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O império dos (duplos) sentidos - Veronica Stigger preto (para o de poesia), cinza e rosa (para o de prosa).

Em destaque na capa
da reunião de poemas, há um soneto, reconhecível não pelo que diz — está
Com antologia de contos, ensaísta prossegue seu mapeamento da totalmente rasurado —, mas pela forma tradicional (dividido em quatro
erótica brasileira, mais explícita em verso que em prosa estrofes: duas de quatro versos e duas de três). As grossas faixas pretas que
cancelam o texto sugerem, reforçadas pelas cores fortes, o teor picante do
Talvez o que mais chame a atenção nesta antologia é um certo pudor que foi escondido.
no tratamento do tema pelos escritores ali reunidos, ainda mais se A capa da antologia de prosa, por sua vez, dialoga com a ideia de
compararmos os contos desta coletânea com os poemas da Antologia da “corpo descoberto” do título, explorando seu duplo sentido de corpo a se
poesia erótica brasileira, lançada há três anos pela Ateliê Editorial, sob a descobrir e corpo desvelado, desnudado. No entanto, a imagem não mostra
tutela da própria Eliane. E isso não é um problema. Pelo contrário, nos faz um corpo propriamente dito, nem de parte dele, mas um objeto que o
pensar. estiliza: um manequim de arame (logo, vazado) que forja a forma de um
Enquanto naquela primeira antologia há poemas em que o erotismo tronco humano, sem cabeça e membros, nu e sem vida.
se mostra de maneira mais explícita, nesta, com poucas exceções, percebe- A razão para essa curiosa dessemelhança de abordagem do sexo
se uma tendência à camuflagem do assunto, ao subterfúgio ou, como a estaria nos diferentes arcos temporais que as antologias abarcam? Aquela
própria organizadora salienta no prefácio ao volume, à “alusão”, com dedicada à poesia abrange do século 17 aos nossos dias, de Gregório de
“referências vagas ou indiretas ao sexo”. Matos a Carlito Azevedo, passando por Gonçalves Dias, Hilda Hilst e muitos
outros. O livro voltado à prosa se circunscreve a setenta anos já distantes,
Obscenidade cifrada de 1852 — data da morte de Álvares de Azevedo, autor do conto de abertura
Enquanto Gregório de Matos, no poema “O homem mais a mulher”, do livro — até 1922 — ano da Semana de Arte Moderna. E não por acaso a
por exemplo, não tinha nenhum comedimento ao qualificar as partes do antologia se encerra com uma ficção de Mário de Andrade.
corpo em jogo nas relações sexuais (“O cono é fortaleza/ O caralho é No prefácio a O corpo descoberto, Eliane Robert Moraes, evocando os
capitão/ Os culhões são bombardeiros/ O pentelho é o murrão”), toda a estudos de Lucia Miguel Pereira, lembra que até 1880 os temas da literatura
seção “Dos objetos do desejo”, de O corpo descoberto, por sua vez, transfere brasileira tendiam a ser “pudicos e moralizantes”. Assim, conclui, “seja para
para algo de incorpóreo e inumano (leque, vaso, cadeira, colcha) o foco da marcar a diferença com [os] escritos [pornográficos estrangeiros], seja para
paixão. não ferir a moral vigente, nossa produção contística anterior ao
Se, por um lado, neste último caso, cifra-se num utensílio o corpo modernismo vai quase sempre preferir a sugestão à exibição do sexo”. Mas,
humano e o desejo que este suscita, por outro, faz com que os objetos em numa nota de rodapé em que evoca sua antologia de poesia erótica, a
questão deixem de ser apenas os objetos tais como os conhecemos. própria Eliane observa: “a lírica do mesmo período é bem mais permissiva
Passamos, assim, a perceber como pode ser obscena a inocente concavidade que o conto, tanto nos temas sexuais como nos modos de tratá-los”.
de um vaso e a ver a abertura de um leque como uma descruzada de pernas. Estariam então a permissividade da poesia e o comedimento da
É interessante notar como as capas dos dois livros sintetizam a prosa em relação ao erotismo associados a determinadas especificidades
diferença que comportam, a começar pela escolha das cores: vermelho e dos gêneros lírico e narrativo? Talvez. Por um lado, não podemos perder de
vista o caráter social dominante de cada modalidade — a forma como elas intermitência, como o disse muito bem a psicanálise, que é erótica: a da pele
se inseriam nas sociedades de suas épocas. que cintila entre duas peças (as calças e a malha), entre duas bordas (a
Os contos costumavam ser publicados — antes de sair nos livros — camisa entreaberta, a luva e a manga); é essa cintilação mesma que seduz,
em jornais e revistas e, assim, eram submetidos à censura e ao “bom gosto” ou ainda: a encenação de um aparecimento-desaparecimento”.
hegemônico daquele período. Olavo Bilac, conhecido cronista e poeta Na literatura, seguindo ainda com Barthes, essa intermitência está
parnasiano, assinou o livro com seus contos de tendência mais erótica (os no estranhamento imposto à linguagem: “nem a cultura nem a sua
mais divertidos dessa antologia) com um pseudônimo que também destruição são eróticas; é a fenda entre uma e outra que se torna erótica”.
disfarçava sua nacionalidade: Bob. E não foi o único. Na poesia, essa fenda se acentua, porque é concreta: é um lugar específico
Os poemas, em contraposição, gozavam de uma vida mais autônoma. da forma. Se, como lembra Giorgio Agamben em O fim do poema (1995), a
Embora alguns fossem igualmente publicados na imprensa, tinham, em poesia opera a partir de uma “não coincidência”, de um “cisma”, entre “o som
geral, formas de existência paralelas, subterrâneas, que passavam pela e o sentido”, entre “a série semiótica e a série semântica”, esse cisma tem seu
difusão oral, mas também pelas cópias avulsas circulando de mão em mão ponto máximo na quebra do verso — na quebra que faz o verso.
(característica da poesia lírica desde pelo menos a Idade Média). Enquanto a prosa, como bem indica sua etimologia, é aquela linha de
Vale notar que vários contos começam com o narrador anunciando escrita que caminha em frente, com uma direção certa, o verso é o que
que vai contar uma história. É o caso de “História cândida”, de Raul Pompeia, sempre retorna. Ao contrário da prosa, a poesia sempre rompe
“O impenitente”, de Aluísio de Azevedo e “O sonho”, de Bilac, para citar propositalmente com a linearidade (a linha não vai mais até o fim da página).
alguns. O anúncio se dá, frequentemente, dentro de um grupo de amigos, Sua forma é, nesse sentido, mais erótica: dificulta a apreensão do todo,
isto é, no âmbito da sociedade, como se fosse preciso submeter o erótico a oferece a experiência dos interstícios e das fissuras.
seu controle e aprovação. Assim, mesmo quando o sexo ali é tratado explicitamente, acaba por
ser escamoteado por essas quebras. A experiência do poema é talvez aquela
Intermitência de um corpo em fuga que, mesmo quando se dá a ver de forma explícita, logo
Não seria a poesia, por sua própria configuração sensível, mais deixa de estar ali onde pensávamos. A prosa, por ser mais descritiva, mais
erótica também? Pode ser, mas teríamos, antes de tudo, de tentar analítica, deixa menos dúvidas sobre o que está falando. Por isso, o explícito,
compreender o que se quer dizer com erótico. Para não nos alongarmos, quando aparece, é explícito mesmo. Em “Penélope”, de João do Rio, por
recorramos a Roland Barthes, que, em O prazer do texto, aproxima o “texto exemplo, transborda a cada linha a excitação da viúva Alda Guimarães com
de gozo” (em contraposição ao “texto de prazer”) justamente ao erótico. o jovem Manoel Ferreira.
Indaga ele: “O lugar mais erótico de um corpo não é lá onde o vestuário se Em O corpo descoberto, o que torna a leitura deliciosa é precisamente
entreabre?”. uma maneira de abordagem menos óbvia do erótico. Como bem define
Ou seja, o erótico residiria, de algum modo, nesse lugar de entre, de Eliane Robert Moraes, as narrativas ali agrupadas têm “o mérito de nos fazer
fenda, ou — numa palavra cujo duplo sentido cai como uma luva aqui — de recordar o potencial que não só a erótica, mas toda literatura, tem de criar
fissura. Diz ainda Barthes: “Na perversão (que é o regime do prazer textual) artifícios que permitam ‘dizer de outro modo’”.
não há zonas erógenas (expressão aliás bastante importuna); é a

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