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8. ENserc7 Primeirosmovimentos' ,", .

,' ,

refletir sobre violêhcïa e dança, inicialmente-,,ilustro


Dara
como os caminhos dçssês dois fenOmencis se iúu- nu,
I
...Eo corpo se moúmenta: conexões
Wigman. A Mesa Verde (1932), de Kurt Jooss. e l/iolência (20.00). do
entre dança e violênçi2lor grupo brasileiro'Cena 11. Posteriormente, apresento,rrn edtudo de caso
sobre o trabalho solístico Entre Terra (2012), da coreógrafa ebiülarina
Alba Pedreira Vieirir Elisa Sçhmidt. A meu ver, essas obras aguçam.nossos sentidos; nossas
sensações; nosso imaginário. Dai a relevância ern discuti.las' neste
ensaio, pois concordo com Tavares (20L3) que a "imaginação pode
funcionar como terapia que vaffe - limpa - o real [violento] que
incomoda. [...] prejudic a, [...] fazadoecer" (p. 525).
Minhas reflexões sobre estes trabalhos somam-se às de
pensadores e críticos de dança e áreas afins, que investigam "como a
dança reconstrói criticamente práticas sociais enquanto, ao mesmo
tempo, propõe teorias sempre renovadoras sobre corpo e presença em
cena" (LEPECKÌ, 2004, p. 1). Para melhor entender se e como o corpo
é capaz de discutir a violência, lanço mão do que explica Tavares
(2013): "Claro que entre a linguagem da linguagem e a linguagem do
corpo hâ diferenças, e por vezes - quase sempre - as rédeas que
controlam uma frase são mais fáceis de manejar que as rédeas que
controlam, por exemplo, uma expressão do rosto" (p. 1149).

Figura 7.1 - Entre Terra - Elisa Schmidt (Manaus, AM).


Foto: Eneléo Alcides.

r0lEste textofoi elaborado a partir de pesquisas desenvolvidas no projeto "Atrrrliep rlã


estratégias e propostas de composição em processos criativos de clillrçrr" (lltrthl
FAPEMIG).

r4t T---
hegemônico foi intencional a fim de exacerbar, na expressividade do
seu trabalho, o seu horror diante da violência fïsica, moral e psicológica
daquele tempo de confronto bélico. Por isso, ela optou por desafiar sua
própria identidade artística não querendo parecer bela como desejava a
maioria das bailarinas clássicas e românticas que optavam por
representar lindas fadas, princesas. camponesas e demais belas moças
nas obras de ballet clássico e romântico, como Giselle, Lago dos Cisnes
a Copélia. Longe disso, Wigman decidiu incorporar uma figura
çonsiderada por muitos como diabólica, a da bruxa.
Considerada um ser mágico qtse rcaliza feitiçarias, a bruxa, no
Íblclore popular de vários países, é mulher, em geral feia, que assusta e
tàz maldades, muitas vezes violentas, com criaturas tidas como
inocentes e
indefesas (por exemplo, na popular estória infantil
vastamente conhecida, foi uma bruxa quem deu a maçã enfeitiçada à
Figura 1.2 -Elisa Schmidt em cena de Entre Terra (Palmas, TO). Branca de Neve, fazendo-a cair em sono profundo). Assim,
Foto: Eneléo Alcides. Í'undamentando-me nos escritos de V/igman (1975), entendo que esta
urtista escolheu cuidadosamente a bruxa devido à forma como esta era
pcrcebida segundo o imaginário popular:r0a mulher com poder de
Dos vários trabalhos que exploram relações entre violcrlt'irr ,'
monipular e violentar pessoas por meios ocultos e traiçoeiros, assim
dança, destaco Hexentanz ot Witch Dance (Dança da Bruxu\, s,'1,,
como acontecia com os 'bruxos' da guerra - políticos e pessoas de alto
criado pela alemã Mary V/igmanl02 e apresentado pela primeira vcz t'rrr poder social e aquisitivo dos países nela envolvidos.
l9l4,no início da Primeira Guerra Mundial (SONG,2007).r0:Ì N,'r,,tt
dança, Wigman tradtz corporalmente o sofrimento causado pt'lrt Até a Primeira Grande Guerra, estudiosos consideraram o ato
violência da Primeira Guerra (e seus consequentes masslÌ('tltì de lutar como um fato heroico e corriqueiro. Artistas então, em sua
sangrentos) por meio de uma figura arcaica, a da bruxa, incorpol'lttlrl,' ÍÌuioria, trabalhavam com essa noção de heróis que lutavam em nome
movimentações, figurino, exploração espacial, temporal e rilltttr.rt. de uma nação (CALAMONERI,2013). A Dança da Bruxa foi uma das
gestos e posturas que eram considerados, pelo público em geral tlttltt,'lrt pioneiras em tornar a dança forma de crítica à violência da guerra. Esta
epoca,'estranhos'. Obrat marcou um importante momento da arte expressionista alemã ao
propor reflexões sobre alguns dos motivos, muitas vezes camuflados,
De acordo com a própria artista, como afirma clìì r;llilq do oonflito violento: a sede de poder de muitos governantes para
memórias (WIGMAN, l9l5), a escolha em fugir do padrão c,sli'lrr rr
102
Mary Wigman (1886-1973), bailarina, coreógrafa e pedagoga alemã, ó cottsrrL't'll't lll'l 4 nonit do período conhecido como Idade Média, a Igreja Católica perseguiu
o principal nome associado ao pioneirismo da dança de expressão. "As obnts rlr' ,rlt intcnsamente mulheres que conheciam e usavam ervas medicinais para curar
autoria, como Dança da Bruxa, peÍnanecem emblemáticas irl.I tlocnças. Várias foram acusadas de pecadoras e passaram a ser identificadas como
contemporaneidade" (PEREIRA, 201 6, p. 21 6). prrrticantes de bruxaria, visto que, para a lgreja, os rituais praticados por essas
103
Desta primeira versão de Dança da Bruxa só há fotos; a segunclit vçt:irlo llrl nrrrlheres iam de encontro aos preceitos divinos (NIRENBERG,2015). Algumas
apresentada em 1926 e trechos podem ser vistos em <https://www.yottlllllr r lllr dcssas mulheres-bruxas eram queimadas vivas. Essa foi uma forma de exercer poder
watch?v:qCPWZriOj Wg>. e violência fisicos e simbólicos.

f
Iz 148 f,rus3
manipular e controlar povos, bem como seus territórios e riquezas, c lt vibra com todas as energias, com todas as dinâmicas e, assim, ocoÍïem
ita de parte da população que clamava por justiça, praticando e, ott, resultados ou movimentações corporais no espaço.
concordando, com tais iniquidades. Considero, assim como vários outros estudiosos da dança (e.x.,
Ao relacionar os fenômenos gueffa e dança, Calamoneri (2013 ) Ì\4ANNING, 1993; NEWHALL, SANTOS, 2009; PARTSCH-
sugere um ponto importante em comum, o colpo. Não existe gueffa solll BERGSOHN; BERGSOHN, 2002; SONG, 2007), que Wigman, sem
corpo, pois necessitamos dele até mesmo pararcalizar um gesto típico dizer uma palas,ra, obteve sucesso em expressar apartir do, com o e no
da guerra: puxar o gatilho de uma arma. Também não existe dança scttt corpo, a violência do primeiro grande conflito intemacional do século
corpo, mesmo que seja o virtual, tão presente nos videodanças atuais, , de maneira que pode ainda surpreender o espectador na atualidade.
Guerrear e dançar,desse ponto de vista, se apresentam como atividatler desloca, amplia, enriquece assim, nossas perspectivas acerca de
congruentes, uma vez que arnbas têm o corpo como elemcttttt ilidades estéticas e poéticas em arte, ao incluir em seu trabalho
fundamental: no corpo é que se sente o medo, ansiedade, nervosisttttt, éticos e políticos, além de questionamentos acerca do que é
temor e tremor, tanto diante da violência da guerra como da visão tlo ','nattÍal' e/ou 'sobrenatural' em nossa sociedade. Aonde
uma 'bruxa' que dança com o tronco contorcido, com os dctlttl imaginário é capaz de nos fazer voar? Seja, ou não, na vassoura
encarquilhados, com as mãos em forma de garras, com os pés descalçor, uma bruxa?
características incorporadas no trabalho de Wigman (além de sons qtr Outro trabalho de dança que, como Dança da Bruxa, ainda se
lembram disparos de armas). E tambóm interessante a escolha tlo
figurino feita por essa artista: uma longa veste que mascatava seu corpo
na atualidade e também teve como pano de fundo a violência -
que desta vezflo período entre guerras - é The Green Table (A Mesa
e escondia seus contornos femininos e humanos (MANNING, 1993;,tttt brde), de Kurt Jooss, que incluiu como substítulo da obra, A dança da
Seriam 'seres de outro mundo', do mundo perverso, as bruxas ott ot te em oito cenas.106 O período durante e após a I Guerra Mundial na
violentadores da guerra? Qual feitiço, mâgica, poção, as bruxat reconceitualizou a função fisica dos corpos para enfatizar a
conheceriam e poderiam lançar para erradica-los desse mundo, tlÕ idade, em vez da estrutura, tão visível nos apêndices protéticos
nosso planeta? por amputados que voltavam da guerra para serem reintegrados
Influenciadapelos estudos de coreologia de Rudolf Laban, 0(ìlì1 sociedade. Como escreve Elswit (2008), tal manipulaçáo da forma
quem estudou vários anos, Wigman escolheu manifestar a violônclâ é fundamental paru a drarnaturgia do teatro e da dança, pois
tomando por base as qualidades contrastantes do movimento: exprtttdlt coqpos, descontruídos, auxiliam na reconstituição da identidade
e contrair o tronco, puxaÍ e empurar membros inferiores e supcrittrel artistas. A Mesa Verde rcflete o momento em que ocoffe uma
do corpo. Essas características 'stllizadas pela artista no conjunto dnl rndência progressiva sobre o corpo como meio de dramaturgia em
suas obras, incluindo Dança da Bruxa, foram identificadas por Pcreltl há manipulação da identidade fisica. Como, por que, para que
(2009) como sentimento de vibração ou "Vibratogefiihl" (s/p). Nc no palco, sem próteses se há tantos corpos protéticos ao redor?
sentimento de vibração, a parte inferior do corpo estabelece concxt'f€l de se considetar, na aÍte, a mudança nas abordagens médicas em
com a terra, enquanto a parte superior do corpo se articula com tl r,:ôU1 aos corpos com prótese? Qual o 'tratamento' a ser dado nos
mas há relação também entre essas duas partes por meio da tens[lo qü€ em cena para refletir valores similares, em mudança, na
e apartir de vários pontos de vista?

r05 Ver imagem desta veste em: <https://marywigmanwiki.files.wordprcsl,uttlfl Ver trecho de remontagem do trabalho pelo Joífruy Ballet em:
20 7 5 I 03 I scan0O I 9 jpg>. <https ://www.youtube. com/watch?v:YlqBXDkkGuw>.

151
(Corpo é experiência, fonte e meio cultural e historicamentc trabalho em 1929 - naquele ano, ele havia assumido o papel de mestre
específico. Ao mesmo tempo, parece ttazer em sua carga genética toda de balé do Essen Opera House e formou uma nova companhia com
a história da humanidade. Pensa, movimenta, questiona. cria, expressa bailarinos da Escola Folkwang e da opera. A inspiração veio da obra de
inúmeras possibilidades, inclusive as que exploram as interfaces da arte medievaL A dança da Morte de Lttbeck e da própria economia
medicina e da performance cotidiana. Como teatro e dança tem sc alemã, que entrou em colapso. Havia um clima crescente de
envolvido e se comprometido com o corpo biológico, histórico, ressentimento entre os cidadãos alemães em relação às reparações de
contemporâneo, imaginado, percebido, relacional?) gueffa exigidas pelo Tratado de Versalhes. Jooss capturou esse estado
O contexto de A Mesa Verde é composto por uma série clc
de desconforto na cena de abertura da coreografia: líderes mundiais em
eventos que precederam o holocausto (1933-1945), a Alemanha nazista
posição imóvel, cercados por um clima de tensão, tentando decidir
(1933-1945) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Jooss lìri quem faria o primeiro movimento sobre questões de guerra oupaz. A
impactado pela magnitude dessas experiências ao coreografar, tentltt mesa de confsrência é de bilhar, e os bailarinos se posicionam em torno
em vista que era alemão e teve de lidar com essas tragédias.lO7 Para alónt dela como se estivessem participando de um grande jogo. Quem darâ a
do impacto na sua vida pessoal, como esses acontecimentos podem tr:r primeira tacada? Quem iniciarâ a'parlida'? Quais estratégias serão
influenciado o trabalho de Jooss? adotadas? Quem será o vencedor? Se perguntas como estas não são
verbalizadas, elas pairam no ar pelas ações miméticas adotadas pelos
Tavares (2013) propõe uma metáfora para a gueffa: corp(ì bailarinos como se estivessem travando um debate acalorado, como se
perdido no mundo; seguindo a hipótese desse autor, Jooss pode lcr
fossem políticos a discutir a ascensão nazista na Alemanha. Em outra
experienciado a gueffa como um "1...f longo (e extenso) desassossclltt cena, é tocado um tango estridente no momento de se declarar gueffa.
das circustâncias 1... as quais] funcionam como Perigo supremo, pois u
Em seis cenas subsequentes, há soldados, mulheres e patriotas, todos
multiplicação das possíveis origens da imprevisibilidade torna rt vítimas dos horrores da guerra. Pairando sobre tudo, 'dança' afigrna da
desassossego da existência individual uma constante e não utttn
Morte, que entra em cena reivindicando vidas.lOe
exceção." Assim, a "experiência da gueffa coloca o Mundo exterirtr
como objeto central da atenção do indivíduo" (p.94). Porém, como lrclu Essa obra permitiu a Jooss revelar sutilmente, sem pregar de
lembrado por Tavares (2013), é ilusória a sensação de que somentc ltô forma moralista, maneiras como políticos jogam com estratégias
mundo; o corpo jamais desaparece. E foi justamente o corpo clu6 políticas para gerar gueffa (STRAUS, 20ll).'Dançando' entre o que se
cutucou Jooss para realizar A Mesa Verda. Com o corpo dançante, .loolt fçvela e o que se esconde, o que se fala e o que faz calar, o que se
escolheu discutir aquele mundo e momento turbulentos entre guerrits, e o que se pretende em arte, na vida, na gueffa, na política,
parece querer sugerir ao público que conjecture sobre o que nao
The Green Table (A Mesa Verde) foi apresentada pela prirrrcirn
expresso de forma tao explícita. Quem darâ o próximo passo? Será de
vezem1932,por Jooss (STRAUS,2011),108 que começou a elaboritrtt oupaz? Quem será a próxima vítima da morte, da violência, da

107 <http ://kurtjooss.blogspot.com.brl>.


108
próximas ao expressionismo, e direcionou seu trabalho à identidade social.
Kurt Jooss nasceu na Alemanha, em 1901 , e começou sua formação ém dançit t'olll <http ://kuftj ooss.blogspot. com. brl>.
Rudolf Laban, em 1920; Jooss foi muito influenciado pelas abordagens dc l,rrhntt,
Assim, rapidamente, incorporou as técnicas do mestre. Depois de treinar conr Ltthnll, Ver imagens dos figurinos das diferentes cenas em:
<https://nycdancestuff. fi les.wordpress.com/2 0121 09 I gt-13 jpg>;
Jooss foi introduzido para Sigurd Leeder, que também foi treinado nos Prittclplttt
do Movimento de Laban, e em Labanotation. Jooss treinou com Lccrrlct ê, <https:i/nycdancestuff. Íiles.wordpress.com/20121 09 I gt-9 jpg> ;
eventualmente, começou a colaborar e produzir trabalhos em conjunto piÌl'ir rt rlll <htçs ://nycdancestuff. fi les.wordpress. com/20 12 I 09 I gt- I 0 jp g> ;
própria companhia. Nessa fase, Jooss se afastou das ideias de Laban, as quais t,tetll <https://nycdancestuff.Íiles.wordpress.com,/20 l2l 09 I gt-l I jp g>.

---€ 153 W-
ganãncia pelo poder? Quem comandará, decidirá, 'baterâ o martelo' Dança Cena 1I,t\0 coreografado por Alejandro Ahmed,1r1 e que estreou
final sobre as questões bélicas? Quem poderá abrandar a situação ck: no Sesc Vila Mariana, em São Paulo em 2000 (SPANGHERO,
ódio com mensagens, atitudes e ações pacifistas? 2003).112 Nessa obra,para expressar a deformação e violação corporal,
os bailarinos usam separador bucal, pemas e braços metálicos, Pogobol
-ouúPara explorar a indiferença ou pouca importância ao bcnt
(mais conhecido como pula-pula), botas, patins, joelheiras,r13 além de
comum global, que em muitos casos orienta negociações e decisõcs
políticas e pode culminar em situações violentas como guerras, movimentos que levam Spanghero (2003) a usar o termo 'pós-humano'
para se referir aos bailarinos do grupo: "Essas peças artificiais tornam
invasões, batalhas, Jooss trouxe à cena corpos caricatos e movimentos
exacerbados que tentavam intensificar a magnitude da violência quc' [os] corpos [dos bailarinos] mais altos, mais fortes, amplificados,
pode ser desencadeada pelos detentores do poder político. Ernbora nos assimétricos , çWazes de pular, virar míssil e se affemessar. As próteses
lhes garantem superpoderes e com elas sua dança é feita" (2003,p.94).
movimentos dos bailarinos se perceba claras intenções políticas, há urrt osuperdotados' corporalmente, os
convite para que o público crie seus próprios significados sobre o Como se fossem super-heróis, ou
espetáculo. Ao adotar uma posição avant-garde progressista, Jooss bailarinos, continuamente, desafiam a gravidade e se lançam
amplia as possibilidades da dança moderna com A Mesa Verde, quc, verticalmente ou em quedas abruptas. A impressflo é que há risco para
assim como Dança da Bruxa, é exemplo de arte politizacla, o co{po, e o intérprete, intencionalmente, se coloca em risco, como
comprometida eticamente e esteticamente. Arte que 'cutuca", mais quc admite Guarato (2013). Ao se deparaÍ com tantas cenas surpreendentes
'conforta'. durante o espetáculo, quais seriam as possíveis reações do público?

A obra ainda ilustra como artistas da dança se valem do corprr


como meio de dramaturgia (ELSWIT, 2008), à medida que o conteúthr
ganha significado pela eliminação do discurso verbal e ênfase ao gestrt, ttl 6 gio. de Dança Cena I I é de Florianópolis, Santa Catarina, e estreou 15 obras nos
o que se intensifica enquanto a obra se desenvolve (LEAL f(INfOHt seus 20 anos de existência. É reconhecido nacional e intemacionalmente pela
NLTNE,S, 2014). Ao incorporar comentários - corporais - de nattrcz,ir singularidade nas suas propostas e criações, tendo ganlado vários prêmios,
sociopolítica neste trabalho de dança, Jooss inova ao alargar e pluralizitt' incluindo quatro prêmios da Associação Paulista de Críticos de Arte. Mais
caminhos possíveis paÍa nossas interpretações e inquietações, pois rt informações sobre a companhia em <htç://www.cenal 1.com.brlsobre/> e
<htps ://grupocenal 1 blog.wordpress.com/about/>.
obra, a meu ver, mais nos questiona, pertuba e desloca, mais nos apottlit
lll "Coreógrafo residente, diretor artístico e bailarino da Cia. de Dança Cena 11. Seu
pontos de partida, do que nos indica pontos de chegada.
trabalho como coreógrafo surgiu de forma autodidata, respondendo à necessidade
Embora A Mesa Verde tenha proporcionado (e aintltt que possuía de integrar a maneira como pensava o mundo e a dança que
descortina) várias leituras e possibilidades éticas, poéticas, estéticas c experimentava. Junto ao Cena 11, promoveu o desenvolvimento de uma técnica que
objetiva produzir dança em função do corpo. Um corpo capaz de processar melhor
políticas, é interessante notar como o terror descrito neste trabalho niìo as ideias contidas na movimentação. Essa técnica foi nomeada "percepção fisica" e
estava longe da realidade. Em 1933, ano em que Hitler tornou-sc é um dos pontos que estruturam o trabalho de Alejandro Ahmed. Seu olhar sempre
chanceler, três dos colegas judeus de Jooss foram demitidos da casa tk' esteve voltado para os limites do corpo e as possibilidades que este propõe para a
ópera, sendo Jooss acusado de abrigar judeus. Por isso, com oulttrn transformação do corpo do outro, sendo este 'outro' um espectador e, ou, um
bailarinos, ele fugiu para a Inglaterra. A Mesa Verde soa como unr cúmplice da ação a que o corpo é submetido" (sla, s/d).
<http:llwww2.eca.usp.brlhibrida/index.php/equipe/alejandro-ahmed/?lang:e1>.
prenúncio da Segunda Guerra, que teria início alguns anos depois, cotttrt
lf 2Vide trecho do espetáculo em <htçs://www.youtube.com/watch?v:am4u5slZ6Bc>
fruto de diversas manobras políticas. ll3 Ver algumas imagens de figurinos em:
No Brasil, entre os artistas que exploraram a temâtica tht <https://www.facebook.com/131486236912777|photos|pb.131486236912777.-
violência pela linguagem corporal,hâ o trabalho Violência da Ciu. tlr 2207 520000.1 461 59 5 41 1.1 1062384230489 63 5 l?type:3 &theater>.

tìì I
Choque, surpresa, espanto, horror, medo, vertigem, nervosismo, vez, tem possibilidade de reagir a esse confronto, respondendo de forma
estranhamento? Segundo Carmo e Belchior (2014), inusitada: membros da plateia podem escolher acompanhar ou resistar,
ou seja, lutar contra ou a favor, ou, até mesmo, ignorar o que presencia.
em diversas situações a experiência vivida em cena se reflctr.
no corpo do espectadoÍ como sensação provocada pelo corprr Percebo que, enquanto o Cena 11 apresenta no espetáculo
do bailarino: o desequilíbrio, a perda da verticalidade, ou lt sujeitas à violôncia psicológica, moral, emocional e fisica, em
tontura, entre outros, que recriam uma experiência similar rrtr certo clima que para alguns possa ser de terror, o clima geral de
corpo do espectador. t...Há] portanto a exploração de uma sóris Violência é notavelmente positivo. Pode ser uma manifestação de
de padrões de comportamento que são reconhecidos e vivitlor contra a injustiça, o controle, ao invés de ser uma declaração
pelo corpo de quem assiste (s/p). ignada do terror humano inescapável às diversas formas de violêncra
iana que todos nós estamos sujeitos.
Espetáculos como Violência são controversos. Abrão e Silva
Spanghero (2003) sintetiza o espetáculo Violência da segr.rinlo
forma: "o público presente pôde conhecer em primeira mão um tklt ), por exemplo, questionam o trabalho do Cena I I:
trabalhos mais perturbadores da dança contemporânea brasileira" (p, Questionar o que hoje está sendo aceito como arte torna-se
91). Se em A Mesa Verde, na cena inicial, o Jogo' se dá entrc ul relevante quando se almeja perceber o processo pelo qual tal
bailarinos, em Violência o jogo parece acontecer, o tempo todo, crrif€ dimensão passa socialmente. A partir dos momentos históricos
bailarinos e público. Jogo de tensão, de suspense e de deslumbranrcltlrr da dança, e sem a intenção de negá-los, mesmo os da própria
perante o que se assiste e o que se apresenta/performa. A perturblçrìo história da arte de forma geral, questionamos: o trabalho
pode ser tamanha, que paira dúvida se corpos em cena são de canle I desenvolvido pelo grupo Cena I I pode ser considerado arte?
osso, ou se eles poderiam ser, até, meros avatares que se expõoln Não nos atrevemos a responder, mas observamos a importância
continuamente a circunstâncias de risco para, logo após, saírem inlnerlrtt de se ter uma outra leitura do que jâ estâ colocado como certo
de cada uma dessas situações prontos para se lançarem - literalmcrrlc e aceito na esfera artística (p. 59).
aos novos perigos, saltos, quedas, lançamentos.
Assim como Wigman lançou mão da figura demoníacrr dl
Há estudiosos, como Spaghero (2003), que consideram o
bruxa e Jooss de políticos para representar pessoas que sujeitam orrlt,âl
do Cena. I I não somente arte, mas arte inovadora, em vários
a diversos tipos de violência, no espetáculo do Cena 1-l "cur;rg; na cena brasileira. Uma dessas inovações é justamente a
presentes em Violência são o da criança, do diferente ou do dcÍìcientË
e do palhaço. São todos corpos sujeitos à manipulação. E, porlurrlol
sujeitos à violência" (ibid,p.9l). Numa estética de çontrastes, o ('pflí
11 confronta corpos e estados corporais paradoxais, 'ptJÍeza' irrÍìrnlllr
naturalidade do próprio corpo ao marcá-lo, inscrevê-lo e nele
comicidade, indenfensabilidade e alegria versus artificialidndll
desconforto, dor, atrocidade, dramaticidade, blindagem. Movirrrcrtlglg
ir de alguma forma - por exemplo, há projeções de peles
por sinais e sírúolos e de corpos de bonecos espetados com
co{pos, cenas, ações, reações, gestos, expressões, parecem ser tcl nld!
como nos rituais vodu (ibid, p. 95); (2) na captura da"atenção
intencionalmente e cuidadosamente criados, elaborados, pensados, pgfl
estimular, controlar, influenciar e/ou desafiar a percepção do púhlle€r
público, o espetáculo prende seus sentidos, abre seus olhos,
, assim, em sua intimidade. Essa invasão também pode ser
Quem assiste, insiste em ver, sentir, acompanhar, vivenciar, ltol tül izada como uma situação de violência a que a obra nos lança"

rs6 i-- tsl 3--


(ibid, p. 97). Além da discussão sobre 'supostas' atrocidades e atruson lhe enviei em2014.116 Assim como venho fazendo em várias pesquisas
dos e aos artistas, do e ao público, outro ponto que me par(r('rr desde o meu doutorado (e.x., VIEIRA, 2007, 2015), a prioridade é
interessante e sugestivo considerar sobre Violência é sua capacidatlc tlt' deixar qtJe ayoz da artista fale por si só, interrompendo o processo de
aventar hipóteses de resistência à ordem sociopolítica vigcrrlc o interpretação do pesquisador, que muitas vezes é regido pelo
prevalescente. Ordem que insinua desejos e tendências ao se dcixrrt autoritarismo (outra faceta da violência) ou pelo 'narcisismo', como
reger pelo espírito bélico, ao se deixar orientar por princípios rlo afirmado por Clandinin e Connelly (2000). Assim, opto por uma análise
manipulação do corpo paÍa que este se tome imobilizado politicamcnlrr, que segue orientações e princípios de Lincoln e Guba (2000), em que à
emocionalmente, relacionalmente, imaginativamente. Violência pa re('rl yoz da participante, Elisa Schmidt, é dada alta pnoridade pelo uso
ter vontades contrârias ao seu próprio nome, sua própria 'sina': na buse a extensivo, neste texto, de suas respostas ao questionário.
pelapaz, faz sentido que nos tornemos sensíveis e empáticos àquclel
que sofrem - inclusive nós mesmos, pois não são pequenas as chant't r
de ficarmos insensíveis não somente à agonia do outro, mas tamhcnt à
nossa própria dor, ao nosso próprio corpo constantemente alfinclntkr,
estraçalhado, holisticamente sofrido e torturado.

Movimentos do Solo Entre Terra


Discuto o solo Entre Terra (2012)114 de Elisa Schmidt,rr5 r'ont
base, princip almente, nas respostas da artista ao questionário escrilo tpte

Este espetáculo solístico fez tumê por cinco capitais da região Norte (Mirnuttr,
Belém, Boa Vista, Porto Velho e Palmas). Maiores informaçõos (ìnl
<http://folhabv.com.brlnoticia/-Entre-Terra---Elisa-Schmidt-apresenta-solo<lc
bale-no-teatro- J aberXaudl 1 627 >.
A bailarina estuda dança contemporânea desde 2004; é Mestre em Tclllo pell 7.3 - Entre Terra de Elisa Schmidt (Porto Velho, RO).
Universidade Estadual de Santa Cataina (2011-2013); nessa pesquisa, cslrrrkru I
Marcela Bonfim.
desfiguração apartir das obras de Olivìer De Sagazan (França), em contato tllrpltl
com o artista, com orientação de Sandra Meyer e Matteo Bonfitto. Vide virlcu elil
<htçs://www.youtube.com,/watch?v:EHWRSPDtqwA>. É formada onì AtlÉt as reuniões setoriais; atualmente, cursa Fisioterapia. Maiores detalhes sobre a vida
Cênicas pela UDESC (2004-2010), com trabalho de conclusão de curso L'tl'tlght! artística e acadêmica de Schmidt em: <htç://buscatextual.cnpq.brlbuscatextual/
de Ana Mendieta: Identidade, Erotismo e Morte. Em 2011 foi convidarlrr lreti visualizacv. do ? id:K42 17 657 Y 6> .
apresentar no Festival de performance Rencontres Improbables ó, que naqurrlc Rlltl
Em 2014, pesquisando obras de dança no Brasil que tratavam de violência, encontrei
homenageou o artista Olivier De Sagazan (Bayone, França). Essa vitgurr fltl
proporcionada pelo programa de Intercâmbio e Difusão Cultural do Ministór io rlt o solo Entre Terra, de Elisa Schmidt. Enviei-lhe então uma mensagem via correio
eletrônico me apresentando, introduzindo minha pesquisa, e solicitando responder
Cultura. Foi contemplada pelo edital Funarte Petrobrás Klauss Vianna rltr rlnttgl
três perguntas: Por que você escolheu a temática do espetáculo? Como foi o processo
2012 com o projeto Interfaces DesJïgurativas Intercâmbio entrr ,vú$,
(Brasil/França). Foi Vencedora do VII Prêmio Armando Carreirão de Cincnur llr1fl criativo? Quais poéticas orientaram você ao longo do trabalho? Expliquei que estava
particularmente interessada nas relações entre seu trabalho e as questões da
o documentário:. Inani e Banu Imagens da Mulher Huní-Kuin, no qual cxcr('r,il ll
violência. Ela prontamente me respondeu, enviando-me as respostas por escrito,
funções de diretora, roteirista.e produtora. É pesquisadora multimídia e intcrcrr*th
além das fotos.
nas interfaces enhe as artes. E Conselheira de dança de Florianópolis, orgirrlrnrrrlrt

1s8 lse *
"8
... *-
O solo Entre Terra caracteriza-se como interartes e foi criado discussão política e religiosa da sociedade atual, permeando
a partft do cruzamento entre dança, teatro e artes visuais. O pano clcr anacronicamente relações com a ancestralidade (SCHMIDT,
fundo que guiou apesquisa paraacriação foi a curiosidade de Elisa enr 2013, p. 1 1).
saber por que o ser humano age com violência, além de sua observaçãtl
cotidiana de vários rostos cansados: "Nós andamos literalmente cr
Porém, se o estudo de De Sagazan "serviu de base para a
sirnbolicamente machucados" (SCHMIDT, 2014, Vp). A arlistl
excorporação da diferença," tendo em vista que Elisa se apropriou "de
acredita que
alguns pontos de sua linha de pensamento," ela não se limitou "às
O processo criativo é um ato contínuo que não podemos influências do artista" (SCHMIDT,2014, s/p). A pesquisadora informa
desligar e ligar novamente, ele faz parte de um estudo diáritt as outras referências que a influenciaram durante a pesquisa de criação
que reune diferentes experiências. No casg da criação de Enln' do Entre Terra:
Terra, costumo dizer que o processo iniciou em 2009, quantkr
o texto e filme A sociedade do espetáculo, de Guy Debord.
, estabeleci como meta desenvolver um trabalhó'solo. Isto crit
Hommo Sacer, de Giorgio Agamben, O teatro e seu duplo,
: ulrìâ latência, uma necessidade advinda do desejo de criar e
de Antonin Artaud, o documentário Nós que aqui estamos por
' uiabilizar novos olhares paru a dançaem Florianópolis. A parl r' i
vós aqui esperamos, de Marcelo Nasargão, El Topo, Santa
de èntão comecei a mapear materiais, escrever rascunhos e
Sangre e Montanha Sagradao de Alejandro Jodoróviski,1984,
realizx êxperimentos (SCHMIDT,2014, s/p).
de George Orwell, Prometéia, de Alan Moore, Fahrenheit
'

457, de François Truffaut, Baraka, Samsara e Koyaanisqatsio


Entre Terra surgiu da pesquisa sobre interfaces entÍe a dançit c de Ron Fricke e Magidson, A Divina Comédia, de Dante
desfiguração (20t09), que teve como ponto de partida estudos das obrits Alighieri, O inominávelo de Samuel Beckett.
de Olivier De Sagazan, artista e performer radicado na França.117 Elisir,
que na época se dedicava ao mestrado em artes cênicas, esteve naqucle
país onde conheceu a técnica de desfiguração de Sagazane a incluitt lto
Além de todas essas influências, durante a jomada
artisticoinvestigativa, em 20 13, a intérprete-criadora realizort ensaios
seu processo investigativo.
diários de Entre Tewa emFlorianópolis, que culminaram na estreia, em
A desfiguração é o fio condutor que proporciona diálogos cttlt'e julho do mesmo ano, no Sesc Prainha. A composição partiu do
De Sagazan, Francis Bacon, Samuel Beckett e Antonin Artittttl, repertório experiencial da artista e foi elaborado por meio de
uma vez que é entendida como estratégia de desestabilizitçtìu improvisações direcionadas.
do sujeito e sua figura, característica que une os interlocuttlt'cx
Estes improvisos foram filmados e destes vídeos foram
escolhidos na discussão. A desestabilizaçáo violenta tltr
selecionadas partículas de movimentos interessantes,
sentido, da língua e da forma são problematizadas como unltl
selecionados como padrão de movimento. Foram excluídos
violência necessária à criação em arte, assim como fontc tlo
movimentos quie faziam alusão a repertórios figurativos que
remetem a linguagems específicas como movimentos de
117
Ver o artista falando sobre seu trabalho em: <https://www.youtube.com/ capoeira, movimentos de dança de salão, sendo estes
watch?v:WgS2fma I7Y>. considerados durante o processo de movimentos da tradição da
Vide duas obras disponíveis online: <htçs://www.youtube.com/watch?v: dança. A pesquisa de movimento procuÍava o não saber.
6gYBXRwsDjY>; <htçs://www.youtube.com/watch?v:4KyK6so3h0A>.

6160 W--
Enquanto realizava os laboratórios de improvisação, Elisa A ideia de abordar atemâtica da violência emergiu, então, da
estudava imagens de esculturas desfiguradas que eram contrapostas it preocupação com o
quadros simbolistas apolíneos: "As tensões da escultura forant
partiinizadas, assim como as imagens simbolistas" (SCHMIDT,20l4, [...] artificialismo e consumismo da sociedade at:ual, e com o
s/p). Também foram realizados ensaios de improvisação com argila r":
excesso publicitário que torna a humanidade vazia de
tinta; mas esses eram mais raros, segundo a artista, pela dificuldade clcr experiências, generalizando sua potência de vida em imensa
se encontrar um espaço disponível para pesquisa com materinis acumulação de espetáculos. Entendo que a dominação da vida
perecíveis. Após a pesquisa, foi elaborado um mapa de ações com os pela publicidade ocorre pela fetichização da mercadoria e
padrões selecionados. completa alienação do sujeito de seu poder de critica e criação.
Eu discuto corporalmente a negação da vida advinda da sua
espetacularização, numa afirmação da aparência, da extrema
competitividade e consequente desconfiança, que põe em xeque
o que é ser amigo, o que é amat, o que é ser humano
(SCHMIDT,2014, slp).

Esses pensamentos da artista se afinam com a violência


Gxpressapor Guy Debord (1997), ao cunhar a expressão 'sociedade do
çEpetáculo' - conceito discutido como o conjunto das relações sociais
írediadas pelas imagens em conexão com a produção e o consumo de
tnercadorias. Para o autor, esse fenômeno é típico da sociedade
Cgpitalista. Relacionado ao excesso de imagens geradas, a aftista
tomenta outro fato que lhe é bastante perturbador: a posição de
fspectador contemplativo assumida por muitas pessoas na sociedade

O crescenteuso de imagens de violência na mídia foi


observado, dentre os muitos desdobramentos que esta
discussão pôde levar durante o processo de composição de
Entre Terra, haja vista que discutir a violência humana é um
tema ontológico tão dificil quanto abrir a caixa de Pandora.
Interessa-me saber o porquê desta constante banalização de
imagens de ruínas, gueffas, destruição, sintomas de um
fracasso chamado de progresso (SCHMIDT ,2014, slp).

A artista entende que, na contemporaneidade, o sistema de


FigttraT.4 - Elisa Schmidt no solo Entre Terca (Palmas, TO).
(mídia em geral, por exemplo, televisão, redes sociais,
Foto: Eneléo Alcides.

t63
jomais e rádio) funciona por meio da exposição excessiva de imagens movimenta-se em cena no sentido defendido por Sontag (COTT, 2015),
ã pessoas que muitas vezes reagem seÍl voz ctítica e, ou, criando a fïm de provocar reflexões sensíveis.
generalidades. Sua falavai ao encontro do conceito de 'sociedade do (Uma questão que pode ser levantada, (re)discutida, e çlue
espetáculo' de Debord (1997); para este estudioso, o excesso dc parece surgir repetidas vezes ao longo do tempo, é sobre o papel e/ou
imagens midiáticas brutais incentiva o uso de respostas peftencentes ao valor da afie: pode ser tanto político quanto estético? Mesmo no pós-
que se conhece como indiferença. Assirn, por estarmos diariamentc modernismo - e além, períodos, iniciativas e propostas que promovem
assistindo, vendo, observando muitas imagens violentas, ficamos uma relação mais íntima entre arte e política são passíveis de críticas.
inertes. Esse debate gera embates, em que posicionamentos contrários e
Elisa complementa seu pensamento afirmando que a "dialéticir favoráveis se afrontam. Mas este encontro de ideias pode também gerar
inerente à exposição destas imagens assassinas transparece nl diálogos 'éticoestéticos' que, embora possam parecff infrutíferos,
indiferença daquele que a assiste sem sentir indignação, tornando-sc infindáveis e circulares, expandem possibilidades de gerar espirais de
uma testemunha cúmplice e inanimada da violência, tal como Bartlebys significados interessantes. Ainda bem? Antes assim? Essa me soa como
pós-modernos" (2014, s/p). Bartleby, personagem criado por Melvillc, uma 'luta' benéfica, favorável ao estímulo de 'trornbadas' que podem
é um escrivão que, diante de qualquer pedido que lhe é feito, respontlc ser mais pacíficas que violentas.)
de maneira irredutível: "Preferiria não o fazer" (MELVILLE,2003).
Bartleby é movido pela pulsão do 'Não.' Mas outro ponto de vista sobrc
Bartleby, diferentemente do que afirma Elisa, é assumir que dizer qucr
não se quer fazer também é fazer, não é meta passividade. Não quercr
agir pode ser uma forma de posicionamento político, apesar rlc
transpareceÍ indiferença, e o agir com indiferença ou conìo
"testemunha-cúmplice" parece ser a visão de Elisa Schmidt sobrc
Bartleby. Discutindo uma visão conÍrâriaà expressa por Elisa, Queiroz
(2016) aftmaque Bartleby "[...] "efetivaÍnente expressa um desejo [...l.
O desejo individual de Bartleby pode tornar-se então vontade polític:rr
[...]" (p. 9).
Sontag (MOURA, 2003) defende que imagens de violêncirr,
gueffa, em fotografias, filmagens, danças, teatros, têm de existir pot
constituirem uma simbologia daquilo que o homem é capaz de fazc,r'.
Essas imagens são um convite à reflexão, mesmo quando representiÌtìr
apenas uma fração do que aconteceu. A autora admite que nem todas its
pessoas são insensíveis diante da repetição das imagens de violêncirr,
pois há a subjetividade do espectador. Relacionando a literalttt'rt Figura 7.5 - Elisa Schmidt em Entre Terra (Porto Velho, RO).
pertinente à obra Entre Terra, sugiro que Elisa não tem a intenção rh' Foto: Marcela Bonfim.
banalizar a violência, mas, sim, trazê-lade diferentes formas à cena prtt'rr
que a plateia lhe dê sentido e se posicione politicamente sobrc .
fenômeno. Elisa não se 'fantasia' de 'um personagem', lììiÌri

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Ainda comentando sobre o que a levou a criar essa obra, Elisa Elisa se faz assim, pura linguagem colporal que discute,
esclarece: enquanto se move, aspectos da violência de forma vigorosa. Em cena,
ao dançar, ela'in-ex-corpora'(VIEIRA, 2007) o qüe Gonçalo Tavares
Outra motivação para esta criação foi a repetição constante do
chama de "linguagem cutânea" ou "pele linguística" (2013, p. 1a8).
comportamento humano diante da sua história, uma história é pele, e verbos são músculos que
Para este autor, língua se
pautada em valores de dominação e supremacia etnica de um
transformam verdadeiramente em 'carne que age'. Seguindo essa linha
povo contra outro povo, competindo infinitamente sobre quem
de pensamento, compreendo que a bailarina, no solo Entre Terra, fala
será o primeiro, quem será o melhor, cujo mérito dos e se empodera corporalmente e, ao mesmo tempo em que debate a
vencedores estão marcados com rastros sanguinolentos e o
violência, a Íecusa, pois, se a violência também brota da inação, da
cheiro da morte. Uma morte que não se enterra... uma morte
impotência (ARANDET, 1985), o que não vemos é um corpo fraco nem
observável no caminhar moribundo daquele que oovive" (entre
inerte nesta obra artística. Muito menos um corpo que se silencia, o que,
aspas) (SCHMIDT, 2014, slp).
mais uma vez, sinaliza a forma como Elisa brada em 'alta' linguagem
corporal que ela reconhece a existência da violência em nossa
Nesse solo, Elisa procura questionar com seu trabalho a sociedade, mas não a aceita, tendo em vista que,
violência iminente à vida do sujeito pós-modemo, que caminha com o
ao se fazer corpo falante, e artista se recusa a colocar uma
peso da burocracia encravada em sua face, à espera da reinvenção da
mordaça em sua língua/seu corpo. Como afirma Arendet:
humanidade. Por isso, durante a apresentação, vemos o corpo que se
"Somente a pura violência é muda [...]" (1981, p. 35). Mas a
contorce. que se bate, que pega o chicote e o usa com força.
artista não emudece, pelo contrário, ela grita, dançando, e,
assim, cria um jogo interessante e paradoxal em cena ao
discutir e ao mesmo tempo excluir a violência da sua obra.

Figura 7.6 - Cena de Entre Terrü, por Elisa Schmidt (Palmas, TO).
Foto: Eneléo Alcides.

Figura 7.7 - Entre Terra emBelém, AM, por Elisa Schmidt.


Foto: Eneléo Alcides.

t67
Elisa também considera relevante para a escolha datemâtica a
necessidade de problematizar a situação da mulher na sociedade
neoliberal em que estamos imersos: "Esta escolha se deu por um
questionamento pessoal sobre que tipo de mulher a sociedade de
consumo a permite ser" (SCHMIDT, 2014, s/p). A artista parece
discutir corporalmente a liberdade de realização de seus desejos (por
exemplo, o desejo de ser mãe na cena em que ela faz o ventre de barro)
e, principalmente, a afetação causada pelo fato de que a cada 12
segundos uma mulher ó espancada no Brasil.
Ouso fazer conexões entre algumas das motivações de Elisa
(tendo em vista que foi impulsionada pelo incômodo que lhe causam as
imposições estéticas sobre o corpo e o papel ideal feminino) e a Dança
da Bruxa, de Wigman, em que esta artista, assumidamente uma
feminista (como aftma MANNING, 1993), tentou esconder suas
formas mulheris atrás de uma longa veste escuÍa e negou se mostrar
como uma bela 'dama'. Ao contrário, assim como Elisa, Wigman
explorou em suas formas figurino, movimentações e gestos corporais Figura 7.8 - Entre Terra - Elisa Schdmit (Manaus, AM).
que podem ser considerados 'estranhos' se comparados ao padrão ou
Foto: Eneléo Alcides.
cânone do ballet clássico que emprega, maloitariamente, formas e
movimentações simétricas, postura eÍeta, en dehors, tutus, gestos
virtuosos, verticalidade corporal, leveza e harmonia. Elisa, que estuda, pratica e trabalha com Dança
ContemporânealDC desde 2004, parece dar continuidade a uma
possível sequência de trabalhos dessa forma de vet, abordar e
desenvolver a arte. A DC não é uma escola, mas uma forma de pensar
a dança. Ao incluir movimentações e outros aspectos (e.x.,
apresentações fora de teatros, figurinos, gestos, formas) que, em vários
momentos, se diferenciam do padrão estético hegemônico do balé
clássico/BC, o artista da DC 'in-ex-corpota' o que conceituo "perda
produtiva" (VIEIRA, 2007, p.250). Mas essa 'perda' é produtiva
justamente porque a DC, não fundamentalmente, encara o BC como
ultrapassado - conforme aconteceu com vários artistas da Dança
Modema (VIEIRA, 2009). Há liberdade, na DC, de incorporar
premissas e estéticas do BC, pois se entende que a quebra de padrões
não é, necessariamente, mais ou tão interessante como a criação de
outras formas, ideias, estéticas apartir de influências.

168
w
Uma das premissas ciue prezo na DC é a possibilidade de lançar
mão de formas e referências diferentes dos cliohês ' e 'das
frases/movimentações 'prontas' (passos codificados de dança) em favor
de movimentações e estéticas menos previsíveis, que podem nos levar
a refletir, descobrir e,r ou, redescobrir valores e princípios humanos que
emergem de relações intra e inJersubjetivas permeadas pelo diálogo que
nos inquieta, que faz mover nossos pensamentos (TAVARES, 2013).
Acredito serem essas poderosas conversas, também
dançantes/corporais/reflexivas/políticas, entre nós, agentes sociais
ativos e que agem de forma proativa, o que nos possibilita Ídançar' por
caminhos menos violentos - e que nosso mundo necessita.

Movimentos em fluxo

(Dança da Bruxa. de Mary Wigman: A Mesa Verde, de Kurt Jooss;


Violência, da Cia. de Dança Cena l1; Entre Terra de Elisa Schmidt), Figura 7.9 -Espetâculo Entre Terra, de Elisa Schmidt (Manaus, AM).
que abordam variantes de violência praticada nas suas Foto: Eneléo Alcides.
contemporaneidades. Ao identificat como cada artista ou compaúia
explorou atemâtica da violência, penso que é interessante refletirÍnos e
ainda investigarmos: como se cruzatrr, nestas obras, aspectos da Apesar das especificidades de cada uma das coreografias
violência e dos corpos dos intérpretes? Que percepções críticos ou abordadas, percebo real perplexidade desses artistas da dança (Wigman,
estudiosos tiveram desses trabalhos? Como o próprio artista comentou Jooss, Ahamed e Schmidt) diante de manifestações específicas de
aspectos e, ou, motivações para a criação da poética de sua obra? Para violência pelas quais o mundo vem passando desde início do século
cada uma das obras discutidas há diferentes respostas e tantas outras passado, mudando profundamente as relações sociais em todos os
perguntas que se pode fazer, mas percebo que um ponto em comum aspectos e transformando, tarúém, a Arte. Assim, Abrão e Silva (2004)
entre os trabalhos é que os artistas envolvidos parecem querer não propõem: "[...] a arte é uma construção histórica da humanidade, nossa
somente captar a atenção do público, mas também criar espaços de intenção é, através do questionamento, sensibilizar para as
tensão com quem assiste, frui e, ou, aprecia. determinações na esfera da arte e da nossa organízação social" (p. 59).

r70 17l
Outra possibilidade a se considerar quando se reflete sobre
obras artísticas de dança que tratam de temas ligados à violência,
incluindo as que discuti neste texto, pode ser adaptada daquela sugerida
por Susan Sontag (1997): a interpretação é a vingança do intelecto sobre
a arte, pois o ato de interpretar empobrece e esvazia o mundo, à medida
que se acredita estarmos enchendo-o de significados (p. 7). Nesse
sentido, a attora acredita que a arte real é aquela capaz de nos deixar
em estado de nervosismo, pois, ao reduzirmos a obra de arte ao seu
conteúdo e, em seguida, realizarmos a nossa interpretação deste
contéudo, estamos gerenciando, controlando a obra de arte (p. 8).
Assim, Sontag (1997) sugere que, no lugar da hermenêutica, que
incentiva a interpretação e produção de significados, exercitaremos o
"erotismo da arte" (p. 14).

Figura 7.10 - Espetirctlo Entre Terra de Elisa Schmidt (Palmas, TO).


Foto: Eneléo Alcides.

Uma compreensão possível(e tenho certezade que não se pode


realizar generalizações), após refletirmos sobre as quatro obras
abordadas neste ensaio, é como a pesquisa sobre a temática dos
'(im)possíveis' cruzamentos entre dança e violência abre espaços para
ftazer à tona neuroses da brutalidade psíquica, moral, sexual, política,
econômica, espiritual, religiosa, filosófica e tantas outras formas, que
se apresentam como um panorama dos 'frutos' de uma sociedade que
caminha (que 'amadurece'?), para adquirir valores vistos por muitos
como doentios. Como nos posicionamos diante dessas (e outras tantas)
expressões artísticas que podem nos levar a refletir a violência
provocada por nós mesmos (ponto em comum em todas as obras
tratadas, tendo em vista que nenhuma delas falou da violência Figura 7.11 - Elisa no Solo Entre Terra em Boa Vista, AC.
provocada por acidentes naturais, como fufões, erupções, tsunamis)?l18

L18
Em relação aos aciderrtes nafurais, particularmente tsunamis, noto, sem pretensão
de aprofundar a discussão, como esses fenômenos podem ser de âglua ou de lama.
Mas, neste último caso, tsunami de lama, como ocorreu em novembro de 2015 na não como acidente/violência provocada pela natureza, mas por obra do ser humano
cidade de Mariana, Minas Gerais, o fenômeno tem sua causa colocada em dúvida que tem, justamente, destruído/violentado essa mesma nal:ureza.

." L *4*

át t72 $".
--*- n3 Y-
As obras artísticas apresentadas neste ensaio - assim como
várias outras (ex., Cristal, FERNANDES et al., 2017) - são exemplos
do que entendo como essencial em Dança Contemporânea:
9. RerenÊNclAs
movimentações dançantes que nos levam a reflexões e questionamentos
emum fluxo espiralado. Como parte do público e como artista,percebo Ensaio 1:
que esses trabalhos me gerampensamentos 'in-ex-corporados', os quais
considero de outro nível ('estranhos', 'mágicos'?), pois me causam BELLAMY, A. J. Guerras justas. De Cicerón a kaq. Trad' por Silvia
tsunamis não apenas mentais, mas também corporais. Reflexões, Villegas. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009.
rda
pensamentos, deslocamentos holísticos 'in-ex-corporados' ou o que BERMAN, M. Tudo o que é sólido desmancha no ar: a aventura
chamo de 'tempestades corporais' (VIEIRA, 2007) se originam e se modernidade. Trad. por Càrlos Felipe Moisés e Ana Maria I. Loriatti. São
manifestam, tanbém, por meio de estados e sensações do corpo Paulo: Companhia das Letras, 1986.
conectado ao momento presente, o que nos permite estar mais BOBBIO, N.; MANTTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política' 2
'inteiros/as' no mundo, 'prestando mais e maior atenção' no sentido vols. Trad. por Carmen C. Vaniale et a1.; Coord. Trad. de João Ferf,eira; ver.
discutido por Sontag (COTT, 2015). Geral João Èerreira et al. Brasília: Editora da universidade de Brasília, 2010.
BRIGGS, R.; MC CARTHY, H.; ZORBAS, A. 16 days: The Role of the
Olympic Truce in the Toolkit for Peace. United Kindgom: Demos, 2004'
MUCHEMBLED, R. História da violência - Do fim da ldade Média aos
nossos dias. Trad. por Abner Chiquieri. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2012.
PAGDEN, A. La caída del hombre natural. El índio americano y los orígenes
de la etnologia comparativa. Trad. por Belén U. Domínguez. Madrid: Alianza
Editorial, 1988.
Mundos em guerra. 2.500 anos de conflito entre o Oçidente eo
Oriente. Trad. por Miguel Mata. Lisboa: Edições 70,2009.
Povos e impérios: uma história de migrações e conquistas - Da
Grécia até a atualidade. Trad. por Marta Miranda O'Shea. Rio de Janeiro:
Objeliva,2002.
REZA,G. A. de la. A invenção dapzz: da República cristã do duque de sully
à Federação das Nações de Simón Bolivar. Trad. por Jorge Adelqui cáceres
Femândeze André Figueiredo Rodrigues. São Paulo: Humanistas, 2015.
NAY, O. História das ideias políticas. Petrópolis, RI: Vozes, 2007'
scHIoPPA, A. P. História do direito na Europa.' da Idade Media à Idade
contemporânea. Trad. por Marcos Marcionilo. são Paulo: Editora v/MF
Martins Fontes, 2014.
WALLERSTEIN, L O universalismo europeu: a retórica do poder' Trad'
por Beatriz Medina. São Paulo: Boitempo Editorial,2007.

t.l
--llrJ t74

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