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Pirenópolis - Goiás }
dossiê iphan 17 { Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás }
dossiê iphan 17 { Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás }
Esta festa não se acaba,
esta festa não tem fim.
Esta festa não se acaba,
esta festa não tem fim.
Se esta festa se acabar,
se esta festa se acabar,
ai, meu Deus,
ai, meu Deus,
ai, meu Deus
que será de mim?
Domínio Público. Farofada,
Música da Festa do Divino
de Pirenópolis.
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Departamento de Patrimônio Imaterial Instrução Técnica do Processo de Registro
Michel Temer
COORDENAÇÃO-GERAL DE IDENTIFICAÇÃO
da Festa do Divino Espírito Santo de
MINISTRO DA CULTURA E REGISTRO Pirenópolis – Goiás
Sérgio Sá Leitão Deyvesson Israel Gusmão
Supervisão técnica
PRESIDENTE DO IPHAN COORDENAÇÃO-GERAL DE SALVAGUARDA
Kátia Santos Bogéa Rívia Ryker Bandeira de Alencar DEPARTAMENTO DO PATRIMÔNIO IMATERIAL
Ana Claudia Lima e Alves
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO DE IDENTIFICAÇÃO Ana Lúcia de Abreu Gomes
PATRIMÔNIO IMATERIAL Ivana Medeiros Pacheco Cavalcante
Hermano Fabrício Oliveira Guanais e Queiroz SUPERINTENDÊNCIA DO IPHAN EM GOIÁS
COORDENAÇÃO DE REGISTRO Simone Monteiro Silvestre Fernandes –
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE Marina Duque Coutinho de Abreu Lacerda coordenadora do Iphan
ARTICULAÇÃO E FOMENTO José Newton Coelho Meneses – Coordenador
Marcelo José Santos de Brito COORDENAÇÃO DE APOIO À SUSTENTABILIDADE da equipe de pesquisa
Natália Guerra Brayner Ivana Medeiros Pacheco Cavalcante
DIRETOR DO PATRIMÔNIO MATERIAL Maíra Torres Corrêa
Andrey Rosenthal Schlee CENTRO NACIONAL DE FOLCLORE E
CULTURA POPULAR – CNFCP ESCRITÓRIO TÉCNICO DO IPHAN EM PIRENÓPOLIS
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE Claudia Márcia Ferreira Paulo Sérgio R. de A. Galeão
PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO Adelmo Carvalho
Marcos José Silva Rêgo Catarina Judite Schiffer
ILUSTRAÇÃO
William Burchell
PROJETO GRÁFICO
Victor Burton
DIAGRAMAÇÃO C A PA
Avellar e Duarte REI C RIS T Ã O E REI M OU RO SE
Inara Vieira PREPA RA NDO PA RA A S C A R R E I R A S.
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
PÁ GINA 2
V ES T IM ENT A DO REI C RIS T Ã O .
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
PÁ GINA 4
DET A L H ES DA V ES T IM ENT A D O
C A V A L H EIRO M OU RO.
FOT O: M A U RÍ C IO PINH EIR O , 2 0 0 8 .
PÁ GINA 8
M A S C A RA DO NO A L T O DA MA T R I Z.
FOT O: S A U L O C RU Z - 2 008 .
sumário
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 9
C OR O A DO I MP ERADOR E M
P RO CI SSÃO .
F O TO : CR I STOP HE SC IANNI, 2008.
C AVALEI R O S MI R I N S.
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
V I S T A DA I G R EJ A E DA P RAÇA
D O BO N F I M.
F O T O : SI LVI O CAVALCANTE , 2005.
foi a responsável pelas pesquisas. coordenação de historiadoras da registro, que afinal se concretizou
A Set de Filmagens, por sua vez, Superintendência do Iphan em com os pedidos apresentados por
encarregou-se da documentação Goiânia (Goiás) e a supervisão imperadores do Divino (de 1970
audiovisual. A Restarq constituiu da Gerência de Registro do até 2009), pelo Instituto Cultural
uma equipe multidisciplinar Departamento do Patrimônio Cavalhadas de Pirenópolis –
coordenada pela antropóloga Imaterial (DPI/Iphan).4 formado pelos cavaleiros mouros e
Marina de Macedo Soares, composta A pesquisa e a documentação cristãos –, pela prefeitura municipal
de três pesquisadores e uma da Festa do Divino Espírito de Pirenópolis e pela Irmandade
estagiária, todos residentes Santo de Pirenópolis, feitas em do Santíssimo Sacramento.
em Pirenópolis, conforme 2008, cobriram todo o período A estes se juntaram, por meio
pré-requisito da metodologia do de preparação e de realização das de manifestações de anuência, o
Inventário Nacional de Referências celebrações. Foram identificados delegado local da Agência Goiana de
Culturais (INRC) adotada para e documentados, em fotografia e Cultura, Pedro Ludovico (Agepel),
a pesquisa e a documentação vídeo, os elementos constitutivos e a Câmara Municipal de Pirenópolis.
da festa. A Set manteve em atuais da festa, suas origens, A etapa de pesquisa e
Pirenópolis um fotógrafo, o processo histórico de sua sistematização do conhecimento
que se incorporou à equipe de ocorrência e as transformações foi concluída em dezembro de
pesquisa durante os trabalhos de pelas quais passou, além das 2008, com a entrega do relatório
campo, cobrindo as entrevistas, motivações dos produtores do do INRC e da primeira versão
e depois vários cinegrafistas e evento e dos significados que estes do dossiê descritivo. As fotos
fotógrafos, que registraram o atribuem à sua participação. digitalizadas e os documentários
período de clímax da festa.3 Enquanto transcorriam as audiovisuais, editados em versões
Os trabalhos foram gerenciados pesquisas, foram mobilizados os longa e curta, foram entregues
pelo então chefe do Escritório promotores e participantes da festa pela Set na mesma época (final de
Técnico de Pirenópolis, sob a para a formalização da proposta de dezembro de 2008). Sob análise
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 15
técnica dos setores competentes, suportes, constituem 14 anexos do para acompanhar os vários
o dossiê e seu material audiovisual processo, começando pelo relatório eventos intermitentes da festa. Foi
sofreram modificações até alcançar do INRC, nas versões impressa necessário, para isso, elaborar um
a versão definitiva, em outubro de (com cinco volumes) e digital. roteiro e um fluxograma situando
2009. Por fim, em 25 de janeiro Desse modo, todo o no tempo e no espaço as numerosas
de 2010, a documentação reunida, conhecimento sobre a Festa celebrações, que se concentraram
produzida e sistematizada durante do Divino Espírito Santo de em um período de 64 dias – do
as pesquisas foi encaminhada pela Pirenópolis e os requisitos para seu domingo de Páscoa a Corpus Christi.
superintendente do Iphan de Goiás registro, em conformidade com Nesse período, ao mesmo tempo
ao presidente do instituto, e passou a legislação, foram devidamente que desenvolvia o trabalho de
a constituir o processo de Registro contemplados no processo. Cabe campo, a equipe de pesquisa
da Festa do Divino Espírito Santo destacar que o empenho da equipe atendia os membros da comunidade
de Pirenópolis, Goiás, sob o de pesquisa foi decisivo para a envolvidos com os festejos, que
número 01450.000715/2010-15. obtenção dessa documentação visitavam constantemente o
Compuseram o corpo do completa, visto que a celebração se Escritório Técnico de Pirenópolis
processo os documentos originais caracteriza pela dispersão espacial como objetivo de contribuir
dos pedidos de registro e cartas e pelo grande número de eventos e para o conhecimento da festa.
de anuência, já mencionados, os rituais, muitos dos quais ocorreram O alto nível de desempenho
programas e convites da festa de (e ocorrem) simultaneamente das equipes de pesquisa e de
2008 e o dossiê descritivo ilustrado, em diferentes lugares.5 documentação, como também
além das correspondências de Mesmo apoiada pelo pessoal do do escritório do Iphan (que
encaminhamento do Iphan. Escritório Técnico do Iphan – que proporcionou o gerenciamento
Os demais documentos e publicações sediou os trabalhos de pesquisa dedicado ao projeto por seu chefe,
produzidos ou reunidos pela e documentação –, a equipe de Paulo Sérgio Galeão), traduziu-se
equipe de pesquisa, em diferentes pesquisa precisou se desdobrar na quantidade e na qualidade
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 16
do conhecimento sistematizado festa e dos principais elementos que procedeu à inscrição da festa no
e também na documentação a constituem. No texto ilustrado, Livro de Registro das Celebrações
produzida pela equipe da Set é apresentada uma descrição densa em 13 de maio de 2010 e,
de Filmagens, que chegou a da rede de eventos, das relações e das consequentemente, reconheceu-a
mobilizar mais de 20 integrantes práticas sociais que dão forma, ano a como patrimônio cultural do Brasil.
nos momentos de pico da festa. ano, aos festejos do Espírito Santo, O registro representa um passo
A equipe registrou em arquivos a maior devoção da comunidade fundamental para a preservação
digitais com alta resolução cerca local, demonstrando a importância dessa celebração e compromete
de 1.500 fotografias de todos os de seu registro como patrimônio o Iphan e as demais instituições
bens culturais identificados e dos cultural do Brasil. Conforme públicas municipais e estaduais
principais rituais e personagens da previsto na Resolução no 001/2006 a contribuir para as condições
festa. Além disso, produziu 130 do Iphan, que regulamenta o de produção e de continuidade
horas de material bruto para editar registro de bens culturais de da Festa do Divino Espírito
um vídeo de 1 hora e 50 minutos e natureza imaterial, o dossiê também Santo de Pirenópolis, cuja
outro de 25 minutos, que, com as apresenta as recomendações de realização sempre mobilizou
informações consolidadas nos quatro salvaguarda necessárias à preservação profundamente a sociedade local.
volumes do INRC, propiciaram da Festa do Divino de Pirenópolis. No intuito de contribuir para a
o mais amplo conhecimento da Devidamente instruído, valorização e a salvaguarda da festa,
festa do Divino Espírito Santo de portanto, o processo de registro esta publicação trata de divulgar o
Pirenópolis e de seu significado da Festa do Divino Espírito Santo conhecimento reunido no processo
como patrimônio cultural do Brasil. de Pirenópolis foi apreciado e de registro, com base no dossiê
Com base no conhecimento e aprovado pelo Conselho Consultivo descritivo que se organizou de modo
na documentação produzidos pela do Patrimônio Cultural, em semelhante à estrutura da festa, com
pesquisa, elaborou-se o dossiê sua 63a reunião, realizada em 15 os seguintes tópicos: “Uma festa
descritivo, seguindo a estrutura da de abril de 2010. O DPI/Iphan que não tem fim”; “O Império do
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 17
DA ES QU ERDA PA RA A DIRE I T A
M A S C A RA DO A PÉ DA NÇ A N D O .
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
EXPOS IÇ Ã O AS AR T E S DO DI VI N O .
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
D I REI TA
A MATRI Z E O LARG O D E M E YA
P O N TE EM 1 825 , R ETR ATADOS
P O R W I LLI A M B URCHEL L .
F O N TE: G I LB ER TO F ERRE Z , 1981.
Que festa é
essa: origem
e andanças
do Divino
E SQU ERDA
P RO CI SSÃO DAS V I R G ENS NO D OM INGO
D O DI V I N O , EM 1 91 7 , D URANTE O
I MP ÉR I O DE CHI CO DE SÁ.
F O N TE: CA RVALHO, A., 2007.
D I REI TA
F O LI A DO DI V I N O N O L ARGO DA
MA TRI Z, N O I N ÍCI O DO SÉ CUL O XX.
F O N TE: CA RVALHO, A., 2007.
auge do culto ao Espírito Santo foi mais atraente, mais alentada de sincretismo, na diversidade
em Portugal coincidiu com o satisfação geral”12 que a do Divino. simbólica e na circularidade
período mais intenso da expansão Essas festas e tradições populares cultural”, as festas religiosas
ultramarina. Muito popular na tiveram importante papel na foram as principais expressões da
Idade Média, espalhou-se pela mediação entre as culturas que se sociabilidade das comunidades que
África portuguesa, pela Índia, confrontavam durante o período então se formavam, gerando “formas
pelos arquipélagos da Madeira e colonial e na conformação dos específicas de sociabilidade”.14
dos Açores, e ganhou o mundo padrões sociais locais. Para a Igreja A bibliografia consultada e
a bordo das naus portuguesas.11 Católica, elas eram frequentemente reunida durante as pesquisas
No Brasil, o culto difundiu-se consideradas situações propícias à realizadas em 2008 indicou a
durante o período colonial e hoje evangelização. Foi o que ocorreu continuidade das Festas do Divino
é celebrado em todas as regiões, em Goiás durante o ciclo do ouro, pelo Brasil afora, com variações nos
em variadas versões, podendo ser que propiciou a formação de vilas elementos comuns de seus rituais
considerado uma das práticas mais e cidades. Porém, como destaca sagrados e profanos, incluindo
antigas do catolicismo popular. a historiadora Mônica Martins encenações de cavalhadas e
De acordo com relatos de vários da Silva, é importante relembrar mascarados. A celebração acontecia
viajantes estrangeiros, o Espírito as características da Igreja no em algumas cidades do Pará, do
Santo era celebrado de Norte a Sul Brasil naquele período, em que Amapá, do Piauí e da Bahia, e
do Brasil no século XIX, sobretudo predominava o “aspecto devocional era uma referência cultural no
no Centro-Oeste, no Sudeste e nas em romarias, promessas, votos Maranhão, onde se celebrava
áreas de imigração açoriana, como e festas dedicadas aos santos, o Espírito Santo com grandes
Santa Catarina e Rio Grande do Sul. com caráter basicamente social e festividades na capital, São Luís,
José Alexandre Mello Moraes Filho popular”, em comemorações em em muitas cidades do interior
informa que, “até 1855, nenhuma que práticas sagradas e profanas e em Alcântara, onde as velhas
festa popular no Rio de Janeiro se confundiam.13 Calcadas “no senhoras vestidas de vermelho
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 22
A Festa do
Divino em
Pirenópolis:
rezar, comer e
festar
na diacronia, incorporando traços, certamente contribuiu para que de comidas, tabuleiros de doces e
esquecendo outros, dando novos Meya Ponte iniciasse a construção “magníficas ceias, trazidas de casa”;
conteúdos a antigas formas ou, de um novo olhar sobre si mesma barracas de espetáculos, cavalhadas,
ao contrário, atribuindo novas e suas tradições: mesmo sendo encamisados, congos e congadas,
formas a antigos conteúdos”.19 anteriormente realizada, foi a ópera, circo, teatro e fogos.24
Nesse eterno refazer, o evento partir de 1819 que a Festa do As semelhanças se estendem
permanecia dialogando com a Divino “entrou para a história” à estruturação do ciclo da festa,
história, com as condições locais e local. Essa informação divide com sua novena e seus picos no
com as circunstâncias do cotidiano, espaço com outra: a de que a Festa sábado do Divino e no domingo de
que, absorvidas pelos festejos, do Divino é tão velha quanto a Pentecostes. A diferença
podiam ou não vir “a integrar o própria cidade, compondo, para marcante entre elas está no
estoque simbólico acessado no muitos, seus mitos de fundação.22 fato de que, em Pirenópolis,
ano seguinte”.20 Dessa maneira, Analisando a literatura relativa o imperador nunca foi menino.25
atualizavam-se e, ao mesmo tempo, a esse período do século XIX, No livro O Divino, o santo e a senhora,
reiteravam-se as tradições locais. verificam-se semelhanças entre o antropólogo Carlos Rodrigues
Foi nesse período que a então a Festa do Divino Espírito Santo Brandão sintetiza a Festa do
Minas de Nossa Senhora do Rosário celebrada hoje em Pirenópolis Divino Espírito Santo como “uma
de Meya Ponte, por sua privilegiada e as que eram realizadas em São série de sequências simbólicas
situação geográfica, entrou na rota Paulo e no Rio de Janeiro: folias de atuação, com graus diversos
do Brasil dos viajantes, tornando-se em busca de esmolas para o culto, de formação ritual, distribuídas
foco da atenção de artistas, bandeirolas e arandelas no largo entre comemorações coletivas
cientistas e naturalistas que dela da Igreja, instalação do Império,23 em situações de rezar, comer e
registraram suas impressões em levantamento do mastro com a festar”.26 De fato, não há evento
descrições, narrativas, aquarelas bandeira do Divino, bandas e da festa que não seja produzido
e aguadas.21 Esse acontecimento orquestras, vendedores de sorte e coletivamente e que não implique
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 24
quem faz a
festa
DA ES QU ERDA PA RA A DIRE I T A
A L M OÇ O DA FOL IA DA ROÇ A .
FOT O: M A U RÍ C IO PINH EIR O , 2 0 0 8 .
C A T IRA NA FOL IA DO PA DR E .
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
F O LI O N A S DA N ÇAM C ATIRA E M
P O U SO N A F OLI A DA RUA.
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
Os tempos e
lugares da
festa
o império divino
Ee seus rituais
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 35
D I REI TA
B A N DEI RA E CO RO A DO D IVINO.
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
C OZ INH A DA C A S A DO IM PER A D O R
FOT O: V A NDERL EI A L C A NT A R A , 2 0 0 8
A centralidade
da festa
C HIC O PEDRU C A FA Z O
“PE D IT ÓRIO” PA RA A FES T A DO
DIVIN O DE C A S A EM C A S A .
FOTO : S A U L O C RU Z , 2 008.
As atribuições
do imperador
O imperador é o principal
responsável pela preparação
e pela realização dos festejos.
bandeiras são bentas na presença
do imperador. É principalmente
por intermédio do imperador,
Tradicionalmente, é ele quem ou de suas insígnias, que a
arca com a maioria das despesas maioria das cerimônias que
da festa, embora conte com o compõem a festa reverencia
auxílio de sua família, de amigos, o Espírito Santo.
de devotos e de outras pessoas Entre a Páscoa e a novena do
da comunidade de Pirenópolis, Divino, o imperador realiza várias
além das autoridades da prefeitura cerimônias em sua casa (que,
municipal e do estado de Goiás. desse modo, passa a ser um local
Seu prestígio emana exatamente da festa), muitas relacionadas
de sua capacidade de “acumular às cavalhadas e às folias, além
para redistribuir”, sejam bens bênção da coroa, as alvoradas, de providenciar a alimentação
materiais ou imateriais, seja a novena e as missas do Espírito dos músicos que participam das
trabalho voluntário, sejam Santo, os cortejos e as procissões, alvoradas. A casa do imperador
víveres para a preparação de a bênção da bandeira e o é dos devotos do Divino, que
alimentos, por exemplo. Para levantamento do mastro, devem ser servidos com fartura em
muitos, “o que o Imperador vai a fogueira, a queima de fogos e as qualquer ocasião. Por esse motivo,
gastar com a festa não é nada roqueiras (tiros de toco) e o sorteio a cozinha da casa do imperador –
perto das graças que já recebeu e a posse do novo imperador. comandada pela esposa do festeiro
e vai continuar recebendo”.42 O Império estrutura seus e movida a doações, trabalho
Em Pirenópolis, o Império domínios principalmente por voluntário ou remunerado –
do Divino dá forma e sacraliza meio das folias e das cavalhadas jamais descansa, preparando
um conjunto de rituais, como a e alcança o Reinado, cujas ininterruptamente quitandas,
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 38
DE CIMA PA RA BA IXO
OS TIRO S DE T OC O – R O Q UE I R AS
– ANUNC IA M O INÍ C IO DA M IS S A E
DA NOVENA DO DIV INO.
FOTO: S A U L O C RU Z , 2 008.
As primeiras
M ASCA RA DOS NO S Á BA DO
D O D IV INO.
Império
D I R E I TA
C O L OCA ÇÃ O DA B AN DEIRA DO D IVINO
NO MASTRO .
F O T O : SAU LO CRU Z, 20 08.
B A I X O, ESQ U ERDA
C E R IMÔN I A DE LEVAN TAM E NTO DO
M A S TR O , EM F REN TE À IGRE JA M ATRIZ ,
NO SÁ B A DO DO DI V I N O .
F O T O : SAU LO CRU Z, 20 08.
B A I X O, DI R EI TA
F O G UEI RA A CESA A N TES DO
L E V AN TA MEN TO DO MASTRO, NO L ARGO
DA M A TRI Z, N O SÁ B A DO DO D IVINO.
F O T O : SAU LO CRU Z, 20 08.
o domingo
do divino e o
sorteio do novo
imperador
ES QU ERDA
S ORT EIO DO NOV O IM PERA D O R ,
NO DOM INGO DO DIV INO.
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
DIREIT A , DE C IM A PA RA BA IX O
O NOV O IM PERA DOR É C ORO A D O .
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
as últimas
cerimônias do
império
as folias do
divino espírito santo
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 45
F O LI A DO P A DR E N A CHE GADA
A O P OU SO.
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
S A ÍDA DA F OLI A DA R OÇ A DA
A NTI G A CASA DE SEU OTÁVIO E
D . RO SA, N A R U A DO ROSÁRIO.
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
as folias de
pirenópolis
e suas
hierarquias
E m Pirenópolis, existem
atualmente três folias: a da
Roça, que se realiza há mais de
das folias, seus participantes e os
significados atribuídos por eles
a esses giros de devoção e festa.
Os alferes são os líderes
organizadores das folias e
conduzem os foliões pelos giros.
140 anos e reúne o maior número Nas folias há uma hierarquia São eles que, todos os anos,
de foliões, inclusive de cidades bem definida, formada por negociam os pousos e estabelecem
próximas; a da Rua, ou da Cidade, alferes, embaixadores, regentes, o roteiro a ser percorrido pelos
que existe há cerca de 50 anos e procuradores e salveiros, além foliões. Além de carregar as
circula no perímetro urbano; dos foliões, normalmente bandeiras, eles entregam os
a do Padre, que também uniformizados e portando as donativos ao imperador ou ao
percorre a zona rural do insígnias do Divino: pombinhas padre (no caso da Folia do Padre).
município – uma iniciativa do Divino – ou divininhos – presas Os embaixadores – os músicos
mais recente da Igreja local contra com uma fita vermelha na camisa – são os mestres litúrgicos
os “excessos” das outras folias, ou no chapéu. Existem também das folias que, com versos e
e a única que entrega os donativos os chamados foliões de atalho, cantorias, indicam passo a passo
à igreja, e não ao imperador.51 ou seja, aqueles oportunistas as minuciosas etapas rituais que
A Folia do Padre é a primeira que só participam dos desfiles na devem ser cumpridas pelos foliões
a sair. As outras duas ocorrem saída da folia e em sua chegada à em cada pouso. Ao som de vários
simultaneamente. Todas elas cidade, e comparecem aos pousos instrumentos – violão, viola,
apresentam três etapas de somente nos momentos que lhes cavaquinho, sanfona, pandeiro
realização – junta, giro e chegada interessam, como a hora do jantar e zabumba – entoam os versos
–, tendo cada momento seus e a dos bailões. Vale ressalvar que de chegada, agradecimento e
rituais e cantorias pertinentes. esse não é o caso da Folia da Rua, despedida, e conduzem as rezas
Com base na pesquisa realizada pois é comum que o folião vá e cantorias diante do altar das
em 2008, foi possível conhecer dormir em casa e retome o giro bandeiras, na hora das refeições,
e documentar os diversos rituais na alvorada do dia seguinte. durante o peditório e durante
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 47
DA ES QU ERDA PA RA A DIRE I T A
“GIRO” DA FOL IA DA C IDA D E .
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
os procuradores permanecem
em pé, ao lado das bandeiras,
segurando os saquinhos de
pano vermelho onde os devotos
depositam seus donativos.
Os salveiros, por sua vez,
são responsáveis pelos fogos
e roqueiras (tiros de toco),
que anunciam os momentos
rituais mais importantes da
folia, principalmente na
chegada e na saída dos pousos
e quando terminam os giros,
as alvoradas. São eles também e cuidar de seus animais. Na seja na porta da igreja, seja
que conduzem a catira e a dança organização das folias, existem na casa do imperador. ¢
do chá52 em todos os pousos. ainda os tropeiros, que cuidam
Sem eles, não há folia. dos cavalos na chegada dos pousos
Os regentes são responsáveis e, pela manhã, recolhem-nos nos
pela ordem e disciplina do grupo, pastos e os entregam aos foliões.53
principalmente nos pousos das Os procuradores se incumbem
folias rurais, onde, diariamente, de recolher as esmolas durante
além do cumprimento de todas o peditório realizado pelos
as etapas rituais, os participantes embaixadores, todas as noites após
devem montar e desmontar seus o jantar. Enquanto os músicos
acampamentos, lavar as roupas entoam os versos e cantorias,
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 48
C A NT ORIO EM FRENT E A O A LT A R
DE U M POU S O (FOL IA DO PA D R E ) .
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
Junta, saída
e giro
FOL I A DA ROÇ A FA Z O “S ”
NA C H EGA DA A O POU S O.
FOTO: S A U L O C RU Z , 2 008.
os pousos
ES QU ERDA , DE C IM A PA RA BA I X O
FOL IÃ O M OS T RA O “PRES ENT E ” A O S
C OM PA NH EIROS DA FOL IA DA R UA
(OU DA C IDA DE).
FOT O: S A U L O C RU Z . 2 008.
PÁ GINA A O L A DO
A L T A RES EM POU S O DA FOL IA
DA C IDA DE.
FOT OS : S A U L O C RU Z , 2 008.
da Folia da Roça: “Aqui a gente servida nos tabuleiros, panelas, o peditório de esmolas. Cada
preparou comida pra 4 mil pessoas, assadeiras e bacias. Em geral doador recebe um verso dos
arroz com pé de porco, caldão de são usados copos, pratos e músicos. Nesse verso, são descritos
carne com mandioca, macarrão talheres descartáveis. Sempre os motivos ou pedidos, que devem
com caldo de carne e salada. Foram há sobremesa, geralmente doce chegar, com os donativos, aos
120 quilos de carne, 90 quilos de de leite ou de mamão. Porém, ouvidos do Divino Espírito Santo.
arroz, 25 quilos de feijão, 40 quilos o que importa é a abundância Depois do peditório, é hora
de pé de porco, tudo doação”.61 – não só da comida, como de dançar a catira e cantar moda
A comida quente, preparada também das preciosas bênçãos de viola, para passar a noite.
em grandes tachos (onde que circulam com ela. Essa prática é observada na
normalmente se cozinha Após o jantar e os Folia do Padre. Já nas Folias da
rapadura), geralmente é agradecimentos de mesa, inicia-se Roça e da Cidade, tem início
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 52
DE C IM A PA RA BA IXO
PEDIT ÓRIO DE ES M OL A S NA
FOL IA DO PA DRE.
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
FOL IA DA ROÇ A FA Z A DA NÇ A D O
C H Á NA C H EGA DA A O POU S O .
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
D E CI MA P A RA B AI X O
F O LI Õ ES DA R O ÇA F A Z E M O
A GR ADECI MEN TO DA M E SA
A NTES DA J AN TA .
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
“ B A I LÃO ” EM U M P OUSO D E
F O LI A DA R O ÇA .
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
ES QU ERDA
ENT REGA DA BA NDEIRA DA FO LI A
DA C IDA DE A O IM PERA DOR.
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
DIREIT A
Espírito Santo e ampliam os no parentesco, nas relações de devem ser transmitidas às novas
territórios da festa, ao circular vizinhança e compadrio e na gerações. O modo de inserção
por grandes áreas do município, solidariedade dos trabalhos nas folias também é ditado pela
dinamizando a sociabilidade coletivos, realizados em tradição de envolvimento das
local. Festas rurais e masculinas, regime de mutirão. famílias com os festejos: há
as folias do Divino de Pirenópolis Assim como nas demais famílias que oferecem pousos,
refazem no presente condições celebrações que compõem a famílias de alferes, de músicos,
que são fundamentais à festa, Festa do Divino de Pirenópolis, de cozinheiros e de foliões.
pois promovem a acumulação seus participantes enfatizam a É com base nessas redes de
e a distribuição de bênçãos importância da preservação das sociabilidade que os participantes
e alimentos, e se apoiam em tradições das folias, que foram das folias praticam sua devoção ao
redes de sociabilidade baseadas recebidas de seus pais e que Divino e perpetuam a festa. ¢
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 56
o império e as
cavalhadas
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 57
ES QU ERDA
C A V A L H A DA S NO L A RGO DA MA T R I Z,
M EA DOS DO S ÉC U L O XX
FOT O: A U T OR DES C ONH EC ID O .
A C ERV O DA FA M Í L IA GOM ES F I LH O .
FONT E: A RQU IV O ET EC / IPH AN -
PIRENÓPOL IS .
DIREIT A
REU NIÃ O DOS C A V A L EIROS N A CA SA
DO IM PERA DOR.
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
compõem os festejos do Divino de é firmado, na casa do imperador, em que surgem novas vagas,
Pirenópolis. Para a comunidade o Termo de Compromisso das mudanças de patente ou troca
local e para os cavaleiros, Cavalhadas. Nessa ocasião são de castelo, isto é, mudança de
as cavalhadas representam também votadas, registradas e assinadas um cavaleiro do exército cristão
um ato de devoção e renovação medidas referentes às encenações para o mouro, ou vice-versa.69
da fé no Divino Espírito Santo. que se iniciarão no domingo Em fevereiro de 2008,
Tradicionalmente, é o de Pentecostes, ou domingo do bem antes da abertura dos festejos,
imperador quem decide se, em Divino. Para os cavaleiros, esse é os cavaleiros e o imperador deram
seu ano imperial, haverá ou não um momento de suma importância, início ao terço dos cavaleiros, um
cavalhadas. No domingo de Páscoa, pois “a festa é o ano inteiro, conjunto de 25 terços cantados duas
dia em que oficialmente se inicia mas o pontapé inicial mesmo é vezes por semana diante da coroa
a Festa do Divino de Pirenópolis, o Domingo da Ressurreição”, do Divino. As rezas começam na
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 59
ainda se beneficiam dos ensaios vínculo com os cavaleiros, a primeira é feita de madrugada,
para “judiar o corpo”, isto é, com o imperador ou com a antes dos ensaios matutinos
acostumá-lo com as longas própria festa. As farofadas são (o desjejum); a segunda é
horas em que permanecerão “[...] a alegria de receber as oferecida à noite, após os
montados e em cena, durante pessoas que participam das ensaios do entardecer (o jantar).
os três dias das cavalhadas. cavalhadas, uma forma de participar Nesses momentos, os cavaleiros,
Como de costume, enquanto indiretamente das cavalhadas”.73 reunidos, simulam uma entrada na
duraram os ensaios, aconteceram Em casa pobre ou rica, o casa que oferece a farofada tocando
as farofadas, lautas refeições cardápio é sempre semelhante: uma caixa de couro e cantando:
oferecidas aos cavaleiros pelo arroz, feijão, carnes, salada, “A rolinha foi mandou dizê, um
imperador ou por outras pessoas refrigerantes e, às vezes, cerveja. golim de pinga pra nós bebê. A
da comunidade que tinham algum Há duas farofadas por dia: rolinha foi mandou falá, um golim
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 61
E SQU ERDA
E N SAI O DO S CAVALEIROS.
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
D I REI TA
F ARO F ADA N A F A ZEN DA SARD INHA.
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
de pinga pra nós tomá”. Seguiram-se, então, os comes do imperador. Enquanto este tem
Os cavaleiros entram, e bebes, a dança da catira e os a honra de representar o poder
se alimentam, cantam ao redor cantorios. As varas recolhidas do Espírito Santo apenas durante
da mesa para agradecimento, foram colocadas no altar da coroa seu ano imperial, os cavaleiros,
dançam catira e, em seguida, e lá permaneceram até o fim das em geral, galgam lentamente os
se despedem cantando.74 cavalhadas. Tratou-se de um degraus hierárquicos próprios das
No último dia, após o ensaio da momento simbólico importante, cavalhadas. Nessa ascensão,
tarde, realizou-se a cerimônia de no qual os cavaleiros confirmaram a dedicação ao grupo, a
entrega das lanças ao imperador. a supremacia do Império e sua capacidade de liderança e as
Na porta da casa, os cavaleiros devoção ao Espírito Santo, habilidades pessoais fazem a
entregaram ao festeiro as varas informando ao imperador que diferença. Gari, fazendeiro
de madeira que utilizaram nos estavam prontos para as batalhas. ou comerciante, ser cavaleiro
ensaios. Também essa cerimônia O Império – por intermédio da das cavalhadas – soldado,
se desenvolveu de acordo com a figura do imperador – investiu embaixador ou rei, mouro ou
hierarquia dos dois exércitos: os de legitimidade as batalhas entre cristão – faz de cada um deles
dois reis (cristão e mouro) foram mouros e cristãos, que teriam pessoa altamente prestigiada na
os primeiros a entregar as lanças, início no domingo de Pentecostes. sociedade local. Mesmo assim,
seguidos dos dois embaixadores Nessa mesma noite, os cavaleiros embora as cavalhadas venham cada
(cristão e mouro) e dos dez pares de prestaram suas homenagens vez mais ganhando notoriedade
cavaleiros, que se apresentaram na ao Espírito Santo na matriz, no contexto das comemorações e
mesma sequência. Após a entrega, participando, com o imperador, eventos que conformam a Festa
cada cavaleiro dirigiu-se ao interior da chamada missa dos cavaleiros, do Divino Espírito Santo de
da casa e prestou sua homenagem que se realizou após a novena. Pirenópolis, os cavaleiros insistem
à coroa do Divino, beijando-a A natureza do prestígio dos em afirmar que “as cavalhadas
e rezando diante do altar. cavaleiros, entretanto, é oposta à servem ao imperador”.75 ¢
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 62
os
protagonistas
O s cavaleiros, personagens
principais (ou protagonistas)
das cavalhadas, organizam-se
em dois castelos – mouro e
cristão. Em cada castelo, há
doze participantes: um rei, um o cavaleiro usa elmo (capacete) ou
embaixador e dez soldados. chapéu. As cores predominantes
No campo das cavalhadas, são a vermelha e a dourada para
encenam, ano a ano, as lutas de os mouros e a azul e a prateada
Carlos Magno e os Doze Pares de para os cristãos. Nos dias de
França para libertar a península encenação, mães, filhas e esposas
Ibérica do domínio sarraceno. ajudam a aprontar seus cavaleiros.
As vestimentas usadas durante As montarias também recebem
as encenações são minuciosamente adornos especiais. As arreatas são
preparadas por armeiros, enfeitadas com veludo ou metal e
costureiras, bordadeiras e floristas. o dorso do cavalo é coberto por
Sobre a calça e a camisa, são uma manta bordada de veludo
colocados vários adereços, como vermelha ou azul, dependendo do
cintos e peças de armadura, além castelo a que pertence o cavaleiro.
da murça, capa ricamente bordada Nas patas dos cavalos, são usadas
com símbolos cristãos (cálices, caneleiras enfeitadas com
ostensórios, cruzes, divinos e pedrarias, além de peitoral com
coroas) ou mouros (brasões, guizos. Uma máscara de metal,
águias, cartas de baralho, lua e artesanalmente trabalhada, cobre
dragão). Dependendo da patente, o focinho do cavalo. Sobre a crina
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 63
PÁ GINA A O L A DO, DE C IM A
PA RA BA IXO
T ONINH O DA BA BIL ÔNIA , R E I MO UR O .
FOT O: M A U RÍ C IO PINH EIR O , 2 0 0 8 .
DET A L H ES DE A DEREÇ OS D E
M ONT A RIA DE C A V A L EIRO MO UR O .
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
ES QU ERDA , DE C IM A PA RA B A I X O
A DA IL C A RDOS O, REI C RIST Ã O .
FOT O: M A U RÍ C IO PINH EIR O , 2 0 0 8 .
DET A L H ES DE A DEREÇ OS D E
M ONT A RIA DE C A V A L EIRO CR I ST Ã O .
FOT O: C H RIS T OPH E S C IA N N I , 2 0 0 8 .
DA ES QU ERDA PA RA A DIREIT A E D E CI MA
PA RA BA IXO
O C A V A L EIRO EV OL U I À FREN T E D O CA ST E LO
M OU RO, NO PRIM EIRO DIA DA S CA V A LH A DA S.
FOT O: M A U RIC IO PINH EIRO, 2 0 0 8 .
D E C IMA P A RA B AI X O
O R E I CR I STÃ O HOMEN AGE IA O IM PE RADOR,
E NT REG AN DO -LHE A P R IM E IRA ARGOL INHA,
D U R A N TE OS J O G OS DO TE RCE IRO D IA DAS
C A V A LHA DAS.
F O T O : SAU LO CRU Z, 20 08.
o campo das
cavalhadas
DE C IM A PA RA BA IXO
C A M A ROT ES NO C A M PO DA S CA V A LH A DA S.
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
REV ES T IM ENT O DA ES T RU T UR A D O S CA MA R O T E S
C OM FOL H A S DE PA L M EIRA .
FOT O: V A NDERL EI A L C A NT A R A , 2 0 0 8 .
DIREIT A
M A S C A RA DOS (Ì NDIOS , U M G R UP O CO N SI D E R A D O
T RA DIC IONA L ) NO C A M PO DA S CA V A LH A DA S.
FONT E: S A U L O C RU Z , 2 008.
Máscaras
máscaras e
mascarados
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 71
D I REI TA
MA SCA RADOS A G UARDAM
P ARA EN TR AR N O CAM PO
DAS CAVALHA DAS.
F O TO : CR I STOP HE SC IANNI, 2008.
M A S C A RA DA S A PÉ A C A M INH O D O
C A M PO DA S C A V A L H A DA S .
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
mascarado”
D E CIM A PA RA BA IXO
M ASCA RA DOS EM FA M Í L IA C IRC U L A NDO
NAS R U A S PRÓXIM A S A O C A M PO DA S
CAVAL H A DA S .
FOTO: S A U L O C RU Z , 2 008.
os A TURM A DO “C A T U L É”.
FOTO: C RIS T OPH E S C IA NNI, 2 008.
preparativos
DA ES QU ERDA PA RA A DIREIT A , D E CI MA
PA RA BA IXO
M A S C A RA DOS EM FA M Í L IA C I R CULA N D O N A S R UA S
PRÓXIM A S A O C A M PO DA S C AV A LH A DA S.
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
A T U RM A DO “C A IXÃ O”.
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
C A V A L O DE M A S C A RA DO C OM MÁ SCA R A
S EM EL H A NT E À S U S A DA S NOS CA V A LO S D O S
C A V A L EIROS .
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
origens e
transformações
E SQU ERDA
A ON ÇA – O ESP I Ã O MOURO – É O ÚNIC O
“ MA SCA RADO” QU E P ARTIC IPA DO
E N REDO DA S CAVALHADAS.
F O TO : MA U R ÍCI O P I NHE IRO, 2008.
D I REI TA
MA SCA RADO B EB EN DO CE RVE JA
C OM CAN UDI N HO.
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
o reinado da senhora
e do santo
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 81
DE CIMA PA RA BA IXO
OS JUÍ ZES DE S Ã O BENEDIT O S E
DIRIGEM À C A S A DA RA INH A E DO REI
DE NOS S A S ENH ORA DO ROS Á RIO PA RA
FORM AÇÃ O DO C ORT EJO DO REINA DO.
FOTO: S A U L O C RU Z , 2 008.
M ISS A DO REINA DO NA
IGRE JA DO BONFIM .
FOTO: C RIS T OPH E S C IA NNI, 2 008.
ES QU ERDA
C ONGOS NO C ORT EJO DO RE I N A D O .
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
DIREIT A
L EV A NT A M ENT O DOS M A S T RO S D O
reinado
Na terça-feira, dia de das caixas – e seguiram todos uma farta mesa de doces.105
homenagens a São Benedito, para o salão paroquial. Nesse Na entrada da casa, foi
repetiu-se o ritual de formação do local, realizou-se a missa de São montado um bonito altar em
cortejo, que saiu da casa da rainha Benedito, bem mais concorrida louvor a São Benedito, cercado
de Nossa Senhora do Rosário e que a celebração do dia anterior. por um arco de flores de papel,
dirigiu-se à casa dos juízes de Após a missa, acompanhado alhos e cebolas, já que um dos
São Benedito. Lá se organizou a pela Banda Phoenix e seguido atributos do santo é proteger
estrutura do cortejo – com cada pela multidão, o cortejo os cozinheiros e as cozinhas e
conjunto de reis e juízes em seus percorreu a rua do Rosário garantir a fartura de alimentos.
quadros, as bandeiras dos santos até o início da rua Aurora, Na mesa de doces, uma imagem
adiante, os condutores das varas, chegando ao local onde os juízes da pomba do Divino Espírito
o congo, a congada e os tocadores de São Benedito ofereceram Santo ocupava lugar central. ¢
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 87
os reis e
rainhas
D iferentemente do imperador
do Divino, o rei e a rainha
de Nossa Senhora do Rosário e
o juiz e a juíza de São Benedito
não são escolhidos por sorteio,
mas pelo andador do Reinado,
de acordo com as possibilidades
de realização da festa pelos
numerosos candidatos.
A rainha do Reinado de 2008,
dona Laurita, havia muitos
anos se candidatava ao cargo
para pagar uma promessa feita
a Nossa Senhora do Rosário.106
O rei de Nossa Senhora do
Rosário, Antonio Parrila,
por sua vez, declarou estar
participando para manter a festa
e contribuir com a tradição.
Esse sentimento de
manutenção das tradições é
recorrente no Reinado, como
constatou-se na pesquisa.
Observou-se entre os
participantes a preocupação de
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 88
D E C IMA P A RA B AI X O
F A R T U R A N A F ESTA OF ERE CIDA PE L OS
J U Í Z ES DE SÃO B EN EDI TO.
F O T O : SAU LO CRU Z, 20 08.
M E S A DE DOCES N O J U I Z ADO D E
S Ã O BEN EDI TO.
F O T O : CR I STOP HE SCI ANNI, 2008.
D ON A L A U RIT A , NA PORT A DE S U A
CASA, JU NT A M ENT E C OM O REI DO
ROSÁRIO E O JU IZ DE S Ã O BENEDIT O,
CONT A U M A PROM ES S A E A GRA Ç A
AL C A NÇ A DA POR INT ERC ES S Ã O DE
NOSSA S ENH ORA DO ROS Á RIO.
FOTO: S A U L O C RU Z , 2 008.
a cavalhadinha
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 91
C AVALHA DI N HA N A V IL A M ATUTINA.
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
D I REI TA
O I MP ER ADORZI N HO ENTRE RAINHAS
D O R O SÁRI O E SÃ O B E NE DITO NA
P RAÇA DA SA N TA , N A NOITE D E
C OR P US C H R IS TI, I N ÍCI O D OS
F ESTEJ OS DA CAVALH ADINHA.
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
A s crianças de Pirenópolis
sempre brincaram de
cavaleiros, de mascarados, de
A organização das atribuições
de cada cargo fica sob a
responsabilidade dos respectivos
cavalhadas, de pastorinhas, pais, visto que os personagens
especialmente nas proximidades principais são crianças de
da festa.109 Nos anos 1980, foi no máximo doze anos.
criada, no bairro da Vila Matutina, Os festejos propriamente ditos
por iniciativa de seus moradores iniciam-se na quinta-feira de Corpus
e com a participação exclusiva de Christi (onze dias após o domingo
crianças, a cavalhadinha: do Divino) e se encerram no
a reprodução-mirim dos festejos domingo seguinte. Em 2008, ano
do Divino Espírito Santo e da pesquisa, roqueiras e fogos de
momento máximo de socialização artifício acordaram os moradores
de uma nova geração e de praça da Santa. É lá também do bairro para as alvoradas, como é
transmissão de valores culturais que acontecem as rezas durante costume, durante toda a semana de
essenciais aos pirenopolinos.110 a semana que precede a festa. Corpus Christi (de 22 a 25 de maio).
A cavalhadinha foi incorporada À semelhança da Festa do Divino As alvoradas foram conduzidas pela
oficialmente à Festa do Divino em Espírito Santo de Pirenópolis, os Banda de Couro da Vila (também
1989.111 Com exceção das folias, preparativos para a cavalhadinha formada por crianças), que, depois
agrega os principais eventos se iniciam com cerca de um de percorrer as principais
da Festa do Divino, como ano de antecedência, no último ruas do bairro, dirigiu-se à
cavalhadas, Império e Reinado. dia dos festejos, a partir do casa do imperadorzinho para
A maioria das celebrações religiosas momento em que são sorteados o tomar o café da manhã.
é realizada na praça conhecida imperadorzinho e os reis e Os ensaios dos cavaleiros-mirins
pelos moradores do bairro como rainhas-mirins do ano seguinte. – oito para cada castelo – também
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 92
E SQUE R DA
M ASC AR A DINH O EXIBE S U A H A BIL IDA DE
C OM O C A V A L O NO C A M PO DA
C AVAL H A DINH A .
FOTO: S A U L O C RU Z , 2 008.
DIRE ITA
C ORTE J O DO REINA DO DE NOS S A
SE NHOR A DO ROS Á RIO.
FOTO: S A U L O C RU Z , 2 008.
o início dos
festejos
sexta-feira da
cavalhadinha
E SQU ERDA
C E R I MÔ N I A DE AB ERTURA
DA CAVALHA DI N HA .
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
DE C IM A PA RA BA IXO
A ONC INH A REPRES ENT A O E SP I Ã O
M OU RO, C OM O NA S C A V A L H ADA S
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
C A V A L EIRINH OS S A EM DO C AMP O
cavalhadinha FOT O: S A U L O C RU Z .
o domingo do
divino
do simples
folguedo à
transmissão
da tradição
D E CI MA P A RA B AI X O
C AVALEI R I N HO S MO URO E CRISTÃO
R E P RESEN TA M A CO N FRATE RNIZ AÇ ÃO
E N TRE O S DO I S CA STE L OS.
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
C RI STÃ O S E MO U R O S DISPUTAM
O TO RN EI O DE TI R A-CABE ÇA
C OM ESP ADAS, N O ÚLTIM O D IA
DA CAVALHA DI N HA .
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
as artes na festa
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 101
D I REI TA
“ DAN ÇA DE MA SCA RAD OS”.
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
os sons
da festa
DE CIMA PA RA BA IXO
TOC AD ORES DE C A IXA DO REINA DO.
FOTO: V A NDERL EI A L C A NT A RA , 2 008.
A BANDA DE C OU RO T OC A NA A L V ORA DA
DO IM P ERA DOR DO DIV INO.
FOTO: S A U L O C RU Z , 2 008.
autos e
folguedos
do Reinado, “já que em todo o A dança do congo, originária que, enquanto tocam tambores e
Brasil as Irmandades de Nossa do município de Jaraguá, chocalhos, encenam embaixada
Senhora do Rosário estão associadas é apresentada em Pirenópolis e cantam músicas em louvor aos
a rituais como os de Coroação desde 1935. “Trata-se de um auto santos do Reinado. Vestem-se
do Rei do Congo, Congadas ou que reúne elementos temáticos de branco, com saias vermelhas,
Reinados”.119 Além de participar africanos e ibéricos, cuja difusão fitas coloridas e cocares de penas.
do Reinado, os integrantes da vem do século XVII”120 e, como Assim como os integrantes da
congada se apresentam no sábado a congada, tem por padroeiros congada, o grupo de congo se
do Divino, ao meio-dia, na Nossa Senhora do Rosário e São apresenta no sábado do Divino na
porta da matriz, e acompanham Benedito. Antigamente dançada porta da matriz, acompanha os
as cerimônias de abertura e de por adultos, hoje é executada por cortejos do Reinado e participa
encerramento das cavalhadas. duas alas de crianças de Pirenópolis da coreografia de abertura das
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 107
DA ES QU ERDA PA RA A DIRE I T A
GRU PO DA C ONT RA DA NÇ A, O U P A U-D E -
FIT A , EM A PRES ENT A Ç Ã O N O CA MP O DA S
C A V A L H A DA S .
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
C E NA DO A U T O “A S PA S T ORINH A S ”,
E NCE NA DO DU RA NT E A FES T A DO DIV INO
NO THEA T RO PY RENOPOL IS , DES DE 19 2 3 .
FOTO: S A U L O C RU Z , 2 008.
Espaço para
pastorinhas
todos
O espetáculo As pastorinhas, um
auto de Natal muito popular no
Nordeste, foi levado pela primeira
C omo mencionado, muitas
festas religiosas populares
que permanecem vivas no
vez em Pirenópolis durante a Brasil, como a do Divino, são
Festa do Divino de 1923 e, a reprodução e a atualização
desde então, é incorporado das festas medievais europeias
à programação oficial. trazidas pelos colonizadores,
A peça divide-se em três atos e comportando a reinvenção local
compõe-se de 46 canções e doze de bufões e jogos equestres,
árias. Participam do elenco as filhas assim como de uma infinidade
de famílias tradicionais locais, no de danças, músicas e folguedos.
papel das 24 pastoras que integram Nessa dinâmica, convivem a
o cordão vermelho e o cordão transformação, a permanência
azul, além das demais personagens sábado do Divino, após a e a continuidade histórica dos
femininas: Fé, Esperança, Caridade, cerimônia do queima, diversos elementos constitutivos
Cigana, Anjo, Diana e Religião. na beira-rio. Participar desse dessas festas, nas quais o importante
Aos homens cabem os papéis de espetáculo é o sonho mais acalentado é rezar, comer e festar.
Simão (o velho – representado pelas meninas de Pirenópolis, que Com tantos rituais e atividades,
por Pompeu de Pina por mais de brincam de pastorinhas desde a a Festa do Divino de Pirenópolis
30 anos), Benjamin (o menino) e mais tenra infância. A encenação é um grande palco para a
Luzbel (o capeta). Uma pequena do auto durante os festejos do expressão de seus moradores,
orquestra participa do espetáculo. Divino representa também o seja ela religiosa, plástica, cênica,
Dirigido por Natália de espaço por excelência de lúdica ou musical. Como diz um
Siqueira,121 em 2008 o auto apresentação das jovens historiador local, em “Pirenópolis
foi encenado na sexta-feira e no pirenopolinas à sociedade local. ¢ quem não é estrela é artista”.122
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 109
recomendações de salvaguarda
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 111
P O MB A DO DI V I N O .
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
fatores de
risco e ameaças
E SQU ERDA
S A ÍDA DA F OLI A DA R OÇ A.
F O TO : MA U R I CI O P I NHE IRO, 2008.
D I REI TA
C OR TEJ O DO R EI N A DO
A CO MP A N HA DO P ELA BANDA
D E CO U R O .
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
E SQU ERDA
C H EG ADA DA F OLI A DA ROÇ A.
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
D I REI TA
C H EG ADA DA F OLI A DA CIDAD E .
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
utilização da Festa do Divino e de Folia da Roça na tarde em que saía da houve a última cerimônia do Império
seus elementos constitutivos como cidade. Seus participantes e outros – a transferência definitiva da coroa
atrativo turístico, assim como depoentes informaram que esse ao imperador de 2009 –, a prefeitura
a evitar ações que desrespeitem tipo de bloqueio já havia ocorrido impediu o trânsito de automóveis
a celebração e resultem em em anos anteriores, durante outros na rua Direita, no trecho que liga
impedimento de cerimônias em festivais de cultura e gastronomia. a matriz à casa do novo imperador,
favor do turismo ou de outra Do mesmo modo, os cortejos do garantindo a passagem do cortejo.
iniciativa de qualquer natureza. Império tiveram de se espremer entre Essa medida deveria ser adotada em
Em 2008, por exemplo, para automóveis e competir com o alto relação a todos os cortejos da festa.
a realização do Piri Jazz Festival, volume dos sons de automóveis, de Observa-se, assim,
foi montado um palco, na rua do bares e de lanchonetes. Entretanto, a importância de fomentar nas
Rosário, que bloqueou a passagem da na noite de Corpus Christi, quando instâncias públicas locais uma atitude
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 117
E SQU ERDA
S E MP R E A CAVALO, OS AL FE RE S
C ON DUZEM AS B AN DE IRAS D O
D I VI N O , LI DER AN DO A FOL IA
DA R O ÇA .
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008.
D I REI TA Medidas de
A L TAR DA F OLI A DA R OÇ A.
F O TO : SAU LO CRU Z, 2 008. salvaguarda
permanentemente comprometida
com o respeito à cultura local e
com a garantia dos espaços de
P ara enfrentar os problemas
observados, as medidas de
salvaguarda de curto, médio
fomentar, por meio
das iniciativas públicas e
empresariais de Pirenópolis,
expressão da Festa do Divino. e longo prazos construídas e o compromisso permanente
Em conclusão, os maiores sugeridas no âmbito da pesquisa com o respeito à cultura local e
problemas identificados durante a da festa são as seguintes: com a garantia dos espaços de
pesquisa dizem respeito tanto à Festa expressão da Festa do Divino;
do Divino como às atividades reconhecer a Festa do Divino aprofundar estudos e
turísticas do município, que acabam Espírito Santo de Pirenópolis documentar o repertório
resultando na quebra da escala de como patrimônio cultural musical das folias – benditos,
redes de sociabilidade familiar e brasileiro, por meio do seu cantorias, repentes e catiras –,
na introdução de uma escala de registro no Livro das Celebrações; dos rituais religiosos do Império
massa. Entretanto, enquanto a
festa apresenta dinâmica própria
de resolução de conflitos e tensões
constitutivos, a solução dos problemas
de infraestrutura do município
depende de políticas públicas que,
em muitos casos, ultrapassam o âmbito
da cidade, pois se encontram na
esfera estadual ou na federal. Caberá
ao Iphan, no âmbito de sua atuação
e no limite de suas possibilidades,
participar das negociações necessárias
à solução desses problemas. ¢
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 118
T O N I N HO DA B AB I LÔNIA,
R E I MOU R O .
F O TO : MA U R ÍCI O P I NHE IRO, 2008.
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 120
NOTAS
CAVAL H A DINH A .
FOTO: S A U L O C RU Z , 2 008.
Feira: Antropologia, Artes e Humanidades, e tradição em Pirenópolis lona pintada, onde ficava o trono
São Paulo: Pletora, n.2, abr. 1998. (1890-1988). 1.ed. Goiânia: do imperador, com a música, a
14. SILVA, M. M. Agepel, 2001. v. 1. 229 p. Corte e as principais figuras da
Op. cit., p. 24-29. 20. MACEDO, Valéria. freguesia local”, em Pirenópolis,
15. A Festa do Divino Espírito Op. cit., p. 4. tradicionalmente, o império
Santo de Paraty também teve seu 21. SAINT-HILAIRE, sempre foi instalado na residência
registro aprovado pelo Conselho Auguste de. Viagem à província de do imperador. (MARQUES, R. A
Consultivo do Patrimônio Goiás. São Paulo: Edusp, 1975; coroa do Divino Espírito Santo,
Cultural e foi inscrita no Livro das POHL, John Emanuel. Viagem ao 2005. Disponível em: <www.
Celebrações em 3 abril de 2013, interior do Brasil. São Paulo/Belo portaldodivino.com.br/artigos>.
sendo assim reconhecida como Horizonte: Edusp/Itatiaia, 1976; Acesso em: 23 mar. 2008;
patrimônio cultural do Brasil. Ferrez, Gilberto. O Brasil do Primeiro SANTOS, F. A arquitectura dos
16. ALVES, Ana Claudia Lima Reinado visto pelo botânico William John impérios do Divino Espírito Santo
e. Minotauros, capetas e outros bichos: Burchell. Rio de Janeiro: Fundação no Brasil meridional: herança
a transgressão consentida na festa Instituto Moreira Salles, 1981. cultural açoriana. Portal do Governo
do Divino de Pirenópolis de 22. JAYME, J. Esboço dos Açores. Disponível em: <www.
1960 ao tempo presente. Brasília, histórico de Pirenópolis. s. l., azores.gov.pt>. Acesso em: 31
2004. Dissertação – Programa 1971. Edição do autor; mar. 2009; MORAES FILHO,
de Pós-graduação em História, BRANDÃO, Carlos Rodrigues. José Alexandre Mello. Op. cit.)
Universidade de Brasília. O Divino, o santo e a senhora. Rio 24. MORAES FILHO,
17. VEIGA, F. B. Op. cit. de Janeiro: Funarte, 1978. José Alexandre Mello. Op.
18. MORAES FILHO, José 23. Enquanto no Rio de Janeiro cit.; CAMPOS, Eudes. Ecos
Alexandre Mello. Op. cit. “o Império era o palanque, o paulistanos da vinda da Família
19. SILVA, M.M. . A Festa do tablado, levantados por ocasião Real para o Brasil. Informativo
Divino: romanização, patrimônio da Festa, fabricados de sarrafos e Arquivo Histórico Municipal, ano 3, n.
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 123
17, mar.-abr. 2008. Disponível para crianças de até 12 anos. toda a comunidade de Pirenópolis.
em: <www.arquiamigos.org.br/ (CARVALHO, A. Pirenópolis: Também em 2014, Pompeu
info/info17/i-estudos.htm>. coletânea 1727-2007. s. l., s.d., completou 80 anos, logo após a
Acesso em: 21 set. 2015. p. 165. Edição do autor.) Festa do Divino, cujas principais
25. A única exceção foi 29. Assim se denominam cerimônias ocorreram entre 23 de
Alexandre Pompeu de Pina, os nativos de Pirenópolis. maio e 10 de junho. Faleceu no
que, em 1971, aos sete anos, 30. GONÇALVES, José mesmo ano, em 10 de dezembro.
assumiu o lugar do pai como Reginaldo dos Santos. Patrimônio, 32. No período que precede
imperador, quando este faleceu. memória e etnicidade: reinvenções a festa, a prefeitura municipal
26. BRANDÃO, Carlos da cultura açoriana. In: ____. convida os alunos das escolas
Rodrigues. Op. cit., p. 37. Antropologia dos objetos: coleções, públicas a participar da
27. Ibidem, p. 67. museus e patrimônios. Rio de contradança. Além disso, algumas
28. Brincar de cavalhada é Janeiro: MinC/Iphan, 2007. escolas desenvolvem programas
costume antigo das crianças de 31. Pompeu Cristóvão de Pina específicos para a difusão de
Pirenópolis, que, assim, nos também foi o imperador do ano algumas tradições, como a catira.
quintais e nas ruas da cidade de 2014 (enquanto se elaborava 33. Tanto é assim que casos
aprendem os rituais e ordens da este livro) e realizou uma festa esporádicos de participação de
festa. A cavalhadinha documentada memorável, apesar da saúde mulheres como “mascarados”
durante a pesquisa foi a da Vila debilitada pela diabetes, condição – especialmente a cavalo –
Matutina, a mais antiga e a primeira agravada pela perda de sua esposa, permanecem como fatos audaciosos
a ser formalizada, em 1989. Nos no início do mesmo ano. Contou e memoráveis. É o caso de Telma
últimos anos (1997), foi criada para tanto com o empenho dos Lopes Machado, esposa do rei
a cavalhadinha do centro, que sete filhos, dos netos e dos demais mouro, Toninho da Babilônia, uma
também trata de reproduzir os parentes próximos e com muita das primeiras mulheres da cidade
diversos rituais da Festa do Divino ajuda dos amigos, dos vizinhos e de a sair a cavalo como “mascarado”.
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 124
Segundo uma integrante da Turma 37. As farofadas são refeições a igreja e as casas dos reis e rainhas,
da Telma, um grupo composto coletivas oferecidas para os sem passar pela casa do imperador.
de cerca de quinze amigas, hoje cavaleiros e seus auxiliares, antes 42. Depoimento de Rafael
em dia, elas costumam sair a pé de cada ensaio das cavalhadas, Donato à equipe de pesquisa,
no segundo dia de apresentação realizados durante dez dias antes em 12 de maio de 2008.
das cavalhadas. (ALVES, Ana da festa. São duas farofadas por 43. A preparação da pólvora para
Claudia Lima e. Op. cit.) dia: às 5 horas da madrugada, a confecção das roqueiras (ou tiros
34. Existem registros de antes do ensaio do amanhecer, e de toco) é um dos ofícios essenciais
peças teatrais “levadas” durante às 8 horas da noite, após o ensaio à festa, que requer cuidado e
a festa nas quais os homens do entardecer. Essas refeições habilidade especiais. Ver informações
representavam os papéis geralmente são oferecidas por mais detalhadas adiante, no capítulo
femininos. (Jayme, J. Op. cit.) famílias amigas do imperador e/ou “As artes na festa”.
35. Como principal guardião devotas do Divino Espírito Santo. 44. Na véspera e no domingo
das tradições, Pompeu foi ouvido 38. VEIGA, F. B. de Páscoa, devotos do Divino,
especificamente a propósito desse Op. cit., p. 54. pagadores de promessas e amigos
fato durante as pesquisas, em 39. Ibidem. do imperador percorrem ruas
depoimento gravado pela equipe 40. VEIGA, F. B. A Festa do da cidade a pé com a coroa do
de documentação audiovisual. Divino Espírito Santo, Goiás: polaridades Divino, abençoando casas e
36. Segundo depoimento de simbólicas em torno de um rito. recebendo donativos para a festa
Telma Lopes Machado, durante Niterói, 2002. Dissertação – o chamado “peditório”. Em
o Festival Gastronômico de (Mestrado) – Departamento 2008, no domingo de Páscoa, o
Pirenópolis, em 2007. Nessa de Antropologia, Universidade cavaleiro cristão Chico Pedruca,
ocasião, Telma e dona Terezinha Federal Fluminense. após realizar o peditório, foi à
de Salvador, exímia doceira da 41. Outra exceção são os cortejos igreja matriz, ao meio-dia, para a
cidade, ensinaram a fazer verônicas. do Reinado, que se realizam entre cerimônia de bênção da coroa.
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 125
romanização, patrimônio e
tradição em Pirenópolis. Goiânia:
Agepel, 2001.) Em Pirenópolis
não é diferente: a existência de
uma Folia do Padre é apenas um
exemplo emblemático dos conflitos
permanentes com a Igreja local.
48. AMARAL, R. Festa à brasileira.
São Paulo, 1998. Tese (Doutorado)
– Departamento de Antropologia,
Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo.
45. A cerimônia de com espetos e forquilhas na ponta 49. A descida do mastro é
levantamento do mastro, na noite e, assim, levantam o mastro. feita nos mesmos moldes de
do sábado do Divino, é uma das 46. Essa fala também faz parte seu levantamento, ou seja,
mais impressionantes da festa. da entrevista realizada em 12 pelo hábil manejo de grandes
O mastro tem 23 metros de de maio de 2008, já citada. varas, em trabalho coordenado
altura e, depois de hasteado, fica 47. Tradicionalmente, as pelo mordomo do mastro.
mais alto que as torres da igreja Festas do Divino reivindicam 50. Diferentemente de outras
matriz. Sob a coordenação do autonomia em relação à Igreja folias, como as de Reis, que
mordomo do mastro, um grupo oficial, geralmente mantendo giram à noite e pousam de dia.
de vinte homens, quase todos com ela relações de conflito 51. A Folia do Padre foi criada
da mesma família, maneja com e negociações permanentes. com a pretensão de recuperar o
habilidade e perícia grandes varas (SILVA, M. M., A Festa do Divino: caráter religioso desses rituais
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 126
DE C IM A PA RA BA IXO
V ERÔNIC A FEIT A DE M A S S A D E A ÇÚ CA R .
FOT O: M A U RÍ C IO PINH EIRO, 2 0 0 8 .
FORM A DE V ERÔNIC A ES C U L P I DA
EM PL A C A DE C H U M BO.
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
de peditório, aumentando as
rezas e proibindo o consumo de
bebidas alcoólicas e os forrós – ou
bailões – que animam as noites
nos pousos das Folias da Roça e
da Cidade. A Igreja toma para si,
e não reparte com o imperador,
os donativos angariados no giro.
Essa folia é formada exclusivamente
por homens que frequentam
a igreja, para os quais “forró
não pode ser feito na folia; a
tradição mesmo é o catira. Está
errado; o pouso virou comércio”
(depoimento gravado pela equipe
de documentação audiovisual).
52. Na dança do chá, os
foliões, “[…] de modo bastante
descontraído, saúdam a cultura
de engenho e a cachaça”.
(VEIGA, F. B. A Festa do Divino
Espírito Santo, Goiás: polaridades
simbólicas em torno de um rito.
Niterói, 2002. Dissertação
(Mestrado) – Departamento
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 127
DE C IM A PA RA BA IXO
PREPA RO DE C OM IDA EM P O USO
DE FOL IA .
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
BANDEIRA S DO REINA DO DE
NOSSA S ENH ORA DO ROS Á RIO DOS
PRE T OS E DE S Ã O BENEDIT O.
FOTO: S A U L O C RU Z , 2 008.
doces de frutas cristalizadas, de Nossa Senhora do Rosário era candidato a vereador na época
responsáveis pelo colorido dos Pretos (hoje demolida), da festa (e acabou por se eleger
da mesa. Outros itens foram em forma de estrela de Davi. em outubro daquele ano).
acrescentados à tradição, como 103. Foram juízes Manoel Inácio 106. Antes da distribuição de
chás, sucos, refrigerantes, D’Abadia Aquino de Sá Filho (Ely doces na porta de sua casa, dona
cerveja e quitutes, entre os quais de Sá) e sua esposa, dona Neusa Laurita, visivelmente emocionada,
broa, pipoca (peta), biscoito, Yoko Dehira Aquino de Sá. declarou que 31 anos antes havia
roscas, canudinho, mané-pelado 104. A rainha de 2008, dona pedido a Nossa Senhora que “desse
(espécie de bolo da mandioca), Laurita da Veiga, e o rei, Antônio vida” a sua irmã: “O médico disse
bolos e doces em pedaços. Os Parrila dos Santos, já assumiram que minha irmã não tinha cura.
mais comuns atualmente são os esse cargo do Reinado em anos Se ela escapasse era por milagre.
salgadinhos, como empadinha anteriores, para pagar promessa Hoje ela já está ajudando a criar
de galinha, quibe, pastel, rissole ou, simplesmente, para não deixar os netos e tem até bisnetos […]
e pão-pereira, uma tradicional de cumprir a tradição da festa. Então, pra mim, é uma sensação
quitanda muito apreciada 105. A missa e os festejos do muito maravilhosa dizer que
em Pirenópolis (pãozinho de Reinado de 2008 foram muito Nossa Senhora me deu esse grande
trigo recheado de carne). concorridos na terça-feira, dia milagre” (depoimento gravado pela
102. No passado, no dia de do juizado de São Benedito, não equipe de pesquisa e documentação
Corpus Christi, os reis e juízes do apenas porque não houve ataque no dia do Reinado de Nossa Senhora
Reinado costumavam acender cada de abelhas, mas também porque dos Pretos, 12 de maio de 2008).
qual um cruzeiro em sua porta havia banda de música e notícias 107. Depoimento gravado
para indicar o local de realização sobre fartura de doces, pois o pela equipe de pesquisa e
dos festejos do ano seguinte. festeiro, juiz Manoel Inácio de documentação no dia do
Um grande cruzeiro também Sá, antigo devoto do Reinado e de juizado de São Benedito,
era erguido na porta da Igreja tradicional família pirenopolina, 13 de maio de 2008.
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108. BRANDÃO, rituais da Festa do Divino para 113. A entrega da coroa ao novo
Carlos Rodrigues. O Divino, crianças de até 12 anos. imperadorzinho costuma acontecer
o santo e a senhora. Rio de 111. SILVA, F. A. Já faz dez dias após o encerramento
Janeiro: Funarte, 1978. parte da alma da criança: as dos festejos, sem formalidades.
109. “Porque foi sempre Cavalhadinhas de Pirenópolis: 114. “Muito tiro, muito barulho,
costume dos meninos de reinventando uma tradição. In: muita fartura e muita alegria, assim
Pirenópolis brincarem de Anais do XI Congresso Brasileiro de é a nossa Festa do Espírito Santo”,
cavalhadinha, depois das Folclore. Goiânia: Kelps/Unesco/ como Pompeu de Pina a definiu.
cavalhadonas, né, depois da festa CNF-CGF, 2004. p. 321-335. 115. Preparar a pólvora
maior. No caso aqui da Vila, 112. Ailiram Peixoto Alexandrino usada nos tradicionais tiros de
os meninos tiveram um apoio Gomes Pompeu de Pina foi o toco é um antigo ofício ligado
maior da comunidade” (Itamar imperadorzinho de 2008. às tradições locais. Em 2008,
Gonçalves, em depoimento
à equipe de documentação
audiovisual, 2008).
110. A cavalhadinha do centro
foi criada em 1997, reunindo
crianças e famílias residentes
nas ruas do entorno do campo
das cavalhadas. (CARVALHO,
A. Pirenópolis: coletânea 1727-
2007. s. l., s. d. p. 165.)
Como na cavalhadinha da Vila
Matutina, na do centro também
se trata de reproduzir os diversos
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 138
a pólvora era produzida por Pompêo de Pina, que também e a senhora. Rio de Janeiro:
Chico Pedruca e André Abadia foi maestro da Banda Phoenix. Funarte, 1978.
de Fontes, respectivamente 117. Joaquim Propício de Pina 120. CASCUDO, Luís da
cavaleiro cristão e cavaleiro (1867-1943), o mestre Propício, Câmara. 2008. p. 149.
mouro das cavalhadas. A foi imperador do Divino em 121. Durante décadas, esse auto
prefeitura se encarrega da compra 1923 e prefeito da então Meya foi dirigido pelo casal de violinistas
dos ingredientes, que exige Ponte em 1927. Além disso, Ita e Alaor de Siqueira, grandes
autorização especial do Exército. dirigiu o Theatro Pyrenopolis incentivadores da cultura local,
Todo o processo é altamente e sempre foi muito atuante já mencionados na nota 116.
inflamável e, por isso, a produção durante as Festas do Divino. 122. Declaração atribuída
da pólvora é realizada em lugar Até 1935, a Banda Phoenix a João Guilherme Curado.
afastado da cidade. Anualmente, dividia com sua rival, a Banda 123. ALVES, Ana Claudia
são produzidos mais de mil Euterpe, a participação nos Lima e. As artes do Divino de Pirenópolis
quilogramas de pólvora para ser festejos, que era decidida pelo – Goiás. Rio de Janeiro: Iphan,
utilizado na Festa do Divino e em imperador de cada ano. 2008. (Catálogo de exposição –
outras festividades do município. 118. Consultar, entre outros: Sala do Artista Popular, n. 142).
116. Até poucos anos atrás, a MENDONÇA, B. A Música em Goiás.
orquestra era composta de dois Goiânia: Editora da UFG, 1981;
violinos, tocados por dona Ita PINA FILHO, B. W. Antonio
(já falecida) e pelo senhor Alaor da Costa Nascimento (Tonico
de Siqueira, um casal de músicos do Padre): um músico no sertão
e compositores tradicionais de brasileiro. Revista Goiana de Artes,
que os moradores da cidade Goiânia: Cegraf/UFG, 1986.
muito se orgulham. O coral era 119. BRANDÃO, Carlos
dirigido por Alexandre Luiz Rodrigues. O Divino, o santo
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fontes
bibliográficas
Anexo 1
pessoas
entrevistadas
durante a
pesquisa
Célio Antônio Pompeu de Gleyci Patrícia Rosa Pires – José Inácio Nascimento
Pina (Bala) – participante da participante do Império como (Zé Inácio Santeiro) – artista
cavalhadinha/Banda do Reinado cuidador do andor e dos altares plástico/Exposição Artes do Divino
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M A S C A RA DINH O NO C A M PINH O
DA C A V A L H A DINH A .
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
Lima e Alves, Maria Cristina É possível que a Festa do que, a pé ou a cavalo, circulam
Bohn Martins, Maria Isaura Divino tenha sido adotada no irreverentes pelas ruas e no Campo
Pereira de Queiroz, Roberto arraial de Meia Ponte desde seus das Cavalhadas. A encenação de
da Matta, Mary Del Priore. primórdios, mas o primeiro dramas e operetas e do auto ‘As
Pirenópolis se localiza numa registro disponível data de 1819. Pastorinhas’, além de ranchões,
das três zonas povoadas durante bailões sertanejos e outras formas
o século XVIII, que tiveram seu A pesquisa coordenada por de expressão associadas à festa.
período áureo na segunda metade Marina A. M. de Macedo Soares O Reinado de Nossa Senhora do
desse mesmo século) graças ao produziu uma descrição bastante Rosário dos Pretos e o Juizado de
garimpo de aluvião. Fundada minuciosa das celebrações, São Benedito (deslocados de suas
como Arraial de Minas de Nossa identificando as diversas unidades, datas originais, outubro e abril
Senhora do Rosário de Meia Ponte os agentes e suas ações, os espaços e respectivamente), antigas festas de
em 7 de outubro de 1727, teve temporalidades, pretos, com seus congos e congadas
seu nome mudado para o atual em os cenários e a cultura material, e suas tradicionais distribuições
1890. Hoje, cidade com cerca de os recursos, comportamentos, de doces. A Cavalhadinha
20.000 habitantes, conta com um transformações, etc. Para fins de complementa a festa: realizada
perímetro urbano já configurado minha análise e para caracterizar essencialmente por crianças, é a
em 1750 e tombado pelo IPHAN a festa nos seus componentes reprodução-mirim dos festejos...”
em 1990, como conjunto essenciais, ao invés de seguir passo
arquitetônico, urbanístico e a passo seu desenvolvimento por À primeira vista, a
paisagístico. Conta, ainda, com unidades, preferi reproduzir complexidade da festa parece
áreas naturais protegidas. Da a síntese que consta do Dossiê expressar mera multiplicação e
exploração de quartzito a cidade Descritivo (fls. 30 e 31): superposição de elementos, sem
retira 60% de sua renda; do que se possa distinguir claramente
restante, uma boa parte se deve “A festa é composta por um algum eixo de ordenação.
à movimentação econômica grande número de eventos e Valeria a pena, portanto, situar
de toda ordem produzida pelo celebrações. As folias da Roça, tais componentes em relação
renome e interesse despertado da Rua e do Padre, que ‘giram’ os a categorias que se costuma
pela celebração do Divino bairros da cidade e a zona rural do apontar como definidoras da
Espírito Santo. Movimentação município, recolhendo donativos festa tratada na sua dimensão
que, a rigor, se processa ao para a festa. As celebrações do de fenômeno sociocultural.
longo do ano inteiro, embora Império, com os cortejos do Antes de mais nada duas
seus momentos de condensação Imperador, jantares, novena, categorias simbioticamente
se situem no Domingo de missas cantadas, alvoradas, presentes são seminais
Pentecostes (prolongando-se levantamento do mastro e queima aqui: o jogo e o rito.
nos dois dias imediatamente de fogos. As Cavalhadas, encenação Comecemos pelo jogo.
seguintes) e no período anterior, de batalhas medievais entre A conceituação de Johan Huizinga
dos 50 dias depois da Páscoa. mouros e cristãos. Os mascarados continua luminosa:
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ao cheiro dos alimentos e da conservadora: há rezas em latim, rígidas hierarquias (as diversas
pólvora, para alimentar uma nas novenas, que permitem categorias de mordomo,
memória sinestésica. O papel supor uma reificação do rito, mordomo da novena, das
das corporações musicais e, reduzido essencialmente à forma velas, da bandeira, do mastro,
principalmente, da Banda sonora, cujos significados podem da fogueira; nas folias, os
Phoenix (a mais antiga delas, ser dispensados por escaparem alferes, embaixadores, regentes,
criada em 1893) é vital. A cidade talvez à totalidade dos orantes. procuradores, salveiros) –
inteira (e muitos espaços rurais) A necessidade de conhecer mas sem conotação de classe
também se torna mais visível, (e respeitar) os ritos tem a ou patrimônio. A própria
com adornos nas ruas, praças ver com uma outra categoria disponibilidade de recursos,
e nas fachadas, assim como no que define a festa: a agregação, de que o Imperador é responsável,
interior das casas dos principais o estar junto, que faz dela não constitui obstáculo para
atores e nas igrejas. A relevância um potenciador de energias aqueles de condição mais
do rito obriga a conhecer os coletivas, em “estado de modesta. As diferenciações
códigos que se espalham por toda efervescência” (como dizia principais, porém (sobretudo nas
parte: se as folias encontrarem Durkheim), canalizando-as para candidaturas), são determinadas
no arco decorado dos pousos ações coletivas. Ações em que pelas relações das famílias nos seus
uma xícara, devem saber que o protagonismo não é mais da compromissos tradicionais com a
não poderão prosseguir antes Igreja, nem do poder civil, nem festa. Por outro lado, há outros
de localizar o presente que ela de outras esferas de poder, mas conflitos manifestos.
indica. (A xícara, aliás, é depois do povo comum sem distinções Os mais importantes no presente
utilizada no ritual da “dança do – embora as tensões políticas, são entre festeiros e a Igreja,
chá”.) O rito é importante mesmo religiosas, econômicas e outras motivando, por exemplo, o
quando os significados originais possam atuar nos bastidores. aparecimento da Folia do Padre,
se perderam: as cavalhadas O estar junto não elimina as que arrecada recursos que não
seguem o roteiro previsto, ainda diferenças, mas não impede o agir passam pela contabilidade do
que se tenham transformado junto. Já se propôs (Carlos R. Imperador; além disso, a Igreja
numa exibição de destreza e Brandão) uma dicotomia, gostaria de ter meios de coibir
virilidade, e não mais legitimação em que o Reinado de Nossa “excessos” e “grosserias” nas
da “imposição da fé pela espada” Senhora do Rosário (na origem, celebrações e, mais ainda,
(fórmula, aliás, mencionada “festa dos pretos”) constituiria a oportunidade de interferir
pelos cavaleiros); o que importa a celebração dos escravos e, na escolha (por sorteio) do
agora, porém, é a heroificação a seguir, de brancos pobres, Imperador do Divino, exigindo
dos combates entre cristãos e opondo-se à festa dos ricos, que seja sempre “católico de
mouros, ainda que culminem da “corte imperial”. Todavia, vida exemplar”. Também se tem
com a conversão compulsória a homogeneização hoje é manifestado conflitos de gênero:
destes últimos. Outro caso completa. As diversas funções e numa celebração por excelência
sintomático da tendência ritual encargos estão subordinados a masculina, as mulheres vêm
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 151
nacional. Por isso mesmo, estão vizinhas), com líderes civis e de ações e trocas de serviço.
em debate na Câmara – além, religiosos, associações e entidades “Pode-se dizer que é sobre estas
é claro, dos requisitos exigidos de todo tipo, trocas simbólicas de modos de
pela Resolução 001/2006 – a população em geral e em participação que se constitui,
critérios de amostragem ou particular os responsáveis pela na prática, a Festa do Divino.
representação, de prioridades festa, seus patrocinadores Ela instaura uma transformação
e de hierarquias, etc., para e colaboradores, etc. – tal não apenas na vida da sociedade
selecionar candidatos ao registro. mobilização é de altíssima local, como também na vida pessoal
No entanto,independentemente escala. Embora haja alguns dos participantes, como de resto
de eventuais extensões ou inclusões bolsões de espetacularização, os acontece com todas as festas,
futuras, a proposta de Pirenópolis, participantes externos não são mas especialmente com as festas
pela sua consistência, amplitude e meros espectadores, mas sujeitos devocionais (Rita Amaral, Festa à
irradiação, pode ser examinada à ativos e afetivamente envolvidos. brasileira. São Paulo, Departamento
parte. Aliás, até o presente, uma Apesar dos momentos de maior e de Antropologia/USP, 1998: p.
única celebração foi registrada menor intensidade, a mobilização 203/tese de doutorado).
como patrimônio cultural é permanente, pois a preparação iii) A Festa conta com
brasileiro, o Círio de Nazaré, da festa seguinte começa apenas antiguidade respeitável – quase 200
em Belém, em 2004, que também se encerra a edição do ano. Os 64 anos e talvez mais –, o que significa
se fazia notar pela manifesta dias que vão da Páscoa a Pentecostes consistência que passou pelo teste
relevância, dispensando o apoio (incluindo a 2a e 3a-feiras do tempo, isto é, demonstra solidez
de um quadro de referência imediatas), estendendo-se até Corpus capaz de assegurar identidade na
que permitisse situá-lo dentro Christi, são inteiramente dominados mudança. Há razão para crer que
de escalas de interesse. pelo Divino (ensaios, organização, a Festa existe desde os primeiros
Com efeito, as informações e rituais específicos). tempos do arraial primitivo (1727).
análises acima expostas permitem ii) A Festa do Divino em De notar a preocupação dos festeiros
fundamentar essa proposta. Pirenópolis constitui um com manter registros, como a
Podemos resumir tais fundamentos verdadeiro sistema complexo, Lista dos Imperadores do Divino
em apenas quatro tópicos: que articula elementos religiosos e e outros documentos, a começar
i) Para o art. 216 da profanos, cria ou recicla sentidos, pelos programas anuais e cartazes.
Constituição Federal de 1988 um valores, expectativas, aspirações e os A “consciência da tradição” é
bem integra o patrimônio cultural faz circular intensamente. Intervém uma referência frequentemente
brasileiro – sem necessidade, para na produção, na organização do lembrada. Enfim, não se pode
tanto, aliás, da homologação pelo trabalho, na economia, esquecer que as “cavalhadinhas” são
poder público – quando representa no imaginário e assim por diante. uma forma de garantir a reprodução
referência de memória, ação e Intervém profundamente nas das celebrações no futuro.
identidade coletivas. A mobilização relações intersubjetivas (encargos, iv) Há uma forte e evidente
de uma cidade inteira (incluindo hierarquias, vizinhança, família, singularidade local que dá a
sua área rural e comunidades etc.). Cria ou reforça redes personalidade própria à Festa do
dossiê iphan 17 {Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – Goiás } 153
Anexo 3
certidão de
registro
C A V A L H EIROS NA S RU A S DA C I DA D E .
FOT O: S A U L O C RU Z , 2 008.
ISBN: 978-85-7334-285-7
CDD 394.2