O Direito, enquanto instrumento de controle social, cumpre com sua função através do estabelecimento de regras e padrões gerais de conduta. Para Hart, é essa possibilidade do Direito de comunicar padrões gerais de condutas a categorias de pessoas que torna possível sua atuação. Tal não ocorreria se os destinatários das regras jurídicas não pudessem compreender o conteúdo das mesmas e, consequentemente, pautar sua conduta em consonância a elas.
Textura aberta: “Em todos os campos da experiência, e não só no das regras, há um limite, inerente à natureza da linguagem, quanto à orientação que a linguagem geral pode oferecer”.
Os padrões gerais de conduta são comunicados através dos precedentes e da legislação. O fazem, respectivamente, com um uso máximo e um uso mínimo de palavras. O precedente constitui-se, por assim dizer, em exemplos dotados de autoridade. Essa comunicação de padrões de conduta através do precedente traz consigo uma grande zona de imprecisão, no tocante aos sujeitos atingidos e quanto às condutas pretendidas. Ao contrário, aparentemente, a regra de conduta comunicada através da lei (usando formas explícitas de linguagem) seria, nas palavras de Hart, “clara, certa e segura”.60 No entanto, a evolução do pensamento jurídico tem possibilitado a compreensão de que em ambos os casos as regras de conduta não nos são comunicadas de forma absolutamente segura ou clara. Neste momento, uma conclusão mais apressada poderia fazer crer que a “interpretação” da lei e dos precedentes bastaria para aclarar seu conteúdo. Hart refuta tal possibilidade, uma vez que a própria maneira de os interpretar está submetida aos limites gerais da linguagem (ou seja, em certos casos, até mesmo as regras de interpretação poderiam necessitar ser interpretadas).
O que determinaria esta deficiência na comunicação dos padrões gerais de conduta seria a combinação de duas desvantagens: “[a] primeira desvantagem é a nossa relativa ignorância de fato; a segunda, a nossa relativa indeterminação de finalidade”. Isto decorre de ser impossível prever-se antecipadamente todas as situações que podem ocorrer e a maneira de as regular.
O Direito deve ser capaz de estabelecer situações inequívocas, em relação às quais a incidência do padrão de conduta contido na regra não deixe dúvidas, bem como solucionar, de acordo com mecanismos próprios, as questões que só podem ser resolvidas quando surgem no caso concreto.
Casos fáceis : São casos familiares que estão a surgir constante em contextos similares, em que há acordo geral nas decisões quanto à aplicabilidade dos termos classificatórios.
Casos difíceis: São situações de facto, continuamente lançadas pela natureza ou pela invenção humana, que possuem apenas alguns dos aspectos dos casos simples, mas a que lhes faltam outros.
Hart responde ao problema da textura aberta do Direito reconhecendo um poder discricionário aos juízes: “[a] textura aberta do direito significa que há, na verdade, áreas de conduta em que muitas coisas devem ser deixadas para serem desenvolvidas pelos tribunais ou funcionários, os quais determinam o equilíbrio, à luz das circunstâncias, entre interesses conflitantes que variam em peso, de caso para caso”. O autor afirma a existência deste poder discricionário,63 porém reconhece que a regulamentação de condutas pelo Direito exercita-se, em larga medida, através do estabelecimento de regras determinadas, as quais não exigem uma apreciação nova de caso para caso. O que importa reconhecer é que Hart, expressamente, admite que os tribunais exerçam uma função criadora do Direito. Ao mesmo tempo, adverte que esta função criadora muitas vezes é menosprezada, através da afirmação de que o que os tribunais fazem é, na realidade, buscar a intenção do legislador e o Direito que já existe.
Formalismo sobre as regras procura minimizar a existência desta área de imprecisão das normas jurídicas. De acordo com esta teoria, as regras gerais, uma vez editadas, seriam suficientes, por si sós, para comunicarem o padrão de conduta exigido. A maneira de se conseguir isto, segundo Hart,64 seria fixando precisamente os termos das regras gerais, de forma que o seu significado fosse o mesmo para cada caso que caísse na sua órbita de aplicação.
“Paraíso de conceito dos juristas”- atinge-se quando a um termo geral é dado o mesmo significado, não só em cada de uma dada regra, mas sempre em que aparece em qualquer regra do sistema jurídico.
Todos os sistemas chegam a um compromisso entre duas necessidades sociais: a necessidade de certas regras gerais de aplicabilidade segura, sem se precisar ponderar sobre elas, e a necessidade de deixar abertura para escolha futura sobre questões que só podem se analisadas quando efetivadas. Novamente, depende do sistema jurídico que nível de enfoque casa uma dessas necessidades vai ter.
Essas duas necessidades descritas acima são dois extremos frutos da incapacidade humana de antecipar acontecimentos, os sistemas jurídicos criam técnicas para regular essas condutas variáveis.
A primeira técnica seria traçar padrões bem amplos (para os casos muito variáveis) e delegar um corpo administrativo para moldar essas regras às necessidades do caso específico. Vale ressaltar que os casos não contemplados por essas regras são muitos, o que acaba fazendo com que o corpo administrativo exerça um importante poder discricionário, onde nunca há uma única resposta correta.
A segunda maneira de regular os extremos dessas necessidades seria através da razoabilidade da ação. Quando é impossível pré-determinar um padrão base para a regra, por mais amplo que seja, recorre-se ao que é razoável fazer na ação, ou ao chamado, no inglês, d ue care. Nesse caso, cabe ao indivíduo ser razoável no momento da ação sem nem mesmo conhecer quais as especificações exigidas para aquela ação pois, a especificação do padrão exigível só é dado a posteriori, nos tribunais, depois de violado. Diligência devida é uma ação realizada tendo em vista (1) a tomada de certas precauções que evitarão qualquer mal, e que, ao mesmo tempo, (2) não prejudicarão nenhum interesse importante. Diligência devida, é, então, o mesmo que ‘o que é razoável’. Portanto, nos casos em que não houver especificação sobre como se deve agir, deve-se guiar pela diligência devida, e, em caso de violação, os tribunais decidirão, a posteriori, o que é exigível nesses casos, qual é a finalidade da regra.
Textura Aberta e Precedente-
Aqui, as indeterminações das regras são mais complexas. Primeira observação- Sabe-se que o precedente funciona como autoridade de uma determinada regras mas, não há um único método para reconhecer qual é a regra a qual esse precedente funciona como autoridade. A segunda afirma que não há nenhuma formulação unicamente correta ou dotada de autoridade da regra extraída do caso, só uma escolhida. Terceira- seja qual foi a autoridade da qual foi emanada a regra do precedente, ela, ainda assim, é suscetível ao exercício dos tribunais pois: - (1) Os tribunais podem decidir de forma oposta ao precedente. – (2) Os tribunais podem ampliar a regra para que ela se torne aplicável um caso específico.
(1) Distinção- descoberta de alguma diferença juridicamente relevante entre aquele e o caso presente, e o número dessas diferenças nunca pode ser determinado exaustivamente (2)Ampliar a regra- ao seguir um precedente anterior, os tribunais podem afastar uma restrição descoberta na regra, tal como foi formulada a partir do caso anterior,
Variedades de cepticismo sobre as regras-
Primeira Forma- regras baseia-se na crença de que as regras resumem-se às decisões dos tribunais, portanto, nega a existência de qualquer regra legal. Hart nega essa premissa pois, é necessária a existência de regras para que se tenha um tribunal dotado de autoridade. Uma variante dessa, mais moderada, aceita as regras que estabelecem os tribunais, mas nega todas as outras ao dizer que, as leis não são direito até que sejam aplicadas pelos tribunais. Hart também a nega. As teorias do ceticismo também são inválidas se observadas do ponto de vista social. A sociedade se conduz de acordo com o direito, o direito como sendo padrões jurídicos de comportamento, e não como hábito ou predições das decisões dos tribunais. Até porque, os padrões jurídicos de comportamento são vistos pela sociedade como sendo estáveis, algo que dita como deve ser as condutas, e que faz com que os indivíduos sigam uma linha de comportamento certa. No tocante a teoria da função das regras na decisão judicial, os céticos têm uma posição plausível; afirmam que os juízes não estão sujeitos nem vinculados às regras, e que, assim, para os tribunais, não há um padrão de comportamento judicial correto, não havendo, portanto, nada característico, do ponto de vista interno, a aceitação das regras por parte dos mesmo. Assim eles podem, ao decidir um caso, restringir ou alargar qualquer limite de qualquer conceito para que seja resolvido o caso da maneira que mais convir, já que não estão vinculados a nenhuma outra regra que os restrinja. Para explicar o cético e sua posição diante desse problema, Hart diz que o cético só pode ser um absolutista desapontado cujas ideias sobre o que é necessário para a existência de uma regra são ideais inatingíveis que quando descobertas não atingíveis pelas regras existentes, o cético nega que haja regras. O cético é um extremista, ou as regras seguem o padrão formalista, ou não existem regras. Argumentar desse modo, diz Hart, é ignorar que uma regra ainda é uma regra mesmo com exceções inesperadas. Uma regra que termina com “a menos que...” é ainda uma regra. Sobre esse extremismo, Hart afirma que a verdade sobre as regras reside no meio das ideias do formalismo e do ceticismo, não se resumindo a nenhuma delas.
Segunda forma de ceticismo- Distingue-se, aqui, entre um comportamento genuinamente observante da regra, ou seja, quando se faz uma ação tendo em mente a regra que dita que essa ação deve ser feita, e entre um comportamento meramente intuitivo, que faz a ação mais sem considerar a regra em questão, por intuição. O primeiro seria o comportamente exigido na sociedade. O cético analisa, então, o comportamento de um juiz na hora de decidir um caso e diz que esse decide intuitivamente, sem considerar a regra existente, e depois que decide escolhe uma regra para fundamentar o que já decidiu.
Terceira forma- quem quer que seja que tenha autoridade absoluta para interpretar e aplicar leis é, para todos os fins, a pessoa que as cria.
Definibilidade e infabilidade na decisão judicial-
Continuando a análise do último tipo de ceticismo, afirma-se que o supremo tribunal tem a palavra final ao dizer o que é direito, e mesmo que alguém negue esse fato, a negação torna-se inválida. “O direito (ou a constituição) é o que os tribunais dizem que é”, suas decisões são, portanto, definitivas e infalíveis. Hart, como já exposto anteriormente, nega esse fato. Ele faz uma analogia com um jogo de futebol para explicar o que realmente acontece e como acontece a decisão jurídica, mas a explicação extensa do jogo aqui é dispensável, só uma rápida conclusão é necessária. Um jogo de futebol sem marcador é “regulado” pelos próprios jogadores com base em regras de pontuação pré-definidas por eles próprios. Esse tipo de regulamento pode levar a certas confusões, então, institui-se um marcador oficial. Torna-se verdade a frase “o resultado do jogo é aquilo que o marcador diz que é” mas é importante lembrar que para que isso aconteça é importante que as regras pré-determinadas de pontuação ainda existam, pois se não existissem, o marcador escolheria suas decisões discricionariamente. A decisão do marcador é sim final, definitiva, porém, não é infalível. O marcador pode cometer erros, mesmo que não intencionalmente e é preciso prever formas de correção para esses erros via instâncias superiores, que, por sua vez, também serão suscetíveis a erros na hora da decisão. Vale ressaltar que, depois de instituído o marcador, as afirmações dos jogadores não passam de aplicações não-oficiais da regra de pontuação. Não poderia ser de outro modo, a não ser que o jogo fosse o da discricionariedade do marcador, mencionada acima. O jogo da discricionariedade do marcador consiste em que não haja regras pré-estabelecidas de pontuação e, são essas mesmas que caracterizam um jogo normal de futebol. Essa regra, como outras, têm também uma área de textura aberta, mas também um núcleo de significado estabelecido. É, pois, esse núcleo que permite dizer que as determinações do marcados não são infalíveis, embora sejam definitivas. É certo afirmar que o marcador procura seguir as regras de pontuação, mas se não o fizer de forma alguma, o jogo torna-se o da discricionariedade do marcador. Todas essas considerações valem no âmbito to direito, e aplicando-as ao pensamento da lei conclui-se o seguinte. É verdade que a ação dos tribunais no espaço deixado em aberto pela textura aberta do direito é grande, sendo todas as suas decisões mantidas a não ser quando modificadas pela legislação, que, será também interpretada pelos tribunais tendo esse a palavra final, como já afirmado aqui anteriormente. Ainda assim, continua existindo uma distinção entre uma constituição que dita normas a serem seguidas pelos tribunais, como uma constituição moderna do século XX, e uma que permite aos tribunais fazer o que quer que seja que desejem.No primeiro caso, o real, existe um padrão de decisão judicial determinado e dotado de autoridade e que deve servir de guia para os juízes em suas decisões. As regras jurídicas determinadas atuam como sendo uma cobertura verbal para o exercício de uma discricionariedade e também servem de base para a criação de regras genuinamente consideradas pelos tribunais como padrões de decisão correta. Ora, a afirmação da existência dessas regras supõe que exista um consenso geral de aceitabilidade das mesmas, e que, assim, qualquer tipo de violação dessas será vista como uma ação de desvio do padrão aceitável, vê-se que “this is not merely a metter of the efficiency or health of the legal system, but is logically a necessary condition of our ability to speak of the existence of a single legal system”. Porém, é preciso que fique claro que essas regras só existem pois são aceitas pelos juízes em geral. O juiz não cria os padrões, mas sua manutenção enquanto padrão vinculante e dotado de autoridade depende da adesão dos juízes. Se, por exemplo, em um dado momento os juízes se juntassem e decidissem que os padrões atuais não seriam mais aceitos, isso acarretaria em uma transformação de sistema, o que, vale salientar, é muito raro que aconteça, mas não é impossível. A essas regras, ou padrões de decisão judicial determinados, Hart dá o nome de Regras de reconhecimento, e faz uma profunda análise sobre as tais.
Incertezas quanto a regra de reconhecimento
As regra de reconhecimento são, segundo Hart, os critérios últimos usados pelos tribunais para identificar as regras de direito válidas. São as regras que permitem que não haja, ou haja em menor grau, uma incerteza quanto ao critério que deva ser utilizado para identificar uma regra como sendo uma regra do sistema. Diferente da incerteza quanto a uma regra concreta, pois, por mais que essa seja clara, pode, ainda assim, suscitar dúvidas sobre o poder do legislador de legislar de tal ou tal maneira. Essas dúvidas dizem respeito aos critério últimos de validade jurídica, ou seja, à competência jurídica do próprio poder legislativo supremo. Cada sistema define como deve ser dada a sua validade e o poder que deve ter o legislativo, o que vai depender, basicamente, da regra que o sistema tem por base. Na Inglaterra de Hart, por exemplo, a regra básica é “seja o que for que a Rainha no Parlamento promulga, é lei” e essa, como qualquer outra, pode ser alvo de constantes dúvidas a respeito do seu significado e âmbito de aplicação, ou seja, a regra-base de uma organização jurídica é tão indeterminada quanto as outras regras do sistema. Hart faz, então, uma análise aparentemente paradoxal sobre o sistema legal e as regras últimas. Para ele, são os tribunais que determinam a regra última de validade do sistema, assim, a afirmação de que “a constituição é aquilo que os juízes dizem ser” para ser cabível, porém, não significa que as decisões dos supremos tribunais não possam ser postas em causa. Paradoxal? Sim, como podem os tribunais criarem critérios últimos pelos quais a validade das próprias regras que lhe dão jurisdição e autoridade como juízes devem elas próprias serem testadas? Mas Hart classifica a forma de especificar os critérios de validade jurídica de um sistema como sendo análoga a forma que os tribunais exercem uma escolha criadora de direito, ao interpretarem uma lei concreta que se revelou indeterminada, a única diferença reside no fato que, nesse último caso, a escolha do juiz é delimitada por um leque de alternativas deixadas pela lei existente, e quando vai especificar os critérios últimos de validade, não existe essa previsibilidade. Argumenta, porém, que em um sistema jurídico existente admite que as regras sejam duvidosas em alguns pontos, mas é uma condição necessária a esses, que elas não o sejam em todos os pontos. Confirmando mais uma vez que sua concepção ideal de regras jurídicas reside entre as ideias dos céticos e dos formalistas, e esclarecendo o paradoxo acima exposto, Hart faz uma critica a esses últimos ao dizer que é um erro pensar que cada passo percorrido pelo tribunal está coberto por uma regra geral que confira, antecipadamente, autoridade para esse percorrer. Ainda sobre o paradoxo, afirma que a aceitabilidade das escolhas feitas pelos tribunais vem d epois que essas resoluções tiverem obtido êxito no sistema jurídico, o poder adquire autoridade ex post facto a partir do êxito. Portanto, a afirmação que o tribunal sempre esteve “coberto” por regras gerais anteriores serve apenas como uma forma de fazer o processo parece um pouco mais organizado. Aqui, depois das diversas criticas feitas a esses, Hart saúda o cético, mas, concluindo seu pensamento e confirmando mais uma vez sua posição intermediária entre os extremos, formalismo e ceticismo, diz que a ação cética só é bem vinda na zona limítrofe da regra, e desde que essa ação não impeça o reconhecimento de que grande parte dos avanços feitos em termos de regras fundamentais, foram frutos do prestígio obtido pelos tribunais através de atos regidos pelas regras sobre as zonas vastas e centrais do direito.