o pai.

f) O professor que ele implicou é aquele.

g) Não sei quem ele se identificou mais.

h) Eles se queixaram que não houve ajuda.

DÚVIDA
Uma outra coisa deve ser observada em relação à regência: o acento
indicativo da crase. O que isso significa?

Quando um verbo pede a preposição A e a palavra seguinte,


complemento desse verbo, é um substantivo feminino, que vem antecedido
do artigo feminino A, temos a junção do A (preposição) + A (artigo
feminino). Para indicar essa junção, usamos um acento específico. Veja os
exemplos a seguir:

1. Assisti à peça que está em cartaz. (assistir A + A peça)


107
2. Solicitei informações à funcionária. (solicitar informações A + A
funcionária)

Observando a regência do verbo e a necessidade do acento indicativo da


crase, reescreva os enunciados abaixo de forma a atender a variedade culta
da língua.

a) Em seu discurso, o deputado se referiu a parcela da população


marginalizada.

b) O réu se apresentou a juíza para receber a pena.

c) Cristina precisa ir a aula.

d) Paulo dedica-se as artes marciais.

e) Os responsáveis devem se adequar as regras impostas pela Prefeitura.

EXERCÍCIO
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FONTES DAS IMAGENS


1. http://www.denso-wave.com/en/

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ESTÁGIO EM ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 04: PROPOSTAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM DE ANÁLISE LINGUÍSTICA

LIÇÃO 2

VARIEDADES DA LÍNGUA

Observe:

1. Esse é o tipo de coisa que ninguém concorda. (enunciado extraído de


um diálogo entre amigos)
2. Esse é o tipo de manifestação com a qual ninguém concorda.
(enunciado extraído de uma exposição durante a realização de um
seminário)

Você, certamente, já percebeu que a língua que empregamos em


situações informais (por exemplo, uma conversa com amigos, um bilhete
para um colega) nem sempre é a mesma que usamos em situações mais
formais (por exemplo, exposição em um seminário, bilhete para um
professor).

DÚVIDA
Você sabe por que isso acontece?

Isso mesmo! Essa diferença acontece, sobretudo, por causa da situação


de uso da língua.

CONTEXTO MAIS INFORMAL


Usamos uma língua menos tensa, isto é, uma língua mais frouxa em
relação às regras gramaticais.

CONTEXTO MAIS FORMAL


Nos valemos de formas e construções mais próximas do que ditam os
preceitos gramaticais.

Cada um de nós, usuários da língua, temos internalizada essa noção de


variação da língua e empregamos as formas de acordo com as exigências
da situação e do gênero.

As formas variantes são aceitas em situações informais, sem que isso


traga prejuízo para a construção de sentido. É o que acontece, por exemplo,
no primeiro enunciado que demos como exemplo.

Há, por outro lado, construções que, embora empregadas largamente


por muitos usuários (muitas vezes, até por usuários considerados cultos),
não são aceitas. É o caso, por exemplo, de algumas construções com o
pronome relativo "onde".

EXEMPLO
Observe:

i. Devemos aguardar o momento onde todos estejam avisados.

109
ii. "Eu quero uma casa no campo/ onde eu possa compor muitos rocks
rurais" (Zé Rodrix / Tavito)

Considerando que o pronome relativo “onde” deve ser limitado a casos


em que a palavra retomada indica lugar, reflita e responda: em qual dos
dois enunciados (iii ou iv), o pronome foi empregado de acordo com a
recomendação gramatical?

Podemos, então, formular a seguinte regra de uso.

Na variedade culta, o pronome relativo “onde” é empregado:

√ quando o antecedente (termo retomado) indica lugar (campo, cidade,


rua etc.)

√ no período composto, para substituir um termo da oração principal


(antecedente) numa oração subordinada.

Mesmo sendo clara a regra, por vezes, ficamos indecisos em relação ao


que pode ser entendido como "lugar". Não há dúvida de que "casa", "campo",
"cidade", "rua" são antecedentes de lugar. No entanto, quando se trata de
termos que não expressam localização geográfica, a indecisão acaba
contribuindo para a ampliação da possibilidade de uso do pronome relativo,
como nos mostram exemplos a seguir:

iii. A professora mostrou aos alunos as páginas do livro onde o autor


descreve o sertão nordestino.

iv. Os partidos onde ocorreram as irregularidades serão punidos pelo


TRE.

Nos casos em que há dúvida, deve-se preferir o uso de em que, no


qual (e suas flexões na qual, nos quais, nas quais).

Vamos exercitar o que você aprendeu?

1. Assinale o(s) enunciado(s) em que o pronome relativo


"onde" foi empregado em desacordo com a norma gramatical. Em
seguida, reescreva esse(s) enunciado(s) de forma que esteja(m)
em conformidade com a variedade culta.

(a) Buscamos uma praia distante onde possamos descansar.

(b) Foi um discurso ressentido, onde o antigo chefe criticou seus


conhecidos adversários.

(c) Quais são as modalidades onde seu filho é campeão?

(d) Ideal para longas caminhadas, a orla permite uma visão da bela Baía
Norte e conta com uma ciclovia onde bicicletas e patins disputam o espaço
democraticamente.

110
(e) Há vários lugares no mundo onde se vive muito bem.

(f) Fez várias declarações de amor, onde fica evidente o desejo de reatar
o namoro.

2. Una as duas orações em um período composto empregando


o pronome relativo "onde" para retomar o termo repetido.

a) Passamos o fim de semana no sítio. No sítio minha mãe cultiva flores


ornamentais.

b) Meu irmão comprou o restaurante. No restaurante servem comida


natural.

c) Eu conheço a cidade. Sua sobrinha mora na cidade.

d) Voltei àquele lugar. Conheci meu namorado naquele lugar.

e) Eu me mudei da casa. Morava naquela casa desde que nasci.

3. Há construções em que o pronome relativo "onde" não está


retomando um antecedente de lugar. Nesses casos precisamos
reelaborar o enunciado para adequá-lo à variedade culta.

Veja o exemplo:

Os homens sentem necessidade de desvendar todos os mistérios da


vida. Onde a ciência faz inúmeras tentativas.

Reescritura:

Os homens sentem necessidade de desvendar todos os mistérios da


vida. Para atender a essa necessidade, a ciência faz inúmeras tentativas.

Agora tente reescrever os seguintes enunciados:

a) Eu tenho me empenhado muito, onde acho que vou ser bem-


sucedido.

b) A maior parte das barracas da Praia do Futuro ultrapassam os limites


da legislação. Onde o juiz federal, determinou que os responsáveis das
barracas se adequassem às leis municipais.

EXERCÍCIO

111
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FONTES DAS IMAGENS


1. http://www.denso-wave.com/en/

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