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p. 169 - 179
RESUMO
Este artigo procura justificar o estudo da literatura oral nas vertentes dos contos populares
através da tradição e cultura do povo amazônico. Os dados referem-se a uma pesquisa de
campo em bairros, comunidades rurais e região de rios pertencentes aos municípios. A aná-
lise da pesquisa foi embasada na ideia de registrar os contos populares amazônicos decor-
rentes da memória coletiva, indistinta e contínua, preservada geração após geração. Esses
contos, componentes da memória coletiva, começaram a ser perpetuados com a narração
oral dos índios e permanecem vivos no imaginário popular. Sendo assim, pode-se notar que
a expressão tradição oral abrange várias concepções como a do estudo da literatura oral e
das relações entre origem oral e sua entrada na literatura artística. O objetivo deste estudo
é refletir e aprofundar as fronteiras e embates teóricos que são enfrentados diante da ne-
cessidade de registrar os contos de literatura oral da Amazônia, de modo a criar um acervo
de histórias. Por meio do conto narrado foi possível trabalhar os conteúdos de linguagem
oral e linguagem escrita, desde a sintaxe até a intertextualidade, com atividades de roda de
conversa, contação de histórias e oficina de literatura, a fim de permitir viajar por um mun-
do totalmente desconhecido, atingindo não apenas o plano prático, mas também o nível do
pensamento e, sobretudo, a dimensão do mítico-simbólico e o mistério sagrado.
Palavras-Chave: Literatura oral. Tradição oral. Amazônia.
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Arte Educadora. Graduação em Letras pelo Centro Universitário Luterano de Santarém - CEULS/ULBRA. E-mail:
elidalucianevieira@hotmail.com
ABSTRACT
This article sought to justify the study of oral literature as aspects of folktales through
tradition and culture of the Amazonian people. The data refer to a field research on nei-
ghborhoods, rural communities and region rivers belonging to the municipality of. The
research analysis was based on the idea of recording the folk tales Amazon arising from
collective memory, indistinct and continuous preserved generation after generation, that
began with the Indians and remain alive in the popular imagination. Thus it, may be noted
that the term oral tradition encompasses several conceptions such as the study of oral lite-
rature and the relationship between oral origin and its entry into the artistic literature. The
objective of this study is to reflect and deepen the borders and theoretical debates that are
faced with the need to record the stories of oral literature of the Amazon, to create a collec-
tion of stories. Through tale narrated was possible to work the contents of oral and written
language, from syntax to intertextuality, through activities wheel conversation, storytelling
and literature workshop, allowing travel through a world completely unknown not reaching
only the practical but also the level of thought, and especially the size of the mythical-sym-
bolic and sacred mystery.
Keywords: Oral literature. Oral tradition. Amazon.
pela formação psicológica, intelectual e O objetivo deste estudo foi, pois, re-
espiritual do ser humano. fletir e problematizar as fronteiras e emba-
Todas as atividades realizadas fo- tes teóricos que são enfrentados diante da
ram embasadas no propósito de destacar necessidade de registrar os contos de litera-
os conhecimentos e valores das comu- tura oral da Amazônia, de modo a criar um
nidades, sendo feito levantamento das acervo de histórias.
histórias do local por meio de roda de O estudo se deu através de uma
conversa em que pessoas deixavam seus abordagem metodológica baseada no le-
testemunhos, de modo a criar um acer- vantamento teórico e pesquisa de campo
vo vivo de histórias. Pode-se contar ao centrada em aspectos qualitativos e quan-
público histórias em torno de persona- titativos nos núcleos da Pastoral do Me-
gens populares famosos, de superstições, nor. Foi atendido um total de quinhentas
crendices, plantas medicinais, curandei- crianças e adolescentes regulamente ma-
ros, poetas do povo e artistas da comu- triculados, alfabetizados, semialfabetiza-
nidade. Além disso, esta pesquisa foi de- dos e analfabetos.
senvolvida como uma forma de preservar Durante o período de funcionamen-
a cultura popular local e de possibilitar to do projeto, foram utilizados os seguintes
a criação, por meio de registro das his- recursos: trezentos livros de literatura infan-
tórias, de um material precioso que co- to-juvenil, poesia, lenda e mito. A coleta de
lecione um acervo de literatura oral das dados se deu com o recurso a um trabalho de
comunidades amazônidas. campo para conseguirmos uma aproximação
Diante da contextualização que en- com a comunidade e captação de informa-
volve o tema – a literatura oral nas ver- ções observadas no convívio comunitário.
tentes dos estudos dos contos populares Sobre este trabalho acerca deste tema, Busat-
na Amazônia – Busatto (2008) afirma que to (2008, p.87) nos desperta a atenção para a
quando usamos a expressão literatura oral relevância desta pesquisa ao afirmar que:
logo imaginamos um estudo que promova
Recuperar o conto de literatura oral é também
uma comparação entre duas ou mais lite- perpetuar a nossa cultura e a nossa história.
raturas. Com isso, falar sobre as diversas Se cito com frequência o conto de fadas e o
mito é por acreditar que eles são uma via de
categorias dos exemplares da literatura oral acesso ao nosso ser, porém há nas lendas re-
tornou-se uma tarefa delicada e ambígua, gionais e causos populares um conhecimento
que não deve ser desprezado, pois eles indi-
levando a crer que o conto de literatura oral cam a produção cultural de um povo, suas
é uma das mais genuínas expressões cultu- crenças, temores e anseios íntimos. Seja qual
for a categoria do conto que você pesquise ele
rais da humanidade, sem que com isso pos- será sempre bem-vindo, pois estaremos con-
samos lhe atribuir paternidade. tribuindo para sua permanência.
a base de uma civilização, suas raízes ga- Com base em Busatto (2008, p.37):
rantem e conservam os valores e tradi-
Ao divulgar os Parâmetros Curriculares em
ções humanas. 1990, o MEC oficializou a pesquisa e endos-
Segundo Cascudo (2006, p.53), sou a importância da diversidade cultural.
Neste contexto a pertinência do conto de
tradição popular traz no corpo marcas da
A tradição reúne elementos de estórias e
cultura e do sistema mítico e de crenças do
histórias popular, anedotas reais ou suces-
seu povo. Reconhecendo o conto, estare-
sos imaginários, críticas sociais, vestígios
mos reconhecendo o seu sujeito criador, e
de lendas amalgamados, confusos, díspares
garantindo o espaço que ele deve ocupar
na memória geral confundem com certas
globalmente. Ao reconhecer num povo a sua
superstições. Parece-me articular-se aos ru-
complexidade, está-se colaborando para a
mores clássicos, o rumor antigo, conta como
erradicação de preconceitos de toda espécie.
dizia Camões, numa forma de comunicação
de valores indistintos do saber coletivo. Sua
caracterização é compreendida quando uma
tradição é evocada. Quase sempre inicia-se
Vale ressaltar que os dados coletados
pela frase: ‘– os antigos diziam...’. Não é uma ocorreram todos nas dependências dos nú-
lenda, nem um mito, fábula ou conto. É uma
informação, um dado, um elemento indis-
cleos da Pastoral do Menor nos bairros e
pensável. comunidades rurais e de rios da Amazônia.
Os contos relatados nas atividades foram
Além disso, os contos populares analisados de acordo com os pontos cen-
amazônicos possuem muitas informações trais: coletar histórias do local, onde pes-
históricas, etnográficas e sociais; é a vida soas deixavam seus relatos de experiência
documentada através de costumes. Nas pa- e os diversos elementos apreendidos no
lavras de Cascudo (2006), o mito passa ao universo de matas, florestas, campos, rios,
estado de lenda e a lenda se torna conto. igapós, igarapés e através de conhecimento
Invertendo os termos: um conto popular dos antigos moradores. Dessa forma, Bran-
é um fragmento ou material total de uma dão (2011, p.115) afirma:
lenda, esta de um mito primitivo. Trata-se
E é na esfera do interdiscurso que devemos
de relatos de experiências vividas de um observar os pontos comuns e a diversidade
povo convicto de suas verdades. Para os dos contos populares, que ora repetem, ora
trocam entre si motivos, sequências, perso-
moradores da região Amazônica, contar nagens e atributos. Quando reencontramos
histórias é um meio de comunicação, e a temas, personagens, situações semelhantes
ou já vistos em contos, já lidos ou já ouvidos,
literatura oral representa o sagrado para estamos presenciando o fenômeno lingüísti-
essas comunidades. Tais processos podem co discursivo característico de todo o univer-
so da criação literária, a intertextualidade.
trazer uma variedade muito grande de ex-
periências, que vão fortalecendo o desen-
volvimento interior, ensinando a lidar com No que se refere às formas de plane-
muitas situações. jamento e avaliação, foi feito levantamento
documental dos contos populares por meio No entanto, vale considerar que a
de um livro, de maneira que o resultado do cultura popular amazônica, com o passar
trabalho selecionado reuniu diversos elemen- do tempo, sofreu algumas perdas. Dessa
tos do meio popular. Com base em Cascudo forma, segundo Brandão (2011, p.92), para
(2006, p.209), são os elementos da literatura compreender a verdadeira origem do con-
oral aqueles que, decorrendo de fontes im- to, devemos nos servir, em nossas compa-
pressas, mantêm, visivelmente, a tradição rações, dos ensinamentos detalhados sobre
dos trabalhos de convergência literária no a cultura da época. Sobre isto, Darnton
ambiente popular. O exame dessa pequenina (1986, apud BRANDÃO, 2011, p.92)
bibliografia evidenciará sua antiguidade.
[...] nos previne sobre a impossibilidade de
Os contos de literatura oral amazôni- ignorar a dimensão histórica dos contos po-
ca representam a intenção de fixar valores pulares, que podem ser considerados docu-
mentos históricos, que surgiram ao longo de
ou padrões a serem respeitados pelas co- muitos séculos e sofreram diferentes trans-
munidades, incorporados pelos moradores formações, em diferentes tradições culturais.
tes, coletados oralmente e registrados no li- via enrolado a vela, levou um susto, tinha
vro “Histórias Que Famílias Contam¨. A pes- uma canela no lugar da vela.
quisa de campo, por sua vez, se deu através
de relatos dos familiares dos participantes do Câmara Cascudo (2006) explica que
projeto – ouvidos no meio da floresta – e por as regiões brasileiras sofreram influência de
antigos moradores. elementos de literatura oral, de fontes im-
pressas literárias do ambiente popular cole-
COLETA DE DADOS tivo de países Europeu. A região Amazônica
• A Procissão incorporou esses elementos pré-construídos
Nome: Ana Raquel da Silva Mota da tradição portuguesa, desfigurado pelas
Minha vó contava muitas histórias classes populares não alfabetizadas, ouvin-
para mim, como a de uma mulher que tes do saber popular, decorrente de elemen-
costurava dia e noite. A história começa tos como: almas penadas, tesouros dados em
assim: a senhora costurava dia e noite, sonho, procissões de fantasmas, missas re-
aos domingos e dias santos até as madru- zadas e assistidas por esqueletos, almas em
gada. Uma noite, ela estava costurando penitências durante a noite, gritos, luzes...,
quando ouviu um barulho lá fora e parou todos vindos através dos colonizadores.
de costurar, foi ver o que estava aconte-
cendo. Abriu a janela e lá no fim da es- RORAIMA
e, na hora de voltar para casa, a mais ve- de Santana vivia uma cobra grande. A me-
lha viu um sapo bem grande, pegou pelas nina resolveu entrar na igreja para per-
pernas e começou a correr atrás de suas guntar ao padre se era verdade a história
irmãs. Nessa hora, o sapo arranhou a per- da cobra grande que morava embaixo da
na dela, que começou a sangrar e a doer. igreja, mas ele não soube responder se era
Passaram-se quatro dias e ela começou a verdade ou mentira.
ficar doente.
Uma noite de lua cheia ela se transfor- A narrativa popular mais conheci-
mou em um sapo grande e feio. De lá para da da Amazônia, a cobra grande, tem sua
cá, toda noite de lua cheia ela virava sapo, fonte em tribos indígenas. Norato nasceu
e durante o dia voltava a ser gente. E então, de uma índia e fora jogado logo após seu
depois de dez anos, a menina-sapo foi picada nascimento quando viram que o indiozinho
por uma cobra durante a noite e morreu. era uma cobra. A cobra Norato sai da água,
deixa seu couro de serpente à beira do bar-
Na região amazônica, o sapo simboli- ranco e se transforma em um belo rapaz,
camente representa amuleto, o muiraquitã, encantando as moças bonitas das comuni-
é um amuleto indígena que tem a forma de dades ribeirinhas.
rã, na cor verde-esmeralda, cor da floresta Com o passar do tempo, sua mãe
amazônica. O muiraquitã preserva o esco- índia se transforma em cobra e vai morar
lhido dos males do mundo, assegurando-lhe embaixo da igreja matriz de Sant`Ana em
felicidade. Ele era dado ao índio que uma Óbidos-Pará-Amazônia. Para o mundo
amazona quisesse como parceiro. As ama- do misticismo, das crendices populares,
zonas91 viviam nas proximidades do rio existem cobras-grandes que sofreram en-
jamundá, sem contatos permanentes com cantamento, muitas vezes com o objetivo
homens, pois a pedra verdadeira precisa ser de ajudar os seres humanos em suas ne-
realmente retirada do lago das amazonas. cessidades.
As antologias do Conto Popular
• A Lenda da Cobra Amazônico, segundo Vieira (2010), se
Narrador: Lorena classificam como: Contos de Encantamen-
Uma certa menina cresceu ouvindo to; Cobra-grande; O Boto; A Cachorrinha
de seus pais que embaixo da igreja matriz Encantada; A Rãzinha Verde; Eldora-
do Terra do Sol; Mãe da Cabeceira; Mãe
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As amazonas eram índias mitológicas que desciam em
bandos e iam banhar-se no lago Yaci Yarua, o Espelho
D’água; Vitória Régia; Curupira; Contos de
da Lua. VIEIRA, Edithe Carvalho. Amazônia: Contos, Exemplo: O Pretinho do Laguinho; Contos
Lendas, Ritos e Mitos. Brasília: Queen Elisabeth/Projecto
Editorial, 2010, p. 141. de Animais: Uirapuru; Matimbaú; Contos