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68 Scientific American Brasil | Abril 2012

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Nelson Mauro Maldonato Alberto Oliverio


University of Naples Federico II Sapienza University of Rome
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68  Scientific American Brasil | Abril 2012
NEUROCIÊNCIA

O FASCÍNIO
ambíguo
DA MEMÓRIA
Relações entre emoção e fatores cognitivos
demonstram a complexidade dos sistemas
neurobiológicos responsáveis por diferentes
dimensões da memória
Por Mauro Maldonato e Alberto Oliverio

em síntese

A memória e o esquecimento, a imutabi- Numa época de predomínio cultural do intervêm tanto direta como indiretamen-
lidade e a reestruturação das lembranças paradigma medico-biológico, a memória te nos mecanismos da memória. A persis-
são aspectos tanto conflitantes quanto é identificada como um mecanismo cere- tência de lembranças ou experiências que
complementares da mente, e essa ambi- bral puro, um arquivo das informações do cada um considera marcos da própria
guidade tem um valor evolutivo crucial. sistema nervoso central. Mas as emoções vida não é nada estável.

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Mauro Maldonato, colaborador de Scienti-
fic American Brasil, é filósofo e psiquiatra, profes-
sor de psicologia geral da Universidade de
Basilicata, em Potenza e Matera.

Alberto Olivero, biólogo e psicobiólogo, é


professor da Universidade de Sapienza, em Roma.

A memória humana é uma faculdade maravilhosa e enganosa.


Embora muitos a considerem um arquivo imutável de experiências e recordações, o que ela
guarda não está esculpido em pedra. De fato, as lembranças tendem a desbotar com o tempo,
deformando-se e indo ao encontro, mesmo em condições normais, de uma lenta decadência, de
um esquecimento fisiológico. E não é raro que gerem em nós perturbadoras sensações de estra-
nheza, fragmentação, não pertencimento e até mesmo recombinações ilusórias de imagens e in-
formações que ocupam nossa mente como um caleidoscópio.

A memória e o esquecimento, a imutabilidade e a reestrutura- passado, uma evocação das lembranças prazerosas ou dolorosas,
ção das lembranças são aspectos tanto conflitantes quanto com- sepultadas ou censuradas, que formam a essência de nossa indivi-
plementares de nossa mente. Essa ambiguidade tem um valor dualidade. Mas, como é evidente, a disponibilidade do arquivo não
evolutivo crucial. Se, de um lado, a memória desempenha uma coincide necessariamente com sua consulta e, portanto, a mera
função adaptativa fundamental para a espécie humana, de outro, existência de uma lembrança, boa ou deficitária que seja, não se
sem a capacidade de esquecer não aprenderíamos nada de novo, identifica com o princípio de identidade e de unicidade que decor-
não corrigiríamos nossos erros, não inovaríamos velhos esque- re da individualidade de nossas recordações, conforme considera
mas. Assim, é plausível afirmar que, enquanto a memória tende a Oliverio. Nos últimos anos, os neurocientistas descreveram meti-
preservar a história individual e coletiva, o esquecimento tende a culosamente as bases moleculares, os fenômenos sinápticos e as al-
ofuscar, progressivamente, as recordações infantis, os eventos do terações dos circuitos nervosos da memória, tentando preencher –
passado, os empreendimentos coletivos, as antigas memórias. por métodos não invasivos e multiparamétricos das imagens cere-
Não por acaso, os humanos erguem lápides e monumentos para brais – as lacunas explicativas da pesquisa psicológica. O conheci-
se defenderem do esquecimento. mento detalhado dessas dimensões poderia parecer pouco rele-
Essa ambiguidade não se deve apenas à sua natureza vasta e he- vante aos que veem a mente como um conjunto de vivências dife-
terogênea, mas também a suas relações intricadas. A própria natu- rentes e de experiências privadas e indizíveis. Em diferentes situa-
reza polissêmica do termo memória – utilizado por biólogos, psicó- ções ligadas a danos e alterações da função nervosa, no entanto, a
logos, antropólogos e historiadores para se referirem a processos e interpretação neurobiológica é fundamental para a compreensão
situações muito diferentes entre si, ainda que unidos pelo elemento do que acontece em nossa mente, como são reestruturadas as lem-
comum da “flecha do tempo” – dificulta o aparecimento de um sig- branças, como se dá o esquecimento.
nificado compartilhado e de fronteiras conceituais bem definidas. A
etimologia grega do termo – mneme e anamnesis – espelha uma Psicobiologia da memória
clara distinção entre a memória como esfera essencialmente intac- os primeiros estudos experimentais sobre a memória remontam à
ta e contínua, e a reminiscência ou anamnese como exercício de segunda metade do século 19, quando o alemão Hermann Ebbing­
presentificação das lembranças que o esquecimento vela. Em Me- haus divulgou entre a comunidade científica um texto – Über das
ilustrações de © Oscar Vargas/Glow Getty Images

non, Fedro e outros diálogos, Platão afirma que todo conhecimento Gedachtnis (1885) – relatando experimentos sobre a memória e o
verdadeiro, todo aprendizado autêntico, é, na verdade, anamnese, esquecimento que realizara sobre si mesmo. Nessa obra, um verda-
esforço para chamar de volta à mente o que havia sido esquecido. deiro marco da psicologia, ele mostrou a existência de uma curva
Hoje, uma época de predomínio cultural do paradigma medi- do aprendizado e de uma curva do esquecimento. Ebbinghaus re-
co-biológico, a memória (mneme) é identificada como um meca- correu a um método – definido como da “poupança”– que consistia
nismo cerebral puro, um arquivo das informações do sistema ner- em decorar diversas séries de listas que continham silabas destituí-
voso central; por seu lado, a reminiscência (anamnesis) é igualada das de sentido (ARB, DRE, MIR, NOT e assim por diante); o proce-
a alguma coisa mais complexa e sutil do que o simples registro dos dimento era repetido, mais de 100 vezes, com uma lista diferente
eventos. A reminiscência, de fato, implica uma reflexão sobre o depois de 20 minutos, 1 hora, 9 horas, 1 dia e mais dias. O experi-

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mento demonstrou que se entre a primeira e a nona hora havia local – que codifica uma experiência ou memória específica. Portan-
uma queda rápida do que fora aprendido, à medida que o tempo to, de uma alteração funcional inicial (a atividade elétrica vinculada
passava após o fim da prova o processo de esquecimento se tornava a modificações dos íons, entre eles o cálcio) os neurônios vão em di-
mais lento: isto é, exatamente no polo oposto daquilo que se dava reção a modificações estruturais provocadas pelas alterações de al-
com o processo de aprendizado. gumas enzimas e pela síntese de proteínas que alteram o esqueleto
Para um enquadramento psicobiológico da memória foi neces- dos neurônios, estimulando a formação de sinapses que se soldam
sário esperar até meados do século passado, quando o neurofisiolo- entre si. As variações do circuito nervoso permitem registrar a
gista canadense Donald O. Hebb formulou a hipótese do “duplo ras- informação no interior de redes neurais.
tro”. Segundo essa hipótese, uma experiência altera um circuito ner- A reestruturação das redes nervosas que se segue à experiên-
voso responsável por uma codificação a curto prazo (de poucos se- cia é o fundamento de uma teoria da mente – ou do cérebro – co-
gundos ou minutos de duração), modificando a atividade elétrica nhecida com o nome de “conexionismo”. Segundo esse modelo a
de alguns neurônios capazes de codificar a informação de maneira mente dependeria da existência de redes que se auto-organizam,
precária, instável. A esse tipo de codificação segue-se outra, estável, pois cada unidade da rede (os neurônios) se caracteriza por um
a memória de longo pra- nível numérico de ati-
zo (de meses ou anos de vidade que muda, no
duração), ligada a modi- tempo, em função da
ficações estruturais du- atividade das unidades
radouras dos neurônios às quais está conectada
ou dos circuitos nervo- e pela força das cone-
sos (consolidação da me- xões ou nós. Na origem
mória). Segundo Hebb, do aprendizado have-
os dois tipos de memória ria essas mudanças. Para
correspondem a modifi- os conexionistas o cére-
cações funcionais das si- bro se adaptaria ao am-
napses nervosas (memó- biente por meio da rede
ria de curto prazo) e a (ou circuito local), espe-
modificações estruturais lhando suas característi-
ou permanentes das si- cas salientes graças a va-
napses nervosas e dos riações sinápticas.
neurônios (memória de Do ponto de vista
longo prazo). A hipótese empírico o neurocien-
postulada por Hebb há tista americano Erik
aproximadamente meio Kandel demonstrou que
século sobre a plasticida- nos invertebrados (co-
de funcional ou estrutu- mo nos vertebrados su-
ral neural e sináptica – periores) o registro de
que implica uma rees- uma experiência está
truturação de escala das correlacionado aos me-
redes nervosas – recebeu canismos do LTP e da
inúmeras confirmações formação de sinapses.
experimentais. Essas evidências foram
Uma das mais impor- obtidas pelos experi-
tantes referências ao modelo hebbiano está relacionada a pesquisas mentos de Kandel, em 2007, com lesmas-do-mar, Aplysia califor-
sobre as bases neurobiológicas da memória, em boa parte funda- nica, que reagem a um estímulo tátil (um fino jato de água) re-
mentadas na análise das alterações da atividade elétrica neural e si- traindo a brânquia com uma conduta de autoproteção explícita:
náptica: particularmente da denominada potencialização de longo conduta que se extingue se os jatos de água continuam no mes-
prazo (Long-term potentiation, LTP) da atividade elétrica das sinap- mo ritmo. O acostumar-se da Aplysia dura o tempo em que se
ses nervosas. Durante a LTP, em decorrência de um estímulo espe- deu a mudança no âmbito dos circuitos nervosos. De fato, as si-
cialmente intenso ou repetido ao longo do tempo, uma sinapse po- napses entre o neurônio sensitivo (que reage ao estímulo tátil) e o
tencializa seu nível de resposta, incrementando sua eficiência em motor (que ativa os músculos da brânquia) se tornam mais está-
até duas vezes e meia. Esse incremento da atividade elétrica sinápti- veis e se comunicam mais facilmente através dos mensageiros
ca se desenvolve em poucos minutos após o estímulo inicial e per- nervosos para a consolidação da experiência. Esses experimen-
manece relativamente estável por um bom tempo; em determina- tos, que deflagraram diferentes pesquisas com outras espécies ani-
das condições, por várias semanas. Na essência, quando um estímu- mais, incluindo-se os mamíferos, indicam que a consolidação de
lo signifitivo é recebido por um neurônio, como no caso dos estímu- uma experiência se baseia em mecanismos similares e que nos ma-
los que se seguem repetidamente durante o condicionamento, po- míferos as experiências são consolidadas graças a modificações
de-se verificar um aumento da eficiência das suas sinapses. Com o bioelétricas que envolvem o hipocampo, estrutura do sistema lím-
tempo, aliás, podem se formar outras sinapses que contribuem pa- bico que vai em direção de LTPs em diferentes fases da memoriza-
ra conectar os neurônios em um novo circuito – o chamado circuito ção e que está funcionalmente ligado ao córtex temporal.

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glesa Brenda Milner descreveram o caso
clínico de um paciente, que mais tarde fi-
cou famoso com suas iniciais, HM, que
desde o nascimento padecia de uma grave
forma de epilepsia que tornava sua vida
bastante penosa. O procedimento neuro-
cirúrgico para remover o tecido nervoso
que causava as convulsões teve sucesso. A
capacidade de percepção de eventos, ra-
ciocínio, fala e de recordar os eventos
mais recentes foi conservada, assim como
a memória semântica, apenas parcial-
mente alterada. Na íntegra, ao contrário,
estava a capacidade de revocar tanto os
eventos anteriores à cirurgia, quanto os
seguintes a esse procedimento. Tratava-se
de uma amnésia episódica tanto retrógra-
da (o passado) quanto anterógrada (expe-
riências seguintes).
A situação de HM, no entanto, era es-
tranha. As lacunas de sua memória não
diziam respeito a sua vida inteira, mas
apenas aos anos mais recentes, aproxima-
damente uma dezena deles. Os déficits da
memória infantil e do início da adolescên-
cia eram muito menos relevantes. A sin-
gularidade do caso HM induziu neuropsi-
cólogos a refletir: se a sede da memória
fosse a região temporal média, sua abla-
o papel da amígdala e do hipocampo ção cirúrgica teria inibido a formação de novas lembranças, mas
até aqui consideramos a memória sem examinar a influência das também apagaria todas as lembranças do passado. HM, no en-
emoções em suas esferas psicológicas. Os processos emotivos in- tanto, guardava as lembranças mais antigas, as consolidadas, dis-
fluenciam e modulam profundamente a biologia da memória. Na tribuídas nos circuitos corticais: isto é, aquelas que – após horas,
verdade, elas provocam inúmeras modificações vegetativas somáti- meses ou até mesmo anos – a região temporal média (hipocam-
cas, cuja tarefa não é apenas informar o cérebro de que o corpo está po, amígdala e córtex temporal) codifica em experiências, decom-
emocionado – conferindo precisos matizes a determinadas põe em categorias, conota com base em seu significado e, enfim,
experiên­cias – mas também consolidar as experiências. Pensemos, distribui nas várias regiões do córtex cerebral.
em relação a isso, no papel exercido pelas endorfinas (peptídeos de Em decorrência dos estudos sobre HM e sobre as relações
ação analgésica similar à morfina que o cérebro libera em resposta entre hipocampo, lóbulo temporal e memória, as pesquisas
a estímulos de dor ou emotivos) ao alterar a função dos mediadores passaram a examinar as estruturas nervosas que, se prejudica-
nervosos que modificam a atividade das sinapses nas redes dos das, provocam amnésia. Esses estudos demonstraram que a
neurônios que registram as experiências. região temporal está vinculada ao sistema límbico (amígdala e
As emoções intervêm tanto diretamente nos mecanismos da hipocampo) e essa região com o diencéfalo (tálamo) através
memória, agindo na bioquímica cerebral, quanto indiretamente, do fórnix: região temporal, sistema límbico e tálamo formam
por mensagens que o corpo emocionado envia ao cérebro. Trata-­ uma espécie de circuito da memória de que, obviamente, faz
se de evidência já consolidada de que nos animais submetidos a parte todo o córtex cerebral, em conexão com o temporal. Todas
experiências ricas de componentes emocionais a memorização é essas estruturas nervosas estão envolvidas na chamada
potencializada, já que os nervos (as fibras do nervo vago) indicam memória explícita, que implica um reconhecimento consciente
ao cérebro a liberação, em âmbito periférico, de substâncias típi- das experiências de vida. De fato, sensações e experiências, para
cas dos estados emocionais, como a adrenalina, secretada pelas serem transformadas em memórias explícitas, devem atraves-
glândulas suprarrenais. Nesse sentido, a biologia da memória sar uma espécie de funil, a região temporal, e, daí, passando
não diz respeito apenas àqueles fenômenos neurobiológicos que pelo hipocampo e pela amígdala (em que são conotadas por
asseguram a codificação de curto ou longo prazo das experiên- características espaciais e emotivas entre outras) alcançar o
cias, mas também à modulação exercida pelas estruturas nervo- diencéfalo (tálamo) onde as experiências são reunidas e regis-
sas e moléculas vinculadas à emoção. tradas sob forma de memórias estáveis nos circuitos cerebrais.
As relações entre emoção e fatores cognitivos mostram o Esse circuito córtex temporal-hipocampo-­diencéfalo permite
quanto são complexos os sistemas neurobiológicos responsáveis conectar as diferentes experiências da vida diária (sensações,
pelas diferentes dimensões da memória. Há quase meio século, o imagens mentais, emoções, avaliações e juízos de realidade)
neurocirurgião americano William Scoville e a neurocientista in- para transformá-las em memória episódica, em eventos de

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nossa história individual. Trata-se de estruturas que desempe-
nham papel também na memória semântica, como quando
A persistência de reconsolidação: um processo
contínuo de reorganização da
aprendemos nomes novos, registramos estavelmente números de lembranças memória, nada objetivo. A recon-
de telefones e aprendemos novos vocábulos. Por isso, confor- solidação é considerada um meio
me a amplitude da lesão nervosa, os pacientes amnésicos têm ou para integrar as coisas novas
dificuldade não apenas para formar novas lembranças ou para
acessar recordações existentes, mas também para apreender
experiências aprendidas nas experiências
anteriores, sujeitas a reestrutu-
novas experiências. Que parecem rações tanto nas formas mais
Nos últimos anos o estudo da função dos núcleos subcorti- simples do condicionamento ani-
cais – entre os quais o conjunto do estriado-caudato-putâmen fundamentais mal quanto nas mais complexas
e núcleo accumbens – solicitou um modelo de memória mais
complexo, que integra seus diferentes componentes cogniti-
a cada um memórias autobiográficas.
Da mutabilidade das lembran-
vos, emocionais, motivacionais. É coisa notória, aliás, que lem- não é nada ças ao longo do tempo também
bramos os eventos emotivamente significativos, e que a moti- são testemunhas as análises de
vação e o reforço têm um papel central no aprendizado. Inter- estável pesquisas de tipo longitudinal,
face entre funções cognitivas, motoras e motivacionais é o es- fundamentadas em autobiogra-
triado ventral. Ele está no centro tanto dos comportamentos fias, coletadas à distância de 2, 5 e 10 anos pela psicóloga Margare-
“motivados” voltados a uma finalidade, como do tratamento th Linton. A partir de 1972 a psicóloga americana começou a ano-
de informações que dizem respeito ao contexto, fundamenta- tar de forma concisa, utilizando sempre o mesmo “módulo” de diá-
dos em associações complexas entre estímulos diferentes. rio (aproximadamente 3 linhas), diversos eventos cotidianos. Dia
No âmbito dessa rede funcional o hipocampo desempenharia após dia ia anotando os acontecimentos, uniformizando a exten-
a função de monitoramento do ambiente exterior, correlacionan- são dos registros por meio das habituais três linhas, para evitar que
do entre si velhas e novas informações, como as velhas e as novas desse um espaço diferente às diversas lembranças, facilitando as-
memórias espaciais; a amígdala estaria envolvida na regulação sim gravar alguns em lugar de outros. Margareth transcrevia pelo
das respostas emotivas e, portanto, na aproximação de novos es- menos dois eventos por dia, e, uma vez por mês, puxava ao acaso as
tímulos; enfim, o córtex pré-frontal estaria envolvido no planeja- fichas relativas a dois fatos, tornava a lê-las, procurava estabelecer
mento das respostas. Essa hipótese é corroborada por inúmeros suas datas e revocá-los. Na hora da transcrição e da releitura, os
resultados experimentais que mostram que o bloqueio das vias acontecimentos eram avaliados também nos termos de sua rele-
que alcançam o estriado ventral a partir do córtex pré-frontal ou vância, das emoções envolvidas, dos significados e assim por dian-
do hipocampo inibe a formação e a elaboração de associações en- te. Por meio desse procedimento meticuloso, tendo a si mesma co-
tre informações não reforçadas (associações estímulo-estímulo), mo sujeito e objeto do experimento, Margareth chegou a estabele-
essencial nos processos cognitivos complexos; enquanto lesões cer que as lembranças vão ao encontro do esquecimento no ritmo
do núcleo basal lateral da amígdala, ou das vias que partem daí de aproximadamente 5% a 6% ao ano. Esse ritmo implicaria o de-
para o estriado induzem a um déficit da resposta normal aos no- saparecimento de cerca da metade das lembranças de eventos es-
vos estímulos e das respostas emotivas. pecíficos se esses casos não fossem incluídos no âmbito do mais
vasto sistema da memória autobiográfica relativa aos fatos de cará-
Fidelidade e infidelidade da memória ter geral ou aos períodos de nossa vida: de fato, cada um dos tijolos
como foi observado, a memória vai ao encontro do esquecimento, com que são construídos esses recipientes mais amplos pode desa-
evolui no tempo, se reestrutura e é influenciada por outras experiên­ gregar, enquanto, ao contrário, a percepção do fluxo das lembran-
cias e lembranças. Essa mutabilidade foi confirmada essencialmen- ças e de seu significado global permanece.
te por duas linhas de pesquisa: uma experimental, a outra, clínica. Em resumo, a persistência de lembranças ou experiências
A primeira valeu-se das pesquisas de Larry R. Squire (1987) sobre os que cada qual considera serem marcos da própria vida não é
efeitos negativos do eletrochoque (tratamento ainda utilizado pelos nada estável. O mesmo evento é narrado de maneira diferente,
psiquiatras nos casos de depressão grave e resistente aos psicofár- os detalhes e até mesmo seu significado mudam, como se a
macos) na memória humana e animal. O neurocientista americano memória, em lugar de corresponder a uma fotografia precisa
observou que o eletrochoque aplicado logo após uma experiência – da realidade, fosse um pedaço de massa de modelagem, que
antes que a memória de curto prazo se consolide na de longo prazo vai gradualmente mudando de forma.  
– provoca uma amnésia retrógrada: ou seja, apaga a lembrança da-
quela experiência devido à interferência do eletrochoque nos meca- pa r a c o n h e c e r m a i s
nismos de consolidação da memória. Ainda assim, o eletrochoque Em busca da memória: o nascimento de uma nova ciência da mente. Eric R. Kandel,
influi não apenas no processo de consolidação da memória: age Cia. das Letras, 2009.
também nas memórias consolidadas, divergindo da opinião dos La vita nascosta del cervello. A. Oliverio, Giunti, 2009.
que por muito tempo afirmaram que, uma vez consolidada, a me- Memory and brain. L. R. Squire, Oxford University Press, 1987.
mória já não estaria exposta a qualquer condicionamento. A elimi- Ways of searching and the contents of memory. M. Linton, em Autobiographical
Memory, editado por D. C. Rubin, págs. 50-67, Cambridge University Press, 1986.
nação por eletrochoque de parte das lembranças consolidadas,
Loss of recent memory after bilateral hippocampal lesions. W. B. Scoville e B. Milner,
mesmo após meses – tanto para a esfera das lembranças associati- em Journal of Neurology, Neurosurgery and Psychiatry, no 20, págs. 11-21, 1965.
vas quanto para a das lembranças cognitivas –, indica que a memó- Über das G edachtnis: Untersuchungen zur experimentellen Psychologie (Memory: a
ria é passível de remanejamentos e reelaborações. contribution to experimental psychology). H. Ebbinghaus, Duncker & Humbolt, 1885.
Na verdade, mais que de consolidação da memória fala-se hoje

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