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XIX Seminário do CELLIP De 21 a 23 de outubro de 2009

Pesquisa em Língua e Cultura na América Latina UNIOESTE – Cascavel, Paraná

A figura do gato presente nas poesias de Baudelaire

Fernanda COELHO (UEL)1


Lígia MANGILLI (UEL)2
Tassia GUARNIERI (UEL)3
Prof. Dr. Paulo de Tarso GALEMBECK (UEL)4

RESUMO: Este trabalho apresenta os resultados da análise de quatro poesias de Charles


Baudelaire: O gato, O gato, Os gatos e Confissão, nas quais destacam-se as variadas
representações da figura do gato, desde a mulher, passando por sábios, amantes e irmãos e
remetendo até mesmo ao trabalho do poeta. As poesias fazem parte da obra As flores do mal
(1857) e a tradução usada para este trabalho foi a de Ivan Junqueira, pois consideramos a que
melhor revela o lirismo do poeta. Além disso, expõe-se aqui uma breve reflexão sobre poesia e
também um pequeno estudo sobre a vida deste tão apaixonante poeta francês responsável pelas
bases estéticas da modernidade.
PALAVRAS – CHAVE: Poesia; Baudelaire; Gato.

Introdução

Propor um estudo sobre poesias, pode causar uma inquietação: qual sua importância?
Poesia, assim como toda literatura, trabalha com a sensibilização do ser humano. Pode-se afirmar
que sem ela o mundo viraria o verdadeiro caos. A literatura é capaz de humanizar, meche com o
campo dos sentidos, podendo transformar o individuo. Octavio Paz (1982) nos mostra que a poesia
é

conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o


mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um
método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. (PAZ, 1982,
p.15).

Assim percebe-se que um estudo sobre poesia não é em vão, já que ela tem fundamental
importância na humanidade. E o poeta aqui estudado é um de exacerbada importância para a poesia,
logo para toda humanidade. Partindo disto, a pesquisa faz um estudo breve da vida de Baudelaire e
de quatro de suas poesias, destacando um elemento em comum entre elas: a figura do gato.

1. Poesia, Gatos e Baudelaire

Poeta e crítico francês, Charles Baudelaire causou grande influência na poesia


simbolista e também semeou o nascimento da poesia moderna. Autor da famosa obra As flores do
mal (1857), revoluciona a poesia francesa do século XIX. Com uma nova estratégia de linguagem,
Baudelaire encaminha-se rumo a uma poesia moderna, pois mistura a matéria da realidade grotesca
com a linguagem do romantismo. Ele utiliza palavras prosaicas, urbanas dentro da poesia lírica,
trazendo assim uma novidade. Além de poeta, ele foi também critico literário, de arte e tradutor.
Quanto ao estilo literário que o poeta seguiu, é uma longa discussão. O filósofo
1
Graduanda. Universidade Estadual de Londrina – UEL – fernandagabrielala@hotmail.com
2
Graduanda. Universidade Estadual de Londrina – UEL – ligiamangilli@hotmail.com
3
Graduanda. Universidade Estadual de Londrina – UEL – tassia_martins@hotmail.com
4
Professor Doutor na Universidade Estadual de Londrina – UEL – perobal22@hotmail.com
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alemão da escola de Frankfurt, Walter Benjamin (1997, p.153) diz que ele “não foi dominado por
nenhum estilo e não pertenceu a nenhuma escola literária”, talvez isto o caracterize realmente como
poeta da modernidade.
Baudelaire considera a modernidade (urbana, tecnológica) algo dissonante. É algo
negativo, pois significa “a época da técnica que trabalha com o vapor e a eletricidade e a do
progresso” (FRIEDRICH, 1978, p.43) e o poeta considera o progresso como algo que deixa
predominar a matéria, fazendo assim com que enfraqueça a alma. Porém, além de ter este aspecto
negativo é algo encantador. Jorge Coli (2005, p. 303) mostra que Baudelaire vê duas vertentes: “de
um lado, a modernidade banal que engendra o tédio; de outro, a modernidade que, por
transfiguração nela operada pela arte, é fonte de fascínio”.
É importante ressaltar que na década de 1850, Paris estava em pleno progresso, o que
causa certo nojo em Baudelaire. Ele critica o novo sistema do capitalismo e toda a modernidade e
desenvolvimento urbano.
Sua principal contribuição para a modernidade são suas discussões sobre a fantasia,
“esta é para ele, que a equipara aliás ao sonho, a capacidade criativa por excelência” (FRIEDRICH,
1978, p.55). O poeta diz que ela, a fantasia, realiza uma decomposição da criação, trabalha em cima
de partes criando assim o novo.
Outro aspecto presente na lírica de Baudelaire é a transformação do real. Platão
refere-se a arte poética como pura cópia da cópia, algo totalmente desvalorizado, arte como
imitação, é a chamada mimesis. Já para Aristóteles, esta ideia passa a ser um pouco mais positiva.
Ele argumenta que a arte é imitação, mas justifica isto, dizendo que a imitação é atitude natural do
ser humano.
Charles Baudelaire sempre criticou algo realista, naturalista, banal, simples e fácil
reprodução do mundo; suas poesias trazem a característica de transformação, diferente da simples
cópia do real. O poeta chamaria isto de sonho ou fantasia, porém dá uma significação mais criativa
a estes termos: “o sonho é uma capacidade produtiva, não perceptiva, que, em caso algum, procede
confusa e arbitrariamente mas, sim, de maneira exata e sistemática.” (FRIEDRICH, 1978, p.54).
Além disto, o poeta inova o conceito de beleza, já não acata a antiga concepção do belo.
Ele considera belo aquilo que pode coincidir com o feio, o bizarro, o grotesco. O poeta se irrita com
o banal e o tradicional presente no antigo paradigma de beleza, e assim dá uma nova concepção
para o belo, moderniza.
As poesias a serem analisadas a seguir, são tiradas da obra As flores do mal, obra
revolucionária, na qual estão presentes as poesias de maior destaque de Baudelaire, além de ser
totalmente elaborada, pois não é apenas um simples acúmulo de poesias, há nela uma articulação
com começo, meio e fim. A obra é iniciada com um poema-prefácio Ao leitor, no qual o leitor é
convidado a apreciar a miserável condição da humanidade. Os poemas são de tom provocativo. Ele
diz sentir prazer em irritar o leitor, faz provocações e o faz pensar. Ou faz com que este se apaixone
ou se distancie.
Logo no título da obra vê-se a modernidade que Baudelaire traz: mistura o belo (flores)
com o mal, dissociando assim aquela idéia de que o Belo está próximo do Bem.
Nesta obra, as poesias não têm o caráter comum romântico de confissão, de declarações
de situações particulares. Há sim presente em muitas delas o sofrimento de um homem solitário e
quase todas partem de um eu, porém o próprio Baudelaire disse várias vezes que este sofrimento
não era apenas o seu, e sim de toda uma sociedade moderna.
Uma grande maioria pensa que o fazer poético é um ato de expressão, em versos, dos
mais profundos sentimentos de um poeta, colocando este como um ser divino, que recebe
inspirações e cria a poesia, como um trabalho do coração. Porém, por mais que a criação poética
exija – como toda arte – uma sensibilidade, produzir uma poesia não é algo tão simples assim e nem
fechado a pessoas que “nasceram para ser poetas”, é algo que exige trabalho do intelecto.
Há longas discussões sobre o fazer poético e da arte em geral, colocando em questão se
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é inspiração ou criação. Pode-se pensar que é inspiração, pois como dito anteriormente, a arte exige
sensibilidade. Ou que seria criação, pois é um ato intencional. Assim, acredita-se que uma coisa está
ligada a outra. Poesia é sobretudo criação, mas pensando inspiração como sensibilidade artística,
não podemos descartá-la.
A ideia de poeta como um deus, era ainda mais forte no romantismo, e Baudelaire
revela este mistério existente em sua época, quebrando toda a imagem de poeta-divino. Ele
concorda com Edgar Allan Poe em relação ao fazer poético. Ambos vão contra a idéia do
romantismo, em que o fazer poesia se confunde com algo do coração. Poe é quem separa a lírica do
coração, o que pode acontecer com o poeta é uma excitação entusiástica que nada tem a ver com a
paixão pessoal ou o coração. Baudelaire praticamente repete estas palavras, acredita que o fazer
poético é trabalho do intelecto.
Assim, com ele inicia na França a “despersonalização da lírica moderna, pelo menos
no sentido que a palavra lírica já não nasce da unidade de poesia ou pessoa empírica”
(FRIEDRICH, 1978, p.36).
Dessa maneira, Baudelaire vai se direcionando para uma modernidade literária. Na
estrutura dos seus poemas ele também traz novidades. Benjamin (1978) nos mostra que em vez de o
poeta formar seus versos como os românticos da época, vai contra e retoma os versos de costume
clássico. Porém, não usa os versos clássicos como eram usados, transformando o já existente:

Baudelaire queria abrir espaço para os seus poemas e para esse fim precisava
suplantar outros. Desvalorizou certas liberdades poéticas dos românticos através do
seu manejo clássico do verso alexandrino e a poética classiscista através de suas
típicas rupturas e deficiências no próprio verso clássico. (BENJAMIN, 1978,
p.158).

O verso baudelairiano revela uma grande preocupação com a musicalidade (o que


não há nos versos clássicos) e forma. Aliás, o poeta era um excelente crítico musical e das artes
plásticas. Ele trabalha com uma estrutura matemática, valoriza o ritmo da poesia.
Os octossílabos são os mais explorados no livro As flores do mal, este é um tipo
característico que ocorre na língua francesa. O alexandrino é bastante presente também, versos
graves e lentos, cuja sonoridade parece ter longa duração.
A contradição e a dualidade evidentes logo no título do livro As flores do mal, é
explorada também na figura do gato em pelo menos quatro de seus poemas. A figura do animal é
bastante explorada na literatura, mas comumente na literatura moderna, como T. S. Eliot,
Drummond, Bandeira, Jorge de Lima, Ana Cristina Cesar, entre outros. Esta última traz inclusive
uma ideia de “gatografia” em suas poesias. Este termo significa “escrita do gato”e Mônica Genelhu
Fagundes (p.279) mostra a ambigüidade do termo, pois pode ser interpretado tanto como uma
escrita feita pelo gato quanto uma escrita que fale sobre o gato.
O gato é dotado de múltiplas representações: pode ser meigo, sensual, misterioso,
noturno, tendo uma extensa e interessante simbologia, o que chamaria a atenção para este animal
dentro da poesia. Essa representatividade do gato é explorada mais adiante, nas analises dos
poemas. Com o objetivo de mostrar o gato como um dos melhores representantes do ideal poético
de Baudelaire, analisamos poemas em que o felino está presente.
A primeira análise feita é da poesia O gato. Nele vê-se claramente a comparação do
gato com uma mulher, isto está presente quando o eu lírico usa a preposição “a” no primeiro verso
da terceira estrofe: “em sonho a vejo”. A simbologia diz que o gato é um animal sobretudo
representante do feminino, como nos mostra o Dicionário de simbologia: “Visto como animal
noturno num contexto lunar, o gato é considerado sobretudo animal simbólico do feminino”
(LURKER, 2003).
O eu lírico inicia o poema chamando este animal para perto e começa a dizer sobre
seus olhos. Na segunda estrofe, ele descreve um ritual de afetividade e ao mesmo tempo de
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sedução. Ele diz que este momento, esta atitude com o animal o faz lembrar de uma mulher. Na
terceira estrofe inicia-se a comparação entre o felino e a mulher, dada uma semelhança entre ambos
os olhares, além de comparar-lhes pelo perfume que envolve-lhes na última estrofe.
Pode-se dizer que as duas primeiras estrofes referem-se ao gato e as duas últimas
tanto ao bichano quanto a mulher, fazendo a comparação de ambos. Como elementos de coesão
têm-se a questão do olhar: na primeira estrofe são citados os olhos do gato

Vem cá, meu gato, aqui no meu regaço;


Guarda essas garras devagar,
E nos teus belos olhos de ágata e aço
Deixa-me aos poucos mergulhar. (BAUDELAIRE, 2006, p. 185).

e na terceira, ele descreve sobre o olhar de ambos

Em sonho a vejo. Seu olhar, profundo


Como o teu, amável felino,
Qual dardo dilacera e fere fundo, (BAUDELAIRE, 2006, p.185).

O eu lírico diz do olhar destes como sendo profundo, penetrante e que machuca, sobre o
perfume de veneno que ambos exalam da “carne morena”, vê-se isto como figuras que passam a
sensação de perdição, sensualidade - quando fala do perfume-, perigo - quando diz que este
envenena -, que tanto a mulher como o gato trazem. Podemos interpretar que este gato é preto, pois
o eu lírico se refere a ele dizendo “carne morena”, portanto seria um animal de mau agouro, se
levarmos em consideração a crendice popular.
Assim parece haver uma heterogeneidade, pois ao mesmo tempo o felino e a mulher são
belos e perigosos. O gato em sua simbologia é portador desta característica, pois ele apresenta
tendências tanto benéficas como maléficas, o que se explica pelo seu comportamento terno e
dissimulado ao mesmo tempo.
Outra poesia que Baudelaire explora a imagem do gato é a LI de As flores do mal,
também chamada O gato. O poema tem quatro versos octossílabos em cada estrofe e é dividido em
duas partes. Na primeira parte, composta por seis versos em esquema de rima ABBA, o eu lírico
inicia mostrando a liberdade que este gato tem dentro de sua mente. O bichano passeia em seu
cérebro como se fosse a sua casa, sente-se à vontade no interior de seu pensamento, mostrando aí o
domínio que o felino exerce sobre o eu

Dentro em meu cérebro vai e vem


Como se a sua casa fosse
Um belo gato, forte e doce.
Quando ele mia, mal há quem (BAUDELAIRE, 2006, p.217).

A poesia segue descrevendo este gato de tão grande poder sedutor. A partir da
segunda estrofe o eu lírico passa a contar o efeito que a voz do bichano causa em si. Segundo
Mônica Genelhu Fagundes, esta voz que se infiltra inspira e ensina-o a fazer poesia. Pensando
assim, quando ele diz “E como um filtro me ilumina”, na terceira estrofe, pode-se supor que o
miado deste animal seleciona as palavras que o eu poderia usar na sua poesia, como um filtro.
Na quarta estrofe o eu lírico diz que esta voz embala os males e oferta os êxtases.
Segue dizendo que não é com palavras que o gato enuncia a frase certa. E nas estrofes seguintes, o
eu fala que não existe nada que envolva ou cause tal excitação que a voz deste gato. Terminando a
primeira parte da poesia, o eu apela ao místico e compara o felino a um anjo

Que a tua voz, ó misterioso


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Gato de místico veludo,


Em que, como num anjo, tudo
É tão sutil quanto gracioso! (BAUDELAIRE, 2006, p.219).

Essa comparação é feita através da sutileza e graciosidade, presente tanto no gato como
no anjo, características encontradas em toda poesia, como a voz discreta, a delicadeza, o mistério e
o encanto do felino.
Iniciando a segunda parte - contém quatro versos que seguem o mesmo esquema de
rima da primeira parte -, temos a declaração do eu lírico de um momento em que foi embebedado
pelo perfume que o felino exala, de seu pêlo louro e tostado. Assim vemos outra vez o domínio e
poder de sedução do bichano, que agora é provocado pelo cheiro, perfume.
No decorrer do poema temos mais uma vez a presença deste tão forte domínio que o
gato causa no eu lírico. O animal é imponente, “julga, inspira e demarca”, como está no segundo
verso da segunda estrofe. Alcançando novamente o campo místico, o eu chega a vê-lo como divino,
e a indagar se é um deus ou uma fada.
Chegando ao final, o eu lírico totalmente seduzido, se identifica com este felino, isto
está presente no último verso da penúltima estrofe. Fagundes diz que “o poeta [eu lírico] nele se
reconhece” (FAGUNDES, p.283).
Na estrofe final, o eu diz que atordoado vê nas pupilas deste animal, “claros faróis,
vivas opalas”. Seguindo o raciocínio de Fagundes - pensando que o poema é de metalinguagem e
que o eu lírico é um poeta -, analisando este verso, podemos supor que este olhar que o contempla
sem alarde, clareia a sua mente.
Neste poema há um domínio exacerbado do felino sobre o eu lírico, além de grande
sedução que provoca também sobre o leitor. O domínio é tanto que o eu lírico é um desdobramento
do gato ou vice-versa. E que o imponente gato, de certa forma, dita o que o eu deve fazer, pensando
no caso dele como poeta. Outra interpretação possível é de um eu lírico de caráter narcisista, pois
elogia absurdamente o gato e no final se identifica com este.
A próxima poesia também mostra este domínio do gato sobre o homem. Composta
por quatro estrofes com versos dodecassílabos, o soneto inicia dizendo que tanto os amantes febris
quanto os sábios solitários, quando atingem a idade da sabedoria, da razão, amam os gatos da
mansão, pois estes têm frio e cismam sedentários como eles.
Na segunda estrofe o eu lírico diz que ambos – amantes (amigos da volúpia) e sábios
(devotos da ciência) – buscam, por motivos diferentes, o horror dos mistérios. Érebo (símbolo
literário da morte) tomá-los-ia se a submissão conseguisse ser maior que a insolência. Em sonho
eles assumem a atitude de imponentes, superiores, de um ser difícil de derrotar, e que este sonho
tem um sabor de eterno, isto está presente na terceira estrofe. O poema finaliza dizendo que os rins
se distendem, e que as pupilas acendem, assim podemos supor que é clareada a visão deles.
Numa possível interpretação vemos que há uma comparação entre estas três entidades:
os amantes, os sábios e os gatos. Isto é provado inicialmente pelo título do poema no plural: os
gatos. Assim pode-se supor que os amantes e os sábios, devido suas características iguais,
desdobram-se todos num único grupo, o dos gatos.
Com isso pensa-se que os sábios e os amantes, amam estes gatos por se identificarem
com eles. No poema o eu lírico mostra características de ambos os grupos: todos eles sentem frio e
cismam sedentários, da mesma maneira; todos buscam as trevas; todos são insolentes. Além disso,
eles os amam também por admirá-los. Os gatos são portadores de sensualidade, o que os amantes,
os amigos da volúpia, admiram. Os felinos são também portadores da sabedoria, o que chama a
atenção do grupo dos sábios.
Segundo o Dicionário de símbolos, o gato é “símbolo de sagacidade, de reflexão, de
engenhosidade; ele é observador, malicioso e ponderado, alcançando sempre seus fins”
(CHEVALIER, 1996, p. 463). Carlos Drummond de Andrade diz que “o gato é símbolo e guardião

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da vida intelectual” (DRUMMOND, 1970). Assim observa-se a proximidade demasiada do felino


com os sábios solitários.
Pode-se notar o destaque e espaço que é dado para o gato nestas poesias. A próxima
que analisamos, Confissão, não tem o felino tão destacado como nas anteriores, mas também diz
sobre o animal.
O eu lírico começa dizendo de um momento único que aconteceu entre ele e sua
amante. Este destaque que ele dá para a questão do único, “uma vez, uma só”, seria pelo fato da
confissão feita mais adiante ter sido exclusiva, única. Assim ele vai descrevendo esta noite que teve
com tal mulher. Aconteceu em Paris, que estava calma e onde a lua luminosa se exibia.
E debaixo dos portais estavam gatos secretos, que com ouvido alerta seguiam o casal,
como se já soubessem da confissão que iria se realizar mais adiante. O gato é portador, em sua
simbologia, de mistério, além de ser um animal bastante noturno, lunar. Os felinos estão presentes
aí também como irmãos, como sombras. Podemos sugerir que eles são a reflexão do eu lírico, sendo
como sombras, ou então que seja algo muito próximo dos dois, como fraternais. Os gatos, junto a
lua e o eu, foram os únicos a ouvir essa tão misteriosa confissão, talvez por serem secretos.
Inesperadamente, quando começou a raiar o dia, a amante, sempre alegre, portadora de
tanta graça, faz a confissão, iniciada na sétima estrofe. Ela começa dizendo sobre o engano que é a
Terra, mostrando que sempre se revela o egoísmo humano.
Na oitava estrofe, ela ainda faz a confissão, agora criticando a beleza. Mostrando que
esta beleza exterior, esta necessidade de ser belo, é algo banal

Ser bela é ofício cujo preço se conhece,


É o espetáculo banal
Da bailarina louca e fria que fenece
Com um sorriso maquinal; (BAUDELAIRE, 2006, p.209).

Baudelaire, em sua essência, critica a beleza banal. Segundo Coli (2005, p.300), o
poeta considera a moda, a maquiagem um artifício que engana.
E finaliza sua confissão dizendo que amar é cair no pranto, pois o amor acaba, vem a
saudade até que isso seja jogado no Esquecimento, e enfim na Eternidade. Observamos que o eu
lírico fala de esquecimento e eternidade, usando iniciais maiúsculas, o que passa a sensação de
possuírem uma independência, uma vida própria. Algo capaz de ser mais forte que o humano, ou
talvez iguale a autonomia destes sentimentos com a do ser humano, mostrando que ele não é capaz
de controlar isto. Na última estrofe o eu lírico diz que esperou por muito tempo escutar estas
palavras, e que agora seu coração escuta esta medonha confidência.
Numa segunda interpretação, sugere-se que o poema se refira a um encontro com
uma prostituta, isto não está evidente nos seus versos, mas pode-se encontrar traços que levem a
esta interpretação.
O encontro acontece uma única vez, como ocorre geralmente em encontros casuais.
O eu lírico a chama de amante, e não de amada ou algo mais envolvente. Outro traço que marca esta
ideia é o local e a hora que acontece o encontro. É bem tarde, Paris está calma, tudo propicio de um
encontro desta natureza.
Os gatos presentes na terceira estrofe representariam algo bem próximo desta
mulher, são dotados de sensualidade, mistério, segredos. Eles seguem o casal com o ouvido alerta,
como se já soubessem da confissão a ser feita, como se a amante confiasse nos gatos, como
companheiros, e já lhes tivesse revelado tal segredo.
Percebe-se que a mulher passou a noite com o eu lírico, pois revela o segredo
somente no amanhecer, como mostra o segundo verso da quarta estrofe e o segundo verso da quinta
estrofe.
O eu lírico diz se surpreender com a confissão da mulher, pois dela só se arranca “a

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mais vibrante graça”, e numa interpretação possível o termo “graça” significaria favor, e “vibrante”,
pode significar algo que excita, sendo assim, dela só se arrancava este excitante favor.
A atitude que a mulher teve ao revelar a confissão foi como a de um menino a quem
os pais “escondem aos olhos do mundo”, por medo ou vergonha. Como os pais de uma prostituta
poderiam agir. Ela é caracterizada como um “anjo infeliz”.
Sua confissão é de alguém desiludido com a realidade humana. Ela fala do engano,
ilusão e do egoísmo. Na oitava estrofe, a amante fala da sua desilusão com a beleza, com o “ser
bela”. Declara que “ser bela é ofício cujo preço se conhece”, diz sobre o espetáculo da bailarina.
Pode-se pensar, quando ela se refere a bailarina, nas dançarinas de bordel, num espetáculo banal,
com este “sorriso maquinal”, algo artificial, obrigatório.
Ela finaliza sua confissão mostrando sua desilusão com o amor, como pode-se ver na
penúltima estrofe

Semear nos corações é sucumbir ao pranto;


Finda-se o amor, vem a saudade,
Até que o Esquecimento os arremesse a um canto
E os lance enfim à Eternidade!” (BAUDELAIRE, 2006, p.209).

E o eu lírico diz que sempre quis ouvir esta confissão

Muita vez evoquei esta lua encantada,


Este silêncio noite afora,
E esta medonha confidência sussurrada
Ao coração que a escuta agora. (BAUDELAIRE, 2006 p. 209)

Quanto à forma, o poema se apresenta em dez estrofes compostas por quatro versos
cada. Estes intercalam entre dodecassílabos e octossílabos no poema todo. As rimas são feitas em
esquema ABAB em toda a poesia.
Com base nas leituras e análises das poesias, percebe-se que Baudelaire trabalha
com uma construção de imagens. Ele inicia a poesia descrevendo uma imagem, pouco a pouco,
depois segue indo para um campo mais abstrato. Isto ocorre não só nestas poesias, como na maioria
de sua autoria.
No decorrer das análises nota-se que para Baudelaire o gato está sempre muito
próximo do ser humano, além de ser um animal que tem um determinado domínio sobre o homem.
Na primeira poesia, O gato, temos presente isto quando o felino é comparado a uma
mulher e exerce um domínio sobre o homem. Na segunda, O gato, a comparação é feita com um
poeta, a identificação de um eu com este animal, além do domínio exacerbado que ele tem sobre o
eu lírico. Na terceira poesia, Os gatos, há uma comparação destes com os sábios e os amantes, que
se identificam com o felino. E na última, Confissão, os gatos aparecem como irmãos, como algo
muito próximo do eu lírico.
Pesquisando sobre a simbologia deste fascinante animal, pode-se ver que ele é
realmente próximo do homem, e talvez por isso seja uma figura tão recorrente na literatura.
Acredita-se que principalmente pela característica terno e dissimulada do animal, desta
oscilação maléfica e benéfica de que é dotado o felino, assim como o homem, que tem o bem e o
mal dentro de si, além de ter um temperamento variável. Carl Jung (apud BONFATTI) diz que “a
experiência psicológica nos mostra que o “Bem” e o “Mal” constituem o par de contrários do
chamado julgamento moral e que, enquanto tal, têm sua origem no próprio homem”. O próprio
Baudelaire diz que o homem tem seu duplo: uma proximidade de Deus (bem) e simultaneamente
uma proximidade de Satã (mal). Assim pode-se justificar esta tão presente semelhança do gato com
o ser humano em suas poesias, e ainda a duplicidade do título da obra do poeta: As flores do mal.

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Referências

BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire. Um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Obras
Escolhidas, 1997.

BONFATTI, Paulo. A questão do mal: uma abordagem psicológica Junguiana. Disponível em: <
http://www.rubedo.psc.br/artigosb/quesmal.htm> Acesso em 3 de julho de 2009.

CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes,


gestos, formas, figuras, cores, números. 10ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1996.

COLI, Jorge. Consciência e heroísmo no mundo moderno. In: Poetas que pensaram o mundo.
Organizado por Adauto Novaes. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

DRUMMOND, Carlos. Perde o gato. In: Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Disponível
em: <www.felinia.org/f3/liter/liter26.htm> Acesso em 28 de jun. 2009.

FAGUNDES, Mônica Genelhu. De gatos, poemas e sorrisos: a “gatografia” de Ana Cristina


César. Disponível em:
<www.pucmg.br/imagedb/documento/DOC_DSC_NOME_ARQUI20080716124517.pdf?PHPSES
SID=28cb9b3b861fc41b3c9ec7535a256943> Acesso em 27 de jun. 2009.

FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna: da metade do século XIX a meados do século
XX. São Paulo: Duas cidades, 1978.

LURKER, Manfred. Dicionário de simbologia. Tradução de Mario Krauss, Vera Barkow. 2.ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2003.

PAZ, Octavio. O arco e a lira. Tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

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