Вы находитесь на странице: 1из 18

Freda Indursky

Maria Cristina Leandro Ferreiro


Solange Mittmann
(organizadoros)

ANÁLISE DO DISCURSO:
DOS FUNDAMENTOS AOS
DESDOBRAMENTOS
30 ANOS DE MICHEL PÊCHEUX

t\fQCftDO®
~ LfTQflS
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (C1P)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Análise do discurso : dos fundamentos aos desdobramentos (30 anos de
Michel Pêcheux) I Freda Indursky, Maria Cristina Leandro Ferreira, Solange
Miumann, (organizadoras). - Campinas, SP : Mercado de Letras, 2015.

Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 976-85·7591·364-0

1. Análise do discurso 2. Ungua e linguagem 3. Pêcheux, Michel, 1936·


1963 - Crítica e interpretação I. Indursky, Freda. 11.Ferreira, Maria Cristina
Leandro. 11I. Miumann, Solange.

15~6866 CDo..401.41
Indices para catálogo sistemático:
1. Análise do discurso: Ciências da linguagem 401.41

Capa e gerência editorial: Vande RoUa Gomide


Preparação dos originais: Editora Mercado de Letras

Obra em acordo com as novas


normas da ortografia portuguesa.

DIREITOS RESERVADOS PARA A LlNGUA PORTUGUESA:


c MERCADO DE LETRAS'"
VRGOMIDE ME
Rua João da Cruz e Souza, 53
Telefax: (19) 3241-7514 - CEP 13070·116
Campinas SP Brasil
www.mercado-de-Ietras.com.br
livros@mercado-de-Ietras.com.br

1ª edição
outubro/20 15
IMPRESSÃO DIGITAL
IMPRESSO NO BRASIL

Esta obra está protegida pela Lei 9610/98.


~ proibida sua reprodução parcial ou total
sem a autorização prévia do Editor. O infrator
estará sujeito às penalidades previstas na Lei.
SUMÁRIO

Apresentação
Os Percursos Teórico-Analíticos do VI SEAD 11

Primeira Parte:
Um Efeito-Início

1. Na trilha: teoria, autoria, reescrita 21


Eni Puccínelli Orlandi

Segunda Parte:
Entrelaçamentos entre análise
do discurso, marxismo e psicanálise

2. Análise de discurso e o materialismo histórico 35


Maria Virgínia Borges Amaral e
Mônica Graciela Zoppi Fontana

3. Althusser, Pêcheux e as estruturas do desconhecimento .. 55


Fábio Ramos Barbosa Filho

4. Sobre a reprodução/transformação: o (dislfuncionamento


ideológico e seus efeitos políticos 67
Maurício Beck
5. Inconsciente e ideologia nas formulações linguísticas
do confl itó: a propósito da denegação 81
Carolina P. Fedatto

6. Medicalização e escrita: metáforas


da sutura e da cicatriz 95
Aline Femandes de Azevedo

Terceira Parte:
Funcionamentos midiáticos e publicitários

7. Os sentidos de nação e república na imprensa


brasileira no final do império 113
Giovanna G. Benedetto Flores

8. Felicidade, um arquivo. Sobre a noção de arquivo


e o seu funcionamento no discurso da/na mídia 123
Si/mara Dela Si/va e Juciele Pereira Dias

9. O Banco do Brasil é o Brasil? O efeito metafórico


na propaganda bancária dos anos 1970 137
Luciana Fracasse

Quarta Parte:
Reflexões em torno de práticas pedagógicas

10. A escrita no discurso de sujeitos-professores:


relações com a língua, repercussões em seus saberes
profissionais e processos de subjetivação 155
Filomena Elaine P. Assolini

11. O sujeito entre línguas: historicidade e reverberação ... 169


Giovani Forgiarini Aiub
12. Entre o ver e o ler: gestos de leitura da materialidade
visual implicando outros gestos de ensino 183
Carolina Femandes

13. O sujeito da socioeducação entre o político,


o administrativo e o jurídico 195
Lucilene Lusia Adomo de Oliveira

Quinta Parte:
A dinâmica dos corpos: do social ao discursivo

14. O fracasso do intervalo semântico:


significante, sentido e corpo 209
Marcos Aurelio Barbai

15. De aranha a borboleta: processos de


subjetivação de um corpo preso 223
Luciana Iost Vinhas

16. As dores da dona Mariana 235


Ana Josefina Ferrari

17. O movimento dos sentidos na materialidade


do movimento do corpo 247
Marchiori Quadrado de Quevedo

Sexta Parte:
Criação e produção no processo artístico

18. Pensando a arte como discurso 263


Maria Cristina Leandro Ferreira

19. (Com)Textura de corpos na


vídeo-performance contemporânea 275
Nádia Régia Maffi Neckel
20. Da produção à criação da obra
de arte como gesto político 289
Freda Indursky

Sétima Parte:
Em torno de materialidades digitais

21. Sujeito e memória em textual idades digitais 307


Evandra Grigoletto e Solange Leda Gallo

22. O funcionamento do "mas" no discurso digital


sobre a/ols Brasileira/oIs 319
Glória da Ressurreição Abreu França

23. Análise discursiva da hashtag #onagagné:


estrutura e acontecimento 335
Juliana da Silveira

24. O arquivo como gatilho de movimentos


de interpretação em torno da palavra "luta" 351
Solange Mittmann

Sobre os Autores 365


3
Althusser, Pêcheux e as estruturas
do desconhecimento

Fábio Ramos Barbosa Filho

Uma história chegou ao fim. É a outra infinita?


Louis Althusser, Unfinished history, 1976.

Introdução

Em 1976, no prefácio ao livro de Dominique Lecourt, "Lysenko,


uma ciência proletária?", Althusser encerra o texto com uma pergunta 1
a respeito da relação entre ideologia e produção de conhecimento, no
famoso caso envolvendo o cientista russo Trofim Lysenko. É sabido que a
história de Lysenko chegou ao fim no que diz respeito à sua relação com a
ciência. Mas e a outra história? Aquela, quase silenciosa, que diz respeito à
toda e qualquer produção de conhecimento, na sua relação inevitável com
a ideologia? Aquela que diz respeito à relação entre teoria e política nesse
jogo de autonomias relativas tangenciadas pelo movimento da história?
Trago essa história para situar o meu texto. Talvez seja sobre isso,
afinal, que eu me debruce nesse momento. Uma história, ou duas. História

1. A pergunta consta na epígrafe. Tradução minha.

55
de uma relação muito particular, ou melhor, de relações muito particulares.
Relação entre formações teóricas, entre problemáticas, entre inconsciente
e ideologia, entre teoria e política. Relação entre uma história que chegou
ao fim, que precisa chegar ao fim - várias vezes - mas que continua pro-
duzindo efeitos quase silenciosos.
Como o título sugere, falo de Louis Althusser e Michel Pêcheux
que, neste momento e neste recorte, está presente por uma ausência ne-
cessária. Talvez não fosse preciso, mas quando trago esses nomes, não
falo (apenas) de duas pessoas. Falo de duas formações teóricas, de duas
regiões de conhecimento que, a partir de problemáticas específicas, pro-
duziram conhecimento sobre a linguagem, o sujeito e a história. E, sobre-
tudo, propuseram uma nova teoria da leitura e do processo histórico de
formação de sentidos, em um processo contínuo de autocrítica, passando
por reelaborações extremamente significativas.
A referência do título deste texto remete ao parágrafo final do
"Freud e Lacan", texto que me serve de ponto de partida para a presente
discussão, que tem como fio condutor a relação entre Althusser e Pêcheux
frente a uma teoria materialista da leitura. Lá, Althusser afirma:

Desse modo, ter-se-á notado, está aberta para nós, sem dúvida, uma
das vias pelas quais chegaremos talvez um dia a uma melhor compre-
ensão dessa estrutura do desconhecimento, que interessa, em primeiro
lugar, a qualquer pesquisa sobre a ideologia. (Althusser 1964[19850,
p.71])

É dessa (in)conclusão de Althusser que parto para relacionar dois


domínios de saber que se articulam justamente no limiar desses conceitos.
Quando o filósofo relaciona inconsciente e ideologia, põe uma questão
incontornável no entremeio da psicanálise e do marxismo (inclusive no
campo da prática política): a descoberta freudiana do inconsciente mexe
com a estruturação teórica do materialismo no que tange à teoria da ideo-
logia. Ou seja, há algo no funcionamento do inconsciente que estrutura o
modo de funcionamento da ideologia como uma entidade "profundamen-
te inconsciente" (Althusser 1965[19670, p. 206]). Ora, é justamente esse
deslocamento que retira a ideologia do campo da consciência e permite
que o desconhecimento seja mais do que um "engano" ou um "erro" para
ser constitutivo de qualquer relação subjetiva e de qualquer relação social,
colocando em pauta a primazia da opacidade do sujeito e do social frente

56
às categorias de razão e consciência. Em suma, frente a uma concepção
idealista de ideologia.
Partindo dessas premissas, o que aproxima então a psicanálise do
marxismo é o fato de ambos se debruçarem sobre instâncias que, cada
qual ao seu modo, são estruturas. É essa consideração que permite des-
locar as discussões fenomenológicas (Politzer e o desprezo pela metapsi-
cologia, do lado da psicanálise, ou a ideologia como "senso-comum", do
lado do marxismo) ou ontológicas (Laplanche, a respeito da realidade ou
realismo do inconsciente, do lado da psicanálise, ou da ideologia como "a
ideologia do/de cada indivíduo", do lado do marxismo) a respeito do par
ideologia e inconsciente. É isso que permite a Althusser afirmar que

[... 1 a ideologia tem uma estrutura e um funcionamento tais que fazem


dela uma realidade não-histórica, isto é, omnihistórica, no sentido em
que esta estrutura e este funcionamento se apresentam na mesma for-
ma imutável em toda história, no sentido em que o Manifesto define a
história como história da luta de classes, ou seja, história das sociedades
de classe. (Althusser 1971[1985b, p. 84))

A questão que se coloca, a partir desse deslocamento, é compre-


ender ideologia e inconsciente não como realidades fenomenológicas ou
ontológicas, mas como estruturas que produzem efeitos e que sustentam
processos e práticas. Essa compreensão dialoga de uma maneira bastante
particular com as relações existentes entre a psicanálise e o marxismo.

Inconsciente e ideologia: do freudo-marxismo à intervenção althusseriana

Há, na história do marxismo, diferentes modos de articulação (te-


óricos e políticos) com a psicanálise. Vale a pena lembrar que ela, que
conta com uma grande produção e até mesmo "simpatia" oficial na União
Soviética até a morte de Lênin, é execrada quando o marxismo se torna a
"religião" do Estado. Passa a ser uma panaceia idealista, uma charlatanice
pequeno-burguesa suplantada pelas ideias de Pavlov. É justamente contra
essa interpretação, difundida pela Terceira Internacional, que surgem tan-
to as "reações" do freudo-marxismo e da teoria crítica quanto a de Louis
Althusser. Cada qual à sua maneira.

57
Gostaria, brevemente, de mencionar as consequências desses dife-
rentes modos de articulação a partir de duas posições de "defesa" da perti-
nência da psicanálise no terreno do marxismo:2 a) o freudo-marxismo dos
anos 20 e 30, que surge, sob a forma do positivismo biologista, enquanto
tentativa de compreender as "raízes psíquicas" e a eficácia da dominação
capitalista e b) a teoria crítica,3que se debruça diante da discrepância entre
a "consciência política" e as condições objetivas da exploração, buscando
compreender como os explorados aceitam e defendem o sistema que os
oprime. O que une essas duas tendências é o modo de consideração dessa
discrepância, ou seja, a natureza desse "espaço" entre a exploração (rea-
lidade objetiva) e os explorados (classe trabalhadora). Existe, então, tanto
no freudo-marxismo quanto na teoria crítica duas suposições basilares:
há algo como uma irracionalidade da classe operária frente ao funciona-
mento objetivo das relações sociais bem como uma certa indistinção entre
inconsciente e ideologia.4
Assim como o freudo-marxismo e a teoria crítica, a concepção freu-
diana de inconsciente desempenha para Althusser um papel fundamental
tanto na defesa da psicanálises no terreno do marxismo (e, nesse sentido,
o artigo "Freud e Lacan" funciona quase como um manifesto) quanto na
elaboração da sua teoria da ideologia em geral.6 Em "Ideologia e Apa-
relhos Ideológicos de Estado" (daqui em diante, AlE),! o filósofo afirma,
após apresentar algumas teses fundamentais (a ideologia é onipresente,
transistórica e imutável em sua forma, ou seja, eterna), que se considera
autorizado "a propor uma teoria da ideologia em geral, no mesmo sentido
em que Freud apresentou uma teoria do inconsciente em geral" (Althusser
1971[1985b, p. 85])". Porém, diferentemente do freudo-marxismo e de
alguns autores da teoria crítica, Althusser não tenta encontrar uma plasti-

2. Este panorama é definido de forma bastante pormenorizada em Rouanet (1989).


3. Aqui me restrinjo às observações de Fromm, Adorno, Horkheimer e Marcuse. Nova-
mente, recomendo a leitura de Rouanet (1989), onde há uma minuciosa investiga-
ção da relação entre marxismo e psicanálise na teoria crítica.
4. Para ilustrar essa indistinção, trago a caracterização sintomática de Erich Fromm:
"[...] as ideologias são o produto de certos desejos, excitações pulsionais, interesses e
necessidades, em grande parte inconscientes, e que se manifestam ideologicamente
sob a forma de racionalizações" (Fromm, apud Rouanet 1989, p. 51)
5. A esse respeito há a excelente obra de Pascalle Gillot (2009) que pormenoriza a
relação de Althusser com a psicanálise.
6. Vale a pena precisar: não uma teoria das ideologias (formações ideológicas) especí-
ficas. Essa distinção é bastante explorada em Althusser (1971[1985b]).
7. Althusser, 1971[1985].

58
cidade ou uma forma de integrar inconsciente e ideologia (tal como Erich
Fromm,8 por exemplo, que busca compreender a ideologia a partir do
funcionamento das pulsões), mas apenas de supor que há entre essas duas
estruturas algo de análogo.
Essa consideração é extremamente importante para pontuar a po-
sição de Althusser no marxismo, pois efetua um corte tanto com a con-
cepção pré-marxista de Marx (duramente criticada no AlE), mas também
com a concepção de Gramsci (ideologia como "consciência social" ou
"concepção de mundd') e Lukács (ideologia como "alheamentd' ou "falsa
consciência").9 Deslocando essas duas posições, Althusser vai afirmar que

a ideologia é, antes de tudo, um sistema de representações: mas essas


representações nada têm a ver com a "consciência": elas são na maior
parte das vezes imagens, as vezes conceitos, mas é antes de tudo como
estruturas que elas se impõem à imensa maioria dos homens, sem
passar para a sua consciência. São objetos culturais percebidos-acei-
tas-suportados, e que agem funcionalmente sobre os homens por um
processo que lhes escapa. (Althusser 1%5[1%70, p. 206])

Essa caracterização da ideologia como um "processo que escapa"


abre espaço para o que viria a ser, alguns anos depois, a "teoria da inter-
pelação ideolÓgica", que institui a noção de ideologia como noção basilar
do empreendimento althusseriano e possibilita pensar o sujeito sempre-já
atravessado pela ideologia e pelo inconsciente. Esse encontro, para usar
um termo caro a Althusser, marca uma especificidade na articulação entre
psicanálise e marxismo e determina a constituição do sujeito em um jogo
de relações que excluem os temas da origem e da essência humana, logo,
da ideologia "como alheamento" ou conjunto de ideias inculcadas, cini-
camente, pela classe dominante. Pois se a ideologia "representa a relação
imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência" (ibi-
dem, p. 85) ela não representa as condições objetivas de existência, mas
as relações com essas condições. Ou seja,

8. Não trago aqui as posições de Erich Fromm em vão. No texto "A querela do huma-
nismo", A1thusser inicia um debate direto com a teoria crítica a partir de um convite
de Eric Fromm para que o filósofo francês escrevesse um texto para um livro a res-
peito do "humanismo socialista". A1thusser aceita o convite mas o seu texto não é
incluído na publicação por "destoar" dos demais textos.
9. A esse respeito, ver Sampedro (2010).

59
é representado na ideologia não o sistema das relações reais que go-
vernam a existência dos homens, mas a relação imaginária desses in-
divíduos com as relações reais sob as quais eles vivem. (ibidem, p. 88)

É isto, conceber as relações como relações imaginárias, que permi-


te à ideologia não ser um "véu", um "engano" ou um "mito", mas uma
relação específica entre o sujeito e as relações sociais (entre o sujeito e o
sentido) e que tem uma forte ligação com o que Althusser chamou de "au-
tonomia relativa da superestrutura" e "ação de retorno da superestrutura
sobre a base" (Althusser 1971[1985b, p. 61]). Essa concepção de ideo-
logia afasta a ideia de uma suposta irracionalidade (bastando a presença
da racionalidade, ou uma inversão, para que tudo se torne evidente) e é
extremamente solidária a uma teoria da leitura, tema da próxima sessão.

Uma teoria materialista da leitura

Após esse recorte da relação entre marxismo e psicanálise, posso


me deter no ponto fundamental deste texto: pensar de que modo Althusser
lança as bases de uma teoria materialista da leitura 10 que fundamenta a
semântica discursiva de Michel Pêcheux. Utilizo a palavra "fundamenta"
de propósito. Tanto para afastar outras como "herança" ou "influência"
quanto para compreender essa relação a partir de uma constitutividade
que se situa para além de um pano de fundo teórico, mas como uma
relação que produziu conceitos e práticas que estabelecem um vínculo
direto entre teoria (enquanto uma prática teórica) e política na análise de
discurso. Para além de um substrato, um arsenal11 de palavras que, sob a
forma de conceitos, desenham uma forma de compreender o simbólico a
partir da relação com a história e que dá ao significante uma importância
fundamental.

10. A esse respeito, vale a pena observar de que modo Pierre Macherey vai compreen-
der a produção literária a partir de uma posição materialista. Essa obra (Macherey
1966[1971]) é sintomática de um interesse acentuado na relação entre ideologia e o
simbólico nas elaborações teóricas do grupo que se organizava em tomo de A1thusser.
11. Palavra que utilizo para jogar com a concepção althusseriana da teoria como arma.

60
Althusser afirma que há em Marx a emergência de "uma teoria
da história capaz de nos fornecer uma nova teoria do ler" (Althusser
1965[1975, p. 16]) e é justamente a partir de uma caracterização bas-
tante particular do conceito de história que o filósofo francês vai pensar
a questão da leitura. Althusser considera que Marx abriu o "continente
história", saturado pelas filosofias da história e marcado pelas problemá-
ticas da origem e do fim (gênese e teleologia), para o que se chama de
conhecimento objetivo, ou seja, aquele que "cessa de interpretar os fe-
nômenos em termos de causas finais" (Turchetto 2010, p. 80) a partir de
uma leitura da Economia Política clássica que desloca certas palavras e,
assim, faz aparecer outras perguntas. Marx, como sabemos, possuia um
olhar agudo para as questões significantes.12 Ele censura Ricardo e Smith
por não chamarem a mais-valia por seu nome e critica a não consideração
da historicidade de certas palavras. Essa relação, porém, pode cair num
historicismo (ou seja, bastaria então contextualizar essas relações) que Al-
thusser trata de dissipar enfaticamente no seu esboço de um conceito de
tempo histórico. De modo análogo ao conceito de ideologia, é no conceito
de inconsciente que o filósofo se ampara para propor um deslocamento
frente à compreensão da história como um processo contínuo e linear
para pensá-Ia como "uma realidade que nada tem a ver com a sequência
visível de acontecimentos registrados pela crônica" (Althusser 1965[1980,
p. 43]). O autor afirma que:

Do mesmo modo que sabemos, desde Freud, que o tempo do incons-


ciente não se confunde com o tempo da biografia, que se impõe, pelo
contrário, construir o conceito de tempo do inconsciente para chegar
à compreensão, do mesmo modo é preciso elaborar os conceitos dos
diversos tempos históricos, que jamais são dados na evidência ideológi-
ca da continuidade do tempo (que bastaria recortar convenientemente
por uma boa periodização para transformá-lo em tempo da história),
mas que devem ser elaborados a partir da natureza diferencial e da
articulação diferencial de seu objeto na estrutura do todo. (A1thusser
. 1965[1980, p. 43))

12. A mudança, em 1847, do nome da organização operária "Liga dos Justos" para
"Liga dos Comunistas" , sugerida por Marx e Engels, é sintomática dessa relação com
o significante.

61
Traço característico do materialismo de Althusser, a recusa de qual-
quer empirismo faz o conceito de história tomar forma a partir de uma
concepção de "conjuntura" que determina o modo como as condições
de produção do dizer podem ser pensadas no quadro de uma teoria da
leitura. Recusando o historicismo, pensa as palavras e os conceitos a partir
de relações que vão determinar diretamente a forma do visível e do invi-
sível frente às suas condições históricas de produção. É essa consideração
que permite pensar a conjuntura enquanto uma realidade determinada
pelo que ele chama de "temporalidade diferencial", ou seja, que cada ní-
velou instância possui uma autonomia relativa, funciona sob uma ordem
"particular" , possui uma história "própria" e portanto pode ser pensada (e
analisada) autonomamente.
Entre o ver e o não ver é que o ler ganha força e precisa ser pensa-
do de uma maneira que não signifique um processo cuja força-motriz é a
descoberta de um conteúdo. É por causa de uma relação específica com
a conjuntura, e não por uma questão de conteúdo, que os economistas
clássicos não podiam ver certas relações que Marx viu, estando o (des)
conhecimento marcado por esse jogo de (in)visibilidades diante de certas
formações teóricas na sua relação com a história. E é aí que a teoria da
leitura tem, para Althusser, a função específica de mexer com as evidências
e dar visibilidade a outras questões. Afinal, se o discurso teórico é aquele
que "tem por efeito o conhecimento de um objeto" (Althusser 1967b, p.
52), ela precisa operar de uma maneira distinta da ideologia (visto que a
ideologia produz o reconhecimento), fazendo o óbvio deslizar no equívoco
por um modo específico de jogar com o sentido. E esse modo era, para o
autor, pensado a partir das relações significantes. Ele afirma:

Uma palavra em vez de outra: constituição no lugar de aplicação: pare-


ce uma ninharia. Contudo, é assim que a filosofia procede. Basta uma
nova palavra para desembaraçar o espaço duma pergunta, aquela que
não tinha sido posta. A nova palavra abala as antigas, e faz o vazio para
a nova pergunta. A nova questão põe em questão as antigas respos-
tas, e as velhas questões adormecidas debaixo delas. Ganha-se aí uma
nova visão das coisas. (Althusser 1967[1979, p. 34])

Ganhar uma "nova visão das coisas" não é, então, se ocupar do


"deciframento" de certas questões (ou ver melhor outros "conteúdos"),
mas deslocá-las, expondo as suas relações com a história e com outras

62
questões. Esse processo, bastante familiar para quem se ocupa da Análise
de Discurso, é o modo de abalar a linearidade do discurso ideológico, sa-
turado em suas próprias evidências, para propor uma forma de leitura cul-
pada que, recusando novamente o empirismo, se ampara na teoria para
derrubar o "mito religioso da leitura". Essa concepção tem consequências
que ultrapassam os limites do plano teórico e significam efetivamente a
relação entre prática teórica e prática política. A1thusserdiz:

Por que a filosofia se bate com palavras? As realidades da luta de classes


são "representadas" por "ideias" , que são "representadas" por palavras.
Nos raciocínios científicos e filosóficos, as palavras (conceitos, catego-
rias) são "instrumentos" do conhecimento. Mas na luta política, ideoló-
gica e filosófica, as palavras são também armas, explosivos, sedativos
ou venenos. Toda luta de classes pode às vezes se resumir na luta por
uma palavra, contra uma outra palavra. Certas palavras lutam entre si
como inimigas. Outras palavras são o lugar de um equívoco: o lance de
uma batalha decisiva, embora indecisa. Exemplo: os comunistas lutam
pela supressão das classes e por uma sociedade comunista, onde, um
dia, todos os homens serão livres e irmãos. No entanto, toda a tradição
marxista clássica se recusou a dizer que o marxismo é um humanismo.
Por que? Porque praticamente, logo nos fatos, a palavra humanismo é
explorada pela ideologia burguesa que utiliza-a para combater, quer
dizer, para matar uma outra palavra verdadeira e vital para o proleta-
riado: luta de classes. (...] Esse combate filosófico sobre palavras é uma
parte do combate político. A filosofia marxista-Ieninista só pode realizar
seu trabalho teórico, abstrato, rigoroso, sistemático sob a condição de
lutar com palavras muito "sábias" (conceitos, teoria, dialética, aliena-
ção, etc.) e com palavras muito simples (homem, massas, povo, luta de
classe). (A1thusser 1968[1980, pp. 163-164])

Essa citação é sintomática da importância que certas relações ou


demandas políticas estabelecem com a produção de conhecimento. Em
suma, o que A1thusser nos diz é que certas palavras "da política" repre-
sentam, na teoria, modos de compreender e configurar problemáticas. E,
inversamente, certas problemáticas demandam um deslocamento, na te-
oria, de certas palavras. O jogo que envolve o significante não é um jogo
desinteressado, mas faz parte da luta para colocar certos sentidos em ou-
tros lugares. Neste caso, colocar "na teoria" sentidos "da política".

63
Conclusão

Essa discussão, que, por enquanto, se configura como o esboço


de aproximação de dois autores a partir de uma problemática comum (a
questão da leitura), coloca mais questões do que busca soluções. Penso
que esse recorte me permite pensar a prática analítica como uma prática
que joga tanto na teoria quanto na política. Permite, sobretudo, colocar à
Analise de Discurso uma questão tanto teórica quanto política: qual é o
seu lugar na conjuntura?
Por enquanto, gostaria de mencionar duas hipóteses: 1) a existência
de uma teoria materialista da leitura que se fundamenta em uma arti-
culação específica de Marx e Freud a partir, justamente, de uma leitura
específica dos conceitos de ideologia e inconsciente e 2) o modo como
essa relação adquire contornos específicos quando pensada em uma te-
oria do discurso, em que há a consideração não mais em generalidades
como palavras e conceitos, mas na língua, assumindo as consequências
da sua especificidade. Gostaria de aprofundar o segundo ponto, em um
outro momento, fazendo um liame entre as reconfigurações que Althusser
e Pêcheux desenvolveram nos seus percursos, quase que paralelamente.
Acho que a questão do desconhecimento, como ponto que articula
inconsciente e ideologia, permite a construção de uma teoria da leitura
que rompe com o conteudismo, colocando em pauta a questão da visibili-
dade e invisibilidade de certas questões em um plano teórico que reclama
a história. É esse o gesto que aproxima Pêcheux (e o que se chama aná-
lise de discurso materialista) da produção teórica e política de Althusser
(ou uma certa leitura do marxismo-leninismo). Não trago, porém, esse
recorte para ilustrar ou induzir que Althusser lança as bases da Análise
de Discurso, e assim entrar na briga pela sua paternidade. Foi Pêcheux,
inegavelmente, que deu ao simbólico todo o peso e preponderância que
essa instância ganhou na sua teoria do discurso ao descobrir de que modo
essas relações significantes funcionam no simbólico a partir de uma re-
flexão sobre a materialidade da língua e não no que se poderia chamar
de domínio do ideológico ou do imaginário, pura e simplesmente 13. Mas

13. Isso não significa que Althusser não viu (para usar uma formula bastante marcante
do Ler O Capital) o modo como o simbólico articula as relações entre a ideologia e
o sujeito (ele chega a mencionar em diversas ocasiões a relação entre inconsciente e
lei simbólica, jogos de palavras, metáfora/metonímia ...).

64
tomar a questão da leitura como recorte, me leva a supor que desenvolver
uma teoria materialista do discurso foi, para Pêcheux, partir de posições
que se formam na articulação específica da psicanálise com o marxismo e
da política com a teoria.
Ou seja, pensar a questão da leitura em Althusser é assumir uma
posição que não é só teórica e implica as consequências de assumir não
só um método, mas o investimento político da teoria no jogo das relações
de força que o conhecimento desempenha no social. Conceber a prática
teórica enquanto luta, significa inscrever a sua função crítica (não moral)
frente ao que se chama de domínio ideológico. E é essa função tanto da
prática filosófica de Louis Althusser quanto da prática analítica de Michel
Pêcheux: produzir conhecimento na teoria para intervir na luta política.
Pensar a questão da leitura em Althusser é, enfim, assumir uma prática,
demarcando uma posição. Afinal, como ele mesmo diz, "luta de classes
e filosofia marxista-Ieninista são unidas como carne e unha" (A1thusser
1980b, p. 165). E marcar essa posição serve (como nos disse o próprio
A1thusser retomando Marx) para que não deixemos jamais o trabalho do
alfaiate desaparecer na roupa.

Bibliografia

ALTHUSSER, Louis (1965[1975]). Ler O Capital, vol. I. Rio de Janeiro:


Zahar.
___ o(1965[1967a]). Anólise crítica da teoria marxista. Rio de Janei-
ro: Edições Graal.
___ o (1967b). Sobre o trabalho teórico. Lisboa: Editorial Presença.
___ o(1976). "Unfinished history", in: LECOURT, Dominique (org.)
Proletarian Science: the case Lysenko. Londres: NLB, pp. 7-16.
___ (1967[1979]). Filosofia e filosofia espontânea dos cientistas. Lis-
o

boa: Editorial Presença.


___ o (1965[1980a)). Ler O Capital, vol. li. Rio de Janeiro: Zahar.
___ (1968[1980b]). "A filosofia como arma de revoluçãd', in: AL-
o

THUSSER, Louis Posições lI. Rio de Janeiro: Edições Graal, pp.


152-165.

65
___ o(1964[1985a]). "Freud e Lacan", in: ALTHUSSER, Louis Freud
e Lacan, Marx e Freud. Rio de Janeiro: Edições Graal, pp. 47-63.
___ o(1971[1985b]). Ideologia e aparelhos ideológicos de estado.
Rio de Janeiro: Edições Graal.
GILLOT, Pascale (2009). Althusser et la psychanalyse. Paris: PUE
MACHEREY,Pierre (1966[1971]). Para uma teoria da produção literária.
Lisboa: Editorial Estampa.
ROUANET,Sérgio Paulo (1989). Teoria crítica e psicanálise. Rio de Janei-
ro: Tempo Brasileiro.
SAMPEDRO, Francisco (2010). ''A teoria da ideologia de Althusser", in:
NAVES, Márcio (org.) Presença de Althusser. Campinas: Unicamp/
IFCH, pp. 31-52.

66

Вам также может понравиться