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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Inesperado Reencontro
(Jo Ann Ferguson)
Título Original: Wedding Day Kittens
Aventuras do Coração/ Gatinhos Cupidos -
01

Copyright © 2005 by Jo Ann


Ferguson/Alice Holden/Melynda Beth
Skinner
Originalmente publicado em 2005 pela
Kensington Publishing Corp.
PUBLICADO SOB ACORDO COM
KENSINGTON PUBLISHING CORP.
© 2006 Editora Nova Cultural Ltda.
Digitalização: Polyana
Revisão: Cris Paiva

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Resumo: Século XIX - Inglaterra


Charlotte não imaginava que seu sonho de
rever lorde Milbury se realizaria durante o
salvamento de sua gatinha do arisco cavalo
do charmoso lorde. A preocupação sincera
de Milbury com o animalzinho leva
Charlotte a refletir que os rumores a
respeito dele podem não ser verdadeiros, e
que talvez valha a pena correr o risco de
entregar seu coração...
CAPÍTULO I

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Impossível! — Charlotte Longmuir


exclamou, olhando por cima do varal cheio
de roupas recém-lavadas. Reconheceu
imediatamente o cavaleiro que vinha em
direção a sua casa.
Seria mesmo verdade que Jeremy
Drake estava de volta a Milburgh do
Norte?
Curvou-se para apanhar outra peça de
roupa limpa na tina. Dez anos haviam se
passado desde que o marquês partira. O
casamento iminente da irmã explicava o
retorno, claro. Mas ele pretendia ficar?
Ao mesmo tempo em que pendurava uma
camisa no varal, viu-o chegar mais perto.
Era alto e tinha o cabelo muito preto.
Cavalgava com a mesma arrogância de
quando deixara a cidade, aos dezessete
anos, em condições vergonhosas. Depois
disso, seu pai morrera e o título de lorde
Milbury passara a lhe pertencer. Nem uma
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

coisa nem outra o fizeram retornar, pelo


que sabia. Dizia-se que descuidara dos
negócios da família, relacionados à marinha
mercante, tendo partido para muito além
do horizonte.
Usava chapéu e casaco pretos bem
cortados, tanto quanto podia perceber.
Não se lembrava de tê-lo visto de bigode,
como agora. Em dez anos, todo mundo
muda, seja homem... seja mulher.
O marquês conduziu seu cavalo pelo
outro lado do muro de pedras.
Cumprimentou-a levando a mão à aba do
chapéu e dizendo:
— Boa tarde, senhorita. — Sorriu e,
observando o varal de roupas, se corrigiu:
— Boa tarde, senhora, acho que assim seria
mais apropriado. Espero não estar me
intrometendo em seus afazeres
domésticos.
— Claro que não. — Tentou sorrir, mas
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

só produziu uma careta, com os olhos


claros e acinzentados estreitando. — Em
que posso ajudá-lo, senhor...
— Jeremy Drake — ele se apresentou,
confirmando o que Charlotte ainda achava
difícil acreditar. O sorriso largo
reapareceu em seu rosto, cintilante como
os raios de sol que eram refletidos no
riacho atrás do chalé. Um súbito lampejo
em seus olhos advertiu-a de que ele não
mudara tanto assim nos últimos anos.
Mantinha o jeito malicioso que o
caracterizava. Coitada da mulher que se
esquecesse disso. — Permite que lhe peça a
gentileza de dar um pouco de água a meu
cavalo e também a mim?
— O senhor não está longe de Milburgh
do Norte.
— Milburgh? — Os olhos dele se
estreitaram ainda mais. — O que a faz
pensar ser esse o meu destino?
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Charlotte deu de ombros, na esperança


de que o movimento fosse interpretado
como indiferença.
— Essa estrada não conduz a nenhum
outro lugar.
— Tem razão. Mas afinal, posso me
servir de um pouco de água, senhora?
Ela apontou para o celeiro e disse:
— O poço fica do outro lado. Sirva-se à
vontade.
— Muito obrigado — ele agradeceu,
saudando-a de novo com um toque na aba
do chapéu.
Pelo canto dos olhos, Charlotte
acompanhou-o até o celeiro. Talvez ele
tivesse mudado realmente, se pensava
primeiro no cavalo. Mas também podia ser
que o pobre animal estivesse prestes a cair
morto de sede, coisa que o obrigaria a
seguir a pé até a cidade.

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Abaixou os olhos para o varal outra vez,


repreendendo-se por julgá-lo com tamanha
severidade. Conhecia-o de outros tempos,
sim, mas dez anos tinham se passado. Se
sua própria vida passara por
transformações tão marcantes, por que
não a do marquês?
De repente, um grito a paralisou. Um
grito de criança. Rapidamente, jogou a
camisa de volta à tina, agarrou a barra da
saia para desvencilhar os pés e saiu
correndo.
Ao contornar o celeiro, deparou-se com
o cavalo do marquês empinando sobre as
pernas traseiras. Lorde Milbury segurava-
lhe firme as rédeas, lutando para acalmá-
lo. Sob as patas dianteiras golpeando o ar,
duas criaturas pequeninas: uma criança e
uma pequena gata malhada. O menino
segurava a gatinha com força, alheio ao
perigo.
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Charlotte avançou correndo e enfiou-se


debaixo dos cascos do cavalo. Lorde
Milbury gritou alguma coisa. Sem lhe dar
atenção, ela agarrou a criança e saiu dali.
Tendo sido obrigada a soltar a saia, acabou
tropeçando nela e caindo, arrancando novo
grito da criança, dessa vez acompanhado
pelo miado da gata.
Afinal sentou-se no chão e tomou
Hughie nos braços. Ele quis se debater,
lançando-lhe um olhar fulminante. Mesmo
assim ela o apertou forte, alisando-lhe o
cabelo vermelho, um tom mais escuro que o
seu.
— Alguém se machucou?
Charlotte respondeu à indagação de
lorde Milbury fazendo que não com a
cabeça, pondo-se a falar com o menino
como se ele fosse um bebê. Isso sempre o
acalmava. Sorriu ao sentir que a raiva e o
medo deixavam-lhe os membros, até então
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

tensos, e que ele se aconchegava a seu


peito.
— Minha gatinha — disse o menino,
orgulhoso, pegando a gata do chão. O
pobre animal sacudiu as pernas, ainda
assustado, tentando fugir. — Eu salvei
minha gatinha.
— Você quase se matou, isso sim! —
retrucou o marquês, ríspido.
Hughie ergueu os olhos para ele e
começou a chorar. Lorde Milbury fez
menção de pedir desculpas, porém
Charlotte interveio:
— Acho melhor o senhor não dizer mais
nada.
Ele não disfarçou o espanto ante o tom
determinado da voz dela, embora
assentisse balançando a cabeça.
— Você precisa ter mais cuidado, meu
querido — Charlotte murmurou, falando

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

com a criança. — Nunca se deve correr na


frente de um cavalo.
— Mas esse homem iria passar com o
cavalo em cima de Patches! — Tornou a
encarar, furioso, o recém-chegado. — Eu
salvei ela.
— E se salvou também, graças a Deus.
Só estou pedindo que seja mais cuidadoso
da próxima vez.
Hughie acabou concordando, embora
relutante, sem entender por que ninguém o
cumprimentava pelo feito heróico.
Beijando-lhe então a cabeça, ela chamou:
— Petey!
Um rapaz alto, magro, oscilando entre a
maturidade e a adolescência, surgiu por
trás do chalé. Um filhote de cachorro
saltitava em volta dele.
— Sim? — Sorriu e exclamou, todo
contente: — Então foi aqui que Patches

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

veio parar! — Sentando-se ao lado de Char-


lotte, olhou para as lágrimas no rosto de
Hughie, depois para a gata em seu colo e
afinal observou: — Ora, não precisa cho-
rar, sua filhote está bem.
— Ele ficou assustado, só isso —
Charlotte procurou tranqüilizá-lo. Então
sorriu e acariciou o cabelo preto, liso e
desalinhado de Petey. — Mas você não
está, pelo que estou vendo.
O rapaz deu uma risada.
— Eu não,
— Que bom. — Charlotte levantou-se e
encarou lorde Milbury. O qual, por sua vez,
olhava fixamente para os meninos.
Tratando de engolir a repentina irritação
que a invadira, ela concluiu que não tinha
motivos para esperar dele coisa muito
diferente dos outros habitantes de
Milburgh do Norte, Ele já desprezara as
regras sociais um dia. Mas por conveniência
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

própria, nada mais. — Encontrou o poço,


lorde Milbury?
— Como? A senhora me conhece?
Ciente de que precisava ser cuidadosa,
ela respondeu:
— Todo o mundo em Milburgh do Norte
conhece o senhor, milorde.
— Entendo. — Enxugou o bigode com os
dedos e em seguida descansou a mão na
porta do celeiro. — São seus filhos?
— São. — Charlotte sorriu para os
meninos. Petey fez uma careta para o
visitante desconhecido e então, sem dizer
nada, levou a gatinha para o chalé. Hughie
correu atrás dele.
— Os dois?
— Sim. — Não pretendia satisfazer-lhe
a curiosidade. Muitas vezes haviam lhe
perguntado sobre os pais de Petey. De-
sistira de responder a muito tempo, O que
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

tinha para dizer ninguém queria escutar,


então por que desgastar-se com isso?
Um latido alegre os interrompeu. Com
uma expressão de horror no rosto,
Charlotte segurou de novo a barra da saia
e disparou rumo ao varal. Encontrou o
cachorrinho marrom de Petey todo
satisfeito brincando de puxar a roupa
molhada da tina.
Charlotte bateu as mãos com vigor para
espantá-lo. O cachorro olhou para ela
abanando o rabo, mas acabou se afastando.
Em seguida, porém, deu um pulo e agarrou
um lençol dependurado.
— Não! — ela gritou.
Tentou alcançar a árvore que prendia o
varal. Tarde demais. A corda arrebentou a
centímetros de seus dedos, levando con-
sigo toda a roupa recém-lavada para o
chão. Assustado, o cãozinho saiu correndo
com duas camisas o cobrindo e tapando-lhe
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

a visão.
Charlotte suspirou. O jeito agora seria
lavar tudo de novo. Curvando-se, começou a
recolher as meias encharcadas.
— Espere um instante — disse lorde
Milbury.
— O que foi?
Sorridente, ele pegou a ponta da corda
e ergueu as roupas do chão. Charlotte
ficou impressionada com tamanha força,
pois sabia o quanto pesava um varal cheio
de roupas molhadas.
"O que ele anda fazendo longe de
Milburgh do Norte?", perguntou-se, ao
mesmo tempo em que também levava as
mãos à corda, querendo ajudá-lo.
— Erga um pouco e segure firme
agora—ele orientou entre os dentes
cerrados. — Quero ver se consigo dar a
volta na árvore.

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Ela concordou com um aceno de cabeça


e plantou os pés no chão. Mesmo assim, o
peso das roupas a puxava para o lado.
Quando lorde Milbury pediu que erguesse
um pouco mais, ela atendeu-o mesmo
correndo o risco de cair e derrubar tudo
no chão outra vez. Embora concentrada no
que fazia, não deixou de notar o agradável
perfume que exalava do longo casaco que
ele usava.
— Pronto — disse ele, finalizando o
trabalho com um forte nó. — A roupa
parece continuar limpa, e agora, a salvo do
cachorro.
— Muito obrigada.
— É um prazer ajudá-la.
Estava prestes a se afastar, para
colocar no varal as últimas peças de roupa
que lhe faltava estender, quando sentiu a
mão dele em seu braço. Olhando por cima
do ombro, disse:
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Lorde Milbury, tenho muito o que


fazer.
Esperava que as palavras, embora
banais, o impedissem de sentir-lhe o pulso
acelerado. Não ficava tão perto de um
homem assim bonito e imprudente há... dez
anos.
— Os meninos são velhos demais para
que alguém ainda tenha de lhes trocar as
fraldas — ele retrucou. — Quantos filhos
você tem?
O sorriso desaparecera do rosto
másculo e, agora, sério que lhe sustentava
o olhar. Charlotte quis desviar os olhos,
porém não conseguiu. Percebendo dos
ombros largos sob o casaco que ele usava,
recuou um passo em direção ao varal.
Ao vê-la sem fala, o sorriso voltou ao
rosto de lorde Milbury.
— Você ficou nervosa.

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Não estou acostumada com pessoas


chegando tão perto de mim.
— Só quero uma resposta.
— Que resposta? — Receou parecer
estúpida, mas o fato é que não ouvira a
pergunta. Perturbar-se com o olhar fixo de
um homem era bobagem, mais ainda em se
tratando de Jeremy Drake, cuja fama de
arruinar a reputação de várias jovens o
precedia.
Não que tivesse muito com que se
preocupar. Era impossível piorar o modo
como a viam em Milburgh do Norte.
— Quantos filhos moram com você? —
ele insistiu.
— Só três.
— Só? — Ergueu uma sobrancelha. —
Um número respeitável para alguém tão
jovem, senhora...
— Longmuir — disse ela e, endireitando
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

os ombros: — Srta. Longmuir.


— Longmuir? — Jeremy repetiu,
arregalando os olhos. — Você é parente de
Hubert Longmuir? Não me diga que é filha
dele!
— Eu mesma.
— Como vai meu bom mestre?
— Papai morreu.
O sorriso desapareceu do rosto dele.
— Sinto muito.
— Obrigada.
— Você mudou muito.
Charlotte quis retrucar que, por sua
vez, ele não mudara nada. Continuava tão
charmoso, quanto se lembrava. Em vez
disso, brindou-o com um sorriso frio.
— Muito tempo se passou desde a época
em que o senhor tomava lições com papai.
Às quais comparecia somente arrastado à

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

força, se não me falha a memória.


— Engano seu. — Deu a volta nas
roupas, colocando-se do outro lado. — Eu
comparecia quando sabia não ter outra
opção.
Charlotte tirou uma fralda da tina e
pendurou-a. Talvez, se ficasse calada, ele
fosse embora. Mas não foi o que
aconteceu.
— Lembro de você com seu cabelo cor
de laranja eriçado. Era muito magra,
passava a maior parte do tempo com o
nariz enfiado nos livros. Seu cabelo
adquiriu esse belo tom avermelhado da
noite para o dia ou levou uma década
inteira? Também devo dizer que seu corpo
adquiriu formas muito harmoniosas.
— Encarou-a com ousadia. — Bonitas
mesmo.
— Espero que a água o tenha saciado

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

pelo resto da viagem — ela desconversou


no tom mais ríspido que conseguiu.
— Por que não me manda embora de uma
vez? — Jeremy fechou os dedos sobre a
corda do varal. — Você era uma menina
bonita. Nunca imaginei que, quando
crescesse, guardaria rancor contra alguém
que fez brincadeiras típicas de um jovem
imaturo.
— Não guardo rancor nenhum do
senhor. Ele exibiu um sorriso largo.
— Pior ainda. Sei de várias coisas que
gostaria que estivessem contra mim.
Charlotte enrubesceu, o calor tomava
conta de seu rosto como acontecia quando
se expunha muito tempo ao sol no verão.
Alimentava a esperança de que ele
desconhecesse os boatos que sempre
começavam com: "Você soube o que acon-
teceu entre Charlotte Longmuir e...?".
Pouco importando o nome utilizado para
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

completar a frase.
A atitude mais sábia naquele momento
era permanecer calada e esperar que ele
partisse. Fosse outra pessoa que não o
marquês, o deixaria falando sozinho,
buscando refúgio no interior do chalé. Mas
desconfiava que ele fosse capaz de roubar-
lhe as galinhas que estavam cacarejando
junto ao portão do celeiro. Jeremy Drake
fizera coisas piores um ano antes de
partir.
— "Brincadeiras de um jovem imaturo"
não é a melhor maneira de descrever o que
você andou aprontando — ela rebateu,
arrumando as roupas para que coubessem
no varal. — Devia ter pensado melhor antes
de agir.
— Comentários como esse me
convenceram a ir embora. — Após uma
breve pausa, perguntou: — Não tem
curiosidade de saber por onde andei?
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Charlotte deu de ombros, dessa vez


sem precisar fingir indiferença. A
conversa não os levaria a lugar algum. Ele
talvez tivesse o dia livre, mas ela não.
Precisava acabar de assar pão, preparar o
jantar, limpar as mamadeiras do bebê e...
Nem queria pensar em todos os afazeres
que a aguardavam antes de pôr as crianças
na cama.
Houve tempo em que teria apreciado
uma boa discussão sobre os lugares e as
pessoas que Jeremy conhecera. Como se
deliciara com as histórias do pai acerca de
tudo com que ele se deparara em suas
viagens, quando era solteiro e jovem como
o marquês. Ele tinha dom para esses
relatos, fazia tudo parecer tão real que
acabava sempre com a impressão de tê-lo
acompanhado. Herdara dele o prazer de
contar histórias para suas três crianças.
— Não é muito amigável de sua parte
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

emudecer de repente — reclamou lorde


Milbury.
"Na verdade, nunca fomos amigos, lorde
Milbury". Sabendo que não deveria dar voz
a esse pensamento, resolveu indagar:
— Por que voltou?
Ele a imitou, dando de ombros também.
— Porque chegou a hora. — Cruzou os
braços, com um sorriso largo tornando a
brincar-lhe nos lábios. — Depois de tanto
tempo, achei que meus conterrâneos
estariam com saudade.
— Se quis lhes dar motivo para falar,
não precisava. Sempre encontraram quem
lhes servisse de assunto. — Pendurou no
varal a última peça de roupa, enxugando as
mãos na saia molhada. — Ouvi dizer que sua
irmã vai se casar com George Berringer.
— Também ouvi.
Ele riu e Charlotte foi incapaz de não se
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

contaminar. Conhecia bem demais o


terrível filho do marquês, mas tinha de
reconhecer que Jeremy ainda sabia fazer,
uma pessoa se sentir importante quando
lhe dirigia a palavra.
— Quando me falaram do casamento de
Eugenia, concluí que precisava voltar. Por
isso deixei a vida de solteiro em Londres
e... — Seu sorriso se alargou. — Não
deveria discutir esse tipo de assunto com
você, não é?
Ela experimentou o peso da tina antes
de erguê-la e apoiá-la na cintura.
— Não precisa pesar suas palavras
comigo. Não sou do tipo que se escandaliza
com tudo, lorde Milbury. Sempre ouvimos
falar do que acontece em Londres. Coisas
que podem até ser verdade.
— Algumas até queimariam seus
ouvidos. — Levou os dedos à aba do chapéu.
— Obrigado por me servir um pouco de sua
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

água, Charlotte.
— Disponha. — Ouvir seu primeiro nome
nos lábios dele provocou-lhe arrepios, não
de frio, mas calorosos, que percorriam sua
pele em ondas. Vendo-o encaminhar-se
para o cavalo, chamou: — Lorde Milbury?
Ele parou e se virou, com um sorriso
apenas cortês nos lábios. E abrindo bem o
casaco para revelar o colete de brocado
dourado, disse:
— Dou-lhe minha palavra, se é que ela
ainda tem algum valor, de que deixei tudo
para trás.
— Eu não quis dizer... Não queria acusá-
lo de... —Tomando fôlego, passou também
para o outro lado do varal. — Lorde
Milbury...
— Você costumava me chamar de
Jeremy. Gostaria muito que voltasse a me
tratar assim. — Estendeu a mão quando ela

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

abriu a boca para protestar. — Não posso


mais chamá-la de srta. Longmuir. Portanto,
dirija-se a mim como Jeremy, de forma
que eu possa fazer como quando éramos
jovens, chamando-a apenas de Charlotte.
— Não era só pelo nome que você me
chamava — disse ela, sorrindo.
— Pimentinha, lhe chamava assim por
causa das sardas. Acho que foi o pior de
todos os apelidos que lhe dei.
— Lembra-se dele ainda?
— Meus delitos sempre me
assombraram a mente nos momentos de
tranqüilidade. — Sorriu ao mesmo tempo
que diminuía a distância entre eles. — O
que aconteceu com suas sardas, Charlotte?
Você as esconde debaixo de pó de arroz?
Jeremy ergueu a mão em direção ao
rosto dela enquanto falava.
Charlotte recuou instintivamente e pôs

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

a tina de roupa entre eles, segurando-a


com as duas mãos. Jeremy a encarou, a
emoção tendo abandonado seu rosto.
Mantendo o queixo erguido, ela sustentou-
lhe o olhar. Não importava o que ele ouvira,
algumas coisas acerca de Charlotte
Longmuir nunca mudavam.
Ele permaneceu imóvel por um longo
tempo. Enfim, abaixou a mão estendida.
Charlotte nem imaginava ó que lhe passava
pela cabeça. Os olhos dele estavam tão
encobertos e sem vida quanto os de uma
serpente que sai debaixo da pedra para se
banhar ao sol.
Charlotte não disse nada enquanto ele
subia à sela. Jeremy não olhou para trás.
Ela apertou com força as alças da tina.
Vira-o usar aquela expressão por muitas
vezes quando era forçado a comparecer às
aulas de seu pai. Ela significava problemas.
Aliás, só o retorno de lorde Milbury já
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

significava problemas para Milburgh do


Norte. Charlotte tinha certeza disso. Só
não sabia se ele causaria problemas
também para ela e seus filhos. Coisa que
precisava descobrir o quanto antes.

CAPÍTULO II

Milburgh do Norte continuava


exatamente como Jeremy lembrava. Na
praça da igreja, as roseiras estavam bem
maiores. Havia um nome diferente escrito
na placa em frente à ferraria, na praça do
mercado. Fora isso, a cidade não mudara
nada.
Remexeu-se em cima da sela enquanto
seguia rumo à grande casa que toda a
cidade conhecia. Milburgh Hall já contara
com muros para fortificá-la; agora, no

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

entanto, erguia-se complacente sobre uma


pequena colina. Jardins rodeavam-na como
colares ao redor do pescoço de uma viúva
rica. Não mudara desde que partira para
Londres.
Tudo continuava igual, inclusive os
suaves olhos azuis de Charlotte Longmuir.
Por que ela ainda lhe ocupava os
pensamentos? Devia estar ansioso para
rever a irmã mais nova, isso sim. Contudo,
não conseguia evitar a curiosidade em
saber o que a filha de seu antigo mestre
estava fazendo em um chalé caindo aos
pedaços, acompanhada de três filhos.
Olhou na direção da igreja. Charlotte e
o pai moravam à sombra de sua torre. O
que acontecera? Por que ela agora vivia
longe de Milburgh do Norte?
Parou diante da porta muito
ornamentada de Milburgh Hall. Só
estranhos a usavam para entrar ou sair,
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

porém não se sentia mais pertencer a lugar


nenhum. Aliás, até em Londres se sentia um
intruso. Habituara-se a pisar em solo
movediço.
Desmontou e olhou a sua volta. Os
arbustos ao longo do muro estavam mais
baixo do que se lembrava, mas bem apa-
rados como sempre. Sua mãe nunca gostara
que as coisas crescessem livres e de
acordo com os caprichos da natureza —
nem a cerca viva, nem o filho. Estava
prestes a descobrir que se saíra melhor do
que imaginava. Dez anos acabam com as
arestas de qualquer homem.
Tirou sua única sacola de cima do cavalo
e passou-a por sobre o ombro. Subindo os
degraus, ainda se deteve um instante, com
um sorriso perverso no rosto. Um filho
pródigo deve bater à porta ou ir entrando?
Não tinha vontade de ver a mãe desmaiar.
A porta se abriu. Um homem baixo e
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

gordo olhou-o sem expressão. O casaco


cinza acentuava-lhe a cor doentia, porém o
colete e a calça brancos eram impecáveis.
Sem contar os sapatos reluzentes.
— Posso ajudá-lo em alguma coisa,
senhor? — perguntou.
— Markley, não está me reconhecendo?
O homem fitou-o com mais atenção, mas
acabou respondendo:
— Lamento, mas...
Tirando o chapéu, Jeremy sorriu.
— Será que esqueceu a vez em que
escondi um bode roubado na cozinha? O
bicho devorou metade da comida exposta
em cima da mesa, além de um bom pedaço
da toalha.
— Sr. Jeremy? — O homem cerrou
ainda mais os olhos enquanto seu rosto se
iluminava. — Que milagre o traz de volta,
milorde?
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Meu retorno não tem nada a ver com


milagres.
— Foi o que imaginei. — O mordomo não
se afastou para deixá-lo passar; tampouco
sorria.
Jeremy escapou da obrigação de
responder-lhe por uma voz aguda
chamando:
— Markley? É o sr. Berringer que está
aí?
Embora o mordomo desse a impressão
de querer bater a porta sem deixá-lo
entrar, acabou respondendo:
— Não, quem está aqui é lorde Milbury,
srta. Eugenia.
— Jeremy!
Um vulto coberto de panos brancos
esvoaçantes descia a escada que o marquês
entrevia da porta. Acima das rendas, um
rosto fino pouco conservara da criança que
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

fora.
— Jeremy! — ela repetiu ao pé da
escada, levando as mãos à boca para em
seguida atirar-se em seus braços. — Ó,
Jeremy! É você mesmo!
— Sim, sou eu.
Ignorando Markley, entrou e deixou
cair a sacola no piso de mármore. Segurou
então Eugenia pela cintura e a fez rodo-
piar. Quando a soltou, ela recuou, de novo
com a mão na boca, a outra alisando o
cabelo castanho. Eugenia estava quase do
seu tamanho, mas continuava muito magra.
Herdara a ossatura fina da mãe. Pena que
usasse o vestido pregueado. Sobressaía-
lhe a estrutura longilínea sem fazer jus a
seus traços muito bem desenhados. Mas
sabia o quanto a moda era importante para
as mulheres.
Menos para Charlotte Longmuir, A idéia
formou-se antes que pudesse detê-la.
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Acompanhando-o, a imagem de Charlotte


sentada no chão, abraçando o filho pequeno
e a gata. Quem imaginaria, após tantos
anos provocando-a que seria ela, quando de
seu retorno a Milburgh do Norte, quem lhe
perturbaria o pensamento? Gostaria de
saber que outras surpresas o aguardavam
ainda.
— Eugenia, como você cresceu! —
comentou ao vê-la esperando que dissesse
alguma coisa.
— Dez anos atrás eu tinha nove anos
apenas. Agora...
— Agora está prometida em casamento,
como papai costumava dizer.
O sorriso dela perdeu o vigor na mesma
hora.
— Foi por isso que você voltou, Jeremy?
Para o meu casamento?
— O que mais me traria até aqui? Não

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

podia permitir que se casasse sem o irmão


mais velho para chorar durante a
cerimônia. Quem providenciaria que você
usasse uma peça de roupa nova, outra
emprestada e uma azul?
Markley resmungou alguma coisa entre
dentes enquanto voltava para o interior da
casa. Não fechou a porta da frente. "Para
facilitar o trabalho de Eugenia me mandar
embora", Jeremy adivinhou.
Acontece que não o punham para fora
de lugar algum havia mais de cinco anos. A
noite em que quase deram cabo de sua vida
transformou-a para sempre. Fora tolo o
bastante para se meter em uma briga que
por pouco não o matara. Se seu imediato
não estivesse por perto para recolher seus
restos e levá-lo de volta ao navio, não teria
sobrevivido para contar a história.
Apanhando a sacola, seguiu a irmã
escada acima até um cômodo amplo. Ali a
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

família recebia convidados, reservando


uma sala mais confortável para as reuniões
íntimas. Era bem decorado, desde o teto
cheio de afrescos até as paredes amarelo-
claras. Um par de poltronas austeras
defrontava o canapé. Uma única mesa
ocupava o vão entre as janelas altas. Em
cima dela, a escultura de um cão banhando-
se no aroma de cera de abelha e sabonete
caseiro. Sem dúvida, a dona da casa estava
determinada a deixar tudo perfeito para o
casamento.
Olhando a sua volta, perguntou:
— Onde está mamãe?
Eugenia tirou um lenço de linho do
corpete e enrolou-o nos dedos.
— Foi visitar o vigário. Deve voltar logo.
Posso mandar chamá-la, se quiser.
— Não precisa arruinar-lhe o dia antes
do necessário. — Riu, depositando a sacola

36
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

junto a uma cadeira. — Isso me dará tempo


para desfazer a mala pelo menos. Ela
jamais convidaria um hóspede, mesmo se
ele for a ovelha-negra da família, a se
retirar.
— Jeremy... — Eugenia começou, mas
preferiu se calar.
— Vá em frente, diga — ele insistiu.
— Não quero magoar seus sentimentos.
— Nada que você disser poderá fazê-lo,
minha irmã.
Ela atravessou a sala e sentou-se no
canapé. Erguendo os olhos castanhos,
sussurrou:
— Talvez fosse melhor você não ficar.
— Não pretendo fazer nada para
arruinar seu casamento, Eugenia.
— Sei disso. E mamãe concordará
comigo, assim que se recuperar do choque.
— Lágrimas brotaram dos cantos de seus
37
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

olhos, que ela enxugou com o lenço. — Só


não tenho tanta certeza quanto ao sr.
Berringer...
Jeremy riu baixinho e respondeu:
— Se ele a ama de verdade, me
aceitará. Afinal, sou seu irmão.
Quando mandaram George Berringer
estudar fora, foi para impedi-lo de se
envolver com as travessuras de Jeremy...
outra vez. Só os dois sabiam quantas
brincadeiras de mau gosto na verdade
tinham sido idéia do filho do fazendeiro.
Jeremy acomodou-se na cadeira branca
ao lado da lareira. Fez menção de pôr as
botas sobre o escabelo, mas parou ao
reparar na expressão de dor no rosto da
irmã. Nada naquele cômodo tinha a
intenção de deixar as pessoas à vontade.
— Claro. — Ela se curvou para a frente
e segurou-lhe as duas mãos. — Mas será

38
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

que você esqueceu quantas lembranças


existem em Milburgh do Norte?
— Não esqueci de nada. Tampouco
espero isso de quem quer que seja.
Eugenia soltou-lhe as mãos e se
afastou.
— Não imaginei que viesse ao meu
casamento.
— É mesmo? — ele retrucou, cínico.
— Achei que teria o bom senso de
permanecer bem longe daqui. — Seus olhos
cheios de lágrimas refletiam no vidro
sobre a cornija da lareira. — Mamãe ficará
tão perturbada.
— Quer dizer que ela não está
morrendo de saudade do filho único? —
Deu risada. — E eu que a via chorando no
travesseiro, noite após noite, de
preocupação por mim.
Sempre a encará-lo Eugenia apertou os
39
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

lábios, transformando-os em uma linha


fina.
— Acho incrível você zombar de um
assunto desses. Jeremy levantou-se
devagar.
— Quer que eu vá embora?
— Mamãe preferiria que...
— Perguntei se você quer que me vá.
Não me interessam as preferências de
mamãe, muito menos as de George
Berringer. Diga, o que você quer?
Ela o encarou por um longo tempo.
Indecisão e angústia duelavam em seu
interior, espelhados no par de olhos
escuros que o fitavam. Como era diferente
de Charlotte Longmuir! A filha do ex-
professor não hesitara nem por um
segundo diante de suas perguntas.
Mais uma vez, tentou se desfazer
desses pensamentos intrometidos. Não era

40
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

hora de pensar na bela ruiva de olhos


quentes como o fogo, de coração maior que
a estante de livros no estúdio do pai. Seu
cuidado com as crianças provava isso. Nos
últimos dez anos, Charlotte optara pelo
bem. Tanto quanto ele optara pelo mal.
— Jeremy — Eugenia murmurou,
intrometendo-se em seus devaneios —, eu...
gostaria que você ficasse.
— Mas?
— Sem mas. Eu quero que você fique,
— Agradeço muito — disse ele, depois
de beijá-la no rosto —, mais do que você
pode imaginar. Estava com muita saudade.
— Eu também. — E descansou a cabeça
no braço do irmão. Jeremy engoliu o que
pensou retrucar porque Markley aparecera
na porta, carregando uma bandeja para o
chá com a melhor prataria da casa.
Esforçou-se para não rir ao ver a cena. Por

41
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

certo, mamãe devia provocar sentimentos


pouco amistosos no mordomo. Do contrário,
ele não correria o risco de atrair para si o
ódio dela usando o mais fino jogo de chá
para servir alguém como Jeremy.
— Que beleza! — exclamou Eugenia,
batendo palmas enquanto Markley
depositava a bandeja em cima da mesa, —
Obrigada por ser tão atencioso, Markley.
Jeremy deve estar com sede depois de
uma viagem tão longa.
— O sr. Berringer também — observou
o mordomo, inflexível.
— Ah, meu Deus! — Eugenia rodopiou
para olhar pela janela. — Esqueci que ele
ficou de passar por aqui esta tarde.
— Hum! — bufou Markley, retirando-se
da sala.
— Tem certeza de que pretende mesmo
se casar com Berringer? — Jeremy

42
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

perguntou. — Ouvi dizer que quem ama não


esquece do ser amado assim, com tanta
facilidade.
— Tenho a desculpa de sua chegada
inesperada — Eugenia replicou.
Ele sorriu, tirando a sacola do chão.
Jogou-a de novo por cima do ombro e saiu
pelo corredor. A sua volta, uma galeria de
retratos de seus ancestrais.
— Não quer um pouco de chá? — a irmã
lhe perguntou, acompanhando-o com. o
rufar da saia roçando no chão.
— Prefiro me livrar da poeira da
estrada antes que seu pretendente chegue.
— Esfregou o dorso da mão no bigode. — E
disso também. — Riu do sorriso amarelo da
irmã. — Agora, maninha, permita que seu
irmão mais velho tome um banho, para que
não esteja cheirando a cavalo é poeira
quando seu bem-amado aparecer.

43
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— O sr. Berringer gostará de vê-lo,


tenho certeza. Jeremy retornou à porta da
sala, onde parou para matar uma
curiosidade:
— Tem certeza de que quer se casar
com ele?
— O sr. Berringer é uma excelente
pessoa. Possui terras descendo o rio, onde
pretende construir uma casa para nós,
— Descendo o rio? Perto da casa de
Charlotte Longmuir? Eugenia retrocedeu,
horrorizada.
— Não pronuncie esse nome aqui. Aquela
meretriz!
— Meretriz? — Não pôde conter o riso,
embora os pensamentos já se
desgarrassem, trazendo-lhe à memória as
curvas gentis que contemplara pouco antes.
E o cabelo avermelhado... Como gostaria de
vê-lo solto, caindo pelos ombros dela... e

44
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

seus.
Eugenia fungou alto, trazendo-o de
volta à realidade.
— Quem poderia imaginar que a filha do
seu mestre acabaria demonstrando ter
menos senso moral do que...
— Eu?
— ... um gato. — Franziu a testa e
cruzou os braços. — Jeremy, como se
explica que você já tenha encontrado essa
mulher?
— Por um talento especial que tenho
para essas coisas, creio eu. — Voltou para
junto da irmã. Por que Eugenia reagira de
modo tão violento à menção do nome de
Charlotte?
— Não vejo a menor graça nisso.
— Nesse ponto estamos de acordo,
minha cara. Por que chamou Charlotte de
meretriz?
45
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Ela deu de ombros e perguntou:


— Você viu as crianças?
— Sim.
— Todas?
— Dois meninos apenas, mas ela falou
que são três.
— Três? — Eugenia empalideceu. —
Pensei que fossem apenas dois.
— Dois, três, que diferença faz?
— Muita. Na sua opinião, quantos são
dela? — Erguendo o queixo, sorriu
friamente. — Talvez você tenha passado
tanto tempo demais entre gentalha, a
ponto de não saber mais diferenciá-las das
pessoas decentes.
— Por favor, Eugenia, nada de imitar
mamãe em seus piores momentos. —
Suspirou. — Começo a desconfiar que terei
problemas não com seu noivo, mas com
você.
46
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

A pose rígida de Eugenia desmoronou.


— Ora, eu não quis sugerir que
Charlotte Longmuir venha corrompendo a
moral de Milburgh do Norte por estar
criando Caim, Abel e todo o restante da
família.
— Não faça pilhérias da imoralidade
alheia. — Tomando-a pelos ombros, fez
com que se sentasse no canapé outra vez.
Pediu então: — Diga-me, o que há de tão
imoral em cuidar de crianças?
— Se os filhos são dela...
— Para isso, já deveriam ter nascido
quando fui embora daqui, Mas, se bem me
lembro, Charlotte tem a sua idade.
Também me recordo que vivia
acompanhada de livros, nunca de garotos.
O único sem-vergonha que fazia parte de
sua vida chamava-se Jeremy Drake.

47
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Eugenia arregalou os olhos, começando


a falar:
— Mas eu não quis dizer...
— Sei muito bem o que você quis dizer.
— Fique longe dela. Aquela mulher só
pode lhe trazer problemas.
— Minha irmã, pare de falar por
enigmas. — Tornou a acomodar a sacola no
ombro. — Ela só pode estar cuidando dos
filhos de outra pessoa. Portanto, deveria
ser objeto de louvores, não de difamação.
— Não me surpreende que você pense
assim — Interveio uma voz profunda.
Jeremy se voltou devagar enquanto
Eugenia se levantava e, a passos ligeiros,
procurava se afastar do irmão. Ele
aprendera havia muito a não fazer
movimentos bruscos perto de estranhos,
mais ainda quando donos de uma voz macia.
48
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Reconheceu George Berringer pelo


cabelo loiro. Mais alto e troncudo,
ostentava uma protuberância no nariz no
local exato em que Jeremy o quebrara
quando tinham a idade aproximada de
Petey, o mais velho de Charlotte. Os olhos
castanhos atrás de óculos estreitaram-se
ao mesmo tempo que ele erguia a armação
para o alto do nariz. Brilhando ao sol,
botões de pérola sobre o colete escuro
debaixo do casaco do mesmo tom insosso.
— Bem-vindo ao lar — cumprimentou,
sugerindo o contrário com o sorriso. —
Erro se presumir que ficará para nosso
casamento?
Jeremy estendeu a mão.
— Que bom revê-lo, Berringer. — Notou
que a irmã olhava apreensiva para o noivo.
Em vez de aceitar-lhe a mão, Berringer
passou o braço sobre os ombros de
Eugenia.
49
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Dê ouvidos a sua irmã e fique longe


de Charlotte Longmuir. Não deve manchar
o nome de Eugenia associando-se àquela
meretriz.
— Não tenho a intenção de manchar
nome nenhum. Apenas fiquei curioso acerca
de Charlotte. Se pensasse nela uma única
vez nos últimos dez anos, seria para
imaginá-la casada com o filho do vigário,
dando aulas de música ou bordado. Foi a
menina mais decente que já conheci.
Encaminhou-se para o corredor outra
vez. Parou quando ouviu a risada de
Berringer.
— Você não poderia estar mais
enganado — comentou o noivo com ar de
superioridade. Em seguida, conduziu
Eugenia mais uma vez para o canapé.
De repente Jeremy deparou com o
próprio reflexo no vidro sobre a cornija da
lareira. Levara dois pontos no lábio, quando
50
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

se vira na extremidade errada de uma


faca. Dois pequenos pontos que quase não
deixaram cicatriz. Minúsculos, costurados
pelos dedos firmes de Charlotte quando
ele chegara cambaleante ao chalé do pai
dela, bêbado e ensangüentado.
Nunca ela o repreendera por ser tão
tolo. Pelo contrário, o costurara e
advertira para que tomasse cuidado ou
poderia infeccionar. Depois ficara olhando
enquanto ele partia, a passos incertos,
rumo a sua casa. Nem quando a notícia da
briga se espalhou por Milburgh do Norte
ela fez qualquer comentário.
Charlotte Longmuir fora uma criança
gentil, pronta a perdoar. Ainda haveria de
descobrir o que provocara a ira de uma
cidade inteira contra ela.

51
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

CAPÍTULO III

Aporta bateu e Charlotte ergueu os


olhos, deixando de lado a costura. Manteve
um dos pés balançando o berço enquanto se
virava. Hughie estava na cozinha, rindo
baixinho. Arregalou os olhos ao vê-la pedir
silêncio com o dedo nos lábios e aproximou-
se, segurando a gata com cuidado.
— Minha nenê está dormindo —
anunciou um cochicho.
Charlotte sorriu. Desde que Dolly se
juntara à família, Hughie a chamava assim.
Até lhe escolhera o nome. Tinha uma
boneca de pano com o mesmo nome que
jazia em algum canto da casa, ignorada
desde o advento da recém-chegada.
— Sim — murmurou —, ela acaba de
pegar no sono.
— Minha nenê precisa dormir muito.

52
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— É verdade, precisa mesmo.


— Hughie e Petey têm de ficar quietos.
Ela achou graça na seriedade com que o
menino repetia as advertências que ouvia.
— Tem toda razão.
— E ela está sorrindo, olha!
Charlotte afagou a cabeça de Hughie,
tirando-lhe o cabelo da testa. Reconhecia-
se no menino por causa da teimosia.
— Sabe o que isso quer dizer?
— Não.
— Que Dolly está ouvindo os anjos
cantarem.
— De verdade?
— De verdade. — Sorriu. — Por que não
vamos buscar um pouco de leite para sua
gata?
— E limonada também? — A esperança
brilhou em seus olhos.

53
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Primeiro a gata, depois você.


Tendo servido ambos, deixou Hughie
sentado na cozinha e retornou para a
costura e a vigília ao berço. Quando vivia
momentos assim maravilhosos ao lado das
crianças, nem lhe passava pela cabeça
mudar de vida. Na transferência para o
chalé, sentira falta da agitação da cidade,
mesmo pequena. Agora a tranqüilidade a
agradava.
Riu de si mesma. Tranqüilidade? Nem
lembrava mais o que era isso. Até de noite,
quando tentava ler um pouco na cama antes
de dormir, tinha sempre um dos meninos
aconchegado a seu lado.
A porta bateu de novo. Charlotte virou-
se pronta para ralhar com Hughie quando o
viu chegar perto já com o dedo nos lábios.
— Tem mais limonada?
— Tem sim, claro — respondeu,

54
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

enternecida.
— Vai dar um pouco pra ele também?
— Ele quem?
— O homem que está aí fora.
— Tem um homem aí fora? — Levantou-
se de pronto. — Quem é?
Hughie balançou a cabeça.
— Não sei. Um homem.
— Você já o viu antes?
— Sim.
— Quando foi isso?
— Antes.
Charlotte deu-lhe um tapinha no ombro.
Tudo que não era agora se resumia a
"antes" ou "depois" para ele. Tirando o
bebê adormecido do berço, estendeu a mão
para o menino. Só então saiu.
Observou os dois lados do terreiro com
a testa franzida. Vazio. Como podia ser
55
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

isso, se Hughie sempre dizia a verdade?


Problema... A palavra surgiu-lhe na
mente no instante em que divisou o cavalo
cinzento amarrado a uma árvore. Lorde
Milbury! O que faria ali àquela hora?
Vozes atraíram-lhe a atenção para o
celeiro. Caminhando sob a fileira de
árvores da lateral, fez menção de sair da
sombra, mas parou, surpresa, ao
reconhecer a risada de Petey. O menino
costumava se mostrar tímido com
estranhos.
O riso do marquês atraiu-lhe o olhar.
Seu casaco verde-escuro era com certeza
obra de um alfaiate habilidoso. Por cima
das botas recém-polidas, calças de couro
acompanhavam o contorno das pernas
fortes. O nó da gravata era perfeito. Ele
tinha realmente a aparência de um
marquês, apesar do cabelo comprido
caindo-lhe sobre os olhos cinzentos.
56
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Charlotte se controlara bem no dia


anterior, exceto quando aqueles olhos
incríveis fitavam-na por muito tempo.
Emoções que preferia deixar inexploradas
a provocavam.
— Quer dizer que você gosta desse
nome, Petey? — perguntava lorde Milbury.
— Sim senhor. — O sentimento de culpa
atravessou o rosto do menino. — Quer
dizer, sim, milorde.
— Não precisa ficar envergonhado por
um deslize à toa.
— Charlotte diz que temos de falar
melhor que as pessoas da cidade, se
quisermos ser alguém na vida.
As sobrancelhas de lorde Milbury
arquearam para cima.
— Ela tem razão. Todo homem é julgado
pelas primeiras palavras que saem de sua
boca. Por falar nisso, o que pretende ser

57
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

quando crescer?
— Professor. — Sorriu. — Ou talvez
marinheiro. Charlotte perdeu o fôlego ao
notar a admiração na voz do menino. Claro
que lorde Milbury devia impressionar muito
os rapazes da idade dele. Pura ilusão.
Desconheciam seu passado, os inúmeros
erros que cometera na vida.
O riso frouxo de Jeremy só fez
aumentar-lhe a irritação.
— Marujo Petey? Ou será que quando
crescer vai preferir Peter?
— Não — respondeu o garoto,
orgulhoso. — Petey é como Charlotte me
chama. Meu nome verdadeiro é Pitri Jahnu
Dhumavarna.
Lorde Milbury parecia divertido ao
comentar:
— Um nome e tanto!
— Minha mãe me deu esse nome antes
58
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

de...
— Antes do quê?
Charlotte já ouvira o suficiente;
— Petey, quer por favor apanhar os
ovos? As galinhas resolveram escondê-los
de novo.
Ele sorriu e saiu correndo, aos gritos,
em volta do celeiro. Hughie o seguiu.
— O que faz aqui? — ela perguntou,
sustentando-lhe o olhar. Estava
determinada a não se deixar enganar por
dois ombros largos e um sorriso fácil. Já
tinham causado estragos demais,
perturbando-lhe o sono a noite inteira.
— Eu só estava conversando com o
menino.
— Interrogando-o, foi o que me
pareceu.
Ele sorriu e passou os dedos pelo cabelo
muito preto. Um estranho calor a
59
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

percorreu, mas Charlotte preferiu ignorá-


lo.
— Não pode me culpar pela curiosidade
em relação ao que acontece aqui.
—Nada de extraordinário, posso lhe
garantir. Levamos nossas vidas com
simplicidade, mais nada. — Olhou por cima
do ombro e Viu a bebe agitando os braços
no ar. Dando as costas para o marquês,
acrescentou antes de voltar para o chalé:
— Coisa que seria bem mais fácil se as
pessoas nos deixassem em paz.
— O que nunca vai acontecer. Charlotte
estacou e virou-se.
— Disseram-lhe algo a meu respeito na
cidade?
— Nada, — Ele balançou a cabeça. —
Mesmo assim, sei que seus vizinhos estão
descontentes com o que acontece aqui.
— Já disse, não acontece nada aqui,

60
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Pelo contrário, acontece muita coisa,


e boas: você cuida de crianças que não são
suas. — Exibiu-lhe um sorriso frio. — Ou
são?
— Não combina com você ficar
repetindo fofocas. Ele apontou para o
poço.
— Só parei de novo para tomar um
pouco de água, mas encontrei Petey e
Hughie, e eles me ofereceram limonada.
Achei a idéia deliciosa.
— É sim.
— Pelo jeito, você não tem a menor
intenção de me servir a tal limonada
enquanto conversamos mais um pouco.
— Já expliquei, detesto fofocas.
— Imagino que deteste mesmo. Ainda
mais porque a maioria das que correm por
Milburgh são a seu respeito.
Dizendo isso, sentou-se na beira do
61
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

poço.
— Mais um motivo para ir logo embora.
Dispenso os problemas que o senhor atrai,
lorde Milbury.
— Lorde Milbury? Pensei que fôssemos
nos tratar como amigos de novo.
Ela balançou a cabeça.
— Lamento, mas é impossível.
— Nem seu pai me negou uma segunda
chance.
— Papai podia se dar a esses luxos. Eu
não. — A bebê começou a choramingar e
Charlotte correu a acudi-la. —Passar bem
— despediu-se às pressas. — Espero que
aprecie seu retorno a Milburgh.
Jeremy deu de ombros enquanto ela
entrava no chalé. Visão adorável, mesmo de
costas.
A breve visita fora surpreendente. O
menino se chamava Pitri Jahnu
62
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Dhumavarna, portanto, pelo menos um de


seus pais devia ser indiano. Charlotte
apenas lhe dera o nome de Petey. Não
tinha idade para ser sua mãe.
Mas, e quanto às outras crianças? Não
vira a bebê, mas o tom do cabelo de Hughie
era muito semelhante ao de Charlotte.
Mesmo que fosse mãe deles, por que criava
o mais velho?
Jeremy avançou a passos largos para o
chalé. Queria falar-lhe ainda, obter
algumas respostas. Contudo, se deparou
com a porta fechada.
Suspirou, recostando-se em uma árvore.
Como podiam considerá-la uma meretriz?
Para ele, continuava a mesma Charlotte de
dez anos antes. Toda empertigada um
instante, muito sincera no instante
seguinte. A calma determinação e a
certeza de quem cumpre com seu dever
permaneciam inalteradas.
63
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

No entanto, Eugenia acreditava que


Charlotte Longmuir mudara sim. E tinha
razão. A menina magricela cedera lugar a
uma beldade de formas sinuosas, com
certeza atraindo a atenção de muitos
homens.
Sentou-se no degrau da varanda do
chalé, assobiando uma alegre melodia que
aprendera em um cais qualquer do Oriente,
Nem assim a porta se abriu.
Mas Petey voltou para lhe fazer
companhia, abrigando meia dúzia de ovos
na camisa erguida.
— O senhor é mesmo marinheiro? —
perguntou o menino, curioso, sentando-se a
seu lado.
— Já fui.
— Eu gostaria muito de viajar em um
navio algum dia. — Depositando os ovos no
chão da varanda, Petey dobrou a perna e

64
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

apoiou o queixo sobre o joelho magricela. —


Para um lugar onde as pessoas sejam como
eu. Não tem nenhuma assim por aqui.
— Porque você é muito especial —
retrucou Charlotte, aparecendo por trás
dos dois e estendendo um copo para
Jeremy.
Ele o pegou e cheirou o conteúdo.
— Limonada — ela explicou, ríspida,
enquanto depositava um cesto com a bebê
sobre o degrau. — Não deu tempo de
plantar cicuta.
— Sorte minha. — Esvaziou o copo de
um só gole. — Obrigado, Charlotte. Você
tem sido muito generosa comigo. Deve
estar acostumada a atender os viajantes
que passam por sua propriedade.
Ela enrubesceu e fez sinal para que
Petey entrasse no chalé.
Jeremy se manteve calado enquanto o

65
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

menino, confuso a ponto de esconder seu


sorriso, recolhia os ovos e obedecia.
Olhando para Charlotte, viu-a de braços
cruzados, no rosto a mesma expressão
severa com que o pai o brindara várias
vezes.
— Nem imagino o que você esteja
pretendendo — disse ela em um sussurro
tenso quando Petey os deixou —, mas não
admito que faça insinuações lascivas na
frente das crianças,
— Lascivas? Só quis agradecê-la!
— É mesmo? — Mantinha a voz baixa a
muito custo. — Ou será que esperava
descobrir se o que dizem a meu respeito é
verdade? Sei que se aproximou de Petey
com essa única intenção.
— Acha mesmo que só me aproximei do
menino e tentei conquistar-lhe a confiança
para isso?

66
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Claro que sim. — Enfiou as mãos nos


bolsos do avental. — Não sei quanto tempo
permanecerá em Milburgh, mas não faça
amizade com meus filhos.
— Por que poderiam sentir minha falta
quando eu for embora?
— Porque podem ficar com uma
impressão equivocada do que é certo e do
que é errado.
— Pelo simples fato de eu conversar
com eles? — Soltou uma risada polida. —
Você me dá mais crédito do que mereço.
— Nunca fiz isso. — Apontou na direção
do cavalo que o esperava. — Faça um bom
passeio de volta a Milburgh, lorde Milbury.
Jeremy meneou a cabeça, desconsolado.
— Só vou embora se parar de me
chamar assim. Charlotte, você sempre me
tratou por Jeremy. Sempre foi terna
comigo, mais do que qualquer outra pessoa.

67
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Pois faça o mesmo e vá embora.


Como ele não devolvesse a provocação,
Charlotte ousou encará-lo. Jeremy
ostentava uma expressão triste, como a de
Hughie quando prestes a chorar.
— Com quem mais você tem sido gentil
ultimamente? — ele perguntou afinal.
Charlotte endireitou os ombros e
ergueu o queixo. Sentir pena dele fora uma
tolice.
— Acho melhor ir embora.
— Não antes que me conte a verdade.
Quais dessas crianças são suas?
— Todas elas.
— Petey deu a entender outra coisa.
— Eu ouvi.
— Eu insisto, quais delas são suas?
— Todas, já disse. — Desceu o degrau e
caminhou em direção ao cavalo. Galinhas

68
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

cercaram-na cacarejando enquanto ela


soltava a rédea do animal da árvore.
Estendendo-a para ele, disse: — Adeus.
Jeremy tomou-lhe a rédea da mão. De
repente, porém, puxou-a para junto de si e
declarou:
— Talvez você é que sinta falta de mim
quando me for.
— Não se iluda.
— Não iludo nem a mim nem a ninguém.
Hoje prefiro cativar...
Charlotte tentou afastá-lo, mas foi
impossível. Seria mais fácil arrancar uma
árvore do chão.
— Poupe as palavras bonitas para as
mulheres extravagantes de Londres.
— Ouvi dizer que você poderia ensinar-
lhes um truque ou dois.
Abaixando os olhos, ela estremeceu ao
mesmo tempo que o calor inundava-lhe às
69
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

faces.
— Você não perdeu tempo para se
inteirar dos boatos.
— Ausentei-me por dez anos. Foi
gentileza da sua parte dar-lhes outro
motivo para falar.
Ela o viu sorrir. Mesmo sabendo-se uma
tola, imitou-lhe o gesto. Jeremy era muito
charmoso. Devia resistir, mas sentia-se
incapaz de não gostar do modo como ele
retrucava rápido cada uma de suas
objeções.
— Não foi intencional — comentou, mais
tranqüila.
— Não tem importância.
Sem lhe dar tempo de falar, soltou sua
mão e envolveu-a pela cintura com os
braços. Charlotte ergueu as mãos para se
defender ao vê-lo inclinar-se em sua
direção.

70
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Pare, Jeremy!
— Agora sim parece a Pimentinha que
costumava andar pela cidade sempre com o
nariz enfiado em um livro.
— Me solte! Se alguém visse... —
Estremeceu só de pensar.
— Tem razão. Já falam demais a seu
respeito. Só não me culpe por querer
conhecer melhor sua história, saber até
que ponto é verdade o que dizem.
Irritada, Charlotte procurou
desvencilhar os braços, contorcendo-se
toda. Porém, não conseguiu mais que fazê-
lo a apertar com maior força.
— Me solte!

— Primeiro me diga a verdade. Continua


agindo feito uma criança, com vergonha de
pensar que eu poderia beijá-la.
71
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Não deveria dizer esse tipo de coisa.


— Sabia que corava ao sentir o rosto
afogueado e vê-lo se retesar.
— Desconfio que você não seja beijada
com freqüência a não ser pelas crianças. —
Tomou-lhe o rosto entre as mãos. — Para
ser franco, desconfio mesmo que não venha
sendo beijada por ninguém há muito tempo.
— Inclinou-lhe a cabeça de modo a
aproximarem seus lábios. — Qual é a
verdade, Charlotte? Chegou a hora de me
dizer.

CAPÍTULO IV

— A verdade é muito simples —


Charlotte murmurou, afrontando-o sem
pestanejar. Tantas emoções tomavam-na
de assalto naquele momento. Ainda assim,

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

ousava acreditar que ele só perguntasse


por curiosidade mesmo. Que outro motivo
teria para isso? — As muitas histórias que
correm por Milburgh não poderiam estar
mais distantes da realidade.
— Como assim?
— Por exemplo, a que me coloca como
mãe das crianças.
— Charlotte... — ele resmungou.
— Só sou mãe delas agora.
Jeremy recuou um passo, soltando-lhe a
cintura. Se houvesse lugar para
sinceridade naquela situação, ela lhe
pediria que não o fizesse. Porém, jamais
conseguiria agir com tanta insensatez. Se
acontecesse de alguém vê-la nos braços
dele, novas histórias, mais terríveis ainda,
se espalhariam pela cidade.
Reclinando-se contra a árvore, Jeremy
tornou a prender as rédeas do cavalo ao

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

tronco. Em seguida, voltou-se e indagou:


— Quem era mãe deles antes?
— Mães, você quer dizer. Petey tem
pais diferentes dos outros dois.
— Mas os mais novos são irmãos?
Ela fez que sim com a cabeça e
explicou:
— A mãe deles é minha prima, Sylvia
Passmore. — Piscando para conter as
lágrimas que lhe sobrevinham fáceis
quando pensava no assunto, sussurrou: —
Ou melhor, era minha prima. Morreu no
parto de Dolly.
— Foi o que imaginei. — Franziu a testa,
olhando na direção da cidade. — Mas por
que as pessoas a censuram por criar os
filhos de uma parente? Esse tipo de coisa
é comum acontecer com pessoas de bom
coração como você.
— Nem todos me censuram. Há aqueles
74
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

como o vigário e a sra. Croft do açougue


que nunca perderam a fé em mim e na
verdade.
— Está bem, mas insisto: por que os
outros mudaram o modo como a encaram?
Charlotte arrancou uma folha comprida
de grama e correu os dedos ao longo dela,
ao mesmo tempo que caminhava em direção
a casa.
— Antes de Hughie nascer, papai me
mandou para a casa de Sylvia. Ela já estava
doente e precisava de ajuda. Fiquei com ela
e o marido, Lionel, na casa deles, na
propriedade de lorde Williard, onde Lionel
trabalha como administrador. Permaneci
até Hughie nascer. Não voltei nem uma vez
a Milburgh, nem quando papai faleceu.
— Não esteve presente no funeral do
seu pai?
Ela compreendeu sua surpresa. Jeremy

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

sabia o quanto ela e o pai eram ligados.


Jeremy interrompera várias conversas
acaloradas dos dois, chegando para suas
lições.
— Sylvia precisava de mim —justificou
com toda a calma — e eu sabia que papai
entenderia.
Jeremy pegou do chão a gatinha que
bisbilhotava o interior do cesto e colocou-a
sobre o gramado, onde não corria o risco
de ser pisoteada. Em seguida, sentou-se no
degrau e cruzou os braços.
Charlotte não pôde deixar de notar-lhe
as mãos. Sempre fora admiradora de mãos
fortes e masculinas. As de Jeremy eram
lindas, crivada de veias altas e pelos
macios. A pele áspera denunciava uma vida
de trabalho, distante dos bordéis e
jogatinas londrinos, sempre presentes nas
histórias a seu respeito.
— E o bebê?
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Com os olhos cheios de lágrimas, as


mãos dele se transformaram em borrões a
sua frente.
— Depois que Hughie nasceu, Sylvia
melhorou um pouco e engravidou de novo.
Passava muito mal, por isso continuei a seu
lado. Infelizmente, não sobreviveu ao
parto, de forma que me ofereci para ficar
com Dolly. — Olhou para o cesto e exibiu
um sorriso tristonho. — Lionel costumava
vir visitá-los quando conseguia algum tempo
livre, mas há três meses não aparece.
Estamos em época de plantio e a
supervisão do trabalho lhe toma todo o
tempo. A propriedade também precisou ser
preparada para o retorno do conde de uma
temporada em Londres.
— O marido de sua prima costuma
passar a noite aqui?
— Ele é da família, Jeremy!
Erguendo as mãos em sinal de rendição,
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

coisa muito rara de acontecer, Jeremy


sorriu.
— Não aponte esse olhar irado a quem
não a acusa de nada exceto de ter um
coração generoso. Precisa entender que as
visitas de Passmore devem ser as
responsáveis pelos boatos que lhe atribuem
um amante.
Sabia que deveria dizer alguma coisa
inteligente, mas não lhe ocorreu nada.
Nunca parou para pensar no que provocara
os boatos.
— E Petey, qual a história dele? —
Jeremy quis saber.
— O marido de minha prima serviu
durante anos na índia. Um amigo dele,
envolvido com a amante indiana, pediu a
Lionel que trouxesse Petey à Inglaterra,
onde poderia ser educado e talvez, como o
pai, acabar servindo ao exército de sua
Majestade no exterior.
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Por que esse amigo não o trouxe ele


mesmo?
— Porque era casado e tinha consciência
de que a família nunca aceitaria o garoto.
Lionel nunca foi agraciado com nenhum
título. Além disso, estava em débito para
com o amigo que lhe salvara a vida, de
forma que assumiu a guarda de Petey.
— E então transferiu a
responsabilidade de criá-lo a você?
Charlotte balançou a cabeça, sorrindo ao
se lembrar da conversa na casa dos
Passmore.
— Eu é que me ofereci. Sempre tive
uma saúde de ferro, tanto fazia cuidar de
um ou dois garotos enquanto minha prima
se recuperava. — O sorriso esmoreceu. —
Pelo menos, foi o que pensei na ocasião.
— Até voltar para Milburgh do Norte.
— Onde todos presumiram que Hughie

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

era meu filho. — Sorriu olhando para os


dois meninos correndo ao longo do riacho.
— Agora, ele é de fato.
— Mas se você tivesse refutado os
rumores... Os lábios dela ficaram tensos no
mesmo instante.
— Não acha que tentei? Cada vez que
imaginava tê-los vencido, recomeçavam.
Acabei concluindo que não valia a pena
ficar me defendendo.
— Sua reputação...
— Também vale menos que a felicidade
dos meninos — Completou por ele. —
Embora Petey seja ainda muito jovem, tem
noção muito clara dos olhares e sussurros
que atrai. Por isso, optei por me mudar
para cá. Aqui, podem viver sem a sombra da
desconfiança pairando acima deles. — Sua
expressão feroz amenizou um pouco, dando
lugar a novo sorriso. — Na verdade, gosto
daqui.
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Sempre lhe agradou ficar sozinha,


isso sim. — O nariz dele franziu ao lhe
dirigir um sorriso. — Na minha opinião,
porém, acho que você está desperdiçando
sua vida.
— Que coincidência! Sempre pensei a
mesma coisa a seu respeito.
— Parece que nenhum dos dois se saiu
como nós ou as outras pessoas presumiram
que aconteceria.
Charlotte quis retrucar, mas foi
interrompida por um riso agudo vindo do
riacho. Seguiu-se o barulho de água e mais
risadas.
Olhando para ela, Jeremy ficou
impressionado por ver-lhe no rosto a
mesma expressão sempre presente dez
anos antes. Na época, não entendia o que
significava. Agora sim. Era o anseio por se
livrar da obrigação de ser filha bem-
comportada e deliciar-se em alguma
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

travessura.
Levantando-se, tomou-a pela mão e
convidou:
— Venha comigo.
— Para onde? — Uma mulher madura o
inquiria agora.
Essa constatação impediu-o de puxá-la
até o riacho. O anseio permanecia no rosto
dela, porém diferente do desejo vivo de
uma criança, como o que vira pouco antes.
Os lábios de Charlotte tinham se suavizado
e permaneciam afastados, um convite para
satisfazer-lhe a necessidade ostentada
nos olhos. A vontade de corresponder o
invadiu de repente, uma dor maravilhosa a
incomodá-lo desde o instante em que a vira
entretida com seus afazeres. Quando
procurou-lhe os lábios com os seus, os
olhos dela se fecharam, os cílios espessos
curvando-se sobre a pele sedosa das faces,

82
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Não! Primeiro eu! — vieram os gritos


do riacho. Charlotte o afastou com um
empurrão e correu. Jeremy ficou
imaginando o que as crianças estavam
prestes a tentar e que não deveriam.
Apanhando o cesto do chão, seguiu-a.
Apesar de suave o declive do terreno,
cuidou para não bater com o cesto em lugar
nenhum. Ouviu um latido e viu o
cachorrinho, o mesmo que puxara a roupa
do varal, agora ladeando o riacho próximo
aos meninos.
Hughie estava parado na margem
enquanto Petey balançava de um lado para
outro, pendurado em um galho suspenso
sobre a água. Reconhecendo a voz de
Charlotte a chamá-lo, começou a recuar,
aproximando-se da margem. Olhou para
baixo um instante e viu o cãozinho saltando
no ar, tentando agarrar-lhe a camisa. Com
um grito de surpresa, porém, soltou-se e
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

caiu dentro da água. O cachorro fugiu


correndo, apavorado.
Jeremy não ficou nada espantado
quando Charlotte se pôs a rir. Estava mais
do que disposta a não levar em
consideração os pequenos delitos das
crianças.
— Machucou-se? — perguntou da
margem.
Petey sentou-se no fundo do riacho,
deixando a vagarosa correnteza afagar-lhe
o corpo, e esfregou a cabeça.
— Foi divertido.
— Minha vez! — gritou Hughie. —
Também quero pular da árvore!
Jeremy riu, colocando-se ao lado de
Charlotte. Entregando-lhe o cesto, curvou-
se para Hughie que pulava sem parar, todo
entusiasmado.
— Cair de cabeça de uma árvore nem
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

sempre é uma boa idéia — explicou.


— Quero voar! — insistiu o pequenino.
— Muito fácil. — Pegou-o então pelos
braços e girou devagar, fazendo com que
descrevesse um círculo sem tocar os pés
no chão.
— Mais depressa!
Repetiu a dose, aumentando pouco a
velocidade.
— Mais alto!
Erguendo os braços, aumentou a
distância entre o menino e o chão. Hughie
gargalhava de alegria, porém Jeremy
deixou de observá-lo para se fixar em
Charlotte a cada volta que dava.
Ela estava sentada no chão, exibindo o
sorriso indulgente de sempre, quando havia
uma ou mais crianças envolvidas. Iluminava-
se tanto quanto antes, ao descobrir que o
pai chegara a casa trazendo-lhe um novo
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

livro. Isso o fez pensar que gostaria de


saber se ainda lhe sobrava tempo para
cultivar o hábito da leitura.
Quando Petey pediu para participar da
brincadeira, Jeremy depositou Hughie no
chão. Girou com o mais velho, cuidando
para que suas pernas compridas não
atingissem nada nem ninguém. Depois
tornou a brincar cora o pequeno, enquanto
Petey esperava paciente por nova
oportunidade.
Em uma das muitas voltas que deu,
Jeremy olhou de relance para Charlotte e
teve a impressão de que ela estava prestes
a chorar.
— Petey — anunciou então —, agora é
sua vez de girar Hughie. Tome cuidado.
— Pode deixar! — Acenando para o
companheiro de brincadeiras, pediu: — Me
dê suas mãos.

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Sem prestar atenção aos gritos


deliciados de Hughie, Jeremy aproximou-
se de Charlotte. Agachou-se ao lado dela e
perguntou:
— Algo errado?
— Errado? — repetiu, voltando-se para
ele com os olhos brilhando.
Jeremy se perguntou se alguma vez
encontrara olhos mais expressivos que os
dela. Nem o céu sobre o mar calmo em um
dia sem nuvens poderia aspirar a tão
perfeito tom de azul.
— Tive a impressão de que queria
chorar.
— Não há nada errado — ela murmurou.
— Apenas fiquei impressionada com o modo
como Petey estendia as mãos para você.
Raras vezes o vi confiar assim em alguém.
Talvez pelo fato de o pai tê-lo abandonado
e por Lionel vir tão pouco aqui.

87
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Você os está educando muito bem.


— Espero que sim.
— Para que não acabem se metendo em
apuros o tempo todo, como eu.
Ela riu divertida.
— Você não se metia em apuros o tempo
todo.
— A maior parte, sim.
— É verdade. Nem imagino o que você
teria feito pendurado de cabeça para
baixo em uma árvore.
— Não precisa. Posso lhe contar.
Sentou-se afinal ao lado dela. Teve de
lançar mão de toda a sua força de vontade
para evitar um carinho naqueles cachos
macios. Se a tocasse, duvidava de que se
daria por satisfeito apenas com um prazer
tão puro. Percebendo que olhava fixamente
para os lábios dela, obrigou-se a virar-se
para o riacho reluzente.
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Certa vez, George me pendurou em


uma galho e me deixou ali a noite inteira.
— O sr. Berringer? O homem que vai se
casar com sua irmã?
— Nem sempre ele foi essa fortaleza
moral em que hoje parece ter se
transformado.
— Entendo.
Charlotte desviou os olhos da testa
franzida de Jeremy. Não queria lembrar
das inúmeras vezes em que o sr. Berringer
caçoara dela quando eram crianças.
Deixara o passado para trás e detestaria
revisitá-lo.
Quando os meninos correram para junto
deles, agarrando as mãos de Jeremy e
insistindo em que os fizesse girar outra
vez, ela riu e aplaudiu. Ele fingiu relutância
em ficar em pé. Passou um braço em torno
de cada um e ergueu-os no ar. Os dois

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

deram gargalhadas de alegria, prevendo


enorme diversão com o que viria a seguir.
Charlotte observou-o colocá-los nó chão
e sentar de novo. Hughie e Petey, porém,
não estavam nada dispostos a deixá-lo em
paz. Puxaram-lhe as mangas até vencê-lo
pelo cansaço. Por fim, Jeremy descalçou as
botas.
Os meninos vibraram. Petey correu na
frente e pulou no riacho.
— Espere por mim — ordenou Jeremy a
Hughie, que saltitava ora num, ora noutro
pé, impaciente.
Pegou-o afinal nos braços e pulou com
os dois pés dentro da água, espirrando-a
para todo lado. Colocou Hughie em pé no
riacho, mas sem soltar-lhe a mão.
— Sua vez, Charlotte! — chamou,
gesticulando para que se juntasse a eles.
— Não posso deixar Dolly sozinha...

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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Ela ficará muito bem no cesto,


dormindo. E caso acorde, você conseguirá
ouvi-la daqui.
— Mas tenho tanta coisa para fazer... —
A desculpa soou pouco convincente,
inclusive para ela.
— Sei disso. Mas o primeiro item da
lista deveria ser juntar-se a nós e se
divertir um pouco.
Pediu para Petey segurar a mão de
Hughie e retornou ao gramado para buscá-
la.
Rapidamente, Charlotte recuou,
desconfiada do que ele iria fazer. Só não
foi rápida o suficiente. Jeremy agarrou-lhe
o pé. Enquanto tentava se desvencilhar,
saltitava e agitava as mãos freneticamente
na luta para manter o equilíbrio. Os
meninos riam e gritavam muito,
incentivando a perseguição.

91
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Jeremy, por sua vez, estava


concentrado em puxá-la para junto de si.
Por isso não viu o desnível no chão que a
fez, escorregar. Charlotte tentou evitar a
queda, mas em vão. Caiu sentada na grama
produzindo um som surdo.
Embora as crianças gargalhassem, ela
sentiu vontade de socar Jeremy. Mas isso
durou só até seus olhares se encontrarem.
Nem toda a água do riacho bastaria para
apagar o fogo que encontrou nos olhos
cinzentos dele.
De repente, percebeu que os dedos
cingindo seu tornozelo roçavam-lhe a pele
de um modo audaz. Precisava lhe pedir que
parasse. Não, precisava de outra coisa,
reconheceu no momento em que um arrepio
se espalhou por todo o seu corpo.
Teria perdido o bom senso? Quantas
mulheres ele acariciara com igual
atrevimento? Na verdade, pouco lhe
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Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

importou a resposta para ambas as


perguntas quando Jeremy segurou-lhe o
outro tornozelo. Delicado como se tivesse
nas mãos sementes de flor pairando ao
vento, tirou-lhe os sapatos. Em momento
algum lhe permitiu desviar os olhos, nem
quando estendeu as mãos para ajudá-la a
levantar.
Charlotte preocupou-se com quanto
tempo ainda resistiria. Cada milímetro do
seu corpo tremia com a impressão de que
as mãos dele lhe deixaram nas pernas.
Estava errada ao acreditar que Jeremy
não mudara. Ele continuava dono de um
magnetismo poderoso. Apenas se
transformara em homem feito, capaz de
provocar desejos e derrubar todas as
barreiras.
Acomodou as mãos dentro das dele.
Milburgh do Norte inteira a condenava.
Então por que não provar que tinham razão
93
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

e divertir-se um pouco? Nem que fosse


apenas por alguns minutos.
— Será que devo pular e molhar a
todos, como você fez? — provocou.
Um grande equívoco, pois os meninos
adoraram a idéia, pondo-se a rogar que
fizesse isso. Ela respondeu com um sorriso
enquanto punha os pés devagar dentro da
água. Estava fria, perfeita para o dia
ensolarado.
Rindo das crianças, sentou-se à
margem. Deixou os pés pendurados, mas
ainda dentro do riacho. Afinal, decidiu
surpreendê-los e, com a ponta dos pés,
jogou água nos meninos. Embora pegos de
surpresa, logo eles estavam atirando água
um no outro também, rindo e divertindo-se
muito.
Quando Jeremy voltou a se sentar a
seu lado, sugeriu: — Posso olhá-los para
você, se quiser ficar um pouco sozinha.
94
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Como? — Não pensara que ele


tentaria se livrar dela tão rápido.
— Sei o quanto adora ler, Pimentinha, e
duvido que tenha muito tempo para isso,
com um bebê e dois meninos barulhentos.
Escorregou o braço por trás dela, mas
não a tocou. Mesmo assim, Charlotte quase
podia sentir-lhe o calor.
— Quer que me vá? — murmurou,
incapaz de impedir que as palavras lhe
escapassem pelos lábios.
— Quando foi a última vez que teve a
oportunidade de pensar só em você? -
— Não lembro.
— Foi o que pensei. Vá em frente,
ficarei aqui, olhando os dois. Juro que não
estará ferindo meus sentimentos.
Assustada com tanta generosidade
quando ela fora fria como gelo desde que
ele regressara de Londres, Charlotte usou
95
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

de ironia para responder:


— Há quem diga que você não tem
sentimentos.
— Você nunca acreditou nisso.
—Tem razão. — O escudo do humor se
tornava inútil quando ele permanecia tão
sério.
— Então acredite em mim quando digo
que não me importo de ficar cuidando das
crianças enquanto tira algum tempo só para
você. Aproveite para ler um pouco.
— Não tenho livros em casa, exceto os
da escola das crianças. Os de papai foram
vendidos com o chalé da cidade.
— Então preciso providenciar alguma
coisa para você ler. Acho que vi a última
coleção de poesia do marquês de La Cour
na estante de minha irmã. Gosta?
— Prefiro prosa. Perco-me mais fácil
nas longas histórias ou teorias propostas
96
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

pelos autores.
— Que seja. Trarei livros na próxima
visita. Posso voltar, não? — Sua voz se
transformou em um sussurro rouco. — A
menos que queira tanto ficar sozinha a
ponto de...
Com o hálito dele aquecendo-lhe o
pescoço, Charlotte girou o pescoço para
ver-lhe a face tão próxima. Resvalou o
olhar pelos lábios sensuais, porém logo o
desviou. Mesmo assim, constatou que as
chamas no olhar de Jeremy ainda ardiam
alto.
— É difícil me convencer de uma vez
por todas que a Pimentinha, com suas
sardas e o cabelo avermelhado rebelde,
desabrochou em tão bela mulher — ele
confessou.
— Pois você está exatamente como eu
imaginava que viria a ser.

97
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Significa que você pensou em mim nos


últimos dez anos? Ela sorriu.
— Duvido que alguém em Milburgh o
tenha esquecido.
— Não estava me referindo a mais
ninguém. Só a você.
— Está bem, pensei sim. Admito que às
vezes, em mais de uma ocasião, imaginei se
você estaria em alguma prisão estrangeira.
Jeremy tomou um cacho do cabelo dela
e revirou-o entre os dedos.
— Desde que fui embora, passei a maior
parte do tempo vagando pelo mundo.
Aprendi a obedecer as leis dos países que
visitei.
— Inclusive as de Milburgh? Ele riu.
— Principalmente!
Quando os meninos correram em
direção a eles, Jeremy ajudou-a a se
levantar. Em seguida, apanhou as próprias
98
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

botas e o cesto onde a bebê ainda dormia a


sono solto. Olhando primeiro para as mãos
ocupadas, depois para Charlotte, sorriu e
ofereceu-lhe o braço.
Antes de aceitá-lo, ela pegou os sapatos
e chamou as crianças. O dia fora
maravilhoso, era obrigada a reconhecer.
Jeremy não mencionara quanto tempo
pretendia ficar em Milburgh, nem lhe
perguntaria uma coisa dessas. Não queria
saber em quanto tempo ficaria sozinha
outra vez.

CAPÍTULO V

O aparador na sala onde estava sendo


servido o café da manhã estava abarrotado
de comida. Olhando para toda aquela
variedade, Jeremy pensou no que

99
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Charlotte teria para comer aquela manhã.


Ouvira o relógio do corredor tocar
anunciando as nove horas. Imaginou que ela
já comera e alimentara as crianças. Devia
andar às voltas com suas tarefas
domésticas àquela altura.
Jeremy esperava que ela encontrasse
tempo para ler os livros que emprestaria
da biblioteca de casa. Aquele cômodo fora
o lugar predileto de seu pai. Duvidava que
alguém mais passasse muito tempo entre
aquelas paredes, exceto para tirar o pó. As
pilhas de documentos sobre a mesa, contas
vencidas embora houvesse fundos para
saldá-las, só eram tratadas pelo mordomo
depois de cumprir com todas as suas
obrigações. Tendo descoberto que ninguém
assumira as funções de Smythe depois que
o administrador da propriedade se
aposentara no último ano, Jeremy
resolvera assumir ele mesmo essas
100
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

atividades necessárias, que encararia sem


problemas, pois gostava de ver uma coluna
de números que fizesse sentido.
Contrariando essa resolução, no
entanto, ficara o tempo todo escolhendo
livros para Charlotte nas prateleiras
intocadas. Sua mãe preferia ler os jornais,
à procura do nome de alguma conhecida nas
páginas sociais. Eugenia nunca fora grande
amante de livros quando criança e não se
detectava nela qualquer sinal de mudança.
O único livro que a vira abrir fora o de
poesias do tal francês, todas prosaicas
demais.
Como se lesse seus pensamentos,
Eugenia entrou na biblioteca. Brindou-o
comum sorriso jovial e um "bom-dia".
Jeremy logo adivinhou que ela estava
pensando no seu casamento. Ou se
enganava e ela na verdade ansiava por se
entregar aos braços do marido, depois que
101
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

trocassem votos diante do altar, dentro de


dois dias?
A imagem mental de Eugenia beijando
Berringer metamorfoseou-se em outra, na
qual ele beijava Charlotte. Pensou em seus
lábios macios enquanto os provava. Deviam
ser doces. Tinha certeza disso.
— Bom dia, meu querido — a irmã
repetiu com firmeza e ele constatou que
devia estar perdido em devaneios havia um
bom tempo, para impacientá-la daquele
jeito.
Beijou-a no rosto e cumprimentou:
— Bom dia, Eugenia. Já acabou o livro
de poesias que a vi lendo? — Serviu-se de
uma colherada de ovos quentes e de-
positou-a no prato. Havia comida ali
suficiente para uma dúzia de pessoas.
Talvez sua irmã planejasse alguma reunião
na casa. Fosse esse o caso, ninguém o
avisara de nada.
102
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Quer lê-lo? Você sempre achou


poesia uma coisa enjoativa, se não me
engano. — Encarou-o com surpresa
enquanto punha bem menos comida que ele
no prato.
— Conheço alguém que pode estar
interessado em lê-lo.
— Aqui em Milburgh?
— Ainda conheço algumas pessoas por
aqui. — Sentou-se na frente dela à mesa
de mogno e serviu-se de um pouco de café.
Ofereceu-se para passar-lhe o bule porém
ela fez que não com a cabeça. — Seja
acabou, gostaria de emprestar seu livro.
— Fique à vontade. — Seu nariz se
encheu de rugas. — Para dizer a verdade, o
sr. Berringer compartilha com você a
opinião sobre a poesia. Não gosta que eu
leia versos tão insípidos.
Ele deu risada.

103
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Insípidos? Hoje em dia, só se fala em


La Cour nas rodas de leitura de Londres.
Também ao redor das mesas de pôquer,
claro.
— E desde quando você dá ouvidos a
boatos? — Soltou uma sonora gargalhada.
— Antes você dizia que eles o entediavam.
— Menos quando eram a meu respeito.
A cor subiu às faces de Eugenia no
mesmo instante e Jeremy se desculpou.
Não tivera a intenção fazê-la corar,
Eugenia sempre gostara de conversa
franca. Agora, parecia chocada com grande
parte do que ele dizia.
Mudando de assunto, perguntou:
— Está esperando convidados?
— Não. — Virou-se, a colher a meio
caminho entre o prato e a boca. — Por quê?
— Em cima do aparador tem comida
suficiente para alimentar a tripulação de
104
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

um navio.
— A cozinheira quer ter certeza de que
as assistentes serão capazes de preparar
um bom café na manhã do casamento. Por
isso as obriga a praticar. —Estendeu a mão
e pegou um bolinho do cesto sobre a mesa.
— Não pode faltar comida no dia. Seria
terrível se alguém fosse embora com fome,
um mau presságio para minha vida com o sr.
Berringer.
Jeremy riu. Uma grande idéia acabava
de lhe ocorrer. Erguendo sua xícara, tomou
um gole de café antes de dizer:
— Acredito que não será problema se
eu trouxer um ou dois convidados. —
Sorriu por cima da xícara. — Ou três... ou
quatro.
— Só peço que avise Markley com
antecedência, de forma que haja lugares
suficientes à mesa.

105
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Farei isso.
— Posso perguntar quem pretende
convidar?
— Charlotte Longmuir e as crianças de
quem ela cuida.
— O quê? — O rosto de Eugenia ficou
branco como as cortinas a suas costas. —
O que foi que disse?
— Vou convidar Charlotte para o
casamento.
— Recuso-me a acreditar que seja
capaz até mesmo de sugerir uma coisa
dessas! — Bateu a colher na mesa com
estrondo. Levando as mãos trêmulas ao
rosto, exclamou: — Você quer arruinar meu
casamento!
Jeremy se levantou e, dando a volta na
mesa, afastou-lhe as mãos com delicadeza.
— Esperava que você estivesse disposta
a ajudar alguém que precisa muito do seu
106
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

socorro.
— Ela não merece...
— Ser expulsa de Milburgh — ele
completou. — Minha querida, seu
casamento será o acontecimento social
mais importante desta cidade em anos. Se
as pessoas virem que está disposta a
receber Charlotte, acabarão fazendo a
mesma coisa.
Ela rolou os olhos brilhantes e uma
única lágrima escorreu por seu rosto.
— Jeremy, você está pedindo para que
eu manche minha reputação e estrague
meu casamento por causa de uma mulher
que, além de se desgraçar, virou as costas
para a cidade.
— Você sabe que eu não faria nada para
prejudicá-la. Eugenia arregalou os olhos.
— Então é uma tentativa de enfurecer
mamãe!

107
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Por que eu haveria de fazer uma


coisa dessas? Exasperá-la talvez tenha
sido meu objetivo quando jovem, mas
aprendi que tais brincadeiras são uma
enorme perda de tempo.
— Você parece ter adquirido grande
sabedoria nos últimos dez anos — ouviu a
mãe dizer a suas costas.
Jeremy sorriu para lady Milbury que
entrava na sala. Era o retrato da aparência
que Eugenia teria em trinta anos. Alta,
magra, escondia o cabelo grisalho sob uma
touca com babados que lhe emolduravam o
rosto perfeito. Usava um vestido de cor
austera, embora tivesse enviuvado muito
antes de Jeremy partir.
— Mamãe! — suplicou Eugenia, correndo
para o lado de lady Milbury. — Peça para
ele ter um pouco de bom senso.
— Pelo que ouvi, acho que ele já tem.

108
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Não se ele pretende convidar


Charlotte Longmuir para meu casamento!
— É mesmo? — Voltou-se para o filho.
— Presumo que tenha bons motivos para
uma defender uma atitude tão despro-
positada.
— Tenho sim — retrucou ele, juntando
as mãos atrás da cabeça. Remexeu-se
incomodado ao perceber que assumira a
mesma postura de quando era jovem e sua
mãe estava prestes a repreendê-lo.
— Quais são?
Por um instante, sentiu-se tentado a
revelar a verdade. A idéia lhe ocorrera ao
ver o banquete disposto em cima do apa-
rador. Charlotte e seus filhos
necessitavam da chance de viver ao menos
um dia sem preocupações, um dia em que os
meninos pudessem correr para todo lado
com outras crianças, em que ela pudesse
conversar com outros adultos e se divertir.
109
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Talvez até a tirasse para dançar mais


tarde. A idéia de estreitá-la nos braços ao
som de uma orquestra o inebriava tanto
quanto o melhor rum jamaicano.
Em vez disso, repetiu o que dissera à
irmã sobre o casamento ser uma
oportunidade para emendar o
distanciamento que se criara entre
Charlotte e aqueles que acreditavam nas
histórias absurdas contadas a seu
respeito.
— Jeremy, você agora é um lorde —
explicou a mãe. — Cabe a nós atendermos
suas solicitações, claro, mas você também
precisa compreender a situação do ponto
de vista de sua irmã.
— Tenho plena consciência disso,
mamãe. Mas as poucas pessoas que se
colocam ao lado de Charlotte o fazem às
escondidas e, mesmo assim, sofrem o
escárnio das demais: Aquelas que mantêm
110
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

vivos os boatos agem assim acreditando


que refletem a realidade. Tudo porque
ninguém, nem a nossa família, tem coragem
para se levantar e dizer que não é bem
assim.
— Está pedindo que mintamos? —
perguntou Eugenia, quase engasgando.
Com um gesto, Jeremy pediu à mãe que
se sentasse. Quando ela o fez, respondeu:
— Sabe muito bem que jamais lhe
pediria uma coisa dessas, Eugenia. Nem à
senhora, mamãe. Há muito constatei o
quanto valorizam a verdade. Por isso, nunca
menti para vocês.
— Só quando não conseguia se,, esquivar
dos meus questionamentos sobre alguma
travessura em que se metera. — Sua mãe
sorriu e balançou o dedo na direção do
filho. — Meu menino, você foi amaldiçoado
com o charme do pai e o cérebro da mãe.
Aprendeu a usá-los muito bem desde a
111
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

tenra idade.
— Tive excelentes professores. —
Curvou a cabeça para ela antes de
acrescentar: — Incluindo o sr. Longmuir.
— E sua filha?
— O que uma criança poderia me
ensinar? — Não queria dizer que agora
gostaria muito de tomar certas lições com
a filha do antigo mestre. Lições de prazer,
tanto para dar quanto para receber.
— Não faço idéia, mas conheço você,
meu filho. Sempre teve grande senso de
honra, apesar da natureza impetuosa. Em-
bora se dispusesse a macular a própria
reputação como bem entendesse, foram
pouquíssimas as ocasiões em que arriscou
expor também sua família ao ridículo.
Mesmo assim, quando aconteceu, foi por
acreditar sinceramente na necessidade de
reparar algum grande engano.

112
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Jeremy concordou com um movimento


de cabeça, lembrando-se das duas vezes
em que ousara desafiar a ira dos pais e o
título honorífico. Uma delas fora para
protestar contra o projeto de represar o
rio que atravessava a cidade de forma a
permitir a construção de um moinho. Várias
famílias, incluindo os Berringer, teriam
perdido suas casas. Contudo, o fato de não
construir o moinho envergonhara sua
família, além de impedi-la de ganhar muito
dinheiro.
A segunda vez envolvera o vigário local.
Não lembrava mais os detalhes do plano
arquitetado por ele e Berringer, só do ar
de desalento no rosto do pai que o chamou
para repreendê-lo pela brincadeira.
— Então por que está disposto a pôr em
risco a honra de sua família dessa vez? —
continuou sua Milbury. — O que o
convenceu de que a srta. Longmuir precisa
113
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

de um cavaleiro de armadura reluzente


para salvá-la?
Por incrível que fosse, Eugenia
permanecera quieta até o momento. Por
isso Jeremy não ficou admirado quando ela
se intrometeu afinal, dizendo:
— Ela tem um charme todo especial.
Nunca mais a vi, depois que tudo
aconteceu, mas sei que lança seu feitiço
sobre os homens que a visitam nas horas
mais impróprias e permanecem em sua casa
muito além do que permitiria qualquer sen-
so de decência.
— Está se referindo ao marido da
falecida prima de Charlotte — Jeremy
redargüiu com toda calma.
Calma até demais, descobriu ao ouvir
sua irmã continuar:
— Agora foi sobre você que ela lançou
seu encantamento. — Arregalou os olhos ao

114
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

dizer isso. — Devia estar estudando magia


negra, naquelas anos todos que a víamos
sempre com um livro na mão.
— Pouco provável. — Lady Milbury
entrelaçou os dedos no colo, ao mesmo
tempo em que lançava um olhar de repro-
vação para a filha. — O sr. Longmuir foi um
homem de integridade inquestionável.
Jamais admitiria que a filha se envolvesse
com esse tipo de coisa.
— A senhora não acredita nos boatos
sobre Charlotte?! — Jeremy exclamou,
espantado.
— Não de todo. Menos agora, após ouvir
sua explicação de que é o marido da
falecida prima quem lhe freqüenta a casa e
dorme debaixo do mesmo teto com ela e as
crianças...
— Que são filhas dele — Jeremy a
interrompeu para esclarecer, mal contendo
a ansiedade. — Os dois mais novos são
115
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

filhos dele com a esposa. Do mais velho ele


é apenas o guardião.
Sua mãe assentiu balançando a cabeça.
— Não faz idéia do quanto fico feliz em
ouvir isso, Jeremy. Não conseguia
entender como uma moça tão fina e
educada assumira um comportamento tão
abjeto como dizem na cidade.
— Então por que a senhora permitiu que
os boatos continuassem se espalhando?
— Eu não permiti nada. Qualquer
tentativa de silenciá-los parece fútil. Essas
coisas se alastram feito ervas daninhas.
— Ainda acredito que convidá-la e às
crianças para o casamento poria um fim
definitivo nesse assunto. — Olhou para a
irmã, que os observava chocada, como se os
considerasse dois loucos. — Posso contar
com sua concordância, Eugenia?
— Mamãe! — ela gemeu.

116
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Devo dizer que concordo com Jeremy


neste caso, minha filha. Inclusive com o
fato de que precisamos de sua aquies-
cência para pôr o plano em ação.
Eugenia levantou-se de um salto e
correu para a porta, deixando o som de
soluços atrás de si.
Lady Milbury limpou as mãos de uma
sujeira invisível e levantou-se também.
— Bem, a questão está resolvida.
— Como? — Jeremy perguntou.
— Pode trazer a srta. Longmuir para o
casamento.
— E quanto ao café da manhã para os
convidados?
Sua mãe sorriu.
— Você nunca se dá por satisfeito com
uma pequena vitória, não é, meu filho?
Muito bem, convide-a inclusive para o café.
Aproximou-se do aparador e apanhou
117
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

um prato.
Jeremy fez menção de voltar para seu
lugar, mas parou de repente. Ajudar
Charlotte era sua grande prioridade, mas
nem por isso gostaria de magoar a irmã.
— Mamãe, pensei que a senhora
quisesse a concordância de Eugenia antes
disso.
Atônito, viu-a piscar para ele. Na
mesma hora passou-lhe pela cabeça que seu
mau comportamento fora herança dela, não
do pai.
Rindo, ela perguntou:
— Por acaso você a ouviu dizer que não?
— Nem pensar!
Jeremy imaginou ter sido mal
interpretado por Charlotte, apesar das
palavras simples e diretas que usara. Ela e
as crianças eram bem-vindas ao casamento
na igreja e ao café da manhã em Milburgh
118
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Hall.
Charlotte parecia exausta, o cabelo
avermelhado solto cobrindo-lhe parte do
rosto, os olhos azuis sem brilho. Só podia
tê-lo entendido mal.
— Mamãe e Eugenia esperam que você
compareça — repetiu, forçando um pouco a
verdade. — Acho que será uma excelente
oportunidade para pôr um fim aos boatos,
quando a cidade inteira constatar que a
filha da marquesa a recebe.
— Obrigada, mas não.
Jeremy esperava mais do que um
agradecimento frio e a recusa. Apreensivo,
sensação com a qual tinha pouca intimi-
dade, ele insistiu:
— Será que não percebe, Charlotte?
Quem poderá censurá-la, quando a virem
em paz com Eugenia?
— Muito gentil da sua parte fazer tal

119
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

oferta, Jeremy, mas a resposta ainda é


não.
— Tem certeza?
Charlotte talvez achasse a teimosia
dele charmosa, fossem outras as
circunstâncias. Os olhos arregalados, as
sobrancelhas erguidas lembravam-na o
rapazola que ele fora, cheio de idéias
mirabolantes, mas sempre gentil com a
menina calada que lhe admirava a valentia.
— Por favor, agradeça sua irmã e a
marquesa, mas o risco é grande demais. As
crianças...
De testa franzida, ele a interrompeu:
— As crianças são mais fortes do que
você imagina. Hughie e Dolly são muito
jovens para perceber e entender o menos-
prezo, supondo que alguém os trate assim.
E Petey já enfrentou esse tipo de coisa.
— Vezes demais.

120
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Pensou que Jeremy fosse insistir na


discussão, porém ele apenas meneou a
cabeça. Isso a surpreendeu. Conhecera-o
incapaz de aceitar a derrota. Será que ele
mudara mais do que presumira?
Quando ele se afastou em direção à
carruagem que destoava em um jardim tão
simples como o seu, quase gritou, dizendo
que lhe satisfaria qualquer vontade, desde
que passasse mais alguns minutos a seu
lado. Na noite anterior, enquanto dormia,
cenas dos dois sozinhos junto ao riacho
povoaram-lhe os sonhos. Na maioria deles,
Jeremy a puxava para junto de si e a
beijava com o fogo que costumava ostentar
nos olhos.
Calou-se, porém, ao ouvir Petey
gritando para Hughie buscar a bola. Jamais
descuidaria das promessas feitas à prima
em seu leito de morte... Custasse o que
custasse.
121
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Trouxe isso para você — disse


Jeremy, assustando-a de novo, pois não o
ouvira retornar, e lhe oferecendo cinco
livros.
Os dedos de Charlotte tremeram
quando estendeu a mão para pegá-los. De
tudo que vendera ao se mudar para a
fazenda, os livros eram o que mais
lamentava.
— Você me ajudou tantas vezes — ele
falou. — Pensei em retribuir o favor.
— Obrigada — ela murmurou, sorrindo
afinal, deliciada. Queria expressar em
palavras o prazer que lhe proporcionava,
mas não sabia por onde começar. Como
agradecer tanta gentileza? A facilidade
com que se apegara às crianças e o carinho
que lhes devotava? Só mesmo confessando
que lhe completava a vida quando estava
por perto, contando-lhe histórias de suas
aventuras.
122
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Desviou rápido os olhos antes que


deixasse escapar tais pensamentos.
Tentando se fixar nos presentes que
Jeremy trouxera, virou os livros de lado
para ler os títulos. As mãos ainda lhe
tremiam tanto que mal conseguia distinguir
as letras impressas em dourado sobre a
capa de couro.
Achando graça em sua falta de jeito,
Jeremy riu e disse:
— Lembrei que você gostava de
histórias de feitos heróicos. Peguei esses
livros da biblioteca de papai. — Riu de
novo. — Duvido que mamãe saiba da
existência deles. Nunca aprovou relatos
fantasiosos de raptos, aventuras perigosas
e amores malfadados.
— Nem todos eles são malfadados. —
Charlotte abriu o primeiro livro. — Alguns
foram feitos para ter um final feliz.
Ouvindo isso, Jeremy levou a mão ao
123
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

queixo dela e delicadamente fez com que


curvasse a cabeça para trás, de modo a
encarar-lhe os olhos cinzentos. Uma
tempestade o assolava por dentro, com um
furor que jamais experimentara. Quando
falou, a voz lhe saiu baixa, porém, intensa:
— É isso o que você quer, Pimentinha?
Um final feliz?
— Tenho um.
— Com as crianças?
Ela quis fazer que sim com a cabeça,
mas a mão dele a impedia. De repente,
sentiu-o acariciar-lhe o lábio inferior com
o dedo. Não pôde evitar de corresponder
com a própria respiração.
— Não acha que merece mais? — ele
murmurou.
— Somos muito diferentes, Jeremy —
respondeu, também muito baixo. — Você
jamais se daria por satisfeito. Sempre

124
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

quer mais.
— Tem razão. — Percorria-lhe agora o
lábio superior com o dedo, hipnotizando-a e
aproveitando para cingir-lhe a cintura.
Quis puxá-la para perto, mas os livros o
detiveram. Fez menção de livrar-se deles
no exato momento em que os dois meninos
entraram correndo para cumprimentá-lo.
— Por que não vai ler um pouco,
Charlotte? — sugeriu então.
— Como? — Era a última coisa que
esperava ouvir dele. Devia estar
acostumada com surpresas da parte de
Jeremy; mesmo assim, creditara-lhe
pensamentos iguais aos seus quando a
tocara.
— Cuido das crianças enquanto você
aproveita para ficar um pouco sozinha.
Os meninos festejaram a idéia, mas ela,
com uma vontade enorme de chorar,

125
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

relutava em deixá-los.
— Obrigada — falou num fio de voz.
Não foi só a presença das crianças que
a impediu de revelar o sofrimento de seu
coração. Em momento algum Jeremy falara
sobre permanecer em Milburgh. Oferecer-
lhe seu amor para depois vê-lo partir outra
vez seria mais do que conseguiria suportar.

CAPÍTULO VI

Ver-se rodeado de pessoas alegres, ter


todos os motivos do mundo para estar
feliz, mas ser incapaz disso. Era esse o
significado de sentir-se miserável.
Depois de conduzir Eugenia ao altar e
entregá-la para Berringer, Jeremy assistiu
à cerimônia de casamento, aos noivos
trocando juras de amor, devoção e
126
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

fidelidade. Usou um sorriso bem ensaiado


preso aos lábios o tempo todo, por menos
condizente que fosse com o estado
lamentável de seu coração.
Nunca vira uma cerimônia de casamento
mais longa. Quando Eugenia beijou o
marido, selando o compromisso assumido
perante Deus e os presentes, a música do
órgão de tubos tomou conta da igreja.
Então seu sorriso tornou-se genuíno, porém
apenas o tempo necessário para seguir os
recém-casados pela nave central rumo à
porta, passando junto à pia batismal de
madeira. Tinha certeza de que, dentro de
um ano, aquele lugar seria usado para o
batismo do primogênito dos personagens
principais da cerimônia oficiada havia
poucos instantes. Eugenia era uma filha
dedicada e seria uma esposa
condescendente, fazendo tudo o que o
marido quisesse.
127
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Ao contrário de Charlotte.
Seu sorriso desapareceu de vez e
recusou-se a retornar. Por que ela insistira
em rejeitar-lhe a ajuda? Não costumava
fazê-lo no passado. Naquela época, mesmo
que não quisesse se expor ao desprezo
público, compareceria ao casamento de
modo a proporcionar uma emoção diferente
às crianças, longe do pátio onde brincavam
todos os dias.
Mãos amistosas batendo-lhe no ombro e
palavras de felicitações serviram de tábua
de salvação, impedindo-o de se afogar no
desânimo. Esforçou-se para sorrir e deve
ter sido bem-sucedido, pois ninguém
demonstrou notar que sua cabeça estava
distante das núpcias que acabavam de unir
duas das famílias mais importantes da
cidade.
Deixando-se conduzir para fora pela
multidão, respirou fundo o ar da tarde
128
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

lavada pela chuva. A primavera atingira o


auge, enchendo as árvores de folhas e
espalhando flores para todo lado. No
campo além do antigo cemitério na lateral
da igreja, um rebanho de ovelhas pastava,
entremeado de cordeirinhos saltitantes.
Alguma coisa se agitando junto ao muro
do cemitério chamou a atenção de Jeremy.
Por um instante, achou que fosse apenas
outra ovelha. Porém, o estranho movimento
se repetiu. Dessa vez, reconheceu um
braço magro de criança. Com certeza ela
estava com dificuldade para ficar quieta e
longe da vista dos convidados que deixavam
a igreja.
Disposto a investigar melhor o fato,
ziguezagueou sorrateiro entre as lápides,
oculto pela sombra das árvores. De
repente, o braço surgiu de novo detrás do
muro. Um segundo braço o puxou depressa.
Jeremy aproximou-se pé ante pé, mas
129
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

sorrindo de satisfação e alívio, sem


fingimento dessa vez. Sabia quem estava
ali.
Contornou o muro o mais silencioso que
pôde, saindo para o campo por um portão
enferrujado. Lá estavam uma mulher de
chapéu e um cesto do lado, do interior do
qual de vez em quando surgiam mãos e pés
de um bebê divertindo-se com o frescor do
dia. Mais além, dois meninos, um moreno, o
outro ruivo, riam baixinho, apontando pelo
canto do muro as pessoas que desfilavam
em suas melhores roupas na frente deles.
— O que tem de tão engraçado nisso? —
Jeremy perguntou de repente.
O susto foi tamanho que Petey e Hughie
pularam e giraram no ar em sua direção.
Bastou vê-lo, porém, para caírem em um
gostosa gargalhada.
Jeremy abriu os braços e deixou-se
abraçar, mas na verdade, só tinha olhos
130
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

para Charlotte. Era ela a mulher sentada


sobre um cobertor, ao lado do cesto. No
lugar do vestido simples com que a via
sempre, usava outro, de linho com estampa
florida. O tom azul das flores que o
enfeitavam era idêntico ao de seus olhos.
Se pudesse, Jeremy mandaria os
meninos soltarem-lhe as pernas e irem
brincar em outro lugar, enquanto mostrava
a Charlotte o quanto ansiara por seus
beijos.
— Que susto você nos deu! — disse ela,
ainda ofegante. — Sempre anda às
escondidas pelo cemitério?
— Achei que vocês podiam tentar fugir
feito elfos.
— Seria o modo mais garantido de
chamar a atenção sobre nós.
Tais palavras, embora demonstrassem
grande bom senso, despedaçaram as

131
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

fantasias de Jeremy. Indicavam que não


conseguia tirá-la da cabeça, enquanto ela
reservava ainda o primeiro lugar em sua
mente para as crianças. Como se
arrependia de ter ido embora de Milburgh
do Norte. Se mesmo assim seus caminhos
não tivessem se cruzado como gostaria, ao
menos teria interferido de modo decisivo
para impedir os boatos que a difamavam.
— Por que você veio? — perguntou
repentinamente, tentando se livrar dessas
idéias inúteis.
Charlotte aceitou a mão que ele
oferecia para ajudá-la a se levantar.
Obrigando o coração a diminuir o ritmo
acelerado não só pelo susto como também
por revê-lo tão de perto, respondeu em
tom casual:
— As crianças adoram música e a sra.
Plant sempre se esmera naquele órgão de
tubos, quando se trata de casamento ou
132
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

batizado.
— Mas não em funerais. — Apoiou o
braço no muro e olhou na direção da igreja
que sua família doara para a cidade, muito
anos antes. — Acho que ela não tocou duas
notas certas no funeral de papai.
Espantada, Charlotte arregalou os
olhos.
— Você esteve aqui, no funeral? Jeremy
fez que sim com a cabeça.
— Mas ninguém nunca disse... Quer
dizer, eu presumi...
— Que o filho rebelde não
compareceria ao enterro do próprio pai?
Pois se enganou. Fiquei o tempo todo no
fundo da igreja para não ser notado no
meio da multidão que veio pranteá-lo. —
Deu de ombros e sorriu. — Que conversa
mais lúgubre para um dia tão bonito.
Prefiro falar no quanto estou contente por

133
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

você ter decidido aceitar meu convite


afinal.
— Sinto muito, Jeremy.
— Por ter vindo aqui? — Olhou-a sem
disfarçar o espanto. Charlotte colocou a
mão sobre aquela que ele mantinha apoiada
no muro, consciente da própria ousadia e
de que esse gesto banal poderia amaldiçoá-
la de uma vez por todas aos olhos de seus
detratores. Pouco importava. Como pudera
não desconfiar da dor em um homem que
aprendera a ocultar seus sentimentos
atrás de um gesto arrogante?
— Não. Sinto muito por ninguém
enxergar o excelente filho em que você se
transformou.
— Foi uma longa e tortuosa jornada. —
Um esboço de sorriso retornou-lhe ao
rosto.
— Mas acabou chegando a seu destino.

134
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Céus, espero que não! — Riu. —


Odiaria me considerar um nobre pedante
que nunca faz nada inesperado.
— Duvido que alguém seja capaz de
acusá-lo disso. — Curvando-se, estendeu a
mão para o cesto. Mas foi surpreendida
peio braço forte que Jeremy usou para
puxá-la.
— Quero me certificar agora de que
você nunca o faça — sussurrou ele.
Charlotte descobriu, então, que o beijo
de Jeremy era tão arrojado e sensual
quanto imaginara desde o início. Mais até,
por desafiar-lhe os desejos da própria
alma. Agarrou-lhe forte o braço quando a
boca carnuda forçou-a a abrir os lábios,
como ele fizera com quando levara os
livros. Escalou com as mãos os braços
musculosos até pousá-las em sua nuca.
Quando enterrou os dedos no cabelo preto
como ébano, Jeremy provocou-lhe os lábios
135
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

com maior persistência.


O coração de Charlotte batia
descompassado dentro do peito, como se
quisesse fugir. Teve medo até de não
conseguir mais respirar. Não que isso
tivesse alguma importância, pois a
respiração dele pulsava em sua garganta,
dando vida a todos os sonhos em que ela
jamais ousara se perder.
Quando Jeremy afastou os lábios, ela
não se mexeu. Se o fizesse, talvez todo o
prazer e satisfação de uma necessidade
urgente provassem não ter passado de um
sonho.
— Charlotte... Pimentinha — ouviu-o
murmurar.
O apelido de que só ele a chamava fez
com que abrisse os olhos afinal. Seus
dedos a acompanhar-lhe os traços fortes
do rosto que amenizavam sempre que ele
sorria. Jeremy inclinou a cabeça para trás
136
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

de modo a roçar-lhe os dedos com os


lábios; em seguida, soltando gemido,
segurou-lhe o pulso e beijou a palma de sua
mão. A cabeça de Charlotte rodopiou, tal a
intensidade do desejo de sentir-lhe os
lábios outra vez.
Com evidente relutância, ele a soltou.
— Preciso ir fazer o brinde do
casamento,
— Eu sei.
— Vem comigo?
Ela fez que não com a cabeça,
contrariando a súplica insistente do
próprio coração para que concordasse com
qualquer coisa para permanecer ao lado
dele.
— Preciso levar as crianças para casa e
retomar meus afazeres.
— Então venha para o café da manhã
com os convidados amanhã cedo. — Antes
137
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

que ela pudesse dizer alguma coisa, sorriu


para os meninos que haviam assistido ao
beijo em raro silêncio. — Tenho certeza de
que esses dois cavalheiros apreciariam
muito o belo cardápio que a cozinheira está
preparando desde já. Posso ir buscá-los de
carruagem e levá-los todos, em grande
estilo, a Milburgh Hall.
— Diz que sim, Charlotte! — imploraram
Petey e Hughie, saltitando em torno dela
feito loucos.
— Isso mesmo, diga que sim — Jeremy
repetiu, seu sorriso aquecendo cada
milímetro do corpo dela.
Em seu rosto, Charlotte enxergou o
menino travesso que ele fora e o homem
atraente em que se transformou.
Constatou que só havia uma resposta a dar.
— Sim.
O café da manhã já ia a pleno vapor

138
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

quando Jeremy, esgueirando-se do salão,


mandou trazer sua carruagem à frente da
casa. Lá dentro, Berringer e Eugenia
entretinham os convidados, oferecendo-
lhes um fausto banquete e boa música,
produzida pela orquestra contratada para
o evento. Ninguém perceberia seu
momentâneo desaparecimento. Tampouco
quando reaparecesse com Charlotte e as
crianças. Se as pessoas a vissem já
misturada aos convidados, teriam de
reconhecer que ela não era a epítome da
maldade.
Fustigou os cavalos para que corressem
e o levassem voando ao chalé de Charlotte.
Ali chegando, deparou-se atônito com
outra carruagem no jardim. Estava toda
enlameada, indicando ter percorrido
grande distância. Mesmo assim e embora
fechada, austera, mais pesada, tratava-se
de um belo veículo. Dava para ver os
139
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

assentos confortáveis. O compartimento


para bagagem estava aberto, mas como o
interior da carruagem estava vazio.
Enquanto diminuía a velocidade de seus
cavalos, três homens surgiram de dentro
do chalé. Todos de librés simples, de um
tom preto monótono. Só podiam ter viajado
naquela carruagem, para conseguir juntar
tamanha camada de poeira nas roupas.
Cada um carregava nos braços um baú de
madeira. Olharam de relance para ele, mas
seguiram em frente, arrumando os baús no
compartimento de bagagens. Isso feito,
retornaram para o chalé.
Jeremy saltou para o chão antes mesmo
que os cavalos parassem de vez. A
curiosidade lhe fustigava os pés feito
esporas. Quem visitava Charlotte em tão
bela carruagem e acompanhado de três
criados? Por que os baús estavam sendo
retirados do chalé? O que havia dentro
140
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

deles?
Ouviu um miado enfurecido. Olhando
para baixo, viu que quase pisara na da
gatinha das crianças. Apanhou-a. Garras
afiadas fincaram em seu colete. Sentiu o
coração do pobre animal bater acelerado
em sua mão. Alguma coisa a assustara além
de seus pés. Algo monstruoso para uma
criatura tão pequenina.
Com a gatinha na mão, encaminhou-se
para o chalé. A algazarra de vozes crescia
a cada passo. Distinguiu com facilidade as
das crianças e de Charlotte, mas não só.
Permaneceu atento, pois identificou uma
voz masculina onde nunca encontrara
homem algum.
Encontrou a porta da frente
escancarada, proporcionando boa visão do
hall de entrada e da escada na lateral.
Pasmado ao constatar que nunca pusera os
pés dentro do chalé, Jeremy o fez então,
141
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

lutando contra um sentimento irracional


que ameaçava tomar conta de seu peito.
Charlotte nunca o convidara a entrar,
porém acolhia um outro homem e seu
séqüito de criados em casa.
Distraiu-se um pouco desses
pensamentos ao reconhecer a mobília do
antigo mestre. Lá estavam as velhas
cadeiras, a mesa comprida, agora inclinada
para um lado, sobre a qual costumava se
debruçar para fazer lições. Atraiu-lhe o
olhar, no entanto, um canapé onde
descansavam uma boneca de pano e dois
livros. Um deles fora ele quem levara. O
outro exibia encadernação artesanal.
Desajeitado por causa do esforço em
impedir que a gatinha caísse no chão,
apanhou-o. Tinha as páginas costuradas à
mão e decoradas com magníficos desenhos.
Imaginou-o obra de Charlotte, com certeza
preocupada em instigar o amor pelos livros
142
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

nas crianças.
Um vulto surgiu na passagem para
aquela que devia ser a única outra sala no
piso térreo do chalé. O coração de Jeremy
apertou-se inexplicavelmente ao verificar
que ele não pertencia nem à dona da casa,
muito menos aos meninos. Era alto demais,
dotado de ombros largos demais.
O vulto se materializou em um homem
que entrou na sala e perguntou:
— Quem é você e o que quer aqui?
— Sou lorde Milbury — ele respondeu
no mesmo tom mordaz. Homem algum, em
terra ou a bordo de um de seus navios,
jamais lhe dirigira palavras assim ásperas
sem se arrepender depois. — Um marquês.
Como já esperava, o anúncio de seu
título pôs fim ao ar prepotente do homem
que agia dentro da casa de Charlotte como
se ela lhe pertencesse. Deixando um

143
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

sorriso frio curvar os próprios lábios,


indagou friamente:
— E você, quem é?
— Lionel Passmore. — Calou-se um
instante antes de acrescentar: —
Administrador da propriedade de lorde
Williard.
Ambos os nomes soaram familiares,
porém Jeremy não sabia ao certo onde os
ouvira.
— Isso não me diz nada. O que faz aqui,
tão à vontade assim, na casa de Charlotte?
— Eu poderia lhe fazer a mesma
pergunta, milorde. Jeremy se viu obrigado
a admirar a capacidade demonstrada por
Passmore de manter a prepotência diante
de um nobre. Ouviu passos atrás de si, mas
não se virou. Pesados demais, não podiam
ser de Charlotte. Deviam ser os criados
outra vez. Controlou a curiosidade de

144
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

saber o que estariam levando para fora,


pois precisava descobrir mais sobre
Passmore.
— Poderia sim — retrucou. — Por
questão de ordem, no entanto, acho que me
deve a cortesia de responder primeiro.
— Lá está ela! — exclamou Petey,
entrando correndo na sala e estendendo as
mãos. — Você a encontrou, Jeremy. Muito
obrigado!
Soltando a gatinha agarrada a seu
colete, Jeremy depositou-a nas mãos do
garoto.
— Procure ficar de olho nela.
Encontrei-a perambulando pelo jardim e
quase pisei nela.
— Pode deixar. Ela vai para uma caixa
bem segura agora. Jeremy pensou nos baús
de madeira que os homens estavam
carregando.

145
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Por quê?
— Para não se machucar no transporte,
ora! — respondeu o menino, lançando-lhe
um olhar desdenhoso. — Uma caixa grande,
com buracos para que possa respirar.
Passmore interveio e muito calmamente
orientou:
— Deixe a gata em seu quarto e feche a
porta. — Observou Petey se afastar
correndo antes de retomar a conversa, em
tom pouco cordial. — Que interesses o
trazem a esta casa, milorde? Sejam quais
forem, é melhor resolvê-los logo porque...
— Hughie, você está aí? — Charlotte
chamou, descendo apressada a escadaria e
entrando na sala. Trazia uma camisa
infantil nas mãos, aberta, pronta para
vestir no menino. Parou tão de repente que
chegou a tropeçar, dando um passo a mais.
Afinal endireitou os ombros e sorriu.
— Vejo que já se conhecem —
146
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

comentou.
— Trocamos amabilidades, mais nada. —
Jeremy entendeu que sua voz soara áspera
demais quando ela o encarou com repentino
desânimo. — Ainda não faço idéia do
motivo pelo qual esse homem está em seu
chalé.
— Jeremy, Lionel é o pai de Hughie e
Dolly.
— Claro. — Por isso o nome soara
familiar. Mas qual a explicação para a
presença de Passmore naquele lugar? Fazer
essa pergunta aumentaria a irritação do
homem, que poderia ser direcionada contra
Charlotte. Afinal, eleja a olhava como se
quisesse matá-la, assustado com o fato de
um estranho à família entrar com tanta
facilidade na casa.
Jeremy sentiu-se inseguro quanto ao
que dizer a seguir. Inseguro? Nunca se
sentira assim em relação a nada, antes de
147
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

seu retorno a Milburgh. Não, o sentimento


nada tinha a ver com a cidade. Por mais que
lhe custasse reconhecê-lo, estava
associado a Charlotte e suas crianças.
— Que bom que você veio visitar seus
filhos, Passmore — disse afinal para
quebrar o silêncio, contente, ao menos
dessa vez, por recorrer a um lugar-comum.
Charlotte olhou de relance primeiro
para um, depois para o outro. Encontrou a
face de ambos muito tensa. Ficou imagi-
nando por que lembravam dois touros
disputando o mesmo pasto e resolveu só
interferir quando estivessem separados.
Assim, pediu apenas:
— Lionel, pode ver como Dolly está? Já
deve ter acordado a essa hora.
— Gostaria que você a chamasse por seu
verdadeiro nome — ele replicou.
— Sinto muito. Acostumei-me a dizer

148
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Dolly em vez de Sylvia.—Virando-se para


Jeremy, explicou: — Sylvia era o nome de
minha prima e Lionel quis que a filha
tivesse o mesmo nome.
— Mas Dolly... — Jeremy começou.
— É como Hughie a chama — Charlotte
se apressou a dizer. Continuar a conversa
significaria fornecer uma desculpa para
Lionel permanecer na sala. Sentiu-se
culpada, mas satisfeita quando a menina
soltou um grito e o pai correu acudi-la.
— Presumo que não pretenda mais
comparecer ao café da manhã em minha
casa, se ainda está com roupas de trabalho.
— Jeremy comentou quando ficaram a
sós.
— Não posso.
— Passmore será bem-vindo também. —
Deu-lhe um sorriso torto. —
Encontraremos um lugar para ele entre os

149
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

demais convidados, tenho certeza.


Charlotte se encheu de alegria ante
tanta gentileza. Seus braços suplicavam
por envolver os ombros de Jeremy. O beijo
que trocaram no dia anterior fora tão
maravilhoso, mas agora... Caminhando até o
canapé, dobrou a camisa que continuava em
suas mãos e depositou-a junto da boneca.
— Obrigada, Jeremy, mas não podemos
ir.
— Por quê?
— Preciso acabar de fazer as malas.
Lionel quer nos levar para a casa dele.
— Por quanto tempo?
— Para sempre. — Pegou outra peça de
roupa que uma das crianças deixara cair no
chão e dobrou-a também. Trabalhar lhe
proporcionava uma desculpa para não
encará-lo. Do contrário, duvidava da
própria capacidade de não ceder. — Sente

150
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

falta dos filhos.


— Devia ter pensado nisso antes de
mandá-los embora e arruinar sua vida.
Erguendo a cabeça, Charlotte piscou
com força, lutando contra as lágrimas.
— Acredita mesmo nisso? Acha que as
crianças arruinaram minha vida? Pensei
que, a essa altura, já tivesse entendido que
elas são a minha vida.
— Só elas?
— Não entendo o que quer dizer.
— Entende sim.
— Suponhamos que não. Diga-me
exatamente o que quer saber.
Mas claro que o compreendera. Sem ser
direto, Jeremy perguntara se havia lugar
para ele em sua vida. Uma bobagem porque
esse lugar sempre existira e existiria.
Contudo, naquele momento tinha de pensar
nas crianças e no futuro delas. O dele
151
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

estava garantido, pois se tornara lorde


Milbury, um respeitado marquês. Quanto a
si própria... Não queria nem pensar.
— Você se recusa a admitir que está
fugindo daqui, não é? — ele vociferou.
Charlotte o retalhou com o olhar.
— Se fosse essa a minha intenção, acha
que não o teria feito há muito tempo?
Nunca permitiria que boatos me
expulsassem de lugar nenhum.
— Mas agora eles cessariam e você
seria bem recebida outra vez na cidade. —
Segurando-lhe os braços, continuou: —
Charlotte, você fugiu a vida inteira. Por
isso se agarra às crianças como se elas
fossem sua única tábua de salvação! Era
por essa razão que vivia com o nariz
enfiado em um livro, para não dar ao mundo
real a chance de seduzi-la.
Libertando-se com um safanão, ela

152
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

retrucou:
— O mundo real onde você vivia
entediado e infeliz, a ponto de desperdiçar
sua juventude cometendo loucuras?
— Nunca disse que estava certo naquela
época. Mas pelo menos aprendi que se
esconder atrás de travessuras não é vida.
Por que se recusa a enxergar que se
esconder atrás de velhas desculpas
tampouco o é?
— Você faz parecer tudo tão fácil.
— Eu sei que não é, mas toda luta vale a
pena quando se vence no final.
— Que vitória é essa de que você fala?
Feita de mentiras, olhares rudes e
suposições de que uma pessoa é pior que as
outras? Pior até que o filho do marquês?
Levou a mão à boca na tentativa de
impedi-la de dizer palavras mais amargas
ainda.

153
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Quando ele riu, Charlotte ficou atônita.


Jeremy colocou o dedo sob seu queixo e
inclinou-lhe a cabeça para trás. Impossível
não encará-lo nessa posição.
— Pimentinha, ninguém jamais
acreditaria que você é tão má quanto eu.
Por Deus, nem eu fui tão mau assim! — Seu
olhar se suavizou quando se curvou em
direção a ela. — Mas confesso que tocá-la
provoca em mim os piores pensamentos do
mundo.
— Jeremy... — foi tudo que ela
conseguiu sussurrar antes que suas bocas
se encontrassem.
Ele a beijou com ardor, implorando-lhe
para mudar de idéia. Um homem tão
orgulhoso, incapaz de dizê-lo em palavras,
ainda assim, transparente.
Recuando um passo, Charlotte afastou-
lhe os braços que a cingiam. Demorou-se
um instante além do necessário segurando-
154
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

lhe os pulsos. Talvez não resistisse à


tentação de voltar a abraçá-lo se Hughie
não entrasse correndo na sala, chorando
muito, o indicador apontado para o alto.
Jeremy observou apenas enquanto ela
se ajoelhava e confortava o menino. Tirou o
pedaço de madeira que lhe machucava o
dedo com maestria, quase sem deixar
marca nenhuma. Em seguida ergueu-o no
colo, choramingando ainda, dando-lhe
palmadinhas carinhosas nas costas.
Incapaz de continuar presenciando a
cena, Jeremy desviou o olhar. Mesmo que
ela não dissesse nada, sabia que as
crianças eram sua vida, Ele mudara, mas
Charlotte não. Manteria sempre o coração
e a casa abertos para quem necessitasse
de sua ajuda. Talvez tivesse razão. Como
negá-la, ainda mais àquelas doces crianças?
Quando tornou a buscá-la com os olhos,
viu-a em pé, ainda com Hughie nos braços,
155
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

fitando-o. Espelhada nos olhos muito azuis,


a dor cujo sabor experimentara em seus
lábios havia pouco.
Permaneceram assim longo tempo,
nenhum dos dois saberia dizer quanto. Só
mudaram rápido de posição quando
Passmore apareceu à porta e, mãos nas
costas, limpou a garganta.
— Sim? — Charlotte perguntou, ainda
observando de esguelha a expressão no
rosto de Jeremy.
"O que ela procura?", Jeremy
perguntou-se. O homem em que esperara
vê-lo transformado? Quase riu da idéia. Só
não o fez por que a tristeza impediu.
Charlotte merecia alguém que a amasse
primeiro e acima de qualquer coisa, que
aceitasse o lugar especial que ela
reservara em seu coração para aquelas
crianças. Será que se enquadrava nesse
perfil?
156
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Tudo que vamos levar já foi


transportado para a carruagem — anunciou
Passmore. — É hora de partirmos.
— Preciso pegar minha touca.
Passmore entregou-a. Só então Jeremy
percebeu Petey atrás dele, segurando
firme a alça do cesto com a bebê.
— Aqui está.
Colocando Hughie no chão, Charlotte
pegou a touca e prendeu-lhe as tiras de
pano debaixo do queixo. Nunca vira tanta
dor no rosto dela, nem mesmo quando
falava dos boatos a seu respeito.
— Jeremy?
— Sim?
— Poderia me fazer um favor?
Ele hesitou antes de responder, embora
quisesse gritar que faria qualquer coisa por
ela. Ciente da presença de Passmore a
pouco mais de um metro de distância,
157
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

tentou imaginar como dizer o que precisava


sem parecer tolo. Talvez não houvesse
saída. Por isso, respondeu apenas:
— Claro, Charlotte.
— Pode cuidar para que os animais
sejam bem tratados até conseguirmos
vendê-los?
— Você vai vender minha gatinha? —
Hughie quis saber na mesma hora,
rompendo em pranto de novo.
Agachando-se na frente dele, Jeremy
pôs a mão sobre sua cabeça. Despenteou-o
de brincadeira ao mesmo tempo que lhe
falava com uma serenidade que esperava
fosse convincente.
— Charlotte a vendeu para mim. —
Enfiou a mão debaixo do casaco e dali tirou
uma pequena moeda de ouro. Colocando-a
na mão do menino, explicou: — Eis aqui o
pagamento por ela.

158
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Jeremy, é muito — Charlotte


protestou.
Sem responder, continuou se dirigindo
ao menino:
— Hughie, quero que venha visitar sua
gatinha sempre que tiver vontade.
O menino estava agora fascinado
demais pela reluzente moeda para prestar
atenção em outra coisa. Erguendo-se
devagar, Jeremy acrescentou:
— O convite se estende a todos vocês.
Petey piscou, lutando contra as
lágrimas, e disse:
— Vá nos visitar também, Jeremy.
— Claro que sim. — Tornou a olhar para
Charlotte, mas encontrou-lhe o rosto
escondido pela sombra projetada pela aba
da touca.
Porém, não lhe passou despercebida a
dor em sua voz quando Charlotte
159
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

agradeceu o favor e lhe disse adeus.


Conservou-se onde estava enquanto ela
saía. Minutos depois, a carruagem fechada
deixou o jardim, desaparecendo na
estrada.
Jeremy continuou exatamente no
mesmo lugar.

CAPÍTULO VII

— Quanto tempo ainda você vai ficar se


lamentando por aqui? — quis saber Eugenia.
Jeremy olhou-a por cima do livro.
— E você, veio até Milburgh para ralhar
comigo de novo? Ela riu enquanto tirava o
xale e o estendia sobre o espaldar da
cadeira mais próxima da biblioteca.
— Vim conversar com mamãe sobre o
que fazer com o vaso horroroso que a tia
160
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

dela nos mandou como presente de casa-


mento. Mas ralhar com você é sempre um
passatempo a mais. Têm sido tão poucas as
oportunidades de lhe dar meus conselhos
de irmã.
Jeremy fechou o livro e colocou-o
sobre a mesa antes de se levantar. Não
usara um marcador. Coisa que pouco lhe
importava porque, embora passasse uma
hora olhando fixamente para as páginas,
nem uma única palavra escrita se alojara
em seu cérebro. Tentara se ocupar dos
livros contábeis das propriedades, mas os
números que via de regra clareavam-lhe a
mente com sua lógica, dessa vez tinham se
mostrado tão recalcitrantes quanto as
palavras.
— Creio que seria pouco gentil da minha
parte não lhe dar a chance de me passar
uma descompostura. Sua condição de minha
irmã lhe outorga esse direito. O sorriso
161
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

dela se apagou.
— Jeremy, não pode continuar se
escondendo desse jeito.
— Como sabe o que ando fazendo se
acaba de voltar de lua-de-mel?
— Ora, sabe como são essas coisas em
Milburgh. Todo o mundo aqui adora falar
da vida alheia e o assunto predileto hoje
em dia é você.
Isso o fez lembrar de algo que
Charlotte dissera quando se
reencontraram pela primeira vez, no chalé:
"Não precisa fornecer-lhe assunto sobre o
qual falar, eles sempre encontram".
Ele então respondera para provocá-la:
"Estive longe nos últimos dez anos. Foi
bondade sua me substituir como tema prin-
cipal de todas as conversas". Ao que
Charlotte retrucara: "Não foi proposital".
Em seguida, quisera beijá-la. Coisa que

162
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

ainda queria, mesmo agora.


— Que falem o quanto tiverem vontade
— resmungou. — Isso nunca me incomodou.
— Nem eu espero que o incomode agora
que está interessado em Charlotte
Longmuir. — Eugenia cruzou os braços e
franziu o cenho. — Por que não faz alguma
coisa com relação a isso?
— O quê, por exemplo? Pensei que
desprezasse Charlotte. —E desprezava
mesmo. Mas você é meu único irmão, tenho
de respeitar suas decisões.
— Mesmo? Que surpresa!
Um sorriso tocou os lábios da irmã ante
a provocação.
— Você mudou, Jeremy. Acho que eu
também. De qualquer forma, por que não
toma uma providência em relação a
Charlotte Longmuir? Algo que o livre dessa
obsessão por ela, ao mesmo tempo que o

163
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

anime a sair de casa e retomar sua vida.


— Está pedindo para esquecê-la?
— Acredito que isso seria impossível, a
julgar pelo modo como perambula pela casa
sem se fixar em nada. Desistir fácil assim
não combina com você.
— O que quer que eu faça? Que lhe
peça para escolher entre as crianças e eu?
A tristeza tomou conta dos olhos de
Eugenia.
— Deve haver outra solução.
— Se tem — Jeremy respondeu,
afundando no canapé —, ainda não a
encontrei, embora esteja procurando há
um mês.
— Essa é uma questão que só você pode
resolver, meu querido. — Dizendo isso, a
irmã beijou-lhe a face e saiu para
conversar com a mãe.
Jeremy gostaria de ter a fé de Eugenia.
164
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

E, claro, uma resposta para o dilema que o


assombrara sem trégua nos últimos trinta
dias. De algum modo, precisava descobrir
uma forma de trazer Charlotte de volta a
Milburgh.
Ao estender a mão para o livro, seus
olhos foram atraídos para os documentos
empilhados sobre a escrivaninha do pai. Um
sorriso curvou-lhe os lábios como não
acontecia havia um mês.
— Impossível! — Charlotte espiou por
cima do varal de roupas recém-lavadas,
estendido entre as cercas vivas da con-
fortável casa do administrador das terras
de lorde Williard. Um homem de cabelo
escuro cavalgava em sua direção.

165
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

Seria mesmo Jeremy?


Curvou-se para pegar mais uma peça de
roupa da cesta. Ao mesmo tempo, advertiu
seu tolo coração que parasse de bater
feito um tambor. Não podia deixá-lo dando
saltos no peito cada vez que um homem de
cabelo escuro cruzava seu caminho.
Não que acontecesse com freqüência.
Ali a cidade era menor que Milburgh do
Norte, a meio dia de viagem a cavalo do
mercado mais próximo. Quem passava pela
estrada não devia nem reparar na fileira
de casas a margeá-la.
Ali não havia uma casa imponente sobre
a colina. Aliás, pouquíssimas coisas naquele
lugar lembravam-na da cidade onde passara
a maior parte da vida.
Desde sua partida de Milburgh,
esperava ouvir uma batida especial na
porta. Fosse quando criança, fosse já
adulta no chalé, sempre reconhecera a
166
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

presença alegre de Jeremy. Para sua


infelicidade não acontecera, fazendo-a se
perguntar se fizera alguma coisa errada.
Será que o magoara tanto que Jeremy não
conseguiria mais nem vê-la, incapaz de
ocultar sua dor por trás da reputação que
construíra para si mesmo?
A peça de roupa escapou-lhe pelo vão
dos dedos, cada vez mais dormentes, à
medida que o cavaleiro se aproximava.
Quando saltou da sela, à qual trazia
amarrada uma cesta, bateu no casaco
escuro para limpar a poeira. Foi nesse
momento que Charlotte sentiu o fôlego lhe
fugir. Só conseguiu olhar fixo, esperando
que não fosse outro sonho como os muitos
que vinha tendo. Todos povoados pela feliz
reunião deles dois, todos atiçando-lhe as
esperanças apenas para arruiná-las quando
acordava.
— Boa tarde, srta. Longmuir. — Jeremy
167
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

sorriu ao mesmo tempo que olhou para as


roupas. — Espero não estar atrapalhando.
— Jeremy! — O nome lhe saiu como um
suspiro de alívio e de súplica.
Ele contornou a cerca viva e tomou-a
nos braços. Quando reclamou-lhe os lábios
com a boca, Charlotte se rendeu ao próprio
coração, pois havia muito o entregara
àquele homem.
Afastando os lábios, ele murmurou:
— Passmore está aqui?
— Sim. — Não conseguiu se conter e
deixou escapar: — E a ele que veio ver?
— Sim. Tenho um negócio para propor.
Separou-se dela para entrar na casa no
exato momento em que Lionel saía.
— Passmore! — saudou-o. — Estava a
sua procura.
— Milorde? — o outro respondeu
apenas, visivelmente perplexo.
168
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

— Tenho uma oferta de negócio para


lhe fazer. — Piscou para Charlotte, mas ela
estava tão confusa quanto o primo. —
Minha propriedade em Milburgh do Norte
está sem administrador há mais de um ano.
Andei perguntando por aí e me disseram
que você é muito competente. Se estiver
disposto a trabalhar para mim, ficaria feliz
em lhe pagar o dobro do que ganha aqui.
Lionel arregalou tanto os olhos que por
um momento Charlotte pensou que fossem
lhe saltar da órbita.
— Milorde, é uma oferta generosa.
— Não muito, se considerar que o
avarento do Williard já deveria lhe pagar
bem mais. Se você tivesse condições de
custear um bom médico quando sua esposa
deu à luz os dois filhos, sua história
poderia ser bem diferente. — Olhou de
novo para Charlotte. — Sei que você deu o
melhor de si, Pimentinha, mas ela precisava
169
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

de conhecimento especializado naquela


época.
O coração dela deu um salto de alegria
ao ouvir o precioso apelido. Tocando-lhe o
braço com dedos trêmulos, piscou várias
vezes para conter as lágrimas. Jeremy
compreendera o que não tivera forças para
explicar: sentia-se em débito para com
Lionel por ter falhado com ele e com
Sylvia.
— O que me diz, Passmore? — O sorriso
de Jeremy se alargou. — Já lhe adianto
que sou conhecido por nunca aceitar um
não como resposta.
Lionel não hesitou.
— Como disse, é uma oferta generosa.
Eu seria um tolo se a recusasse. Obrigado,
milorde.
— Um problema resolvido. Próximo...
— Jeremy! — exclamou Petey, correndo

170
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

em direção a eles. Como sempre, Hughie


vinha logo atrás, tão rápido quanto as
pernas atarracadas lhe permitiam.
Os meninos pularam em cima dele de
braços abertos, obrigando Charlotte a
recuar para não ser pisoteada. Sorriu
observando-lhes a alegria com o
reencontro. Hughie saltitava em volta
deles como se tivesse molas nos pés. Petey
gesticulava sem parar, ao mesmo tempo
ansioso por contar tudo que acontecera
naquele mês.
Jeremy ergueu as mãos, pedindo-lhes
que esperassem.
— Primeiro, as obrigações. — Ajoelhou-
se em frente a Hughie. — Ainda tem a
moeda que lhe dei?
— Está com Charlotte — respondeu o
menino, os olhos redondos como os do pai.
— Acha que ela devolverá a moeda se

171
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

você pedir?
Sem esperar resposta, levantou-se e foi
até o cavalo. Soltando a cesta da sela,
colocou-a com grande cuidado no chão, em
frente a Hughie. Em seguida abriu a tampa
o suficiente apenas para a gata espiar o
que acontecia do lado de fora.
— Como vê, a gatinha que comprei de
você já se tornou uma adulta. E eu paguei
por um filhote. Não quer comprá-la de
volta? Sou bom negociante, meu caro, vou
logo avisando que terá de dizer que sim.
O rosto do menino se iluminou e
surgiram covinhas quando ele sorriu.
— Sim!
Jeremy então voltou-se para Charlotte.
— Creio que você tem algo que me
pertence.
— Vou buscar sua moeda agora mesmo.
— Abaixou o tom de voz. — Obrigada por
172
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

trazer a gata. Hughie tem sentido a falta


dela.
Deu um passo em direção à casa, mas
parou quando Jeremy segurou-lhe o braço.
Ele a puxou de volta e emoldurou-lhe as
faces com as mãos.
— Sei bem o que é sentir falta de
alguém. Nem acredito que deixei tantos
anos da minha vida passarem sem que você
fizesse parte deles. Volte comigo para
Milburgh Hall e mantenha-me longe dos
problemas.
— Não sei se isso será possível — ela
murmurou, seu coração explodindo de
felicidade e amor.
—Então esteja por perto quando eu me
meter em encrencas.
— Para ouvir os relatos das suas
aventuras?
— Quero compartilhar todas as

173
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

aventuras deste momento em diante,


Pimentinha. — Apoiou um dos joelhos no
chão e tomou-lhe a mão esquerda. Fazendo
deslizar uma reluzente aliança em sua
palma, pediu: — Case comigo. — O
costumeiro brilho malicioso retornou a
seus olhos. — Já deve ter concluído que
não aceitarei um "não" como resposta.
— Que bom, pois a única resposta que
tenho para lhe dar é sim.
Ele se levantou para beijá-la, mas de
repente ambos se viram rodeados pelas
crianças que perseguiam a gata. Ela fugira
da cesta sem ninguém perceber. Ágil,
Jeremy estendeu a mão e apanhou o
bichano. Reclamando muito dos arranhões,
finalmente conseguiu devolvê-la à cesta.
— Parece que temos tudo que
necessitamos para o nosso casamento —
disse ele.
Charlotte sorriu, examinando-lhe o
174
Jo Ann Ferguson Inesperado Reencontro

braço arranhado.
— Tudo mesmo — ela concordou. —
Inclusive uma testemunha!
E apontou para a cesta, cuja tampa a
gatinha erguera de novo. Sem coragem de
repetir a aventura, dessa vez preferiu se
manter em segurança.
Todos riram e por fim Jeremy
conseguiu deslizar a aliança no dedo de
Charlotte. Emocionado, curvou-se para
beijá-la e dar vazão àquele amor que
nascera em seu peito há muitos anos, mas
que só agora tinha a chance de ser vivido
em sua plenitude. Sim, ele e Charlotte
tinham nascido um para o outro e seriam
felizes para sempre...

175

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