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ACELERAÇÃO OU ILUSÃO?

UM ESTUDO (AUTO)BIOGRÁFICO SOBRE A


TRAJETÓRIA ESCOLAR DE ALUNOS REPETENTES NO RIO DE JANEIRO

Taina dos Reis do Carmo


Pedagoga, Universidade do Grande Rio
Professora, SME-Rio de Janeiro
Professora, SME-Belford Roxo

Cleonice Puggian
(Orientadora)
Doutora em Educação, Universidade de Cambridge
Docente do Mestrado em Letras e Ciências Humanas, UNIGRANRIO
Docente da Faculdade de Formação de Professores, UERJ

RESUMO

Este trabalho, de natureza qualitativa, analisa o insucesso de alunos do sexo masculino das
classes de aceleração. Trata-se de uma investigação autobiográfica, desenvolvido em 2011
quando acompanhei uma turma do Programa Acelera Brasil, na Cidade Alta, Rio de Janeiro.
Nesta ocasião busquei compreender porque tais alunos ainda fracassam apesar da
implementação de políticas públicas para a correção do fluxo escolar. Resultados deste estudo
revelam trajetórias desiguais, que são caracterizadas através de dois casos emblemáticos.
Apontam também a urgência de ações pedagógicas e políticas que assegurem a crianças e
adolescentes acesso à educação de qualidade. Conclui-se ressaltando o potencial de pesquisas
autobiográficas na formação docente e na problematização de situações de ensino e
aprendizagem.

Palavras-chave: Acelera Brasil. Fracasso escolar. Pesquisa autobiográfica. Rio de Janeiro

Introdução

A repetência, o abandono e a evasão escolar são problemas crônicos que há anos


se fazem presentes na história educacional de nosso país e se configuram como questões
de grande complexidade (CARRAHER; SCHLIEMANN, 1983; CARVALHO, 2004,
2003, 2001; PATTO, 1996). Objeto de diversos estudos, a distorção idade/série
encontra-se no centro destas questões, colaborando ferozmente para o insucesso de uma
parcela significativa de alunos, especialmente os da classe popular. Assim sendo, este
trabalho apresenta uma análise autobiográfica (SOUZA, 2007) da minha experiência
como estagiária do Programa Acelera Brasil durante o ano de 2011. Trata-se de um
estudo qualitativo, construído com base em minhas próprias reflexões e registros, no
qual problematizo o papel da classe de aceleração na trajetória escolar de alunos da
Cidade Alta, no Rio de Janeiro. Este trabalho foi orientado pela Professora Cleonice
Puggian, que participou do processo de concepção e desenvolvimento da pesquisa,
colaborando também na redação deste artigo.
Apoiada por minha orientadora, decidi realizar este estudo para compreender o
fenômeno do fracasso escolar que ocorria entre os alunos das comunidades favelizadas
do Município do Rio de Janeiro, onde ainda leciono como professora concursada.
Incomodava-me o fato de que os alunos, especialmente os meninos, apesar dos
programas de correção de fluxo, continuavam fracassando e sendo excluídos do sistema
de ensino e ainda, o fato de desconhecer quais fatores poderiam ser decisivos para a
permanência da situação de fracasso em que se encontravam.
Em busca de respostas a estes questionamentos, realizei uma pesquisa
(auto)biográfica relatando neste trabalho um pouco do que vivenciei principalmente
com os alunos do sexo masculino, negros e pobres da classe de aceleração. Relato um
pouco da minha aventura no cotidiano de uma turma do programa Acelera Brasil, do
Instituto Ayrton Senna. As reflexões produzidas apontam para a urgência em se
construir ações pedagógicas e políticas públicas que sejam efetivas na garantia do
direito destas crianças e adolescentes à educação de qualidade.
Neste texto apresentarei brevemente as características do Programa Acelera
Brasil, falarei da escola da Cidade Alta e descreverei o caso de dois alunos: Pedro e
Marcos. Em seguida, problematizarei as informações apresentadas e refletirei sobre seus
significados na minha formação para a docência.

1 O Programa Acelera Brasil na escola da Cidade Alta

Nas últimas duas décadas as políticas públicas educacionais avançaram, embora


ainda estejam distantes de atender à realidade e, sobretudo, às necessidades dos alunos
mais pobres. Uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação foi sancionada no ano de
1996 e diante da realidade desastrosa de repetências e evasões, que já acompanhavam
há anos a história do ensino público em nosso país e, ainda, inspirados na concepção de
universalização do ensino fundamental a toda população em idade escolar expressa na
nova Lei, começou-se a buscar soluções para sanar o problema da defasagem
idade/série, a esta altura já crônico (PRADO, 2000).
Desta forma o governo começou a priorizar as chamadas políticas de melhoria
da qualidade do ensino, dando ênfase à implantação de programas de correção do fluxo
escolar. A política da aceleração foi amplamente divulgada chegando a ser motivo de
um pronunciamento do então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Em
1997, através de seu programa semanal, o presidente incitava as escolas públicas a
adotarem o “Programa de Aceleração da Aprendizagem” e se dirigia aos pais de alunos
repetentes como se tivera descoberto uma receita miraculosa:

Esqueça aquela ideia de que seu filho é lento para aprender. Já existe
um programa no MEC voltado para essas crianças: é o programa de
Aceleração da Aprendizagem (...). Com o programa isso acaba. Os
alunos mais velhos ganham um ensino especial (...). Num período
curto de tempo, passam da segunda para quarta série, ou da primeira
para a terceira. (CARDOSO, 1997, p.29)

A proposta do Programa de Aceleração da Aprendizagem era corrigir o fluxo


escolar dos alunos das quatro primeiras séries do ensino fundamental que apresentavam
distorção série/idade de dois anos ou mais. O objetivo era que os alunos avançassem em
seu processo de escolarização e viessem posteriormente a frequentar séries condizentes
com sua faixa etária (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2012). Segundo o Instituto
Ayrton Senna, idealizador do projeto, o aluno que frequentasse as classes do Programa
Acelera Brasil, popularmente conhecidas como “classes de aceleração” ou “Acelera”,
chegariam a cursar até duas séries (anos de escolaridade) em um ano letivo. A meta é
que a maioria dos alunos, ao final do período, estivesse apta a cursar a 5º série (atual 6º
ano de escolaridade) do ensino fundamental (LALLI, 2000).
O Programa Acelera Brasil foi implantado na escola onde eu trabalhava na
primeira década de 2000. Era uma escola Municipal, de médio porte, localizada na
comunidade da Cidade Alta em Cordovil, um bairro do subúrbio do Rio de Janeiro. Esta
escola fazia parte do programa “Escolas do Amanhã”, da Prefeitura Municipal, que
atende 152 unidades localizadas em áreas com perfil de violência e vulnerabilidade
social.
Como participante do programa de estágios da Secretaria Municipal de
Educação do Rio de Janeiro, fui designada para acompanhar diariamente a classe de
aceleração do Programa Acelera, auxiliando a professora no que fosse necessário. Ao
todo eram 25 alunos na turma 8401. A maioria era de meninos e negros, jovens que
traziam consigo, além de repetências seguidas e fama de bagunceiros, indisciplinados e
incorrigíveis, histórias de desestruturação familiar, que poderiam (ou não) ser motivo
para que fizessem jus a tantos adjetivos negativos que lhes acompanhavam ao longo da
vida escolar. Nos primeiros meses eles permaneceram com um comportamento muito
introspectivo e agressivo, tanto conosco quanto entre eles. Esta barreira foi sendo
superada com o passar do tempo, após o terceiro mês.
No fim da primeira semana percebi que os alunos que mais interrompiam as
aulas eram os que menos sabiam os conteúdos. Aqueles com dificuldade de
aprendizagem e baixa autoestima faziam de tudo para desviar a atenção do seu “não
saber” (ESTEBAN, 2002). Os que não conseguiam realizar as tarefas levantavam-se das
cadeiras e iam “perturbar” os poucos que se concentravam e pelo menos, tentavam fazer
as atividades propostas. Entretanto, o que no inicio foi considerado um problema, serviu
como estímulo para a aprendizagem dos alunos. No lugar de falar o que eles não
sabiam, as atividades começaram a ser direcionadas para promover os saberes já
construídos por eles. Não foi uma tarefa fácil, tampouco com esperança de resultados
imediatos, mas foi uma estratégia que produziu resultados positivos em longo prazo.
Neste momento entra em cena um fator que eu considerei como determinante
para a evolução dos alunos, a sensibilidade de Larissa, a professora da turma, em
enxergar a dificuldade de cada um até encontrar a melhor metodologia de ensino e
aprendizagem. Ela reconhecia que a forma como eram apresentados alguns conteúdos
do material didático do Projeto Acelera Brasil não atendia às necessidades da maioria
dos alunos. Apesar das adversidades a professora tentava valorizar a auto-estima dos
alunos e fazia de tudo para que suas aulas fossem agradáveis. A pedido da própria
professora comecei a desenvolver paralelamente às atividades rotineiras, um trabalho de
leitura e interpretação textual, utilizando os livros de literatura infanto-juvenil
disponibilizados pelo projeto. De acordo com as diretrizes do Instituto Ayrton Senna, os
alunos tem que levar para casa um desses livros de literatura. Eles lêem e depois
apresentam em sala suas considerações sobre a leitura, mas nossa realidade era muito
diferente. Os alunos levavam os livros, não liam e consequentemente não tinham o que
falar sobre eles. Inicialmente foi frustrante, pois não estávamos obtendo êxito numa
tarefa que era obrigatória de acordo com as diretrizes do projeto. Apesar disto, não
desistimos deles. Depois de muita observação concluímos que eles não liam e nem se
pronunciavam, pois tinham vergonha de não saberem ler da forma como era esperada
pela escola.
Larissa me pediu que todos os dias atendesse individualmente os alunos com
essa atividade. Nas primeiras vezes aconteceu como em todas as outras tarefas que eles
tinham de realizar. Iam a contragosto, com o pensamento de cumprir mais uma
obrigação da escola. Ao invés de simplesmente dar um livro e pedir que lessem,
comecei deixando-os escolher quais queriam ler, conversando com eles, falando que
não era uma obrigação, que podiam ler como quisessem e do jeito que sabiam. Sempre
deixei claro que não estava ali para dizer se estavam lendo certo ou errado, só queria
ouvi-los. E foi assim que, aos poucos, eles foram se soltando, escolhendo as histórias e
tentando ler. A cada palavra que conseguiam pronunciar com fluência eu comemorava
internamente e também os parabenizava. Eles não esboçavam muita reação, mas eu
sabia que ficavam orgulhosos de si próprios e sentiam certo alívio por ter alguém que ao
invés de criticá-los comemorava seus avanços, por menores que fossem. Conforme iam
lendo eu fazia anotações sobre a leitura de cada um para acompanhar sua evolução e ia
passando para Larissa, que também começou a enxergar avanços nas atividades de sala
de aula. A melhora na leitura e na interpretação das histórias que liam acompanhou
também o progresso na aprendizagem dos problemas e cálculos matemáticos, das
produções textuais, da compreensão de fenômenos das aulas de Ciências etc.

2 Alunos “problema”
Entre os 25 alunos da turma, decidi observar mais atentamente três. Eu os escolhi,
primeiramente, por se encaixarem no perfil característico dos alunos considerados
“excluídos”, negros, pobres, com a vida pessoal conturbada e a trajetória escolar
marcada por reprovações. Eram há muito tidos como os “impossíveis e incorrigíveis”,
mas apesar de tudo me despertavam simpatia.

Pedro, o líder da turma


Pedro se apresentou no primeiro dia introvertido, com poucas palavras. Durante
a primeira semana não interagia e ao ser chamado às atividades propostas mostrava
pouco ou nenhum interesse. Pedro se tornou o líder da turma por meio de impulso
agressivo e seus amigos de classe o respeitavam. Era o mais velho da turma, estava
prestes a fazer 15 anos e tinha o poder de coagir os demais apenas com o olhar.
Antes de ser inserido no Acelera, Pedro cursava, aos 14 anos, o 4º ano do ensino
fundamental. Entrou na turma 8401 com leitura silábica, não interpretava o que lia.
Quando conseguia chegar ao final de uma frase simples já não se lembrava mais do
assunto. Suas produções, quando eram entendíveis, se compunham de palavras soltas e
descontextualizadas. Pedro não sabia, não queria e nunca tinha encontrado quem
insistisse para que ele efetivamente lesse e escrevesse.
Sua família era seus dois irmãos e sua mãe, que trabalhava como empregada
doméstica e só apareceu na escola uma única vez. Quanto à vida escolar, foi fácil
entender que acostumado a ser da “turma do fundão”, seu impulso violento servia para
desviar o foco do seu “não saber”. Percebido isso, o maior desafio foi estimulá-lo a
participar das atividades em sala de aula. Uma das ferramentas utilizadas para atraí-lo
foi a afetividade. Toda atividade realizada por ele era comemorada, qualquer avanço,
por menor que fosse, era digno de elogios tanto da professora, quanto meus, que
insistia em lhe ajudar com as dificuldades nos deveres, até mesmo quando ele dizia, de
sua forma truculenta, que não precisava de mim porque não queria fazer mais nada.
Em pouco tempo Pedro começou a apresentar melhoras significativas. Passou a
se interessar pelas aulas, me pedia espontaneamente ajuda, mas sempre o fazia falando
bem baixo, para que os outros alunos não percebessem que ele tinha tal dificuldade.
Durante as primeiras avaliações organizadas pelo IAS, Pedro já mostrou avanço,
conseguindo boas notas. O fato elevou sua auto estima e contribuiu no seu caminhar,
Pedro começou a escrever suas próprias produções. Por muito tempo ele sempre dizia
que nada vinha à sua cabeça, que ele não sabia pensar coisas para escrever, e então
pedíamos que ele escrevesse sobre sua própria vida, como era seu dia-a-dia depois da
escola ou sobre coisas que estavam acontecendo na comunidade, já que ele vivia muito
mais nas ruas do que em casa.
Ele escrevia com a letra muito pequena e sempre com o corpo completamente
curvado sobre o papel onde produzia seu texto, parecia envergonhar-se da sua produção.
Quando terminava não queria que lêssemos já adiantando que estava “muito ruim, não
dá pra entender nada disso aí”. Ignorando sua auto-avaliação, eu e Larissa líamos a
redação e em atitudes inesperadas por ele, comemorávamos e elogiávamos cada vez que
escrevia corretamente as palavras e conseguia formar frases com coerência. Pedro
começou a confiar em si mesmo e terminou o ano letivo tendo realizado um grande
progresso, mas ainda longe do esperado para um menino de sua idade.
Depois das últimas avaliações, ainda tivemos alguns dias de aula. Pedro foi a
todos, queria saber como tinha se saído nas provas, se iria passar de ano. Nestes dias eu
o olhava ali, sentado na primeira cadeira da fileira do meio, sorrindo com os colegas que
antes tratava da pior forma possível e refletia sobre como seria o ano letivo seguinte,
quando ele iria para outra escola. Caso o aluno não encontrasse outro professor que
estimulasse constantemente seu interesse, via que tudo aquilo que foi construído corria
o sério risco de se perder pelo caminho e talvez nunca mais se achar. Houve muitos
dias em que as aulas eram um peso para todos, mas entre conflitos e tréguas,
caminhamos juntos. Eu e Larissa tínhamos consciência de que anos de fracasso e seus
efeitos não poderiam, por mais que desejássemos, serem superados em dez meses. Só
nos restou entregar as provas de Pedro juntamente com a notícia de que ele tinha sido
aprovado e iria estudar em outra escola no próximo ano. Ele riu, foi correndo para fora,
segundos depois voltou até a porta e gritou “Eu sou demais!”. Olhei da janela a figura
de Pedro cruzando o portão de saída da Escola da Cidade Alta com sua prova na mão.
Andava devagar, como quem não queria se despedir do lugar em que estudara por toda a
vida. Estava com o rosto para cima, muito diferente do Pedro que se curvava e abaixava
o rosto para que ninguém visse seus erros na folha. E então me lembrei do dia em que a
professora da turma me disse sobre esses alunos: “Eu não posso desistir, eles só tem a
mim, um dia você terá os seus e não desistirá deles!” Finalmente eu havia entendido o
significado destas palavras.

Marcos, o “boca”
Quando ingressou na Turma do Acelera Marcos tinha 13 anos e havia repetido
por dois anos consecutivos o quarto ano do ensino fundamental. Estudava desde a
Educação Infantil na Escola da Cidade Alta. Era agressivo como Pedro, moravam na
mesma favela e eram amigos desde pequenos, mas ao contrário deste que não se
envolvia em agressões físicas, Marcos batia e chutava os colegas de classe, sendo eles
meninos ou meninas. Entrava em conflitos por motivos mínimos, ou até mesmo sem a
menor razão, e assim conseguia sua autoafirmação diante do grupo. Era sempre um dos
primeiros a terminar as atividades, mas tinha vergonha de dizer que já havia concluído,
com medo de que nós disséssemos que estava errado. Nos momentos em que Marcos
fazia isso eu pensava que durante esses anos na escola ele deve ter encontrado muitos
professores que o repreendiam por ele tentar fazer os deveres do “seu jeito”. Na maioria
das vezes Marcos estava correto, motivo de elogios que a professora Larissa fazia junto
com uma “leve” bronca: “Está vendo como você é inteligente? Só não entendo como
um rapaz assim pode ter atitudes como as suas. Seja mais legal com seus colegas e você
será o melhor!”. Marcos ria e perguntava “Mas tá certo mesmo professora? olha de
novo!” quando recebia a confirmação de que estava mesmo correto ele ria mais ainda e
começava a andar pela sala perguntando aos demais quem já tinha terminado também.
A escola me parecia o único lugar onde ele esquecia da realidade que o cercava.
Sua família por gerações foi envolvida com o tráfico de drogas. Seu tio era o atual chefe
do crime na favela próxima a Escola da Cidade Alta, onde ele e muitos outros alunos
moravam. Era filho de pai desconhecido e sua mãe nunca apareceu na escola. Uma das
coisas com que mais me choquei enquanto acompanhei a história de Marcos era o fato
de que ele não podia andar a pé, pegar ônibus ou coisa parecida no outro lado da
Avenida Brasil, pois o bairro era dominado por uma facção criminosa rival à da
localidade que ele morava. Marcos me contou que quando era extremamente necessário,
ele ia andando ou pegava um ônibus na próxima passarela, para não correr o risco de
sofrer alguma agressão ou até mesmo ser morto, pois os criminosos do bairro vizinho
sabiam de seu parentesco com o líder criminoso rival.
Apesar de ser um dos mais inteligentes, Marcos não via nenhum valor na escola,
dizia que não sabia porque tinha que estudar, que só tinha professor chato que dizia que
tudo estava errado. Ao longo do ano, Marcos conseguiu melhorar a leitura e superou
dificuldades que ainda tinha, parou de contar “nos dedos”, começou a fazer cálculos
mentais, apresentou-se nas culminâncias de projetos, porém nunca perdeu o medo de
mostrar suas atividades para serem corrigidas, nem a postura crítica frente à vida que
presenciava na favela. O que nos preocupava era o fato de que Marcos manifestava o
desejo de também “ser da boca”, pois segundo ele era muito ruim ter que trabalhar tanto
como sua mãe e ainda passar fome.
Ao fim do ano lhe entregamos seu resultado: ele fora aprovado com louvor e
cursaria no ano seguinte uma classe regular do 7º ano de escolaridade em outra escola.
Quando entrou na sala para buscar suas provas estava sorrindo como de costume e
perguntou a Larissa “Tô reprovado de novo tia?”, ela sorriu e disse que um de seus
melhores alunos jamais poderia ficar reprovado e deu a notícia do que lhe aconteceria
no ano seguinte. Tal como Pedro fez, Marcos saiu correndo pela porta e voltou
segundos depois. Dirigiu-se a nós e disse “Valeu aí hein!” Eu e Larissa ficamos olhando
mais um aluno cruzando os portões de saída da Escola da Cidade Alta, torcendo para
que este pudesse ser protagonista de sua vida ao invés de se tornar uma futura vítima
dela.

3 Um reecontro: o programa Acelera um ano depois

Para saber informações sobre Marcos conversei com a professora Larissa e com
seu primo que estuda na Escola da Cidade Alta. Tivemos conhecimento de que ele ainda
frequenta a escola, mas tem muitas faltas devido à venda de drogas na favela onde
mora, controlada por seu tio. Sua mãe continua passando todos os dias no trabalho e
voltando para casa somente aos finais de semana. Já tem conhecimento sobre as
atividades do filho, mas segundo nos contou o primo de Marcos, ela sempre diz que já
esperava que isso acontecesse.
Pedro, devido à sua idade, foi encaminhado para outra Classe de Aceleração. O
Projeto Acelera 2, que dessa vez equivaleria ao sexto e sétimo anos de escolaridade.
Segundo Larissa Pedro não estava “se dando bem” com seu novo professor. Sabia-se
que ele era um homem e que Pedro constantemente entrava em atritos verbais com ele,
motivo pelo qual era expulso da sala de aula. No fim do primeiro semestre, antes do
recesso escolar, Pedro já não frequentava a escola e estava reprovado por faltas. A
última e mais grave notícia que Larissa recebeu foi que Pedro, além de ter saído da
escola, estava usando drogas. Passava dias sem aparecer em casa e quando aparecia
discutia muito com seu padrasto e sua mãe.
As informações que obtive sobre os alunos sugerem que o Programa Acelera
Brasil, cuja proposta é corrigir o fluxo escolar possibilitando que o aluno avance em sua
escolaridade, não atingiu plenamente os objetivos estabelecidos em suas diretrizes
(OLIVEIRA, 1998).
Minha experiência mostrou que, já durante a execução do programa, no decorrer
do ano letivo, havia várias deficiências quanto à abordagem pedagógica proposta pelo
Instituto Ayrton Senna tais como: 1) a falta se suporte pedagógico à professora da
turma; 2) e a inadequação do material didático do Programa, principalmente no que se
refere aos livros que eram o fio condutor de todas as aulas e abordavam de maneira
demasiadamente mecânica os conteúdos.
Outro ponto revelado por meu estudo se refere à centralidade da ação da
professora na promoção da aprendizagem dos alunos. Larissa teve papel decisivo e
fundamental na evolução da maioria deles.

Considerações finais

O insucesso dos meninos da Classe de Aceleração se mostrou para mim como


um problema de grande complexidade, pois diversos fatores contribuíram para que a
trajetória escolar dos alunos, naquele ano, os levasse a continuar estagnados na mesma
situação. Estar inserida no cotidiano da turma 8401, registrando o comportamento dos
sujeitos, os fatos ocorridos e as histórias que ultrapassavam os muros da escola me
proporcionou aprender através de minha própria experiência. Por meio das recordações
em forma de registro que expus neste trabalho entrei em contato com sentimentos e
lembranças, mergulhei novamente na subjetividade dos alunos com os quais convivi. Só
com a observação diária adquiri a sensibilidade necessária para entender que os alunos
prejudicados tem nome, sonhos, história. Não são números ou índices a engrossarem as
estatísticas de fracasso da educação, assim como seus professores também não o são.
Com o desfecho dos casos de Pedro e Marcos pude refletir sobre o papel da classe de
aceleração na vida dos alunos e que não se pode esperar que elas resolvam todos os
problemas deles, dos professores, das escolas, das desigualdades sociais.
Acreditar que um projeto como o Acelera Brasil possa render bons resultados - o
que infelizmente não aconteceu na turma 8401- não significa que ele irá recompor a
autoestima de alunos estigmatizados em um ano letivo ou resolver a evasão escolar
acelerando as crianças e jovens. Recuperar sucessivos estragos e persistir neste caminho
é um processo longo e difícil. O que presenciei em doze meses acompanhando a classe
de aceleração foi uma luta constante na qual não podíamos desistir de pessoas que
traziam histórias de problemas de aprendizagem e desvalorização social, familiar,
escolar e de si mesmas.
Mesmo com o triste desfecho das histórias dos alunos da Cidade Alta, prefiro me
lembrar da imagem do aluno Pedro saindo pelos portões da escola com sua prova na
mão. Talvez ele não tivesse consciência de tudo que tinha cognitivamente evoluído,
aquele papel para ele representava a felicidade de ter passado de ano, para mim era a
tradução do comprometimento e sensibilidade de um trabalho docente tão bem
desempenhado pela professora Larissa, exemplo que tem sido seguido em minha
prática.
Transcrever registros e relembrar histórias neste estudo (auto) biográfico me fez
refletir sobre sua importância para minha formação docente. Nenhuma reflexão
produzida foi tão clara quanto a certeza de que naquele ano na Escola da Cidade Alta eu
aprendi, muito mais do que ensinei.

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