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APRENDER A DESAPRENDER COM O MESTRE CAEIRO

Andresa Aparecida Couto da SILVA *


Hellen Carla PASETTO **
Erika Luiza PIZA ***

RESUMO

Considerando a máxima “aprender a desaprender” que integra a obra poética de


Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, o presente trabalho propõe uma
breve pesquisa sobre essa concepção do autor, amparada a textos de críticos
literários, a fim de estabelecer uma relação entre ela e o poema dramático “O
Marinheiro” de Fernando Pessoa, ortônimo. Nesta mesma linha de análise foi
levantada uma hipótese de como a máxima “aprender a desaprender” poderia
contribuir para o desenvolvimento do ser humano, possibilitando a ele a percepção
de uma nova visão de mundo. E através de uma pesquisa de campo, realizada em
duas escolas públicas, propusemos a averiguação de como essa máxima também
poderia contribuir para o ensino de literatura, no tocante a certos pré-conceitos que
poderiam ser desaprendidos para a melhoria desse ensino.

PALAVRAS-CHAVE: Pré-conceitos. Ideologia. Aprendizagem.


Desaprendizagem.

O poeta das sensações

Fernando Pessoa é um poeta português considerado um gênio da literatura e um dos mais


representativos poetas do século XX. Nasceu em Lisboa no dia 13 de junho de 1888 e
morreu em 30 de novembro de 1935

Nos 47 anos, que viveu, criou uma extensa obra, rica em mistérios e encantamentos, que
resultou em um dos poetas mais estudados e falados dos últimos tempos; são muitos os
trabalhos sobre Fernando Pessoa: monografias, teses, palestras, livros, isso talvez por sua
poética ser reflexiva, de questionamentos e pela temática se tratar de “inquietações” do
homem e do mundo.

Seus poemas são enigmáticos e apenas nos dá a “sensação” de tal compreensão. Não há
dúvidas de que ele seja um autor conhecido, no entanto, não podemos afirmar que seja
tão lido, sendo assim, mesmo com tantas informações a seu respeito, ainda há muito a ser
estudado em sua obra.

Desde pequeno, Pessoa criava personagens fictícios com vidas próprias e no caso dos
heterônimos, com vidas e obras próprias;

Em uma carta a Adolfo Casais Monteiro em que explica a gênese dos heterônimos, seus
mais importantes e conhecidos outros, Fernando Pessoa conta o “dia triunfal” de sua
vida, em 8 de março de 1914:

*
Professora da rede estadual de ensino de São Paulo.
**
Professora da rede estadual de ensino de São Paulo.
***
Mestre em Estudos Literários pela FCL-U NESP-Araraquara e doutoranda em Teoria e História Literária
no IEL-UNICAMP. Docente da Fundação Educacional de Ituverava.

UNAR (ISSN 1982-4920), Araras (SP), v.3, n.2, p.51-60, 2009.


SILVA, A. A. C.; PASETTO, H. C.; PIZA, E. L. Aprender a desaprender com o mestre Caeiro.

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[...] acerquei-me de uma cômoda alta, e, tomando um papel, comecei a


escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e
tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não
conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei
ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o
que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei
desde logo o nome de Alberto Caeiro. (PESSOA, 2004, p. 96.)

Logo surgiram também os heterônimos Ricardo Reis e Álvaro de Campos, discípulos de


Caeiro. Discípulos porque o consideravam seu mestre, assim como Fernando Pessoa,
ortônimo: “Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre”.
(PESSOA, 2004, p. 96). E era considerado como tal pela sua sabedoria, pelos seus
pensamentos filosóficos acerca do mundo.

Alberto Caeiro, poeta bucólico e filosófico, autor de “O Guardador de Rebanhos”,


negava o pensar, o intelectual; dizia ser, simples, ingênuo, mas tais características eram
apenas aparentes, o que transparecia nele era o oposto,

Propunha uma reflexão, sobre as coisas à nossa volta, através das sensações e não do
pensamento; com um “olhar simples sem conceitos, como uma virtude”. (ANDRADE, 1,
p. 43).

Caeiro era um homem que buscava aprender com o que estava a sua volta, assim,
buscava perceber algo novo com o olhar, algo particular, único a cada novo olhar. Esses
dados nos forneceram um embasamento para pesquisa com uma de suas máximas:
“aprender a desaprender”, que aplicaremos no poema “O Marinheiro”, de seu criador
Fernando Pessoa.

O poema esse poema, criado em 1913 e segundo Moisés (2005), apesar de não ser alvo
de muitos estudos, é considerado um texto importante para o entendimento de toda obra
pessoana, e um ensaio para a futura criação heteronímica.

A história do poema passa-se em um quarto de um antigo castelo, com apenas uma


estreita janela pela qual se vê uma ponta de mar entre dois montes, durante a noite.
Dentro do quarto há três irmãs velando outra. Notemos, no decorrer do poema, que essas
mulheres não possuem nomes, elas não tem o que chamamos “nome próprio”, que é a
primeira definição que se recebe dos pais para a inserção na sociedade.

As donzelas são designadas por Fernando Pessoa como a “primeira veladora”, a


“segunda veladora” e a “terceira veladora”; e em seus diálogos, referem-se umas às
outras como “irmãs”.

O próprio Fernando Pessoa dá indícios de que a máxima “aprender a desaprender” pode


acontecer no poema, pois o poeta desaprende o conceito de nomear as veladoras para
inseri-las na história de uma forma nova. Todos que vivem em sociedade recebem um
nome e estes, vem repleto de significados simbólicos, religiosos, designados pela
tradição familiar e as veladoras não trazem consigo estas significações.

Gama observa que, já Caeiro em sua obra “canta um mundo governado pela ausência de
signos” (1995, p. 31), ou seja, pela ausência de nomes; para o poeta o nomear é incapaz

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de representar o real, assim nossos nomes não nos fazem significar “nada”, são na
maioria das vezes impertinentes.

Ao negar o nomear, o mestre Caeiro mostra sua concepção, aprendendo a desaprender


esses conceitos tradicionais, assim como Pessoa, que também desaprende a nomear as
três veladoras para caracterizá-las conforme a circunstância em que se encontram.

Dando continuidade à história, as veladoras mantêm um diálogo acelerado e confuso, em


que vão, insistentemente, contando, duvidando e negando seus passados até que a
“segunda veladora” começa a contar um sonho que tivera com um marinheiro.

A história: o marinheiro, naufragado em uma ilha deserta e sem ter como voltar para sua
terra, recria uma nova vida e uma nova pátria, mas quando cansa de imaginar e tenta se
lembrar de sua verdadeira pátria, não consegue; logo a “segunda veladora” diz não saber
como continuar a história de seu sonho com o marinheiro, nem sabe se o continua a
sonhar.

Ao final as três donzelas se questionam se são elas ou o marinheiro “a única coisa real
nisto tudo” (PESSOA, 2003, p. 449); o dia clareia e em silêncio ficam sem se olharem,
enquanto que “Não muito longe, por uma estrada, um vago carro geme e chia”
(PESSOA, 2003, p. 451).

Desconstruir conceitos, reconstruir uma nova visão de mundo

O poema dramático “O Marinheiro”, mostra-se muito próximo da concepção “aprender a


desaprender” de Alberto Caeiro, mestre de Fernando Pessoa ortônimo e dos outros
heterônimos.

Essa máxima “aprender a desaprender” sugere a eliminação das idéias, o esquecimento


dos ensinamentos, dos hábitos, dos conceitos que aprendemos durante a vida, sendo
muitos deles impostos pela sociedade; essa aprendizagem propõe a recriação de uma
forma nova e particular de ver o mundo, a vida, os outros, a si mesmo, com um olhar
crítico e realista.

Para ilustrar melhor a concepção, notemos que Leyla Perrone-Moisés (1990) compara a
poesia de Caeiro com as sabedorias milenares orientais, que também buscam a sabedoria
no simples e no real, tendo como objetivo educar a mente cotidiana.

Tanto na poesia de Caeiro quanto nas sabedorias orientais, as coisas são o que são,
simples e sem grandes explicações científicas ou teóricas.

Nossa percepção cotidiana nos impulsiona àquilo que fazemos de imediato (se sentimos
fome, comemos; se estamos cansados, dormimos). O “aprender a desaprender” propõe
nos fazer perceber além dessa concepção “imediata”, nos faz compreender o mundo além
dos inúmeros conceitos impostos e apreendidos que praticamos no cotidiano.

A sabedoria Zen procura o esvaziamento da mente, o desaprender, assim como o


ensinamento de Caeiro que “consiste mais num esvaziamento do discípulo do que num
acréscimo de conhecimentos”. (PERRONE-MOISÉS, 1990, p. 124).

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Esse esvaziamento da mente seria apagar os conceitos, os pensamentos, os hábitos, as


idéias e esquecer tudo aquilo que acreditamos, ou pensamos acreditar; desaprender todo
conhecimento que vamos adquirindo com o tempo e todos os conceitos que somos
submetidos no dia-a-dia, para só depois aprender o novo.

Alberto Caeiro (2003) propõe-nos um limpar tais conceitos sedimentados para


aprendermos o novo de forma simples e real, “as pedras são só pedras” (PESSOA, 2003,
p. 219), e aprender a sermos apenas o que ele diz ser: “o Argonauta das sensações
verdadeiras”. (PESSOA, 2003, p. 225-226).

Caeiro propõe assim um desaprender certos conceitos impostos pela sociedade e deixar
de acumular certos tipos de conhecimentos adquiridos pela educação, seja familiar,
escolar ou de um determinado grupo social, para então recomeçar a criar suas próprias
idéias, olhando o mundo a sua volta de outra forma, diferente daquela que lhes
determinaram.

O “aprender a desaprender” de Caeiro não é apenas um pensamento/ensinamento, é um


estilo de vida, um modo de viver as coisas simples como elas são, puras e sem o exagero
das idéias.

Como se percebe, Caeiro nega o pensamento, o intelectual, o ato de refletir, apenas na


declaração, uma vez que apresenta uma concepção intelectualizada, embasada em um
pensamento não simplista. Dessa forma, em cada verso mostra o ser pensante que é,
refletindo a respeito do mundo e do outro. Parece simples olhar e ver apenas o real, o
objeto ou o ser por si só, com um olhar realista sem preconcebimentos ideológicos,
quando na verdade não o é; por isso essa simplicidade de Caeiro é enganadora.

Mesmo quando Alberto Caeiro declara ser simples e natural, “vendo tudo como se fosse
a primeira vez”, sem a intervenção de conceitos e idéias prontas, sem pensamentos, “A
minha alma é simples e não pensa” (PESSOA, 2003, p. 220), ele encena uma atitude
ideal, no sentido da necessidade de construir-se a cada novo olhar novas concepções do
mundo e do outro, para que se possa perceber melhor o eu.

É complexa e de difícil compreensão a máxima “aprender a desaprender”; é necessário


um “estudo profundo” (PESSOA, 2003, p. 217-218) e Alberto Caeiro assume isso:

O essencial é saber ver,


Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa

Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!)


Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender.
(PESSOA, 2003, p.217-218).

Principalmente para o homem moderno que procura, nos diversos meios científicos,
entender o processo da vida, não conseguindo ver e aceitar as coisas simplesmente como
elas são.

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Até porque este homem por viver em sociedade, não consegue deixar de construir idéias,
pensamentos; não é possível não ter ideologias. É próprio do ser humano fazer
questionamentos, conceituar, interpretar, de acordo com o que lhe ensinaram, tudo o que
vê, o que ouve, o que fala, quando vive em contato com outros indivíduos, até mesmo
para se posicionar diante dessa sociedade.

Caeiro queria desconstruir, como afirma Brandão (1991 apud GAMA, 1995, p. 36) “todo
arcabouço ideológico responsável pela criação e sustentação do ser”, ou tudo aquilo que
o senso comum impõe, todo tipo de ensinamento estereotipado; queria libertar o próprio
sujeito de todo conhecimento que torna um indivíduo medíocre, com pensamentos
nivelados. Como quando diz que:

Procuro despir-me do que aprendi,


Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro,
Mas um animal humano que a Natureza produziu.

Segundo Moisés (2005), Caeiro nos ensina uma “atitude” diante da sociedade e de seus
valores convencionais.

Para o mestre, é preciso fazer tábula rasa de tudo quanto nos tenha
sido ensinado, a fim de que estejamos aptos a reapre(e)nder a
realidade a partir do zero, ou a partir dos sentidos e das sensações
originais, a partir das impressões imediatas experimentadas no contato
com as coisas. (MOISÉS, 2005, p.150).

Para essa “impressão imediata” acontecer é necessário desaprender as impressões


impostas sobre tudo o que conhecemos, com uma atitude de ignorar, desprezar aquilo
que a sociedade dita: moral, religião, casamento, hierarquia... Tudo o que de certa forma
foi imposto e não criado pela “mente individual”. Esquecer o que aprendemos
anteriormente pode significar estar apto a adquirir conhecimentos novos, com idéias e
conceitos individuais, reais e críticos.

A máxima exposta pode, devidamente compreendida, contribuir muito para a sociedade.

As pessoas poderiam se libertar de inúmeros conceitos de vida e de sociedade que,


muitas vezes vedam nosso olhar para o mundo, deixando-nos sem criatividade e com as
mesmas opiniões comuns a todos, sem com isso conseguir ter uma visão particular da
vida.

A concepção “aprender a desaprender” de Alberto Caeiro não é tão simples quanto possa
parecer, nem lança um olhar otimista diante do mundo, mas pode contribuir para todos
nós, mostrando-nos uma nova forma de ver o mundo e o outro, sem pré-conceitos e
idéias formatadas.

A desaprendizagem em “O Marinheiro”

Declarada a concepção “aprender a desaprender”, partiremos para o real objetivo do


nosso trabalho: apontar uma hipótese de como as personagens, o marinheiro e as três

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veladoras do “drama estático” atribuem sentido a essa máxima do mestre Caeiro,


ressaltemos ainda que esse poema tenha sido escrito por Fernando Pessoa em 1913, antes
da criação heteronímica (1914).

Assim inicia a obra: “Um quarto que é sem dúvida num castelo antigo” (PESSOA, 2003,
p. 441), três donzelas velam o corpo de outra donzela morta. A partir daí essas veladoras
mantém um diálogo confuso, inquieto e acelerado, assim observa Moisés (2005, p. 165):
“o motivo essencial seria a morte”.

Para se afastarem de todo preconcebimento ideológico que a morte traz: medo, pavor,
angústia diante do desconhecido, as donzelas tentam “aprender a desaprender”, a
esquecer, qualquer tipo de lembrança ou até mesmo do momento presente, afim de que o
pensamento não lhes traga o fato de “estarem vivas” para que não lhes ocorra o que
temem: a certeza de que “estão a morrer”, pois esta é a única convicção de todo ser
humano.

A máxima abordada pede que se eliminem esses preconcebimentos, que se esqueça deles
e é isso que as veladoras tentam fazer durante todo o poema, tentam desaprender o horror
da morte.

Como quando a primeira veladora diz: “Do lado de lá, onde mora minha mãe,
costumávamos sentarmo-nos à sombra dos tamarindos [...].” (PESSOA, 2003, p. 443), e
mais adiante acrescenta: “Foi decerto assim que ali vivemos, eu e não sei se mais
alguém”. (PESSOA, 2003, p. 443).

Essa fala nos remete à sensação de que enquanto a primeira veladora conta a história de
seu passado, de quando ainda vivia junto de sua família, ao mesmo tempo vai se
esquecendo, se desconstruindo. Esquece as pessoas que fizeram parte da sua vida, no
caso, a mãe, com isso toda e qualquer educação que lhe fora transmitida.

Ou também em outra fala sua: “Não valeria então a pena fecharmo-nos no sonho e
esquecer a vida, para que a morte nos esquecesse?” (PESSOA, 2003, p. 448).

Com a intenção de se libertar da idéia da morte e de tudo que temem sobre ela, a primeira
veladora quer se encontrar no sonho, assim como fez o marinheiro, pois só assim
esqueceria, desaprenderia certos valores e conceitos.

O que também chama a atenção ainda no início do poema é o fato de não haver relógio
no quarto em que as veladoras estão, não existindo uma marcação cronológica do tempo,
esta é apenas sensorial. “PRIMEIRA VELADORA – Ainda não deu hora nenhuma.
SEGUNDA – Não se podia ouvir. Não há relógio aqui perto. Dentro em pouco deve ser
dia”. (PESSOA, 2003, p. 441).

Um dos maiores símbolos do tempo é o relógio que marca cronologicamente o tempo;


divide o dia em horas e a elas se seguem rigorosamente há séculos, todas as pessoas as
quais vivem em sociedade, vivem em função do tempo. Esquecer-se das horas é aprender
a sentir o tempo, e é isso que as veladoras fazem, elas aprendem a desaprender.

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No quarto não há uma marcação cronológica para a noite, há apenas a escuridão, e a luz
que virá com o dia, criando um clima de mistério e uma liberdade em relação ao tempo,
elas não precisam se prender às horas, só precisam esperar que o dia clareie.

TERCEIRA – Porque não há relógio neste quarto?

SEGUNDA – Não sei... Mas assim, sem o relógio, tudo é mais


afastado e misterioso. A noite pertence mais a si própria... Quem sabe
se nós poderíamos falar assim se soubéssemos a hora que é?
(PESSOA, 2003, p. 442).

Observemos o diálogo em que a segunda veladora concebe o sonho do marinheiro e


conta para as outras duas:

Um dia que eu dei por mim recostada no cimo frio de um rochedo, e


que eu tinha esquecido que tinha pai e mãe e que houvera em mim
infância e outros dias – nesse dia vi ao longe, como uma coisa que só
pensasse em ver, a passagem vaga de uma vela... depois ela cessou...
Quando reparei para mim, vi que já tinha esse meu sonho. (PESSOA,
2003, p.445).

Para que pudesse ter o sonho, a veladora primeiro teve que se submeter ao esquecimento
de seu passado; ela consegue ter a experiência de realmente esquecer tudo o que havia
vivido e aprendido, ou seja, primeiramente ela desaprende “todo arcabouço ideológico”
(BRANDÃO, 1991 apud GAMA, 1995, p.36) que tinha para só depois conceber a
história do marinheiro.

Esquece-se do pai e da mãe, figuras responsáveis por sua educação, simbolizadoras de


todas as regras sociais que conhecia; esquecendo-se deles, esquece-se de todo conceito de
vida e de sociedade que eles a ensinaram, tendo a idéia de libertação de suas origens.
Esquece-se também de sua infância, momento de intensa aprendizagem, de absorção de
ideologias, conceitos, regras, ideias adquiridas da sociedade a qual pertenciam e junto
com a infância ela se esquece de toda sua vida de antes ao se recostar “no cimo frio de
um rochedo”. (PESSOA, 2003, p. 445).

Podemos mais uma vez encontrar a máxima “aprender a desaprender”, em que a segunda
veladora desaprende, esquece-se de tudo o que sabia de sua vida e começa a contar a
história do marinheiro: “Sonhava de um marinheiro que se houvesse perdido numa ilha
longínqua” (PESSOA, 2003, p. 445), e que lá passou a viver depois de se salvar de um
naufrágio.

Refugiado nessa ilha sozinho, sem as pessoas de sua convivência, seus costumes do dia-
a-dia, sem a sociedade com todas as suas regras e deveres e sem poder voltar para sua
terra, o marinheiro “pôs-se a sonhar uma pátria que nunca tivesse tido” (PESSOA, 2003,
p. 445), diferente de tudo que conhecia.

A sós, sem ninguém para conversar, era ele quem fazia suas escolhas e dominava as
circunstâncias à sua volta, “em lugar de se subordinar a elas”. (MOISÉS, 2005, p. 169).

É importante ressaltar que esse personagem não cria uma vida nova dentro da sociedade
na qual é inserido, ele só passa a sonhar/criar essa nova vida, decorrente da necessidade

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em que se encontra: sozinho, sem o outro, quando se depara com um cenário totalmente
diferente do seu convívio e longe de todas as pessoas que vivem ao seu redor.

Para poder ter essa nova pátria, foi preciso que o marinheiro aprendesse a desaprender
tudo quanto lhe tinha sido ensinado: valores, conceitos, hábitos; tudo aquilo que a vida
em sociedade o impôs e que agora, sozinho, não impõe mais. Foi assim que “Breve ele ia
tendo um país que tantas vezes havia percorrido” (PESSOA, 2003, p. 446) e se tornou
governador de um mundo que caminhava segundo sua vontade.

Criou as paisagens; depois criou as cidades; criou depois as ruas e as


travessas, uma a uma, cinzelando-as na matéria da sua alma [...]
Passou a conhecer certa gente, como quem a reconhece apenas... Ia-
lhes conhecendo as vidas passadas e as conversas, e tudo isto era
como quem sonha apenas paisagens e as vai vendo. (PESSOA, 2003,
p.446-447).

E nesse cenário, o marinheiro vai vivendo esse processo de esquecer sua antiga pátria e
criar uma nova, “Durante anos e anos, dia a dia, o marinheiro erguia num sonho contínuo
a sua nova terra natal” (PESSOA, 2003, p. 446), cada vez mais desaprendendo os
conceitos e as idéias adquiridos na sociedade na qual vivera, e criando outros, mas de
forma nova e particular, acreditando mais neste “sonho” do que na vida de antes. Assim,
“pôs-se a fazer ter sido sua uma outra pátria [...]” (PESSOA, 2003, p. 445).

O marinheiro construiu uma nova vida e quando quis se lembrar de sua “verdadeira”
pátria, não conseguiu, sentiu que já era tarde, que já havia concluído o processo de
desaprendizagem, não tinha restos da pátria anterior, conseguira assim aplicar a
concepção “aprender a desaprender” em sua vida: “Toda a sua vida tinha sido a sua vida
que sonhara... E ele viu que não podia ser que outra vida tivesse existido”. (PESSOA,
2003, p. 447).

Ao esquecer o seu passado, o personagem marinheiro criou a sua “visão de mundo”,


diferente da que tinha, e não teria porque se recordar de uma pátria em que pessoas se
curvam diante da vontade de uma classe dominante.

A máxima “aprender a desaprender” de Alberto Caeiro, como demonstrada, propõe uma


problemática muito complexa ainda para o ser humano, a de experimentar uma
experiência totalmente “nova”, de se refazer ideologicamente, desconstruir muitas coisas
formatadas para aprender o novo.

Tanto o marinheiro quanto as três veladoras demonstram uma atitude ao rejeitarem tudo
o que tinham aprendido de uma sociedade com valores estereotipados, para apreenderem
e viverem o novo.

O personagem marinheiro consegue aplicar essa problemática em sua vida, mas para
isso, provando o quanto é complexo, precisou estar longe da sociedade; assim como as
donzelas, que também estão longe, isoladas em “Um quarto que é sem dúvida num
castelo antigo” (PESSOA, 2003, p. 441), tendo como visão do mundo, apenas uma janela
com um pedaço de mar ao longe.

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Dessa forma, no poema encontram-se traços do que será ainda escrito por Alberto
Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa.

Contribuições de um mestre para o ensino de literatura

Como demonstramos na análise do poema “O Marinheiro”, de Fernando Pessoa,


ortônimo, a máxima “aprender a desaprender” pode ser desenvolvida, apesar de
complexa.

Não queremos propor que o homem desaprenda todas as suas ideologias de vida, até
porque isso seria impossível. No entanto, por meio de uma pesquisa de campo que
realizamos em duas escolas públicas do estado de São Paulo sobre o ensino de literatura,
demonstramos como essa máxima pode contribuir para o homem, melhorando a
educação nas escolas.

A partir das respostas dos alunos do terceiro ano do ensino médio da escola E. E. Prof.
Martinho Sylvio Bizutti, da cidade de Igarapava e dos alunos do segundo ano, também
do ensino médio, da escola E. E. Dr. Wilhan Amin, da cidade de Miguelópolis,
apontamos conceitos e preconcebimentos, que estes alunos possuem em relação às aulas
de literatura, que desaprendidos, por eles e inclusive pelos professores e pela escola,
abrem caminhos para um novo olhar acerca da matéria, um novo olhar acerca da
Literatura, transformando o modo como esses alunos, professores e escola a concebem.

Vários foram os conceitos enumerados: a íntima ligação entre literatura e língua


portuguesa (língua no sentido do suposto “aprendizado” de gramática normativa);
literatura vista como apenas escolas ou movimentos literários; literatura como sendo algo
do passado; professores informadores, supostamente conhecedores, e alunos receptores,
pacíficos diante da abordagem; a biografia com mais importância do que a obra
propriamente dita; alunos que não aprenderam a se abrir para novas concepções de
conhecimentos; as cópias; os comportamentos; e até mesmo a falta de respostas dos
alunos no que se referia às perguntas sobre literatura.

Para se iniciar um método novo e eficaz de ensino de literatura, faz-se necessário,


primeiro desaprender esses conceitos, não apenas os que enumeramos aqui, estes são
apenas alguns, mas vários outros que possam existir. Nesse sentido, as personagens do
poema “O Marinheiro” ao desaprenderem seus passados, nos propõem uma reflexão
sobre um novo enfoque acerca da vida. Nosso propósito é dar sequência a essa reflexão,
a fim de que com um novo olhar sobre determinada matéria se possa reestruturá-la, como
fez o marinheiro: com um novo olhar criou uma nova vida. Não estamos a propor um
método de ensino de literatura, simplesmente acreditamos que ao desaprender certos
conceitos engessados pela prática, estaremos a tornar o ensino mais interessante para os
alunos e com mais sentido para os professores.

Não é nosso objetivo entregar um método pronto, mas sim demonstrar que para a
melhora do ensino, não só de literatura, é preciso desaprender certos conceitos e
abordagens que podem atrapalhar as aulas, a aprendizagem. Pensemos ainda que uma
nova abordagem da Literatura possa contribuir para uma melhor percepção da dimensão
humana da literatura. É exatamente o que propõe o mestre Caeiro, “aprender a
desaprender”, para recriar de forma nova.

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ABSTRACT

Considering the maxim "learning to forget" that integrates the


poetic works of Alberto Caeiro, Fernando Pessoa’s heteronym,
this paper proposes a brief survey, backed by literary critics’
texts, about this conception, in order to establish a relation
between it and the dramatic poem “The Mariner”, of Fernando
Pessoa, ortonym. Along the same line of analysis, a hypothesis
was raised about how the maximum "learning to unlearn" could
contribute to the development of the human being, allowing him/
her the perception of a new worldview. And through a field
survey carried out in two public schools, we propose to
investigate how this principle can also contribute to the teaching
of literature with respect to certain pre-conceptions that could
be unlearned for improving that teaching.

KEYWORDS: Pre-conceptions. Ideology. Learning. Unlearning.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, F. S. Manual rápido de leitura. In:______. Discutindo literatura. Ano 1.


n. 2. p. 43. Edição Especial.

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