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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

ESCOLA DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

ISABELA DALL’ ACQUA CÉ

A NACIONALIZAÇÃO DO ENSINO NAS COLÔNIAS ITALIANAS DO


RIO GRANDE DO SUL: A CARAVANA DOS COLONINHOS DE 1940
Orientador: Prof. Dr. Antonio de Ruggiero

PORTO ALEGRE
2018
1. INTRODUÇÃO

O presente projeto de pesquisa pretende discutir a difusão dos ideais nacionalistas


durante o Estado Novo de Vargas (1937-1945) e a recepção das medidas
nacionalizadoras implantadas nas escolas étnicas da região colonial italiana,
destacando o papel e a cooperação das autoridades e das professoras, tanto do
interior do estado como de Porto Alegre, que culminou com a recepção de quinhentos
coloninhos – denominação carinhosa dada pelos porto-alegrenses aos filhos e netos
de imigrantes – oriundos de diversas cidades do estado, na Semana da Pátria de
1940. O evento foi de tamanha importância que recebeu atenção de uma série de
jornais, com destaque para o Diário de Notícias e o Jornal do Estado, que noticiaram
a chegada das crianças e as atividades realizadas durante os sete dias nos quais
ficaram hospedados na cidade, além de uma série de conferências irradiadas na
Rádio Farroupilha e posteriormente transcritas em formato de livro. Para
compreendermos o tema em sua totalidade, é preciso recuar alguns anos e analisar
os diversos aspectos que culminaram com as medidas de nacionalização propostas
no Governo Vargas.

No decurso da longa jornada iniciada na Itália, o imigrante italiano assumiu


múltiplas identidades perante o restante da sociedade: na aldeia natal, diante de
outros trabalhadores, era o braccianti despossuído e corajoso, que frente à miséria e
à carência de alternativas para sustentar a si e a sua família, resolve imigrar per fare
l’America; durante a travessia, indivíduo quase apátrida sonhando com uma terra
promissora e alguma estabilidade após décadas de miséria; no Brasil, já na condição
de imigrante italiano genérico, passando por um duro processo de estranhamento e
alteridade (ZANINI, 2006), tornou-se a solução para uma série de problemas que
afligiam as autoridades imperiais, preocupadas com os rumos do país e com a questão
escravista: a baixa densidade populacional das regiões sulinas, a falta de mão-de-
obra livre nas fazendas de café da região Sudeste e a quantidade preponderante de
negros que compunham a população brasileira por conta de séculos de trabalho
escravo. Diferentemente do nativo, que compreendia o trabalho braçal como
vexaminoso e intimamente ligado à ideia de submissão e dominação, o italiano
interpretava a tarefa como dignificante, uma oportunidade de adquirir bens através do
esforço pessoal e familiar; a esta ideia do bom imigrante trabalhador – branco, de
caráter civilizador nas terras inóspitas do Sul, assimilável e cristão – gradativamente
incorporou-se a concepção de imigrantes e descendentes reunidos em quistos étnicos
de difícil assimilação, vivendo em pequenas comunidades isoladas e mantendo entre
si fortes laços de italianidade, através de instituições étnicas.

Antes mesmo do início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, os italianos e


descendentes da Região Colonial Italiana – aqui compreendida como os territórios
das antigas colônias de Conde d’Eu, Dona Isabel e Caxias, atualmente
correspondentes aos municípios da conhecida Serra Gaúcha – já sentiam na pele as
consequências causadas pela campanha de nacionalização implementada em 1937,
durante o Estado Novo de Vargas. Foi neste período que o projeto, tão ambicionado
pelas autoridades, adquiriu para si um caráter marcadamente conservador e
autoritário, avesso aos pluralismos e à diversidade brasileira (SCHARTZMAN, 1984).
Tratava-se de uniformizar, padronizar culturalmente e eliminar os quistos étnicos, que
representavam um obstáculo em massa para as autoridades do período,
empreendendo uma patriótica cruzada (CÂMARA BASTOS, 1994) em prol da unidade
da nação através de campos diversos, incluindo o educacional. Não apenas os
italianos, mas também os alemães e japoneses – os dois últimos considerados os
piores focos de contaminação – sofreram severamente com as medidas repressivas
levadas a cabo pelo Estado.

Afastadas dos grandes centros do país, as colônias de imigrantes tendiam a


manter a cultura, os costumes, a língua e a ideologia do país de origem, colidindo com
a ideia central da campanha de nacionalização, que pressupunha a construção da
nação brasileira através de múltiplos aspectos da vida coletiva, baseando-se em uma
brasilidade de matriz lusitana. Era comum que cada núcleo colonial possuísse, fruto
do trabalho dos próprios colonos, associações esportivas, culturais, recreativas e de
classe, além de escolas; instituições nas quais a língua utilizada era o dialeto ou uma
mistura deste com o brasileiro, como fora batizado o português nas localidades
italianas. Nas capelas, normalmente as construções mais antigas e de maior
importância na vida cotidiana do imigrante italiano, destacava-se a pregação
sacerdotal em italiano padrão, enquanto o sermão era realizado em latim.

Segundo Gertz (2005), as medidas nacionalizadoras foram intimamente


supervisionadas por Cordeiro Farias, que frequentemente visitava as escolas do
interior. A nacionalização ocorreu em duas frentes: a primeira, no campo educacional
– as crianças eram consideradas matéria plástica e moldável aos olhos do Estado – e
a outra no campo policial. Frequentemente, as duas se entrelaçavam, e o tom nas
escolas tornava-se policialesco, registrando-se até mesmo a prisão de professores e
a inspeção nas mochilas e materiais dos alunos. Nas colônias alemãs, têm-se
conhecimento da destruição de objetos e fontes valiosas que remetiam ao perigo
alemão.

Branca Regina Lenzi foi a organizadora do livro comemorativo que será utilizado
como principal fonte para o presente estudo: Semana da Pátria, de 1940, publicado
pela Editora Globo. Sabe-se que a normalista foi casada com Ignácio (algumas vezes
grafado como Inácio) Lino Lenzi, prefeito e presidente da comissão executiva do
Partido Republicano Liberal de Itaqui, às margens do Rio Uruguai. Lenzi iniciou sua
carreira na cidade em 1922, como parte do corpo docente do Collegio Elementar de
Itaquy. Em 1928, já em Porto Alegre – não se sabe o motivo da mudança – foi docente
do Collegio Elementar do Parthenon (atual Colégio Estadual Inácio Montanha) e,
posteriormente, diretora do Grupo Escolar da Chácara das Bananeiras (atual Colégio
Estadual Cel. Aparício Borges), além de membro do Diretório Local da União dos
Professores do Rio Grande do Sul e do Círculo de Diretores. Ficou conhecida na
capital como fiscal de nacionalização, cargo criado durante o Estado Novo. Sabe-se
que organizou a Caravana dos Coloninhos pelo menos até o ano de 1942.

Publicado em 1940 com a autorização e a supervisão do então Interventor Federal,


Osvaldo Cordeiro de Farias, Semana da Pátria é uma obra comemorativa, uma
oferenda cívica do Rio Grande do Sul ao presidente Getúlio Vargas – logo no início
do livro uma foto imponente de Vargas cobre uma página inteira. Trata-se de uma
coletânea de conferências transcritas, originalmente irradiadas na Rádio Farroupilha
por diversas personalidades de grande estima no cenário porto-alegrense. As
palestras, como são chamadas, versam sobre a chegada de mais de quinhentos
coloninhos, oriundos das regiões coloniais do Rio Grande do Sul, para a Semana da
Pátria de 1940, na qual desfilariam em grupo e aprenderiam sobre os novos ideais da
nação brasileira em formação, além de noções de higiene e boas maneiras – tão caras
para a formação das crianças do interior, que nem sempre tinham conhecimento
destas. Os escolares eram provenientes de cidades como Passo Fundo, Erechim,
Cruz Alta, Carazinho (Carasinho), Cachoeira, Bento Gonçalves, Farroupilha, Lajeado
(Lageado), Estrela, Taquara, Pelotas e Osório, apenas para citar algumas.

Era preciso inserir o colono no contexto nacional, tornando-o não mais um


empecilho, mas uma contribuição para o processo de unificação nacional que havia
se firmado. Em sua conferência, Luiz Cacciatori, em nome do Secretário da Educação,
em referência aos duzentos coloninhos que haviam participado da Semana da Pátria
de 1939, afirma que:

Eles, os coloninhos, aprenderam nos lares onde se haviam abrigado, nas


festas a que assistiram, que não abrigamos o ódio ao estrangeiro, quando o
seu coração é puro e o seu braço é forte, para ajudar-nos na obra sugestiva
de construir grande e forte uma nação. (CACCIATORI, in: Branca Regina
Lenzi, 1940, p. 18)

Percebe-se o engajamento da população e das instituições porto-alegrenses em


torno do evento e da chegada das crianças, que arregimentou as famílias de elite da
cidade – e algumas de operários, que tiveram a oportunidade de hospedar escolares
em suas casas – diversas instituições militares, o Rotary Club, a Caixa Econômica
Federal, o Grande Oriente, a Rádio Farroupilha (de onde foram irradiadas
originalmente as palestras) e diversas escolas tradicionais – Rosário, Bom Conselho,
Anchieta, Júlio de Castilhos, Cruzeiro do Sul e Concórdia. Era preciso trabalhar,
estudar, fazer-se forte e sadio e dignificar a moral pelo Brasil, deixando a
individualidade regional de lado em prol de um bem maior: a identidade nacional.

Para as autoridades, mais importante do que as palestras sobre higiene e boas


maneiras que os coloninhos contemplariam, ou a parada militar com a presença do
Exército Nacional, da Brigada Militar e dos Tiros de Guerra (TG), seriam as vivências
cívico-patrióticas experimentadas ao longo dos sete dias junto às famílias porto-
alegrenses. Segundo Salvador Bruno, em palestra irradiada em nome de José
Loureiro da Silva e transcrita em Semana da Pátria:

Trazê-los para o convívio da cidade é alagar-lhes a imaginação,


desvendar-lhes a verdade, incutir-lhes o “tonus” da nossa força, é cimentar
nessas inteligências em formação o sentimento de unidade nacional. Trazer
para o nosso lar, dar assento à nossa mesa ao coloninho que nos vem de tão
longe, fazê-lo privar na nossa intimidade, é gerar nessas crianças a confiança
de que fora da casa própria existe outra muito maior, que a todos abriga e
protege com o mesmo carinho e o mesmo amor: a Pátria Brasileira. (BRUNO,
In: Branca Regina Lenzi, 1940, p. 28-29)

Via-se como necessário multiplicar os pontos de contato das crianças do interior


com a visão da nação brasileira de influência lusitana, ampliando e aprofundando sua
noção de amor à pátria. O objetivo era que, pelo menos nos sete dias nos quais
ficassem hospedados nas casas das famílias porto-alegrenses, os coloninhos
pudessem deixar de lado as tradições, os costumes e as ideologias da pátria-mãe de
seus pais e avós, integrando-se ao verdadeiro Brasil, em contraposição àquele falso,
resultado da persistência dos quistos étnicos em manterem-se isolados.

2. OBJETIVOS

Objetivo Geral:

Compreender como ocorreu a difusão dos ideais patrióticos através da Caravana dos
Coloninhos de 1940, tendo como base o livro de Branca Regina Lenzi.

Objetivos Específicos:

I. Constatar como se deu a estadia dos coloninhos e os eventos ocorridos na


capital rio-grandense.
II. Apreender a atuação das professoras, na região colonial italiana e em Porto
Alegre, no processo que antecedeu e sucedeu a Semana da Pátria de 1940.
III. Identificar os resultados que as medidas preventivas adotadas pelas
autoridades locais tiveram nos escolares e em suas respectivas famílias.
3. JUSTIFICATIVA

A difusão do projeto de nacionalização nas colônias italianas, concebido a partir


de 1937, trouxe consequências diretas na vida dos imigrantes, que as vivenciaram de
formas diversas. Segundo Gertz (2005), é importante destacar que mesmo regiões
próximas, dentro da própria área colonial italiana, foram atingidas de formas e com
intensidades variadas, dependendo muito das constelações políticas, sociais e
econômicas da localidade, além da qualidade e do posicionamento das autoridades e
da força policial local. Muitas das ações de caráter nacionalizador foram praticadas
por autoridades municipais, fugindo do campo de visão do Governo Federal.
Durante o Estado Novo, forjar uma identidade brasileira (LUCHESE, 2014), foi um
dos principais objetivos das políticas públicas voltadas para a nacionalização do
ensino, que via nas crianças o poder de influenciar, através de vivências cívico-
patrióticas, aqueles ao seu redor, além de formar uma nova geração de brasileiros
com ideais ufanistas. No caso das colônias italianas, a mobilização não se deu apenas
dentro delas, mas envolveu uma série de personagens e instituições, inclusive da
capital rio-grandense. Como exemplo, podemos citar as professoras de
nacionalização – jovens enviadas da capital às colônias para substituir as professoras
que não dominavam o português – as diretoras e vice-diretoras deslocadas dos
grandes centros, os fiscais distribuídos nas regiões vistas como mais problemáticas
pelas autoridades, além das caravanas de jovens coloninhos que visitavam a capital
e estimulavam a participação de uma parte considerável da população que os
hospedava, os assistia no dia do desfile ou simplesmente acompanhava suas
atividades, minuciosamente registradas na imprensa porto-alegrense.

Estudar a nacionalização do ensino a partir de uma fonte produzida em Porto


Alegre, organizada por uma professora de importância considerável na cidade e
supervisionada pelo Interventor Federal, Osvaldo Cordeiro de Farias, nos ajuda a
compreender mais nitidamente quais foram os objetivos das autoridades locais ao
conceber eventos que englobavam também uma parcela da população rural
pertencente aos quistos étnicos, até então isolados do restante da nação. As palestras
irradiadas e transcritas em Semana da Pátria nos permitem ampliar a visão acerca da
importância das medidas preventivas, como a promoção de manifestações de caráter
cívico-patriótico, distanciando-se um pouco da visão generalizada do Governo
Federal, que concebia a população brasileira como uma grande e única família.

Assim como é importante estudar a visão das autoridades porto-alegrenses em


relação à nacionalização do ensino durante o Estado Novo, é significativo dar atenção
à atuação das professoras, tanto da capital como da região colonial italiana. Na obra
Semana da Pátria, duas são as conferências irradiadas por docentes atuantes na
cidade: Branca Regina Lenzi (organizadora) e Olga Acauan Gayer. Ambas
trabalhavam em prol da nacionalização do ensino, como Fiscal de Nacionalização e
Diretora Geral da Instrução Pública, respectivamente, apesar de anteriormente terem
atuado em escolas do estado. Em Porto Alegre, especialmente, a Revista de Ensino
– fundada na capital e editada de 1939 a 1942 – orientava seu público leitor, os
próprios professores da região, a tomarem para si a ideia de que bons mestres fazem
boas escolas. Segundo Maria Helena Câmara Bastos:

A idealização da conduta do professor, pela exaltação da profissão do


educador como “realização magnânima”, não é dissociável da apologia das
finalidades do “novo” Estado. O professor deve sintonizar sua ação à política
estatal, caso contrário é estigmatizado, pela Revista, como “professor
burocrata, individualista, egoísta”. (CÂMARA BASTOS, 1994, p. 137)

O trabalho docente era entendido como um sacerdócio, um dom que deveria ser
exercido com amor, compreensão, bondade, cooperação e solidariedade. Nas
colônias, as professoras ainda lidavam com outros problemas: a falta de estrutura das
escolas e da comunidade em geral, e a pouca experiência, pois grande parte das
normalistas assumia o cargo ainda na adolescência, com menos de dezoito anos. Nas
áreas rurais, nos primeiros anos do Séc. XX, poucas eram aquelas efetivadas por
meio de concurso, sendo mais frequente que os próprios membros da comunidade
designassem as jovens que haviam estudado com mais afinco para lecionarem
(LUCHESE; GRAZZIOTIN, 2015).

Oriundas dos próprios núcleos agrícolas italianos, é importante estudarmos as


ações das professoras residentes nas colônias para compreendermos como atuavam
em sala de aula, quais foram suas ações diante das mudanças ocorridas com a
implementação das medidas de nacionalização (preventivas e repressivas) e quais
foram suas atribuições nos meses de preparação para a Semana da Pátria de 1940.

Sabe-se que as festividades patrióticas ocorriam em todos os núcleos rurais – com


incentivo do Governo Federal – e eram planejadas e aguardadas com muita excitação,
com notável participação das escolas e dos alunos, que esperavam ansiosos para
mostrarem suas habilidades ao marcharem na comemoração do Sete de Setembro.
No entanto, a Semana da Pátria ocorrida em Porto Alegre, em 1940, foi aquela que
gerou mais expectativa, pois seriam enviados mais de quinhentos coloninhos à
cidade, mais que o dobro em comparação ao ano anterior. Cada cidade designada
podia enviar quatro (LUCHESE, 2014), e ficava a cargo das escolas, mais
especificamente do grupo de professoras do núcleo, escolher os meninos que seriam
agraciados com a oportunidade, apesar da prefeitura frequentemente intervir na
escolha. Para as docentes, era um orgulho que um de seus alunos fosse enviado à
Porto Alegre para representar o município.

A assimilação forçada imposta pelas autoridades através das medidas


nacionalizadoras causou uma série de consequências na vida dos colonos. Após
1945, percebe-se que os descendentes, talvez ainda levados pelo medo de serem
denunciados, desejavam que os filhos aprendessem o português, o que não era rotina
antes do Estado Novo (ZANINI, 2005). Todavia, os sentimentos instigados nos
coloninhos italianos a partir da experiência das medidas preventivas e, mais
especificamente, da Semana da Pátria de 1940, são pouco conhecidos. Sabe-se que
a imprensa porto-alegrense sugeria às famílias que oferecessem às crianças, durante
os dias nos quais estavam hospedados, e no dia de sua partida, presentes e doces,
para que voltassem às colônias difundindo os ideais patrióticos que haviam
vivenciado. Estudar os resultados da viagem à capital – se é que foram significativos
– e o comportamento das crianças após voltarem à rotina rural, tanto no âmbito familiar
como escolar, é de extrema importância para compreendermos, mais
especificamente, a serventia dos projetos pautados pelas autoridades e se os
objetivos pretendidos foram atingidos parcialmente ou em sua totalidade.

4. DISCUSSÃO TEÓRICA E METODOLÓGICA

Com base nos pressupostos da história social, entende-se etnia como um conjunto
de elementos culturais – podemos citar as características linguísticas, religiosas, os
costumes e a tradição – compartilhados por um povo, influenciando sua percepção e
organização societária, além de diferencia-lo socialmente do restante da população.
Segundo Kreutz (2014), a etnia constitui-se como um elemento importante dentro das
práticas sociais, ao mesmo tempo que tais práticas constituem a reconfiguração
étnica.

Ao falarmos de identidade étnica, devemos compreender que não se trata de algo


definido no nascimento, mas um processo de construção baseado historicamente nas
práticas sociais de determinado grupo. Zanfrini (2015), ao abordar a questão, afirma
que definir-se etnicamente é fruto de uma escolha que corresponde à necessidade de
pertencimento, apesar de comumente ocorrer após uma tentativa fracassada de
juntar-se a um grupo majoritário específico. No caso dos italianos, ao chegarem no
Brasil no último quarto do Séc. XIX, a Itália – como conhecemos hoje – ainda não
estava unificada política e simbolicamente (Zanini, 2005), portanto, os colonos
identificavam-se não como italianos, mas como vênetos, mantovanos, trentinos,
friulanos, feltrinos, etc. A autora conclui que:

Portanto, o que trouxeram como noção de pertencimento era mais um


vínculo às localidades, seus dialetos, seus santos e costumes e, em especial,
as redes de parentesco, vizinhança e afetivas que lá permaneceram. Ser
italianos, para eles, era ser católico e originário de paeses distintos [...]. A
italianidade, como uma noção genérica de pertencimento, deu-se aqui,
quando do enraizamento e do processo de elaboração de uma identidade de
imigrantes e posteriormente de colono italianos (e proprietário) no Sul do
Brasil. (ZANINI, 2005, p. 120)

Outro conceito muito caro ao presente trabalho é aquele de escola étnica. De


acordo com Luchese e Kreutz (2010), eram aulas elementares – termo amplamente
utilizado no período, visto que a escolarização da maioria dos colonos não ocorria em
escolas, mas em aulas isoladas – nas quais se ensinava noções básicas como a
escrita, a leitura e o cálculo. Nas áreas coloniais, a organização das escolas étnicas
era de responsabilidade dos próprios moradores, que construíam as aulas com
recursos próprios – no início, o ensino ocorria na casa dos colonos, que
posteriormente construíam casas de madeira rústica para comportar os alunos e os
materiais de ensino – e indicavam um docente leigo da região, normalmente jovens
que possuíam alguma instrução formal, possuindo os conhecimentos básicos
necessários, ministrados em dialeto. Vale destacar que, no último quarto do Séc. XIX,
os professores eram normalmente homens que equilibravam as atividades docentes
com o trabalho na agricultura ou em outra área econômica, situação que mudou com
a chegada do novo século, quando a docência adquiriu um caráter marcadamente
feminino, uma opção ao trabalho colonial nas roças.

Bao (2015) afirma que as instituições escolares, juntamente com os veículos de


imprensa étnicos, a Igreja Católica – em especial a atividades dos franciscanos – e o
consulado italiano no Brasil foram mecanismos sociais que historicamente
construíram a italianidade nas regiões sulinas. Ou seja, podemos falar de uma
invenção da identidade italiana, pelo menos nos anos que se seguiram à chegada dos
primeiros imigrantes, em 1875.
Abordando mais especificamente a Semana da Pátria, com base em fontes
jornalísticas acessadas através da Hemeroteca Digital Brasileira, sabe-se que a
Caravana dos Coloninhos ocorreu pelo menos até 1942, sob organização de Branca
Regina Lenzi, todavia sem a expressividade daquela ocorrida em 1940. Se em 1939
Porto Alegre recebeu duzentos coloninhos, no ano seguinte o número mais que
duplicou. Segundo Hobsbawm (1984), determinadas ações de caráter ritual ou
simbólico buscam, através da repetição – neste caso, anual – incutir na população
certos valores ou normas de comportamento, como os novos princípios nacionalistas
tão caros ao Estado Novo. As medidas de nacionalização tinham como objetivo fazer
com que os quistos étnicos – denominação pejorativa que caracterizava núcleos que
se mantinham resistentes à assimilação – se integrassem na sociedade com base em
vivências cívico-patrióticas um tanto forçadas, como é o caso da Caravana.

Para atingirmos os objetivos citados anteriormente, partiremos da fonte


documental Semana da Pátria, de 1940. A obra é pouco conhecida e, apesar de citada
como referência em alguns trabalhos acadêmicos (que serão brevemente analisados
no tópico sucessivo), nunca recebeu a devida atenção, tratando-se de uma fonte
valiosa para a compreensão das medidas nacionalizadoras e suas implicações no
estado. Em um primeiro momento, cada uma das transcrições será analisada
separadamente, para tal sendo necessário realizar uma pesquisa minuciosa em fontes
jornalísticas do período – entre elas o Diário de Notícias, o Jornal do Estado e o Jornal
Correio do Povo – para levantar informações acerca dos personagens que compõem
o livro, para citar alguns: Coelho de Souza (Secretário da Educação), José Loureiro
da Silva (Prefeito de Porto Alegre), Monsenhor Nicolau Marx (Delegado Regional do
Ensino), Olga Acauan Gayer (Diretora Geral da Instrução Pública), Vicente Dutra
(Diretor da Caixa Econômica Federal) e a própria Branca Regina Lenzi, então Fiscal
de Nacionalização. As informações encontradas nos jornais serão selecionadas e
categorizadas, posteriormente compondo a análise geral da fonte.

Após este levantamento inicial de informações, os editoriais de maior pertinência


da Revista do Ensino também serão analisados, buscando cruzar as informações
encontradas com aquelas anteriores. O periódico, editado pela Secretaria da
Educação do Rio Grande do Sul entre 1939 e 1942 e articulado à Divisão Geral de
Instrução Pública, voltava-se para a mobilização docente em prol da reconstrução
nacional do Estado Novo, ou seja, os professores eram apresentados como parte
atuante do projeto de nacionalização proposto pelas autoridades, moldando os alunos
conforme as necessidades do momento. Pelo fato da revista ter sido criada por um
grupo de professores da Universidade de Porto Alegre, mostrava-se como um veículo
feito por professores para professores. Segundo Helena Câmara Bastos:

Jornais, boletins, magazines – feitas por professores para professores,


feitas por seus pares ou professores, feitas pelo Estado ou outras instituições
como sindicatos, partidos políticos, associações de classe, Igrejas – contêm
e oferecem muitas perspectivas para a compreensão da história da educação
e do ensino. Sua análise possibilita avaliar a política das organizações, as
preocupações sociais, os antagonismos e as filiações ideológicas, além das
práticas educativas e escolares. (CÂMARA BASTOS, 2007, p. 167)

Por fim, serão coletados depoimentos arquivados no Programa ECIRS –


Elementos Culturais da Imigração Italiana no Nordeste do Rio Grande do Sul –
pertencente ao Instituto Memória Histórica e Cultural da Universidade de Caxias do
Sul (UCS), comparando as informações presentes nas entrevistas de professoras que
atuaram no período – Guilhermina Lora Poloni Costa, Olga Ramos Brentano, Verônica
Candiago Bortolon, Dorotéia Rizzon Corte, entre outras, algumas concursadas e
outras que começaram a trabalhar a pedido dos moradores da região colonial – com
aquelas levantadas ao longo da pesquisa em fontes documentais. A partir das
histórias de vida das professoras será possível compreendermos mais claramente
quais foram os parâmetros adotados em sala de aula a partir da promulgação do
Estado Novo, em 1937, assim como o resultado das medidas preventivas propostas
pelas autoridades locais e a reação dos alunos perante as mudanças ocorridas no
período.

5. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Podemos afirmar que a Caravana dos Coloninhos integrou o rol das chamadas
medidas preventivas, postas em prática após a implementação do Estado Novo, em
1937. Lúcio Kreutz, em capítulo publicado na obra organizada por Claudemir de
Quadros, Uma Gota Amarga (2014), aborda a questão ao diferenciar as práticas
preventivas daquelas repressivas, assim como seu impacto nas colônias alemãs e
nas escolas étnicas da região. O autor afirma que, enquanto nas colônias italianas as
autoridades priorizaram as práticas preventivas, nas regiões de colonização alemã o
tom tornou-se policialesco, pois os teuto-brasileiros eram considerados um quisto
étnico mais avesso à assimilação, além de manterem-se ainda mais isolados que o
restante dos imigrantes e descendentes.

Na mesma obra, Terciane Ângela Luchese nos apresenta um capítulo valioso, e


um dos únicos publicados sobre o assunto, que trata diretamente das festividades da
Semana da Pátria ocorridas na região colonial italiana, brevemente citando aquela
ocorrida em Porto Alegre, em 1940. Todavia, a autora não faz referência à obra de
Branca Regina Lenzi, visto que o capítulo foca na análise das medidas municipais
adotadas pelas autoridades da região, salientando o abrasileiramento dos coloninhos
italianos. A partir deste capítulo, temos um panorama precioso da atuação das
autoridades locais em âmbito municipal e da influência das práticas cívico-patrióticas
na região.

Mais especificamente sobre Semana da Pátria, um dos primeiros trabalhos que


brevemente cita a obra é de René Gertz, em artigo publicado na revista História:
Questões e Debates, de 1989. O autor trata das medidas de nacionalização
implementadas na região colonial alemã, mencionando a conferência de Olga Acauan
Gayer no tocante à importância de trazer os coloninhos a Porto Alegre, destacando a
importância da participação ativa das famílias da cidade no evento e a atuação de
Cordeiro de Farias na articulação de eventos similares.

Luciano Aronne de Abreu, em 2005, defende tese na qual aborda a atuação e


as relações políticas de três interventores que atuaram no estado a partir de 1937 –
Daltro Filho, Cordeiro de Farias e Ernesto Dorneles. Ao analisar a atuação do
segundo, reitera a questão das reformas educacionais ocorridas sob direção de
Coelho de Souza, então Secretário Estadual de Educação, destacando o viés
pedagógico e repressivo que a empreitada assumiu. Assinalando a cooperação dos
professores, que acabavam desempenhando as funções de inspetores e fiscais dentro
das instituições escolares, cita a professora Branca Regina Lenzi – que então era
fiscal de nacionalização – e seu papel como diretora da comissão criada para receber
os coloninhos. O autor também cita algumas fontes jornalísticas, como o Correio de
Povo, que semanas antes da chegada das crianças, pedia a cooperação das famílias
da cidade para que hospedassem os filhos e netos dos imigrantes.
Por fim, Vanessa dos Santos Lemos (2012) aborda, em sua dissertação de
mestrado, o papel da propaganda e da coerção política na cidade de Pelotas,
verificando como as políticas de nacionalização de Vargas manifestaram-se no que
concerne às instituições escolares. A pesquisa foca nas celebrações cívicas – como
a Semana da Pátria – e nas práticas adotadas durante as aulas de Educação Física,
avaliando o papel da Caravana dos Coloninhos, das Colônias de Férias e dos Grupos
de Escoteiros, que mesclavam as duas práticas. Ao analisar os coloninhos de Pelotas,
a autora cita Semana da Pátria algumas vezes, transcrevendo passagens da obra e
outras de jornais do período que continham referências à organizadora do livro,
Branca Regina Lenzi.

Pode-se perceber que o presente projeto busca preencher um vácuo


historiográfico no que concerne às medidas preventivas adotadas nas regiões
coloniais italianas, mais especificamente à Semana da Pátria de 1940, assim como
suas consequências. A obra da professora Branca Regina Lenzi, apesar de muito
valiosa, é ainda pouco conhecida e mantêm-se praticamente intocada, tratando-se de
uma fonte importantíssima para compreendermos as medidas pedagógicas adotadas
no período, destacando a atuação das autoridades municipais.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, Luciano Aronne de. O Rio Grande Estado-Novista: Interventores e


Interventorias. 2005. 307 f. Tese (Doutorado) - Curso de História, Universidade do
Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2005.

BAO, Carlos Eduardo. A invenção da “italianidade” no Brasil: Contribuição para


um olhar descontínuo. In: XXVIII Simpósio Nacional de História, 2015, Florianópolis,
Santa Catarina.

BASTOS, Maria Helena Câmara. Professorinhas da Nacionalização: A representação


do professor rio-grandense na Revista de Ensino (1939-1942). Em Aberto, Brasília,
v. 14, n. 61, p.134-143, jan./mar. 1994.

__________. A imprensa de educação e de ensino: Repertórios analíticos. O exemplo


da França. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 12, n. 34, p.166-168,
jan./abr. 2007.
GERTZ, René. O Estado Novo no Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Ed.
Universidade de Passo Fundo, 2005.

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