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O Poder e a Regra

Dinâmicas da Acção Organizada


de Erhard Friedberg
Edição: Instituto Piaget, abril de 1995

CAPÍTULO 11

A IMPORTÂNCIA DA ESTRATÉGIA DE
MUDANÇA

Considerar uma organização enquanto sistema de actores como


o produto emergente e por isso irredutivelmente contingente das
interacções que os seus membros mantêm uns com os outros e com
actores colocados no seu «meio» tem consequências profundas
sobre a maneira de conceber a sua mudança ou prever uma
intervenção que vise uma tal mudança.

Nenhuma regra geral, nenhum princípio universal virão já guiar


a acção de mudança. Esta é uma acção política, no pleno sentido do
termo, que não releva de uma lógica de optimização nem mesmo de
maximização. Enquanto acção política, vai buscar a sua
racionalidade e a sua legitimidade só aos actores que a têm e que a
inscrevem num contexto, isto é, a um sistema de actores empíricos
com as suas características, as suas estruturas de poder, as suas
capacidades e as suas regras do jogo. Como toda a acção política,
ela pode certamente alimentar-se de princípios e de valores de
alcance geral: mas não são unicamente esses valores que a
justificam e a legitimam, é a sua capacidade de transformar
efectivamente no sentido desejado l a estruturação do sistema de
actores em questão, ou seja, são os seus resultados.

1 o mesmo é dizer que, nesta perspectiva, já não há lugar para uma noção como «a resistência à
mudança», ou, pelo menos, dever-se-ia utilizá-la com muito mais circunspecção do que
habitualmente fazemos. A resistência com que uma acção de mudança pode deparar não deve
ser entendida como uma simples inércia atravessada no
Se a mudança vai numa outra direcção que não a desejada, não são
o contexto (o sistema de actores empíricos), a sua inércia ou a sua
irracionalidade que se devem censurar, mas a estratégia de
mudança, naquilo em que é guiada por princípios e métodos de
acção inadaptados que ignoram e desconhecem a estrutura
profunda e os mecanismos de regulação do sistema que se quer
transformar.
Somos portanto reconduzidos a uma perspectiva de caso a
caso, na qual o problema da estratégia de mudança tem um papel
central, isto é, o problema da formulação, por actores que
assumem o leadership na matéria, de um projecto e de uma orien-
tação de conjunto que possam lançar o processo de mudança. Este
projecto ou esta orientação de conjunto devem ser ao mesmo
tempo ajustados às características do sistema de actores de que
querem mudar a estruturação e suficientemente largos para
poderem servir de quadro à mobilização de outros actores do
sistema com vista à elaboração e aplicação colectivas dos
diferentes eixos e dimensões do projecto de mudança 1.

A RECUSA DE QUALQUER RACIOCÍNIO A PRIORI, A


CONTINGÊNCIA DAS SOLUÇÕES
E A IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO
o funcionamento de uma organização, segundo a abordagem
organizacional, corresponde à solução que actores relativamente
autónomos e agindo nos constrangimentos gerais de uma
racionalidade limitada encontraram para estruturar e regu-

caminho do progresso encarnado por essa acção de mudança. Deve ser lida como uma
expressão da estruturação do campo que se quer mudar, e, como tal, ela é talvez portadora
de indicações preciosas sobre a realidade do campo cuja estruturação se deseja transformar.
A «resistência à mudança» não é nem mais nem menos racional, nem mais nem menos
legítima que a acção de mudança que a provoca. Também neste caso, é tudo uma questão de
diagnóstico ou de situação.

lOque frequentemente se qualifica erradamente corno «declinação» de um projecto de


mudança, porque essa «declinação» é sempre muito mais que uma simples execução: é a
concretização de uma orientação necessariamente vaga em acções mais operacionais, cujo
conteúdo se repercute evidentemente no do projecto de partida.
lar a sua cooperação conflitual na procura de objectivos comuns.
Esta solução é contingente no sentido radical do termo: depende
das características técnicas, económicas, sociais e culturais do
contexto onde os actores estão colocados e, ao mesmo tempo, é
irredutível a essas características, porque também é criação
arbitrária e aleatória. Nenhuma lei universal, nenhum deter-
minismo, nenhum princípio abstracto podem explicar um fun-
cionamento. Não há explicação que não seja local e baseada num
conhecimento empírico das condições de trabalho e de cooperação
entre actores concretos.
Decorrem desta iniciativa pelo menos três consequências im-
portantes para a maneira como se pode ver a intervenção nas
organizações. A primeira é o reconhecimento da natureza com-
portamental da mudança organizacional. Intervir no funcionamento
de uma organização, tentar eliminar tal ou tal «problema»
percebido como nocivo ou «disfuncional», é sempre intervir num
sistema de actores que, em conjunto, e sem necessariamente o
querer, «constroem» e «mantêm» esse funcionamento ou esse
«problema» pelas suas acções, isto é, pelos seus próprios com-
portamentos.
É certo que toda a espécie de medidas, no plano formal e/ ou
técnico, podem revelar-se necessárias, seja para destrinçar uma
situação ou para desregular contextos nos quais rendas e desvios
monopolistas se criaram, seja simplesmente para «acalmar o jogo»
tentando «objectivar» tal ou tal relação, tal ou tal percepção. Mas,
na maior parte das vezes, essas medidas não fazem mais que abrir
novas oportunidades de comportamento. Enquanto as
oportunidades não forem apreendidas pelos actores que as
actualizam em novos modos de comportamentos, ficam em larga
medida sem efeitol.
O que acaba de ser dito não se aplica da mesma maneira nem
com a mesma pertinência a mudanças que digam respeito

1 Urna tal afirmação é demasiado abrupta, especialmente porque é extremamente difícil avaliar
com precisão os resultados de não importa qual mudança organizacional, justamente porque
se trata de um processo comportamental no tempo. Urna mudança, mesmo puramente formal,
pode ter repercussões no tempo, mesmo que a curto prazo nada pareça mexer-se. Portanto, a
dimensão temporal é aqui central.
à «estrutura formal» da organização e a mudanças técnicas. Estas
últimas, na verdade, arrastam um constrangimento muito mais
forte para os comportamentos e são por isso um motor claramente
mais constrangente para as mudanças de comportamento. Mas
convém não sobrestimar esta diferença. Com efeito, são muitos os
exemplos em que os benefícios tirados de tal ou tal mudança
tecnológica não são atingidos plenamente, não podendo os actores,
ou não querendo, construir os modos de cooperação necessários
para a exploração maximal das potencialidades da tecnologia. Foi
o que se verificou, por exemplo, aquando da instalação de cadeias
robóticas nas fábricas de automóveis. As imposições de
manutenção exigem a reforma completa das relações entre o
fabrico e a fieira técnica, reforma que precisa de muito mais tempo
que a simples instalação da tecnologia e que, enquanto ela não for
efectiva, impede a nova tecnologia de obter todas as vantagens que
dela se esperava1. O que é próprio dos saberes técnicos, nas
organizações, é depender de interfaces, isto é, da sua aplicação em
relações de troca e em comportamentos de cooperação. Uma nova
avaliação só se torna operatória se for trazida por redes de
cooperação adequadas.
Quer se trate de introduzir modificações de processos e outros
dispositivos aparentemente «moles» ou, pelo contrário,
aparelhagens e tecnologias novas aparentemente «duras», é a
modificação dos comportamentos reais que a intervenção deve
visar, o que implica um investimento na duração e sobretudo na
gestão da duração. A intervenção não é uma decisão pontual, é um
processo. Não se trata somente de dar um impulso inicial. É
preciso assegurar uma pilotagem contínua que reenquadre as
vicissitudes do dia-a-dia numa visão de desenvolvimento insti-
tucional a médio prazo, que inicie, acompanhe e apoie os pro-
cessos de aprendizagem necessários e que construa os circuitos de
informação que permitam seguir, interpretar e, se necessário,
corrigir a evolução no terreno.

1 Ver a propósito, entre outros, Midler (1991), Berry (1985) e Terssac (1992). Um outro
exemplo, vastas vezes sublinhado, é o da tecnologia informática. Ver, neste caso,
especialmente F. Pavé (1989).
A segunda consequência da natureza humana e contingente da
construção organizacional é o reconhecimento da ruptura que
existe entre a análise e o diagnóstico, duas operações que se
encaixam com demasiada frequência na vida quotidiana. De facto,
aos olhos da abordagem organizacional, qualquer modo de
funcionamento se justifica, e a análise, só por si, não pode dar
nenhum critério de julgamento ou de mudança. Uma análise
fornece tão-só os meios para compreender o funcionamento de
uma organização. Reconstrói as lógicas dos actores individuais e
colectivos em interacção, e mostra a «estrutura» que eles formam,
ou seja as principais clivagens e isolamentos que os atravessam
bem como as redes restritas de cooperação estreita que constituem
os seus pontos fortes. Põe assim em evidência a articulação dessas
lógicas num conjunto de jogos regulados de que analisa as
consequências, isto é, os constrangimentos que eles impõem à
liberdade de decisão e de acção de todos os actores do sistema e
que acabam por gerar uma dinâmica endógena de
desenvolvimento.
A partir do momento em que existem, esses jogos «funcionam»
de algum modo por definição. A análise pode, claro está, fazer
ressaltar a dinâmica que eles induzem e com isso revelar a
necessidade de uma correcção de trajectória 1. Mas, em si mesma e
sem contributo suplementar, ela não é uma avaliação, não permite
julgar e, portanto, não contém nenhum imperativo de acçã02. Este
decorre de uma decisão em relação à qual

1 Neste sentido, a evidenciação das tendências «espontâneas» do sistema, muitas vezes


ignoradas ou difíceis de apreender sem um mínimo de distanciamento, pode em si mesma
constituir uma incitação à acção, na medida em que uma extrapolação dessas tendências faz
surgir resultados tais que «se impõe» uma correcção da trajectória. 1-1as, mesmo neste
caso, a análise não leva automaticamente à acção, tal como não gera automaticamente a
direcção desejável dessa acção.

2 Contrariamente a uma compreensão redutora e simplista da contingência, nunca será demais


repetir que nenhum determinismo obriga as organizações a adaptarem-se às mudanças
ocorridas nos seus meios. Abundam os exemplos que mostram organizações incapazes de
operar as adaptações tidas por necessárias de um ponto de vista «ob jecti\·o». Mesmo
fazendo uma profissão de fé perfeitamente excessiva como é a crença ingénua em
mecanismos automáticos de adaptação, Hannan e Freeman (1989) têm razão ao
sublinharem a inércia estrutural das organizações. Ela é a consequência da autonomia
fundamental destas construções humanas.
a abordagem organizacional pode trazer uma ajuda, mas não uma
solução completa nem sequer um modelo normativo.
A análise só permite gerar um julgamento se se desenvolverem
critérios e normas em relação aos quais os elementos postos em
evidência pela análise podem ser julgados. Esses critérios e essas
normas não estão contidos na análise, não são trazidos por ela,
estão na cabeça de todos aqueles a quem ela se dirige e que dela
terão de tirar consequências. Estão contidos em todas as reacções
críticas aos resultados que a análise põe em evidência, em todos
os julgamentos feitos sobre o que esses resultados revelam,
julgamentos que se apoiam sempre em critérios do que é ou não é
desejável. São, portanto, exteriores e exógenos: podem provir do
analista que pode sempre ter as suas ideias sobre o assunto,
podem e devem vir sobretudo dos próprios actores do sistema e
especialmente daqueles que tomaram a iniciativa de uma acção de
mudança porque sentiram a necessidade da mesma. Esses critérios
podem também vir de outras disciplinas, de outros olhares e de
outros saberes sobre a organização. Pode-se mesmo dizer que no
fundo, a análise sociológica das organizações é incapaz de
fundamentar um diagnóstico. Este é instruído ou por análises
económico-estratégicas (o posicionamento da organização num
mercado, face aos seus concorrentes e aos seus clientes), ou por
julgamentos de valor, isto é, por uma ética, ou, o mais das vezes,
pelos dois ao mesmo tempo.

Estes critérios, se forem explicitados e forem objecto de um


verdadeiro trabalho de reflexão autónoma em relação à análise
propriamente dita, podem basear um diagnóstico - ou seja, em
simultâneo, a afirmação de um fosso entre um estado existente e
um julgado mais desejável - e uma tomada de iniciativa e de
responsabilidade para engrenar as acções que permitam realizá-lo.
É neste diagnóstico que reside a orientação da mudança e é ele
que transforma os elementos de uma análise em acção, mas não
essa mesma análise1.

1 Diga-se que o papel e a legitimidade profissional do sociólogo na elaboração deste


diagnóstico são completamente diferentes dos que desempenha durante a fase de análise.
O sociólogo tanto possui um ofício e uma especialização próprios que lhe
Além disso, essa acção é ela mesma profundamente contin-
gente, justamente na medida em que é o produto de um processo
de diagnóstico, ou seja de um processo social de formulação e de
decisão de um programa de acção 1 que incorpora julgamentos de
oportunidade e de «factibilidade» bem como considerações de
natureza mais «técnica». O mesmo é dizer que a natureza da
solução e o conteúdo concreto das acções para as quais nos
orientamos à vista dos resultados da análise e do trabalho de
diagnóstico que se seguiu não podem ser conhecidos a priori, mas
tiram a sua justificação do seu ajustamento às características
particulares da organização cujo funcionamento se procura
modificar.
Está aí a terceira consequência importante da natureza humana
e contingente da construção organizacional: a recusa de todo o
raciocínio e de toda a solução a priori, que anda a par da vontade e
da necessidade de edificar mudanças por medida, em função
precisamente dos elementos de um diagnóstico, e não em função
de convicções a priori, por mais generosas que sejam. Tal como não
há determinismo que condicione a construção organizacional, não
há para a mudança nenhuma receita universal ou solução
milagrosa «pronta a usar» que possa garantir o êxito em todos os
casos. Na medida em que é contingente, a mudança é um processo
aberto. Não realiza um modelo preestabelecido, procura que um
sistema de actores evolua, apesar dos bloqueamentos que o
paralisam, no sentido de uma maior abertura e de uma maior
capacidade2.

permitem afirmar a sua autonomia na fase de análise, como, na fase de diagnóstico, ele
reentra de algum modo na ordem. O seu oflcio, ou seja, a sua experiência passada que lhe
permite manter um mínimo de distância, singulariza-o ainda para dar uma ajuda à
ínterpretação dos resultados da análise e à sua utilização no estabelecimento do diagnóstico.
Mas a sua autonomia face ao seu campo (que é aqui o cliente) mudou profundamente.
Retomarei este assunto no capítulo seguinte.

1 Seja qual for, aliás, a forma que este processo tomou e as modalidades concretas (às quais
voltarei mais adiante).

2 Poder-se-ia retorquir que esta frase contém uma normatividade oculta e repousa sobre um
modelo preestabelecido que se ignora, partindo do princípio que uma organização deve ser
«curada» dos seus bloqueamentos e levada a um funcionamento mais aberto que permita
difundir mais capacidades de acção autónomas a um maior número de
A mudança constitui sempre, deste modo, uma aposta nas
possibilidades de evolução e de aprendizagem deste sistema de
actores, uma aposta sem nenhuma garantia de êxito. E o facto de
ela incorporar «tecnologias» de mudança não modifica em nada a
situação. Tudo é, mais uma vez, uma questão de apreciação das
possibilidades de evolução do sistema humano da organização
num dado momento. Tudo depende também da capacidade real de
criar as condições de desbloqueamento e de desenvolvimento
institucional e de gerir um processo de mudança através do qual
os actores interessados podem adquirir as capacidades necessárias
para fazer viver a nova dinâmica. Como demonstrarei a seguir,
uma mesma tecnologia de mudança consegue ou não engrenar
uma dinâmica de mudança em função das características do
sistema de actores no qual é introduzida e medidas de
acompanhamento que a «flanqueiam» e a apoiamo
Uma estratégia de mudança tem pois de inventar e articular
um conjunto de acções «por medida» que têm em conta carac-
terísticas específicas dos jogos e do sistema de actores cuja estru-
turação se trata de transformar. Apoiando-se nas oportunidades
particulares oferecidas por esses jogos e por esse sistema de
actores, uma tal estratégia pode deste modo ajudar razoavelmente
os actores respectivos a aplicarem os novos comportamentos cuja
adopção e aprendizagem condicionam em definitivo o êxito da
mudança desejada.
A aplicação de uma tal estratégia deve, bem entendido, apoiar-
se num conhecimento aprofundado e concreto das características
do sistema no qual se intervém. Deve, por outro lado, repousar
sobre uma abordagem global desse sistema e exige, além da
mobilização do conjunto dos actores interessados, a afirmação de
um leadership ou, se se preferir, de um entrepreneur-

de pessoas. Aceito perfeitamente esta nota e assumo essa normatividade, sem deixar de
estar consciente de que ela mereceria provavelmente longos desenvolvimentos. Digamos
simplesmente que vejo aí a aplicação, no domínio do funcionamento das organizações, de
um certo número de valores que me dizem muito e à frente dos quais se encontram a
democracia, a descentralização e a autonomia dos indivíduos.
ship social. Retomemos estes dois últimos pontos antes de re-
gressarmos, no próximo capítulo, ao problema do conhecimento; a
sua produção e a sua utilização constituem a contribuição própria
do sociólogo à intervenção nas organizações e nos sistemas
organizados.

A NECESSIDADE DE UMA ABORDAGEM GLOBAL

Como o demonstram todos os estudos e todas as análises, as


organizações em geral, e 'particularmente as grandes, são conjuntos
complexos. Os acontecimentos não obedecem necessariamente às
directivas e às injunções hierárquicas. Os diferentes níveis de
responsabilidade conhecem maIos problemas, as percepções e as
opiniões dos outros níveis. Os encadeamentos reais dos
acontecimentos são confundidos por múltiplas retroacções, nem
sempre desejadas nem previstas, que tornam extremamente difíceis
a atribuição de responsabilidades claras e a evidenciação de
cadeias de causa a efeito simples. As grandes organizações são por
outro lado segmentadas em múltiplos sectores e funções muito
diferenciados uns dos outros porque têm de tratar problemas e
estabelecer, bem como gerir no dia-a-dia, relações com segmentos
de meio ambiente eles próprios muito diversificados. Cada qual
desses sectores e dessas funções desenvolve a sua racionalidade, a
sua linguagem, a sua tecnicidade, o seu «ofício» e a sua lógica de
acção, cuja articulação nunca é simples. Finalmente, cada qual,
traduzindo um problema determinado na sua linguagem e na sua
técnica, impõe por sua vez uma segmentação dos problemas e das
soluções possíveis.

1 Na literatura sobre a mudança organizacional, o termo «intra-empresárío» conheceu uma


fortuna certa. Trata-se de indivíduos, a diferentes níveis da hierarquia, que se mobilizam para
uma iniciativa, um projecto, uma mudança, que conseguem mobilizar outros actores para os
seguir e, graças a isso, realizar a sua iniciativa, projecto ou mudança. A noção de empresário
social parece-me corresponder melhor à realidade visada. É um empresário no sentido em que
toma uma iniciativa, em que assume uma responsabilidade; acrescentei-lhe «social» para
sublinhar que a sua iniciativa é antes de tudo social, isto é, que se exerce pela mobilização e
animação de outras pessoas na condução de uma acção social.
Se acrescentarmos a tudo isto que as organizações constituem
também universos políticos em que a técnica, a comunicação e a
acção compreendem sempre uma dimensão estratégica, concebe-
se facilmente que nasçam no seu seio inúmeros diagnósticos
parciais e injustos que acabam por criar «bodes expiatórios»
técnicos e/ ou humanos que, com boa ou má fé, são
sobrecarregados com todos os males e feitos responsáveis de
todos os disfuncionamentos 1. Não vamos discutir problemas de
boa ou má fé que a criação de tais «bodes expiatórios» pode
esconder. Devemos, nesta como noutras matérias, desconfiar de
quem atribui demasiada intenção ou demasiada lucidez aos ac-
tores, porque a experiência mostra que a sua ignorância está mais
vezes em causa que a sua malevolência. Mas com boa ou má fé, o
problema é o mesmo. A organização conta constantemente, a si
mesma, histórias sobre ela própria 2. Reduz abusivamente os
problemas que enfrenta a falsas especializações e querelas
técnicas, segmenta arbitrariamente os encadeamentos de causa a
efeito, numa palavra, raciocina a partir de diagnósticos falsos que
desconhecem a complexidade real dos fenómenos e subestimam a
interdependência mais larga dos processos de interacção em
causa3.
Só há uma maneira de sair deste impasse. Tem de se relativizar
esses diagnósticos parciais e injustos restituindo-os a uma visão
global do sistema de actores em causa. Tem de se reconstruir a
complexidade real dos processos à frente das falsas sim-
plificações. De facto, nenhum problema é puramente técnico,
nenhum pode ser reduzido a uma única causa. São sempre

1 Em Managcmcnt cfandcstin, Michel Moullet (1992) descreve muito bem este processo e dá um
certo número de exemplos de bodes expiatórios que se encontram mais frequentemente nas
empresas.

2 Significando isso, claro, que os actores da organização contam constantemente histórias uns
aos outros.

3 Poder-se-ia acrescentar que antes mesmo das percepções e das interpretações erradas dos
actores, é a organização formal a primeira a induzir tais imputações e diagnósticos errados.
Com efeito, a sua própria existência é subtendida pela pretensão de representar a realidade
dos processos de funcionamento da organização. A partir daí, não se está longe de urna
inversão lógica completa: o que a realidade é suposto representar acaba por nela estruturar a
percepção e a interpretação.
também o produto das interacções entre actores e das regras do
jogo e dos arranjos através dos quais estas últimas são estabi -
lizadas. Se se quiser fazer mais que tratar dos sintomas, são a
natureza empírica desses arranjos e as suas consequências que é
preciso compreender, e são esses arranjos que devemos tomar por
alvo na intervenção. Noutros termos, um problema pode esconder
um outro, e é na reconstrução dos sistemas de actores, das suas
estruturas de poder, das suas regras do jogo e das suas lógicas de
funcionamento que se podem descobrir os encadeamentos
multidimensionais complexos que uma visão demasiado técnica e
demasiado linear é incapaz de apreender.
A necessidade de uma abordagem global significa em primeiro
lugar a recusa de toda a tecnicização do processo de intervenção.
Uma tal tecnicização verifica-se correntemente em três planos.
Num primeiro plano, observa-se a tecnicização dos problemas: os
disfuncionamentos observados são interpretados e imputados em
função de diagnósticos truncados que se baseiam numa visão
tecnicista redutora. Estamos então perante «problemas de
manutenção», «de comunicação», «de qualidade», perante
«problemas informáticos», isto é, perante definições estreitas de
problemas que circunscrevem logo um domínio restrito
correspondendo a especialidades técnicas existentes e onde se deve
forçosamente encontrar a solução. No segundo plano, trata-se da
tecnicização das soluções, ou seja da constituição de soluções
técnicas prontas a usar para problemas definidos fora do contexto
humano. Esta tecnicização das soluções é a resposta natural à
tecnicização dos problemas, na medida em que precisa de
interlocutores técnicos, que, tendo feito o diagnóstico, procuram
naturalmente soluções no seu campo profissional, junto dos
«colegas de ofício» noutras organizações ou junto dos consultores
especializados nesse domínio. Está-se nesse caso perante redes
portadoras de soluções que só precisam «de ser aplicadas» e que
são transpostas com mais ou menos felicidade de uma organização
para outra, ou de um país para outro.

Finalmente, a estas duas formas de tecnicização bem conhe-


cidas e, no fim de contas, bem clássicas, que se apoiam uma na
outra reforçando-se mutuamente, devemos acrescentar uma ter-
ceira, a das próprias ferramentas da mudança, que está, mais que as
outras duas, directamente ligada ao desenvolvimento dos gabinetes
de consultadoria. Não se trata somente da redução da mudança à
introdução de uma nova técnica ou tecnologia. Falo sobretudo da
invenção de «tecnologias de mudança» apresentadas sob a forma de
pacotes muito bonitos que as organizações podem comprar na
modalidade chave-na-mão, e cuja aplicação mecânica é suposto
dinamizar com toda a certeza um sistema humano, introduzir uma
maior fluidez e melhorar a comunicação e as trocas, em resumo,
aumentar a implicação dos agentes e melhorar a perjormance da
organizaçãol. O exemplo mais recente de uma tal tecnologia de
mudança, cuja «moda» começa agora a declinar um pouco, é o dos
«projectos de empresa». A sua confecção e a sua «declinação» -
aliás muito formalizadas e não deixando lugar para a improvisação
nem para o ajustamento local - eram supostas assegurarem uma
maior coesão e, por conseguinte, uma melhor perjormance à or-
ganização. Mas outros exemplos nos ocorrem, como a moda
anterior dos CÍrculos de qualidade, cujas características de «caixa
de ferramentas pronta a usar» foram postas em evidência por F.
Chevalier (1991), ou, antes deles, a Direcção Participativa por
Objectivos (DPPO) ou os grupos semiautónomos de trabalh0 2.
Não pretendo negar aqui todo o interesse de uma tal tecni-
cização da mudança. A visão e o diagnóstico «técnicos» são fre-

1 C. Midler (1986) mostrou como essas «tecnologias manageriais» eram estruturadas em


modas e caminhavam através das redes que misturavam actores no seio e fora das empresas.
Sublinhemos, por outro lado, que tais tecnologias de mudança, como por exemplo os
círculos de qualidade, estão perfeitamente adaptadas à economia política dos gabinetes de
consultadoria na medida em que podem ser estandardizadas e portanto aplicadas por jovens
consultores sem experiência, debilmente enquadrados por alguns mais velhos. Por
contraste, intervenções que se baseiam em estratégias por medida precisam de consultores
muito mais experientes, pelo que têm um custo nitidamente mais alto. Trata-se de um factor
interno que reforça a tendência dos gabinetes de consultadoria para soluções pronto-a-usar e
para intervenções estandardizadas. Ver a propósito M. Berry (1991).

2 Esta última moda organizacional não corresponde inteiramente à qualificação de tecnologia


de mudança. De facto, se esta orientação comportava em parte «receitas» de aplicação,
incluía, mais que outras «tecnologias» aqui citadas, fases de diagnóstico e um processo de
elaboração ad lIDe.
quentemente suficientes para detectar e resolver dificuldades. As
soluções técnicas podem ser e são muitas vezes perfeitamente
adaptadas e suficientes - pelo menos a curto prazo - para
fundamentar uma intervenção «técnica». «Tecnologias de mu-
dança» podem contribuir - e é esse muitas vezes o seu maior
interesse - para ultrapassar as resistências iniciais à mudança.
Aliás, o seu carácter de moda é deste ponto de vista um trunfo
considerável. É justamente porque está na moda que ninguém
pode verdadeiramente opor-se-Ihe abertamente e que todos de-
vem, pelo menos durante um certo tempo, dar a entender que
jogam o jogo. Durante esta fase, que durará mais ou menos
tempo, está aberto o caminho para descobertas colectivas, para
aprendizagens que podem fazer emergir necessidades novas e, por
conseguinte, talvez permitam ultrapassar as resistências de partida
e gerir as condições favoráveis a um aprofundamento e
eventualmente a uma aceleração da mudança1.
Tudo isto é verdade, mas exige pelo menos duas notas e
reservas importantes. Por um lado para sublinhar o facto simples,
mas esquecido demasiadas vezes, de que não há intervenção
unicamente técnica. Por mais mediatizada que ela seja por
considerações e objectos técnicos, toda a intervenção comporta
consequências mais largas que ultrapassam o domínio limitado da
simples técnica. Com efeito, só há esta alternativa: ou uma tal
intervenção consegue reestruturar os comportamentos dos actores
interessados, caso em que essa reestruturação terá tendência a
induzir passo a passo modificações de outros elementos nos
equilíbrios políticos que subtendem o sistema de actores, ou ela
nãuo consegue, caso em que estamos perante uma não-mudança.
Por outro lado, gostaria de prevenir contra a tendência para a
reificação de tais procedimentos e de aproveitar para sublinrar a
necessidade de os contextualizar

1 No seu trabalho sobre os círculos de qualidade, F. Chevalier (1991) mostra justamente


que a mesma tecnologia de mudança tinha, em tal empresa, acabado num reques-
tionamento profundo dos modos de funcionamento, quando, numa tal outra, não tinha
passado de um movimento de moda superficial que não tocou as estruturas profundas e
se esgotou rapidamente.
ligando-os às características e capacidades concretas dos sistemas
humanos que os deverão aplicar e que só eles lhes podem dar
vida.
A importância deste laço e desta contextualização através de
um diagnóstico e de uma abordagem global começa a ser bem
documentada por um grande número de estudos. A investigação
muito profunda que F. Chevalier consagrou à ascenção e queda
dos círculos de qualidade nas empresas francesas mostra como a
mesma tecnologia de mudança de partida consegue enraizar-se em
profundidade em certas empresas e fica totalmente à superfície
noutras. Deste modo, ela faz ressaltar ao mesmo tempo a
influência da estratégia de mudança sobre o resultado final do
processo e a necessidade de processos mais integrados e mais
globais, que liguem efectivamente a tecnologia dos círculos de
qualidade a uma evolução do conjunto dos dispositivos de gestão
(Chevalier, 1987 e 1991)1. De igual modo, as análises dos
processos de introdução e de utilização efectiva de novas
tecnologias em tal ou tal organizaçã0 2 mostram à saciedade a que
ponto as características e as capacidades do sistema humano
respectivo comandam, na matéria, o êxito e a exploração das
potencialidades de uma solução técnica. Enfim, as análises das
experiências de introdução de grupos semiautónomos nas
empresas têm também insistido na importância da inserção desta
nova maneira de produzir num esforço global que tenha em linha
de conta consequências que este comporta, passo a passo, para os
outros sectores e para as outras dimensões do funcionamento da
organização em causa, por exemplo para os sistemas de promoção
e de gestão do emprego, para a descentralização das funções, para
as relações com os fornecedores e clientes, etc. Assim, foi possível
mostrar como a lógica tayloriana clássica das relações entre
fabrico e serviços funcionais (méto-

1 A mesma análise poderia ser feita a propósito dos «grupos de expressão». Eles conhe-
ceram uma utilização e um sucesso variáveis segundo as empresas, mesmo se o seu
carácter legislativo, e portanto geral e regulamentar, não ajudou a sua implantação. Ver
as contribuições reunidas por D. Martin (1989).

2 Para a informática e a automatização, ver Pavé (1989) e de Terssac (1992).


dos, controlo, qualidade, manutenção) era especialmente posta em
causa tanto pelos grupos semiautónomos como por outras
técnicas participativas, caso dos círculos de qualidade, e de que
maneira e a que ponto esta lógica, se se mantivesse imutável, se
tornaria um freio para a implantação e o desenvolvimento de tais
práticas1.
O que se pode dizer quanto à visão tecnicista da intervenção
vale também para as iniciativas parciais e progressivas. É certo
que muitas vezes pode parecer preferível empreender uma
diligência progressiva e «pragmática», por experimentações
sucessivas. À primeira vista, uma tal estratégia por experimen-
tação parece só ter vantagens. Ela permite arrumar as estruturas
de poder existentes e evitar assim um bloqueamento inicial,
descobrir verdadeiramente o significado das mudanças projec-
tadas e das dificuldades que elas encontram, e fazer emergir
capacidades cuja acumulação facilitará mais tarde a extensão da
experiência. Mas a experiência mostra que as vantagens desta
progressividade são muito menos evidentes do que parecia e que
nada garante em absoluto a sua superioridade. Com efeito, as
condições excepcionais que se tentou reunir para dar à ex-
periência as melhores hipóteses de sucesso falseiam os seus
resultados e já não se encontram quando se trata de a alargar ou
generalizar. Por outro \ lado, as características de uma ex-
periência, que restam toleráveis mesmo para os opositores na
organização durante todo o tempo em que se ficar no estádio de
uma experiência, podem tornar-se totalmente inaceitáveis no
momento da generalização. Os opositores terão simplesmente
podido aproveitar-se da fase de experimentação para forjar as suas
armas. Finalmente, para que o ganho teórico da experimentação
não seja letra morta, torna-se necessário um dispositivo de
acompanhamentO capaz de operar as avaliações periódicas da
experiência e a capitalização das lições que se podem tirar para a
sua extensão. Ora, tais dispositivos, na maior parte

1 Ver, entre outros, os três casos reunidos por minha iniciativa no número especial da Ret'lIe
Française de Sociologie de 1979 e os dois números especiais de Sociologie du Tra'vaU de 1/1976
e 1/1986,
das vezes, pecam pela ausência 1. Por todas estas razões, qualquer
modelo de difusão simples e linear de uma inovação 01'-
ganizacional a partir de uma experiência mesmo conseguida não
tem em conta nem o peso e as viscosidades organizacionais, nem
as complexidades reais dos processos de mudança em causa 2.
Não há boas soluções para este dilema. Nem a técnica da tabula
rasa, nem a do incrementalismo prudente garantem o sucesso. Tudo
é sempre e unicamente questão de dosagem, de articulação, de
combinação, em resumo de estratégia ao serviço de uma
abordagem global da transformação desejada do sistema humano.
Sem uma tal estratégia, sem uma visão global, uma
experimentação acabará - o que aconteceu muitas vezes como uma
bolha «enquistada» num funcionamento global inalterado. Bem
enquadrada, pelo contrário, por medidas de acompanhamento e
bem pilotada, especialmente na sua extensão, ela pode ser a fonte
de uma aprendizagem real que a generalização ulterior da
experiência poderá capitalizar.

Compreende-se: insistir na importância de uma abordagem


global, é reagir contra a tendência demasiado espalhada entre os
dirigentes para segmentar as organizações segundo as técnicas e
subobjectivos a fim de impor um regresso ao terreno, ou antes,
para fundamentar a intervenção sobre os constrangimen-

1 Sem tomar em linha de conta o facto de que a instabilidade dos quadros responsáveis por
tais experiências torna a sua continuação muito mais aleatória do que se julga. Dois
fenómenos opostos conjugam aqui os seus efeitos. Por um lado, o êxito da experiência pode
ser útil, e com toda a justiça, para'a carreira de quem a iniciou, e a sua promoção quebra o
dinamismo da experiência. Por outro lado" sabendo que o seu iniciador está só de passagem,
os que se opõem à experiência podem simplesmente encolher-se, esperando retomar a
iniciativa após a saída do seu iniciador. Em ambos os casos, o resultado é o mesmo e a
experiência teJ:!l boas hipóteses de não sobreviver à saida do seu iniciador ou de só
sobreviver de forma «enquistada», sem difusão e sem capacidade de irradiação, Um
exemplo impressionante deste problema foi dado por W. Ackermann e B. Bastard (1989 e
1992) num estudo sobre a inovação organizacional nos tribunais.

2 Também aqui, o estudo de F, Chevalier mostra claramente a evolução \'ariável dos


programas de círculos de qualidade. Nas doze empresas que acompanhou durante sete anos,
esses programas conheceram de facto sortes muito diferentes: desapareceram em algumas,
foram integrados nos dispositivos de gestão em algumas outras e têm uma sobrevivência
precária no resto da amostragem.
tos reais do terreno, é pedir que se tenha em conta na acção de
mudança as unidades reais, os sistemas humanos empíricos nos
quais os próprios actores inscrevem a sua acção, em vez de seguir
as lógicas abstractas do organigrama e da especialização
funcional.
Só então a estratégia se torna concreta. Ela diz respeito não a
entidades abstractas, mas a pessoas concretas de que podemos
compreender as interdependências e a lógica de acção, reconstruir
os parâmetros de racionalidade, e em relação às quais se pode
desenvolver uma acção convergente de reorganização e de
desenvolvimento social. Uma tal acção, na qual as diferentes
alavancas de mudança se articulam e se completam, pode visar a
modificação das capacidades das pessoas tanto como as carac-
terísticas materiais (técnicas, hierárquicas, etc.) da sua situação 1.
Além disso, ela pode encontrar meios para compreender e para
interpretar os resultados que o processo de mudança produz sobre
o terreno e, em função deles, pilotar o seu desenvolvimento.

A NECESSIDADE DE UM LEADERSHIP E OS
PARADOXOS DA PARTICIPAÇÃO

Na medida em que implica uma intervenção sobre a estru-


turação de um sistema empírico de actores de que procura modi-
ficar os comportamentos e os modos de ajustamento, a acção de
mudança não pode conceber-se fora dos próprios interessados.
Mesmo a maneira como o problema é posto exige o recurso à
participação dos interessados tanto na elaboração como na
aplicação de um projecto de mudança. Mas este projecto e esta
participação não se ordenam, e também não surgem espon-
taneamente e automaticamente. Têm de ser construídos e or-
ganizados, são o produto de um processo de mobilização do

lOque sublinha mais uma vez a importância crucial do conhecimento desses sistemas
humanos empíricos.
sistema de actores que deve ser senão sempre iniciado inteira-
mente, pelo menos gerido e estruturado por uma tomada de
iniciativa, por empresários sociais 1. Tal é em definitivo o paradoxo
da mudança dirigida, sobretudo quando é do tipo participativo.
A necessidade de um entrepreneurship social decorre do carácter
não natural da mudança. Nunca será demais repetir que não há na
matéria nenhuma fatalídade nem nenhum determinismo. É certo
que existem tendências fundamentais e forças que empurram para
a mudança das formas organizacionais e com elas modos de
funcionamento2. De igual modo, há inovações organizacionais que,
para lá de um simples efeito de moda, acabam por se impor como
modelos constrangentes tanto elas procuram vantagens
competitivas3. Mas se é possível observar tais regularidades num
plano macrossocial4, nem por isso significa que, no plano de uma
organização individual, a mudança seja automática. Os equilíbrios
existentes que subtendem uma organização são certamente
impelidos pela evolução geral do contexto, mas nem por isso se
adaptam automaticamente. Bem pelo contrário, como demonstrei
mais atrás, a exemplo da «síndroma da maçã podre», eles
desenvolvem dinâmicas endógenas que induzem desvios
organizacionais de auto-reforço das competências, das estruturas
de poder e dos jogos. Terão então tendência a persistir muito para
lá do momento em que

1 Este empresário social pode ser um indivíduo ou um grupo, pouco importa ao caso. 2 São
essas tendências de evolução das formas organizácionais e os mecanismos ei ou forças que os
subtendem que constituem o objecto da corrente dita da popu/alioll ec%gy of organizatiollS, de um
grande número de estudos de ins piração institueionalista (Meyer e Scott, 1981), mas também
de muitos estudos económicos da inovação e da organização. Os trabalhos de Williamson são
em rarte motivados por esta interrogação, tal como os de Nelson e Winter (1982) e
naturalmente também os trabalhos históricos de um Chandler (1962 e 1978).

3 No seu tempo, foi esse o caso para o taylorismo e o "fordismo», isto é, métodos da
organização científica do trabalho. Hoje isso parece ser o caso para os "métodos japoneses
de produção» que representam, corno bem o demonstrou Coriat (1991), inovações
organizacionais importantes que subverteram os nossos métodos de fabrico e de
organização da produção.

4 Trata-se de regularidades estatísticas que atestam relações de probabilidade, mas que não
instauram naturalmente nenhum determinismo, mesmo no plano macrossoeial.
estavam eventualmente adaptados aos seus contextos. A inércia
estrutural (no sentido, bem entendido, de estrutura formal e
informal) das organizações, bem como de todo o espaço de acção
organizado, é grande. Ela alimenta-se da ambiguidade do contexto
tal como das lições da experiência que podem durante muito tempo
(demasiado tempo) ser interpretadas pelos actores no sentido dos
interesses e das apostas da «aliança dominante» antes que seja
demasiado tarde. Apoia-se também em situações de poder que
impõem a sua coerência, e contra as quais é preciso criar uma
dinâmica que permita a uma visão alternativa emergir, tomar forma
e impor-se.
Em suma, «a mudança é sempre impossível» nas organi-
zações, grandes e menos grandes, e há sempre mil boas razões para
não mudar, para não desestabilizar os pilares do funcionamento
actual. É por isso que todo o processo de mudança organizacional,
seja ou não planificado, precisa de um empresário social. Este, ao
prolongar as modificações da situação e ao tematizar
«disfuncionamentos» observáveis, deve fazer-se o porta-voz da
«necessidade» de mudança no interior da organização. Também
deve conseguir organizar «o partido da mudança» que permita dar
o impulso inicial ao processo.

Para essa impulsão, ao contrário do que se poderia julgar, o


importa.."'1te não é a precisão dos objectivos finais ou do
funcionamento novo a construir, mas a criação de uma dinâmica
através da qual se possa concretizar progressivamente uma linha
directriz e instalar-se uma nova lógica de funcionamento com os
seus pontos de apoio or3anizacionais. Isso passa sempre, para
começar, por uma série de decisões iniciais que terão de desem-
brulhar a situação pela criação selectiva, em zonas ou em locais
julgados centrais, de ma,rgens de liberdade novas que permitam
que os homens afectados pela mudança reflictam, experimentem e
trabalhem sem serem imediatamente chamados à ordem.
Mas o papel desse empresário não acaba nas decisões iniciais.
Na medida em que toda a mudança organizacional constitui sempre
uma ruptura com as práticas antigas e com os equilíbrios de poder
que lhe correspondem, é sempre, do mesmo modo, um momento
de crise para os actores do sistema humano
cuja estruturação se pretende modificar. Ela corresponde a uma
reestruturação das oportunidades e dos constrangimentos com os
quais os interessados devem compor as suas acções. Repõe em
causa os pontos de referência que eles forjaram, os seus pontos de
apoio, as suas competências e os seus quadros de racionalidade.
Independentemente das decisões que asseguram o impulso
inicial, a realização e o êxito da mudança dependem portanto da
construção de um dispositivo de acompanhamento. É ele que
torna possíveis a gestão e a pilotagem no dia-a-dia de múltiplos
processos de aprendizagem através dos quais se instalam os
novos quadros de acção e se operam tanto a mobilização dos
interessados como a aquisição das capacidades colectivas
necessárias.
O empresário da mudança tem pois uma dupla função. É ele
que opera o diagnóstico, e por conseguinte, dá o impulso inicial
que desencadeia o processo e cria a ruptura com a situação
anterior. É também a ele que compete gerir e animar o processo
assim desencadeado e operar as correcções de trajectória que se
impõem no dia-a-dia. Todas estas funções não podem, claro, ser
cumpridas por um único indivíduo. Toda a sagacidade do
empresário da mudança consistirá naturalmente em construir
delegações a quem poderá entregar uma parte da animação e da
pilotagem do processo. O seu êxito, por outro lado, não poderá
ser atribuído a ele só; testemunhará simplesmente o facto de que
ele soube comunicar aos interessados a sua própria vontade de
mudança e que soube mobilizá-los ao serviço do processo que
desencadeou. Terá, portanto e sempre, uma forte dimensão
colectiva.
Mas não nos enganemos: a tomada de iniciativa e sobretudo
de responsabilidade no lançamento do processo é impensável sem
o empenhamento individual do responsável do sistema humano
que se quer mudar. Essa responsabilidade e essa mudança são
indispensáveis para a afirmação de um leadership e não podem ser
delegadas: não podem ser colectivos, mesmo que por sua vez
sejam a condição de um processo que só pode ser colectivo, e que
repousa inteirinho na mobilização progressiva e na participação
dos interessados aos diversos níveis.
Longe de estarem em contradição com um esforço partici-
pativo da mudança, a tomada de iniciativa e o leadership são a sua
condição fundamental: os dois elementos são complementares.
Com efeito, aquilo a que aqui chamo a impulsão inicial não é
uma decisão fechada que produzisse uma solução pronta a usar
para o problema ou para o disfuncionamento diagnosticados.
Claro que não é um modelo de funcionamento que regule tudo
até aos mínimos detalhes e que só haveria «que aplicar». A
impulsão inicial é ao mesmo tempo muito mais e muito menos. É
muito mais, porque é a afirmação firme de uma insatisfação do
estado presente das coisas, é a expressão de uma vontade de
mudança. Esta última é tanto o sinal para os interessados de que
as coisas não poderão de modo nenhum continuar no estado
actual como o acto pelo qual essa vontade se traduz nos factos e
cria a separação entre um antes e um depois. Mas é também
muito menos, porque continua a ser uma decisão aberta.
Independentemente de uma orientação e de alguns princípios
mais ou menos firmemente estabelecidos!, o conteúdo do
projecto de mudança mantém-se aberto e deverá ser precisado,
concretizado, num processo de elaboração que não é nada sem a
participação activa dos interessados. E porque deve ser capaz de
interessar os actores respectivos, isto é, de obter a sua cooperação
e de mobilizar as suas contribuições, deve manter-se aberto e
flexível no seu conteúdo a fim de dar lugar às inflexões e
correcções de trajectória ulteriores em função dos problemas e
das soluções identificados ao longo do processo.
A tomada de iniciativa e de leadership desembocam portanto e
naturalmente numa diligência de mudança que repousa na
instalação e no funcionamento de «grupos-projectos» capazes de
mobilizar a experiência, as capacidades, as propostas, as

1 A fórmula é vaga, mas não pode ser mais precisa sem especificar o contexto da mudança. Mas
é evidente que quanto mais os princípios estão firmemente estabelecidos e quanto mais têm
um conteúdo constrangente, menos deixam lugar à discussão, ou a inflexões que se poderiam
levar ao curso da <<implementação» e da instalação da mudança.
ideias, as soluções, em resumo, as contribuições dos àctores
interessados pela mudança aos diferentes níveis da organização. A
configuração e a fisionomia deste dispositivo participativo
variarão, bem entendido, de uma organização e de uma mudança
para outra, pois se tratará cada vez de ajustar o seu funcionamento
aos objectivos procurados, quer dizer, à natureza da mudança
projectada. Contudo, da sua filosofia global decorrem algumas
características gerais ou princípios estruturantes que eu gostaria de
rapidamente evocar e argumentar para concluir este capítulo.
O primeiro ponto a sublinhar é o carácter instrumental desta
participação. Ela não é um fim em si; está, pelo contrário, ao
serviço de um projecto de mudança que não criou, mas que a
criou, e ao serviço do qual procura assegurar uma mobilização dos
actores interessados. Não serve, portanto, para a expressão de
interesses, e ainda menos para a sua representação equitativa. Não
constitui um parlamento, mas um dispositivo de trabalho
temporário ao serviço de uma orientação de onde devem sair
diagnósticos mais detalhados, que precisem e aprofundem o
diagnóstico inicial, e soluções para os problemas assim revelados.
Está pois necessariamente interessada tanto na sua organização
como na selecção dos actores que tenta implicar. Privilegia a
adesão à orientação de partida, a competência, ou o nível de
responsabilidade. Enfim, está enquadrada, isto é, inseri da num
dispositivo que define a duração do processo, o campo no interior
do qual ele se pode desdobrar, e as apostas que ele pode fixar. Isso
significa que ela exige um acompanhamento constante que possa
operar a reformulação numa perspectiva global dos problemas e
das soluções identificados pelo ou pelos «grupos-projectos» e
assegurar as idas e vindas indispensáveis entre estes últimos e os
responsáveis pela unidade respectiva da organização.
Este primeiro ponto levanta o problema mais geral da tensão
que existe necessariamente entre uma lógica da participação que
procura mobilizar competências, experiências e capacidades ao
serviço de um projecto de mudança, e uma lógica da representação
dos interesses que tem a sua encarnação nas
instâncias representativas do pessoal de uma organização. Esta
faz-se numa base igualitária e defensiva e agarra-se às formas
existentes, enquanto aquela é essencialmente não igualitária (os
saberes não estão distribuídos de maneira igualitária) e é suposto
eliminar as formas existentes para inventar outras novas na base
das experiências e das capacidades de uns e outros.
No entanto, tematizar a tensão entre as duas lógicas não
significa que se procure opô-las como se elas se excluíssem
mutuamente, como se uma expulsasse necessariamente a outra.
Participação e representação não entram em concorrência e uma
não deve tornar-se uma máquina de guerra contra a outra. Sim-
plesmente, muito menos se deve esconder a tensão entre as duas
lógicas1 ou pretender conciliá-las a todo o custo no mesmo
dispositivo. A primeira deve a sua existência e a sua legitimidade a
uma eleição, a segunda a uma selecção e a uma delegação do topo.
A junção das duas só pode operar-se no processo de pilotagem e
de decisão através do qual o produto da participação é instituído e
se torna a nova lei.
Desta primeira consideração decorre uma segunda, a saber o
papel-chave sempre desempenhado pelos quadros intermédios e
operacionais na participação, e isso por várias razões, ilustradas
por inúmeros exemplos cujas lições são inteiramente
concordantes. Nenhum projecto de reorganização e de mudança
organizacional, sejam quais forem a sua qualidade intrínseca e o
dinamismo do leadership, pode dispensar o apoio activo dos
quadros. Com efeito, de cada vez que se tentou utilizar processos
participativos contra os quadros e os «pequenos chefes», isso
virou-se contra as intenções de partida, ou porque as mudanças
assim introduzidas esbarraram rapidamente contra

1 Todas as análises dos «grupos de expressão» instaurados pela lei Auroux atestam esta
tensão: nas empresas, a base sindical, especialmente na CFDT que apesar de tudo
estivera na origem das disposições desta lei, estava completamente desamparada face
aos grupos de expressão que eram o mais das vezes vividos como um questionamento
da função expressiva e reivindicativa dos delegados dos trabalhadores. Ver a este
propósito o conjunto das contribuições da obra colectiva sobre Participation et Changement
social dalls l'elllreprise, editada por D. Martin (1989), e particularmente os artigos de D. e
R. Linhart (1989) e de R. Tchobanian (1989).
a resistência passiva, senão activa, dos quadros, que, na prática,
constituem cedo ou tarde um parceiro indispensável à animação, à
extensão e à difusão do processo de mudança, ou porque o
processo não pôde sequer arrancar verdadeiramente, por falta de
delegações em sentido lato1.
Um processo participativo não pode nem deve fazer-se contra
os quadros no seu conjunt0 2• Deve pelo contrário integrar esses
quadros, isto é, encontrar neles as delegações necessárias para
prolongar e concretizar o impulso inicial. Pode-se a este propósito
imaginar um processo em cascata, onde a impulsão inicial do topo
é delegada uma primeira vez num grupo-projecto composto por
membros dos quadros intermédios encarregados de instalar as
grandes linhas de uma nova organização que correspondam às
orientações fixadas. Cabe depois aos responsáveis escolhidos para
dirigir as novas unidades «instalar» realmente esta nova
organização, iniciando por sua vez e ao seu nível um outro
processo participativo com objectivos limitados ao seu «território»
e no qual tomariam parte os membros do quadro operacional.
Estes poderiam por seu turno organizar a participação dos
membros das suas unidades na «afinação» da nova organização, e
assim consecutivamente3. Mas os membros do quadro, por seu
lado, só aceitarão jogar o jogo se lhes forem dados os recursos
necessários ao que se lhes pede, a saber, mobilizar as
contribuições dos seus próprios colabora-

1 É verdade também para os métodos de managemenl participativo. Foi necessário render-


se à evidência de que a sua implantação vitoriosa supunha a adesão dos quadros, a
quem deviam ser dados os meios de os animar, mais que procurar curto-eircuitá-los.
Isso supunha por sua vez reorganizações e rearranjos, especialmente das estruturas
hierárquicas. Ver F. Chevalier (1991, especialmente p. 67) para a análise deste
problema na aplicação e êxito dos programas de círculos de qualidade, e Sainsaulieu el
ai. (1983).

2 Claro que isso não exclui que uma reorganização opte por níveis de enquadramento a
privilegiar, ou eventualmente a suprimir, e que possa propor-se a reconfiguração da
linha hierárquica. Sublinho simplesmente que a participação não deve ser o meio de
curto-circuitar esses quadros para estabelecer um contacto directo com a «base». Neste
caso, o processo esbarrará inevitavelmente na resistência daqueles que se vêem assim
excluídos e que podem legitimamente recear o pior. Uma tal resistência é o mais das
vezes fatal, pelo menos a prazo, ao processo de transformação.
3 Nesta perspectiva, um grupo-projecto é muito mais do que os grupos de peritos, está
encarregue de elaborar soluções técnicas. Uma das suas funções, e não a menor, é
dores e animar os processos de aprendizagem organizacional sem
os quais o novo funcionamento não pode passar aos actos.
Paradoxalmente - mas, pensando bem, trata-se de um paradoxo
aparente - funcionamentos mais participativos das organizações
passam por um reforço das prerrogativas, das possibilidades de
acção e das margens de autonomia do quadro· operacional. Com
efeito, sem esse reforço, os membros do quadro operacional são na
verdade incapazes de desempenhar o papel de animação, de
mobilização e de gestão do tecido humano que funcionamentos
mais participativos exigem deles. Aqueles a quem se
convencionou e ainda se convenciona chamar os «pequenos
chefes» são de facto produtos de estruturas que enfraqueceram o
papel do quadro operacional. O «pequeno chefe» autoritário,
rígido e burocrático, tantas vezes descrito na literatura, é com
efeito um agente fraco do quadro a quem os serviços funcionais
(pessoal, métodos, pagamentos) tiraram o essencial dos seus
recursos e da sua margem de manobra.

Se se quiser que os quadros se empenhem no processo, o


recurso mais importante é portanto a margem de manobra que se
deixa a cada nível para a instalação da nova organização. Sabe-se
há muito que a participação não é um presente que se dá àqueles a
quem se pede que participem, ou antes que é um presente
envenenado na medida em que a participação com-· promete os que
a aceitam na solução encontrada em comum. É . pois uma
actividade cheia de riscos na qual cada um tem de desvendar o seu
ofício, as suas habilidades, os seus arranjos, os seus segredos, e na
qual, numa palavra, se pode perder muito. As pessoas (tanto
quadros como executantes) só aceitam comprometer-se a troco de
certas garantias (que devem ser tão mais importantes quanto se
descer na hierarquia) e só se tiverem a sensação de que o jogo vale
a pena. O que é verdade para as orientações iniciais é-o também e
por mais forte razão para os

servir de núcleo de aprendizagem e de propagação da nova organização e do novo modo


de funcionamento que o projecto de mudança tenta instituir. É portanto, e muito
naturalmente, um alfobre dos novos responsáveis que serão encarregados de «afinar» o
novo funcionamento nas suas unidades.
resultados dos grupos de projectos aos diversos níveis. Nenhum
deve fixar completamente as situações e definir um modelo de
funcionamento até aos seus mínimos detalhes. Recai-se então no
quadro constrangente do «modelo-que-só-é-preciso-aplicar», e
proíbe-se aos diferentes níveis da organização de darem o seu
próprio contributo ao lançamento e concretização da nova or-
ganização.
Esta reflexão de bom senso, muitas vezes esquecida, levanta
um terceiro ponto, que tem a ver com os limites da clareza e da
transparência do processo de mudança. A participação supõe que
se aceite pôr em cima da mesa um certo número de arranjos
quantas vezes clandestinos. É mesmo um dos fins confessados dos
processos participativos o de revelar aspectos do «Management
clandestino» (Moullet, 1992) graças ao qual a organização
funciona, o poder-se deste modo aproveitar a experiência acu-
mulada naquelas «estruturas profundas» e, eventualmente, ofi-
cializar uma parte. Mas urna tal vontade é ameaçada por vários
escolhos.
O primeiro consiste em subestimar a diferença entre nego-
ciação implícita e negociação explícita e pretender passar com
demasiada rapidez de uma para outra. A negociação implícita
repousa sobre mecanismos de ajustamentos tácitos que são pelo
menos em teoria - mais facilmente revogáveis pelos interessados e
para os quais as necessidades de legitimidade são menores. Podem
portanto acomodar-se a zonas de arbítrio ou de fluidez muito mais
extensas que numa negociação explícita que precisa de uma base
de legitimiddade mais forte e na qual os compromissos são mais
formalizados e também mais solenes. Querer oficializar com
demasiada rapidez as discussões implícitas sobre as quais assenta
em boa medida o funcionamento real de uma organização, querer
clarificar a todo o custo domínios nos quais um mínimo de
ambiguidade continua a ser indispensável para permitir os
ajustamentos flexíveis entre os interessados, isso significa muitas
vezes cristalizar relações de força, formalizar relações, em suma,
rigidificar também os ajustamentos.
Isso não significa, contudo, que toda a negociação seja ex-
cluída se não puder ser explicitada. A «pilotagem» de um pro-
cesso - isto é, a gestão dos vaivéns entre os problemas e as
soluções identificadas, as medidas a tomar e a sua aplicação no
terreno - pode conceber-se como sequências de negociação
implícita. As reacções dos actores no «terreno» podem ser in-
terpretadas como sintomas das dificuldades que a aplicação das
medidas decididas encontra. Pode-se considerá-las como reivin-
dicações que não dizem o seu nome e que exigem que as medidas
decididas sejam modificadas para terem em conta cons-
trangimentos e reticências inesperadas que entretanto surgiram. A
reformulação das medidas, do seu conteúdo e dos seus objectivos,
pode por seu turno ser considerada como a resposta a essas
reivindicações implícitas. Uma parte, aliás variável, dessa
sequência imaginária poderá ser explicitada, ou formalizada, mas
a outra deverá ficar implícita, o que significa que não produzirá
nenhum compromisso. Nem por isso deixará de existir.
a segundo escolho, complementar do primeiro, é ser de-
masiado expedito e sobrestimar a capacidade dos membros do
sistema de aceitarem a ambiguidade, a fluidez, a diferença, as
desigualdades e as zonas não regulamentadas onde subsiste uma
parte de arbítrio, graças ao qual problemas de funcionamento
foram até agora resolvidos. Uma margem de apreciação, uma
desigualdade de tratamento, comportamentos discriminatórios
podem ser aceitáveis, ou melhor toleráveis, enquanto se
mantiverem ocultos e oficiosos. Mas tornam-se perfeitamente
inaceitáveis e intoleráveis quando são expostos à luz do dia.
Exigem então ser tratados e legitimados por processos que, tam-
bém nesse caso, podem emperrar o funcionamento em vez de o
flexibilizar. Tanto neste campo como em todos os outros, o
diagnóstico é primordial. «Pilotar» o processo de mudança tam-
bém significa levar os membros do sistema a fazerem a sua
própria aprendizagem. Estes deverão aprender a tolerar uma maior
transparência e a aceitar melhor a ambiguidade, a fluidez, as
diferenças e as desigualdades reais que não podem ser todas
eliminadas.

Finalmente, o terceiro escolho das diligências participativas é a


ilusão de que uma organização possa ser um dia «reconciliada
consigo mesma», isto é que possa desaparecer o fosso
entre a teoria do seu funcionamento (a estrutura formal e o discurso
dos dirigentes) e a prática do seu funcionamento, a saber o
management clandestino, para retomar a expressão de M. Moullet. O
fosso entre ambas é irredutível, está de facto inscrito na acção
sociaL É certo que ele se desloca em função dos ímpetos de
racionalização de que tal ou tal parte da organização é objecto. Mas
enquanto não se substituirem os homens por máquinas ou por
dispositivos automáticos, ele reconstitui-se sempre, muitas vezes
nos lugares mais inesperados, porque os actores, para gerirem as
suas relações com os outros e para poderem enfrentar os acasos não
previstos pelos organizadores, precisam de encontrar um mínimo de
autonomia graças à qual podem negociar trocas com os outros
actores e desse modo fazer com que o conjunto funcione.
Fazer desaparecer o fosso significaria fazer desaparecer a
margem de autonomia dos actores e com esta a natureza política do
conjunto, o mesmo será dizer que se terá conseguido automatizar
um processo tornando supérflua a intervenção criadora dos
humanos nesse processo. O verdadeiro problema não é, portanto,
fazê-lo desaparecer, mas admitir o seu carácter inevitável e geri-lo,
ou seja conhecê-lo, compreendê-lo e eventualmente explorá-lo. O
conhecimento e a vigilância sobre o terreno, sobre os seus
constrangimentos e oportunidades, constituem assim o primeiro
mandamento do bom empresário.

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