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Doutor em Direito escreve sobre combate à corrupção e faz críticas ao que ele chama de
monstro, um Frankenstein que está sendo criado dentro do Congresso sob premissa
irrevogável de que é possível acabar com a corrupção, custe o que custar.
No Justi cando
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04/12/2016 "É mentira dizer que a corrupção será derrotada pelo Direito Penal", afirma especialista O Cafezinho
mercadorias, de modo que nada (nem mesmo a ética ou os valores constitucionais) possa
ser tido como mais importante do que a livre circulação das mercadorias, o
desenvolvimento do espetáculo de imposição de penas, a implementação da visão de
mundo de atores jurídicos ou a satisfação dos desejos/ perversões da parcela da
sociedade que detém o poder econômico e/ou político.
Por tudo isso, não causa surpresa o tratamento simplista conferido aos fenômenos da
“violência” e da “corrupção”, bem como falhas na percepção da conexão entre esses dois
dados da realidade. A violência, por exemplo, só é percebida em seu sentido vulgar,
naquilo que Zizek chamou de “violência subjetiva”, a violência de uma pessoa contra outra,
o aspecto visível do fenômeno violência.
Por desconhecer a conexão entre as diversas formas de violência, ações que, no plano do
discurso o cial, direcionam-se à redução da violência ou da corrupção, no lugar de reduzir
esses fenômenos, podem aumentá-los. E fazem isso, por exemplo, ao manter prisões
desnecessárias, determinar conduções coercitivas fora das hipóteses legais ou, o que se
tornou moda entre atores jurídicos que buscam o reconhecimento de um auditório
autoritário, decretar prisões cautelares (sem que exista uma condenação irrecorrível)
para obter delações e/ou con ssões, em clara instrumentalização da pessoa e Publicidade
consequente violação da dignidade humana.
Pense-se, por exemplo, no paradoxo que seria uma campanha, paga com dinheiro público,
com o objetivo de recolher assinaturas para um projeto de lei de iniciativa “popular”, na
qual se pede para “quem for contra a corrupção” assinar o documento, isso sem que os
signatários sejam informados do conteúdo do projeto, das repercussões constitucionais,
sociais ou mesmo econômicas das medidas propostas e, em especial, dos re exos do
projeto no campo das liberdades públicas: sem o necessário debate público, pautado por
informações corretas e dados con áveis, um projeto como esse corrompe-se em
instrumento de manipulação da população.
Nos últimos dias, a população (que continua desinformada sobre o tema e, quando muito,
é levada a perceber a questão como uma “luta do bem contra o mal”) tem presenciado o
confronto (pontuado por declarações messiânicas e comentários dignos de um jogo de
várzea no qual se disputa para saber quem viola mais a legalidade democrática) entre os
idealizadores das chamadas “Dez medidas contra a corrupção” (que, vale esclarecer,
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04/12/2016 "É mentira dizer que a corrupção será derrotada pelo Direito Penal", afirma especialista O Cafezinho
inclusive para aqueles que assinaram a proposta de projeto sem ler, são bem mais do que
dez medidas… e muitas das quais contrárias à Constituição ou aos princípios éticos) e os
parlamentares que produziram mudanças no texto original.
Famoso ator jurídico (que, em razão da exploração midiática sobre um caso penal
transformado em espetáculo, todos sabemos também fazer palestras em igrejas
neopentecostais) chegou a a rmar que o Congresso Brasileiro estava a produzir um
Frankenstein (na realidade, a citação era ao “monstro” que Mary Shelley fez nascer das
mãos do Dr. Victor Fankenstein). E com certa razão (embora, aparentemente, o autor da
comparação desconheça que esse “monstro” da literatura foi pensado como um Prometeu
moderno).
Todavia, os defensores das “Dez medidas” patrocinadas pelo MPF (na tentativa de criar,
como percebeu o jurista Marcelo Semer, “um código para chamar de seu”) esquecem que o
texto inicial, se não era um Frankenstein (na medida em que é integralmente voltado à
ampliação do poder penal, mesmo que isso custe o afastamento da legalidade
democrática), poderia ser chamado de um zumbi de tendências fascistas, no qual o desejo
de “comer cérebros”, imortalizado nos lmes de George A. Romero, foi substituído pelo
desejo de relativizar e afastar direitos e garantias fundamentais. Um projeto “zumbi”, vale
frisar, porque parcela considerável da população assinou e foi levada a apoiar uma Publicidade
alteração legislativa sem conhecer o conteúdo do projeto ou ter consciência das
consequências de sua aplicação.
O que há de comum entre o projeto zumbi originário e o “monstro” criado pela Câmara
dos Deputados? A crença, por vezes ingênua, por vezes repetida por má-fé, na lei penal
para resolver os mais variados e graves problemas sociais. Se as “dez medidas” originais,
em nome da “guerra contra a corrupção”, corrompiam o sistema de direitos e garantias
individuais, o texto aprovado na Câmara dos Deputados corrompe o sistema de
prerrogativas necessário à atuação dos atores jurídicos. Leis que são apresentadas como
soluções mágicas para problemas complexos como a corrupção e a violência, mas que
acabam por gerar mais corrupção e violência. Leis que não funcionam e que serão
substituídas por novas leis penais que também não vão funcionar.
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