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RESUMO
Nos 47 anos, que viveu, criou uma extensa obra, rica em mistérios e encantamentos, que
resultou em um dos poetas mais estudados e falados dos últimos tempos; são muitos os
trabalhos sobre Fernando Pessoa: monografias, teses, palestras, livros, isso talvez por sua
poética ser reflexiva, de questionamentos e pela temática se tratar de “inquietações” do
homem e do mundo.
Seus poemas são enigmáticos e apenas nos dá a “sensação” de tal compreensão. Não há
dúvidas de que ele seja um autor conhecido, no entanto, não podemos afirmar que seja
tão lido, sendo assim, mesmo com tantas informações a seu respeito, ainda há muito a ser
estudado em sua obra.
Desde pequeno, Pessoa criava personagens fictícios com vidas próprias e no caso dos
heterônimos, com vidas e obras próprias;
Em uma carta a Adolfo Casais Monteiro em que explica a gênese dos heterônimos, seus
mais importantes e conhecidos outros, Fernando Pessoa conta o “dia triunfal” de sua
vida, em 8 de março de 1914:
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Professora da rede estadual de ensino de São Paulo.
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Professora da rede estadual de ensino de São Paulo.
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Mestre em Estudos Literários pela FCL-U NESP-Araraquara e doutoranda em Teoria e História Literária
no IEL-UNICAMP. Docente da Fundação Educacional de Ituverava.
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Propunha uma reflexão, sobre as coisas à nossa volta, através das sensações e não do
pensamento; com um “olhar simples sem conceitos, como uma virtude”. (ANDRADE, 1,
p. 43).
Caeiro era um homem que buscava aprender com o que estava a sua volta, assim,
buscava perceber algo novo com o olhar, algo particular, único a cada novo olhar. Esses
dados nos forneceram um embasamento para pesquisa com uma de suas máximas:
“aprender a desaprender”, que aplicaremos no poema “O Marinheiro”, de seu criador
Fernando Pessoa.
O poema esse poema, criado em 1913 e segundo Moisés (2005), apesar de não ser alvo
de muitos estudos, é considerado um texto importante para o entendimento de toda obra
pessoana, e um ensaio para a futura criação heteronímica.
Gama observa que, já Caeiro em sua obra “canta um mundo governado pela ausência de
signos” (1995, p. 31), ou seja, pela ausência de nomes; para o poeta o nomear é incapaz
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de representar o real, assim nossos nomes não nos fazem significar “nada”, são na
maioria das vezes impertinentes.
A história: o marinheiro, naufragado em uma ilha deserta e sem ter como voltar para sua
terra, recria uma nova vida e uma nova pátria, mas quando cansa de imaginar e tenta se
lembrar de sua verdadeira pátria, não consegue; logo a “segunda veladora” diz não saber
como continuar a história de seu sonho com o marinheiro, nem sabe se o continua a
sonhar.
Ao final as três donzelas se questionam se são elas ou o marinheiro “a única coisa real
nisto tudo” (PESSOA, 2003, p. 449); o dia clareia e em silêncio ficam sem se olharem,
enquanto que “Não muito longe, por uma estrada, um vago carro geme e chia”
(PESSOA, 2003, p. 451).
Para ilustrar melhor a concepção, notemos que Leyla Perrone-Moisés (1990) compara a
poesia de Caeiro com as sabedorias milenares orientais, que também buscam a sabedoria
no simples e no real, tendo como objetivo educar a mente cotidiana.
Tanto na poesia de Caeiro quanto nas sabedorias orientais, as coisas são o que são,
simples e sem grandes explicações científicas ou teóricas.
Nossa percepção cotidiana nos impulsiona àquilo que fazemos de imediato (se sentimos
fome, comemos; se estamos cansados, dormimos). O “aprender a desaprender” propõe
nos fazer perceber além dessa concepção “imediata”, nos faz compreender o mundo além
dos inúmeros conceitos impostos e apreendidos que praticamos no cotidiano.
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Caeiro propõe assim um desaprender certos conceitos impostos pela sociedade e deixar
de acumular certos tipos de conhecimentos adquiridos pela educação, seja familiar,
escolar ou de um determinado grupo social, para então recomeçar a criar suas próprias
idéias, olhando o mundo a sua volta de outra forma, diferente daquela que lhes
determinaram.
Mesmo quando Alberto Caeiro declara ser simples e natural, “vendo tudo como se fosse
a primeira vez”, sem a intervenção de conceitos e idéias prontas, sem pensamentos, “A
minha alma é simples e não pensa” (PESSOA, 2003, p. 220), ele encena uma atitude
ideal, no sentido da necessidade de construir-se a cada novo olhar novas concepções do
mundo e do outro, para que se possa perceber melhor o eu.
Principalmente para o homem moderno que procura, nos diversos meios científicos,
entender o processo da vida, não conseguindo ver e aceitar as coisas simplesmente como
elas são.
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Até porque este homem por viver em sociedade, não consegue deixar de construir idéias,
pensamentos; não é possível não ter ideologias. É próprio do ser humano fazer
questionamentos, conceituar, interpretar, de acordo com o que lhe ensinaram, tudo o que
vê, o que ouve, o que fala, quando vive em contato com outros indivíduos, até mesmo
para se posicionar diante dessa sociedade.
Caeiro queria desconstruir, como afirma Brandão (1991 apud GAMA, 1995, p. 36) “todo
arcabouço ideológico responsável pela criação e sustentação do ser”, ou tudo aquilo que
o senso comum impõe, todo tipo de ensinamento estereotipado; queria libertar o próprio
sujeito de todo conhecimento que torna um indivíduo medíocre, com pensamentos
nivelados. Como quando diz que:
Segundo Moisés (2005), Caeiro nos ensina uma “atitude” diante da sociedade e de seus
valores convencionais.
Para o mestre, é preciso fazer tábula rasa de tudo quanto nos tenha
sido ensinado, a fim de que estejamos aptos a reapre(e)nder a
realidade a partir do zero, ou a partir dos sentidos e das sensações
originais, a partir das impressões imediatas experimentadas no contato
com as coisas. (MOISÉS, 2005, p.150).
A concepção “aprender a desaprender” de Alberto Caeiro não é tão simples quanto possa
parecer, nem lança um olhar otimista diante do mundo, mas pode contribuir para todos
nós, mostrando-nos uma nova forma de ver o mundo e o outro, sem pré-conceitos e
idéias formatadas.
A desaprendizagem em “O Marinheiro”
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Assim inicia a obra: “Um quarto que é sem dúvida num castelo antigo” (PESSOA, 2003,
p. 441), três donzelas velam o corpo de outra donzela morta. A partir daí essas veladoras
mantém um diálogo confuso, inquieto e acelerado, assim observa Moisés (2005, p. 165):
“o motivo essencial seria a morte”.
Para se afastarem de todo preconcebimento ideológico que a morte traz: medo, pavor,
angústia diante do desconhecido, as donzelas tentam “aprender a desaprender”, a
esquecer, qualquer tipo de lembrança ou até mesmo do momento presente, afim de que o
pensamento não lhes traga o fato de “estarem vivas” para que não lhes ocorra o que
temem: a certeza de que “estão a morrer”, pois esta é a única convicção de todo ser
humano.
A máxima abordada pede que se eliminem esses preconcebimentos, que se esqueça deles
e é isso que as veladoras tentam fazer durante todo o poema, tentam desaprender o horror
da morte.
Como quando a primeira veladora diz: “Do lado de lá, onde mora minha mãe,
costumávamos sentarmo-nos à sombra dos tamarindos [...].” (PESSOA, 2003, p. 443), e
mais adiante acrescenta: “Foi decerto assim que ali vivemos, eu e não sei se mais
alguém”. (PESSOA, 2003, p. 443).
Essa fala nos remete à sensação de que enquanto a primeira veladora conta a história de
seu passado, de quando ainda vivia junto de sua família, ao mesmo tempo vai se
esquecendo, se desconstruindo. Esquece as pessoas que fizeram parte da sua vida, no
caso, a mãe, com isso toda e qualquer educação que lhe fora transmitida.
Ou também em outra fala sua: “Não valeria então a pena fecharmo-nos no sonho e
esquecer a vida, para que a morte nos esquecesse?” (PESSOA, 2003, p. 448).
Com a intenção de se libertar da idéia da morte e de tudo que temem sobre ela, a primeira
veladora quer se encontrar no sonho, assim como fez o marinheiro, pois só assim
esqueceria, desaprenderia certos valores e conceitos.
O que também chama a atenção ainda no início do poema é o fato de não haver relógio
no quarto em que as veladoras estão, não existindo uma marcação cronológica do tempo,
esta é apenas sensorial. “PRIMEIRA VELADORA – Ainda não deu hora nenhuma.
SEGUNDA – Não se podia ouvir. Não há relógio aqui perto. Dentro em pouco deve ser
dia”. (PESSOA, 2003, p. 441).
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No quarto não há uma marcação cronológica para a noite, há apenas a escuridão, e a luz
que virá com o dia, criando um clima de mistério e uma liberdade em relação ao tempo,
elas não precisam se prender às horas, só precisam esperar que o dia clareie.
Para que pudesse ter o sonho, a veladora primeiro teve que se submeter ao esquecimento
de seu passado; ela consegue ter a experiência de realmente esquecer tudo o que havia
vivido e aprendido, ou seja, primeiramente ela desaprende “todo arcabouço ideológico”
(BRANDÃO, 1991 apud GAMA, 1995, p.36) que tinha para só depois conceber a
história do marinheiro.
Podemos mais uma vez encontrar a máxima “aprender a desaprender”, em que a segunda
veladora desaprende, esquece-se de tudo o que sabia de sua vida e começa a contar a
história do marinheiro: “Sonhava de um marinheiro que se houvesse perdido numa ilha
longínqua” (PESSOA, 2003, p. 445), e que lá passou a viver depois de se salvar de um
naufrágio.
Refugiado nessa ilha sozinho, sem as pessoas de sua convivência, seus costumes do dia-
a-dia, sem a sociedade com todas as suas regras e deveres e sem poder voltar para sua
terra, o marinheiro “pôs-se a sonhar uma pátria que nunca tivesse tido” (PESSOA, 2003,
p. 445), diferente de tudo que conhecia.
A sós, sem ninguém para conversar, era ele quem fazia suas escolhas e dominava as
circunstâncias à sua volta, “em lugar de se subordinar a elas”. (MOISÉS, 2005, p. 169).
É importante ressaltar que esse personagem não cria uma vida nova dentro da sociedade
na qual é inserido, ele só passa a sonhar/criar essa nova vida, decorrente da necessidade
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em que se encontra: sozinho, sem o outro, quando se depara com um cenário totalmente
diferente do seu convívio e longe de todas as pessoas que vivem ao seu redor.
Para poder ter essa nova pátria, foi preciso que o marinheiro aprendesse a desaprender
tudo quanto lhe tinha sido ensinado: valores, conceitos, hábitos; tudo aquilo que a vida
em sociedade o impôs e que agora, sozinho, não impõe mais. Foi assim que “Breve ele ia
tendo um país que tantas vezes havia percorrido” (PESSOA, 2003, p. 446) e se tornou
governador de um mundo que caminhava segundo sua vontade.
E nesse cenário, o marinheiro vai vivendo esse processo de esquecer sua antiga pátria e
criar uma nova, “Durante anos e anos, dia a dia, o marinheiro erguia num sonho contínuo
a sua nova terra natal” (PESSOA, 2003, p. 446), cada vez mais desaprendendo os
conceitos e as idéias adquiridos na sociedade na qual vivera, e criando outros, mas de
forma nova e particular, acreditando mais neste “sonho” do que na vida de antes. Assim,
“pôs-se a fazer ter sido sua uma outra pátria [...]” (PESSOA, 2003, p. 445).
O marinheiro construiu uma nova vida e quando quis se lembrar de sua “verdadeira”
pátria, não conseguiu, sentiu que já era tarde, que já havia concluído o processo de
desaprendizagem, não tinha restos da pátria anterior, conseguira assim aplicar a
concepção “aprender a desaprender” em sua vida: “Toda a sua vida tinha sido a sua vida
que sonhara... E ele viu que não podia ser que outra vida tivesse existido”. (PESSOA,
2003, p. 447).
Tanto o marinheiro quanto as três veladoras demonstram uma atitude ao rejeitarem tudo
o que tinham aprendido de uma sociedade com valores estereotipados, para apreenderem
e viverem o novo.
O personagem marinheiro consegue aplicar essa problemática em sua vida, mas para
isso, provando o quanto é complexo, precisou estar longe da sociedade; assim como as
donzelas, que também estão longe, isoladas em “Um quarto que é sem dúvida num
castelo antigo” (PESSOA, 2003, p. 441), tendo como visão do mundo, apenas uma janela
com um pedaço de mar ao longe.
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Dessa forma, no poema encontram-se traços do que será ainda escrito por Alberto
Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa.
Não queremos propor que o homem desaprenda todas as suas ideologias de vida, até
porque isso seria impossível. No entanto, por meio de uma pesquisa de campo que
realizamos em duas escolas públicas do estado de São Paulo sobre o ensino de literatura,
demonstramos como essa máxima pode contribuir para o homem, melhorando a
educação nas escolas.
A partir das respostas dos alunos do terceiro ano do ensino médio da escola E. E. Prof.
Martinho Sylvio Bizutti, da cidade de Igarapava e dos alunos do segundo ano, também
do ensino médio, da escola E. E. Dr. Wilhan Amin, da cidade de Miguelópolis,
apontamos conceitos e preconcebimentos, que estes alunos possuem em relação às aulas
de literatura, que desaprendidos, por eles e inclusive pelos professores e pela escola,
abrem caminhos para um novo olhar acerca da matéria, um novo olhar acerca da
Literatura, transformando o modo como esses alunos, professores e escola a concebem.
Não é nosso objetivo entregar um método pronto, mas sim demonstrar que para a
melhora do ensino, não só de literatura, é preciso desaprender certos conceitos e
abordagens que podem atrapalhar as aulas, a aprendizagem. Pensemos ainda que uma
nova abordagem da Literatura possa contribuir para uma melhor percepção da dimensão
humana da literatura. É exatamente o que propõe o mestre Caeiro, “aprender a
desaprender”, para recriar de forma nova.
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ABSTRACT
REFERÊNCIAS