O desenvolvimento das formas clássicas é indissociável da evolução
correlata do sistema musical e das técnicas de composição. O sistema musical clássico não é fruto de uma brusca mutação, mas da tomada de consciência e da organização teórica de métodos empíricos em constante evolução. Em meados do século XVIII chegou-se a um estado de organização coerente e provisoriamente estável do edifício teórico chamado “Sistema Tonal”:
1. O primado absoluto do modo de dó (modo maior) acarretou o
desaparecimento dos velhos modos. Os dois aspectos da oitava, a que correspondem os dois tipos de escalas, são o maior e o menor. Eles se distinguem principalmente pela natureza da terça que adquire uma nova importância: “não há harmonia sem terça”, já escrevia Charpentier. O “modo menor” apresenta similitudes com a oitava ré-ré (primeiro tom eclesiástico) ou com a oitava lá-lá. Mas, na harmonia clássica, está mais aparentado ao “modo maior”, seja como seu contrário, seja como a face complementar de uma mesma realidade ambígua. Relações harmônicas particulares se estabelecem entre os tons maiores e menores “relativos”, aqueles que têm, dois a dois, as mesmas alterações na chave. 2. A harmonia, aspecto vertical da polifonia, triunfa sobre o contraponto, aspecto horizontal. O baixo contínuo é abandonado; livre dos estereótipos, a escrita harmônica se enriquece, tornando-se um elemento fundamental da composição. 3. O sentido de um acorde é definido por uma “função tonal”: tônica (grau 1), dominante (grau 5) ou subdominante (grau 4). Essas funções adquirem uma importância considerável, instituindo relações dinâmicas, em que se baseiam as regras gerais da formação e do encadeamento dos acordes. 4. A adoção do temperamento autoriza a modulação em todos os tons e, por conseguinte, desenvolvimentos harmônicos tão grandes quanto se desejar. É a origem de um novo processo de complexidade crescente, não mais na ordem contrapontística, mas na ordem harmônica. O deslocamento das funções tonais, que caracteriza a modulação, é favorecido pela instabilidade dos acordes dissonantes. 5. Portanto, a dissonância é transitória na harmonia clássica. Ela se define mais por uma ausência de consonância do que por suas características positivas; o estado de tensão, de instabilidade, que ela sugere obriga-a a resolver-se (a “salvar-se”, como se dizia no século XVIII) numa consonância. Mas, se os compositores ousam utilizar as dissonâncias por suas qualidades próprias, um processo de dissolução das funções tonais põe-se em movimento: a progressiva emancipação da dissonância provocará, assim, a falência do Sistema Tonal.