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CAPÍTULO II

A QUESTÃO DA METODOLOGIA

Os assuntos relacionados à questão da metodologia na


teologia do AT são complexos. Nos anos que se seguiram à
Primeira Guerra Mundial, um debate referente a um aspec­
to da questão do método foi renovado e permaneceu co­
nosco até o presente. Ele se relaciona com a questão de se a
teologia do AT é puramente descritiva e histórica ou se ela
é um empreendimento normativo e teológico. Neste capí­
tulo, abordaremos essa questão em primeiro lugar. Depois,
tentaremos classificar várias maneiras como pesquisadores
têm concebido a teologia do AT a fim de analisar as princi­
pais abordagens metodológicas atuais e as questões que elas
levantam.

l. As tarefas descritiva e/ou normativa

A tarefa descritiva na tradição de pesquisa de GABLER­


WREDE-STENDAHL1 tem seus proponentes, até a atualidade, em
1
A aula inaugural de JottANN PttILIPP GABLER, "Oratio de iusto discrimine
theologiae biblicae et dogmaticae ... ", dada na Universidade de Altdorf,
em 30 de março de 1787, marcou o início de uma nova fase no estudo da
teologia bíblica ao sustentar que "a teologia bíblica tem caráter histórico
[e genere historico] na medida em que expõe o que os autores sagrados
pensavam sobre questões divinas (...)." (p. 183s.). Cf. SMEND, J. Ptt. GABLERS,
Begründung der biblischen Theologie. O ensaio programático de WILHELM
WREDE intitulado Über Aufgabe und Methode der sogenannten Neutestamen­
tlichen Theologie (Gõttingen, 1897), p. 8, enfatiza mais uma vez o "caráter
54 TEOLOGIA DO ANTIGO TFSTAMENTO
A QUESTÃO DA MEfOOOLOGIA 55

E. G. E. WRIGHT3 , P. WERNBERG-MôLLER4 e P. S. WAT­


JACOB2,
tendida como uma "cunha" 8 que separa de uma vez por
SON , entre outros. Ela afirma que o biblista deve voltar sua
5 todas a abordagem descritiva da Bíblia da abordagem nor­
atenção para a descrição "do que o texto queria dizer", e mativa muitas vezes atribuída ao teólogo sistemático, cuja
não para "o que ele quer dizer", usando as distinções feitas tarefa é traduzir seu sentido para o presente. Esta última
por STENDAHL 6 . O progresso da teologia bíblica depende de tarefa, "o que ele quer dizer" para a atualidade, não deve
uma apli ação rigorosa dessa distinção7, que deve ser en- er considerada uma parte inerente ao método descritivo
estritamente histórico.
A distinção entre o que um texto queria dizer e o que
estritamente histórico" da teologia(bíblica) do NT. O penetrante e influ­ um texto quer dizer está no âmago do problema mais funda­
ente artigo de STENDAHL, Biblical Theology, Contemporary, seguido por seu
ensaio Method in the Study of Biblical Theology, apresenta argumentos a
mental da teologia do AT, porque "o que ele queria dizer"
favor da distinção rigorosa entre "o que ele queria dizer" e "o que ele não implica simplesmente descobrir o sentido de um texto
quer dizer". bíblico dentro de seu próprio contexto bíblico canônico; im­
2
JACOB, Theology of the Old Testament, p. 31, afirma que a teologia do AT é plica reconstrução histórica. Por "reconstrução histórica" o
uma "disciplina estritamente histórica". Num tom um tanto mais cautelo­ pesquisador moderno quer dizer uma apresentação do uni­
so, ele sustentou recentemente que nenhum método poderá reivindicar
prioridade absoluta sobre outro porque uma teologia está sempre "a
verso de pensamento do AT (ou do NT) reconstruído com
caminho" (Grundfragen alttestamentlicher Theologie, p. 17) e que há vários base em seu entorno sociocultural. A reconstrução histórica,
caminhos abertos para se fazer teologia veterotestamentária (p. 16). Ao ou "o que o texto queria dizer", entende que a Bíblia é condi­
mesmo tempo, diz que uma teologia do AT tem a tarefa de apresentar ou cionada por seu tempo e seu entorno. O tempo e o lugar da
expressar o que está presente no próprio AT (p. 14). Bíblia, seu ambiente sociocultural, seu contexto social e seu
3
WRIGHT, God Who Acts, p. 37s., expressa minuciosamente sua crença de
que a teologia bíblica é uma "disciplina histórica", e a melhor maneira
ambiente cultural entre outras nações e religiões se tornam a
de descrevê-la seria dizendo que ela é uma "teologia de recitação, em chave virtualmente exclusiva para seu sentido. Neste senti­
que o ser humano confessa sua fé recitando os acontecimentos forma­ do, a Bíblia é interpretada da mesma maneira como qual­
tivos de sua história como obra redentora de Deus". O WRIGHT posterior, quer outro documento da Antiguidade. Assim como "o que
que passou a se sentir mais próximo de EICHRODT do que de VON RAo, ele queria dizer" é reconstrução histórica feita com os prin­
mantém a noção de que a teologia bíblica é uma "disciplina descriti­
va". Veja WRIGHT, Biblical Archaeology Today, in: FREEDMAN, D. N.; GREEN­ cípios do método histórico-crítico, "o que ele quer dizer" é
FIELD, J. C. (ed.), New Directions in Biblical Archaeology, New York, 1969, interpretação teológica. Interpretação teológica é a tradu­
p. 159. ção do texto historicamente reconstruído para a situação do
4
WERNBERG-MôLLER, Is There an Old Testament Theology?, p. 29, defende uma mundo moderno. Normalmente, isso significa que a chave
"teologia descritiva, desinteressada". para a interpretação teológica é a cosmovisão moderna do
5 WATSON, The Nature and Function of Bíblica! Theology, p. 200: "Como discipli­

na científica, a teologia bíblica tem uma tarefa puramente descritiva(...)." indivíduo que faz a interpretação. Independentemente de
Veja a crítica de H. CUNLIFFE-JONES, The "Truth" of the Bible, ExpTim, v. 73, qual seja a cosmovisão do intérprete e de que espécie de siste­
p. 287, 1962. ma filosófico seja adotada para a interpretação teológica ou
6
STENDAHL, IDB, I, P· 419.
7
Neste ponto STENDAHL segue a posição dos autores da Universidade de 8
Uppsala dos ensaios de FRIDRICHSEN et ai., The Root of the Vine, que con­ CHILDS, Biblical Theology in Crisis, p. 79, faz objeções à dicotomia reafirma­
cordam que a teologia bíblica é primordialmente uma tarefa histórica da por STENDAHL porque ela estabeleceria uma "cunha entre a disciplina
e descritiva que deve ser distinguida de reflexões normativas poste­ bíblica e as disciplinas teológicas" que o Movimento de Teologia Bíblica
riores. buscava remover.
56 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 57

"o que ele quer dizer", a abordagem teológica e interpretati­ em si mesma, ser validada ou invalidada pelo estudo exegé­
va "do que ele quer dizer" significa fazer teologia e é conce­ tico do texto, pois o que está em pauta é precisamente o modo
bida como sendo normativa para a fé e a vida. como o estudo exegético está relacionado com o fazer teolo­
É evidente que a distinção da época moderna entre "o gia. " 11 Se este é o caso, precisa-se perguntar com base em
que ele queria dizer" e "o que ele quer dizer", i.e., a interpre­ quê se forma um juízo teológico em favor. de uma maneira
tação teológica que é normativa, é problemática tanto no em detrimento das outras ou em favor de outras maneiras
tocante à própria distinção quanto à sua tarefa. D. H. KEL­ de relacionar "o que ele queria dizer" com "o que ele quer
SEY, p.ex., afirmou sucintamente que há diversas maneiras dizer".
pelas quais "o que ele queria dizer" e "o que ele quer dizer" Críticas da distinção entre "o que ele queria dizer" e "o
podem ser relacionados um com o outro, produzindo resul­ que ele quer dizer", i.e., entre a reconstrução histórica ou o
tados variáveis9 • Em primeiro lugar, pode-se decidir que a que é histórico, descritivo e objetivo e a interpretação teoló­
abordagem descritiva que procura determinar "o que ele gica ou o que é teológico e normativo, foram propostas de
queria dizer", seja lá por que métodos de investigação, seja vários quadrantes. B. S. CHILDS12 tem objeções à abordagem
considerada idêntica a "o que ele quer dizer". Em segundo histórica e descritiva por causa de sua natureza limitante. A
lugar, pode-se decidir que "o que ele queria dizer" contém tarefa histórica e descritiva não pode ser vista como um es­
proposições, idéias etc. que devem ser decodificadas e tra­ tágio neutro que levasse, depois, a uma interpretação teoló­
duzidas sistematicamente bem como explicadas e que isso é gica genuína 13• O texto, diz CHILDS, é "um testemunho que
"o que ele quer dizer", mesmo que essas explicações jamais aponta para além de si mesmo, para o propósito divino de
tenham ocorrido aos autores originais e tivessem sido rejei­ Deus" 14• Precisa haver "o movimento que vai do nível do
tadas por eles. Em terceiro lugar, pode-se decidir que "o que testemunho para o nível da própria realidade" 15. STENDHAL
ele queria dizer" é uma forma arcaica de falar dependente admite que a tarefa descritiva consegue "descrever os textos
de sua própria cultura e época que precisa ser redescrita em escriturísticos como textos que apontam para além de si
formas contemporâneas de falar dos mesmos fenômenos, e mesmos (... ) em sua intenção e sua função ao longo do tem­
que essa redescrição é "o que ele quer dizer". "Isso pressu­ po (. .. )." 1 6 Mas ele nega que a explicação dessa realidade
põe que o teólogo tem acesso aos fenômenos independente­ faça parte da tarefa do teólogo bíblico. CHILDS, entretanto,
mente da Escritura e de 'o que ela queria dizer', de modo insiste que "o que o texto 'queria dizer' é determinado, em
que ele pode verificar a descrição arcaica e ter uma base para grande medida, por sua relação com aquele a quem está di­
sua própria descrição." 10 Em quarto lugar, pode-se decidir rigido". Ele sustenta que, "quando vistas a partir do contex­
que "o que ele queria dizer" se refere à maneira como os to do cânon, tanto a questão do que o texto queria dizer quan­
primeiros cristãos usaram os textos bíblicos e que "o que ele to a do que ele quer dizer estão inseparavelmente ligadas e
quer dizer" é simplesmente a maneira como eles são usados
pelos cristãos modernos. Neste caso há um relacionamento 11
Jbid.
genético. Observa KELSEY: "Nenhuma dessas decisões pode, 12
CttrLos, Interpretation in Faith.
13
lbid., p. 437.
14
lbid., p. 440.
9 KELSEY, The Uses of Scripture in Recent Theology, p. 202s, nota 18. 15 lbid., p. 444.
10
lbid., p. 203. 16
STENDAHL, The Bible in Modem Scholarship, p. 203, nota 13.
A QUESTÃO DA METODOLOGIA 59
58 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO

reza da religião do AT" 21• Como poderá a abordagem des­


ambas fazem parte da tarefa da interpretação da Bíblia como
critiva não-normativa, com sua ênfase histórica limitante,
Escn·tura " 17. A. D ULLES sa1·1enta um aspecto semelhante ao
levar-nos à totalidade da realidade teológica contida no tex­
falar do "mal-estar causado pela separação radical (... ) en­
to? Por definição e pressuposição, a abordagem descritiva e
tre o que a Bíblia queria dizer e o que ela quer dizer" 18• Ao
histórica está limitada a tal ponto que a realidade teológica
pa qu STE HAL atribui valor normativo à tarefa referen­
total do texto não se expressa plenamente. Terá a teologia
te ao que a Bíblia quer dizer, i.e., à interpretação teológica,
do AT de se restringir a não ser nada mais do que um "pri­
DULLES sustenta que é preciso atribuir valor normativo tam­
meiro capítulo" da teologia histórica? Se a teologia bíblica
bém ao que a Bíblia queria dizer, e podemos acrescentar: ao
também tem valor normativo com base no reconhecimento
que ela queria dizer em seu próprio contexto canônico, usan­
de que o que a Bíblia queria dizer é normativo em si mesmo,
do palavras de CHILDS. Se esse é o caso, a dicotomia de STEN­
então não seria de se esperar que a teologia bíblica tenha de
DHAL fica gravemente prejudicada, porque "a possibilidade
se envolver com algo mais do que apenas descrever o que os
�e uma abordagem 'objetiva' ou descritiva não-comprome­ textos bíblicos queriam dizer? A teologia bíblica não está pre­
tida e, por conseguinte (...) um dos traços mais atraentes da
tendendo tomar o lugar ou concorrer com a teologia siste­
posição de SrnNDHAL" é suprimida 19 • Aspectos semelhantes
mática na medida em que esta se expressa na forma de um
são ressaltados por R. A. F. MAcKENZIE, C. SrrcQ e R. DE VAux2º.
sistema construído com base em suas próprias categorias ou
Talvez O. ErssFELDT tenha de nos lembrar que "não po­
com ou sem a ajuda da filosofia. Não será possível que a
demos, com base em razões históricas, penetrar até a natu-
teologia bíblica tenha valor normativo com base em seu re­
conhecimento de que é feita, antes de mais nada, dentro do
17
Ctt1ws, Bíblica/ Theology in Crisis, p. 141. contexto bíblico e de que a Bíblia é normativa em si mesma?
18 DuLLES, Response to Krister Stendahl's "Method in the Study of Biblical Theo­ Poderá a teologia bíblica extrair seus próprios princípios em
logy", p. 210. termos de conteúdo e organização dos documentos bíblicos,
19
�i1., p. 210s. SrENDAHL sustenta, é claro, que não se pode ter uma "obje­ e não de documentos eclesiásticos ou da filosofia escolástica
tividade absoluta" (IDB, I, p. 422; The Bible in Modern Scholarship, p. 202).
Ele tem t�da a ra�ão em enfatizar que a relatividade da objetividade
e moderna? Não seria uma das tarefas da teologia bíblica
h�mana nao nos da uma escusa para "primar pelo viés", mas, insistimos confrontar-se com a natureza dos textos bíblicos como tex­
nos, ela tampouco nos dá a possibilidade de fazer um trabalho puramen­ tos que apontam para além de si mesmos, como ontológi­
te descritivo. cos e teológicos em sua intenção e função ao longo dos tem­
20
MACKE�ZIE, �h� �oncept �f Biblical Theology, pp. 131-145, especialmente
pos, sem definir antecipadamente a natureza da realidade
p. 134: A obJehvidade friamente científica - no sentido de racionalista -
é totalmente incap�z de até mesmo perceber, e muito menos de explo­ bíblica?
ra�, os valores reh?10sos da Escritura. Primeiro precisa haver O compro­ Na última parte da década de 1980, outro desenvolvi­
misso, o reconhecimento de fé da origem e autoridade divina do livro· mento levantou questões sérias referentes à dicotomia quis
então o crente pode aplicar, de maneira apropriada e proveitosa, as mai� dizer/ quer dizer, descritivo/prescritivo, não-normativo/
consci�nciosas técnicas das ciências subordinadas, sem de modo algum
_ _
preiudicar sua devida autonomia ou ser desleal ao ideal científico." C.
normativo da abordagem de GABLER-WREDE-STENDHAL, em que
Sr,cQ é citado ap. HARVEY, The New Diachronic Biblical Theology of the Old
Testament (1960-1970), p. 18s. Cf. DE VAux, Method in the Study of Early 21
E1ssFELDT, Israelitisch-jüdische Religionsgeschichte und alttestamentliche Theo­
_
Hebrew Hzstory, pp. 15-17; id., Is It Possible to Write a "Theology of the Old logie.
Testament"?.
60 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUFSfÃO DA METODOLOGIA 61

a teologia do AT (e bíblica) é vista como empreendimento mar nossa norma epistemológica; do contrário, o círculo
puramente histórico. Com efeito, esse novo desenvolvimen­ hermenêutico se tornaria um solipsismo confinante no qual
to é tão perturbador para figuras-chave que desejam manter tamos encerrados em nosso mundo e só falamos a nosso
a teologia d� AT (e bíblica) sobre esse fundamento que algu­ róprio círculo"25• ANoERSON parte do ponto de vista de H.­
mas delas d12em que esses empreendimentos de teologia do . GADAMER e pAUL R:!COEUR. GADAMER é particularmente co­
AT com base puramente descritiva têm um futuro desolador nh cido por seu conceito da fusão hermenêutica dos hori­
pela frente22 • zontes do passado e do presente para completar o círculo
.
Alg�mas pe�soas têm perguntado se pesquisadores ju­ hermenêutico26• Seguindo a hermenêutica de GADAMER-RI-
daicos nao deveriam também se engajar na teologia do AT c0EUR, insiste ANDERSON: "Obviamente, o sentido de um
ou na teologia da Bíblia Hebraica. Por que pesquisadores ju­ texto não pode ser separado nitidamente de nossa
daicos não se envolveram na tarefa de escrever uma "teolo­ apropriação, e ele pode ser falseado por nossa
gi� d� Bíblia hebraica"? Em 1986, a questão passou para o apropriação."27 Evidente­mente, há duas epistemologias
pnme1ro plano com um ensaio sobre a questão de uma teo­ diferentes e duas hermenêu­ticas diferentes atuando neste
logia judaica do AT publicado por M. TsEVAT na revista Hori­ caso. Mas a questão que se encontra em primeiro plano
zons in Biblical Theology. TsEVAT argumenta contra a noção de aqui é se a teologia do AT é de fato um empreendimento
uma "teologia bíblica (do AT) judaica"23, insistindo que a de que pesquisadores de persua­sões religiosas divergentes
"teologia do Antigo Testamento" deve ser praticada de um podem- participar de tal maneira que suas tradições
ponto de vista "objetivo" como "aquele ramo de estudo da religiosas, i.e., seus horizontes atuais, não entrem no
literatura que tem o Antigo Testamento como seu objeto; ela processo interpretativo.
é filologia do Antigo Testamento"24• Em sua concepção, 0 Em contraposição a TsEVAT, outras vozes da pesquisa
AT, ou a Bíblia Hebraica, é literatura e não teologia. Ele su­ judaica na atualidade vêem as coisas de uma perspectiva
gere que a literatura é uma categoria do estudo filológico, diferente, ainda que até certo ponto relacionada com a dele.
mas a teologia é uma categoria de estudo que, para o judeu, M. H. GosHEN-GOTTSTEIN sustenta que chegou a hora de a pes-
está inserida na tradição judaica e, para o cristão, está inse­
rida na tradição cristã. Essas duas tradições ou contextuali­ 25 A.NoERS0N, Response to Matitahu Tsevat, "Theology of the Old Testament - A
Jewish View", p. 55.
zações são tão difusas que o empreendimento teológico 26
GADAMER, Truth and Method. Veja a análise penetrante da hermenêutica de
levado a efeito pelos judeus vai judaizar a teologia do AT e Gadamer feita por WEINSHEIMER, Gadamer's Hermeneutics, com ampla
aquele realizado pelos cristãos irá cristianizá-lo. bibliografia. Importante para o empreendimento hermenêutico em seu
A objetividade" pura não é alcançável! Essa parece ser
II conjunto é a aplicação da hermenêutica de Gadamer proposta por THISELTON,
a r ação de BERNHARD W. ANDERSON a TsEVAT quando sugere The Two Horizons. Outra abordagem da hermenêutica se baseia na obra
volumosa de EMILI0 8ETII. A maior parte de suas publicações não estão
que "nosso ponto de partida epistemológico não deveria se disponíveis em inglês; veja, porém, BETII, Hermeneutics as the General
Science of the Geisteswissenschaften, in: JOSEF BLEICHER (ed.), Contemporary
Hermeneutics: Hermeneutics as Method, Philosophy, and Critique, Lon­
22
Veja a discussão sobre JAMES BARR abaixo, no Cap. II, letra h, p. 125. Recen­ don, 1980, pp. 51-94. HIRSCH, Validity in Interpretation; id., The Aims of
tes métodos "críticos" de teologia do AT. Interpretation, está de acordo com BETTI na oposição a GADAMER e seus
23 TsEVAT, Theology of the Old Testament -A Jewish View, p. 50.
seguidores.
24
Ibid., p. 48. 27
ANoERS0N, Response, p. 55.
62 TEOLOCIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA MEfOOOLOCIA 63

quisa judaica se engajar no que ele chama de "teologia bíbli­ de que "bíblico" não é um termo neutro, já que significa coi­
ca judaica" ou "teologia do Tanakh"28• Em sua concepção, as diferentes para os judeus (a saber, o Tanakh) e para os
empreendimento é uma disciplina à parte, mas comple­ ristãos (a saber, a Bíblia una de ambos os Testamentos), pode-
m nta aquela chamada "história do Israel antigo". "É preci­ empreender ou uma "teologia bíblica judaica'.' ou uma
riar a teologia do Tanakh como campo de estudo parale- "teologia bíblica cristã". Ele mostrou em :;eu artigo como,
1 "'29 ao da teologia do AT na qual os cristãos estão engajados. _
nos últimos 100 anos, a teologia do AT tem se caracterizado
le sustenta que ela não pode ser um empreendimento pu­ por matizes de anti-semitismo, e até re�entemente ela era
ramente histórico - a teologia do AT tampouco o é - porque não-católica e não judaica (e não-evangehcal, pode-se acres­
tal teologia seria uma "não-teologia". Distancia-se claramen­ centar)34. Sustenta que "o esforço de construir uma afirma­
te da abordagem de GABLER-WREDE-STENDHAL de um empre­ ção teológica sistemática, harmoniosa a partir dos rna!eriais
endimento "descritivo". GosHEN-GorrsTEIN compartilha a con­ não-sistemáticos e polifônicos que se encontram na Bíbha �e­
vicção, também esposada por outros, tanto judeus quanto braica combina melhor com o cristianismo do que com o JU­
cristãos, de que os pesquisadores não podem se isolar das daísmo, porque a teologia sistemática e� geral é mais p��emi­
comunidades de fé em que atuam e se colocar fora das tradi­ nente e familiar na igreja do que na yeshivah [escola tradicional
ções religiosas que moldam, de uma forma ou outra, sua te­ judaica] e na sinagoga"35• É de opinião que urna '.'t�olog�a
ologia30. Como veremos mais adiante neste capítulo, um nú­ bíblica contextualizada" judaica ou cristã conseguira servir
mero crescente de pesquisadores estão se distanciando da as respectivas comunidades religiosas judaica ou cristã36•
noção de um empreendimento do tipo "o que ele queria di­ Essas vozes de pesquisadores judaicos deixam claro que,
zer" ou puramente descritivo para a teologia do AT31• na opinião deles, não se pode alcançar um� "teologia bíbli­
Um terceiro estudioso judaico que entrou nesse mais ca" de tipo puramente descritivo. Não admira que as p:sso­
recente debate é JoHN D. LEVENSON32 • Ele sustenta com vigor as que insistem em tal empreendimento se�tem que estao se
que pesquisadores judaicos não estão interessados em "teo­ A
afastando da teologia do AT assim percebida. Em decorren­
logia bíblica", porque ela pressupõe um "compromisso exis­ cia disso, algumas prevêem um papel menor e um futuro
tencial" que "incluirá necessariamente outras fontes da ver­ .
diferente para tal empreendirnento37.
dade (o Talmude, o Novo Testamento etc.)"33• Devido ao fato Pode-se afirmar sem hesitação que existe atualmente
urna tentativa renovada, por parte de biblistas, de conceber
28
GOSHEN-GOTISTEIN, Tanakh Theology. o empreendimento da teologia b�lica com� rn�is d? que
29 Ibid., p. 626.
30 meramente descritivo e não-normativo. Isso ficara mais cla­
Este é o ponto de vista sustentado, entre outros, por R. E. CLEMENTS, JoHN
GOLDINGAY e particularmente BREVARD CHILDS.
ro à medida que examinarmos abordagens signific�tivas da
31
Veja também o ensaio e a análise sensível de ÜLLENBURGER, What Krister teologia do AT das cinco últimas décadas, dando enfase ao
Stendahl "Meant". período desde a década de 1970.
32 Veja LEVENSON, Why Jews Are Not Interested ín Biblícal Theology. LEVENSON é

um pensador analítico muito perceptivo; veja também particularmente 34


Ibíd., pp. 287-293.
id., The Hebrew Bible, the Old Testament, and Hístorical Criticísm; id., The 35
Ibíd., p. 296.
Eíghth Principie of Judaism and the Líterary Simultaneity of Scripture; id., 36
LEVENSON, Creation and the-Persístence of Evil, pp. 224-225.
Sinai and Zion; id., Creatíon and the Persistence of Evíl. 37 Esse é O caso, p.ex., de BARR, Are We Moving Toward an Old Testament
33 LEVENSON, Why Jews Are Not Interested in Bíblica/ Theology, p. 286.
Theology, or Away from It?.
64 TEOLOGIA 00 ANTIGO TFSTAMENTO
A QUESTÃO DA METODOLOGIA 65

2. A metodologia na teologia do Antigo Testamento não tem igual em qualquer década nos cerca de 180 anos
de existência da disciplina da teologia do AT. Nossa
Numa revisão abrangente de cinco décadas de litera­ tarefa, agora, consistirá em examinar e classificar as várias
tura sobre teologia do AT, E. WüRTHWEIN concluiu sua pe­ teologias do AT, embora às vezes seja difícil fazer isso
netrante análise com urna afirmação sensata: "Hoje em dia, adequadamente.
estamos mais distantes de um acordo quanto ao contexto e
ao método da teologia do A T do que estávamos há 50 a) O método dogmático-didático
anos." 38 A despeito dessa falta de acordo, nos anos que se
seguiram a essa avaliação, mais de urna dúzia de livros fo­ O método tradicional de organização da teologia do A T
ram publicados só sobre teologia do AT39 • Essa produção é a abordagem tornada de empréstimo da teologia dogmáti­
ca (ou sistemática) e sua divisão (por causa de seus loci [tópi­
cos]) em Deus-ser humano-salvação ou teologia-antropolo­
38
WüRTHWEIN, Zur Theologie des Alten Testaments, p. 188. Outros levanta­
gia-soteriologia. Em 1796, GEORG LoRENZ BAUER empregou
mentos úteis são os seguintes: FRITSCH, New Trends in Old Testament
Theology; PoRrnous, Old Testament Theology; DENTAN, Preface to Old Tes­ esse esquema na primeira Teologia do Antigo Testamento
tament Theology; BRAUN, La Théologie Biblique; KRAELING, The Old Testa­ jamais publicada sob este norne40•
ment since The Reformation, pp. 265-284; YouNG, The Study of Old Testa­ A proposta mais vigorosa do método dogmático-didáti­
ment Theology Today; MARTIN-ACHARD, Les voies de la théologie de l'Ancien co em anos recentes foi apresentada por R. C. DENTAN, cujas
Testament; BARNETT, Trends in Old Testament Theology; BETZ, Biblical Theo­
Iogy, History of; FESTORAZZI, Rassegna di teologia deli Antico Testamento; monografias são urna defesa eloqüente do que a maioria des­
RAMLOT, Une décade de théologie biblique; CLEMENTS, The Problem of Old cartou porque seria um modelo ultrapassado41• A obra de
Testament Theology; BENon, Exégese et théologie biblique; HARVEY, The DENTAN intitulada The Knowledge of God in Ancient Israel (1968)
New Diachronic Biblical Theology of the Old Testament (1960-1970); ScttMIDT, tenta tratar apenas do primeiro desses três loci principais, a
"Theologie des Alten Testaments" vor und nach GERHARD VON RAo; ZIMMERLI,
Erwiigungen zur Gestalt einer alttestamentlichen Theologie; OsswALD, Theo­
logie des Alten Testaments - eine bleibende Aufgabe alttestamentlicher
Wissenschaft; WESTERMANN, Zu zwei Theologien des Alten Testaments; of the Old Testament; HINSON, The Theology of the Old Testament; TERRIEN, The
GOLDINGAY, The Study of Old Testament Theology; CLEMENTS, Recent Deve­ Elusive Presence; KAISER, Toward an Old Testament Theology; CLEMENTS, Old
lopments in Old Testament Theology; HICKS, G. ERNEST WRJGHT and Old Testament Theology; MARTENS, God's Design; WESTERMANN, Theologie des Al­
Testament Theology; ScuLLION, Recent Old Testament Theologies; BuRDEN, ten Testaments in Grundzügen.
Methods of Old Testament Theology; JACOB, De la théologie de l'Ancien
40
GEORG L. BAUER (1755-1806) foi o primeiro a publicar, separadamente,
Testament à la théologie biblique; MARTENS, Tackling Old Testament Theolo­ uma Theologie des Alten Testaments oder Abriss der religiosen Begriffe der
gy; REVENTLOW, Basic Problems in Old Testament Theology; GuNNEWEG, alten Hebriier [Teologia do Antigo Testamento ou esboço dos conceitos
"Theologie des Alten Testaments" oder "Biblische Theologie"?; COLLINS, religiosos dos antigos hebreus] (Leipzig, 1796), que foi seguida pelos
The "Historical Character" of the Old Testament in Recent Biblical Theolo­ quatro volumes de uma Biblische Theologie des Neuen Testaments [Teolo­
gy; BRUEGGEMANN, A Convergence in Recent Old Testament Theologies; gia bíblica do Novo Testamento] (Leipzig, 1800-1802). Veja também
HASEL, A Decade of Old Testament Theology. KRAus, Biblische Theologie, pp. 87-91; MERK, Biblische Theologie des Neuen
39
WRJGHT, The Old Testament and Theology; VRJEZEN, An Outline of Old Testa­ Testaments in ihrer Anfangszeit, pp. 143-202; DYRNESS, Themes in Old Tes­
ment Theology; CORDERO, Teología de la Biblia, I: Antiguo Testamento; LEHMAN, tament Theology.
Biblical Theology I: Old Testament; DEISSLER, Die Grundbotschaft des Alten
41
Veja DENTAN, Preface to Old Testament Theology e The Knowledge of God in
Testaments; FottRER, Theologische Grundstrukturen des Alten Testaments; Ancient Israel. Veja também DE VAux, Is It Possible to Write a "Theology of the
Z1MMERLI, Grundriss der alttestamentlichen Theologie; McKENZIE, A Theology Old Testament"?, p. 61s.
66 TEOLOCIA DO ANTIGO TESrAMENTO A QUESTÃO DA MITTOOOLOCIA 67

saber, "a doutrina de Deus do Antigo Testamento", porque livr "47. Esta estrutura revela as dificuldades de se orga1 izar
os materiais contidos no AT sob rubricas tradicionais.
"todos os outros aspectos da religião normativa do Israel Seria interessante ver como DENTAN lidaria com a
antigo 'têm seu centro numa doutrina distintiva de Deus (te­ antropologia do AT, da qual não tratou ainda, e então
ologia)"42. Segundo DENTAN, "a afirmação mais básica da compará-la com a oportuna e valiosa contribuição de H.
religião do AT é que Javé é o Deus de Israel e que Israel é o
W. WoLFF nessa área48•
povo de Javé"43• E surpreendente que essa "fórmula da ali­
ança", concebida por J. WELLHAUSEN, B. DuHM, B. STADE, M. Em contraposição a DENTAN, cuja monografia se limita à
NoTH e, mais recentemente, por R. SMEND44 como centro do "doutrina de Deus", duas outras teologias do AT refletem
AT45 e por SMEND como o arcabouço material para a orga­
II forma plenamente desenvolvida o esquema teologia-an­
nização dos conteúdos [veterotestamentários]"46 numa teo­ lropologia-soteriologia. O estudo detalhado do biblista espa­
logia do AT, não seja reconhecida como orige� do arcabou­ nhol M. GARCÍA CoRDER049 começa com o conceito de Deus
ço para a estrutura de uma teologia do AT. E possível que o AT, seguido pela antropologia. A soteriologia é exposta
DENTAN não quisesse tomar esse rumo por causa de seu com­ nas partes II e III, onde ele elucida as esperanças do AT,
promisso anterior com o esquema teologia-antropologia-so­ nfatizando as expectativas messiânicas, o reino de Deus, a
teriologia. scatologia e as obrigações religiosas e morais do ser huma-
Uma olhadela na estrutura que DENTAN dá à sua "dou­ no com a salvação pessoal.
trina" veterotestamentária de Deus revela que os dois pri­ A teologia do AT de D. F. HINS0N tem uma extensão muito
meiros capítulos, "O mistério de Israel" e A natureza do II mais modesta50• O esquema teologia-antropologia-soteriolo­
conhecimento de Israel", são preliminares no conjunto do gia torna-se evidente a partir dos títulos e da seqüência de
livro. Os capítulos 3, 4 e 9 tratam de Deus no passado, sua obra. A uma seção preliminar seguem-se oito capítulos
presente e futuro, respectivamente, enquanto que os capí­ com os seguintes títulos: Deus, Outros seres espirituais, Ser
tulos sobre "O ser de Deus" e "O caráter de Deus" (capí­ humano, Queda, Salvação, Nova vida, o alvo último e o AT
tulos 6 e 7) constituem o âmago da exposição de DENTAN. no NT. HINSON tem um objetivo didático. Ele concebe a natu­
Os capítulos 5 e 8 são digressões sob os títulos "Deus e o reza da teologia do AT como a revelação de Deus a respei­ II

mundo natural" e "Os nomes de Deus", que, como sugere to de si mesmo, da humanidade e do mundo que está conti­
DENTAN, "não são centrais para o argumento principal do da nos livros do Antigo Testamento"51• Ele não explica como
a estrutura material pode apreender a totalidade dessa reve­
42 DENTAN, The Knowledge of God in Ancient Israel, p. vii. lação. A preocupação de HINSON é mostrar que o AT é a pre­
43
Ibid. paração para o NT; DENTAN, por outro lado, "tentou delibe-
44 R. SMEND, Die Bundesformel, Zürich, 1963.
45
Sobre a questão do centro ou dos centros do AT veja HAsEL, O centro do AT
e a teologia vetero-testamentária; infra, capítulo IV; ZJMMERLI, Zum Problem der
47
DENTAN, The Knowledge of God in Ancient Israel, p. x.
48
"Mitte des Alten Testaments"; WAGNER, "Biblische Theologien" und "Biblische H. W. WOLFF, Anthropologie des Alten Testaments, München, 1973; trad.
Theologie"; sobre a questão do centro ou dos centros do NT veja HAsEL, port.: Antropologia do Antigo Testamento, São Paulo: Loyola, São Leopol­
New Testament Theology, pp. 140-170, com bibliografia; ScHULZ, Die Mitte der do: Sinodal, 1975.
Schrift, pp. 403-433; O. BETZ, The Problem of Variety and Unity in the New
49
CoRDERO, Teología de la Bíblia I, pp. 17-732.
50 HINSON, The Theology of the Old Testament.
Testament, HBT, v. 2, pp. 3-14, 1980.
46 SMEND, Die Mitte des Alten
Testaments, p. 55.
51
Ibid., p. xi.
68 TEOLOCIA 00 ANTIGO TFSrAMENTO A QUF5TÃO DA METOOOLOCIA 69

radamente manter qualquer ponto de vista especificamente l so é entendido como "o desdobramento da revelação de
cristão fora dos capítulos"52• eus apresentada pela Bíblia"55 • A progressão histórica
O método dogmático-didático tem certas vantagens. da revelação em desdobramento se evidencia em "perío-
Entre seus problemas, entretanto, está a natureza dedutiva ou eras de revelação divina [que] são determinados
do empreendimento. O AT não pode falar por si mesmo, em rigorosa concordância com as linhas de divisão traça­
porque interesses externos parecem predominantes. Os pa­ pela própria revelação". Mais especificamente, isso
drões veterotestamentários de pensamento não estão estru­ 'ignifica que a revelação divina está centrada nas diver­
turados em consonância com o esquema teologia-antropolo­ as alianças firmadas por Deus com Noé, Abraão, Moisés
gia-soteriologia. Acaso qualquer indivíduo ou grupo através de Cristo; todas elas manifestam o "ser orgâni­
específico no Israel antigo pensou sobre Deus, o ser humano o" da Bíblia e a "anatomia própria"56 da Escritura. Aqui
e a salvação da mesma maneira como um método dogmáti­ percebe a influência de diversos pesquisadores57, bem
co retrata as "doutrinas" do AT? Será que a abordagem dog­ orno da abordagem desenvolvimental da "revelação pro­
mática não apresenta, em última análise, uma teologia en­ gressiva "58•
raizada no AT, e não a teologia do próprio AT? Ela tem LEHMAN divide sua obra em três partes principais, que
realmente condições de apresentar a teologia que o AT (ou a guem a divisão do cânon hebraico. A parte I trata da reve­
Bíblia) contém? O centro do AT nem sequer se torna um pro­ ção de Deus na criação e na queda, da queda até Abraão
blema ou adquire grande importância na abordagem dog­ , na seqüência, passando pelos patriarcas. A isso se seguem
mática porque o centro está predeterminado pelo esquema; < revelação e o culto na época de Moisés, uma seção sobre a

ele é teologia-antropologia-soteriologia. Estas e outras ques­ 'Xposição final da lei por parte de Moisés e um tópico sobre
tões preocuparão os biblistas veterotestamentários em nossa cado e salvação no Pentateuco. A parte II trata da revela-
época e, provavelmente, durante algum tempo ainda. ão de Deus através dos profetas (anteriores e posteriores),
m subseções sobre a ascensão, o lugar e a natureza do pro­
b) O método genético-progressivo f tismo, a teologia dos profetas anteriores, a revelação de
us através dos profetas do período assírio, a teologia de Is
No tocante ao escopo, à função e à estrutura da teologia 0-66 e a teologia dos profetas dos períodos caldeu (neoba­
do AT, este é outro método consagrado pelo tempo que tem ilônico), exílico e persa. A parte III expõe a teologia do Ha­
sido empregado de várias formas53 • CHESTER K. LEHMAN define riógrafo na seqüência de Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cân-
o "método da teologia bíblica" como método "determinado, li o dos Cânticos e Jó.
em sua maior parte, pelo princípio da progressão histórica"54.
�, lbid., p. 7.
52
DENTAN, The Knowledge of God in Ancient Israel, p. xi.
Ih
lbid., p. 38.
53
Antecedentes históricos do reavivamento do "método genético" na dé­ �, LEHMAN (pp. 7s., 26s., 35-38) destaca o quanto deve a seu mestre GEERHARous
cada de que estamos tratando se encontram no século XIX, particular­ Vos (Biblical Theology: Old and New Testaments), a EICHRODT (Theology of
mente nas obras do maior nome da teologia veterotestamentária da //te Old Testament) e a ÜEHLER.
segunda metade daquele século, ÜEHLER, Prolegomena zur Theologie des �" EHMAN, Biblical Theology I, p. 12, onde, em sua Introdução, M. S. AuGSBURGER
Alten Testaments; Theologie des Alten Testaments. bserva que LEHMAN vê a revelação que se desdobra no NT num nível
54 LEHMAN, Biblical Theology I, p. 38. 'uperior à do AT.
70 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METOOOLOGIA 71

Essa abordagem enseja muitas observações valiosas e im­ afins. Os capítulos 3 a 6 lidam com o que CLEMENTS considera
portantes. A estrutura canônica tripartite, entretanto, encon­ os temas centrais do AT. O tema "O Deus de Israel" trata de
tra-se numa tensão aparentemente irreconciliável com o aspectos como o ser, os nomes, a presença e a singularidade
método genético de "progressão histórica", porque o cânon de Deus; destaca-se cautelosamente um fluxo histórico-ge­
hebraico não evidencia uma progressão histórica consisten­ nético de desenvolvimento. Isso também se. manifesta no ca­
te ou mesmo intencional. Correspondentemente, não se pode pítulo "O AT como promessa", em que a importância desse
dizer que a proposta metodológica de LEHMAN tenha encon­ tema é mostrada sem o tornar central para o AT (com a de­
trado uma realização bem-sucedida em sua apresentação da vida vênia a W. C. KArsER)61 •
teologia do AT. Sua exposição revela uma mistura de estru­ Em contraposição a muitas teologias do AT, CLEMENTS
tura canônica tripartite com uma abordagem tópica e/ ou recusa-se, com razão, a seguir uma abordagem orientada por
livro a livro 59 sem uma progressão histórica consistente. um centro da teologia do AT com um princípio organiza­
Alguns livros permanecem não-datados, totalmente fora de dor. Para ele, a unidade do AT não é um único tema, centro,
uma "progressão histórica" e geneticamente não-relaciona­ princípio organizador ou fórmula, mas "é a natureza e o ser
dos com a revelação em desdobramento60 • Não se pode dei­ de Deus mesmo que estabelecem uma unidade no Antigo
xar de concluir que esse modelo de abordagem genética não Testamento (...)."62 Defendemos a mesma proposta de ma­
teve muito êxito. neira independente de CLEMENTS63 •
Sem tentar ser injusto de qualquer maneira, parece que O capítulo "O povo de Deus" expõe a relação entre povo
o conhecido pesquisador R. E. CLEMENTS, da Universidade de e nação, a teologia da eleição e a teologia da aliança. O capí­
Cambridge, faz parte, de modo geral, do grupo daqueles que tulo "O AT como lei" reconstitui o sentido de torah aplicável
adotam, em termos amplos, um método genético. O livro de ao Pentateuco e seu uso nos escritos proféticos e o compara
CLEMENTS intitulado Old Testament Theology: A Fresh Approa­ ao conceito de "lei".
ch (1978) é uma espécie de prefácio ou prolegômeno à teolo­ Em contraposição a outras abordagens da teologia do
gia do AT e tem grande importância para a questão da me­ AT, CLEMENTS não só enfatiza a significância do cânon, mas
todologia. também sustenta vigorosamente que o cânon das Escrituras
CLEMENTS divide sua monografia em oito capítulos. Os Hebraicas, i.e., o AT, é, em si e por si, a norma autoritativa
capítulos 1 e 2 contêm um exame (não muito profundo, às para a teologia do AT. "Há uma conexão real entre as idéias
vezes) de várias questões referentes à metodologia e outras de 'cânon' e 'teologia', pois é o status desses escritos como
cânon da sagrada escritura que os distingue como escritos
59
A abordagem tópica se evidencia na apresentação de tópicos como "O que contêm uma palavra de Deus que ainda se crê que seja
Deus de Israel", eleição, aliança, pecado, etc. da forma como se manifes­ autoritativa."64 De uma maneira que reflete preocupações
tam em vários livros de vários períodos. A abordagem que procede livro semelhantes às do pesquisador B. S. Cmws, da Universidade
por livro é adotada para Is 40-66 (ibid., pp. 304-328), Salmos (pp. 409-441),
Provérbios (pp. 442-445), Eclesiastes (pp. 446-450), Cânticos (pp. 451-453)
e Jó (pp. 454-458). 61
60 O
Hagiógrafo [= Escritos] é tratado à parte sem qualquer indicação de Veja abaixo, pp. 79-81 .
uma "progressão histórica". Será que esses escritos são a-históricos ou 02

há uma falha insuperável na estrutura da teologia veterotestamentária CLEMENTS, Old Testament Theology, p. 23.
1'3 HAsEL, O centro do AT; infra, capítulo IV.
deLEHMAN?
''' CLEMENTS, Old Testament Theology, p. 15.
72 TEOLOCIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METOOOLOCIA 73

Yale, CLEMENTS nos lembra que "é precisamente o conceito de ao método e aos pressupostos da interpretação do Antigo
cânon que levanta perguntas sobre a autoridade do Antigo Testamento no Novo"69• Isso implica, entre outras coisas, um
Testamento e sua capacidade de nos apresentar uma teolo­ xame bastante bem-vindo "daqueles temas-chave pelos
gia que ainda possa ser significativa no século XX"65• Por­ quais a unidade é fixada na própria Bíblia"7º. A significân­
tanto, CLEMENTS se recusa a conceber� teologia do AT como cia dessa "nova abordagem" pode ser avaliada mais plena­
exercício puramente descritivo. A razão de se rejeitar tal mente se lembrarmos que uma recente teologia do AT foi
"abordagem rigidamente historicizante" se baseia na posi­ escrita "como se o Novo Testamento não existisse"71 e sus­
ção de que "o Antigo Testamento não nos apresenta uma tentou que a relação entre os Testamentos não era um pro­
revelação do Deus eterno"66• blema significativo na teologia do AT. Que ela seja tal pro­
A insistência no cânon veterotestamentário como fron­ blema não precisa mais ser negado, como o demonstraram
teira da teologia do AT é um aspecto central na discussão amplamente os estudos de J. A. SANDERS e J. BLENKINSOPP72• Em
contemporânea. A questão perene é a de lidar com a totali­ contraposição aguda a abordagens histórico-críticas da teo­
dade de escritos contidos no cânon do AT. Um teste típico logia veterotestamentária, essa "nova abordagem" propõe
para verificar a adequação de um método para a teologia um ponto de partida mais amplo para a disciplina da teolo­
do AT é a questão da integração do AT completo com toda gia do AT. A teologia do AT não deve ser concebida como
a sua variedade e riqueza. Virtualmente todas as teologias um empreendimento histórico e descritivo (como queria a
do AT tiveram dificuldades de lidar com os escritos sapien­ escola de GABLER-WREDE-STENDAHL), mas, "em vez de tratá-la
ciais (Provérbios, Jó, Eclesiastes, Cantares). Exemplos típi­ como um ramo subordinado da crítica histórica do Antigo
cos são as abordagens de G. VON RAo, W. ZIMMERLI e C. WEs­ Testamento, ela deveria ser considerada genuinamente como
TERMANN, que tratam da literatura sapiencial do AT em um ramo da teologia"73• Acaso isso significa que ela é um
termos da resposta de Israel a Deus. Mas dificilmente se ramo do campo da teologia sistemática, onde B. S. CHILDS
encontrará a desconsideração dessa parte do cânon do AT deseja situar a teologia bíblica, ou isso significa que ela con­
que se evidencia na abordagem de CLEMENTS: ele a desconsi­ tinua fazendo parte do campo dos estudos do AT, mas com
dera inteiramente. Isso significa efetivamente que o cânon uma metodologia pós-crítica, pós-historicista? Voltaremos a
de CLEMENTS consiste apenas da Lei e dos Profetas, com um esta questão mais tarde.
pouco dos Salmos67 • Mesmo que esse livro tenha surgido a
partir de uma série de palestras68, é uma lacuna frustrante
e) O método de seção transversal
ver a literatura sapiencial ser tão completamente negligen­
ciada.
Um dos principais pioneiros em teologia do AT e sua
A "nova abordagem" de CLEMENTS também inclui um
metodologia no século XX é W. E1cHRODT. Na década de 1930,
novo exame do "estudo cristão do Antigo Testamento", o
que implica "uma atenção plena e cuidadosa(...) à maneira, 69
CLEMENTS, Old Testament Theology, p. 185.
70
Ibid., p. 186.
65 Ibid., p. 19. 71
McKENZIE, A Theology of the Old Testament, p. 319.
66
Ibid. 72 SANDERS, Torah and Canon; id., Hermeneutics; BLENKINSOPP, Prophecy and
67
Veja agora a substancial obra de KRAus, Theologie der Psalmen. Canon.
68 "Talking Points from Books", ExpTim, v. 9, p. 194, 1979. 73 CLEMENTS, Old Testament Theology , p. 191.
74 TEOLOGIA DO ANTIGO TF.STAMENTO A QUESTÃO DA MITTOOOLOG!A 75

ele desenvolveu a abordagem de seção transversaF4. Conse­ laborou um detalhado estudo comparativo das teologias do
guiu chegar a uma seção transversal que atravessa o mundo AT de ErcHR0DT e voN RAo.
veterotestamentário fazendo da aliança o centro do AT. Ao Já em 1929, ElcHR0DT exigiu uma reorientação radical
dar este passo, ErcHR0DT não só antecipou o reavivamento do na metodologia 78 a fim de superar o impasse para o qual a
interesse pela aliança sob o ímpeto de G. MENDENHALL75, que plicação de um princípio do tipo Deus-ser humano-salva-
está sendo objeto de um debate acalorado na atualidade76, -o tinha levado o desenvolvimento da teologia do AT de
mas também estimulou outros a segui-lo produzindo suas E0RG L. BAUER (1755-1806) até EMIL KAUTZSCH (1911), sob a
próprias teologias do AT baseadas numa seção transversal. influência do historicismo79•
Ele encontrou um defensor recente em D. G. SPRIGGS 77, que EICHR0DT insiste corretamente que em toda ciência há um
lemento subjetivo. Os historiadores passaram a levar a sé­
rio o fato de que há inevitavelmente um elemento subjetivo
m toda pesquisa histórica digna desse nome. O positivista
74 EicttR0DT, Theology of the Old Testament. Veja também DENTAN, Preface to
Old Testament Theology, pp. 66-68; SPRIGGS, Two Old Testament Theologies,
pp. 11-33, que considera "a concepção da finalidade e função de uma rra quando, por causa da objetividade, tenta livrar as dis­
teologia veterotestamentária de EICHR0DT [ ... ] mais aceitável do que a de tintas ciências da filosofia. Não se pode ser um verdadeiro
VON RAo" (p. 97). historiador se se ignora a filosofia da história. O historiador
75 G. MENDENHALL, Law and Covenant in Israel and the Ancient Near East, Pitts­ sempre será guiado em seu trabalho por um princípio de se­
burgh, 1955; id., Covenant, in: IDB, 1962 v. I, pp. 714-723; id., The Tenth leção, que é certamente um empreendimento subjetivo, e por
Generation, Baltimore, 1973.
76 Veja, p.ex., PERLITT, Die Bundestheologie im Alten Testament, e KuTsCH, um objetivo que dá certa perspectiva a seu trabalho, objetivo
Verheissung und Gesetz, que propõem uma origem tardia da idéia da que é igualmente subjetivo. ErcHRODT admite a verdade da
aliança; KuTsCH afirma também que o AT não conhece uma idéia da afirmação de que a história não tem condições de pronunci­
aliança, mas apenas de "obrigação" (Verpflichtung). Entre os que se opõem ar um julgamento último sobre a verdade ou falsidade de
vigorosamente a essa nova tendência encontram-se McCARTHY, Treaty qualquer coisa, ou sobre sua validade ou invalidade. Ele sus­
and Covenant; H. LUBSCZYK, Der Bund ais Gemeinschaft mit Gott: Erwiigungen
zur Diskussion über den Begriff "berit" im Alten Testament, in: W. ERNST, K. tenta que, embora o biblista do AT forme um juízo existenci­
FEIEREIS, F. HoFFMANN (ed)., Dienst der Vermittlung, Leipzig, 1977, pp. 61-96; al que, ao menos em parte, determina o elemento subjetivo
M. WEINFIELD, b•rith, in: TDOT, 1975, v. II, pp. 253-279. Um levantamento que se encontra em sua exposição da religião do AT, carece
geral de questões selecionadas encontra-se em D. J. McCARTHY, Old Testa­ de peso a acusação de que a teologia do AT seria não-cientí­
ment Covenant, London, 1972. EICHRODT defendeu seu conceito de aliança
fica em seu caráter.
em Covenant and Law: Thoughts on Recent Discussion, Interp, v. 20, pp.
302-321, 1966. Sua idéia de tornar a aliança do Sinai o centro do AT foi
apoiada por WRIGHT, The Old Testament and Theology, pp. 57-62, mas é mente capaz de resistir às ondas de choque do ataque violento de RAo.
criticada por negligenciar completamente a aliança davídica por PRussNER, Sua compreensão de aliança certamente precisa ser modificada, e eu não
The Covenant of David and the Problem of Unity in Old Testament a consideraria o único conceito organizador. Da maneira como E1cHRODT
Theology, e por deixar de lado a aliança davídica e abraâmica por SPRIGGS, o entende - o relacionamento Deus-ser humano revelado no AT -, ele é
Two Old Testament Theologies, pp. 25-33. Uma reação claramente negativa tanto abrangente o suficiente e central o suficiente para ser útil."
ao uso da aliança como princípio organizador vem de N. K. GoTTWALD, W. 78 EicHRODT, Hat die alttestamentliche Theologie noch selbstiindige Bedeutung
E1CHRODT, Theology of the Old Testament, in: Contemporary Old Testament innerhalb der alttestamentlichen Wissenschaft?. Veja PoRTEous, Old Testa­
Theologians, pp. 23-62, especialmente 29-31. ment Theology, pp. 317-324; E1ssFELDT, Israelitisch-jüdische Religionsgeschi­
77 SPRIGGS, Two Old Testament Theologies, p. 101: "De modo geral, considero chte und alttestamentliche Theologie.
que a concepção de teologia veterotestamentária de EICHR0DT é perfeita- 79 Cf. DENTAN, Preface, pp. 26-57; KRAus, Biblische Theologie, pp. 88-125.
76 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESfAMENID A QUESfÃO DA METOOOLOGIA 77

A teologia de EICHRODT permanece firmemente histórica principais categorias que representam a estrutura básica do
e descritiva. Ele afirma que o biblista do AT tem de ser guia­ magnum opus [obra magna] de EICHRODT, a saber, Deus e o
do por um princípio de seleção e por um princípio de conge­ povo, Deus e o mundo e Deus e o ser humano86 • Sua seção
nialidade. A grande tarefa sistemática consiste em proceder tr n versai sistemática é executada de maneira a exibir a tra­
a uma seção transversal que atravesse o processo histórico, j tória do pensamento e da instituição de,ntro de seu siste­
pondo a descoberto a estrutura interna da religião. Seu alvo ma. O método de seção transversal, junto com o uso feito
é "entender o âmbito da fé veterotestamentária em sua uni­ por EicHRODT do conceito de aliança como meio de alcançar a
dade estrutural (... ) [e] iluminar seu sentido mais profun­ unidade, é até certo ponto artificial, já que o AT se presta
do"80. Sob a convicção de que a "tirania do historicismo"8 1 menos à sistematização do que propõe EICHRODT.
tem de ser rompida, ele explica que "a irrupção do reino de O método de seção transversal de EICHRODT tem proble­
Deus neste mundo e seu estabelecimento nele" é "o que vin­ mas graves. Dentro de sua apresentação, encontram-se ex­
cula indivisivelmente os dois âmbitos do Antigo e do Novo plicações de "desdobramentos históricos"87 em que a con­
Testamento". Mas, além desse movimento histórico do AT cepção da história das religiões transparece, mas quase nunca
para o NT, "há uma corrente de vida fluindo na direção in­ da perspectiva do NT. Isso é especialmente surpreendente
versa, do Novo Testamento para o Antigo"82. O princípio de porque ele sustenta que existe um "relacionamento de mão
dupla entre o Antigo e o Novo Testamento" e que sem esse
seleção na teologia de EICHRODT é o conceito de aliança, e a
relacionamento "não encontramos uma definição correta do
meta que lhe dá a perspectiva se encontra no NT.
problema da teologia do AT"88. Neste sentido, sua obra difi­
Deve-se creditar a E1cHRODT o fato de ter rompido de uma cilmente representa uma melhoria em comparação com as
vez por todas com o tradicional esquema Deus-ser humano­ abordagens anteriores da perspectiva da história das religi­
salvação, adotado repetidamente da dogmática por biblis­ ões. Além disso, o princípio sistemático de EICHRODT, i.e., o
tas83. Seu procedimento para tratar do âmbito do pensamento conceito de aliansa, tenta apreender os pensamentos diver­
veterotestamentário tenta fazer "o princípio histórico atuar sificados do AT. E aqui que reside o problema do método de
lado a lado com o princípio sistemático num papel comple­ seção transversal. Será o conceito de aliança, ou o conceito
mentar"84. EICHRODT encontra o princípio sistemático no con­ de comunidade de VRIEZEN, ou qualquer outro conceito sin­
ceito de aliança, que se torna a categoria prevalecente e uni­ gular suficientemente abrangente para incluir dentro de si
ficadora em sua teologia do AT85. Da combinação do princípio toda a variedade do pensamento veterotestamentário? Em
histórico e do princípio da aliança se depreendem as três
86 H. ScHULTZ, Alttestamentlíche Theologíe: Die Offenbarungsrelígion in ihrer
80
TOT, V. I, p. 31. vorchrístlíchen Entwícklungsstufe, 5ª ed., Leipzig, 1896, já tinha se anteci­
81
Ibid. pado a ErcHRODT na organização sistemática da segunda parte de sua
82
Ibíd., p. 26. teologia do AT. E!CHRODT (TOT, v. I, p. 33, nota 1) confessa que deve suas
83
As teologias do AT de E. KôNIG (1923), E. SELLIN (1933) e L. KôHLER (1935) três principais categorias ao esboço de PROCKSCH, Theologie des Alten
ainda dependiam, em maior ou menor grau, do esquema teologia-antro­ Testaments, pp. 420-713.
pologia-soteriologia da teologia sistemática que se tornou dominante na
87
Por exemplo, a história do conceito de aliança e a história do movimento
teologia bíblica no período pós-GABLER. profético em TOT, v. I, pp. 36ss., 309ss. A expressão "desenvolvimento
84
TOT, v. I, p. 17ss. histórico" é usada pelo próprio ErCHRODT, TOT, v. I, p. 32.
85
Ibid., p. 32.
88
TOT, V. I, p. 26.
78 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUFSTÃO DA METODOLOGIA 79

termos mais gerais: será o AT um universo de pensamento "o melhor ponto de partida para uma teologia bíblica do
ou crença que possa ser sistematizado dessa maneira89? Ou Antigo Testamento,(...) [que deve] ser organizada tendo em
perde-se a perspectiva abrangente da história com a com­ vista esse aspecto"94• Não se deveria deixar de registrar que
partimentalização de perspectivas temáticas singulares sob i so é uma reação contra a abordagem diacrônica, baseada
um único denominador comum? Não é uma inadequação na história das tradições e cujo pioneiro foi VON RAo, que in-
básica do método de seção transversal como ferramenta de istia que não há centro e, conseqüentemente, não há unida­
investigação o fato de permanecer distendido na tensão en­ de95. VRIEZEN, assim como outros depois dele, retrabalhou
tre resumo histórico e indicador teológico? toda a sua teologia do AT a fim de "acentuar com maior
O conhecido erudito holandês TH. C. VRIEZEN segue em firmeza a unidade do conjunto" 96 com a ajuda do conceito
grande parte o método de seção transversal e o combina com de comunhão. O estímulo para tanto partiu da rejeição da
um interesse abertamente confessional90• Em termos de me­ existência de uma unidade conceitua! no AT por parte de
todologia, VRIEZEN é devedor tanto de O. ErssFELDT quanto de VON RAo. Levantemos a seguinte pergunta a esta altura: exis­
W. ErcHRODT91. Ele tenta reconciliar alguns aspectos das abor­ te um único tema ou conceito que possa servir de centro do
dagens diferentes que surgiram no debate entre ErssFELDT e AT para unificar os materiais diversificados e organizá-los
ErcHRODT na década de 1920. A posição básica de VRIEZEN de numa estrutura coerente de teologia do AT?
que "tanto no tocante a seu objeto quanto a seu método a Uma resposta claramente afirmativa, com argumenta­
teologia do Antigo Testamento é e deve ser uma ciência teo­ ção detalhada, é oferecida por W. C. KArsER Jr. Ele crê que há
lógica cristã"92 deve-se a ErssFELDT. Mas na seção transversal "um tema, chave ou padrão organizador indutivamente de­
em termos estruturais VRIEZEN segue a proposta de ErcHRODT rivado que os sucessivos autores do Antigo Testamento re­
ao insistir que tentou "estabelecer a 'comunhão' (...) como o conheceram abertamente e complementaram conscientemen­
centro de toda a exposição" 93. Na opinião de VRIEZEN, esse é te na revelação progressiva do texto veterotestamentário"97.
Sustenta que "o verdadeiro e único centro ou Mitte [centro,
89
Na medida em que WRIGHT, The Old Testament and Theology, p. 62, apoiou em alemão] de uma teologia do Antigo Testamento"98 é "o
recentemente a centralidade do conceito de aliança para a recitação dos tema da promessa" 99• A monografia de KAISER intitulada
atos de Deus e, por conseguinte, a metodologia de ErcHRODT, é preciso
lembrar-se também de suas restrições anteriores no tocante à adequação
do conceito de aliança. WRIGHT afirmou em Studia bíblica et Semítica, p. 94
Ibid., p. 175.
377: "É improvável, entretanto, que qualquer conceito seja por si só sufi­ 95
OTI, V. I, PP· 115-121; V. II, PP· 412-415.
cientemente abrangente para incluir dentro de si toda a variedade." Cf. a 96
VRIEZEN, Outline of Old Testament Theology, p. 8.
crítica da cifra/símbolo da aliança feita por Norman K. GoTTWALD, W. 97
KAISER, The Centre of Old Testament Theology, p. 3. Veja também seus estu­
E1cHR0DT, Theology of the Old Testament, in: Contemporary Old Testament dos preparatórios anteriores: "The Eschatological Hermeneutics of 'Evan­
Theologians, pp. 53-56. gelicalism "' : Promise Theology, JETS, v. 13, pp. 91-99, 1970; "The Old
9
º VRIEZEN, Outline of Old Testament Theology, pp. 143-150. Promise and the New Covenant": Jeremiah 31:31-34, JETS, v. 15, pp. 11-
91
Veja acima, nota 78. 23, 1972; "The Promise Theme and the Theology of Rest; The Davidic
92
VRIEZEN, Outline of Old Testament Theology, p. 147. Promise and the Inclusion of the Gentiles" (Am 9.9-15 and At 15.13-18):
93
Ibid., p. 8. VRJEZEN, p. 351, sustenta que o conceito de comunhão é prefe­ "A Test Passage for Theological Systems", JETS, v. 20, pp. 97-111, 1977;
rível ao de aliança porque "não podemos ter certeza de que a comunhão Wisdom Theology and the Centre of Old Testament Theology.
entre Deus e o povo foi concebida desde o início como comunhão base­ 98
KAISER, The Centre of Old Testament Theology, p. 9.
ada na aliança". 99
Ibid., p. 3.
80 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 81

Toward an Old Testament Theology, publicada em 1978, ba­ Parece que KArsER acabou chegando a uma outra seção
seia-se nessas afirmações e defende ardorosamente a exis­ transversal perpassando o AT com base num conceito de
tência de um "centro" em forma de um "conceito unifica­ "bênção-promessa" definido em termos amplos. Esse é ou­
dor, mas em desenvolvimento"100. Segundo ele, esse centro é tro esforço valoroso para indicar a unidade do AT por meio
conhecido no AT "sob uma constelação de termos, como 'pro­ de um tema determinado. KAISER é o primeiro a usar o tema
messa', 'juramento', 'bênção', 'descanso' ou 'repouso', 'se­ "bênção-promessa" como chave para uma organização da
mente"' e "fórmulas, como o dito tripartite: 'Eu serei vosso teologia do AT. Essa é uma maneira de fazer teologia do AT.
Deus, e vós sereis meu povo, e habitarei em meio a vós', ou a Mas será que ela alcança o que se propõe, ou seja, mostrar
fórmula redentora que afirma sobre Deus (...): 'Eu sou o Se­ que o tema "bênção-promessa" une todo o AT, para não fa­
nhor, vosso Deus, que vos tirou da terra do Egito.' Ele tam­ lar do NT?
bém poderia ser visto como um plano divino na história que O próprio KAISER foi forçado a admitir que esse tema
prometeu uma bênção universal (...)."101 KArsER concebe esse básico implica um "princípio de seletividade" e observa que
"centro ou plano interno para o qual cada autor contribuiu certos elementos das informações contidas no AT que inci­
conscientemente" como o "tema da bênção-promessa divi­ dem sobre a "história ou prática da religião" deveriam "ser
na"1º2. Para ele, o tema da "bênção-promessa" constitui um relegados a outras partes do corpo da teologia"105. Entre eles
centro bastante amplo da Bíblia. Ele inclui, como indica sua estão os elementos cultuais e institucionais. Com base em
exposição, também aquilo que normalmente se entende como quê se decide que algumas partes ou aspectos do AT devem
aliança e teologia da aliança. Assim, o termo "promessa" é "ser relegados a outras partes do corpo da teologia"? Se não
concebido como um guarda-chuva muito amplo, se não oni­ se trata de uma decisão subjetiva, precisa ser uma decisão
abrangente, sob o qual se pode "harmonizar" toda uma "va­ tomada com base no centro supostamente oniabrangente do
riedade de pontos de vista" e "temas longitudinais"103. AT. Se esse é o caso, quão qefensável é a afirmação de que o
O que tudo isso significa para a estrutura de uma teolo­ tema "bênção-promessa" inclui toda uma "variedade de
gia do AT? KArsER afirma que na promessa de Deus "a Escri­ pontos de vista" e "temas longitudinais"? A teologia da cri­
tura apresenta sua própria chave de organização"104. A for­ ação do AT, por exemplo, praticamente não tem espaço na
ma da organização segue uma seqüência longitudinal de eras teologia do AT de KArsER. H. H. ScttMID sustenta vigorosa­
históricas. A cada uma dessas eras históricas atribui-se um mente que a teologia da criação, i.e., "a fé de que Deus criou
capítulo - são onze no total - que desdobra o crescente tema e mantém o mundo com suas múltiplas ordens não é um
da "bênção-promessa" sob lemas como "disposições", tema marginal da teologia bíblica, mas seu tema básico en­
"povo", "lugar", "rei", "vida", "dia", "servo", "renovação", quanto tal"106. A questão, neste caso, não é apenas se KArsER,
"reino" e "triunfo da promessa". ScHMID ou algum outro está correto em relação ao tema bási­
co da teologia bíblica, mas a escolha de um único tema levou
inevitavelmente a que outros temas se tornem marginais. O
100 l<AISER,
Toward an Old Testament Theology, p. 23. culto certamente não está na margem do AT, mas na teolo-
101
lbid., p. 12s.
102
lbid., p. 11.
103
lbid., p. 65. 105
Ibid., p. 15.
104
lbid., p. 69. 106
ScttMID, Schopfung, Gerechtigkeit und Heil, p. 15.
82 TEOLOCIA DO ANTIGO TF.STAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 83

gia do AT de KAISER ele não tem sequer um status marginal. contribuem para um conhecimento do propósito divino para
Não se enquadra no centro supostamente oniabrangente da Israel, as nações e o universo?
"bênção-promessa". Até a maneira como KAISER trata da ali­ A primeira teologia do AT jamais escrita por um italia­
ança é insólita. Tem-se observado com freqüência que a ali­ no foi a de Anselmo MAmou, publicada em 1981 108 • Embora
ança proposta como centro por EICHRODT se baseia unilate­ a listemos nesta seção, sua estrutura é uma mescla de abor­
ralmente na aliança sinaítica. KAISER parece basear-se dagem dogmática e de seção transversal. A parte I se intitula
unilateralmente na "promessa" abraâmica-davídica, que é "Deus e o ser humano como Criador e criatura". Ela contém
contraposta à aliança sinaítica 107 porque esta última teria diversos capítulos, que incluem tópicos como o desenvolvi­
caráter de obrigação e não de promessa. A exposição da te­ mento genético do monoteísmo desde a religião dos patriar­
ologia dos profetas, por sua vez, orienta-se para a promessa, cas até a religião posterior de Israel. A parte II tem o título
salvação e esperança, às custas dos "ais", das palavras de "A origem e o papel religioso do mal". A parte ILI é designa­
condenação e de juízo. Em que "outras partes do corpo da da "As mais importantes dádivas salvíficas de Javé", com
teologia", se não na teologia do AT, esses e outros aspectos capítulos sobre "Israel como povo da aliança"109; "Expecta­
do pensamento do AT serão objeto de atenção? A seção trans­ tiva de um Israel com espiritualidade autêntica para o futu­
versal proposta por KAISER por meio do tema ou centro da ro", que inclui as expectativas messiânicas do AT; "Recebi­
"bênção-promessa" não parece reunir a riqueza dos temas e mento da revelação entre os profetas"; "Escritos sagrados
materiais do AT. como testemunha inspirada da revelação", incluindo o de­
Fazer uma comparação entre VRIEZEN e KA1sER é difícil. senvolvimento do cânon do AT, que, na concepção de MAT­
Há vários elementos comuns entre eles. Ambos concebem o TIOLI, ainda foi concluído em Jâmnia (cerca de 90 d.C.) [essa
assunto de que tratam como preparatório para o NT. Os te­ concepção tem de ser abandonada110]; e "Expectativas de
mas ou centros escolhidos por ambos deveriam ser válidos vida futura após a morte", um capítulo que inclui o tema da
tanto para o conjunto do AT quanto do NT. No final das
contas, a abordagem de VRIEZEN mostra ser mais ampla do 108 MArrrou, Dio e l'uomo nella Bibbia d'Israele.
que a de KAISER. Em ambos os casos, os respectivos centros 109 MArrrou silencia sobre o recente debate a respeito de uma aliança em
acarretam inevitavelmente um princípio de seletividade. A período precoce no antigo Israel. Uma espécie de posição neo-wellhau­
siana é assumida por PERLJTI, Die Bundestheologie im Alten Testament, e
abordagem de seção transversal tem esse ponto fraco, como KUTSCH, Verheissung und Gesetz, que defendem a origem exílica ou pós­
o têm, aparentemente, todas as abordagens que optam por exílica da idéia veterotestamentária da aliança. Veja o panorama desse
um "centro". Será que a unidade realmente se encontra num desenvolvimento e debate todo em NrcHOLSON, God and His People. Vá­
único centro do AT? Ou não se encontra a unidade do AT rios estudos recentes propõem vigorosamente uma aliança em período
no Deus uno Javé cuja variegada auto-revelação em pala­ precoce no AT: M cCARTHY, Treaty and Covenant, e vários artigos;
McCoMISKEY,The Covenant of Promise, e outros.
vras e ações, na criação e re-criação, no juízo e na salvação 110 M
Arnou continua se baseando no conceito ultrapassado da fixação do
não pode ser forçada a enquadrar-se num único tema ou cânon veterotestamentário no "concílio de Jâmnia". Ele parece não es­
combinação de temas? Acaso Deus não se manifesta na va­ tar consciente dos estudos definitivos, entre outros, de P. ScHÃFER, Judai­
riedade e riqueza de todas as partes do AT, todas as quais ca, v. 31, pp. 54-64, 116-124, 1975; JACK P. LEWIS, JBR, v. 32, pp. 125-134,
1964; LEHMAN, The Canonization of the Hebrew Scriptures; TALMON, The Old
Testament Text. Cada um desses estudos demonstra, à sua própria ma­
107 KAISER, Toward an Old Testament Theology, pp. 63, 233ss. neira, que o cânon do AT foi completado muito antes de surgir o NT.
84 TEOLOGIA 00 ANTIGO TF.STAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 85

vida após a morte nos apócrifos e em Qumran. Esse tomo aspectos"115• Mas adverte imediatamente que "a busca da
contém uma parte final intitulada "O verdadeiro culto de strutura correta de uma teologia do AT e de seu conceito
Javé: rumo à libertação e à paz", com capítulos sobre o culto central correto a partir do qual se deveria conceber a fé vete­
hebraico, conversão e perdão. rotestamentária como um todo tem sido infrutífera (ou ex-
MArrrou visa a "apresentar as principais idéias religio­ essivamente frutífera!)"116• Ele opta por "uma multiplicida­
sas contidas na Bíblia"111• Sua teologia do AT está organiza­ de de abordagens [que] levará a múltiplas percepções"117.
da com base nessas "idéias", idéias a respeito de Deus e do Observa também que "o desafio para a interpretação con­
ser humano que, nas palavras de H. GRAF REVENTL0W, mani­ temporânea do AT (...) surge a partir da natureza dúplice
festam a atuação de um "princípio dogmático" 112• Embora dessas escrituras"118, a saber, a palavra de Deus na palavra
isso pareça se aplicar à organização das partes principais do humana. "Ele consiste em usar as técnicas apropriadas ao
livro de MAmou, os distintos capítulos seguem, grosso modo, estudo das palavras humanas de tal modo que a palavra di­
uma abordagem de seção transversal, já que os vários tópi­ vina que elas constituem fale a nós que vivemos após a vin­
cos e temas selecionados do AT seguem, mais ou menos, o da de Cristo"119•
suporte textual para eles que se encontra ao longo do AT. O A recente monografia de GoLDINGAY sobre "A diversida­
capítulo sobre a vida futura dá a impressão de ser uma apre­ de teológica e autoridade do Antigo Testamento" comple­
sentação genética. Assim, parece que MAmou usa uma mes­ menta suas publicações anteriores e lida, de maneira pene­
cla de abordagens para atingir seu propósito. trante e perceptiva, com a questão acaloradamente debatida
JoHN GoLDINGAY havia escrito diversos artigos e um livro sobre se a diversidade do AT 12º é de peso tão avassalador
sobre teologia do AT antes de publicar a versão revisada de que o pesquisador e teólogo irá simplesmente desistir e dizer
sua tese de doutorado sob o título Theological Diversity and "não" à teologia do AT121• Trata-se também de uma alterna­
the Authority of the Old Testament113 • Em seu primeiro livro tiva às tentativas empreendidas por JAMES BARR, particular­
sobre interpretação do AT, ele havia enfatizado que não se mente seu recente livro sobre a autoridade da Escritura 122•
deveria optar por uma abordagem do tipo "um ou outro"
que contraponha o método descritivo ao normativo para a
teologia do AT114• Ele opta pela posição de que "o relaciona­
115
Ibid., p. 26.
116
Ibid., p. 27.
mento de Deus com a humanidade (especificamente com Is­ 117
Ibid., p. 29.
rael) é o ponto central [centro?] da fé veterotestamentária a 118
Ibid., p. 155.
partir do qual se deveriam examinar todos os seus demais 119
Ibid.
120
Veja a monografia de HANSON, The Díversity of Scripture, em que a diver­
sidade da Escritura postulada pela pesquisa histórico-crítica é vista em
111
MArr1ou, Dio e l'uomo nella Bibbia d'Israele, p. 14. termos de polaridades dinâmicas, como, p.ex., "pragmático/visionário"
112
REvENTLOW, Zur Theologie des Alten Testaments, p. 237. e "forma/reforma", como parte da interface de tradição e comunidade.
113
GOLDINGAY, The Study of Old Testament Theology; id., The Chronicler as Theo­ 121
É exatamente isso que WHYBRAY, Old Testament Theology-A Non-existent
Iogian; id., The "Salvation History" Perspective and the "Wisdom" Perspecti­ Beast?, voltou a sugerir. Ele não crê que as principais tentativas de unifi­
ve Within the Context of Biblical Theology; id., Diversity and Unity in Old car o AT por meio de um único tema, uma única afirmação ou algo
Testament Theology; id., Approaches to Old Testament Interpretation; id., semelhante - seja de caráter dogmático, filosófico ou psicológico - se­
Theological Diversíty and the Authority of the Old Testament. jam suficientes.
114
GoLDINGAY, Approaches, pp. 17-24. 122
BARR, Holy Scripture.
86 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METOOOLOGIA 87

GoLDINGAY dedica a parte central de seu livro à sua própria sentido, GOLDINGAY se afasta daqueles que limitam a teologia
síntese dos problemas com que se defronta a teologia do AT do AT tão somente à tarefa descritiva e toma o partido de R.
e propõe sua própria abordagem nesta parte, intitulada "Uma C L E M E N T S e outros que combinam a tarefa descritiva com
abordagem unificadora ou construtiva"1 23 . Aqui ele pergun­ a lógica130. Neste sentido, ele se aparta da alternativa entre
ta se é possível "formular uma única teologia do Antigo Tes­ "que isso queria dizer" (AT / teologia bíblica) e "o que isso
tamento" 124. Essa pergunta é de relevância singular, porque quer dizer" (teologia sistemática) do programa de STENDHAL,
vozes vindas de vários quadrantes salientam que a discipli­ por um lado, e, por outro, reage ao debate ocorrido entre O.
na se chama teologia do AT, mas o AT tem várias e variega­ E1ssFELDT e W. ErcHRoor na década de 1930 dando mais crédi­
das teologias 125.
to a ErssFELDT do que tem sido usual131.
As propostas de GowrNGAY para a teologia do AT são Há um reconhecimento cada vez maior de que nenhum
influenciadas pela abordagem de seção transversal de Ero-IRoor pesquisador trabalha tão isolado de sua comunidade ou tra­
e por orientações que vão além das de ErcHRODT e são esboça­ dição de fé que isso não seja ou não devesse ser levado em
das ou mencionadas por D. G. SrRIGGs126. Ele até vai além de consideração. Insiste GoLDINGAY: "Com efeito, um cristão que
SrRIGGS e sugere, em suas reflexões recentes, que não há um escreve uma teologia do AT não pode evitar escrevê-la à luz
único centro no qual se possa basear uma teologia do AT. do NT, porque não pode formar juízos teológicos sem fazer
"Muitos pontos de partida, estruturas e focos podem ilumi­ referência ao NT. Deve-se admitir que o inverso também é
nar a paisagem do AT; uma multiplicidade de abordagens verdadeiro: ele não pode formar juízos teológicos sobre o NT
levará a múltiplas percepções."127 Assim, GoLDINGAY opta por
uma "abordagem construtiva". "A teologia do AT é, de ma­ isolando-o do AT."132 O método modificado e ampliado de
"seção transversal" de GoLDINGAY não exclui "construções
neira inevitável, não meramente uma tarefa reconstrutiva,
mas construtiva."128 Isso quer dizer que "não é de fato rea­ teológicas" baseadas em "abordagens diacrônicas"133. Não
lista sustentar que a teologia do AT deveria ser uma discipli­ 13
° CLEMENTS, Old Testament Theology, pp. 10-11, 20, 155. Clernents enfatiza
na puramente descritiva; ela implica inevitavelmente a ex­ repetidamente que a teologia veterotestamentária é descritiva e teoló­
plicação contemporânea do material bíblico" 129• Neste gica no sentido de que ela "se preocupa com a significação teológica que
essa literatura possui no mundo moderno" (p. 20). Ele insiste que "a
teologia do AT tem de reconhecer mais abertamente que sua função é
123
GOLDINGAY, Theological Diversity, pp. 167-239. elucidar o papel e a autoridade do AT naquelas religiões que o usam
124
Jbid., pp. 167-199. corno cânon sagrado e o consideram parte fundamental de sua herança"
125 Veja, p.ex., WAGNER, "Biblische Theologien" und "Biblische Theologie"; McE­
(p. 155). Há outros autores que têm preocupações semelhantes, ainda
VENUE, The Old Testament, Scripture or Theology?; RENDTORFF, Zur Bedeu­ que de formas variadas: PoRTEOus, Living the Mystery, pp. 22-24; HANSON,
tung des Kanons für eine Theologie des Alten Testaments. Particularmente Theology, Old Testarnent; id., The People Called; GROVES, Actualization and
importantes são também os ensaios de ÜEMING, Unitas Scripturae?; MAu­ Interpretation in the Old Testament, pp. 165-210, onde ele oferece urna
SER, Eis Theos und Monos Theos in Biblischer Theologie; e STUHLMACHER, crítica penetrante da "atualização cronológica" de VON RAo e esboça suas
Biblische Theologie ais Weg der Erkenntnis Gottes. próprias propostas.
126 SPRJGGS, Two Old Testament Theologies, p. 89, cit. ap. GOLDINGAY, Theological 131
Veja ElsSFELDT, Israelitisch-jüdische Religionsgeschichte und alttestamentli­
Diversity, p. 181. che Theologie; EICHRODT, Hat die alttestamentliche Theologie noch selbstiindige
127
GOLDINGAY, Theologica/ Diversity, p. 115. Bedeutung innerhalb der alttestamentlichen Wissenschaft?
128
Ibid., p. 11. 132
GOLDINGAY, Theological Diversity, pp. 186-187.
129
Ibid., p. 185. 133
lbid., pp. 197-199.
88 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METOOOLOGIA 89

fica claro exatamente como tanto a abordagem de "seção numa posição próxima da de A. VON HARNACK e R. BuLT­
transversal" quanto a "diacrônica" podem operar lado a MANN 137, e podemos acrescentar que ele está próximo de F.
lado a menos que ambas sejam transformadas e redefini­ 8AUMGÃRTEL138 em sua afirmação de que "o Antigo Testamen­
das de tal modo que passem a ser algo novo ou algo tão to não é um livro cristão" 139. A concepção de McKENZIE ja­
diferente que a relação com aquilo que foi assim designado mais permitiria "uma corrente de vida flµindo na direção
por EICHRODT e seus seguidores ou por VON RAo e seus segui­ inversa, do Novo Testamento para o Antigo" 1 40.
dores passe por uma transmutação completa. GoLDINGAY A categoria operacional da teologia do AT de McKENZIE
desafia a teologia do AT com suas formidáveis propostas é "a totalidade da experiência"1 41 expressa no discurso vete­
teológicas e se envolve na tarefa de fazer teologia vetero­ rotestamentário sobre Deus. Visto que "nem toda experiên­
cia bíblica de Javé, nem todo fragmento de discurso sobre
testamentária 134.
Deus é de igual profundidade"142, o objeto da teologia do AT
d) O método tópico deve ser regido pela "experiência da totalidade". McKENZIE
fala da existência de uma "unidade interna" do AT sem a
O método tópico se distingue do método dogmático-di­ designar com clareza. Ela está ligada às "maneiras como
dático por sua recusa em permitir que categorias externas Israel ( ...) experienciou Javé" 1 43, e a totalidade dessa expe­
sejam superpostas como uma grade pela qual os materiais e riência "mostra a realidade de Javé com uma clareza que
temas do AT são lidos, ordenados e sistematizados. Ele tam­ livros e passagens específicos não têm" 1 44. A estrutura de
bém se afasta do método de seção transversal e sua síntese uma teologia do AT, suas categorias ou temas, estará basea­
do universo ideativo do AT. O método tópico examinado da nessa "totalidade da experiência" que, reconhecidamen­
nesta seção é usado em combinação com um centro único ou te, "é uma análise artificialmente unificada de uma experi­
dual do AT ou sem um centro temático explícito. ência histórica que tem uma unidade interna diferente da
JOHN L. McKENZIE fez uma defesa eloqüente do método unidade do discurso lógico"145.
tópico. Em contraposição à maior parte das opiniões dos es­ Com base na totalidade quantitativa da experiência
tudiosos da década sob exame, ele é taxativo ao enfatizar de Israel, McKENZIE se afasta de todas as estruturas ante-
que "escreveu a teologia do Antigo Testamento como se o
Novo Testamento não existisse"135. A melhor maneira de re­ Theology of the Old Testament, p. 319.
137
McKENZIE,
conhecer a significância dessa posição é contrapô-la à ênfa­ 138 BAUMGÃRTEL, Erwiigungen zur Darstellung der Theologic des Alten Testa­
se de B. S. CHILDS, que pleiteia uma teologia bíblica baseada ments; id., GERHARD VON RAos, Theologie des Alten Testaments; id., The Her­
meneutical Problem of the Old Testament. Veja também ScHMIDT, Die Einheit
no cânon escriturístico 136, e dos pesquisadores americanos e zwischen a/tem und Neuem Testament im Streit zwischen FRIEDRICH BAUMGAR­
europeus que sugerem um método diacrônico, a partir da TEL und GERHARD voN RAv.
história das tradições, para a teologia bíblica. McKENZIE se vê 139
Mcl<ENZIE, Theology of the Old Testament, p. 319.
140
TOT, V. I, p. 26.
141 Mcl<ENZIE, Theology of the Old Testament, p. 35.
134
Ibid., pp. 200-239, onde ele expõe sua" Abordagem unificadora de 'cria­ 142 Ibid.
ção' e 'salvação' no Antigo Testamento".
135 Mcl<ENZIE, A Theology of the Old Testament, p. 319.
143
Ibid., p. 32.
136 Cttrws, Biblical Theology in Crisis; id. The Old Testament as Scripture of the
144
Ibid., p. 35.
, 145
Ibid., p. 34s.
Church; id., The Canonical Shape of the Prophetic Literature.
90 TEOLOCIA DO ANnco TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 91

riores da teologia do AT 146 ao colocar o culto em primeiro vras de McKENZIE, o que é "de igual profundidade"151, é de­
lugar 147 • A isso se seguem capítulos sobre "Revelação", tectado através da "forma mais freqüente em que os israeli­
"História", "Natureza", "Sabedoria" e "Instituições políti­ tas experienciavam Javé" 1 52• Neste caso, evidentemente, o
cas e sociais", bem como um capítulo final intitulado "O princípio apropriado de seletividade é a freqüência quanti­
futuro de Israel". tativa da experiência. Essa é, aparentemente, a norma tanto
É óbvio que M KENZIE seguiu um caminho próprio e para a seleção tópica quanto para a seqüência tópica. Esta é
merece o reconhecimento de ter sido o pioneiro na proposta a razão pela qual o culto ocupa o primeiro lugar na teologia
de um novo método - o método tópico. Como no caso de do AT de McKENZIE. Quão defensável é a reivindicação de
qualquer outro método, as questões prementes dizem res­ que a experiência comunitária quantitativa de Javé tem pri-
peito ao princípio de seletividade, por um lado, e ao princí­ 9ridade sobre uma experiência individual qualitativa de Javé?
pio de fidelidade ao método proposto, por outro. Vamos exa­ E de se perguntar se existe uma "igual profundidade" na
minar este último ponto primeiro. Ao se escolher uma experiência cultual regular em comparação com a experiên­
abordagem tópica, esperar-se-ia coerência. Isso não parece cia singular de um Moisés, Isaías, Jeremias, Amós, Oséias
ter sido inteiramente alcançado. McKENZIE se afasta de seu etc. Pode-se perguntar se uma "totalidade da experiência"
próprio trilho quando trata dos profetas literários no capí­ quantitativa é um meio adequado para a seleção e organiza­
ção de tópicos. Passagens do princípio quantitativo para o
tulo sobre "Revelação". A seção intitulada "A mensagem
qualitativo, como na mensagem dos profetas, poderão pro­
dos profetas" oferece "um resumo muito geral de tópicos
porcionar um indício desse problema.
que podem, cada um deles, ser expostos com a extensão de
Neste ponto queremos voltar nossa atenção para dois
um livro"148, i.e., uma abordagem de livro por livro em se­
outros biblistas famosos e suas contribuições para a teologia
qüência histórica com base em juízos da crítica literária. do AT. GEORG FoHRER apresentou sua obra Estruturas teológi­
Mas mesmo neste caso não há coerência. Diz-se que Joel e cas do Antigo Testamento (no original em alemão: Theologische
Zc 9-14 são tratados em conexão com o apocalipsismo no Grundstrukturen des Alten Testaments) em 1972 [em port. Ed.
último capítulo, e diz-se que Naum e Obadias são expostos Academia Cristã, 2006], depois de publicar uma série de es­
no capítulo sobre "História". No caso de Naum e Obadias, tudos preliminares153 e sua amplamente aclamada História da
seus nomes são mencionados em conexão com outros orá­ religião de Israel 154 • FoHRER ratifica um centro do AT na forma
culos contra os povos, e isso é tudo149 • Joel e Zc 9-14 têm um de um "conceito dual"155 que consiste do "senhorio de Deus e
pouquinho mais de sorte; juntos, recebem duas páginas de
exposição 150• 151
Ibid., p. 35.
O princípio de seletividade, a saber, o que deve ser 152
Ibid., p. 32.
incluído ou excluído de uma teologia do AT, ou, nas pala- 153
Particularmente importantes são os seguintes estudos: FoHRER, Der Mit­
telpunkt einer Theologie des Alten Testaments; id., The Centre of a Theology of
the Old Testament; id., "Das Alte Testament und das Thema 'Christolo­
146
Ibid., pp. 23-25. gie"' , EvT, v. 30, pp. 281-298, 1970; id., Studien zur alttestamentlichen Theo­
147
Ibid., pp. 37-63. logie und Geschichte (1949-1966), Berlin, 1969 (BZAW, 115).
148
Ibid., p. 102. 154
Publicado originalmente sob o título Geschichte der israelitischen Religion,
149
Ibid., p. 171. Berlin, 1969 [em port. Ed. Academia Cristã, 2006].
155 FoHRER, Das A/te Testament und das Thema "Christologie", p. 295.
150
Ibid., pp. 302-304.
92 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METOOOLOGIA 93

[da] comunhão entre Deus e o ser humano"156, mas se abs­ É necessário demorar-se um pouco mais em F0HRER por
tém de empregá-lo como princípio para sistematizar ou causa de certas ênfases inovadoras. No capítulo 3, ele expõe a
organizar os materiais veterotestamentários numa teologia diversidade das atitudes existenciais humanas em termos de
do AT. Portanto, a teologia do AT de FottRER evita o método uma atitude "mágica" que é avaliada negativamente e rejeita-
de seção transversal, o método genético e o método dogmá­ ª· A segunda atitude existencial é a de cará�er cultuai, que é
tico com sua estrutura do tipo teologia-antropologia-soterio­ "uma transformação da fé da época de Moisés"160 primordial­
logia. Por outro lado, ele é um pioneiro na teologia do AT ao mente sob a influência da magia. "O culto todo está direciona­
juntar uma abordagem tópica que é descritiva em sua finali­ do para obter alguma coisa de Deus."161 FoHRER só interpreta o
dade com o sentido que ela veicula para o presente. Em ou­ culto em termos negativos. Observe o contraste com MC:KENZIE,
tras palavras: está tentando construir uma ponte de ligação que coloca o culto em primeiro lugar. Na concepção de FoHRER,
entre reconstrução e interpretação 157 ou entre "o que isso a lei "serve para conseguir o favor de Deus e assegurar sua
queria dizer" e "o que isso quer dizer"158• graça"162• Também ela é negativa163 • Ele admite que "a fé na
Uma investigação do método de FoHRER 159 revela que o eleição de Israel por Deus é fundamental"164, mas também ela é
capítulo 4, "Unidade na multiplicidade", é o coração de seu avaliada negativamente. Em contraposição à negação das ati­
livro, elucidando o centro "do senhorio de Deus e da comu­ tudes existenciais da magia, do culto, da lei e da eleição, FoHRER
nhão entre Deus e o ser humano". Os três primeiros capítu­ sugere que a única atitude existencial a ser vista positivamente
los, intitulados, respectivamente, "Interpretações do AT", é "a atitude existencial profética"165• A dinâmica atitude exis­
"AT e revelação" e "As múltiplas possibilidades de existên­ tencial profética também supera a sabedoria, porque esta "se
cia", preparam a exposição da preocupação central de preocupa com a melhor maneira de tornar-se senhor da
FottRER no capítulo 4. O capítulo 5, "Força e capacidade de vida"166• Em suma, FoHRER descreve seis atitudes existenciais,
transformação", parece ser uma espécie de parêntese den­ das quais cinco - magia, culto, lei, eleição nacional e sabedoria
tro do conjunto da estrutura de sua teologia do AT. Ele tenta - não passam de tentativas temporais e, portanto, negativas de
demonstrar como a influência do centro teológico do senho­ assegurar a existência167, ao passo que uma delas - a atitude
rio de Deus e da comunhão entre Deus e o ser humano mu­ existencial profética - é supratemporal e, portanto, positiva. "Em
dou a fé de Israel e a concepção do próprio centro teológico. seu âmago, como existência na entrega crente e no serviço obe­
O capítulo seguinte, "Desdobramentos", retoma o que foi diente com base na comunhão plena com Deus, ela tem signifi­
desenvolvido, e o último capítulo, "Aplicações Práticas", cação permanente."168
sugere a interpretação para o ser humano moderno eluci­
dando "o que isso significa".
°
16 FoHRER, Theologische Grundstrukturen des Alten Testaments, p. 62.
161 Ibid., p. 65.
156 FoHRER, Der Mittelpunkt einer Theologie des Alten Testaments, p. 163. 162 Ibid.
157 Veja particularmente MERK, Biblische Theologie des Neuen Testaments in 163
Ibid., p. 67.
ihrer Anfangszeit, pp. 260-262. 164
Ibid., p. 69.
158 STENDAHL, Biblical Theology, Contemporary. Quanto aos vários sentidos que 165 Ibid., pp. 71-86.

e ssa distinção pode implicar, veja HASEL, New Testament Theology, 166 Ibid., p. 87.

pp. 136-139. 167


Ibid., pp. 85, 93s.
159 TOT, V. I, . 26.
p
168
Ibid., p. 94.
94 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 95

Neste ponto os critérios para as avaliações das atitudes existencial profética retorna 171• Se nossa compreensão de
existenciais israelitas ficam bem patentes. As atitudes exis­ FoHRER está correta, ele não pode ser acusado de uma fusão
tenciais em que o ser humano tenta ser "o senhor da vida" de métodos ou de uma incoerência metodológica neste pon­
são consideradas temporais e negativas. A atitude existenci­ to. Se estamos certos, outra questão se coloca, a saber: neste
al que tem qualidade supratemporal e sentido duradouro se caso, o centro da teologia do AT não é idêntica à totalidade
caracteriza por "entrega crente e serviço obediente". Até que do testemunho veterotestamentário, e algumas partes da ex­
ponto essas avaliações dependem de conclusões exegéticas e periência israelita não são nem sequer marginais em relação
teológicas? Um exemplo: nem todos os especialistas em teo­ ao centro, mas são excluídas por esse centro. Neste ponto,
logia sapiencial compartilham necessariamente a posição de então, estamos nos aproximando da idéia de um "cânon den­
FottRER sobre a sabedoria do AT 169• A pesquisa subseqüente tro do cânon" e da crítica de conteúdo que a acompanha.
terá de abordar essas questões. A questão de um "cânon dentro do cânon" ou, co.mo o
Voltemo-nos à exposição de FottRER a respeito das seis chamava o recém-falecido G. E. WRIGHT, de um "núcleo auto­
atitudes existenciais e à questão do centro do AT e da teolo­ ritativo" dentro do AT172, não é um problema novo no estudo
gia veterotestamentária. Será o conceito dual de "senhorio da Bíblia. Ela remonta ao menos à época da Reforma173 e tem
de Deus e comunhão entre Deus e o ser humano", para Fo­ preocupado a ciência bíblica desde então 174• No caso de
HRER, típico de todas as seis atitudes existenciais, embora ele FoHRER, tem-se a impressão de que sua escolha do centro está
mesmo considere cinco delas inferiores e as rejeite? C. WEs­ profundamente relacionada com sua compreensão dos profe­
TERMANN entende que FottRER deriva seu centro de todas as tas do AT e suas objeções a uma associação dos profetas isra­
seis atitudes existenciais e conclui que ele funde dois méto­ elitas e de sua mensagem com a corrente dominante das tra­
dos originalmente independentes em sua teologia do AT, a dições israelitas, como enfatizaram G. VON RAo e outros
saber, um baseado no princípio de atitudes existenciais e estudiosos175• De qualquer maneira, resta ver que influência a
outro baseado no centro do AT170• Estou inclinado a discor­ interpretação negativa das atitudes existenciais da magia, do
dar de WESTERMANN. FottRER depreende seu centro daquela culto, da lei176, da sabedoria e da eleição por parte de FoHRER
única atitude existencial genuína e das tradições que a re­
fletem. Entre elas encontram-se algumas experiências pa­ 171 FoHRER parece sugerir seu centro com base em materiais que refletem a
triarcais e a pureza da fé mosaica para a qual a atitude atitude existencial "profética".
172 WRIGHT, The Old Testament and Theology, pp. 180-183.
173
LôNNING, "Kanon im Kanon".
169 A literatura e ideologia sapiencial foi considerada um "corpo estranho" 174
Bibliografias representativas encontram-se em HAsEL, New Testament
dentro do �ânon israelita e da teologia bíblica por PREuss, Erwiigungen Theology, p. 141, n. 1, p. 165, n. 139.
zum theolog1schen Ort alttestamentlicher Weisheitsliteratur; id., Alttestamen­ 175
G. FoHRER, Remarks on Modem Interpretation of the Prophets, JBL, v.
tliche Weisheit in christlicher Theologie? Avaliações diferentes encontram­ 80, pp. 309-319, 1961, especialmente p. 316: "Os profetas não eram nem
se na bibliografia citada por R. B. Y. Scorr, "The Study of the Wisdom meros reformadores, nem revolucionários nem evolucionistas. Eles não
Literature", Interp, v. 24, pp. 20-45, 1970; J. L. CRENSHAW, Wisdom, in: J. dependiam de tradições antigas, não criaram nada inteiramente novo
H. HAYES (ed.), Old Testament Form Criticism, San Antonio, 1974, pp. 225- sem base na religião de Israel e tampouco completaram um desenvolvi­
264; id. (ed.), Studies in Ancient Israelite Wisdom, New York, 1975; id., mento já iniciado."
"Wisdom in the Old Testament", IDB Supplement, 1976, pp. 952-956. 176 O conceito de lei de FoHRER, em conexão com a atitude existencial, apa­
170 WESTERMANN, Zu zwei Theologien des Alten Testaments, p. 100.
rentemente exclui o Decálogo, que, mais adiante em sua exposição, é
96 TEOLOGIA 00 ANTIGO TFSrAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOCIA 97

terá sobre a pesquisa subseqüente. A questão de um "cânon sentar "o que o Antigo Testamento diz sobre Deus num con­
dentro do cânon" levantada por Fm-IRER nos lembra os signifi­ junto coerente"181• Ele nega que o "conjunto coerente" con­
cativos indícios existentes na atualidade em relação ao cânon sista "meramente na continuidade da história, isto é, na cor­
veterotestamentário na teologia bíblica que se encontram nos rente contínua da seqüência histórica" (com a devida vênia
estudos de B. S. Cmws, na "crítica canônica" 177 exigida por a G. VON RAo e seus seguidores) 182• A continuidade encontra­
JAMES A. SANDERS178 e na tese de JOSEPH BLENKINSOPP de que a se, em vez disso, "na mesmidade do Deus que ela [a fé] 183
Bíblia Hebraica é basicamente profética179 • conhece pelo nome de Javé"184•
Outro gigante da pesquisa do AT é W. ZIMMERLI, que apre­ Tendo ligado a continuidade dentro da mudança evi­
sentou o fruto maduro de toda uma vida de estudo180 em dente de modo singular com a confissão do nome de Javé
seu livro Old Testament Theology in Outline. Ele foi lançado revelado a Moisés e incorporado na proclamação do Decá­
em inglês no ano de 1978 e tem, em grande parte, o mesmo logo (Ex 2.2s; Dt 5.6s) 185, ZIMMERLI passa a apres.entar a teolo­
conteúdo do original em alemão (Grundriss der alttestamen­ gia do AT em cinco seções principais. As partes I a III tratam
tlichen Theologie [Esboço da teologia veterotestamentária]), da teologia do AT sob os títulos "Fundamentação", "A dá­
publicado seis anos antes. A sobrecapa informa ao leitor que diva de Javé" e "O mandamento de Javé". A primeira des-
"o material está convenientemente organizado por tópicos"
e "enfatiza temas teológicos". A abordagem tópico-temática 181
ZIMMERLI, Old Testament Theology in Outline, p. 12.
está em primeiro plano. 182
Ibid., p. 13.
ZIMMERLI concebe a tarefa da teologia do AT como uma 183 N. do Tradutor: O original em alemão diz: "na mesmidade do Deus que
tarefa descritiva. A teologia veterotestamentária precisa apre- ele [o AT] conhece pelo nome de Javé".
184
Ibid., p. 14.
185
Anteriormente ZIMMERLI tinha sustentado que com a sentença "Eu sou
descrito de formas muito positivas (Theologische Grundstrukturen des Javé, teu Deus" (Ex 20.2) "está dado um fundamento efetivo de tudo
Alten Testaments, pp. 166-171). É surpreendente que na seção anterior que se segue" (Alttestamentliche Traditionsgeschichte und Theologie,
não haja qualquer indicação da exclusão do Decálogo da avaliação nega­ p. 639) e que com a resposta confessional "Tu ... Javé" transparece "um
tiva da lei. centro que é singularmente mantido em toda a história da tradição e
177
CHILDS, The Canonical Shape of the Prophetic Literature, p. 54, tem uma interpretação do AT" (ibid., p. 640). Em publicações posteriores, ZIMMER­
objeção a essa designação porque "ela implica que a preocupação com o LI dá a impressão de passar para uma compreensão mais ampla do
cânon seja vista como outra técnica histórico-crítica que pode tomar seu centro do AT na ênfase que dá ao nome de Javé. "Se uma teologia do AT
lugar ao lado da crítica das fontes, crítica das formas, crítica retórica, parte do nome de Javé, que é o centro de todo o discurso veterotesta­
etc.". mentário sobre Deus, ela se aterá rigorosamente à auto-interpretação
178
SANDERS, Torah and Canon; id., Hermeneutics. do AT e permanecerá consciente de que no nome de Javé ela se defronta
179
BLENKINSOPP, Prophecy and Canon. com aquele que fala e se recusa a abrir mão de sua liberdade ao falar
180 W.
ZIMMERLI, Gottes Offenbarung: Gesammelte Aufsãtze zum Alten Tes­ assim" (Erwãgungen zur Gestalt einer alttestamentlichen Theologie,
tament, München, 1963 (TBü, 19); id., Der Mensch und seine Hoffnung im p. 84). Parece que em seu artigo Zum Problem der "Mitte des Alten
Alten Testament, Gõttingen, 1968, trad. ingl.: Man and His Hope in the Old Testaments", o centro é Javé como Senhor. Se nossas observações estão
Testament, Naperville, IL, 1971 (SBT, 2/20); id., The Law and the Prophets, corretas, então ZIMMERLI passa de uma concepção do centro do AT defi­
London, 1965; id., Die Weltlichkeit des Alten Testaments, Gõttingen, 1971, nida em termos mais estreitos para uma concepção mais ampla e inclu­
trad. ingl.: The Old Testament and the World, London, 1976. Entre os mui­ siva, que cobre também o material sapiencial (Zum Problem, pp. 104-
tos ensaios de ZIMMERLI, o seguinte tem particular relevância: Alttesta­ 109), o qual ainda implica problemas especiais em sua teologia
mentliche Traditionsgeschichte und Theologie. veterotestamentária (Old Testament Theology in Outline, pp. 155-166).
A QUESTÃO DA METODOLOGIA 99
98 TEOLOGIA DO ANTIGO TFSTAMENTO

tura pro­ apenas dez páginas à teologia sapiencial188, que é a enteada


sas partes é, sem dúvida, um dos dois focos da estru da teologia do AT. Está mais do que na hora de que a
os" de
posta por ZIMMERLI, porque expõe os "aspectos básic teologia sapiencial ocupe seu próprio lugar na teologia do AT,
se asse­
Javé no Pentateuco da era de Moisés em diante. Isso e a tentativa feita por S. Terrien 189 neste sentido já é tardia.
prim eira part e de
melha à concepção de G. VON RAo, pois a O procedimento metodológico de ZIMMERLI é, em alguns
co, mas VON
sua teologia do AT trata da teologia do Hexateu
dos patriar­ aspectos, incomum. Tópicos ou ternas são agrupados em
R.Ao inclui a história dos primórdios e a história
da obra de ZIMMERLI é algumas partes de tal maneira que se pergunta como eles se
cas dentro desta seção • O outro foco
186
de soterio­ re!acionam mutuamente. Esperar-se-ia que os livros históri-
a parte V, "Crise e esperança", que é urna espécie cos recebessem um tratamento à parte que elucide suas
m dos pro­
logia. Ela contém urna ênfase central na mensage ênfases teológicas. Por que a teologia dos profetas, numa
por livro . Em outras
fetas literários, que é resumida livro seqüência livro a livro, deveria ser caracterizada como
co stitu i o fun­
palavras: a descrição de Javé do Pentateuco � "juízo salvação" e fazer parte de um capítulo sobre juízo e
o vetero-
damento; sua crise atinge seu clímax no profetism espe­rança? FoHRER faz dela o coração de sua teologia do A T
testarnentário. e VON RAo a expõe extensamente no segundo volume de sua
o dá-
As partes II e III se relacionam mutuamente corn
ternas são teolo­gia veterotestamentária, mas ZIMMERLI a esconde entre
diva e tarefa (Gabe-Aufgabe, em alemão). Vários outros assuntos.
vitória", "a
incorporados sob as dádivas de Javé: "guerra e As teologias do AT de McKENZIE, FoHRER e ZIMMERLI
ença de Deu s" e "ca­
terra e sua bênção", "a dádiva da pres com­partilham, grosso modo, urna abordagem tópica, mas
do man­
rismas de liderança e instrução". A parte que trata são tão diversas em termos metodológicos que dificilmente
eiro e o
damento de Javé enfatiza excessivamente o prim podem ser comparadas. Os pontos de partida de cada
signific��ão
segundo mandamento do Decálogo. As leis de urna são radicalmente diferentes. McKENZIE propõe urna
to superficial;
litúrgica, ritual e social recebem um tratamen "unidade interna" na forma de urna experiência
McKENZIE, e
O culto de Israel ocupa o primeiro lugar em quantitativa de Javé. A partir deste fundamento, o culto
ente não
descartado corno negativo por FoHRER e praticam merece o primeiro lugar. Seria de se supor, então, que o
Os esqu emas �e
tem espaço na teologia do AT de ZIMMERLI.
a urna in­ tópico que ocupa o último lugar, no caso de McKENZIE "O
ZIMMERLI e KAISER aparentemente não se prestam futuro de Israel", esteja na base da escala quantitativa.
do Antigo
clusão do culto hebraico dentro de urna teologia Mas isso praticamente não é assim, e não há lógica na
Testamento. sequência de ternas.
s",
ZIMMERLI intitula a parte IV "A vida diante de Deu
lado "Israel FoHRER e ZIMMERLI partem de centros explícitos do AT,
lembrando, com isso, o capítulo de VON RAo intitu
de Israel a mas cada um à sua própria maneira. FoHRER parte de um
diante de Javé"1 87, em que se enfoca a resposta centro que aparentemente se deriva da atitude existencial
do pelo título,
Javé. À parte do relacionamento estabeleci profética. Em sua opinião, esta é a única atitude existencial
o VON RAo,
ZIMMERLI trata, nesta parte, dos mesmos tópicos corn
dedicando legítima em cornpara, ção com outras, corno magia, culto, lei,
só que de urna forma muito mais comprimida, eleição e sabedoria. E a partir dessa atitude existencial pro-
188
l86
ZIMMERLI, Old Testament Theology ín Outlíne, pp. 155-165.
OTT, V. I, PP· 136-279. 189
Veja abaixo, pp. 116-118.
187
Ibíd., pp. 355-459.
100 TEOLOGIA DO ANTIGO TF.STAMENTO A QUF.STÃO DA METODOLOGIA 101

fética que os "desdobramentos" e "aplicações" posteriores método histórico-traditivo diacrônico. A abordagem diacrô­
são elucidados. ZIMMERLI também parte de um centro. Ele tem nica penetra nas sucessivas camadas do texto fixado no AT
suas raízes e origens diretamente no Pentateuco e, particu­ visando a desdobrar a atividade teológica de Israel que
II

larmente, na era mosaica. A "crise" forma o outro pólo e se provavelmente é uma de suas mais importantes e interes­
estende desde a história dos primórdios, passando por algu­ santes, a saber, aquelas tentativas sempre novas de tornar
mas tradições do Pentateuco e os escritos históricos, até os os atos salvíficos de Deus relevantes para cada nova época
livros proféticos. As três partes que se encontram no meio - essa busca e confissão sempre nova dos atos de Deus que,
desse arco são vistas como dádiva, exigência e resposta. no final, fazem com que as afirmações confessionais anti­
Quatro das cinco partes da obra de ZIMMERLI são mais ou gas cresçam e se transformem nessas massas enormes de
menos tópicas, mas a última parte, que constitui o segundo tradições" 192. VON RAD é o primeiro e único biblista que ja­
pólo principal de sua estrutura, dá lugar a uma abordagem mais publicou uma teologia veterotestamentária diacrôni­
livro por livro em seqüência histórica. McKENzIE também parte ca e plenamente desenvolvida das tradições históricas de
da abordagem tópica inserindo uma seção estruturada livro Israel.
a livro sobre A mensagem dos profetas" no capítulo sobre
II A monumental Teologia do Antigo Testamento 193 de VON
"Revelação". Em suma, os três principais representantes da RAD [Edi. ASTE/Targumim, 2ll ed., 2006] precisa ser enten­
abordagem tópica nessa década diferem enormemente em dida como a teologia das tradições históricas e proféticas,
termos de 1) pontos de partida, 2) estruturas de organização usando plenamente o método diacrônico. Ele prefacia sua
de seu material, 3) seleção de tópicos, 4) seqüência da expo­ teologia das tradições com um esboço da história do javismo
sição, 5) centros da teologia do AT, 6) ênfases e avaliações e das instituições sacras israelitas reconstruídas pelo método
de materiais veterotestamentários e 7) coerência em suas histórico-crítico e afirma que a pesquisa histórica busca um
II

próprias estruturas individuais. mínimo criticamente assegurado - o quadro querigmático


tende a um máximo teológico" 194• Isso significa, para VON RAo,
e) O método diacrônico

O método diacrônico para a teologia do AT depende da


192 OTT, v. I, p. vi.
193
Muitos levantamentos importantes são citados por DAVIES, GERHARD
pesquisa da história das tradições desenvolvida na década VON Rw, Old Testament Theology, pp. 65-89. Os seguintes artigos lidam
de 1930190• Já naquela época, um de seus fundadores, G. VON amplamente com os problemas levantados por VON RAo: HESSE, Die
RAo, a usou "a fim de chegar ao que é teologicamente impor­ Erforschung der Geschichte ais theologische Aufgabe; id., Kerygma oder ges­
tante para ele"191• Em 1957 e 1961, ele publicou os dois volu­ chichtliche Wirklichkeit?; id., Bewiihrt sich eine "Theologie der Heilstatsa­
mes de sua Teologia do Antigo Testamento, que estimulou um chen" am Alten Testament?; MAAG, Historische und ausserhistorische
Begründung alttestamentlicher Theologie; BAUMGÃRTEL, Gerhard von Rads
pensamento novo e pesquisa de proporções inéditas, além Theologie des Alten Testaments; BARTH, Grundprobleme einer Theologie des
de um debate vigoroso. VoN RAo procura "recontar" o que­ Alten Testaments; HoNECKER, Zum Verstiindnis der Geschichte in Gerhard
rigma ou confissão do AT posto a descoberto por meio do von Rads Theologie des Alten Testaments; REVENTLOW, Grundfragen einer
alttestamentlichen Theologie im Lichte der neueren deutschen Forschung;
HAsEL, "The Problem of History in Old Testament Theology"; HARvEY,
19
º Veja KNIGHT, Rediscovering the Traditions of Israel. BTB, v. 1, p. 9ss., 1971.
191
Ibid., p. 121. 194
TAT, v. I, p. 120; OTT, v. I, p. 108.
102 TEOL(X;lA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METOOOL(X;IA 103

que uma teologia veterotestamentária não pode fazer justi­ , portanto, querigmáticos do AT, não está ainda muito não­
ça ao conteúdo do AT através de uma apresentação do mí­ relacionado com a reconstrução histórico-crítica da história
nimo. O biblista do AT precisa reconhecer que o "quadro de Israel, porque esta reconstrução não coincide com o
querigmático" pintado pela fé de Israel também "está fun­ qua­dro querigmático da fé e história do AT? Esse é
damentado na história efetiva e não foi inventado"1 95. Na precisamente o aspecto que VON RAo quer realçar. Para ·ele, a
verdade, "com seus testemunhos Israel fala de um nível tão imagem da história de Israel reconstruída pelo historiador é
profundo de experiência histórica que a pesquisa histórico­ empobrecida e, por conseguinte, incapaz de constituir a base
crítica é incapaz de atingir"196. Assim, o objeto de uma teolo­ para explicar o conjunto da realidade contida nos
gia do AT é, antes de mais nada, "esse universo constituído testemunhos veterotestamentários, com os quais uma
de testemunhos", e não "um universo da fé [ou do pensa­ teologia do AT precisa se ocupar. Por causa disso, em sua
mento] organizado sistematicamente"1 97. Esse universo de teologia ele se concentra na interpretação do A T, em vez de
"testemunhos", i.e., "o que o próprio Israel testificou a res­ basear sua teologia vete­rotestamentária na interpretação
peito de Javé"198, a saber, "a palavra e ação de Javé na histó­ histórico-crítica de acontecimentos cuja historicidade não
ria"1 99, não apresenta nem pura revelação a partir de cima está em questão. Neste ponto, a crítica penetrante e incisiva
nem pura percepção e exposição a partir de baixo", mas é dos métodos e pressupostos da historiografia moderna por
"composto pela fé", sendo, em consonância com isso, "de parte de VON RAD leva a pesquisa crítica a uma introspecção
caráter confessional"200 • São esses enunciados confessionais e avaliação autocrítica daquilo que deveria ter caráter
acerca da "atuação contínua de Deus na história"�01 que normativo. Embora esse seja um passo na direção certa, a
constituem o genuíno objeto de uma teologia do AT. E óbvio história concebida por VON RAD freqüentemente fica aquém
que, com voN RAo, a teologia do querigma irrompeu com todo dos testemunhos vetero­testamentários, porque sua história
o ser poder no campo do estudo do AT202 • é uma história da tradição, ou de experiências históricas que
VoN RAo enfatiza o "quadro querigmático" mais com­ influenciam as tra­dições. Precisamos retornar a esse
pleto, com as dimensões mais profundas da realidade, como aspecto crucial em seu esforço teológico, porque ele levanta
aquele que a teologia do AT tem de explicar. Mas será que o problema da relação da Traditionsgeschichte [histórias das
esse tipo de teologia, baseada nos testemunhos confessionais tradições, em alemão] com a Historie [historiografia] e a
Heilsgeschichte [história da salvação].
A questão da apresentação da teologia do AT é defini­
195 Ibid. da de maneira nova por VON RAo. "Recontar [Nacherziihlen,
196
TAT, v. I, p. 120. Visto que OTT, v. I, foi traduzido da segunda edição do
original alemão, não contém essa sentença.
em alemão] continua sendo a forma mais legítima de dis­
197 TAT, v. I, p. 124; OTT, v. I, p. 111. Aqui VON RAo contraria a abordagem de curso teológico sobre o Antigo Testamento."2º3 O que voN
E!CHRODT. RAD entende por "recontar"? Como deve proceder o teólogo
198 TAT, V. I, p. 118; OTT, V. I, P· 105.
199 TAT, V. I, P· 127; OTT, V. I, P· 114.
203
200
TAT, v. I, p. 119; OTT, v. I, p. 107. T�T, v. I, p. 135; OTT, v. I, p. 121. "Recontar" como a forma mais apro­
201
TAT, V. I, p. 118; OTT, V. I, p. 106. priada de apresentar o AT recebeu o apoio de BARTH, Grundprobleme
202 TOT, v. I, p. 515. Veja também a interpretação de VON RAo proposta por einer Theologie des Alten Testaments, p. 346; STOEBE, Überlegungen zur
CuLLMANN, Salvation in History, p. 54ss. Sobre a compreensão e o uso de Theologie des Alten Testaments, p. 206; MILDENBERGER, Die halbe Wahrheit
voN RAD por parte de CuLLMANN veja KRAus, Biblische Theologie, p. 186ss. oder die ganze Schrift, p. 79ss.
104 TEOLOCIA 00 ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 105

ou pregador? Deve ele apenas relatar, i.e., contar de novo, mais intensa para o biblista da atualidade. Como devem os
o que o AT disse sem o traduzir teologicamente para o ser textos bíblicos ser aplicados hoje207? Há vários usos da
humano moderno? A noção de "recontar" de VON RAD é Escritura atualmente, a maioria dos quais são "funcionais"
ambígua. em sua abordagem, e praticamente pouco importa se os
Parece que VON RAD optou pela noção de "recontar" por­ nomes são associados ao liberalismo em sua forma mais clás­
que se recusa a construir um novo sistema. Em sua opinião, sica ou à neo-ortodoxia em uma ou outra de suas configu­
qualquer sistema é estranho à natureza do AT. Neste tocan­ rações208. Além disso, o quadro que se observa no catolicismo
te poderíamos concordar facilmente com ele. VoN RAD tam­ moderno não é muito diferente do que se vê no protestan­
bém não consegue encontrar um "centro [Mitte]"204 no AT. tismo209.
Por essas razões, ele se limita a narrar o que o AT diz sobre Foi a contribuição de VON RAo tentar a "atualização"
seus próprios conteúdos. Enfatiza que, como Israel enunciou (Vergegenwiirtigung [literalmente: "presentificação"]) ·em
seus testemunhos querigmático-confessionais em enunciados sua teologia do AT. Esse termo foi escolhido por JOSEPH W.
históricos, não podemos enunciá-los de qualquer outra ma­ GROVES para designar a proposta metodológica "pela qual o
neira a não ser "recontando", numa repetição da narrativa. texto bíblico é tornado contemporâneo"210. "Atualização"
O problema que esse método produz para a teologia aplica­ é o método hermenêutico mais amplamente usado, que foi
da é imenso. desenvolvido pioneiramente por VON RAo e adotado e adap­
Com respeito a esse problema, F. BAUMGARTEL pergunta tado por biblistas do AT como C. WESTERMANN (abordado
como se pode falar, de uma maneira teologicamente legíti­ mais adiante neste capítulo), NoRMAN PoRTEOUS 211, PETER
ma, sobre Os 1-3, p.ex., quando meramente se reconta o ACKROYD 212, BERNHARD w. ANDERSON 213, WALTER BRUEGGE­
que é afirmado nessa passagem? Como procede esse recon­ MANN 214, JAMES A. 5ANDERS 215 e outros, mencionados por
tar? De que maneira ele é, sempre que ocorre, o discurso
teológico legítimo sobre o AT? 2º5 Pode-se conjeturar que a 207 Uma das mais penetrantes análises da questão da aplicação religiosa de
crítica referente à ambígua noção de "recontar" fez com textos bíblicos para comunidades de fé hoje é a investigação de FREI, The
que VON RAD colocasse menos ênfase nela em anos mais re­ Eclipse of Biblical Narrative. Perspectivas semelhantes de um ponto de
centes 206. vista mais recente são propostas por Langdon GILKEY, Naming the Whir­
A despeito das várias críticas levantadas contra ela no lwind, Indianapolis, 1969, pp. 91-106; e de um ponto de vista estritamen­
te evangelical, HENRY, God, Revelation, und Authority, pp. 454-457.
período inicial, toda a questão relativa ao "recontar" revela, 208 Veja KELSEY, The Uses of Scripture in Recent Theology.

ainda assim, o interesse de VON RAD de atualizar o AT para o 209 Veja DULLES, Scripture: Recent Protestant and Catholic Views; RATZINGER,

ser humano moderno. Em outras palavras, o hiato criado Bíblica/ Interpretation in Crisis.
pelo chamado método de pesquisa científico ou histórico-crí­
210 GRoVES, Actualization and Interpretation in the Old Testament, p. 5.
211..P
oRTEous, "Actualization and the Prophetic Criticism of the Cult", in: id.,
tico entre o passado e o presente continua sendo a questão Living the Mystery, pp. 127-142.
212 ACI<ROYD, Studies in the Religious Tradition of the Old Testament.
204 TAT, v. II, p. 376; OTT, v. II, p. 362; cf. HAsEL, AUSS, v. 8, pp. 25-29, 1970. 213 ANDE
RSON, Mythopoeic and Theological Dimensions of Bíblica/ Creation Faith.
205 BAUMGARTEL, TLZ, v. 86, p. 903s., 1961. 214
BRUEGGEMANN, Futures in Old Testament Theology; id., A Shape for Old Tes-
206 No importante artigo de voN RAo intitulado Offene Fragen im Umkreis
tament Theology I; id., A Shape for Old Testament Theology II.
einer Theologie des Alten Testaments, a noção de Nacherziihlen desaparece 215 SANDERS, From Sacred Story to Sacred Text; id., Torah and Canon; id., Canon
completamente. and Community.
106 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO
A QUESTÃO DA METODOLOGIA 107

GRoVEs216. GROVES faz uma análise cuidadosa do pensamento no AT e além dele222• Além disso, a história da exegese cristã
de VON RAo, que ele resume da seguinte maneira no tocante à torna inválido o projeto geral da atualização cronológica de
"atualização": "VoN RAo apresentou a descrição mais com­ se ligar com a teologia conternporânea223 . As conclusões de
pleta de sua [se. da atualização] aplicação à teologia do GROVES são reveladoras: "O método histórico-traditivo resul­
Antigo Testamento, mas ninguém mais usou esse termo exa­ ta, com demasiada freqüência, em argumentos circulares,
tamente da mesma maneira como ele o fez."2 1 7 Explica ele: reconstruções tênues e fragmentação do texto, que transfor­
"Embora VON RAo tenha desenvolvido o conceito de atuali­ mam o método crítico em senhor do texto e determinante
zação cronológica especificamente para descrever o método para sua interpretação. (. .. ) Em última análise, o método é
veterotestamentário de tornar contemporâneas tradições fraco demais para carregar o peso das tensões, omissões e
antigas, nem ele nem outros estudiosos que utilizam o con­ distorções das metodologias modernas que usa para lidar com
ceito operam num vácuo."218 GROVES passa a mostrar que,
o Antigo Testamento. O objetivo de urna base intrabíblica
no tocante aos conceitos de culto, história e tempo, as atua­
para urna interpretação histórico-teológica do Antigo Testa­
lizações de VON RAD, i.e., "a singularidade da atualização
mento ainda está para ser atingido."224
cronológica [de VON RAo] permanece um pressuposto não­ Assim, a busca de outra base para o sentido teológico
provado"219. VoN RAD baseou sua tese a respeito da cone­
do AT para a fé cristã continua. O que se diz aqui a respeito
xão do AT com o NT no fundamento da unidade histórico­
da abordagem diacrônica" se aplica de igual maneira à
II
traditiva da Bíblia. VoN RAD e os outros proponentes da abordagem da formação de tradição", que será considera­
11
atualização tentam superar o hiato entre o passado e o pre­
da na próxima seção225, porque ela está baseada na mesma
sente criado pelo método histórico-crítico220 apelando para
metodologia.
"uma série contínua de testemunhos, começando com as
Há rumores de reajustes nos estratos reconstruídos do
primeiras tradições de Israel, passando pela revelação de
Pentateuco ou Hexateuco (J, E, D, P) 226 • Questões a respeito
Deus em Jesus Cristo e chegando até nosso presente" 221.
da existência do estrato histórico E foram levantadas, em
GROVES revela, com perspicaz sensibilidade, as rupturas exis­
várias ocasiões, por biblistas proeminentes neste campo (P.
tentes naquela cadeia contínua de atualização cronológica
VoLz, W. RUDOLPH, S. MowrNCKEL) 227• Na década de 1970,
questões seriíssirnas foram levantadas a respeito dos cha­
216
217
GROVES, Actualization, p. 5. mados estratos tanto de J (Javista) 228 quanto de P (Escrito
Ibid., pp. 104-105.
218
Ibid., p. 116.
219
Ibid., p. 129. 222
22
º PANNENBERG, Basic Questions in Theology, v. I, p. 6, pode servir como ponto 223
lbid., pp. 129-141.
de referência em sua perceptiva análise: "O desenvolvimento da pesqui­ lbid., p. 141.
22\lbid., pp. 162-163.
sa histórico[-crítica] acarretou a dissolução do princípio escriturístico na 225 GROVES terminou seu penetrante estudo com seus próprios rudimentos
forma que lhe foi dada pela escolástica protestante e, com isso, causou a
crise nos fundamentos da teologia evangélica que se tornou cada vez de uma "Redefinição de atualização", ibid., pp. 165-210, que conclui que
mais aguda no último século. [ ...] Essa distância [entre os textos bíblicos a atualização não é o projeto grandioso para uma ligação teológica e
e o presente] se tornou a fonte de nossos problemas teológicos mais histórica (p. 210).
226
aflitivos." Veja CLEMENTS, Pentateuchal Problems.
227
221
GROVES, Actualization, p. 129.
Veja FREmEIM, Elohist.
228
Veja abaixo, nota 229.
108 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 109

Sacerdota1) 229• Vários problemas no suposto estrato de P230 e fia sobre o problema histórico-traditivo do Pentateuco236• Os
no chamado Deuteronomista (estrato de D) 231 têm sido es­ estudos penetrantes de RENDTORFF descartam a idéia de uma
tudados. Novas publicações tratam de vários aspectos das teologia javista e só dão um suporte limitado à noção de um
adaptações de estratos232 ou tradições233 tidos como fontes e estrato teológico "sacerdotal". Ele propõe a existência de "te­
avaliam as conseqüências teológicas da pesquisa da história ologias" no Pentateuco associadas com "temas" do Penta­
das tradições234 • teuco nos moldes dos estudos de M. Norn. Tudo isso produ­
É evidente que o interesse atual na pesquisa da história ziu um debate animado do qual participam estudiosos como
das tradições se concentra amplamente na formação teoló­ R. N. WHYBRAY, JoHN VAN SETERS, N. E. WAGNER, G. W. CoATS e
gica do material. Uma tendência muito recente nesta área R. E. CLEMENTS237 e no qual até o método histórico-traditivo
da pesquisa é um questionamento radical da datação preco­ como um todo é atacado238 • Qualquer que seja o desfecho
ce do chamado Javista no século X e da unidade do "Javis­ desses movimentos, já está claro que as conseqüências
ta" com indícios da proximidade do "Javista" com a forma­ essenciais desses indícios serão, em última análise, imensas
ção deuteronômico-deuteronomista de tradições, segundo a para urna teologia histórico-traditiva diacrônica do AT239•
ênfase de H. H. ScHMID235• Já em 1974, algumas questões bá­
sicas foram levantadas por R. RENDTORFF acerca do "Javista" f) O método de /formação de tradição"

como teólogo, e ele retomou essas questões numa monogra-


A discussão e o estímulo contínuos do método diacrôni­
229
LEVINE, Priestly Writers. co de VON RAo produziram outro resultado no desenvolvi­
23
º ELus, The Yahwist; BRUEGGEMANN, "David and His Theologian", CBQ, v. mento ou na continuação de um aspecto do método históri­
30, pp. 156-181, 1968; id., Yahwist, com bibliografia; O. H. STECK, Gênesis
12.1-3 und die Urgeschichte des Jahwisten, in: Probleme biblischer Theolo­
co-traditivo diacrônico.
gie, pp. 525-554; R. N. WHYBRAY, The Intellectual Tradition in the Old Testa­ · Na esteira da teologia do AT de G. VON RAo e na depen­
ment, Berlin, 1974 (BZAW, 135); C. WESTERMANN, Genesis, Neukirchen­ dência do método histórico-traditivo encontra-se o método
Vluyn, 1974, pp. 782-789 (Biblischer Kommentar: AT, I/10), trad. ingl.:
Genesis 1-11: A Commentary, Minneapolis, 1984, pp. 594-599. 236
RENDTORFF, Der "]ahwist" ais Theologe?; id., Das überlieferungsgeschichtliche
231
S. LOERSCH, Das Deuteronomium und seine Deutungen, Stuttgart, 1967 Stut­ Problem des Pentateuch.
tgarter Bibelstudien, 22; NICHOLSON, Deuteronomy and Tradition Philadel­ 237
R. N. WHYBRAY, "Response to Professor Rendtorff", JSOT, v. 3, pp. 11-14,
phia, 1967; G. SEITZ, Redaktionsgeschichtliche Studien zum Deuteronomium; 1977; J. VAN SETERS, "The Yahwist as Theologian? A Response", JSOT, v. 3,
Stuttgart, 1971 (Beitrage zur Wissenschaft vom Alten und Neuen Testa­ pp. 15-19, 1977; N. E. WAGNER, "A Response to Professor Rolf Rendtor­
ment, 93); R. P. MERENDINO, Das deuteronomische Gesetz, Bonn, 1969 (Bon­ ff", JSOT, v. 3, pp. 20-27, 1977; G. W. CoATS, "The Yahwist as Theologian?
ner biblische Beitrage, 69); M. WEINFELD, Deuteronomy and the Deuterono­ A Critica! Reflection", JSOT, v. 3, pp. 28-32, 1977; R. E. CLEMENTS, Review
mic School, Oxford, 1972; N. LOHFINK, Deuteronomy, IDB Supplement, of R. RENDTORFF, "Das überlieferungsgeschichtliche Problem des Penta­
1976, pp. 229-232, com bibliografia; D. N. FRIEDMAN, Deuteronomic His­ teuch", JSOT, v. 3, pp. 46-56, 1977.
tory, IDB Supplement, 1976, pp. 226-228, com bibliografia. faa J. VAN SETERS, Abraham in History and Tradition, New Haven, 1975, pp. 139-
232
S. E. McEVENUE, The Narrative Style of the Priestly Writer, Rome, 1971 148; id., Form-Criticism in the Pentateuch: A Crisis in Methodology, pales­
(AnBib, 50). tra apresentada em 21 de novembro de 1978, na reunião anual da Society
233
CoATS; LoNG (ed)., Canon and Authority. of Biblical Literature, New Orleans, USA.
234 KNIGHT (ed.), Tradition and Theology in the Old Testament, com 13 contri­ 239
SoiMID, Der sogenannte Jahwist, p. 174; id., "ln Search of New Approa­
buições de autores de renome internacional. ches in Pentateuchal Research", JSOT, v. 3, pp. 33-42, 1977; R. RENDTORFF,
235
ScttMID, Der sogenannte Jahwist. "Pentateuchal Studies on the Move", JSOT, v. 3, pp. 43-45, 1977.
110 TEOLOGIA DO ANTIGO TESrAMENTO A QUFSTÃO DA METODOLOCIA 111
240
de "formação de tradição" do biblista do AT HARTMUT GESE241 método da teologia bíblica porque vai além dos fatos históri­
e, em seu seguimento, do biblista do NT PETER SnrnLMACHER . cos e fenômenos religiosos e descreve o processo vivo que
GESE insiste que a teologia do AT "precisa ser entendi�a es­ forma a tradição."247
sencialmente como um processo histórico de desenvolvimen­ Ao passo que GESE argumenta vigorosamente contra uma
to. Só dessa maneira tal teologia alcança unidade, e só então abordagem da teologia bíblica que esteja orientada e organi­
se pode levantar a questão de seu relacionamento com o Novo zada por um "centro" (Mitte), seguindo, assim, seu mentor
Testamento."242 Ele caracteriza seu programa em termos de G. VON RAD, STUHLMACHER defende um "centro" como chave
"teologia como formação de tradição" e suste�t� qm� "não em sua "síntese de teologia bíblica do Novo Testamento".
há nem uma teologia cristã nem uma teologia 1uda1ca do Para STUHLMACHER, o "centro" (Mitte) é "o evangelho da justi,.
AT, e sim uma única teologia do AT feita por meio da forma- ficação em Cristo"248• Isso não significa que a orientação his­
ção de tradição do AT"243• • • tórico-traditiva básica seja abandonada. STUHLMACHER sustenta
A tese programática de GESE é de que o NT constltm a que o AT constitui o arcabouço da formação da tradição do
conclusão da formação de tradição iniciada no AT, de modo NT249• "O Antigo Testamento e o Novo Testamento formam
que "o NT produz o AT ( ...) [e, assim,] leva o chamado AT_a um único nexo traditivo."250 Ele compartilha com GESE a
um fim"244• Isso significa fundamentalmente que a teologia opinião de que o cânon veterotestamentário teve um desen­
bíblica se baseia na unidade do processo de formação de tra­ volvimento tardio. Sugere inclusive que o desenvolvimento
dição, ou, como o expressa GESE, a unidade dos245Te_stamentos do cânon massorético só foi concluído depois da revolta de
"já existe por causa da história das tradições" •• E evidente Bar Kochba de 135 a.D.251• Assim, embora esses dois biblis­
que a continuidade entre os Testamentos e a umdade deles tas discordem no tocante à questão do "centro", eles têm
não se encontram nem num centro de cada Testamento nem uma concepção amplamente comum a respeito do processo
num centro comum aos dois, e sim num processo traditivo de formação de tradição e o encerramento tardio do cânon
comum a ambos os Testamentos. O NT é apenas uma exten­ do AT. Esses dois aspectos são fundamentais para uma teo­
são do processo de formação de tradição do qual surge o logia da "formação de tradição".
AT, de modo que "o Novo Testamento represe nta o alvo e
2 46 O modelo de teologia "como formação de tradição" de
fim, o telos do caminho da tradição bíblica" • Em suma, para GESE-STUHLMACHER provocou uma série de reações252 que acar-
GEsE, "só a história das tradições (...) pode descrever a teolo­
gia bíblica. ( ...) A história das tradições pode tornar-se o 247
Ibid., p. 317.
248 P. STlJHLMAOiER, Nachkritische Schriftauslegung, in: H. N. JANOWSKI, E. STAMM­
240 Erwiigungen zur Einheit der biblischen Theologie; id., Zur biblischen
GESE, LER (ed.), Was ist los mil der deutschen Theologie? Antworten auf eine Anfra­
Theologie; id., Tradition and Biblical Theology. . . . . ge, Tübingen, 1978, pp. 59-65; id., Vom Verstehen des Neuen Testaments,
241
STUHLMACHER, Schriftauslegung auf dem Wege zur bzbltschen
Theologze; 1d., pp. 228, 243s.
Historical Criticism and Theological Interpretation of Scripture; id., Zum The­ 249
Jbid., p. 228.
ma: Biblische Theologie des Neuen Testaments. 250
Ibid., p. 244.
242
GESE, Tradition and Biblical Theology, p. 303. Ibid., p. 228s.
251
243
GESE, Vom Sinai zum Zion, p. 17s. 252 Particularmente importantes são as de KRAus, Probleme und Perspektiven
244
GESE, Zur biblischen Theologie, p. 11. Biblischer Theologie; id., Theologie als Traditionsbildung?; ScHMio, Un­
245
GESE, Tradition and Biblical Theology, p. 322. terwegs zu einer neuen Biblischen Theologie?; ScHMITHALS, Schriftauslegung
246 auf dem Wege zur Biblischen Theologie.
Ibid.
112 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METOOOLOGIA 113

retaram animadas trocas de idéias. STUHLMACHER253 é acusa­ teologia"258• Se este é o caso, então questões sérias se levan­
do por E. GRAssER254 de enfraquecer o uso rigoroso do méto­ tam a respeito de todo o modelo de GESE-STIJHLMACHER da teo­
do histórico crítico e de suas implicações, e de não ir longe o logia bíblica "como formação de tradição" dentro e entre os
suficiente em sua revisão da crítica histórica por H. LINDNER, Testamentos259 •
R. STURM e G. MAIER255 • Deve-se observar, entretanto, que O modelo de teologia do AT como "formação de tradi­
STUHLMACHER não considera sua "síntese de teologia bíblica ção" proposto por GESE (não por STIJHLMACHER) procurar su­
do Novo Testamento" simplesmente um empreendimento perar a questão do "centro" dos Testamentos mediante um
histórico descritivo. Ele enfatiza que "a teologia do Novo processo traditivo comum a ambos os Testamentos. Esse
Testamento, assim como também a do Antigo Testamento, modelo tem a oposição de todos aqueles que usam urna abor­
dagem da teologia bíblica que opera com a noção de "cen­
não é simplesmente uma disciplina histórica"256• A rejeição
tro". Mais especificamente, levantou-se a objeção de que.GESE
da premissa básica de que a teologia do AT ou a do NT seja
transformaria "a teologia numa fenomenologia da história
apenas um empreendimento histórico também tem sido sus­ das tradições" baseada numa ontologia inteiramente nova260•
tentada recentemente por vários pesquisadores que entra­ S. WAGNER observa que o processo de formação da tradição
ram no debate sobre a natureza da teologia do AT, da teolo­ não é idêntico em ambos os Testamentos e que, por isso, não
gia do NT e da teologia bíblica257• Atualmente, a distinção é apropriado propor que os Testamentos formam uma uni­
fundamental da abordagem de GABLER-WREDE-STENDAHL en­ dade com base na suposição da existência de um processo
tre "o que isso queria dizer" e "o que isso quer dizer" foi unificado de construção de t radição261 • DOUGLAS A. KNrGHT
corroída de forma grave, se não irreparável, e pode ser efeti­ afirma categoricamente que o "método histórico-traditivo não
vamente rejeitada. R. E. CLEMENTS exige agora, a partir de sua pode ser usado para explicar o relacionamento essencial entre o
própria perspectiva, que a teologia do AT não seja "um ramo Antigo Testamento e o Novo Testamento". Isso se deve à cir­
subordinado da crítica histórica do Antigo Testamento; ela cunstância de que é dentro do AT que "esse processo de cres­
deveria ser considerada genuinamente como um ramo da cimento atingiu um fim nos vários complexos traditivos,
livros e obras maiores; e virtualmente nessa forma eles aca­
baram sendo canonizados"262 •
253
STUHLMACHER, Historical Criticism and Theological Interpretation of Scripture,
pp. 66-71; id., Vom Verstehen des Neuen Testaments, pp. 216-218; id., Bi­
blische Theologie und kritische Exegese; id., "Hauptprobleme und Chancen 258
CLEMENTS, Old Testament Theology, p. 191.
kirchlicher Schriftauslegung", Theologische Beitriige, v. 9, pp. 53-69, 1978. 259
REVENTLOW, Der Konflikt zwischen Exegese und Dogmatik, p. 122, observa
254
GRASSER, Offene Fragen im Umkreis einer Biblischen Theologie; STUHLMACHER, incisivamente que a tarefa central de uma teologia bíblica futura é resol­
" ... in verrosteten Angeln". Outra reação vem de GuNNEWEG, ''Theologie" ver a tensão entre exegese e dogmática, uma tensão vista como um
des Alten Testaments oder "Biblische Theologie"?. Veja também W. ScHMI­ problema básico e não-solucionado.
26º KRA
THALS (supra, nota 251). us, Theologie ais Traditionsbildung?, pp. 67-73; também ScHMJD, Un­
255
MAIER, Einer biblischen Hermeneutik entgegen?; H. LINDNER, "Widerspruch terwegs zu einer neuen Biblischen Theologie?, p. 77.
oder Vermittlung?" Theologische Beitriige, v. 7, pp. 185-197, 1976; R. STURM, 261 W
AGNER, "Biblische Theologien" und "Biblische Theologie", p. 793. Veja as
"Akzente zum Gesprach", Theologische Beitriige, v. 8, p. 37s., 1977. qu estões decisivas referentes à continuidade do processo de formação
256
STUHLMACHER, " ... in verrosteten Angeln", p. 234. de tradições reivindicado por GESE na análise de W. ZIMMERLI, "Von der
257
GuNNEWEG, '"Theologie" des Alten Testaments oder "Biblische Theologie"?, Gültigkeit der "Schrift" Alten Testaments in der christlichen Predigt", in:
p. 45; WAGNER, "Biblische Theologien" und "Biblische Theologie", p. 794ss.; Textgemiiss, p. 193s.
262 KN
SIEGWALT, Biblische Theologie ais Begriff und Vollzug. tGHT, Rediscovering the Traditions of Israel, p. 139.
114 TEOLOGIA oo .ANnco TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 115

A abordagem de GESE encontrou ao menos um biblista de material no processo de canonização268, um período de


que a apoiasse: H. SEEBASS263• Sua tentativa de avançar do AT encerramento do cânon veterotestamentário na época de
para o NT causou algumas reações significativas264• Temos Cristo269 ou mais cedo - e até muito mais cedo, como susten­
de esperar para ver que rumos a discussão tomará e se essa tam D. N. FREEDMAN270, S. Z. LEIMAN271 e B. S. CHILos272 - sola­
nova abordagem permanecerá forte o suficiente para con­ pa decisivamente o programa de GESE-STUHLMACHER de uma
quistar mais apoio. teologia bíblica histórico-traditiva. Pode-se, além disso, per­
A tese de doutorado de MANFRED ÜEMING intitulada "Te­ guntar se essa abordagem é efetivamente teologia bíblica ou
ologias atuais da Bíblia toda: a relação entre AT e NT na teologia da construção de tradições. Pode o processo de cons­
discussão hermenêutica desde GERHARD VON RAo" tem gran­ trução de tradições pretender ter, em seus vários estági,os
de peso265• Ele indicou que GESE tem raízes profundas no pro­ reconstruídos, status canônico ou escriturístico-bíblico273 ?
grama de VON RAo e mostra além disso, que GESE deve muito A designação "AT" ou "teologia bíblica" pode s�r incorreta.
a filósofos como HEGEL, o Heidegger tardio e, particularmen­ Uma designação mais apropriada para a chamada teologia
te, H.-G. GADAMER266 • ÜEMING chega a uma conclusão idêntica da formação da tradição seria "história da formação da tra­
à de GROVES a respeito de VON RAo e outros que acabamos de dição e sua teologia". Diz-se que uma teologia bíblica ou ve­
terotestamentária transformada em fenomenologia de pro­
expor em relação com a metodologia "diacrônica" de VON
cessos de construção de tradições 274 não encontra mais
RAo nas páginas anteriores. A análise da abordagem de GESE
continuidade e unidade no mesmo Deus275, mas numa certa
feita por ÜEMING o leva a afirmar francamente em seu resu­
ontologia de processos vitais contínuos.
mo que "a suposta unidade da tradição bíblica pretendida
por GESE é historicamente insustentável"267• Este é um juízo
g) O método temático-dialético
duro e levanta muitas questões. Pode tal base histórica su­
postamente insustentável ser suficiente para uma teologia
Vimos que o método diacrônico e o subseqüente método
do AT? Ou pode tal teologia estender-se para além do AT e
de "formação de tradição" estão estreitamente relacionados
chegar até o presente? O debate sobre esse assunto não será
facilmente esgotado no futuro próximo. 268
GESE, Tradition and Biblical Theology, p. 323; id., Zur biblischen Theologie,
Na medida em que as propostas de GESE-STUHLMACHER de­ pp. 11-13; id., Vom Sinai zum Zion,p. 16s.; STIJHLMACHER, Vom Verstehen
pendem da teoria de um encerramento tardio do cânon ve­ des Neuen Testaments, p. 228.
terotestamentário em Jâmnia (ou mais tarde, para STUHLMA­ 269 l<NIGJ-IT
,Rediscovering the Traditions of Israel, p. 140.
27º D. N. FREEDMAN, "Canon of the Old Testament", IDB Supplement, 1976,
CHER) e da suposição de que tenha havido uma ampla redução
pp. 130-136.
271 LElMAN, The Canonization of Hebrew Scripture.
263
Veja SEEBASS, Biblische Theologie,especialmente pp. 34-35; id., Der Gott der 272 CHILDS, Introduction to the Old Testament as Scripture, pp. 62-67, 667-669.
ganzen Bibel, pp. 15-33. 273 GUNNEWEG, Vom Verstehen des Alten Testaments,,p. 163s., observa que na
264
Veja, p.ex.,STUHLMACHER, Biblische Theologie ais Weg der Erkenntnis Gottes. rejeição do texto massorético como compromissivo para o cristão por
SEEBASS respondeu sob o título Gerechtigkeit Gottes. parte de GESE (GESE, Erwãgungen zur Einheit der biblischen Theologie,
265 ÜEMING, Gesamtbiblische Theologien der Gegenwart. Veja a recensão crítica
p. 16), Gese se torna "mais canônico do que o cânon".
de REvENTLOW, Biblische Theologie auf historisch-kritischer Grundlage. 274
l<RAus, Theologie ais Traditionsbildung?, p. 66.
266 Ü
EMING, Gesamtbiblische Theologien, pp. 108-110. 275 Veja ZlMMERu, Alttestamentliche Traditionsgeschichte und Theologie; id., Old
267 Ibid., p. 115. Testament Theology in Outline, pp. 13-15; e supra,nota 260.
116 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 117

um com o outro. Ambos dependem profundamente do mé­ TERRIEN, "o rito e a ideologia da aliança dependem da reali­
todo histórico-traditivo, ainda que cada desenvolva sua pró­ dade prévia da presença"283. Ele o expressa sucintamente da
pria abordagem. O método que examinamos agora é um seguinte maneira: "É a teologia hebraica da presença (...)
método pós-ErcHRODT e também pós-VON RAo. Ele só surgiu que constitui o campo de forças que liga (...) os pais de Israel,
no final da década de 1970, mas já encontrou um adepto os profetas reformadores, os sacerdotes de Jerusalém, os sal­
entusiástico. W. BRUEGGEMANN276 sugeriu que há uma nova mistas de Sião, o poeta de Jó e os portadores do evangelho."284
convergência na teologia veterotestamentária recente que, Isso significa que o "�otivo da presença divina" é visto como
em sua opinião, aponta para uma solução do impasse meto­ um dinâmico "princípio de coerência"285 ou de continuida­
dológico. Essa convergência se evidencia em abordagens da de e unidade dentro do AT e entre os Testamentos. A pre­
teologia do AT (e bíblica) que usam uma relação dialética e sença de Deus certamente não é estática e fixa, mas "esquiva
temática. Ele cita particularmente a obra de três estudiosos e imprevisível" 286 e manifesta "crescimento e transforma­
proeminentes: S. TERRIEN277, C. WESTERMANN278 e PAUL HAN­ ção"287. Ele também concebe sua "nova teologia bíblica" como
SON279. Esses três biblistas propõem uma dialética determi­ "prolegômeno a uma teologia ecumênica da Bíblia", porque
nante de "ética/ estética" (TERRIEN), "salvamento /bênção" o princípio unificador e, não obstante, dinâmico da presen­
(WESTERMANN) e "teleológico/cósmico" (HANSON). A conver­ ça de Deus "une o hebraísmo e amplos aspectos do judaís­
gência se evidencia no fato de cada biblista usar uma dialéti­ mo com o cristianismo nascente"288.
ca; a divergência também se evidencia no fato de cada um TERRIEN ofereceu a primeira teologia bíblica num só vo­
deles usar uma dialética diferente. Examinemos primeiramen­ lume na era pós-VON RAo que passa do AT diretamente para
te a abordagem de TERRIEN. o NT. Ele conseguiu fazer uma seção transversal dialética de
O magnum opus [obra magna] de uma vida dedicada ao apenas 60 páginas289 por todo o NT, ao passo que a teologia
estudo escrito por TERRIEN se baseia na tese programática de do AT devora seis vezes mais espaço. A teologia das tradi­
que "a realidade da presença de Deus se encontra no centro ções patriarcais sobre Abraão e Jacó é seguida pelas teofani­
da fé bíblica"280. Ele sustenta que "o motivo da presença [di­ as no Sinai e pela presença no templo. Seguem-se, então,
vina] é primordial"281 e contesta a primazia não só do moti­ capítulos sobre a visão profética, a salmódia da presença e a
vo da aliança, mas também do conceito de comunhão282. Para teologia sapiencial. A epifania final cobre o sábado, o Dia da
Expiação e o dia de Javé. Dois capítulos são dedicados ao
276
BRUEGGEMANN, A Convergence in Recent Old Testament Theology. Um ensaio NT, tratando da "Presença como Palavra", com ênfase na
de conteúdo muito semelhante de Brueggemann foi publicado como anunciação, transfiguração e ressurreição, e "O nome e a
Canon and Dialectic.
277 TERRlEN, The Elusive Presence. glória".
278 W
ESTERMANN, Theologie des Alten Testaments in Grundzügen.
279 HANsoN, Dynamic Transcendence. Veja também id., "The Responsibility 283 TERRlEN, Elusive Presence, p. 26.
of Biblical Theology to Communities of Faith", TToday, v. 37, pp. 39-50, 284
Ibid., p. 31.
1980. Seu livro The Diversity of Scripture continua a desenvolver as pola­ 285
Ibid., p. 5.
ridades gêmeas que ele vê na Escritura. 286 lbid., p. 27.
280 287
TERRlEN, Elusive Presence, p. xxvii. Ibid., p. 31.
281 288
Ibid., P· 3. Ibid., p. 475s.
282 Cf. VRIEZEN, Outline of Old Testament Theology, p. 351. 289
Ibid., pp. 410-470.
TEOLOCIA DO .ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METOOOLOCIA 119
118

A argumentação de TERRIEN é substancial, e sua realiza­ são estreitos demais. Com efeito, TERRIEN reconhece que é
ção é significativa. Ele sustenta que a busca do tema da pre­ seletivo e não se sente obrigado a ser exaustivo295• Em
sença "vai ocupar os biblistas durante a próxima década", segundo lugar, nenhuma dialética sozinha tem condições
porque isso representa "uma mudança de ênfase da aliança de abranger a totalidade do conteúdo dos escritos
para a presença"290• Se se admite que o tema da presença é bíblicos. Assim, embora abordagens de teologia bíblica
um motivo bíblico importante - e poucos iriam querer duvi­ com.um único centro sejam inadequadas, abordagens com
uma dialética dual são úteis, mas incapazes de superar o
dar disso-, ainda assim teria de se perguntar se ele é amplo
problema da riqueza dos materiais bíblicos.
o suficiente para abranger a riqueza e variedade de todas as Em tempos mais recentes, BRUEGGEMANN parece ter alterado
expressões de fé no AT e, além dele, no NT. É inevitável que a dialética bipolar de "providência/ eleição" em favor
se faça essa pergunta em vista da argumentação dialética de u�a dialética bipolar mais abrangente. Em dois artigos
apresentada no livro Elusive Presence, i.e., uma dinâmica di­ publicados em 1985, ele expõe suas novas propostas para a
alética que foi descrita como a dialética de "ética/estética"291•
teologia do AT296• Continua a sustentar, como o fazia anteri­
O aspecto "ético" da dialética é apresentado nos materiais ormente, que a abordagem puramente descritiva de um pro­
históricos e referentes à aliança, e o "estético" nos materi­ grama do tipo "o que isso queria dizer" é inadequada para a
ais sapienciais e nos salmos. Estes últimos não estão tão pre­ teologia do A T297• Seu conceito de bipolaridade deve
ocupados com exigências, dever e responsabilidade, e sim "refle­tir a tensão central da literatura". Num pólo está a
com o aspecto emocional, místico e espiritual292, ou sim­ tensão de "como ganhamos o texto", o que está
plesmente com a beleza. Esse campo de forças é mantido associado ao "processo e caráter do texto" e faz parte dele298•
coeso pelo princípio dinâmico e unificador da presença elu­ A ênfase está "na disputa" no sentido da forma como os
siva de Deus. processos sociais moldaram o texto. Nesta compreensão ele
As propostas de TERRIEN encontraram um partidário depende acentuadamente da abordagem
enérgico em WALTER BRUEGGEMANN293, que propõe a dialética sociológico-literária do AT proposta por NoRMAN
"de 'providência/eleição', que, ela própria, indica uma ten­ GorrwALD299• Para surpresa geral, no outro
295
são importante"294• Essa categoria mais ampla, que se pre­ TERRIEN, The Pursuit of a Theme, p. 73.
296 BRU�GGEMANN, A Shape for Old Testament Theology, I: Structure Legitimati­
tende que compreenda as três categorias dialéticas anterio­
on; 1d., A Shape for Old Testament Theology, II: Embrace of Pain. Veja tam­
res de WESTERMANN, TERRIEN e HANSON, revela, antes de mais bém seu artigo anterior Futures in Old Testament Theology.
nada, que a dialética de TERRIEN e o tema da presença esquiva 297 B
RUEGGEMANN afirma abertamente que a abordagem do tipo "o que ele
queria dizer" de K. SrnNDAHL no sentido da descrição histórica significa
q_ue "essa objetividade da descrição histórica é, com demasiada freqüên­
29 ºS. TERRIEN, The Pursuit of a Theme, in: God and His Temple, p. 72.
cia, um espelho da pré-compreensão oculta do observador, e a adequa­
291 BRUEGGEMANN, Canon and Dialectic, pp. 20-22; id., A Convergence in Recent
ção da descrição histórica depende das descobertas e postulados de sua
Old Testament Theology, pp. 4-6.
292 TERRIEN, Elusive Presence, pp. 278, 422, 449.
geração" (p.ex. no Prefácio da série in PAUL HANsoN, The Diversity of Scriptu­
293 Além de seus ensaios já mencionados (veja supra, nota 275), veja "The
re, Philadelphia, 1982 [OBT, 11]).
298 BRUEGGEMANN, A Shape, I, p. 30.
Crisis and Promise of Presence in Israel", HBT, v. 1, pp. 47-86, 1979, e sua 299 Veja particularmente GorrwALD, The Tribes of Yahweh, a que BRUEGGEMANN
recensão de "The Elusive Presence" in JBL, v. 99, pp. 296-300, 1980, repr.
faz referência explícita. Agora também podemos levar em consideração
in God and His Temple, pp. 30-34.
294 8RUEGGEMANN, Canon and Dialectic, p. 25.
a obra mais avançada de GoITWALD intitulada The Hebrew Bible.
120 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 121

pólo Brueggemman procurar estar "acima da disputa" se­ BRUEGGEMANN fez essa proposta antes de BREvARD S. CHILDS
guindo BREVARD S. CHILDS, para quem a "abordagem canôni­ publicar sua própria teologia do AT304 • Nesse livro, Cmws
ca" é importantíssima, porque o texto que importa para a afirmou claramente que vê sua obra em contraposição a vá­
teologia é aquele que recebeu status canônico. Resume BRUE­ rias abordagens, incluindo a de GoTTWALD. A abordagem so­
GGEMANN: "O construto bipolar que proponho é que a fé do ciológica de GonwALD é objeto de uma observação que vale a
AT serve tanto para legitimar a estrutura quanto para aceitar a pena ponderar: "A tentativa de GonwALD de substituir a te­
dor." Ele enuncia sua tese nas seguintes palavras: "A teolo­ ologia bíblica pela sociologia bíblica oferecendo exemplos de
gia do AT participa plenamente da 'teologia comum' de seu seu método de demitologização da tradição só ilustra o alto
mundo e, ainda assim, esforça-se para ser livre dessa mesma nível de reducionismo atuante nela."305 Na abordagem de
teologia."300 A noção de "teologia comum" precisa ser en­ GoTTWALD, como CHILDS a analisa, não há lugar para o con­
tendida na acepção especial em que é usada. MoRTON SMITH ceito tradicional de revelação, porque a postura hermenêu­
usou essa expressão para designar a teologia comum de todo tica de GoTTWALD "lê o texto bíblico como uma expressão sim­
o antigo Oriente Próximo da qual a teologia do antigo Isra­ bólica de certas realidades sociais primordiais que lhe são
el era uma parte (não singular) 3º1 • BRUEGGEMANN (dependen­ subjacentes e que ele tenta pôr a descoberto por meio de uma
do de Smith) entende essa expressão como referindo-se a análise sociológica crítica"306• A Bíblia dá testemunho da re­
um "conjunto de suposições e pretensões religiosas que são alidade divina que irrompe na história humana de muitas e
difusas no antigo Oriente Próximo e são compartilhadas variadas maneiras, mas uma leitura sociológica dos textos
na literatura do antigo Israel"3º2• O conceito de "na dispu­ "torna mudo o testemunho singularmente bíblico", levan­
ta" reflete o pólo das forças sociais que supostamente mol­ do, assim, a "um reducionismo teológico maciço"3º7• A di­
dam o texto bíblico da mesma maneira como foi moldado mensão vertical é subsumida sob a horizontal e, por conse­
qualquer outro texto do mundo da Antiguidade, e "acima guinte, "emudecida", mas, para CHILDS, "a revelação é parte
da disputa" é o pólo da forma canônica do texto que tem integrante da tarefa da teologia do AT"308• Poderemos exa­
sentido teológico ou à qual se atribui sentido teológico para minar o método da "nova teologia bíblica" de CHILDS mais
as modernas comunidades de fé. A polaridade dual de "na adiante neste capítulo e precisamos nos voltar agora para
disputa" e "acima da disputa" parece ser uma refundição outro gigante da teologia veterotestamentária cuja obra em­
da polaridade de "o que ele queria dizer" e "o que ele quer prega ainda outra dialética bipolar.
dizer". BRUEGGEMANN vê o pólo de "legitimação da estrutu­ CLAUS WESTERMANN, eminente professor da Universida­
ra" em tensão com o contra-pólo de "aceitação da dor". de de Heidelberg publicou seu livro Theologie des Alten Tes­
Essa tensão é "uma tensão contínua, não-resolvida e inso­ taments in Grundzügen, que fora longamente anunciado, em
lúvel", e ela "precisa ser mantida viva em toda teologia 1978 (traduzido para o português como Fundamentos de
bíblica fiel"3º3 •
304
CHILDS, Old Testament Theology in a Canonical Context.
300 BRUEGGEMANN, A Shape, I, pp. 30-31. 305
Ibid., p. 25.
301 SMITH, The Common Theology of the Ancient Near East. 306
Ibid., p. 24.
302 BRUEGGEMANN, A Shape, II, p. 395, nota 46. 307
Ibid., p. 25.
303 Ibid., p. 414. 30s
Ibid.
122 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 123

teologia do Antigo Testamento em 2005, Ed. Academia Cris­ WESTERMANN informa a seus leitores que a literatura sapi­
tã). Embora não seja tão extenso quanto as obras de outros encial veterotestamentária não tem lugar nessa estrutura
pesquisadores, como W. EICHRODT, TH. C. VRIEZEN. G. VON RAD básica da teologia do AT, "porque originalmente e a rigor
e S. TERRIEN, ele tem seu lugar entre elas. la não tem por objeto um acontecimento entre Deus e o ser
A obra de WESTERMANN está dividida em seis partes. humano"310. O lugar teológico da sabedorià veterotestamen­
A primeira se intitula "Deus no Antigo Testamento". Após tária deve ser visto em conexão com a criação do ser huma­
uma breve seção sobre metodologia, o tópico é tratado sob no e sua capacidade de entender seu mundo e orientar-se
as rubricas de história (Geschichte, em alemão), palavra de nele. Ao passo que VON RAD via a sabedoria como parte da
Deus no AT, resposta humana e unidade de Deus como pos­ resposta de Israel a Deus, WESTERMANN segue W. ZIMMERLI ao
sibilidade de inter-relacionamento. sustentar que o lugar teológico da sabedoria se situa dentro
Para WESTERMANN, a tarefa da teologia do AT é resumir e do arcabouço da criação do ser humano3 11. Assim, WESTER­
dar uma visão de conjunto do que todo o AT tem a dizer MANN tem em comum com seus predecessores alemães o pro­
sobre Deus. Isso quer dizer que, em sua opinião, é ilegítimo blema de como incorporar a "sabedoria" apropriadamente
elevar uma parte do AT ao status de parte mais importante numa teologia do AT. Assim como estão as coisas, ele não
ou interpretar o todo com base em conceitos como aliança, tem realmente um lugar para a teologia sapiencial.
eleição ou salvação. Levantar a questão do centro do AT sig­ A segunda parte expõe o Deus-Redentor e história, apre­
nifica também extraviar-se, porque o AT não manifesta tal sentados sob as rubricas de sentido, processo e elementos da
estrutura centralizadora. Neste sentido, ele é diferente do atividade salvadora de Deus. A terceira parte trata do Deus­
NT, que se centra na vida, morte e ressurreição de Cristo. Benfeitor e Criação e também da bênção. A isso se segue uma
Sustenta-se que uma apresentação do que o AT tem a quarta parte que apresenta a correlação de juízo e miseri­
dizer sobre Deus como um todo tem de começar com o re­ córdia de Deus, particularmente no profetismo de juízo e de
conhecimento de que ele narra uma história no sentido de salvação.
acontecimento (Geschehen, em alemão). Aqui WESTERMANN Uma breve seção sobre o apocalipsismo lida com textos
segue explicitamente G. VON RAD e sua abordagem históri­ como Is 24-27; Zc 1-8; 12-14; Is 66; Jl 2-4 e o livro de Daniel.
co-traditiva309, mas se recusa a seguir o princípio de "re­ Afirma WESTERMANN categoricamente: "A possibilidade do
contar" de VON RAD porque as palavras constantes de Deus surgimento do apocalipsismo a partir da sabedoria está ex­
que entram na vida de Israel produzem uma resposta hu­ cluída."312 Portanto, ele se opõe diretamente ao desenvolvi­
mana. Assim, o AT opera na dialética de interpelação divi­ mento unilinear do apocalipsismo a partir da sabedoria que
na manifesta em múltiplas palavras e ações e de resposta G. VON RAD tinha defendido tão vigorosamente. O apocalip­
humana evidenciada também em palavras e ações. A his­ sismo recebe "seu aspecto teológico em sua posição no plano
tória (Geschichte) envolve, portanto, tanto Deus quanto o de Deus, no qual a história humana está predeterminada"313.
ser humano.
31
º TATG, p. 7; EOTI, p. 11.
º
3 9
WESTERMANN, Theologie des Alten Testaments in Grundzügen, p. 5, trad.
311
TATG, p. 7, 85s.; EOTI, pp. lls., 100-101.
ingl.: Elements of Old Testament Theology, citados respectivamente como
312
Ibid., p. 132.
TATG eEOTI.
313
Ibid., p. 133.
124 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 125

Em contraposição ao profetismo veterotestamentário, o apo­ Ao compararmos as obras de TERRIEN e WESTERMANN,


calipsismo contém uma concepção de história universal de observamos, antes de mais nada, que TERRIEN é aquele que
dimensões cósmicas, o que corresponde à história dos pri­ questiona profundamente o tema da aliança, amplamen­
mórdios. te disseminado e apoiado. Temos de esperar para ver se o
A quinta parte contém o lado da resposta humana na tema da presença vai tomar o lugar do tema da aliança
dialética de interpelação divina e resposta humana. Esta se como motivo veterotestamentário dominante. WESTERMANN,
manifesta em oração, louvor e lamentação. A resposta fala­ pelo contrário, embora siga em traços gerais o tema da
da é seguida pela resposta em forma de ação em obediência bênção ao qual ele tinha dedicado atenção em estudos an­
ao mandamento e à lei, no culto e na reflexão teológica, in­ teriores 315 e o veja numa relação dialética com o salva­
cluindo a interpretação teológica da história proposta pelo mento, "não está altamente preocupado com o desenvol­
Javista, Deuteronomista e Escrito Sacerdotal. Nada se diz vimento da dialética de bênção e salvamento" 316• Dos- dois
sobre um Eloísta ou sua teologia. livros, estar-se-ia tentado a dizer que o de TERRIEN é mais
A última parte tem o título "O AT e Jesus Cristo". Este bem-sucedido.
assunto é dividido em seções sobre os livros históricos e Cris­
to, a proclamação profética e Cristo e Cristo e a resposta do h) Recentes métodos #críticos" de teologia do AT
povo de Deus.
A conclusão levanta a questão de uma teologia bíblica. Recentemente, alguns pesquisadores não tentaram es­
Em contraposição a épocas anteriores da pesquisa histórico­ crever teologias do AT, mas tentaram refletir sobre o futuro
crítica, sustenta-se que "uma teologia bíblica é necessária para da teologia do AT e defender uma renovação de abordagens
a incipiente era ecumênica das igrejas cristãs"314. WESTERMANN "críticas" da teologia veterotestamentária. JAMES BARR e JoHN
visiona tal teologia bíblica em consonância com uma estru­ J. COLLINS, cujas abordagens serão tratadas brevemente no
tura histórica correlacionada com o relacionamento entre que se segue, compartilham a percepção de que a teologia
Deus e o ser humano. Isso significa que a estrutura histórica do AT não parece ter um futuro muito brilhante.
consiste de testemunhos acerca de Deus tanto no AT quanto JAMES BARR é um biblista importante com uma percepção
no NT. Sugere-se que é possível produzir uma teologia bíbli­ sagaz e abrangente dos estudos contemporâneos da Bíblia.
ca do AT e do NT sobre essa base. Entre seus muitos escritos, cerca de uma dúzia se referem a
É evidente que a abordagem de WESTERMANN se baseia várias questões importantes da teologia bíblica. Sua ativida­
inteiramente na crítica da forma e segue, num aspecto fun­ de docente em dois continentes e seu conhecimento das prin­
damental, a abordagem histórico-traditiva de G. VON RAo. cipais línguas européias proporcionaram ferramentas bási­
No outro aspecto fundamental, ele se afasta da abordagem cas para seu interesse por interpretação, filologia, semântica,
de VON RAo enfatizando também um aspecto sistemático, que �ânon e autoridade bíblica; ele até apresentou um ataque
reconhece no testemunho veterotestamentário (que fala) so­
bre Deus. Este último é o que é constante no AT, enquanto
315
Veja particularmente C. WESTERMANN, Blessing in the Bible and the Life of
the Church, Philadelphia, 1978, e sua versão em inglês de um aspecto de
que o aspecto histórico proporciona variabilidade. sua teologia do AT numa forma um tanto diferente sob o título What
Does the Old Testament Say About God?.
316
314
TATG, p. 205; EOTT, p. 232. BRUEGGEMANN, Convergence in O/d Testament Theologies, p. 3.
126 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 127

corrosivo contra o chamado fundamentalismo317. BARR se si­ Envolveu-se num amplo ataque321 contra a "abordagem ca­
tua na tradição científica da sólida crítica histórica moder­ nônica" de 0--IILDS e a favor da abordagem histórico-traditi­
na, rejeitando concepções históricas de inspiração e autori­ va (cf. G. VON RAD, H. GEsE) e de uma compreensão literária
dade bíblica. da Bíblia como "estória".
Até agora, BARR não ofereceu uma apresentação onia­ Correndo o risco de simplificar demais e tendo em vista
brangente de sua concepção de teologia bíblica ou teologia as recentes dúvidas de BARR relativas ao rumo da teologia do
do AT, e dificilmente se espera que ele produza isso. Ele está AT, podemos juntar vários aspectos de seus vários escritos
entre aqueles estudiosos que vêem um futuro sombrio para a no que podemos chamar de "moderna teologia bíblica sinté­
teologia veterotestamentária ou teologia bíblica. BARR afir­ tica" (a designação é de BARR). 1) Ela deve ser descritiva e
mou recentemente que a pesquisa científica está se afastan­ também teológica, sem ser prescritiva ou normativa. 2) Deve
do da teologia do AT porque o assunto é difícil demais para se basear no processo da exegese histórico-crítica, situando­
se alcançar o alvo e os novos paradigmas para o estudo do se entre a exegese e a teologia sistemática. 3) Deve ser feita
AT ou da Bíblia, como o estruturalismo e abordagens literá­ em solidariedade com toda a gama da moderna pesquisa bí­
rias, não são "teológicos" no sentido que se espera. Ele tam­ blica histórico-crítica. 4) Deve ser empreendida com uma lei­
bém está preocupado com a concepção de uma teologia bí­ tura histórica e literária da Bíblia que contenha categorias
blica judaica, uma questão que examinamos no início deste como, p.ex., mito, lenda, alegoria, estória etc. 5) Suas fontes
capítulo. são os livros canônicos da Bíblia, as tradições que se encon­
Uma série de ensaios e livros anteriores descrevem vários tram por trás deles e os documentos das religiões e culturas
aspectos da teologia bíblica moderna e seus avanços sobre o do Oriente Próximo. 6) Deve ser um amálgama das aborda­
gens da história das religiões, literária e teológica. 7) Deve
"movimento de teologia bíblica mais antigo". Ao passo que
estar fundamentada na abordagem histórico-traditiva, en­
BREVARD CttILDS anunciou o fim deste último em 1970, BARR
contrando sua proporção correta também em relação com
meramente criticou a "teologia bíblica mais antiga" e falou da
outras disciplinas adjacentes. 8) Deve basear-se no reconhe­
"cura de suas feridas"318. Ele defendeu uma "abordagem múl­
cimento de que o AT é basicamente "estória" que pode con­
tipla"319 e insistiu recentemente que "a teologia não pode ser
ter alguma história, mas sem ser necessariamente histórico
simplesmente depreendida do texto [bíblico] assim como ele no sentido de "factual". 9) O caráter distintivo da religião de
está: (...) a teologia efetivamente se posta 'atrás' do texto"32º.
321
Seu livro Holy Scripture: Canon, Authority, Criticism, particularmente
317
BARR, Old and New in Interpretation; id., Comparative Philology and the Text pp. 75-104, 130-171, pretende ser visto dessa maneira. Embora esteja
of the Old Testament; id., The Semantics of Biblical Language; id., Biblical baseado nas Palestras James Sprunt de 1982 e tenha sido publicado em
Words for Time; id., The Scope and Authority of the Bible; id., Holy Scripture: 1983, não podendo, portanto, refletir sobre a obra madura de CHILDS
Canon, Authority, Criticism; id., Fundamentalism; id., Beyond Fundamenta­ que se expressa em Old Testament Theology in a Canonical Context, trata­
lism. Veja a reação incisiva de GurnRIE, Biblical Authority and New Testa­ se, não obstante, de urna refutação total das propostas de CHILDS. Infe­
ment Scholarship, especialmente pp. 12-18. lizmente, embora BARR esteja consciente de algumas distinções existen­
318 JAMES
BARR, JR, V. 56, p. 17, 1976. tes entre CHILos e a "crítica canônica" de James A. Sanders, ele atribui a
319 JAMES BARR, Theology Digest, v. 24, p. 271, 1976. CHILDS a "crítica canônica", urna designação que CHILDS rejeita para o
320 }AMES
"The Literal, the Allegorical, and Modem Biblical Scholar­
BARR, que ele próprio designa corno sua "abordagem canônica". Veja Spina,
ship", JSOT, v. 44, p. 14. Canonical Criticism.
128 TEOLOGIA DO ANTIGO TESfAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 129

Israel não consiste na ação de Deus na história, mas na idéia do estruturalismo francês (particularmente de NoAM CHOMSKY),
do Deus uno contra outros deuses. 10) A teologia bíblica exi­ do estudo da Bíblia como literatura (cf. DIETRICH RITSCHL e
ge uma "abordagem múltipla" por causa da variedade de outros), de PAUL RicoEUR em questões hermenêuticas etc. Em
perspectivas a serem incorporadas e da disparidade de teo­ palestras e artigos recentes, BARR move-se na direção da "te­
logias presentes no AT (e no NT). 11) O AT não manifesta ologia natural" como parte do testemunho ·bíblico327. É pre­
um único "centro" (com VON RAo), mas contém vários "cen­ ciso esperar para ver em que direção BARR irá desenvolver
tros". 12) Para que a teologia bíblica medre, precisa haver seu pensamento e se isso irá significar que ele continuará
"alguma flexibilidade teológica e (...) liberdade de explora­ sendo um protagonista para um afastamento adicional da
ção científica da Bíblia"322. 13) "A teologia não pode ser sim­ teologia do Antigo Testamento e da teologia bíblica. Para
plesmente depreendida do texto [bíblico] assim como ele está: BARR, um compromisso plenamente amadurecido com a
(...) a teologia efetivamente se posta 'atrás' do texto."323 crítica histórica permanece essencial em qualquer empre­
Essa sinopse do que parecem ser várias das principais endimento.
idéias de BARR sobre o futuro de uma "moderna teologia bí­ JOHN J. COLLINS sustentou, num ensaio, que a teologia do
blica sintética" do AT não contém todas as nuances de sua AT e do NT devem fazer parte de uma "teologia bíblica crí­
extensa argumentação. PAUL R. WELLS sugeriu, em sua tese tica"328. Ele volta a um tema com que já havia se ocupado
de doutorado, que BARR é um representante de um neolibe­ alguns anos antes329, mas desta vez com maior intensidade e
ralismo bem definido324. Outra tese de doutorado sustentou reflexão. O adjetivo "crítica" é particularmente significativo
recentemente que as perspectivas do próprio BARR na verda­ nessa proposta. Para COLLINS, não só a "abordagem canôni­
de não lhe permitem construir uma teologia bíblica, e que ca" de BREVARD CHILDS, que exporemos na próxima seção, mas
uma teologia que tem uma base na Bíblia vai carregar a mar­ também as abordagens de G. E. WRIGHT e até de GERHARD VON
ca de vários aspectos do uso da Bíblia dentro das comunida­ RAo ainda não são críticas o suficiente. Tanto WRIGHT quanto
des de fé325. Até o presente, parece que BARR se opõe com VON RAo, cada um à sua própria maneira, permitiram que
veemência à idéia de que este último aspecto faça parte da "convicções dogmáticas solapassem seu método declarada­
teologia bíblica. mente histórico"330. COLLINS deseja fundamentar sua "teolo­
Vários métodos, movimentos e rumos da pesquisa gia bíblica crítica" numa abordagem radicalmente histórico­
tiveram uma influência profunda sobre ele. A uma certa crítica que não tem espaço para um quarto princípio, como
altura ele parecia simpatizar com os rumos esboçados por o "princípio do consentimento"331 de PETER SruHLMACHER, p.ex.
CHILDS, mas em anos recentes moveu críticas severas contra COLLINS não quer estar aberto para a "linguagem da trans-
Cmws326. BARR depende da lingüística moderna na forma
m BARR, MowINCKEL, the Old Testament and the Question of Natural Theology.
322 128 COLLINS, Is a Criticai Biblical Theology Possible?. Veja também seu ensaio
Veja BARR, The Theological Case against Biblical Theology, p. 17.
323 BARR, The Literal, the Allegorical, and Modern Biblical Scholarship, p. 14. menos reflexivo Old Testament Theology.
324 WELLS, James Barr and the Bible. 129 COLLINS, The "Historical" Character of the Old Testament in Recent Biblical
325 MURRELL, James Barr's Critique of Biblical Theology. Theology.
326 BARR, Holy Scriptures, pp. 130-171. BARR é secundado em suas críticas 11 ° COLLINS, Is a Criticai Biblical Theology Possible?, p. 4.
1· ' STUHLMACHER, Historical Criticism and Theological Interpretation of Scripture,
da abordagem de CHILDS por JoHN BARTON, Reading the Old Testament,
pp. 79-103. pp. 88-89; id., Vom Verstehen des Neuen Testaments, pp. 206-208.
130 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 131

cendência" que restringiria ou refrearia um funcionamento 3) Ela deve funcionar como subdisciplina da "teologia histó­
não-mitigado do "princípio da crítica" que ele defende com rica"338. 4) Em outro sentido, faz parte de uma "teologia nar­
vigor. Ele não parece incomodado com o fato de que o "prin­ rativa" ou "teologia simbólica"339• 5) É uma teologia funcio­
cípio da crítica", nas palavras de EDGAR l<RENTz, "produz ape­ nal na medida em que deve esclarecer "que reivindicações
nas probabilidades, uma conclusão que levanta perguntas a estão sendo feitas, a base sobre a qual estão sendo feitas e as
respeito da certeza da fé e de seu objeto na teologia"332• várias funções a que elas servem"34º. 6) Está "baseada em
COLLINS tenta resolver a questão da "facticidade" e his­ algum cânon da escritura" sem qualquer "diferença qualita­
toricidade através de uma mudança de paradigma, pas­ tiva em relação a outras expressões literárias da Antiguida­
sando para a noção literária de "estória" de acordo com de, mas só com um reconhecimento da importância históri-
críticos literários como ROBERT ALTER e MEIR STERNBERG, p.ex. ca desses textos dentro da tradição"341•
Para ALTER, a história sacra da Bíblia deveria ser lida como Esse modelo levanta muitas perguntas. Por que esse em­
"ficção em forma de prosa" 333, e STERNBERG sustenta que, preendimento ainda deveria ser chamado de "teologia bíbli­
de um ponto de vista literário, a Bíblia contém escritos de ca"? Por que manter o termo "bíblica" quando só se apela a
ficção334 . A introdução da categoria de "estória" na teolo­ "algum cânon da escritura" sem qualquer diferença qualita­
gia bíblica sugere que não estamos mais interessados em tiva em relação a qualquer literatura da Antiguidade? O que
exatidão histórica. A categoria significativa nessa abor­ significa a palavra "algum" em "algum cânon da escritu­
dagem é a imaginação poética335 . A implicação dessa pas­ ra"? Para um pesquisador católico, o "cânon" é o cânon ca­
sagem da história para a "estória" significa que "a manei­ tólico romano da Escritura, e para os judeus e protestantes,
ra mais fácil de explicar as afirmações sobre Deus ou o é o cânon judaico da Escritura, e para algumas outras pesso­
supranatural [na Escritura] é que elas são dispositivos re­ as é um outro cânon? Se diferentes comunidades de fé usam
tóricos para motivar o comportamento", mas elas não têm cânons da Escritura diferentes, isso não iria introduzir um
nada a ver com verdade vinculante ou normativa ou coi­ aspecto "confessional" numa teologia bíblica "crítica" e pro­
sa parecida 336 • duzir uma concepção dogmática? E isso é o que COLLINS de­
Entre os elementos essenciais do modelo de "teologia seja evitar!
bíblica crítica" de COLLINS encontram-se os seguintes: 1) Ela Além disso, por que deveria haver um apelo à "impor­
• se baseia nos pressupostos dos princípios da crítica, analo­ tância histórica desses textos dentro da tradição"? Se se ad­
gia e correlação que são essenciais para o funcionamento do mite esse apelo, então um aspecto "confessional" ou "dog­
método histórico-crítico337• 2) Qualquer aspecto confessional mático" parece estar atuante nesse empreendimento também.
deve ser negado para uma "teologia bíblica crítica". E se isso é assim, com base em quê essa função da "tradição"
é diferente da do "cânon", p.ex.? Espera-se que esse modelo
332 KRENTZ, The Historical-Critical Method, p. 57.
333 ALTER,
funcional e crítico seja avaliado por quem estuda a Bíblia e a
The Art of Bíblica[ Narrative, pp. 23-40, cit. ap. COLLINS, Is a Criticai
Biblical Theology Possible?, p. 10.
334 STERNHERG, The Poetics of Biblical Narrative, p. 25. 338 Ibid., p. 9.
335 COLLINS, Is a Criticai Bíblica/ Theology Possible?, pp. 10-12. 339 Ibid., p. 12.
336 Ibid., p. 14. 40
3 Ibid., p. 13.
337 Ibid., PP· 2-3. 41
3 Ibid., p. 8.
132 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 133

teologia do AT em relação com seu fundamento metodológi­ auxiliar da exegese bíblica, e não da dogmática; e neste sen­
co, i.e., sua ligação tanto com a crítica histórica em sua for­ tido estamos de acordo com a tradição teológica que se de­
ma radical quanto com paradigmas literários, com sua senvolveu desde o iluminismo." 348 Ela é "a parte indispen­
intencionalidade funcional e sua fidelidade à natureza e ao sável, conclusiva da exegese bíblica" 349• 3) A teologia bíblica
propósito da Escritura. ou veterotestamentária "faz parte do âmbito da teologia
Outra abordagem "crítica" da teologia do AT vem da histórica, não da teologia sistemática"350• Este aspecto tem
pena de JESPER HoGENHAVEN, cujo conciso livro faz um le­ afinidade com a sugestão de COLLINS que acabamos de exa­
vantamento de algumas tendências na teologia do AT an­ minar. 4) "O traço característico da teologia bíblica é seu
tes de esboçar sua própria abordagem342. Ele vê o AT como interesse em motivos religiosos importantes e linhas decisi­
"a literatura nacional de um povo do antigo Oriente Próxi­ vas de desenvolvimento religioso na medida em que são
mo"343. Isso significa que, "historicamente, o AT precisa ser sugeridos nos textos bíblicos. " 35 1 5) A teologia do AT faz
interpretado dentro do contexto da cultura do antigo Ori­ parte dessa espécie de teologia bíblica, e esta última não
ente Próximo do qual ele faz parte. Os contrastes [com essa tem qualquer preocupação com a unidade do AT e do NT352 •
cultura], que certamente não devem ser ignorados, só po­ 6) "A finalidade de uma 'teologia do Antigo Testamento'
dem ser, de um ponto de vista histórico, de natureza relati­ é apresentar uma descrição sintética dos mais importan­
va."344 Espera-se que, com base nisso, o autor vá argumen­ tes motivos, temas e problemas dentro da literatura do AT.
tar contra uma abordagem orientada por um centro para (...) [Como tal, ela] é um empreendimento histórico, que
organizar sua proposta de teologia do AT. Não obstante, pressupõe (. ..) uma exegese detalhada (...) [e segue] uma
ele sugere um "centro teológico" que "não pode ser vindi­ estrutura 'histórica', diacrônica, e não uma seção trans­
cado pela análise exegética". "Esse 'centro' é, em certo sen­ versal 'sistemática' ou sincrônica, de seção transversal."353
tido, o evangelho cristão. Falando em termos tradicionais, 7) a literatura do AT deve ser dividida em suas categorias
podemos dizer que Jesus Cristo é o 'escopo' de toda a Sa­ principais (não de acordo com uma ordem cronológica),
grada Escritura."345 Também isto não pode ser validado exe­ como a sabedoria, a literatura dos salmos, a literatura
geticamente 346 . narrativa, a lei e a profecia, e deve ser tratada segundo as
As propostas de HoGENHAVEN podem ser resumidas bre­ linhas da pesquisa da crítica da forma e da história da
vemente da seguinte maneira: 1) "A teologia bíblica (...) é tradição354 . Em termos gerais e resumidos, HoGENHAVEN
uma disciplina histórica e descritiva, e não normativa e pres­
critiva."347 Não se considera a apropriação teológica do AT
por comunidades de fé, sejam elas a judaica ou a cristã. 348 Jbid.
349
lbid., p. 94.
2) A disciplina da teologia bíblica "deveria ser tida como
350 �d., P· 93.
1
35 lbid., p. 94.
352 Ibid., p. 95. A sugestão de HOGENHAVEN de que a questão da unidade é um
342
HOGENHAVEN, Problems and Prospects of Old Testament Theology.
343
lbid., p. 88. assunto para a "teologia sistemática" está em aguda contraposição à
344
lbid., p. 89. concepção de REVENTLOW, Problems of Bíblica/ Theology in the Twentieth
345
lbid., p. 91. Century, pp. 10-144.
346
Ibid. 35 3 lbid.
347
lbid., p. 93. 354 Jbid., PP· 96-98.
134 TEOLOGIA DO ANTIGO TESfAMENTO A QUESTÃO DA METOOOLOGlA 135

afirma que, "como disciplina histórica, a teologia do Antigo lação do AT com o NT é um dos temas mais básicos para a
Testamento depende do estado atual da pesquisa histórica e pesquisa bíblica e a teologia do AT357 .
exegética" 355. Não há dúvida de que o biblista que, em nossa geração,
É evidente que a proposta de HoGENHAVEN permanece apontou repetidamente para uma "nova teologia bíblica" é
totalmente insensível ao interesse atual em superar o hia­ BREVARD 0--IILDS. Ele propôs uma "nova teologia bíblica" que
to que separa o passado e o presente. Ela permanece soli­ visa superar a dicotomia entre "o que ele queria dizer" e "o
damente em dívida com a disputada distinção entre "o que ele quer dizer"358 tão rigorosamente aplicada pela críti­
que ele queria dizer" (teologia bíblica) e "o que ele quer ca moderna359• A "nova teologia bíblica" de Cmws afirma
dizer" (teologia sistemática) advogada pelo modelo de levar a sério o cânon da Escritura como seu contexto360 • Dito
GABLER-WREDE-STENDAHL e, na verdade, a reaviva sem le­ de modo preciso, CHILDS propõe "a tese de que o cânon da
var em conta seus atuais questionamentos, críticas e pro­ igreja cristã é o contexto mais apropriado a partir do qual se
blemas356. Não é absolutamente um empreendimento teo­ pode fazer teologia bíblica". Um corolário extremamente sig­
lógico, porque permanece histórica e descritiva em sua nificativo dessa tese é que, na medida em que o texto bíblico
concepção e seu projeto. Alguém talvez pergunte: Mas por em sua forma canônica é empregado como o contexto para
que ela se chama teologia do AT, afinal? Qualquer que interpretar a Escritura e fazer teologia bíblica, ela equivale a
seja a resposta que se dê, e mesmo que se pensasse que "uma rejeição do método [histórico-crítico] que aprisionasse
dificilmente se desbrava terreno novo aqui, essa proposta a Bíblia dentro de um contexto do passado histórico"361• Essa
"crítica" revela à sua própria maneira a atual divergência censura se dirige a métodos como os da história das religiões
de opiniões sobre a natureza, finalidade e função da teo­ e da religião comparada, bem como da análise literária362, o
logia do Antigo Testamento. que se refere a todo o empreendimento da análise crítica que
leva ao método histórico-traditivo e o inclui363 •
i) O método da ''nova teologia bfblica" Fica evidente de imediato que a abordagem da teologia
bíblica de CHILDS e sua definição se opõem da maneira mais
Observamos repetidamente que os biblistas tentaram
passar do AT para o NT. Isso é evidenciado por TH. C. VRIE­
ZEN, e. LEHMAN, R. E. CLEMENTS, s. TERRIEN, e. WESTERMANN, H. Veja os aspectos valiosos destacados por GowINGAY, Approaches to Old
357

Testament Interpretation, pp. 29-37. GOLDINGAY afirma que, "para um cris­


GESE e outros. Embora nenhuma dessas tentativas seja idên­ tão, tudo o que o AT fala tem de ser visto à luz de Cristo. (. .. ) Mas a fé só
tica a outra, há, não obstante, uma forte tendência, se não pode ser cristã se estiver baseada na fé das Escrituras hebraicas" (p. 37).
um consenso lentamente emergente, de que a questão da re- Ele diz ainda que "para um cristão, interpretar 'o AT' implica que ele tem
uma postura confessional em relação ao AT" (p. 33).
3
í8 CHILDS, Bíblica/ Theology in Crisis, pp. 100, 141.
355 359 STENDAHL, Biblical Theology, Contemporary; id., Method in the Study of Bibli­
Ibid., p. 112.
356
Veja STENDAHL, Bíblica/ Theology: A Program. Entre as reações contra a cal Theology, pp. 196-208. Para uma avaliação, veja HAsEL, Teologia do Novo
distinção entre "o que ele queria dizer" e "o que ele quer dizer" estão as Testamento, pp. 386-389.
36° CHILos, Biblical Theology in Crisis, pp. 99-106.
de BRUEGGEMANN, Futures in Old Testament Theology, pp. 1-2; KELSEY, The
Uses Of Scripture in Recent Theology, p. 202, nota 8; DuLLES, Response to 361
Ibid., p. 99s.
Krister Stendahl's "Method in the Study of Bíblica/ Theology", pp. 210-216; 362
Ibid., p. 98.
363 CHILDS, Introduction to the Old Testament as Scripture, p. 74s.
ÜLLENBURGER, What Krister Stendahl "Meant".
136 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESTAMENID A QUESTÃO DA METOOOLOGIA 137

vigorosa ao método diacrônico de G. VON RAD e ao método que implique o estudo da Bíblia. Ele acha que esse futuro é
da "formação de tradição" de H. GESE. O problema, para incerto 368.
CHILDS, é que, na medida em que a crítica moderna "estabe­ O empolgante livro de CHILDS intitulado Introduction to
lece uma cortina de ferro entre o passado e o presente, ela é the Old Testament as Scripture foi altamente. elogiado e seve­
um método inadequado para estudar a Bíblia como Escritu­ ramente criticado369 • CHILDS nos informa que, após a publica­
ra da igreja" 364• "Fazer teologia bíblica dentro do contexto ção de sua obra anterior em 1970, deu-se conta "de que o
do cânon implica o reconhecimento da qualidade normativa fundamento ainda não foi assentado com suficiente cuida­
da tradição bíblica." 365 Assim, Cmws ofereceu um amplo do para dar sustentação a uma teologia [bíblica] de ambos
esboço de sua concepção de uma "nova teologia bíblica", os testamentos". Ele continua convicto de que uma teologia
apontando para uma abordagem pós-crítica. bíblica que cubra os dois Testamentos será virtualmente im­
A idéia de um Movimento de Teologia Bíblica da forma possível enquanto a Escritura da igreja for separada em dois
como foi descrito por CttILDS e declarado morto no ano de compartimentos herméticos 370.
1963 sofreu forte ataque, especialmente por parte de JAMES CHILDS insiste, contra GESE371 e outros, que só a forma
D. SMART. SMART contesta a existência de um movimento de canônica do texto bíblico é normativa para a teologia bí­
teologia bíblica coeso nos Estados Unidos e define um "bi­ blica372. Contra aqueles que sustentam que a canonização
blista" em termos amplos como "qualquer pessoa que esteja não passa de um estágio no processo de formação da tra­
investigando seriamente o conteúdo teológico de qualquer dição, como propõem, de várias maneiras, ROBERT LAURIN 373,
parte da Escritura"366. Assim, a "teologia bíblica" no sentido JAMES A. SANDERS374 e S. E. McEvENUE375, entre outros, CHILDS
de uma teologia que se preocupe "com os conteúdos teológi­ faz uma distinção incisiva "entre uma pré-história e uma
cos da Bíblia(... ) tem de ser declarada inexistente neste sécu­ pós-história da literatura [bíblica]" 376, sustentando que a
lo, e como as complicações da pesquisa se tornaram tão gran­ forma final do texto bíblico é normativa para a teologia
des em cada um dos Testamentos, é improvável que bíblica.
encontremos mesmo no horizonte um estudioso que ousasse
embarcar numa única obra os conteúdos teológicos da tota­ 368
Ibid., pp. 145-157. Veja a recensão do livro de SMART feita por CHrLDS, JBL,
lidade da Escritura" 367. Essa afirmação foi surpreendente V. 100, p. 252s., 1981.
mesmo em 1979, quando já havia um número significativo 369
Veja, p.ex., as extensas resenhas e reações de JoHN e PRIEST, "Canon and
de biblistas, desde H. GESE e A. H. J. GUNNEWEG até B. S. CHILDS Criticism: A Review Article", JAAR, v. 48, pp. 259-271, 1980; W. HARRELSON,
e S. TERRIEN, que exigiram, esboçaram e tentaram apresentar JBL, v. 100, pp. 99-103, 1981; e McEVENUE, The Old Testament, Scripture or
Theology?
precisamente tal teologia bíblica. O próprio SMART vê efetiva­ 37
° CHILDS, A Response, p. 199s.
mente um futuro para a teologia bíblica, que permanece um 371
GESE, Tradition and Biblical Theology, p. 317.
conceito amplo, mas mal definido, designando qualquer coisa 37
2 CHILDS, Introduction, pp. 76, 83.
373
R. LAURIN, Tradition and Canon, in: D. A. KNIGHT (ed.), Tradition and Theolo­
gy in the Old Testament, Philadelphia, 1977, p. 272.
374
364
CHrLDs, Biblical Theology in Crisis, p. 141s. SANDERS, Canonical Context and Canonical Criticism, p. 193.
375
365
Ibid., p. 100. McEVENUE, The Old Testament, Scripture or Theology?, p. 236s., sustenta
366
SMART, The Past, Present and Future of Biblical Theology, p. 21. que "não há um ponto de partida único nem uma forma final única".
376
367
Ibid., p. 20. CHILDS, A Response, p. 210.
138 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 139

A posição que sugere que todo estágio no processo de logia bíblica" pressupõem e se baseiam no "status normativo
construção da tradição tem o mesmo direito à autoridade da forma final do texto"383• Isso significa, é claro, que o con­
que a forma canônica porque o acesso à revelação veterotes­ texto histórico para a interpretação da forma canônica da
tamentária se dá "através da tradição e do processo traditi­ Escritura é substituído pelo contexto canônico. Esta é uma
vo"377 é contrariada por CttILDS. Escreve ele: "Essa convicção alteração extremamente decisiva. Como CHILDS sustenta que
científica moderna não era compartilhada pelos editores da a teologia bíblica se ocupa de ambos os Testamentos384, se­
literatura bíblica, nem pelas subseqüentes comunidades de gue-se que todo o cânon bíblico dos dois Testamentos consti­
fé judaica e cristã." Além disso, "toda a intenção na forma­ tui o contexto da teologia bíblica. Isso toma necessária uma
ção de um cânon autoritativo era emitir juízos teológicos sobre rejeição da idéia de um "cânon dentro do cânon"385• Acaso
a forma e o escopo da literatura"378. CHILDS também contesta isso significa também que uma abordagem da teologia bíbli­
vigorosamente as concepções histórico-traditivas de revela­ ca baseada num "centro" (Mitte) está fora de cogitação? Uma
ção como processo de construção da tradição"379. Afirma ele: abordagem de seção transversal que atravesse os Testamen­
"É só na forma final do texto bíblico, em que a história nor­ tos também está excluída? E o que dizer de uma abordagem
mativa atingiu um fim, que se pode perceber o efeito pleno temático-dialética? Ou qual é, afinal, a abordagem apropri­
dessa história revelatória."380 Essas asserções revelam que ada e que estrutura organizacional deve ser seguida? Temos
estamos num campo de batalha em torno da natureza da de esperar para ver até que ponto as propostas para uma
revelação e da autoridade381 , incluindo a questão de "níveis teologia bíblica feitas na obra de 1970 permanecem válidas
de 'canonicidade"'382. Para Cm1os, a autoridade no sentido para CHILDS.
vinculante do termo tem seu lócus na forma canônica da Es­ É dentro do âmbito dessas questões que se deve pergun­
critura. A pré-história ou pós-história do texto, os desdobra­ tar a respeito da relação da teologia vétero e neotestamentá­
mentos pré ou pós-canônicos, não são decisivos no tocante ria com a teologia bíblica. Será a teologia do AT um ramo da
ao valor normativo da Bíblia como Escritura, embora sejam teologia bíblica? Será a teologia do NT um ramo da teologia
levados em consideração. Assim, para CHILDS, a abordagem bíblica? Se a teologia do AT e a do NT são disciplinas históri­
canônica e, conseqüentemente, sua proposta de "nova teo- cas e descritivas em que o contexto histórica e culturalmente
condicionado é determinante, como CHILDS parece susten­
tar386, então ele tem negar a elas o status de teologia bíblica.
377
D. A. l<NtGHT, Revelation through Tradition, in: Tradition and Theology in the CHILDS parece postular um hiato radical entre as disciplinas
Old Testament, p. 162; id., Canon and the History of Tradition.
378
CttILDS, A Response, p. 210.
da teologia do AT e do NT e aquela de sua "nova teologia
379
KN1GHT, Revelation through Tradition, pp. 143-180. bíblica". As primeiras disciplinas podem operar como teolo­
38
° CHILDS, Introduction, p. 76. &_ias baseadas nos respectivos contextos não-bíblicos, ou me-
381
Veja R. KNIERIM, Offenbarung im Alten Testament, in: Probleme biblischer
Theologie, pp. 206-235; l<NIGHT, Revelation through Tradition, pp. 143-180;
id., Canon and the History of Tradition, pp. 144-146; CoATS; LoNG (ed.), Ca­ 383
CHILos, Introduction, p. 75.
non and Authority. 384 CHILDS, A Response, p. 199; id., Biblical Theology in Crisis, pp. 101-103.
382
Essa expressão é de PETER R. AcKROYD, "Original Text and Canonical Text", 385
CHILos, Biblical Theology in Crisis, p. 102.
Union Seminary Quarterly Review, v. 32, pp. 166-173, 1977, especialmente 386
Veja HAsEL, Teologia do Novo Testamento, p. 317, onde se trata da concep­
P· 171. ção de CHILDS.
140 TEOLOGIA 00 ANTIGO TFSTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 141

lhor não-canônicos, históricos e seus métodos corresponden­ a teologia do AT significa que "o objeto da reflexão teológi­
tes, que identificam e descrevem os estágios pré-canônicos ca é o escrito canônico do Antigo Testamento", o que é con­
com seus processos reconstruídos de interpretação teológica sistente com "operar dentro de categorias canônicas"388• Na
e forças históricas. Em contraposição a isso, a "nova teologia concepção da "abordagem canônica", nas palavras de CHILDS,
bíblica" exige um segundo estágio que é confessional no sen­ "a disciplina da teologia do Antigo Testamento combina
tido de que é canônico. O novo contexto do cânon exige um tanto características descritivas quanto construtivas" 389•
novo método que supere as limitações, os estreitamentos e as A "tarefa descritiva" é aquela em que o texto vererotesta­
inadequações da crítica histórica. mentário é corretamente interpretado como "um texto an­
Em nossa opinião, a cunha metodológica radical que tigo que dá testemunho da fé do Israel histórico"390• Segun­
CHILDS colocou entre o método de sua "nova teologia bíbli­ do a "tarefa construtiva", a disciplina da teologia do AT
ca", fundamentado no contexto da totalidade do cânon bí­ faz "parte da teologia cristã, e (...) as escrituras judaicas
blico, e as disciplinas da teologia do AT e do NT é artificial. apropriadas pela igreja cristã dentro de seu próprio cânon
Por que somente a teologia bíblica haveria de ser normativa constituem o objeto da disciplina"391• Aqui, CHILDS se colo­
e o empreendimento da teologia do AT (e do NT) haveria de ca, mais uma vez, em oposição direta à dicotomia estabele­
ter tal status negado? Se E1ssFELDT colocou uma cunha entre cida por GABLER-WREDE-STENDAHL entre "o que ele queria di­
teologia do AT, que, para ele, é puramente confessional, e a zer" e "o que ele quer dizer". Com base na combinação das
história da religião de Israel, que é histórica, descritiva e ob­ tarefas "descritiva"e "construtiva" da teologia do AT, CHILDS
jetiva, então CHILDS coloca uma cunha entre a teologia bíbli­ sustenta que "o coração da proposta canônica é a convic­
ca, que é normativa e teológica, e a teologia do AT (e do NT), ção de que a revelação divina do Antigo Testamento não
que é histórica e não-normativa. Por que a teologia do AT pode ser abstraída ou removida da forma do testemunho
não haveria de se tornar uma história da religião de Israel que lhe foi dada pela comunidade histórica de Israel"392•
para CHILDS? Neste ponto ele se opõe frontalmente às abordagens de VON
Com a publicação de Old Testament Theology in a Cano­ RAD e GESE, que adotam as abordagens histórico-traditivas
nical Context, em 1985/86, de autoria de CHILDS, questões diacrônicas ou de formação de tradição que tentamos des­
adicionais foram esclarecidas pela primeira vez. Agora é crever acima.
possível ver se somente a teologia bíblica deveria estar basea­ A "abordagem canônica" da teologia do AT praticada
da na "abordagem canônica" ou se a teologia do AT deveria por CHILDS se recusa a empregar um "centro" como meio para
se basear na mesma abordagem ou numa metodologia histó­ estruturar a teologia veterotestamentária. Nesta questão ele
rica puramente descritiva, como ele havia pensado antes. toma o partido de VON RAD. Também faz o mesmo na ques­
A "abordagem canônica" de CHILDS não deve ser fundida tão da polaridade entre "história da salvação" (Heilsgeschichte,
nem confundida com a "crítica canônica" defendida por JA­
MES A. SANDERS387 • A "abordagem canônica" como base para
388
CttILDS, Old Testament Theology in a Canonical Context, p. 6.
389
Ibid., p. 12.
387 39
Veja SP1NA, Canonical Criticism: CHILDS versus Sanders. Observe também a 0 Ibid.

separação esboçada pelo próprio SANDERS em From Sacred Story to Sacred 391
Ibid., p. 7.
Text, pp. 153-174. 392
Ibid., pp. 11-12.
142 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 143

em alemão) e historiografia (Historie) 393 • Assim, não é sur­ passe entre descrição histórica científica e apropriação teoló­
preendente que ele discorde de W. PANNENBERG, que procura gica para a comunidade de fé397. Distinguindo-se de outras
identificar a história com a revelação394. A organização de abordagens que têm o mesmo interesse em transpor o hiato
uma teologia do AT não pode seguir VON RAo ou EICHRODT, entre o passado e o presente, que é a tendência dominante
que tentaram organizar sua obra do ponto de vista de um tanto entre estudiosos judaicos quanto cristãos, CHILos se re­
"corpo encerrado de material que deve ser analisado descri­ cusa a usar um sistema filosófico para "traduzir" a mensa­
tivamente"395. Para CHILDS, não há uma única resposta para gem bíblica para o ser humano moderno. Neste sentido, ele se
o processo de estruturação de uma teologia veterotestamen­ recusa a assumir a tarefa da teologia sistemática, que empre­
tária. ga um sistema filosófico de uma ou outra espécie. Mantém a
A obra Old Testament Theology in a Canonical Context de distinção entre teologia bíblica e teologia sistemática mais dis­
CHILDS tem 20 capítulos. Pode-se encontrar alguma coerên­ tintamente do que a maioria das outras propostas atuais.
cia na exposição. Após um capítulo introdutório, os capítu­ Vamos agora passar a desenvolver nossas próprias re­
los 2 a 4 tratam da natureza da revelação; os capítulos 5 a 8 flexões sobre a teologia bíblica398, mas vamos resumir aqui
lidam com o conteúdo da revelação nas leis morais, rituais e primeiramente nossa concepção de teologia veterotestamen­
de pureza; o capítulo 9 trata dos destinatários da revelação, tária, que é esboçada com mais detalhes no último capítulo
tanto coletiva (Israel) quanto individualmente; os capítulos deste livro.
10 a 13 apresentam líderes comunitários como Moisés, juí­
zes, reis, profetas (verdadeiros e falsos) e sacerdotes; os capí­ j) Teologia canônica multíplice do A T
tulos 14 e 15 expõem as principais instituições cultuais e se­
culares; os capítulos 16 e 17 tratam de questões da Concluindo, listamos uma série de propostas essenciais
antropologia, e os capítulos 18 a 20 dedicam-se à vida em rumo a uma teologia veterotestamentária canônica que
obediência e à vida sob a ameaça e a promessa. seguem uma abordagem multíplice.
Em suma, CHILDS trilhou seu próprio caminho. Sua ex­
posição é inovadora e desafiadora para outras. Metodologi­ 1. O conteúdo da teologia veterotestamentária está
camente, ela se encontra no final de uma longa peregrina­ indicado de antemão na medida em esse empreendimento é
ção que, na verdade, teve início em 1964396. É uma afirmação uma teologia do AT canônico. A teologia do AT não é idên­
madura de um biblista que está em pleno contato com a tica à história de Israel. O fato de W. EICHRODT, TH. C. VRIEZEN
ampla gama da moderna pesquisa histórico-crítica, que é e G. FoHRER terem escrito livros à parte sobre a religião de
questionada em vários aspectos a partir de dentro de si mes­
ma. CHILDS faz um esforço significativo para superar o im- 397
É de se esperar que particularmente aqueles que defendem uma teolo­
gia veterotestamentária "crítica" estejam entre os oponentes mais ardo­
rosos de CHILDS. Por exemplo, BARR, Child's Introduction to the Old Testa­
393
Ibid., p. 16. ment as Scripture; id., Holy Scripture, pp. 49-104; COLLINS, Is a Criticai
394 Bíblica/ Theology Possible?, pp. 5-7; BARTON, Reading the Old Testament, pp.
PANNENBERG, Revelation as History; id., Basic Questions in Theology. Cf. CHILDS,
Old Testament Theology, p. 16. 77-103.
395 398
CHILDS, Old Testament Theology, p. 15. Veja HASEL, The Future of Bíblica/ Theology; id., Bíblica/ Theology: Then, Now
396 and Tomorrow.
Veja CHILDS, Interpretation in Faith.
144 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESTAMENTO A QUFSTÃO DA METOOOLOGIA 145

Israel399 é, em si mesmo, um indicativo da distinção. A reli­ que seus vários ternas, motivos e conceitos aflorem e revelem
gião de Israel é vista corno parte das religiões do antigo Ori­ sua relação mútua. Foi demonstrado que qualquer tentativa
ente Próximo ou em contraposição a elas400, mas a teologia e elaborar urna teologia veterotestarnentária com base num
do AT conforme é concebida aqui tem um conteúdo diferen­ ntro, conceito-chave ou foco deixa inevitavelmente de ser
te. A teologia veterotestarnentária também é urna disciplina urna teologia de todo o AT, porque aindç1. não surgiu um
separada da abordagem da história das religiões, que enfati­ princípio de unidade desses que leve plenamente em conta
za as relações da religião israelita com aquelas do universo todo o material contido na Bíblia. A ênfase na forma final ou
religioso circundante401 • Além disso, a teologia do AT não é fixa combina com a ênfase das abordagens literária403 e es­
urna história da transmissão da tradição. Não queremos dis­ truturalista404 do AT.
cutir os méritos relativos de todas essas abordagens da teolo­
gia do AT, mas apenas registrar que elas não têm interesse 3. A estrutura da teologia do AT segue os procedimen­
ou condições de apresentar a teologia da forma final dos tex­ tos da abordagem multíplice. A abordagem multíplice se
tos veterotestarnentários. recusa a seguir a tradicional abordagem orientada por "con­
ceitos doutrinais" (Lehrbegriffe, em alemão), bem corno o
2. A tarefa da teologia do AT consiste em oferecer expli­ método dogmático-didático estreitamente relacionado a ela
cações e interpretações sintéticas da forma final4º2 dos dis­ com urna estrutura do tipo teologia-antropologia-soteriolo­
tintos escritos ou blocos de escritos do AT que façam com gia. Essas abordagens só têm êxito por urna tour de force,
porque o AT não apresenta seu conteúdo de formas assim
sistematizadas. A abordagem multíplice também evita as
399
W. E!CHRODT, Religionsgeschichte Israels, Bern/München, 1969; Ttt. C. armadilhas dos métodos de seção transversal, genético e
VRIEZEN, The Religion of Ancient Israel, London, 1967; G. FoHRER. Geschi­ tópico, mas aceita certos aspectos deles. Ela evita as arma­
chte der israelitischen Religion, Berlin, 1969, trad. port.: História da religião dilhas de estruturar uma teologia do AT por meio de um
de Israel, São Paulo, Ed. Academia Cristã, 2006.
400
BARR, Biblical Theology, p. 110, gostaria de ver uma relação estreita entre a centro, terna, conceito-chave ou foco, mas permite que os
história da religião e a teologia do AT. vários motivos, ternas e conceitos aflorem em toda a sua
401
Uma abordagem que concebe a teologia do AT em termos da história da variedade e riqueza, sem elevar qualquer uma dessas pers­
religião deveria ser chamada de "história da religião israelita". ZIMMERLI pectivas longitudinais à condição de único conceito estru-
(Erwagungen zur Gestalt einer alttestamentlichen Theologie, pp. 87-90)
defende uma distinção entre teologia do AT e história da religião israe­
lita. 403
Neste caso, a ênfase na "leitura atenta", a saber, na análise meticulosa e
402
KRAus (Biblische Theologie, p. 365) insiste que a "forma final necessita ser detalhada da textura verbal do texto final, faz parte da "nova crítica"
apresentada pela interpretação e síntese" no cumprimento da tarefa que uma abordagem literária não-estruturalista exige. Veja também
efetiva da teologia bíblica. BLENKINSOPP (Prophecy and Canon, p. 139) insis­ HASEL, Teologia do Novo Testamento, p. 470, nota 41, quanto à insistência na
te que "se teologia bíblica significa uma teologia da Bíblia, ela precisa integridade da obra literária concluída como obra de arte.
levar em conta a Bíblia em sua forma final e o que essa forma significa 404
O estruturalismo também enfatiza, pelo menos num pólo, que é o texto
para a teologia". De uma perspectiva diferente, CHILDS sugere que a literário com que se depara o olhar que deve receber atenção. No outro
forma canônica final constitui o contexto para a teologia bíblica (Bíblica/ pólo está a "para-história" (o termo é de CROSSAN) que permite ao estru­
Theology in Crisis, pp. 99-122) e que "a significância da forma final da turalista passar para as estruturas produndas que foram codificadas no
literatura bíblica é que só ela testemunha a história plena da revelação" texto. Cf. D. RüBERTSON, Literary Criticism of the Old Testament, Philadel­
(The Canonical Shape of the Prophetic Literature, p. 47). phia, 1977.
146 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESTAMENTO A QUFSfÃO DA METODOLOGIA 147

turante, seja ele comunhão, aliança, promessa, reino de 6. O objetivo último da abordagem canônica da teologia
Deus ou algum outro. A abordagem multíplice permite, do AT é penetrar as várias teologias dos distintos livros e
além disso e em primeiro lugar, que as teologias dos vários grupos de escritos e os vários temas longitudinais para che­
livros e blocos de escritos veterotestamentários aflorem e gar à unidade dinâmica que vincula todas as teologias e te­
coexistam em toda a sua variedade e riqueza. Esse procedi­ mas. Uma maneira aparentemente bem-sucedida de lidar
mento dá ampla oportunidade para que as teologias mui­ com a questão da unidade é tomar os vários temas longitu­
tas vezes negligenciadas de certos escritos do AT aflorem dinais importantes e explicar onde e como as variegadas te­
por si mesmas e se coloquem lado a lado com outras teolo­ ologias estão intrinsecamente relacionadas umas com as ou­
gias. Elas dão sua própria contribuição especial à teologia tras. Desse modo, o vínculo subjacente da teologia do AT
veterotestamentária em pé de igualdade com as teologias poderá ser iluminado.
mais reconhecidas.
7. O teólogo cristão entende a teologia veterotestamen­
4. A seqüência da teologia do AT reflete a ênfase bifur­ tária como parte de um conjunto maior. O nome "teologia
cada das teologias que procedem livro por livro, ou por blo­ do AT" distingue essa disciplina de uma "teologia do antigo
cos de escritos, e os temas, motivos e conceitos resultantes à Israel" e implica o conjunto maior da Bíblia inteira constitu­
medida que estes emergem. A apresentação das distintas ído de ambos os Testamentos. Uma teologia do AT íntegra
teologias dos livros veterotestamentários, ou blocos de es­ se encontra numa relação básica com o NT. Essa relação é
critos, não seguirá, de preferência, a seqüência do cânon multicor, e dificilmente se pode esperar que ela seja esgota­
hebraico ou da Septuaginta. O ordenamento dos documen­ da num único padrão.
tos dentro destes tinha causas outras do que teológicas. Essas propostas para uma teologia canônica do AT pro­
Parece aconselhável seguir a seqüência histórica da data curam levar a sério a rica variedade teológica dos textos ve­
de origem dos livros, grupos de escritos ou blocos de mate­ terotestamentários em sua forma final sem forçar os teste­
rial do AT, embora esta seja, reconhecidamente, uma tare­ munhos variados a se encaixar numa única estrutura, ponto
fa difícil. de vista linear ou até mesmo abordagem composta de mais
de um elemento, mas de natureza limitada. Elas permitem
5. Segue-se, depois, a exposição dos temas longitudinais que se seja plenamente sensível tanto à semelhança quanto
do AT que emergiram das distintas teologias dos livros ou à mudança, ao velho e ao novo, sem de maneira alguma dis­
blocos de escritos com base num enfoque de múltiplas pis­ torcer o texto.
tas. Esse procedimento livra o teólogo da noção da tour de
force de uma abordagem unilinear determinada por um úni­
co conceito estruturador ao qual todos os testemunhos vete­
rotestamentários teriam de se referir. O procedimento pro­
posto aqui procurar evitar uma superposição de pontos de
vista ou pressupostos externos, mas insiste que os temas,
motivos e conceitos veterotestamentários sejam formados
pelos próprios materiais bíblicos.

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