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CAPÍTULO 11
A IMPORTÂNCIA DA ESTRATÉGIA DE
MUDANÇA
1 o mesmo é dizer que, nesta perspectiva, já não há lugar para uma noção como «a resistência à
mudança», ou, pelo menos, dever-se-ia utilizá-la com muito mais circunspecção do que
habitualmente fazemos. A resistência com que uma acção de mudança pode deparar não deve
ser entendida como uma simples inércia atravessada no
Se a mudança vai numa outra direcção que não a desejada, não são
o contexto (o sistema de actores empíricos), a sua inércia ou a sua
irracionalidade que se devem censurar, mas a estratégia de
mudança, naquilo em que é guiada por princípios e métodos de
acção inadaptados que ignoram e desconhecem a estrutura
profunda e os mecanismos de regulação do sistema que se quer
transformar.
Somos portanto reconduzidos a uma perspectiva de caso a
caso, na qual o problema da estratégia de mudança tem um papel
central, isto é, o problema da formulação, por actores que
assumem o leadership na matéria, de um projecto e de uma orien-
tação de conjunto que possam lançar o processo de mudança. Este
projecto ou esta orientação de conjunto devem ser ao mesmo
tempo ajustados às características do sistema de actores de que
querem mudar a estruturação e suficientemente largos para
poderem servir de quadro à mobilização de outros actores do
sistema com vista à elaboração e aplicação colectivas dos
diferentes eixos e dimensões do projecto de mudança 1.
caminho do progresso encarnado por essa acção de mudança. Deve ser lida como uma
expressão da estruturação do campo que se quer mudar, e, como tal, ela é talvez portadora
de indicações preciosas sobre a realidade do campo cuja estruturação se deseja transformar.
A «resistência à mudança» não é nem mais nem menos racional, nem mais nem menos
legítima que a acção de mudança que a provoca. Também neste caso, é tudo uma questão de
diagnóstico ou de situação.
1 Urna tal afirmação é demasiado abrupta, especialmente porque é extremamente difícil avaliar
com precisão os resultados de não importa qual mudança organizacional, justamente porque
se trata de um processo comportamental no tempo. Urna mudança, mesmo puramente formal,
pode ter repercussões no tempo, mesmo que a curto prazo nada pareça mexer-se. Portanto, a
dimensão temporal é aqui central.
à «estrutura formal» da organização e a mudanças técnicas. Estas
últimas, na verdade, arrastam um constrangimento muito mais
forte para os comportamentos e são por isso um motor claramente
mais constrangente para as mudanças de comportamento. Mas
convém não sobrestimar esta diferença. Com efeito, são muitos os
exemplos em que os benefícios tirados de tal ou tal mudança
tecnológica não são atingidos plenamente, não podendo os actores,
ou não querendo, construir os modos de cooperação necessários
para a exploração maximal das potencialidades da tecnologia. Foi
o que se verificou, por exemplo, aquando da instalação de cadeias
robóticas nas fábricas de automóveis. As imposições de
manutenção exigem a reforma completa das relações entre o
fabrico e a fieira técnica, reforma que precisa de muito mais tempo
que a simples instalação da tecnologia e que, enquanto ela não for
efectiva, impede a nova tecnologia de obter todas as vantagens que
dela se esperava1. O que é próprio dos saberes técnicos, nas
organizações, é depender de interfaces, isto é, da sua aplicação em
relações de troca e em comportamentos de cooperação. Uma nova
avaliação só se torna operatória se for trazida por redes de
cooperação adequadas.
Quer se trate de introduzir modificações de processos e outros
dispositivos aparentemente «moles» ou, pelo contrário,
aparelhagens e tecnologias novas aparentemente «duras», é a
modificação dos comportamentos reais que a intervenção deve
visar, o que implica um investimento na duração e sobretudo na
gestão da duração. A intervenção não é uma decisão pontual, é um
processo. Não se trata somente de dar um impulso inicial. É
preciso assegurar uma pilotagem contínua que reenquadre as
vicissitudes do dia-a-dia numa visão de desenvolvimento insti-
tucional a médio prazo, que inicie, acompanhe e apoie os pro-
cessos de aprendizagem necessários e que construa os circuitos de
informação que permitam seguir, interpretar e, se necessário,
corrigir a evolução no terreno.
1 Ver a propósito, entre outros, Midler (1991), Berry (1985) e Terssac (1992). Um outro
exemplo, vastas vezes sublinhado, é o da tecnologia informática. Ver, neste caso,
especialmente F. Pavé (1989).
A segunda consequência da natureza humana e contingente da
construção organizacional é o reconhecimento da ruptura que
existe entre a análise e o diagnóstico, duas operações que se
encaixam com demasiada frequência na vida quotidiana. De facto,
aos olhos da abordagem organizacional, qualquer modo de
funcionamento se justifica, e a análise, só por si, não pode dar
nenhum critério de julgamento ou de mudança. Uma análise
fornece tão-só os meios para compreender o funcionamento de
uma organização. Reconstrói as lógicas dos actores individuais e
colectivos em interacção, e mostra a «estrutura» que eles formam,
ou seja as principais clivagens e isolamentos que os atravessam
bem como as redes restritas de cooperação estreita que constituem
os seus pontos fortes. Põe assim em evidência a articulação dessas
lógicas num conjunto de jogos regulados de que analisa as
consequências, isto é, os constrangimentos que eles impõem à
liberdade de decisão e de acção de todos os actores do sistema e
que acabam por gerar uma dinâmica endógena de
desenvolvimento.
A partir do momento em que existem, esses jogos «funcionam»
de algum modo por definição. A análise pode, claro está, fazer
ressaltar a dinâmica que eles induzem e com isso revelar a
necessidade de uma correcção de trajectória 1. Mas, em si mesma e
sem contributo suplementar, ela não é uma avaliação, não permite
julgar e, portanto, não contém nenhum imperativo de acçã02. Este
decorre de uma decisão em relação à qual
permitem afirmar a sua autonomia na fase de análise, como, na fase de diagnóstico, ele
reentra de algum modo na ordem. O seu oflcio, ou seja, a sua experiência passada que lhe
permite manter um mínimo de distância, singulariza-o ainda para dar uma ajuda à
ínterpretação dos resultados da análise e à sua utilização no estabelecimento do diagnóstico.
Mas a sua autonomia face ao seu campo (que é aqui o cliente) mudou profundamente.
Retomarei este assunto no capítulo seguinte.
1 Seja qual for, aliás, a forma que este processo tomou e as modalidades concretas (às quais
voltarei mais adiante).
2 Poder-se-ia retorquir que esta frase contém uma normatividade oculta e repousa sobre um
modelo preestabelecido que se ignora, partindo do princípio que uma organização deve ser
«curada» dos seus bloqueamentos e levada a um funcionamento mais aberto que permita
difundir mais capacidades de acção autónomas a um maior número de
A mudança constitui sempre, deste modo, uma aposta nas
possibilidades de evolução e de aprendizagem deste sistema de
actores, uma aposta sem nenhuma garantia de êxito. E o facto de
ela incorporar «tecnologias» de mudança não modifica em nada a
situação. Tudo é, mais uma vez, uma questão de apreciação das
possibilidades de evolução do sistema humano da organização
num dado momento. Tudo depende também da capacidade real de
criar as condições de desbloqueamento e de desenvolvimento
institucional e de gerir um processo de mudança através do qual
os actores interessados podem adquirir as capacidades necessárias
para fazer viver a nova dinâmica. Como demonstrarei a seguir,
uma mesma tecnologia de mudança consegue ou não engrenar
uma dinâmica de mudança em função das características do
sistema de actores no qual é introduzida e medidas de
acompanhamento que a «flanqueiam» e a apoiamo
Uma estratégia de mudança tem pois de inventar e articular
um conjunto de acções «por medida» que têm em conta carac-
terísticas específicas dos jogos e do sistema de actores cuja estru-
turação se trata de transformar. Apoiando-se nas oportunidades
particulares oferecidas por esses jogos e por esse sistema de
actores, uma tal estratégia pode deste modo ajudar razoavelmente
os actores respectivos a aplicarem os novos comportamentos cuja
adopção e aprendizagem condicionam em definitivo o êxito da
mudança desejada.
A aplicação de uma tal estratégia deve, bem entendido, apoiar-
se num conhecimento aprofundado e concreto das características
do sistema no qual se intervém. Deve, por outro lado, repousar
sobre uma abordagem global desse sistema e exige, além da
mobilização do conjunto dos actores interessados, a afirmação de
um leadership ou, se se preferir, de um entrepreneur-
de pessoas. Aceito perfeitamente esta nota e assumo essa normatividade, sem deixar de
estar consciente de que ela mereceria provavelmente longos desenvolvimentos. Digamos
simplesmente que vejo aí a aplicação, no domínio do funcionamento das organizações, de
um certo número de valores que me dizem muito e à frente dos quais se encontram a
democracia, a descentralização e a autonomia dos indivíduos.
ship social. Retomemos estes dois últimos pontos antes de re-
gressarmos, no próximo capítulo, ao problema do conhecimento; a
sua produção e a sua utilização constituem a contribuição própria
do sociólogo à intervenção nas organizações e nos sistemas
organizados.
1 Em Managcmcnt cfandcstin, Michel Moullet (1992) descreve muito bem este processo e dá um
certo número de exemplos de bodes expiatórios que se encontram mais frequentemente nas
empresas.
2 Significando isso, claro, que os actores da organização contam constantemente histórias uns
aos outros.
3 Poder-se-ia acrescentar que antes mesmo das percepções e das interpretações erradas dos
actores, é a organização formal a primeira a induzir tais imputações e diagnósticos errados.
Com efeito, a sua própria existência é subtendida pela pretensão de representar a realidade
dos processos de funcionamento da organização. A partir daí, não se está longe de urna
inversão lógica completa: o que a realidade é suposto representar acaba por nela estruturar a
percepção e a interpretação.
também o produto das interacções entre actores e das regras do
jogo e dos arranjos através dos quais estas últimas são estabi -
lizadas. Se se quiser fazer mais que tratar dos sintomas, são a
natureza empírica desses arranjos e as suas consequências que é
preciso compreender, e são esses arranjos que devemos tomar por
alvo na intervenção. Noutros termos, um problema pode esconder
um outro, e é na reconstrução dos sistemas de actores, das suas
estruturas de poder, das suas regras do jogo e das suas lógicas de
funcionamento que se podem descobrir os encadeamentos
multidimensionais complexos que uma visão demasiado técnica e
demasiado linear é incapaz de apreender.
A necessidade de uma abordagem global significa em primeiro
lugar a recusa de toda a tecnicização do processo de intervenção.
Uma tal tecnicização verifica-se correntemente em três planos.
Num primeiro plano, observa-se a tecnicização dos problemas: os
disfuncionamentos observados são interpretados e imputados em
função de diagnósticos truncados que se baseiam numa visão
tecnicista redutora. Estamos então perante «problemas de
manutenção», «de comunicação», «de qualidade», perante
«problemas informáticos», isto é, perante definições estreitas de
problemas que circunscrevem logo um domínio restrito
correspondendo a especialidades técnicas existentes e onde se deve
forçosamente encontrar a solução. No segundo plano, trata-se da
tecnicização das soluções, ou seja da constituição de soluções
técnicas prontas a usar para problemas definidos fora do contexto
humano. Esta tecnicização das soluções é a resposta natural à
tecnicização dos problemas, na medida em que precisa de
interlocutores técnicos, que, tendo feito o diagnóstico, procuram
naturalmente soluções no seu campo profissional, junto dos
«colegas de ofício» noutras organizações ou junto dos consultores
especializados nesse domínio. Está-se nesse caso perante redes
portadoras de soluções que só precisam «de ser aplicadas» e que
são transpostas com mais ou menos felicidade de uma organização
para outra, ou de um país para outro.
1 A mesma análise poderia ser feita a propósito dos «grupos de expressão». Eles conhe-
ceram uma utilização e um sucesso variáveis segundo as empresas, mesmo se o seu
carácter legislativo, e portanto geral e regulamentar, não ajudou a sua implantação. Ver
as contribuições reunidas por D. Martin (1989).
1 Ver, entre outros, os três casos reunidos por minha iniciativa no número especial da Ret'lIe
Française de Sociologie de 1979 e os dois números especiais de Sociologie du Tra'vaU de 1/1976
e 1/1986,
das vezes, pecam pela ausência 1. Por todas estas razões, qualquer
modelo de difusão simples e linear de uma inovação 01'-
ganizacional a partir de uma experiência mesmo conseguida não
tem em conta nem o peso e as viscosidades organizacionais, nem
as complexidades reais dos processos de mudança em causa 2.
Não há boas soluções para este dilema. Nem a técnica da tabula
rasa, nem a do incrementalismo prudente garantem o sucesso. Tudo
é sempre e unicamente questão de dosagem, de articulação, de
combinação, em resumo de estratégia ao serviço de uma
abordagem global da transformação desejada do sistema humano.
Sem uma tal estratégia, sem uma visão global, uma
experimentação acabará - o que aconteceu muitas vezes como uma
bolha «enquistada» num funcionamento global inalterado. Bem
enquadrada, pelo contrário, por medidas de acompanhamento e
bem pilotada, especialmente na sua extensão, ela pode ser a fonte
de uma aprendizagem real que a generalização ulterior da
experiência poderá capitalizar.
1 Sem tomar em linha de conta o facto de que a instabilidade dos quadros responsáveis por
tais experiências torna a sua continuação muito mais aleatória do que se julga. Dois
fenómenos opostos conjugam aqui os seus efeitos. Por um lado, o êxito da experiência pode
ser útil, e com toda a justiça, para'a carreira de quem a iniciou, e a sua promoção quebra o
dinamismo da experiência. Por outro lado" sabendo que o seu iniciador está só de passagem,
os que se opõem à experiência podem simplesmente encolher-se, esperando retomar a
iniciativa após a saída do seu iniciador. Em ambos os casos, o resultado é o mesmo e a
experiência teJ:!l boas hipóteses de não sobreviver à saida do seu iniciador ou de só
sobreviver de forma «enquistada», sem difusão e sem capacidade de irradiação, Um
exemplo impressionante deste problema foi dado por W. Ackermann e B. Bastard (1989 e
1992) num estudo sobre a inovação organizacional nos tribunais.
A NECESSIDADE DE UM LEADERSHIP E OS
PARADOXOS DA PARTICIPAÇÃO
lOque sublinha mais uma vez a importância crucial do conhecimento desses sistemas
humanos empíricos.
sistema de actores que deve ser senão sempre iniciado inteira-
mente, pelo menos gerido e estruturado por uma tomada de
iniciativa, por empresários sociais 1. Tal é em definitivo o paradoxo
da mudança dirigida, sobretudo quando é do tipo participativo.
A necessidade de um entrepreneurship social decorre do carácter
não natural da mudança. Nunca será demais repetir que não há na
matéria nenhuma fatalídade nem nenhum determinismo. É certo
que existem tendências fundamentais e forças que empurram para
a mudança das formas organizacionais e com elas modos de
funcionamento2. De igual modo, há inovações organizacionais que,
para lá de um simples efeito de moda, acabam por se impor como
modelos constrangentes tanto elas procuram vantagens
competitivas3. Mas se é possível observar tais regularidades num
plano macrossocial4, nem por isso significa que, no plano de uma
organização individual, a mudança seja automática. Os equilíbrios
existentes que subtendem uma organização são certamente
impelidos pela evolução geral do contexto, mas nem por isso se
adaptam automaticamente. Bem pelo contrário, como demonstrei
mais atrás, a exemplo da «síndroma da maçã podre», eles
desenvolvem dinâmicas endógenas que induzem desvios
organizacionais de auto-reforço das competências, das estruturas
de poder e dos jogos. Terão então tendência a persistir muito para
lá do momento em que
1 Este empresário social pode ser um indivíduo ou um grupo, pouco importa ao caso. 2 São
essas tendências de evolução das formas organizácionais e os mecanismos ei ou forças que os
subtendem que constituem o objecto da corrente dita da popu/alioll ec%gy of organizatiollS, de um
grande número de estudos de ins piração institueionalista (Meyer e Scott, 1981), mas também
de muitos estudos económicos da inovação e da organização. Os trabalhos de Williamson são
em rarte motivados por esta interrogação, tal como os de Nelson e Winter (1982) e
naturalmente também os trabalhos históricos de um Chandler (1962 e 1978).
3 No seu tempo, foi esse o caso para o taylorismo e o "fordismo», isto é, métodos da
organização científica do trabalho. Hoje isso parece ser o caso para os "métodos japoneses
de produção» que representam, corno bem o demonstrou Coriat (1991), inovações
organizacionais importantes que subverteram os nossos métodos de fabrico e de
organização da produção.
4 Trata-se de regularidades estatísticas que atestam relações de probabilidade, mas que não
instauram naturalmente nenhum determinismo, mesmo no plano macrossoeial.
estavam eventualmente adaptados aos seus contextos. A inércia
estrutural (no sentido, bem entendido, de estrutura formal e
informal) das organizações, bem como de todo o espaço de acção
organizado, é grande. Ela alimenta-se da ambiguidade do contexto
tal como das lições da experiência que podem durante muito tempo
(demasiado tempo) ser interpretadas pelos actores no sentido dos
interesses e das apostas da «aliança dominante» antes que seja
demasiado tarde. Apoia-se também em situações de poder que
impõem a sua coerência, e contra as quais é preciso criar uma
dinâmica que permita a uma visão alternativa emergir, tomar forma
e impor-se.
Em suma, «a mudança é sempre impossível» nas organi-
zações, grandes e menos grandes, e há sempre mil boas razões para
não mudar, para não desestabilizar os pilares do funcionamento
actual. É por isso que todo o processo de mudança organizacional,
seja ou não planificado, precisa de um empresário social. Este, ao
prolongar as modificações da situação e ao tematizar
«disfuncionamentos» observáveis, deve fazer-se o porta-voz da
«necessidade» de mudança no interior da organização. Também
deve conseguir organizar «o partido da mudança» que permita dar
o impulso inicial ao processo.
1 A fórmula é vaga, mas não pode ser mais precisa sem especificar o contexto da mudança. Mas
é evidente que quanto mais os princípios estão firmemente estabelecidos e quanto mais têm
um conteúdo constrangente, menos deixam lugar à discussão, ou a inflexões que se poderiam
levar ao curso da <<implementação» e da instalação da mudança.
ideias, as soluções, em resumo, as contribuições dos àctores
interessados pela mudança aos diferentes níveis da organização. A
configuração e a fisionomia deste dispositivo participativo
variarão, bem entendido, de uma organização e de uma mudança
para outra, pois se tratará cada vez de ajustar o seu funcionamento
aos objectivos procurados, quer dizer, à natureza da mudança
projectada. Contudo, da sua filosofia global decorrem algumas
características gerais ou princípios estruturantes que eu gostaria de
rapidamente evocar e argumentar para concluir este capítulo.
O primeiro ponto a sublinhar é o carácter instrumental desta
participação. Ela não é um fim em si; está, pelo contrário, ao
serviço de um projecto de mudança que não criou, mas que a
criou, e ao serviço do qual procura assegurar uma mobilização dos
actores interessados. Não serve, portanto, para a expressão de
interesses, e ainda menos para a sua representação equitativa. Não
constitui um parlamento, mas um dispositivo de trabalho
temporário ao serviço de uma orientação de onde devem sair
diagnósticos mais detalhados, que precisem e aprofundem o
diagnóstico inicial, e soluções para os problemas assim revelados.
Está pois necessariamente interessada tanto na sua organização
como na selecção dos actores que tenta implicar. Privilegia a
adesão à orientação de partida, a competência, ou o nível de
responsabilidade. Enfim, está enquadrada, isto é, inseri da num
dispositivo que define a duração do processo, o campo no interior
do qual ele se pode desdobrar, e as apostas que ele pode fixar. Isso
significa que ela exige um acompanhamento constante que possa
operar a reformulação numa perspectiva global dos problemas e
das soluções identificados pelo ou pelos «grupos-projectos» e
assegurar as idas e vindas indispensáveis entre estes últimos e os
responsáveis pela unidade respectiva da organização.
Este primeiro ponto levanta o problema mais geral da tensão
que existe necessariamente entre uma lógica da participação que
procura mobilizar competências, experiências e capacidades ao
serviço de um projecto de mudança, e uma lógica da representação
dos interesses que tem a sua encarnação nas
instâncias representativas do pessoal de uma organização. Esta
faz-se numa base igualitária e defensiva e agarra-se às formas
existentes, enquanto aquela é essencialmente não igualitária (os
saberes não estão distribuídos de maneira igualitária) e é suposto
eliminar as formas existentes para inventar outras novas na base
das experiências e das capacidades de uns e outros.
No entanto, tematizar a tensão entre as duas lógicas não
significa que se procure opô-las como se elas se excluíssem
mutuamente, como se uma expulsasse necessariamente a outra.
Participação e representação não entram em concorrência e uma
não deve tornar-se uma máquina de guerra contra a outra. Sim-
plesmente, muito menos se deve esconder a tensão entre as duas
lógicas1 ou pretender conciliá-las a todo o custo no mesmo
dispositivo. A primeira deve a sua existência e a sua legitimidade a
uma eleição, a segunda a uma selecção e a uma delegação do topo.
A junção das duas só pode operar-se no processo de pilotagem e
de decisão através do qual o produto da participação é instituído e
se torna a nova lei.
Desta primeira consideração decorre uma segunda, a saber o
papel-chave sempre desempenhado pelos quadros intermédios e
operacionais na participação, e isso por várias razões, ilustradas
por inúmeros exemplos cujas lições são inteiramente
concordantes. Nenhum projecto de reorganização e de mudança
organizacional, sejam quais forem a sua qualidade intrínseca e o
dinamismo do leadership, pode dispensar o apoio activo dos
quadros. Com efeito, de cada vez que se tentou utilizar processos
participativos contra os quadros e os «pequenos chefes», isso
virou-se contra as intenções de partida, ou porque as mudanças
assim introduzidas esbarraram rapidamente contra
1 Todas as análises dos «grupos de expressão» instaurados pela lei Auroux atestam esta
tensão: nas empresas, a base sindical, especialmente na CFDT que apesar de tudo
estivera na origem das disposições desta lei, estava completamente desamparada face
aos grupos de expressão que eram o mais das vezes vividos como um questionamento
da função expressiva e reivindicativa dos delegados dos trabalhadores. Ver a este
propósito o conjunto das contribuições da obra colectiva sobre Participation et Changement
social dalls l'elllreprise, editada por D. Martin (1989), e particularmente os artigos de D. e
R. Linhart (1989) e de R. Tchobanian (1989).
a resistência passiva, senão activa, dos quadros, que, na prática,
constituem cedo ou tarde um parceiro indispensável à animação, à
extensão e à difusão do processo de mudança, ou porque o
processo não pôde sequer arrancar verdadeiramente, por falta de
delegações em sentido lato1.
Um processo participativo não pode nem deve fazer-se contra
os quadros no seu conjunt0 2• Deve pelo contrário integrar esses
quadros, isto é, encontrar neles as delegações necessárias para
prolongar e concretizar o impulso inicial. Pode-se a este propósito
imaginar um processo em cascata, onde a impulsão inicial do topo
é delegada uma primeira vez num grupo-projecto composto por
membros dos quadros intermédios encarregados de instalar as
grandes linhas de uma nova organização que correspondam às
orientações fixadas. Cabe depois aos responsáveis escolhidos para
dirigir as novas unidades «instalar» realmente esta nova
organização, iniciando por sua vez e ao seu nível um outro
processo participativo com objectivos limitados ao seu «território»
e no qual tomariam parte os membros do quadro operacional.
Estes poderiam por seu turno organizar a participação dos
membros das suas unidades na «afinação» da nova organização, e
assim consecutivamente3. Mas os membros do quadro, por seu
lado, só aceitarão jogar o jogo se lhes forem dados os recursos
necessários ao que se lhes pede, a saber, mobilizar as
contribuições dos seus próprios colabora-
2 Claro que isso não exclui que uma reorganização opte por níveis de enquadramento a
privilegiar, ou eventualmente a suprimir, e que possa propor-se a reconfiguração da
linha hierárquica. Sublinho simplesmente que a participação não deve ser o meio de
curto-circuitar esses quadros para estabelecer um contacto directo com a «base». Neste
caso, o processo esbarrará inevitavelmente na resistência daqueles que se vêem assim
excluídos e que podem legitimamente recear o pior. Uma tal resistência é o mais das
vezes fatal, pelo menos a prazo, ao processo de transformação.
3 Nesta perspectiva, um grupo-projecto é muito mais do que os grupos de peritos, está
encarregue de elaborar soluções técnicas. Uma das suas funções, e não a menor, é
dores e animar os processos de aprendizagem organizacional sem
os quais o novo funcionamento não pode passar aos actos.
Paradoxalmente - mas, pensando bem, trata-se de um paradoxo
aparente - funcionamentos mais participativos das organizações
passam por um reforço das prerrogativas, das possibilidades de
acção e das margens de autonomia do quadro· operacional. Com
efeito, sem esse reforço, os membros do quadro operacional são na
verdade incapazes de desempenhar o papel de animação, de
mobilização e de gestão do tecido humano que funcionamentos
mais participativos exigem deles. Aqueles a quem se
convencionou e ainda se convenciona chamar os «pequenos
chefes» são de facto produtos de estruturas que enfraqueceram o
papel do quadro operacional. O «pequeno chefe» autoritário,
rígido e burocrático, tantas vezes descrito na literatura, é com
efeito um agente fraco do quadro a quem os serviços funcionais
(pessoal, métodos, pagamentos) tiraram o essencial dos seus
recursos e da sua margem de manobra.