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A

ERA SOCRÁTICA: OS PROBLEMAS DO CONCEITO, DO SER E DO CONHECER



A democracia que se instaurou em Atenas a partir do século IV a.C., com a
revolta popular liderada por Clístenes, exigiu novos instrumentos jurídico-
sociais para a pólis e novas atitudes e habilidades dos cidadãos que desejavam
participar das decisões políticas de sua cidade. As guerras médicas1 haviam
despertado o sentimento de coesão não apenas entre as diferentes cidades do
mundo grego, mas também um ideal de similitude, de igualdade e de
solidariedade entre aqueles que participam da mesma pólis. O exercício da
cidadania incentivava a manifestação do pensamento mediante o uso da palavra,
e o bem pensar devia, logicamente, possibilitar o bem falar. Se a democracia
exige um pensamento mais elaborado, capaz de apresentar ideias que ainda não
foram incorporadas aos hábitos e costumes do cotidiano, estreitam-se as
relações entre o pensamento filosófico e a ação política. Os filósofos eram, então,
figuras que se caracterizavam por problematizar as questões colocadas pela
nova realidade social, seja para resolvê-las, adaptando-se a seu próprio tempo,
seja para tentar superá-las ou transcendê-las, uma vez que a filosofia também diz
respeito a questões não imediatamente políticas. No entanto, uma perfeita e
amigável relação entre teorias e ideias filosóficas e ação efetiva dos cidadãos
estava longe de ser estabelecida. Havia uma atitude de reserva, desconfiança e,
algumas vezes, até de hostilidade face aos filósofos, pois se suas ideias eram
avançadas, elas sempre pareciam ser uma ameaça ao status quo. Por isso, vários
foram perseguidos: Anaxágoras foi expulso da cidade, Sócrates foi condenado à
morte.
Na democracia ateniense, a vida política era instável: os que assumiam o
poder no Conselho executor das leis eram constantemente substituídos. A
própria igualdade de direitos na Assembleia popular era muito restrita. Iguais
eram apenas os “cidadãos”: homens adultos nascidos na pólis, de pais também
cidadãos. Nenhuma mulher, criança, escravo ou estrangeiro, mesmo que de outra
cidade grega, tinha direito à palavra na Assembleia. Em tempos de paz, não eram
muitos os que frequentavam a ágora, praça pública onde se realizavam os
debates, e, dentre os cidadãos, os que tomavam a palavra eram aqueles que
tinham facilidade de usá-la. Eram, então, quase sempre, os mesmos: os que
exercem a liderança costumam ser poucos...
Foi nesse contexto que a filosofia colocou em destaque a questão do
homem. Os pré-socráticos pensavam o homem como parte do todo que compõe a
realidade natural; embora não mais submetido às forças sobrenaturais e às
cosmogonias do pensamento mítico, o homem, a natureza humana ainda retirava
seu sentido do cosmo. No novo momento, foi possível conceber o homem como
um ser com qualidades especiais, para além da phýsis, o que exigia um
tratamento específico de seus problemas. Portanto, essa virada paradigmática
tornou possível imaginar que, ao pensar a realidade, seja pelos mitos ou pela
filosofia, o homem o fazia por seus próprios meios, com o seu lógos, com a sua
própria medida. Foi assim que surgiram os sofistas, exprimindo a situação de

1
As Guerras Médicas (ou ainda Guerras Greco-Persas, Guerras Persas ou Guerras Medas) é a
designação dada aos conflitos bélicos entre os gregos do século V a. C. (aqueus, jônios, dórios e eólios)
e o Império Aquemênida (os medo-persas), em virtude da disputa sobre o domínio da Jônia, região da
Ásia Menor, ocasião em que as colônias gregas da região, em particular Mileto, tentaram livrar-se do
domínio persa
fato de uma valorização do humano, pensando o homem concreto e atual, o
homem num tempo e numa situação dados. Para os cidadãos da pólis, o
importante era conduzir os demais por meio de suas palavras.
A sofística não constitui uma escola filosófica com um pensamento
unificado, mas representa uma preocupação comum com a areté (virtude)
política, a arte do saber falar, indispensável para o sucesso na Assembleia. Isto
fazia aflorar também o problema da palavra: tem ela um valor natural por si
mesma, ou vale artificialmente, por meio do homem, ao expressar a natureza das
outras coisas?
Os sofistas eram professores de retórica, a arte do bem falar, e se
caracterizavam por dessacralizar o próprio ensino, destituindo o conhecimento
de qualquer caráter de iniciação ou salvação com as conotações religiosas que
tais características costumam implicar. Por isso cobravam por suas lições. E, por
isso, escandalizavam a sociedade que, no entanto, precisava deles para que seus
filhos tivessem condições de exercer o poder político. Eles preparavam os
cidadãos para a vida pública. Sendo a retórica uma arte especial de persuasão, os
sofistas eram acusados de apenas “ensinar a tornar mais forte a razão mais
fraca” e de transmitir um conhecimento enganoso, pela pretensão impossível de
tudo saber.
Não conhecemos diretamente a obra de nenhum dos sofistas, mas são
muitos os comentários e as discussões suscitadas sobre suas posições que nos
chegaram mediante outros autores seus contemporâneos ou seus sucessores (a
maior parte críticos e antagonistas, em especial, Platão, o que também explica a
“má fama” que adquiriram). Dentre os sofistas que levantaram grandes
problemas para a filosofia podemos citar especialmente Protágoras e Górgias.
A concepção sofística da realidade expressava, em geral, a profunda
contingência em que estamos envolvidos: a verdade é do homem e para o homem.
Não há um ponto de referência para ela, ou, pelo menos, se houver, não poderá ser
atingido ou encontrado pelo homem. As ações humanas são guiadas por meras
convenções, que podem ser modificadas. Portanto, para se falar de um
conhecimento, uma lei ou uma ética universalmente válidos, era forçoso
condenar todas as argumentações dos sofistas à antipática posição do
“relativismo” e haveria que se opor a tal abordagem.
E é por aqui que se pode começar a introduzir a linha de pensamento de
Sócrates. Infelizmente, Sócrates nada escreveu, e o que sabemos de suas ideias
é o que foi narrado por aqueles que o conheceram, que com ele conviveram ou
dele ouviram falar, seus discípulos e continuadores (ou mesmo raros
antagonistas). Dentre os discípulos, o mais eminente foi, sem dúvida, Platão,
que o fez personagem principal de todos os seus diálogos. E foi precisamente
Platão quem fundou a tradição canônica da filosofia, ao baseá-la nos
“ensinamentos prático-filosóficos” de Sócrates, isto é, em seu método, seus
valores e seu exemplo de vida.
Contemporâneo dos sofistas e, sob alguns pontos de vista, sendo
considerado como um deles2, Sócrates também pretendia conduzir os homens
por meio das palavras, porém, substituindo os argumentos persuasivos e falsos
por uma verdade universal, buscada a partir da raiz, da verdade inicial – a de que

2
Em sua comédia As nuvens, o dramaturgo ateniense Aristófanes tornou Sócrates um dos personagens,
atribuindo-lhe as características próprias de um sofista.

2
não sabemos nada (“só sei que nada sei”) –, e baseado na crença radical na
capacidade humana de buscar a verdade, no valor da razão que cada um possui:
deve-se buscar a verdade no interior de si próprio, na sua própria alma
(“conhece-te a ti mesmo”). Sócrates não fazia afirmações prévias, não dizia nada
que não decorresse de um raciocínio dedutivo e demonstrativo. E quando vemos
seus diálogos terminarem sem uma conclusão definitiva a respeito dos conceitos
procurados, vemos com clareza que o fundamento da verdade é a própria
consciência da busca, muito mais do que qualquer conteúdo nela contido.
Todos os que falavam de Sócrates o apresentam em ação, no exercício de
sua “missão”, como ele considerava a discussão filosófica, a ação de conduzir, pelo
diálogo, a busca da verdade. Ao substituir a retórica pela dialética, Sócrates
procedia passo a passo. Seu método constava de dois momentos: a ironia,
quando o interlocutor é levado a se livrar das ideias preconcebidas; Sócrates não
refutava o conhecimento do outro apenas para ganhar uma disputa verbal, mas
utilizava a argumentação para “purificar a mente”; e a maiêutica, quando uma
argumentação e raciocínio corretos permitiriam dar à luz novas ideias, que agora
partem de dentro de si mesmo. Este processo de autoconhecimento é o próprio
processo de purificação da alma: é impossível deixar de praticar o bem uma vez
que se chegue a conhecê-lo. A areté (virtude) é atributo de todos, pode ser
atingida por todos que seguirem as exigências de sua própria alma no processo
da busca da verdade, da ciência (epistéme), que se dá pelo autoconhecimento. E
todos, todos mesmo, são igualmente capazes de participar desse processo de
desenvolvimento, desde que se disponham a realizar o esforço necessário para
tal. Sua função/missão também era pedagógica, mas, ao contrário dos sofistas,
não pretendia dominar todos os saberes, não se considerava um sábio (sophós);
não cobrava por suas lições; não escolhia interlocutores. Homens, mulheres,
cidadãos de baixo poder aquisitivo, estrangeiros e até escravos podiam dialogar
com Sócrates e se mostrar tão capazes quanto qualquer cidadão ateniense bem
nascido. Por isso, Sócrates era muito mais ameaçador para a facção conservadora
da democracia ateniense do que qualquer sofista. Por isso, foi acusado de
corromper a juventude e, por isso, foi condenado à morte.

















3
SELEÇÃO DE TEXTOS


1. O relativismo dos sofistas.


Sócrates: (...) Disseste que conhecimento é sensação.
Teeteto: Sim.
S: Talvez tua definição de conhecimento não seja sem valor. É a mesma de
Protágoras. Com outras palavras, ele dizia a mesma coisa. Afirmava que o homem
é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são e das que não são,
enquanto não são. Certamente já leste isto.
T: Sim, muitas vezes
S: Não disse ele então, de certo modo, que as coisas são para mim
conforme me parecem, tal como são para ti segundo te parecem? Pois tu és
homem e eu também sou homem.
T: É exatamente o que ele diz. (PLATÃO. Teeteto. 151-152)


Se todas as opiniões e todas as aparências são verdadeiras, segue-se,
necessariamente, que cada uma é verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Já que
ocorrem com frequência opiniões contrárias entre os homens, e acreditamos que
quem não pensa como nós se engana, por isto, necessariamente, existe e não
existe, ao mesmo tempo, a mesma coisa. Admitido isto, deve admitir-se também
que todas as opiniões são verdadeiras. Assim, quem mente e quem diz a verdade
afirmam duas coisas contrárias; porém se as coisas são como afirma Protágoras,
o que quem quer que seja diga que é, será verdade. (ARISTÓTELES. Metafísica.
IV, 5, 1009)


O princípio expresso por Protágoras, que afirmava que o homem é a
medida de todas as coisas (...) não significa senão que o que parece a cada um é
certo. Mas, se isto é verdade, segue-se daí que a mesma coisa é e não é, ao mesmo
tempo, e que é má e boa ao mesmo tempo e, desta forma, reúne em si os opostos,
porque é comum que uma coisa pareça bela para alguns e feia para outros, e
deve valer como medida o que parece para cada um. (ARISTÓTELES. Metafísica.
XI, 6, 1062).


Górgias de Leontine pertence ao número dos que negam um critério
absoluto, mas não por razões idênticas às dos seguidores de Protágoras. Com
efeito, em seu livro Do não-ser, ou seja, da natureza estabelece três princípios
encadeados entre si: 1. que nada é; 2. ainda que existisse, seria inacessível ao
homem; 3. que, ainda que fosse concebível, seria inexplicável e incomunicável ao
próximo. (SEXTO EMPÍRICO, Adv. Mathem., VII, 65)



4
Comentário ao texto de Sexto Empírico


Como eleata, Górgias foi fortemente influenciado pela doutrina imobilista
de Parmênides, mesmo que fosse para negá-la. O título de seu livro é uma
paródia a Da natureza, ou seja, do ser, o título da obra de Melisso de Samos, um
seguidor de Parmênides. Suas reflexões levam à negação do ser, do conhecer e da
possibilidade da comunicação do conhecimento: o ser não é; se fosse, não
poderia ser conhecido; e mesmo que fosse conhecido por alguém, esse
conhecimento não poderia ser comunicado aos outros homens. Ele mostrava que
nada existe partindo da discussão da “via da verdade” do eleatismo: se algo
existisse, seria ser/não ser, ou o ser e o não ser ao mesmo tempo; nesta via de
discussão, a noção de ser pode ser envolvida numa série de ambiguidades, o que
mostra que não existe nem o ser nem o não ser. Se alguma coisa existisse, seria
incognoscível e inconcebível, pois, “se o pensado não existe, o existente não é
pensado”, e é evidente que as coisas pensadas não existem, que não basta que se
pense em alguma coisa para que ela passe a ser. Finalmente, o conhecimento, se
possível, seria incomunicável porque “não expressamos os seres aos demais
homens, mas sim palavras, que são distintas da realidade subsistente”.




2. A missão de Sócrates


Para testemunhar a minha ciência, se é uma ciência , e qual é ela, trar-vos-
ei o deus de Delfos3. Conheceste Querofonte, decerto. Era meu amigo de infância
e também amigo do partido do povo e seu companheiro naquele exílio de que
voltou conosco4. Sabeis o temperamento de Querofonte, quão tenaz nos seus
empreendimentos. Ora, certa vez, indo a Delfos, arriscou esta consulta ao oráculo
– repito, senhores; não vos amotineis – ele perguntou se havia alguém mais sábio
do que eu; respondeu a Pítia 5 que não havia ninguém mais sábio. Para
testemunhar isto, tendes aí o irmão dele, porque ele já morreu.
Examinai porque vos conto eu esse fato; é para explicar a procedência da
calúnia. Quando soube daquele oráculo, pus-me a refletir assim: “Que quererá
dizer o deus? Que sentido oculto pôs na resposta? Eu cá não tenho consciência de
ser nem muito sábio nem pouco; que quererá ele, então, significar declarando-
me o mais sábio? Naturalmente não está mentindo, porque isso lhe é impossível”.
Por longo tempo fiquei nessa incerteza sobre o sentido; por fim, muito contra o
meu gosto, decidi-me por uma investigação que passo a expor.
Fui ter com um dos que passam por sábios, porquanto, se havia lugar era
ali que, para rebater o oráculo, mostraria ao deus: “Eis aqui um mais sábio do
que eu, quando tu disseste que eu o era!” Submeti a exame essa pessoa — é

3
Em Delfos havia um templo dedicado a Apolo, onde o próprio deus fornecia oráculos, predizendo o
futuro dos que o consultavam.
4
Alusão ao exílio sofrido pelos partidários da democracia, no ano 404 a.C., quando se instalou em
Atenas a “Tirania dos Trinta”.
5
Assim se chamava a sacerdotisa do templo de Delfos, responsável por formular os oráculos do deus.

5
escusado dizer o seu nome; era um dos políticos. Eis, atenienses, a impressão que
me ficou do exame e da conversa que tive com ele: achei que passava por sábio
aos olhos de muita gente, inclusive aos seus próprios, mas não o era. Meti-me
então, a explicar-lhe que supunha ser sábio, mas não o era. A consequência foi
tornar-me odiado dele e de muitos dos circunstantes.
Ao retirar-me, ia concluindo de mim para comigo: “Mais sábio do que esse
homem sou; é bem provável que nenhum de nós saiba nada de bom, mas ele
supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto eu, se não sei, também pouco
suponho saber. Parece que sou um nadinha mais sábio que ele, exatamente por
não supor saber o que não sei.” Daí fui ter com outro, um dos que passam por
ainda mais sábios,, e tive a mesmíssima impressão; também ali me tornei odiado
dele e de muitos outros.
(...) Eu nunca fui mestre de ninguém, conquanto nunca me opusesse a
moço ou velho que me quisesse ouvir no desempenho de minha tarefa.
Tampouco falo se me pagam e se não me pagam não.; estou igualmente a
disposição do rico e do pobre, para que me interroguem ou, se preferirem ser
interrogados, para que ouçam o que digo. Se algum deles vira honesto ou não,
não é justo que eu responda pelo que jamais prometi nem ensinei a ninguém.
Quem afirmar que de mim aprendeu ou ouviu em particular alguma coisa que
não todos os demais, estai certos de que não diz a verdade. (PLATÃO. Defesa de
Sócrates. 21,33)




3. Platão e as ideias.


Sócrates – Compara nossa natureza com uma condição desse gênero:
Imagina uma caverna subterrânea com uma grande entrada aberta para a luz. No
interior desta caverna encontram-se prisioneiros acorrentados pelas pernas e
pelo pescoço, desde a infância, de tal modo que não se podem mover nem olhar
senão para sua frente. Num plano superior a eles arde um fogo a certa distância
e num espaço intermediário entre o fogo e os prisioneiros sobe um caminho,
onde existe um muro semelhante aos tabiques dos palcos de teatro de
marionete.
Glauco – Posso imaginar a cena.
S – Ao longo desse muro passam homens carregando uma enorme
variedade de objetos fabricados que se deixam ver por sobre o muro: estátuas,
animais em pedra ou madeira e artigos fabricados de todas as espécies. Entre os
carregadores há os que carregam em silêncio e há os que vão conversando.
G – Que estranha imagem e que estranhos prisioneiros!
S – Eles são como nós. Poderiam eles ver outra coisa além de sombras
projetadas pelo fogo na parede do fundo da caverna que está diante deles?
G – Ora como isso seria possível se eles foram obrigados a se manterem
imóveis durante toda a vida?
S – Suponha que também houvesse um eco vindo da parede da frente. Na
sua opinião, cada vez que um dos carregadores falasse, você não acha que os
prisioneiros pensariam que as vozes emanassem das sombras?

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G – De certo!
S – E os prisioneiros, não pensariam então que a verdadeira realidade
fossem as sombras projetadas pelos objetos fabricados?
G – Certamente!
S – Imagina se um deles, livre de suas correntes, fosse subitamente
forçado a se levantar, virar o pescoço, caminhar e enxergar a luz. Não sentiria dor
nos olhos e fugiria, voltando-se para as sombras que pode olhar e não acreditaria
que estas são mais verdadeiras que os objetos que podia agora ver?
G – Muito mais verdadeiras!
S – E se fosse arrastado pela áspera e abrupta subida e não o largassem,
até que chegasse à presença do sol, não se queixaria e se irritaria de ser
arrastado e que diante da luz do sol seus olhos ficariam ofuscados de modo que
não poderia discernir nenhum dos seres considerados agora verdadeiros?
G – Certamente não em um primeiro momento.
S – Seria necessário que ele se habituasse para poder olhar os objetos ali
do alto onde agora estava. No princípio veria mais facilmente as sombras, depois
as imagens dos homens refletidas na água para só então ver os próprios seres. A
partir destas experiências ele poderia, durante a noite, contemplar o céu e os
corpos celestes, vendo a luz das estrelas e a da lua mais claramente que a do sol
durante o dia?
G – Sem dúvida!
S – Por fim poderia ver o próprio sol e não apenas a sua imagem refletida
na água, podendo contemplá-lo tal qual ele é.
G – Certamente.
S – Depois passaria a tirar conclusões sobre o sol, compreendendo que ele
produz as estações e os anos, que governa o mundo das coisas visíveis, sendo a
causa de tudo que ele e seus companheiros viam no interior da caverna?
G – É evidente que chegaria a essas conclusões.
S – Mas lembrando-se de sua habitação anterior e do saber de lá de
dentro, ele não se alegraria com a mudança e não lamentaria seus
companheiros?
G – Com efeito.
S – Mas considera ainda o seguinte, se, voltando a descer, ocupasse de
novo a mesma posição, não teria os olhos embaçados ao vir diretamente do sol?
E se entre os prisioneiros vigorasse o hábito de conferir honras, louvores e
recompensas àqueles que, por distinguirem com maior penetração as sombras
que passavam e observarem melhor quais as que costumavam passar antes,
depois ou ao mesmo tempo que outras, fossem mais capazes de prever os
acontecimentos futuros? E se tivesse que, de novo, competir com os que
permaneceram acorrentados, pronunciando-se sobre as sombras que enxergaria
com dificuldade, por não ter seus olhos ainda acomodados, não lhe parece que
este homem faria um papel ridículo? Os outros diriam que ele voltara lá de cima
sem olhos e que não valia a pena sequer pensar em fazer tal escalada. E, não
matariam, se pudessem, a quem tentasse libertá-los e conduzi-los para a luz?
G – Incontestavelmente.
S – A caverna prisão é o mundo das coisas visíveis, o fogo corresponde aos
raios solares, e não terás compreendido mal as coisas se interpretares a subida
para o mundo lá de cima e a contemplação das coisas que ali se encontram com a
ascensão da alma para o mundo inteligível. No mundo inteligível a última coisa

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que se percebe é a Ideia do Bem, e isto com grande esforço. Mas, uma vez
percebida, é forçoso admitir que ela é a causa de toda a retidão e de toda beleza.
(PLATÃO. [adaptação da] República. 514 a e ss.)




4. Aristóteles e a substância


O objeto de todas as investigações, tanto agora como outrora, a pergunta
que sempre foi formulada e que coloca renovadas dificuldades – “o que é o ser?”
– vem a ser: o que é a substância (ousía)? (...) Daí que, para nós também, a tarefa
mais importante, primeira e única é investigar o que é o ser neste sentido. (...) O
termo substância se usa, se não em muitos, ao menos em quatro significados
principais, pois tanto “o que é ser isto” (tò tí hén eínai), quanto o universal e o
gênero parecem ser a substância de cada coisa, sendo o sujeito (hypokéimenon) a
quarta acepção. Sendo que sujeito é aquilo a respeito do qual todo o demais se
predica, enquanto que ele mesmo jamais é predicado de outra coisa.
(ARISTÓTELES. Metafísica. VII,1028.)


Conhecemos uma coisa quando conhecemos suas causas primeiras. Pois
bem, há quatro tipos de causas: 1. a ousía (o que é ser isto) [causa formal]; 2. a
matéria [causa material]; 3. o princípio do movimento [causa eficiente ou
motora] e, por último, 4. o fim ou o bem [causa final]. (ARISTÓTELES. Metafísica.
III, 983)


Comentário à Metafísica, a ciência da substância.


1. O ser como substância.


Aristóteles nos diz que ainda que o termo “ser” tenha vários sentidos, o
seu sentido primeiro é “o que é” (tò tí estí), o “isto” (tò de tí). Mas o que é ser
“isto”? Ser “isto” é ser um indivíduo determinado. Um indivíduo determinado,
um “isto”, na compreensão de Aristóteles, é ser uma substância, ou seja um
composto de matéria e forma. Tudo o que é determinado, é sempre um
composto, que vem a ser o “isto” que ele é, pelo fato de que uma determinada
matéria é “informada” por uma determinada forma. Tomemos por exemplo uma
estátua. Esta é uma composição de uma matéria determinada (por exemplo o
mármore) e uma forma determinada (por exemplo a [forma de] estátua de um
cavalo). A substância, pois, é sempre um isto determinado, um indivíduo que
pode ser percebido pelos sentidos e que comporta dois co-princípios: matéria e
forma. No entanto, matéria e forma são absolutamente inseparáveis, pois toda
forma está sempre inscrita em uma matéria, e por outro lado toda matéria é
dotada de uma forma.

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A noção de substância provém da observação do movimento e da
mudança das coisas sensíveis. A água esquenta e se converte em vapor, mas
também esfria e se transforma em gelo, permanecendo sempre a mesma, vale
dizer, persistindo como uma mesma essência. Neste sentido, todas as mudanças
sofridas são, por assim dizer, acidentais ou acidentes dessa substância, a água.
Deste modo, sob as mudanças acidentais subsiste um sujeito (neste caso, a água)
que se mantém o mesmo. Este sujeito é a substância (ousía), que se contrapõe
aos acidentes fortuitos.
Vemos que para Aristóteles a realidade é constituída por uma pluralidade
de coisas concretas, individuais e subsistentes, cada uma das quais é uma
substância. Assim, o indivíduo substancial é uma coisa determinada, dotada de
uma forma substancial própria, sendo que a essência indica precisamente o que
é a substância.
A substância existe por si mesma, diferentemente dos acidentes que
existem sempre unidos ao sujeito. Por exemplo, no caso de nossa estátua de
mármore de um cavalo, o fato dela ser grande, branca, bela, etc., é secundário ao
fato primário de ser uma estátua, pois esta poderia igualmente ser pequena,
negra e feia, não deixando de ser a estátua de mármore de um cavalo. Portanto a
substância é sempre um sujeito real subsistente (a estátua de cavalo), no qual se
sustentam os acidentes (grande, pequeno, etc.). A substância é, pois, receptiva de
contrários, o que significa que, permanecendo sempre a mesma, pode receber
distintos acidentes, pode ser, por exemplo, primeiramente branca e
posteriormente negra.
Ao pensar o ser, Aristóteles não lhe excluiu nem o movimento, como havia
feito Parmênides, nem a permanência ou imobilidade, como fizera Heráclito.
Procurou, ao contrário, conciliar na substância individual as duas características.
Para ele as coisas não são nem absolutamente imóveis nem absolutamente
móveis. Mantêm, ao mesmo tempo, algo de permanente e algo de mutável.
Para Platão o que verdadeiramente é são as Ideias, eternas, imóveis e
imutáveis. As coisas deste mundo não são propriamente, posto que são apenas
cópias imperfeitas das Ideias. E é justamente esta exigência de imutabilidade do
ser que lhe obriga a instaurar uma dualidade de mundos (o dualismo platônico).
Para Platão, à medida que nascem, as coisas do mundo sofrem
transformações, corrompem-se e, portanto, não podem ser consideradas como o
que verdadeiramente é. Aristóteles, ao contrário, supera a necessidade de uma
dualidade de mundos, ao conceder movimento ao ser. Para ele, movimento e
imobilidade coexistem na mesma substância de modo inseparável e sem a
necessidade de pressupor nenhum dualismo de mundos opostos. Ele explica
movimento e permanência graças a duas teorias: a das causas primeiras e a do
ato e da potência.


2. As causas do ser.

O interesse de Aristóteles era buscar conhecer, com toda exatidão
possível, as causas que determinam as coisas tais como elas são. Ele chegou a
distinguir quatro causas pelas quais se pode indicar o movimento, a natureza e a
existência de cada ser individual. As duas primeiras são precisamente aquelas
que se referem ao composto substancial enquanto tal, a saber, a matéria e a

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forma. Tomemos o exemplo da estátua de mármore do cavalo. O mármore é a
causa material da estátua, é exatamente a matéria de que é feita. O modelo de
[estátua de] cavalo que informa o bloco de mármore, a forma, é a causa formal da
estátua. É evidente que esta estátua não apareceu espontaneamente, mas foi
esculpida por alguém. Houve um agente produtor (um escultor) que, para
Aristóteles, seria a causa eficiente da estátua. Por último, a estátua em questão
tem uma finalidade, por exemplo, servir de adorno, de objeto de contemplação,
que seria a causa final daquela substância estátua. No entanto, não podemos de
antemão determinar exatamente para que finalidade serviria precisamente a
estátua de cavalo, se serviria, por exemplo, para ser contemplada... O que se pode
concluir a partir de Aristóteles é que todas as coisas são um bem em si mesmas e
contribuem, ao seu modo, para a harmonia e o equilíbrio universais, que são o
fim (Bem) da natureza como um todo. Portanto, o fim da estátua de cavalo, em
último caso, consiste em ser propriamente aquilo que ela é, existir enquanto tal.

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