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Vol. 1
EDITORA AFILIADA
ISBN 85.203.1691-3
1. Consumidores - Leis e legislação - Brasil. 2. Consumidores - Proteção -
Brasil. 3. Contratos. 4. Contratos - Brasil. I. Titulo.
II. Série.
98-4620 CDU-347.44:381.6 (81)
Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Contratos e consumidores -
Direito
347.44:381.6(81) (p. 2)
(p. 6, em branco)
APRESENTAÇÃO
SUMÁRIO
Abreviaturas 21
Introdução à terceira edição 23
Introdução à segunda edição 27
Introdução à primeira edição 31
PARTE I - A RENOVAÇÃO DA TEORIA CONTRATUAL
1. A NOVA TEORIA CONTRATUAL 35
1. A concepção tradicional do contrato 37
1.1 Características principais 38
1.2 Origens da concepção tradicional de contrato 40
a) O direito canônico 40
b) A teoria do direito natural 41
c) Teorias de ordem política e a revolução francesa 42
d) Teorias econômicas e o Liberalismo 43
1.3 Reflexos da teoria contratual e do dogma da autonomia da
vontade 44
a) A liberdade contratual 45
b) A força obrigatória dos contratos 47
c) Os vícios do consentimento 47
2. A nova realidade contratual 49
2.1 Noções preliminares: Os contratos de massa 49
2.2 Os contratos de adesão 53
a) Descrição do fenômeno 53
b) A formação do vínculo 56
c) A disciplina dos contratos de adesão 58 (p. 15)
2.3 As condições gerais dos contratos (cláusulas contratuais ge-
rais) 59
a) Descrição do fenômeno 59
b) A inclusão de condições gerais nos contratos 62
c) A disciplina das condições gerais dos contratos 66
2.4 Os contratos cativos de longa duração 68
a) Descrição do fenômeno 68
b) A estrutura dos contratos cativos de longa duração 74
c) Disciplina 77
2.5 As cláusulas abusivas nos contratos de massa 80
3. Crise na teoria contratual clássica 84
3.1 Crise da massificação das relações contratuais 84
3.2 Crise da pós-modernidade 89
4. A nova concepção de contrato e o Código de Defesa do Consu-
midor 101
4.1 A nova concepção social do contrato 101
a) Socialização da teoria contratual 102
b) Imposição do princípio da boa-fé objetiva 105
c) Intervencionismo dos Estados 116
4.2 O Código de Defesa do Consumidor como conseqüência da nova
teoria contratual 117
a) Limitação da liberdade contratual 118
b) Relativização da força obrigatória dos contratos 122
c) Proteção da confiança e dos interesses legítimos 126
d) Nova noção de equilíbrio mínimo das relações contra-
tuais 133
2. CONTRATOS SUBMETIDOS ÀS REGRAS DO CÓDIGO DE DE-
FESA DO CONSUMIDOR 139
1. Contratos entre consumidor e fornecedor de bens ou serviços 140
1.1 Conceitos de consumidor e de fornecedor 140
a) O consumidor stricto sensu 140
b) Agentes equiparados a consumidores 153
c) O fornecedor 162 (p. 16)
1.2 Contratos de fornecimento de produtos e serviços 163
a) Contratos imobiliários 166
b) Contratos de transporte, de turismo e viagem 174
c) Contratos de hospedagem, de depósito e estacionamento 182
d) Contratos de seguro e de previdência privada 187
e) Contratos bancários e de financiamento 197
f) Contratos de administração de consórcios e afins 206
g) Contratos de fornecimento de serviços públicos 209
h) Compra e venda e suas cláusulas 215
i) Compra e venda com alienação fiduciária 216
2. Contratos de consumo e conflitos de leis no tempo 218
2.1 Aplicação do Código de Defesa do Consumidor e conflitos de
leis 219
a) Características do Código de Defesa do Consumidor e refle-
xos na sua aplicação 220
b) O papel da Constituição Federal na interpretação e aplicação
do Código de Defesa do Consumidor 225
c) Os critérios de solução de conflitos de leis e suas dificul-
dades 229
d) Conflitos entre normas do Código Civil, de leis especiais e de
leis anteriores com o Código de Defesa do Consumidor 242
e) Conflitos entre normas do Código de Defesa do Consumidor
e de leis especiais e gerais posteriores 246
2.2 Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos
anteriores 254
a) As garantias constitucionais do direito adquirido e do ato
jurídico perfeito 257
b) A garantia constitucional da defesa do consumidor 271
c) A aplicação imediata das normas de ordem pública 272
CONCLUSÃO DA PARTE I 279
PARTE II - REFLEXOS CONTRATUAIS DO CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR
3. A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR QUANDO DA FORMAÇÃO
DO CONTRATO 283
1. Princípio básico de transparência 286
1.1 Nova noção de oferta (art. 30) 288
a) Vinculação própria através da atuação negocial 294 (p. 17)
b) Publicidade como oferta 304
c) Informações e pré-contratos 318
d) Cláusulas contratuais gerais 321
e) Sanção 323
1.2 Dever de informar sobre o produto ou serviço (art. 31) 324
a) Amplitude do dever de informar do art. 31 325
b) A publicidade como meio de informação 327
c) Sanção. As regras sobre o vício do produto 333
1.3 Dever de oportunizar a informação sobre o conteúdo do contrato
(art. 46) 335
a) Amplitude do dever de informar do art. 46, 1.º 336
b) Sanção 337
1.4 Dever de redação clara dos contratos 339
a) Redação clara e precisa (art. 46) 339
b) Cuidados na utilização de contratos de adesão 340
c) Sanção 341
2. Princípio básico de boa-fé 342
2.1 Publicidade abusiva e enganosa 343
a) Conceito de publicidade 344
b) Publicidade como ilícito civil - A publicidade enganosa 347
c) Publicidade como ilícito civil - A publicidade abusiva 349
2.2 Práticas comerciais abusivas 352
a) Práticas comerciais expressamente vedadas 353
b) Obrigação de fornecer orçamento prévio discriminado 360
c) Respeito às normas técnicas e ao tabelamento de preços 361
2.3 Direito de arrependimento do consumidor (art. 49) 362
a) A venda de porta-em-porta (door-to-door) 363
b) Regime legal da venda de porta-em-porta 365
c) Vendas emocionais de time-sharing e vendas a distancia 374
4. PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR QUANDO DA EXECUÇÃO DO
CONTRATO 389
1. Princípio básico da eqüidade (equilíbrio) contratual 390
1.1 Interpretação pró-consumidor. Visão geral 391
1.2 Proibição de cláusulas abusivas 401
a) Características gerais das cláusulas abusivas 402 (p. 18)
b) Da nulidade absoluta das cláusulas abusivas 409
b.1 Lista única de cláusulas abusivas 410
b.2 Autorização excepcional de modificação de cláusulas 412
c) As cláusulas consideradas abusivas 415
c.1 A lista do art. 51 416
c.2 A norma geral do inciso IV do art. 51 421
c.3 As cláusulas identificadas pela jurisprudência 424
1.3 Controle judicial dos contratos de consumo 548
a) Controle formal e controle do conteúdo dos contratos 549
b) Controle concreto e em abstrato 550
c) Papel do Ministério Público e das entidades de proteção ao
consumidor 552
1.4 Novas linhas jurisprudenciais de controle do sinalagma contratual
e de recurso à ineficácia de cláusulas 553
a) A tendência de ineficácia de cláusulas não informadas ou
destacadas corretamente 554
b) A tendência de revitalização do sinalagma no tempo e corre-
ção monetária 557
c) A tendência de controle da novação contratual e do equilí-
brio 562
2. Princípio da confiança 573
2.1 Novo regime para os vícios do produto 576
a) Vícios de qualidade - vícios por inadequação 582
b) Vícios de qualidade por falha na informação 590
c) Vícios de quantidade 591
2.2 Novo regime para os vícios do serviço 592
a) Vícios de qualidade dos serviços 593
b) Vícios nos serviços de reparação 598
c) Vícios de informação 599
2.3 Garantia legal de adequação do produto e do serviço 600
a) Noções gerais 600
b) Garantia legal e novo prazo decadencial 604
c) Relação da garantia contratual com a garantia legal 609
2.4 Garantia legal de segurança do produto ou do serviço (Respon-
sabilidade extracontratual do fornecedor) 615
a) Deveres do fornecedor de produtos perigosos 618
b) Limites da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço
- (A responsabilidade do comerciante) 620
c) Direito de regresso 630 (p. 19)
2.5 Inexecução contratual pelo consumidor e cobrança de dívidas 632
2.6 Inexecução contratual pelo fornecedor e desconsideração da
personalidade da pessoa jurídica 636
a) Noções gerais 636
b) A desconsideração da personalidade da pessoa jurídica 637
CONCLUSÃO DA PARTE II E OBSERVAÇÕES FINAIS 641
BIBLIOGRAFIA 647 (p. 20)
ABREVIATURAS
1. Plano da obra
2. Introdução ao tema
CONCLUSÃO DA PARTE 1
Na nova concepção social do direito dos contratos, a sua função
principal é procurar o reequilíbrio da relação contratual, a chamada
justiça ou eqüidade contratual, a qual só poderá ser atingida com uma
mudança na ação do direito, evoluindo de uma posição passiva e
supletiva para uma ação cogente e determinadora de condutas também
na área contratual.
Ao direito coube, portanto, a tarefa de procurar o reequilíbrio da
relação contratual, a chamada justiça ou eqüidade do contrato
(Vertragsgerechtigkeit),{1} criando uma concepção mais social do direito
do contrato, voltado menos para a vontade do indivíduo e mais para
os reflexos e expectativas que estes contratos de consumo criam na
sociedade atual.
A posição desigual dos parceiros contratuais na sociedade de hoje,
o incremento dos métodos de contratação em massa multiplicou a
presença de cláusulas abusivas nos contratos de consumo, que afastam
os eventuais direitos e expectativas legítimos dos consumidores em
relação ao vínculo contratual, e demonstrou que os métodos tradicio-
nais de controle formal oferecidos pelo direito não conduziam mais a
resultados satisfatórios, pois a teórica liberdade de um, era a prisão do
Outro.
Fazia-se mister evoluir, conjugar o chamado direito-obstáculo
com os anseios de uma maior eqüidade contratual, criando um sistema
de disciplina que assegurasse o reequilíbrio das relações contratuais,
resolvendo os problemas existentes, negando eficácia às cláusulas
abusivas, instituindo deveres cogentes, como o de informação e de
redação clara dos contratos pré-elaborados, e criando novas garantias
* (1) A expressão é de Ludwig Raizer, que já na década de 30(1935)
visualizava
a nova função do direito dos contratos como garante da justiça contratual,
assim Zweigert/Koetz, ob. cit., p. 8. (p. 279)
legais para proteger algumas expectativas básicas dos consumidores,
como a de adequação do produto adquirido e a de proteção da saúde
e da incolumidade física do consumidor e dos seus familiares expostos
à ação do produto comercializado.
Se o regime dos contratos entre fornecedores e consumidores
mereceu a atenção da doutrina, mereceu também a atenção dos
legisladores de vários países,{2} cada um editando leis específicas, as
quais procuravam dar melhor solução para o problema, limitando o
espaço para a autonomia de vontade, ditando ou não o conteúdo
mínimo dos contratos, controlando de maneira prévia ou não os
contratos do mercado. Esta procura do regime legal ideal para evitar
a frustração da confiança e da boa-fé do consumidor nos contratos de
consumo representa uma evolução muito rica no direito comparado,
que agora repercute no direito brasileiro, tendo em vista a entrada em
vigor do CDC.
No Brasil, a intervenção estatal nas relações de consumo deu-se
justamente através da imposição pelo novo Código de Defesa do
Consumidor, de normas imperativas. Estas normas cogentes (art. 1.º do
CDC), em matéria contratual, limitam o espaço antes reservado para
a autonomia da vontade, impondo deveres aos elaboradores dos
contratos, criando novos direitos para os consumidores e tutelando
determinadas expectativas dos contratantes, oriundas da sua confiança
no vínculo contratual.
Note-se que o contrato, negócio jurídico por excelência, continua
a ser um ato de auto-regulamentação dos interesses das partes,{3} e,
portanto, um ato de autonomia privada, mas, este ato só pode ser
realizado nas condições agora permitidas pela lei.
O Código de Defesa do Consumidor é um reflexo de uma nova
concepção mais social do contrato, onde a vontade das partes não é a
única fonte das obrigações contratuais, onde a posição dominante passa
* (2) Leis específicas de proteção do consumidor foram criadas na Suécia
(1971), Dinamarca, Venezuela (1974), Alemanha, México (1976), Inglaterra
(1977), França (1978), Áustria (1979), Irlanda (1980), Colômbia, Noruega
(1981), Luxemburgo (1983), Espanha (1984), Portugal (1985), veja
detalhes
em Bourgoignie, Élements, p. 21.
(3) Assim Gomes, Contratos, p. 42, referindo-se às doutrinas italianas
moder-
nas sobre negócio jurídico. (p. 380)
a ser a da lei, que dota ou não de eficácia jurídica aquele contrato de
consumo.
O princípio clássico da autonomia da vontade vai ser relativizado
por preocupações de ordem social. Tentando harmonizar os interesses
envolvidos em uma relação de consumo, as novas normas de tutela
valorizam tanto a vontade, como a boa-fé, a segurança e o equilíbrio
das relações contratuais. O Direito passa a ser o orientador do conteúdo
dos contratos, o realizador da eqüitativa distribuição de obrigações e
direitos nas relações contratuais{4} e não só o garante da livre manifes-
tação da vontade.
Em princípio, estão submetidos às regras do Código os contratos
firmados entre o fornecedor e o consumidor não-profissional, compor-
tando a regra, exceções previstas nas próprias normas do CDC e em
seus princípios gerais, como a da vulnerabilidade. Em face da expe-
riência no direito comparado, a escolha do legislador brasileiro do
critério da destinação final, permitindo exceções com base em uma
interpretação teleológica, parece ser uma escolha sensata.
Nestes primeiros anos de vigência do CDC ficou demonstrada
uma certa tendência de expansão do campo de aplicação - já amplo
- da lei protetiva, assim como algumas manifestações pela autonomia
dogmática do direito do consumidor. Parece-me que o primeiro
fenômeno expansionista nasce da necessidade dos práticos de
adaptar os instrumentos existentes no direito civil tradicional às
exigências de nossa complexa sociedade atual, massificada e para
alguns, já apresentando fenômenos pós-modernos. Se, efetivamente,
o CDC tem um enorme potencial rejuvenescedor do direito civil,
não nos parece conveniente a sua autonomia em relação a outros
ramos do direito, nem a sua aplicação prática a todos os casos no
mercado, pois a força e efetividade demonstrada pelo novo Código
reside justamente na correção ética de proteger os mais vulneráveis
do mercado e, dogmaticamente, em seu papel oxigenador de
ordenamento jurídico individualista em excesso. O mandamento de
boa-fé objetiva positivado no CDC, os novos princípios
reequilibradores das relações jurídicas, suas cláusulas gerais, estes
Sim podem repercutir - como já ocorre - no ordenamento jurídico
brasileiro como um todo.
(4) Assim conclui tb. Koendgen, p. 132. (p. 381)
Conclui-se, portanto, que o Código de Defesa do Consumidor, Lei
n. 8.078/90, em vigor no Brasil desde 11.3.91, representa uma consi-
derável modificação no ordenamento jurídico brasileiro, modificação
esta que terá profundos reflexos nas relações entre os profissionais,
fornecedores de bens e serviços, e o seu público consumidor.
Dedicaremos os capítulos 3 e 4 desta obra ao estudo destes
reflexos, que denominaremos aqui de novo regime legal do contrato de
consumo. (p. 282)
3. Cláusulas-Mandato
Igualmente interessante é analisar a abusividade ou não das
chamadas cláusulas-mandato, as quais através de estipulação elaborada
e imposta por uma das partes colocam o credor do débito na posição
legal de mandatário do devedor, com plenos e irrevogáveis poderes para
fechar terceiros negócios (geralmente sacar títulos abstratos) ou para
modificar unilateralmente as bases do negócio em curso (por exemplo,
impor e assinar sozinho a re-ratificação da mesma promessa, combi-
* (294) Nesse sentido, a argumentação da decisão do JEPC/RS que passamos
a
reproduzir: "Consórcio - Exceção de competência de foro - Irrelevante a
eleição de foro nos contratos para ajuizamento de ação. Não prevalece o
local de eleição em contratos de consórcios, pois visam as cláusulas criar
dificuldades ao consorciado aderente, no exercício de seus direitos. Trata-
se de contratos de adesão em que o consorciado dispõe de condições de
alterar cláusulas preestabelecidas. A competência do foro deve ser fixada
no juízo do local da contratação, onde a administradora deve ter agência
ou sucursal (art. 100, IV, b, do CPC e item 7 da Port. 190, de 27.12.89)".
(Vencida a preliminar de carência de ação, por maioria. No mérito,
\unânime). (Proc. 95/89, Rec. 186/92, rel. Dr. Gerei Giareta, 2.ª Câm.
Recursal, 17.7.92). (p. 505)
nada com confissão de dívida). Tais cláusulas são comuns nos contratos
bancários e de locação, mas também nos contratos de promessa de
compra e venda de imóveis e de bens de grande valor, contratos de
financiamento e de cartão de crédito, sem falar nos novos tipos
contratuais, de maior utilização nos negócios comerciais, como o
leasing e outros.
Tão comuns no mercado brasileiro são estas cláusulas que a ação
dos interessados na defesa do consumidor e a resposta da jurisprudência
não tardou.{295}
A normal utilidade deste tipo de cláusula é conceder ao credor o
poder contratual de fazer líquida a dívida conforme o seu interesse e
entendimento, sem necessidade de qualquer participação do devedor-
consumidor, que somente assina o contrato e esta autorização "em
branco". Através de uma utilização deturpada{296} do instituto do man-
dato quebram-se dois importantes princípios das relações de consumo:
transparência e confiança.
O mandato e sua autorização para atuação unilateral faz desapa-
recer a necessária transparência do negócio, uma vez que sem a possível
e eficaz fiscalização do consumidor, age o credor criando uma fictícia
declaração do consumidor,{297} minimalizando os seus riscos profissio-
nais ao obrigar o consumidor, seja a um terceiro negócio, geralmente
um título extrajudicial, seja a uma modificação unilateral das bases do
negócio em curso.
* (295) Veja nesse sentido a ação civil pública proposta pelo Ministério
Público de
São Paulo, contra administradoras de cartão de crédito que utilizavam tais
cláusulas, reproduzida na íntegra e a sentença, in Direito do Consumidor
3/198-204. semelhantes ações contra bancos foram intentadas pelo Minis-
tério Público do Rio Grande do Sul, em 1994, com decisões apenas
liminares.
(296) Assim ensina o Min. Eduardo Ribeiro, in REsp. 13.996-RS,
afirmandO:
"Traduz a hipótese, em verdade, um artifício para possibilitar a constituição
de título executivo. É sabido que o elenco legal de títulos executivos
constitui numerus clausus, não sendo lícito que outros sejam estabelecidOs
por convenção das partes. O sistema ora em exame passa por cima dessa
impossibilidade legal, valendo-se da já assinalada deturpação das finalida-
des do mandato". Veja a Íntegra da manifestação do Ministro e comentários
na obra do Juiz Federal Lourival Gonçalves de Oliveira, p. 188.
(297) Veja nesta edição o item relativo à abusividade das cláusulas de
declarações
fictícias. (p. 506)
Como ensina o Ministro Athos G. Carneiro, REsp. 1.641-RJ, só
ao Poder Público foi concedido o poder (= direito) de criar título em
seu favor nos créditos tributários, motivo pelo qual independente de
qualquer exame casuístico posicionou-se pela nulidade absoluta das
cártulas emitidas com base em tais cláusulas, mesmo em contratos entre
comerciantes, afirmando: "... Ora, em casos como o dos autos, é o
credor que está, em realidade, criando o título executivo extrajudicial
em seu favor, fixando-lhe o valor e momento da exigibilidade, mercê
da outorga de poderes imposta compulsoriamente em contrato de
adesão, compulsoriamente a que as pessoas são obrigadas ao uso do
crédito bancário não têm como fugir. Ou aderem, ou estão expulsas do
mundo dos negócios, pelo menos a imensa maioria dos médios e
pequenos empresários, que não têm condição alguma de discutir com
os fornecedores de crédito, com as instituições financeiras".{298}
Note-se a importância dada ao aspecto de vulnerabilidade que é
reduzido o devedor, mesmo se profissional comerciante, face a utili-
zação do método de conclusão de contratos predispostos unilateralmen-
te ou contratos de adesão. Se a jurisprudência protege os pequenos
comerciantes, quanto mais os consumidores, destinatários finais,
presumivelmente vulneráveis no sistema do CDC.{299}
O segundo princípio atingido é o da confiança. A utilização
normal do mandato concedido eventualmente ao credor deveria se
dirigir unicamente à celebração do ato, ao estabelecimento do vínculo
ou à execução das prestações acertadas, não à execução extrajudicial
\(que seria o que os alemães denominam SekundÊtranspruch, pretensão
à perdas e danos, ao substitutivo da prestação voluntária), muito menos
à determinação do conteúdo obrigacional (seja do valor da dívida, seja
uma eventual mudança, re-ratificação ou como queiram chamar as
modificações do conteúdo contratual, sem verdadeiro consenso).{300}
* (298) RSTJ, 22/200, 1991, j. 18.12.90, com a seguinte ementa:
"Invalidade de
cláusula, em contrato de adesão, outorgando amplo mandato ao credor, ou
a empresa do mesmo grupo financeiro, para emitir título cambiário contra
o próprio devedor e mandante. Ofensa ao art. 115 do CC".
(299) Este é um dos aspectos mais destacados para basear a nulidade do
título
extrajudicial emitido com base em cláusulas-mandato impostas em contra-
tos de adesão; veja decisão da 7.ª Câm. Civ., TARS, rel. Araken de Assis,
Ap. Civ. 192023085.
(300) Assim ensina o Min. Cláudio Santos, in REsp. 1.294-RJ, citando os
ensinamentos de Orlando Gomes. Veja Oliveira, p. 190. (p. 507)
Como ensina o Min. Cláudio Santos, o princípio da confiança
é atingido duplamente, pois ele é o elemento máximo do contrato
de mandato, e não pode haver eficaz representação quando os
\interesses são conflitantes (nemo potest esse auctor in rein suam),
mas ele está presente também no contrato principal, na relação
estabelecida entre o fornecedor e o consumidor e o fornecedor passa
a agir sem a efetiva fiscalização e a possibilidade do consumidor
discutir os valores cobrados ou as modificações contratuais impostas.
"O elemento subjetivo da confiança governa a atitude do mandante
desde a formação do contrato até sua extinção. Só a alguém em que
se confia se concedem poderes para a prática de atos jurídicos ou
administração de interesses".{301}
Note-se a importância dada ao aspecto de fiscalização dos
débitos e das modificações impostas unilateralmente através da
utilização da cláusula-mandato, frente a constatação da diferença de
interesses entre o fornecedor-mandatário e o consumidor, compulso-
riamente-mandatário.{302}
A prática é a da inexistência de controle por parte dos consumi-
dores de como são feitos os cálculos da atualização de sua dívida pelo
banco ou pelas incorporadoras. Somente após a apresentação da
cobrança poderá ele inteirar-se da sua correção ou não e talvez já lhe
pese uma ação de busca e apreensão, conforme a espécie de contrato.{303}
* (301) Veja a íntegra da manifestação do Min. Cláudio Santos e
comentários, in
Oliveira, p. 189.
(302) Nesse sentido vem decidindo a jurisprudência majoritária dos
Tribunais
inferiores. Veja-se, a título de exemplo, o acórdão do Tribunal de Alçada
do Rio Grande do Sul, em que não se tratava de mandato para o próprio
credor, mas para terceiro e mesmo assim o caráter abusivo do exercício do
direito foi destacado (Ap. Cív. 1910114077, 1.ª Câm. Cív., j. 9.4.91, rel.
Juiz Juracy Villela de Souza): "É nula a cláusula contratual que cria mandato
para ser utilizado por pessoa jurídica, integrante do mesmo grupo econô-
mico do mutuante, contra os interesses do mandante, porque abusiva e
contrária ao que estabelece a Lei 8.078/90 (CDC)": acórdão comentado, in
Direito do Consumidor 1/230, por Vivian J. P. Caminha.
(303) Basilar neste sentido, declarando a nulidade da letra de câmbio e
extinguindo a ação de busca e apreensão, com base em cláusula-mandato
presente em contrato de financiamento de veículo, a decisão do Juiz Lino
M. D. Batista Ribeiro, reproduzida na íntegra in Direito do Consumidor
5/294-295. (p. 508)
Face aos interesses conflitantes não cabe que um possa representar
o outro, por exemplo, para executar o pagamento do preço ou emitir
um título cambial abstrato em nome do devedor. Discutível, igualmen-
te, é a possibilidade, através da cláusula-mandato, de se falsear um novo
consenso, prevendo a possibilidade do representante, na verdade o
credor, modificar unilateralmente o conteúdo do contrato, as obrigações
e direitos de cada parte em detrimento dos interesses do "mandante".
A cláusula-mandato possui, assim, validade discutível, mesmo
frente ao direito comum, por permitir antecipadamente o exercício de
um direito para além do exigido pelo tipo de contrato assinado, sem
a devida fiscalização e, muitas vezes, para além dos parâmetros de
conduta segundo a boa-fé na execução dos contratos. No direito
tradicional o art. 115 do CC era utilizado para esclarecer o caráter
abusivo e potestativo da cláusula inserida tanto em contratos de
consumo, como entre profissionais.{304}
O direito brasileiro, porém, demorou a visualizar o abuso da
simples inclusão deste tipo de cláusula nos contratos de massa. Por
muito tempo o STF fazia distinção entre o "uso" do mandato (este
permitido) e o "abuso" do mandato (este considerado lesão de direito
e proibido),{305} posição que validava a previsão contratual de tais
cláusulas-mandato, proibindo apenas os abusos, que se tornassem
judiciais e pudessem ser provados em ações específicas. Tal posição
era insuficiente, pois obviamente contavam os fornecedores com a
passividade típica do contratante mais fraco economicamente, com
a demora das contendas judiciais, assim como com a necessidade
de prova do abuso. Mais fácil era prever a cláusula, instrumento mais
ágil para obter um título extrajudicial para a futura execução do
devedor inadimplente.
* (304) Assim, o voto do Min. Cláudio Santos, no REsp. 1.294, 3.ª T.,
STJ, anterior
ao CDC, j. 12.12.89: "É certo não haver proibição explícita no direito
brasileiro. Entretanto, são condições defesas nos atos jurídicos as que os
sujeitarem "ao arbítrio de uma das partes" (art. 115 do CC), o que
fatalmente ocorrerá se uma das partes for mandatária da outra para
reconhecer débitos e ajustar taxas de juros.
Por outro lado, não são desprezíveis as objurgações doutrinárias a essa
espécie de contrato, tanto no direito alienígena como no direito pátrio".
\ (305) Veja a lição de Cassio MC. Jr. Penteado, "Pensando sobre a
Cláusula-
Mandato: Uso e Abuso", in RT 691/260. (p. 509)
O CDC visualizou esta abusividade e sabendo da possibilidade
dos fornecedores de produtos e serviços conseguirem facilmente a
imposição deste tipo de cláusula no mercado brasileiro classificou-a,
expressamente, na lista do art. 51, como uma cláusula abusiva.
Efetivamente dispõe o art. 51, VIII do CDC que são nulas de pleno
direito as cláusulas que "imponham representante para concluir ou
realizar outro negócio jurídico pelo consumidor".{305}
Nesse sentido, consolidou-se a jurisprudência pátria com a Súmula
60 do STJ: "É nula a obrigação cambial assumida por procurador do
mutuário vinculado ao mutuante no exclusivo interesse deste".
Em verdade, as cláusulas-mandato desequilibram consideravel-
mente a relação contratual, pois asseguram uma dupla vantagem para
o credor, já em posição preponderante: este possui um direito creditício
contra o devedor e reserva-se o direito de representá-lo, mesmo no que
se refere ao comprometimento de seu patrimônio, garantindo o assen-
timento do devedor. A Súmula 60 do STJ pacificou a jurisprudência
pátria. Nesse sentido, igualmente a conclusão n. 11 do III Congresso
Brasileiro de Direito do Consumidor, em Brasília, versou sobre o tema
afirmando: "É abusiva, nos contratos relativos às relações de consumo,
cláusula que outorgue poderes ao mandatário, em conflito de interesses
com o mandante, ou que lhe seja lesivo".
A cláusula-mandato quebra a comutatividade do contrato, dese-
quilibra-o onerando em excesso um dos contraentes, sujeitando-o ao
arbítrio do outro (no que seria condição potestativa e ilícita), e
concedendo vantagem excessiva a um dos contratantes, vantagem
contrária a boa-fé na execução dos contratos, ao conceder um poder/
direito desacompanhado de qualquer reflexo obrigacional específico.
Concluímos, portanto, que a cláusula-mandato, nos contratos de
consumo, extrapola os limites do razoável e do necessário para a
cooperação entre os contratantes e é abusiva. A declaração de sua
nulidade pode ser requerida tanto com base na cláusula geral do art.
51, IV do CDC; uma vez que contrárias à boa-fé e asseguram vantagem
* (306) Como ensina a jurisprudência: "Não se diga que a emissão da nota
promissória, vinculada que está ao contrato de abertura de crédito, não é
negócio dele diferente. Tanto se trata de outro negócio que para a sua
realização foi necessária a previsão contratual da outorga de mandato" (Juiz
\José Roberto Lino Machado, Proc. 781/92, 23.ª Vara Cível, SRj, 18.5.92,
sentença publicada na íntegra in Direito do Consumidor 3/216 e ss.). (p. 510)
exagerada e desproporcional ao contratante que predispõe as cláusulas,
quanto com base no art. 51, VIII, do CDC, inciso específico e mais
utilizado pela jurisprudência.{307}
7. Cláusulas-barreira
2. Princípio da confiança
BIBLIOGRAFIA