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" O que procuramos está submerso, e não o podemos procurar, porque na sua qualidade de
insondável apenas zomba de nós." Hermann Broch, A Morte de Virgílio

"A manifestação do vento do pensamento não é o saber; é a aptidão para distinguir o bem do mal,
o belo do feio." Hannah Arendt

Nota introdutória

A obra fundamental para esta pesquisa é a Crítica da Faculdade de Julgar. A sua


leitura foi feita com as ressonâncias oriundas da leitura em simultâneo da última obra de
Hannah Arendt, La vie de L'esprit. A análise irá incidir essencialmente no parágrafo 49,
que diz respeito às faculdades do espírito que constituem o génio, e no capítulo I da Crítica
da Razão Pura, que diz respeito ao Esquematismo dos conceitos puros do entendimento.

Ao julgar as coisas como belas, não sabemos do que estamos a falar, mas dizemos
como se o soubéssemos, por exemplo: "Que bela rosa!"
Há aqui um poder dizer acerca de qualquer coisa do mundo que não é
conhecimento. Não se trata de um juízo cognitivo, porque neste tipo de juízo o universal
é dado, mas de um juízo faz apelo às faculdades de conhecimento num esforço para
encontrar o universal que lhe falta. Este poder dizer, tem como fundamento uma relação
singular e problemática entre a imaginação e o entendimento. Esta relação é designada
por jogo livre, porque é indeterminada e não conceptual (não há no entendimento nenhum
conceito que possa determiná-la). Neste sentido, nenhum conhecimento determinado e
objectivo resultará da conformidade da imaginação e do entendimento. Em contrapartida
este "jogo" constitui-se numa criação sem fim de regras, numa livre produção de formas
ditas belas.
É intenção desta pesquisa procurar averiguar em que sentido as faculdades, ou a
faculdade fundamental da alma humana, nos orienta para a constituição do sentido do
mundo, que não é necessariamente uma experiência cognitiva mas pode ser uma
experiência estética.
Na verdade, a questão mais importante diz respeito à possibilidade de constituição
e mudança do "olhar", que não é um olhar do conhecimento, do que sabe ou do que se
sabe. Que olhar e que mudança de olhar se trata então?
Por serem problemáticas para a nossa pesquisa, estão em causa as ligações do
visível com o invisível, do exterior com o interior. Trata-se justamente aqui de pensar e
fazer ressoar sobre essa experiência singular os diferentes olhos, ouvidos, cheiros,
sensibilidades, a diferença, numa palavra. Nesta experiência que parece paradoxal,
relacionam-se e entram em ressonância os extremos mais afastados.

A determinação da faculdade fundamental da alma humana

A questão mais difícil, e que funciona como eixo nesta pesquisa, diz respeito
àquilo que parece escapar, mesmo, ao espaço do invisível e que pode vir a constituir-se
como condição de possibilidade da estética. Na verdade, esta questão parece só fazer
sentido se conseguirmos determinar mais claramente quais as relações do visível com o
invisível, do sensível com o insensível. Poderemos nós continuar a pensar a diferença a
partir de categorias da representação?
Para podermos tomar tais problemas em consideração, o ponto de partida poderá
ser o de uma certa presença e de uma ausência ou um “fora” que se conectam e ressoam
uns nos outros.
No texto do primeiro volume de La Vie de L'esprit, H. Arendt refere que “só o
pensamento, pela sua tendência a generalizar, quer dizer, o seu gosto especial pelo geral
enquanto difere do particular, é levado a afastar-se totalmente do mundo - (…) Todo o
acto mental repousa sobre a faculdade que o espírito tem de ter "1- en sa présence ce
qui est absent pour les sens. Re-presentar, tornar presente o que está ausente na realidade,

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"- seule la pensée, de par sa tendance à généraliser, c'est-à-dire son goût spécial du général en
tant qu'il diffère du particulier, est portée à se mettre totalement à l'écart du monde-(...) Tout acte
mental repose sur la faculté qu'a l'esprit d'avoir en sa présence ce qui est absent pour les sens.
Re-présenter, rendre présent ce qui est absent en réalité, voilà le talent incomparable de l'esprit et,
comme toute la terminologie des choses mentales s'appuie sur des métaphores tirées de
l'expérience visuelle, on l´appelle imagination, «facultas imaginandis», faculté des intuitions hors
de la présence de l´object" [1]. [1] - Arendt, H. La vie de l'esprit, pág. 92 - 93. Neste texto Arendt
refere-se em nota à Anthropologie du point de vue pragmatique pág. 47 §28, justamente por lá se analisar
a imaginação enquanto "faculté des intuitions hors de la présence de l'object..."

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eis o talento incomparável do espírito et, comme toute la terminologie des choses
mentales s'appuie sur des métaphores tirées de l'expérience visuelle, on l´appelle
imagination, «facultas imaginandis», faculté des intuitions hors de la présence de
l´object" [1].
O pensamento ocupa aqui um lugar especial. Na verdade está sempre "hors de
l'ordre", o que pode querer dizer que quando pensamos estamos em outro lugar, num
espaço qualquer diferente do espaço comum e habitual. Assim o que está aí "à mão", (o
que se manifesta directamente aos sentidos) deixa de estar porque num certo sentido passa
a estar longe e fora, e o que por sua vez está longe e fora torna-se realidade presente, aqui
e agora: “Que bela rosa!” Esta faculdade que é capaz de tornar presente e vivo o que está
ausente, relaciona-se em certa medida com o passado mas simultaneamente está ligada
aquilo que ainda não aconteceu, isto é, ao futuro. Podemos dizer então que a imaginação
é capaz de transformar o visível (ausente) em invisível (presente). Mas se pensarmos que
aquilo que está ausente (num certo sentido é invisível) na verdade pode estar presente no
espírito (o que significa também invisível), ficamos com mais um problema. Como se
processa este deslocamento e demolição da Re-presentação?
Afirma Arendt a este propósito: "l'object absent, évoqué et rendu présent à
l'esprit(...) ne peut apparaître de la même façon qu'aux sens(...).Pour apparaître à l'esprit
seul, il doit au préalable être dé-sensorialisé, et le pouvoir de dé-sensorialiser les objets
sensoriels, de les transformer en images, s'appelle 'imagination' " [2]. Deste ponto de vista
esta operação é anterior a todo o processo de pensamento [3]. O que os sentidos exteriores
percebem, transforma-se em objecto para o sentido interior, estamos na situação de "ver"
des-sensorializado com os olhos do espírito.
Começamos a responder às questões que colocamos atrás, mas as dificuldades são
maiores pois a questão que, efectivamente, se põe, para já, é a do Esquematismo. Na
C.R.P., Kant explica que "este esquematismo do nosso entendimento, em relação aos
fenómenos e à sua mera forma, é uma arte oculta nas profundezas da alma humana, cujo
segredo de funcionamento dificilmente poderemos arrancar à natureza e pôr a descoberto
perante os nossos olhos" [4].
Quem esquematiza então é a imaginação. Ela produz esquemas, determinações
que pressupõem regras e portanto um acordo com o entendimento que é a faculdade das
regras. Apesar da diferença de natureza de cada uma das faculdades há possibilidade de
se harmonizarem entre si. O esquematismo é então um acto da imaginação que
determinada (não livre) age conforme aos conceitos do entendimento. A propósito desta

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problemática pareceu a Kant necessário saber que "há dois troncos do conhecimento
humano, porventura oriundos de uma raiz comum, mas para nós desconhecida, que são a
sensibilidade e o entendimento; pela primeira são-nos dados os objectos, mas pela
segunda são esses objectos pensados" [5]. Que faz então a imaginação?

Ela é originariamente unificadora, o que quer dizer que, é a faculdade própria para
constituir a unidade das outras duas faculdades, mantendo com elas uma relação estrutural
essencial. Será que a imaginação é esta "raíz comum desconhecida"?
À sensibilidade apresenta-se uma diversidade que se manifesta da única forma
possível, sempre particular. Pelos conceitos esse particular torna-se conhecido, porque se
determina. Podemos dizer por exemplo: este ramo de árvore, o luar, esta bola de sabão,
chove. Nestes aspectos da natureza, há univeral e portanto posso dizer que há conhe-
cimento. Houve aqui um acordo misterioso das faculdades e este acordo permite a
inteligibilidade do diverso. Neste sentido "os dois termos extremos, a sensibilidade e o
entendimento, devem necessariamente articular-se graças a esta função transcendental da
imaginação, pois de outra maneira ambos dariam, sem dúvida, fenómenos, mas nenhum
objecto de um conhecimento empírico e, portanto, experiência alguma. (...) Somos nós
próprios que introduzimos, portanto, a ordem e a regularidade nos fenómenos, que
chamamos natureza, e que não se poderiam encontrar, se nós, ou a natureza do nosso
espírito, não as introduzíssemos originariamente" [6].
A imaginação tem então o poder de unir e articular representações,
fundamentalmente ela está ligada (e é parte essencial) ás faculdades de conhecimento,
mas não se trata só disso. Se o objecto está ausente ela tem um modo de o tornar presente,
o objecto não tem necessidade de se mostrar, pois ela pode "apresentá-lo" sem que ele se
manifeste como objecto e pode mesmo, nem sequer ser ele a origem de tal representação.
Assim a imaginação goza de uma independência relativamente ao objecto, é
essencialmente livre (dá a si mesma as suas próprias regras). Por um lado afirma-se na
procura de imagens, mas por outro é criadora de formas. Como pode ser livre, pode
constituir-se também como faculdade de comparação, de ligação, de síntese e de
determinação. "Imaginar" é representar, e pode não ser mera reprodução, porque o poder
de imaginar encontra-se de uma forma essencial unido ao génio.
Os sentidos, dão-nos a matéria de todas as nossas representações, é desta matéria
que a imaginação tira as suas representações independentemente da presença dos
objectos. Na verdade, a representação do objecto não presente, pode surgir pela mera
reprodução no presente, de um conteúdo anteriormente percebido, esta representação está
então dependente de algo visto anteriormente e exerce-se de acordo com a regra do
conceito. Mas pode também inventar livremente a forma do seu objecto e neste caso é
uma representação original; dizemos então que se trata da imaginação produtora porque

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ela constroi a representação de um objecto possível que pode ser trazido à presença mas
não necessariamente conhecido.
Procuramos anteriormente compreender em que consiste este acordo das
faculdades, que permite a inteligibilidade do diverso e portanto o conhecimento.
Dissemos ainda que não se tratava só disso. Agora, põe-se justamente o problema de saber
de que se trata afinal, porque há algo mais, há qualquer coisa que nos escapa. Só que não
sabemos o que é.

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Esquemas, Imagens e Exemplos

"Conformément à notre point de vue, l'intérêt du passage est que la faculté qu'a
l'esprit de se mouvoir parmi les invisibles est requise, même sur le plan de léxpérience
sensorielle courante, pour reconnaître dans un chien, un chien, sous quelque forme que se
présente l'animal. Il s'ensuit que nous devrions être capables de «saisir par intuition», au
sens où l'entend Kant, le caractère général d'un object qui n'est pas lá pour les sens. Kant
désigne ces schémas- de pures abstractions- du nom de «monogramme», et on saisit
peutêtre au mieux l'écriture chinoise si on la conçoit comme «monogrammmatique».
Autrement dit ce qui, à nos yeux est «abstrait» et invisible dans l'ecriture comme, par
exemple, lorsque deux mains unies servent d'image au concept d'amitié. Les Chinois
pensent par images, non en mots." [7]
Usualmente diz-se que imagem é a visão de alguma coisa, que se mostra, isto é,
uma manifestação imediata, por exemplo de uma bela paisagem ("o luar quando bate na
relva"). Numa segunda acepção podemos chamar imagem à cópia ou ao decalque que
reproduz algo que não está presente ou mesmo que está presente, por exemplo: uma
fotografia(só em certo sentido). Imagem pode ser ainda a representação de um objecto
qualquer, que pode até nem existir. No capítulo do Esquematismo dos Conceitos Puros,
Kant afirma que "só podemos dizer que a imagem é um produto da faculdade empírica
da imaginação" [8]. No entanto na mesma página ainda, fala de um outro tipo de imagem:
a imagem pura [9].
Só há imagem, segundo Kant, porque deve haver um princípio subjectivo, ligado
à faculdade reprodutora, mas deve haver um outro objectivo [10], ligado à faculdade
produtora da imaginação.
Teremos então de analisar o procedimento da imaginação que procura para um
conceito a sua imagem. Na primeira parte falámos de determinações agora: "Daremos o
nome de esquema a esta condição formal e pura da sensibilidade a que o conceito do
entendimento está restringido no seu uso, (...), o esquema é sempre, em si mesmo, apenas
um produto da imaginação, mas, como a sintese da imaginação não tem por objectivo
uma intuição singular, mas tão só a unidade na determinação da sensibilidade, há que
distinguir o esquema da imagem." [11]
O esquema é então uma regra de produção das imagens, que visa a unidade e que
orienta todas as representações possiveis. Deste modo a possibilidade de constituição das
imagens é condição e princípio de conhecimento. Sem esquema é pois impossível
conhecer. A cada objecto particular - por exemplo "esta mesa" - corresponde um conceito
segundo o qual nós reconhecemos o objecto enquanto tal. Reconhecemos lá, o universal,
a regra. "On a devant les yeux de l'esprit la «figure» d'une table schématique ou

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simplement formelle à laquelle chaque table doit être plus ou moins conforme. Ou alors,
on procède, vice-versa en partant des nombreuses tables que l'on a vues dans sa vie, on
les dépouille de tous leurs caractères accessoirs, et il reste la table-en-général, qui détient
le minimum de propriétés communes à toutes les tables: la table abstraite." [12]
E quando não se trata de uma experiência do domínio cognitivo?
No esquema, percebemos realmente um "universal" num particular, a imaginação
age determinada pelo entendimento. É desta experiência que trata a Crítica da Razão
Pura. Mas não é desta experiência que trata a Crítica da Faculdade de Julgar, por isso
mesmo encontramos lá um análogo do esquema: o exemplo. Kant de acordo com o que
H. Arendt nos diz, atribui aos exemplos nos juízos, um papel idêntico aquele que têm os
esquemas nas experiências do conhecimento, além disso é a mesma faculdade que está
em jogo. Só que os exemplos surgem quando há indeterminação cognitiva, ou seja,
quando não se pode saber nada. Os exemplos dizem respeito ao particular. Haver
exemplo, quer dizer que há algo que se dá de uma forma exemplar, particular, e
permanecerá particular. Podemos referir-nos como faz Arendt relativamente à coragem e
dizer que ela é como Aquiles. O que não podemos é dizer que ela é Aquiles.
Onde o particular não está subsumido sob um conceito, o exemplo ajuda, pois de
uma forma exemplar é como se ele tivesse em si a regra geral. A imaginação é de novo
necessária, porque para dizer que a coragem é como Aquiles, "Il faut avoir Achille présent
à l'esprit en dépit bien sûr de son absence." [13] É ela que arranja exemplos para os juízos.
Ora não existem regras que ajudem ou ensinem a imaginar os exemplos ou a aplicá-los.
É na verdade uma arte escondida. O exemplo revela, dá a ver, mas ao mesmo tempo não
se dá a ver. Há aqui um jogo de presença e ausência. A obra de arte é disso um bom
exemplo.

7
A apresentação do movimento de distanciamento

"Ce que nous rechercherons c'est le «sens muet» qui - quand on a bien voulu s'en
préoccuper - a toujours, même chez Kant, été pris pour «le goût» et, par conséquent, pour
un élément relevant du domaine de l'esthétique." [14]
A faculdade do gosto é pela sua própria essência um elemento relevante do
domínio da estética. Em nota do parágrafo 50 [15], Kant afirma que o que une as
faculdades da imaginação, do entendimento e do espírito [16], é o gosto. Mas ele não é o
elemento único, pois se para julgar os objectos belos, enquanto tais, é necessário o gosto,
para a produção de tais objectos é fundamental o génio. Diz Arendt que " le génie est,
selon Kant, une question d'imagination et d'originalité dans la production, le goût une
simple affaire de jugement." [17]
Relacionados de uma forma original com os objectos belos estão os que os
"olham" e os que os "criam". Aquele que produz, deixa a sua obra ser contemplada. São
dois extremos: o que faz uma obra e o que a "olha".
Segundo o parecer de Arendt (e que lhe interessa particularmente), Kant foi
confrontado com esta relação "entre l'artiste, le créateur ou le génie et son public." [18]
Qual deles é mais importante? [19]
No parágrafo 49, Kant afirma que "l'génie est l'originalité exemplaire des dons
naturels d'un sujet dans le libre usage de ses facultés de connaître. Aussi bien le produit
d'un génie (...) est un héritage exemplaire pour un autre génie..." [20]. Um pouco antes já
tinha anunciado, que os produtos do génio tem de ser exemplares, porque não há outro
modo de mostrar a regra, senão por exemplos. Um pouco mais adiante, diz ainda que o
génio é um favorito da natureza e por isso um fenómeno raro.
Os pressupostos que tornam compreensíveis tais afirmações, são analisados neste
mesmo parágrafo considerando em primeiro lugar que, o que inspira o génio é o espírito
[21]. E se entendermos, como Kant, que o espírito é o princípio vivificante, que põe em
movimento as faculdades, então podemos aqui falar de um movimento do pensamento,
perfeitamente original (talvez então seja o génio a "raíz comum desconhecida" de que
falámos anteriormente). Movimento "qu'aucune science ne peut enseigner et qu'aucun
labeur ne permet d'acquerir;" [22]. É por ele que o inefável se manifesta, se expressa, num
jogo "de l'imagination et de l'unifier dans un concept, qui peut être communiqué sans la
contrainte des règles." [23]
Em segundo lugar, o génio é constituido por uma relação harmoniosa das
faculdades da imaginação e do entendimento. A imaginação é livre, já não age conforme
aos conceitos do entendimento, é portanto indeterminada. Não se submetendo aos
conceitos, está numa proporção diferente relativamente ao entendimento, numa

8
proporção provavelmente não quantificável. Pode assim representar-se livremente,
ampliando-se de uma forma ilimitada. Esquematiza sem conceito. Esta faculdade é então
criadora, cria formas novas, não conceptualizáveis. É uma outra natureza (sem alcance
cognitivo). Não há experiência possível destas formas, talvez só a experiência estética, o
"olhar" estético. É o lugar do paradoxal, o lugar do invísivel que se quer ver. Nisso que
não se mostra, há algo que se manifesta: a Forma. É algo que não se sabe o que é. E é
justamente isso que faz problema.
O génio é na verdade, essa exemplar faculdade criadora de formas, é o que pode
ver para lá da presença. Como se o seu olhar se pudesse desviar para um outro lugar e nós
o pudessemos algumas vezes seguir. Ás vezes, porque nem sempre parece estar lá o
invisível. As puras formas são os objectos belos. Não nos interessam, não são objectivas,
não têm conceitos adequados, nem leis, nem regras dadas. São exemplos do insondável,
que se apresentam de uma forma obscura e só permitem um certo tipo de olhar.
A estrutura fundamental que permite a criação infinita de formas estéticas sempre
novas e irrepetíveis, tem de poder também constituir-se na simples contemplação estética.
O que está na base desta breve análise, não é senão uma relação de distanciamento
ou de proporcionalidade - de boa proporção - entre a imaginação e o entendimento, entre
o criador e o espectador, entre a obra e o que a contempla.
No começo do parágrafo 48, a propósito da relação entre o génio e o gosto, Kant
afirma que se considerarmos "le génie comme le talent pour les beaux - arts (...) et si l'on
désire analyser à ce point de vue les facultés qui doivent s'unir pour constituer un pareil
talent, il est nécessaire de détérminer exactement la différence entre la beauté naturelle,
dont le jugement n'exige que le goût, et la beauté artistique, dont la possibilité exige le
génie." [24]
Ora tal determinação acontece quando se entende o gosto como uma simples
faculdade do Juízo, enquanto o génio, como já vimos no parágrafo seguinte (§49) é
considerado em si mesmo um talento, constituido pelas faculdades da imaginação e do
entendimento, reunidas numa certa relação, "un heureux rapport".
Depois de determinarmos a constituição do génio e a sua relação ao gosto, é
importante ainda recordar que se trata de um movimento do pensamento onde se apresenta
de uma forma exemplar, o que de modo nenhum se deixa determinar, se dá na regra.
Vimos já, que existem formas na natureza que não são conceptualizáveis. O
pensamento tem sempre tendência para generalizar, no entanto, há aí algo que lhe escapa;
nem todo o diverso da natureza se deixa captar. Quando tal acontece, deixa de haver
conhecimento e inteligibilidade. Deixa de ser possível a percepção cognitiva. Tudo o que
parece pertencer a um contexto e fazer sentido, subitamente desaparece, passa a faltar o
sentido, parece haver uma certa des-orientação. Que tipo de Re- presentação temos agora?

9
Quando Arendt concluiu as Conferências sobre Kant, enunciou algumas
dificuldades, parecendo-lhe que a mais importante residia na constituição do Juízo. É ele
que por excelência pensa o particular. Mas pensar quer dizer generalizar. Começam então
aqui a perceber-se as difíceis relações entre o particular e o universal, de tal modo que o
Juízo é considerado como a faculdade que "combine, de manière énigmátique, le
particulier e le général" [25].
Há qualquer coisa que falta se só o particular é dado. Para além disso não podemos
julgar um particular com a ajuda de outro particular, a não ser que ele seja de alguma
forma exemplar, isto é, qualquer coisa que ainda está ligada ao particular mas é de
natureza diferente. O poeta faz justamente isso, porque torna sensível o que não o é. Dá
a ver o que não se pode ver, "en leur donnant une forme sensible dans une perfection dont
il ne se rencontre point d'exemple en la nature;" [26]. Procura apresentar estas relações
invisíveis da única forma possível: criando analogias, criando metáforas.

10
Conclusão

H. Arendt, refere-se às metáforas e às analogias [27] dizendo que elas são o que
está entre o visível e o invisível, parecem ser os elementos de ligação. Preenchem o
abismo entre o que aparece e o que não se dá a ver. Ela própria afirma, que Kant, no
parágrafo 59 [28] da terceira crítica, considera a analogia como a única maneira que o
pensamento tem de se manifestar. Manifesta-se por exemplos, é um "como se". Arendt
faz ainda referência á metáfora em Homero, e dá como exemplo, o vento e o mar, a dor e
o medo; noutro lugar fala de Aquiles e da Coragem. A comparação, a afinidade, estão lá,
as semelhanças e as relações também, mas não são visíveis. Só o poeta através de
exemplos, as pode encontrar. É neste sentido que entendemos a metáfora como o que
torna visível o invisível.
O que não se dá a ver, pode muito bem nunca se manifestar no conhecimento. Mas
pode mostrar-se por intermédio da metáfora, tornando assim ainda mais complexo este
jogo da ausência e da presença. As analogias e as metáforas são então entendidas como
exemplos, como modelos que nos orientam o olhar e nos impedem de "tropeçar". Para
Arendt as metáforas enunciam a primordialidade absoluta do mundo dos fenómenos e
revelam a natureza extraordinária do pensamento, que é a de estar sempre "hors de
l'ordre". São elas que revelam a unidade escondida.
A metáfora, é neste ponto de vista usada quando não temos acesso á experiência
cognitiva, isto é, quando falta qualquer coisa e não podemos conhecer. Ela é o próprio
movimento de distanciamento. Era intenção do nosso trabalho, fazer uma análise
mais profunda do parágrafo 49 e também da questão que tratámos no parágrafo anterior
mas tal não foi possível. O que fizemos foi o levantamento de alguns problemas.
Esboçamos, portanto, algumas linhas orientadoras tentando encontrar um fio condutor.
A ideia fundamental aqui pressuposta, relaciona-se com uma mudança de olhar.
Conhecemos e deixamos de conhecer, é isto que faz problema. Temos por um lado
esquemas que nos permitem conhecer e por outro exemplos que são "como que"
esquemas. Esta modificação que se dá na orientação, altera a própria experiência.
Deixamos de ter acesso à experiência cognitiva, porque é muito diferente ter o
particular e o universal esquematizados segundo conceitos e ter só o particular
exemplificado. Passamos deste modo a ter um outro "olhar". Só que não sabemos o que
é, porque ele nos depõe numa estranheza total, numa indeterminação absoluta. Esta
estranheza não é senão o "olhar" estético. As obras de arte são exemplos disso mesmo,
do que não se pode conhecer.
A imaginação quando esquematiza segundo conceitos, arranja representações que
tornam possível o conhecimento. Mas quando não age de acordo com as regras dadas,

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isto é, quando age livremente, as consequências são consideráveis: cria formas puras,
representações originais.
Podemos pensar que o que é anterior e fundamenta o conhecimento é a "visão
reflectida das formas", o sentimento estético, no entanto, podemos também reflectir, em
oposição, na anterioridade do conhecimento relativamente á estética. São conclusões para
já difíceis de tirar. Na verdade, a representação estética é sem conceito enquanto o
conhecimento é conceptual, mas nenhuma destas afirmações está devidamente
esclarecida. A natureza da proporção que envolve a imaginação e o entendimento
também é problema.
Na primeira parte dissemos que a imaginação por um lado afirmava-se na procura
de imagens e por outro lado era criadora de formas. Finalmente consideramos de um
modo mais ou menos obscuro que ela além disso tinha outro poder.
O gosto e o génio foram considerados enquanto extremos, mas também e
essencialmente enquanto unidade. Num certo sentido os extremos fundem-se ou
confundem-se, porque o que provavelmente está por detrás é a mesma estrutura
fundamental. O movimento que nenhuma ciência pode ensinar, permite um "olhar"
singular àquele que pode ver para lá da presença.
"Et il est possible, après tout, et il me semble même probable, que les grandes
oeuvres soient redevables de leur survie étonnante, leur relative permanence à travers les
millénaires, au fait d'être nées sur la petite piste discrète de non-temps que la pensée de
leurs auteurs avait ouverte entre un passé infini et un futur infini, tandis que ceux-ci
acceptaient que le passé, le futur les prennent pour cibles, si l'on peut dire - soient leurs
prédécesseurs et leurs sucesseurs, leur passé et leur futur propres - et se créaient ainsi un
présent, une espèce de temps hors du temps au sein duquel les hommes peuvent engendrer
des oeuvres intemporelles qui transcendent leur finitude." [29]

12
NOTAS

[2] - Idem pág. 102

[3] - Na obra já citada (pág. 104), Arendt faz referência a este assunto: "le grec inclut cet
élément de temps jusque dans son vocabulaire : le mot 'savoir', je l'ai déjà fait remarquer,
dérive de 'voir' .Voir ce dit idein, savoir eidenai, c'est-à-dire avoir vu. On voit d'abord, et
puis on sait."

[4] - Kant, I. Crítica da Razão Pura (C.R.P.) B151

[5] - Idem B29

[6] - Ibidem A124 e A125

[7] - Arendt, H. La vie de l'esprit pág. 119. A análise que Arendt faz aqui do pensamento
chinês, assenta na primazia incontestável da visão e das imagens. Também Leroi-Gourhan
reflecte sobre este assunto de uma forma bastante interessante, especialmente no capítulo
sobre os símbolos da linguagem. (Por razões que se prendem com o próprio
desenvolvimento do trabalho não foi possível aqui analisar estas questões)

[8] - Kant, I. C.R.P. B181

[9] - Não nos é possível analisar tal questão no âmbito deste trabalho

[10] - Kant, I. C.R.P. A122 (tal princípio é "captável apriori, anteriormente a todas as leis
empíricas da imaginação, sobre o qual repousa a possibilidade e mesmo a necessidade de
uma lei extensiva a todos os fenómenos")

[11] - Idem B179

[12] - Arendt, H. Juger. Sur la philosophie politique de Kant pág. 116

[13] - Idem pág. 125

[14] - La vie de l'esprit, pág.241

13
[15] - Critique de la Faculté de Juger (C. F. J.) §50 pág.148

[16] - Idem pág 149

[17] - Juger. Sur la philosophie politique de Kant pág. 97

[18] - Idem pág.101

[19] - Kant responde a esta questão no §50 . De referir que ele considera aí o gosto como
"la discipline du génie", pág. 148

[20] - C.F.J. pág. 147

[21] - Na tradução de A. Philonenko, espírito é traduzido por "l'âme" (§ 49, pág. 143)

[22] - C.F.J. pág. 146

[23] - Idem, pág. 147

[24] - Ibidem, pág. 141

[25] - Juger. Sur la philosophie politique de Kant pág. 115

[26] - C.F.J. pág. 144

[27] - La vie de l'esprit, pág.116 e 129

[28] - Este parágrafo é fundamental para o desenvolvimento deste trabalho, no entanto


não foí possível analisá-lo.

[29] - La vie de l'esprit, pág.235

14
Bibliografia

1 - Kant, I. Critique de la Faculté de juger, Paris, Vrin, 1965

2 - Kant, I. Crítica de Razão Pura, Lisboa, F. C. Gulbenkian, 1989

3 - Kant, I. Antropologie du point de une pragmatique, Paris, Vrin, 1979

4 - Arendt, H. La vie de L'esprit, Vol. I, Paris, P. U. F., 1981

5 - Arendt, H. Lectures on Kant's Political Philosophy, Brighton, Harvester Press, 1982

6 - Arendt, H. Juger. Sur la philosophie poilitique de Kant, Paris, Éd. Seuil, 1991*

Outras obras:
- Chédin, O. Sur l'esthétique de Kant, Paris, Vrin, 1982
- Gourhan, A. L. Le geste et la parole, Vol. 1 e 2

* - Foram analisadas simultâneamente a primeira publicação inglesa e a tradução francesa


da obra de Arendt, sobre a filosofia política de Kant. As citações dessa obra incluídas no
trabalho são sempre da tradução francesa.

15
Índice

Nota Introdutória 2

Introdução 3

A determinação da faculdade fundamental da alma humana 4

Esquemas, Imagens e Exemplos 8

A apresentação do movimento de distanciamento 11

Conclusão 14

Notas 17

Bibliografia 20

Índice 21

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