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História da Diplomacia Brasileira

Compilado a partir do conteúdo do site do Ministério das Relações Exteriores:


http://www2.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/h_diplom/menu_hd.htm
(acessado em 1º e 2 de junho de 2007).

Notas do compilador:
1. Esta compilação não pretende substituir o conteúdo do site, mas apenas
disponibilizar, em formato mais facilmente manuseável, essa importante fonte
de estudo e pesquisa sobre a história da nossa diplomacia.
2. Algumas pequenas alterações foram feitas em relação ao texto original para
corrigir erros de digitação e, em alguns poucos casos, de pontuação. Para
citações, no entanto, recomendo que se recorra ao texto original do site.

1
1. O Legado colonial – A Monarquia ............................................................................... 6
1.1. O Legado colonial ................................................................................................. 6
1.1.1. Colonização e formação territorial do Brasil.................................................. 6
1.1.2. A União Ibérica. Disputas entre Portugal e Espanha...................................... 7
1.1.3. Os tratados de limites ..................................................................................... 8
1.1.4. A Corte Portuguesa no Brasil ....................................................................... 10
1.2. O Período monárquico......................................................................................... 12
1.2.1. A Diplomacia da Independência................................................................... 12
1.2.2. Reconhecimento pelos Estados Unidos........................................................ 14
1.2.3. Reconhecimento pela Grã-Bretanha e Portugal............................................ 15
1.2.4. Convivência com os países vizinhos. A questão cisplatina.......................... 18
1.2.5. Os tratados de comércio ............................................................................... 19
1.2.6. A abdicação .................................................................................................. 21
1.3. O Segundo Reinado ............................................................................................. 21
1.3.1. A Diplomacia nas Regências........................................................................ 21
1.3.2. A maioridade ................................................................................................ 22
1.3.3. O tráfico de escravos e outros problemas com a Inglaterra e a França ........ 23
1.3.4. Questões Platinas (1828-1851) – Antecedentes ........................................... 26
1.3.5. Questões com o Uruguai e a Argentina ........................................................ 28
1.3.6. Relações com o Prata (1852-1864)............................................................... 32
1.3.7. Relações com o Paraguai (1864-1879)......................................................... 38
1.3.8. O Tratado da Tríplice Aliança ...................................................................... 41
1.3.9. A abertura do Amazonas .............................................................................. 44
1.4. Limites com o Uruguai, a Venezuela e o Paraguai.............................................. 46
1.4.1. O Tratado de 1851 com o Uruguai ............................................................... 46
1.4.2. O Tratado de 1859 com a Venezuela ........................................................... 49
1.4.3. O Tratado de 1872 com o Paraguai .............................................................. 49
1.5. O prestígio internacional do Brasil...................................................................... 51
2. A República Velha...................................................................................................... 54
2.1. Introdução............................................................................................................ 54
2.2. Um mundo em transição...................................................................................... 54
2.2.1. O Pan-Americanismo ................................................................................... 54
2.2.2. O impacto da Primeira Guerra Mundial ....................................................... 55
2.3. O advento da República....................................................................................... 55
2.3.1. Do reconhecimento à revolta armada ........................................................... 55
2.4. Vínculos com o sistema econômico internacional .............................................. 57
2.4.1. Transformações da economia cafeeira ......................................................... 57
2.4.2. A presença financeira da Grã-Bretanha........................................................ 57
2.4.3. Sob os efeitos da Primeira Guerra ................................................................ 57
2.4.4. As oscilações dos anos 20 ............................................................................ 58
2.5. A profissionalização da Diplomacia Brasileira ................................................... 59
2.5.1. A gestão do Barão do Rio Branco ................................................................ 59
2.5.2. A obra do Barão se consolida ....................................................................... 59
2.6. Novos rumos na política externa ......................................................................... 60
2.6.1. Diplomacia Republicana .............................................................................. 60
2.6.2. A diplomacia de fronteiras ........................................................................... 60
2.6.3. Diplomacia multilateral ................................................................................ 61
2.6.4. O Brasil na Primeira Guerra ......................................................................... 61
2.6.5. O Brasil e a Liga das Nações........................................................................ 62

2
2.7. Novo relacionamento com os países vizinhos..................................................... 63
2.7.1. Novos ânimos na Bacia do Prata .................................................................. 63
2.7.2. A revisão das relações com a Argentina....................................................... 64
2.7.3. Avanços e retrocessos do Projeto ABC........................................................ 64
2.8. A conclusão de negociações fronteiriças............................................................. 66
2.8.1. Uruguai ......................................................................................................... 66
2.8.2. Venezuela, Bolívia, Peru e Colômbia........................................................... 66
2.8.3. França, Grã-Bretanha e Holanda .................................................................. 67
2.8.4. A Questão da Ilha de Trindade ..................................................................... 68
2.9. Novos vínculos com os Estados Unidos.............................................................. 68
2.9.1. Introdução..................................................................................................... 68
2.9.2. A importância crescente dos laços econômicos ........................................... 69
3. A Era Vargas .............................................................................................................. 70
3.1. Introdução............................................................................................................ 70
3.2. O cenário internacional........................................................................................ 70
3.2.1. A Grande Crise ............................................................................................. 70
3.2.2. Novas realidades na América Latina ............................................................ 71
3.2.3. As mudanças na política externa dos Estados Unidos.................................. 72
3.2.4. O impacto da Segunda Guerra Mundial ....................................................... 72
3.2.5. O reordenamento do Sistema Internacional.................................................. 73
3.3. O Brasil e a economia mundial............................................................................ 73
3.3.1. As iniciativas perante a crise ........................................................................ 73
3.3.2. A importância das negociações externas ...................................................... 74
3.4. Política interna e política externa ........................................................................ 75
3.4.1. Da Revolução de 30 ao Governo Constitucional.......................................... 75
3.4.2. O Estado Novo ............................................................................................. 76
3.4.3. O alinhamento aos Estados Unidos .............................................................. 78
3.4.4. A participação do Brasil na Segunda Guerra................................................ 79
3.4.5. O Brasil no final da Segunda Guerra............................................................ 79
3.4.6. Um novo patamar nas relações com a América Latina ................................ 80
3.4.7. Guerra e Paz na região.................................................................................. 81
3.4.8. A política interna atravessa a fronteira ......................................................... 82
3.4.9. Os campos de cooperação se ampliam ......................................................... 82
4. O período 1945-1964.................................................................................................. 85
4.1. O mundo da Guerra Fria...................................................................................... 85
4.1.1. Introdução..................................................................................................... 85
4.1.2. Surge uma ordem bipolar ............................................................................. 86
4.1.3. A formação do bloco soviético..................................................................... 86
4.1.4. A premissa da contenção na política internacional dos Estados Unidos...... 86
4.1.5. Os riscos da corrida armamentista................................................................ 87
4.1.6. A evolução da Guerra Fria............................................................................ 87
4.1.7. O novo panorama europeu............................................................................ 88
4.1.8. O cenário da descolonização e a formação do Terceiro Mundo................... 89
4.1.9. A América Latina na Guerra Fria ................................................................. 90
4.2. A política externa brasileira no contexto da Guerra Fria..................................... 91
4.2.1. Introdução..................................................................................................... 91
4.2.2. No contexto da democratização.................................................................... 92
4.2.3. Alinhamento nos primeiros anos da Guerra Fria.......................................... 93
4.2.4. A Guerra da Coréia e o acordo militar Brasil–Estados Unidos.................... 94
4.2.5. A controvérsia sobre o petróleo e a expansão do nacionalismo ................... 95

3
4.2.6. A Comissão Mista Brasil–Estados Unidos e a criação do BNDE................ 95
4.2.7. Crise política e relações externas.................................................................. 96
4.2.8. O marco do desenvolvimentismo ................................................................. 97
4.2.9. A Operação Pan-americana (OPA)............................................................... 98
4.2.10. Novas frentes da política externa................................................................ 98
4.2.11. A política externa independente ................................................................. 99
4.3. Os vínculos econômicos externos...................................................................... 102
4.3.1. Os vaivéns da política cambial ................................................................... 102
4.3.2. O papel das missões bilaterais .................................................................... 102
4.3.3. A fragilidade dos vínculos externos ........................................................... 103
4.3.4. A moeda do desenvolvimento .................................................................... 104
4.3.5. Novas negociações para produtos primários .............................................. 104
4.3.6. O estrangulamento externo......................................................................... 105
4.4. Uma nova agenda com a América Latina.......................................................... 106
4.4.1. Introdução................................................................................................... 106
4.4.2. Novos componentes nas relações com a Argentina.................................... 106
4.4.3. A ampliação dos vínculos na América do Sul............................................ 107
5. Os governos militares (1964—1985) ....................................................................... 109
5.1. Introdução.......................................................................................................... 109
5.2. Complexidades da agenda internacional ........................................................... 110
5.2.1. A bipolaridade ............................................................................................ 110
5.2.2. Os Estados Unidos e a Guerra do Vietnã ................................................... 110
5.2.3. A política européia toma novos rumos ....................................................... 111
5.2.4. Estabilidades e rupturas no campo socialista ............................................. 111
5.2.5. Sob os desígnios da Détente ....................................................................... 112
5.2.6. Turbulências econômicas mundiais............................................................ 113
5.2.7. O Terceiro Mundo e o sistema internacional.............................................. 113
5.2.8. Guerra e Paz no Oriente Médio .................................................................. 114
5.2.9. Expansão e retração do multilateralismo.................................................... 114
5.2.10. A contenção revista e revigorada.............................................................. 115
5.3. Novos cenários políticos e econômicos na América Latina .............................. 115
5.4. Evolução da política externa brasileira.............................................................. 117
5.4.1. Sob o impacto dos novos condicionamentos internos ................................ 117
5.4.2. Endurecimento político e auge econômico................................................. 118
5.4.3. A política externa modifica suas premissas................................................ 121
5.4.4. A Base Conceitual ...................................................................................... 121
5.4.5. A Diversificação da Agenda....................................................................... 122
5.4.6. As Relações com os Estados Unidos.......................................................... 123
5.4.7. Novos Vínculos com o Mundo Industrializado.......................................... 123
5.4.8. A continuidade da política externa ............................................................. 124
5.4.9. Novas Diferenças com os Estados Unidos ................................................. 124
5.4.10. Uma Agenda Diplomática Ampliada ....................................................... 125
5.5. Os vínculos econômicos externos...................................................................... 126
5.6. Reforço nas relações com a América Latina ..................................................... 129
5.6.1. A diplomacia das cachoeiras ...................................................................... 129
5.6.2. Amplia-se a agenda cooperativa................................................................. 130
6. O período democrático ............................................................................................. 133
6.1. Transição e consolidação democrática (1985—2000)....................................... 133
6.2. A caminho de uma nova ordem mundial........................................................... 133
6.2.1. A Guerra Fria acelera sua contagem regressiva ......................................... 133

4
6.2.2. Os primeiros tempos pós-guerra fria .......................................................... 134
6.2.3. Uma nova agenda global ............................................................................ 136
6.2.4. A América Latina no pós-guerra fria.......................................................... 137
6.2.5. Ventos democráticos no cone sul ............................................................... 137
6.3. Política Externa e democratização..................................................................... 138
6.3.1. Introdução................................................................................................... 138
6.3.2. Sob o impacto da democratização .............................................................. 138
6.3.3. Transição democrática e política externa ................................................... 139
6.3.4. Relações difíceis com os Estados Unidos .................................................. 140
6.3.5. No contexto da consolidação democrática ................................................. 140
6.3.6. Sob o efeito da crise interna ....................................................................... 141
6.3.7. A democracia consolidada.......................................................................... 143
6.3.8. A autonomia pela integração ...................................................................... 143
6.4. Transição e restrições externas .......................................................................... 145
6.4.1. Introdução................................................................................................... 145
6.4.2. Expectativas frustradas ............................................................................... 145
6.4.3. Sob o impacto do plano real ....................................................................... 146
6.5. A América Latina como prioridade ................................................................... 147
7. O Brasil e o mundo no século XXI........................................................................... 150
7.1. Introdução.......................................................................................................... 150
7.2. O Brasil e o futuro das relações internacionais ................................................. 151
7.3. Uma análise baseada no quadro real ................................................................. 152
7.4. Alguns desdobramentos previsíveis nas relações internacionais nos próximos
vinte e cinco anos ..................................................................................................... 153
7.4.1. A homogeneização da vida internacional................................................... 153
7.4.2. Intensificação da diplomacia econômica.................................................... 154
7.4.3. Uma agenda política carregada ainda de conflitos e desafios .................... 156
7.4.4. A nova realidade das colônias brasileiras no Exterior................................ 159
7.5. O Brasil e o mundo no início do século XXI .................................................... 159

5
1. O Legado colonial – A Monarquia
Embaixador João Hermes Pereira de Araújo

1.1. O Legado colonial


1.1.1. Colonização e formação territorial do Brasil
A descoberta da América em 1492 e a do Brasil em 1500 inserem-se no ciclo das
navegações em busca do melhor caminho para as Índias. Eram os tempos modernos que
se iniciavam com um movimento geral de renovação, o Renascimento, caracterizado
pelo espírito mais aberto e crítico do humanismo, o maior conhecimento da Antigüidade
clássica, grande surto das artes e o desenvolvimento das ciências, inclusive as que se
relacionavam com a arte de navegar. A carência dos metais preciosos na Europa, a sede
de especiarias e os mitos então correntes sobre as riquezas do Oriente impulsaram
portugueses e espanhóis a procurar novas terras, avançando sobre mares desconhecidos.
Os primeiros o fizeram sistematicamente, contornando primeiro toda a África; os
segundos, de maneira quase surpresiva, ante o êxito da viagem de Colombo.
Portugal e Espanha, empenhados, assim, em atividades exploratórias, comerciais e
colonizadoras cada vez mais arrojadas, cedo verificaram serem conflitantes seus
interesses. Procuraram, portanto, garantir terras e ilhas descobertas ou por descobrir,
recorrendo ao arbítrio da Cristandade a quem se reconhecia, então, não só a supremacia
espiritual, mas também um direito temporal universal que incluía a livre disposição de
territórios não sujeitos a príncipes cristãos.
A Corte de Lisboa havia já obtido, por bulas de vários pontífices, amplas
prerrogativas e mesmo a confirmação do domínio sobre ilhas e portos descobertos e por
descobrir na costa da África e na restante rota para as Índias. Os Reis Católicos, após a
viagem de Colombo, recorreram ao também espanhol Alexandre VI e dele obtiveram
vários privilégios, alguns dos quais colidiam com as anteriores concessões aos
portugueses. Para equilibrá-los, resolveu o Pontífice, a 4 de maio de 1493, pela bula
intercoetera ou da partição, dividir as concessões espanholas das portuguesas através de
uma linha ou meridiano de pólo a pólo, a cem léguas das Ilhas dos Açores e Cabo
Verde, passando a pertencer o que dessa linha ficasse para o oriente às conquistas de
Portugal e para o poente às da Espanha. Esta concessão não foi naturalmente do agrado
do Governo de Lisboa, que contra ela protestou.
Celebrou-se, então, entre os dois monarcas, em Tordesilhas, o Tratado de 7 de
junho de 1494, que estipulou que a linha estabelecida pelo Sumo Pontífice se suporia
traçada a 370 léguas para o poente das referidas ilhas, ampliando-se, assim, a favor de
Portugal, as 100 léguas antes consagradas. Apesar, porém, de prevista no Tratado,
nunca se realizou a demarcação das 370 léguas, obrigação prorrogada e definitivamente
esquecida pelas duas Coroas. O meridiano de Tordesilhas, apesar de nunca demarcado e
de ser de impossível localização no interior do país, passaria ao norte em Belém do Pará
e no sul em Laguna, Santa Catarina.
Apesar das compreensíveis dificuldades, conseguiram os luso-brasileiros fixar-se
nas costas do Brasil desde o Oiapoque, ao norte, à baía de Paranaguá, em Santa
Catarina, ao sul.
O embaixador Synésio Sampaio Góes, em seu livro Navegantes, Bandeirantes,
Diplomatas (FUNAG, IPRI, Brasília, 1991, pp. 9 e 10) sintetiza, com felicidade, a
penetração dos luso-brasileiros muito além da linha das Tordesilhas:
“No fim do séc. XVI surgiu, entretanto, um fenômeno histórico diverso: um conjunto
denso de ações de penetração territorial, com origem num único local, objetivo
predominante de caça ao índio e que desrespeitava com freqüência a demarcação de
Tordesilhas. Bandeirismo chama-se esse movimento, que cria na cidade de São Paulo,
aproximadamente entre 1580 e 1730, uma sociedade de características especiais (...)
De outro ponto do território, Belém fundada em 1616, subindo o rio Amazonas e seus
afluentes, outros homens, mestiços de índios em sua maioria, como em São Paulo, e com
os mesmos objetivos econômicos, também foram se apossando de lugares que deveriam
ser espanhóis pela partilha de 1494. Pedro Teixeira, em 1642, teria chegado a fundar uma
povoação, Franciscana, em pleno equador atual; mas a fronteira acabou se fixando mais a
leste na boca do rio Javari. Na margem norte do Amazonas os luso-brasileiros foram
subindo os rios Negro e Branco, até quase suas nascentes; na margem sul subiram os
compridos rios Madeira, Purus e Juruá, até onde puderam. E, assim já nas primeiras
décadas do séc. XVIII, tinham completado o feito excepcional de ocupar os pontos
estratégicos da imensa bacia amazônica.
Em 1718, bandeirantes de São Paulo descobriram ouro em Cuiabá. Para manter contato
com essa área longínqua estabeleceu-se um sistema de transporte através de rios que é uma
das originalidades da história do Brasil, as “monções”. Eram comboios de canoas que, por
mais de cento e cinqüenta anos, ligaram São Paulo aos centros mineradores do oeste.
Dessas minas, o movimento expansionista atravessou o então chamado “mato grosso do rio
Jauru” (que deu nome ao futuro estado) e atingia as margens do Guaporé, onde novas
minas foram descobertas em 1734: da bacia do Prata os bandeirantes paulistas passaram à
do Amazonas. Em pouco tempo estabeleceu-se a ligação com Belém, pelo rio Madeira,
também por comboios de canoas, as “monções do norte”. Com elas, os dois movimentos
de penetração se encontravam: era a ligação entre os estados do Brasil e do Maranhão que
afinal se estabelecia (...).
De ambas as penetrações, a pé e depois em canoas a partir de São Paulo, sempre em
canoas a partir de Belém, resultou o acontecimento fundamental do período colonial: a
dilatação do território brasileiro muito além de Tordesilhas”.

1.1.2. A União Ibérica. Disputas entre Portugal e Espanha


Quando do reconhecimento de D. João IV pelo Governo de Madri, em 1668, não
cogitaram os dois monarcas dos limites de suas possessões americanas.
Entretanto, a incerteza sobre a linha divisória cedo iria fazer com que a Coroa
portuguesa resolvesse fundar sobre o Rio da Prata, bem em frente de Buenos Aires, a
Colônia de Sacramento, que durante um século e meio (1680-1828) foi o centro e o
símbolo das divergências entre Portugal e Espanha.
Quanto ao litoral sul, o longo trecho entre o Cananéia, a ilha de Santa Catarina,
Laguna e o Rio da Prata, ainda deserto em 1580, passou a merecer atenção especial do
governo de Lisboa. Já em 1671, conseguiu Portugal que a Santa Sé, ao criar a Diocese
do Rio de Janeiro, estendesse sua jurisdição espiritual até o grande curso fluvial austral
e, em 1676, foi aquele território concedido em sesmaria a membros da poderosa família
Corrêa de Sá. Eram atos que procuravam indicar exercício de soberania.
Outros argumentos eram esgrimidos para justificar a fundação do baluarte
português, como a prioridade do descobrimento do Rio da Prata e a busca dos limites
naturais. Paralelamente à motivação política, explicando-a e tornando-a premente,

7
estava, porém, o interesse econômico, a preocupação de manter e incrementar o
comércio não legal com Buenos Aires, que propiciava ao Brasil, carente de prata, a
obtenção mais ou menos abundante deste metal, através dos “peruleros” que desciam do
Alto Peru, trocando sua cobiçada mercadoria pelo não menos desejado escravo negro de
suma utilidade ao trabalho crescente das minas do altiplano.
Fundada, assim, a Colônia do Sacramento em 1º de Janeiro, já em agosto de 1680
estava a mesma conquistada e destruída pelo governador de Buenos Aires. Não podia
ela ser aceita pelo vizinho espanhol.
Diante, porém, da indignação do soberano português, recuou o Governo de Madri
que, no início de 1683, restituiu a Colônia a Portugal. O novo rei da Espanha Felipe V
em 1701, renunciou a todo direito sobre aquela praça. Passando, entretanto, Portugal
para a coalizão que, na Europa, apoiava as pretensões do Arquiduque Carlos de
Habsburgo ao trono da Espanha, a Guerra da Sucessão repercutiu na Colônia. Atacada
por forças de Buenos Aires, em 1701-1705, foi abandonada pelas tropas portuguesas,
permanecendo em mãos dos castelhanos até o Tratado de Utrecht de 1715, graças ao
qual voltou ao domínio português.
Naquela mesma cidade, havia também o Governo de Lisboa conseguido, em
Tratado celebrado com a França em 1713, plena satisfação quanto às fronteiras na
região norte do país, tanto ao ser garantido o Rio Oiapoque ou Vicente Pinzón como
limite entre os dois territórios, como ao reconhecer como portuguesas as duas margens
do Rio Amazonas. Não tendo sido anulado nem denunciado, este Tratado foi o único da
época colonial, referente a limites, que se manteve vigente após a Independência.
No sul, iniciou-se então um período de competição entre os Governadores de
Buenos Aires e da Colônia, ambos compreensivelmente interessados na fundação de
outras povoações na margem esquerda do Prata. Levou a melhor parte o representante
do Governo espanhol que fundou Montevidéu em 1726, o que de um lado, tornou mais
difíceis as comunicações terrestres entre a Colônia e o Rio de Janeiro e, de outro,
propiciou a criação, pelo Governo portenho, da Banda Oriental.
Sob o pretexto de pequeno incidente diplomático em Madri, as duas Coroas
romperam relações sem chegarem, porém, a hostilidades, o que não se verificou na
América, onde o Governador de Buenos Aires resolveu atacar a Colônia cuja guarnição
resistiu 23 meses, de 1735 até 1737, quando, ante a notícia do armistício celebrado entre
as metrópoles, foi o cerco levantado. No mesmo ano de 1737, novo posto avançado dos
domínios portugueses foi criado: a Colônia do Rio Grande de São Pedro, transformada
em capitania dois anos depois.

1.1.3. Os tratados de limites


Aproveitando as condições favoráveis vigentes depois de 1748, Portugal e
Espanha, reconhecendo a obsolescência da linha de Tordesilhas, entabularam
negociações que se notabilizaram pelo alto espírito que as animou e pela objetividade
com que foram diagnosticadas e enfrentadas as questões pendentes. A grande figura que
se distinguiu, então, foi a do santista Alexandre de Gusmão, secretário de D. João V,
com justiça considerado o avô dos diplomatas brasileiros. Celebrou-se, assim, o Tratado
de Madri, de 13 de Janeiro de 1750.
O próprio preâmbulo indicava claramente seus dois fins mais importantes:
“O primeiro e mais principal é que se assinalem os limites dos dois Domínios,
tomando por balizas as paragens mais conhecidas, para que em nenhum tempo se

8
confundam nem dêem ocasião a disputas, como são a origem e curso dos rios e os
montes mais notáveis. O segundo, que cada parte há de ficar com o que atualmente
possui; à exceção das mútuas concessões que em seu lugar se dirão”.
Consagravam-se, assim, de um lado, o abandono do meridiano de Tordesilhas e de
todas as decisões anteriores sobre limites, e, de outro, a aceitação do uti possidetis que
passou a ser o grande princípio orientador da diplomacia brasileira. Ficaram, pois, sob a
soberania de Portugal todos os territórios por ele ocupados no rio Amazonas e em Mato
Grosso. O Brasil passou a ter, então em geral a forma que tem hoje.
Estabeleceu, por outro lado, o Tratado, a troca da Colônia do Sacramento pelos
Sete Povos das Missões, na margem esquerda do rio Uruguai, de onde, entretanto,
deveriam sair “os missionários com todos os móveis e efeitos, levando consigo os
índios para os aldear em outras terras de Espanha”. Esse êxodo forçado de cerca de
30.000 aldeados que não podiam compreender a desumana decisão, provocou a Guerra
Guaranítica, que durou dez anos, durante os quais as tropas de Portugal e Espanha
esmagaram os indígenas rebeldes. Esse episódio foi uma das compreensíveis
dificuldades aos trabalhos de demarcação.
Estatuía ainda o texto contratual a conservação da paz nos domínios americanos,
mesmo quando as Partes Contratantes estivessem em guerra na Europa, dispositivo
verdadeiramente pioneiro nos usos internacionais de então.
Apesar de seus reais méritos e do espírito de conciliação com que foi negociado, o
Tratado de Madri despertou, desde o início, antipatias na Espanha e em Portugal. Em
Madri, o novo soberano Carlos III, considerava-o lesivo aos interesses de sua coroa; em
Lisboa, Pombal, o onipotente ministro de D. José I (que acabava de subir ao trono),
insurgiu-se também contra o Tratado de 1750 principalmente pela guerra guaranítica
que havia suscitado. Não é, pois, de admirar tenha sido ele pura e simplesmente anulado
em 1761 pelo Tratado de El Pardo.
Sobrevindo, entretanto, hostilidades entre os dois governos, envolvidos, em
campos opostos, na Guerra dos Sete Anos, foi a Colônia do Sacramento pela quarta vez
atacada, rendendo-se a guarnição portuguesa às tropas espanholas comandadas pelo
Governador de Buenos Aires, D. Pedro de Cevallos, que prosseguiu na invasão de
territórios sempre considerados portugueses no Rio Grande do Sul. Sobrevindo, porém,
a paz, o Tratado de Paris estatuiu a restituição das terras invadidas. Cevallos, entretanto,
só entregou a Colônia, retendo o Rio Grande que, só mais tarde, voltaria às mãos dos
luso-brasileiros.
Essa Província passou, assim, a ser o ponto essencial das divergências. Portugal
somente em 1776 pôde recuperar seus territórios, com o que não concordou a Espanha.
Nada conseguindo por via diplomática, enviou, então, o Governo de Madri grande
expedição de 13.000 homens comandados por Cevallos, que retornava à América
austral como vice-rei do Prata. Conseguiu tomar a Ilha de Santa Catarina, sendo
impedido, porém, por ventos contrários, de atacar as costas do Rio Grande. Entrou,
entretanto, no Rio da Prata, atacando, tomando e destruindo a Colônia do Sacramento.
Falecendo, porém, D. José, subiu ao trono D. Maria que afastou Pombal do
governo, o que permitiu a celebração do Tratado de San Ildefonso de 1777 pelo qual a
Espanha devolvia a ilha de Santa Catarina ficando, porém, com o território da Colônia e
os Sete Povos das Missões. Embora consagrasse o uti possidetis, o Tratado foi
reconhecidamente favorável à Espanha.

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Sobrevindo à Revolução Francesa e à ascensão de Bonaparte, Carlos IV de
Espanha, ligado a Napoleão, foi levado à guerra com Portugal em princípio de 1801. Na
Europa, o território metropolitano foi invadido. No Brasil, porém, os portugueses foram
mais felizes, pois reconquistaram os Sete Povos, fixando-se definitivamente a fronteira
do Brasil no arroio Chuí. Foi, então, firmado em Badajoz, o Tratado de 6 de junho de
1801 que não invalidou o de San Ildefonso nem restabeleceu o status quo ante bellum.
Pelo princípio do uti possidetis ficaram assim incorporados ao Brasil os territórios que
haviam sido conquistados no Rio Grande.

1.1.4. A Corte Portuguesa no Brasil


Ante a ameaça da ocupação de Lisboa pelas tropas de Junot, o príncipe regente
D.João, em 1808, resolveu transferir a corte para o Brasil, o que fez com o apoio do
governo inglês.
No que diz respeito à política externa, o príncipe regente, ao chegar ao Brasil,
tomou várias medidas de grande repercussão. A anexação de Caiena, em 1809, que
permaneceu em mãos do governo português até 1817, constituiu resposta à invasão do
Reino pelas tropas napoleônicas. A abertura dos portos às nações amigas, seguramente o
primeiro passo importante para a independência, possibilitou aos brasileiros um pacífico
contato com o exterior.
Como contrapartida pelo apoio recebido, o governo português concordou em
celebrar o Tratado de Comércio de 1810, com a Inglaterra. Considerado leonino contra
Portugal, foi o responsável pelo desaparecimento das indústrias de lã na Metrópole. As
mercadorias inglesas em vez de 24% ad valorem, como as estrangeiras, ou 16%, como
as portuguesas, entravam no Brasil pagando apenas 15%. Somente continuavam
protegidas as exportações portuguesas de vinho e azeite. Apesar de desequilibrado e
lesivo aos interesses de Portugal esse Tratado contribuiu, naturalmente, para baixar o
custo de vida no Brasil.
A questão da Colônia do Sacramento que marcara tragicamente a história do Prata
nos séculos anteriores, adquiriu contornos novos com a transladação da corte portuguesa
para o Rio de Janeiro e a independência de Buenos Aires, em 1810. As Províncias
Unidas do Rio da Prata desejosas de restaurar o Vice-Reinado, não conseguiram atrair o
Alto-Peru (Bolívia) e o Paraguai.
Como Montevidéu continuasse sob o domínio espanhol, o Governo de Buenos
Aires passou a auxiliar os uruguaios partidários da independência, o que provocou
guerrilhas que chegaram a perturbar a região fronteiriça com o Brasil. Com o fito de
resolver essa situação e o intuito de garantir o território à dinastia de Bourbon,
substituída no trono espanhol por um irmão de Napoleão, Portugal invadiu a Banda
Oriental em 1811, retirando-se no ano seguinte após a celebração de armistício.
Entre 1811 a 1816, entretanto, prosseguiram as agitações naquele território.
Persistiam as pretensões anexionistas de Buenos Aires que aumentava seu apoio aos
uruguaios os quais, com o auxílio dos portenhos, conseguiram a capitulação das tropas
espanholas.
Continuavam, porém, as violações à fronteira brasileira, o que levou o governo
português a invadir de novo a Banda Oriental em 1816, instalando-se em Montevidéu
um governo chefiado por Carlos Frederico Lecor, que criou o governo da Província
Cisplatina, incorporada ao Reino Unido em 1821.

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Com a queda de Napoleão, a Europa procurou restaurar sua vida política através
do Congresso de Viena. Nesse período, foi o Brasil elevado à categoria de Reino Unido
ao de Portugal e Algarves, curiosamente por sugestão de Talleyrand.
A posição de Portugal em Viena não foi fácil. Além da questão de prestígio
internacional que se resolveu incluindo-o entre as oito potências da Comissão Diretora,
outras havia relacionadas com temas também dos mais importantes, como a abolição do
tráfico, o Tratado de Comércio de 1810, a restituição, pela Espanha, de Olivença e do
território de Jurumenha, os limites com a Guiana Francesa e a Colônia do Sacramento.
Quanto à questão do tráfico, Portugal conseguiu que o tema não fosse incluído na
Ata Final. Diante, porém, da campanha dirigida pela Grã-Bretanha, este assunto, de
incontrastável aspecto ético, permaneceu como punctum dolens no relacionamento do
governo de Londres com os de Lisboa e do Rio de Janeiro. Em Viena, foram concluídos
instrumentos que proibiam essa prática imoral na costa da África ao norte do Equador.
O Tratado de Comércio com a Inglaterra continuou vigente, inclusive para o
Brasil independente até que se celebrasse o Tratado de Amizade, Navegação e
Comércio de 1827 que praticamente mantinha para a Inglaterra os privilégios de 1810.
No que diz respeito aos limites com as Guianas, Portugal aceitou restituir o território
ocupado em 1809, até o Oiapoque, de acordo com o Tratado de Utrecht. Quanto à
Colônia do Sacramento, a situação se modificou com a instalação em Montevidéu, em
1816, de um Governo português.
Assim, ao ser proclamada a Independência, o legado diplomático herdado de
Portugal poderia ser assim resumido:
a) não mais vigoravam, entre Portugal e Espanha, os tratados sobre limites
celebrados na época colonial, devendo-se, assim, recorrer, nas dúvidas, ao uti possidetis,
segundo o pensamento brasileiro;
b) vigorava, porém, o Tratado de Utrecht de 1715, celebrado entre Portugal e
França, no que dizia respeito à fronteira norte, não se tendo feito, porém, demarcações;
c) a questão da Colônia do Sacramento adquiria contornos novos com a invasão
da Banda Oriental por forças portuguesas, que haviam instalado em Montevidéu um
governo chefiado por Carlos Frederico Lecor;
d) permanecia vigente o Tratado de Comércio com a Inglaterra de 1810, que “por
vontade do Imperador” continuaria em vigor no Brasil independente até à celebração do
Tratado de 1827;
e) a questão do tráfico tornara-se de suma importância e atualidade e
condicionaria, em grande parte, as posições diplomáticas do Império recém-criado.

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1.2. O Período monárquico
1.2.1. A Diplomacia da Independência
As circunstâncias muito especiais que circundaram a independência do Brasil não
só cedo se refletiram na atitude com que os governos das potências européias e dos
Estados Unidos da América passaram a encarar a nova situação, mas também tiveram
repercussão na maneira com que se processou o reconhecimento do Império e em que se
desenvolveram a diplomacia e a própria história da nova monarquia.
A independência do Brasil, proclamada a 7 de setembro de 1822 pelo próprio
príncipe herdeiro do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e sua posterior
aclamação, não poderiam deixar de criar, para o novo Império, situação muito distinta, e
indiscutivelmente mais complexa, da que se produziu quando da emancipação das
antigas colônias espanholas. Nessas, o corte era mais radical, pois não havia nenhum
aspecto de transmissão legítima de soberania, o que era, de certo modo, mais atentatório
aos princípios defendidos pela Santa Aliança. No caso excepcional do Brasil, entretanto,
se esse problema da legitimidade parecia contornado, questão paralela subsistia - a da
aceitação da independência pelo rei de Portugal considerado o legítimo soberano do
então reino do Brasil.
Por outro lado, o fato de não se ter definido, paralelamente com a independência,
o problema da sucessão ao trono de Portugal, deixou pairar, em muitos espíritos, a idéia
de que, no fundo, se instituíra uma União Pessoal que, após o falecimento de D. João
VI, sucederia naturalmente ao Reino Unido, criado em 1815. Essa questão, passando
por várias vicissitudes, iria ser, anos mais tarde, uma das causas principais da abdicação
do 1º Imperador, em 1831.
A grande dificuldade que tiveram que enfrentar, no momento de sua
independência, as antigas colônias espanholas e o Brasil, residiu, entretanto, no espírito
que animava a Santa Aliança, ciosa de defender a legitimidade e o governo absolutista,
contra os embates com que se viram atingidos, principalmente após a Revolução
Francesa e a tempestade napoleônica.
Felizmente para as novas nações da América Latina, a Santa Aliança não se
apresentava, então, como um bloco político homogêneo e coeso, sendo inquestionáveis
as posições reticentes do Governo de Londres e, sob certos aspectos, da própria Coroa
da França. É verdade que Jorge IV e a maioria do Ministério, Wellington à frente,
tinham uma posição indubitavelmente reacionária, conforme aos cânones da Santa
Aliança.
Castlereagh, primeiro ministro, não escondia tendências idênticas e foi só após seu
suicídio e a ascensão de George Canning, que ares liberais deram nova vida à política
britânica. A posição do Czar parecia inquebrantável no apoio à legitimidade e à guerra a
governos representativos. Suas pretensões no Oriente, entretanto, o levavam a suscitar
desentendimentos entre seus colegas da Europa ocidental, para os enfraquecer e deixar-
lhe aberto o caminho almejado de Constantinopla.
Na Áustria, o Imperador Francisco se sensibilizava com os pedidos e com o
próprio destino de sua filha Leopoldina, enquanto Metternich não se deixava influenciar
senão pelo que, a seu juízo, era do interesse austríaco, no contexto incerto da Europa
restaurada.

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A França da Restauração tinha também posição dúbia: de um lado, seu apego à
legitimidade, que explicava aliás a presença, em Paris, dos representantes da Branche
ainée dos Bourbons; e, de outro, sua consciência pragmática de que não poderia deixar à
Inglaterra as glórias e as vantagens da prioridade de um reconhecimento e do rápido
estabelecimento de relações, inclusive comerciais. A posição da Espanha em relação a
suas antigas colônias não poderia ser comparada à de Portugal para com o Brasil. Em
relação àquelas, não tinha o Governo de Madri outra preocupação senão restaurar a
ferro e fogo, como o tentara Pablo Morillo na Grã-Colômbia, seu poder e suas
vantagens de Metrópole colonial.
Portugal tinha que ver com olhos distintos a parte maior, mais rica e mais
promissora do próprio Reino Unido que se desligara da mãe-pátria, em um momento
difícil da monarquia, sob o comando do próprio herdeiro da Coroa.
Era nesse contexto internacional que o novo Império começava sua vida
independente. Sua primeira preocupação foi, naturalmente, ingressar no concerto das
Nações e, para tanto, desenvolveu ampla atividade que só se viu coroada de completo
êxito após o Tratado de 1825, assinado com Portugal. A questão da escravidão e
principalmente a do tráfico de escravos já haviam deixado Portugal em situação
constrangedora no Congresso de Viena. Desde os primeiros contatos entre os
diplomatas brasileiros e o Governo inglês, se verificou que esse tema era considerado
prioritário para a Grã-Bretanha. Chegou-se a pensar, inclusive, em que uma fórmula
talvez aceitável fosse o reconhecimento versus a abolição do tráfico. Premido,
entretanto, pelos grandes proprietários e incapaz de imaginar uma solução para o
trabalho agrícola, o Império conseguiu ir postergando a solução do assunto que só se
resolveu em 1850, com a Lei Euzébio de Queiroz, que extinguiu o tráfico, e com a de
1888, que declarou extinta a escravidão. Não pode deixar de ser considerada uma
mancha lamentável na História do Brasil.
Pesada herança coube ao Império na conturbada Bacia do Prata. A província
Cisplatina, unida primeiro ao Reino Unido e, após, ao Império, se rebelara, apoiada pelo
governo de Buenos Aires que sonhava com a sua integração às Províncias Unidas do
Rio da Prata. Daí resultou a guerra que só terminaria definitivamente com a mediação
da Grã-Bretanha e a celebração, entre o Império e as Províncias Unidas, de uma
convenção na qual cada parte contratante renunciava às suas pretensões em relação a
um novo estado, a República Oriental do Uruguai. Foi o desfecho dos embates em que
se viram envolvidos Portugal e Espanha desde 1680.
A grave questão comercial com a Grã-Bretanha, que tantas dificuldades causara a
Portugal, projetou-se também, como era natural, na realidade do Brasil independente,
vendo-se o governo de D. Pedro I levado a celebrar o malfadado Tratado de 1827.
Paralelamente, o problema da sucessão à Coroa portuguesa que não fora solucionado
quando do reconhecimento da Independência, adquiriu atualidade com o falecimento de
D. João VI, em 1826. O Imperador não hesitou em abdicar a coroa de seus antepassados
em favor de sua filha D. Maria da Glória. As complicações de toda ordem que se
verificaram neste contexto obrigaram D. Pedro e sua diplomacia a se preocuparem com
a situação do velho Reino, o que, em grande parte, contribuiu para a impopularidade do
Imperador no Brasil e finalmente para sua abdicação em 1831.
Após a partida de D. João VI para Lisboa, a situação de certa forma indefinida do
governo do Príncipe Regente D. Pedro, especialmente depois da Revolução liberal em
Portugal, a partir da qual o Rei ficou praticamente sob custódia, refletia-se de maneira
sugestiva nas relações do Reino do Brasil com outros Estados. A 6 de agosto de 1822,

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assinou o Príncipe Manifesto aos Governos e Nações Amigas, da lavra de José
Bonifácio, Ministro do Reino e dos Estrangeiros, no qual declarou estar pronto a receber
os seus ministros e agentes diplomáticos e enviar-lhes os seus.
Dias depois eram designados os primeiros encarregados de negócios nos Estados
Unidos da América, Inglaterra e França. Para o primeiro país, Luiz Moutinho Lima
Alvares e Silva, Oficial-mor da Secretaria dos Negócios Estrangeiros; para Londres, o
Marechal de Campo Caldeira Brant, futuro Marquês de Barbacena; e, para Paris,
Manuel Rodrigues Gameiro Pessoa, mais tarde Visconde de Itabaiana, substituído,
quando designado para assessorar Caldeira Brant, por Domingos Borges de Barros
(Visconde da Pedra Branca). Para Roma seguiu Monsenhor Francisco Correa Vidigal.

1.2.2. Reconhecimento pelos Estados Unidos


Aos Estados Unidos da América, república recém-independente, interessava,
naturalmente, a emancipação das colônias ibéricas do continente. Tão logo conseguiu
adquirir a Flórida à Espanha, em 1819, o Governo de Washington incentivou contatos
com as ex-colônias espanholas, reconhecendo-as Monroe em 1822 e enviando-lhes
agentes diplomáticos.
Com o novo Império do Brasil, apesar da diferença das formas de governo, não
havia maiores dificuldades, ambos conscientes do interesse recíproco de iniciar as
relações diplomáticas e intensificar as comerciais. Logo após o Manifesto aos Governos
e Nações Amigas, de agosto de 1822, o Príncipe Regente D. Pedro resolvera designar o
Oficial-mor da Secretaria dos Negócios Estrangeiros Luiz Moutinho Lima Alvares e
Silva, Encarregado de Negócios naquele país. Em janeiro de 1824, julgados
imprescindíveis os serviços de Moutinho na Secretaria de Estado, mas não desejando o
Imperador deixar por mais tempo vago o lugar de um representante seu em Washington,
resolveu designar para essas funções José Silvestre Rebelo, português de nascimento,
mas de dedicação absoluta à nova pátria, que iria demonstrar no desempenho de suas
funções tato e habilidade invulgares. Tendo chegado a Washington em abril de 1824,
foi, poucos dias depois, recebido pelo Secretário de Estado John Quincy Adams que,
para surpresa de seu interlocutor, lhe disse que, até aquela data, não recebera nenhuma
comunicação oficial sobre os acontecimentos ocorridos no Brasil.
Silvestre Rebelo apressou-se em enviar-lhe, a respeito, uma exposição detalhada.
Em outra entrevista, Quincy Adams pediu esclarecimentos sobre alguns pontos,
inclusive sobre o comércio da escravatura e a respeito do que pensava o Governo
imperial relativamente aos tratados existentes entre o antigo Governo e várias nações
estrangeiras, tendo o diplomata esclarecido que o Imperador já havia declarado que
todos os Tratados existentes seriam plenamente respeitados. Em 26 de maio do mesmo
ano de 1824, foi Silvestre Rebelo introduzido, pelo Secretário de Estado, junto ao
Presidente James Monroe. Com justo orgulho o Encarregado de Negócios do Brasil
informava que 59 dias após sua chegada ao país cumpria a mais importante parte de sua
missão. Foram os Estados Unidos da América o primeiro Governo a reconhecer a
Independência do Brasil.
Já antes, a 1º de agosto o Príncipe em manifesto aos brasileiros, afirmava que a
Europa, que reconheceu a independência dos Estados Unidos e que ficou neutral na luta
das colônias espanholas, não pode deixar de reconhecer a do Brasil que, com tanta
justiça e tantos meios de recursos procurava também entrar na grande família das
nações. Essas esperanças, entretanto, não se confirmaram imediatamente tais as
dificuldades que envolviam o assunto.

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1.2.3. Reconhecimento pela Grã-Bretanha e Portugal
A situação na Inglaterra parecia propícia às novas nações latino-americanas.
Principalmente depois do suicídio de Castlereagh e com o advento de George Canning,
aquela nação ia se afastando, cada vez mais, do ideário legitimista e absolutista da Santa
Aliança. Afirmavam-se as preocupações comerciais ao mesmo tempo em que ia
ganhando espaço a campanha contra a escravidão e, diretamente, contra o tráfico de
escravos. Dentro desses parâmetros desenvolveu-se a diplomacia de Canning em
relação às antigas colônias latino-americanas e, naturalmente, ao Brasil.
Caldeira Brant, de acordo com as instruções que recebera antes do 7 de setembro,
procurava obter o reconhecimento do Governo do Príncipe Regente dentro do contexto
que se criara com a Revolução liberal que tinha, na prática, o rei sob custódia.
Propugnava-se, então, pela autonomia do Reino do Brasil dentro do contexto do Reino
Unido. Desde o primeiro momento, percebeu o diplomata brasileiro que podia contar
com a simpatia do Ministro, se bem que o Rei e os demais integrantes do Gabinete não
se sensibilizavam por sua causa. Um único problema grave parecia existir: o do tráfico
de escravos. Em um primeiro momento, aliás, parecia ser esta a única condição
importante para o reconhecimento. O assunto era delicado.
Dois acontecimentos vieram modificar o curso desses primeiros entendimentos.
De um lado, a notícia da proclamação da Independência e da aclamação do Imperador
criaram o que chamou Canning de grave contradição com o quadro descrito no primeiro
momento, que não previa a separação de Portugal. De outro, com a Revolução da
Villafrancada, em 1823, foram derrubadas as Cortes portuguesas, voltando D. João VI a
ter, teoricamente, liberdade de agir. Foi nesse momento que Brant deixou suas funções,
regressando ao Brasil, sendo substituído por Hipólito José da Costa, que faleceu pouco
depois, e por Gameiro que estava em Paris.
Uma nova fase se abria no quadro das negociações. O Governo imperial resolvera
mandar retornar Caldeira Brant, de modo que, em Londres, as conversações passaram a
ser levadas a cabo, do lado brasileiro, pelos dois ilustres diplomatas. Desde seu primeiro
novo contato com Canning, ficou Brant persuadido de que a Grã-Bretanha nada faria
antes de saber o resultado da negociação que Portugal tentava entabular com o Brasil.
Tiveram mesmo Brant e Gameiro conversações com o ministro português, Conde de
Vila Real, em cujas instruções, entretanto, não figurava qualquer autorização para tratar
do reconhecimento do novo Império. Diante desse impasse, resolveu Canning redigir e
apresentar projeto de tratado calcado, em grande parte, no documento que os
negociadores brasileiros haviam preparado no início das conversações, com a diferença,
porém, de que em um artigo secreto tratava-se de espinhosa questão da sucessão da
coroa de Portugal, assunto para o qual eram os diplomatas brasileiros que careciam de
instruções.
Segundo o dispositivo redigido por Canning, se D. Pedro renunciasse ao trono
português, as Cortes teriam que decidir qual dos filhos do Imperador o sucederia.
Procurava-se, assim, afastar D. Miguel, fortemente propenso às idéias absolutistas. Para
a Corte do Rio de Janeiro, o assunto da sucessão deveria ser naturalmente tratado com
extrema prudência e assim mesmo em último caso. Era natural que D. Pedro desejasse
manter a questão em aberto para poder agir como as circunstâncias o indicassem no
momento oportuno, isto é, ao falecer seu pai. O desejo de obter o reconhecimento da
independência do Brasil, entretanto, era tal que os diplomatas brasileiros foram

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autorizados, em última instância, a assinar, em nome do Imperador e de seus herdeiros,
a renúncia à coroa portuguesa. Não foi necessário chegar a esse extremo.
As conversações com o representante português em Londres não progrediam. A
presença de diplomatas austríacos não contribuiu para adiantar os entendimentos que
praticamente caíram em ponto morto. Canning resolveu então pedir a opinião dos outros
negociadores a respeito do projeto de Tratado que elaborara. Brant e Gameiro o
aceitaram sub spe rati. Vila Real não aceitou nem mesmo a incumbência de encaminhar
o documento a seu governo. Fê-lo Canning, acompanhando-o de insistentes apelos para
que Lisboa o aceitasse. Longe disso. O contra-projeto enviado por Portugal era, no dizer
do próprio Canning desarrazoado e inadmissível. O art. 1º declarava o Brasil e Portugal
independentes, mas debaixo da soberania do Senhor D. João VI e de seus legítimos
descendentes, com o título de Rei de Portugal e dos Algarves e Imperador do Brasil,
enquanto que, pelo art. 2º, D. Pedro assumiria o exótico, inaudito e minguado (como
comentaram Brant e Gameiro) de Imperador, Regente do Brasil.
Esse documento retratava muito bem, aliás, a atitude cada vez mais intransigente
do ministério português. Recusada a sugestão de Canning de que o Governo português
retirasse sua proposta, as negociações foram rompidas. Complicava-se o assunto até
que, em 13 de janeiro, foram nossos diplomatas notificados de que o Governo inglês
designaria, como Embaixador Extraordinário para cumprimentar o Imperador, o
diplomata Sir Charles Stuart, que com ele tocaria no assunto, extremamente sensível
para a Inglaterra, da próxima cessação do Tratado de Comércio de 1810. O
representante inglês deveria passar por Lisboa para dar conta a D.João VI de sua missão
e promover a imediata conclusão das negociações iniciadas em Londres. Sir Charles
Stuart era portador de instruções redigidas pelo próprio Canning, que bem
demonstraram o alto nível político do ministro inglês, e sua sensibilidade pelos
problemas do momento, que tão bem conhecia.
O mesmo não se poderia dizer de Sir Charles Stuart que fora retirado, pouco
antes, da Embaixada em Paris. Ambicioso e cheio de presunção, não estaria também
fora de seus cálculos vir a ser o substituto de Canning, principalmente porque supunha
que o soberano ainda andava distanciado do seu Ministro dos Negócios Estrangeiros... e
acreditando-se protegido pelo Rei contra o Ministro responsável sob cujas ordens servia.
Stuart pensava, sem dúvida, chegar mais depressa aos seus fins mostrando-se
exageradamente absolutista e legitimista - o que de certo lhe seria proveitoso, no caso
de vir a predominar o grupo chefiado pelo Duque de Wellington e Lord Eldon.
Essas tendências, que o levaram a condescender com certas pretensões absurdas
do governo português, não estiveram longe de prejudicar o êxito das negociações depois
entabuladas no Rio de Janeiro. A este respeito deve consultar-se: Hildebrando Accioly
A Missão Stuart - notícia histórica, Arquivo Diplomático da Independência.
Stuart deveria insistir pelo reconhecimento da Independência e inclusive insinuar-
se para ser designado plenipotenciário junto ao Governo do Império, fracassada a
tentativa portuguesa de entabular negociações diretas através do conde de Rio Maior,
que fora mandado ao Rio de Janeiro em 1823.
Chegando a Lisboa em março de 1825, o diplomata inglês cedo conseguiu fazer
com que D. João VI aceitasse reconhecer a independência em um documento especial,
uma carta régia. Os termos em que deveria ser redigido este instrumento foram,
entretanto, motivo de longas negociações. Portugal fazia questão de que dele
constassem a cessão de soberania por parte de D.João VI e sua pretensão de assumir o
título de Imperador do Brasil e de em seguida associar o filho a essa dignidade.

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As divergências a respeito levaram o governo português a redigir três cartas: a
primeira reconhecia ao Brasil a designação de Império, cujo título, entretanto, era
tomado pelo Rei e por seus sucessores, o primeiro dos quais seria o próprio D. Pedro, a
quem era transferido, porém, o pleno exercício da soberania; a 2ª simplesmente
convertia também em Império o velho reino de Portugal e Algarves; a 3ª, não tocava na
questão imperial, assinalando que admitida a separação das administrações dos dois
Estados, D. João adotava para si e seus sucessores o título de Rei de Portugal e dos
Algarves e do Brasil, transferindo-se com a denominação de Rei do Brasil e Príncipe de
Portugal e Algarves.
Além desse tema do título, o plenipotenciário do governo português devia, nas
negociações, ter presentes os seguintes pontos: 1) cessação das hostilidades; 2)
restituição das presas; 3) levantamento dos seqüestros; 4) transferência da dívida geral
ao Brasil; 5) indenização aos antigos donatários das antigas capitanias do Brasil; 6)
fixação de princípios para um tratado de comércio.
Chegando ao Rio em 17 de julho de 1825, Stuart foi recebido duas vezes pelo
Imperador e iniciou então as negociações com os plenipotenciários Luiz José de
Carvalho e Melo, Ministro dos Negócios Estrangeiros, o barão de Santo Amaro e
Francisco Vilela Barbosa.
As primeiras discussões a respeito do título imperial e da cessão da soberania
foram acaloradas, sentindo os plenipotenciários brasileiros a aversão popular a esses
resquícios da legitimidade monárquica. Foram então negociadas outras questões mais
objetivas. Posteriormente, os plenipotenciários brasileiros propuseram três artigos de
conciliação que seriam mais tarde aceitos, com a modificação imposta por Stuart de
haver uma referência expressa a uma das Cartas Régias. Entre essas duas posições
chegou-se, com a aceitação do Imperador, a uma fórmula aceitável que permitiu o
prosseguimento das negociações sobre os demais assuntos e a assinatura do Tratado a
29 de agosto.
Este instrumento reflete, de um lado, as preocupações dos negociadores e de
outro, a perplexidade do Imperador diante da urgência com que esperava obter o
reconhecimento dos laços de família que o prendiam a D. João VI, e de sua preocupação
pelos seus direitos dinásticos à coroa portuguesa. Demonstra que o novo Império cedeu
em questões políticas de princípio e à pressão conjunta anglo-portuguesa quanto à parte
pecuniária.
O artigo 9º do Tratado fazia, com efeito, alusão ao ajuste de contas de Governo a
Governo, a ser regulado em uma Convenção adicional. Por esta, assinada no mesmo dia,
o Brasil se comprometeu a entregar a Portugal a soma de dois milhões de libras
esterlinas, à vista das reclamações apresentadas de Governo a Governo.
Esses instrumentos não foram bem recebidos nem em Portugal nem no Brasil.
Lamentavam-se os portugueses da aceitação oficial, pelo Governo de Lisboa, da
independência do Brasil. Revoltavam-se os brasileiros em relação às concessões de
princípio feitas a Portugal, especialmente por pressão de Stuart, e, de modo ainda mais
vivo, à convenção pecuniária.
Oliveira Lima acolhe essas reticências, chamando de compra a obrigação
contraída e assinalando-a com estigma de que a monarquia, justa ou injustamente, não
pôde livrar-se no Brasil e cuja recordação pesou sobre o trono até os seus últimos dias.
Rio Branco, em nota à margem desse duro comentário, recorda que não houve
compra da independência. Quando se separa o território, o que se separa toma o encargo

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de parte da dívida pública. Accioly considera que os negociadores brasileiros, apesar de
seus argumentos e rigidez de posição, não podiam ter evitado aquela indenização.
O fato é que o reconhecimento por Portugal possibilitou a aceitação, pelas outras
potências, da nossa independência. Após a Inglaterra, a Áustria foi a primeira a
reconhecer o novo Império ainda em 1825. Seguiram-se a Suécia, a França, a Suíça, os
Países Baixos, a Prússia, a Santa Sé e mais tarde a Rússia e a Espanha.
O Brasil ingressava assim, após o grande trabalho inicial de sua diplomacia, no
concerto das Nações.
Após desincumbir-se de suas tarefas como plenipotenciário português, Stuart
iniciou negociações a respeito de dois temas de sumo interesse para o Governo
britânico: o comércio com o novo Império e o tráfico de escravos.
Em relação ao primeiro, ultrapassando as instruções que recebera, assina um
Tratado de Comércio. A propósito do segundo assunto, firma, no mesmo dia 18 de
outubro, uma convenção. Ambos os instrumentos não foram ratificados pela Inglaterra.
Coube, assim, a Robert Gordon, Ministro Plenipotenciário de Sua Majestade Britânica
junto a Sua Majestade Imperial, que pouco depois chegou ao Rio de Janeiro, celebrar
com novos ajustes, a Convenção com o fim de pôr termo no comércio de escravatura da
Costa d’África, em 23 de novembro de 1826; e o Tratado de Amizade e Comércio, em
17 de agosto de 1827.

1.2.4. Convivência com os países vizinhos. A questão cisplatina.


Paralelamente a esse esforço diplomático para a obtenção do reconhecimento da
Independência e do Império, via-se o Governo às voltas com a situação cada vez mais
grave na então Província Cisplatina onde a insurreição contra as tropas imperiais
progredia com grande rapidez.
Acreditando que lhe competia conservar intacto o patrimônio territorial herdado
de seu pai, o imperador era insensível tanto ao clamor generalizado que se alastrava em
ambas as margens do Prata, como à impopularidade que no Brasil acompanhava a
questão. As Províncias Unidas não haviam ainda perdido a esperança de incorporar a
Banda Oriental. No Uruguai, eram vivas as lembranças de Artigas e geral o desejo de
independência. Entre nós, a maioria considerava a anexação da Cisplatina artificial e
completamente fora do contexto em que se haviam formado nossas fronteiras. Os
acontecimentos precipitavam-se.
As tentativas de resolver diplomaticamente o diferendo esfumaram-se com os
resultados negativos das missões de Antonio Manuel Corrêa da Câmara ao Prata e de D.
Juan Valentin Gomez ao Rio de Janeiro.
A 11 de abril de 1825 os trinta e três orientais, sob o comando de Lavalleja,
deixaram a Argentina e desembarcaram no Uruguai, onde logo contaram com apoio
generalizado da população, o que lhes permitiu vencer as primeiras escaramuças contra
as tropas imperiais. A 25 de agosto, um Congresso, convocado por Lavalleja, votou a
união do Uruguai às Províncias Unidas, em uma Confederação, e declarou nulos os atos
de anexação ao Império. A 25 de outubro o Congresso Constitucional das Províncias
Unidas aceitava a incorporação do Uruguai.

18
Diante do que acontecia, ao Governo Imperial só restava inferir as conseqüências
dos fatos, e um decreto imperial, de 1º de dezembro, firmou a declaração de
hostilidades.
As operações não foram favoráveis ao Brasil. A esquadra enviada ao Prata para
efetivar o bloqueio a Buenos Aires não conseguiu maior êxito, principalmente pela falta
de coordenação com as forças de terra cujo comandante, Lecor, mal se desempenhava
de suas atribuições. Seu substituto, o Marquês de Barbacena, demonstrou ser bom
administrador mas tático de méritos duvidosos. A batalha de Passo do Rosário ou
Ituzaingó, como a denominam os platinos, de 20 de fevereiro de 1827, se não foi uma
vitória muito clara do General Alvear, não foi também um encontro favorável ao Brasil.
As tropas das Províncias Unidas, entretanto, em meio a tantas dificuldades internas, não
souberam ou não puderam se aproveitar da situação, e a questão voltou a ser tratada no
âmbito diplomático.
O Ministro das Relações Exteriores argentino, Manuel Garcia, enviado ao Rio
assinou, em 24 de maio de 1827, com a preocupação obsessiva de conseguir a paz, um
Tratado pelo qual a Província Cisplatina continuava sob soberania brasileira. Quando
conhecido em Buenos Aires o resultado das negociações, houve protestos de tal
violência que Bernardino Rivadávia, chefe do Governo, se viu obrigado a renunciar,
tendo sido rejeitado o Tratado.
A situação, porém, era dificílima nas Províncias Unidas e no Brasil. Ambos os
Governos estavam atônitos, impotentes, por todas as razões, para retomarem
hostilidades. Era imprescindível o recurso a um entendimento direto, facilitado pela
mediação da Grã-Bretanha. Tudo indicava a solução consagrada, tanto assim que a nova
Missão de Buenos Aires, que chegara ao Rio em agosto de 1828, já em 27 deste mês,
podia assinar o Tratado Preliminar de Paz no qual o Brasil e as Províncias Unidas
reconheciam a independência de um novo Estado: a República Oriental do Uruguai.
Encerrava-se, assim, da maneira mais natural, a série de incidentes que
decorreram da fundação da Colônia do Sacramento pelos portugueses, na margem
esquerda do Rio da Prata, em 1680.

1.2.5. Os tratados de comércio


O Tratado de Comércio entre Portugal e a Grã-Bretanha, em 1810, continuava a
ser aplicado no Brasil. Como vimos, o instrumento assinado por Stuart em 1826 não
fora ratificado pelo Governo inglês e outro tratado deveria ser negociado no Rio de
Janeiro, com Robert Gordon, novo Ministro de Sua Majestade britânica.
Antes disso, porém, realizando desejo antigo, a França consegue assinar com o
Império, em 8 de janeiro de 1816, um Tratado de Amizade, Comércio e Navegação. Em
seu preâmbulo, figura o reconhecimento expresso da Independência e do Império, o que
talvez explique a condescendência do governo imperial não somente em relação ao
critério da nação mais favorecida aplicado inclusive aos direitos de importação, mas
também, o que foi mais grave, reconhecendo o caráter de perpetuidade a vários
dispositivos, neles incluídos os que estabeleciam atribuições consulares. O fato de
estender a outras nações o regime de 15% para as importações, acabava, realmente, com
o privilégio britânico. Era, porém, óbice intransponível à liberdade de taxação, pois
impedia o jogo natural do poder taxador para equilibrar os orçamentos. As atribuições
consulares, consagradas no Tratado de 1826 com a França, foram outro grave problema
que teve que enfrentar a diplomacia imperial ainda sob o Segundo Reinado. Essas

19
cláusulas perpétuas, apesar de, há muito, não serem observadas, só deixaram de ter
vigência jurídica, em 1907, na gestão do Barão do Rio Branco.
Após o Tratado com a França, e antes do Tratado de Amizade, Comércio e
Navegação com a Grã-Bretanha, foram assinados tratados similares com a Áustria, em
Viena, em 16 de junho de 1827 e com a Prússia, no Rio de Janeiro, em 9 de julho de
1827. Um e outro consagravam principalmente o critério de II Nação mais favorecida,
com exceção das vantagens concedidas pelo Brasil a Portugal. O Tratado com a Áustria
previa uma vigência de seis anos; o celebrado com a Prússia, de dez.
Pouco depois, era a vez da Grã-Bretanha celebrar um Tratado de Amizade,
Navegação e Comércio. Assinado pelo Ministro Gordon em 17 de agosto, o novo
instrumento praticamente mantinha os privilégios concedidos por Portugal em 1810,
inclusive o juízo privativo ou conservatória e o direito dos cônsules de administrarem as
heranças de súditos ingleses falecidos no Brasil. Mais lesivo ainda, se fora possível, era
a fixação de direitos de 15% sobre as mercadorias inglesas o que, como assinalamos,
reduzia drasticamente os recursos financeiros do Governo.
Ao Tratado com a Grã-Bretanha, seguiam-se, com o mesmo espírito, se bem que
com concessões menos amplas, os Tratados com as cidades livres de Lübeck, Bremen e
Hamburgo, em 17 de novembro de 1827; no ano seguinte, com a Dinamarca, em 23 de
julho; com os Estados Unidos da América, em 12 de dezembro; e com os Países Baixos,
em 20 do mesmo mês; em 1829, a 7 de fevereiro, assinado em Londres, o Tratado com a
Sardenha. já durante o período regencial, prosseguiu a conclusão de Tratados dessa
natureza, com a Bélgica, em 22 de setembro de 1834; com a Áustria, novo Tratado, em
27 de junho do mesmo ano; em 1836, com Portugal, em 19 de maio e finalmente com o
Chile, em 18 de setembro de 1838.
Como comenta Prado Júnior (História Econômica do Brasil, p. 134), afora a
produção de gêneros destinados à exportação, a economia brasileira não podia concorrer
com as mercadorias importadas do estrangeiro. Ao decretar-se a liberdade do comércio,
estabelecera-se como vimos uma pauta geral ad valorem de 24% sobre todas as
importações. Veio depois a tarifa preferencial outorgada à Inglaterra de 15% privilégio
concedido com caráter permanente e que o Império independente respeitará. E assim,
quando o Brasil, depois da Independência, assinou tratados de comércio com as demais
nações, foi obrigado a conceder-lhes igual tratamento, pois a situação anterior da
desigualdade em favor da Inglaterra em nada beneficiava o país e apenas assegurava um
quase monopólio aos ingleses. Ficou, portanto, estabelecida na taxa ínfima de 15% a
pauta geral das alfândegas brasileiras. Só em 1844 ela será modificada, contra os
veementes protestos, aliás, das nações estrangeiras, da Inglaterra em particular. Mas
enquanto perdurou a tarifa permitida tornou-se impossível desenvolver a produção
nacional num país como o Brasil, pobre de recursos, de defeituosa organização
produtiva, frente à concorrência quase sem restrições da produção estrangeira.
Dificultando assim ou impedindo mesmo o desenvolvimento da produção
brasileira; tirando ao Estado o poder de variar a taxação de suas importações;
consagrando, como no caso do Tratado com a Inglaterra institutos anacrônicos, a
conservatória, por exemplo, e, como no caso do pacto com a França, dispositivos
perpétuos referentes a atribuições consulares que feriam a soberania do Estado, esses
Tratados de Amizade, Navegação e Comércio cedo começaram a ser violentamente
criticados, principalmente na Assembléia.

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Os celebrados antes de 1831 e que, segundo a interpretação do Executivo, não
necessitavam de aprovação legislativa, eram tidos como ilegais pelo Legislativo. Ao
examinar os concluídos no período regencial e que, por esses motivos, exigiam seu
referendo, o Parlamento não escondeu a aversão, aliás, justificada, em que os tinha
negando-lhes aprovação ou adiando indefinidamente seu exame.
De todo o aparelho comercial ideado pelo Primeiro Reinado - como assevera
Calógeras (Da Regência à Queda de Rosas, p. 382) - resultara apenas uma série de
graves empecilhos ao surto econômico do país, no conjunto das relações econômicas do
mundo. Obra benfazeja das regências foi, pouco a pouco, desatando esses nós, a fim de
readquirir o Brasil sua liberdade de movimentos. Era a reaquisição de sua
independência tributária.
Com efeito, em 1841, de todos os Tratados de Comércio só permaneciam vigentes
as cláusulas perpétuas do texto franco-brasileiro e o Tratado de 1827 com a Inglaterra
que só deixou de vigorar em 1844.

1.2.6. A abdicação
Ao lado das dificuldades financeiras e econômicas em que se debatia, o governo
imperial durante o Primeiro Reinado, apesar de haver obtido o reconhecimento da
Independência e do Império, e de ter participado da solução do problema do Estado
Oriental, enfrentava, no plano interno, problemas de toda ordem e uma impopularidade
crescente, aumentada diante da questão da sucessão à Coroa portuguesa que adquiriu
atualidade em 1826, com o falecimento de D. João VI.
O Tratado de 1825, com Portugal, não resolveu o assunto nem a favor do Infante
D. Miguel, como desejavam a Áustria e os absolutistas portugueses, nem em favor de
um dos filhos de D. Pedro, como era desejo do Governo inglês. Não tendo renunciado à
herança paterna, coube ao Imperador o trono português.
Como Rei de Portugal, D. Pedro IV outorgou uma Constituição, calcada na Carta
brasileira de 1824, e abdicou a coroa em favor de sua filha D. Maria da Glória, com a
qual deveria casar-se seu tio D. Miguel. Esses planos, porém, não se realizaram. Com a
revolução legitimista de Portugal, entronizou-se o Infante, daí decorrendo complicações
de toda ordem nas quais se imiscuíram não somente o Imperador, mas, o que parecia a
muitos imperdoável, a diplomacia brasileira.
Dizia-se que D. Pedro mais se preocupava com a questão portuguesa do que com
os problemas do Império. Nessa atmosfera, tudo adquiria matizes negativos. A dupla
designação de ministérios impopulares foi a gota d’água que fez precipitar os
acontecimentos levando o Imperador, em 7 de abril de 1831, a abdicar a coroa imperial
em favor de seu filho D. Pedro de Alcântara que contava então menos de seis anos. Era
uma etapa nova que se abria. Daí por diante como comenta Calógeras (Formação
Histórica do Brasil, p. 124) ia o Brasil ser governado exclusivamente por brasileiros.

1.3. O Segundo Reinado


1.3.1. A Diplomacia nas Regências
Os graves problemas internos de toda ordem que teve de enfrentar o Governo
regencial nos nove anos que mediaram entre a Abdicação em 1831 e a Maioridade, em
1840, não lhe permitiram tomar iniciativas de vulto no campo da política externa.

21
Como vimos, entretanto, coube à Assembléia Geral nesse período chamar a
atenção para os graves inconvenientes decorrentes da aplicação dos Tratados de
Comércio. Graças a essa verdadeira campanha, foram denunciados, no devido tempo,
alguns desses instrumentos, enquanto outros não chegaram a ter vigência.
A aplicação do Padroado, consagrado na Constituição de 1824, iria levantar um
primeiro desentendimento com a Santa Sé. Indicado pelo Governo Imperial para a
Diocese do Rio de Janeiro em 1833 o Padre Antonio Maria de Moura, recusou-se o
Santo Padre a confirmá-lo, tendo em vista o fato de haver aquele sacerdote defendido,
no grande debate que pouco antes deflagrara Feijó a respeito do celibato clerical, teses
contrárias à disciplina da Igreja. O problema tomou contornos delicados quando, já
durante a regência de Feijó, chegou o Império a pensar em uma ruptura com Roma.
Diante da posição firme da Cúria Romana, a questão foi contornada, pouco tempo
depois, pela renúncia do interessado ao episcopado.
A invasão do Amapá em 1835, por franceses, e a do Pirara, em 1838, por ingleses,
causaram sérias preocupações ao Governo brasileiro.
As gestões não exitosas sobre limites levadas a cabo, em 1837 e 1838, pelos
representantes uruguaios no Rio de Janeiro serão, por seu lado, recordadas ao nos
referirmos ao Tratado de 1851. Com a República Oriental surgiram, paralelamente,
outras questões que prenunciavam dificuldades futuras: Frutuoso Rivera assinara dois
convênios com os revoltosos farroupilhas e o Governo Imperial, reconhecendo válida a
renúncia de Oribe ao governo uruguaio, não mais recebeu emissários seus.

1.3.2. A maioridade
As incertezas e as dificuldades de toda ordem, que marcaram as administrações
regenciais desde 1831, atingiram seu ponto culminante no final da década, quando um
verdadeiro golpe de Estado branco marcou o fim do período, com a antecipação da
maioridade do Imperador.
De acordo com o artigo 121 da Constituição, “o Imperador é menor até à idade de
18 anos completos”. Nascido a 2 de dezembro de 1825, D. Pedro II continuaria, assim,
menor até 1843. O movimento para antecipar a maioridade crescia, entretanto, dia a dia,
impulsado pela oposição liberal, com total e entusiástico apoio popular. De tal ordem
era a popularidade desse anseio que o próprio ministério conservador a ele se teve que
inclinar. Preferia adiar, porém, uma decisão a respeito, até 2 de dezembro, enquanto a
oposição propugnava por uma medida imediata. Foi o que se deu, em 23 de julho de
1840, com o celebrado “quero já” do jovem Monarca que iniciava, assim, seu digno
reinado de 59 anos.
Maior, cabia ao Imperador contrair matrimônio, inclusive para garantir a
perpetuidade da dinastia. Era necessário escolher uma princesa entre as casadoiras das
Casas Reais da Europa. Essa incumbência coube a Bento da Silva Lisboa, futuro 2º
Barão de Cairu, nosso Ministro em Viena, que acabou por sugerir que a escolha recaísse
em uma das irmãs do Rei de Nápoles, a Princesa Teresa Cristina Maria de Bourbon.
Aceita a idéia, foi celebrado o Tratado para os desposórios, em Viena, em 20 de maio de
1842, sendo plenipotenciários Silva Lisboa e o Ministro napolitano naquela capital,
Vicente Ramires, realizando-se a cerimônia nupcial em Nápoles, sendo o imperador
representado por seu futuro cunhado, o Conde de Siracusa.

22
1.3.3. O tráfico de escravos e outros problemas com a Inglaterra e a
França
Após a meritória campanha de Wilberforce, na segunda metade do século XVIII,
vencidos os opositores internos da abolição do tráfico e da escravidão, a Grã-Bretanha,
desde o início do século XIX, tornara-se a campeã da liberdade dos escravos negros, se
bem que somente em 1838 tenha proclamado a abolição total da escravidão em suas
colônias.
Seria interessante recordar, como um flash, em um esforço de situar o assunto em
um contexto mais amplo, que em 1787 o tráfico deslocava anualmente 100.000 escravos
negros, transportados pela Inglaterra (38.000), França (31.000), Portugal (25.000),
Holanda (4.000) e Dinamarca (2.000). Os negreiros haviam também mudado sua
direção. Durante o século XVIII, a metade deles se dirigia às Antilhas inglesas,
holandesas e francesas. No século XIX não tiveram senão dois destinos: o Brasil e
Cuba. Depois que a França perdeu São Domingos, a ilha espanhola tornou-se o primeiro
produtor mundial de açúcar; reclamava incessantemente mais escravos, uma parte dos
quais revendia aos fazendeiros do sul dos Estados Unidos.
Quanto ao Brasil, atingia ele um formidável desenvolvimento agrícola. Assim, os
portugueses, espanhóis e brasileiros, em número muito maior do que os franceses, se
dedicaram ao tráfico de escravos. Este não fora nunca tão remunerador como quando se
tornou clandestino: fala-se de lucros de 200% a 400% (Liliane Crété, “La traite de
Nègres sous l'Ancien Regime”, Paris 1989, págs. 278). Quanto às colônias francesas,
por exemplo, a Assembléia votara a abolição da escravidão em 1794; Napoleão,
Primeiro Cônsul, a restabeleceu em 1802, tendo sido finalmente extinta em 1848,
indenizando-se os proprietários atingidos pela medida.
Valendo-se da situação privilegiada de que gozava após o apoio dado à
transmigração da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, conseguiu o Governo inglês
que, no Artigo X do Tratado de Aliança e Amizade celebrado com Portugal em 1810, o
Príncipe Regente “... convencido da má política do comércio de escravos” resolvesse
cooperar com o Rei da Grã-Bretanha, “adotando em seus domínios uma gradual
abolição do comércio de escravos”. Ficava também proibido aos portugueses continuar
o tráfico na África, fora dos domínios de Portugal.
No Congresso de Viena, não obtivera a Inglaterra a inclusão, na Ata Final, de uma
cláusula que equiparasse o tráfico à pirataria. Conseguira, entretanto, em relação àquele,
que no anexo XV à referida Ata, constasse sua condenação em princípio.
Bilateralmente, entretanto, assinou com Portugal, também em 1815, um Tratado “para a
abolição do tráfico de escravos em todos os lugares da Costa da África ao norte do
Equador”. Além dessa medida, o texto bilateral assinala que D. João resolvera adotar “
em seus domínios, uma gradual abolição do comércio de escravos”. O Governo inglês
não esmorecia em seu afã e, em 1817, não lhe sendo ainda possível atingir seu maior
objetivo, alcançara pela Convenção que tem por fim “impedir qualquer comércio ilícito
de escravatura”, fosse adotado e reconhecido o famoso “direito de visita e busca” nas
embarcações suspeitas e a criação de “comissões mistas” para julgarem os navios
apresados, que passaram a funcionar em Serra Leoa e no Rio de Janeiro.
Proclamada a Independência do Brasil, passou a Grã-Bretanha a pressionar o
Governo imperial, tendo-se inclusive pensado em um momento, que o reconhecimento
poderia ser trocado pela abolição do tráfico. Mais tarde, em 1826, foi assinada “com o
fim de pôr termo ao comércio da escravatura na Costa da África”, a Convenção de 23 de

23
novembro, a qual além de revalidar os compromissos anteriormente assumidos pela
Metrópole, estatuiu a “supressão definitiva do tráfico”, três anos depois da troca de
ratificações; a libertação dos negros importados ilegalmente e o término, em 1845, do
“direito de visita”.
Iniciou-se assim um penoso período que se deteriorava dia a dia. De um lado, os
interesses escusos dos traficantes (a maioria dos quais estrangeiros) ávidos de não
perder os lucros extraordinários que obtinham, sustentados pela maioria absoluta, pela
quase totalidade, dos produtores rurais que não imaginavam outros braços que não
fossem escravos. De outro, o Governo e o Almirantado da Grã-Bretanha, lutando por
uma nobre causa, mas insensíveis aos melindres nacionais que os interessados
habilmente manipulavam. A cada excesso dos navios ingleses, correspondia um
aumento de sensibilidade do povo e do governo. Multiplicavam-se, assim, os abusos, ao
mesmo tempo que crescia o sentimento nacionalista de reação. Chegou um momento
em que a repressão tornou-se unilateral e, inclusive, a Comissão Mista de Serra Leoa
passou a funcionar sem representantes brasileiros. Crescia desmesuradamente o tráfico
depois de 1833.
Em 1844 o Governo Imperial resolveu enfrentar os arbítrios da campanha inglesa.
Em 9 de novembro, em nota ao Ministro inglês no Rio de Janeiro, declarou abolido o
cargo de juiz conservador da Nação inglesa.
Meses depois, em 12 de março de 1845, às vésperas da cessação da vigência da
Convenção de 1826, recordou ao representante inglês essa situação, sugerindo,
entretanto, a criação por seis meses de uma comissão mista. Para surpresa nossa, o
representante inglês nessa comissão declarou que o Almirantado da Grã-Bretanha
considerava sempre vigente a Convenção de 1826, no que se referia à busca e apreensão
de navios suspeitos. Apesar de não esperar essa reação, o Ministro dos Negócios
Estrangeiros, Limpo de Abreu, respondeu que estaria pronto a estudar uma maneira de
adaptar às atuais circunstâncias as convenções de 1817 e 1826, com o que, após certa
relutância, parecia concordar o governo inglês. Eis, porém, que a 8 de agosto do mesmo
ano de 1845, fora sancionado o famoso Bill Aberdeen que determinava o julgamento,
pelo Almirantado inglês, de todos os navios apresados.
Nosso Ministro em Londres apressou-se a protestar junto ao Foreign Office, o
mesmo fazendo Limpo de Abreu na severa nota enviada à Legação inglesa no Rio de
Janeiro, circulada, aliás, entre os demais representantes de potências amigas acreditados
junto à Corte de S. Cristóvão. O Governo britânico ponderou, como já o fizera, que
considerava a “cláusula da pirataria” como permanentemente válida.
No Brasil a reação ao Bill Aberdeen foi geral e particularmente violenta. Esse
estado de espírito favorecia o comércio negreiro. Ao mesmo tempo, as violências
inglesas contra o tráfico recrudesceram. Ia se criando um verdadeiro círculo vicioso que
era mister interromper: de um lado, a reação aos excessos da campanha levada a cabo
pela Inglaterra propiciava aos traficantes intensificar sua atividade a qual, por sua vez,
dava lugar a uma repressão cada vez mais violenta. O tráfico aumentava, na verdade,
em proporção muito superior ao que seria possível esperar. Assim, em 1845, ano da
sanção do célebre Bill, o Brasil importara 19.453 escravos; em 1846, 50.324; em 1847,
56.172; em 1848, 60.000; em 1849, 54.000; em 1850, (ano da Lei Eusébio de Queiroz)
23.000; em 1851, 3.287; e em 1852, 700.
Essa baixa vertiginosa no quadro da importação de escravos deve-se à atitude do
Governo imperial o qual soube, apesar da atmosfera de ressentimentos e de indignação
popular, acirrados, como assinalamos, pelos traficantes e grandes proprietários, ver o

24
interesse maior do país procurando solucionar diretamente, sem a colaboração de outras
potências, o grande e complicado problema do tráfico. Passou, assim, o assunto para o
campo do direito interno e de acordo, aliás, com a opinião um tanto isolada de uma elite
de estadistas, foi sancionada a lei de 4 de setembro de 1850 que suprimiu
definitivamente o tráfico, estatuindo penalidades graves para seus infratores. O então
Ministro do império tomou as medidas necessárias para a rigorosa aplicação do texto
legal justamente conhecido como Lei Eusébio de Queiroz. Extinguia-se, assim, um
problema que tantas dificuldades trouxera ao Governo imperial.
Hélio Vianna (“História Diplomática do Brasil”, págs. 106 e 107) sintetiza, com
felicidade, outras questões que tivemos que enfrentar com a Inglaterra, nos primeiros
anos da década de 1860:
“Além das divergências suscitadas pela questão do tráfico de africanos e da
pretendida renovação de seu vantajoso Tratado de Comércio, outras sustentou o Império
do Brasil contra a Inglaterra, algumas, aliás, baseadas em motivos de ordem
exclusivamente pessoal, isto é, arbitrárias atitudes assumidas por seu ministro no Rio de
Janeiro, William Dougal Christie. Dois pequenos incidentes, que poderiam ser
satisfatoriamente resolvidos sem dificuldade, levaram o país a romper relações com
aquela potência européia, pela inabilidade e violência com que quis resolvê-los o
referido diplomata”.
O primeiro caso originou-se na pilhagem, nas costas do Rio Grande do Sul, da
carga de uma embarcação inglesa aí naufragada em 1861. Apesar de terem as
autoridades brasileiras tomado todas as providências para o necessário inquérito,
conseguiram fugir para o estrangeiro os responsáveis pelo roubo.
O segundo incidente, simples ocorrência policial, verificou-se no Rio de Janeiro,
no ano seguinte. Dois oficiais da marinha britânica, embriagados e à paisana,
desrespeitaram uma autoridade brasileira, foram presos e, logo depois de conhecida sua
condição militar, postos em liberdade.
Juntando os dois episódios, exigiu Christie o pagamento imediato de indenização
pelo primeiro e amplas satisfações pelo segundo, inclusive a punição dos funcionários
que julgava responsáveis. Não acedendo o Governo imperial às exigências do
diplomata, determinou este que navios ingleses apresassem, fora do porto do Rio de
Janeiro, algumas embarcações mercantes brasileiras.
O fato provocou, nos primeiros dias de 1863, enorme agitação popular, que só não
chegou a produzir lamentáveis conseqüências pela atitude então assumida pelo
Imperador D. Pedro II, que tomou sob sua responsabilidade a honrosa solução do
incidente. Determinando que se pagasse, sob protesto, a indenização pedida, pois o
Brasil não discutiria questões de dinheiro quando se tratasse da honra nacional, mandou
que o nosso ministro em Londres, Francisco Inácio de Carvalho Moreira, depois Barão
do Penedo, pedisse satisfações ao governo inglês, pela ação de seu agente no Rio de
Janeiro, aliás prontamente removido do cargo. Não julgando satisfatórias as explicações
que lhe foram dadas, rompeu o Brasil relações com a Inglaterra, deixando a sua capital
o nosso representante e recebendo passaportes o substituto de Christie junto à corte de
São Cristóvão.
Reconhecendo, porém, o governo brasileiro, a origem puramente pessoal do
conflito, e levando em conta a antiga amizade brasileira e portuguesa com a Inglaterra,
admitiu, pouco depois, que o caso fosse decidido por arbitramento do Rei dos Belgas,
aliás tio e conselheiro da soberana inglesa, a Rainha Vitória.

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O laudo de Leopoldo I foi inteiramente favorável ao Brasil, motivo pelo qual,
reconhecendo a Inglaterra a precipitação com que agira o ministro Christie, incumbiu o
ministro Edward Thornton de apresentar a D. Pedro II as escusas do governo de Sua
Majestade britânica.
Encontrava-se o Imperador do Brasil em Uruguaiana, em plena guerra com o
Paraguai, em 1865, quando foi procurado pelo agente inglês, que aí mesmo deu
cumprimento à sua missão, reatando-se as relações com a Inglaterra, ficando
inteiramente desfeito o incidente que dera causa ao rompimento.
As questões do Pirara e do Amapá a que nos referimos ao sintetizar a diplomacia
durante o período regencial, arrastavam-se, sem solução, depois da Maioridade. O
Governo Imperial, em 1843, concordou em neutralizar a zona do Pirara aguardando
melhor oportunidade para resolver o dissídio. Com relação ao Amapá, tanto as
negociações entabuladas no Rio de Janeiro, em 1841 e 1842, quanto as levadas a cabo
em Paris em 1846 e 1854, não tiveram resultados definitivos.
Sobre as negociações para pôr termo ao Tratado de Comércio de 1827 com a
Inglaterra, já nos referimos ao tratar do assunto de maneira geral no capítulo referente
ao 1º Reinado. A abertura do Amazonas será enfocada de maneira especial.

1.3.4. Questões Platinas (1828-1851) – Antecedentes


Paralelamente aos aspectos estritamente políticos e militares avultam, na análise
das questões platinas, os fenômenos sociológicos que, de um lado, deram aos povos da
região características comuns, e de outro explicam, inclusive pela própria intimidade
desse relacionamento, os problemas e as dificuldades que enfrentaram.
Pandiá Calógeras (“Formação Histórica do Brasil”, Brasiliana, vol. 42, pag. 131 e
132) assinala, com propriedade, essa faceta daquela realidade regional:
“Dos longamente protraídos tumultos em ambas as margens do Rio da Prata, e da
semelhança de meios, de modos de viver, de costumes e de pontos de vista na região
inteira formara-se nas populações sulinas uma comunhão de mentalidade. Suas feições
dominantes constavam de autonomia, de liberdade de movimentos e de hábitos...”.
Durante a campanha da Cisplatina, entre rio-grandenses e uruguaios existia muita
simpatia, muita correspondência de idéias. Os primeiros eram leais ao Brasil, mas esse
sentimento afetuoso estendia-se aos vizinhos que pelejavam para conquistar sua
independência. Após o tratado de 1828, tais laços, velhos e novos, continuaram a existir.
Os chefes e caudilhos muita vez se mesclavam em incursões em território alheio.
D. Frutuoso Rivera, D. Manuel Oribe e outros, da banda oriental da fronteira,
eram amigos, parentes ou ligados a seus equivalentes do lado do Brasil, o Marechal
Sebastião Barreto, o coronel Bento Manuel Ribeiro, o Coronel Bento Gonçalves da
Silva e outros.
As questões políticas agitavam os grupos partidários das duas partes da fronteira.
Nenhum estudo válido da Bacia do Prata se pode aceitar, do ponto de vista histórico,
que não leve em conta o fato de que, por aqueles tempos, a região constituía um todo,
uma unidade político-geográfica, na qual os limites convencionados não isolavam
realmente as populações.
Em ambos países, os homens tinham amigos e inimigos, aliados e adversários, e
sua influência não se continha dentro dos limites legais, e ultrapassava as fronteiras.
Sempre que uma revolução, uma revolta, um levante ocorria, alongavam-se os olhos

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para a banda da fronteira, onde os grupos tinham certeza de encontrar auxílio e apoio,
sempre que o pedissem. Por muitos anos, tal sentimento prevaleceu...
A configuração geográfica da imensa planície dominada por campos em que o
gado parecia ter encontrado seu habitat, fez com que cedo se assemelhassem o modo de
vida e as atividades principais. Os costumes eram idênticos e logo se verificou que a
semelhança de interesses, algumas vezes escusos, levava os habitantes de um e outro
lado da fronteira, apesar dos laços muitas vezes de sangue que os unia, a considerarem-
se competidores na venda dos mesmos produtos, inclusive no próprio comércio
regional.
Contrariando uma noção generalizada, porém, os produtores do Rio da Prata
tinham, quando vigoravam condições internas de tranqüilidade, vantagens expressivas
sobre seus concorrentes brasileiros, devido à superioridade do trabalho livre e
assalariado sobre o regime escravista. Nossos conterrâneos não atinavam, porém, com a
razão de ser desses inconvenientes e procuravam explicar o fenômeno que ciclicamente
os atingia como resultado de ações ou omissões do Governo, do seu sistema fiscal ou
das dificuldades que lhe advinham das atribulações próprias, naquela época, das regiões
de fronteiras onde imperava um estilo de vida especial. Daí surgiram apelos que muitas
vezes se transformavam em pressões políticas invencíveis as quais, em mais de uma
vez, tiveram repercussões imprevisíveis.
Por motivos distintos, por outro lado, era extraordinariamente grande, entre a
população do Uruguai, o número de argentinos e de brasileiros ou de luso-descendentes.
Em um total aproximado de 75.000 habitantes, na primeira metade do século XIX, cerca
de 14.000 eram exilados argentinos, aglomerados em Montevidéu, enquanto 25.000
eram de sangue lusitano. Os primeiros, unitários, deixaram Buenos Aires por aversão a
Rosas. Muitos dos segundos encontravam-se no Uruguai desde os tempos da anexação
da Cisplatina, onde se haviam constituído proprietários de numerosas e importantes
estâncias que se localizavam principalmente na ampla área compreendida entre os rios
Arapei e Quaraim.
Acresciam ainda a todos esses fatores a instabilidade decorrente do próprio caráter
provisório da Convenção de 1828 e do fato de não se ter celebrado, como previsto
naquele instrumento, um tratado definitivo que deveria incluir dispositivos mais
duradouros, inclusive com a participação que nele certamente viria a ter a própria
República Oriental.
Permaneciam, paralelamente, indefinidos os limites entre a República e o Império,
que só viriam a ser consagrados no Tratado de 12 de outubro de 1851.
Para tornar o quadro ainda mais complexo, a Revolução Farroupilha, na Província
do Rio Grande do Sul, de tendência liberal, que buscava conquistar a autonomia
provincial criou, de 1835 a 1845, os maiores problemas ao Governo Imperial.
Essa revolta fez com que o Gabinete de S. Cristóvão voltasse suas preocupações
para o sul do país, sensibilizando-se, inclusive, com o apoio que os revoltosos recebiam
de grupos partidários do país fronteiriço.
Se a todos esses fatores que caracterizavam a região fazendo-a propender para a
intimidade, mas, ao mesmo tempo, para eventuais confrontações, se juntam as paixões
pessoais, o espírito exclusivista dos agrupamentos políticos recém-criados e a natural
tendência à violência das sociedades em formação, poderemos compreender melhor os
acontecimentos que se seguiram à Convenção Preliminar de Paz de 1828.

27
Com a Argentina eram mais intensos ainda os laços que a uniam ao Uruguai. A
fundação de Montevidéu , a própria configuração do vice-Reinado do Prata e, no início
do século XIX, o apoio dado aos anseios de independência da Banda Oriental,
simbolizados na façanha dos 33 Orientales, tudo isso fazia com que se considerassem
quase co-nacionais, argentinos e uruguaios. Aliás, Artigas com seus altos ideais de
independência, pensara em uma federação, ou talvez mais adequadamente, em uma
confederação com as Províncias Unidas. As vicissitudes por que passaram uma e outra
Nação, após 1828, tornaram ainda mais íntimo esse relacionamento com a freqüente
participação de nacionais de um Estado nas contendas políticas de outro.
Entre o Brasil e a Argentina, os laços comerciais, culturais e de sangue foram
intensos, especialmente na época da união pessoal das Coroas (1580-1640), mas já
existiam antes e não desapareceram com ela. O comércio intenso entre a Colônia do
Sacramento e Buenos Aires, apesar das proibições vigentes, foi um dos mais curiosos
fenômenos de nossa História Colonial. Não é possível esquecer ainda que a maioria da
população portenha, no século XVII, era de origem portuguesa. A Banda Oriental,
entretanto, foi causa de permanentes choques entre Buenos Aires e o Brasil antes e
depois da Independência. Após a Convenção Preliminar de Paz de 1828, esse cenário
mudou de feição, mas a República então criada continuou a ser ainda, quer pelas
tentações da reconstituição do território do antigo Vice-Reinado, quer pelas
repercussões externas de fenômenos políticos internos, a causa ou o cenário de
enfrentamentos de toda ordem.
Era fácil reconhecer a identidade de paisagens, de culturas e de atividades
econômicas entre a Pampa argentina, os campos uruguaios e as planícies do sul do
Brasil. Fatores de várias ordens, entretanto, tornaram tumultuados, nas três regiões, os
primeiros anos de vida independente. Somente após 1870 foi possível, amainadas as
dificuldades, voltarem-se as duas Repúblicas e a Província mais meridional do Império
a gozar de tranqüilidade que viria ter quase que imediata repercussão no seu
desenvolvimento, dentro de um quadro fundamentalmente de compreensão e harmonia.

1.3.5. Questões com o Uruguai e a Argentina


No período que analisamos, de 1828 a 1852, o clima imperante estava, entretanto,
longe de ser tranqüilo.
Na República Oriental três figuras dominam a política dessa época: Rivera, Oribe
e Lavalleja, todas mais ou menos condicionadas ao apelo que lhes fariam os Governos
de Buenos Aires, do Rio ou mesmo da Província do Rio Grande. Essa tripolaridade no
início e a bipolaridade Rivera-Oribe depois, são responsáveis pela instabilidade política
da nação.
Rosas, na outra margem do Prata encerra, com sua forte personalidade, uma época
de continuada instabilidade política e um ciclo de quase vinte anos de predomínio dos
ideais federativos. A reação unitária faz-se sentir mas, de tal poder dispunha o Governo,
que seu destino é principalmente o exílio. Sarmiento e Mitre refugiam-se no Chile; a
maioria dos anti-rosistas congrega-se em Montevidéu, a “Nova Tróia”, criando
problemas ingentes para a nação recém-organizada.
Muito cedo, em 1832, pouco depois da promulgação da Constituição da República
Oriental do Uruguai e da eleição do primeiro presidente, Frutuoso Rivera, iriam surgir
os dois partidos nacionais que até hoje dominam a vida política do país: o Colorado que
congregava os adeptos do Presidente; e o Blanco que apoiava Lavalleja, o qual, após ter
sido candidato à primeira presidência da República, insurgiu-se contra Rivera.

28
Na Argentina, pugnavam federais contra unitários. Estes últimos, com o fracasso
da Constituição de 1826 e renúncia de Rivadavia dois anos depois, desprestigiaram-se
grandemente. O país passava por tempos atribulados durante os quais, entretanto,
crescia a figura de D. Juan Manuel de Rosas, grande propugnador do federalismo que,
eleito pela Assembléia de Buenos Aires “con la plenitud de las faculdades” e depois
com “La suma del poder público” governou Buenos Aires e, mais tarde, toda a
Argentina, de 1830 a 1852, com um só breve intervalo de três anos.
Na luta entre Rivera e Lavalleja já se nota a interferência de poderes não
nacionais: este último contava, na verdade, não só com o apoio de Rosas, mas também
do Coronel Bento Gonçalves que, contrariando as ordens do Governo Imperial, não só
auxiliava os blancos, mas chegou a invadir em 1834 o território oriental. Eram as
condições especiais da nossa fronteira sulina que impeliam o Brasil para as
complicações platinas, impotente o Gabinete de S. Cristóvão de garantir a neutralidade
que, por todos os motivos, lhe parecia necessária.
1835 foi um ano importante no contexto do Prata: Bento Gonçalves rebela-se
contra a Regência, iniciando a Revolução Farroupilha que só em 1845 é debelada:
Rivera termina seu mandato e é substituído por Manuel Oribe, por ele indicado; Rosas
assume o governo pela segunda vez.
Oribe, que no início do governo era contrário a Bento Gonçalves e Lavalleja,
muda de posição. Alia-se a Rosas e, como Lavalleja, vai apoiar Bento Gonçalves, volta-
se, então contra Rivera que é derrotado, mas que, pouco depois, invade o Uruguai,
tornando-se aliado dos Farrapos que Rosas e Oribe passam a hostilizar.
Nessa instabilidade, Rivera volta a combater Oribe com sucesso em 1836,
desbaratando suas tropas em Palmar, apesar do auxílio concedido por Rosas. Oribe é
obrigado a encerrar-se em Montevidéu, enquanto Rivera domina o resto do país.
Rosas, nesse contexto, envia um representante ao Rio de Janeiro, Sarratea, com o
fito de alertar o Governo Imperial para o perigo que representava, para o Brasil e a
Confederação Argentina, a união de colorados uruguaios e de unitários argentinos
proscritos, sob a proteção de chefes da Revolução Farroupilha. Muito sintomaticamente
propõe a negociação de um acordo de extradição. Com a entrada de tropas argentinas
em território uruguaio, complicam-se as relações de Rosas com o Império e a proposta
do acordo de extradição não teve seguimento.
Reagindo às dificuldades que enfrentava o comércio francês na Confederação, o
Governo francês em 1838 instrui o Almirante Leblanc a bloquear Buenos Aires,
iniciativa contraproducente que exacerbou ainda mais os ânimos e que deu a Oribe outra
oportunidade de manifestar sua inteira concordância com Rosas. Em 1840 o Governo
francês, por intermédio de Montevidéu, concluiu um Tratado com Rosas: “Salvos os
interesses franceses, a França não interviria mais no Prata”.
Entretanto, Oribe renuncia e se retira para Buenos Aires, enquanto Rivera é
reeleito presidente, gozando então de grande prestígio. Rosas, porém, tendo notícias de
que na República Oriental se tramava uma conspiração contra ele, invade o Uruguai,
mas é derrotado em 1839. Volta, entretanto, a enfrentar Rivera que derrotado em 1842,
foge para o Brasil. Oribe apodera-se de quase todo o país e fixa-se em Cerrilo, perto de
Montevidéu que é sitiada - é a “Tropa Americana” que, abrigando inclusive os
refugiados unitários argentinos, somente 10 anos depois consegue ver-se livre do cerco
impiedoso.

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O governo oriental, entretanto, nessas difíceis condições envia ao Rio Magariños
que não consegue, porém, mudar a política de neutralidade esposada pelo Governo
Imperial. Rosas, por sua vez, manda à Corte brasileira D. Tomás Guido que não obtém a
aceitação da proposta de seu Ministro de Relações Exteriores Araria, para através de
uma aliança “acabar de vez com Rivera”. Era a manutenção de nossa neutralidade.
Rivera em 1843 é surpreendido e derrotado em Arroio Grande. Os representantes
da França e da Inglaterra voltam a oferecer a Buenos Aires sua mediação, em forma de
ultimatum. Persiste, entretanto, Guido nas suas tentativas de mudar a orientação do
Gabinete de São Cristóvão, o que consegue ao mostrar ao Ministro dos Negócios
Estrangeiros documentação comprometedora que não deixa dúvidas quanto à aliança de
Rivera com os Farroupilhas. Foi assinado, assim, a 24 de maio de 1843, entre o Império
e a Confederação, o Tratado de Aliança Ofensiva e Defensiva “contra o poder e
autoridade que exerce Frutuoso Rivera na República do Uruguai, e contra os rebeldes da
Província do Rio Grande de São Pedro do Sul, e contra os partidistas do dito caudilho e
dos mencionados rebeldes”. Esse Tratado é ratificado imediatamente pelo Imperador,
mas, ao chegar o instrumento a Buenos Aires, Rosas não o ratificou, alegando que, no
texto, se omitia referência a Oribe, com sua condição de Chefe de Estado. A razão,
porém, era outra: vendo-se fortalecido com o desaparecimento da ameaça anglo-
francesa, não mais necessitava Rosas da cooperação do Império. Esse fato foi
considerado uma ofensa ao Imperador e muito contribuiu para tornar ainda mais tensa a
atmosfera que cercava o Prata.
Retomou, assim, o Império sua política de não ingerência, qualificada, entretanto,
de “neutralidade de expectativa” pelo novo Ministro dos Negócios Estrangeiros Paulino
José Soares de Souza, futuro Visconde do Uruguai.
Os acontecimentos, porém, precipitaram-se. Lord Aberdeen dera ordem para que
as autoridades navais inglesas reconhecessem o bloqueio decretado por Rosas ao porto
de Montevidéu, enquanto o Governo Imperial instruía seus representantes a seguirem o
procedimento dos franceses e ingleses. Nosso Ministro em Montevidéu, Cansanção de
Sinimbu, entretanto, não acatando tais instruções, recusou-se a reconhecer o “bloqueio
parcial” que “contrariava o Direito das Gentes, estabelecendo uma discriminação entre
potências neutras e feria os interesses do Brasil”. Essa decisão, aceita com alegria em
Montevidéu, provocou violenta reação de Rosas. Seu Ministro Araria enviou notas mais
do que descorteses a Ponte Ribeiro, nosso Ministro em Buenos Aires, o qual, apesar de
não aprovar a atitude de Sinimbu, achou-se na obrigação de defendê-lo.
O Governo Imperial recebeu com surpresa as informações de Sinimbu, e
desejando manter sua neutralidade, deu ordens para que se reconhecesse o bloqueio. Era
demasiado tarde. O Almirante Brown já se havia retirado e o bloqueio nunca se
efetivou. Sentindo-se desautorizado, Sinimbu retornou ao Rio, apesar da insistência em
contrário de Paulino.
A troca de notas entre Araria e Ponte Ribeiro, em linguagem violenta, teve como
conseqüência a entrega de passaportes ao representante brasileiro. As relações entre o
Império e Rosas, a partir desse desentendimento, passaram a piorar irremediavelmente.
A reafirmação, em 1844, por parte do Brasil, do reconhecimento da independência
do Paraguai, muito contribuiu para deteriorar nosso relacionamento com Rosas, sempre
esperançado de reconstituir o antigo vice-reinado do Prata.
A missão de que fora encarregado o Visconde de Abrantes na Europa, visando um
entendimento com a Inglaterra e a França, com o fim de terminar a guerra entre a

30
Argentina e o Uruguai, foi mal interpretada, enquanto que a fuga do General Paz
suscitou grande celeuma em Buenos Aires.
Cresciam, por outro lado, as queixas dos estancieiros brasileiros afazendados no
Uruguai, contra os desmandos de que eram vítimas por parte das tropas de Oribe. Tendo
as perdas de gado atingido cerca de 800.000 cabeças, resolveram estancieiros gaúchos,
sob o comando do Barão de Jacuí, realizar incursões de represália em território
uruguaio, que o governo brasileiro era impotente para refrear.
Intérprete de um desagrado crescente, no Rio de Janeiro, o General Guido chegou
a pedir seus passaportes em 1845, reconsiderando, porém, essa decisão. Seus
interlocutores foram o Marquês de Olinda e o futuro Visconde do Uruguai. O primeiro,
em 1848, fez enorme esforço para chegar a um entendimento com Guido, não o
conseguindo, porém. O segundo, em 1849, das conversações com o Ministro argentino e
com o representante oriental D. André Lamas, deduziu que a intenção de Rosas era
procrastinar a solução das questões com o Império até resolver o problema com
Montevidéu e atacar o Rio Grande. Fez questão de responder a todas as queixas
formuladas pelo Ministro argentino desde 1843, não lhe dando, porém, as satisfações
exigidas. Sendo impossível chegar a um acordo, Guido pedia, em outubro de 1850, seus
passaportes, deixando pouco depois a Corte do Rio de Janeiro.
Chegados os acontecimentos a este ponto, teria Soares de Souza de tomar
rapidamente as medidas que lhe pareciam pertinentes. Fora ultrapassada, sob a pressão
dos fatos, a tradicional neutralidade do Império.
D. André Lamas havia manifestado a Paulino, as dificuldades financeiras por que
passava o governo sitiado de Montevidéu, após a diminuição do subsídio que recebia do
governo francês. Para saná-las, prontificou-se Irineu Evangelista de Souza, o futuro
Visconde de Mauá.
Além desse apoio financeiro, o Ministro brasileiro assegurou à praça sitiada de
Montevidéu que o Império estaria atento a qualquer iniciativa de Oribe, que visasse
tomá-la.
Paralelamente, procurou o Governo Imperial alianças, voltando-se para o Paraguai
e para Entre Rios. Em Assunção é celebrado, em 25 de dezembro de 1850, um “Tratado
de Aliança Defensiva”. Com Urquiza, o assunto é mais delicado, mas, ainda assim, foi
assinado um convênio tripartite, a 29 de maio de 1851, que versa especialmente sobre a
expulsão de Oribe e das forças argentinas do território uruguaio e a futura constituição
do governo da República Oriental, a ser presidido pelo General Eugênio Garzon.
As operações militares iniciaram-se em 1º de abril de 1851, logo após a ruptura de
Urquiza com Rosas. O Almirante Grenfell assumiu o comando da esquadra brasileira no
Rio da Prata, sendo o Conde de Caixas nomeado presidente da Província do Rio Grande
e comandante-em-chefe do Exército. A 12 de outubro, renderam-se as forças de Oribe
ao general Urquiza, sem qualquer reação.
Neste mesmo dia, no Rio de Janeiro, assinavam-se entre o Brasil e o Uruguai os
Tratados de Aliança, de Limites, de Comércio e Navegação, de Extradição e uma
Convenção de Subsídio.
Concluída a primeira fase das operações referentes a Oribe e seus seguidores na
República Oriental, era necessário combinar com Urquiza os planos para a campanha
contra Rosas. O governo imperial designou para este fim Honório Hermeto Carneiro
Leão que, em Montevidéu, negociou com D. Manuel Herreara y Ubes, Ministro das

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Relações Exteriores do Governo uruguaio e o Dr. Diogenes de Urquiza que além de seu
pai, representava o Governador de Corrientes, um “Convênio Especial de Aliança” que
visava a “liberar o povo argentino da opressão que suporta sob a dominação tirânica do
governador D. João Manoel de Rosas”.
Iniciadas imediatamente as operações, coube ao conde de Caxias o plano da nova
campanha, permanecendo na Colônia do Sacramento para atacar Buenos Aires se
houvesse reação de Rosas. A Armada sob o comando de Grenfell forçou a passagem de
Tonelero e desembarcou o exército, cuja divisão brasileira era comandada pelo
brigadeiro Manuel Marques de Souza depois conde de Porto Alegre.Em 3 de fevereiro
de 1852, em Monte Caseros, deu-se o choque definitivo. Vencido, Rosas recolheu-se a
Buenos Aires, assinou sua renúncia e refugiou-se, com a filha Manuelita, em navio
britânico, viajando após para a Inglaterra onde viveu vários anos, até sua morte.
Foi então organizado em Buenos Aires novo governo chefiado por Urquiza. Em
1856 assinou-se entre o Império e a Argentina um Tratado de Amizade, Comércio e
Navegação.
Encerrava-se, assim, uma página importante e tumultuada da história dos países
do sul deste subcontinente americano.

1.3.6. Relações com o Prata (1852-1864)


Com Caseros não se resolveram, entretanto, todos os problemas da região platina.
Longe disso.
Procurando analisar o significado mais profundo da queda de Rosas, Calógeras a
coloca como ponto de referência da posição argentina naquela época, em relação à idéia
da restauração do vice-reinado do Prata:
“A princípio, por 1810 - assinala o historiador (“Formação Histórica do Brasil”,
Brasiliana. vol. 12. São Paulo, 1867, pags. 223 e 224) - o ideal de independência e de
unidade do antigo vice-reino de Buenos Aires havia inspirado todos os grandes chefes
do país, Paraguai excetuado, pelo isolamento imposto em todas as coisas pelo Dr.
Francia. Todos eles, por meios diferentes e por métodos variáveis, haviam procurado
servir ao mesmo alvo. Por ele Artigas havia combatido por parte do Uruguai, sob a
forma de uma federação.
Os diretores das Províncias Unidas buscavam uma solução na receita monárquica.
Os unitários queriam grupar todas as frações territoriais sob o predomínio de Buenos
Aires. Os federais, adotando essa forma de organização governamental afirmavam, com
o severo predomínio de Rosas, a supremacia de Buenos Aires, a esmagarem toda
tendência de secessão, negarem o reconhecimento da autonomia paraguaia e se
esforçarem, através de Oribe, a constranger o Uruguai a se reincorporar na
Confederação. Desse ponto de vista, o Tratado de 1828 valia por um triunfo do ideal
independentista pelo forçado recuo do imperialismo brasileiro de D. João VI e de D.
Pedro I, tanto quanto da política reconquistadora da Argentina.
Mas, chegado aí, grande divergência de rumos se tornava evidente, embora o
Uruguai nela não quisesse acreditar por largos anos: o Brasil havia sinceramente
renunciado a todos os seus pruridos conquistadores de tempos idos, enquanto Rosas e
seus federados não tinham cedido de seus antigos ideais, e ainda se inspiravam na
sombra prestigiosa do vice-reino.

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Até Caseros, e este é um dos motivos para ser considerada essa data como uma
das capitais, um dos fatos dominantes e decisivos da história do Rio da Prata, tal
miragem havia sido o elemento perturbador dos acontecimentos políticos dessa região.
A partir de Caseros cessou: o Uruguai foi considerado como verdadeiramente
independente na mentalidade argentina.
A intervenção de Buenos Aires na margem oriental do grande rio passou a ter
outro fundamento: Urquiza havia-se tornado inimigo de Buenos Aires, já agora isolada
pelas violências do governador de Entre Rios; os chefes colorados do Uruguai vencidos
pelo governo blanco de Montevidéu, tomaram lugar ao lado de Buenos Aires, para onde
tinha fugido, enquanto Urquiza e a Confederação eram aliados dos blancos uruguaios.
Assim, dois grupos surgiram logicamente: Venâncio Flores e seus colorados, com
Buenos Aires contra os blancos da antiga Cisplatina e Urquiza. E, como esta última,
agregação era uma ameaça à primeira, procuravam os porteños enfraquecer a seus
adversários, unindo-se ao grupo colorado”.
Passavam a ser assim de ordem política interna as desavenças que se verificam no
quadro conturbado da Bacia do Prata neste período, entre argentinos e uruguaios.
Com o Brasil e os brasileiros o fenômeno foi distinto e decorreu principalmente
do fato de que no Estado Oriental, não se convenceram seus nacionais, como
assinalamos, de que as tendências imperialistas de D. João VI e D. Pedro I sepultaram-
se com a Convenção preliminar de paz de 1828. Havia, no subconsciente da população e
dos governantes uruguaios, uma espécie de idéia fixa de que a preocupação-mestra da
política internacional do Brasil era a reconquista do território da antiga Cisplatina.
Outros motivos de queixa se prendiam a questões de limites, de maneira especial,
às cláusulas do Tratado de 1851 referentes à posse e utilização exclusivas da Lagoa
Mirim e do Rio Jaguarão, tema que somente em 1909 seria solucionado.
A esses motivos acresciam, como já assinalado ao ser tratado o período anterior, o
número considerável de brasileiros e de luso-descendentes que habitavam o país, a
intimidade que existia entre as populações de um e outro lado da fronteira, e a
competência que se estabelecia entre produtores do mesmo ramo de atividade
econômica.
Somava-se a esse contexto, já por si preocupante, a existência de grupos armados
que percorriam incessantemente o país e que, principalmente nos momentos de relativa
tranqüilidade, dedicavam-se a toda sorte de excessos provocando reações e represálias
que, por sua vez, aumentavam as atividades que procuravam coibir, formando-se grave
círculo vicioso.
Após Caseros, com efeito, voltaram a imperar no Uruguai a intranqüilidade, a
insegurança e a instabilidade. Problemas políticos internos sérios repercutiam em
Buenos Aires, enquanto a desordem e a anarquia refletiam-se na vida de brasileiros
residentes na República e em toda a região fronteiriça da Província do Rio Grande.
Como recorda Calógeras (idem, pág. 216), “da eleição de Giró, em março de
1852, à escolha regular e legal de Gabriel Antonio Pereira, em março de 1856, num
intervalo de quatro anos portanto, haviam sucedido na presidência dois constitucionais,
Giró e Flores; três ditaduras, as do triunvirato, de Flores e de Lamas, e dois governos
interinos, dos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados. Três revoluções
tinham explodido no período intermediário: uma em 1853 e duas em 1855. A situação
resultava intolerável”.

33
A morte prematura do General Garzon impediu que fosse levada a cabo a
tendência de “lançar as bases de um novo edifício de paz”. A escolha de seu sucessor
foi uma dificuldade: diante da incapacidade dos colorados de chegarem a um acordo
quanto a alguns dos seus, foi preciso recorrer a um blanco, D. Juan Francisco Giró que,
eleito em 1852, criou problemas com os colorados, Urquiza e o Brasil, com cujo
governo levantou a questão da validade dos tratados de 1851. Um problema relacionado
com o Exército, onde a maioria era colorada, terminou em conflito que feriu de morte a
autoridade do presidente o qual, em 1853, viu-se obrigado a refugiar-se na legação
francesa.
Um triunvirato foi formado para governar o Estado, composto de Lavalleja,
Rivera, ainda exilado no Brasil, e o chefe dos colorados D. Venâncio Flores. O primeiro
faleceu em outubro de 1853 e Rivera, ao retornar a Montevidéu, em princípios do ano
seguinte. Restava Flores, que foi eleito presidente em 1854 por um prazo de dois anos.
Em 1855 Flores passa o governo ao Presidente do Senado e considera azado o
momento para entrar em entendimentos com Oribe, talvez preocupado com a influência
crescente do grupo conservador no partido colorado. Ganha as eleições, entretanto, o
candidato de Oribe, Gabriel Antonio Pereira.
Delgado de Carvalho (“História Diplomática do Brasil”, 1959, págs. 80 e Seg.)
assim se refere a Pereira e a seus dois imediatos sucessores:
“Gabriel Pereira quis se manter alheio aos partidos, neutro e imparcial. Vacilante
e pouco hábil, cedo caiu nos braços de uma oligarquia civil, atacou em sua
independência o poder legislativo, suprimiu a liberdade de imprensa, deportou militares
e precisou enfrentar também uma revolução armada que, depois de alguns sucessos na
campanha uruguaia, teve de capitular no Paso de Quinteros, ao norte de Durazno.
Cometeu o governo de Pereira o erro imperdoável de fuzilar os chefes revoltosos, entre
outros, Cesar Diaz, herói de Caseros e Manuel Freire um dos “Treinta y Tres” do ano
25.
Bernardo Berro, sucessor de Pereira, apesar de uma boa administração econômica
e financeira que fez progredir consideravelmente o país, continuou os desatinos do
quatriênio anterior e violou a Constituição para “evitar los males que resultarían de su
cumplimiento”. Começou a emigração colorada para Buenos Aires. Por fim, Venâncio
Flores, à frente do Exército Libertador, marchou sobre Montevidéu, derrotando em
vários encontros as forças governamentais. Vencidos, porém, os revoltosos, foram
iniciadas negociações, que falharam. Antes de deixar o poder, Berro preparou terreno
para as eleições que levaram à presidência Atanásio Aguirre, a 16 de março de 1864.
Recebera o novo governo o país em plena anarquia política, causada pela
revolução permanente, as desordens, os desatinos dela decorrentes. De um lado, Flores à
frente de numerosos partidários percorria a campanha; do outro, Francisco Solano
Lopes, recém-chegado ao governo do Paraguai, tinha plano preconcebido de hegemonia
político-militar no Prata, e a guerra civil no Estado Oriental parecia um pretexto para
intervenção; do lado brasileiro, por fim, multiplicaram-se as reclamações e os protestos
contra os atentados a propriedades e a súditos brasileiros nas regiões fronteiras”.
Intensificavam-se, na verdade, esses atentados. A própria situação de instabilidade
interna do Uruguai, com bandos armados a percorrerem continuamente todo o país,
dava origem a esses excessos, que se intensificavam quando havia reação. Estabeleceu-
se, assim, um círculo vicioso que as circunstâncias impediam cortar.

34
Calógeras procurou sintetizar essa penosa situação na sua obra “Formação
Histórica do Brasil” (pags. 221 e 222):
“Numerosos brasileiros eram possuidores de terras no Uruguai, em continuidade
com as estâncias que tinham no Rio Grande, O sentimento hostil, não público, a
princípio, manifestava-se em pirraças e pequenos vexames; mais tarde, foram ataques
mais graves, assassínios, roubos de gado, ao longo todo da fronteira. Passando mais
tempo, fizeram-se incursões dentro da província, cada vez mais audaciosas e
prejudiciais, à medida que o ódio crescia contra o Brasil no país lindeiro”
Sempre foram conhecidos os rio-grandenses como belicosos, suscetíveis em
matéria de pundonor. Tais processos de vexatória hostilidade puseram a província toda
em pé de guerra: sua única propriedade, o gado, estava ameaçada; suas vidas, postas em
perigo; suas fazendas, invadidas e destroçadas. Não se tratava de prejuízos sem
importância: mais de 800.000 cabeças assim haviam desaparecido, e os atos de
banditismo se exerciam por mais de seiscentas léguas quadradas de pastagens ricas em
campos finos.
Queixas afluíam no Rio, e o gabinete reclamava diplomaticamente em
Montevidéu perante suas autoridades. Tal era a situação perturbada da República, desde
1852 até à presidência de Berro, que faltavam ao governo local os meios materiais de
fazer justiça, ou mesmo de ouvir imparcialmente os queixosos, em um país dilacerado
pela guerra civil. Cônscio disto, o Brasil não podia e não queria insistir demasiado em
seus esforços de exigir reparações pelos males e prejuízos sofridos por seus nacionais, e
adiava tal prestação de contas para dias mais calmos.
Assim se foi protelando, até à subida de Berro à presidência. Mas eram assim
doze anos de abandono e de paralisação na defesa dos interesses rio-grandenses, e estes
sofriam e gritavam até que, cansados de se verem a sós, começaram a procurar justiça
por suas próprias mãos.
Pequenos bandos começaram a cruzar a fronteira, e iam ao Uruguai recapturar
seus rebanhos roubados, e tornar efetivos seus direitos, à força de armas. A essa natural
reação dos interesses lesados e conspurcados, Montevidéu chamava de intervenção
brasileira na vida interna da República. Mais ainda, quando, desesperados os brasileiros
com os desmandos das autoridades da campanha uruguaia, e ciosos por defenderem
seus legítimos direitos violados, fizeram causa comum com os adversários de seus
perseguidores impenitentes, causa real de tais conflitos.
Tornaram-se cada vez mais numerosos e graves tais recontros, e atingiram seu
auge durante o levante de D. Venâncio Flores, em 1863. Os rio-grandenses haviam
organizado verdadeiros bandos militares, tropas irregulares, sob o comando do Barão do
Jacuí, um dos melhores auxiliares de Caxias durante a Guerra dos Farrapos, estancieiro
ele próprio, e lesado pelas desordens da fronteira.
Como era natural, Montevidéu queixava-se. Do Rio partiam ordens às autoridades
provinciais, mas tais instruções só parcialmente, isto mesmo mal eram atendidas ao
longo da linha divisória, pois os habitantes dessa região sabiam e sentiam a justiça de
suas reivindicações, e sabiam ainda que somente se batiam para que suas vidas e suas
propriedades fossem respeitadas.
Esses acontecimentos tinham inevitavelmente de repercutir internamente no Brasil
e, de maneira especial no Rio de Janeiro, para onde se voltavam as esperanças de uma
solução a problemas que o tempo só fazia agravar. A imprensa e o Parlamento se
sensibilizaram com essa situação e a pressão sobre o Governo aumentou. Achavam

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todos que as reclamações e os protestos diplomáticos deveriam se revestir de mais
vigor. O General Neto, que aportava à Corte como representante dos estancieiros, não
teve dúvidas em deixar claro que os gaúchos do Rio Grande, caso o Governo Imperial
não tomasse uma decisão drástica, estariam decididos a resolver a questão com as
próprias forças locais mesmo correndo o risco de uma nova secessão”.
É expressiva a maneira com que Delgado de Carvalho (op. cit. pags. 81 e 82)
espelha a atmosfera que se formara na capital do Império:
“Os acontecimentos do Uruguai criaram no Rio de Janeiro uma atmosfera política
muito pouco favorável a uma atitude de prudente expectativa. Em princípios de 1864,
chegava à capital do Império o Brigadeiro Neto que vinha expor à Corte as condições de
intranqüilidade que reinavam na campanha uruguaia. Vinha trazer uma representação
formal dos estancieiros limítrofes com um apelo ao Governo. Fez-se porta-voz da
opinião pública, O Espectador da América do Sul órgão de José Maria do Amaral, que
denunciava as atrocidades e concluía: “0 General, aqui, é a voz de quarenta mil
brasileiros residentes no Estado Oriental do Uruguai, dirigindo ao Governo Imperial a
seguinte interrogação: somos ou não súditos do Imperador? temos direito a vossa
proteção ou devemos contar somente conosco? (março de 1864).
Caía, então, o ministério conservador, substituído pelo ministério progressista de
Zacarias de Góis e Vasconcelos, sendo Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros
o Conselheiro Pedro Dias Vieira.
Na Câmara dos Deputados, começa, em abril, uma série de interpelações e ataques
violentos. Ferreira da Veiga critica a neutralidade que Dias Vieira diz ser estritamente
observada na luta civil do Uruguai. Descrevendo a situação, diz Hélio Lobo: - Um
quadro de horrores desenrolou-se, então, em face da Câmara, atônita. Devia ser grande a
comoção, para que aquela voz de conservador agastado sublevasse o recinto. Brasileiros
decapitados pelas estradas, trazendo alguns deles por escárnio na boca o título da sua
nacionalidade: homens indefesos obrigados ao serviço das armas, a pena de açoites
instituída nos lares pela mão das autoridades coniventes; assassínios impunes; lares
desonrados; torturas inauditas; a morte, a destruição, o saque... (Hélio Lago, Antes da
Guerra, Rio 1914, pag. 38).
“No Senado cabe a Pimenta Bueno, a propósito da resposta à Fala do Trono,
criticar a política exterior do ministério liberal. A neutralidade que se tem observado,
diz ele (11.2.1864) é, sem dúvida, boa política, mas não pode ser uma política absoluta
ou imutável. É boa política só enquanto não compromete os direitos ou grandes
interesses do país. Há naquelas campanhas 30 a 40 mil brasileiros que possuem imensos
capitais; é preciso que a neutralidade se combine com a segurança das vidas e das
fortunas desses brasileiros”, (Souza Docca, Causas da Guerra com o Paraguai, Porto
Alegre, 1919, pág. 24).
“A imprensa do Rio alimenta a indignação reinante na opinião pública. O Correio
Mercantil é intervencionista. O Espectador da América do Sul, cujo diretor é elogiado
por Hélio Lobo, por se preocupar com todas as grandes questões que interessam a
nação, recebe a seguinte correspondência de Montevidéu: - Os nossos compatriotas da
campanha não ocultam as suas simpatias pela causa de Flores... e esta manifestação
propagar-se-á até o derradeiro extremo da fronteira. Este procedimento é fundado na
esperança de que o governo de Flores atenda as reclamações pendentes e, além disso,
afiance a segurança da vida e bens dos brasileiros. O General Flores não há de ser
melhor a este respeito do que os outros presidentes... Não há que apelar senão para o

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nosso próprio governo e, em último caso, para nós mesmos, rio-grandenses, que,
chegada a última necessidade, saberemos fazer com que nos respeitem”.
Ao Governo Imperial não cabia senão ser o intérprete desse estado de espírito
fazendo-o naturalmente, com as cautelas que aconselhava a prudência. Com essas duas
preocupações, resolveu tomar uma decisão firme, mas encarregou de implementá-la
uma figura de político que sempre se notabilizara pela habilidade, pelo equilíbrio, pela
moderação e por uma tendência natural à conciliação, o Conselheiro José Antonio
Saraiva.
“As ordens do Gabinete Imperial visavam o envio a Aguirre de um ultimatum,
exigindo compensação dos prejuízos causados a brasileiros, punição dos responsáveis e
a instauração de uma era de justiça; se fosse recusado o pedido, tropas brasileiras de
terra e mar efetuariam represálias. Saraiva, entretanto, preferiu silenciar sobre tais
exigências, a fim de ver se conseguia persuadir e pacificar os contendores, em vez de
ameaçar.
A 12 de maio de 1864, apresentou suas credenciais, e a 18 remeteu uma nota,
perfeitamente cortês, expondo os fins de sua missão. Em resposta, recebeu uma
comunicação furiosa e rude, impregnada de ódio partidário em todos os seus termos. O
enviado brasileiro recusou discutir nesse tom e, em nota de 4 de junho, polidamente
expôs quanto eram insignificantes os argumentos usados contra a explanação imperial
dos negócios e das queixas. Ainda então, não apresentou o ultimatum.
Estava esperando uma contestação, quando, a 6 de junho, o ministro argentino dos
Negócios Estrangeiros, D. Rufino de Elizalde, e o ministro britânico Edward Thornton
chegaram a Montevidéu, com o intuito confessado de oferecerem seus bons ofícios a
Aguirre, pois assim desejava vivamente todo o corpo diplomático residente em Buenos
Aires. Sentiu-se Saraiva esperançado com tal iniciativa, e pensou que o Uruguai
chegaria a entendimento. Junto com os mediadores espontâneos, foi ao presidente, e,
depois de protraída discussão, todos chegaram a um acordo, fórmula conciliadora que
talvez pudesse pôr termo à luta cruenta e restaurar a paz no país, alvo precípuo dos
esforços combinados de todos eles, preliminar necessária para se solverem as
dificuldades com o Brasil. Tudo veio a público em 10 de junho.
Foi então consultado o General Flores, que concordou com as medidas contanto
que Aguirre chamasse para seu gabinete ministros novos que pudessem inspirar
confiança aos colorados, mas fazendo dessa condição nova uma preliminar essencial
para seu próprio assentimento.
Os protocolos dessas negociações foram redigidos e submetidos ao Governo
Oriental, finalmente aceitos por este, embora algumas objeções, poucas, fossem feitas e
resolvidas. À última hora, quando se tratou de entregar os documentos a Flores,
verificaram os mediadores, com indignação extrema, que Aguirre havia publicado
condições divergentes das que tinham sido acordadas no pacto discutido e aceito...
Do debate descosido e sem nexo que então se travou, resultou apenas a
comunicação de 3 de julho feita a Flores, de que o presidente havia mudado de parecer,
e recusara. A luta civil, suspensa desde o início das tentativas pacificadoras, começou de
novo, e agora, com redobrada fúria, pela indignação resultante da falta de fé no governo.
Mais uma vez, Saraiva delongou o cumprimento de sua incumbência. Passou-se
para Buenos Aires, a fim de enviar seu relatório das ocorrências ao Rio com os devidos
detalhes, expor a nova situação e pedir instruções definitivas. Mesmo então, não fechou
a porta às trocas de visitas e à possibilidade de acordos de última hora. Tal era sua

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ansiosa sofreguidão em evitar violências. Nada mais restava, respondeu-lhe o gabinete,
do que conceder a Aguirre prazo curto para satisfazer às exigências brasileiras, e, caso
denegado a justiça, obtê-la por meio de represálias.
A 4 de agosto de 1864, o ultimatum foi apresentado. A 9, o Ministro uruguaio das
Relações Exteriores o devolveu, como inaceitável, e propôs o arbitramento. Já agora, tal
proposta não podia ser aceita nem tomada em consideração, pois significava apenas
protrair um debate já velho de muitos anos, e no qual a boa fé do Brasil servira de
joguete. A 30 de agosto, o Uruguai rompeu relações diplomáticas com o Império.
(Calógeras, op. cit. pags. 225 e 226).
Saraiva retirou-se para o Rio de Janeiro em setembro, considerando finda sua
missão. Antes de partir, porém, assinou, com o Ministro das Relações Exteriores da
Argentina, Rufino de Elizalde, uma declaração de que, em qualquer caso, a
Independência do Uruguai seria respeitada.
Com a partida de Saraiva, a responsabilidade pelos acontecimentos, por parte do
Brasil, recaía no Comandante das Forças Navais estacionadas no Rio da Prata, o
Almirante Barão de Tamandaré, que considerou dever seu tomar as medidas militares
que o ultimatum previra, após assinar com Flores, a 10 de outubro, o acordo secreto de
St. Lúcia sobre as reclamações brasileiras. A 12 de outubro ocupou Melo. Os navios de
Tamandaré, ao lado dos de Flores, sitiaram Paissandu que se rendeu, após nova
investida, a 2 de Janeiro. A atenção das forças binacionais voltava-se, então, para
Montevidéu, sitiada por Flores e bloqueada por Tamandaré.
Em dezembro, entretanto, chegava ao Prata, como chefe de outra Missão Especial,
o Conselheiro José Maria da Silva Paranhos, o futuro Visconde do Rio Branco, que já
tinha sido por três vezes Ministro dos Negócios Estrangeiros. Preocupou-se
imediatamente em fazer cessar as hostilidades, dando cunho diplomático às suas
gestões. Reconheceu a Flores a qualidade beligerante e o general uruguaio, pouco
depois, se comprometeu a atender as reclamações do ultimatum. Encontraram-se, pouco
depois, em Fray Bento e, em fevereiro de 1865, assinaram, com o novo Ministro das
Relações Exteriores do Uruguai, Herrera y Obes, o Convênio de Paz que pôs fim às
hostilidades. O governo de Aguirre terminara a 15 de fevereiro e o novo presidente,
Tomás Villalba, pedira imediatamente ao Ministro italiano, Barbolani, para intervir
solicitando a paz. Aliás, Aguirre, sitiado em Montevidéu, resolvera capitular para evitar
lutas inúteis, estando já todo o país subordinado a Flores.
Terminava, assim, outro período tumultuado da História dos países platinos.
Infelizmente, porém, deixou seqüelas que cedo se fariam sentir com a intervenção do
Marechal Francisco Solano Lopez, Presidente da República do Paraguai.

1.3.7. Relações com o Paraguai (1864-1879)


Nessa fase da política platina, um novo ator, o Paraguai, teria atuação protagônica.
Ainda em 1860, esse país era praticamente desconhecido nas regiões platinas, no
Uruguai principalmente. Tanto assim que, em 1862, as primeiras instruções dadas ao
emissário oriental enviado a Assunção consistiam em inquirir quais os alvos, os
interesses e as divergências de vista reinantes no Paraguai no teatro internacional.
A Argentina não se conformava, até Caseros, com a atitude tomada por Assunção
quando da Independência, recusar-se a aceitar o convite para integrar as Províncias
Unidas. Nutria, aliás, a esperança de reincorporá-la refazendo também, com a Bolívia, o
antigo vice-reinado criado por Carlos III. Daí sua recusa em reconhecer a independência

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paraguaia e a irritação, transformada em protesto, com que assistiu ao primeiro
reconhecimento oficial por parte do Império em 1842, e a renovação desse
reconhecimento em 1844. Daí também, por outro lado, a preocupação paraguaia de se
premunir contra quaisquer eventuais ataques do sul. Toda a estratégia de Francia e de D.
Carlos Antonio tinha essa razão de ser. Depois de 1852 houve, é verdade, um ou outro
contato entre os Governos de Buenos Aires e de Assunção.
Como recorda Calógeras, entretanto, “pela era dos sessenta, era o Brasil o único
poder sul-americano normalmente em contato com Assunção”.
Hélio Vianna, em sua História Diplomática do Brasil, (pags. 121 a 123), recorda
sinteticamente o que foi o “Paraguai na história e na geografia sul-americana” e “As
relações do Império do Brasil com a República do Paraguai (1824/1864)”:
“Na história da formação das antigas colônias espanholas da América do Sul, foi
excepcional a formação da atual República do Paraguai. Fundou-se Assunção pouco
depois da primeira tentativa de povoamento de Buenos Aires, e, apesar de sua maior
distância do mar, teve mais importância que a povoação platina, durante longo tempo,
embora dependessem, ambas, do Vice-Reino do Peru. Invertidas, entretanto, as
respectivas situações econômicas, passou o Paraguai a fazer parte do Vice-Reino do Rio
da Prata, nos últimos tempos coloniais”.
Libertando-se Buenos Aires da dependência da Espanha, não conseguiriam os
portenhos obter o apoio do Paraguai, que preferiu separar-se da mãe-pátria de modo a
constituir nação autônoma, apesar de várias tentativas de reincorporação. Para a
manutenção de sua independência relativamente às Províncias Unidas do Rio da Prata,
contou com o auxílio do governo português então sediado no Rio de Janeiro. Ficou,
porém, consideravelmente diminuído o seu primitivo território, limitando-se a condição
de país central, somente pela via fluvial podendo comunicar-se com o exterior. Nasceu
dessa circunstância o preventivo isolamento a que depois foi longamente submetido,
durante a ditadura de José Gaspar Rodriguez de Francia.
Coube ao Brasil modificar essa situação, conseguindo estabelecer relações com o
Paraguai ainda durante o Primeiro Reinado, por intermédio do cônsul Antonio Manuel
Correia da Câmara, nomeado em 1824, elevado a Encarregado de negócios em 1826 e
mantido no cargo até 1830.
Interrompendo-se então esse contato, somente depois da maioridade de D. Pedro
II pôde ser retomado o assunto, mediante três sucessivas e inúteis designações de
agentes brasileiros, além de solene declaração de reconhecimento da independência do
Paraguai por parte do Império em 1842.
A José Antônio Pimenta Bueno, posteriormente Marquês de São Vicente,
competiu renovar esse ato em 1844, em Assunção, o que motivou, pouco depois, um
protesto da Confederação Argentina, cabalmente respondido pelo então ministro dos
Negócios Estrangeiros, Conselheiro Antônio Paulino Limpo de Abreu, depois Visconde
de Abaeté.
Com o Presidente Carlos Antônio Lopez celebrou Pimenta Bueno o nosso
primeiro Tratado de Aliança, Comércio e Limites com o Paraguai. Como, porém, não
ficassem bem claros os termos da aliança política no mesmo convencionada, além de se
terem tornado inconvenientes, diante de novas contingências internacionais, resolveu
não ratificá-lo o Governo Imperial. As mesmas dificuldades sul-americanas
determinaram a elaboração, pelos referidos signatários, em 1845, de um protocolo sobre
a navegação dos rios Paraná e Uruguai e sobre a intervenção do Brasil, Inglaterra e

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França, visando a pacificação do conflagrado Rio da Prata, onde a Confederação
Argentina guerreava o governo legal do Uruguai.
Tendo o Paraguai, por sua vez, passado a nomear representantes junto à Corte de
São Cristóvão, também ao primeiro deles, Juan Andrés Gelly, competiu apresentar,
ainda em 1847, outra proposta de um Tratado de Aliança, Comércio, Navegação e
Limites, igualmente recusado pelo Brasil. Permanecendo, porém, a mesma situação de
insegurança na América do Sul, provocada pelo ditador argentino Rosas, assinou o novo
encarregado de negócios brasileiro em Assunção, Coronel Pedro de Alcântara
Bellegarde, em 1850, um decisivo Tratado de Aliança Defensiva entre os dois países, no
qual foi também assegurada a liberdade da navegação fluvial. Falharam, porém, no Rio
de Janeiro, as negociações de um convênio mais amplo, encaminhadas pelo novo
plenipotenciário paraguaio, Manuel Moreira de Castro, em 1852.
Uma interrupção suscetível de rompimento, com graves conseqüências, ocorreu
pouco depois. O representante brasileiro em Assunção, Filipe José Pereira Leal, depois
de ter dado andamento a outro projeto naquele sentido, foi bruscamente acusado de
intrigar contra o Presidente Carlos Antonio Lopez, entregando-lhe os respectivos
passaportes.
Respondendo ao insulto, exigiu e obteve satisfações o Império, por intermédio da
missão especial confiada ao chefe de esquadra Pedro Ferreira de Oliveira, em
1854/1855. Mas, não se limitando ao incidente, apesar de acompanhada de toda uma
divisão naval, falhou quanto à apresentação de reclamações relativas aos obstáculos
levantados contra o comércio e a navegação do Brasil no Rio Paraguai. Mais ainda,
errou ao firmar um Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, cuja validade em
última análise ficaria dependendo de uma adiada negociação de limites, o que
naturalmente não pôde ser aprovado pelo Governo Imperial.
Renovadas no Rio de Janeiro as negociações, por intermédio dos ministros José
Berges e José Maria Paranhos, depois Visconde do Rio Branco, chegaram a bom termo
em 1856, através de dois tratados, um de Amizade, Navegação e Comércio, outro de
Limites, ambos ratificados no mesmo ano, em Assunção”.
Em 1858, seguiu para a capital paraguaia o primeiro, Paranhos, assinando-se, em
12 de fevereiro, uma Convenção Adicional ao Tratado de Amizade, Navegação e
Comércio que resolveu satisfatoriamente as questões controvertidas com o Paraguai,
especialmente as ligadas à efetiva liberdade de navegação fluvial.
Falecendo D. Carlos Antonio em 1862, foi substituído por seu filho Francisco
Solano que já aos 18 anos havia sido nomeado general, comandante-em-chefe do
Exército e Ministro da Guerra, tendo, desde aquela época, considerável influência nas
decisões do governo.
Durante uma viagem à Europa, teve Solano Lopes ocasião de tomar contato com o
Império de Napoleão III, impressionando-se fortemente com o fenômeno bonapartista,
influência que poderia, posteriormente, explicar alguns de seus atos.
O fato é que, retomando a seu país, levou ao extremo as preocupações com o
fortalecimento militar do Paraguai quer intensificando os projetos de defesa que seu
antecessor iniciara, com o apoio, inclusive, do Brasil, quer aumentando os efetivos de
seu exército, tendo conseguido, em dois anos, reunir de 80 a 100.000 homens em pé de
guerra, munidos de fuzis e artilharia, enquanto o Brasil não contava naquela época
senão com 17.000 homens em armas.

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Sua idéia fixa era, na verdade, ter voz ativa na problemática do Prata e participar
das grandes decisões que, a respeito, tomavam os três outros países. O Brasil não parece
ter sido, em um primeiro momento, o alvo dessa política: visava ela fortalecer
militarmente o país que deveria vir a ser o Paraguai-Maior, com a absorção, segundo se
dizia, de Corrientes, Entre Rios e o Uruguai, tornando-se assim, uma potência atlântica.
Os acontecimentos que se passavam na República Oriental foram oportunidade
para iniciar Lopez sua atuação no cenário do Prata.
No episódio uruguaio, entretanto, a iniciativa não partiu de Lopez mas do governo
blanco de Montevidéu. Já em 1862, J.J. Herrera, em Assunção, pediu e obteve o apoio
do governo paraguaio.
Tanto assim que, quando se iniciavam as negociações entre Saraiva e o Governo
paraguaio, esse nosso representante e o governo do Rio de Janeiro receberam, datadas
de 17 de junho de 1864, notas de José Berges, Ministro das Relações Exteriores do
Paraguai, em que se oferecia a mediação de Francisco Solano Lopez para o ajuste
amigável da solução das questões entre o Império e a República Oriental. Saraiva, em
24 de junho, agradeceu, por nota, o oferecimento, declinando-o, porém, por esperar
obter bilateralmente a solução dos problemas pendentes. Nesse mesmo sentido
respondeu o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil a seu colega paraguaio.
Mais tarde, Vasquez Sagartume, ministro uruguaio em Assunção, entrou em
entendimento com o governo local, a fim de obter dele a condenação de qualquer ação
intervencionista do Brasil. No mesmo dia, 30 de Janeiro de 1864, no qual o Ministro do
Brasil em Montevidéu, João Neves Loureiro, recebia seus passaportes e se ausentava do
posto, o Ministro Berges apressou-se a oficializar o protesto contra qualquer ocupação
temporária ou permanente do território oriental, considerada por seu Governo como
atentatória do equilíbrio dos Estados do Prata, que interessava à República do Paraguai
como garantia de sua segurança, paz e prosperidade, e protestava da maneira mais
solene contra tal ato, desonerando-se desde já de toda responsabilidade pelas
conseqüências da presente declaração.
Os acontecimentos se precipitam. Paralelamente ao que se passava na República
Oriental, o governo paraguaio, em 13 de novembro, captura o vapor brasileiro “Marquês
de Olinda” que se dirigia, pelo Rio Paraguai, rumo a Mato Grosso, e aprisiona seus
passageiros e tripulação, inclusive o novo governador daquela Província, Carneiro de
Campos. Ao nosso ministro Viana de Lima, que protestava contra essas arbitrariedades,
foram no dia seguinte entregues seus passaportes.
A 13 de dezembro, o Governo paraguaio declara guerra ao Brasil e a 26 inicia o
ataque ao Forte de Nova Coimbra, invadindo a Província de Mato Grosso.
Em janeiro Solano Lopez pede ao governo argentino permissão para que as forças
paraguaias atravessem as províncias de Corrientes e Entre Rios para atacar o Rio
Grande do Sul. Diante da negativa de Mitre, declara guerra à Confederação e invade
Corrientes, contando certamente com o apoio que esperava ter de Urquiza que
permaneceu, entretanto, inativo.

1.3.8. O Tratado da Tríplice Aliança


As circunstâncias não favoreceram o presidente paraguaio nesses momentos
extremamente delicados. A atitude de completo retraimento de Urquiza constituiu
surpresa e sério revés aos planos de Lopez. No Uruguai, em vez de contar com o
governo amigo, deparou-se com Venâncio Flores, aliado do Brasil. O governo argentino

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cedo verificou que seria difícil manter-se neutro, diante, inclusive, da invasão de seu
território. A aliança dos três governos para combaterem o inimigo comum era a
tendência política natural que necessitava somente de um tratado que a oficializasse. Foi
o que se deu.
A Paranhos substituía, como ministro em missão especial em Montevidéu, o
conselheiro Francisco Otaviano de Almeida Rosa que chegou a seu posto em março de
1865. Pouco depois assinava, em Buenos Aires, em 10 de maio, com Rufino de
Elizalde, Ministro das Relações Exteriores da Argentina e com o plenipotenciário
uruguaio Carlos de Castro, o Tratado de Aliança Ofensiva e Defensiva.
Esse Tratado, conhecido como “da Tríplice Aliança” definiu, no artigo lº, sua
própria finalidade: unirem-se os signatários “em aliança ofensiva e defensiva na guerra
promovida pelo governo do Paraguai” esclarecendo, no artigo 7, que a Guerra não é
“contra o povo do Paraguai e sim contra o seu governo”. O artigo 3º trata do “comando-
em-chefe e direção dos exércitos aliados”, que recaíram em Mitre, “devendo começar as
operações de guerra no território da República Argentina ou na parte do território
paraguaio que é limítrofe com aquele”. Firmam, entretanto, as Partes Contratantes, “o
princípio da reciprocidade para o comando-em-chefe, caso as ditas operações se
houverem de transladar para o território brasileiro ou oriental”.
De acordo com o artigo 6º, “os aliados se comprometem solenemente a não
deporem as armas se não de comum acordo, e somente depois de derrubada a autoridade
do atual governo do Paraguai; bem como a não celebrarem tratados de paz, trégua ou
armistício, nem convenção alguma para suspender ou findar a guerra, se não de perfeito
acordo entre todos”. O artigo 7º se referia à legião paraguaia, tema que graves
problemas suscitaria. “A independência, soberania e integridade da República do
Paraguai” eram garantidas pelo artigo 8º que assinalava com rigor lógico: “em
conseqüência, o povo paraguaio poderá escolher o governo e instituições que lhe
aprouverem, não podendo incorporar-se a nenhum dos aliados e nem pedir o seu
protetorado como conseqüência da guerra”.
A questão da livre navegação dos rios Paraná e Paraguai era abordada no artigo
11. Enquanto o 14 tratava do pagamento, pelo governo paraguaio, das despesas da
guerra, bem como das reparações e indenizações, o artigo 15 prescrevia que, por uma
convenção, se regulariam os temas relacionados com o pagamento da dívida
“procedente das causas mencionadas”. O conhecido artigo 16 estipulava as bases “que
os aliados exigirão do governo do Paraguai” quando venha a celebrar, “com os
respectivos governos, tratados definitivos de limites”. As bases então previstas para o
Tratado argentino-paraguaio iriam, finda a guerra, ser motivo de sérias dificuldades. O
artigo 18 considerava secreto o Tratado “até que se consiga o fim principal da aliança”,
precaução que não impediu, em breve, a divulgação de seu texto. Finalmente, pelo
artigo 19, estabeleciam os signatários a forma com que começariam a vigorar as
estipulações do Tratado: as que independiam da aprovação legislativa, “desde que sejam
aprovadas pelos governos respectivos e as outras desde a troca das ratificações”.
Durante cinco anos pelejaram povos irmãos em uma contenda dramática e penosa
que, entretanto, não deixou de marcar o ponto de partida de uma fase inteiramente
renovada do relacionamento dos quatro países, o que se evidencia no fato de que
estamos prestes a comemorar 131 anos de ininterrupta paz nesta área.
Com a entrada das forças aliadas em Assunção, em Janeiro de 1869, procuraram
os Aliados contato com os cidadãos paraguaios que se poderiam dedicar à reorganização

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do país. Em 2 de julho, os protocolos de Buenos Aires criavam um Governo Provisório
no Paraguai.
O Tratado da Tríplice Aliança estabelecia (art. 16) que as condições de limites
dependeriam de tratados definitivos a serem celebrados entre os aliados e o futuro
governo paraguaio. Tão logo, porém, foi criado o Governo Provisório, o General Mitre
ocupou Vila Ocidental.
É verdade que a 27 de dezembro de 1869 o Secretário das Relações Exteriores da
Argentina, Mariano Varela, dentro do espírito e da letra do Tratado de 1865, declarava,
em nota, que “o governo argentino sustentou há muito tempo, em discussões com o
representante de S.M. o Imperador, que a vitória não dá às nações aliadas direito para
declararem por si, limites seus aqueles que o Tratado assinala. Crê o mesmo governo,
hoje como então, que os limites devem ser discutidos com o governo que se estabelecer
no Paraguai e que a sua fixação será feita nos tratados que se celebrarem depois de
recebidas pelas partes contratantes os títulos em que cada um apoiar os seus direitos”.
Após os acontecimentos de Cerro Corá, Paranhos sugeriu que os plenipotenciários
aliados fossem para Assunção negociar o ajuste preliminar de paz. Como a Argentina
não aceitava discutir com o Governo Provisório, surgiu a questão de se saber se, de
acordo com o Tratado da Tríplice Aliança, poderia um dos aliados tratar bilateralmente
com o Paraguai, caso não se chegasse a um acordo conjuntamente. A Argentina, desde
logo, se opôs a essa interpretação. No Brasil, o assunto foi submetido ao Conselho de
Estado que opinou favoravelmente, com votos contrários, entretanto, de Nabuco e
Abaeté. A questão não era, assim, pacífica. Entretanto, a 20 de junho de 1870 foi
assinado em Assunção o Protocolo Preliminar de Paz.
A negociação do tratado definitivo enfrentava, porém, sérias dificuldades.
Questões como a referente à destruição das fortalezas de Humaitá e a própria
interpretação do Tratado de 1865 criaram sérios atritos entre o Brasil e a Argentina.
Pensou-se, inclusive, em propor uma rescisão amigável daquele ato internacional.
A Paranhos, chamado a organizar novo gabinete, sucedeu João Maurício
Wanderley, Barão de Cotegipe, que ao chegar a Assunção, tomou contato com o
representante argentino, Manuel Quintana. Segundo este, sem abrir mão das vantagens
do Artigo VI, a Argentina poderia tratar das questões de limites com o Paraguai,
cabendo aos outros aliados apoiá-la. Os representantes do Brasil e do Uruguai não
concordaram com essa interpretação, retirando-se Quintana a Buenos Aires para
consultar seu governo.
Cotegipe não teve, então, dúvidas em assinar, com o plenipotenciário paraguaio,
em 9 de Janeiro de 1872, os tratados definitivos de Paz, de Limites, de Amizade,
Comércio e Navegação e para a Entrega de Criminosos e Desertores.
Em Buenos Aires foi grande a repercussão desse acontecimento. Foram, nos
meses subseqüentes, trocadas entre os governos da Argentina e do Brasil, notas que
manifestavam a gravidade daquele momento nas relações entre os dois países.
Sarmiento tomou então a iniciativa de enviar ao Rio o general Mitre que, com Pimenta
Bueno, assinou o acordo Mitre-São Vicente pelo qual, entre outros pontos, se declarou a
manutenção do Tratado da Tríplice Aliança, se aprovaram os Tratados Cotegipe, se
garantiu o apoio moral do Império a seus aliados e se estabeleceu a retirada das tropas
brasileiras e argentinas de Assunção.
Restava, pois, à Argentina negociar seus limites com o Paraguai. As conversações
foram difíceis, mas se chegou finalmente a um entendimento que previa uma solução

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arbitral. Tendo sido escolhido árbitro o Presidente Hayes, dos Estados Unidos da
América, seu laudo, de 12 de novembro de 1878, atribuiu ao Paraguai a posse do Chaco
e da Vila Ocidental que passou a chamar-se Vila Hayes e da qual as autoridades
paraguaias tomaram posse em 13 de maio de 1879.
Como comenta Delgado de Carvalho, “poucas negociações de tratados de paz
tiveram tão longa duração”: prolongaram-se de 1869 a 1879.

1.3.9. A abertura do Amazonas


Os antigos tratados de 1750 (art. XVIII) e de 1777 (art. XIII) consideravam
“comum” a navegação nos rios contíguos e “privativa”, “onde as margens do rio
pertencerem à mesma coroa”.
Como assinala Clóvis Bevilaqua (“Direito Público Internacional”, Rio de Janeiro,
1910. T. 1, pags. 180-201), “a doutrina brasileira a respeito desta matéria vem se
desenhando desde os primeiros tempos da monarquia: o Estado tem soberania sobre o
trecho do rio que atravessa seu território, como disse o Sr. Silva Paranhos (Barão do Rio
Branco), anotando Schneider, “pode negar o trânsito ao ribeirinho superior, desde que
este se não conforme com as cláusulas que este julgue, com razão, necessárias à sua
segurança. Reciprocamente, igual direito assiste ao ribeirinho superior, mas, como o
principal interesse é o acesso ao mar, a questão é mais importante sob o primeiro
aspecto”.
Aliás, mais tarde, o Barão volta a sintetizar esse conceito em nota de 20 de Janeiro
de 1903, a propósito da questão com a Bolívia. “O Brasil sustentou sempre que, quando
um rio atravessa o território de dois ou mais Estados, a liberdade de navegação ou de
trânsito, para o ribeirinho superior, depende de prévio acordo com o ribeirinho inferior,
acordo que contenha a cláusula da reciprocidade”.
“Na América do Sul - como comenta Delgado de Carvalho (op. cit. pag. 136) o
Brasil se achava numa posição contraditória nitidamente marcada: os interesses
políticos que tinha no Amazonas eram exatamente o inverso dos interesses políticos nos
rios formadores do rio da Prata. De um lado era possuidor das bocas do Amazonas e
pouco interessado em fazer concessões aos possuidores das cabeceiras dos rios
formadores (Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela) e do outro lado, dominavam no Prata
a Argentina e o Uruguai seus ribeirinhos, enquanto o Brasil era senhor de suas
cabeceiras. Este contraste criou situações que, no setor sul, envolveram a política
exterior no período imperial”. Calógeras (op. cit. pag. 201) é ainda mais veemente:
“absolutamente incoerente era a posição do Brasil”, afirmava ele.
Não parece que tenham razão. Essa assistiria a Rio Branco ao se referir a uma
posição constante do Brasil. Tanto na época do Império como no da República, sempre
condicionamos a um acordo entre os ribeirinhos a livre navegação nos trechos
sucessivos de um rio internacional. Nossos interesses eram realmente opostos em uma e
outra Bacia; nossa posição jurídica, a mesma. No sul, na verdade, desde a Convenção
Preliminar de Paz de 1828, o assunto foi enfocado contratualmente. Desde então foi
preocupação constante do Gabinete de S. Cristóvão consagrar esse princípio em todos
os documentos celebrados com seus vizinhos platinos, que pudessem incluir o tema da
navegação fluvial.
Em relação ao Amazonas, a questão foi distinta, pois só no século XIX começou o
assunto a despertar interesse. Delgado de Carvalho (op. cit. pags. 142-144) assim trata
desse tema:

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“Desde os primórdios da independência, tinha o rio Amazonas chamado a atenção
do mundo exterior, despertada, em parte, pelo interesse científico de seu conhecimento
geográfico, de suas riquezas e possibilidades. Foi assim que, já em 1843, o Boston
Daily Times voltava sobre o caso de sua navegação, criticando o sistema português do
monopólio aplicado ao grande rio. O tenente Maury, da marinha dos Estados Unidos,
dedicou-se a uma verdadeira campanha em favor da abertura do rio à navegação
estrangeira; seus estudos científicos, suas publicações, seus esforços de propaganda
levaram Secretários de Estado americanos como Clayton e Webster a discutir o assunto
com ministros nossos em Washington.
A questão envolvia as repúblicas andinas, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia,
principalmente, que tendo suas maiores densidades demográficas na vertente do oceano
Pacífico não deixavam, entretanto, de reivindicar seus direitos a um caminho mais curto
para o Atlântico, via marítima de maior importância para a Europa e de escapar assim às
dificuldades e perigos do roteiro pelo estreito de Magalhães.
Em 1850, estando o Governo Imperial envolvido militarmente no Prata, parecia
oportuno o momento para obter dele concessões no Amazonas. As ameaças eram
formuladas, nos Estados Unidos, sob forma de expedição científica que solicitava
passaportes para a navegação do Amazonas. O nosso ministro, Teixeira de Macedo,
conseguiu esquivar-se a qualquer compromisso, apesar da campanha de Maury ter
redobrado de esforços e empolgado a opinião pública.
Coube a Carvalho Moreira enfrentar a fase mais delicada das discussões com o
Governo de Washington a partir de 1852. Já então a abertura do Prata, depois de
Cascros, tornava a posição do Brasil mais difícil para manter a clausura amazônica. A
atitude norte-americana, por sua vez, não deixava de ser um tanto alarmante: a
conquista do Texas era de data recente. Clay havia concluído com o Peru um tratado de
navegação que abria os portos fluviais peruanos aos americanos e considerava extensivo
aos Estados Unidos o Tratado de 23 de outubro de 1851, assinado em Lima por Ponte
Ribeiro. Já o Congresso americano se ocupava da questão, e era a ele trazida por
mensagem presidencial. O imperialismo parecia ameaçador nas suas críticas à atitude do
Governo Imperial. Um decreto boliviano do Presidente Belzú, hostil ao Brasil, abria os
portos bolivianos do Mamoré e do Madeira, atiçando assim as demonstrações que nos
eram contrárias, na campanha jornalística de Maury. Multiplicavam-se os pedidos de
passaportes; os que se referiam ao acesso a portos bolivianos pareciam ignorar que as
quedas do Madeira não os torna acessíveis. O decreto Belzú era uma burla.
A 30 de agosto de 1852, obtinha do Governo Imperial Irineu Evangelista de Sousa
(Barão de Mauá) o privilégio exclusivo da navegação do Amazonas, durante 30 anos.
Coube principalmente a Soares de Sousa dirigir a política brasileira em relação à
questão da liberdade do Amazonas, continuada, em 1853 por Limpo de Abreu e
Paranhos.
Naquela época, reunia-se, nos Estados Unidos, a Convenção de Memphis,
destinada a discutir os problemas sulistas do país. Maury não hesitou em levar a questão
da navegação do Amazonas à referida convenção. Depois de várias explorações
americanas na Amazônia peruana, arrefeceu o entusiasmo e diante dos obstáculos da
natureza, os “South America Gold Seekers” tiveram profundas desilusões. A questão
pôde então ser discutida mais serenamente com o ministro americano Trousdale, ao qual
o governo do Rio de Janeiro, recusando abertura imediata do Amazonas, fez, entretanto,
promessas para o futuro. A partir de 1854, evolui a questão e o Brasil trata de conciliar a

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sua política amazônica com os precedentes de sua política platina, que parecia mais
contraditória do que o era em realidade.
Em relação à navegação do rio Amazonas, a política imperial, sem contradizer
Grotius, Vattel nem Puffendorf, fundava o uso exclusivo dos rios, em seus respectivos
territórios, sobre a soberania dos Estados e não se recusava em concluir acordos com os
estados marginais. Receava, entretanto, facilitar a entrada e o estabelecimento de
elementos estrangeiros numa vasta região ainda despovoada quase. Receava ambições
americanas, pretensões da Grã-Bretanha e da França, possuidoras das Guianas.
Acreditava o nosso governo que os problemas de cada um dos interessados na
navegação poderiam ser resolvidos por convenções bilaterais com os ribeirinhos.
Subordinava, entretanto, discussões a este respeito a uma delimitação mais exata das
fronteiras existentes com os respectivos países em suas colônias. Só então seria
conveniente tratar do assunto com os Estados Unidos. Evitar-se-ia assim reclamações e
coligações. Estas diretivas eram aprovadas em 1854 pelo Conselho de Estado. Resistia,
pois, o Império, mas a sua diplomacia prudente e comedida venceu a pertinaz política
dos Estados Unidos.
No Brasil, havia forte corrente favorável à liberdade de navegação do Amazonas.
Tavares Bastos nas Cartas de um Solitário, Souza Franco, Francisco Otaviano e outros
se destacavam na defesa da causa. Mas não eram necessárias negociações: Eusébio de
Queirós, Abrantes e Maranguape julgavam que a medida a tomar devia ser apenas um
decreto. Só em 1866, entretanto, foi julgado oportuno redigir este decreto que, a 7 de
dezembro, abriria o Amazonas à navegação internacional, franqueando também o
Tocantins, o Tapajós, o Madeira e o Rio Negro. O São Francisco era aberto até Paulo
Afonso”.

1.4. Limites com o Uruguai, a Venezuela e o Paraguai


1.4.1. O Tratado de 1851 com o Uruguai
No período colonial, os Tratados de Madri de 1750 (artigos IV e V) e de San
Ildefonso de 1777 (artigos III, IV, V e VI) se referiram aos limites entre as duas coroas
na região sul.
Após a tomada de Montevidéu, em 20 de Janeiro de 1817, foi acertado, entre o
Cabildo daquela capital e o general Lecor, chefe das forças portuguesas, em 30 de
Janeiro de 1819, solene ajuste com o fito inclusive de estabelecer os limites entre aquela
Província e a do Rio Grande de S. Pedro do Sul, o qual reconhecia, como pertencente a
esta última, o território entre os rios Arapei e Quaraim, além da fortaleza de Santa
Teresa e do forte de S. Miguel. O caráter deste ajuste, como ato internacional, tem sido
discutido.
Posteriormente, reuniram-se em Montevidéu, em abril de 1821, o Cabildo e os
deputados das diversas povoações decidindo-se então a incorporação da Banda Oriental
ao Brasil. Em 31 de julho, subscreveu-se entre o presidente e demais deputados daquele
Estado e o Barão da Laguna, em nome e representação de Sua Majestade Fidelíssima, o
“Tratado de Incorporação” do Estado de Montevidéu ao Reino Unido de Portugal,
Brasil e Algarves, sob a denominação de Estado Cisplatino. Este instrumento, em seu
segundo dispositivo, estabelecia os limites do novo Estado que “seran los mismos que
tenía y se le reconocían al principio de la revolución”, inclusive “por el Norte el Río
Quarain hasta la cuchilla de Santa Ana, que divide el Río de Santa María”.

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Já em 1831, o governo uruguaio encarregara Lucas Obes de ir ao Rio para
negociar com a Regência Permanente um tratado de limites. O Governo Imperial
considerou, porém, inoportuno o momento, tanto pela situação agitada do Prata quanto
pela necessidade, a seu ver, de consultar, antes, o Governo argentino signatário da
Convenção Preliminar de 1828.
A Convenção Preliminar de Paz, de 27 de agosto de 1828, entre o Império e as
Províncias Unidas, não se referiu aos limites da então criada República Oriental do
Uruguai. Apesar de previsto no Art. 17 dessa Convenção, nunca se celebrou o tratado
definitivo, malgrado a insistência dos Governos do Brasil e do Uruguai, ficando assim
em suspenso o tema dos limites entre os dois países.
“Na errônea persuasão de que as violências da fronteira obedeciam a plano
assente do governo do Rio, quis precaver-se o Uruguai: sendo ministro de estrangeiros
D. Lucas José Obes, tratou, em princípio de 1834, de promover ação solidária da
América do Sul, das nações limítrofes com o Brasil, para em conjunto firmarem com
este um tratado geral e solidário de fronteiras.
D. Francisco Joaquim Muiloz, nomeado para esse fim, começou a tratar com a
Bolívia e, parece, chegou a celebrar acordo nesse sentido. Não foi além, entretanto, e,
quando se divulgou, em 1837, foi em condições que lhe impunham o fracasso da
incumbência. Para realizar-se, de fato, exigiria ação reservada que poria o Brasil,
adversário comum, em face do fato consumado. Ora, nem era possível provar intenções
invasoras do império, pois essas não existiam, nem que alimentasse o absurdo programa
ameaçador contra todo o continente. Para reforçar as causas de mau êxito da negociação
secreta em que havia permanecido até 1837, (surgiu) o protesto de Rosas contra uma
cláusula que dizia ter sido estipulada para obrigar a Argentina a aderir ao tratado
divisório e a convocar um congresso geral que daria ganho de causa ao partido unitário.
O negociador declarou inexata a informação. Mas a obra estava ferida de morte; para
tanto bastava ter vindo à publicidade e revelar-se hostil a um dos designados signatários
do desejado convênio.” (Calógeras, “Da Regência à Queda de Rosas”, Brasiliana. Vol.
XV. pag. 191).
Em 1837 e 1838, todavia, iniciaram-se, sem êxito, em Montevidéu e no Rio de
Janeiro, negociações tendentes à assinatura de tratados de interesse para os dois
governos.
Nosso Encarregado de Negócios na capital oriental, Manuel de Almeida e
Vasconcellos, recebia, em maio de 1837, instruções para propor ao Presidente Oribe a
assinatura de um convênio sobre a permanência de emigrados políticos em seus
respectivos territórios. Pouco depois, em junho, o governo do Rio de Janeiro lhe instruía
a propor, de acordo com projeto que lhe era enviado, um tratado de aliança ofensiva e
defensiva tanto com relação a guerras com terceiros Estados quanto para “acabar com as
desavenças, comoções e guerras intestinas”. Impôs, porém, o Uruguai, como condição
preliminar que Oribe pudesse ocupar, com suas tropas, “a região compreendida entre o
Ibicui-guaçu e o Ibicui-mirim”, com o que não podia concordar o Governo Imperial.
Paralelamente a esses entendimentos, representantes orientais no Rio de Janeiro
propunham acordos ao Gabinete de São Cristóvão.
Em agosto de 1837 chegava ao Rio o Encarregado de Negócios, Carlos 0.
Villademoros, incumbido de negociar e assinar um acordo que deveria ter como
objetivo pôr cobro às atividades dos emigrados nas regiões fronteiriças dos dois países.
O então Ministro dos Estrangeiros, Montezuma, aceitou a sugestão que lhe fora feita

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coincidindo, aliás, com a que encaminhara a nosso representante em Montevidéu.
Villademoros voltou a dirigir-se ao ministro, propondo, desta vez, que os dois governos
pensassem em um tratado que solucionasse todos os problemas que enfrentavam.
Comentava, porém, que dada a atitude cada vez mais ameaçadora de Rivera, o governo
de Oribe não poderia esperar os resultados de longas negociações necessitando, no
momento, “colocar suas Forças sobre a margem meridional do Ibicui”. Essas
conversações não tiveram prosseguimento.
Com a partida do diplomata uruguaio, seu sucessor, o coronel José Maria Reys,
tentou, em vão, converter o novo Ministro dos Estrangeiros, Itamaracá, à linha do
Ibicui. Maciel Monteiro contrapunha o Arapei, concedendo por fim como base o
Quaraim “unicamente para discussão”. Essas conversações igualmente não tiveram
nenhum prosseguimento.
O assunto, após a Maioridade, voltou a ser analisado pelos políticos brasileiros.
Em 1843, o então ministro Honório Hermeto ouviu, a respeito, o visconde de São
Leopoldo e o nosso Encarregado de Negócios em Montevidéu. O primeiro, que havia
negociado a Convenção de 1819, defendia, quanto à parte final da fronteira, a divisão
pelo Rio Arapei, posição favorável ao Brasil, enquanto o segundo achava que deveria
prevalecer o dispositivo do Tratado de Madri, pelo Rio Ibicui, solução propícia ao
Uruguai.
No ano seguinte, Duarte da Ponte Ribeiro propunha que a fronteira seguisse as
vertentes entre o Arapei e o Quaraim.
Ainda em 1844, o representante uruguaio no Rio de Janeiro, Francisco Magarinos
de Cerrato, apresentava um projeto cujo texto era praticamente idêntico ao do futuro
Tratado de 1851.
Este foi negociado e celebrado na capital do Império em 1851, entre o ministro
oriental, D. Andres Lamas, e os plenipotenciários nomeados pelo governo brasileiro, os
futuros Marquês de Paraná e Visconde de Abaeté. Desde o início das negociações
patenteiam-se as divergências entre os representantes do Brasil e do Uruguai. Aqueles,
como ponto de partida, defendem a Convenção de 1819, enquanto Lamas reivindica o
Tratado de 1777, afirmando que o verdadeiro pacto de limites era o Ato de Incorporação
de 1821 que anulou a Convenção de 1819, restabelecendo o status quo de fato. Diante
do que seria uma interminável discussão, resolveu Lamas redigir um projeto baseado no
uti possidetis.
Os plenipotenciários brasileiros apresentaram uma contraproposta que serviu de
base ao texto assinado a 12 de outubro. Lamas havia aceito a sugestão brasileira, não
abdicando porém da posição referente às águas vertentes do Quaraim, por ele
considerada a modificação realmente importante que os negociadores brasileiros haviam
introduzido em sua proposta.
O Tratado de 12 de outubro reconhecia a soberania brasileira sobre a Ilha
Brasileira e demais ilhas na barra do Rio Quaraim no Rio Paraná. O plenipotenciário
uruguaio considerou oportuno solicitar ao governo brasileiro garantias a respeito da
navegação daquele rio, recebendo-as em 31 de dezembro do mesmo ano de 1851.
Atendendo à solicitação uruguaia, o Brasil concordou em celebrar, em 15 de maio
de 1852, um tratado que modificou o anterior tanto no que diz respeito à linha divisória
do Chuí, quanto à cessão que lhe fora feita nas margens do Taguari e do Cebolatti.

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Em 1909, finalmente, o governo brasileiro, sob a inspiração de Rio Branco, tomou
a iniciativa de dividir com o Uruguai a Lagoa Mirim e o Rio Jaguarão, até então sob
exclusiva soberania do Brasil.

1.4.2. O Tratado de 1859 com a Venezuela


A fronteira do Brasil com a Venezuela foi primeiramente estabelecida pelo
Tratado de Limites firmado em Caracas, a 25 de novembro de 1852, pelo nosso
representante Miguel Maria Lisboa, depois Barão de Japurá. Baseado no princípio do uti
possidetis, descrevia a linha divisória entre a cabeceira do Rio Içana e a Ilha de São
José, no Rio Negro, passando pelas cabeceiras do Tomó e Aquio e atingindo a serra da
Pacaraima. Não foi, entretanto, aprovado pelo Congresso venezuelano, motivo pelo qual
não se trocaram as respectivas ratificações, ficando sem efeito.
Assim, tornou-se necessária a negociação de um novo convênio, o que conseguiu
o encarregado de negócios do Brasil em Caracas, Felipe José Pereira Leal, assinando em
5 de maio de 1859 outro Tratado de Limites e Navegação Fluvial, que teve melhor sorte
que o anterior, sendo ratificado no ano seguinte e promulgado por decreto de 1861.
De conformidade com as suas disposições, passaria a divisória pelas cabeceiras
dos Rios Memachi, Aquio, Tomó, Guaicia, Iquiare e Içana, transpondo o Rio Negro ou
Cuainia e dirigindo-se para leste, pelas serras, até encontrar a fronteira com a Guiana
Britânica.
Incluía-se no primeiro trecho a zona litigiosa entre a Venezuela e a Colômbia, e
que, pelo laudo da rainha Maria Cristina, regente da Espanha, de 1891, passou à
soberania do segundo daqueles países. Manteve, entretanto, a Colômbia com o Brasil,
pelo Tratado de 1907, os mesmos limites que aí anteriormente convencionáramos com a
Venezuela”. (Hélio Vianna, op. cit. pags. 178 e 179).

1.4.3. O Tratado de 1872 com o Paraguai


O Tratado de Madri, de 1750 (artigo V e VI) e o de Santo Ildefonso, de 1777
(artigos VIII e IX) procuraram estabelecer a linha de limites entre o Brasil e o território
da atual República do Paraguai.
O artigo X das Instruções destinadas aos comissários demarcadores, que deveriam
aplicar o Tratado de Madri, criou a primeira dúvida a respeito da fixação dessa fronteira
ao desejar esclarecer a referência feita naquele instrumento ao Rio Igurei: “há de servir
de fronteira o primeiro rio caudaloso que deságua no Paraná da banda do poente, acima
do Salto Grande do mesmo Paraná”. Ora, o Rio Igurei deságua não acima, mas abaixo
das Sete Quedas.
O Tratado de 1777 corrige esse equívoco, não indicando se o Igurei tem sua foz
acima ou abaixo do Salto Grande. Refere-se, porém, de maneira imprecisa, ao Rio
Corrientes (“talvez será o que chamam Corrientes”).
Os demarcadores não conseguiram resolver as divergências suscitadas por essas
dúvidas, ficando o assunto sem solução e assim permanecendo ainda na época da
independência quer do Paraguai quer do Brasil.
Cedo verificou o Governo Imperial a importância dos limites com o Paraguai,
intimamente ligados ao acesso fluvial a Mato Grosso.
Nosso Encarregado de Negócios em Assunção, José Antonio Pimenta Bueno,
assinou, com o presidente Carlos Antonio Lopez, em 7 de outubro de 1844, um Tratado

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de Aliança, Comércio e Limites, o qual, em seu artigo 35 previa a nomeação de
“comissários que examinem e reconheçam os limites indicados pelo Tratado de San
Ildefonso, de 1º de outubro de 1777, para que, segundo ele, se estabeleçam os limites
definitivos entre os dois Estados”. Tal tratado não foi ratificado pelo Brasil, por não
determinar claramente as condições da Aliança, segundo explicou o Visconde do Rio
Branco.
Por duas vezes, os representantes diplomáticos paraguaios no Rio de Janeiro
apresentaram ao governo brasileiro propostas de tratados de aliança e limites: D. Juan
Andrés Gelly, em 1847; Manuel Moreira de Castro, em 1852. Ambos, porém,
estabeleciam que ficaria neutro o território entre o Rio Branco e o Rio Apa, com o que
não concordava o Brasil.
Ocorreu mais tarde o incidente que consistiu na entrega insultuosa de passaportes
ao nosso Encarregado de Negócios, Felipe José Pereira Leal, sob a alegação de que o
diplomata se referia desrespeitosamente a D. Carlos Antonio. Enviou, então o Império
uma esquadra a Assunção com o fim de obter reparações. Seu comandante, o chefe-de-
esquadra Pedro Ferreira de Oliveira, após obtê-las, celebrou, em 27 de abril de 1855, um
Tratado de Amizade, Comércio e Navegação. Subordinava-se, entretanto, sua vigência à
fixação posterior de limites, com o que não concordou o Gabinete de São Cristóvão.
No ano seguinte, no Rio de Janeiro, o ministro Paranhos e José Berges
negociaram outro Tratado de Limites que, entretanto, não resolveu a questão, adiando-a
por seis anos.
O assunto estava nesse ponto quando sobreveio o Tratado da Tríplice Aliança e a
guerra entre os aliados e o Paraguai. Os signatários do Tratado de lº de maio de 1865
obrigaram-se, pelo artigo 8º, “a respeitar a independência, soberania e integridade
territorial da República”. Pelo artigo 16, “os Aliados exigirão do governo do Paraguai
que celebre com os respectivos governos tratados definitivos de limites, para o que
fixam bases, sendo, para o Brasil, as seguintes:
“Do lado do Paraná pelo primeiro rio abaixo do Salto das Sete Quedas, que
segundo a recente carta de Mouchez e o Igurei, e da foz do Igurei e por ele acima a
procurar as suas nascentes;
Do lado da margem esquerda do Paraguai, pelo rio Apa, desde a foz até as suas
nascentes;
No interior, pelos cumes da serra de Maracaju, sendo as vertentes de Leste do
Brasil e as de Oeste do Paraguai e tirando-se da mesma serra linhas as mais retas em
direção às nascentes do Apa e do Igurei”.
Após a guerra, deu-se o episódio da “Paz em separado” de que tratamos ao
sintetizar a guerra de 1865-1870. O Tratado de Limites seguiu as bases do Tratado da
Tríplice Aliança cedendo, entretanto, o Brasil a linha do Igurei, prevista nos textos
anteriores mas em relação à qual não tínhamos, porém, o uti possidetis, mas
reivindicando-o no que se refere à margem direita do Rio Apa.
O trecho da fronteira entre a foz do rio Apa e o desaguadouro da Baía Negra, no
Paraguai, que não fora estabelecido pelo Tratado de 1872, ficou definitivamente
descrito no Tratado Complementar de Limites de 27 de maio de 1877.

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1.5. O prestígio internacional do Brasil
O Embaixador A. G. de Araujo Jorge, na “Introdução às Obras do Barão do Rio
Branco”, (1945, pags. 7 a 11), assim se refere ao assunto:
“A República encontrara o Brasil na plenitude do seu prestígio internacional.
Nossa política exterior merecera sempre de Pedro II minuciosa e vigilante atenção. O
Imperador não somente percorria meticulosamente a correspondência das nossas
missões diplomáticas que lhe era submetida ao exame e consideração pelo Ministério
dos Negócios Estrangeiros, como, não raro, lhes traçava de próprio punho as normas de
procedimento e acompanhava de perto as negociações entabuladas sobre todos os
assuntos respeitantes à segurança e à integridade do Brasil. Além disso, punha o
máximo escrúpulo na escolha de seus representantes no estrangeiro, dando invariável
preferência aos homens versados no conhecimento da história e da geografia do Brasil e
no estudo dos delicados e complexos problemas políticos e econômicos decorrentes da
nossa contigüidade geográfica com quase todas as repúblicas sul-americanas.
Esta rigorosa seleção de valores, a que era alheia qualquer espécie de favoritismo
político, acabou por formar um núcleo respeitável de técnicos e especialistas a quem o
Governo Imperial podia descansadamente confiar a defesa de seus múltiplos interesses
que eram, ao mesmo tempo, no estrangeiro, plenipotenciários da cultura e civilização
brasileiras. Ainda hoje a diplomacia do Brasil desfruta a invejável reputação adquirida
naquela época. Todos os que havemos servido no exterior, em especial nos países
hispano-americanos, temos ouvido, com justo e legítimo orgulho, referências as mais
lisonjeiras à organização diplomática brasileira e à sua brilhante tradição na história das
relações internacionais do Brasil. Não maravilha que durante o Segundo Império a
autoridade moral do Governo brasileiro e a capacidade de seus homens de Estado
tenham recebido mais de uma consagração pública e solene por parte de poderosas
nações do mundo. No caso das “reclamações do Alabama”, a Inglaterra e os Estados
Unidos da América não hesitaram em confiar a defesa de seus interesses ao Tribunal
Arbitral, com sede em Genebra, instituído pelo Tratado de Washington de 8 de maio de
1871, no qual teve assento o árbitro brasileiro Marcos Antônio de Araújo, Visconde de
Itajubá, então nosso Ministro em Paris, juntamente com os juizes norte-americanos e
ingleses e os nomeados pelos Governos da Itália e da Suíça.
Depois da guerra de Secessão, as reclamações dos súditos franceses, prejudicados
por essa sangrenta luta civil, foram julgadas por um Tribunal franco-americano, criado
em Washington pela Convenção de 15 de Janeiro de 1880, cuja presidência coube ao
diplomata brasileiro, Tomás Fortunato de Brito, então Barão de Arinos, por duas vezes
consecutivas reconduzido àquelas funções a pedido do Governo norte-americano. À
oferta de bons ofícios, insinuada por algumas das grandes potências da Europa durante a
Guerra de Secessão, o presidente Lincoln mandou responder que, em se tratando de uma
questão puramente americana, o respeito à Doutrina de Monroe lhe não permitia aceitar
qualquer intervenção européia, acrescentando que, se tornasse necessária a mediação de
um governo estrangeiro, o que não se lhe afigurava provável, o interventor ou árbitro
naturalmente indicado aos dois partidos em luta seria o Governo Imperial do Brasil. No
Chile, depois da guerra do Pacífico entre este país, de um lado, e o Peru e a Bolívia, do
outro, os tribunais arbitrais internacionais, constituídos em 1885 para apreciar e julgar
as reclamações de súditos da Inglaterra, Alemanha, França, Itália, Áustria-Hungria,
Bélgica e Suíça, foram presididos por árbitros brasileiros, nomeados pelo Imperador D.
Pedro II por solicitação expressa dos governos interessados, como nos casos anteriores:

51
eram os Conselheiros Filipe Lopes Neto, Lafayette Rodrigues Pereira e o Barão de
Aguiar de Andrada.
Tudo isto constituía honra insigne para o Brasil e seu soberano e, sobretudo,
homenagem à cultura e à idoneidade moral dos estadistas e homens públicos brasileiros
daqueles tempos.
Não era menos invejável a nossa situação no Continente americano e, em
particular, nos países escalonados ao lado da nossa fronteira. Em meio as violentas
convulsões internas que em todos eles precederam sua definitiva organização social e a
consolidação das instituições republicanas, o Governo brasileiro timbrou sempre em
manter a mais estrita neutralidade e seguir política de escrupuloso respeito às soberanias
alheias, embora atento às tropelias guerreiras que se desencadeavam demasiado
próximo de algumas de suas fronteiras. Embora frágeis os vínculos de solidariedade
continental, o Império quando solicitado, jamais regateou sua colaboração civilizadora e
nunca usou de sua força senão para repelir provocações ameaçadoras da sua segurança
ou integridade territorial.
A verdade é que nos sentíamos distanciados dos nossos vizinhos pelos
preconceitos peninsulares de Portugal e Espanha que haviam atravessado o Atlântico,
pelas lembranças ainda vivas das lutas durante o período colonial e, em especial, pela
diferença de forma de governo, perpétuo motivo de prevenção das Repúblicas
americanas contra o Império brasileiro. Em vão, homens da mais alta estatura moral do
Continente esforçavam-se por dissipar essas suspeitas e fazer justiça ao Brasil,
apontando aos seus concidadãos os nobres exemplares de ordem, paz interna, liberdade
e justiça dados por uma monarquia que, no dizer do grande Mitre, era “una democracia
coronada”. Nem por isso deixava o império de continuar a inspirar desconfianças às
jovens democracias sul-americanas. Durante muitos anos, uma propaganda tenaz e
insidiosa, em livros, jornais e até em documentos de origem oficial, apontava o Brasil à
execração continental, atribuindo-lhe propósitos de conquistas territoriais à custa de
vizinhos menos poderosos e intuitos de predomínio político e militar que estavam longe
do espírito do Imperador e dos seus conselheiros, como o futuro se encarregou de
demonstrar.
Apesar de tantos tropeços e dificuldades, os estadistas da Monarquia, animados do
desejo de eliminar ou reduzir ao mínimo as causas de atrito ou desinteligência com os
países confinantes e preparar assim o terreno para uma larga política de compreensão
mútua e confraternização americana, nunca desfaleceram no empenho de entrar em
entendimentos com cada um deles para o fim de regular as mais delicadas e complexas
relações de comércio, navegação e vizinhança, e de liquidar amigavelmente a pesada
herança das controvérsias territoriais, definindo as linhas de fronteira, ainda
indeterminadas, entre os antigos domínios espanhóis e o território do vasto império de
língua portuguesa na América.
Com esse objetivo iniciou o Governo brasileiro desde os primórdios da nossa vida
política uma série de negociações de que resultaram os primeiros ajustes de limites,
todos baseados no princípio do uti possidetis que, depois de haver sido estipulado e
aplicado nos grandes atos diplomáticos celebrados por Portugal e Espanha em fins do
século XVIII, se tornou a norma fundamental invocada e seguida invariavelmente pelos
fundadores da política externa do Brasil no desligamento de suas contestações
territoriais com os países hispano-americanos”.
Sumamente expressivo, como demonstração da alta conta em que era tido o
Império, foi o comentário do Presidente da Venezuela, Roias Paul, ao ter notícia da

52
queda de D. Pedro II: “Se ha acabado la única república que existía en América: el
Imperio del Brasil”.

53
2. A República Velha
Mônica Hirst

2.1. Introdução
A República Velha revelou-se um período de grande relevância para a diplomacia
brasileira. O Brasil traçou diretrizes de sua política externa, que perduram até hoje. O
Itamarati afirmou-se como instituição preponderante na condução da política externa do
país. Foram solucionadas, de forma definitiva, as principais questões de fronteira do
Brasil com os países vizinhos. A definição de um perfil de atuação em negociações
multilaterais - seja no âmbito regional ou mundial - foi acompanhada pela percepção
dos Estados Unidos como principal referência de poder no sistema internacional. Estas
premissas ganharam particular impulso durante a gestão do Barão do Rio Branco como
chanceler, entre 1902 e 1912.
No plano internacional os anos da República Velha coincidiram com uma etapa de
profundas transformações. O sistema europeu já não possuía os mesmos fatores de
equilíbrio que lhe haviam assegurado relativa estabilidade econômica e política, durante
grande parte do século XIX. A disputa imperialista na Ásia e na África e a competição
militar, causaram o declínio do chamado Concerto Europeu. Em seu lugar surgiram
fatores de tensão: rivalidades entre as potências européias, monarquias enfraquecidas,
menor proeminência da economia britânica e um projeto imperial alemão, alimentado
pela sua vocação expansionista.

2.2. Um mundo em transição


2.2.1. O Pan-Americanismo
Enquanto o sistema europeu apresentava sinais de esgotamento, os Estados
Unidos despontavam do outro lado do Atlântico como novo referencial econômico e
político, na comunidade internacional.
Este processo foi marcado pela a sua vitória na guerra contra a Espanha, em 1898,
e pelo início de sua política imperialista na região da América Central e do Caribe.
Entre 1898 e 1934 foram inúmeras as intervenções militares dos Estados Unidos – por
vezes acompanhadas de prolongadas ocupações – na República Dominicana, Haiti,
Cuba, Honduras, Guatemala, Panamá. Esta prática, legitimada pelo Corolário
Roosevelt, foi acompanhada de uma política de apoio ostensivo às empresas
americanas, conhecida como a diplomacia do dólar.
As transformações mundiais coincidiram com o incremento de relações entre os
países do continente americano, a nível bilateral e multilateral. Em 1889 a Conferência
Pan-americana iniciou uma rotina de reuniões, nas quais os estados da região buscaram
definir princípios de convivência política e jurídica. Estes encontros foram importantes
para traçar uma agenda diplomática pan-americana.
Condicionavam o ambiente interamericano: a nova projeção dos Estados Unidos
com suas políticas intervencionistas no Caribe e na América Central; o ativismo
diplomático da Argentina, estimulado pela sua opulência econômica; e a atuação do
Brasil, buscando harmonizar posições que reforçassem o seu diálogo com os países sul-
americanos, sem ferir o interesse de aprofundar uma relação amistosa com os Estados
Unidos.
Paralelamente às reuniões pan-americanas, diversas nações na América Latina
começaram a demonstrar maior entusiasmo pelos novos espaços políticos multilaterais
do sistema mundial. Em 1907, em Haia, durante a Segunda Conferência de Paz,
articulou-se pela primeira vez um posicionamento comum latino-americano, motivado
pela defesa dos princípios não intervencionistas da Doutrina Drago.
O enfraquecimento da Grã-Bretanha como potência mundial gerou um vazio de
poder que afetou as condições da paz mundial. Ao mesmo tempo, a ineficácia da
diplomacia para dirimir pequenos conflitos, favoreceu a propagação de sentimentos
nacionalistas e a expansão do poderio militar das principais potências.
Neste cenário, além do crescente interesse pela agenda diplomática internacional,
a América Latina buscou conectar-se aos progressos da indústria militar, acelerados nos
últimos anos do século XIX. Políticas de profissionalização das forças armadas e de
aparelhamento bélico, empreendidas na região, estimularam a cooperação naval com a
Grã-Bretanha e os Estados Unidos - e a negociação com a França e a Alemanha, para o
envio de missões de doutrina e treinamento. Os efeitos deste tipo de assistência se
fizeram sentir no relacionamento entre os países americanos. Estes oscilavam entre
momentos de rivalidades - que exacerbavam a competição militar - e de cooperação,
que estimulavam compromissos desarmamentistas.

2.2.2. O impacto da Primeira Guerra Mundial


O enfraquecimento do sistema europeu, deflagrado com a Primeira Guerra, foi
sucedido por uma crise prolongada, que se estendeu de 1919 a 1939. Ao longo deste
período, o mundo enfrentou enormes dificuldades para a preservação da paz e da
estabilidade econômica.
Fatores múltiplos alimentaram incertezas e desconfianças. As limitações políticas
da Liga das Nações, a fragilidade das novas nações, formadas a partir do fim dos
impérios Austro-húngaro e Otomano, os problemas da reincorporarão da Alemanha, as
ideologias extremistas, o impacto da Revolução Russa de 1917, a fadiga do liberalismo
econômico, tudo contribuiu para a deterioração da paz. No âmbito ideológico, os
extremismos gerados pelos movimentos fascistas e as propostas revolucionárias
defendidas pelos partidos comunistas, estimulavam a violência política. Este panorama
se viu agravado com a grande depressão deflagrada pela crise de 1929.
A América Latina sofreu as conseqüências dos graves problemas internacionais.
No Brasil, as transformações políticas, econômicas e sociais que transcorreram nos
últimos anos da República Velha, e que conduziram à situação de crise irreversível,
foram fortemente influenciadas por este cenário.

2.3. O advento da República


2.3.1. Do reconhecimento à revolta armada
A Proclamação da República, em novembro de 1889, abriu importantes caminhos
para a diplomacia brasileira. O rápido reconhecimento internacional do novo regime foi
a primeira tarefa do ministro Quintino Bocaiúva, responsável pela pasta das Relações
Exteriores do Governo Provisório, sob a chefia do marechal Manoel Deodoro da
Fonseca. A mudança de regime fora pouco traumática e esse fato, aliado ao anúncio de
que os compromissos assumidos durante o período imperial seriam mantidos,
facilitaram o trabalho do novo chanceler.

55
Os primeiros países a reconhecer a República brasileira foram os da América do
Sul, começando pela Argentina e o Uruguai, logo acompanhados pelo Chile, Bolívia,
Paraguai, Peru e Venezuela. Em janeiro de 1890 os Estados Unidos e o México
adotaram a mesma decisão, seguidos pelos governos da América Central e Colômbia.
As nações européias, entretanto, absorveram mais lentamente a nova realidade
institucional do Brasil. O reconhecimento da França foi feito em junho de 1890, o de
Portugal em setembro e o da Inglaterra em outubro de 1891.
Em 6 de setembro de 1893 iniciou-se um movimento de revolta de parte da
esquadra brasileira ancorada no porto do Rio de Janeiro, com imediatas repercussões na
diplomacia. Este episódio ilustra o conturbado quadro político dos primeiros anos da
República, em particular do governo marechal Floriano Peixoto. A disputa entre
lideranças do Exército e da Marinha (que refletia o confronto entre republicanos e
monarquistas) em pleno estado de sítio, terminou envolvendo o relacionamento do
Brasil com cinco potências mundiais: França ,Grã-Bretanha, Itália, Portugal e Estados
Unidos. A atuação destes países foi decisiva para evitar o bombardeio da cidade do Rio
de Janeiro.
Partindo de uma neutralidade inicial, estas nações decidiram apoiar o governo
brasileiro, em troca do compromisso de que a cidade do Rio de Janeiro seria desarmada.
A mediação e a pressão, exercidas pelas esquadras estrangeiras junto aos rebeldes da
Armada brasileira, foram decisivas.
A participação de potências estrangeiras, a pedido do governo de Floriano, sofreu
duras críticas de seus opositores, destacando-se as condenações de figuras como Ruy
Barbosa e Joaquim Nabuco. Ambos consideraram as gestões pró - intervencionistas uma
transgressão ao princípio da soberania e um lamentável sinal de fragilidade política.
O evento teve particular repercussão sobre as relações com os Estados Unidos
que, em atendimento a gestões diplomáticas brasileiras, foram responsáveis pela
organização da chamada Esquadra Legal, permitindo o reforço da presença naval norte-
americana na Baía da Guanabara.
O quadro de conturbação política levou ao adiamento das eleições presidenciais,
previstas para outubro de 1893. Sua realização em março de 1894, estando a rebelião
totalmente debelada, teve o duplo efeito de causar o esvaziamento da revolta e
confirmar a continuidade do regime republicano.
Nos meses que se seguiram, entre as eleições e a posse do novo mandatário, o
governo Floriano Peixoto assegurou sua vitória, graças à ofensiva terrestre das forças
legalistas e ao apoio estrangeiro na frente naval. A partir da posse de Prudente de
Moraes, a revolta perdeu impulso de forma irreversível.
Apesar de favorável às forças governistas, o desenlace da Revolta da Armada, que
teve em Custódio de Mello um dos líderes, provocou situações difíceis de contornar
para a diplomacia brasileira, nos primeiros anos da República. Os governos sul-
americanos, que procuraram não se envolver na revolta, adotaram uma posição de
discreta desaprovação ao pedido de participação das potências estrangeiras em assuntos
internos da região.
Tendo permanecido à margem durante todo o movimento, a Argentina e o
Uruguai, na fase final, concederam asilo aos oficiais e marinheiros sediciosos. Estes,
mesmo derrotados no Rio de Janeiro, mantiveram fortes vínculos com a Revolução
Federalista do Rio Grande do Sul - onde os combates prosseguiram até agosto de 1895.

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No caso de Portugal, a concessão de asilo aos revoltosos se deu à revelia das pressões
do governo brasileiro, o que levou ao rompimento - por um período de 10 meses - de
suas relações com a nação lusitana.

2.4. Vínculos com o sistema econômico internacional


2.4.1. Transformações da economia cafeeira
O início do período republicano no Brasil coincidiu com uma etapa de mudanças
sociais e econômicas. O fim da escravidão estimulou um fluxo imigratório, que
transformou o tecido social do país. O trabalho livre foi difundido, favorecendo o
crescimento das cidades e estimulando a formação de um mercado interno.
Da mesma forma que no período imperial, os laços comerciais e financeiros foram
sustentados pelas exportações de produtos primários, particularmente o café. Não
obstante, a produção cafeeira passou a ser condicionada por uma teia de interesses,
externos e internos, de maior complexidade.
Foram introduzidas alterações de política econômica, que redefiniram as relações
financeiras com o exterior. A expansão das exportações e o aumento dos investimentos
estrangeiros – principalmente ingleses, alemães, franceses e norte-americanos -
modificou a convivência do Brasil com o sistema econômico internacional.
Graças à expansão da produção cafeeira no oeste de São Paulo, o Brasil passou a
controlar cerca de 65% da sua oferta no mercado mundial. Nos Estados Unidos surgiu
uma demanda crescente por este produto, que permitiu ao governo brasileiro exercer
controle sobre a sua comercialização. A partir de 1906 iniciou-se no Brasil a política de
valorização do café, que consistiu na retenção de estoques, financiada com créditos
avalizados pelo governo.

2.4.2. A presença financeira da Grã-Bretanha


As situações de instabilidade monetária e fiscal aumentaram o papel dos
empréstimos externos, que estreitaram os vínculos com os principais agentes do
mercado financeiro internacional, em particular a Casa Rothschild. A negociação do
funding loan com a Grã-Bretanha, em 1898, foi o primeiro episódio que demonstrou a
submissão dos interesses internos às pressões internacionais.
Do lado europeu França, Itália e Alemanha substituíram gradativamente a Grã-
Bretanha como fonte de investimentos e de transações comerciais. Além de buscar
ampliar a rede de seus convênios com os países do velho continente, o Brasil assegurou
sua presença em eventos de promoção econômica.
Condições externas favoráveis permitiram neste período que o Brasil
experimentasse um aumento significativo de investimentos externos. Assim, puderam
ser financiados: o reaparelhamento do sistema de transportes, obras portuárias e
melhorias da infra-estrutura urbana nas principais capitais do país.

2.4.3. Sob os efeitos da Primeira Guerra


Os primeiros sinais de esgotamento do modelo econômico adotado pelos
governantes da República Velha foram sentidos às vésperas da Primeira Guerra. A
assinatura de um novo funding loan, em 1914, aliviou os efeitos causados pela queda da
demanda de produtos brasileiros no mercado internacional.

57
A situação se agravou a partir de 1917, quando a Alemanha iniciou uma ofensiva
criando entraves ao transporte do café para Europa. Ao mesmo tempo, a guerra
provocou uma diminuição das importações de manufaturados europeus no Brasil. Além
de servir como estímulo às atividades industriais, o conflito mundial se tornou uma
oportunidade para a diversificação das exportações brasileiras. Expandiram-se as vendas
de cereais, carnes congeladas e gordura animal. Também ganharam relevância as
vendas de borracha, absorvida em grande quantidade pelo mercado norte-americano,
graças ao crescimento da indústria automobilística.
Neste contexto, a balança comercial do Brasil foi superavitária durante todo o
período da guerra. Este resultado deveu-se à diminuição das importações e à
diversificação das exportações brasileiras. Em 1920, 44,6% dos estabelecimentos
industriais haviam sido criados entre 1915-1919, o que comprovava o impacto positivo
da Primeira Guerra sobre a atividade manufatureira doméstica.

2.4.4. As oscilações dos anos 20


A expansão das atividades comerciais do Brasil foi favorecida pela reforma do
Ministério das Relações Exteriores, promovida pelo chanceler Nilo Peçanha (1917-
1918). Dando impulso especial às atividades de promoção comercial, foram criados os
Serviços Econômicos e Comerciais. O interesse de aumentar as exportações agrícolas
brasileiras nos mercados europeus permitiu, pela primeira vez, a realização de um
trabalho coordenado entre o Itamaraty e os ministérios da Fazenda e Agricultura, e do
Comércio e Indústria. Durante a gestão do chanceler Otávio Mangabeira, iniciada em
1926, foram empreendidos novos esforços, no sentido de aprimorar o exercício de uma
diplomacia comercial. Passou a fazer parte das tarefas desenvolvidas pelo Itamaraty um
serviço de informação relacionado com as atividades econômicas e com a elaboração de
estatísticas sobre as exportações brasileiras.
A partir do fim do conflito mundial, a economia brasileira sofreu as conseqüências
de sua exposição aos sucessivos choques externos. No imediato pós-guerra, a melhor
cotação internacional do café, proporcionada por severas condições climáticas no Brasil,
favoreceu o seu desempenho.
Novas dificuldades surgiram a partir da recessão mundial, iniciada em 1920. Logo
os preços internacionais do café se recuperaram. Durante a última década da República
Velha, estes sobressaltos foram aliviados pelos breves ciclos de crescimento da
economia internacional e pelos programas locais de defesa do café, o que funcionou até
à chegada da grande crise de 1929.
Neste período, os acordos comerciais assinados pelo Brasil tinham orientação
nitidamente liberal. A inclusão da cláusula da nação mais favorecida nos acordos
comerciais da época, reforçou esta orientação. Assim, o modus vivendi comercial
concluído com os Estados Unidos, em 1923, garantiu automaticamente aos produtos
norte-americanos exportados para o Brasil toda a redução tarifária concedida a um
terceiro país.
O impacto da crise de 1929 levou à exaustão o modelo econômico da República
Velha. Os mecanismos financeiros que o suportavam sofreram o seu pior abalo. Perdeu
sustentação a política moldada pelas premissas do liberalismo econômico, convergente
com os interesses da oligarquia cafeicultora de São Paulo.

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Esta crise afetou o conjunto das nações agro-exportadoras, subordinadas às
turbulências do mercado mundial, cunhando o fim de um período da história política e
econômica no Brasil.

2.5. A profissionalização da Diplomacia Brasileira


2.5.1. A gestão do Barão do Rio Branco
Durante o Governo Provisório (1989-93), apesar de terem sido nomeados 13
ministros de Relações Exteriores, preservaram-se de forma quase intacta as tradições da
diplomacia imperial. Este fato se deveu, em grande parte, à continuidade do Visconde
de Cabo Frio na função de Diretor Geral, cargo que desempenhou desde 1864. Sua
permanência no cargo ate 1907 contribuiu para que no Ministério pudessem conviver
valores da tradição, associados ao antigo regime, e percepções inovadoras, que
buscavam modernizar a diplomacia brasileira.
Após a conturbação inicial, a República ingressou num período de estabilidade
política, que repercutiu favoravelmente na condução de suas relações internacionais.
Foram introduzidas importantes modificações na organização do Ministério das
Relações Exteriores, que influenciaram o conceito da profissão do diplomata.
O Barão do Rio Branco, que chefiou o Itamaraty nos anos de 1902-1912 (durante
os governos de Rodrigues Alves, Nilo Peçanha, Afonso Pena e Hermes da Fonseca),
teve presença marcante neste processo. O caráter centralizador e carismático de sua
gestão tornou-se ainda mais evidente a partir de 1907, com o falecimento do Visconde
de Cabo Frio.
Com a gestão de Rio Branco nasceu a preocupação de se criar um corpo
profissional coeso, que se destacasse pelos seus atributos técnicos e pelo preparo
intelectual, movido por uma mesma visão de mundo. O recrutamento dos quadros do
Ministério ainda obedecia a critérios informais, mas passou a ser guiado pela
necessidade de maior uniformização na formação do diplomata. Estes primeiros passos
em direção ao profissionalismo foram associados a um processo espontâneo de
aprendizagem, fomentado pela agenda cotidiana das negociações externas.
Uma das preocupações de Rio Branco foi ampliar a representação diplomática do
país no exterior - na América Latina e depois no continente europeu. Além de inaugurar
legações na América Central e no Caribe, separou o posto Washington - Cidade do
México, criando nesta capital uma delegação própria.
Simultaneamente, modernizou-se a estrutura do Ministério, o que envolveu a
reorganização do Arquivo, a criação da Biblioteca e da Mapoteca, com a ampliação de
seus quadros, remunerações mais significativas e adequação dos espaços físicos. Estas
iniciativas implicaram uma profunda remodelação do Palácio do Itamaraty, para onde a
Secretaria de Estado das Relações Exteriores havia se mudado em 1899.

2.5.2. A obra do Barão se consolida


Vários sucessores do Barão deram continuidade às políticas inovadoras no
Ministério. Podem destacar-se as reformas realizadas por Lauro Müller em 1913; a de
Nilo Peçanha em 1918; e a de Otávio Mangabeira em 1928; Lauro Müller instituiu
seções organizadas por temas e áreas geográficas, diferenciando os campos político e
diplomático das questões econômicas e consulares.

59
Nilo Peçanha definiu novas atribuições para o corpo consular, transformando-o
em agente propulsor de comércio exterior. Criou a designação de Secretário Geral,
abandonando a de Diretor Geral.
Otávio Mangabeira, o último chanceler da República Velha, reestruturou a rede de
missões diplomáticas e de repartições consulares. Tanto em termos numéricos, como em
suas atribuições, esta rede se modificou profundamente durante o período. Em 1893, o
Brasil possuía 20 legações, em 1928 já contava com 11 embaixadas e 26 legações.

2.6. Novos rumos na política externa


2.6.1. Diplomacia Republicana
O início da República foi marcado por controvérsias profundas sobre as diretrizes
da diplomacia do país. Desde 1870 o Manifesto do Partido Republicano defendia a
aproximação às nações americanas, o que supunha o abandono de uma política externa
voltada essencialmente para o mundo europeu. Após o 15 de novembro, muitos
representantes da classe política acreditavam que a transformação da vida institucional
deveria implicar a republicanização das relações internacionais do Brasil, o que
significava a sua americanização.
Um projeto de relacionamento mais intenso com o continente americano implicou
a valorização de dois parceiros: Argentina e Estados Unidos. Em relação à Argentina
surgiu no meio político e diplomático uma nova simpatia política que, ao superar
antigas rivalidades, procurou explorar pontos de cooperação. Quanto aos Estados
Unidos, ficou claro que uma política amistosa com a nação norte-americana, dada sua
crescente influência em assuntos internacionais e regionais, poderia ser benéfica para os
interesses brasileiros.

2.6.2. A diplomacia de fronteiras


A principal realização de Rio Branco foi consolidar o espaço territorial do país. A
demarcação definitiva de quase 14.500 quilômetros de fronteiras foi conseguida através
de uma série de entendimentos diplomáticos. Estes se nortearam pelo princípio da
solução pacifica das controvérsias, alcançada por meio de negociações bilaterais ou por
arbitragem. As posições brasileiras se fundamentaram em títulos históricos, no princípio
do uti possidetis (justificado por ocupação efetiva - demográfica e econômica) e na
proteção aos nacionais brasileiros, em áreas nas quais ainda houvesse dúvidas sobre a
legitimidade de soberania.
Com base nestas premissas, o Barão adotou interpretações flexíveis dos principais
tratados coloniais entre Portugal e Espanha: o Tratado de Madri (1750) e o Tratado de
San Ildefonso (1777).
Foram recusadas as propostas de negociações multilaterais e manteve-se a
máxima prudência na utilização do recurso à arbitragem.
Concluíram-se vantajosamente as negociações da área de Palmas (Missões), do
Acre, do Amapá e do Pirara, e dos contestados da região amazônica. Assim, foi
incorporada ao território brasileiro uma área de aproximadamente 885.000 quilômetros
quadrados, anteriormente sujeita a diversas contestações. Para tanto, foram realizados
entendimentos com todos os países vizinhos do Brasil.
Consulte os MAPAS : Norte e do Nordeste, Conquista do; Sete povos das
missões; e Colônia de Sacramento.

60
Além da premência para concluir o mapeamento territorial brasileiro, as
negociações fronteiriças foram motivadas pelas necessidades geo-econômicas do país.
No sul, intensificava-se a colonização do oeste dos estados do Paraná e de Santa
Catarina, enquanto ao norte avançava na Amazônia a exploração da borracha. A criação
de novos espaços econômicos que estimulassem correntes migratórias, parecia uma
possibilidade de alívio para as populações do Nordeste, castigadas pelas secas.

2.6.3. Diplomacia multilateral


Durante a República Velha o Brasil também iniciou suas incursões na diplomacia
multilateral. Além de uma participação ativa nas reuniões pan-americanas, o Itamaraty
passou a valorizar a presença brasileira nos debates responsáveis pela definição de
princípios e normas de convívio da comunidade internacional. Desde o início, esta
presença esteve marcada por posicionamentos contrários à consolidação de estruturas
hierarquizadas de poder, no sistema mundial.
A primeira atuação de destaque que marcou esta posição se deu durante a Segunda
Conferência da Paz em Haia (1907), na qual a delegação brasileira foi chefiada por Ruy
Barbosa. O tema principal foi a criação de uma Corte Internacional de Justiça. De
acordo com as posições da Alemanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos, esta deveria ser
formada por 16 países membros - dos quais apenas 9 teriam assento permanente. Às
repúblicas americanas caberia apenas um lugar, de caráter rotativo.
Ruy Barbosa participou intensamente das discussões sobre arbitragem, e envidou
imensos esforços para assegurar um lugar permanente para o Brasil, com base no
princípio da igualdade das nações. Não obstante, a resistência das principais potências
mundiais impediu que se alterasse a composição do tribunal. Nem mesmo a amistosa
relação com os Estados Unidos contribuiu para aproximar as posições das delegações
brasileira e norte-americana. Foi nesta ocasião que Ruy Barbosa deixou a marca de seu
pensamento universalista, de forte influência jurídica - liberal, na diplomacia brasileira.
Nos anos seguintes, o Brasil prosseguiu no seu empenho em assegurar uma
presença em plano de igualdade com as potências internacionais. Esta preocupação,
somada à crescente cooperação com os Estados Unidos, levou o país a assumir novas
responsabilidades no sistema internacional.

2.6.4. O Brasil na Primeira Guerra


O Brasil foi o único país latino-americano que participou da Primeira Guerra,
decisão precedida de um intenso debate no país. Desde o início das hostilidades no
continente europeu, figuras ilustres como Miguel Calmon, Olavo Bilac, Pedro Lessa e
Ruy Barbosa criticaram o estado de neutralidade da nação brasileira, mantido durante os
primeiros três anos do conflito. Do outro lado, personagens como Alberto Torres e
Dunshee de Abrantes, manifestavam posições contrárias às Forças Aliadas. Este último,
como presidente da Comissão de Diplomacia da Câmara dos Deputados, liderou a
posição pró - alemã no âmbito parlamentar, criticando a forma como os Estados Unidos
e a Inglaterra vinham defendendo seus interesses. Também se manifestaram resistências
à entrada do Brasil na guerra, sustentadas por lideranças anarquistas locais, neste caso
apoiadas nas argumentações pacifistas que proliferavam em todo o mundo.
Só em outubro de 1917 o governo de Wenceslau Brás reconheceu o estado de
guerra iniciado pela Alemanha, como reação ao afundamento de navios mercantes
brasileiros por submarinos germânicos. A Alemanha notificou os países neutros sobre
esta medida, como parte de sua campanha naval para garantir o bloqueio europeu.

61
Nesta época tiveram atuação destacada o chanceler Lauro Müller, que conduziu o
rompimento de relações com a nação alemã, e depois Nilo Peçanha responsável pela
pasta das Relações Exteriores quando o Brasil revogou sua neutralidade. Entretanto, no
Congresso, o trabalho de Afrânio de Mello Franco foi fundamental para assegurar o
apoio do Legislativo ao novo posicionamento do governo Wenceslau Brás.
Graças à sua atuação, o Brasil mereceu o reconhecimento europeu durante e após
o conflito mundial. Sua participação se deu através da cessão dos navios alemães
apreendidos, o envio de médicos e aviadores à Europa, e à cooperação com os ingleses
no patrulhamento do Atlântico Sul. Os governos britânico, francês, italiano e depois o
belga, elevaram suas legações no Rio de Janeiro à categoria de embaixadas, com
imediata reciprocidade do Brasil. O fato de o governo brasileiro ter decidido sua entrada
na guerra antes que estivesse claro o seu desfecho, foi particularmente valorizado pelos
países aliados. Como retribuição a esta lealdade, tanto a Grã-Bretanha como a Itália e a
França, deram início a programas de cooperação militar.
O episódio mais dramático da participação brasileira na guerra ocorreu com sua
divisão naval – formada pelos cruzadores Bahia e Rio Grande do Sul, os
contratorpedeiros Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba e Santa Catarina, - que antes de
chegar à Europa sofreu a perda de grande parte de sua tripulação, dizimada pela gripe
espanhola.
A atuação do Brasil no conflito lhe assegurou as compensações obtidas no
Tratado de Versalhes. Obteve autorização para ficar com os navios alemães que haviam
sido aprisionados no país durante a guerra e a devolução de depósitos bancários retidos
desde 1914 na Alemanha, referentes às vendas de café.

2.6.5. O Brasil e a Liga das Nações


Os resultados benéficos para o Brasil, na Conferência de Paz, se deveram aos
esforços de sua Delegação. Destacaram-se as atuações de Epitácio Pessoa, Domício da
Gama e Heitor Lyra. Desde a etapa preparatória da Conferência, quando a representação
brasileira foi assumida por João Pandiá Calógeras, havia a esperança de que o país
merecesse um reconhecimento especial. Esta expectativa reforçava-se pelo fato do
Brasil ser o único representante latino-americano na Comissão de Organização da Liga
das Nações.
Tanto a participação na Conferência de Versalhes, como os anos de experiência na
Liga das Nações, permitiram ao país abrir o seu leque de interesses. Articularam-se
posições referentes ao desarmamento, à arbitragem, à segurança coletiva e à cooperação
econômica.
O interesse em ampliar sua atuação multilateral, levou o Brasil à Primeira
Conferência Internacional do Trabalho, realizada em 1919, em Washington. A
organização desta conferência revelou uma nova abordagem da comunidade
internacional em relação à questão do trabalho, influenciada pela pressão das redes
sindicais e pelo impacto da Revolução Russa. Na vida política brasileira, esta nova
realidade se expressava na expansão do movimento operário, na politização do debate
sobre problemas sociais e na fundação do Partido Comunista, em 1922.
Durante os primeiros anos da Liga das Nações, o envolvimento brasileiro foi
intenso. Nos anos 1920-26, o país foi membro eleito do Conselho, exercendo também a
presidência do Órgão. Este cargo foi desempenhado sucessivamente por Gastão da
Cunha, Domício da Gama e Afrânio de Mello Franco. Deve-se sublinhar a contribuição

62
de Raul Fernandes na organização da Corte Permanente de Justiça Internacional e seu
esforço para que o Brasil se tornasse membro permanente do Conselho da Liga.
Em 1924, o Brasil foi a primeira nação a criar uma embaixada permanente junto à
Liga. Como chefe da representação em Genebra, também Mello Franco se empenhou
para que o país obtivesse um assento permanente no Conselho. O governo de Arthur
Bernardes, inaugurado em 1922, tornou esta aspiração um tema prioritário de sua
política externa.
A proposta brasileira inicial foi de que o Conselho criasse mais dois lugares
permanentes, que seriam provisoriamente ocupados pela Espanha e o Brasil, e depois
transferidos para os Estados Unidos e a Alemanha, quando estes países ingressassem na
Liga. A falta de apoio dos demais países latino-americanos e da Grã Bretanha
inviabilizou a pretensão nacional. Seu encaminhamento se tornou ainda mais difícil a
partir dos Acordos de Locarno (1925) que previam a plena reintegração da Alemanha
no sistema político-institucional europeu.
O governo brasileiro abandonou sua pretensão em 1926. À frustração de não
haver conseguido transformar-se em membro permanente do Conselho, se somou a sua
inconformidade de que a nação alemã fosse automaticamente admitida com esse status.
Após a decisão de manter o veto ao ingresso exclusivo da Alemanha no Conselho, o
presidente Arthur Bernardes optou pela retirada do Brasil da Organização. Esta atitude,
igualmente assumida pela Espanha, foi alvo de veementes criticas no âmbito europeu e
latino-americano, e também no meio político interno. Seu caráter definitivo foi
formalizado dois anos depois, pelo governo de Washington Luis.
Apesar de haver se retirado da Liga, o Brasil manteve uma política de colaboração
com o sistema multilateral mundial. Continuou a participar de reuniões promovidas pela
Organização, como ocorreu em 1927 na Conferencia Econômica Internacional, e em
1928, na Conferência de Estatísticas Econômicas.
A presença brasileira também foi mantida no Bureau Internacional do Trabalho e
na Corte Permanente de Justiça Internacional - da qual Epitácio Pessoa foi juiz até 1930.

2.7. Novo relacionamento com os países vizinhos


2.7.1. Novos ânimos na Bacia do Prata
Nos anos finais do Império, o Brasil havia alcançado uma situação de equilíbrio
junto aos seus vizinhos da Bacia do Prata. As dificuldades de relacionamento, herdadas
deste o período colonial, pareciam superadas. Contudo, o governo imperial havia
deixado para a República um legado de delicadas negociações de limites junto a seus
vizinhos na América do Sul, pendentes desde os tratados realizados pelas coroas
portuguesa e espanhola. O clima político propiciado pelo advento da República
favoreceu a solução destas pendências.
Nas fronteiras meridionais foram cruciais as negociações da região de Palmas, que
envolviam o território argentino, e aquelas referentes à Lagoa Mirim e ao Rio Jaguarão,
com o Uruguai. Já com os países andinos, devem ser sublinhados os entendimentos
alcançados com a Bolívia, referentes ao território do Acre, e a conclusão de
demarcações na área amazônica, com a Colômbia e o Peru. Completaram o ciclo de
negociações territoriais os acordos referentes às fronteiras com as Guianas, inglesa e
francesa.

63
2.7.2. A revisão das relações com a Argentina
Para a Argentina, o novo regime brasileiro representou uma boa notícia, que abriu
expectativas para o avanço das negociações de limites. Inicialmente, o novo governo
brasileiro participou destas negociações motivado pelo desejo de manter um bom
relacionamento com a nação vizinha, deixando-se de lado posições defendidas
previamente.
Estas posições se fundamentavam no acordo de limites assinado por ambos os
países em 1857 - negociado pelo Visconde do Rio Branco - que não previa cessão
territorial por parte do Brasil. Este acordo, entretanto, terminou não sendo ratificado
pelo Congresso argentino, devido a turbulências políticas internas. Em 1882, a retomada
das negociações resultou no Tratado de 1885, desta vez insatisfatório para o lado
brasileiro, que passou a preconizar uma decisão arbitral. Defendia-se uma solução na
qual o território em disputa passaria a pertencer a uma só das partes.
Anos depois, o Tratado de setembro de 1889 estipulou que, caso um entendimento
não fosse alcançado no prazo de noventa dias, os dois países se submeteriam a uma
decisão por arbitragem.
Com o advento da República brasileira, o governo de Buenos Aires tratou de
apressar as negociações em torno da Questão de Palmas. Em janeiro de 1890 foi
assinado o Tratado de Montevidéu. De acordo com este, a comarca de Palmas, no
estado do Paraná (confinando ao Oeste com o território argentino de Missiones e ao Sul
com o Estado do Rio Grande do Sul), seria dividida em parte iguais entre o Brasil e a
Argentina.
A rejeição do Tratado de Montevidéu pelo Congresso Brasileiro levou à
reabertura das negociações, voltando-se aos termos do Tratado de 1889, que previa o
recurso à arbitragem. Os dois países acordaram em atribuir tal responsabilidade ao
presidente Cleveland, dos Estados Unidos.
As posições do Brasil foram defendidas inicialmente pelo Barão Aguiar de
Andrade e posteriormente pelo Barão de Rio Branco. Por parte da Argentina o primeiro
defensor, Nicolas Calvo, foi seguido por Estanislau Zeballos. Em 1895 o presidente
norte-americano pronunciou-se a favor dos argumentos brasileiros. Este resultado foi o
primeiro êxito de uma extensa lista de negociações de limites conduzidas por Rio
Branco, durante os primeiros tempos da República.
Uma vez superado este problema, as relações Brasil-Argentina ganharam novo
impulso. O fim do litígio coincidiu também com o término das turbulências causadas
pela Revolta da Armada e pela Revolução Federalista. Ambos os conflitos haviam
gerado apreensões no Brasil, quanto a uma atitude conivente do governo argentino com
as forças rebeldes.
Na virada do século, uma seqüência de visitas presidenciais iniciou um novo
clima político entre os dois países. Primeiro, Júlio Roca veio ao Brasil em 1899 e
Campos Salles retribuiu a visita, em 1900. A presença dos mandatários e de suas
prestigiosas comitivas surtiu um efeito positivo nos meios políticos argentino e
brasileiro.

2.7.3. Avanços e retrocessos do Projeto ABC


O clima de cooperação entre os governos argentino e brasileiro, somado à
aproximação entre a Argentina e o Chile neste mesmo período, propiciou pela primeira

64
vez a idéia de uma articulação entre os três países, anos depois rotulada como o pacto
ABC. Foi com este espírito que as três nações se articularam em 1903 para o
reconhecimento do Panamá, quando este se separou da Colômbia.
O Barão de Rio Branco mostrou-se particularmente interessado em aprofundar a
amizade e confiança entre os três países. Em 1909, junto com o governo chileno, o
chanceler brasileiro lançou o projeto do Tratado de Cordial Inteligência Política e
Arbitragem entre Brasil, Chile e Argentina, que finalmente não se materializou.
Paralelamente ao diálogo mais estreito com a Argentina e o Chile, a diplomacia
brasileira tratou de dissipar qualquer idéia de que esta aproximação poderia pôr em risco
o relacionamento amistoso com os Estados Unidos. Rio Branco não pretendia alimentar
uma política anti-norteamericana, mas sim criar um instrumento comum de prestígio
para os três países. Para o Barão, tratava-se de um esquema diplomático complementar,
que viria contrabalançar o peso das relações com os Estados Unidos.
Pouco a pouco, o relacionamento Brasil-Argentina passou a ser afetado por
questões e episódios que ora estimulavam sentimentos amistosos, ora reacendiam
rivalidades. Apesar de pouco significativas, as trocas comerciais também foram fonte de
divergências. As restrições tarifárias aplicadas na Argentina às exportações brasileiras
de açúcar, erva mate, café, tabaco e frutas gerava tantos problemas quanto as restrições
impostas pelo Brasil às vendas argentinas de trigo, milho, alfafa, e vinho. Além disso, a
disputa para atrair imigrantes europeus era motivo de ciúmes, de parte a parte. Também
devem ser mencionados os controles sanitários no porto de Buenos Aires, que
impunham quarentena a navios procedentes de portos brasileiros.
Durante a República Velha, o relacionamento Brasil - Argentina passou a exercer
maior influência sobre as políticas externas do Cone Sul. Enquanto o Uruguai e o
Paraguai normalmente acompanhavam as tendências de Buenos Aires, o Chile oscilava
entre uma atitude defensiva nos momentos de aproximação argentino-brasileira ou de
aproximação ao Brasil, quando os ânimos entre Buenos Aires e Santiago andavam
estremecidos.
As oscilações no relacionamento Brasil-Argentina refletiam percepções e opiniões
nem sempre convergentes em política internacional. Estas foram reforçadas em todas as
ocasiões em que a diplomacia brasileira acusou melhor sintonia com Washington do que
com Buenos Aires. Um exemplo disso aconteceu em 1902, quando a Inglaterra e a
Alemanha efetuaram um bloqueio naval à Venezuela, para pressionar este país a pagar
suas dívidas. Enquanto o Chanceler argentino Luís Maria Drago procurou mobilizar os
demais países sul-americanos para protestar contra o método da cobrança, o Barão do
Rio Branco preferiu manter uma atitude de não envolvimento, adotada também pelos
Estados Unidos.
Verificaram-se tensões inevitáveis geradas pelas políticas de aparelhamento
militar, como ocorreu quando o Brasil deu curso à modernização de sua Marinha. Em
diferentes ocasiões elas foram atenuadas por iniciativas de figuras políticas identificadas
com a amizade argentino-brasileira. Assim se devem interpretar os gestos políticos
amistosos de Quintino Bocayúva, do lado brasileiro, e de Bartolomeu Mitre, do lado
argentino, o mesmo se podendo dizer das viagens dos ex-presidentes Júlio Roca ao Rio
de Janeiro, em 1907 e 1912 e de Campos Salles a Buenos Aires, em 1912.
Um passo importante na aproximação foi dado quando se negociou o Tratado para
Facilitar a Solução Pacífica de Controvérsias Internacionais em 1915, que contou com a
adesão imediata do Chile e posterior do Uruguai. Igualmente importante, foi a atuação

65
mediadora conjunta argentina, brasileira e chilena em 1914, no conflito entre o México
e os Estados Unidos, quando estes ocuparam a cidade de Veracruz.
Novos problemas entre o Brasil e a Argentina surgiram em 1923, no contexto da
V Conferência Pan-americana. Nesta ocasião se frustraram os entendimentos
diplomáticos para articular uma posição comum em torno do problema do
desarmamento. Apesar da receptividade manifestada pelo Chile, Buenos Aires preferiu
manter sua posição crítica em relação à política do Brasil de reforçar seu próprio aparato
defensivo. As tensões foram parcialmente contornadas com a aprovação do Pacto
Gondra, que previa mecanismos de prevenção para conflitos entre os estados
americanos.

2.8. A conclusão de negociações fronteiriças


2.8.1. Uruguai
Ainda no Cone Sul, o Brasil cuidou de suas relações com os países menores da
área. Mencionem-se os entendimentos sobre fronteiras com o Uruguai. Neste caso,
foram notáveis os esforços negociadores internos, conduzidos pessoalmente pelo Barão
do Rio Branco. Após enfrentar durante vários anos vozes discordantes, o ministro
conseguiu o apoio para a assinatura com o Uruguai do Acordo de outubro de 1909, que
concedia a este país o condomínio da soberania da Lagoa Mirim e a plena liberdade de
navegação no Rio Jaguarão.

2.8.2. Venezuela, Bolívia, Peru e Colômbia


As relações do Brasil com seus vizinhos andinos também foram influenciadas por
negociações de fronteiras. Com a exceção dos entendimentos com a Venezuela, em
1905, estas discussões exigiram esforços diplomáticos prolongados.
Os entendimentos com a Bolívia em torno do território do Acre foram os mais
delicados. As dificuldades destas negociações existiam desde o reconhecimento da
independência boliviana, em 1831. Para o Brasil, a busca de uma solução tornou-se
premente a partir de fins do século XIX. Nesta época, a região em litígio se converteu
numa fonte importante para a produção da borracha, além de sua riqueza em madeira e
erva mate.
Depois da assinatura do protocolo de 1894, os trabalhos realizados pelos dois
países, na demarcação de sua fronteira comum, trouxeram à luz o maior problema desta
negociação. De acordo com os estudos realizados, verificou-se que a região do Acre
pertencia à Bolívia, apesar de já encontrar-se povoada com numerosa população
brasileira.
O governo boliviano tentou, sem sucesso, controlar administrativamente a região
e em 1901 decidiu arrendá-la a uma companhia anglo-americana interessada em suas
riquezas naturais. A reação do governo brasileiro e da população local criou um clima
de hostilidades, o que dificultou ainda mais os entendimentos com a Bolívia.
Neste contexto, o Brasil iniciou um processo de negociações que previam a opção
de compra do Acre. Ao mesmo tempo, nos primeiros meses de 1903, procedeu à sua
ocupação militar. Os entendimentos entre La Paz e o Rio de Janeiro foram gradualmente
retomados e, finalmente, em novembro do mesmo ano, foi assinado o Tratado de
Petrópolis.

66
Os pontos mais importantes do Tratado: a Bolívia obtinha compensações
territoriais em diferentes pontos de sua fronteira com o Brasil, os brasileiros se
comprometiam a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré e a conceder a liberdade
de trânsito por esse caminho e pelos rios, até o Oceano; era assegurada à Bolívia uma
indenização no valor de 2 milhões de libras esterlinas em troca da cessão da parte
meridional do Acre; o Brasil renunciava à parte norte do território acreano.
As negociações com o Peru também foram influenciadas pelos problemas
originados pela extração da borracha em áreas ainda sujeitas a demarcações fronteiriças.
Depois de discussões, que se estenderam por quase dez anos, foram concluídas as
negociações. Em 1904, os entendimentos alcançados permitiram a realização de estudos
técnicos, cujas conclusões foram reunidas no Tratado de Setembro de 1909.
A negociação com a Colômbia representou outra experiência de êxito para o
Barão do Rio Branco. Após um período prolongado, pôde-se chegar ao entendimento e
foram assinados dois acordos em abril de 1907, o Tratado de Limites e Navegação
Fluvial e o de modus vivendi, relativo ao tráfego e comércio pelos rios Ica e Putumaio.
Estas negociações tiveram a peculiaridade de determinar a demarcação em
territórios disputados por quatro nações: Venezuela, Colômbia, Equador e Peru. Em
1904, o governo brasileiro havia assinado um tratado de limites com o Equador, cuja
aplicação só teria lugar se este país saísse vitorioso no litígio que mantinha com o Peru e
a Colômbia, a respeito do território limítrofe com o Brasil. Para o Barão do Rio Branco,
o sucesso do entendimento com a Colômbia devia-se à prudência e ao equilíbrio das
concessões feitas por ambas as partes.

2.8.3. França, Grã-Bretanha e Holanda


Além de aproximar-se de seus vizinhos americanos, o Brasil liquidou pendências
com as potências européias – França, Grã-Bretanha e Holanda - que mantinham
possessões limítrofes com o seu território. Os entendimentos com o governo holandês,
em torno dos limites com o Suriname, foram facilmente concluídos em 1906.
Quanto às negociações em torno de uma área de 260 mil quilômetros quadrados,
no território do Amapá, na fronteira com a Guiana francesa, essas envolviam uma
situação complexa, herdada dos tempos coloniais.
Após uma solução precária, com a neutralização do território em litígio, as
discussões ficaram congeladas nas últimas décadas do Império. Por solicitação da
França, o Governo Provisório aceitou negociar uma convenção de arbitragem,
recorrendo de imediato aos serviços do Barão do Rio Branco. Em 1897, os dois países
assinaram um acordo, estabelecendo que caberia ao governo suíço o julgamento da
questão. Em dezembro de 1900 se divulgou o laudo com uma sentença que aceitava de
forma integral a reivindicação brasileira.
O recurso à arbitragem também foi utilizado no caso dos limites com a Guiana
Inglesa. Uma vez mais devia-se concluir um litígio herdado do período colonial.
Solucionada durante a gestão de Rio Branco, esta negociação foi conduzida por
Joaquim Nabuco do lado brasileiro. A sentença arbitral, atribuída ao rei italiano Vitor
Manuel, foi concluída em 1904, atendendo essencialmente às reivindicações inglesas.
Em conseqüência, realizou-se a partilha dos 33.200 quilômetros quadrados em disputa,
dos quais 19.630 foram atribuídos aos britânicos e 13.570 ao território brasileiro.

67
O Brasil se distanciou paulatinamente da esfera de influência britânica. Na virada
do século XIX surgiram evidências de que os laços com a Grã-Bretanha perdiam
prioridade para a política externa brasileira.

2.8.4. A Questão da Ilha de Trindade


No início da República, o relacionamento com os ingleses foi afetado pelo
incidente causado pela decisão do governo britânico de ocupar a Ilha de Trindade, em
janeiro de 1895. A reação do Brasil era motivada pelo valor estratégico da ilha. Em
julho do mesmo ano, o governo Prudente de Morais protestou, exigindo a imediata
retirada dos britânicos. A primeira resposta da Grã-Bretanha foi submeter a questão à
arbitragem, o que foi rejeitado pelo Brasil.
Na época foi decisiva a intermediação do governo português, que ofereceu seus
bons ofícios para superar a controvérsia. Através da atuação de seu Ministro das
Relações Exteriores - Conselheiro Luis Soveral - e do Encarregado de Negócios,
Francisco Lampreia - Portugal confirmou a legitimidade dos direitos brasileiros sobre a
Ilha. O governo britânico reviu sua posição e abandonou a idéia da soberania sobre esse
pequeno território insular.

2.9. Novos vínculos com os Estados Unidos


2.9.1. Introdução
As relações entre o Brasil e os Estados Unidos ganharam densidade dentro deste
contexto. A partir do apoio norte-americano ao Governo Provisório foram reforçadas as
relações entre os dois países. A ampliação de sua presença naval foi acompanhada pela
expansão de relações comerciais, com a assinatura do Tratado de Reciprocidade
Comercial de 1891.
A partir de então, abriu-se um canal direto de diálogo com o governo norte-
americano. Apesar do vigoroso protecionismo do seu parceiro, o Brasil assegurou
medidas de exceção ou de reduções tarifárias a seus produtos - especialmente o café. A
reciprocidade do lado brasileiro se verificou na concessão de tarifas mais baixas (de
20% a 30%) para as mercadorias norte-americanas.
O labor diplomático de Salvador de Mendonça durante o longo período de sua
permanência em Washington (1890-98), muito contribuiu para a aproximação entre os
dois países. Além de assegurar a entrada de produtos brasileiros nos Estados Unidos, o
ministro procurou afinar a diplomacia brasileira às premissas do pan-americanismo.
Os Estados Unidos procuraram aprofundar suas relações com o Brasil durante
toda a República Velha. Sua atuação nas negociações de limites, concluídas com a
Argentina, foi seguida do apoio ao governo brasileiro na resolução das demarcações das
fronteiras com as Guianas Francesa e Inglesa. Em contrapartida, o Brasil apoiou política
e logisticamente o governo norte-americano em 1898, no conflito com a Espanha.
Em 1905 os dois países elevaram à condição de embaixadas as legações mantidas
nas respectivas capitais. Para o governo norte-americano, tratava-se da primeira
representação diplomática deste tipo na América do Sul. Para o Brasil, foi a primeira
embaixada no exterior, o que justificava a nomeação do ilustre Joaquim Nabuco como o
seu primeiro titular.
Como embaixador em Washington, Nabuco buscou imprimir um sentido fraternal
ao relacionamento Brasil - Estados Unidos. Ao idealizar a formação de um único

68
sistema político continental, sua expectativa visava contribuir para o fortalecimento da
Doutrina Monroe.
O Barão do Rio Branco, compartilhando essa visão, agregou-lhe um sentido
defensivo frente às pretensões européias, que assegurasse a soberania dos países
americanos.
Nos anos posteriores à gestão de Rio Branco, os dois países aprofundaram e
diversificaram seus vínculos. Com raras exceções, caso de Domício da Gama, os
chanceleres que se seguiram foram partidários de uma política externa alinhada a
Washington. A presença no Brasil do embaixador Edwin Morgan, durante o longo
período de 1912 a 1933, contribuiu para sedimentar esta política.
Os norte-americanos mostraram repetidas vezes sua amizade pelos governos da
República Velha. Seu apoio ao rearmamento naval brasileiro em 1913 foi reforçado
com o início, em 1922, de um programa de cooperação militar.
Quando Washington colocou em prática a diplomacia do dólar, endureceu suas
posições junto às nações latino-americanas, no campo comercial e político. A partir
desta época, ganhou maior espaço, nos meios diplomático e político brasileiros, o
debate sobre os prós e contras de um relacionamento alinhado aos Estados Unidos.
Os bons termos deste relacionamento não impediram a manifestação de diferenças
entre ambos países, durante toda a República Velha. Podem mencionar-se as posições
divergentes na II Conferência de Paz em Haia, na divisão entre Colômbia e Panamá e
em momentos de difíceis negociações comerciais bilaterais.

2.9.2. A importância crescente dos laços econômicos


No campo econômico, os vínculos com os Estados Unidos concentraram-se na
esfera das transações comerciais. Porém, estas revelaram, desde o início, fortes
desequilíbrios. Nos anos 1910-14, por exemplo, 38% das exportações brasileiras
destinavam-se ao mercado norte-americano, enquanto apenas 1,5% das vendas externas
dos Estados Unidos chegava ao Brasil.
Logo após a Primeira Guerra, as importações de produtos americanos cresceram
substancialmente. Entre 1914 e 1928, a participação dos Estados Unidos nas
importações brasileiras aumentou de 14% para 26%. Entre os bens mais procurados
pelo Brasil destacavam-se: automóveis e peças industriais, trigo, gasolina, locomotivas
a vapor, cimento, máquinas e aparelhos elétricos.
A participação norte-americana nos investimentos estrangeiros tornou-se
significativa a partir da década de vinte, especialmente nos setores de transportes,
mineração e frigoríficos. Dados relativos a empresas estrangeiras no Brasil entre 1891-
1920, revelam que a maior presença norte-americana coincidiu com a diminuição do
número de firmas inglesas.

69
3. A Era Vargas
Mônica Hirst

3.1. Introdução
A revolução de 1930 inaugurou no Brasil um período de transformações políticas
e econômicas. Seus reflexos sobre a política externa foram imediatos. A nomeação de
Afrânio de Mello Franco como chanceler do Governo Provisório criou uma estreita
ligação entre o Itamaraty e o movimento político que havia levado Getúlio ao poder.
Esta vinculação se manteve durante toda a Era Vargas.
O novo chanceler concentrou suas preocupações na área da diplomacia comercial.
O impacto da crise de 1929 exigiu respostas para atenuar seus efeitos sobre as relações
econômicas externas do país. Mello Franco também promoveu diversas modificações
no Ministério das Relações Exteriores, em sintonia com a ampla reforma administrativa
do Estado.
A partir de 1934 José Carlos de Macedo Soares assumiu a chefia do Ministério,
procurando interligar as relações econômicas externas ao desenvolvimento industrial do
país. Durante sua gestão (1934-36) foram estabelecidas simultaneamente negociações
comerciais com os Estados Unidos e Alemanha.
Enquanto os norte-americanos insistiam nas premissas do livre comércio, os
alemães ofereciam as vantagens do comércio compensado. O governo procurou
beneficiar-se de ambas as possibilidades, adotando uma política externa marcada pelo
pragmatismo.
Após a decretação do Estado Novo em 1937, Vargas convidou Oswaldo Aranha
para a chefia do Itamaraty. Aranha mantinha estreita colaboração com Vargas, desde o
período pré-revolucionário no Rio Grande do Sul e continuou ministro até 1944.
Ele fora embaixador em Washington entre 1934-37 e empenhou-se na
aproximação entre o Brasil e os Estados Unidos. Como contrapartida, o governo
brasileiro obteve o apoio norte-americano para a construção da Companhia Siderúrgica
Nacional e o reaparelhamento das Forças Armadas.
Esta opção reforçou os vínculos econômicos, militares e culturais entre ambos
países e estimulou a participação brasileira no conflito mundial. Ao mesmo tempo, a
colaboração com as Forças Aliadas terminou ajudando a redemocratização do Brasil,
em 1945.

3.2. O cenário internacional


3.2.1. A Grande Crise
Na década de 30 o mundo atravessou um período de turbulências e incertezas. Os
efeitos da crise de 1929 geraram reações diversas, que tiveram em comum: a expansão
do protecionismo, a ampliação do papel do Estado e o planejamento de estratégias
econômicas nacionais.
O terreno político ficou propício às ideologias extremadas, que questionavam os
primados do liberalismo. A proliferação de movimentos fascistas em quase toda Europa
levou à formação de governos totalitários em países como Itália, Alemanha, Portugal e
Espanha.
3.2.2. Novas realidades na América Latina
O novo cenário mundial teve forte impacto na América Latina, fortalecendo o
protecionismo e o nacionalismo. A presença dos militares em assuntos políticos internos
tornou-se comum e coincidiu com o fim de governos controlados por oligarquias agro-
exportadoras.
A década de 30 também se caracterizou, na América Latina, como um período de
grande instabilidade política, com freqüentes quebras na ordem institucional e a
imposição de regimes ditatoriais.
Em muitos países latino-americanos a industrialização foi acelerada através da
substituição de importações e de medidas que favoreceram obras de infra-estrutura e
novas orientações sociais. Quanto às vinculações econômicas externas, observou-se o
declínio da presença da Grã-Bretanha e a expansão dos laços com a Alemanha e os
Estados Unidos.
Enquanto passava por importantes transformações internas, a região sul-americana
enfrentou três situações de conflito: a Guerra do Chaco, entre a Bolívia e o Paraguai
(1932-35); a beligerância entre o Peru e a Colômbia (1933-34); e o confronto Equador-
Peru (1941). Nos três casos foram decisivos os esforços mediadores dos países vizinhos,
especialmente Brasil, Argentina e Chile, reforçados pelo apoio dos Estados Unidos.
O conflito do Chaco, motivado por disputas territoriais herdadas do período
colonial, gerou uma crise grave na região. Para a nação boliviana, este território poderia
romper seu isolamento e lhe assegurar o acesso ao Oceano Atlântico. Já o Paraguai
alimentava ambições econômicas, baseadas na hipótese de que o Chaco Boreal seria
uma área rica em petróleo. Após três anos de confronto bélico chegou-se a uma trégua,
que permitiu a realização de uma Conferência de Paz em Buenos Aires, cujos trabalhos
só foram concluídos em 1938.
O confronto peruano-colombiano teve origem numa disputa fronteiriça, na região
amazônica. As demarcações limítrofes haviam sido concluídas em 1930, baseadas no
Tratado de Lima de 1922, assinado por ambos os países. Quando o Peru se recusou a
deixar que o porto de Letícia fosse ocupado pela Colômbia, provocaram-se vários
incidentes, levando o Peru a denunciar o acordo de 1922.
A escalada de desentendimentos terminou no rompimento de relações
diplomáticas, levando a Liga das Nações a tentar resolver o problema com esforços
mediadores, que foram reforçados por algumas nações sul-americanas, destacando-se a
atuação brasileira. Em fins de 1933, negociações que tiveram lugar no Rio de Janeiro
selaram a paz entre os contendores, reconfirmando a vigência do Tratado de Lima.
O mapeamento da região amazônica também motivou graves controvérsias entre
Peru e Equador. As províncias amazônicas Jaén e Maynas, ao norte do rio Marañon,
eram disputadas desde a independência dos dois países, o que provocava repetidos
incidentes na área. O mais grave ocorreu em finais de 1941, com a mobilização de
contingentes militares significativos nos dois lados da fronteira.
Os Estados Unidos demonstraram muito interesse no apaziguamento da situação.
Apesar de manter quase toda a sua atenção voltada para a Segunda Guerra, o governo
norte-americano incentivou a mediação de países da região. Uma articulação
diplomática entre Brasil, Argentina e Chile levou os governos peruano e equatoriano a
assinar um acordo em 1942, no Rio de Janeiro. Seria formada uma Comissão de Limites
Equador – Peru, cujos trabalhos, aliás, decorreram com enorme dificuldade.

71
3.2.3. As mudanças na política externa dos Estados Unidos
A vitória do democrata Franklin Roosevelt nos Estados Unidos, em 1932, trouxe
novas expectativas políticas e econômicas. O país precisava sair da depressão com
decisões urgentes, tendo sido tomadas uma série de medidas conhecidas como o New
Deal. Destacavam-se: o atendimento às massas desempregadas, o alívio para evitar a
quebra de milhares de empresas, o desenvolvimento de um vasto programa de obras
públicas e nova regulamentação da atividade econômica.
No plano externo, a administração democrata lançou um projeto de liderança
internacional, que pretendia romper o anterior isolamento dos Estados Unidos. Pela
primeira vez se desenvolvia uma atuação que deveria assegurar condições de paz e
estabilidade econômica para todo o mundo.
As mudanças da política externa norte-americana tiveram fortes implicações na
América Latina. Um novo estilo de relacionamento, conhecido como a política de boa
vizinhança, passou a valorizar o diálogo com os países da região.
Os Estados Unidos pretendiam reforçar sua presença através de vínculos
econômicos, culturais e militares, e também realizar conferências multilaterais
freqüentes. O Secretário de Estado Cordell Hull, e o Subsecretário para assuntos
americanos Sumner Welles, pregavam a substituição das práticas intervencionistas pela
negociação diplomática.
Durante os anos 30, o governo norte-americano negociou acordos de
reciprocidade comercial com onze países latino-americanos. Na década seguinte, a
partir do envolvimento dos Estados Unidos no conflito mundial, foi rapidamente
montado um sistema hemisférico de segurança, baseado em programas bilaterais de
cooperação militar.
A realização de conferências de chanceleres latino-americanos criou uma nova
agenda interamericana. Na reunião de Montevidéu em 1933, Cordell Hull anunciou a
política de boa vizinhança, com a retirada das tropas norte-americanas do Haiti. A esta
conferência seguiram-se as de Buenos Aires em 1936, Lima em 1938, Panamá em 1939,
Havana em 1940 e Rio de Janeiro em 1942.
As três últimas foram importantes para assegurar o apoio do continente ao
envolvimento, cada vez maior, dos norte-americanos na Segunda Guerra. Na reunião do
Panamá aprovou-se a declaração de neutralidade. Em Havana, os países americanos
concordaram com os princípios de cooperação defensiva. Finalmente, na Terceira
Reunião de Consulta dos Chanceleres, realizada no Rio de Janeiro, foi assumido o
compromisso de romper relações com o Eixo (objetado apenas pela Argentina e pelo
Chile).

3.2.4. O impacto da Segunda Guerra Mundial


A crise mundial que levou à Segunda Guerra destruiu o sistema de poder europeu.
Depois de retirar-se da Liga das Nações, em 1936, a Alemanha intensificou seu
programa de rearmamento, o que violava o Tratado de Versalhes. Em breve espaço de
tempo se tornou impossível reverter o expansionismo nazista.
A guerra entre as potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e as Forças Aliadas
provocou a perda de 55 milhões de vidas e devastou grande parte do território europeu.
O conflito durou seis anos (1939-45) espalhando pelo mundo o confronto entre projetos
fascistas e ideais democráticos.

72
Em dezembro de 1941, após o ataque japonês à base de Pearl Harbour, os Estados
Unidos entraram na guerra, circunstância que impôs novas pressões à América Latina.
Além do apoio político, alguns países tornaram-se importantes para o suprimento de
materiais estratégicos e/ou a cessão de bases militares. Naquele momento foi
fundamental a construção de uma base no nordeste do Brasil, para apoiar as operações
militares dos aliados no norte da África.
A participação latino-americana aconteceu de forma diferenciada. Apenas a
Colômbia, o México e o Brasil tiveram envolvimento militar direto. O governo
brasileiro foi o único que enviou tropas às frentes de combate na Europa (1945).

3.2.5. O reordenamento do Sistema Internacional


A partir de 1943 os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a União Soviética,
prevendo a vitória, fixaram os parâmetros de uma nova ordem internacional. Os norte-
americanos queriam assegurar sua liderança mundial. Na América Latina esta intenção
contava com amplo respaldo. O único país que rejeitou o alinhamento aos Estados
Unidos foi a Argentina, que manteve posição de neutralidade até quase o final do
conflito.
Um dos efeitos mais importantes da vitória dos Aliados na Segunda Guerra foi
fomentar a democracia em diferentes partes do mundo. Também ganhou impulso a idéia
de que instituições multilaterais sólidas seriam vitais para assegurar a paz e a
estabilidade econômica internacional.
A responsabilidade do sistema das Nações Unidas foi fixar regras de convivência
e princípios universais, que deveriam ser respeitados por todos os membros da
comunidade internacional. Com este espírito foi realizada, em 1944, a Conferência
Econômica Internacional de Bretton Woods, na qual foram aprovados os estatutos do
Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. No ano seguinte, cinqüenta países
aprovaram a criação da Organização das Nações Unidas (ONU).

3.3. O Brasil e a economia mundial


3.3.1. As iniciativas perante a crise
A crise mundial deflagrada em 1929 teve impacto imediato sobre a economia
brasileira. Além da contração das importações, reduziram-se os preços de suas
exportações. A rápida perda de valor da moeda nacional dificultou o cumprimento dos
compromissos financeiros do país.
Em 1931 foi negociado um funding loan, que visava aliviar as dívidas acumuladas
com os bancos ingleses. Os norte-americanos logo protestaram, porque seus
empréstimos não estavam incluídos na iniciativa. Estas reclamações fundamentavam-se
na importância crescente dos Estados Unidos nos vínculos econômicos externos do
Brasil.
O Governo Provisório procurou enfrentar os efeitos da crise internacional com
medidas que visavam garantir a expansão da atividade econômica. Foram também
adotadas políticas de controle cambial, que restringiram as importações, beneficiando a
produção doméstica.
A destruição de enormes estoques de café manteve, artificialmente, a demanda
pelo produto. Durante os anos 30, o percentual da safra cafeeira queimada saltou de

73
10% em 1931, para 40% em 1937. Este produto representava a principal força motriz da
economia brasileira.
Neste período os investimentos estrangeiros no Brasil sofreram retração. A partir
de 1936 esta tendência se reverteu, observando-se um aumento dos investimentos
diretos norte-americanos. O capital estrangeiro se concentrou no campo da indústria de
transformação. Na área de serviços públicos, esta presença foi menos significativa,
devido a restrições impostas por legislações nacionalistas.
No plano interno, a adoção de políticas centralizadoras favoreceu o planejamento
econômico e a atividade industrial. Esta cresceu 10% ao ano entre 1932-39, com
destaque para a expansão da indústria têxtil e para o desempenho da produção de bens
não tradicionais, como papel, cimento, metalurgia e química.
Os instrumentos de regulamentação da economia foram reforçados, ampliando-se
a presença do Estado como provedor de bens e serviços. Criaram-se conselhos e
autarquias, e foi lançado o projeto de construção da primeira usina siderúrgica no país.

3.3.2. A importância das negociações externas


O fortalecimento dos interesses industriais repercutiu no debate interno sobre
política de comércio exterior. Em 1935, o acordo negociado com os Estados Unidos
originou controvérsias. Seguindo os princípios liberais da política comercial norte-
americana, este tratado previa a concessão recíproca de tratamento de nação mais
favorecida. Também oferecia franquias a certos produtos brasileiros (café, cacau,
borracha e outros) em troca de reduções tarifárias de 20% a 60% sobre alguns bens
industriais ( por exemplo, máquinas, aço).
No Brasil, o acordo enfrentou dificuldades políticas para ser aprovado, o que
deixou apreensivos os Estados Unidos. Além de preocupar-se com as resistências
protecionistas brasileiras, o governo norte-americano temia o aumento do intercâmbio
do Brasil com a Alemanha. Em 1936 o acordo foi ratificado pelo Congresso Brasileiro.
O comércio de compensação oferecido pelo governo alemão havia-se tornado
vantajoso para a economia brasileira. A troca de café e algodão por equipamentos
elétricos pesados e metalúrgicos - anteriormente importados dos ingleses - favorecia o
projeto de industrialização do governo Vargas.
Este intercâmbio contava com o apoio das Forças Armadas, que viam o
relacionamento comercial com a Alemanha como um caminho para o seu
reequipamento. Assim, durante os anos 1934-38 parte das divisas inconversíveis,
provenientes das exportações para a Alemanha, puderam ser utilizadas na aquisição de
material bélico.
O jogo duplo do governo Vargas, a partir da missão do chanceler Oswaldo Aranha
em Washington, em 1939, enfrentou novos constrangimentos. O início das relações
especiais com os Estados Unidos implicou a inclusão de temas vinculados ao
desenvolvimento econômico brasileiro nas negociações bilaterais. Em troca, o Brasil
abriria mão do comércio de compensação com a Alemanha. Comprometia-se também a
adotar uma política liberal de câmbio e a retomar o pagamento da dívida externa -
suspenso desde 1937, com a decretação do Estado Novo.
As limitações do crédito concedido pelos Estados Unidos e os efeitos da Segunda
Guerra sobre as exportações criaram novas dificuldades econômicas para o governo
Vargas. Não obstante, a partir de 1941, as vendas externas ganharam novo impulso.

74
Contribuíram para este fato o fornecimento de materiais estratégicos para os Estados
Unidos, a venda de carne e algodão para a Grã-Bretanha e a melhoria nos preços do
café- graças ao Acordo Interamericano do Café. Ao mesmo tempo, as restrições de
compras externas impostas pelo conflito mundial permitiram ao Brasil acumular divisas.
Foi neste contexto que a economia brasileira iniciou um processo de substituição de
importações.
Ao final da guerra os Estados Unidos eram o principal parceiro do Brasil. Em
1945, entretanto, o diálogo entre os governos dos dois países já não conservava o tom
amistoso dos anos anteriores. Para Vargas, ficara mais difícil negociar favoravelmente
os preços do café e obter créditos para projetos industriais.
Os Estados Unidos não manifestavam interesse em continuar apoiando as políticas
industrialistas no Brasil. O governo norte-americano passou a identificar-se com os
setores brasileiros que defendiam políticas econômicas liberais. Criava-se assim uma
convergência entre os segmentos anti-Vargas e os defensores do liberalismo econômico.
Estes acreditavam que a economia brasileira dependia mais do sucesso de sua vocação
agro-exportadora que dos grandes empreendimentos industriais.

3.4. Política interna e política externa


3.4.1. Da Revolução de 30 ao Governo Constitucional
A Revolução de 1930 redefiniu o perfil político e econômico do Brasil.
Destacava-se o fim do monopólio político da oligarquia cafeeira, a emergência de novas
lideranças civis e militares, especialmente do Rio Grande do Sul, e o protagonismo
político das camadas médias urbanas. O impacto destas transformações sobre a política
externa do país foi imediato.
Afrânio de Mello Franco, primeiro chanceler do Governo Provisório, negociou
vários acordos bilaterais que reforçavam as iniciativas tomadas nos anos 20. Todos
previam a utilização da cláusula de nação mais favorecida e visavam ampliar o mercado
para as exportações de produtos primários brasileiros, particularmente o café.
Com esta orientação foram assinados trinta e um acordos comerciais. Um
primeiro conjunto em dezembro de 1931, com Grã-Bretanha, Irlanda, Islândia, Suécia,
Dinamarca, Noruega, Finlândia, Alemanha, Itália, Países Baixos, Suíça, Hungria,
Romênia, Tchecoslováquia, Canadá e México. No ano seguinte concluíram-se novos
acordos com Lituânia, Letônia, Iugoslávia, Polônia, Índia, Luxemburgo, Áustria,
Bélgica, e Colômbia. Logo as negociações avançaram, com participação de Portugal,
Argentina, Uruguai, Grécia, França e Espanha.
Outra preocupação de Mello Franco foi modernizar o Ministério das Relações
Exteriores, dando maior impulso às reformas iniciadas pelo chanceler Otávio
Mangabeira, no final dos anos 20.
Durante a sua gestão foi implementado um sistema rotativo para os cargos
diplomáticos, consulares e da Secretaria de Estado. O Ministério foi dividido em quatro
departamentos: Secretaria Geral; Departamento de Administração; Serviços Jurídicos; e
Arquivo, Biblioteca e Mapoteca. Adotou-se um programa austero de cortes nas
despesas, que reduziu os gastos do Itamaraty em mais de 20%. Estas alterações foram
complementadas em 1938, com a reforma realizada pelo chanceler Oswaldo Aranha.
A Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo, criou sérias dificuldades
para Vargas. A busca de apoio internacional por parte dos rebeldes paulistas causou

75
constrangimentos ao governo. Este, ao mesmo tempo em que se procurou neutralizar a
ação dos constitucionalistas, tentou criar uma imagem externa de confiança e
credibilidade.
No Brasil, os anos 1933-37 representaram um período de efervescência política.
Neste clima decorreram os trabalhos da Assembléia Constituinte para se instaurar, em
1934, o governo constitucional.
Reproduziam-se, com a cor local, as polarizações ideológicas que se
manifestavam na Europa. De um lado, a Ação Integralista Brasileira, fundada em 1932,
agrupava fascistas e ultraconservadores, influenciados pelo pensamento autoritário
europeu. De outro, a Aliança Libertadora Nacional, seguindo o exemplo de outras
frentes amplas anti-fascistas, contava com o apoio das forças comunistas locais e
internacionais.
As divergências internas que marcaram os anos de governo constitucional (1934-
37) repercutiram na política externa do país. Sob a gestão do chanceler José Carlos de
Macedo Soares, o Itamaraty representava o segmento burocrático mais favorável à
cooperação com os Estados Unidos. Já o Ministério da Guerra, sob a chefia do General
Eurico Dutra e com a influência do General Góes Monteiro - chefe do Estado Maior -
representava a linha pró-alemã do governo.
Durante o período constitucional, a ação coordenada entre o Itamaraty e o
Conselho Federal de Comércio Exterior permitiu uma política seletiva de vínculos
comerciais. O perfil empresarial de Macedo Soares favoreceu a articulação entre as
negociações externas e as metas econômicas oficiais.

3.4.2. O Estado Novo


O agravamento dos embates internos culminou no golpe de novembro de 1937,
que instituiu o Estado Novo. Havia um parentesco ideológico entre a ordem
constitucional adotada no Brasil e outras experiências autoritárias da época,
especialmente as de Portugal e Itália. O novo regime foi resultado de uma articulação de
interesses civis e militares, conduzida pessoalmente por Vargas.
Marcada por princípios corporativistas e nacionalistas, a nova constituição
determinava o fechamento do Congresso Nacional, a extinção dos partidos políticos, a
centralização das decisões econômicas, a presença do Exército em assuntos internos e o
fortalecimento da autoridade do Estado. A própria Ação Integralista Brasileira (AIB),
fortemente identificada com o fascismo europeu, foi colocada na ilegalidade poucos
meses após a decretação do Estado Novo.
A escolha de Oswaldo Aranha para chanceler do novo governo, em 1938, marcou
a evolução da política externa e a organização do Itamaraty. Durante sua gestão foram
fundidas em uma só as carreiras diplomática e consular; ampliadas e aperfeiçoadas as
funções da Secretaria de Estado; concedida particular atenção aos órgãos do comércio
exterior, dos assuntos consulares e da política de imigração.
Foi criado o Conselho de Imigração e Colonização, para administrar a crescente
pressão imigratória gerada pelas perseguições às minorias étnicas na Europa. Procurou-
se evitar em território brasileiro a instalação de núcleos estrangeiros de colonização e a
transposição de atividades políticas vinculadas a outros países. Não obstante, as
populações brasileiras de origem alemã haviam proporcionado importante penetração da
propaganda nazista nos estados do Sul.

76
O Estado Novo era sustentado por um conjunto de forças internas que muitas
vezes não coincidiam quanto às opções de política externa. Procurando atender às
diferentes facções que o apoiavam, Vargas desenvolveu uma política de eqüidistância
pragmática. Com esta fórmula queria atender simultaneamente aos segmentos que
defendiam uma relação próxima aos Estados Unidos e aos que idealizavam uma
parceria mais forte com a Alemanha.
As lideranças militares admiravam o ideário, o modelo econômico e o poderio
bélico projetados pela Alemanha. Tanto o Ministro da Guerra – General Eurico Dutra –
como o Chefe do Estado Maior - General Góes Monteiro – buscavam preservar os
vínculos comerciais e a cooperação militar com o governo alemão. No âmbito interno
manifestavam sua preocupação em manter a ordem, o que implicava um severo controle
das liberdades políticas.
Outros colaboradores de Vargas, dentro e fora do Itamaraty, valorizavam o
modelo de vida norte-americano, apontando para as vantagens econômicas e militares
de um relacionamento mais estreito com os Estados Unidos. Os esforços de
aproximação do governo Roosevelt eram entendidos como uma oportunidade para o
Brasil fortalecer sua presença, tanto regional como internacional.
Os primeiros anos da gestão de Oswaldo Aranha decorreram no auge desta
disputa. Ele empenhou-se para que o Brasil mantivesse uma política alinhada aos
Estados Unidos. Sua posição baseava-se em convicções adquiridas durante os anos da
permanência em Washington. Além de sua admiração pela democracia norte-americana,
estava convencido de que a liderança dos Estados Unidos tornava-se imprescindível
para a paz mundial. A associação do Brasil com esta liderança lhe parecia a melhor
opção para a política externa do país.
Em 1939, quando iniciada a Segunda Guerra, o Brasil declarou sua neutralidade,
procurando conservar uma posição eqüidistante no conflito. Porém, o imediato declínio
dos fluxos de comércio com a Alemanha, causado pela guerra, estreitou a margem de
manobra do governo Vargas.
Ao contrário, do lado norte-americano, a colaboração brasileira ganhou
importância a partir do início da guerra, em função de novos interesses estratégicos, que
se converteram em instrumento de negociação para Vargas. A partir desta época, o
relacionamento entre os dois países ganhou densidade nos campos econômico, militar e
cultural e o governo brasileiro procurou maximizar seu poder de barganha com os
Estados Unidos, para obter compensações econômicas e militares.
No âmbito diplomático, a colaboração entre o Brasil e os Estados Unidos foi
favorecida pelos esforços do embaixador Carlos Martins em Washington, nos anos
1938-45, o mesmo acontecendo com o embaixador americano Jefferson Caffery a
serviço no Rio de Janeiro nos anos 1937-44.
Neste contexto cresceu a importância das negociações para o financiamento de um
projeto siderúrgico nacional. Em 1940 foi assinado um acordo entre Brasil e Estados
Unidos para a construção de uma companhia siderúrgica em Volta Redonda. Além
disso, somavam-se os entendimentos para o reequipamento das Forças Armadas
brasileiras. Entretanto, o desempenho das forças alemãs durante os primeiros anos da
guerra alimentou resistências no meio militar brasileiro quanto a uma colaboração mais
estreita com os Estados Unidos.

77
3.4.3. O alinhamento aos Estados Unidos
A entrada dos Estados Unidos na guerra, em dezembro de 1941, aumentou
imediatamente a sua pressão pelo alinhamento brasileiro. O governo norte-americano
precisava do apoio estratégico do Brasil e estavam criadas as condições para serem
negociados, nos primeiros meses de 1942, os Acordos de Washington . Estes previam o
empréstimo de 100 milhões de dólares para o projeto siderúrgico brasileiro. Também
incluíam um crédito de 200 milhões de dólares para aquisição de material bélico, com
base na lei norte-americana de Empréstimos e Arrendamentos.
Os novos termos do relacionamento Brasil-Estados Unidos foram imediatamente
acompanhados pela decisão nacional de romper relações com os países do Eixo. A
opção por uma política de solidariedade hemisférica orientou o Brasil na Terceira
Reunião de Consulta de Chanceleres Americanos. Realizada em janeiro de 1942, no Rio
de Janeiro, a conferência teve como objetivo principal aprovar uma recomendação para
que as repúblicas americanas rompessem relações com os países do Eixo. Em represália,
cinco navios brasileiros foram torpedeados por submarinos alemães.
Para os Estados Unidos tornava-se crucial assegurar uma base militar na costa do
nordeste do Brasil que apoiasse as operações dos Aliados no Norte da África. E também
o suprimento de materiais estratégicos. Os produtos brasileiros mais valorizados eram
alumínio, zinco, níquel, cobre, tungstênio, magnésio, cristal quartzo, borracha, bauxita,
mica e estanho.
O governo Vargas considerava fundamental que as concessões aos americanos
fossem compensadas com o reequipamento das Forças Armadas brasileiras. Este foi o
principal empenho do ministro da economia Artur de Souza Costa em sua missão aos
Estados Unidos, logo após a Conferência do Rio de Janeiro.
As negociações com governo norte-americano foram seladas em maio de 1942,
quando se assinou um acordo militar secreto entre os dois países. A partir deste
entendimento criaram-se duas comissões militares conjuntas, uma baseada em
Washington, outra no Rio de Janeiro. Foram ampliados os compromissos de
fornecimento de armas ao Brasil, através da Lei de Empréstimo e Arrendamentos dos
Estados Unidos. As transferências de valores alcançaram duzentos milhões de dólares, o
que representava mais do dobro dos materiais enviados para qualquer outro país latino-
americano.
A autorização do Brasil para a instalação de uma base norte-americana em
território nacional, foi seguida, em agosto de 1942, pela declaração do estado de guerra
contra a Alemanha e a Itália. A importância do apoio brasileiro a Washington foi
sublinhada em janeiro de 1943, quando o presidente F.D.Roosevelt visitou a base de
Natal. Seu encontro com Vargas marcou o momento da maior aproximação entre os
dois países, durante a guerra.
A colaboração com Estados Unidos permitiu um notável crescimento da
capacidade militar brasileira. Além da ampliação do contingente do exército de 80.000
para 200.000 homens, aumentou a frota mercante e foi criada a Força Aérea Brasileira
(FAB), que passou a operar com 500 aeronaves. Os contatos com as autoridades
militares norte-americanas intensificaram-se, visando o treinamento.
Neste período foram igualmente tomadas iniciativas de cooperação econômica.
Vale mencionar uma missão norte-americana ao Brasil, conhecida como Missão Cooke
(1942), com o objetivo de analisar as condições da indústria brasileira e os setores de
interesse para os Estados Unidos.

78
No âmbito interno, o alinhamento aos Estados Unidos provocou algumas
mudanças na base de apoio a Vargas. A nova orientação da política externa implicou a
revisão de posições de lideranças militares destacadas, como os generais Eurico Dutra e
Góes Monteiro. Simultaneamente, para se assegurar a coesão anti-Eixo, foram afastados
do poder os setores mais identificados com o fascismo europeu.

3.4.4. A participação do Brasil na Segunda Guerra


O apoio popular à declaração de guerra levou o governo brasileiro a ampliar a
participação no conflito mundial. Em fins de 1942 o Brasil comunicou às Forças
Aliadas sua decisão de enviar tropas para a frente de combate na Europa.
A presença na guerra foi negociada com o governo norte-americano. Para o
Brasil, a organização de uma Força Expedicionária Brasileira (FEB) atendia a um
projeto de fortalecimento das Forças Armadas e ampliava sua projeção internacional. O
representante brasileiro na Comissão de Defesa Conjunta Brasil-Estados Unidos, em
Washington, general Leitão de Carvalho, foi o negociador da entrada na guerra.
Originalmente acertou-se o envio de três divisões e uma pequena unidade aérea.
A relutância do governo dos Estados Unidos atrasou a preparação dos
contingentes brasileiros. Esta participação ganhou maior importância para Vargas, que
vinha enfrentando dificuldades para assegurar o apoio interno ao Estado Novo. Em
meados de 1944 se concretizou a expectativa, quando foi decidido o envio de tropas à
região do Mediterrâneo.
A partida dos pracinhas para a Europa aconteceu entre julho de 1944 e fevereiro
de 1945. A FEB reuniu aproximadamente 25.000 homens, enviados para a Itália como
uma divisão do Quinto Exército dos Estados Unidos, sob o comando do General Mark
Clark. Sua ação ocorreu nas batalhas de Castelnuovo, Montese e Monte Castelo. A
principal vitória das forças brasileiras foi em Monte Castelo, quando obtiveram a
rendição incondicional da divisão alemã nº 148.
A colaboração, durante a guerra, entre forças militares do Brasil e dos Estados
Unidos, estreitou ainda mais os vínculos entre os dois países. Neste contexto o governo
brasileiro concordou com o pedido de Washington, em julho de 1945, para declarar
guerra ao Japão. Também foi assinado um acordo para a venda de areias monazíticas
durante os três anos seguintes e desta forma o Brasil continuou se beneficiando do
suprimento de armamentos, previsto pela Lei de Arrendamentos norte-americana.

3.4.5. O Brasil no final da Segunda Guerra


Como atrás se disse, o Brasil foi o único país latino-americano a enviar tropas
para a guerra na Europa. No meio diplomático nacional acreditava-se que tal
participação asseguraria uma posição prestigiosa nas conferências de paz do pós-guerra.
Ganhava força a idéia de que o status de poder associado favoreceria os interesses
brasileiros em futuras negociações internacionais.
Entretanto, tal suposição logo se esvaziou. A partir de 1945, a preocupação das
potências vencedoras, dos Estados Unidos em particular, concentrou-se na reconstrução
européia. Esta prioridade deixava pouco espaço para as aspirações latino-americanas no
processo de reordenamento mundial.
A primeira oportunidade para colocar à prova o prestígio brasileiro se deu em
fevereiro de 1945, durante a Conferência Interamericana de Chapultepec. Esta reunião
foi organizada para definir a posição da América Latina no mundo do pós-guerra. Na

79
ocasião os Estados Unidos deixaram claro que consideravam reduzida a importância da
região em suas principais decisões de política internacional. O pedido dos latino-
americanos por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas
foi recusado, frustrando as expectativas da diplomacia brasileira. Simultaneamente, saía
reforçada a proeminência da nação norte-americana no hemisfério.
Os Estados Unidos frisaram a necessidade do Brasil ajustar sua política externa à
nova realidade internacional, solicitando que governo brasileiro restabelecesse relações
diplomáticas com a União Soviética. Esta era uma condição determinada pelas
potências vencedoras, para que um país fosse admitido nas Nações Unidas.
A política internacional norte-americana, de defesa da democracia, comprometia a
continuidade do governo Getúlio. Enfraquecido internamente, o Estado Novo tinha seus
dias contados a partir do fim da guerra. Os norte-americanos consideravam importante
desvencilhar-se dos regimes não-democráticos da América Latina.
No Brasil, a organização de novos agrupamentos partidários e a mobilização de
intelectuais pedindo a normalização institucional, mudou rapidamente o panorama
político. O novo status da União Soviética favoreceu o crescimento do Partido
Comunista Brasileiro (PCB), que, pela primeira vez, funcionava legalmente no país.
O grupo mais próximo a Vargas tentou prolongar sua permanência no poder, mas
encontrou reduzido apoio das lideranças civis e militares, para quem o retorno à
democracia deveria acompanhar as novas tendências mundiais de recusa aos regimes
totalitários.
O próprio chanceler Oswaldo Aranha se distanciou de Vargas, deixando a chefia
do Itamaraty em agosto de 1944. Atuando como vice-presidente da Sociedade Amigos
da América, reforçou sua identificação com os setores que pediam o fim do Estado
Novo.
Os oposicionistas do governo contavam com a anuência dos norte-americanos,
que desejavam o rápido retorno da democracia ao Brasil. A posição dos Estados Unidos
também manifestava a preocupação de que o discurso nacionalista de Getúlio o
aproximasse de outras lideranças latino-americanas, especialmente de Juan Domingo
Perón da Argentina.
Em outubro de 1945 o presidente foi deposto pelos chefes militares de seu próprio
governo. No mês seguinte realizavam-se eleições, com a vitória do candidato do Partido
Social Democrático, general Eurico Gaspar Dutra. Iniciava-se o período democrático,
que se prolongaria até 1964.

3.4.6. Um novo patamar nas relações com a América Latina


Durante a década de 30 cresceram de importância as relações do Brasil com as
nações latino-americanas. Concluíram-se as demarcações fronteiriças com Uruguai,
Argentina, Peru, Colômbia, Guianas Britânica e Holandesa. Também avançaram as
negociações de limites com o Paraguai e a Guiana Francesa.
Para a diplomacia externa brasileira tornou-se relevante ampliar a presença
política e econômica junto aos países vizinhos. Além de esforços para aprofundar os
vínculos com a Argentina, o governo buscou maior aproximação com Bolívia, Paraguai
e Uruguai.
Ganhou importância seu envolvimento em situações de crise regional: na guerra
entre a Bolívia e o Paraguai na área do Chaco (1932-35) ; no conflito entre a Colômbia

80
e o Peru em torno do território de Letícia (1932-34); e na disputa entre o Peru e o
Equador (1941-42).

3.4.7. Guerra e Paz na região


A guerra do Chaco foi motivo de preocupação para o Brasil desde sua
deflagração, transformando-se em tema de destaque no diálogo diplomático entre os
governos brasileiro e argentino. Após frustrados esforços de mediação, o Brasil manteve
posição de neutralidade, enquanto as autoridades diplomáticas ajudavam os esforços
empreendidos pelo governo argentino, para que bolivianos e paraguaios chegassem a
um entendimento.
O empenho da Argentina pela paz conduziu à formação do grupo de mediação
ABCP (Argentina, Brasil, Chile e Peru), ao qual se somaram Estados Unidos e Uruguai.
A principal iniciativa do grupo foi convocar uma Conferência de Paz que se realizou em
Buenos Aires nos anos 1935-38, a partir do fim das hostilidades.
Para o Itamaraty, a atuação do Brasil na Conferência representou uma
oportunidade de aproximação aos países vizinhos. Desde o início o governo brasileiro
sustentou posição contrária ao arbitramento da Liga das Nações. Defendia a tese de que
competia ao continente americano encontrar uma solução para a crise no Chaco.
Durante as negociações, a participação do chanceler Macedo Soares foi mais
alinhada com as posições do governo norte-americano, representadas pelo diplomata
Spruille Braden, do que com as do governo argentino, defendidas pelo chanceler
Saavedra Llamas.
A solução final, prevendo a criação de uma zona intermediária entre as fronteiras
de ambos países envolvidos no conflito, foi considerada um êxito diplomático pelo
governo brasileiro. Vale mencionar as iniciativas empreendidas pelos embaixadores
Rodrigues Alves e o secretário Orlando Leite Ribeiro, durante as negociações com os
governos da Bolívia e do Paraguai.
A diplomacia brasileira também acompanhou de perto o conflito entre o Peru e a
Colômbia, em torno do território de Letícia. Este contencioso afetava os interesses
brasileiros por envolver, por parte dos dois países, o reconhecimento da posse brasileira
da área a leste da linha Apapóris-Tabatinga. Na Ata de Washington, assinada em 1925,
a Colômbia e o Peru reconheciam a linha Apapóris-Tabatinga como limite com o Brasil.
Não obstante, surgiram preocupações em 1932, quando aquelas nações reacenderam sua
disputa na área. Os entendimentos do Brasil com a Colômbia sobre esta matéria, aliás,
haviam já sido reforçados em novembro de 1928, com a assinatura de um novo tratado
de limites.
Quando o Peru decidiu se opor militarmente à presença de autoridades
colombianas no porto de Letícia, em setembro de 1932, originou nova crise na região. O
Brasil manteve-se neutro, apoiando os esforços mediadores da Sociedade das Nações.
Em 1933 este Organismo criou uma Comissão Administradora integrada pelo
Brasil, Espanha e Estados Unidos, para controlar a área em disputa. Também convocou
uma conferência diplomática sediada no Rio de Janeiro, presidida pelo Chanceler Mello
Franco. A reunião se estendeu por seis meses e, finalmente, foi alcançado um acordo
entre os litigantes. Manteve-se a plena vigência do Tratado de Salomón-Lozano (1922),
o que implicava o reconhecimento da linha Apapóris-Tabatinga.

81
Em 1941 a América do Sul foi sacudida pelo agravamento da controvérsia
Equador-Peru em torno das províncias amazônicas Jaén e Maynas. Desde os primeiros
sinais de tensão o governo brasileiro demonstrou apreensão de que a crise tivesse
desdobramentos bélicos. Com o apoio dos Estados Unidos tomou uma série de
iniciativas diplomáticas, acompanhado pela Argentina e Chile, pressionando uma
negociação entre os contendores. Em janeiro de 1942, em Conferência no Rio de
Janeiro presidida pelo Chanceler Aranha, o Equador e Peru aceitaram assinar um acordo
fronteiriço.

3.4.8. A política interna atravessa a fronteira


Durante a década de 30, as relações do Brasil com os seus vizinhos foram
influenciadas pelos acontecimentos políticos internos. Havia uma preocupação
constante do governo Vargas com a possibilidade das forças de oposição utilizarem os
países limítrofes para suas atividades políticas. Este tipo de atitude manifestou-se em
1932, durante a Revolução Constitucionalista de São Paulo. Os revoltosos paulistas
atuaram nos países vizinhos, especialmente os que possuíam fronteiras com os estados
do Paraná e do Mato Grosso. Além de ser útil na compra de materiais bélicos, o
território paraguaio serviu de passagem para o envio de café a Buenos Aires - uma fonte
de recursos preciosa para a revolta.
Nos anos seguintes as apreensões passaram a voltar-se para a articulação externa
das forças comunistas brasileiras. A partir de 1933, quando se organizou a Aliança
Nacional Libertadora, foi reforçado o controle nas fronteiras e aperfeiçoaram-se os
serviços de inteligência em alguns países vizinhos.
Instaurado o Estado Novo, estas inquietações dissiparam-se rapidamente. Ao
mesmo tempo, o modelo institucional do novo regime brasileiro, somado à sua política
de modernização econômica, renderam influência e prestígio na região. O incremento
de relações com os governos paraguaio e boliviano ilustra bem este tipo de impacto
afirmação.

3.4.9. Os campos de cooperação se ampliam


Na Argentina o golpe militar que, em 1930, conduziu o general José Evaristo
Uriburu ao poder, iniciou um período de predomínio de forças conservadoras, ligadas
aos interesses agro-exportadores. Seu sucessor, o general Augustin P. Justo, assumiu o
governo em 1933, começando uma fase de aproximação ao Brasil. A troca de visitas
presidenciais e o aumento do intercâmbio bilateral sinalizaram uma nova etapa de
relacionamento.
As viagens de Justo ao Rio de Janeiro em 1933, e de Vargas a Buenos Aires, em
1935, proporcionaram negociações de convênios econômicos, culturais e turísticos. Os
entendimentos bilaterais foram reforçados pelas novas dinâmicas diplomáticas da
região. Podem ser destacados: o Tratado Anti-Bélico de Não Agressão e de Conciliação,
assinado primeiramente pelo Brasil e a Argentina em 1933, com a adesão posterior do
Paraguai, Uruguai, México e Chile (com ressalvas); e a Conferência de Paz do Chaco
(1935-38).
A aproximação à Argentina sofreu seus primeiros abalos a partir das medidas que
o Brasil tomou para o reequipamento militar, implementadas desde o início do Estado
Novo. Houve reações imediatas do lado argentino. A pressão exercida pelo chanceler
Saavedra Llamas junto às autoridades norte-americanas, para impedir a venda de
contratorpedeiros, criou sérias dificuldades bilaterais. Após a mudança de governo na

82
Argentina, em 1938, o Ministro Aranha empenhou-se em retomar os bons ânimos no
relacionamento de ambos os países.
A partir de 1939, com a eclosão da Segunda Guerra, as relações entre o Brasil e a
Argentina voltaram a ficar tensas. Os dois lados envidavam seus esforços de
reequipamento militar. Para as Forças Armadas brasileiras, a colaboração com os
Estados Unidos visava melhorar suas condições bélicas perante a Argentina. No
Ministério da Guerra brasileiro prevalecia a preocupação de que os avanços da
capacidade militar argentina viessem a romper o equilíbrio de poder na América do Sul.
Além da competição militar, também as opções de política internacional não eram
convergentes. Desde 1940 o governo argentino buscou liderar a política internacional
latino-americana. Empenhou-se para que as repúblicas americanas trocassem a posição
de neutralidade pela de não-beligerância, o que contrariava os interesses dos Estados
Unidos.
O auge da confrontação entre os governos argentino e norte-americano se deu em
1942, na Conferência de Chanceleres Americanos, que aprovou a recomendação de
rompimento com o Eixo. Nesta ocasião, a Argentina e o Chile foram os únicos que
insistiram em manter posição de neutralidade. O Brasil, em contrapartida, havia se
decidido pelo alinhamento político e militar aos Estados Unidos. Não obstante, tornou-
se importante para o governo brasileiro evitar que a falta de coincidência com a
Argentina se convertesse num fator de conflito.
O mesmo tipo de preocupação surgiu em 1945, durante as negociações para a
criação de novas instituições internacionais.A neutralidade da Argentina, mantida até o
final da guerra, dificultou sua admissão nas Nações Unidas. A resistência das grandes
potências - em particular da União Soviética – mobilizou o governo brasileiro, que
buscou junto aos Estados Unidos uma solução que evitasse a exclusão da Argentina.
Apesar de concentrar suas atenções neste país, o governo brasileiro manteve-se
atento também às outras nações do Cone Sul. Realizaram-se aproximações com o Chile,
que atuou junto ao Brasil nas iniciativas pacificadores na guerra do Chaco e no
confronto Peru-Equador. Em 1941, na ocasião da visita do chanceler Oswaldo Aranha a
Santiago, foram assinados um Tratado de Comércio e Navegação e um Convênio de
Intercâmbio Cultural.
O Paraguai, a partir dos governos Estigarríbia (1939-40) e Morinígo (1940-48),
procurou reproduzir as medidas econômicas e sociais adotadas pelo Estado Novo no
Brasil. Foram igualmente expressivas as coincidências no campo da política externa.
Estes fatos favoreceram o diálogo político, os vínculos econômicos e a cooperação
militar. Também foi ativada a negociação de limites, paralisada desde 1872.
Mantiveram-se como pendências apenas a demarcação na altura das Sete Quedas e das
ilhas do Porto Murtinho.
Em 1939, quando o presidente paraguaio visitou o Brasil, foi assinado um
abrangente acordo econômico, ferroviário e cultural. Em 1941 o presidente Vargas
visitou Assunção, inaugurando uma agência do Banco do Brasil e, no ano seguinte,
instalou-se a missão militar brasileira no Paraguai. Em 1943 os dois países assinaram
um Tratado de Comércio e Navegação. Estas iniciativas permitiram ao Paraguai ampliar
sua estratégia de negociações pendulares ora com o governo argentino, ora com o
brasileiro.
Foram também realizadas iniciativas de aproximação com o Uruguai, procurando
atenuar suas estreitas vinculações políticas e econômicas com a Argentina. Este esforço

83
tomou impulso em 1942, com a decisão do governo uruguaio de seguir o Brasil em seu
alinhamento aos Estados Unidos.
Igualmente se tomaram medidas de cooperação com a Bolívia. Em 1938 foi
negociado um tratado sobre a ligação ferroviária e, no ano seguinte, firmado um
convênio de intercâmbio cultural. Esta aproximação culminou em junho de 1943, na
visita do presidente general Enrique Peñaranda ao Brasil.
Em 1940 realizaram-se entendimentos com a Venezuela, para ser assinado um
tratado com a solução pacífica de controvérsias e de um modus vivendi para o
tratamento recíproco de nação mais favorecida. Em 1944 criou-se o Instituto Brasil-
Venezuela, para estreitar os vínculos culturais.
Durante a Era Vargas, este conjunto de aproximações alterou o relacionamento do
Brasil com seus vizinhos. A agenda das negociações de limites foi gradualmente
substituída por entendimentos comerciais e culturais, por visitas de presidentes, e por
uma interação diplomática mobilizada por problemas regionais e mundiais. A
transformação foi acompanhada de contatos mais intensos entre segmentos políticos e
intelectuais. Surgiram vínculos novos, estimulados tanto por circunstâncias políticas
internas como por influências ideológicas internacionais.

84
4. O período 1945-1964
Mônica Hirst

4.1. O mundo da Guerra Fria


4.1.1. Introdução
O Brasil iniciou em 1945 uma etapa de intensa vida política e econômica. Durante
os anos 1945-64 vigoraram pela primeira vez no país instituições democráticas
modernas, havendo quatro períodos presidenciais, com os governos: Eurico Dutra
(1946-50), Getúlio Vargas (1951-54); Juscelino Kubitschek (1956-60); e Jânio Quadros
- João Goulart (1961-64).
No plano internacional, estes anos correspondem à primeira fase da Guerra Fria.
A partir de 1946, o confronto político Estados Unidos–União Soviética passou a
dominar o cenário mundial. Em pouco tempo formaram-se dois blocos sob a influência
de ambas superpotências. A cristalização da bipolaridade impôs disciplinas ideológicas
e políticas de segurança defensivas.
Paralelamente, o processo de descolonização na Ásia e na África, iniciado após o
fim da Segunda Guerra, ampliou significativamente a comunidade internacional. Este
processo agravou o desequilíbrio da distribuição do poder político e econômico no
sistema mundial. Criou-se então uma agenda de preocupações, compartilhadas pelas
novas nações asiáticas e africanas e pela região latino-americana.
Na América Latina, as opções de política internacional foram fortemente
condicionadas por esta realidade. A identificação da região como área de influência
norte-americana determinou seus vínculos externos nos campos econômico, político e
militar. Esta realidade teve um importante efeito sobre a diplomacia brasileira.
As limitações impostas pela bipolaridade não impediram que o Brasil buscasse
associar seu projeto de desenvolvimento econômico a políticas criativas no âmbito
externo. Este empenho se manifestou com uma ênfase nacionalista durante o governo de
Getúlio Vargas, no apelo ao desenvolvimentismo do governo de Juscelino Kubitschek e
no sentido inovador da política externa independente dos governos Jânio Quadros e
João Goulart.
Os primeiros anos do pós-guerra foram marcados por importantes mutações no
sistema internacional. A derrota do nazismo propiciou uma onda de democratização em
todo o mundo. Ao mesmo tempo, foi acelerada a desintegração dos impérios coloniais
na Ásia e na África. Em alguns casos a descolonização foi acompanhada por
movimentos revolucionários, que visavam a transformação de estruturas sociais.
A aliança entre as potências vencedoras - Estados Unidos, Grã-Bretanha e União
Soviética - logo revelou sinais de dificuldade. O clima de entendimento alcançado
durante a etapa final da guerra foi substituído por tensões e rivalidades. As demandas
políticas do governo soviético, sob a liderança de Joseph Stalin, tornaram-se uma fonte
de irritação contínua para o governo norte-americano.

85
4.1.2. Surge uma ordem bipolar
Ao longo do ano de 1946, o reordenamento do sistema internacional foi abalado
pelo conflito de interesses políticos e estratégicos entre os Estados Unidos e a União
Soviética.
Este processo foi agravado frente à decisão soviética de manter sua presença
militar e política na Europa Central. Após o breve período de funcionamento de
“democracias populares”, a maioria dos governos desta região foi submetida ao controle
dos partidos comunistas locais, convertendo-se em Repúblicas Populares Socialistas. Na
Hungria em junho de 1947, e na Tchecoslováquia em fevereiro de 1948, as resistências
a este esquema soviético foram aplacadas.
Em junho de 1946 os Estados Unidos anunciaram o lançamento do Plano
Marshall, para apressar a reconstrução da Europa Ocidental. Esperava-se que a
transferência de recursos - por meio de investimentos públicos e empréstimos - para as
economias européias, ampliaria as condições para conter a expansão soviética .
A Guerra Fria levou à formação de dois pactos militares antagônicos. Em 1947 foi
criada a Organização do Tratado Atlântico Norte (OTAN) sob a liderança dos Estados
Unidos, com a participação da Grã-Bretanha, Dinamarca, Holanda, Itália, Canadá,
Islândia, Luxemburgo, Noruega e Portugal. Alguns anos mais tarde organizou-se o
Pacto de Varsóvia (1955), sob a liderança da União Soviética, com a participação da
Alemanha Oriental, Tchecoslováquia, Polônia, Hungria, Bulgária, Romênia e Albânia.

4.1.3. A formação do bloco soviético


Em 1947, foi criado o COMINFORM (Communist Information Bureau) com o
propósito de coordenar o movimento comunista em diferentes partes do mundo. Os
novos governos socialistas passaram a exercer rígidos controles que visavam assegurar
o isolamento político e cultural de suas sociedades frente ao “mundo ocidental”. Uma
das conseqüências mais dramáticas desta nova realidade se deu em 1949, com a criação
de dois estados alemães, como resultado do bloqueio soviético de Berlim no ano
anterior.
Arruinada pela guerra, a União Soviética deu início, em 1946, aos Planos
Qüinqüenais, que corresponderam a um grande esforço de recuperação econômica.
Simultaneamente, as economias da Europa do leste sofreram profunda reestruturação,
compreendendo uma ampla planificação, a estatização da produção industrial e de
serviços e a reforma agrária. A cooperação entre as economias do leste europeu foi
institucionalizada através do Conselho de Assistência Econômica Mútua (COMECOM).

4.1.4. A premissa da contenção na política internacional dos


Estados Unidos
Nos Estados Unidos, Harry Truman, que assumiu a presidência após a morte de
F.D. Roosevelt, definiu a contenção à União Soviética como a prioridade de sua política
externa. Lançada em março de 1947, como a Doutrina Truman, esta política norteou o
pensamento estratégico norte-americano ao longo de toda a Guerra Fria.
Em 1949, as forças comunistas vitoriosas, lideradas por Mao-Tsé-Tung levaram à
proclamação da República Popular da China. Para os Estados Unidos o acontecimento
foi interpretado como nova ameaça à segurança do mundo ocidental.

86
Em 1950, a doutrina de contenção adquiriu um sentido militar com a aprovação de
um memorando do Conselho de Segurança Nacional, rotulado como o NSC 68. Este
documento defendia um amplo fortalecimento militar dos Estados Unidos e de seus
aliados, visando um reequilíbrio de forças no conflito Leste-Oeste.
A partir da Guerra da Coréia (1950-53), estas premissas foram postas em
vigência. A invasão da Coréia do Sul, em junho de 1950, pelas tropas norte-coreanas
levou ao imediato envolvimento dos Estados Unidos. A argumentação de que se tratava
de uma agressão de inspiração soviética permitiu contar com o respaldo da ONU para a
intervenção na península coreana.
No plano interno, a política de contenção norte-americana foi reforçada por
campanhas ideológicas anti-comunistas. No início dos anos 50, o macartismo, liderado
pelo senador Joseph McCarthy, deixou suas marcas na vida intelectual e artística dos
Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o contexto de um vigoroso crescimento econômico
facilitou o apoio da maior parte da sociedade norte-americana à visão ideológica oficial.
A administração republicana do general Dwight Eisenhower (1953-61) trouxe
novos componentes para a política internacional norte-americana. Rotulada como a
Grande Equação, esta política buscou um equilíbrio entre o mínimo de ação militar e o
máximo de força econômica.
Simultaneamente, o governo norte-americano aumentou seus esforços para manter
superioridade estratégica. Multiplicaram-se os pactos de segurança multilaterais e os
acordos militares bilaterais promovidos pelos Estados Unidos em todo o mundo. Em
1959 esta nação mantinha mais de um milhão de pessoas em bases militares espalhadas
por 42 países.

4.1.5. Os riscos da corrida armamentista


Na esfera militar, o confronto Leste-Oeste desencadeou uma permanente corrida
armamentista entre as duas superpotências. A explosão do primeiro artefato nuclear
soviético, em julho de 1949, aprofundou os perigos desta disputa. Este processo levou
ao armazenamento de grandes arsenais nucleares, justificados por estratégias
dissuasivas.
A explosão de bombas de hidrogênio pelos Estados Unidos (1952), seguida pela
União Soviética (1955), o avanço de ambos na indústria de mísseis e a explosão da
primeira bomba atômica britânica (1952) criaram pressões na comunidade internacional
por iniciativas de desarmamento. Após a criação da Comissão de Desarmamento na
ONU (1952), tiveram início reuniões de cúpula entre as potências mundiais para discutir
a redução de armamentos e o controle de explosões nucleares.
Também datam deste período as primeiras experiências de exploração espacial.
Neste caso coube à URSS a posição de liderança, consagrada em 1957 com o
lançamento do Sputnik - o primeiro satélite artificial. E, em 1961, a URSS enviou ao
espaço o primeiro astronauta do mundo, Yuri Gagarin.

4.1.6. A evolução da Guerra Fria


A partir de 1953, com a morte de Joseph Stalin na URSS e o cessar-fogo na
Coréia, a Guerra Fria foi ganhando novos contornos.
No final dos anos cinqüenta, havia se consolidado, no sistema político
internacional, uma estrutura bipolar baseada em sistemas rígidos de aliança e no

87
equilíbrio do terror. Na medida em que o confronto Leste-Oeste foi perdendo um
sentido transitório, surgiram regras informais de coexistência entre as superpotências.
Destaca-se o interesse comum em evitar uma guerra total, o gradual respeito pelas
esferas de influência e a não -ingerência de uma potência na vida política da outra.
Esta realidade, entretanto, não implicou a formação de zonas de influência
estáticas. Na área socialista, após a dissidência da Iugoslávia (1948), foram reprimidos
os movimentos de sublevação na Alemanha Oriental (1953), na Hungria e na Polônia
(1956). O principal abalo aconteceu em 1959, com a cisão sino-soviética. A partir de
então, os governos da URSS e da China Comunista passaram a disputar ascendências
nos movimentos revolucionários do Terceiro Mundo.
Os Estados Unidos, por sua vez, procuraram evitar a formação de governos
simpáticos à URSS em sua órbita. Em sua ação internacional, orientada a partir da
administração Kennedy pela doutrina da resposta flexível, o governo norte-americano
diversificou seus métodos de contenção política. Suas apreensões contencionistas
levaram à ativação de uma rede de serviços de inteligência em todo o mundo - operado
pela Central Intelligence Agency (CIA).
Com a revolução cubana (1959), a América Latina se tornou, pela primeira vez,
uma região preocupante para o governo norte-americano. A vitória do socialismo em
Cuba introduziu novos fatores de tensão no confronto bipolar. A construção do Muro de
Berlim em 1961 e a crise dos mísseis em território cubano no ano seguinte, foram os
episódios mais dramáticos desta escalada.
Após a superação dos momentos de crise gerados por esses dois episódios, a
Guerra Fria iniciou a etapa conhecida como détente, caracterizada por uma atitude mais
cooperativa por parte das duas superpotências, que aceitaram o início de negociações
para o controle de armamentos. Estas negociações foram favorecidas pela consolidação
da liderança de Nikita Kruschev na União Soviética e pelos novos conteúdos da política
contencionista da administração Kennedy nos Estados Unidos. Entre os resultados desta
nova fase destaca-se a assinatura, por Washington e Moscou, em agosto de 1963, do
Tratado de Proscrição de Testes Nucleares.

4.1.7. O novo panorama europeu


A partir de 1945, o mundo europeu transformou-se profundamente. Os resultados
da Segunda Guerra, somados aos condicionamentos do confronto EUA-URSS,
limitaram as opções das principais potências da região. Enquanto a Grã-Bretanha
aprofundou sua aliança com os Estados Unidos, a França, sob a liderança de Charles de
Gaulle (1958-65), buscou manter uma posição de maior autonomia e a Alemanha sofreu
as conseqüências de sua fragmentação. Do ponto de vista militar, o mosaico europeu
passou a estar subordinado às doutrinas de segurança da OTAN.
No plano econômico, a Europa ocidental iniciou a partir de 1948 um período de
franca recuperação. Sob os efeitos benéficos do Plano Marshall, geraram-se novas
formas de coordenação e expandiram-se os vínculos entre as economias européias.
Primeiramente foi formada uma união aduaneira entre a Bélgica, Holanda e
Luxemburgo, conhecida como o BENELUX, e logo instituída a Organização Européia
de Cooperação Econômica. Em 1951, novos passos foram dados pela França e
Alemanha em direção a uma integração regional, com a criação da Comunidade
Européia do Carvão e do Aço. Estas iniciativas culminaram no Tratado de Roma
(1957), assinado pelos governos da França, Alemanha, Itália e o Benelux visando a
criação da Comunidade Econômica Européia (CEE) e da Euratom.

88
Ao lado das democracias consolidadas, envolvidas na formação de um mercado
comum, conviviam os regimes autoritários ibéricos. Tanto o governo de Oliveira
Salazar em Portugal, como o de Francisco Franco na Espanha, resistiram aos novos
tempos políticos do pós-guerra. A imediata adesão de ambos às doutrinas de segurança
dos Estados Unidos lhes permitiu neutralizar as campanhas internacionais contra suas
práticas anti-democráticas.

4.1.8. O cenário da descolonização e a formação do Terceiro Mundo


A Guerra Fria coincidiu com uma significativa ampliação da comunidade
internacional. A partir do final dos anos quarenta desencadeou-se um extenso processo
de descolonização, que perdurou até à década de setenta. Foram raras as ocasiões,
entretanto, em que a liquidação de antigos impérios coloniais ocorreu pacificamente.
Ela se deu de forma mais concentrada na Ásia nos anos cinqüenta e na África nos anos
sessenta.
Em muitos casos, a luta pela libertação nacional ganhou o sentido de uma
revolução social. Destacam-se os processos de independência da Índia (1947), Vietnã,
Camboja e Laos (1954), Marrocos (1956), Gana (1957), Nigéria (1960), Congo (1961) e
Argélia (1962).
A identificação de problemas comuns - políticos e econômicos – pelas novas
nações asiáticas e africanas estimulou o diálogo político entre suas lideranças. Estas
queriam acelerar o processo de descolonização e fortalecer as posições de neutralidade
dentro do contexto da Guerra Fria. Em 1955 foi realizada uma reunião em Bandung, que
contou com a participação de 29 países e resultou na fundação do Movimento Não-
Alinhado. Este conjunto de países, que compartilhavam desafios econômicos e
fragilidades político-institucionais, foi rotulado como o Terceiro Mundo. Apesar da
distância geográfica e histórica, a semelhança de problemas logo tornou a América
Latina parte desta comunidade.
No Oriente Médio, a criação do Estado de Israel em 1948 provocou imediata
reação dos países árabes. A invasão da Palestina, no mesmo ano, iniciou uma longa
história de conflitos na região. Novas tensões surgiram em 1956, com a crise do Suez e
a guerra árabe-israelense.
Enquanto no primeiro caso os governos norte-americano e soviético atuaram de
forma convergente, opondo-se à ocupação franco-britânica da zona do Suez, no segundo
as superpotências mantiveram posições antagônicas. Desde então, cristalizou-se uma
dinâmica política, na qual o apoio dos Estados Unidos a Israel gerava como
contrapartida a solidariedade da URSS à causa árabe.
A partir de 1945 o funcionamento do Sistema das Nações Unidas institucionalizou
o espaço da diplomacia multilateral. Para os países do Terceiro Mundo, as ações
multilaterais tornaram-se uma alternativa cada vez mais procurada para atenuar os
condicionamentos impostos pela bipolaridade. Buscava-se sensibilizar a comunidade
internacional para as dificuldades impostas pela desigualdade da distribuição de
riquezas no mundo.
Após a criação do Grupo dos 77, a ONU promoveu em 1964 a I Conferência de
Comércio e Desenvolvimento. Esta reunião instituiu a UNCTAD como um foro de
debate e deliberações para a reforma o sistema de comércio internacional.

89
4.1.9. A América Latina na Guerra Fria
Na América Latina, as relações com os Estados Unidos foram condicionadas pela
Guerra Fria. Em 1947, iniciou-se a montagem do Sistema Interamericano, realizando-se
no Rio de Janeiro a Conferência para a Manutenção da Paz e da Segurança. Nesta
ocasião, as nações do continente assinaram o Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca (TIAR). No ano seguinte, na Conferência de Bogotá, foi aprovada a Carta da
Organização dos Estados Americanos (OEA). Esta Carta definiu as normas de
convivência no âmbito Interamericano, determinou a solução pacífica de conflitos
regionais e estabeleceu os princípios da cooperação econômica interamericana.
Em 1948, no âmbito das Nações Unidas, com o objetivo de criar um foro para
defesa de seus interesses econômicos, os países latino-americanos promoveram - apesar
da oposição norte-americana - a criação da Comissão Econômica para a América Latina
(CEPAL). Este órgão se tornou o principal espaço para a formulação de idéias e
orientações técnicas para a promoção do desenvolvimento econômico da região. Entre
suas principais recomendações destacavam-se: a intervenção econômica do Estado, a
regulamentação do capital externo, a ênfase na industrialização e o atendimento às
necessidades básicas da sociedade.
Nesta época surgiram em diversos países latino-americanos forças políticas
nacionalistas, que postulavam este mesmo receituário. Podem ser mencionados: os
autênticos em Cuba, os socialistas na Guatemala, a Ação Democrática na Venezuela, o
Apra no Peru, o Justicialismo na Argentina e os trabalhistas no Brasil. Em 1952, a
vitória da revolução nacionalista na Bolívia, liderada por Paz Estensoro, aliou a defesa
de bandeiras nacionalistas às reformas da estrutura fundiária e à expropriação de
companhias mineradoras estrangeiras. Em todos os casos a expansão do nacionalismo
foi acompanhada por marcados sentimentos anti-americanos, que identificavam os
Estados Unidos com a máxima expressão do poder imperial.
O nacionalismo latino-americano se identificou com experiências de outras
regiões subdesenvolvidas. Eram observados com interesse os processos de
descolonização na Ásia e na África, os movimentos nacionalistas no Oriente Médio e os
primeiros passos do Movimento Não-Alinhado. No entanto, pela ótica norte-americana,
o que existia na América Latina era uma estreita associação entre os nacionalistas e as
forças comunistas.
A partir da Guerra da Coréia, cresceram nos Estados Unidos as expectativas de
que os países latino-americanos apoiassem sua política de contenção à União Soviética.
Durante a Quarta Conferência de Consulta, realizada em abril de 1951 em Washington,
houve forte pressão para que os países da área participassem do conflito coreano. Não
obstante, para os governos da América Latina tornara-se mais importante reforçar a
cooperação no âmbito inter-americano do que assumir compromissos em áreas distantes
de seus interesses. Procurava-se evitar o envolvimento da Organização dos Estados
Americanos (OEA) em crises e conflitos de natureza global.
Nestas circunstâncias, o governo norte-americano optou pelo fortalecimento de
alguns vínculos bilaterais através do Programa de Assistência Militar. Em 1952 foram
assinados sete acordos militares com países da região: Brasil, Chile, Uruguai, Equador,
Peru, Colômbia e Cuba. Introduziu-se o conceito de segurança coletiva, prevendo-se a
assistência militar (equipamento e treinamento) em troca do fornecimento de materiais
estratégicos. Este tipo de entendimento foi rejeitado na época pela Argentina, México e
Guatemala.

90
Os efeitos da cooperação militar e do alinhamento político dos países latino-
americanos aos Estados Unidos se estenderam durante a década de cinqüenta. Por
ocasião da Décima Reunião de Consulta dos Chanceleres Americanos, realizada em
abril de 1954, em Caracas, o governo norte-americano buscou respaldo à sua política de
segurança na região. Procurava-se criar um marco político que justificasse sua atuação
na derrubada do governo nacionalista de Jacobo Arbens na Guatemala. Para tanto foi
aprovada a Declaração de Solidariedade para a preservação de integridade política dos
Estados Americanos contra a Intervenção Comunista Internacional.
No plano econômico, as relações entre os Estados Unidos e a América Latina
acentuavam suas assimetrias. O comércio entre as duas partes havia alcançado seu
apogeu em 1950, quanto à importância recíproca. Não obstante, no final dos anos
cinqüenta, aproximadamente 45% das exportações latino-americanas se dirigiam ao
mercado norte-americano, enquanto menos de 25% das vendas externas dos Estados
Unidos eram destinadas à região latino-americana. Esta tendência se aprofundou nas
décadas seguintes.
Os crescentes desencontros entre o governo norte-americano e a América Latina
criaram uma tensão que pode ser observada em 1958, na visita do vice-presidente
Richard Nixon a alguns países da região. Nestas circunstâncias, o Brasil, com o apoio
da Argentina, lançou a Operação Pan-Americana. Seu objetivo principal foi tentar
comprometer o governo norte-americano com um projeto de desenvolvimento para a
América Latina. Esta iniciativa, entretanto, não despertou maior interesse dos Estados
Unidos.
Neste mesmo período, a América Latina procurou reproduzir a experiência
européia de formação de uma área econômica comum. Em 1960 foi assinado o Tratado
de Montevidéu para criar a Associação Latino-Americana de Livre Comércio
(ALALC), prevendo o funcionamento de uma zona de livre comércio num prazo de 12
anos. Esta iniciativa contou com a participação do Brasil, Argentina, Chile, México,
Paraguai, Peru e Uruguai e, posteriormente, da Bolívia.
A partir da eclosão da revolução cubana em 1959, surgiu um novo tipo de
mobilização do governo norte-americano junto à comunidade latino-americana. Pela
primeira vez a América Latina inspirava certa preocupação, podendo significar uma
ameaça à segurança dos Estados Unidos.
Em 1961, os Estados Unidos anunciaram o lançamento da Aliança para o
Progresso, um programa de assistência ao desenvolvimento na América Latina. Este
Programa previa a utilização de fundos públicos e privados – que totalizariam 20
bilhões de dólares - para financiar durante 10 anos projetos voltados para a melhoria de
condições sociais e econômicas da região. Afinal, foram irrisórios os resultados desta
iniciativa. Nos anos 1961-68 apenas metade da quantia prevista foi desembolsada para a
região. A maior parte destes recursos foram utilizados no pagamento de dívidas externas
e na repatriação de capital.

4.2. A política externa brasileira no contexto da Guerra Fria


4.2.1. Introdução
As regras de convivência democrática no Brasil foram consolidadas na
Constituição aprovada em setembro de 1946. Ao mesmo tempo, as novas agrupações
partidárias definiam as opções políticas no país. O Partido Social Democrático (PSD)
reunia políticos tradicionais das áreas rurais, empresários progressistas e setores das

91
classes médias urbanas; a União Democrática Nacional (UDN) agrupava os políticos
liberais brasileiros; o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) representava os trabalhadores
urbanos organizados; e o Partido Comunista do Brasil (PCB) concentrava as forças de
esquerda afinadas com a URSS. Estes partidos, com a exceção do PCB que foi proscrito
em 1947, marcaram a vida política brasileira até à ruptura institucional de março de
1964.
A evolução da política externa brasileira nestes anos foi influenciada pelos
vaivéns da política interna. Em diversas ocasiões a ação diplomática do país se pautou
por interesses e posições político-partidárias. Foi também uma época em que a imprensa
e o Congresso tornaram-se atores relevantes no debate interno sobre a política
internacional.
A partir da gestão de Neves da Fontoura, o Instituto Rio Branco (criado em 1946)
adquiriu o perfil de uma academia diplomática. Criaram-se diversas modalidades de
cursos, que visavam a preparação e o aperfeiçoamento da atividade diplomática. Neste
cenário, a ação do Itamaraty combinou uma profissionalização crescente com ligações
políticas e preferências ideológicas.

4.2.2. No contexto da democratização


Eleito pelo PSD, Eurico Gaspar Dutra iniciou seu governo em janeiro de 1946,
sendo responsável pela normalização institucional do Brasil. Seu primeiro chanceler,
João Neves da Foutoura ( janeiro-julho / 1946 ), procurou imprimir continuidade à
política externa desenvolvida durante a Segunda Guerra. Estreito colaborador de
Vargas, seu principal interesse foi manter a aliança com os Estados Unidos.
Após uma breve gestão, Neves da Fontoura foi substituído por Samuel de Souza
Leão Gracie ( julho-dezembro / 1946 ), logo sucedido por Raul Fernandes.
Representante da UDN, este adotou uma linha de ação que compatibilizava as
tendências conservadoras do governo Dutra com os condicionamentos da Guerra Fria.
Ao praticar uma política de bloco, a diplomacia brasileira manteve invariável
apoio ao governo norte-americano nos foros multilaterais. O alinhamento a Washington
coincidiu com uma forte identificação ideológica com os valores do mundo ocidental,
mostrando uma sistemática rejeição aos países que pertenciam à órbita soviética.
Em outubro de 1947, foram rompidas as relações diplomáticas do Brasil com a
União Soviética. Além de pretender reforçar opções de política internacional, esta
decisão respondia à ideologia anti-comunista do governo Dutra. Como conseqüência,
foram decretadas a ilegalidade do Partido Comunista Brasileiro e a cassação do mandato
de seus parlamentares. Dois anos depois, o governo seguiu a mesma orientação com
respeito ao regime revolucionário chinês. Após o fechamento da embaixada e do
consulado na China, optou-se pelo não reconhecimento da República Popular chinesa,
votando-se contrariamente à sua entrada na ONU.
Outros episódios exemplificam a orientação conservadora da diplomacia brasileira
neste período. Pode se mencionar a mudança de posição na ONU em 1949, por ocasião
das recomendações de sanções ao governo espanhol do General Franco, logo seguida
pela decisão de reatar relações diplomáticas com a Espanha. Também foram mantidas
relações estreitas com o governo autoritário de Salazar, em Portugal.
O alinhamento aos Estados Unidos não impediu que a diplomacia brasileira
diversificasse seu campo de atuação no âmbito multilateral. Desde 1945 o Brasil se
envolveu na organização de novos foros no Sistema das Nações Unidas. Apesar de não

92
conseguir o assento permanente no Conselho de Segurança, em 1946 foi indicado para
ocupar um assento não-permanente do mesmo órgão, com um mandato de dois anos.
Em 1947 coube ao Brasil a Presidência do Conselho, no que foi representado por
Oswaldo Aranha. Logo depois, Aranha foi eleito presidente da Assembléia Especial
sobre a Palestina ( abril-maio / 1947 ) e presidente da II Assembléia Geral Ordinária
(setembro - dezembro 1947).
A partir dos anos 50, crescentes desencontros com os Estados Unidos levaram o
Brasil a introduzir novas ênfases em sua diplomacia multilateral. Gradualmente, as
posições do país passaram a valorizar o sistema das Nações Unidas para a promoção do
desenvolvimento econômico.

4.2.3. Alinhamento nos primeiros anos da Guerra Fria


O governo Dutra esperava que as relações com os Estados Unidos seguissem o
mesmo padrão de entendimento alcançado durante a Segunda Guerra. Foi neste quadro
que Washington pode contar com o pleno apoio brasileiro na montagem do Sistema
Interamericano.
Ao mesmo tempo, a cooperação militar entre os dois países ganhou novos
contornos. Além da expansão de canais bilaterais aumentou a influência norte-
americana nos trabalhos de treinamento e formação das Forças Armadas Brasileiras.
Esta aproximação se articulou ao processo de reestruturação conduzido pelo Ministro da
Guerra, o general Goés Monteiro.
Os exemplos mais notáveis desta influência foram a instituição, em 1946, do
Estado Maior Conjunto e a criação da Escola Superior de Guerra, nos moldes do
National War College de Washington. Em termos doutrinários, buscou-se uma ligação
entre os princípios de segurança hemisférica e os da segurança nacional. Também foram
ampliadas as atividades da Comissão Militar Conjunta Brasil-Estados Unidos.
Em setembro de 1947 o Brasil sediou a Conferência do Rio de Janeiro para a
Manutenção da Paz e da Segurança no Continente. Nesta ocasião se assinou o Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca ( TIAR ), com a presença do presidente norte-
americano. A visita de Truman ao Brasil foi retribuída em maio de 1949, quando Eurico
Dutra realizou a primeira viagem de um presidente brasileiro aos Estados Unidos.
Durante o governo Dutra prolongou-se a vigência do Programa de Cooperação
para o Abastecimento de Recursos Minerais com os Estados Unidos, que autorizava a
exportação de areias monazíticas, material estratégico de grande valor para o programa
de energia atômica norte-americano. Simultaneamente, o Brasil apoiou o Plano Baruch,
que propunha a criação da Autoridade Internacional de Energia Atômica.
O Brasil manteve sua posição de aliado especial dos Estados Unidos, durante a
Conferência de Bogotá (1948), na qual foi criada a Organização dos Estados
Americanos (OEA). Na ocasião, entretanto, o governo brasileiro mostrou-se
decepcionado com os resultados desta política. A delegação brasileira, chefiada pelo ex-
chanceler Neves da Fontoura, aceitou a contragosto as prioridades norte-americanas,
que privilegiavam os objetivos políticos da reunião, em detrimento de avanços no
campo da cooperação econômica. Para os países latino-americanos, e o Brasil em
particular, estes temas deveriam incluir-se numa agenda interamericana de longo prazo.
Eles envolviam a disponibilidade de créditos para projetos de desenvolvimento, o
direito de aplicação de medidas protecionistas para setores industriais recentes e acesso
ampliado ao mercado norte-americano.

93
De fato, a maior frustração nas relações com os Estados Unidos para o governo
Dutra verificou-se na área da cooperação econômica. Em 1948 se constituiu a Missão
Abbink (Comissão Técnica Mista Brasil-Estados Unidos) com o objetivo de estimular o
desenvolvimento brasileiro. Não obstante, a Missão se limitou a recomendar o aumento
da produtividade brasileira, a reorientação dos capitais formados internamente e um
maior afluxo de capital estrangeiro para o país. Esta Missão foi sucedida pela Comissão
Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico, em dezembro de
1950.

4.2.4. A Guerra da Coréia e o acordo militar Brasil–Estados Unidos


O Brasil manteve posição alinhada aos Estados Unidos durante toda a Guerra da
Coréia. Reconheceu o governo da República da Coréia (Coréia do Sul) em 1949 e
apoiou a resolução, defendida pelo governo norte-americano, de condenar a República
Popular da China por ter invadido a nação coreana.
O alinhamento a Washington foi abalado quando o governo norte-americano
solicitou a presença de tropas brasileiras no conflito. Por tratar-se de um período
eleitoral no Brasil, o governo Dutra não contou com o apoio interno para ceder a esse
pedido.
A vitória de Vargas em 1950 teve efeito imediato nas relações Brasil-Estados
Unidos. Logo surgiu do lado brasileiro a expectativa de que o alinhamento pudesse
representar um instrumento de negociação para o país. O chanceler João Neves da
Fontoura, nos primeiros meses do governo trabalhista, manifestou sua esperança de ver
o apoio político e militar compensado por iniciativas de cooperação econômica.
A primeira oportunidade deste tipo de negociação se deu durante a Quarta
Reunião de Consulta de Chanceleres, realizada em Washington em março de 1951. O
otimismo quanto às possibilidades de um apoio econômico dos Estados Unidos levou as
autoridades brasileiras a ampliarem os compromissos quanto ao suprimento de materiais
estratégicos e ao envolvimento na Guerra da Coréia.
Estes entendimentos conduziram ao Acordo Militar Brasil-Estados Unidos de
1952. Apesar da forte pressão norte-americana e da posição favorável do chanceler
Neves da Fontoura, não foi possível contar com a presença de tropas brasileiras na
península coreana. A falta de suporte interno impediu Getúlio Vargas de atender ao
pedido de Washington, o que afetou seu diálogo com a administração Truman.
Após nove meses de debate legislativo, o acordo militar com os Estados Unidos
foi aprovado, mantendo-se os compromissos brasileiros relativos a materiais
estratégicos. Estes tornaram-se alvo de fortes críticas, criando veementes debates no
Congresso.
De fato, a política externa de Vargas trouxe-lhe problemas políticos internos. No
Congresso, o PTB, seu próprio partido, articulou uma frente oposicionista contrária à
aprovação do acordo militar negociado com os Estados Unidos. No seio das Forças
Armadas os segmentos nacionalistas também manifestavam sua discordância. A
demissão do Ministro do Exército Estilac Leal, em reação ao mesmo acordo, criou
dificuldades para o governo.
Inicia-se neste cenário uma polarização na sociedade política brasileira entre
posturas nacionalistas e pró-americanas. As bandeiras nacionalistas eram marcadas por
suas orientações estatizantes e de forte hostilidade ao capital estrangeiro. No outro
extremo, manifestavam-se as posições que apregoavam o alinhamento aos Estados

94
Unidos e a importância dos investimentos provenientes daquele país (rotulados de
“entreguistas”). Esta polarização pôde ser observada, tanto no caso do prolongado
debate no Congresso do acordo militar Brasil-Estados Unidos, como na acalorada
controvérsia em torno do petróleo.

4.2.5. A controvérsia sobre o petróleo e a expansão do nacionalismo


No terreno das relações econômicas, os Estados Unidos observavam com
apreensão o incremento das posições nacionalistas no meio parlamentar brasileiro.
Desde a Assembléia Constituinte de 1946, o governo norte-americano procurou
assegurar que a legislação econômica brasileira seguisse uma orientação liberal.
Durante os trabalhos da Assembléia Constituinte (fevereiro-setembro / 1946) o
tratamento da questão petrolífera revelou diferenças entre os dois países, que se
tornariam posteriormente fonte de politização no Brasil. A posição dos Estados Unidos
obedecia aos interesses das empresas petrolíferas, que exigiam uma legislação liberal,
tanto para a exploração, como distribuição do petróleo e de outros recursos minerais.
Uma ampla mobilização da sociedade brasileira, a partir de 1947, levou o Congresso
Nacional a adiar a votação sobre a questão.
Em fevereiro de 1948, o governo Dutra enviou uma proposta de lei do Estatuto do
Petróleo, propondo que 60% do capital das empresas do setor poderiam ser de
procedência estrangeira. A reação contrária da opinião pública foi acompanhada de
importante mobilização política. Iniciou-se uma campanha pela defesa do petróleo,
conduzida por um conjunto de entidades, destacando-se a Liga da Defesa Nacional, o
Clube Militar, o Centro de Estudos de Defesa do Petróleo e da Economia Nacional e a
União Nacional dos Estudantes. Dominada por um forte conteúdo emocional, a
campanha foi marcada pelo slogan “o petróleo é nosso”.
Procurava-se evitar que companhias estrangeiras como a Standard Oil, Texaco e
Atlantic Refining Company instalassem suas refinarias no Brasil. Fortalecia-se a idéia
de que o monopólio estatal deveria ser preservado em todas as atividades relacionadas
com o petróleo.
Em sua campanha presidencial de 1950 Vargas defendeu a criação de uma
empresa petrolífera nacional como um projeto prioritário de seu novo governo. Em
dezembro de 1951 foi enviado ao Congresso um anteprojeto que previa a criação da
Petrobrás como empresa de economia mista, com percentuais fixos para o capital
nacional e o estrangeiro.
Após quase dois anos de intenso debate, dentro e fora do Congresso, aprovou-se
em outubro de 1953 a Lei 2.004, que assegurava o monopólio estatal na pesquisa, lavra,
refinamento e transporte do petróleo. Este resultado foi obtido graças ao apoio da UDN,
cuja posição foi influenciada mais por seu antigetulismo do que por suas convicções
nacionalistas.

4.2.6. A Comissão Mista Brasil–Estados Unidos e a criação do BNDE


Para Getúlio Vargas, as negociações militares com a administração Truman teriam
como contrapartida o apoio aos seus projetos de desenvolvimento econômico. Para isso
foi assinado em dezembro de 1950, antes mesmo de sua posse, um acordo prevendo a
criação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, que iniciou seus trabalhos em julho
do ano seguinte.

95
Esta comissão contou com a colaboração de órgãos governamentais, segmentos
técnicos e empresários que almejavam a criação de instrumentos permanentes para o
desenvolvimento econômico. Neste sentido, deveria ser criado um banco para coordenar
a aplicação de recursos externos e internos, destinados a financiar os projetos aprovados
pela Comissão Mista. Ao final a comissão aprovou 41 projetos, muitos deles referentes
a transportes e energia.
Horácio Lafer, como ministro da Fazenda (1951-53), foi um dos principais
coordenadores desta iniciativa. De acordo com sua visão, o Estado deveria assumir o
papel de agente centralizador das operações que financiariam a construção de uma infra-
estrutura básica para o país. Em fevereiro de 1952, Vargas submeteu ao Congresso o
projeto de criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE),
aprovado em junho de 1952.
As dificuldades para obtenção de financiamentos externos junto aos Estados
Unidos aumentaram a partir do início da administração Eisenhower (1953-61). A falta
de disposição do governo norte-americano em comprometer fundos do BIRD e do
Eximbank com projetos de desenvolvimento no Brasil terminou levando à desativação
da Comissão Mista em dezembro de 1953. No entanto, esta reversão de expectativas
não impediu que o BNDE iniciasse suas atividades com base na captação de recursos
internos. A partir de então as relações econômicas Brasil-Estados Unidos limitaram-se
aos temas comerciais.

4.2.7. Crise política e relações externas


Para enfrentar as crescentes dificuldades internas, Vargas realizou em junho de
1953 uma ampla reforma ministerial. Nesta ocasião o chanceler João Neves da Fontoura
foi substituído por Vicente Rao e Oswaldo Aranha assumiu o Ministério da Fazenda, no
lugar de Horácio Lafer. Estas substituições coincidiram com uma instabilidade interna
crescente, o que condicionou a orientação da política internacional do país.
Neste período, a agenda externa brasileira passou a se concentrar nos temas
econômicos vinculados à política de comércio exterior. Ao mesmo tempo, foi
exacerbado o componente nacionalista das posições defendidas pela base de apoio
governista. A fragilidade do governo Vargas agravou-se com o desgaste no
relacionamento com a Argentina. A denúncia de que existiria uma articulação oculta
entre o varguismo e o peronismo atiçou reações antipopulistas, que aprofundaram a
crise política.
Esta realidade explicou a limitada participação do Brasil, em março de 1954, na
Décima Conferência Interamericana de Caracas. A posição brasileira, com respeito à
ação intervencionista norte-americana na Guatemala, foi de alinhamento aos Estados
Unidos.
A situação de crise interna sofreu profundo impacto com o suicídio de Vargas, em
agosto de 1954. A comoção produzida no Brasil por este ato repercutiu mundialmente.
Na sua Carta Testamento, Vargas fazia alusão às pressões internacionais, o que
evidenciava o entrelaçamento entre os problemas internos e externos de seu governo.
Houve um interregno político entre o trágico acontecimento e as eleições
presidenciais, previstas para outubro de 1955. Durante a gestão de João Café Filho,
como presidente interino, Raul Fernandes reassumiu a chefia do Ministério das
Relações Exteriores. Sua atuação foi particularmente importante para reforçar a
participação do Itamaraty em temas econômicos.

96
4.2.8. O marco do desenvolvimentismo
A partir do governo de Juscelino Kubitschek – JK (1956-60), o Brasil iniciou um
ciclo de estabilidade política e desenvolvimento econômico. A construção da nova
capital em Brasília, a expansão da indústria automobilística e a implantação de uma
infra-estrutura de comunicações mudaram a face da economia brasileira. Este
dinamismo repercutiu de forma imediata sobre a política externa do país, na qual o tema
do desenvolvimento ganhou máxima prioridade.
Ainda como presidente-eleito, Kubitschek viajou aos Estados Unidos e às
principais capitais européias, buscando apoio para as suas metas de desenvolvimento
econômico. Desde o início, sua política externa foi moldada de acordo com o novo
perfil da economia brasileira.
O problema das desigualdades econômicas no sistema internacional ganhou
ênfase, levando a maior identificação com o mundo subdesenvolvido. Configurou-se um
projeto de crescimento interno e de projeção externa conhecido como o nacional-
desenvolvimentismo.
A formulação e implementação da política externa do governo JK resultou de um
trabalho compartilhado com colaboradores políticos e membros do corpo diplomático.
Houve permanente preocupação em assegurar apoio interno a esta política, no setor
parlamentar, militar e nos meios de comunicação. Foram chanceleres no governo
Kubitschek: José Carlos de Macedo Soares (1956/58), Francisco Negrão de Lima
(1958/59) e Horácio Lafer (1959).
Os esforços para mudar o conteúdo do diálogo com os Estados Unidos não
afetaram os compromissos estratégicos essenciais do Brasil. Os vínculos militares entre
os dois países mantiveram-se ativos e permaneceu a lealdade às doutrinas de segurança
da administração Eisenhower. Foi neste contexto que, em 1957, se negociou a
instalação na Ilha de Fernando de Noronha, de um posto de observação norte-americano
de foguetes teleguiados. Também foi assinado um Acordo entre ambos os países, para
Usos Civis de Energia Atômica, que previa o fornecimento de urânio enriquecido norte-
americano para a construção de reatores no Brasil.
Neste período a diplomacia brasileira deu os primeiros sinais de menor rigidez
ideológica. Desde o início de seu governo, JK lançara a idéia de degelo nas relações do
Brasil com a URSS. Em 1959 foram concluídas as negociações para o restabelecimento
das relações comerciais com aquele país. Vale sublinhar que esta mudança de posição
seguiu motivações pragmáticas. Os contratos assinados com o governo soviético
previam a venda de café em troca de trigo, petróleo bruto e óleo diesel.
Os foros multilaterais ganharam importância para a difusão das novas prioridades
da política externa brasileira. O chanceler Negrão de Lima, em seu discurso de setembro
de 1958, na Sessão Ordinária da Assembléia Geral da ONU, lançou a idéia de uma
mobilização regional em torno da necessidade do desenvolvimento da América Latina.
Esta mobilização deveria fomentar um novo diálogo e novas formas de
cooperação com o governo norte-americano. No ano seguinte o embaixador Augusto
Frederico Schmidt, no mesmo plenário, ao defender o combate ao subdesenvolvimento,
apresentou os objetivos da Operação Pan-Americana (OPA).
Paralelamente, o país assumia posicionamentos que questionavam a livre
ingerência em assuntos internos, praticada pelas superpotências em suas respectivas
áreas de influência. No discurso que proferiu em 1959 na Assembléia Geral da ONU, o

97
chanceler Horácio Lafer afirmou a defesa do princípio da não-intervenção como
premissa da política externa brasileira. Ainda no plano conceitual, foi estabelecida, pela
primeira vez, uma correlação entre desarmamento e desenvolvimento.

4.2.9. A Operação Pan-americana (OPA)


Partindo de uma postura “ocidental”, o governo Kubitschek pretendia lançar uma
mobilização da comunidade internacional na luta contra o subdesenvolvimento. Sem
distanciar-se dos compromissos políticos que vinculavam o Brasil à esfera de influência
norte-americana, defendia-se o desenvolvimento como um instrumento de segurança
hemisférica.
Esta foi a iniciativa de maior destaque na política externa de seu governo.
Proposta numa correspondência enviada por Kubitschek ao presidente Eisenhower em
maio de 1958, ela recebeu a adesão imediata dos países latino-americanos. No Brasil, a
OPA correspondia a um projeto do próprio presidente, contando com o apoio do
Itamaraty e de colaboradores próximos, mencionando-se especialmente Augusto
Federico Schmidt, que defendeu a iniciativa em diferentes foros multilaterais.
A OPA compreendia um conjunto de recomendações, sublinhando-se:
investimentos em áreas atrasadas do continente; programas de assistência técnica;
proteção aos preços de produtos primários; e recursos dos organismos financeiros
internacionais para o combate ao subdesenvolvimento.
Como desdobramento, foi criado o Comitê dos 21 na OEA, para analisar formas e
modalidades de sua implementação. A recomendação desse Comitê (abril / 1959) para
se criar o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), foi a primeira iniciativa
institucional de promoção do desenvolvimento na comunidade interamericana.
Os resultados da OPA foram afetados pelo impacto causado na região pela
revolução cubana. As preocupações dos Estados Unidos com a contenção do
comunismo na América Latina esvaziaram a Operação, impondo novas prioridades na
agenda hemisférica. Ao mesmo tempo, o governo Kennedy lançava mão de suas
próprias receitas para lidar com a realidade econômica latino-americana. Em março de
1961 foi anunciada a Aliança para o Progresso, um programa de assistência ao
desenvolvimento na América Latina.

4.2.10. Novas frentes da política externa


A importância das relações com os Estados Unidos e o peso da Guerra Fria nas
opções de política externa do Brasil não impediram o país de reforçar vínculos com
algumas nações européias. As antigas potências, especialmente a Alemanha e a França,
ofereciam novas oportunidades, estimuladas pelo crescimento de suas economias e a
necessidade de suas empresas expandirem seus investimentos.
Datam desta época as primeiras preocupações do Brasil com as conseqüências do
processo comunitário europeu. Dois pontos justificavam estas apreensões: as restrições
ao ingresso nos mercados europeus e as vantagens que automaticamente seriam
estendidas aos territórios não-autônomos -cujos produtos primários concorriam com os
do Brasil. Estas preocupações influenciaram as posições brasileiras em diferentes foros
multilaterais.
A relação do Brasil com o mundo europeu e os países e territórios afro-asiáticos,
foi também influenciada por fatores culturais e históricos que transcendiam o contexto
da Guerra Fria. Este era o caso dos laços com Portugal, preservados e ajustados à

98
agenda internacional pós-45. Tais circunstâncias explicam a lealdade do Brasil com a
nação lusitana, durante os 10 anos em que o governo ditatorial português teve recusada
sua admissão nas Nações Unidas. Este relacionamento foi reforçado com o Tratado de
Amizade e Consulta, promulgado no Brasil em 1955, no qual se fazia referência à
Comunidade Luso-Brasileira.
Neste caso, o intacto sistema colonial português constituía ainda um elo de ligação
- e não de tensão - entre o Brasil e Portugal, como ocorreria alguns anos mais tarde.
Os vínculos do Brasil com Portugal condicionaram a política do Brasil em relação
ao tema da descolonização, como se verificou em 1960, quando manteve posição
contrária à independência da Argélia. Não obstante, a realidade sul-africana, a partir da
instauração do sistema do apartheid passou a sensibilizar, pouco a pouco, a diplomacia
brasileira para a questão racial.
Já em fins dos anos cinqüenta, o Brasil assumia uma posição crítica à segregação
racial que estimulava uma maior aproximação aos países da África negra. Mencionem-
se os entendimentos iniciados com os governos do Senegal, Etiópia, Mauritânia, Gana e
Togo, como também o comparecimento brasileiro à II Conferência Pan-Africana,
realizada em Addis Abeba em maio de 1960.
Outra demonstração relevante da maior aproximação do Brasil com novos temas
da agenda mundial se deu com sua participação em operações de paz promovidas pela
ONU. Em novembro de 1956, o governo JK contou com amplo apoio interno para que o
país integrasse a Força de Emergência no Canal de Suez. Outra experiência deste tipo se
repetiu em 1961, quando o Brasil enviou oficiais da Força Aérea Brasileira ao Congo,
em apoio à operação organizada para contornar a crise deflagrada pelo assassinato do
presidente Lumumba.
Novas frentes de relacionamento externo foram também abertas com os países
asiáticos. A “Operação Brasil-Ásia”, implementada nos anos 1959-60, levou ao
estabelecimento de relações diplomáticas com o Vietnã do Sul, Tailândia, Federação da
Malásia, Coréia do Sul, Ceilão e Sri Lanka.

4.2.11. A política externa independente


A presidência de Jânio Quadros, iniciada em janeiro de 1961, introduziu grandes
mudanças na política internacional do Brasil. Durante os três anos de duração dos
governos Quadros e Goulart, o país transformou as bases da sua ação diplomática.
Conhecida como a Política Externa Independente (PEI), esta mudança representou um
ponto de inflexão na história contemporânea da política internacional do Brasil.
As novas diretrizes da política externa brasileira coincidiram com um período de
crescente incerteza política para o país. A eleição de Jânio Quadros pela UDN e de João
Goulart como vice-presidente pelo PTB forçou a convivência de grupos partidários de
distintas orientações ideológicas. A renúncia de Quadros, a solução parlamentarista e o
retorno quase imediato ao sistema presidencialista criaram um contexto institucional de
extrema fragilidade, dificultando os avanços da política que pretendia transformar a
inserção internacional do Brasil.
As inovações da política externa brasileira marcaram as gestões de cinco
chanceleres, substituídos em função dos vaivéns da política interna. Lançadas pelo
chanceler Afonso Arinos, que se manteve no cargo até à renúncia de Quadros em agosto
de 1961, foram continuadas no governo de João Goulart num quadro de grande
instabilidade política.

99
Sucederam-se como Ministros de Relações Exteriores: Afonso Arinos (janeiro-
setembro /1961), San Thiago Dantas (setembro/1961-julho/1962), Afonso Arinos
(julho-setembro /1962), Hermes Lima (setembro / 1962 – junho/1963), Evandro Lins e
Silva (junho/ 1963-agosto/1963) e João Augusto de Araújo Castro (agosto/1963-abril
/1964).
Os chanceleres Afonso Arinos, Santiago Dantas e Araújo Castro foram os
principais responsáveis pelo corpo de idéias e o conjunto de iniciativas que deram perfil
à PEI. Os dois primeiros, comprometidos com seus programas partidários, procuraram
introduzir novos ideais na política internacional brasileira. Afonso Arinos, vinculado a
um segmento progressista da UDN, manteve a chefia do Itamarati durante todo o
governo de Quadros. Durante sua gestão foram lançadas as premissas essenciais da
política externa independente. San Thiago Dantas assumiu a condução da política
internacional do Brasil durante a etapa parlamentarista. Vinculado à ala moderada do
PTB, Dantas teve sua atuação marcada por suas convicções democráticas e reformistas.
Araújo Castro foi o único chanceler do período que pertencia à corporação diplomática.
Fortemente influenciado pelo pensamento nacional-desenvolvimentista, seu
desempenho aliou profissionalismo com originalidade.
A PEI foi acompanhada por uma abrangente reforma do Ministério das Relações
Exteriores, aprovada por Lei em julho de 1961 (Lei nº 3.917). Fruto de estudos e
avaliações técnicas realizadas ao longo de dez anos, esta reforma representou um marco
divisor no funcionamento do Itamaraty. Novas divisões temáticas e geográficas
permitiram aprofundar e diversificar o campo de ação da diplomacia brasileira.
De acordo com a postulação básica da PEI, o Brasil deveria ampliar sua
autonomia no plano internacional, desvencilhando-se dos condicionamentos impostos
pela bipolaridade. As posições do país deveriam ser motivadas pelos interesses
nacionais e não pelas pressões das grandes potências - especialmente os Estados
Unidos. Para tanto tornava-se necessária a diversificação de suas relações políticas e
comerciais.
Sublinhava-se a identificação do Brasil com outras nações do mundo
subdesenvolvido, na América Latina, África e Ásia. A nova política externa coincidia
em muitos pontos com as posições do Movimento Não-Alinhado: na crítica ao
colonialismo, ao neocolonialismo, ao racismo e ao armamentismo. Esta semelhança
levou a que, durante sua primeira etapa, a PEI fosse interpretada como uma proposta
neutralista. Não obstante, seus defensores insistiam em diferenciar neutralismo de
independência.Era necessário que o Brasil agisse com isenção ideológica, destacando a
luta contra o subdesenvolvimento, a cooperação com as demais nações americanas, os
pontos em comum com os países africanos e o apoio ao Sistema das Nações Unidas.
Foram intensificados os contatos com o leste europeu, com as novas nações
asiáticas e africanas. Em 1961, o Brasil aumentou o número de missões diplomáticas de
65 para 87, com 71 embaixadas, 10 legações e 6 delegações permanentes junto a
organismos internacionais. A ampliação da presença diplomática foi acompanhada pelo
aumento de acordos comerciais e por instrumentos de cooperação cultural e científica.
No primeiro semestre de 1961, como resultado da missão chefiada pelo
embaixador João Dantas, foram assinados 7 acordos comerciais com a Bulgária,
Iugoslávia, Romênia, Hungria, Tchecoslováquia, Polônia e Albânia. Em agosto do
mesmo ano uma missão comercial viajou para a China, liderada pelo vice-presidente
João Goulart. Para estreitar vínculos com as nações africanas constituiu-se, dentro do
Itamaraty, um Grupo de Trabalho para a África.

100
O governo de João Goulart, que começou em setembro de 1961, procurou dar
plena continuidade à política externa de seu antecessor. Neste ano, o ex-chanceler
Afonso Arinos participou como observador da I Conferência dos Países Não-alinhados,
em Belgrado. Logo foram restabelecidas as relações diplomáticas com a União
Soviética e criadas legações brasileiras na Bulgária e Albânia. Em 1962, foi criada a
Comissão de Coordenação do Comércio com os Países Socialistas da Europa Oriental
(COLESTE) - órgão interministerial sediado no Itamaraty. Entre os novos
posicionamentos do Brasil sublinhava-se a defesa da independência da Argélia e de
Angola.
Os novos rumos da política externa brasileira não foram bem recebidos pelos
Estados Unidos. Um ponto de particular tensão foi provocado pela posição brasileira
contrária à intervenção norte-americana em Cuba. Seguindo os princípios da PEI, o
Brasil assumiu uma postura não alinhada aos Estados Unidos, na VIII Reunião de
Consulta dos Ministros de Relações Exteriores Americanos, em Punta del Este (janeiro /
1962). Nesta ocasião, a delegação brasileira, chefiada por San Thiago Dantas, decidiu
não aderir ao bloqueio a Cuba. As polarizações internas, originadas por esta decisão,
agravaram a instabilidade política no Brasil.
Alguns meses depois, no contexto da crise dos mísseis e do bloqueio naval a Cuba
(outubro / 1962), o governo brasileiro ofereceu seus bons ofícios a Fidel Castro para
ajudar a superar o impasse com os Estados Unidos. Ao final, a gravidade da situação
levou o Brasil a manter-se do lado norte-americano, votando na OEA a favor do
bloqueio de Cuba.
Em visita à Washington (abril / 1962), o presidente Goulart, buscou contornar as
dificuldades criadas pela orientação nacionalista da política econômica e as apreensões
criadas pela PEI. As maiores tensões foram geradas pela nacionalização de empresas
estrangeiras pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. De fato, o governo
Goulart tentou em diferentes ocasiões aproximar-se dos Estados Unidos. Tornara-se
especialmente importante restabelecer linhas de crédito dos organismos multilaterais e
dos bancos privados norte-americanos.
O foro da ONU tornou-se neste período uma plataforma privilegiada para a defesa
das novas bases da diplomacia brasileira. Os discursos pronunciados pelos chanceleres
que se sucederam ao longo dos anos 1961-64 converteram-se em peças lapidares dos
princípios que orientavam a PEI.
Vale sublinhar: a atuação do chanceler de Afonso Arinos na Conferência do
Desarmamento em Genebra (1962), defendendo a reconversão econômica; e na
Assembléia da ONU (1962), quando advogou pela autodeterminação, o anti-
colonialismo e o anti-racismo. Também se destaca o discurso do ministro Araújo Castro
na Assembléia da ONU (1963) quando defendeu a necessidade de superar os
constrangimentos da Guerra Fria, indicando os pontos de coesão da política externa
brasileira (os 3 D’s: desarmamento, desenvolvimento e descolonização).
O aprofundamento da vinculação entre diplomacia econômica e multilateral
adquiriu maior importância para a política externa do país. Neste cenário coube ao
Brasil uma participação destacada nos trabalhos preparatórios da UNCTAD e na
formação do Grupo dos 77, defendendo a criação de uma nova ordem no campo do
comércio internacional.

101
4.3. Os vínculos econômicos externos
4.3.1. Os vaivéns da política cambial
A política econômica brasileira, no imediato pós-guerra, caracterizou-se pela
implementação de medidas norteadas pelos princípios liberais que dominavam o
contexto internacional. Em 1946 a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC),
que mais tarde se transformaria no Banco Central, adotou uma política de liberalização
cambial.
A eliminação do preço-teto do café pelo governo norte-americano teve como
contrapartida a adoção no Brasil de uma política liberal de câmbio e de comércio
exterior. O país enfrentava o problema de que aproximadamente metade de suas
exportações se dirigia a países de moedas inconversíveis. A rápida queda de reservas
conversíveis provocou desequilíbrios que afetaram os vínculos econômicos externos do
Brasil.
Ao mesmo tempo expandiam-se as relações comerciais com os Estados Unidos.
Nos anos 1947-50, 60% das exportações brasileiras destinavam-se ao mercado norte-
americano. Nesta época, o café correspondia em média a mais de 60 % das vendas
externas. No mesmo período, as demais exportações brasileiras caíram de 743 para 495
milhões de dólares, enquanto as vendas externas de café saltaram de 414 para 864
milhões.
A partir de meados de 1947 foram impostos controles cambiais e de importações,
que logo seriam substituídos por um sistema de contenção nas compras externas
(mediante a obrigatoriedade de licenças prévias). Graças a estas medidas foi possível
melhorar o equilíbrio na balança comercial, favorecida também pela lenta recuperação
dos preços internacionais do café.
A política de controle das importações levou à expansão da produção
manufatureira no país. Desta forma, medidas que visavam manter o equilíbrio da
balança comercial se tornaram um instrumento de promoção industrial.
Contando com uma siderurgia moderna, graças à construção da usina de Volta
Redonda, o Brasil pôde a partir desta época avançar na substituição de importações. Os
setores de maior dinamismo foram os de aparelhos eletrodomésticos e de artefatos de
consumo durável. Também se deram os primeiros passos na produção de equipamentos,
estimulada pela instalação da Fábrica Nacional de Motores. Este processo coincidiu
com iniciativas de planejamento do Estado em áreas públicas essenciais, para as quais
se procurou a cooperação internacional.

4.3.2. O papel das missões bilaterais


Durante o governo Dutra foi mantida a prática das missões técnicas norte-
americanas, que visitavam o Brasil para traçar projetos de cooperação econômica.
Depois da Missão Taub (1942) e da Missão Cooke (1943) chegou, em setembro de
1948, a Missão Abbink. Seu principal propósito era estimular o fluxo de capital
estrangeiro para o país. Esta Missão sistematizou recomendações de política monetária e
fiscal, bem acolhidas pelas autoridades econômicas brasileiras. Também se identificou
um conjunto de prioridades que vieram a originar o Plano Salte (1949) – formulado para
coordenar e ampliar os investimentos governamentais nos setores de saúde,
alimentação, transporte e energia.

102
Com o objetivo de dar continuidade a este tipo de iniciativa iniciaram-se os
trabalhos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU). Esta Comissão foi
concebida no período inicial do segundo governo Vargas para elaborar projetos de
fomento do desenvolvimento econômico e que contariam com o apoio financeiro do
Eximbank norte-americano.
A partir de princípios de 1952, as expectativas criadas pela CMBEU se
reverteram. No mês de janeiro o Executivo havia promulgado um decreto, que restringia
a remessa de lucros e o retorno de capitais, o que provocou tensões no diálogo com os
Estados Unidos. Em seguida, uma grave crise cambial causou um aumento significativo
dos atrasados comerciais do país.
A este cenário juntou-se então um conjunto de adversidades externas.
Mencionem-se o fim do boom produzido pela guerra da Coréia, que favorecera as
exportações brasileiras; o desinteresse da administração Eisenhower por apoiar projetos
de desenvolvimento econômico; o endurecimento das agências multilaterais de crédito -
especialmente o Banco Mundial; e a acumulação de atrasados comerciais com os
Estados Unidos.
Esta nova realidade limitou as atividades do Eximbank, que liberou recursos
apenas para o pagamento de parte dos compromissos vencidos junto a credores norte-
americanos. Neste quadro tornou-se inviável a continuidade da CMBEU.

4.3.3. A fragilidade dos vínculos externos


Em janeiro de 1953 foi promulgada a LEI 1.807, conhecida como a Lei de
Mercado Livre, que liberalizava a política de remessa de lucros. Poucos meses depois
Oswaldo Aranha assumiu o Ministério da Fazenda, adotando várias medidas para
recuperar a estabilidade econômica e a credibilidade internacional.
O novo regime cambial, regulado pela Instrução 70, instituído a partir de outubro
de 1953, permitiu acelerar notavelmente as exportações. Também foi reformulado o
regime de comércio exterior, que passou a ser administrado pela Carteira de Comércio
Exterior (CACEX) do Banco do Brasil.
Maiores dificuldades surgiram durante o ano de 1954, com a redução das vendas
de café para o mercado norte-americano. Além de ser uma conseqüência das restrições
impostas pelos Estados Unidos, esta diminuição foi causada pelas condições climáticas
locais. Como já havia ocorrido em inúmeras ocasiões, os lucros provenientes deste
comércio dependiam mais da política de preços aplicada ao produto que do volume de
sacas exportadas. Paralelamente, o governo Vargas enfrentou, até o seu final,
dificuldades para controlar o déficit público.
Este cenário se manteve durante os quinze meses de interregno institucional do
governo Café Filho (1954-56). Para revertê-lo, foram adotadas novas políticas fiscal e
monetária com premissas ortodoxas, que visavam recuperar a estabilidade econômica
do país. Também foram reforçadas, através da Instrução 113 da SUMOC, as medidas de
liberalização para a entrada de capital estrangeiro e das importações.
Estas iniciativas tiveram efeito parcial, originando imediatas reações por parte das
classes produtoras. Neste quadro, tornaram-se ainda mais frágeis os vínculos financeiros
e comerciais do Brasil.

103
4.3.4. A moeda do desenvolvimento
Os primeiros sinais de mudança foram observados a partir de fins de 1955, com a
eleição de Juscelino Kubitschek. Antes de sua posse, o presidente-eleito anunciou o
lançamento de um Plano Nacional de Desenvolvimento - conhecido como o Plano de
Metas - a ser sustentado por capitais nacionais e estrangeiros. Tratava-se de um plano
qüinqüenal inspirado nas conclusões da CMBRE e nos programas da CEPAL. Seu
propósito era acelerar o processo de industrialização, através da substituição de
importações e de investimentos externos.
A mobilização de recursos internos foi estimulada pelo consenso entre os setores
produtores em torno do projeto desenvolvimentista do governo JK. Ao mesmo tempo,
havia a expectativa de que aumentassem os investimentos estrangeiros no Brasil, por
causa do interesse crescente das indústrias européias em expandir sua presença na
América Latina.
A competição entre empresas norte-americanas e européias trouxe efeitos
benéficos para a expansão do parque industrial do Brasil. O melhor exemplo neste
sentido se deu no setor automobilístico, inaugurado no Brasil com a instalação de uma
filial européia.
A política de atração de capitais estrangeiros foi acompanhada de estímulos à
importação e/ou produção de bens de capital. A reforma do sistema cambial,
implementada em agosto de 1957, introduziu modificações na política de comércio
exterior. Novas orientações, administradas pelo Conselho de Política Aduaneira (CPA),
favoreciam a compra de bens intermediários e de matérias primas utilizadas na
produção de equipamentos. Nos anos 1955-60, este ramo industrial expandiu-se a uma
taxa superior a 26% ao ano.
A política de diversificação de laços econômicos externos não implicou para
Kubitschek uma menor expectativa com respeito ao apoio dos Estados Unidos.
Esperava-se que os capitais públicos norte-americanos desempenhassem um papel
crucial no desenvolvimento econômico latino-americano, e brasileiro em particular. O
lançamento da Operação Pan-Americana (1958), seguida da criação do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), seriam as principais peças políticas e
institucionais deste processo.

4.3.5. Novas negociações para produtos primários


O fraco desempenho das exportações, entretanto, levou à expansão do
endividamento externo junto a credores europeus e norte-americanos. Tornava-se cada
vez mais difícil superar no setor comercial os desequilíbrios causados pelo peso que o
café continuava mantendo na pauta das exportações brasileiras. Ao mesmo tempo,
verifica-se uma crescente participação de produtores africanos e um aumento da oferta
colombiana, o que causou o declínio nos preços internacionais do produto.
Neste panorama, o Brasil teve uma atuação destacada na negociação de convênios
internacionais, que tentavam ordenar o mercado mundial do café, mediante fixação de
cotas anuais de exportações. Em janeiro de 1958, realizou-se no Rio de Janeiro a
Conferência Internacional do Café. Em setembro do mesmo ano, o governo brasileiro,
junto com outros 14 países da região, assinou o Convênio Latino-Americano do Café.
No ano seguinte, participou da assinatura do Convênio Internacional do Café junto com
todos os produtores latino-americanos, Portugal e França. Este convênio previa a
criação da Organização Internacional do Café.

104
Este tipo de negociação se estendeu a outros produtos primários, particularmente
o açúcar e o cacau. Os entendimentos e acordos internacionais dos quais o Brasil
participou foram conduzidos conjuntamente pelo Departamento Econômico Consular do
Itamaraty e por órgãos econômicos especializados do governo.

4.3.6. O estrangulamento externo


A ausência do apoio esperado somou-se às dificuldades crescentes do governo JK
em controlar o seu déficit orçamentário e a alta dos índices inflacionários. Para enfrentar
a situação foi formulado um Programa de Estabilização Monetária, acompanhado por
um pedido de financiamento ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial.
Nenhuma das iniciativas prosperou. A primeira, pelas resistências internas à
implementação de medidas com efeitos recessivos. A segunda, devido às desavenças
entre o governo brasileiro e o FMI, quando este passou a condicionar a liberação de
recursos a revisões das políticas monetária e cambial. Quando Kubitschek decidiu
interromper o diálogo com este Organismo, contou com um forte respaldo interno.
O estrangulamento da contas internas, no final dos anos 50, causou sérios
problemas para o governo Quadros-Goulart, que se iniciou em janeiro de 1961. Além de
um pesado déficit público, a economia brasileira registrava tendências inflacionárias
ascendentes. Nos anos 1959-60 o aumento de preços internos ultrapassara 30%, o que
significava aproximadamente o dobro da média anual estimada para o período 1950-58.
No início do governo de Jânio Quadros, foram adotadas severas políticas de
estabilização: desvalorização cambial, restrição de emissão da moeda e controle de
gastos governamentais. Estas medidas logo permitiram o restabelecimento do diálogo
com a comunidade internacional. O pagamento da dívida externa foi reescalonado e
obtiveram-se novos empréstimos.
O alívio experimentado no campo das relações econômicas externas, porém, foi
breve. A situação de crise produzida com a renúncia do presidente Quadros, em agosto
de 1961, causou um imediato descontrole monetário, fiscal e creditício. O retorno de
graves desequilíbrios internos prolongou-se até o final do governo Goulart, em março
de 1964.
A partir de 1962 observou-se uma crise na balança de pagamentos, produzida pela
queda significativa das exportações e da entrada de capital estrangeiro no país. Estes
fatos, entretanto, não frearam a reativação das políticas desenvolvimentistas, como o
Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social (1963-65). Ao mesmo tempo foi
anunciado um conjunto de projetos, entre eles o da reforma agrária, que pretendiam
transformar as condições sociais do Brasil.
As dificuldades para manter as metas antiinflacionárias, contidas no Plano
Trienal, somaram-se à desaceleração da atividade econômica. Em 1963, a taxa de
crescimento do Produto Nacional Bruto (PIB) alcançou o nível mais baixo (0,6%) desde
1942 (-2,7%).
A falta de simpatia ideológica dos Estados Unidos pelo novo perfil da política
econômica brasileira ganhou maior destaque a partir das medidas tomadas pelo governo
Goulart, que feriam os interesses de companhias norte-americanas instaladas no país,
principalmente: as novas regras de remessa de lucros, o apoio às desapropriações de
empresas e o cancelamento de concessões para a exploração de recursos naturais.
As discordâncias entre os dois países foram reforçadas pelas diferenças que
surgiram na esfera diplomática, a partir da política externa independente. Neste

105
contexto, foram infrutíferos os resultados da visita do presidente Goulart aos Estados
Unidos, em abril de 1962 e de San Thiago Dantas - como Ministro da Fazenda - em
março de 1963. Em ambas as oportunidades, se procurou o entendimento nos temas da
dívida e dos investimentos externos.

4.4. Uma nova agenda com a América Latina


4.4.1. Introdução
A partir de fins dos anos quarenta, se aprofundaram os entendimentos para
aproximar física e economicamente o Brasil de seus vizinhos sul-americanos. Na
maioria dos casos, o intercâmbio restringia-se à troca de produtos primários.
O maior interesse pela diplomacia econômica no Brasil foi acompanhado pela
valorização dos laços comerciais com os países da região latino-americana. Depois da
criação da Cepal (1948), ganhou adeptos no país a idéia de se criar uma zona de livre
comércio e complementação industrial entre o Brasil e os demais países do Cone Sul.
Logo, o governo brasileiro a aderiu ao projeto de criação da ALALC (1960).

4.4.2. Novos componentes nas relações com a Argentina


A partir do segundo governo Vargas, a interligação entre política externa e interna
tornou-se um aspecto central do relacionamento brasileiro-argentino. Desde então, estas
relações sofreram constante politização, motivada por articulações reais e fictícias entre
o trabalhismo do Brasil e o justicialismo da Argentina.
Os setores antipopulistas brasileiros acreditavam que a presença de Perón no
poder (1945-55) representava um obstáculo para a aproximação bilateral. Temia-se que
o líder justicialista promovesse a formação de um bloco Argentina-Brasil-Chile (ABC),
contrário às prioridades da política internacional brasileira.
De fato, um dos corolários da política externa de Perón, conhecida como a
Terceira Posição, destacava a integração regional latino-americana. Durante seu
governo, foram estabelecidos entendimentos políticos e comerciais com o Chile,
Equador, Paraguai e Bolívia.
Com o Brasil, tornaram-se insistentes os esforços de aproximação a partir de
1951, com o retorno de Getúlio Vargas ao poder. Esta aproximação foi estimulada pelo
apoio de Vargas à reeleição de Perón, pelos vínculos do embaixador Batista Lusardo em
Buenos Aires com o peronismo e os contatos entre o justicialismo e o trabalhismo,
promovidos pelo então Ministro do Trabalho, João Goulart. Do outro lado, o chanceler
Neves da Fontoura, apoiado por setores antitrabalhistas da classe política e diplomática
brasileira, lançou uma campanha de repúdio à formalização de um pacto Vargas-Perón.
Nos primeiros meses de 1954, esta controvérsia contribuiu para agravar a crise
política interna no Brasil. Neste contexto, o relacionamento com a Argentina tornou-se
um pretexto para manipulações antigetulistas.
A partir da inauguração de governos desenvolvimentistas em ambos países, na
segunda metade dos anos cinqüenta, as tensões prévias puderam ser neutralizadas.
Graças à presença de Kubitschek no Brasil (1956-60) e de Arturo Frondizi na Argentina
(1958-62), iniciou-se um novo diálogo. A convergência entre os projetos de promoção
do desenvolvimento dos dois governantes permitiu que este diálogo ganhasse projeção
externa, com o lançamento da Operação Pan-Americana (OPA). O imediato endosso

106
argentino à iniciativa brasileira foi importante para garantir o apoio dos demais países
latino-americanos.
Além da aproximação gerada pela OPA, surgiu o interesse em traçar políticas
comuns em torno de um sistema de defesa do Atlântico Sul. Para tanto, o governo
argentino convidou o Brasil, juntamente com o Uruguai e o Paraguai, para uma
conferência (maio/1957) sobre o tema. O resultado desta iniciativa foi apenas a
reafirmação dos tratados de defesa já existentes, descartando-se a idéia de formação de
um pacto de segurança regional.
Posteriormente, contatos entre os governos brasileiro e argentino conduziram à
prática de consultas políticas, das quais resultaram posições comuns frente à crescente
presença da Guerra Fria na América Latina, a partir da revolução cubana (1959).
Esta aproximação teve continuidade durante a primeira parte do governo Quadros-
Goulart, até à deposição do presidente Frondizi na Argentina (abril / 1962). Seus
momentos de maior transcendência política se deram na ocasião do Encontro de
Uruguaiana, realizado entre os presidentes Frondizi e Quadros (abril / 1961), e durante a
VIII Reunião de Consulta dos Chanceleres das Repúblicas Americanas em Punta del
Este (janeiro / 1962). Nesta conferência o Brasil, junto com a Argentina e outros doze
países, se absteve na votação pela exclusão de Cuba da OEA.
Como resultado do encontro de Uruguaiana, foram negociados um Convênio de
Amizade e Consulta e um acordo cultural, reforçados posteriormente com a “Declaração
do Galeão” (setembro / 1961), assinada por Goulart e Frondizi; e uma declaração
conjunta firmada pelos chanceleres dos dois países em Buenos Aires (novembro /
1961). Este último documento apontava onze pontos políticos convergentes, destacando
a defesa da democracia e a promoção do desenvolvimento.

4.4.3. A ampliação dos vínculos na América do Sul


A partir do governo de Kubitschek, a aproximação ao Paraguai adquiriu um novo
ritmo. Já nas vésperas de sua posse foram assinados dois convênios, que previam a
criação de entrepostos de depósito francos, nas cidades de Paranaguá e Concepción e a
construção de uma ligação rodoviária entre os dois países.
Estes entendimentos conduziram ao projeto da Ponte da Amizade, sobre o Rio
Paraná, cujas obras foram inauguradas em junho de 1956 pelos presidentes Kubitschek
e Stroessner. A assinatura do Tratado Geral de Comércio e Investimento e o Convênio
de Comércio Fronteiriço acompanharam esta iniciativa. Quatro anos depois, novos
convênios foram negociados com a nação paraguaia, prevendo-se a construção da
rodovia Concepción-Ponta Porã.
Neste período também se estreitaram as relações do Brasil com a Bolívia. A
formação de uma Comissão Mista Permanente Brasil-Bolívia (1957) foi acompanhada
de negociações comerciais e entendimentos para a compra de petróleo boliviano e a
construção de uma ligação ferroviária entre os dois países. Em março de 1958,
assinaram-se 28 protocolos em La Paz, conhecidos como os Acordos de Roboré, que
tratavam de relações comerciais e financeiras e de cooperação técnica e cultural.
No Brasil, estes acordos despertaram críticas nos círculos nacionalistas, temerosos
de que beneficiassem as companhias petrolíferas norte-americanas presentes na Bolívia.
Também se aprofundaram as relações entre Brasil e Uruguai, com a formalização
de declarações conjuntas sobre comércio e pagamentos; e os Acordos Aéreo e Cultural

107
(novembro / 1956). Iniciativas semelhantes foram tomadas com o Chile, Peru, Equador
e Colômbia, que levaram à formação de comissões mistas bilaterais, ao aprofundamento
dos vínculos econômicos, à cooperação técnica e cultural. Devem destacar-se as
atuações dos chanceleres Macedo Soares e Horácio Lafer na condução de grande parte
destas negociações.
Durante o período da política externa independente o Brasil manifestou particular
interesse por estreitar suas relações com os países latino-americanos. Além de seu
empenho pelo avanço de um processo de integração regional os governos de Quadros e
Goulart preconizaram o aprofundamento de cooperação cultural e das convergências
políticas. Ao mesmo tempo, este relacionamento passou a estar subordinado a novos
fatores internos e externos. Enquanto a PEI renovava os conteúdos políticos da
diplomacia latino-americana do Brasil, o impacto da revolução cubana no âmbito
interamericano gerava crescentes tensões e condicionamentos.
Na década de sessenta, uma acentuada instabilidade institucional tomou conta de
muitos países na região, inclusive do Brasil. A politização das Forças Armadas,
acompanhada do fortalecimento dos partidos conservadores, como reação às
mobilizações populares-reformistas, fomentou articulações inter-regionais, motivadas
por afinidades ideológicas. Neste quadro, a gravidade das situações políticas domésticas
deixava pouco espaço para a ação diplomática.

108
5. Os governos militares (1964—1985)
Mônica Hirst

5.1. Introdução
A diplomacia brasileira, durante os anos de governo militar no Brasil, pode
subdividir-se em duas fases; a primeira se estendeu de 1964 a 1974 e a segunda
perdurou até 1985, quando o país retomou o caminho da democracia.
Durante a primeira fase do regime militar, a política externa do país esteve
dominada pela retomada do alinhamento com os EUA e o abandono das premissas que
haviam pautado a PEI. A vinculação com o Ocidente, sob a liderança norte-americana,
deu claro perfil ideológico à diplomacia brasileira. Foram esfriadas as relações com os
países da órbita socialista, desativadas as iniciativas de aproximação com a África
portuguesa e revitalizados os laços da amizade luso-brasileira. Tanto a gestão de Vasco
Leitão da Cunha (1964-66), como a de Juracy Magalhães (1966-67) procuraram
reajustar a ação internacional do Brasil aos condicionamentos impostos pela Guerra
Fria.
A partir de 1967, os temas econômicos ganharam um novo espaço no discurso
diplomático brasileiro. A gestão de Magalhães Pinto (1967-69), rotulada como a da
“diplomacia da prosperidade”, deu nova hierarquia ao campo da diplomacia comercial.
Esta tendência se aprofundou à medida que a política econômica brasileira retomou um
curso nacional-desenvolvimentista. Nesta época, se destacou a posição do país contra o
sistema de condomínio das potências mundiais nos temas de segurança internacional.
A partir de 1968, a agenda diplomática brasileira sofreu a influência do
endurecimento do regime político. A presença militar no governo levou também ao
enrijecimento das posições do Brasil nas negociações com os seus vizinhos relacionadas
ao aproveitamento de recursos hidroelétricos.
O período de gestão de Gibson Barbosa (1969-74) correspondeu à etapa de maior
fechamento na vida política brasileira. Durante sua gestão, a diplomacia brasileira
absorveu os constrangimentos ideológicos do regime militar, e ao mesmo tempo lançou
iniciativas que ampliaram o espectro econômico e político do relacionamento externo
do país.
Com o governo Geisel (1974-79) iniciou-se uma nova fase na evolução da política
interna e externa. No âmbito interno, medidas de distensão política inauguraram uma
fase de lenta liberalização da vida política. No plano externo, a diplomacia brasileira
inaugurou o ciclo do “pragmatismo responsável”. Sob o comando do Chanceler
Azeredo da Silveira, a atuação internacional do Brasil sofreu uma profunda
transformação. Esta baseou-se em três premissas essenciais: o fim do alinhamento com
os EUA, o desvencilhamento dos condicionamentos ideológicos da Guerra Fria e a
identidade com o Terceiro Mundo. A política econômica externa esteve motivada pelo
impacto causado pela crise do petróleo e pelas novas necessidades industriais
brasileiras.
O governo Figueiredo (1979-85) deu continuidade às orientações políticas
internas e externas de seu antecessor. Prosseguiu-se com a gradual normalização da vida
política institucional do país. Também foram mantidas as premissas da política externa,
enfatizando-se: as relações com os países latino-americanos, a necessidade do
desenvolvimento e a importância do diálogo Norte-Sul.

109
O impacto da subida de preços do petróleo, em 1979, gerou um conjunto de
desequilíbrios econômicos que afetaram o relacionamento externo do país.
Simultaneamente, a nova escalada de confronto entre as superpotências limitou o espaço
de atuação do Brasil. Aprofundaram-se nesse período as diferenças políticas e
econômicas com os EUA, motivadas pela reativação da Guerra Fria e o endurecimento
da política comercial norte-americana.

5.2. Complexidades da agenda internacional


5.2.1. A bipolaridade
A partir de meados dos anos 60, sob a égide da bipolaridade, o sistema político
mundial tornou-se mais complexo. Ao lado da rivalidade Leste-Oeste surgiu uma
agenda internacional diversificada, estimulada por iniciativas multilaterais inovadoras,
por negociações econômicas abrangentes, pelas alterações das condições de segurança
coletiva e pela proliferação de manifestações políticas internas contestatárias. A
mobilização de massas estudantis em 1968, em Paris, deixou suas marcas políticas e
culturais em todo o mundo.
A idéia de que seria possível uma coexistência pacífica entre as duas
superpotências ampliou a expectativa de vida da Guerra Fria. Baseada em alianças
militares estáveis (OTAN X Pacto de Varsóvia), a bipolaridade não se deixava abalar
pelos arranhões causados por pequenas crises localizadas. De um lado, a órbita soviética
era geograficamente menor, mas de alinhamento mais sólido. A área de influência
norte-americana era mais extensa, mas menos estável e previsível.
Ao longo dos anos 1965-85, a política mundial atravessou diferentes momentos.
Durante a segunda metade dos anos sessenta observou-se uma renovação das lideranças
políticas nos países industrializados. Estas foram responsáveis pela implementação de
políticas públicas generosas, que levaram ao apogeu do estado de bem-estar. Também
foram incrementadas políticas de cooperação com os países da Europa Oriental.

5.2.2. Os Estados Unidos e a Guerra do Vietnã


O envolvimento dos Estados Unidos no Vietnã representou um divisor de águas
na história de sua política externa. Os custos políticos e econômicos da escalada militar,
somados à dramaticidade do conflito, terminaram alterando a correlação de forças entre
as superpotências.
O sudeste asiático foi a região mais castigada pelo conflito Leste-Oeste durante
todo o período da Guerra Fria. A crescente presença militar de ambas superpotências e
da China, a partir dos anos sessenta, afetou a vida política, a organização da economia e
a condição de vida da população civil nos cinco países desta área.
Desde sua descolonização, o Vietnã do Sul contou com apoio norte-americano
para conter a influência do governo comunista do Vietnã do Norte. A partir da presença
militar dos Estados Unidos na região, o governo de Hanói aprofundou seus vínculos
econômicos e militares com a URSS. O conflito cresceu rapidamente a partir de 1965,
com os bombardeios norte-americanos sobre o território do Vietnã do Norte.
Entendimentos iniciais foram realizados no ano seguinte entre os Estados Unidos
e a China, nos quais ambos se comprometeram a não transgredir determinados limites.
Após uma guerra prolongada, os Estados Unidos anunciaram em 1969 sua retirada do
Vietnã. Esta foi lenta, sendo acompanhada por morosas negociações, que culminaram

110
no Acordo de Paz assinado em 1973. Dois anos depois, Saigon foi ocupada pelos
vietnamitas do norte. Não obstante, a presença norte-americana foi mantida no Laos e
no Camboja.
A participação dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã motivou protestos e
questionamentos por parte da sociedade norte-americana. A aprovação da Lei sobre
Poder de Guerra (1973) limitou a liberdade do Executivo para envolver-se em conflitos
externos. Nova situação de crise, esta vez causada por turbulências domésticas, foi
deflagrada pelo episódio de Watergate (1974), que terminou levando à renúncia do
presidente Nixon. A situação norte-americana se agravou nos anos 1974-5 quando o
país enfrentou sua pior recessão desde os anos 30. Este conjunto de circunstâncias
moveu os pilares da política de poder norte-americana, mantida desde a Segunda Guerra
Mundial.

5.2.3. A política européia toma novos rumos


No âmbito europeu foi ampliada a interdependência econômica, estimulada pela
Comunidade Econômica Européia (CEE) e pela Associação Européia de Livre
Comércio (EFTA). A partir de fins dos anos sessenta - vencidas as resistências da
França - aprofundou-se o processo comunitário; primeiro com a vigência de políticas de
financiamento para a formação de um mercado agrário comum (1968) e depois com o
aumento de 6 para 9 dos membros da CEE (1973) - com a entrada da Inglaterra,
Dinamarca e Irlanda. No campo político vale mencionar a primeira eleição do
Parlamento Europeu (1979).

A política de détente ganhou impulso na Europa, com os tratados assinados pelo


governo alemão com a URSS e a Polônia. No início dos anos 70, um conjunto de
acordos regularizou o status de Berlim e formalizou as relações entre as duas
Alemanhas, permitindo que ambas ingressassem na ONU. Os novos entendimentos
culminaram na Conferência de Helsinki, realizada em 1975, para a promoção da
segurança e da cooperação entre os estados europeus, contando com a presença dos
Estados Unidos e Canadá.
Os compromissos com a OTAN não impediram que os países europeus levassem
à frente suas próprias políticas de segurança. Tanto a França como a Inglaterra
desenvolveram forças nucleares de médio alcance com fins dissuasivos. Os alemães,
que tinham proibido este tipo de atividade, foram permissivos com os Estados Unidos
para o estacionamento de seus armamentos nucleares.
Surge nesta época o conceito de Clube Nuclear, do qual são membros fundadores
os EUA, URSS, Inglaterra, França, China e Israel. Em 1968, estes países assinaram o
Tratado de Não-Proliferação (TNP), criando posteriormente o Grupo de Londres (1974)
para reforçar os seus postulados.

5.2.4. Estabilidades e rupturas no campo socialista


A órbita socialista revelava ordem e estabilidade. Mesmo a trepidação produzida
na Tchecoslováquia, durante a “Primavera de Praga” em 1968, foi rapidamente
superada com a presença de tropas do Pacto de Varsóvia. Nestas condições, a URSS
pode consolidar uma situação de status quo perante o sistema internacional, o que
permitiu o início de uma etapa de distensão em sua relações com o mundo ocidental.

111
Não obstante, a crise tcheca gerou novas diferenças entre os partidos comunistas
europeus. As posições mais críticas, que defendiam a compatibilidade entre democracia
e socialismo, surgiram no Partido Comunista Espanhol e no Partido Comunista Italiano.
Esta fórmula, conhecida como o “euro-comunismo”, encontrou fortes resistências de
outros partidos comunistas, como o francês e o português, que mantiveram posições de
apoio irrestrito ao governo soviético..
Sob a liderança de Leonid Brezhnev (1964-82), a URSS alcançou uma paridade
estratégica frente aos Estados Unidos, fosse em poder nuclear e / ou presença militar
(terrestre e marítima). Não obstante, a partir de meados dos anos setenta, o bloco
socialista começou a enfrentar dificuldades econômicas crescentes. Os baixos índices de
crescimento da URSS, somados aos custos do comércio subsidiado com os países de
sua zona de influência, tornavam cada vez mais oneroso manter a mesma política de
defesa. Neste quadro, buscou-se intensificar os laços econômicos e a cooperação
tecnológica com os países do Ocidente.
Esta relativa estabilidade da órbita soviética coincidiu com o período de
crescentes desavenças entre Moscou e Pequim, que se cristalizaram na formação de dois
campos socialistas. Além de contar com seus seguidores imediatos, a maioria dos países
da Europa Oriental e Cuba, a URSS mantinha um círculo ampliado de amigos no
Terceiro Mundo.
A partir da explosão de sua primeira bomba atômica (1964), a China afirmou-se
como potência mundial. Logo, seu envolvimento no sudeste asiático, dissociada da
URSS, ampliou a visibilidade de sua política externa, visibilidade que foi reforçada pela
liderança de Deng Xiaoping, a partir da Revolução Cultural (1966).
Os chineses conquistaram uma liderança crescente na defesa de bandeiras
pacifistas. Esta liderança tornou-se mais enfática a partir de 1972, quando a China foi
admitida nas Nações Unidas, tornando-se automaticamente membro do Conselho de
Segurança - no lugar de Taiwan. Desde então, o governo de Pequim buscou projetar sua
imagem como um país socialista em desenvolvimento, com uma política externa
independente de paz.

5.2.5. Sob os desígnios da Détente


A política da détente permitiu que fossem tomadas iniciativas de desarmamento
de grande relevância pelos governos norte-americano e soviético. A nova fase de
relacionamento entre as superpotências foi inaugurada com a Declaração de Princípios
assinada por seus chefes de Estado. Neste documento, destacam-se os princípios de
soberania, igualdade, não-interferência, vantagens mútuas e negociação por meios
pacíficos.
Em 1969, iniciaram-se os entendimentos EUA-URSS para a limitação de armas
estratégicas ( SALT I ) que tiveram continuidade em 1972. Entre 1972 e 1980
realizaram-se cinco reuniões de cúpula, nas quais foram negociados critérios de controle
de armamentos, cooperação econômica e tecnológica, e a paz no Oriente Médio.
Fatigados pela guerra do Vietnã, os Estados Unidos procuravam dar novo formato
à política contencionista. De acordo com a Doutrina Nixon, o governo norte-americano
desejava substituir a presença militar por uma política de “amigos estratégicos” nas
diferentes partes do mundo, destacando-se o Japão na Ásia, o Irã no Oriente Médio,
Angola e África do Sul na África.

112
Seguindo as orientações do Secretário Executivo do Conselho de Segurança,
Henry Kissinger, o governo norte-americano adotou diferenciações em seu
relacionamento com o mundo comunista. Como conseqüência, foi buscada uma
aproximação comercial e diplomática com o governo da República Popular da China.
A partir de meados dos anos setenta, a détente sofreu seus primeiros abalos,
devido ao envolvimento da URSS em Angola e na Etiópia. A distensão entre as duas
superpotências chegou ao seu fim em 1979, com a invasão soviética do Afeganistão.
Esta agressão levou à rápida reativação do confronto bipolar, para o qual a URSS
já não se encontrava em condições tão favoráveis. Logo foram sentidos os custos de
uma nova escalada militar para uma economia menos vigorosa. No âmbito político, esta
situação foi agravada pela morte de Brezhnev (1982) e a crise sucessória.

5.2.6. Turbulências econômicas mundiais


Em 1971, o sistema financeiro de Bretton Woods entrou em colapso, frente à
perda da paridade do dólar com o ouro, o que levou a desvalorizações sucessivas da
moeda norte-americana. Além de graves turbulências monetárias, o sistema econômico
mundial sofreu o impacto da crise do petróleo, causada pela redução de sua oferta por
parte dos países da OPEP.
Reduzia-se o marco de convergência econômico-comercial entre os Estados
Unidos e os países europeus. Aumentaram os conflitos causados pela aplicação, lado a
lado, de medidas protecionistas, como também as discrepâncias no manejo de situações
de instabilidade econômica, particularmente nas crises do petróleo de 1973 e 1979. Ao
mesmo tempo, o eixo Atlântico perdia primazia frente à expansão da área do Pacífico,
ancorada no desempenho econômico do Japão - que em 1978 já era a segunda economia
mundial.
Iniciou-se no GATT um novo ciclo de negociações para a regulamentação do
comércio internacional, conhecido como a Rodada Tóquio (1973). Visando melhor
coordenação de políticas econômicas, as principais nações industrializadas criaram, dois
anos depois, o Grupo dos 7.

5.2.7. O Terceiro Mundo e o sistema internacional


Para as nações do Terceiro Mundo, a Guerra Fria significou ao mesmo tempo uma
fonte de insegurança e de oportunidades. Estes países serviram como foco de irradiação
ideológica de ambas superpotências. A presença militar, política e – em menor grau –
econômica dos Estados Unidos e / ou da União Soviética, terminou contribuindo para a
instabilidade e vulnerabilidade destes países.
À medida que a descolonização avançou, o Movimento Não-Alinhado incorporou
novos temas à sua agenda. Destacavam-se: o combate ao regime do apartheid na África
do Sul, a crítica ao sionismo e a defesa do desarmamento. A UNCTAD, por sua vez
voltada para questões econômicas, defendia em suas assembléias uma nova ordem
econômica internacional.
Durante os anos setenta, o Terceiro Mundo alcançou sua máxima expressão
política na comunidade internacional. Contribuíram nesta direção: o impacto causado
pelo boicote petrolífero lançado pela OPEP, a derrota dos Estados Unidos no Vietnã, a
representatividade do Movimento Não-Alinhado e o ativismo dos países em
desenvolvimento em todos os espaços do Sistema das Nações Unidas.

113
O reconhecimento da existência de um conflito Norte-Sul se ampliou, surgindo
paralelamente uma percepção de que tornara-se necessário um diálogo entre ambos os
pólos. O tema ganhou visibilidade a partir da Conferência sobre Cooperação Econômica
Internacional, em Paris (1975), quando se instituiu o “diálogo Norte-Sul”. Seu momento
de maior projeção aconteceu na reunião de Cancún (1981). Nesta ocasião, chefes de
estado de todo o mundo debateram a criação de uma nova ordem internacional.
A partir da década de oitenta, este quadro mudou. A principais causas foram: o
recrudescimento da Guerra Fria, a condição recessiva das economias em
desenvolvimento e a proliferação de conflitos e rivalidades entre novas nações asiáticas
e africanas. Destacaram-se a guerra entre o Irã e o Iraque (1980-1988), os conflitos entre
a Índia e o Paquistão (1971) e a guerra entre a Etiópia e a Somália (1977-1978), que
causaram a morte de centenas de milhares de pessoas.

5.2.8. Guerra e Paz no Oriente Médio


Os problemas no Oriente Médio adquiriram especial gravidade a partir da “Guerra
dos 6 Dias” entre Israel e a coalizão Egito, Síria e Jordânia (1967). Novo conflito na
região foi deflagrado em 1973, conhecido como a Guerra do Yom Kippur. Em
represália ao fornecimento de armas a Israel pelos Estados Unidos, a OPEP impôs o
embargo de petróleo. Este afetou gravemente as economias européias e japonesa, cuja
dependência do petróleo do Oriente Médio chegava, em alguns casos, a 80%. Neste
contexto, ganhou espaço a causa palestina na comunidade internacional, o que permitiu
que em 1974 a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) - 10 anos após sua
criação - fosse reconhecida na Assembléia Geral da ONU.
A partir de meados dos anos setenta, o governo norte-americano modificou sua
atuação no Oriente Médio, deixando de ser apenas protetor de Israel e assumindo o
papel de promotor da paz na região. Como conseqüência, foram assinados os Acordos
de Camp David em 1978 entre Israel e o Egito, pelos quais este país teve devolvida a
província do Sinai.

5.2.9. Expansão e retração do multilateralismo


Durante a década de setenta, foi ampliado o espaço do multilateralismo no sistema
internacional. Este processo se deu por motivações diversas: negociações temáticas
coletivas - como o Tratado Antártico e o Tratado de Direito do Mar - ou a formação de
grupos de países que pertenciam a uma mesma estratificação econômica e / ou regional.
A expansão de foros multilaterais coincidiu com uma mudança do perfil do
Sistema das Nações Unidas. O maior número de membros, causado pelo ingresso de
novas nações asiáticas e africanas, trouxe relevância aos temas de preocupação do
Terceiro Mundo. Ao mesmo tempo, as Nações Unidas promoveram grandes reuniões
temáticas, mencionando-se as conferências de Estocolmo sobre meio ambiente (1972), a
de Roma sobre alimentos (1974) e a de Bucareste sobre população (1974).
Apesar da diversificação de sua agenda, a ONU sofreu um contínuo desgaste nos
últimos 15 anos da Guerra Fria. Este desgaste esteve relacionado com a política das
superpotências perante o Organismo. Os Estados Unidos revelavam um desinteresse
crescente pela diplomacia multilateral. Já a URSS, cuja atuação sempre privilegiara a
Assembléia Geral, passou a valorizar o papel do Conselho de Segurança. Neste quadro,
foi marginal a atuação da ONU em situações de crise como a guerra Irã-Iraque, a
invasão do Afeganistão e a escalada militar na América Central.

114
5.2.10. A contenção revista e revigorada
A administração Carter, iniciada em 1976, procurou recuperar, mas também
reavaliar a liderança norte-americana. Para tanto, deveria ser buscada uma aliança
trilateral com a Europa Ocidental e o Japão, com o objetivo de lidar com problemas
mundiais. Desarmamento, não-proliferação e direitos humanos tornaram-se as
prioridades da política internacional do Estados Unidos. No plano da contenção, este
governo valorizou suas premissas morais, denunciando os abusos do autoritarismo no
mundo, e particularmente do regime soviético.
A política de não-proliferação nuclear ganhou impulso a partir das primeiras
provas atômicas na Índia, as negociações nucleares da França com a Coréia do Sul e o
Paquistão, e da Alemanha com o Brasil. Os Estados Unidos já não controlavam a
provisão de materiais e de tecnologia nuclear em sua própria área de influência. Nos
anos 1974-76, seu controle sobre a construção de reatores em todo mundo havia
declinado de 70 % para 50%.
A limitada resposta das políticas do governo Carter, somada às novas crises
internacionais de 1979 – as revoluções no Irã e na Nicarágua e a invasão do Afeganistão
– o levou a optar pela escalada militar. Além de novos programas de defesa, foram
desativadas as políticas de distensão com a URSS. Destaca-se a retirada do SALT II do
Senado, o embargo ao trigo e a interrupção da assistência tecnológica à URSS.
Este endurecimento foi aprofundado em 1981, com o início do governo Reagan.
Com um veloz e significativo incremento do orçamento militar, procurou-se a primazia
estratégica mundial dos Estados Unidos. A expansão do arsenal nuclear foi
acompanhada de novos projetos, acentuando-se o desenvolvimento de armas anti-
satélite (ASAT) e a Iniciativa de Defesa Estratégica.
A Doutrina Reagan defendeu a implosão da área de influência soviética no
Terceiro Mundo, especialmente na África e na América Central. Ao fim de seu primeiro
mandato, o governo republicano havia alcançado seus objetivos. Apenas nos três
primeiros anos de governo, o gasto militar havia aumentado 40% e, entre 1980 e 1988, a
porcentagem do gasto federal norte-americano com pesquisa e desenvolvimento militar
aumentou de 46% para 67%.
Apesar de revigoradas, as bases ideológicas da Guerra Fria já não contavam com
o mesmo nível de aceitação internacional das décadas passadas. Havia menos espaço
para a rigidez bipolar, fosse pela herança dos questionamentos lançados pela sociedade
norte-americana na época da Guerra do Vietnã, pela autonomia crescente do mundo
europeu e / ou a menor subordinação política revelada na área de influência norte-
americana.

5.3. Novos cenários políticos e econômicos na América Latina


A sucessão de rupturas institucionais, a partir de meados dos anos sessenta,
montou um novo cenário na América Latina. Nos anos 1964-66 houve três golpes
militares na região, a maioria comprometida com as idéias contencionistas professadas
pelo governo norte-americano. A aplicação de técnicas contra-insurreição,
supervisionadas por autoridades norte-americanas, perduraram na América do Sul até à
derrubada do governo civil chileno, em 1973; e na América Central, até o processo de
paz concluído em 1985.
A partir dos anos setenta, apesar de fortemente condicionados pelas relações com
os Estados Unidos, a América Latina ampliou o espectro de seus vínculos externos. Os

115
limitados resultados das iniciativas de aproximação na década anterior, fosse por meio
da Aliança para o Progresso ou da cooperação militar, provocaram distanciamento entre
ambas as partes.
Mesmo no âmbito militar, onde as relações com o governo norte-americano
haviam sido mais intensas, surgiram sinais de desentendimentos. As oportunidades
geradas pela ampliação do mercado mundial de armamentos e a rejeição à política de
defesa dos direitos humanos, lançada pelo governo Carter, ativaram esses
desentendimentos.
Como evidência de crise no relacionamento Estados Unidos – América Latina,
observou-se o esvaziamento do sistema interamericano. Em 1969, os governos latino-
americanos assinaram o Consenso de Viña del Mar, que pedia a revisão da política
norte-americana para a região.
Entretanto, foram inócuos os resultados das iniciativas de reforma da OEA, em
1967 e 1973, e do TIAR em 1975. O maior desgaste verificou-se em 1982, por ocasião
da Guerra das Malvinas, quando as instituições interamericanas foram colocadas à
margem do conflito.
Em 1979 a revolução sandinista na Nicarágua começou uma nova fase na política
latino-americana dos Estados Unidos. A interpretação do processo centro-americano
como uma manifestação do confronto Leste-Oeste, levou à sua rápida militarização.
Durante seis anos alastrou-se, primeiro na Nicarágua e logo em El Salvador, um cenário
de violência e conflito, que desestabilizou toda a sub-região. O embate entre grupos
revolucionários e forças de direita foi fomentado pelo envolvimento norte-americano,
soviético e cubano.
De fato, esta foi a última crise da Guerra Fria. A partir de sua deflagração, o
governo norte-americano passou a considerar a América Central o tema principal de sua
política latino-americana. Com o início do governo Reagan, esta tendência foi
acelerada, com o apoio concedido às forças contra-revolucionárias locais. Esta política
aumentou o distanciamento entre a maioria dos países latino-americanos e os Estados
Unidos.
Em contrapartida, diversificaram-se os vínculos externos latino-americanos. Entre
1960 e 1980, o volume de comércio entre a URSS e a América Latina cresceu de 60
milhões para 1,6 bilhão de dólares. Cuba deixava de ser o único ponto de interesse na
região para a URSS. Com o estabelecimento de relações diplomáticas com a maioria
dos países latino-americanos, Moscou substituiu os laços interpartidários por
negociações com governos.
Também ampliou-se o relacionamento da América Latina com as nações
européias. A diversificação de interesses externos estava relacionada com o
desempenho de algumas economias na região. Certos países - como o México e o Brasil
- rotulados como “potências médias”, se destacavam por seus índices de crescimento.
Estes desempenhos estimularam a presença de investimentos europeus e japoneses nos
setores industriais e de infra-estrutura mais dinâmicos.
A partir de fins dos anos sessenta, expandiram-se também as relações econômicas
intra-regionais. Diversas iniciativas de integração e cooperação revelaram um novo
interesse de aproximação. Podem ser mencionados: o Mercado Comum Centro-
Americano (1960), o Mercado Comum Caribenho (CARICOM, 1972), o Grupo Andino
(1976), o Tratado da Bacia do Prata (1969), o Sistema Econômico Latino-Americano
(SELA / 1975), o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA / 1978) e a substituição da

116
Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) pela Associação Latino-
Americana de Integração (ALADI / 1980). No campo de segurança destaca-se o Tratado
de Proscrição de Armas Nucleares na América Latina (Tratado de Tlatelolco). Apesar
de assinado em 1967, sua vigência completa só aconteceu após a criação da
Organização para a Proibição de Armas Nucleares na América Latina (OPANAL) em
1969.
Em princípios de 1983, os governos da Venezuela, México, Colômbia e Panamá
criaram o Grupo de Contadora, com o objetivo de encontrar uma solução negociada e
latino-americana para a crise centro-americana.
No âmbito econômico, as relações entre os Estados Unidos e os países latino-
americanos sofreram uma notável deterioração. O impacto da segunda crise petrolífera,
somada às medidas monetárias norte-americanas, gerou uma crise financeira
generalizada na região. Com o propósito de criar uma estratégia de negociação conjunta,
em 1984, um grupo de países latino-americanos criou um foro de coordenação de
posições comuns, rotulado como o Consenso de Cartagena, para tratar das dívidas
externas.
Não obstante, o impacto inicial desta iniciativa foi neutralizado pelas negociações
diretas, estabelecidas entre alguns governos latino-americanos e os países credores.
Neste contexto, iniciou-se um processo de estancamento generalizado na região. Sua
continuidade levou os anos oitenta a serem considerados uma “década perdida” para as
economias latino-americanas.

5.4. Evolução da política externa brasileira


5.4.1. Sob o impacto dos novos condicionamentos internos
A mudança de regime no Brasil, a partir de março de 1964, foi motivada por
fatores internos e externos. A situação de reiterada crise política dificultou a
continuidade do governo João Goulart. Ao mesmo tempo, o apoio dos Estados Unidos
às lideranças militares e civis que promoveram esta mudança, levou a um explícito
compromisso entre ambas partes. No plano doméstico, foram aplicadas medidas de
exceção, como os Atos Institucionais (n. 1 e 2) e a censura à imprensa. Criou-se o
Conselho de Segurança Nacional e foram extintos os partidos políticos previamente
existentes. Em 1967, o caráter autoritário do novo regime foi reforçado com a reforma
da Constituição Nacional.
Durante os primeiros anos de governo militar, a política externa brasileira perdeu
o dinamismo do período anterior. Ao longo do decênio 1964-74, suas premissas foram
profundamente marcadas pelos condicionamentos da Guerra Fria. O governo Castelo
Branco (1964-67) significou uma etapa de compromissos mais estreitos com os Estados
Unidos, nos campos militar e econômico. Do lado norte-americano, foram diversas as
manifestações de apoio ao novo governo brasileiro.
As doutrinas de segurança criaram uma ponte entre ameaças externas e internas,
justificando políticas de defesa coletiva. Seguindo as formulações da Escola Superior de
Guerra, foram incorporados à política externa os conceitos de fronteiras ideológicas,
soberania limitada e de círculos concêntricos. A percepção da nação norte-americana
como grande líder do “mundo livre” justificou uma aliança que pretendia fortalecer a
coalizão ocidental.

117
Neste quadro, foi reforçado o apoio brasileiro às instituições do Sistema
Interamericano, em especial a constituição de uma Força Interamericana de Paz. Vasco
Leitão da Cunha e Juracy Magalhães como chanceleres (1964-66 e 1966-67)
defenderam a unidade e solidariedade continental e a segurança coletiva hemisférica. A
formulação do ministro Juracy Magalhães de que “o que era bom para o Estados Unidos
também o seria para o Brasil” tornou-se emblemática das novas orientações da política
externa. Esta política levou a decisões como o rompimento de relações com Cuba e a
participação na operação militar da invasão da República Dominicana. Também foi
encarada a possibilidade de serem enviados contingentes brasileiros à Guerra do Vietnã.
A importância atribuída ao relacionamento com os Estados Unidos foi
acompanhada de um conjunto de ajustes na política internacional do Brasil. Deixou-se
de lado a aproximação com os países africanos, restabeleceu-se a histórica amizade com
Portugal e tomou-se distância dos países do bloco socialista. Estes posicionamentos
contaram com o apoio dos setores mais tradicionais do Itamaraty.
As demonstrações de afinidade com os Estados Unidos foram complementadas
com medidas que eliminavam as restrições anteriores ao movimento de capital
estrangeiro e à presença de empresas estrangeiras no Brasil. Tanto Roberto Campos
como Octavio Gouvêa de Bulhões, ministros do Planejamento e da Fazenda, eliminaram
rapidamente as políticas que haviam prejudicado os interesses econômicos norte-
americanos no Brasil.

5.4.2. Endurecimento político e auge econômico


O regime militar introduziu novas restrições políticas internas, a partir de seu
segundo governo, que começou em 1967, sob o comando do Marechal Costa e Silva.
Ao mesmo tempo, a agenda internacional do Brasil incorporou novas percepções. A
presença de segmentos militares nacionalistas e estatizantes no poder abriu espaço para
o retorno de preocupações que questionavam as desigualdades do sistema internacional.
O interesse em aumentar a presença do estado na economia foi acompanhado de
políticas que visavam transformar o perfil externo do país. A importância do
relacionamento com os Estados Unidos foi mantida, mas já não se traduzia num
alinhamento irrestrito. Os vínculos da ação internacional brasileira aos interesses
econômicos levaram a política externa, conduzida pelo Chanceler Magalhães Pinto
(1966-67), a ser rotulada como “Diplomacia da Prosperidade”.
A nova ênfase da política internacional do Brasil foi acompanhada por uma
avaliação crítica das relações mantidas com os Estados Unidos no período anterior.
Verificou-se que a aproximação ensaiada havia proporcionado benefícios limitados. A
esta percepção somava-se uma revisão da postura ideológica brasileira no sistema
mundial. Esta situação foi favorecida também pelo momentâneo esvaziamento do
confronto bipolar proporcionado pela détente.
Neste contexto, abriu-se caminho para substituir o conceito de soberania limitada
pelo de soberania plena. O desenvolvimento despontava como a meta primordial da
diplomacia brasileira. Estas transformações conceituais contaram com o apoio dos
segmentos mais jovens do Itamaraty, identificados com as premissas da política externa
independente, que haviam marcado o início da década de sessenta.
A partir das prioridades de sua política externa, o Brasil assumiu novas posições
em diversos organismos internacionais. Destacou-se sua atuação na II Conferência da
UNCTAD (1968) em defesa de tratamentos não-discriminatórios e preferenciais aos

118
produtos manufaturados dos países subdesenvolvidos. O mesmo tipo de preocupação
marcou a presença brasileira na reunião da CECLA em Viña del Mar (1969). Nesta
ocasião, o Brasil manifestou sua adesão a um projeto de união latino-americana.
No âmbito da segurança, defendeu-se o desarmamento e condenou-se o sistema de
condomínios mantido pelas duas superpotências. O Brasil foi particularmente crítico ao
Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), visando resguardar o direito de
desenvolver sua própria tecnologia nuclear. Esta prerrogativa já havia sido defendida
anteriormente, quando o governo brasileiro decidiu não aceitar a vigência do Tratado de
Proscrição das Armas Nucleares na América Latina. A posição do Brasil em relação ao
TNP tornou-se emblemática da visão negativa que, a partir de então, sustentou frente às
políticas de poder dos EUA e da URSS. Sua explicitação inicial foi influenciada pela
presença de Araújo Castro como embaixador na ONU e presidente do Conselho de
Segurança nos anos 1968-69.
Paralelamente, o Brasil procurou fortalecer suas posições através da negociação
de acordos de cooperação nuclear com diferentes países, entre os quais: Israel (1966),
França (1967), Índia (1968) e Estados Unidos (1972).
As mudanças na diplomacia brasileira também se refletiram em outros temas da
agenda internacional. Mencione-se a postura eqüidistante assumida perante a “Guerra
dos 6 dias” entre árabes e israelenses e a condenação dos governos racistas da África do
Sul e da Rodésia. No âmbito multilateral, o país lançou-se na campanha pela reforma da
Carta da Organização das Nações Unidas.
Com o terceiro governo militar (1969-74), liderado pelo General Garrastazu
Médici, a política internacional do Brasil aprofundou as mudanças de rumo iniciadas no
período anterior. Não obstante, o contexto político interno, de crescente endurecimento
político, restringiu o espaço de atuação externa do país.
A decretação do Ato Institucional nº 5 (1968) marcou uma nova etapa de
restrições das liberdades políticas no país. A sucessão de seqüestros de embaixadores
estrangeiros no Brasil criou constrangimentos para o governo militar. As manifestações
contestatárias e a ação de movimentos de guerrilha foram respondidas com o aumento
de medidas repressivas. Neste cenário, foram reforçadas “as fronteiras ideológicas” da
política externa brasileira.
Ao mesmo tempo, os resultados da política econômica consolidavam a opção pelo
modelo nacional-desenvolvimentista. Graças a estes resultados, foram transformados os
vínculos econômicos externos do país, permitindo a expansão de sua presença
internacional.
No meio militar surgiu um conjunto de formulações geopolíticas, que tiveram nas
idéias do general Golbery do Couto e Silva sua principal fonte de inspiração. A
valorização dos atributos territoriais do país foi acompanhada pela ampliação da sua
capacidade de defesa. Foi priorizada a necessidade de uma ocupação mais efetiva da
Amazônia. Iniciou-se a construção da Rodovia Transamazônica (1970), como parte do
Plano de Integração Nacional (PIN). Com o mesmo sentido, foi estendido o mar
territorial brasileiro até 200 milhas da costa.
Incluído no grupo de “potências emergentes”, junto com outros - como o México,
Nigéria e Índia - o governo brasileiro procurou diluir sua identificação como parte do
Terceiro Mundo. Sua política externa passou a ser rotulada de “diplomacia do interesse
nacional”, baseada na expectativa de que o Brasil estava se transformando numa
potência.

119
A ampliação da agenda internacional do Brasil coincidiu com alterações
administrativas do Ministério das Relações Exteriores. Sua mudança para Brasília, em
1971, foi acompanhada de medidas que visavam a modernização da estrutura interna.
Novas seções foram criadas, atendendo à diversificação da agenda internacional e à
crescente importância da diplomacia econômica. Destaca-se a criação de um sistema de
promoção comercial (1973) e da Fundação Alexandre de Gusmão (1971) para o
desenvolvimento de estudos e pesquisas sobre temas de política externa.
A política externa, durante a gestão de Gibson Barboza (1969-74) reuniu três
posições básicas. A primeira, de cunho ideológico, defendia a presença de governos
militares na América Latina. Para tanto, a OEA deveria prestar-se ao combate do
terrorismo na região. A segunda criticava o processo de distensão entre as duas
superpotências, condenando-se os efeitos da política de poder norte-americana e
soviética. A terceira reivindicava o apoio ao desenvolvimento, considerando que o
Brasil, graças às suas potencialidades econômicas, era merecedor de maiores
responsabilidades no sistema internacional.
Surgiam assim novas demandas e pretensões, relacionadas com a idéia de que o
país estava fortalecendo seu poder de barganha no sistema mundial. Nos foros
internacionais sua principal reivindicação passou a ser uma “segurança econômica
coletiva”. O empenho em assumir uma liderança junto aos países do Terceiro Mundo,
levou o Brasil a valorizar a diplomacia multilateral. Este tipo de atuação pode ser
observado na Conferência da ONU sobre Meio Ambiente (1972), na reunião do GATT
em Tóquio (1973) e na Conferência para o Direito do Mar (1974).
A nova postura brasileira serviu de base para uma revisão do relacionamento com
os Estados Unidos. Buscava-se uma diferenciação dos demais países latino-americanos,
que implicaria num tratamento especial por parte dos Estados Unidos. Não obstante,
esta expectativa não foi atendida e ainda se interromperam a assistência militar e o
acordo de cooperação educacional MEC-USAID.
Washington mostrou-se distante na ocasião da visita do presidente Médici aos
Estados Unidos, em 1971. Como contrapartida, especialmente nos meios militar e
diplomático, fomentaram-se sentimentos nacionalistas, que questionavam a política de
alinhamento com aquele país.
A presença de Araújo Castro como embaixador em Washington nesta época,
contribuiu para a redefinição das relações com o governo norte-americano. Como
estratégia, buscou-se ampliar a agenda de negociações, destacando-se a diversificação
das relações comerciais, o início da cooperação nuclear e a inclusão de novos temas de
política internacional.
Neste período, o Brasil passou a dedicar mais atenção aos países de menor
desenvolvimento. Programas de cooperação técnica foram iniciados na América Latina
e na África, acompanhados em alguns casos por projetos de investimento de empresas
estatais - especialmente no campo energético e de comunicações. Com este propósito,
foi criado em 1969 um sistema interministerial entre o Itamaraty e o Ministério do
Planejamento, cuja função era selecionar e coordenar projetos de cooperação
internacional. Para dar impulso a estas inovações, o chanceler Gibson Barboza visitou
em 1972 um conjunto de nações africanas (Senegal, Togo, Gana, Daomé, Gabão, Zaire,
Nigéria, Camarões e Costa do Marfim).
Entretanto, a projeção de interesses econômicos e a montagem de programas de
cooperação com estes países não foram acompanhadas por uma revisão da posição

120
brasileira na questão colonial. Mantiveram-se as tradicionais lealdades com Portugal,
com o qual buscou-se consolidar a criação de uma comunidade luso-brasileira.
Já no Oriente Médio, observou-se maior sintonia do Brasil com as nações árabes.
Nesta época, a diplomacia brasileira passou a apoiar as demandas da Liga Árabe no
conflito árabe-israelense.

5.4.3. A política externa modifica suas premissas


O governo do general Ernesto Geisel iniciou uma nova etapa na política interna e
externa do Brasil. Enquanto o regime militar dava seus primeiros passos de distensão,
procurou-se introduzir novos conteúdos na política internacional do país. As mudanças
de política interna sofreram um processo de avanços e retrocessos, mas as inovações da
política externa mantiveram um ritmo contínuo e unidirecional.

5.4.4. A Base Conceitual


Sob a gestão de Antônio Francisco Azeredo da Silveira (1974-79), redefiniram-se
as premissas da inserção do país no sistema mundial. Foram identificados como
postulados essenciais da ação internacional brasileira: o compromisso com os princípios
da independência, a igualdade soberana dos Estados, a defesa da autodeterminação e
não interferência nos assuntos internos e externos dos Estados e o apoio à solução
pacífica de controvérsias. Na busca de autonomia e universalismo, o novo projeto de
política internacional do Brasil pressupunha: o fim do alinhamento automático com os
Estados Unidos, o abandono dos condicionamentos ideológicos impostos pela Guerra
Fria e a identificação com o Terceiro Mundo.
Em determinados momentos, os novos rumos da ação diplomática tornaram-se
objeto de controvérsia no seio das Forças Armadas. Pode destacar-se o episódio da
exoneração do Ministro da Guerra, Silvio Frota, em 1977. Entre suas discordâncias com
o governo Geisel, incluíam-se decisões de política externa, particularmente o
estabelecimento de relações com a China Popular e a nova política africana.
Paralelamente, surgiram novos campos de coincidência entre o MRE e os
militares, que levaram à ampliação da autonomia do Brasil na definição de sua política
de defesa. Podem recordar-se: a redefinição das relações militares com os Estados
Unidos, a negociação do acordo nuclear com a Alemanha e a expansão das exportações
de equipamento bélico de fabricação nacional. Estimulada pela demanda externa, a
indústria de armamentos brasileira expandiu sua produção de armamento convencional,
aeronaves e blindados.
Graças à sintonia existente entre o chefe de governo e seu chanceler, ampliou-se o
espaço de atuação do Itamaraty no interior do Estado brasileiro. Ao mesmo tempo, os
novos conteúdos políticos da ação internacional do Brasil levaram a política externa, em
muitas ocasiões, a situar-se na dianteira do processo de abertura do regime militar.
O fato de a formulação desta política acontecer num contexto autoritário, impediu
a articulação entre o círculo diplomático e os setores oposicionistas. Não obstante, a
política externa tornou-se uma área de crescente consenso entre governo e oposição.
Este tipo de convergência contribuiu para que estas novas postulações da diplomacia
brasileira adquirissem no Brasil um sentido de continuidade. Independentemente do tipo
de regime político no país, mantiveram-se vigentes por muitos anos as posições
internacionais que o país assumiu nesta época. No Itamaraty, estas posições
encontraram especial apoio dos segmentos mais jovens da classe.

121
5.4.5. A Diversificação da Agenda
Durante o governo Geisel, a ação do país no sistema internacional foi orientada
pelo “pragmatismo responsável”, definição cunhada pelo próprio Chanceler Azeredo da
Silveira. Baseada em premissas éticas e responsáveis, esta política externa redefiniu a
inserção do Brasil no mundo.
Foram privilegiados os interesses econômicos e políticos e desativados os
condicionamentos ideológicos prévios. Buscou-se fomentar alianças e vínculos que
atendessem a estes interesses, verificando-se a necessidade de diversificar mercados na
Europa – Ocidental e Oriental - e no Terceiro Mundo. Estes objetivos assegurariam o
apoio da classe empresarial brasileira e transnacional.
A percepção de que o Brasil não deveria isolar-se do Terceiro Mundo, foi
acompanhada pela mudança de posição em relação à descolonização e ao regime do
apartheid. O abandono de preceitos ideológicos anteriores, abriu caminho para se
estabelecerem relações com a República Popular da China, se elevarem as
representações diplomáticas na Europa Oriental e se aprofundarem as relações
comerciais com a URSS.
Também foi alterada a postura da diplomacia brasileira com respeito ao Oriente
Médio. Enquanto o impacto da crise de petróleo de 1973 tornou imperiosa uma
aproximação ao mundo árabe, o Brasil passou a expressar uma visão crítica em relação
a Israel, quanto à manutenção de territórios ocupados. A simpatia pela causa árabe
levou o governo brasileiro a apoiar a resolução da ONU, que reconheceu a OLP como
representante do povo palestino. No ano seguinte, votou-se a favor do projeto de
resolução da ONU, que qualificava o sionismo como forma de racismo e discriminação
racial.
O incremento das relações com os países árabes foi conduzido pelo Itamaraty com
a presença de outros segmentos do Estado, particularmente aqueles vinculados às
políticas energética, comercial e de fabricação bélica. Enquanto a atuação da Petrobrás
nas negociações petrolíferas ampliou os investimentos da empresa no Oriente Médio,
estimulou-se a exportações de bens, armamentos e serviços para região.
A nova política frente ao tema colonial ganhou especial ressonância em 1975,
quando o Brasil foi o primeiro país a reconhecer oficialmente a independência de
Angola - sob o governo socialista do Movimento Popular de Libertação de Angola
(MPLA). No mesmo ano, o governo brasileiro reconheceu a independência de
Moçambique, liderado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), de Samora
Machel. A aproximação da África foi reforçada no ano seguinte, com a abertura de seis
novas embaixadas no Continente; em Alto Volta, Angola, Guiné Equatorial, Lesoto,
Moçambique e São Tomé e Príncipe.
Vale mencionar que a nova postura brasileira frente aos países africanos de língua
portuguesa foi favorecida pelas mudanças políticas em Portugal, que conduziram ao fim
do regime salazarista em 25 de abril de 1974.
Maior importância foi outorgada à diplomacia multilateral para temas políticos e
econômicos. No primeiro caso, criticava-se a utilização de espaços coletivos para a
promoção de interesses estratégicos das superpotências. No segundo, endossava-se a
campanha iniciada pela ONU por uma Nova Ordem Econômica Internacional e pedia-se
a modificação das regras do sistema de comércio internacional, reguladas pelo GATT.

122
5.4.6. As Relações com os Estados Unidos
Foram realizadas mudanças decisivas nas relações com os Estados Unidos. Desde
o início de sua gestão, Azeredo da Silveira procurou alcançar um novo nível de
entendimento com Washington, que implicava a substituição do alinhamento por uma
“relação especial.” Como este objetivo foi assinado um “memorando de entendimento”
(1976) com o secretário de Estado Henry Kissinger. Tratava-se de um mecanismo de
consultas recíprocas sobre temas de interesse comum, prevendo-se a realização de
reuniões semestrais. Este instrumento diplomático visava outorgar um novo status ao
diálogo bilateral, que permitiria um tratamento mais igualitário entre o Brasil e os
Estados Unidos.
Esta iniciativa foi esvaziada no ano seguinte, com a mudança de governo nos
Estados Unidos. A eleição de Jimmy Carter deu novos rumos à política internacional
norte-americana, que afetaram as relações com o Brasil. Sua campanha pela defesa dos
direitos humanos e pela não-proliferação nuclear, gerou fortes desavenças com o
governo Geisel. Em resposta às pressões norte-americanas, o Brasil denunciou o acordo
militar de 1952 e manteve o andamento dos seus entendimentos nucleares com a
Alemanha.
A princípio, estes entendimentos colidiam com o acordo nuclear Brasil-Estados
Unidos de 1972 para a construção da Usina Angra I. Este, não obstante, foi denunciado
pelo governo norte-americano em 1978, quando ratificou o TNP. Vale salientar que este
acordo, diferentemente daquele negociado com a Alemanha, não previa transferência de
tecnologia, mas apenas de equipamento.
Foi intenso o empenho do governo Carter para obstruir as negociações teuto-
brasileiras. As pressões exercidas produziram uma reação anti-norte-americana
compartilhada por segmentos militares, diplomáticos, políticos e científicos. Para o
Governo Geisel, o projeto nuclear tornara-se uma alta prioridade para viabilizar uma
estratégia que vinculava desenvolvimento, segurança e pragmatismo.
Após um período de alta tensão, as relações entre ambos países adquiriram um
baixo perfil político que se manteve até o final do governo Geisel. Em 1978, a visita do
presidente Carter ao Brasil contribuiu para dissipar o clima de divergências. Não
obstante, a ausência de convergências em temas políticos e econômicos levou Brasília a
manter uma prudente distância de Washington.
Este distanciamento político foi acompanhado por uma agenda cada vez mais
complexa no campo econômico-comercial. Destacava-se a participação de entidades
financeiras norte-americanas no crescente endividamento externo do Brasil; o
incremento de exportações de produtos manufaturados e semimanufaturados para o
mercado dos Estados Unidos; e a competição entre empresas norte-americanas e de
outros países industrializados.

5.4.7. Novos Vínculos com o Mundo Industrializado


Modificou-se substancialmente o relacionamento econômico e político do Brasil
com os países industrializados. O interesse do Brasil por ampliar seu acesso a créditos,
investimentos e tecnologia gerou novas possibilidades de vínculos externos. Foram
realizadas visitas presidenciais à França, Inglaterra, Alemanha e Japão, todas
acompanhadas por importantes negociações econômicas e acordos de cooperação
tecnológica e cultural.

123
A negociação de maior transcendência se deu com a Alemanha, em torno da
cooperação nuclear. Esta cooperação já vinha ocorrendo desde 1969, quando foi
assinado um acordo que compreendia os campos nuclear, aeronáutico e oceanográfico.
Em 1975, subscreveu-se um Acordo Nuclear prevendo a instalação de oito usinas,
a execução de um programa para o enriquecimento de urânio e de reprocessamento de
combustível. O acordo representava uma transação aproximada de 4 bilhões de dólares,
criando na ocasião enormes expectativas para o desenvolvimento da política nuclear
brasileira.
A possibilidade de que esta política pudesse conduzir a um programa com fins
bélicos tornou-se uma fonte de apreensão para os setores oposicionistas brasileiros, que
logo passaram a questionar o volume de recursos absorvidos pelo programa nuclear.
Este tipo de questionamento ganhou maior ressonância a partir de 1979, quando as
Forças Armadas deram início ao desenvolvimento de um programa nuclear “paralelo”.

5.4.8. A continuidade da política externa


O conjunto de inovações lançado pela política externa do pragmatismo
responsável, teve pleno seguimento durante o mandato do general João Figueiredo.
Rotulada “universalista”, a política externa do Chanceler Guerreiro (1979-85) coincidiu
com o final do regime militar no Brasil. Durante o governo Figueiredo, observou-se a
progressiva normalização política e institucional do país, a partir da Lei da Anistia,
promulgada no primeiro ano de governo. Este direcionamento, entretanto, não se deu de
forma linear, observando-se avanços e retrocessos na liberalização da vida política
brasileira.
A continuidade da política internacional foi favorecida por seu amplo consenso
interno, nos âmbitos civil e militar. Não obstante, um conjunto de adversidades externas
impediu que a ação diplomática brasileira mantivesse o dinamismo do período anterior.
Mencionem-se : a crise do petróleo de 1979 e a nova escalada do conflito Leste-Oeste.
A nomeação de Ramiro Saraiva Guerreiro como Chanceler, após sua função como
Secretário-Geral durante a gestão de Azeredo da Silveira, favoreceu a continuidade de
um mesmo corpo de idéias. Colocadas em prática por uma mesma geração de
diplomatas, estas sofreram pequenos ajustes, mais de ênfase que de conteúdo.

5.4.9. Novas Diferenças com os Estados Unidos


Durante o governo Figueiredo as relações com os Estados Unidos foram marcadas
pela distância e o desencontro. Desencadeada a escalada contencionista, surgiram novas
diferenças com o Brasil. E, se bem que o Brasil condenou a invasão soviética do
Afeganistão (1979), também negou a adesão às sanções contra a URSS, propostas na
ONU pelos EUA.
Após as expectativas iniciais de entendimento, estimuladas pela visita do
presidente Reagan ao Brasil em 1982, prevaleceu uma falta de sintonia de parte a parte.
Este desencontro manifestava-se em três tipos de questões: a política latino-americana
adotada pela administração republicana, as controvérsias bilaterais em torno da
cooperação militar - e os contenciosos comerciais.
As autoridades diplomáticas brasileiras observaram criticamente a atuação dos
Estados Unidos na América Central, deploraram publicamente a intervenção promovida
em Granada (1983) e se opuseram à proposta da criação de uma “Organização do
Tratado do Atlântico Sul”- com a participação da Argentina e da África do Sul.

124
O tema da cooperação militar envolvia o aspecto sensível da transferência de
tecnologia - militar e científica. O Brasil buscou acesso à tecnologia no campo da
micro-eletrônica, de materiais aeroespaciais e balística de longo alcance. Também
almejou a venda de blindados e aeronaves no mercado norte-americano. Do outro lado,
os Estados Unidos interessavam-se em vincular-se à produção bélica emergente no
Brasil. Mas as autoridades brasileiras desejavam evitar que os Estados Unidos tivessem
poder de veto sobre a venda ou transferência de produtos bélicos a terceiros países. Em
princípios de 1984, negociações bilaterais conduziram à assinatura de um Memorando
de Entendimento sobre Cooperação Industrial-Militar.
O tema comercial ganhou novas complexidades. Além dos problemas gerados
pela aplicação de medidas protecionistas às exportações brasileiras, o país tornou-se
alvo de pressões das autoridades comerciais norte-americanas. Primeiramente, devido a
seus programas de incentivos às exportações e depois por sua política de reserva de
mercado - especialmente na área de informática. A Lei de Informática brasileira,
aprovada em fins de 1984, foi matéria de um longo contencioso com os Estados Unidos.
Somaram-se, ainda, as divergências entre os dois países em torno da nova agenda do
GATT.

5.4.10. Uma Agenda Diplomática Ampliada


Entre suas principais marcas destaca-se a ampliação dos laços com os países do
Terceiro Mundo. No Oriente Médio, reforçaram-se as relações com as nações árabes;
aprofundou-se o apoio à causa palestina e manteve-se uma posição de neutralidade na
guerra Irã-Iraque (1982). Na África, foi imediato o apoio à independência do Zimbábue
(1980), tornou-se mais veemente a crítica ao regime do apartheid da África do Sul e
contundente a defesa da independência da Namíbia. Foram intensificadas as relações
com os países latino-americanos, com especial atenção para a Argentina.
Passos relevantes de aproximação foram dados com a China nos campos
comercial e da cooperação tecnológica. Com o Japão, tiveram continuidade os
entendimentos para investimentos e projetos conjuntos nas áreas de mineração, com
prioridade da USIMINAS, ALBRÁS / ALUNORTE, a Companhia Siderúrgica de
Tubarão e de Minério de Ferro Carajás. Em fins dos anos setenta, o intercâmbio Brasil-
Japão alcançava 2 bilhões de dólares.
Enquanto o Brasil ampliava sua capacidade receptora de investimento e de
cooperação tecnológica, procurou-se estimular a prática de assistência científica e
tecnológica junto a outros países em desenvolvimento, especialmente na África, Oriente
Médio e América Latina. Foram assinados inúmeros acordos de cooperação econômica,
científica e técnica. Entre tantos, vale menção a assinatura de um acordo de cooperação
nuclear para fins pacíficos com o Iraque.
Valorizava-se, neste contexto, a opção da cooperação Sul-Sul, o que reforçava o
enfoque “terceiro-mundista” da política externa brasileira. Ao mesmo tempo procurava-
se impulsionar o diálogo Norte-Sul com uma atuação destacada na reunião de Cúpula de
Cancún (1981). Os resultados limitados deste tipo de iniciativa e a nova escalada do
confronto Leste-Oeste levaram os segmentos mais ativos do Itamaraty a compartilhar
uma visão pessimista sobre a evolução do cenário mundial. No ano seguinte, na ocasião
da reunião da UNCTAD em Belgrado, o chanceler Guerreiro reforçou ainda mais o
ceticismo da diplomacia brasileira.

125
A importância atribuída à diplomacia multilateral foi salientada em 1982, quando,
pela primeira vez, um mandatário brasileiro discursou na abertura da Assembléia Geral
da ONU.
Também foi valorizado o espaço da diplomacia presidencial. O presidente
Figueiredo realizou visitas à França, Japão, China, Portugal, Colômbia, Alemanha,
Venezuela, Paraguai, Argentina, Chile, Canadá, Nigéria, Guiné Bissau, Senegal,
Argélia, Cabo Verde, Bolívia. Neste período, foi recebido no Brasil um grupo
representativo de chefes de estado de todas as partes do mundo.

5.5. Os vínculos econômicos externos


Os primeiros anos de governo militar foram acompanhados de uma severa política
de estabilização. Sua implementação nos anos 1964-67 se deu através do Programa de
Ação Econômica (PAEG), comandado pelos ministros do Planejamento e da Fazenda,
Roberto Campos e Octavio Bulhões. Os altos índices de inflação puderam ser
controlados com base em políticas monetárias e creditícias restritivas, que inibiram a
atividade industrial do país. O freio ao crescimento manteve-se até meados de 1967,
quando o Brasil iniciou um novo ciclo econômico.
No campo das relações econômicas externas, procurou-se recuperar credibilidade
junto aos organismos multilaterais de crédito, aos investidores estrangeiros e aos países
industrializados - especialmente os Estados Unidos. Estimulou-se a entrada de capitais,
com expectativas de que a Aliança para o Progresso se tornasse uma fonte de captação
relevante. Ao mesmo tempo que se recuperava o apoio financeiro externo, o
desempenho agrícola contribuiu para reequilibrar a balança comercial.
A partir de 1967, com a mudança de governo, o crescimento tornou-se a meta
econômica primordial. Sob a gestão de Antônio Delfim Netto (1967-74), foram
expandidos os investimentos de infra-estrutura, estendida a presença do Estado na
economia e ampliado o segmento técnico-burocrático alocado em atividades de
planejamento. Em 1972, foi lançado o I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND),
que reuniu um conjunto de metas de crescimento setorizadas, a serem alcançadas até
1974.
Surgia no Brasil uma “tecnocracia” e as empresas estatais dilatavam seu raio de
ação com base na expansão de seu endividamento externo. Para complementar, foi
ativada uma rede de programas de financiamento e investimento, gerenciados por
agências públicas e bancos oficiais.
Entre 1968 e 1973 a taxa média de crescimento do Produto Interno foi de 11,2%.
Neste mesmo período, os índices de expansão da atividade industrial variaram,
conforme o setor, entre 12 e 18 %. Graças a um conjunto de incentivos governamentais,
observou-se um importante crescimento e modernização da agricultura, que logo teve
impacto sobre as exportações. No âmbito privado, beneficiaram-se diversos setores
industriais, destacando-se o de bens de capital. Este desempenho levou o período a ser
conhecido no Brasil como “o milagre econômico”.
O crescimento da atividade industrial foi acompanhado pelo aumento dos
investimentos externos, com a presença de firmas norte-americanas, européias e
japonesas. Estas empresas - incentivadas pela legislação local - contribuíram para a
expansão das exportações de produtos manufaturados e para o avanço da tecnologia
industrial no país. Em 1973, a entrada de capitais passou de 4,3 bilhões de dólares. Isto
significava o dobro do patamar de 1971 e o triplo de 1970.

126
De fato, o novo perfil industrial e agrícola brasileiro logo se refletiu nas relações
econômicas externas do país. O peso do café no comércio exterior brasileiro reduziu-se
sensivelmente, registrando-se entre 1955 e 1975 um declínio de 53% para 10,8%. O
aumento e diversificação das exportações e de seus destinos foram acompanhados pelo
crescimento das importações - especialmente de bens de capital e petróleo. Este
processo foi estimulado pelo Conselho de Comércio Exterior (CONCEX), criado em
1968.
No campo financeiro, o Brasil iniciou um processo de crescente endividamento
externo, no qual a participação de empréstimos privados tornou-se cada vez mais
relevante. Nos anos 1968-73, a dívida externa do país saltou de US$ 3,780 para US$
12,571 bilhões. A gama de operações de crédito contratadas direta ou indiretamente
pelas empresas públicas foi beneficiada pela conjuntura de ampla liquidez do mercado
financeiro internacional. O impacto deste endividamento foi neutralizado por
confortáveis reservas e o positivo desempenho das exportações.
Este equilíbrio começou a romper-se no início dos anos setenta, quando se passou
a sentir o peso do serviço da dívida (juros e amortizações). Novas dificuldades
emergiram com a crise do petróleo de 1973, que provocou a drástica redução das
reservas brasileiras. Nesta época, o petróleo representava aproximadamente 40% do
total da energia básica consumida no Brasil. A estreita dependência brasileira deste
insumo tornou difícil manter o ritmo prévio de crescimento econômico. Nos anos 1973 /
74, o valor das importações brasileiras de combustíveis e lubrificantes saltou de US$
169 para US$ 2.962. Ao mesmo tempo, aumentaram significativamente as compras
externas de insumos e equipamentos.
Foi mantida a política de endividamento até o segundo choque petrolífero, em
1979. No período 1974-79, a dívida externa brasileira aumentou de US$ 17,165 para
US$ 49,904 bilhões de dólares. Iniciava-se o processo conhecido como a crise da dívida
externa, que atingiu o Brasil e a maioria dos países latino-americanos.
O quadro de restrições externas não deteve a política do governo Geisel, de dar
um novo impulso ao processo de substituição de importações. Em 1974 foi lançado o II
Plano Nacional de Desenvolvimento, com o objetivo de o Brasil atingir um novo estágio
de desenvolvimento. No campo produtivo, seria dada prioridade aos setores de insumos
básicos e de bens de capital expandindo-se a exploração de petróleo no país, com a
construção de plataformas marítimas. Os resultados desta política, apesar de mais
oscilantes, permitiram manter taxas de crescimento positivas.
O comércio exterior brasileiro acompanhou o novo ritmo da atividade econômica.
Nos anos 1974-80, as exportações saltaram de US$ 7,951 milhões para US$ 20,132 e as
importações de US$ 12,641 para US$ 22,955 milhões. Manteve-se uma política de
diversificação de parceiros comerciais, ampliando-se notavelmente a presença de
produtos brasileiros nos mercados latino-americanos. Em 1980, o Brasil enviava 27,1%
de suas exportações para a Comunidade Econômica Européia, 18,1% para a América
Latina, 17,4% para os Estados Unidos, 9,8% para a Ásia, 6,5% para a Europa Oriental,
5,7% para a África, e 5,1% para o Oriente Médio.
A partir de 1979, o novo choque do petróleo, somado à elevação do custo do
endividamento externo, criaram sérios constrangimentos para o Brasil. Desde o início, o
governo Figueiredo enfrentou dificuldades para dar prosseguimento à estratégia de
crescimento apoiado em financiamento externo.

127
Com o preço internacional do petróleo duplicado e o crédito internacional cada
vez mais escasso, o país enveredou pelo caminho do desequilíbrio da balança de
pagamentos. Em 1979, as importações de petróleo consumiram 42% dos recursos
obtidos com as exportações brasileiras, ao mesmo tempo em que o pagamento de juros
da dívida externa representava quase 70% do valor da mesma. As modificações da
política monetária norte-americana, causando a subida das taxas de juros internacionais,
elevou ainda mais o patamar dos compromissos financeiros externos do Brasil, que
tinha 65% de sua dívida contraída a taxas flutuantes.
Entretanto, o lançamento do III PND revelava o objetivo de dar prosseguimento às
metas de desenvolvimento anteriores. Sucessivas crises de desajuste macroeconômicas
levaram a índices inflacionários crescentes e a conjunturas recessivas. Houve um
empenho especial nas medidas de incentivo às exportações, visando contrabalançar a
contração da demanda interna.
A partir de 1982, o Brasil começou a recorrer ao FMI para obter apoio a seu
programa de estabilização. Ao longo dos anos 1983-84 foram submetidas a este
organismo sete Cartas de Intenção, que implicaram num crescente monitoramento deste
Organismo sobre a política econômica interna brasileira. Os desembolsos externos
passavam a ficar condicionados à disciplina das políticas de ajustamento que envolviam
medidas cambiais, monetárias e fiscais.
A relação com o FMI tornou-se um tema de crescente politização no Brasil. No
âmbito governamental estabeleceu-se, informalmente, uma divisão de trabalho na qual
as autoridades econômicas manejavam as negociações financeiras e o Itamaraty era
responsável pelas posições do Brasil em temas de comércio internacional. A diplomacia
econômica ganhou abrangência e complexidade.
Vale mencionar a atuação brasileira nas negociações comerciais do GATT,
iniciadas em 1982, que conduziram à Rodada Uruguai (1986). O governo brasileiro
resistiu à adoção do princípio de graduação, que condicionava as concessões de
tratamento especial e diferenciado ao países em desenvolvimento, de acordo com o
desempenho de suas respectivas economias. Com este princípio, questionavam-se as
políticas de incentivo às exportações, amplamente utilizadas pelo Brasil.
Logo surgiram outras preocupações nas negociações comerciais multilaterais. Nas
negociações multilaterais, tornara-se um problema crucial a inclusão de novos temas –
serviços e propriedade intelectual. Isto terminaria levando à imposição de sua
liberalização unilateral. A incorporação de ambos temas era defendida pelas nações
industrializadas, particularmente os Estados Unidos. A oposição do Brasil e de outros
países em desenvolvimento levou à formação do “Grupo dos 10”, no qual se verificou
uma forte convergência entre as diplomacias brasileira e indiana.
No meio diplomático brasileiro, estas discrepâncias com o governo norte-
americano se somavam a outras. Apesar de não lidar com a questão da dívida externa, o
Itamaraty não se manteve isento frente ao tema. Sua atuação levou à participação
destacada do Brasil na criação do Consenso de Cartagena (1983). Esta iniciativa
reivindicou dos países credores, e particularmente dos Estados Unidos, um tratamento
político, e não apenas financeiro, do endividamento externo latino-americano.
Durante os últimos anos do regime militar, o Brasil enfrentou crises econômicas
recorrentes. No período 1979-84, a dívida externa saltou de US$ 49,9 bilhões para US$
91,0 bilhões, enquanto o produto interno bruto registrou índices de crescimento
negativo - especialmente no triênio 1981-83.

128
Este quadro se manteve durante toda a década de 80, observando-se uma pequena
recuperação na etapa final do governo Figueiredo. Graças à melhoria da conjuntura
internacional, pôde-se reequilibrar a partir de 1984 a balança de pagamentos. Um
superávit recorde na balança comercial e a volta de taxa positiva de crescimento do PIB,
trouxeram novas expectativas para o governo, que a partir de 1985 iniciou o processo de
democratização do Brasil.

5.6. Reforço nas relações com a América Latina


As duas décadas de regime militar corresponderam a um período de relevantes
transformações no relacionamento do Brasil com os países latino-americanos.
Observou-se um acentuado contraste entre as percepções dominantes nos meios
diplomático e militar quanto a estes vínculos, se compararmos a situação nos anos
sessenta e a partir da década de oitenta.
A reação às premissas da política externa independente, no governo iniciado em
março de 1964, levou à imediata desativação dos esforços de cooperação econômica e
coordenação política, desenvolvidos nos anos anteriores. Logo foram reforçados os
conteúdos geopolíticos nas relações do Brasil com seus vizinhos, que influenciaram as
posições do país nos âmbitos bilateral e multilateral.
A subordinação da política latino-americana aos postulados ideológicos que
acompanhavam o alinhamento com os Estados Unidos, foi indicada a partir da decisão
de romper relações com Cuba (maio de 1964). Nesta mesma direção o Brasil, em 1965,
participou - com 1.100 homens - da Força Interamericana de Paz, na República
Dominicana. Além de apoiar a intervenção dos Estados Unidos, o governo brasileiro
defendeu a criação de uma força permanente, para resguardar a “segurança
hemisférica”.

5.6.1. A diplomacia das cachoeiras


Sérias tensões surgiram entre o Brasil e seus vizinhos meridionais, por causa de
sua política de aproveitamento de recursos naturais compartilhados, no Rio Paraná. As
posições defendidas pelo Brasil compuseram o que ficou conhecido no Itamaraty como
a “Diplomacia das Cachoeiras”.
Com o Paraguai, estas posições terminaram se sobrepondo às pendências
limítrofes na área do Salto das Sete Quedas. Esta sobreposição foi solucionada em 1966,
com a assinatura da Ata das Cataratas (Ata de Iguaçu), na qual os dois países definiram
uma fórmula cooperativa para o aproveitamento do potencial hidroelétrico do médio
Paraná. De acordo com este entendimento, os recursos hidráulicos pertenceriam em
condomínio aos dois países. Esta solução eliminou automaticamente as pendências
limítrofes entre o Paraguai e o Brasil, já que implicava a inundação da área litigiosa.
O entendimento com o Paraguai abriu automaticamente um capítulo controverso
com a Argentina. Para este país, tornara-se prioritário evitar a construção de uma
hidroelétrica em Itaipu, no Rio Paraná, sem que lhe fosse assegurado um mecanismo de
consultas prévias. O governo argentino buscou apoio internacional para sua tese em
diferentes organismos e conferências internacionais.
A recusa do Brasil em conceder esta prerrogativa ao governo argentino, baseava-
se na argumentação de que ela colocaria em questão a soberania do país sobre seus
recursos naturais. De acordo com a posição brasileira, seria reconhecido o direito de
informação e assumia-se a responsabilidade frente a prejuízos sensíveis.

129
Neste contexto, o governo argentino promoveu a primeira reunião de Chanceleres
dos Países da Bacia do Prata, para aprofundar entendimentos em torno do
aproveitamento de rios internacionais. Em 1969, foi assinado em Brasília o Tratado da
Bacia do Prata. Seu propósito era superar as dificuldades jurídicas relativas à
navegação, alisamento, pilotagem, dragagem, e praticagem na área. Destaca-se a IV
Reunião realizada em 1971, na qual foi aprovada a Declaração de Assunção, que
legitimou as colocações do governo brasileiro.
A posição do Brasil foi selada em 1973, quando assinou com o Paraguai o Tratado
de Aproveitamento Hidrelétrico do Rio Paraná, que previa a construção da Hidrelétrica
de Itaipu. Aprovava-se também o Estatuto da Itaipu Binacional, uma empresa brasileiro-
paraguaia, responsável pela administração da hidrelétrica.
O momento de maior tensão entre a Argentina e o Brasil aconteceu em 1972, por
ocasião da visita do presidente argentino Alejandro Lanusse. Neste mesmo ano, o
governo argentino havia conseguido incluir o tema do aproveitamento de recursos
naturais compartilhados na agenda da ONU. Como solução temporária, concluiu-se o
“Acordo de Nova York”, que previa a possibilidade de ambos países manterem suas
posições de princípios.
As divergências prosseguiram durante o governo peronista (1973-76), agravadas
pelas diferenças ideológicas entre os regimes políticos. Nestes anos, os dois países
preservaram suas posições de forma inalterável.
A partir de 1977 melhorou a disposição dos dois lados e, apesar das diferenças,
iniciou-se um processo de consulta com vistas a uma solução tripartite. Esta envolveria
um acordo para compatibilizar os projetos das hidrelétricas de Itaipu (Brasil-Paraguai) e
de Corpus (Argentina). O moroso processo negociador se estendeu durante todo o
governo Geisel. Em 1979, por iniciativa do Chanceler Saraiva Guerreiro, foram
retomadas as negociações que conduziram ao acordo tripartite. Com o fim das
divergências e a assinatura do Acordo Itaipu-Corpus, iniciou-se uma nova fase de
cooperação entre Brasília e Buenos Aires. Em clima de pleno apaziguamento, foi
inaugurada em 1982, a Usina Hidroelétrica de Itaipu.

5.6.2. Amplia-se a agenda cooperativa


As dificuldades mencionadas não impediram que aflorassem nos anos sessenta e
setenta afinidades no campo político-ideológico, entre o governo brasileiro e outros
regimes militares latino-americanos. Além de manifestações solidárias, observou-se a
troca de serviços informativos e de técnicas repressivas, que visavam fortalecer a
contenção dos movimentos contestatários na América do Sul. No âmbito multilateral,
em 1971 o governo brasileiro propôs a criação, na OEA, de um mecanismo de combate
ao terrorismo para toda a região.
Simultaneamente, o Brasil adotou uma posição cada vez mais favorável a
iniciativas de cooperação e integração regional. Após endossar o projeto de criação, em
15 anos, de um mercado comum, o país participou ativamente do Consenso de Viña del
Mar, que reivindicou do governo norte-americano maior cooperação econômica para a
América Latina. O interesse em ampliar a cooperação com os países menores da região
foi reforçado em 1971, quando pela primeira vez um chanceler brasileiro visitou os
países da América Central.
No campo do comércio exterior, os países latino-americanos ganharam uma nova
importância para as exportações brasileiras. Em 1960, as vendas do Brasil na América

130
Latina representavam menos de 7% de suas exportações. Este percentual em 1976 já
havia ascendido a quase 12%, e em 1980, a 18%. Uma terça parte destas exportações
era de bens manufaturados.
Não obstante, o peso das percepções geopolíticas, somado ao impacto da
Diplomacia das Cachoeiras; e os êxitos dos projetos de crescimento da economia
brasileira nos anos setenta, geraram uma atitude defensiva por parte dos vizinhos sul-
americanos. Em alguns casos, esta pôde ser atenuada por projetos bilaterais de
cooperação. Além da negociação - já mencionada - com o Paraguai para a construção da
hidroelétrica de Itaipu (1973), foram concluídos entendimentos com a Bolívia para a
compra de gás e complementação industrial, com a Colômbia para a exportação de
carvão (1973), e com o Uruguai para o desenvolvimento das bacias da Lagoa Mirim e
do Rio Jaguarão (1974).
A partir de 1974, com a gestão do Chanceler Azeredo da Silveira, tornou-se mais
importante para a diplomacia brasileira reforçar sua agenda cooperativa com a região
latino-americana. Ao mesmo tempo, procurou-se imprimir a este empenho um sentido
estratégico motivado por interesses políticos e econômicos.
Neste contexto, o Brasil assinou o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA,
1978) com a Bolívia, Peru, Equador, Venezuela, Colômbia, Guiana e Suriname. Seu
propósito foi complementar as políticas de povoamento e desenvolvimento da área.
Estas já vinham sendo incrementadas com o objetivo de contrabalançar o crescente
interesse internacional pela região. Desta forma, procurava-se romper o isolamento da
zona amazônica dentro do próprio território nacional e ao mesmo tempo reforçar sua
vocação regional. Do lado dos vizinhos amazônicos observaram-se algumas resistências
iniciais ao TCA, especialmente por parte da Venezuela. Temia-se que esta iniciativa
prejudicasse outros projetos cooperativos, em particular o Pacto Andino.
A ênfase da política externa no relacionamento com o Terceiro Mundo, durante a
gestão de Saraiva Guerreiro, implicou um especial fortalecimento dos vínculos com os
países latino-americanos. Para tanto, tornou-se crucial o entendimento com a Argentina,
selado no Tratado Itaipu - Corpus em 1979.
Logo, em 1982, o Brasil manifestou seu apoio ao governo argentino, por ocasião
da Guerra das Malvinas, entre a Argentina e a Grã-Bretanha. Ao mesmo tempo em que
manteve posição favorável à soberania argentina sobre as Ilhas em disputa, o governo
brasileiro defendeu uma saída diplomática. Esta posição ganhou relevância quando o
Brasil assumiu em Londres a representação dos interesses argentinos. Além de reforçar
a aproximação brasileira-argentina, a Guerra das Malvinas ajudou a tese sustentada por
setores diplomáticos brasileiros, favoráveis à desmilitarização do Atlântico Sul.
Nos anos seguintes, inúmeras visitas e encontros presidenciais e de chanceleres
foram acompanhados por um extenso conjunto de acordos: para o aproveitamento de
recursos hídricos compartilhados do Rio Uruguai, para a construção de uma ponte sobre
o Rio Iguaçu, de cooperação científica e tecnológica, de cooperação nuclear e de
intercâmbio energético.
Desenvolveu-se de fato uma política latino-americana, que transformou a
importância da região para a diplomacia brasileira. Valorizaram-se os espaços
multilaterais, como a ALADI, SELA e OLADE, desenvolveu-se uma diplomacia
presidencial com todos os países sul-americanos e o México. Neste contexto, em 1984
coube ao Brasil a Secretaria Geral da OEA, com a escolha do embaixador Baena Soares.

131
A diplomacia brasileira marcou presença também nos contextos das crises
regionais. Vale sublinhar a ação mediadora do país no novo confronto Equador-Peru
(1981), a coordenação de suas posições com outros, em torno da crise da dívida externa
e sua explícita percepção crítica da crise centro-americana. Esta presença gerou na
política externa brasileira um novo marco no relacionamento com a comunidade latino-
americana. A partir de 1985, com a mudança de seu regime político, o Brasil enriqueceu
este direcionamento, com a defesa da democracia e o compromisso com a integração
econômica.

132
6. O período democrático
Mônica Hirst

6.1. Transição e consolidação democrática (1985—2000)


A partir de 1985, inaugura-se um novo período da história política brasileira. Nos
primeiros anos de transição democrática no Brasil, a política externa seguiu as mesmas
linhas de ação adotadas a partir de meados dos anos setenta.
Durante o governo Sarney, as gestões de Olavo Setúbal (1985-1986) e de Roberto
de Abreu Sodré (1986-1990) contaram com o apoio interno, já evidenciado nos dois
últimos governos militares.
Não obstante, este projeto foi abalado por dificuldades macroeconômicas, por
fatores ligados à evolução da política nacional e pelas pressões internacionais geradas
nos anos finais da Guerra Fria.
Apesar de breve, o governo de Fernando Collor de Mello (1990-92) introduziu
importantes mudanças no perfil internacional do Brasil. A etapa que se iniciou em 1990
levou a transformações do projeto de política externa concebido desde 1974. Essa
evolução deveu-se tanto a causas domésticas como internacionais. No primeiro caso,
pode apontar-se o esgotamento do modelo de crescimento autárquico e a proliferação de
interesses e pressões surgidas no contexto democrático. No segundo, o reordenamento
produzido com o fim da Guerra Fria e a acelerada globalização econômica. As gestões
dos chanceleres Francisco Rezek (1990-1992) e Celso Lafer (1992) procuraram ajustar-
se às novas realidades.
A crise política interna que conduziu à renúncia de Collor de Mello e sua
substituição por Itamar Franco terminaram revigorando a democracia brasileira.
Fernando Henrique Cardoso (1992-1993) e Celso Luiz Nunes Amorim (1993-1994),
como Ministros das Relações Exteriores, buscaram adaptar a diplomacia brasileira às
circunstâncias internacionais, sem prescindir da preocupação com o desenvolvimento e
a autonomia. Para isso, foi dada prioridade à diplomacia multilateral e ao fortalecimento
da presença brasileira no âmbito sul-americano.
O início do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995) deu-se em condições
políticas internas extremamente favoráveis, criadas pela estabilização econômica. Os
resultados positivos do Plano Real, lançado no ano anterior, trouxeram novas
expectativas de credibilidade e prestígio internacional para o Brasil. A escolha de Luiz
Felipe Lampreia como Chanceler permitiu que o Itamaraty preservasse o comando da
política externa. Ao mesmo tempo, a influência do mandatário brasileiro na condução
dos assuntos internacionais do país outorgou especial relevância à diplomacia
presidencial.

6.2. A caminho de uma nova ordem mundial


6.2.1. A Guerra Fria acelera sua contagem regressiva
A partir da segunda metade dos anos oitenta, a Guerra Fria entrou em seu
processo terminal. A ascensão de Mikhail Gorbachev ao poder na URSS, em 1985,
sinalizou uma nova etapa para a política mundial. Desde então ficou evidente o
esgotamento da estrutura de poder soviética, que havia sustentado um dos pilares da
bipolaridade.

133
A expectativa de que a perestroika permitiria uma transição controlada para uma
economia de mercado, frustrou-se em poucos anos. Ao mesmo tempo, a impossibilidade
de a URSS acompanhar os EUA na corrida armamentista, desativou a competição
bipolar no campo estratégico-militar.
O diálogo entre as duas superpotências anunciava um novo período de distensão
internacional. Foi neste contexto que, em 1988, o governo soviético anunciou a retirada
de suas tropas do Afeganistão. Logo, o cessar-fogo em Angola abriria o caminho para
que Cuba fizesse o mesmo na África Austral.
Nos Estados Unidos, o envolvimento do governo na crise centro-americana perdia
legitimidade. Desgastava-se ainda mais o apoio doméstico à política externa do país.
Após a eleição de George Bush em 1988, o ideário conservador do partido republicano,
professado na década de oitenta pela administração Reagan, adquiria um sentido mais
pragmático e menos ideológico.
Em 1989 foram definitivamente corroídas as bases do conflito Leste-Oeste. O
processo de distensão e a lenta abertura dos países centro-europeus acelerou-se com a
derrubada do muro de Berlim, a deposição do Chefe de Estado na Romênia e a queda do
Partido Comunista na Tchecoslováquia. Em dezembro deste ano, os presidentes Bush e
Gorbachev anunciaram em Malta o fim da Guerra Fria. Logo, realizou-se em Paris a
Conferência de Segurança e Cooperação Européia, que levou à dissolução do Pacto de
Varsóvia.
Na assinatura dos acordos Start-I e II (1991 e 1993) reduziu-se o nível das
paridades militares – com significativa diminuição dos arsenais nucleares norte-
americanos e russos. Estas negociações foram acompanhadas de expectativas de novos
compromissos no campo do desarmamento.
Enquanto o mundo se despedia da bipolaridade, uma sucessão de eventos
relevantes abriu o cenário do pós-Guerra Fria. Durante o ano de 1990 assistiu-se à
reunificação da Alemanha, ao anúncio do fim do apartheid na África do Sul e à invasão
do Kuwait pelo Iraque.

6.2.2. Os primeiros tempos pós-guerra fria


O status de única superpotência sobrevivente outorgou aos Estados Unidos novas
responsabilidades. O exercício de sua liderança mundial foi posto à prova já em agosto
de 1990, quando o Iraque invadiu o Kuwait. Em janeiro de 1991, desencadearam-se
operações militares por uma coalizão “ocidental” anti-Iraque, sob o comando norte-
americano, endossadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. O episódio
simbolizou a afirmação da superioridade estratégica dos Estados Unidos após o fim da
Guerra Fria. Ganhou força a idéia de que esta primazia conduziria a um ordem
internacional unipolar.
A partir do início da administração Clinton (1993), os objetivos da política
externa norte-americana tornam-se mais difusos. Destacam-se os propósitos idealistas,
com a exaltação dos valores americanos e universais. A defesa da democracia e da
economia de mercado tornou-se a meta principal da política internacional do país. Ao
mesmo tempo, Washington manifestava maior hesitação perante a hipótese de
intervenções militares, como se observou nos casos da ex-Iugoslávia (1994-5), Somália
(1993), Haiti (1994) e Iraque (1996 e 1998).
O novo cenário mundial tornou-se propício aos regimes de não-proliferação. Após
duas décadas de negociações, em 1993 foi concluída a Convenção de Proibição de

134
Armas Químicas, sendo logo assinado, por cerca de 100 países, um Acordo
Internacional para a Proibição de Minas Antipessoal. Em 1995, foi prorrogada por
tempo indeterminado a vigência do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares
(TNP). Três anos depois, apenas cinco países (Índia, Paquistão, Israel, Cuba e Coréia do
Norte) continuavam à margem do TNP.
O desmantelamento do poderio soviético coincidiu com a ascensão de Boris
Yeltsin, eleito presidente do Soviete Supremo da URSS (março de 1990), num contexto
marcado pelo conflito entre o novo presidente russo e a liderança cambaleante de
Gorbatchev. Este renunciou no ano seguinte, o que logo foi acompanhado pela
dissolução da URSS e pela criação da Comunidade de Estados Independentes (CEI),
sob a égide do Estado Russo. Durante os nove anos e meio em que Yeltsin se manteve
no poder, Moscou atravessou crises sucessivas - políticas e econômicas - que
dificultaram a consolidação da CEI. O mais grave movimento separatista ocorreu na
Chechênia (1999-2000).
Ao longo da década de noventa, o panorama europeu foi marcado por duas
dinâmicas simultâneas. A antiga órbita socialista e a URSS, formada por oito Estados,
revelavam uma tendência à fragmentação, subdividindo-se em mais de 20 nações. Por
outra parte, a Comunidade Econômica Européia ampliou o número de membros e
aprofundou seu processo de integração. O Tratado de Maastricht, assinado em 1992,
selou a decisão de criar uma moeda comum e de constituir uma União Européia. Estes
compromissos originaram diferentes reações no âmbito europeu. Sua confirmação foi
matéria de prolongadas negociações comunitárias.
Ao mesmo tempo, na região dos Bálcãs, observava-se uma tendência ao conflito.
A implosão da ex–Iugoslávia exacerbou divisões étnicas e religiosas, que conduziram a
uma rápida escalada militar. Em 1992, a eclosão da Guerra na Bósnia - entre sérvios,
bósnios e croatas – iniciou um quadro dramático de flagelo e de perseguição a
populações locais, o que se repetiria posteriormente em Kosovo (1998).
Os novos conflitos substituíram as antigas confrontações, que haviam ameaçado a
paz mundial em décadas anteriores. A expectativa inicial, de que a ONU ampliaria sua
atuação nestes conflitos, aumentou o número e redefiniu as missões de suas Operações
de Paz. Das 13 operações realizadas entre 1989 e 1995, 12 destinaram-se a lidar com
conflitos internos.
Simultaneamente, ficou evidente em alguns casos a incapacidade da ONU para
prevenir este tipo de crise, o que abriu espaço para o protagonismo da OTAN nos
Bálcãs. Nos ataques ao governo de Belgrado (1999), esta Organização demonstrou a
disposição de exercer seu poderio militar quando julgasse conveniente e necessário.
Ainda como um sinal de novos tempos, mudanças decisivas foram observadas no
Oriente Médio, na Ásia e na África Austral. Em 1994 superou-se a crise no Oriente
Médio, com o Tratado de Paz, no qual Israel reconheceu o Estado Palestino. Na Ásia,
destacou-se o impacto das transformações econômicas na China, cada vez mais
convergentes com as leis da economia de mercado. Na África do Sul, o fim do regime
do apartheid abriu as portas para a democracia, culminando em 1994 com a eleição de
Nelson Mandela para presidente.

135
6.2.3. Uma nova agenda global
Com o fim da Guerra Fria, um conjunto de novos temas ganhou relevância na
agenda internacional. Passando a ser considerados problemas globais, estas questões
ampliaram a mobilização da opinião pública internacional.
Interpretados como motivo de ameaça ou risco para todo o planeta, estes temas
levaram à proliferação de organizações não-governamentais (ONGs), dedicadas a
informar, denunciar e controlar seus efeitos junto a governos e organismos multilaterais.
Foi assim que os problemas de proteção ambiental, direitos humanos, migrações, tráfico
de drogas, terrorismo e comércio ilegal de armas adquiriram particular importância nos
foros mundiais.
Iniciou-se um novo ciclo de grandes conferências, para o debate de enfoques e
tratamentos comuns da nova agenda. Em 1992 realizou-se no Rio de Janeiro a
Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. No ano seguinte, em
Viena, teve lugar a Segunda Conferência Mundial sobre Direitos Humanos. Em 1994
realizou-se a Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento e em 1995, em
Pequim, a Quarta Conferência Internacional sobre a Mulher. Em 1997, nova reunião
sobre temas ambientais - enfocando a questão climática – teve lugar em Kyoto. Em
todos os casos, a participação de quase duas centenas de países foi acompanhada pela
presença maciça de representantes de ONGs de todo o mundo.
Surgia a expectativa de que o multi-lateralismo seria fortalecido, criando
condições para o surgimento de uma “governabilidade global”. As organizações
vinculadas a questões econômicas e de segurança deveriam ampliar sua participação
como guardiãs da paz, da estabilidade econômica e da definição dos parâmetros no
tratamento de temas globais.
Freqüentemente se considerou que o tratamento destas questões já não competia
aos estados nacionais, devendo merecer um controle jurídico e moral de alcance global.
Também ampliou-se o espaço da diplomacia coercitiva – muitas vezes utilizada no
âmbito de negociações comerciais - para modificar a conduta dos países com respeito a
estes problemas. À medida que os ventos da globalização abalavam os alicerces dos
estados nacionais, o mundo do pós-Guerra Fria foi gerando novas tensões.
No campo econômico, a globalização criou um cenário, antes desconhecido, de
vínculos financeiros, comerciais e de investimentos. Este processo foi acompanhado por
um novo padrão de competição econômica em todo o mundo. Enquanto isso, as
empresas transnacionais superaram todos os recordes de produção e comercialização.
Tudo isto acompanhado de uma extraordinária mobilidade de fluxos financeiros entre
países, movida por oportunidades de curto e médio prazo. No âmbito comercial, a
institucionalização de regras comuns levou à assinatura do acordo de criação da
Organização Mundial de Comércio (OMC) em 1994, em substituição ao GATT.
Enquanto a globalização financeira aprofundou a ligação entre mercados,
aumentaram as condições de risco em momentos de crise. As conseqüências deste tipo
de interconexão puderam ser sentidas em ocasiões como a crise mexicana (que teve
início em dezembro de 1994), a crise asiática (1997) e a crise russa (1998). Os países
latino-americanos tornaram-se especialmente vulneráveis aos vaivéns das transações
internacionais com ativos financeiros, devido à fragilidade fiscal e externa de suas
economias.

136
6.2.4. A América Latina no pós-guerra fria
Na América Latina o início dos anos 90 anunciou um período de democracia,
cooperação econômica e paz. Prosperaram negociações bilaterais, que sepultaram
antigas disputas fronteiriças. Surgiram medidas de confiança mútua e observaram-se
novas iniciativas de integração econômica, que responderam simultaneamente a
impulsos associativos e a orientações seletivas. A ligação entre a integração regional e a
abertura econômica deu origem ao conceito de “regionalismo aberto”, que procurou
diferenciar os novos esquemas regionais daqueles que, no passado, haviam se frustrado
devido à vigência de políticas protecionistas.
A expansão das associações econômicas estimulou uma nova agenda de
negociações internacionais para a região. Mencionem-se os entendimentos da União
Européia com os diferentes agrupamentos e / ou países e as negociações iniciadas com o
governo norte-americano, a partir do Tratado de Livre Comércio (NAFTA), assinado
em 1992 entre os Estados Unidos, o México e o Canadá. Na Reunião de Cúpula de
Miami (dezembro de 1994) foi iniciado o processo negociador para a formação, em
2005, de uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
A coincidência entre a onda de democratização e o incremento de iniciativas de
coordenação política abriu um novo espaço para a diplomacia presidencial na região.
Surgiu um calendário intenso de reuniões de chefes de Estado, convocadas pelo “Grupo
dos 8” – que logo se tornou o Grupo do Rio, pelas Conferências Ibero-Americanas, as
Cúpulas Hemisféricas e as agendas das agrupações sub-regionais de integração
econômica.

6.2.5. Ventos democráticos no cone sul


As mudanças no contexto mundial influenciaram as opções políticas e econômicas
na América do Sul. O desgaste progressivo da polarização ideológica da Guerra Fria
fortaleceu a via democrática na região.
O surgimento de novos regimes no Cone Sul se inscreveu na chamada “terceira
onda” de democratização, que ocorreu em todo o mundo. Destaquem-se os governos de
Raúl Alfonsín (1983-89) na Argentina, de José Sarney (1985-90) no Brasil, de Júlio
Maria Sanguinetti (1985-90) no Uruguai, de Patrício Aylwin (1989-93) no Chile e de
Andrés Rodríguez no Paraguai (1989-1993). Nos casos argentino, uruguaio e brasileiro
os novos governantes enfrentaram, durante os anos de transição, problemas econômicos
comuns.
O retorno à vida democrática também limitou o espaço de atuação das Forças
Armadas. Como conseqüência, hipóteses de conflito entre nações vizinhas foram
progressivamente desativadas. Em todos os casos, o fim de regimes autoritários foi
acompanhado de maior disposição para a cooperação política e integração econômica
intra-regional.
Na virada dos anos noventa, eleições livres levaram à ascensão de Carlos Saul
Menem (1989-99) na Argentina, de Fernando Collor de Mello (1990-92) no Brasil, de
Luis Lacalle (1990-95) no Uruguai, de Eduardo Frei (1994-98) no Chile e de Juan
Carlos Wasmosy (1993-98) no Paraguai.
A partir desta época, uma onda de reformas econômicas de sentido liberalizante se
ampliou, em busca da estabilidade monetária, da abertura comercial e da
desregulamentação da atividade econômica. A sintonia entre os novos contextos

137
políticos e econômicos internos favoreceu o aprofundamento do processo de integração
do Mercosul.

6.3. Política Externa e democratização


6.3.1. Introdução
No Brasil, o período 1985-2000 trouxe o retorno à vida democrática. Após 21
anos de governo autoritário, o país recuperou sua normalidade institucional, escolheu
novo ordenamento constitucional (1988) e estabilizou a economia (1994). Guardando
suas especificidades, este conjunto de mudanças vinculou-se à terceira onda de
democratização, observada em diferentes partes do mundo e no Cone Sul em particular.
Ao longo desses anos surgiram novos desafios para a diplomacia brasileira,
gerados pelos condicionamentos impostos pela etapa final da Guerra Fria e pelas
restrições advindas da crise da dívida externa. A partir de 1990, a política externa
buscou sintonizar-se com o término do conflito Leste-Oeste e com o veloz impacto da
globalização econômica.

6.3.2. Sob o impacto da democratização


Em 1985 iniciou-se um novo capítulo da história política brasileira. A posse de
José Sarney, em conseqüência do falecimento do Presidente-eleito Tancredo Neves,
inaugurou uma “Nova República”. O fim do regime militar não trouxe grandes
alterações para a política internacional do país. Diferentemente de outras nações na
região latino-americana, o processo de redemocratização brasileiro teve um reduzido
impacto na condução da política internacional.
Ao mesmo tempo que as premissas da ação diplomática foram mantidas, o
Itamaraty estabeleceu contato com novos atores e interesses. A interação com outros
segmentos do Estado brasileiro alargou o campo das negociações políticas internas do
MRE. A nomeação dos chanceleres Olavo Setúbal por Tancredo Neves em 1985, e de
Roberto de Abreu Sodré pelo presidente Sarney em 1986, como resultado de
negociações partidárias, retirou a chefia do Itamaraty do âmbito diplomático.
Tanto a “diplomacia de resultados” de Olavo Setúbal, como a “diplomacia com
liberdade” de Abreu Sodré conviveram com um contexto internacional que restringia o
campo de atuação do Brasil.
O contexto democrático dos primeiros anos da “Nova República” expandiu o
interesse de atores não-governamentais por questões de política internacional. No meio
parlamentar, apesar de atrair menor atenção que a política interna, a política externa
gerou um novo tipo de mobilização. Os temas que despertavam maior interesse eram: a
dívida externa, a crise centro-americana, a integração com a Argentina e a política em
relação à informática.
Sublinha-se ainda a inclusão da política externa nos debates da Assembléia
Constituinte. A nova Constituição – aprovada em 1988 - definiu como princípios da
política externa brasileira: a independência nacional; a primazia dos direitos humanos; a
autodeterminação dos povos; a não intervenção; a igualdade entre os Estados; a defesa
da paz; a solução pacífica de conflitos; o repúdio ao terrorismo e ao racismo; e a
cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Também foi incluído na
nova Constituição um parágrafo comprometendo o Brasil com a integração latino-
americana.

138
6.3.3. Transição democrática e política externa
O retorno à democracia abriu novas portas para o Brasil, auspiciando um diálogo
mais fluído com a comunidade internacional. Procurou-se vincular o novo perfil
institucional do país a uma linha de ação independente.
Durante o governo Sarney foi dado impulso à diplomacia presidencial. O novo
mandatário mostrou particular interesse por temas de política externa. Sua dedicação
revelou-se na participação em processos decisórios, na produção própria de textos e
discursos relativos à política externa e nos contatos internacionais que manteve ao longo
dos cinco anos de mandato.
A diplomacia presidencial de Sarney dedicou grande atenção aos países em
desenvolvimento. Além dos inúmeros contatos com chefes de estado latino-americanos
- especialmente do Cone Sul – o mandatário brasileiro se empenhou em aprofundar os
vínculos com os países da comunidade lusófona. Sublinhem-se suas visitas a Cabo
Verde (1986), Angola (1989) e a reunião que promoveu no Maranhão, com os Chefes
de Estado de todos os países lusófonos. A reaproximação com a Argentina, conduzida
pessoalmente pelos presidentes Sarney e Alfonsín, foi uma obra de grande alcance
histórico. Esta iniciativa dos dois presidentes deu início ao processo que conduziria
mais tarde à formação do MERCOSUL.
A agenda de visitas de lideranças internacionais ao Brasil também se incrementou.
Entre várias, destacaram-se os presidentes da França, François Mitterrand (1985) e de
Portugal, Mário Soares (1987), do chefe do governo espanhol Felipe González (1987),
do primeiro-ministro chinês Zhao Ziyang (1985), do primeiro-ministro de Israel,
Shimon Peres (1987) e do príncipe japonês Fumihito (1988).
Foram aprofundados os laços com a América Latina, reforçadas as restrições ao
governo sul-africano e negociados novos acordos de cooperação com a China e a União
Soviética, ambas visitadas pelo presidente Sarney em 1988.
Em 1985 o Brasil proibiu, por decreto, o intercâmbio cultural, artístico e
desportivo com a África do Sul. Com a China, foi assinado um acordo para a construção
conjunta de satélites espaciais, através do programa CBERS. No caso da URSS, além
dos diversos entendimentos comerciais e de cooperação científica, assinados durante a
visita do presidente Sarney, as expectativas de um relacionamento mais profícuo foram
explicitadas com a assinatura de um memorando de conteúdos políticos, inéditos na
história das relações entre os dois países. (Declaração Sobre Princípios de Interação em
Prol da Paz e da Cooperação).
Também se verificaram inovações no campo da segurança internacional.
Destacam-se: os passos para a plena adesão ao Tratado de Tlatelolco; a proposta na
ONU, para a criação de uma Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZPCAS-
1986); e a aproximação nuclear com a Argentina.
A diplomacia multilateral tornou-se um campo privilegiado da diplomacia
brasileira. Procurou-se ampliar a presença do país nos diferentes foros internacionais,
ancorada na credibilidade outorgada pela recuperação da democracia. Como
conseqüência da normalização de sua vida institucional, o Brasil pôde rever sua política
na área de direitos humanos. Em 1985, aderiu aos Pactos de Direitos Humanos das
Nações Unidas e à Convenção contra a Tortura.
Dois anos depois, após 20 anos de ausência, o país apresentou sua candidatura a
um assento no Conselho de Segurança da ONU. A presença do Brasil neste órgão nos

139
anos 1988-89 coincidiu com o momento final da Guerra Fria. Este contexto abriu um
novo espaço para a diplomacia brasileira.
Ao mesmo tempo, o Brasil convivia com novos temas da agenda internacional,
particularmente o da proteção ambiental e do narcotráfico. A questão ambiental ganhou
destaque a partir das denúncias internacionais contra a ação brasileira na Amazônia.

6.3.4. Relações difíceis com os Estados Unidos


As relações do governo Sarney com os Estados Unidos tornavam-se
economicamente mais complexas. Novos conflitos comerciais afloraram quando a
administração Reagan iniciou, em setembro de 1985, uma ação legal contra a política
brasileira em relação à informática.
A nova legislação brasileira - aprovada em 1984 - previa o prazo de 8 anos de
reserva do mercado para a produção nacional de informática. A decisão dos Estados
Unidos integrava um conjunto de litígios comerciais iniciados com diferentes países. No
caso do Brasil, questionavam-se os danos causados aos interesses de empresas norte-
americanas, reivindicando-se uma legislação menos protecionista.
Em 1988 Washington aumentou a pressão, aplicando restrições comerciais aos
produtos brasileiros. Medidas de flexibilidade por parte do Brasil levaram
posteriormente à suspensão dessas restrições.
A visita do presidente Sarney aos Estados Unidos (1986) ocorreu no contexto do
mencionado contencioso, bem como de discrepâncias relacionadas com a legislação de
patentes, medidas de proteção ambiental e opções de política macroeconômica.
Ao mesmo tempo, a ampliação das restrições internacionais, causada pela crise da
dívida externa, levou a uma concentração das transações comerciais brasileiras com os
Estados Unidos. Nos anos 1980-84, as vendas brasileiras para o mercado norte-
americano saltaram de US$ 3,5 para US$ 13 bilhões. Este aumento coincidiu com o
endurecimento da política comercial norte-americana. No período 1976-82, o percentual
das exportações provenientes do Brasil, sujeitas a medidas protecionistas, havia crescido
de 40% para 65%.
O tema das patentes farmacêuticas ganhou muito relevo durante o período final do
governo Sarney. Para as empresas farmacêuticas norte-americanas tornara-se crucial a
modificação da legislação de proteção intelectual do Brasil. Repetidas ameaças de
retaliações unilaterais dos Estados Unidos, despertaram novas reações nacionalistas do
lado brasileiro. Quando o Representante Comercial do governo norte-americano
(USTR) anunciou as sanções previstas na Seção 301 de sua Lei de Comércio, em
meados de 1988, abriu-se um novo capítulo de controvérsias bilaterais, que se manteve
até o final do governo Sarney.

6.3.5. No contexto da consolidação democrática


A inauguração do governo de Fernando Collor de Mello, em março de 1990, criou
novas expectativas internas e externas. A estabilidade e a modernidade seriam
acompanhadas de uma agenda internacional positiva, que aproximaria o país do grupo
de nações industrializadas e superaria sua identificação com o Terceiro Mundo.
O novo governo trouxe consigo mudanças na política externa brasileira em temas
como meio-ambiente, direitos humanos e não-proliferação. A política externa foi

140
conduzida pelos chanceleres José Francisco Rezek (março / 1990- abril / 1992) e Celso
Lafer (abril / outubro 1992).
No âmbito econômico foi anunciado um conjunto de reformas que envolviam: a
abertura comercial, a liberalização dos investimentos, a privatização de empresas
estatais e a renegociação da dívida externa.
Durante o governo Collor de Mello, o uso da diplomacia presidencial manteve-se
intenso. Contatos diretos com lideranças dos países industrializados revelaram novas
prioridades da política externa brasileira. Foram valorizadas platéias empresariais e de
formadores de opinião.
No curto período de governo, Collor de Mello fez inúmeras viagens, entre elas: à
Argentina, a Portugal, à República Tcheco-Eslovaca, ao Japão, aos EUA, à Espanha, à
Suécia, à Noruega, ao México, a Angola, ao Zimbábue, a Moçambique, à Namíbia e à
Itália.
Realizaram-se encontros de fronteira com os presidentes do Uruguai, Venezuela e
Paraguai. Também foi significativa a presença de mandatários estrangeiros no Brasil.
Entre as medidas em temas de segurança internacional destacaram-se: uma
substantiva redução dos programas de tecnologia militar, a adesão do Brasil a regimes
internacionais de não-proliferação e a criação da Secretaria de Assuntos Estratégicos.
As inovações da política de segurança internacional foram acompanhadas por
negociações inéditas com a Argentina, no campo da cooperação nuclear e da integração
econômica. Em 1991 assinou-se o Acordo Nuclear Quadripartite e o Tratado de
Assunção, que estabeleceu a criação do MERCOSUL.
As perspectivas de uma relação mais próxima aos Estados Unidos sofreram um
abalo com a Guerra do Golfo, que eclodiu em janeiro de 1991. Nesta ocasião,
frustraram-se as expectativas dos Estados Unidos de contar com o pleno apoio do
Brasil. O governo brasileiro condenou a ação do Iraque e foi favorável à decisão do
Conselho de Segurança da ONU, de aplicar sanções econômicas contra este país. Não
obstante, manteve uma posição mais reticente com relação a iniciativas de caráter
militar contra o governo iraquiano.
A realização, no Brasil, da Conferência das Nações Unidas para o Meio-Ambiente
e o Desenvolvimento (Rio-92) sob a presidência do chanceler Celso Lafer correspondeu
ao auge do protagonismo do país nos primeiros tempos do pós-Guerra Fria.
Nesta ocasião foram aprovados, com a presença de 103 chefes de Estado, os
documentos: Declaração do Rio, Agenda 21, Convenção Sobre Mudanças Climáticas,
Convenção Sobre Diversidade Biológica e Declaração de Princípios Sobre Florestas.
Paralelamente, a atuação brasileira conferiu ao Brasil nova relevância no tratamento de
questões ambientais.

6.3.6. Sob o efeito da crise interna


Os novos rumos da ação internacional brasileira no governo Collor de Mello
perderam impulso à medida que se aprofundou a crise que levou ao impedimento do
presidente, em outubro de 1992.
As modificações no campo da segurança internacional e as novas posturas frente a
questões globais perderam intensidade. Também diminuiu o impulso das reformas
econômicas que visavam a liberalização da economia brasileira.

141
No governo Itamar Franco, a diplomacia presidencial concentrou-se nos
compromissos da agenda regional e no relacionamento com os países vizinhos. Ao
mesmo tempo, foram revistas as prioridades da política externa brasileira. Durante os
primeiros oito meses de seu governo, a pasta das Relações Exteriores foi ocupada por
Fernando Henrique Cardoso (outubro / 1992 – maio / 1993). Posteriormente, a escolha
do embaixador Celso Luiz Nunes Amorim (agosto / 1993 – dezembro / 1994) como
Chanceler, devolvia ao Itamaraty o comando da política internacional.
O governo de Itamar Franco procurou retomar um posicionamento internacional
marcado pela condição de país em desenvolvimento. Reforçou-se a identidade do Brasil
como uma nação continental, um país com interesses múltiplos na globalização da
economia mundial e um ator destacado no processo hemisférico de regionalização.
Foram temas privilegiados da agenda diplomática: a consolidação do
MERCOSUL, o projeto de criação de uma Área de Livre Comércio Sul-Americana
(ALCSA), a aproximação com outras potências regionais - China, Índia e Rússia - e a
despolitização das relações com os Estados Unidos.
A política externa brasileira reagiu de forma prudente à iniciativa do governo
norte-americano de lançamento de uma agenda de integração hemisférica. As
apreensões a respeito do projeto justificavam-se em razão da disparidade de níveis de
desenvolvimento entre as economias do Brasil e dos Estados Unidos. Esta atitude
marcou a atuação brasileira na I Cúpula das Américas realizada em Miami (dezembro /
1994), junto aos Chefes de Estado e de Governo de todo o continente americano.
Apoiou-se a fixação de um prazo de dez anos (2005) para completar o processo
negociador de criação de uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
Também foi valorizado o espaço da diplomacia multilateral, com o objetivo de
assegurar ao Brasil voz e voto no processo de reforma institucional das Nações Unidas.
Propunha-se que a “Agenda para o Desenvolvimento” se somasse à “Agenda para a
Paz”. Neste período ampliou-se o envolvimento do Brasil nas Operações de Paz
promovidas pelas Nações Unidas, na América Central (Onuca e Onusal) e na África
(Unavem). O país apresentou-se como candidato a um assento permanente no Conselho
de Segurança da ONU, preparando-se para defender uma antiga pretensão, a partir do
50º aniversário deste Organismo. Com vistas a fortalecer suas posições, o Brasil
assumiu em 1993, pela sétima vez desde 1946, um assento não-permanente no
Conselho.
No debate internacional sobre temas globais - direitos humanos, meio ambiente,
narcotráfico, terrorismo - criticavam-se os conceitos que limitavam a soberania dos
Estados e criavam espaço para políticas de cunho intervencionista. A diplomacia
brasileira manifestou sua preocupação frente a esta tendência, e ao mesmo tempo
reforçou seu endosso a valores universais essenciais. Mencione-se a adesão do Brasil ao
Pacto de San José e à Convenção Americana de Direitos Humanos (1992), sua atuação
na Conferência Mundial de Direitos Humanos em Viena (junho / 1993) e na
Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento (1994).
Ao mesmo tempo, deram-se passos significativos no campo da segurança
internacional. Após a aprovação pelo Senado do Acordo Quadripartite de Salvaguardas
Nucleares entre Brasil, Argentina, ABACC e AIEA, o governo anunciou a disposição
de negociar sua adesão ao Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR). O
país ratificou o Tratado para a Proscrição de Armas Nucleares na América Latina e no
Caribe (Tlatelolco), cuja versão original datava de 1967. Também se prosseguiu com o

142
projeto de criação de ZPCAS, que recebeu a adesão da África do Sul em sua terceira
reunião, realizada em Brasília (1994).
Procurou-se também ampliar a cooperação civil-militar para lidar com os
problemas ambientais e de segurança da região amazônica. Foi desenhado um sistema
de vigilância da Amazônia ( SIVAM ) com o objetivo de ampliar o controle sobre o
tráfico de drogas, o contrabando, o desmatamento e as ameaças a populações indígenas.
Em março de 1994, quando a taxa de inflação mensal no Brasil alcançava 40%,
foi lançado o Plano Real. Tratava-se da sexta tentativa de estabilização econômica, esta
vez sob o comando de Fernando Henrique Cardoso, como Ministro da Fazenda. O
sucesso das medidas permitiu ao país a gradual recuperação de sua credibilidade
externa.
Assim, ao fim do mandato de Itamar Franco, cresceram as expectativas de que o
Brasil iniciava um processo de mudanças internas, com imediato impacto na sua
inserção internacional.

6.3.7. A democracia consolidada


O protagonismo assumido pelo Congresso Nacional, desde a crise que conduziu
ao processo de impeachment de Collor de Mello, repercutiu sobre todas as esferas da
vida pública brasileira. O fortalecimento das instituições democráticas levou a uma
natural ampliação da representação dos interesses dos diferentes segmentos da
sociedade. A simultaneidade entre este processo e o da globalização tornou menos
visível a fronteira entre aspectos domésticos e internacionais, no tratamento de vários
temas da agenda nacional.
No campo da política externa abriu-se o caminho para a presença de novos atores
e pressões, fora do âmbito governamental. A negociação com a classe parlamentar, com
as organizações não-governamentais e com os setores empresariais tornou-se parte do
cotidiano da atividade diplomática. Mencione-se neste processo a criação do Conselho
Empresarial, um foro de consultas entre o Itamaraty e os empresários, com o objetivo de
ampliar as bases da diplomacia econômica.
Em 1994, a eleição de Fernando Henrique Cardoso aconteceu num contexto de
transformações e de superação das vicissitudes políticas e econômicas dos anos
anteriores.

6.3.8. A autonomia pela integração


A política internacional do governo Cardoso, conduzida desde o seu primeiro
mandato pelo Chanceler Luiz Felipe Lampreia, sustenta-se em quatro pilares: o da
continuidade das premissas essenciais da política externa; o impacto da estabilidade
econômica; a projeção da democracia; e as novas oportunidades geradas pela
diplomacia presidencial. Do ponto de vista conceitual, o Chanceler Lampreia resumiu
sua política externa como a busca da “autonomia pela integração”. Seu propósito
principal tornou-se a plena inserção do Brasil na corrente central das relações
internacionais de nosso tempo, preservando ao mesmo tempo a especificidade de seus
interesses e de sua atuação.
A utilização da diplomacia presidencial como um conduto de política externa deu
origem a uma agenda de contatos e visitas sem precedentes na história brasileira. Como
exemplo: ao longo dos primeiros dois anos de mandato, o presidente Cardoso realizou
47 viagens, recebeu 26 Chefes de Estado e 8 Chefes de Governo. Além dos

143
compromissos oficiais, foi ampliada a agenda de contatos com setores não
governamentais e estimulada a realização de encontros com membros destacados da
comunidade intelectual, em diferentes partes do mundo.
A diplomacia presidencial tornou-se um instrumento para incrementar relações de
alto nível junto aos países industrializados e foi de importância fundamental para
consolidar o MERCOSUL, aprofundar os vínculos com a América do Sul e gerar um
diálogo político positivo com os Estados Unidos.
No campo da segurança internacional aprofundaram-se os compromissos com os
regimes de não-proliferação. O Brasil descartou qualquer intenção de produzir, adquirir
ou transferir mísseis militares de longo alcance, aderindo ao MTCR.
Também se incrementou a participação brasileira nas Operações de Paz da ONU.
Em fins de 1995 enviou-se um contingente de 1.300 soldados a Angola, para serem
integrados na UNAVEM III. No ano seguinte, o Brasil teve aprovada na ONU sua
proposta de desnuclearização para fins militares do Hemisfério Sul e assinou o Tratado
de Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBT). Em 1997 o país aderiu à
Convenção de Eliminação de Minas Terrestres Antipessoais e, no ano seguinte, ao
Tratado de Não- Proliferação (TNP).
Os novos compromissos no campo da não-proliferação foram acompanhados de
modificações institucionais, com impacto sobre o relacionamento civil-militar. O
governo de Cardoso reativou o projeto de criação de um Ministério da Defesa, depois
instituído em 1999, no seu segundo mandato.
Cardoso também buscou fortalecer o multilateralismo no tratamento das novas
questões da agenda global. Com respeito ao tema da proteção ambiental, o governo
brasileiro apresentou na Assembléia Geral da ONU, em meados de junho de 1997, junto
com a África do Sul, Alemanha e Cingapura, uma Iniciativa Conjunta Sobre Meio
Ambiente, que tratava da implementação do conteúdo da Agenda 21, definida na Rio-
92. Na Conferência de Kyoto Sobre Mudanças Climáticas, o Brasil defendeu, junto com
outros estados, a diminuição nos níveis de emissão na atmosfera de gases poluentes
provenientes dos países industrializados. O país também tornou-se um defensor
permanente do respeito aos direitos humanos e à democracia, nos diversos foros
internacionais. Em 1998, apoiou em Roma a criação de um Tribunal Penal
Internacional. Também foi incrementada a participação do Brasil em foros multilaterais
reduzidos, como a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e o
MERCOSUL.
O governo Cardoso procurou desenvolver um relacionamento de sentido positivo
com os Estados Unidos. A aprovação da Lei Sobre Propriedade Intelectual pelo
Congresso Brasileiro, em 1996, encerrou a maior divergência dos anos anteriores. A
utilização recíproca da diplomacia presidencial ganhou relevância, enquanto os temas
contenciosos passaram a merecer um tratamento de caráter mais rotineiro.
A visita de Bill Clinton ao Brasil em 1997 contribuiu para dissipar dúvidas
relacionadas à formação de uma Área de Livre Comércio Hemisférica. Consolidou-se o
entendimento do Brasil de que este projeto não prejudicará a continuidade do
MERCOSUL. A disposição de alcançar um entendimento com Washington foi
reforçada durante a II Cúpula das Américas, realizada em Santiago, em abril de 1998. O
Brasil comprometeu-se a assumir, a partir de 2002, a co-presidência da comissão
negociadora da ALCA, juntamente com os Estados Unidos. A visita de Cardoso a este
país, em junho de 1998, contribuiu para aprofundar uma agenda positiva com a

144
administração Clinton. Nesta ocasião, o governo brasileiro demonstrou sua disposição
de cooperação no campo do combate ao narcotráfico, anunciando a criação da
Secretaria Nacional Antidrogas.
Em resumo, a ação diplomática brasileira, a partir de 1995, procurou ampliar o
leque de responsabilidades do país na ordem mundial. A expectativa de que se
convertesse num “ator central” na vida internacional levou o Brasil a buscar uma
participação mais efetiva em foros decisórios, como o Conselho de Segurança das
Nações Unidas, a OMC, a OCDE e o MTCR. Em todos os casos, visou-se um papel
mais ativo para a promoção da paz e do desenvolvimento.

6.4. Transição e restrições externas


6.4.1. Introdução
O Brasil iniciou sua transição democrática com um desempenho econômico
favorável. Havendo crescido a uma taxa de 8,3% no ano de 1985, o país enfrentou como
principal desafio o controle de seus índices inflacionários - que já superavam a média
mensal de 45%.
No que se refere à agenda multilateral, o Brasil manteve, durante os seus
primeiros anos de democratização, inalteradas as suas posições no âmbito do GATT.
Encabeçando o Grupo dos 10, junto com a Índia, o país foi contrário à inclusão do setor
de serviços na Rodada Uruguai, iniciada em 1986. A atuação brasileira se destacou
também no âmbito do Grupo de Cairns, que reuniu 14 países que reivindicavam maior
liberalização do comércio internacional de produtos agrícolas.
Durante o governo Sarney foram realizadas várias tentativas de ajustamento da
economia brasileira. O primeiro programa de estabilização foi iniciado em março de
1986 com o Plano Cruzado, o segundo com o Plano Bresser em junho de 1987 e o
terceiro em janeiro de 1989, com o Plano Verão. Em nenhum caso conseguiu-se debelar
o processo inflacionário. A dificuldade de superar o desequilíbrio fiscal, somada ao peso
do endividamento externo, impediu o saneamento das contas governamentais.
A moratória unilateral, decretada no princípio de 1987, gerou graves restrições
econômicas externas para o Brasil. A substituição das autoridades econômicas em
princípios de 1988 teve como objetivo a normalização das relações do país com a
comunidade financeira internacional. Alguns meses depois foi logrado um amplo
entendimento para o reescalonamento da dívida externa, que incluía: um acordo com os
bancos credores, um acordo com o Clube de Paris e a retomada de negociações com os
organismos multilaterais de crédito.
Novo estremecimento junto à comunidade financeira internacional foi produzido,
contudo, quando o governo brasileiro suspendeu – em meados de 1989 - o pagamento
dos juros da dívida externa do país. Esta decisão perdurou até a ascensão de Collor de
Mello. A partir de então foram retomadas as negociações com a comunidade financeira
internacional, num contexto de novas expectativas econômicas.

6.4.2. Expectativas frustradas


A política econômica do período 1990-94 foi marcada por fortes contrastes. De
início, o governo Collor procurou associar uma política de frontal combate à inflação
com medidas de liberalização econômica. No contexto das expectativas geradas junto à
comunidade internacional, foi assinado, no início de 1992, um acordo entre o Brasil e o

145
FMI. Este seguia o modelo do Plano Brady, para o reescalonamento da dívida externa
brasileira.
Não obstante, o Plano Collor mostrou sinais de fracasso que logo sofreram a
contaminação da crise política interna. O retorno de altas taxas de inflação afetou a
credibilidade do governo Collor de Mello, comprometendo simultaneamente sua
proposta modernizadora. Durante a gestão de Itamar Franco foram revistas políticas
prévias. Manteve-se vigente, entretanto, o processo de liberalização iniciado em 1990
com a reforma do regime de comércio exterior.
A partir do governo Collor de Mello, a postura brasileira modificou-se de forma
significativa no tratamento de temas de comércio multilateral. Adotou-se uma posição
mais flexível à inclusão de novos temas na agenda do GATT. Ao mesmo tempo, o país
tornou-se um defensor fervoroso da institucionalização de um regime de comércio
internacional. Também se pretendia reforçar a adesão à cooperação Sul-Sul no âmbito
da diplomacia multilateral, participando da criação do Grupo dos 15 em Kuala Lumpur
(além do Brasil, o grupo reunia Argélia, Argentina, Egito, Índia, Indonésia, Iugoslávia,
Jamaica, Malásia, México, Nigéria, Peru, Senegal, Venezuela e Zimbábue).
A preocupação brasileira passou a concentrar-se nos entendimentos relativos a
produtos agrícolas -- as políticas subsidiadas dos países industrializados e as
dificuldades de acesso impostas por estes mesmos. Nesta época outras questões -como
padrões de trabalho e condições ambientais - ganharam espaço nos debates do GATT, o
que era entendido pelo Brasil como nova forma de pressão e discriminação. Com a
criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) a partir de 1995, a diplomacia
econômica multilateral se viu obrigada a lidar com este tipo de problema.

6.4.3. Sob o impacto do plano real


A partir de julho de 1994, mudanças econômicas internas transformariam a
agenda de desafios para o Brasil. Após um outro período de altos índices inflacionários,
foi lançado pelo governo Itamar Franco um novo programa de estabilização – o Plano
Real. Seu sucesso teve imediato impacto sobre a inserção econômica externa do Brasil.
Para o governo Cardoso – começado em janeiro de 1995 – este resultado foi
considerado um trunfo para recuperar prestígio e confiança junto à comunidade
internacional. A queda vertiginosa da inflação e a valorização da moeda (o Real),
somadas à abertura comercial e às promessas de progressiva desregulamentação da
economia, alteraram o perfil dos vínculos comerciais, das operações financeiras e dos
investimentos no país.
As mudanças introduzidas durante os primeiros 4 anos de vigência do Plano Real
modificaram os vínculos entre fatores econômicos internos e externos. Como
conseqüência, foi reforçado o campo da diplomacia econômica brasileira, no qual a
fronteira entre o desempenho interno e a busca de novas oportunidades externas tornou-
se cada vez mais tênue.
Neste período observou-se um significativo incremento das entradas dos
investimentos diretos estrangeiros no país. Entre 1996 e 1998 verificou-se um aumento
de US$ 9,9 bilhões para US$ 26,1. Além de capitais provenientes dos Estados Unidos,
Canadá, União Européia e Japão, somavam-se investimentos vindos da Coréia do Sul,
Hong Kong, Taiwan, Chile, Argentina, México e África do Sul. Estes investimentos
foram estimulados pelo conjunto de privatizações nos campos de infra-estrutura,
serviços e produção de matérias primas.

146
Com o objetivo de ampliar sua credibilidade econômica externa, o Brasil procurou
também estreitar suas relações com a comunidade financeira internacional. Em 1997 o
país tornou-se membro do Banco para Compensações Internacionais (BIS).
O comércio exterior brasileiro manteve uma pauta diversificada de mercados.
Foram aprofundados os vínculos com os seus parceiros sul-americanos, particularmente
do MERCOSUL. Durante toda a década de 80, estes haviam absorvido em média 11%
das vendas externas brasileiras. Em 1999, entretanto, a América do Sul absorvia cerca
de 20% das exportações brasileiras. Outros 28% eram destinados à União Européia,
25% para o NAFTA e 12% para os mercados asiáticos.
A estabilidade econômica, somada à liberalização comercial, estimulou também
um incremento notável das importações, que se beneficiaram da ampliação do mercado
interno brasileiro e da valorização da moeda local. Vale mencionar que, no início dos
anos 90, a média das tarifas alfandegárias brasileiras havia se reduzido de 35% para
14%.
No plano internacional, tornou-se necessário lidar com as novas regras e
definições estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC). A articulação
entre acordos preferenciais de comércio, políticas internas e o impacto de práticas
desleais de terceiros, gerou uma intensa agenda de negociações para o país.
Ao longo da segunda metade dos anos noventa, a vulnerabilidade do país aos
vaivéns da economia internacional conduziu – dentro e fora do governo – à análise dos
custos e dos benefícios da globalização.
Um dos desafios do governo de Fernando Henrique foi promover políticas
monetárias e cambiais adequadas ao processo de estabilização, ao seu programa de
reformas e às circunstâncias externas. Ao mesmo tempo, os níveis elevados de
exposição da economia brasileira abriam novos flancos de vulnerabilidade, o que se
tornou evidente nos momentos de turbulência externa produzidos pela globalização
financeira.
Para países como o Brasil, estes cenários – agravados pelos fortes movimentos
especulativos – ocasionam volumosas perdas de reservas, que geram automático
desequilíbrio sobre as contas internas. As mudanças introduzidas na política cambial
brasileira no início de 1999, após o impacto causado pela crise russa, foram o sinal mais
claro sobre as conseqüências desta dinâmica.

6.5. A América Latina como prioridade


Desde seus primeiros meses, o governo Sarney manifestou interesse por mudanças
qualitativas no relacionamento com a América Latina. Principais indicadores neste
sentido: o restabelecimento de relações com Cuba (1986); a presença no Grupo de
Apoio de Contadora (1985); a participação na criação do Grupo dos 8 e depois no
Grupo do Rio (1986); a condenação da intervenção norte-americana no Panamá (1989);
a promoção da primeira reunião de Presidentes de Países Amazônicos (1988); e os
entendimentos com a Argentina .
O desenvolvimento de uma ativa diplomacia presidencial estimulou a fraternidade
política entre os governos brasileiro, argentino e uruguaio, facilitando a coordenação de
políticas externas e a definição de compromissos de integração sub-regional. O governo
brasileiro aderiu ainda ao projeto de construção de uma hidrovia Paraguai - Paraná. Este
empreendimento compreendia uma extensão de 3500 km, ao longo dos territórios do
Brasil, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai.

147
Também foram realizadas negociações de cooperação com a Colômbia, a Bolívia,
o Equador e a Venezuela e gestões de aproximação com o Suriname e a Guiana - ambos
visitados pelo presidente Sarney. Procurou-se reativar o Tratado de Cooperação
Amazônica com a “Declaração da Amazônia”, que reafirmou a soberania de todos os
países da área sobre a floresta.
Um passo decisivo de cooperação entre o Brasil e a Argentina foi dado no
encontro Alfonsín - Sarney, em novembro de 1985. Nesta ocasião, assinou-se uma
declaração de cooperação pacífica no campo da energia nuclear e inaugurou-se a Ponte
Tancredo Neves, ligando as cidades de Foz do Iguaçu e Puerto Iguazú.
A aproximação com a Argentina levou à negociação do Programa de Integração e
Cooperação Econômica (PICE, 1986) e logo ao Tratado Geral de Integração,
Cooperação e Desenvolvimento (1988), que previa a criação de um mercado comum em
10 anos. Neste mesmo ano, o Uruguai foi incorporado ao processo através da Ata do
Alvorada.
Esta política teve plena continuidade com o governo Collor de Mello. Depois da
Ata de Buenos Aires, assinada com a Argentina em 1990, foi celebrado o Tratado de
Assunção (1991) para a constituição do MERCOSUL, com a incorporação do Uruguai e
do Paraguai.
Graças à confiança política lograda com a Argentina, foram selados
entendimentos na área nuclear, que asseguravam a transparência entre os programas
desenvolvidos nos dois países. Estes entendimentos permitiram a negociação de uma
sucessão de acordos de confiança recíproca.
Durante o governo Collor de Mello foi assinado, com a Agência Internacional de
Energia Atômica, o Acordo Quadripartite para a aplicação de salvaguardas Brasil-
Argentina. Também foi negociado o Compromisso de Mendoza (1991), pelo qual o
Brasil, junto com a Argentina e o Chile, manifestava seu repúdio à utilização de armas
químicas e biológicas. Posteriormente, durante o governo Cardoso, foi iniciada a prática
de exercícios militares conjuntos e a cooperação no âmbito das Operações de Paz da
ONU.
Embora nem sempre o Brasil e a Argentina fizessem avaliações convergentes
sobre temas internacionais no pós-Guerra Fria, o projeto de formação de um espaço
econômico comum foi favorecido pelas novas conjunturas domésticas e internacionais.
Outrossim, a sintonia entre as políticas de abertura comercial e a liberalização
econômica tornou-se um fator de aproximação sub-regional.
No período do governo Itamar Franco, o Brasil aprofundou seus compromissos
com o Mercosul, aderindo ao projeto de sua consolidação como uma União Aduaneira.
Durante a gestão de Cardoso como Ministro das Relações Exteriores, tomou-se a
decisão de redirecionar para a América do Sul as importações de energia (petróleo da
Argentina e Venezuela e gás da Bolívia) com o objetivo de fortalecer os espaços de
interesses comuns entre o Brasil e seus vizinhos.
Em 1992 o Chanceler Fernando Henrique Cardoso lançou a Iniciativa Amazônica.
Um ano mais tarde o Ministro Celso Amorim promoveu a idéia de se formar uma Área
de Livre Comércio Sul - Americana. Na época, esta proposta foi interpretada como uma
resposta à criação do NAFTA – com vigência prevista para 1994.
A necessidade de maior cooperação entre o Brasil e os vizinhos amazônicos
extrapolou o terreno comercial. A identificação de uma agenda de problemas de

148
fronteiras - contrabando, proteção ambiental, narcóticos - estimulou novas negociações.
Foram assinados Acordos de Cooperação bilateral com a Venezuela (agosto / 1993 e
março / 1994) e criada a Comissão de Vizinhança Brasil - Colômbia (janeiro / 1994).
Com a Bolívia foi assinado um acordo para a compra de gás natural e a construção de
um gasoduto de 3 mil km (março / 1993).
Na Organização dos Estados Americanos (OEA), a diplomacia brasileira procurou
fortalecer a democracia na região e, ao mesmo tempo, evitar intervenções unilaterais
que implicassem a ingerência em assuntos internos e ferissem a solução pacífica de
controvérsias. Mencione-se a insistência para que Cuba fosse reintegrada ao Sistema
Inter-Americano e a posição contrária à intervenção norte-americana no Haiti.
No governo Cardoso, as relações com a América Latina foram mantidas como
máxima prioridade. A idealização de uma relação estratégica com a Argentina tornou-se
o eixo principal desta política.
Intensificaram-se as relações com o Chile, a Bolívia e o Pacto Andino. Especial
preocupação passou a ser expressada com relação à continuidade democrática no
Paraguai.
O Brasil buscou também projetar seu papel como coordenador dos países -
garante do Protocolo de 1942, frente ao novo conflito entre Equador e Peru. Para tanto,
o país patrocinou a Declaração de Paz do Itamaraty (fevereiro / 1995), que propôs uma
solução definitiva para a disputa envolvida. Em 1998, foi assinado em Brasília o Acordo
de Paz Peru-Equador que criou uma zona desmilitarizada e dois parques ecológicos na
área disputada.
Em resumo, a política latino-americana do governo Cardoso procurou assegurar a
consolidação do MERCOSUL e de suas opções de relacionamento externo – em
particular com o Chile, a Bolívia e os países da Comunidade Andina – a defesa ativa da
democracia e da integração econômica na América do Sul e a preservação da paz em
toda a região.

149
7. O Brasil e o mundo no século XXI
Luiz Felipe Lampreia

7.1. Introdução
Vivemos, desde 1989, um período relativamente curto, mas marcado por novas e
intensas transformações da realidade mundial – que deveríamos ter em mente ao
analisar a forma pela qual o Brasil deve ingressar no século XXI.
Quem teria previsto, em 1979 – ano da invasão do Afeganistão pela então União
Soviética e ponto alto da doutrina Brejnev –, que dez anos depois o muro de Berlim
cairia e em seguida a própria União Soviética deixaria de existir?
O analista ou diplomata que, apenas alguns anos antes, quisesse apostar nesse
cenário tão decisivo para as relações internacionais contemporâneas, provavelmente
teria sido visto como um temerário.
Por outro lado, fugir à inconstância e imprevisibilidade da história refugiando-se
em cenários demasiado genéricos, ou construindo detalhadas elaborações analíticas que
fazem sentido apenas como um sistema fechado, também não traz ajuda ao estrategista
que reflete sobre o futuro.
Cenários demasiado genéricos têm pouca relevância analítica e para o
planejamento, enquanto cenários muito precisos são altamente perecíveis, porque o
mundo se move ao mesmo tempo em tantas direções e níveis, que seria impossível
acertar na combinação exata dos movimentos em cada um deles.
De qualquer forma, o século XXI é demasiado tempo para qualquer exercício de
reflexão que seja operacional para as políticas que devemos perseguir agora. Essa
dificuldade é bastante óbvia.
Se nos colocássemos na perspectiva de alguém que, cem anos atrás, se visse
obrigado a refletir sobre o mundo ao longo de todo o século XX, compreenderíamos
quão difícil já devia ser, em um momento de aceleração das ciências e do tempo
histórico, fazer previsões e traçar políticas de longuíssimo prazo.
Dificilmente alguém situado no cenário político e econômico do auge da Belle
Époque teria tido condições de prever minimamente os grandes desdobramentos do
século XX: a própria Grande Guerra, a Revolução bolchevique, o nazi-fascismo, a
Segunda Guerra, a Guerra Fria e a revolução tecnológica que desembocaria na chamada
globalização.
Dificilmente alguém se arriscaria a fazer isso tendo consciência da rapidez com
que a humanidade já avançava – ou se agitava – naquela época. O desmentido de teorias
futuristas impecavelmente construídas com os dados disponíveis ao autor já havia
começado a se tornar freqüente. Se não, que o diga Malthus, já no século XIX
desautorizado em sua teoria populacional fatalista pelo progresso das técnicas agrícolas,
pelos avanços da ciência médica e pela capacidade de ampliação das áreas agricultáveis
no mundo.
Hoje, com a velocidade das mudanças e do progresso tecnológico aumentada
exponencialmente, esse exercício é praticamente irrealizável. E, no campo específico da
política externa, a velocidade com que têm mudado as relações internacionais, mesmo

150
dentro do que se poderia caracterizar como um novo ciclo pós-Guerra Fria, torna muito
difícil fazer previsões autorizadas sem rodeá-las de cuidados.

7.2. O Brasil e o futuro das relações internacionais


Por essas razões, o melhor é concentrar uma análise das perspectivas
internacionais do Brasil naquilo que já hoje deve constituir a base para o
desenvolvimento brasileiro: os primeiros vinte a vinte e cinco anos do século XXI.
Vinte a vinte e cinco anos que poderão assistir ao amadurecimento do Brasil como
potência média, economicamente forte e socialmente mais sólida e coesa, com intensa
presença regional e considerável intercâmbio com outras regiões, embora sem poderio
estratégico e capacidade de influência global.
Ou vinte a vinte e cinco anos que poderão assistir à sua estagnação como país de
desigualdades sociais e regionais, fechado ao mundo exterior e crente em uma falsa
noção de “caminho próprio”, que alterna ciclos curtos de desenvolvimento e espasmos
de recessão e que se paralisa diante do esfacelamento progressivo da base social, com
sérios riscos para a sua integridade e soberania.
Ninguém discutirá que investir em educação e em melhoria dos indicadores
sociais, por exemplo, é condição mínima indispensável para participar com vantagens
do sistema internacional. Isso é verdade hoje e o será cada vez mais.
Há muito ficou evidente que o desenvolvimento social é condição para o
desenvolvimento econômico e constitui a primeira linha de defesa nacional e de
sustentação da soberania.
Projetado para o futuro, esse axioma indica claramente os caminhos a perseguir
em sociedades em desenvolvimento, como a brasileira, marcada ainda por
desequilíbrios, atrasos e grande carência de coesão social. Esse dado - uma evolução
indiscutível no plano social, mas ainda estorvada por muitos obstáculos e carências
profundas, cujas conseqüências perdurarão ainda por muitos anos - marcará sem dúvida
a nossa entrada no século XXI e a nossa capacidade de resposta a outros desafios que
exijam coesão social e poder nacional baseado numa noção forte e autêntica de
nacionalidade.
Ninguém discutirá que é preciso ter uma política de defesa atualizada e
abrangente, não-ideológica e que leve em conta não só as relações entre Estados e os
sistemas políticos regionais e internacionais, mas também a incidência cada vez maior
de fenômenos como o narcotráfico, o tráfico de armas e o crime organizado, ou a
proliferação cada vez mais intensa de atores internacionais, como empresas
multinacionais, Organizações Não-Governamentais, Igrejas, Federações sindicais e
empresariais, grupos parlamentares.
Nossa situação atual em relação a alguns desses pontos é particularmente crítica,
provavelmente porque a democracia brasileira já se fortaleceu o suficiente para que
comece a expurgar muitos dos males crônicos que afetam a sociedade; mas não há como
negar que ficamos mais vulneráveis ao crime organizado e que um dos grandes desafios
do início do século XXI é a defesa interna do Estado e da sociedade, os núcleos vitais da
soberania.
Tampouco haverá quem combata a integração regional como campo de provas
para a globalização e como uma forma inovadora e eficaz de multiplicar e projetar o
poder nacional de países que, isoladamente, teriam dificuldades ainda maiores para lidar

151
com o fenômeno da globalização e suas conseqüências. E não há dúvidas de que o
Mercosul, nesta passagem de século, está enfrentando problemas próprios de um
processo de integração regional que esgotou a sua primeira grande etapa criadora e
busca alavancar uma segunda etapa, de maior coordenação de macro-políticas, e que irá
muito além da liberalização comercial interna e de uma tarifa externa comum.
O futuro, portanto, é muito menos algo que se adivinha e muito mais algo que se
constrói a partir de premissas bem fundamentadas, cuja base empírica está presente aos
nossos olhos nos dias de hoje. E em política externa não poderia ser distinto.

7.3. Uma análise baseada no quadro real


Estamos ingressando no que poderá ser um período decisivo em nossa formação
nacional – uma espécie de momento de crise no sentido gramsciano, ou seja, em que o
novo, que chega com vigor, ainda não acabou de nascer, e o velho ainda não morreu de
todo.
O quadro típico nesse tipo de situação é o que presenciamos hoje se olharmos pela
janela. Áreas de notável progresso e sofisticação, instituições estáveis e funcionais,
segmentos da sociedade perfeitamente integrados ao mundo, áreas e setores econômicos
com elevada produtividade e competitividade, disposição para mudanças e êxito nas
reformas que vão adaptando o país a novas realidades e desafios. Ao lado,
manifestações arcaicas de uso do poder, áreas de atraso e indescritível desigualdade,
setores esclerosados, resistência às mudanças, domínio dos privilégios e da exclusão,
falta de coesão social, violência desmesurada, áreas em que o Estado não exerce a sua
soberania interna.
Como resultante do enfrentamento dos dois conjuntos de forças, as do progresso e
as do atraso, um grande dinamismo, um país que mostra uma notável vitalidade, mas
cujo destino ainda depende de decisões e de políticas em implantação ou em maturação
e de uma vitória decisiva do novo sobre o velho. Uma vitória que não está ainda
assegurada.
Os grandes países -- e sem qualquer ufanismo, o Brasil tem tudo para ser um deles
-- atravessam alguns períodos cruciais em sua formação histórica. Esses períodos
determinam estruturas, comportamentos, mentalidades e objetivos nacionais que
constituirão por longo tempo a base do que serão esses países e de como participarão do
sistema internacional.
Foi o caso da Espanha de Carlos V, da França de Luís XIV, da Grã-Bretanha no
final do século XVIII e início do século XIX e dos EUA no final do século XIX até o
New Deal de Roosevelt -- duas ou três décadas de transformações e consolidação que
forjaram a personalidade interna (política, econômica e social) e internacional
(diplomática e estratégica) desses países e lhes deram traços duradouros como Nações e
como forças dominantes nas relações internacionais em seus respectivos períodos de
apogeu.
Sem que seu projeto nacional contemple uma vocação de hegemonia regional ou
internacional como os países que acabo de citar, o Brasil sem dúvida está reunindo um
bom potencial para dar um salto qualitativo tanto em seu desenvolvimento interno
quanto na sua inserção internacional. Esse potencial é a resultante de diversos avanços
que o país tem conseguido a partir da sua consolidação como uma democracia, uma
sociedade majoritariamente urbana, uma economia industrial moderna e diversificada e
com um grau crescente de interação com o mundo.

152
Essas tendências não se vão firmando sem resistências, mas constituem resposta
adequada a dois imperativos básicos do país: o primeiro, o da consolidação da
cidadania, base fundamental da soberania no mundo moderno e fonte de legitimidade e
poder do Estado; o segundo, o de valer-se adequadamente da inexorabilidade da nossa
inserção internacional para dela extrair o maior número possível de benefícios concretos
– em geração de riqueza, empregos e apoio para o desenvolvimento econômico e social
– ao menor custo possível.
Essas são, de fato, as duas realidades mais novas e desafiadoras em que o Estado
brasileiro deve mover-se:
- a primeira, a crescente preeminência do cidadão, em sua vertente política de
eleitor e na sua vertente econômica de produtor e consumidor, no Estado e no Governo
e portanto como objetivo das políticas e
- a segunda, a crescente globalização da economia -- um termo que se tornou lugar
comum, mas que é efetivo para descrever uma realidade objetiva (não se confundindo,
portanto, com um movimento ou uma ideologia contra a qual é possível insurgir-se).
- entre essas duas realidaddes, uma terceira se afirma de maneira ainda
desconhecida no Brasil, com implicações certas, mas indeterminadas, sobre o futuro da
nossa inserção internacional: o nosso federalismo, que se afirma às vezes, no plano
internacional, com certo grau - maior ou menor dependendo das situações - de sintonia e
coordenação com a política externa da União.
É evidente que a questão da cidadania, como fator principal da estruturação do
Estado, do Governo e das políticas nacionais, tem a maior relevância para a análise que
estamos fazendo. Sem o fortalecimento da cidadania em todas as vertentes - o fim da
marginalidade e da exclusão, uma notável melhoria nos indicadores sociais, uma melhor
relação entre a cidadania e o Estado, uma noção de pertinência nacional mais forte em
todas as classes e regiões - o poder nacional brasileiro ficará muito aquém do seu
potencial, mesmo realisticamente reconhecendo que podemos ser apenas uma potência
média, de expressão regional e sem maior poder estratégico.

7.4. Alguns desdobramentos previsíveis nas relações


internacionais nos próximos vinte e cinco anos
7.4.1. A homogeneização da vida internacional
O primeiro desdobramento é a acentuação da homogeneização da vida
internacional em torno das duas forças centrais da democracia e da liberdade
econômica. É evidente que continuará a haver exceções a essa tendência, mas o
provável é que elas se confinem cada vez mais à periferia do sistema internacional. Em
termos territoriais e populacionais, a tendência deve ser a de que a imensa maioria da
humanidade viverá sob o domínio dessas duas formas ou ao menos da liberdade
econômica. É o que se comprova com o processo de ingresso da China na OMC, o
último grande passo a ser dado pelo sistema multilateral de comércio rumo à sua plena
universalização.
Essa homogeneização reforça-se também pelo fato de que, no horizonte
previsível, as relações internacionais serão dominadas, do ponto de vista estratégico-
militar, pelo unipolarismo, com o predomínio da única superpotência remanescente do
período anterior, os Estados Unidos, cuja perda -- apenas relativa -- de poder econômico
em nada alterou sua condição de único ator global capaz de jogar e influir nos diversos

153
tabuleiros diplomáticos. É verdade que a China e a Europa começam a despontar como
pólos também de poder político e estratégico, mas sua força ainda é e será, por várias
razões, muito mais regional nos próximos anos.
A China, por estar ainda em fase de completar uma complexa transição econômica
que ainda redundará em uma necessária transição política, difícil de prever em seus
contornos e conseqüências, até porque nessa equação entra a questão da realização do
destino manifesto chinês, a consolidação de uma só China. A Europa, reforçada política
e economicamente pela entrada em vigor da União Monetária e Econômica, e
estrategicamente pelo avanço na definição de uma política de segurança comum, estará
ocupada nos próximos anos com o processo de incorporação gradual dos treze países
candidatos à adesão reconhecidos na cúpula de Helsinque de 1999, ao mesmo tempo em
que ainda deve gastar muita energia na consolidação dos avanços representados pelos
Tratados de Maastricht e Amsterdã. Mesmo com capacidade para influenciar de forma
decisiva alguns dos grandes jogos da cena internacional - prova disso é o que ocorreu na
conferência da OMC em Seattle, em dezembro de 1999 - a Europa ainda terá um longo
caminho de necessária e compreensível introspecção.
Mesmo estando distantes dos anos em que respondiam por mais de 40% do
produto mundial, os EUA continuarão a ser o principal mercado individual do mundo,
provavelmente o mais aberto, mas também o que, com maior facilidade, recorre a
medidas unilaterais de proteção e de busca de acessos no exterior. A crescente ascensão
econômica da Europa - em particular da Alemanha, da China e do Japão, embora
cruciais e determinantes no planejamento estratégico-diplomático brasileiro, não deve
alterar essa realidade a não ser em termos relativos. Trata-se de uma realidade que é
preciso compreender e com a qual é preciso saber operar.

7.4.2. Intensificação da diplomacia econômica


Um segundo desdobramento previsível -- e até certo ponto já mapeado e definido
por entendimentos realizados ou em curso -- será a intensificação da integração regional
e da articulação entre regiões, de que são exemplos os processos já lançados, mas
projetados para um futuro de médio a longo prazo, das negociações para a criação da
Área de Livre Comércio das Américas e para a criação de uma área de livre comércio
entre o Mercosul e a União Européia. Na verdade, os próximos anos apresentarão cinco
campos - ou tracks, para usar uma expressão técnica - de negociação econômico-
comercial para a diplomacia brasileira, cinco campos que irão conviver lado a lado e
exigirão não apenas um enorme esforço negociador, mas, sobretudo, um inusitado
esforço definidor das posições e interesses nacionais e setoriais brasileiros. Falo das
negociações de:
- consolidação e aprofundamento do Mercosul, mediante a identificação de um
novo impulso criador, possivelmente o estabelecimento do objetivo de uma moeda
comum, com tudo o que ela significa em termos de prévia coordenação de macro-
políticas;
- a expansão horizontal (geográfica) do Mercosul e as negociações entre o
Mercosul e outros países e agrupamentos latino-americanos;
- as negociações para a criação da ALCA;
- as negociações Mercosul-União Européia;
- as negociações na OMC, que poderão conduzir finalmente a uma próxima
rodada global.

154
Tudo isso sem falar no tratamento das questões comerciais tópicas - painéis da
OMC, casos de anti-dumping, adoção de medidas unilaterais restritivas por parceiros
nossos, novas barreiras ao comércio internacional ou regional, etc. Ou seja, o Brasil
prepara-se para viver a etapa mais densa e agitada da sua diplomacia econômica
multilateral, seja ela sub-regional, regional ou universal.
O próprio curso atual do Mercosul permite antever o que será nas próximas duas
décadas: um processo intensificado de integração, a partir de um núcleo algo ampliado
de Estados-Membros, que irão aprofundando os mecanismos do Mercado Comum por
meio de um crescente número de políticas internas concertadas (direitos do consumidor,
proteção da propriedade intelectual, regime de salvaguardas e defesa contra práticas
desleais de comércio, etc.) e com um conjunto importante de acordos de livre comércio
com outros países da região e fora dela.
Mas o Mercosul precisará rapidamente gerar um novo impulso criador,
semelhante ao que lhe permitiu avançar tanto nos seus primeiros nove anos de
existência. Para isso, conta com algumas vantagens óbvias: funcionou de fato como um
fator de dinamização das economias e do comércio regional e internacional dos países
que o integram, passou a ser parte importante da identidade internacional desses países,
é uma força aglutinadora na América do Sul, trouxe ganhos reais para as economias que
o integram e é objeto de grande consenso interno nos países-membros, tendo
rapidamente assumido a condição de política de Estado, independente das alterações
provocadas pelo funcionamento da democracia e por mudanças nos quadros econômicos
nacionais.
Ou seja, o Mercosul tem futuro porque teve um bom passado e vive um presente
de crise criativa, em que vários de seus aspectos podem ser questionados, mas jamais o
seu valor e a utilidade da sua consolidação e aprofundamento.
O aumento da competição internacional - por mercados, por investimentos e por
tecnologias - é apenas um corolário desse processo descrito pelo conceito de
globalização. A intensificação das correntes de investimentos, combinada com a
crescente homogeneização e universalização de regras, apresentará a mais curto prazo o
desafio do tratamento multilateral da proteção e promoção dos investimentos. A ênfase
na regulamentação universal dos chamados novos temas do GATT só tende a crescer
com a consolidação da globalização.
Competitividade e produtividade continuarão a ser as alavancas principais das
relações econômicas internacionais e a conquista de mercados será não apenas um
objetivo, mas também um instrumento para intensificar a capacidade de competir dos
países.
Dois elementos particularmente negativos associam-se a esse fenômeno.
O primeiro é a persistência previsível do problema do desemprego em várias das
economias desenvolvidas e em desenvolvimento. O desemprego, talvez a grande
questão nacional e internacional da nossa época, é um problema econômico e social que
já adquiriu a condição de primeira prioridade política em todo o mundo. Seu efeito
imediato é intensificar a agressividade das economias por ele afetadas, na busca de
mercados e oportunidades, e tolher de certa forma a disposição de investir no exterior,
pelo receio de extrapolar o limite do aceitável na alegada “exportação de empregos”.
O segundo é a persistência previsível do protecionismo. A competição
internacional e o fenômeno do desemprego deverão continuar a alimentar atitudes
protecionistas e políticas unilaterais de comércio, apesar de o mundo contar hoje com

155
um sistema multilateral de comércio mais coercitivo, sob a égide da Organização
Mundial de Comércio e do seu sistema de solução de controvérsias.
Proteção ambiental, preocupações sociais, trabalhistas, ambientais e com os
direitos humanos e mais recentemente a segurança alimentar - muitas delas legítimas e
pertinentes, embora não devam ser objeto do tipo de regulamentação contratual que faz
a OMC - proporcionam matéria adicional para fórmulas novas de protecionismo. Essa
será uma área que exigirá redobrada atenção de um país como o Brasil, especialmente
em duas áreas distintas de atuação: a prevenção da incidência de novas barreiras
protecionistas e a melhoria substancial dos nossos próprios padrões nessas áreas hoje
objeto de crescente atenção por parte dos consumidores e da sociedade civil organizada.
Um contraponto igualmente perigoso do protecionismo são as práticas desleais de
comércio - dumping, subsídios ilegais, utilização de mão de obra não-remunerada,
subfaturamento e outras -, que constituem um fenômeno que se universalizou e se
acentuou com a agressiva ampliação da participação dos países asiáticos no comércio
internacional.
Nada indica que, no curto ou médio prazos, essa tendência se atenue ou
desapareça; ao contrário, a forte competição internacional só tende a alimentar esse tipo
de práticas, o que valoriza imensamente não apenas a Organização Mundial de
Comércio, mas também o desenvolvimento, em um país como o Brasil, de mecanismos
eficazes de proteção contra essas práticas desleais ou predatórias de comércio.

7.4.3. Uma agenda política carregada ainda de conflitos e desafios


Ainda no plano do racionalmente previsível, as relações internacionais
continuarão marcadas pela presença de radicalismos em certos países ou regiões e pela
ação desestabilizadora de Estados ou movimentos radicais que preferem o caminho da
marginalidade em relação às grandes tendências contemporâneas. Corolário adicional
do fim de uma ordem bipolar rígida foi a continuação, e mesmo a acentuação, de
conflitos localizados - novas guerras de independência, choques de fronteira, conflitos
étnicos, criação de “no man's lands” no interior de países soberanos ou em áreas em
disputa, sempre com graves distúrbios humanitários. Uma conseqüência disso será a
persistência do fenômeno do terrorismo e sua pressão sobre a agenda internacional.
No mesmo capítulo da agenda internacional negativa, fenômenos como o crime
organizado transnacional, o narcotráfico e a exploração predatória do meio ambiente
continuarão presentes, em parte como conseqüência da falta de coesão social em um
grande número de países, em parte como resultado das facilidades crescentes que a
própria globalização oferece em termos de comunicações e meios tecnológicos à
disposição das redes criminosas.
A dificuldade de se dar uma solução efetiva ao problema da demanda por drogas
nos países consumidores tende a eternizar uma relação de mercado pura: onde há
demanda, haverá oferta; onde o comércio, e não a demanda, é reprimida, o aumento dos
preços tende a compensar mesmo os riscos crescentes do negócio.
Soma-se a isso uma sensação crescente de impunidade internacional na área do
narcotráfico, do crime organizado e da corrupção. A lavagem de dinheiro é facilitada
pela existência de paraísos fiscais e mecanismos de sigilo bancário, enquanto a
permeabilidade dos sistemas políticos de vários países permite que os criminosos de
certa forma consigam proteção e santuário.

156
Quanto ao meio ambiente, a equação tende a tornar-se cada vez mais complexa,
na medida em que crescem as pressões pela exploração de recursos naturais, inclusive
das riquezas da biodiversidade, na proporção em que crescem as pressões internas e
internacionais pela preservação do patrimônio ambiental de países que, como o Brasil,
são grandes repositórios de recursos minerais, florestais e hídricos e apresentam rica
variedade de ecossistemas ainda intocados ou apenas parcialmente afetados pela
atividade humana.
Há um lado positivo nessas preocupações, na medida em que elas encorajam uma
visão mais abrangente do patrimônio nacional, que vai muito além do território e dos
recursos neles existentes para englobar a preservação e o uso sustentado desses recursos
e o combate a práticas predatórias. Mas é um tema com forte impacto político e
diplomático, ainda que tenha havido uma desmobilização internacional depois de
passada a Rio-92.
Ainda na agenda negativa, o fenômeno da imigração ilegal parece longe de se
reverter, especialmente na medida em que diversos mecanismos que operam sob a
globalização produzem ou acentuam as desigualdades dentro dos países ou entre os
países.
Como país de migração hoje significativa em direção ao exterior -- um fenômeno
novo do ponto de vista social e diplomático para nós --, o Brasil deve acompanhar com
crescente atenção o fenômeno, na medida em que ele gera não apenas restrições
importantes ao livre trânsito internacional de pessoas, mas também atitudes individuais
ou coletivas de discriminação nos países recipiendários e políticas de contenção e
reversão das correntes migratórias nesses países. O crescimento da xenofobia é um
corolário desse fenômeno e pode afetar também a comunidade brasileira no exterior.
Nada autoriza tampouco a acreditar em um fim próximo de focos de instabilidade
e conflito nos antes chamados segundo e terceiro mundos. As tensões étnicas e políticas,
o renascimento do nacionalismo radical e os conflitos distributivos têm estado na raiz de
tragédias como a da Bósnia, da Somália, do Burundi, de Ruanda, do Kosovo. As forças
da desagregação e do conflito continuam muito vivas e presentes nesta passagem de
século, e com uma violência desafiadora. A própria banalização da tragédia, depois das
duras experiências vividas pela humanidade ao longo de décadas deste século, é sintoma
de que os conflitos, embora acabem despertando reações vigorosas como a da
intervenção da OTAN no Kosovo, causam muito dano antes de que possam ser
contidos.
Não há garantia explícita, nos desenvolvimentos mais recentes da história
mundial, de que será possível evitar novos focos de conflitos como esses, na medida em
que as suas causas profundas não são resolvidas e em que a comunidade internacional
mostra grande relutância em se envolver diretamente nos países afetados. Ao contrário,
vivemos uma época de fortalecimento dos nacionalismos, dos sentimentos de identidade
étnica, cultural e religiosa, para não mencionar a identidade regional. O próprio
fortalecimento da chamada “Europa das Regiões”, que se acentua com a criação de uma
moeda supranacional (a moeda é uma das marcas por excelência da soberania nacional
nos moldes tradicionais), tenderá a gerar em áreas fora do sistema europeu uma
emulação, só que sem os marcos de referência nacional e européia que hoje atenuam,
em vez de agravar, os localismos em países como a Alemanha, a Espanha, a França, a
Itália, para citar apenas os de maior extensão territorial dentro da União Européia.
Tem havido desenvolvimentos positivos em algumas regiões, como na África
Austral, que ressurgiu como área de interesse para a comunidade internacional em razão

157
do fim do apartheid e do encaminhamento de alguns dos conflitos nacionais ou sub-
regionais. No entanto, o quadro sócio-econômico adverso em boa parte do continente, e
os conflitos que continuam a ocorrer na região, ainda qualificam os prognósticos que se
possam fazer.
O Oriente Médio tem demonstrado ser ainda uma área volátil, que encontrou o
caminho da paz – e, portanto, do desenvolvimento – em um processo complexo,
submetido a fortes pressões e sujeito a grande instabilidade. É possível fazer uma aposta
nesse processo, como, aliás, o Brasil tem feito, mas trata-se ainda de uma situação que
recomenda cautela. Pela presença na população brasileira de comunidades influentes e
expressivas cujas origens são daquela região, o quadro do Oriente Médio desperta
interesse especial.
Pacificado, o Oriente Médio rapidamente se transformará em uma área dinâmica
do mundo em desenvolvimento, por sua condição de encruzilhada entre continentes e
por sua vocação para o comércio internacional. Mas ainda poderá permanecer como
uma grande interrogação enquanto se mantiver aberta uma só das numerosas
possibilidades de conflito que reúne.
Os países da Ásia deverão continuar a liderar as estatísticas de crescimento do
produto e de participação no comércio, apesar do susto que a economia asiática passou
em 1997. Prova disso foi a rápida reação que a região teve. Um importante
desenvolvimento ocorreu em 1997 com a incorporação de Hong Kong à China. Será
fundamental observar essa interseção de dois sistemas políticos distintos que dão
expressão a duas economias poderosas, com uma extraordinária vocação de participação
no comércio internacional e nos fluxos de investimentos.
No campo da não-proliferação e do desarmamento, deve prosseguir a tendência
atual de universalização de regras e de participação nos diversos esquemas multilaterais,
como ficou patente na recente aprovação, por esmagadora maioria -- um virtual
consenso --, do Tratado de Proscrição Completa dos Testes Nucleares. Cada vez mais, o
custo político -- e certamente o custo tecnológico -- do desvio da norma serão grandes.
As exceções, as reticências, serão cada vez mais limitadas e com visibilidade crescente,
como acaba de ficar patente na recusa do senado norte-americano em autorizar o
executivo a ratificar o CTBT - um passo que ainda é reversível, mas que não deixou de
agregar dúvida e ceticismo às preocupações geradas pela intensificação da corrida
nuclear e missilística na Ásia.
Há ainda muito a percorrer nesse campo, e os desafios no terreno da não-
proliferação apenas aumentaram com o acirramento da corrida missilística e nuclear na
Ásia. Essa corrida não deixou de mostrar o lado particularmente perverso da
proliferação: o uso político interno do prestígio alcançado e a complicação ainda maior
das disputas geopolíticas que estão na raiz dessas políticas de poder.
A tendência nos próximos anos será a de buscar ampliar os controles nessas áreas,
ao mesmo tempo em que certos países procurarão se capacitar melhor contra a ameaça
concreta proveniente do desenvolvimento de arsenais missilísticos ou nucleares
próximo às suas fronteiras. A própria decisão norte-americana de dotar-se de um
sistema nacional de defesa antimísseis poderá ter um efeito adicional de incentivo ao
aperfeiçoamento das tecnologias missilísticas, ao mesmo tempo em que deixa mais
vulneráveis países que seriam a segunda opção para um ataque missilístico por parte de
algum Estado aventureiro ou marginal.

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O Brasil, que está em uma região virtualmente desarmada, e que teve com a
Argentina a extraordinária experiência de confidence building na linha do que França e
Alemanha fizeram, tem não apenas um interesse especial no desarmamento e na não-
proliferação, mas uma boa contribuição a dar nessa área.

7.4.4. A nova realidade das colônias brasileiras no Exterior


Essa já longa descrição de alguns dos traços mais marcantes do mundo em que
deveremos nos movimentar nesta mudança de século poderia concluir com a menção de
uma realidade nova para nós: a presença, em diversos pontos do globo, de imigrantes
brasileiros, que já vão constituindo colônias brasileiras em vários países.
Essas colônias, cujo vínculo com o Brasil interessa profundamente ao Estado
brasileiro, têm efeitos muito claros sobre as nossas relações exteriores, na medida em
que geram uma necessidade de proteção e acompanhamento por parte do Governo e na
medida em que contribuem para criar laços mais fortes, e de uma natureza diferente,
com os países recipiendários.
A tendência previsível nos próximos anos é de consolidação dessas comunidades,
que começam a participar intensamente da vida econômica e social de muitas cidades e
regiões no exterior e parecem estar destinadas a durar.

7.5. O Brasil e o mundo no início do século XXI


Objetivamente, a continuada melhoria da inserção internacional do Brasil, nos
rumos e no ritmo que se vem processando, dependerá da continuidade das políticas de
estabilização, abertura econômica, desestatização, retomada do crescimento e reforma
social.
Meus interlocutores no exterior têm sido enfáticos em dois aspectos: em louvar os
progressos que temos feito e seu impacto positivo nas relações do Brasil com os
principais parceiros em todo o mundo, e na expectativa de que as tendências
responsáveis por essa significativa alteração qualitativa da inserção externa do Brasil se
sustentem e ultrapassem os limites temporais de um ou dois mandatos presidenciais.
A mera indicação de uma possibilidade de retorno a políticas condenadas pelo
passado -- crescimento à base de inflação, políticas populistas, arroubos ideológicos,
discriminação dos investimentos produtivos estrangeiros, controle estatal de setores da
economia, protecionismo tarifário e não-tarifário exacerbado, apoio a práticas
corporativistas, excessos de regulamentação e tantas outras -- seria suficiente para
literalmente queimar os ganhos significativos que temos obtido, expressos, entre outros,
pelo aporte continuado de investimentos diretos que o Brasil tem recebido em forma
sustentada e pelo crescimento, ainda que aquém do que se espera da oitava economia do
mundo, do nosso comércio exterior nos dois sentidos.
Da mesma forma, será preciso intensificar as políticas sociais e de recuperação
dos nossos indicadores. O Plano Real e a perspectiva de uma inflação de níveis
civilizados no têm tido um efeito social sustentado, expresso na melhoria do padrão
alimentar e de consumo da população de mais baixa renda. Tudo autoriza antever que a
partir desse patamar básico será possível ampliar a conquista social da estabilidade
monetária para as áreas da educação, da saúde e da habitação, e que em alguns anos se
verão os efeitos das políticas que têm sido seguidas com êxito, mas sem alarde (até
porque são mesmo políticas de longo prazo) pelo Governo brasileiro.

159
O Brasil depende de progresso sensível e sustentada dos seus indicadores sociais
para consolidar a sua democracia e estabilizar sua sociedade, além de melhorar o seu
desempenho econômico. Estes anos serão decisivos para marcar essa mudança
qualitativa no projeto de desenvolvimento brasileiro e, portanto, na ação da nossa
diplomacia: crescer levando em conta a dimensão social, preparar-se melhor para jogar
o jogo das relações internacionais com base em fontes reais de poder, em credenciais
firmes nas áreas de padrões trabalhistas, proteção do meio ambiente, direitos humanos,
segurança alimentar.
Um elemento particularmente importante para a inserção externa do Brasil nestes
próximos anos é a definição de uma política de defesa nacional que harmonize e
maximize a ação das três forças singulares e engaje a sociedade brasileira através da
consciência do imperativo de proteger adequadamente o nosso território, o nosso
patrimônio ambiental, nossos valores e nossa identidade cultural e nacional.
Trata-se de adequar os meios de defesa nacional aos fins a que se destinam:
proteger um território continental, formado por diversos ecossistemas distintos, com
variados graus de desenvolvimento e problemas de toda a ordem. Trata-se de estender
sistematicamente a presença e a soberania efetiva do Estado brasileiro a todo o território
nacional, promovendo um sentimento de inclusão das populações que hoje podem ter
razões para se sentir menos conectadas ao restante da Nação.
Essa política unificada já foi objeto de elaboração no âmbito da Câmara de
Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo. Sua definição,
fundada em uma concepção realista e pragmática dos objetivos e das prioridades, foi
feita com base em amplas consultas e coordenação entre os órgãos interessados e as
forças singulares.
Ela certamente abrirá uma nova perspectiva para o planejamento estratégico e
para a ação governamental em todo o território brasileiro, permitindo otimização dos
recursos humanos, materiais e financeiros e maior eficiência em matéria de defesa
territorial e patrimonial do Brasil.
A intensificação da política externa do Governo Fernando Henrique fornece
outros elementos de preparo para que o Brasil possa ingressar no século XXI capacitado
a prosseguir em um projeto de desenvolvimento econômico e social que atenda às
necessidades de um país que terá cerca de duzentos milhões de habitantes nesse
horizonte de tempo que venho analisando.
O relançamento das nossas principais parcerias e a exploração de novas parcerias
-- na África, na Ásia, no Oriente Médio deverão deixar em poucos anos o patrimônio de
uma política externa verdadeiramente universal, ou seja, cuja rede de relações tem uma
base concreta de natureza econômica e comercial.
Esse patrimônio será enriquecido pelo fortalecimento do multilateralismo
econômico, comercial e regulatório nos próximos anos: regras universais e transparentes
para regular as múltiplas esferas do relacionamento econômico, financeiro, comercial e
tecnológico devem facilitar o desenvolvimento das relações do Brasil com cada um dos
seus parceiros individuais, na medida em que a economia brasileira continue a crescer
em complexidade, dinamismo e grau de inter-relação com o mundo.
A consolidação vertical do Mercosul, ou seja, seu aprofundamento além da área
de livre comércio com união aduaneira e tarifa externa comum, e sua ampliação
horizontal, com a incorporação de alguns novos membros plenos e a associação de

160
parceiros por meio de acordos, deverão ser uma das linhas-mestras da política externa
brasileira nestes próximos anos.
Esse será o instrumento que nos permitirá participar com intensidade das
negociações para a Área de Livre Comércio das Américas, com um continuado sentido
de realismo e as cautelas necessárias para evitar uma exposição precoce e nociva das
economias do Mercosul a novo choque de liberalização sem que antes se tenham
consolidado as transformações e ganhos perseguidos pelo amplo choque anterior.
Permitirá também que ampliemos nossas relações comerciais com a União Européia e
com outras regiões, utilizando a alavancagem do Mercosul, que já se firmou como uma
marca de êxito.
Hoje é possível pensar nessa possibilidade e antevê-la no futuro previsível. Afinal,
se prevalecerem a sabedoria e o bom senso, e se soubermos sustentar e ampliar as
tendências atuais, essa etapa que estamos começando nos consolidará como uma
potência média, estável politicamente, saudável economicamente e socialmente justa --
algo que multiplicará o orgulho que começamos a sentir hoje quando nos vemos no
espelho do mundo e nos preparamos para enfrentar o início do próximo século.
____________
Este texto é uma reedição de conferência proferida em outubro de 1996, no III Encontro
Nacional de Estudos Estratégicos, realizado no Rio de Janeiro.

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