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ANÁLISE DO DISCURSO:
DOS FUNDAMENTOS AOS
DESDOBRAMENTOS
30 ANOS DE MICHEL PÊCHEUX
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (C1P)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Análise do discurso : dos fundamentos aos desdobramentos (30 anos de
Michel Pêcheux) I Freda Indursky, Maria Cristina Leandro Ferreira, Solange
Miumann, (organizadoras). - Campinas, SP : Mercado de Letras, 2015.
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 976-85·7591·364-0
15~6866 CDo..401.41
Indices para catálogo sistemático:
1. Análise do discurso: Ciências da linguagem 401.41
1ª edição
outubro/20 15
IMPRESSÃO DIGITAL
IMPRESSO NO BRASIL
Apresentação
Os Percursos Teórico-Analíticos do VI SEAD 11
Primeira Parte:
Um Efeito-Início
Segunda Parte:
Entrelaçamentos entre análise
do discurso, marxismo e psicanálise
Terceira Parte:
Funcionamentos midiáticos e publicitários
Quarta Parte:
Reflexões em torno de práticas pedagógicas
Quinta Parte:
A dinâmica dos corpos: do social ao discursivo
Sexta Parte:
Criação e produção no processo artístico
Sétima Parte:
Em torno de materialidades digitais
Introdução
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de uma relação muito particular, ou melhor, de relações muito particulares.
Relação entre formações teóricas, entre problemáticas, entre inconsciente
e ideologia, entre teoria e política. Relação entre uma história que chegou
ao fim, que precisa chegar ao fim - várias vezes - mas que continua pro-
duzindo efeitos quase silenciosos.
Como o título sugere, falo de Louis Althusser e Michel Pêcheux
que, neste momento e neste recorte, está presente por uma ausência ne-
cessária. Talvez não fosse preciso, mas quando trago esses nomes, não
falo (apenas) de duas pessoas. Falo de duas formações teóricas, de duas
regiões de conhecimento que, a partir de problemáticas específicas, pro-
duziram conhecimento sobre a linguagem, o sujeito e a história. E, sobre-
tudo, propuseram uma nova teoria da leitura e do processo histórico de
formação de sentidos, em um processo contínuo de autocrítica, passando
por reelaborações extremamente significativas.
A referência do título deste texto remete ao parágrafo final do
"Freud e Lacan", texto que me serve de ponto de partida para a presente
discussão, que tem como fio condutor a relação entre Althusser e Pêcheux
frente a uma teoria materialista da leitura. Lá, Althusser afirma:
Desse modo, ter-se-á notado, está aberta para nós, sem dúvida, uma
das vias pelas quais chegaremos talvez um dia a uma melhor compre-
ensão dessa estrutura do desconhecimento, que interessa, em primeiro
lugar, a qualquer pesquisa sobre a ideologia. (Althusser 1964[19850,
p.71])
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às categorias de razão e consciência. Em suma, frente a uma concepção
idealista de ideologia.
Partindo dessas premissas, o que aproxima então a psicanálise do
marxismo é o fato de ambos se debruçarem sobre instâncias que, cada
qual ao seu modo, são estruturas. É essa consideração que permite des-
locar as discussões fenomenológicas (Politzer e o desprezo pela metapsi-
cologia, do lado da psicanálise, ou a ideologia como "senso-comum", do
lado do marxismo) ou ontológicas (Laplanche, a respeito da realidade ou
realismo do inconsciente, do lado da psicanálise, ou da ideologia como "a
ideologia do/de cada indivíduo", do lado do marxismo) a respeito do par
ideologia e inconsciente. É isso que permite a Althusser afirmar que
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Gostaria, brevemente, de mencionar as consequências desses dife-
rentes modos de articulação a partir de duas posições de "defesa" da perti-
nência da psicanálise no terreno do marxismo:2 a) o freudo-marxismo dos
anos 20 e 30, que surge, sob a forma do positivismo biologista, enquanto
tentativa de compreender as "raízes psíquicas" e a eficácia da dominação
capitalista e b) a teoria crítica,3que se debruça diante da discrepância entre
a "consciência política" e as condições objetivas da exploração, buscando
compreender como os explorados aceitam e defendem o sistema que os
oprime. O que une essas duas tendências é o modo de consideração dessa
discrepância, ou seja, a natureza desse "espaço" entre a exploração (rea-
lidade objetiva) e os explorados (classe trabalhadora). Existe, então, tanto
no freudo-marxismo quanto na teoria crítica duas suposições basilares:
há algo como uma irracionalidade da classe operária frente ao funciona-
mento objetivo das relações sociais bem como uma certa indistinção entre
inconsciente e ideologia.4
Assim como o freudo-marxismo e a teoria crítica, a concepção freu-
diana de inconsciente desempenha para Althusser um papel fundamental
tanto na defesa da psicanálises no terreno do marxismo (e, nesse sentido,
o artigo "Freud e Lacan" funciona quase como um manifesto) quanto na
elaboração da sua teoria da ideologia em geral.6 Em "Ideologia e Apa-
relhos Ideológicos de Estado" (daqui em diante, AlE),! o filósofo afirma,
após apresentar algumas teses fundamentais (a ideologia é onipresente,
transistórica e imutável em sua forma, ou seja, eterna), que se considera
autorizado "a propor uma teoria da ideologia em geral, no mesmo sentido
em que Freud apresentou uma teoria do inconsciente em geral" (Althusser
1971[1985b, p. 85])". Porém, diferentemente do freudo-marxismo e de
alguns autores da teoria crítica, Althusser não tenta encontrar uma plasti-
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cidade ou uma forma de integrar inconsciente e ideologia (tal como Erich
Fromm,8 por exemplo, que busca compreender a ideologia a partir do
funcionamento das pulsões), mas apenas de supor que há entre essas duas
estruturas algo de análogo.
Essa consideração é extremamente importante para pontuar a po-
sição de Althusser no marxismo, pois efetua um corte tanto com a con-
cepção pré-marxista de Marx (duramente criticada no AlE), mas também
com a concepção de Gramsci (ideologia como "consciência social" ou
"concepção de mundd') e Lukács (ideologia como "alheamentd' ou "falsa
consciência").9 Deslocando essas duas posições, Althusser vai afirmar que
8. Não trago aqui as posições de Erich Fromm em vão. No texto "A querela do huma-
nismo", A1thusser inicia um debate direto com a teoria crítica a partir de um convite
de Eric Fromm para que o filósofo francês escrevesse um texto para um livro a res-
peito do "humanismo socialista". A1thusser aceita o convite mas o seu texto não é
incluído na publicação por "destoar" dos demais textos.
9. A esse respeito, ver Sampedro (2010).
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é representado na ideologia não o sistema das relações reais que go-
vernam a existência dos homens, mas a relação imaginária desses in-
divíduos com as relações reais sob as quais eles vivem. (ibidem, p. 88)
10. A esse respeito, vale a pena observar de que modo Pierre Macherey vai compreen-
der a produção literária a partir de uma posição materialista. Essa obra (Macherey
1966[1971]) é sintomática de um interesse acentuado na relação entre ideologia e o
simbólico nas elaborações teóricas do grupo que se organizava em tomo de A1thusser.
11. Palavra que utilizo para jogar com a concepção althusseriana da teoria como arma.
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Althusser afirma que há em Marx a emergência de "uma teoria
da história capaz de nos fornecer uma nova teoria do ler" (Althusser
1965[1975, p. 16]) e é justamente a partir de uma caracterização bas-
tante particular do conceito de história que o filósofo francês vai pensar
a questão da leitura. Althusser considera que Marx abriu o "continente
história", saturado pelas filosofias da história e marcado pelas problemá-
ticas da origem e do fim (gênese e teleologia), para o que se chama de
conhecimento objetivo, ou seja, aquele que "cessa de interpretar os fe-
nômenos em termos de causas finais" (Turchetto 2010, p. 80) a partir de
uma leitura da Economia Política clássica que desloca certas palavras e,
assim, faz aparecer outras perguntas. Marx, como sabemos, possuia um
olhar agudo para as questões significantes.12 Ele censura Ricardo e Smith
por não chamarem a mais-valia por seu nome e critica a não consideração
da historicidade de certas palavras. Essa relação, porém, pode cair num
historicismo (ou seja, bastaria então contextualizar essas relações) que Al-
thusser trata de dissipar enfaticamente no seu esboço de um conceito de
tempo histórico. De modo análogo ao conceito de ideologia, é no conceito
de inconsciente que o filósofo se ampara para propor um deslocamento
frente à compreensão da história como um processo contínuo e linear
para pensá-Ia como "uma realidade que nada tem a ver com a sequência
visível de acontecimentos registrados pela crônica" (Althusser 1965[1980,
p. 43]). O autor afirma que:
12. A mudança, em 1847, do nome da organização operária "Liga dos Justos" para
"Liga dos Comunistas" , sugerida por Marx e Engels, é sintomática dessa relação com
o significante.
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Traço característico do materialismo de Althusser, a recusa de qual-
quer empirismo faz o conceito de história tomar forma a partir de uma
concepção de "conjuntura" que determina o modo como as condições
de produção do dizer podem ser pensadas no quadro de uma teoria da
leitura. Recusando o historicismo, pensa as palavras e os conceitos a partir
de relações que vão determinar diretamente a forma do visível e do invi-
sível frente às suas condições históricas de produção. É essa consideração
que permite pensar a conjuntura enquanto uma realidade determinada
pelo que ele chama de "temporalidade diferencial", ou seja, que cada ní-
velou instância possui uma autonomia relativa, funciona sob uma ordem
"particular" , possui uma história "própria" e portanto pode ser pensada (e
analisada) autonomamente.
Entre o ver e o não ver é que o ler ganha força e precisa ser pensa-
do de uma maneira que não signifique um processo cuja força-motriz é a
descoberta de um conteúdo. É por causa de uma relação específica com
a conjuntura, e não por uma questão de conteúdo, que os economistas
clássicos não podiam ver certas relações que Marx viu, estando o (des)
conhecimento marcado por esse jogo de (in)visibilidades diante de certas
formações teóricas na sua relação com a história. E é aí que a teoria da
leitura tem, para Althusser, a função específica de mexer com as evidências
e dar visibilidade a outras questões. Afinal, se o discurso teórico é aquele
que "tem por efeito o conhecimento de um objeto" (Althusser 1967b, p.
52), ela precisa operar de uma maneira distinta da ideologia (visto que a
ideologia produz o reconhecimento), fazendo o óbvio deslizar no equívoco
por um modo específico de jogar com o sentido. E esse modo era, para o
autor, pensado a partir das relações significantes. Ele afirma:
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questões. Esse processo, bastante familiar para quem se ocupa da Análise
de Discurso, é o modo de abalar a linearidade do discurso ideológico, sa-
turado em suas próprias evidências, para propor uma forma de leitura cul-
pada que, recusando novamente o empirismo, se ampara na teoria para
derrubar o "mito religioso da leitura". Essa concepção tem consequências
que ultrapassam os limites do plano teórico e significam efetivamente a
relação entre prática teórica e prática política. A1thusserdiz:
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Conclusão
13. Isso não significa que Althusser não viu (para usar uma formula bastante marcante
do Ler O Capital) o modo como o simbólico articula as relações entre a ideologia e
o sujeito (ele chega a mencionar em diversas ocasiões a relação entre inconsciente e
lei simbólica, jogos de palavras, metáfora/metonímia ...).
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tomar a questão da leitura como recorte, me leva a supor que desenvolver
uma teoria materialista do discurso foi, para Pêcheux, partir de posições
que se formam na articulação específica da psicanálise com o marxismo e
da política com a teoria.
Ou seja, pensar a questão da leitura em Althusser é assumir uma
posição que não é só teórica e implica as consequências de assumir não
só um método, mas o investimento político da teoria no jogo das relações
de força que o conhecimento desempenha no social. Conceber a prática
teórica enquanto luta, significa inscrever a sua função crítica (não moral)
frente ao que se chama de domínio ideológico. E é essa função tanto da
prática filosófica de Louis Althusser quanto da prática analítica de Michel
Pêcheux: produzir conhecimento na teoria para intervir na luta política.
Pensar a questão da leitura em Althusser é, enfim, assumir uma prática,
demarcando uma posição. Afinal, como ele mesmo diz, "luta de classes
e filosofia marxista-Ieninista são unidas como carne e unha" (A1thusser
1980b, p. 165). E marcar essa posição serve (como nos disse o próprio
A1thusser retomando Marx) para que não deixemos jamais o trabalho do
alfaiate desaparecer na roupa.
Bibliografia
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___ o(1964[1985a]). "Freud e Lacan", in: ALTHUSSER, Louis Freud
e Lacan, Marx e Freud. Rio de Janeiro: Edições Graal, pp. 47-63.
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Rio de Janeiro: Edições Graal.
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MACHEREY,Pierre (1966[1971]). Para uma teoria da produção literária.
Lisboa: Editorial Estampa.
ROUANET,Sérgio Paulo (1989). Teoria crítica e psicanálise. Rio de Janei-
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SAMPEDRO, Francisco (2010). ''A teoria da ideologia de Althusser", in:
NAVES, Márcio (org.) Presença de Althusser. Campinas: Unicamp/
IFCH, pp. 31-52.
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