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Cleonice Puggian
(Orientadora)
Doutora em Educação, Universidade de Cambridge
Docente do Mestrado em Letras e Ciências Humanas, UNIGRANRIO
Docente da Faculdade de Formação de Professores, UERJ
RESUMO
Este trabalho, de natureza qualitativa, analisa o insucesso de alunos do sexo masculino das
classes de aceleração. Trata-se de uma investigação autobiográfica, desenvolvido em 2011
quando acompanhei uma turma do Programa Acelera Brasil, na Cidade Alta, Rio de Janeiro.
Nesta ocasião busquei compreender porque tais alunos ainda fracassam apesar da
implementação de políticas públicas para a correção do fluxo escolar. Resultados deste estudo
revelam trajetórias desiguais, que são caracterizadas através de dois casos emblemáticos.
Apontam também a urgência de ações pedagógicas e políticas que assegurem a crianças e
adolescentes acesso à educação de qualidade. Conclui-se ressaltando o potencial de pesquisas
autobiográficas na formação docente e na problematização de situações de ensino e
aprendizagem.
Introdução
Esqueça aquela ideia de que seu filho é lento para aprender. Já existe
um programa no MEC voltado para essas crianças: é o programa de
Aceleração da Aprendizagem (...). Com o programa isso acaba. Os
alunos mais velhos ganham um ensino especial (...). Num período
curto de tempo, passam da segunda para quarta série, ou da primeira
para a terceira. (CARDOSO, 1997, p.29)
2 Alunos “problema”
Entre os 25 alunos da turma, decidi observar mais atentamente três. Eu os escolhi,
primeiramente, por se encaixarem no perfil característico dos alunos considerados
“excluídos”, negros, pobres, com a vida pessoal conturbada e a trajetória escolar
marcada por reprovações. Eram há muito tidos como os “impossíveis e incorrigíveis”,
mas apesar de tudo me despertavam simpatia.
Marcos, o “boca”
Quando ingressou na Turma do Acelera Marcos tinha 13 anos e havia repetido
por dois anos consecutivos o quarto ano do ensino fundamental. Estudava desde a
Educação Infantil na Escola da Cidade Alta. Era agressivo como Pedro, moravam na
mesma favela e eram amigos desde pequenos, mas ao contrário deste que não se
envolvia em agressões físicas, Marcos batia e chutava os colegas de classe, sendo eles
meninos ou meninas. Entrava em conflitos por motivos mínimos, ou até mesmo sem a
menor razão, e assim conseguia sua autoafirmação diante do grupo. Era sempre um dos
primeiros a terminar as atividades, mas tinha vergonha de dizer que já havia concluído,
com medo de que nós disséssemos que estava errado. Nos momentos em que Marcos
fazia isso eu pensava que durante esses anos na escola ele deve ter encontrado muitos
professores que o repreendiam por ele tentar fazer os deveres do “seu jeito”. Na maioria
das vezes Marcos estava correto, motivo de elogios que a professora Larissa fazia junto
com uma “leve” bronca: “Está vendo como você é inteligente? Só não entendo como
um rapaz assim pode ter atitudes como as suas. Seja mais legal com seus colegas e você
será o melhor!”. Marcos ria e perguntava “Mas tá certo mesmo professora? olha de
novo!” quando recebia a confirmação de que estava mesmo correto ele ria mais ainda e
começava a andar pela sala perguntando aos demais quem já tinha terminado também.
A escola me parecia o único lugar onde ele esquecia da realidade que o cercava.
Sua família por gerações foi envolvida com o tráfico de drogas. Seu tio era o atual chefe
do crime na favela próxima a Escola da Cidade Alta, onde ele e muitos outros alunos
moravam. Era filho de pai desconhecido e sua mãe nunca apareceu na escola. Uma das
coisas com que mais me choquei enquanto acompanhei a história de Marcos era o fato
de que ele não podia andar a pé, pegar ônibus ou coisa parecida no outro lado da
Avenida Brasil, pois o bairro era dominado por uma facção criminosa rival à da
localidade que ele morava. Marcos me contou que quando era extremamente necessário,
ele ia andando ou pegava um ônibus na próxima passarela, para não correr o risco de
sofrer alguma agressão ou até mesmo ser morto, pois os criminosos do bairro vizinho
sabiam de seu parentesco com o líder criminoso rival.
Apesar de ser um dos mais inteligentes, Marcos não via nenhum valor na escola,
dizia que não sabia porque tinha que estudar, que só tinha professor chato que dizia que
tudo estava errado. Ao longo do ano, Marcos conseguiu melhorar a leitura e superou
dificuldades que ainda tinha, parou de contar “nos dedos”, começou a fazer cálculos
mentais, apresentou-se nas culminâncias de projetos, porém nunca perdeu o medo de
mostrar suas atividades para serem corrigidas, nem a postura crítica frente à vida que
presenciava na favela. O que nos preocupava era o fato de que Marcos manifestava o
desejo de também “ser da boca”, pois segundo ele era muito ruim ter que trabalhar tanto
como sua mãe e ainda passar fome.
Ao fim do ano lhe entregamos seu resultado: ele fora aprovado com louvor e
cursaria no ano seguinte uma classe regular do 7º ano de escolaridade em outra escola.
Quando entrou na sala para buscar suas provas estava sorrindo como de costume e
perguntou a Larissa “Tô reprovado de novo tia?”, ela sorriu e disse que um de seus
melhores alunos jamais poderia ficar reprovado e deu a notícia do que lhe aconteceria
no ano seguinte. Tal como Pedro fez, Marcos saiu correndo pela porta e voltou
segundos depois. Dirigiu-se a nós e disse “Valeu aí hein!” Eu e Larissa ficamos olhando
mais um aluno cruzando os portões de saída da Escola da Cidade Alta, torcendo para
que este pudesse ser protagonista de sua vida ao invés de se tornar uma futura vítima
dela.
Para saber informações sobre Marcos conversei com a professora Larissa e com
seu primo que estuda na Escola da Cidade Alta. Tivemos conhecimento de que ele ainda
frequenta a escola, mas tem muitas faltas devido à venda de drogas na favela onde
mora, controlada por seu tio. Sua mãe continua passando todos os dias no trabalho e
voltando para casa somente aos finais de semana. Já tem conhecimento sobre as
atividades do filho, mas segundo nos contou o primo de Marcos, ela sempre diz que já
esperava que isso acontecesse.
Pedro, devido à sua idade, foi encaminhado para outra Classe de Aceleração. O
Projeto Acelera 2, que dessa vez equivaleria ao sexto e sétimo anos de escolaridade.
Segundo Larissa Pedro não estava “se dando bem” com seu novo professor. Sabia-se
que ele era um homem e que Pedro constantemente entrava em atritos verbais com ele,
motivo pelo qual era expulso da sala de aula. No fim do primeiro semestre, antes do
recesso escolar, Pedro já não frequentava a escola e estava reprovado por faltas. A
última e mais grave notícia que Larissa recebeu foi que Pedro, além de ter saído da
escola, estava usando drogas. Passava dias sem aparecer em casa e quando aparecia
discutia muito com seu padrasto e sua mãe.
As informações que obtive sobre os alunos sugerem que o Programa Acelera
Brasil, cuja proposta é corrigir o fluxo escolar possibilitando que o aluno avance em sua
escolaridade, não atingiu plenamente os objetivos estabelecidos em suas diretrizes
(OLIVEIRA, 1998).
Minha experiência mostrou que, já durante a execução do programa, no decorrer
do ano letivo, havia várias deficiências quanto à abordagem pedagógica proposta pelo
Instituto Ayrton Senna tais como: 1) a falta se suporte pedagógico à professora da
turma; 2) e a inadequação do material didático do Programa, principalmente no que se
refere aos livros que eram o fio condutor de todas as aulas e abordavam de maneira
demasiadamente mecânica os conteúdos.
Outro ponto revelado por meu estudo se refere à centralidade da ação da
professora na promoção da aprendizagem dos alunos. Larissa teve papel decisivo e
fundamental na evolução da maioria deles.
Considerações finais
Referências bibliográficas
CARVALHO, Marília Pinto de. Quem são os meninos que fracassam na escola?
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CARVALHO, Marília Pinto de. Sucesso e fracasso escolar: uma questão de gênero.
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CARVALHO,Marilia Pinto de. Mau aluno, boa aluna? como as professoras avaliam
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ESTEBAN, Maria Teresa. O que sabe quem erra? reflexões sobre avaliação e fracasso
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LALLI, Viviane Senna. O programa Acelera Brasil. Em aberto, Brasília, v.17, n. 71,
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SOUZA, Elizeu Clementino de. Histórias de vida e formação de professores. Salto para
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