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Epicuro1
Vida e obra
A biografia de Epicuro é reconstituída por Diógenes Laêrcio, no livro X de sua Vida e
doutrinas dos filósofos ilustres, com base em informações inconsistentes e controversas
vindas de antagonistas e de simpatizantes do filósofo. Cidadão ateniense do demos de
Gargetos teria nascido Epicuro, em 341, na ilha de Samos quando seus país, Neocles e
Queréstrata, eram colonos nos territórios dominados por Atenas. Detratores disseram que
Epicuro, como o pai, foi um mal pago mestre-escola, e que ajudava a mãe a explorar os
pobres recitando em suas casas fórmulas expiatórias. Como tenha sido, Epicuro aprendeu
em seu próprio lar o gosto pelos estudos e como a credulidade dos homens podem trazer-
lhes sofrimentos.
Sua inclinação para filosofia parece ter se manifestado quando ainda tinha catorze anos e
se frustra com a inaptidão dos mestres-escolas em explicar-lhe a origem do “caos” de
Hesíodo. O primeiro ensinamento filosófico parece ter recebido do incógnito platônico
Pamfilo. Em Téos, entre os anos 327-324, Epicuro segue Nausifanes, um filósofo
democriteano com elementos céticos que escreveu a Trípode, uma obra de epistemologia
que pode ter influenciado a canônica epicurista. Epicuro rompe com Nausifanes e na
intenção de mostrar total desligamento do antigo mestre, se declara um autodidata. Em
322-321, aos dezoito anos Epicuro chega a Atenas para efebia (treino militar), e por essa
ocasião pode ter ouvido lições de Xenócrates na Academia platônica. Terminada a efebia,
ele se junta a família em Colófon, para onde migraram quando os colonizadores
atenienses, após a morte de Alexandre, foram expulsos de Samos por Perdicas. Em cerca
de 311, Epicuro muda-se para Mitilene, onde funda seu primeiro círculo filosófico. De
Mitilene era o filósofo peripatético Praxifanes que, junto com Nausifanes, Diógenes
Laércio elenca como professor de Epicuro – um dado duvidoso. Talvez por razões
políticas (uma suposta adesão a uma rebelião contra o rei macedônico Antígonas
Monoftalmo), em torno de 309 Epicuro muda-se para Lâmpsaco, onde funda uma escola
filosófica; o discipulado que forma nessa cidade inclui os mais célebres seguidores e com
os quais o mestre continuará a manter vínculo e contato epistolário. São eles Metrodoros
– amigo próximo e colaborador de Epicuro – e seu irmão Timocrates – que, porém, afasta-
se de Epicuro e dar início a uma verdadeira “campanha difamatória” contra o mestre; e
ainda Polieno, Leonteu e sua esposa Temista, Colote e Idomeneus. A experiência em
Lâmpsaco foi o momento de Epicuro aprofundar, evoluir e consolidar sua doutrina.
É em 306 que Epicuro se fixa definitivamente em Atenas, onde por uma quantia
relativamente modesta, 80 minas, compra uma propriedade pouco afastada (fora da Porta
do Dipylon) que possuía um jardim, em grego kepos, fazendo dela a sede de sua escola,
aberta às mulheres, a cortesãs e escravos. “O kepos de Epicuro foi de fato uma
comunidade de amigos isenta de sedições, inspirada por uma vontade comum e
1
O presente texto é ficha de leitura da exposição das doutrinas de Epicuro por Francesco Verde (In: Spinelli,
E. (org.). Storia della filosofia antica. Roma: Carocci, 2016) para ser usado em sala de aula; sua circulação
é restrita.
2
Da Natureza, em trinta e sete livros; Dos Átomos e do Vazio; Do Amor; Epitome dos
Livros Contra os Físicos; Contra os Megáricos; Problemas; Máximas Principais; Do
que Deve Ser Escolhido e Rejeitado; Do Fim Supremo; Do Critério, ou Cânon;
Cairêdemos; Dos Deuses; Da Santidade; Hegesiânax; Dos Modos de Vida, em quatro
livros; Da Maneira Justa de Agir; Neocles, a Temista; O Banquete; Eurilocos, a
Metrôdoros; Da Visão; Do Ângulo no Átomo; Do Tato; Do Destino; Opiniões sobre os
Sentimentos, Contra Timocrates; Prognóstico; Exortação à Filosofia; Das Imagens; Da
resentação; Aristôbulos; Da Música; Da Justiça e das Outras Formas de Excelência;
Dos Benefícios e da Gratidão; Polimedes; Timocrates, em três livros; Opiniões sobre as
Doenças e a Morte, a Mitres; Calistolás; Da Realeza; Anaximenes; Epístolas.
Citações curtas das obras de Epicuro aparecem em outros escritores (por exemplo,
Plutarco, Sexto Empírico e os comentaristas gregos de Aristóteles), muitas vezes tiradas
do contexto ou apresentadas de maneira polêmica e distorcida. (A edição padrão das obras
de Epicuro em grego é Arrighetti 1973; a coleção mais completa de fragmentos e
testemunhos ainda é Usener 1887). Além disso, várias obras de Epicuro, incluindo partes
de seu principal tratado, Sobre a Natureza (Peri phuseôs) – uma série de palestras com
37 rolos de papiro – foram recuperadas em condições danificadas da biblioteca de uma
vila na cidade de Herculano, que foi enterrada na erupção do Monte Vesúvio em 79 d.C.
A biblioteca quase certamente continha a coleção de trabalho de Filodemo de Gádara, um
filósofo epicurista da Síria que estudou em Atenas e se mudou para a Itália no primeiro
século a.C. Muitos dos registros consistem nos próprios escritos de Filodemo e fornecem
informações valiosas sobre questões posteriores da história do epicurismo. É preciso ser
cauteloso em atribuir essas opiniões ao próprio fundador, embora a escola tendesse a ser
conservadora e pensadores tardios mais embelezavam que alteravam os próprios
ensinamentos de Epicuro.
Mais ou menos contemporâneo de Filodemo é Lucrécio (século I a.C.), que compôs em
latim o De rerum natura (Sobre a Natureza das Coisas; o título, se for do próprio
Lucrécio, é uma adaptação de “Sobre a Natureza”). Seis livros em verso hexâmetro, o
metro característico da poesia épica e didática. Como um dedicado epicurista, apaixonado
por promulgar a mensagem do fundador, Lucrécio reproduziu fielmente a doutrina
epicurista (Sedley, 1998; Clay, 1983, permite a Lucrécio mais originalidade). Seu poema
concentra-se principalmente nos aspectos físicos e psicológicos ou epistemológicos do
epicurismo, e em grande parte omite o ético. De um ponto de vista hostil, Cícero recitava
e criticava as ideias de Epicuro, especialmente em relação à ética, em vários de seus
trabalhos filosóficos, incluindo o Sobre os fins morais (De finibus) e Disputações
Tusculanas. Ainda mais tarde, no segundo século a.C., outro Diógenes ergueu uma
grande inscrição, até hoje apenas parcialmente escavada, na cidade de Enoanda (no
sudoeste da Turquia), que continha os princípios básicos do epicurismo (edição
autorizada por Smith 1993, mas novos fragmentos foram publicados posteriormente, ver
também Gordon 1996, Hammerstaedt et alii, 2017). (Konstan).
O epítome filosófico
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Epicuro se distinguiu também pela composição de máximas, ou seja, frases muito curtas
mas certamente eficaz. A motivação por que Epicuro escreveu compêndios está tanto no
fato de que filosofia (epicurista) dever ter uma aplicação direta e concreta às diferentes e
pontuais circunstâncias que a vida cotidiana estabelece, mas também pela diversificação
dos destinatários aos quais os epítomes são destinados. Se os conteúdos da filosofia
devem ser aplicados à vida cotidiana por se tratar da questão de se obter felicidade, eles
devem ser condensados em curtas epístolas ou em materiais maximamente sintéticos que
podem ser facilmente memorizados. A brevidade está diretamente conectada à memória;
a brevidade das epístolas e máximas, na verdade, permite sua memorização rápida.
Naturalmente, Epicuro não apenas escreve epítomes, mas também trabalhos mais longos
e mais complexos como o Sobre a natureza, em 37 livros. Entre a composição de obras
como o Sobre a natureza e a escrita de epítomes não existe contradição; isso fica claro se
se tem presente a diversificação dos destinatários. A este respeito, o incipit da Epístola a
Heródoto (35-36) é um texto particularmente lúcido; a epístola é dirigida àqueles que:
1. não podem se dedicar (devido a habilidades intelectuais ou por causa de ocupações
diárias) ao estudo de grandes obras como o Sobre a natureza;
2 tendo progredido no estudo da natureza o suficiente, são capazes de se orientar em todas
as doutrinas;
3. ter atingido o conhecimento perfeito da saberia transmitida pela proposta filosófica de
Epicuro.
mais complexos sobre a natureza, mas também aqueles que já alcançaram conhecimento
completo e ótimo para que não “se perca” excessivamente nos detalhes doutrinários,
sabendo como trazê-los de volta de tempos em tempos para os princípios fundamentais
da filosofia. (Verde).
O sistema filosófico
A canônica
É ainda Diógenes Laércio (X 31) quem transmite a lista de critérios que Epicuro estudou
em seu Canones.
O primeiro critério (fundamental) é a sensação (aisthesis) que deve ser considerada uma
mera gravação passiva do fato de que algo externo afeta nossos órgãos sensoriais
(incluindo a dianoia ou mens).2 A sensação é, portanto, em todo caso verdadeira, pois se
limita a registrar que existe algo externo que afeta materialmente os órgãos dos sentidos;
por essa razão, a sensação não é apenas a-racional (alogos), mas também privada de
memória (mneme). A sensação, na verdade, simplesmente registrando o impacto externo
não produz qualquer elaboração racional precisa dos conteúdos, nem é capaz de lembrar
os diferentes “impactos” que também registrou. Apesar dessas “limitações”, a sensação,
sendo sempre verdadeira, desempenha um papel fundamental na canônica e, mais em
geral, na filosofia de Epicuro.
2
Ep. Herod. 49. One must also believe that it is when something from the external objects enters into us that
we see and think about their shapes. (…) 50. then, for this reason, they give the presentation of a single,
continuous thing, and preserve the harmonious set [of qualities] generated by the external object, as a result of
the coordinate impact from that object [on us], which [in turn] originates in the vibration of the atoms deep inside
the solid object. And whatever presentation we receive by a form of application, whether by the intellect or by
the sense organs, and whether of a shape or of accidents, this is the shape of the solid object, produced by the
continuous compacting or residue of the image. Falsehood or error always resides in the added opinion <in the
case of something which awaits> testimony for or against it but in the event receives neither supporting testimony
<nor opposing testimony>.
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continuamente elas se destacam. Evidentemente, dado que os eidolas são corpos, sua
estrutura, viajando a velocidades muito altas no ar ou na água, pode alterar-se; isso não é
de todo significativo para a aisthesis, que, de fato, simplesmente registra o choque dos
simulacros com os órgãos sensoriais.
Qualquer pesquisa que se pretenda realizar sem erros deve necessariamente partir das
prolepseis que, precisamente por causa de seu status verdadeiro, são capazes de julgar a
exatidão ou não de opiniões e, portanto, do que está sendo investigado, sem o risco de
mal-entendidos ou confusão (cf. Ep. Herod. 37-38). Ao contrário da prolepse, a
hipolepsis (hypolepsis), cujo conteúdo é objeto da opinião (doxaston), pode ser
verdadeira ou falsa5; será verdadeira, quando for confirmada diretamente (epimartyresis)
ou não receber provas em contrário (ouk antimartyresis) da evidência sensível, ao passo
que será falsa, quando receber prova em contrário (antimartyresis) ou não for confirmada
(ouk epimartyresis) sempre pelo testemunho verdadeiro dos sentidos. O caso do exame
da verdade ou falsidade do que é objeto de opinião (to doxaston) demonstra o papel
decisivo desempenhado pela enargeia, a evidência sensível que é necessário considerar
exatamente como “banco de prova” essencial da filosofia Epicuro. Entre a aisthesis
entendida como o primeiro critério e a enargeia há certamente um relacionamento, mas
não uma identidade direta; já foi observado que a sensação, considerada como um cânone,
é a-racional (portanto não permite o recurso a epilogismos) e é verdadeira, pois é limitada
a registrar um impacto externo; portanto, a verdade da sensação coincide adequadamente
com a realidade do impacto externo. É por isso que as visões dos tolos e os sonhos são
verdadeiros; de fato, eles estão conectados precisamente a essa colisão que, em última
análise, é um movimento e o que não existe não pode produzir movimento algum (ver
Diógenes Laércio X 32). A enargeia, por sua vez, é sempre verdadeira em um sentido
mais elaborado e complexo do que da verdade (= realidade) da aisthesis; quando
5
Ep. Herod. (34) Os epicuristas chamam também a opinião de suposição [hypolepsis], e distinguem a opinião
verdadeira da falsa; a opinião é verdadeira se a evidência dos sentidos a confirma ou não a contradiz; é falsa se a
evidência dos sentidos não a confirma ou a contradiz. Por isso eles introduziram a frase “aquilo que espera
confirmação”, como quando estamos na expectativa e nos aproximamos da torre e percebemos como ela é de perto.
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Diógenes Laércio afirma que as prolepseis são evidentes (enargeis: X 33) quer dizer que
são verdadeiras não só porque se constituem a partir das sensações, mas porque o
epilogismos, aplicando-se ao material sensível e tirando dele aqueles dados essenciais
(obviamente verdadeiros) que constituirão a prolepsis de um determinado objeto, legitima
o estatuto verdadeiro da prolepsis, que não se limitará a ser verdade apenas porque
registra um impacto externo do simulacro como a aisthesis, mas será verdade, por assim
dizer, “em todos os aspectos”. O caso da existência dos deuses da Epístola a Meneceu
(123) é exemplar: os deuses existem na medida em que seu conhecimento (gnosis) é
evidente (enarges). A evidência do conhecimento da existência dos deuses depende não
apenas do fato (relacionado apropriadamente à aisthesis) que os deuses, sendo agregados
atômicos (mas muito particulares), emanam simulacros que atingem nossa dianoia, mas
também do fato de que a prolepse da divindade (ligada às suas características essenciais
de incorruptibilidade, aphtharsia, e bem-aventurança, makariotes) como critério é capaz
de deslegitimar o estatuto verdadeiro daquelas (falsas) hipolepseis ou opiniões (relativas,
por exemplo, à ira ou benevolência dos deuses em nossos confrontos) que o vulgo
erroneamente aplica aos deuses.
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(104) Somente o mito deve ser excluído, e será excluído se nos apegarmos corretamente aos fenômenos e a partir
destes procedermos por indução à interpretação das coisas que não caem no âmbito dos sentidos.
7 (58) É necessário considerar ainda que o mínimo perceptível na sensação não corresponde àquilo que pode ser
atravessado, nem difere totalmente disso; há até algo em comum com as coisas passíveis de serem atravessadas, sem
que haja, porém, distinção de partes. Mas, quando em decorrência da analogia resultante da propriedade comum
supramencionada, cremos distinguir alguma coisa no mínimo – uma parte de um lado e outra parte do outro lado –, um
outro mínimo igual ao primeiro deve aparecer diante de nossos olhos. Vemos esses mínimos, a começar do primeiro,
um depois do outro, em série e não no mesmo corpo, nem tocando com suas partes as partes de outro, e sim, em sua
própria característica de unidade indivisível, proporcionando um meio de medir magnitudes; o número desses mínimos
é maior se a magnitude medida é maior, e é menor se a magnitude medida é menor. (59) Deve-se admitir que essa
analogia também se aplica ao mínimo existente no átomo. Obviamente este difere em pequenez do mínimo percebido
por nossos sentidos, porém segue a mesma analogia. De acordo com a analogia das coisas que caem no âmbito de
nossos sentidos, afirmamos que o átomo tem magnitude, e esta, pequena como é, meramente reproduzimos numa escala
maior. Mais ainda: adaptando um procedimento lógico restrito ao campo do invisível, devemos conceber as partes do
átomo como sendo mínimas e imunes à mistura por serem extremidades das extensões, fornecendo por si mesmas a
unidade de medida para as extensões maiores e menores mediante a aplicação da visão mental, já que a observação
direta é impossível. De fato, os pontos em comum existentes entre as partes mínimas e as partes indivisíveis e imutáveis
são suficientes para justificar a conclusão a que até agora chegamos. Não é possível, entretanto, uma agregação das
partes mínimas do átomo, como se elas fossem capazes de mover-se.
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evidente, a saber, o movimento; tal fenômeno é o signo a partir do qual inferir por analogia
a existência do vazio: o movimento de um determinado corpo, de fato, só é possível se
não for impedido por outro; portanto, se o movimento é dado, então, por isso, é possível
inferir a existência do vazio.
Epicuro teria tratado desses três critérios de verdade no Cânon; Diógenes Laércio (X 31),
contudo, informa que os epicuristas acrescentaram um quarto critério (que Epicuro
evidentemente não examinou na canônica e que o próprio Diógenes também não analisou)
ou as aplicações representativas do pensamento (epibolai phantastikai tes dianoias).
As notícias fornecidas por Diógenes não são imediatamente compreensíveis,
especialmente se considerarmos o fato de que o termo epibole aparece em vários lugares
da obra epicurista (por exemplo, na Epístola a Heródoto). Sem entrar em muitos detalhes,
para explicar a informação laerciana pode-se supor que, embora Epicuro usasse em seus
escritos com certa frequência o termo epibole, não o considerou, todavia, critério; foram
então os epicuristas posteriores quem o elevaram ao posto de critério da verdade. A
phantastike epibole tes dianoias deve ser considerada, primeiro, como o modo perceptivo
da dianoia; a mente, sendo um órgão sensorial materialmente formado por átomos,
percebe como os outros órgãos sensoriais, mas de uma maneira, por assim dizer, mais
“sutil” e elaborada. A epibole tes dianoias, nesse sentido, não indica apenas o ato
perceptivo da mente, mas também uma “aplicação” ativa da mente ao material perceptivo.
As representações resultantes originalmente do fluxo contínuo de simulacros que atingiu
a mente se constituem precisamente em virtude da epibole que, consequentemente, não
desenvolve apenas um papel passivo, mas também ativo na elaboração, por assim dizer,
“representativa” do material perceptivo. (Verde).
A física
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(34). Eles dizem que os sentimentos (ou afecções) são dois: o prazer e a dor, que se manifestam em todas as criaturas
humana, e que o primeiro é conforme à natureza humana, e a outra lhe é contrária, e que por meio dos dois são
determinadas a escolha e a rejeição.
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Dado que tudo o que existe nem vem do nada nem termina no nada (se esse não fosse
o caso, de fato, o testemunho dos sentidos que, precisamente, atesta claramente a
existência contínua das coisas, resultaria falaz; cf. Ep. Herod. 38-39), todas as coisas se
reduzem a átomos e vazios, princípios eternos e indissolúveis que, quando reunidos,
constituem cada corpo agregado (sygkrisis). As coisas, então (desde o que não é animado
como, por exemplo, uma pedra, até seres vivos, dos deuses aos infinitos mundos), nada
mais são do que agregados de átomos e de vazio; os átomos que possuem
intrinsecamente a causa de seu movimento, tendem continuamente a se agregarem
de acordo com suas formas, mas eles também têm a capacidade de se desagregarem
e isso é possível, em particular, em virtude da presença do vazio dentro de cada
agregado. Se os agregados têm um começo e um fim de sua existência, isso
obviamente não se aplica aos átomos (e ao vazio) que são eternos e indissolúveis; esta
é a razão por que somente os agregados podem ter qualidades, como a cor. Corpos
9 Tudo aquilo que tem um nome, encontrá-lo-ás ou inerente a uma destas coisas ou como acidental. É inerente tudo o
que não se pode separar ou abstrair do corpo sem a destruição deste, como, por exemplo, o peso da pedra, o calor do
fogo, o fluido da água, a tangibilidade de todos os corpos, a intangibilidade do vazio. Mas a escuridão, a pobreza e a
riqueza, a liberdade, a guerra, a paz, tudo aquilo que, por chegar ou partir, não modifica a natureza dos corpos, tem,
segundo nosso costume e como é justo, o nome de acidental.
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(68) (...) Não devemos todavia crer que as formas e cores, e as magnitudes e os pesos e todas as qualidades predicadas
a um corpo enquanto são propriedades constantes de todos os corpos ou dos corpos visíveis, passíveis de ser conhecidas
pela sensação dessas mesmas qualidades, sejam naturezas existentes por si mesmas (isto é inconcebível), (69) nem
totalmente inexistentes, nem como outros incorpóreos aderentes a esse corpóreo, nem como parte deste; devemos então
crer que o corpo inteiro deriva sua própria natureza permanente de todas essas qualidades sem ser um amontoado delas
– como quando das mesmas partículas próprias se forma um agregado maior, por serem grandezas primárias ou
grandezas inferiores ao todo, seja este o que for (repito, entretanto, que devemos simplesmente crer que o corpo deriva
de todas essas qualidades sua própria natureza permanente). E todas essas qualidades têm seus modos característicos
de ser percebidas e distinguidas, porém sempre em conexão com o complexo do corpo do qual são inseparáveis. E o
corpo apresenta seus predicados somente se é concebido na visão de sua substância integral. (70) As qualidades
agregam-se freqüentemente aos corpos sem lhes serem permanentemente concomitantes. Elas não devem ser
qualificadas entre as entidades invisíveis nem são incorpóreas. Por isso, usando o termo “acidentes” no sentido mais
comum, dizemos claramente que “acidentes” não têm a natureza da coisa toda à qual pertencem, que chamamos de
corpo concebendo-a como um todo, nem têm a natureza das propriedades permanentes sem as quais o corpo não pode
ser pensado. Em decorrência de certos modos peculiares de apreensão em que o corpo completo sempre entra, cada um
deles pode ser chamado de acidente, (71) mas somente quando se vê que pertencem realmente ao corpo, já que tais
acidentes não são permanentemente concomitantes. Não é necessário banir da realidade essa evidência imediata de que
o acidente não tem a natureza daquele todo ao qual pertence, a que damos o nome de corpo, nem a natureza das
propriedades permanentemente concomitantes; por outro lado, não é necessário pensá-los como sendo existentes por
si mesmos – isso é inconcebível não somente para os acidentes mas também para as propriedades permanentes –, mas,
como parece claro, deve-se pensar em todos eles como acidentes dos corpos, e não como propriedades perenemente
concomitantes; não é tampouco necessário pô-los entre as coisas dotadas de existência autônoma, devendo ser vistos
antes em sua particularidade, tal qual é revelada pela própria sensação.
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eternamente imutáveis não podem ter qualidades que naturalmente podem variar com o
tempo, como no caso da cor. Consequentemente, qualidades como a cor pertencem apenas
aos agregados; um dado corpo, portanto, terá certas qualidades dependendo da particular
configuração e estrutura específica assumida pelos átomos na agregação. Diferentemente
dos agregados, os átomos não têm qualidades; as únicas características que possuem
são de ordem “quantitativa” e são a forma (schema), o peso (baros) e a grandeza
(megethos).
Sem dúvida, a característica fundamental do átomo (da qual derivam suas outras, tais
como eternidade, impenetrabilidade e indissolubilidade) é a sua indivisibilidade ou,
mais literalmente, sua “não cortabilidade”. O átomo é um corpo tão sólido e duro
que não é divisível seja em sentido físico seja em sentido teórico (admitido que tal
distinção seja plausível no contexto do epicurismo). É propriamente na estrutura
interna do átomo que é possível observar uma primeira e clara diferença com o
atomismo de Leucippo e Demócrito; o átomo de Epicuro, de fato, é materialmente
constituído por elementos mínimos (ta elachista) de natureza físico-corporal (e não
teórica, portanto) que são unidades de medida (katametrema) da grandeza do
próprio átomo. Dependendo do número e da disposição desses mínimos no seu
interior, o átomo terá um certo tamanho e, portanto, uma certa forma e um certo
peso. Uma vez que o átomo é um corpo limitado, o número de mínimos no átomo
não poderá ser senão do mesmo modo limitado, consequentemente, a gama de
formas (de tamanhos e de pesos) dos átomos não pode ser infinita, embora para cada
“exemplar” [de átomo] o número de átomos será infinito. Os átomos, portanto, são
infinitos mas o número de suas formas, apesar de ser inconcebivelmente alto, é finito. Na
opinião de Francesco Verde, há ao menos dois aspectos mais interessantes desta
doutrina; o primeiro diz respeito à forma seguida por Epicuro para justificar a
existência dos elachista, o segundo diz respeito ao problema da indivisibilidade do
átomo, embora sendo estes constituídos de “partes” ulteriores. A doutrina dos
mínimos é um exemplo claro de metabasis analógica; Epicuro a fim de legitimar a
existência dos mínimos no átomo, parte dos chamados “mínimos sensíveis”, isto é, as
menores partes de um determinado corpo que ainda se pode perceber. A partir destes e,
em particular, de suas “propriedades”, Epicuro infere por analogia, os mínimos atômicos,
que diferem dos sensíveis em primeiro lugar pela pequenez (mikrotes). Ainda que o
átomo seja constituído por mínimos, ele não deve ser considerado como um corpo
agregado: se assim fosse, de fato, o átomo poderia se desintegrar como um corpo
qualquer. Para superar essa dificuldade espinhosa, Epicuro na Epístola a Heródoto (59)
define os mínimos atômicos como “limites” (perata). Sem entrar em muitos detalhes,
Epicuro provavelmente usa o termo “limite” na acepção aristotélica. Aristóteles (por
exemplo, no tratamento da relação entre o “agora”, to nyn, e o tempo) fez uma clara
distinção conceitual entre “parte” (to meros) e “limite” (to peras). Enquanto a
“parte” é capaz de medir e, além disso, pode ser separada daquilo de que faz parte
(se, de fato, digo que x é parte de y, afirmo não só que x pode medir y, mas também que
x pode separar-se de y), isso não vale para o limite; este não pode ser separado daquilo
de que é limite (de acordo com o exemplo anterior, se x é o limite de y, x nunca pode ser
separado de y; se isso acontecesse, x não seria mais limite de y; cf. Aristóteles, Phys. IV,
10, 218a6-24). Deste modo, definindo os mínimos como “limites” (mas atribuindo-lhes a
função de unidades de medida que, porém, Aristóteles atribuiu à “parte”), Epicuro
preservou a integridade e indivisibilidade do átomo. A doutrina dos mínimos é uma parte
integrante da filosofia de Epicuro que, entre outras, teve seu próprio desenvolvimento
dentro do Jardim: os epicuristas (ou talvez já Epicuro que se ocupa com o conceito de
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(72) Há ainda outro ponto a ser considerado cuidadosamente. A investigação acerca do tempo não deve ser conduzida
de forma idêntica à relativa a todos os acidentes que pesquisamos em um assunto, ou seja, referindo-os às
preconcepções que contemplamos em nós mesmos; devemos considerar o tempo em analogia com a evidência imediata,
como resulta de nossas expressões “muito tempo” e “pouco tempo”, aplicando-lhe em conexão íntima esse atributo de
duração. Não é necessário recorrer a outras designações presumivelmente melhores; basta-nos adotar as expressões
usuais a seu respeito. Tampouco devemos atribuir ao tempo outro predicado qualquer e adotar outro termo como se
tivesse a mesma essência contida na significação própria da palavra “tempo” (algumas pessoas fazem isso), mas
principalmente devemos refletir sobre aquilo a que atribuímos esse caráter peculiar de tempo e com que o medimos.
(73) E isso não necessita de demonstração ulterior; basta refletirmos que correlacionamos o tempo com os dias e as
noites e as partes destes e destas, e também com os sentimentos de prazer e sofrimento e os estados de movimento e
imobilidade, e quando usamos a expressão “tempo” pensamo-lo como um acidente peculiar a esses detalhes.
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em não deixar espaço a compromissos de qualquer tipo, não exclui a existência dos
deuses. Por muito tempo (e, pode-se dizer, até hoje), Epicuro, devido a uma verdadeira
“má publicidade” perpetrada contra ele pelo menos a partir de Timócrates até os
dramaturgos (Damoceno), a Cícero e os Padres da Igreja, foi considerado o ateu por
excelência. Se “ateu” é aquele que nega qualquer atividade (seja providencial ou não) à
divindade, Epicuro é certamente um ateu; se, em vez disso, por ateu se entende quem
nega a existência dos deuses, Epicuro não só não é um ateu, mas sua reverência aos
deuses era um fato bem conhecido (cf. Diógenes Laércio X 10, bem como Lucrécio,
Rer. Nat. V 52-53). A este respeito, já foi mencionada a passagem da Epístola a Meneceu
(123) em que Epicuro afirma que os deuses existem (theoi [...] eisin), de fato, o
conhecimento (gnosis) que temos deles é evidente (enarges). A evidência a que
Epicuro se refere, só pode ser aquela sensível; os deuses, como de resto os mundos,
são agregados atômicos (mas absolutamente particulares) antropomórficos (esta
conclusão é alcançada por analogia) que vivem eternamente felizes nos espaços entre
os mundos (metakosmia; cf. Cícero, De nat. deor. I 8 18; Pseudo Hipólito, Ref. I 22 3 11-
13 Marcovich = 359 Us.) e que, portanto, eles não se identificam nem com os mundos,
nem com os planetas, o que constitui uma clara deslegitimação da teologia astral. A
motivação de suas características peculiares (incorruptibilidade e bem-aventurança) ainda
é de novo genuinamente física; o corpo (ou melhor, o quasi corpus: Cícero, De nat. Deor.
I 18 49) atômico dos deuses, como qualquer agregado, emana simulacros o tempo todo,
no entanto, os átomos perdidos nas emanações destas imagens são
constantemente/eternamente compensados de acordo com aquele modo de
“ressarcimento atômico” que também acontece com corpos sólidos (steremnia) – mas
obviamente não eternamente – que Epicuro chama antanaplerosis (Ep. Herod. 48). Os
simulacros que se destacam dos deuses (cf. Cícero, De nat. deor. I 41 1 14; Lucrécio, Rer.
Nat. VI 76-78) – graças aos quais são constituídas suas prolepseis que contêm em si as
noções de incorruptibilidade e bem-aventurança – são recebidos pela mente sobretudo
(mas não exclusivamente) in somnis (cf. Lucrécio, Rer Nat. V 1171; também Sexto
Empírico, Adv. Math. IX 25 = 3 5 3 Us., e, em particular, a densa explicação ciceroniano
em De nat. deor. I 16 43-20 56 = 352. Us.).
A ética
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A ética é o coroamento e o verdadeiro fim da filosofia de Epicuro, uma vez que a própria
filosofia, sistematicamente organizada, é útil se, e somente se, for capaz de garantir a
felicidade a todos (jovens e idosos, como bem esclarece o “prólogo” da Epístola a
Meneceu, 122).
Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho,
porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem
afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é como se dissesse que
ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz. Desse modo, a filosofia é útil tanto ao jovem quanto
ao velho: para quem está envelhecendo sentir-se rejuvenescer por meio da grata recordação das coisas que
já se foram, e para o jovem poder envelhecer sem sentir medo das coisas que estão por vir; é necessário,
portanto, cuidar das coisas que trazem a felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos, e, sem ela,
tudo fazemos para alcançá-la. (trad. Lorencini e Carratore).
Quando então dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos aos prazeres dos intemperantes ou
aos que consistem no gozo dos sentidos, como acreditam certas pessoas que ignoram o nosso pensamento,
ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente, mas ao prazer que é ausência de sofrimentos
físicos e de perturbações da alma. (131) (trad. Lorencini e Carratore).
O limite da amplitude12 dos prazeres é a supressão de tudo que provoca dor. Onde estiver o prazer e durante
o tempo em que ele ali permanecer, não haverá lugar para a dor corporal ou o sofrimento mental, juntos ou
separados. (trad. J. Quartim de Moraes)
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Comenta Quartim: “O termo habitualmente utilizado para traduzir τὸ μέγεθος é grandeza ou magnitude.
A tradução literal seria, pois, limite da grandeza (ὅρος τοῦ μεγέθος). Mas que significa grandeza
relativamente ao prazer? Na Física aristotélica, o termo denota magnitude espacial, extensão corpórea,
portanto simultaneidade, por oposição ao movimento e ao tempo, que se inscrevem no sucessivo. Epicuro
aqui refere-se explicitamente ao tempo, mas para observar que em toda parte do corpo onde o prazer
permaneça sem sofrer solução de continuidade (ὅπου δ᾽ τὸ ἡδόμενον ἐνῇ, καθ᾽ὅν ἂν χρόνον ᾖ) não haverá
padecimento corporal ou mental. Não o considera, pois, na perspectiva da sucessão e sim enquanto átomo
de duração da sensação prazerosa. Por isso, parece-nos que a tradução mais adequada de τὸ μέγεθος neste
contexto é amplitude. Também por isso, entendemos ὅπου, com Margherita Isnardi Parente, mas
diferentemente de Hicks (que o traduz por "when"), em sentido local, que é o principal deste advérbio
relativo: onde está o prazer, não pode também estar a dor.”
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Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões
em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo
que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de
suportarmos essas dores por muito tempo. Portanto, todo prazer constitui um bem por sua própria natureza;
não obstante isso, nem todos são escolhidos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem
ser sempre evitadas. Convém, portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério
dos benefícios e dos danos. Há ocasiões em que utilizamos um bem como se fosse um mal e, ao contrário,
um mal como se fosse um bem.
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Não são, pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem a posse de mulheres e rapazes, nem o sabor dos
peixes ou das outras iguarias de uma mesa farta que tornam doce uma vida, mas um exame cuidadoso
[nephon logismos] que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição e que remova as opiniões
falsas em virtude das quais uma imensa perturbação toma conta dos espíritos. De todas essas coisas, a
prudência [phronesis] é o princípio e o supremo bem, razão pela qual ela é mais preciosa do que a própria
filosofia; é dela que originaram todas as demais virtudes; é ela que nos ensina que não existe vida feliz sem
prudência, beleza e justiça, e que não existe prudência, beleza e justiça sem felicidade. Porque as virtudes
estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade é inseparável delas (132).
Como já vimos, embora o prazer seja o bem primeiro e inato, nem todo prazer deve ser
escolhido, assim como nem toda dor deve ser evitada; o instrumento que examina as
causas das escolhas e recusas é o raciocínio sóbrio que, baseado no prazer definido como
ausência de dor, calcula e avalia os inconvenientes e as vantagens que provêm de toda
potencial escolha nossa (e, portanto, de todas as nossas recusas). Obviamente prazer, se
entendido no sentido da subtração da dor, não é um mal, Epicuro chega a dizer que
nenhum prazer é em si um mal, entretanto, os meios pelos quais procuramos certo
prazer, eles são frequentemente precursores de dor e aflição (cf. Rat. Sent. VIII =
Sentenças Vaticanas 50). Por esta razão, na Epístola a Meneceu (130) Epicuro escreve:
“Com base no cálculo [symmetresis] e na consideração [blepsis] dos úteis e danosos
devem todas essas coisas ser julgadas. Às vezes sentimos que o bem [agathon] é para nós
um mal, e inversamente o mal [to kakon] é um bem”. O substantivo symmetresis usada
pelo filósofo tem um valor muito significativo por ser um termo que indica corretamente
o ato de “medir juntos”, portanto, de “medir comparando”. Em virtude do raciocínio, é
possível calcular e avaliar ora a escolha ora a recusa a ser feita, comparando,
precisamente, as vantagens e as desvantagens, e tendo persistentemente como fim a
aquisição duradoura da felicidade.
Consideremos também que, dentre os desejos, há os que são naturais e os que são inúteis; dentre os naturais,
há uns que são necessários e outros, apenas naturais; dentre os necessários, há alguns que são fundamentais
para a felicidade, outros, para o bem-estar corporal, outros, ainda, para a própria vida. E o conhecimento
seguro dos desejos leva a direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade
do espírito, visto que esta é a finalidade da vida feliz: em razão desse fim praticamos todas as nossas ações,
para nos afastarmos da dor e do medo. (Ep. Men. 127-128)
Consideramos ainda a autossuficiência (autarkeian) um grande bem; não que devamos nos satisfazer com
pouco, mas para nos contentarmos com esse pouco caso não tenhamos o muito, honestamente convencidos
de que desfrutam melhor a abundância os que menos dependem dela; tudo o que é natural é fácil de
conseguir; difícil é tudo o que é inútil. Os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as
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iguarias mais requintadas, desde que se remova a dor provocada pela falta: pão e água produzem o prazer
mais profundo quando ingeridos por quem deles necessita. Habituar-se às coisas simples, a um modo de
vida não luxuoso, portanto, não só é conveniente para a saúde, como ainda proporciona ao homem os meios
para enfrentar corajosamente as adversidades da vida: nos períodos em que conseguimos levar uma
existência rica, predispõe o nosso ânimo para melhor aproveitá-la, e nos prepara para enfrentar sem temor
as vicissitudes da sorte (Ep. Men. 130-131).
Apenas os primeiros desejos [os naturais e necessários] devem ser perseguidos com
insistência e convicção, se alguém pretende alcançar a imperturbabilidade; os
desejos naturais e necessários estão principalmente relacionados à frugalidade da vida e,
em particular, à satisfação das necessidades básicas, ou seja, a fome, a sede e o não sentir
frio. Epicuro exorta a escolher constantemente alimentos frugais não apenas porque tais
alimentos satisfazem o apetite causado pela fome exatamente como uma comida suntuosa
poderia fazê-lo, mas também porque o “pouco” é mais facilmente alcançável (a
natureza, de resto, não requer nada que não seja facilmente adquirível) em comparação
com o “muito”; neste sentido, habituar-se ao pouco não só nos permite satisfazer
totalmente e com o máximo gozo cada necessidade, mas leva a contentar-se com o pouco
quando não se tem muito: “Grita a carne: não sinta fome, não sinta sede, não sinta frio;
quem sente essas coisas e espera senti-las, mesmo com Zeus, pode competir em
felicidade” (Sentenças Vaticanas 33). A função da phronesis se insere perfeitamente neste
contexto, embora seu “espectro de ação” seja mais amplo comparado com o do nephon
logismos; a phronesis também contribui para a avaliação racional das vantagens e
desvantagens decorrentes das escolhas e recusas, mas se fosse limitada a isso, não se
compreenderia por que é mais apreciável do que a filosofia.
13I. Aquele que é plenamente feliz e imortal não tem preocupações, nem perturba os outros; não é afetado pela
cólera ou pelo favor, já que tudo isso é próprio à fraqueza.
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epicurista, um tipo do vademecum útil em todos os casos que a vida diária põe diante
nós:
1. os deuses não podem incutir medo porque a natureza divina é intrinsecamente feliz e
imortal, portanto, sendo inativa precisamente porque ela é feliz, não causa (ou elimina)
dores e perturbações;
2. a respeito da morte, Epicuro e os epicuristas estavam bem conscientes de viver em uma
cidade sem muros (polis ateichistos)14, todavia, a morte não deve ser temida, pois deve
ser considerada como a ausência de sensação (anahisthesia); já que prazer e dor estão
exclusivamente na sensação, e a morte é privação de sensação, ela não será absolutamente
nada (ouden: isto é, não trará nem prazer nem dor) para nós (pros hemas);
3. prazer é subtração de dor, por isso é facilmente acessível e, enquanto persistir, não
haverá dor;
4. a dor não deve incutir medo, pois não pode durar continuamente (synechos): a dor
máxima dura um tempo mínimo (elachistos chronos) e, se for o caso, conduz rapidamente
à morte (que não é nada para nós e, portanto, não nos perturba), enquanto uma dor rápida
que apenas excede um pouco do limiar do prazer não dura muitos dias, mas se também
durasse, sendo uma dor de pouca magnitude, será absolutamente suportável.
Até este ponto, a ética de Epicuro pode aparecer fundamentalmente solipsista; mas se
lemos atentamente o encerramento da Epístola a Meneceu, é claro que este não é o caso,
e que, de fato, a dimensão comunitária é uma parte essencial da ética. No final da carta,
Epicuro insta Meneceu a meditar dia e noite sobre o conteúdo da epístola sozinho
(seautoi) e com aqueles que lhe são semelhantes (homoion). A amizade (philia),
considerado um bem imortal pela mesma filosofia (Sentenças Vaticanas 78) é o que rege
intrinsecamente a comunidade filosófica que se reúne com fervor, veneração e gratidão
em torno do mestre com quem discorre e conversa; ela surge originalmente pela utilidade
(chreia), mas depois se torna estável em virtude dessa comunhão (koinonia; cf. Diógenes
Laércio X 120) que liga indissoluvelmente os philoi. Filodemo virá dizer que até o fiel
amigo (ho bebaios philos) pode causar alguma dor, todavia, sua ausência é a causa de
maior aflição (De oeconomia XIII 15-19); a posição filodêmica é melhor entendida tendo
em mente que Epicuro considera a amizade como um tipo de fortaleza sólida onde
encontrar refúgio, conforto e segurança (na verdade, fala de asphaleia philias ou
segurança da amizade: Rat. Sent. XXVIII). Isso é possível porque a amizade está
intimamente ligada à aquisição de prazer e, portanto, de felicidade: o sábio, embora seja
autossuficiente e baste a si mesmo (cf. Ep. Men. 130), pode até morrer por seu amigo (cf.
Diógenes Laércio X 121), não só porque ele realmente sabe como mostrar gratidão (cf.
Diógenes Laércio X 8), mas também pelo fato de que é perfeitamente consciente de que,
em face da necessidade, é melhor dar do que receber e que o significado intrínseco de sua
independência (autarkeia) reside no altruísmo (cf. Sentenças Vaticanas 44). Se para um
epicurista o fim da vida está na imperturbabilidade, esta é mais facilmente acessível se se
II. A morte nada é para nós. Com efeito, aquilo que está decomposto é insensível, e a insensibilidade é o nada
para nós.
III. O limite da amplitude dos prazeres é a supressão de tudo que provoca dor. Onde estiver o prazer e durante
o tempo em que ele ali permanecer, não haverá lugar para a dor corporal ou o sofrimento mental, juntos ou
separados.
IV. A dor contínua não dura longamente na carne. A que é extrema permanece muito pouco tempo, e a que
ultrapassa um pouco o prazer corporal não persiste muitos dias. Quanto às doenças que se prolongam, elas
permitem à carne sentir mais prazer do que dor.
14 Uma pessoa pode obter segurança contra outras coisas, mas quando se trata da morte todos os homens vivem em
visa seriamente amizades estáveis e duradouras, era com base nessa koinonia que garante
plenamente a atmosfera de amável reciprocidade que o Jardim de Epicuro funcionava.
O tratamento da ética epicurista não pode eximir-se de considerar uma das contribuições
mais originais de Epicuro para o acalorado debate antigo sobre necessidade e liberdade,
destino e autodeterminação. O conteúdo doutrinário do livro XXV do Sobre a natureza
e a doutrina da paregklisis ou clinamen (relatada especialmente de Lucrécio, Rer. Nat. II
216-293) constituem a passagem obrigatória para seguir o fio das reflexões de Epicuro
sobre a questão da liberdade ou, melhor dizendo, da autodeterminação da ação.
significativo que entre as doutrinas epicuristas relatadas por Diógenes Laércio no décimo
livro não apareça aquela do clinamen; Diógenes reporta doutrinas e textos epicuristas
bastante antigos (a própria Epístola a Heródoto é um escrito provavelmente juvenil,
talvez até mesmo lampsaceno, disponível, portanto, antes da chegada do filósofo a Atenas
por volta de 306 a.C.): isso, portanto, poderia justificar a ausência desta teoria. Em todo
caso, nas partes sobreviventes do livro XXV do Sobre a natureza não há traço do
clinamen; não pode ser excluído que neste livro ou no resto da obra Epicuro tratasse da
declinação atômica, todavia, as seções legíveis do livro XXV apresentam uma particular
noção de liberdade entendida como “autodeterminação” ou, melhor, como
“independência de”, sem qualquer menção ao clinamen. Se Epicuro formulou uma noção
de liberdade que não conta com a doutrina do clinamen, é provável que àquela altura
cronológica ele não tinha investigado completamente a questão e tinha se convencido
(erroneamente talvez) de que, para justificar a independência da mens da matéria atômica
não era necessária inserir no mesmo movimento atômico (e, portanto, na ordem natural)
um desvio diretamente na matéria. Mais tarde, considerando que apenas tornando a
matéria indeterminada poderia realmente justificar a independência de um agregado
atômico (como a mente) da própria matéria, Epicuro teria teorizado a doutrina do
clinamen.
Nas seções sobreviventes do livro XXV, o tema central parece ser o estudo dos chamados
“produtos”, ou seja, os diferentes estados (físicos) da dianoia (apogennethen,
apogennomenon, apogegennemenon) durante seu desenvolvimento. O escopo que
Epicuro parece visar é legitimar a causalidade intrínseca e, por assim dizer, autônoma do
desenvolvimento de tais produtos, a fim de justificar a independência da dianoia da
própria constituição atômica. Nesse sentido, Epicuro critica, por um lado, a ideia de que
toda atividade desenvolvida pela mente é o resultado da constituição ou da systasis
atômica e, por outro, o fato de que o desenvolvimento da mente dependa de seu
relacionamento (mecânico) com a natureza e o ambiente externo. Entende-se, portanto,
que o argumento epicurista a favor da autodeterminação da mente se funda na atribuição
de um poder causal à particular systasis atômica da dianoia. Justificada tal capacidade de
autodeterminação, Epicuro pode legitimar o desenvolvimento moral do sujeito em vista
da plena realização da imperturbabilidade. Excluir que no livro XXV haja traço do
clinamen não legitima sustentar que a doutrina da declinação atômica não tenha relação
com a discussão do livro XXV. É, de fato, provável que a introdução da declinação
atômica responda exatamente a uma dificuldade que os argumentos levantados no livro
XXV não tenham resolvido. Ao admitir o poder causal autônomo da mente, a redução da
dianoia a sua estrutura atômica permanece um obstáculo não totalmente superado. A
introdução da declinação atômica, como descrita por Lucrécio, permite justificar
plenamente a autodeterminação da mente permanecendo dentro de um sistema
completamente materialista e atomístico.
O tratamento lucreciano do clinamen não é fácil; em todo caso, podemos dizer que as
consequências a que a declinação atômica conduz são fundamentalmente duas. A
primeira (física) diz respeito à agregação dos átomos, a segunda (físico-ética) diz respeito
à justificação da libera voluntas (reconhecidas ao sujeito) compreendida, porém, em
termos genuinamente “cinéticos”. Sobre a primeira consequência, Lucrécio argumenta
que admitir que os corpos mais pesados se movendo em linha reta no vazio caem sobre
os mais leves, criando assim choques, é completamente enganoso. No vazio os corpos,
pesados ou leves que sejam, se movem na mesma velocidade; a declinação serve,
portanto, para garantir as colisões entre os corpos e, em última análise, a própria
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