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artigo

LEMBRAR, NARRAR,
RESUMO
ESCREVER: MEMÓRIA E
O artigo objetiva discutir acerca da con-
FORMAÇÃO DOCENTE tribuição dos estudos da memória para a
formação docente. Trata-se de estudo teóri-
co que tece algumas considerações sobre a
Benedito Gonçalves Eugênio'
utilização da memória nas pesquisas/estudos
sobre formação de professores. Destaca o
potencial analítico do conceito de memória e
INTRODUÇÃO
suas relações com a história oral, que lançam
um novo olhar sobre as histórias de vidas dos
A tragédia não começou quando a libertação do país como um
professores e, consequentemente, os progra-
todo destruiu, quase automaticamente, as pequenas e imperceptíveis
mas de formação docente. Para isso, o artigo
ilhas de liberdade que, de qualquer forma, já se encontravam arruina-
divide-se em três partes. Na primeira, enfo-
das, mas sim quando desapareceram mentes para herdar e questionar,
camos os primeiros estudos sobre a memó-
pensar e lembrar (Arendt, 1968).
ria, principalmente a partir da contribuição
De acordo com Arendt, há um grande perigo que nós, modernos,
de Halbwachs, Marcuse e Bosi. Na segunda,
temos que enfrentar: a perda dos elos entre passado e presente. Lem-
apontamos a contribuição do fi lósofo Walter
brar, nesse caso, está associado à percepção de pertencimento a um
Benjamin, principalmente a sua reflexão so-
mundo que engloba e constitui os indivíduos. Daí a importância da
bre as possibilidades heurísticas da narrativa
memória.
e, finalmente, destacamos algumas contribui-
Pensar a memória como espaço de formação é parte do desafio que
ções dos estudos sobre narrativa e memória
enfrentamos na contemporaneidade: projetar a escola como lugar de
para a compreensão da formação e desenvol-
preservação e socialização cultural, como centro recriador da memória
vimento profissional dos docentes.
e cultura locais.
No atual estágio do desenvolvimento social, em que cada vez
Palavras-chave: memória, narrativa, forma-
mais nos isolamos e silenciamos nossas experiências, "rernemorar e
ção docente.
compartilhar memórias é uma ação rebelde que adquire um caráter de
resistência política. ( ... ) Numa realidade em que democracia e liberda-
de representam práticas de consumo e que o apagamento da memória
coletiva constitui a senha para o apartheid social, encontro com o outro
pode nos salvar do aniquilamento." (PEREZ,2003: 1)
A critica à submissão do homem à mecanização e conseqüente
perda de sentidos decorrente de sua individualização tem sido enfati-
zada em produções cinematográficas como Tempos modernos, Matrix
e O caçador de andróides, filmes que mostram que a falta de controle
do indivíduo sobre seu destino e a redução da vida ao imediatismo do
tempo presente aparecem como características da " prisão moderna".
Nofilme O caçador de andróides, verificamos o poder da engenharia
genética e o declínio das cidades. Criaturas são geradas geneticamente,
mas os andróides não têm lembranças da infância, da adolescência, do
passado. Também na literatura, a questão do homem distanciar-se do
mundo em que está inserido e adquirir controle sobre seu cotidiano
está presente, entre outras, na obra O processo, de Kafka.
Percebemos que a perda da memória está, nas obras citadas, sendo
mostrada como uma das grandes ameaças do mundo moderno. Parece
que no mundo da informação, a memória como aprendizado se perde,
uma vez que

"0 tempo se desvincula da experiência de vida, torna-se autômato, regulado,


impessoal e passa a exercer controle sobre os passos de cada um. O.fim da
tradição oral e o surgimento da escrita também apontam a perda da trans-
missão de conhecimentos e valores entre gerações "(SANTOS, 2003: 19).

I Professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia- Campus de Vitória da Con-


quista. Doutorando em Educação pelo PPGEIFElUNICAMP. E-mail: dodoeugenio@
yahoo.com.br

2007 . revista comciência 59


L[,\1BInR. '\RI<. \R. l:S( 'RE\ LR \fE~I()RI'\ F FOR;\L\~'i\O l)UC'F"TI· l-ugénio. Beneduo Gonçalv C~

É nesse contexto que pretendemos passado. Sendo assim, a memória é pri- mos e esquecemos como membros de
destacar o potencial do trabalho com sioneira da história. grupos e conforme os lugares que ne-
mern órias para a compreensão da for- No caso da historiografia anglo- les ocupamos ou deixamos de ocupar.
mação do professor. Para isso, o texto saxônica, trilha-se um caminho diver- Assim, Halbwachs (1990) relaciona a
está estruturado da seguinte forma: ini- so da historiografia francesa. No caso memória à participação em um grupo
cialmente, destacamos alguns estudio- daquela, a memória é aproximada em social (real ou imaginário), em uma co-
sos da temática da memória; em segui- demasia da noção de história. De acor- munidade afetiva, de forma que, quando
da, trazemos as contribuições de Walter do com SEIXAS (2001), acaba-se por nos lembramos, deslocamo-nos de um
Benjamin relativas ao assunto e, final- não se reconhecer uma distinção clara grupo a outro, em pensamento. Acerca
mente, destacamos como as pesquisas entre memória e historia. Elas acabam desse caráter social, podemos pensar o
em educação têm utilizado o conceito por se identificar. Toda memória é ime- quanto a memória do indivíduo depen-
de memória para o desenvolvimento diatamente história. de das palavras dos outros, das histórias
de investigações que visam conhecer Para compreensão dos estudos da lidas ou contadas, das obras de arte, que
o professor, entender seu percurso do- memória é importante a referência ao são sociais não só em termos do con-
cente, enfim, sua trajetória pessoal e sociólogo Maurice Halbwachs. Ele es- texto em que estão inseridas, mas por
profissional. tabeleceu, nos anos iniciais do século serem produções históricas. A memó-
XX, as bases teóricas que permitem re- ria, para Halbwachs, depende da lin-
OS ESTUDOS SOBRE MEMÓRIA jeitar a separação rígida entre memória guagem, dos significados constituídos
e sociedade, definindo a memória como socialmente.
Nos últimos anos observamos que uma construção social. Sua contribui- No Brasil, um trabalho com me-
as pesquisas em educação têm recorri- ção foi mostrar que a memória faz par- mória que utilizará a contribuição de
do a estudos sobre memória dos docen- te de processo social, numa época em Halbwachs é o de Ecléa BOSl (1994)
tes para entender seu processo de for- que esta era compreendida tão somente em sua análise de/sobre memória(s)
mação, de construção identitária, seus como fenômeno individual. de velhos. A autora escuta atentamen-
saberes, etc. Para desenvolver seus constru- te a narração de lembranças e percebe
Vários estudiosos dedicaram-se a tos teóricos, Halbwachs recorre à que elas estão inseridas numa memória
entender questões relativas à memória. Durkheim. Sua teoria da memória está histórica. Em seu estudo, as narrativas
Destacaremos algumas dessas contri- articulada a uma abordagem epistemo- de histórias de vida constituem o ma-
buições para apontarmos em que medi- lógica que fazia do estudo da estrutura terial com base no qual ela reflete so-
da as formulações benjaminianas avan- material dos grupos e populações seu bre aspectos da memória,dentre elas
çam na discussão da problemática. ponto de partida. a divisão social do tempo; a força do
SEIXAS (200 I) ao retomar a dis- Segundo SANTOS (2003), o estu- afeto e o significado dos espaços e das
cussão de memória versus história, nos do de Halbwach sobre memória social lembranças da família; as marcas dos
aponta como a discussão está sendo pode ser compreendido a partir da mes- fatos públicos, da situação concreta dos
pontuada atualmente. Segundo esta ma tentativa de Durkheim de entender sujeitos (classe, profissão, partido etc.)
autora, nos anos 1980 a historiogra- o suicídio como fato social. Sua preo- na memória política; a memória do tra-
fia toma consciência de que a relação cupação era estabelecer quaisquer prá- balho que penetra todas as demais lem-
memória-história é mais uma relação ticas sociais como fatos sociais e inves- branças.
de conflito e oposição do que de com- tiga-Ias cientificamente. Ao longo de Bosi destaca a narração de lem-
plementaridade. Ao mesmo tempo, a sua vida, desenvolveu as teses durkhei- branças como uma importante função
história se coloca como senhora e pro- mianas sobre fato social. Para ele, não social do velho na sociedade e sobre o
dutora de memórias. Essa oposição é era possível deduzir quadros sociais do seu decaimento nos dias atuais. No ato
construída, sobretudo, com base na tra- processo de interações interpessoais. de narrar, os fatos passados matizam-
dição aristotélica, que entende a memó- Sua teoria de memória estabelece se, o sujeito se dobra sobre a própria
ria como conhecimento do passado. que indivíduos utilizam imagens do vida. Pela narração de nossas lembran-
É com a sociologia que a historio- passado enquanto membros de grupos ças, vamos nos tornando sujeitos e nos
grafia contemporânea sobre memória sociais e usam convenções sociais que inscrevendo na história. Lembrar é nar-
tem traçado os seus diálogos mais fe- não são completamente criadas por rar. Narrar é lembrar.
cundos, principalmente com Halbwa- eles. Os indivíduos precisam sempre da Outro teórico que também se pre-
chs. Quem se apropria desse referencial memória de outras pessoas para confir- ocupará com os estudos de memória
é Pierre Nora, que elabora a divisão e mar suas próprias recordações. é Marcuse. Suas obras trazem alguns
oposição entre memória e historia. Para Nesse sentido, nossas lembranças elementos que nos permitem pensar em
Nora, a memória é a tradição vivida, é emergem em nosso contato com os ou- memória com algo mais que uma pura
a vida, enquanto que a história é uma tros ou originam-se de situações sociais construção social, mas como um forma
representação crítica e sistematizada do (mesmo que estejamos sós). Lembra- de conhecimento do mundo que a cons-

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l.P"HlR ·\R.~..\RR\R. r~CRr\'ER \11\fORIA 1..FOR~I'\\ ,\() DOCE' I E

titui. A memória deixa de ser objeto morte para desvendar as contradições do século XIX.
para tornar-se sujeito do conhecimento, internas entre indivíduo e a sociedade, A historiografia benjaminiana de-
pois enquanto sujeito, ela possibilita por aquele internalizada. senvolve-se a partir da história literária
um conhecimento crítico. Segundo ele, o verdadeiro valor da e fundamenta-se na relação entre pro-
Assim, para Marcuse, tanto como memória está na sua função específica dução e recepção das obras.
para Benjamin, embora o passado seja de preservar promessas e potencial ida- Em seu provocante texto, LOWY
sempre reconstruído a parti r dos interes- des que foram traídas e até rejeitadas (2002) tece alguns comentários sobre a
ses do presente, ele tem uma dimensão pelo indivíduo maduro e civilizado, filosofia da história benjaminiana. Ele
que não está contida nas construções do mas que um dia já foram satisfeitas no nos mostra que é a partir da leitura de
presente. Ambos os autores foram crí- obscuro passado, sem nunca terem sido História e consciência de classes que
ticos da perda dos laços comunitários, totalmente esquecidas. o marxismo torna-se elemento-chave
da sociedade de massas, egoísta e uni- No livro acima citado, Marcuse na concepção de história do autor ber-
dimensional e procuraram alternativas adaptou a teoria de Freud, de internali- linense. O aspecto do marxismo que
à perda de significado inerente ao novo zação de repressões e conflitos sociais, interessa a Benjamin está presente na
mundo. às condições das sociedades pós-indus- obra acima citada de Luckás: a luta de
A concepção de memória de Mar- triais. Ele tentou construir uma teoria classes. Mas LOWY nos adverte que
cuse pode ser compreendida como crítica que combinasse a crítica radical
no entanto, o materialismo histórico
uma tentativa de tornar possível o en- às sociedades de massa à teoria freudia- não vai substituir suas intuições 'anti-
contro entre teoria e práxis, temática na da repressão dos instintos. progressistas', de inspiração românti-
comum a vários pensadores da Escola De acordo com SANTOS (2003), ca e messiánica; vai se articular com
de Frankfurt. Teoricamente, a fenome- a primeira contribuição importante de elas, ganhando, dessa maneira, uma
qualidade crítica que o distingue ra-
nologia e a teoria heideggeriana são Marcuse sobre a memória é que ele, di- dicalmente do marxismo 'oficial' do-
marcas importantes pela forma com a vergindo da perspectiva sociológica ou minante na época (2002. p.200, grifo
qual desenvolve sua teoria de memó- culturalista, criticou a idéia de neutrali- no original).
ria. Há em seus trabalhos um entrela- dade ou universalidade de um mecanis-
çamento entre hermenêutica e marxis- mo psíquico e associou à descrição do A visão de história será desenvol-
mo; ele substitui a idéia de alienação processo de convencionalização uma vida sobretudo no Livro das Passagens
como uma experiência geral presente dimensão histórica e política. e nos textos escritos nos anos 1936-
na sociedade pós-industrial, pela idéia Para ele, a memória tinha um papel 1940. Segundo Lõwy, Benjamin tem
de alienação que aparece nos trabalhos de crítica e de provocar a emancipação um objetivo nesses escritos: aprofundar
de Heidegger. Para este filósofo, com do sujeito das amarras da convenciona- e radicalizar a oposição entre o marxis-
o advento da tecnologia, os indivíduos lização, estava além da memória que se mo e as filosofias burguesas da história,
aparecem como sendo um "Ser"em si configurava na sociedade massificada. elevando-lhe o conteúdo crítico.
mesmo, sem que sejam percebidos em Por isso, associou seu conceito de me- A historiografia benjaminiana uti-
relação. Nos escritos marcusianos dois mória não à mera construção social do liza como metodologia a técnica de
conceitos fundem-se, quais sejam, o da passado, mas à memória responsável "arrancar" fragmentos da obra, vida e
alienação como resultado do modo de pela recuperação de sentimentos ínti- época do seu contexto habitual, con-
produção capitalista e como resultado mos e verdadeiros que não estivessem forme podemos observar nos estudos
da falta de percepção de si mesmo em dominados em sociedades industrial- sobre Baudelaire e no Trabalho das
relação ao mundo. mente avançadas. Passagens.
E qual o lugar da memória, então? Como categoria central está a ima-
A memória surge como elemento capaz gem dialética, que é o instrumento para
de romper com a alienação do homem BENJAMIN E SUA CONTRIBUI- se decifrar a mitologia da modernidade,
moderno. Em Marcuse, embora a me- çÃO PARA OS ESTUDOS DA presente no esboço do Projeto das Pas-
mória seja pensada a partir de sua con- MEMÓRIA sagens, de 1927-29 .. Apesar dos estu-
dição histórica, ela não tem apenas uma dos de Benjamin sobre o surrealismo,
função normativa, ela aproxima-se da ele distingue-se deste quando nos alerta
Segundo BOLLE (2002), o proje-
idéia de que indivíduos são capazes de to crítico de Benjamin foi orientado no para o fato de que o historiador mate-
descobrir e perceber sua natureza atra- sentido de definir a modernidade. A ta- rialista procura elaborar uma forma de
vés da auto-interpretação. refa principal de sua historiografia seria "despertar", como método para traduzir
Na obra Eros e a Civilização uma crítica da consciência burguesa. a linguagem inconsciente para o conhe-
(1981), Marcuse vale-se da contribui- Para isso, procura compreender a men- cimento consciente.
ção da teoria psicanalítica freudiana e, talidade da época moderna a partir da O papel do historiador é o de intér-
ao desenvolver a questão da negativi- história do século XIX, temática dos prete dos sonhos coletivos. Mas como
dade utiliza-se do conceito de pulsão da textos sobre Baudelaire e Paris, capital tornar isso possível? Benjamin propõe
como método atravessar o passado com

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LE\tBR\R. '\RR.\R l'SCRE \ FR ~IF\IÓRI. \ E I üR\L\~·.\O DOCi'NTI·.

a intensidade de um sonho, a fim de ex- de Penélope da rememoração (Eigen- ser compreendido de experiências já vi-
perimentar o presente como o mundo denken). venciadas é aquele que pode ser trans-
da vigília, ao qual o sonho se refere. Mas Benjamin distancia-se de mitido através do tempo.
Recorrer ao passado pressupõe um Proust já em seus textos autobiográfi- Em alguns textos produzidos nos
retomo à memória. Benjamin ocupa- cos por diversas razões. Nesses textos, anosl930, Benjamin retoma a questão
se com o trabalho da memória em vá- estabelece um vínculo entre a esfera da da experiência, agora dentro de uma
rios escritos: a série radiofônica sobre rememoração individual e a coletiva. nova problemática. Segundo Gagnebin
Berlim( 1929-30), a Crônica Berlinen- Isso acontece porque ele segue como ( 1994),
se( 1931-32) e Infância em Berlim por regra não usar a palavra 'eu' em seus
de um lado. demonstra o enfraqueci-
volta de 1900 (última versão de 1938). escritos, a não ser nas cartas. Mesmo mento da Erfahrung no mundo capi-
A teoria benjaminiana de memória as lembranças que se referem a sua in- talista moderno em detrimento de 11m
apropria-se dos seguintes conceitos: fância em Berlim não devem ser con- outro conceito, a Erlebnis. experi-
ência vivida. característica
memória, recordação, lembrança, me- sideradas lembranças pessoais e nem
do individuo solitário; esboça. ao
mória voluntária e involuntária, traço voluntárias. Também distancia-se de mesmo tempo, lima reflexão sobre a
mnemônico, rememoração, vivência e Proust por considerar que a remem ora- necessidade de sua reconstrução para
experiência. ção não pode ser mantida como obra do garantir uma memória e lima palavra
comuns. malgrado a desagregação e o
É com base nesses conceitos que acaso. Em Infância em Berlim (1986)
esfacelamento do social (p.09).
tentaremos apontar a contribuição des- não temos uma narrativa para apresen-
se teórico para os estudos da ternática tar as suas memórias; ao contrário, ele Para Benjamin, a arte de narrar
do presente texto. procede por estações, através das rnô- experiências vividas torna-se cada vez
Benjamin analisou o significado nadas, em que cada parada indica um mais rara e ele mostra-se preocupado
da memória a partir das reflexões de local onde se realiza uma expedição com o silêncio dos homens.
Henri Bergson, principalmente com as arqueológica, pois para ele a lembrança Em Experiência e pobreza, ele cha-
relações existentes entre matéria e me- condensa em imagens tempo e aconte- ma a nossa atenção para os riscos de
mória. Mas o autor berlinense também cimentos que afloram num relampejar e morte que corre o patrimônio cultural
criticou algumas considerações berg- novamente desaparecem. da humanidade devido "ao monstruoso
sonianas, como a tentativa daquele de Benjamin trabalhou com dois tipos desenvolvimento da técnica" (p.1l5).
fundir no seu conceito de memória dois de memória: voluntária e a involuntária. Para isso, baseia-se na experiência vivi-
tipos de experiência que não se ade- Enquanto a primeira seria aquela que se da pelos combatentes na I Guerra Mun-
quavam mais ao mundo moderno. Para coloca a serviço do intelecto e que traz dial, que, segundo ele, voltaram "mais
Santos (2003) a crítica dirigida a Berg- para o presente eventos passados pela pobres em experiências comunicáveis,
son é porque este definiu a natureza da ação intencional daquele que lembra, a e não mais ricos" (p.115).
experiência de uma maneira que apenas memória involuntária seria aquela em Este é um alerta sobre a importân-
o poeta poderia ser o sujeito adequado que as experiências anteriormente vi- cia da rememoração, uma vez que "o
dessa experiência. venciadas surgem sem serem produtos ato de remernorar não implica apenas o
Em Benjamim, a memória faz par- de uma ação intencional. À primeira pertencimento de uma vida, mas o per-
te da experiência humana da moderni- memória associou o conceito de Erleb- tencimento de muitas vidas que podem
dade, sendo que ela é contextualizada. nis, conceito descrito por Dilthey como ser encontradas na urdidura de uma
Outra referencia importante no sendo a experiência humana da vida. narrativa" (SlLVA, 2003:18).
trabalho benjaminiano de memória é De acordo com SANTOS (2003), No texto O narrador- , escrito em
Marcel Proust. Três pontos da obra Benjamin critica Dilthey por este fazer 1936, Benjamin demonstra sua preo-
deste foram decisivos para Benjamin: da Erlebnis a base de todo conhecimen- cupação com a perda da capacidade de
o trabalho da memória involuntária e to. Enfatizando a condição histórica da narrar dos homens. As mudanças no
sua relação com o esquecimento; a di- experiência humana, Benjamin argu- mundo do trabaLho fizeram com que a
mensão da eternidade proustiana, que mentou que o conceito de Erlebnis não narrativa perdesse uma de suas ferra-
não é a de um tempo linear ilimitado; permitia nenhuma percepção de conti- mentas, o ouvido das pessoas, colocan-
as semelhanças captadas num "estado nuidade temporal porque estava restrito do aquela em vias de extinção. Assim
de sonho" e incorporadas à existência à esfera de um tempo determinado da diz o nosso teórico:
vivida. experiência humana.
A importância da lembrança (Erin- Assim, é na memória involuntária, São cada vez mais raras as pesso-
as que sabem narrar devidamente.
nerung) para Benjamin vem com essa responsável pela transmissão de expe- Quando se pede num grupo que al-
leitura de Proust. Ele considera que riências vivenciadas no passado através guém narre alguma coisa, o embaraço
em Proust o importante para o autor de um continuum temporal, que Ben- se generaliza. É como se estivéssemos
que lembra não é o que ele viveu, mas jamin associa o conceito de Erfahrung,
o tecido da sua lembrança, o trabalho que implica em que o único sentido a 2 Este texto encontra-se disponível no livro Ma-
gia e técnica, arte e política.

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LF;\fBl{\R ,(.\RR \R.I SClU:Y[ R' \W\fÚO"; I, roR\I.\( \(l DOCE"I!'

privados de uma faculdade que nos De cada vivimento que eu real tive, de mento, a leitura e escrita, permite rein-
parecia segura e inalien áel: a fa-
alegria forte ou pesar, cada vez daquela terpretações férteis de si próprio e dos
culdade de intercambiar experiências
(1994.' 197-8).
hoje eu vejo que era como se fosse dife- processos e praticas de ensinar. Noutras
rente pessoa. Sucedido, desgovernado. palavras, o ato de rememorar reconstrói
GAGNEBIN(1994) afirma que Assim eu acho, assim é que eu conto. a história da educação.
Benjamin diagnostica alguns dos fato- O senhor é bondoso de me ouvir. Tem Essa fertilidade dos relatos de
res que contribuíram para a perda da hora antigas que ficaram muito mais vida profissional dos docentes até
experiência. São eles: perto da gente do que de outras, de pouco tempo foi desconsiderada nos
recente data. O senhor mesmo sabe". estudos educacionais. Para CATANl
a arte de contar torna-se cada ve=
mais rara porque parte, fundamen- (Guimarães Rosa) et. ali (1997) isso ocorreu devido ao
talmente. da transmissão de lima Este trecho, de Grande sertão: ve- fato de que "suas experiências [a dos
experiência no sentido pleno, cujas redas, nos mostra Riobaldo discorren- docentes ]foram anal isadas em função
condições de realização já não mais
do sobre narrativa, memória/esqueci- de parâmetros educacionais,e enquan-
existem na sociedade capitalista mo-
derna. (..) Benjamin distingue entre mento. É importante observar que o to tais, vistas como não- científicas,
elas, três [condições} principais: a) narrador-personagem destaca o valor e portanto, não merecedoras de crédito"
a experiência transmitida pelo relato a profundidade das memórias; elas se (p.25-6) .
deve ser CO/1/umao narrador e ao ou-
constituem de pequenos retalhos que A pesquisa com a utilização de re-
vinte. Pressupõe. portanto, uma comll-
nidade de vida e de discurso(..)b) esse juntam-se para formar o tecido da re- latos escritos e/ou orais dos docentes é
caráter de comunidade entre vida e memoração. uma pesquisa em colaboração, pois os
palavra apóia-se na organização pré- No caso específico da escola e professores tornam-se simultaneamen-
capitalista do trabalho. em especial
da formação docente, O trabalho com te objetos e sujeitos da pesquisa e essa
na atividade artesanal (..) c) a comu-
nidade da experiência funda a dimen- a memória tem sido destacado em di- prática é importante "porque ao reali-
são praticada narrativa tradicional. versas publicações: BUENO (1998), zarem investigações sobre suas práti-
Aquele que conta transmite 11msaber, REGO (2002), BRAGA(2000), CA- cas, os docentes participam ativamente
uma sapiência que seus ouvintes po-
TANI (1997), UNHARES e NUNES do processo de construção de conhe-
dem receber com proveito (p./O-II).
(2000),NUNES (1987),SOUZA(l996), cimento -deles e sobre eles" (Catani,
A proposta de Benjamin é que nar- SOUZA E CORTEZ (2000), KRA- 1997,p.32).
remos, sem distinção, grandes e peque- MER (2002), MENEZES (2004), NÓ- Isso posto, é necessário que este-
nos acontecimentos, pois a hierarquiza- VOA(l992), dentre outras. jamos atentos, ao realizar um trabalho
ção dos acontecimentos deixa de lado Pensando na formação docente, o em que a abordagem metodológica
outros sujeitos que foram derrotados; trabalho com memórias reinventa esco- recorre às memórias e/ ou narrativas,
cada momento é tem algo importante la como espaço-tempo de formação. As à diferença entre narrativas escrita e
para cada sujeito. Para ele, as melhores rememorações possibilitam a compre- oral. Segundo CHARTlER apud SILVA
narrativas são as que menos se distin- ensão do agora a partir do outrora. (2003:30),
guem das histórias orais contadas pelos NÓVOA(1992) destaca a pertinên-
é grande a distância entre o relato
inúmeros narradores anônimos. Alerta- cia de se estudar o ensino a partir das pronunciado e a escrita impressa.
nos, no entanto, sobre a diferença entre ações dos professores e afirma que o eu Contudo. ela não deve fazer esquecer
informação e narrativa: profissional não pode ser separado do que são numerosos os seus laços. Por
eu pessoal. Este autor também chama um lado, levam à inscrição, nos tex-
A informação só tem valor no momen- tos destinados a U1l1 vasto público, das
nossa atenção sobre o recurso à história fórmulas que são precisamente as da
to em que é novidade. Ela só vive nesse
momento, precisa entregar-se inteira- de vida para se compreender o desen- cultura oral.
mente a ele e sem perda de tempa tem volvimento da profissão docente. Suas
que se explicar nele. Muito diferente considerações vão principalmente no De acordo com P. THOMPSON
é a narrativa. E/a não se entrega. Ela sentido da fragilidade das Ciências da (1982) a história oral constrói-se em
conserva suas forças e depois de muito
Educação e também de estarmos aten- torno de pessoas; ela traz a história para
tempo ainda é capaz de se desenvolver
(1994, p.204). tos à questão da moda no campo educa- dentro da comunidade e extrai a histó-
cional para não incorrermos no erro de ria de dentro desta.
MEMÓRIA, NARRATIVA E FOR- empobrecer o trabalho com história de O ato de narrar experiências atribui
MAÇÃO DOCENTE vida/autobiografia. significados ao processo de formação/
Segundo CATANT et. ali (1997), as escolarização dos docentes e auxilia os
"A lembrança da vida da gente se potencial idades educativas do trabalho pesquisadores do ensino a entender o
guarda em trechos diversos, cada um com relatos de formação apóia-se na processo de ser/tomar-se/constituir/se
com seu signo e sentimento, uns com idéia de que a reflexão realizada a partir professor.
os outros acho que não se misturam. da reconstituição da história individual As experiências narradas consti-
Contar seguido, alinhavado, só mesmo e das relações com a escola, o conheci- tuem um tipo de conhecimento que nos
sendo as coisas de rasa importância. ajudam, inclusive, a proteger a existên-

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• U·\IBrUR. '\KK.\R 1·.SCR['.\FR \U:\tÓRL\ E FORM.\(,'AO DuCI·NTh

cia humana, conforme nos ensina E. Thompson objetiva mostrar-nos possibilitar uma nova forma de pensar
P. Thompson. Em A miséria da teoria, que a experiência ensina os seres hu- e praticar a formação docente, além
THOM PSON( 1981) tece duras cr íticas manos e que somos dependentes dos de viabilizar a compreensão de como
a Althusser, pois no pensamento deste resultados desta para elaborarmos aná- são tecidos e enredados no cotidiano
está ausente a experiência. Segundo o lises das práticas sociais exerci das por os conhecimentos curriculares, para
historiador inglês, a experiência é sujeitos particulares, reais, inseridos na que tenhamos uma outra alternativa
história. à constatação feita por KRAMER
Uma categoria que por mais im-
perfeita que seja, é indispens áet Conforme este autor, ao vivencia- (2002) de que os conhecimentos per-
ao historiador. já que compreende rem experiências os sujeitos apreen- deram sua aura e transformaram-se
a resposta mental e emocional, seja dem um tipo de conhecimento. Sendo em mercadorias expostas nos livros
de um indiv duo ou de um grupo so- didáticos, salas de aulas e falas dos
cial. a muitos acontecimentos inter-
assim, os pesquisadores do campo edu-
relacionados ou a muitas repetições cacional têm muito a aprender com as professores.
do mesmo tipo de acontecimento experiências e narrativas dos docentes.
(THOMPSON,/98/,p./5).
O trabalho com a memória pode nos

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