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História da

América Colonial e
Independente
Juliane Maria Puhl Gomes
Marcus Vinicius Beber

História da
América Colonial e
Independente
Apresentação

O livro de História da América Colonial e Independente inicia com o es-


tudo dos grupos e civilizações americanas anteriores à chegada dos
europeus. Também analisa o motivo das grandes navegações, fazendo um
breve estudo do contexto que trouxe os espanhóis à América, bem como
os processos de conquista e colonização hispânica e inglesa no território
americano. Veremos que essa conquista teve diversas formas de resistência
dos povos de culturas nativas à dominação europeia.

Outra temática analisada será a implantação e desenvolvimento do


sistema colonial espanhol, seu apogeu e, posteriormente o contexto históri-
co que levará à crise do sistema colonial e dos movimentos que animaram
as lutas pela independência na América hispânica e na América inglesa.

O livro é finalizado com um panorama dos processos de formação dos


estados nacionais, no século XIX.

Nossos objetivos ao apresentar estas as temáticas são:

ÂÂ Caracterizar as sociedades tributárias americanas, identificando as


formas de organização político-administrativa e as relações sócio-
-econômicas estabelecidas na Confederação Asteca e no Império
Inca.

ÂÂ Analisar as construções do imaginário social e as manifestações


religiosas dos incas e dos astecas, bem como o processo de apro-
priação deste imaginário pelo colonizador.

ÂÂ Identificar a política mercantilista e o processo de expansão ultra-


marina, situando neste contexto a conquista e a colonização hispâ-
nica na América.
iv  Apresentação

ÂÂ Caracterizar a situação política, social e econômica da Inglaterra


no século XVII, identificando as razões que levaram a monarquia a
autorizar a vinda dos colonos para a América.

ÂÂ Estudar os sistemas coloniais construídos por espanhóis e ingleses


na América, a partir da exploração econômica do território e dos
mecanismos político-administrativos instituídos pelas metrópoles
europeias.

ÂÂ Identificar as formas de resistência criadas pelas culturas indígenas


americanas no confronto com o colonizador europeu.

ÂÂ Comparar os processos de colonização hispânica e inglesa na


América, a partir das estruturas econômicas e político-administrati-
vas que embasaram a ocupação territorial.

ÂÂ Identificar as transformações políticas e sociais que ocorreram na


Europa no século XVIII;

ÂÂ Analisar as mudanças na relação metrópole-colônias, a partir do


contexto Europeu do século XVIll;

ÂÂ Estudar as guerras de independência na América hispânica e na


América inglesa, identificando as motivações dos diferentes agentes
sociais que lutaram contra o domínio metropolitano.

ÂÂ Analisar o processo de constituição dos estados oligárquicos na


América Latina.
Sumário

1 Pré-história Americana: um Pouco de Teoria...........................1


2 Pré-história Americana: Arcaico e Formativo........................17
3 Pré-história Americana – o Clássico e o Pós-clássico.............31
4 Diferentes Mundos Que se Econtram...................................60
5 A Colonização da América: um Mecanismo de
Conquista do Território........................................................86
6 A América Espanhola no Período Colonial..........................105
7 A Igreja na América Espanhola e a Crise do
Sistema Colonial................................................................128
8 A Ocupação Inglesa da América........................................151
9 Independência dos Estados Unidos....................................166
10 Processos de Independência da América Latina..................185
Marcus Vinicius Beber1

Capítulo 1

Pré-história Americana:
um Pouco de Teoria

1
  Doutor em História. Professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNI-
SINOS.
2    História da América Colonial e Independente

Introdução

Neste capítulo vamos discutir um pouco de Teoria.

Sim... Teoria! Esse é uma das grandes ferramentas do His-


toriador, sem ela não somos nada, sem ela, nosso conheci-
mento vira um amontoado de dados e fatos sem substância,
apenas dados.

A partir da Teoria podemos compreender de que forma o


conhecimento é produzido, como os diferentes autores, ao
longo dos anos, produziram o conhecimento que hoje nos
apropriamos através dos seus escritos.

Então, neste capítulo vamos discutir como a Arqueologia


Americana, seus problemas de pesquisa, sua trajetória de pes-
quisa, e principalmente, os dados que levaram os pesquisado-
res a produzirem um novo modelo teórico, uma nova periodi-
zação sobre o passado conhecido antes da Escrita.

Vocês viram, na disciplina de Pré-História, como o conhe-


cimento do nosso passado é periodizado a partir de conceitos
como Paleolítico e Neolítico, subdivididos em períodos, Paleo-
lítico Inferior, Paleolítico Médio, Paleolítico Superior, Mesolítico
e Neolítico.

Mas então, por que criar uma nova periodização para a


Pré-história do Continente Americano? Por que não usar con-
ceitos correntes e conhecidos?

Esta questão é que pretendemos discutir nesse capítulo.


Capítulo 1    Pré-história Americana: um Pouco de Teoria    3

1.1 Paleolítico e neolítico

Quando se estuda Pré-história, ou mesmo História Geral, a


sua periodização é clara, lidamos tranquilamente com os con-
ceitos de Paleolítico e Neolítico, ou ainda, facilmente entende-
mos o que significa os termos Idade da Pedra Lascada e Idade
da Pedra Polida. São termos correntes, todos tem, ainda que
vagamente, uma ideia do que isso significa.

Retomando o livro de Pré-História:

O termo Paleolítico vem de Paleo (antigo) e lítico (pedra


trabalhada), significa as primeiras e mais antigas técnicas
de se trabalhar a pedra. Este é o maior período da nossa
história, pois inicia com o surgimento da primeira espé-
cie humana, há 2,5 milhões de anos (o Homo habilis)
e “termina” com a substituição da economia baseada
em caça, pesca e coleta pela produção de alimentos e/
ou criação de animais, há mais ou menos 12 mil anos.
(GOMES, 2013, p.)

Assim, o Paleolítico abrange todo o período de evolução


humana, desde o Homo habilis até o aparecimento das for-
mas contemporâneas do Homo sapiens sapiens. Já em termos
culturais, é o palco de um sem número de culturas caçadoras
coletoras, adaptadas aos mais diferentes tipos de ambientes e
formas de organização cultural.

Temos ainda o período conhecido como Neolítico, por ele


entende-se:
4    História da América Colonial e Independente

(...) período de desenvolvimento cultural no qual a eco-


nomia de subsistência baseava-se essencialmente na
produção de alimentos, ou seja, na agricultura ou na
pecuária, e em que os metais ainda não eram utilizados
para fazer utensílios ou armas (com raras exceções). A
periodicidade deste período é bastante discutida, pois a
produção de alimentos não se deu ao mesmo tempo em
todos os lugares. Este processo se deu, de maneira geral,
entre 12 e 5 mil anos AP. (GOMES, 2013, p.)

Esta Periodização – Paleolítico e Neolitico – explica cla-


ramente o processo histórico que se desenvolveu no Velho
Mundo (África, Ásia e Europa). Essa periodização acompanha
claramente o processo de evolução humana, como vimos no
Volume sobre Pré-História, mas como fica o caso do Continen-
te Americano? Como podemos falar em Paleolítico na América
ou mesmo Neolítico?

Se você prestou atenção no marco cronológico o Conti-


nente Americano acaba sendo colonizado pelas populações
humanas no final do Peleolítico Superior, não temos aqui (no
continente americano) populações tanto culturalmente como
geneticamente vinculadas ao Paleolítico Inferior e Médio.

É claro, você estará pensando, alicerçamos esses conceitos


e sua definição, não apenas na tecnotipologia dos seus instru-
mentos, mas antes no modelo adaptativo que eles encerram.
Ou seja, associamos o Paleolítico ao mundo caçador-coletor
e o Neolítico ao novo modo de vida introduzido pela agricul-
tura, com a sedentariedade e a produção de alimentos.
Capítulo 1    Pré-história Americana: um Pouco de Teoria    5

Mas e o continente Americano? Como fica sua periodiza-


ção? Podemos dividir sua história anterior a escrita tal como é
feito no Velho Mundo? Sim e não.

Sim. Como dissemos anteriormente, o Paleolítico caracte-


riza um modo de vida – caçador-coletor – e tal modo de vida
pode ser identificado no continente americano, ainda hoje te-
mos sociedades caçadoras/coletoras nos locais mais distante.

Não! Ora, se formos observar claramente, o continente


americano não foi colonizado antes de 30 mil anos. Foi o en-
genho adaptativo do Paleolítico superior que permitiu as socie-
dades Asiáticas enfrentarem as temperaturas baixas do Norte
da Ásia e criaram condições tecnológicas para as populações
sobreviverem nas altas latitudes. Logo, a ocupação do Conti-
nente Americano só foi possível em função da tecnologia
avançada do Paleolítico Superior.

Como ficamos então? Ambos os argumentos são plausíveis


e coerentes. Foi certamente essa dúvida que obrigou os anti-
gos antropólogos do século passado a criar uma nova crono-
logia que, antes de misturar sociedades distantes no tempo e
no espaço, propôs uma nova periodização, melhor adaptada
as nossas necessidades, e mais ainda, permitia criar elementos
cronológicos e comparativos entre as sociedades americanas.

1.2 Uma nova periodização

A periodização que abordamos no caso do continente ameri-


cano, caracteriza assim um novo esquema conceitual, foi pro-
6    História da América Colonial e Independente

posto originalmente por Juliam Steward (no seu livro: Theory


of Culture Change de 1955). Seu trabalho estava baseado em
novos pressupostos teóricos, especialmente a Ecologia Cultu-
ral, e mais do que isso, pretendia elaborar um modelo teórico
que permitisse periodizar todas as sociedades humanas, espe-
cialmente as Americanas e Asiáticas.

A partir dos anos de 1930, Julian Steward inaugura uma


nova forma de compreender a interação homem-ambiente.
Steward busca por generalizações acerca do comportamento
humano, através da comparação entre sociedades diferentes.
Sua forma de trabalho ficou conhecida como Ecologia Cultural:

A abordagem ecológico-cultural proposta por Steward


envolve tanto um problema como um método. O pro-
blema é testar se os ajustes por parte das sociedades
humanas aos seus ambientes requerem tipos específi-
cos de comportamentos ou se há uma liberdade con-
siderável de respostas humanas (Steward, 1955a:36).
O método consiste em três procedimentos: 1) analisar a
relação entre sistema de subsistência e ambiente; 2) ana-
lisar os padrões de comportamentos associados a uma
determinada tecnologia de subsistência; e 3) verificar
até que ponto o padrão de comportamento vinculado
a um determinado sistema de subsistência afeta outros
aspectos da cultura (Steward, 1955:40-41). Em resumo,
a abordagem ecológico-cultural postula uma relação
entre recursos ambientais, tecnologia de subsistência e o
comportamento necessário para aplicar a tecnologia nos
recursos do ambiente. (MORAN, 1994, p. 68)
Capítulo 1    Pré-história Americana: um Pouco de Teoria    7

Este modelo de trabalho inaugurou uma nova forma de


encarar as relações entre o homem e o ambiente, através de
uma perspectiva sistêmica, que ao invés de perceber homem e
o ambiente como dois polos, nos quais ora um é passivo e o
outro ativo, introduz a ideia de sistema, em que o importante
é a interação entre eles, de maneira que as influências são
dinâmicas e determinadas no processo de interação.

Nessa perspectiva, a Arqueologia adquire uma importân-


cia significativa, pois é encarada como uma das chaves para
estudar as sociedades do passado. Afinal, seus restos materiais
permitem compreender as mudanças ocorridas. Essa concep-
ção de Arqueologia cristaliza-se a partir do final da década de
1950, do século XX, sob a denominação de Nova Arqueologia
ou New Archeology, que tem nos trabalhos de autores como
Lewis Binford e Grahame Clark dois exemplos dessa nova ver-
tente.

Assim, tomando por base os dados disponíveis na arqueo-


logia Americana, propõe uma nova cronologia, que, ao invés
de adotar a periodização tradicional de Paleolítico e Neolítico,
adota uma nova, mais coerente com os processos históricos
que se passaram no continente americano.

Assim temos:

1.2.1 Paleoindio
Equivale ao conhecido Paleolítico em termos de organização
social e material, ou seja, as populações caçadoras-coletoras.
Em termos ambientais coincidimos com a transição do Pleisto-
ceno (clima frio) para o Holoceno (mais quente, semelhante as
8    História da América Colonial e Independente

condições que conhecemos. Coincide também com o proces-


so de ocupação do continente e todas as culturas caçadoras-
-coletoras, algumas delas ainda remanescentes. Reiteramos
que esse período coincide, quando comparado ao modelo
tradicional ao Paleolítico Superior Euro-Africano.

Os Paleoindios correspondem aos primeiros habitantes do


Continente Americano. (maiores dados você encontra no Ca-
pítulo 10 da disciplina de Pré-História).

Do ponto de vista cultural, caracterizam-se por grupos or-


ganizados em pequenos bandos, todos excelentes caçadores,
especialmente da animais de grande porte. Seu instrumental,
tipicamente do Paleolítico Superior é composto por lascas e
pontas de flecha com algo grau de acabamento.

Evidentemente essa caça era complementada pela coleta


de frutas e vegetais.

Seu horizonte cronológico inicia-se com a entrada das po-


pulações humanas no continente até cerca de 8.000 ou 7.000
anos atrás, quando vemos o aparecimento de populações
identificadas como Arcaicas.

1.2.2 Arcaico
O Período identificado como Arcaico caracteriza as popula-
ções caçadoras/coletoras organizadas socialmente em bandos
e com uma alta mobilidade territorial, isso na sua fase inicial.
A medida que o tempo passa, e vemos alterações ambientais
que permitem o aparecimento de ambientes mais favoráveis,
essas populações passam a realizar uma coleta intensiva, com
Capítulo 1    Pré-história Americana: um Pouco de Teoria    9

um grau considerável de sedentariedade, mas, ainda com um


modo de vida recoletor.

Em algumas situações essas populações desenvolvem uma


organização social mais sofisticada conhecida como chefaturas.

Seu horizonte cronológico estende-se de cerca de 8.000


a.P até cerca de 5.000 a.P.

1.2.3 Formativo
Após o Arcaico temos o Formativo. Em termos culturais cor-
responde a transição das antigas populações Caçadoras-Co-
letoras para sociedades Agricultoras. Essa transição inicia-se
nos planaltos mexicanos por volta de 7.000 a.C. No caso da
região Andina, esse fenômeno não parece ser significativo an-
tes de 4.000 a. C.

Um dado fundamental que não pode passar desapercebi-


do é o fato de que as plantas cultivadas no Novo Mundo são
diferentes dos originários do Velho Mundo. Isso implica que foi
um processo desenvolvido localmente – até porque, a entrada
do Homem na América, foi anterior ao início dos cultivos tanto
na Ásia e na África.

1.2.4 Clássico
O período Clássico caracteriza o surgimento dos primeiros
centros urbanos no Continente Americano. A Agricultura e a
irrigação atingiram níveis de confiabilidade que permite as
populações humanas abandonar a caça/coleta como modo
exclusivo de subsistência.
10    História da América Colonial e Independente

Identificamos assim as primeiras cidades, Teotihuacan no


Vale do México, cobre uma área de 7,6 K m² por volta do ano
de 300 a.C. e 20 K m² em 600 a.D. com uma população es-
timada em 125.000 habitantes. (Meggers, 1979).

1.2.5 Pós-clássico
O Período Pós-clássico compreende o colapso dos primeiros
centros urbanos e coincide com um período de conflito e ex-
pansão militar que redunda nos grandes impérios conhecidos
no mundo Americano Pré-Colombiano, quais sejam, Maias,
Astecas e Incas.

Figura 1  Quadro Cronológico Sintético.

Dessa forma, ainda que tenhamos uma perspectiva essen-


cialmente evolucionista do desenvolvimento das sociedades
americanas, elas permitem uma visão de conjunto que orga-
niza e permite elementos comparativos, e mais do que isso,
mescla características fundamentais para o trabalho dos His-
toriadores e Arqueólogos, pois, considera tanto características
sociais, econômicas e ambientais no processo de identificação
dessas sociedades.
Capítulo 1    Pré-história Americana: um Pouco de Teoria    11

Uma ultima consideração importante. Uma das grandes


contribuições da Arqueologia Americana foi para a discussão
Difusão x Desenvolvimento Independente. Os dados disponí-
veis sobre a arqueologia americana permitiram colocar essa
questão de forma muito objetiva, especialmente no que se re-
fere ao Surgimento da Agricultura.

Durante muito tempo, especialmente no Século XIX e pri-


meira metade do XX, trabalhou-se com a ideia de que o sur-
gimento da agricultura, assim como todas as boas invenções
e descobertas, sempre tiveram um centro de desenvolvimento,
e, a partir dele, difundiram-se para outros lugares. O caso da
agricultura não deixava de ser assim. Desenvolvida original-
mente na Mesopotâmia, difundiu-se então pelo restante da
Ásia, África e Europa.

Entretanto, como explicar o surgimento da Agricultura na


América por difusão? A entrada do homem na América é ante-
rior ao desenvolvimento da agricultura, então, somente pode-
mos explicar o surgimento da agricultura no Novo Continente
como um polo autônomo, e não como difusão de uma tecno-
logia vinda do Velho Mundo.

Assim, a Pré-História Americana apenas reforça a ideia de


que a espécie humana possui uma característica distintiva na
sua forma de adaptar-se às variações ambientais. De todas
as espécies vivas é seguramente a que possui maior flexibili-
dade adaptativa. Essa flexibilidade é fruto da sua capacidade
de promover mudanças de caráter sociocultural, muito mais
que alterações morfogenéticas da população: “Em outras pa-
lavras, a espécie humana é uma espécie generalista, capaz
12    História da América Colonial e Independente

de se ajustar a novas situações através de meios fisiológicos e


socioculturais” (MORAN, 1994, p. 24).

Referências bibliográficas

FIDEL, Stuart J. Prehistoria de America. Barcelona: Crítica,


1996.

Gomes, Juliane Maria Puhl. Pré-história. Canoas: Ed. UL-


BRA, 2013.

MEEGERS, Betty. América Pré-Histórica. Rio de Janeiro: Paz


e Terra, 1979.

MORAN, Emílio. Adaptabilidade Humana. São Paulo:


EDUSP, 1994.

Steward, Julian Haynes. Theory of Culture Change: The


Methodology of Multilinear Evolution. University of Illinois
Press, 1955.

Atividades

1. Sobre os conceitos de Paleolítico e Neolítico podemos afir-


mar:

I – São conceitos consolidados e amplamente utilizados


na periodização do passado pré-colonial do continente
americano.
Capítulo 1    Pré-história Americana: um Pouco de Teoria    13

II – O Neolítico caracteriza as populações caçadoras/


coletoras e seu processo de evolução.

III – Os grupos conhecidos no Continente Americano


como Paleoíndios possuíam uma tecnologia lítica tipica-
mente do Paleolítico Superior.

Sobre as afirmações acima podemos considerar:

a) Somente I está correta.

b) Somente II está correta.

c) Somente III está correta.

d) Todas as alternativas estão corretas.

e) Todas as alternativas estão erradas.

2. Sobre o termo Paleoíndio considere as afirmações a se-


guir:

I – Corresponde ao período em que temos aos primeiros


habitantes do Continente Americano

II – Caracterizam grupos organizados em pequenos


bandos, todos excelentes caçadores.

III – Seu instrumental, tipicamente do Paleolítico Superior


é composto por lascas e pontas de flecha com algo grau
de acabamento.

Sobre as afirmações acima podemos considerar:

a) Somente I está correta.

b) Somente II está correta.


14    História da América Colonial e Independente

c) Somente III está correta.

d) Todas as alternativas estão corretas.

e) Todas as alternativas estão erradas.

3. Considere a afirmação a seguir:

“O período caracteriza populações caçadoras/coletoras orga-


nizadas socialmente em bandos e com uma alta mobilidade
territorial. A medida que o tempo passa, e percebemos alte-
rações ambientais que levam ao aparecimento de ambientes
mais favoráveis, tais populações passam a realizar uma coleta
intensiva, com um grau considerável de sedentariedade, mas,
ainda com um modo de vida recoletor.”

A partir deste texto podemos afirmar:

I- O texto em questão está se referindo período conheci-


do como Pós-Clássico.

II – O texto em questão não se refere às populações


americanas.

III – Descreve o período conhecido como Arcaico na


América.

Sobre as afirmações acima podemos considerar:

a) Somente II está correta.

b) Somente III está correta.

c) Somente I e II estão corretas.

d) Todas as alternativas estão corretas.


Capítulo 1    Pré-história Americana: um Pouco de Teoria    15

e) Todas as alternativas estão erradas.

4. Sobre o Período Formativo podemos afirmar:

I – No caso da região Andina, esse fenômeno não pare-


ce ser significativo antes de 4.000 a. C.

II – Essa transição inicia-se nos planaltos mexicanos por


volta de 7.000 a.C.

III – Em termos culturais corresponde a transição das an-


tigas populações Caçadoras-Coletoras para sociedades
Agricultoras.

Sobre as afirmações acima podemos considerar:

a) Todas as alternativas estão corretas.

b) Todas as alternativas estão erradas.

c) Somente I está correta.

d) Somente II está correta.

e) Somente III está correta

5. Considere as afirmações a seguir e depois assinale a alter-


nativa correta.

I – A agricultura e a irrigação atingiram níveis de confia-


bilidade que permite as populações humanas abando-
nar a caça/coleta como modo exclusivo de subsistência.

II – Compreende o colapso dos primeiros centros urba-


nos e coincide com um período de conflito e expansão
militar que redunda nos grandes impérios
16    História da América Colonial e Independente

III – Trata-se de um importante período no processo de


evolução das sociedades humanas, mas não foi identifi-
cado no Continente americano.

Sobre as três afirmações anteriores podemos dizer:

a) A afirmação I está correta, pois refere-se ao período


Pós-Clássico, já as alternativas II e III estão completa-
mente equivocadas, pois referem-se ao período neolí-
tico africano.

b) A afirmação I está correta assim como as afirmações II


e III.

c) A afirmação I está correta e caracteriza o período pós-


-Clássico. A afirmação II está correta e caracteriza o
período Clássico. A afirmação III está correta.

d) Todas as três afirmações estão erradas, pois descre-


vem fenômenos que não identificamos no continente
Americano.

e) A afirmação I está correta e caracteriza o período


Clássico. A afirmação II está correta e caracteriza o
período Pós-Clássico. A afirmação III está errada.

Gabarito

1 C, 2D, 3B, 4A, 5E


Marcus Vinicius Beber1

Capítulo 2

Pré-história Americana:
Arcaico e Formativo

1
  Doutor em História. Professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNI-
SINOS.
18    História da América Colonial e Independente

Introdução

Neste capítulo vamos discutir dois importantes episódios da


História Americana: Os períodos Arcaico e Formativo.

A dispersão dos grupos Paleoindios pelo contintente ame-


ricano coincidiu com o final da última Glaciação. Quando
esses grupos atingem o extremo sul do continente americano,
já começamos a observar uma mudança significativa no clima,
com temperaturas mais altas e uma expansão significativa das
características tropicais no continente.

Muitas áreas até então dominadas por estepes e campos


começam a dar lugar a formações florestais. Áreas costeiras
passam por mudanças significativas, com um aumento do ní-
vel dos oceanos e o aumento das áreas de mangue e novos
recursos marinhos como moluscos e peixes tornam-se mais
abundantes, permitindo assim, a fixação de populações hu-
manas em áreas costeiras com relativa estabilidade.

2.1 Arcaico

O termo Arcaico foi utilizado pela primeira vez na arqueolo-


gia Americana por William Ritchie em 1932. Willey y Phillips,
em 1958, reiteraram que esse termo deveria ser utilizado para
descrever uma etapa de evolução das culturas americanas, a
tal ponto, que Stewart (1955) incorpora o Arcaico como uma
etapa evolutiva no seu esquema conceitual.
Capítulo 2    Pré-história Americana: Arcaico e Formativo    19

Segundo Fidel (1996, p. 111) Arcaico pode ser definido


como:

I – Dependência da fauna de pequeno porte, mais varia-


da, que substituiu a megafauna pleistocênica;

II – Aumento da coleta;

III -Incremento dos instrumentos e utensílios de pedra


usados para preparar alimentos e vegetais silvestres;

IV – Pedra polida, instrumentos para trabalhar a madeira,


pontas de flecha e ornamentos,

V -Aumento da estabilidade e da ocupação baseada na


economia de subsistência especializada (pesca e coleta
de sementes por exemplo);

VI – Na indústria lítica, uma maior variedade de pontas


(pedunculadas com encaixes basais ou laterais), geral-
mente não tão bem acabadas como as paleoindias, uso
de maior variedade de matérias primas e furadores;

VII – Artefatos de osso, chifres, marfim, concha, cobre,


argila, alguns deles usados na produção cestos, para ati-
vidades de pesca e caça.

VIII – Enterramentos.

Percebe-se assim o aparecimento da moagem e polimen-


to da pedra, traduzindo-se em novos tipos de artefatos que
incluem inclui lâminas de machados entalhados, almofarizes
e mãos-de-pilão, propulsores de pesos, pesos para pesca, ba-
cias e arcos.
20    História da América Colonial e Independente

O lascamento, por seu turno, continuou a ser empregado


para fazer facas, raspadores, talhadores e pontas de projétil, as
quais proliferam em uma variedade de formas pedunculadas.

A Cultura material desses grupos apresenta um aumento


considerável de artefatos, entre eles podemos citar: sovelas,
anzóis, cinzéis, flautas e contas de osso, assim como sandálias,
cestos, esteiras e outros artigos de matéria-prima vegetal.

Grupos portadores dessa nova tecnologia são encontrados


em várias regiões do continente:

Na região semi-árida dos Estados Unidos e México, entre


o Estado do Oregon e o México Central, datados em 10.000
a.P, com uma subsistência baseada na coleta de vegetais e,
secundariamente, na caça.

Na América do Sul, destaca-se a Caverna de Intihuasi, no


noroeste da Argentina (8.000 a. P.). além de grupos caçado-
res/coletores generalistas espalhados por todo o Planalto Bra-
sileiro, ocupando preferencialmente grutas.

Com o final do Pleistoceno, e as alterações que se deram no


ambiente, formam-se, nas zonas costeiras, ambientes ricos em
moluscos, que sustentaram populações especializadas na sua
exploração, possibilitando inclusive uma maior sedentariedade.

No Brasil, esses sítios arqueológicos são identificados em


todos os ecossistemas conhecidos.

No Planalto brasileiro desenvolve-se uma importante tra-


dição lítica, conhecida como Itaparica. Caracteriza grupos
caçadores/coletores, portadores de uma tecnologia lítica ba-
Capítulo 2    Pré-história Americana: Arcaico e Formativo    21

seada em lascas unifaciais, produzidas preferencialmente em


arenito-silicificado, ocupando abrigos e grutas que serão in-
tensamente decorados com desenhos em suas paredes.

A Arte Rupestre – pinturas e gravuras realizadas nas pare-


des das grutas – desses grupos, varia desde figuras geométri-
cas, representações de animais e cenas do cotidiano, variando
conforme sua dispersão territorial. São feitas a partir de óxido
de ferro, extraído das rochas aquecidas ao fogo, óxido esse
misturado a gordura animal e aplicado com o dedo ou pincéis
feitos com pelos de animais nas paredes das grutas. A cor
predominante desses desenhos varia entre tons de vermelho,
como podemos ver na Figura 1.

Figura 1  Painel de Arte Rupestre do Sítio MS-PA-04, Região do Alto Rio


Sucuriú, Estado do Mato Grosso do Sul – reprodução nossa.
22    História da América Colonial e Independente

Outro tipo de sítio importante identificado, com uma gran-


de presença nas regiões litorâneas, e no caso brasileiro, co-
nhecidos desde o Rio de Janeiro até o Litoral Norte do Rio
Grande do Sul, são os chamados Sambaquis.

Os sambaquis são facilmente identificados, pois se carac-


terizam por grandes acúmulos de caraças de moluscos – ma-
rinhos ou de água doce -, podendo, em alguns casos, superar
os 30 m de altura e mais de 500 m de extensão. Nesse senti-
do, são sítios que formaram-se a partir da coleta intensiva des-
ses recursos a ponto de conformarem esses grandes montes.

Por outro lado, percebemos que nas regiões costeiras, es-


ses assentamentos especializados na coleta de mariscos, pei-
xes e mamíferos marinhos permitem estruturas sociais comple-
xas, com muitos sítios fazendo parte de uma rede ocupação.

O início da ocupação desses ambientes ainda depende de


uma caracterização mais precisa, entretanto, esses sítios de
adaptação litorânea, são identificados desde ao menos 9.000
a. P. no sul da Califórnia nos Estados Unidos e ao menos 8.000
a.P. para o Brasil.

As datas mais antigas que conhecemos:

7.000 ± 500 a.C. – Água Hedionda, no sul da Califórnia (EUA);

5.853 ± 150 a.C. – Maratuá, Brasil.

5.320 ± 120 a.C. – sul da Califórnia (EUA).

5.200 + 500 a.C. – sítio Eva, no rio Tenessee (sambaqui de


água doce)(EUA).

5.020 ± 300 a.C. – Chilca, Peru.


Capítulo 2    Pré-história Americana: Arcaico e Formativo    23

4.850 ± 100 a.C. – Cerro Mangote, Panamá.

A cultura material desses sítios engloba pedras quadradas,


provavelmente usadas para raspar, cortar, polir; ossos (de pei-
xes e animais) com extremidades aguçadas, contas em con-
cha, pequenos amuletos, anzóis e, em pedra polida, objetos
zoomorfos (zoólitos)

Na costa do Peru encontrou-se cordames, redes, cestarias,


objetos de madeira – indicando uma cultura material variada.

Figura 2  Sítios Arcaicos na América do Sul: 1) Cueva Guitarrero, 2)


Cueva Chobshi, 3) Ayacuchom, 4) El Abra, 5) Quereo, 6) Quebada
Las Conchas, 7) Cerro Mangote, 8) Quiani, 8) Ilhas Englefield, 10)
Sambaquis na Costa do Brasil, 11) Banwari Trace, 12) Cueva Fell.
24    História da América Colonial e Independente

2.2 Formativo

O Período Formativo marca o início da Domesticação de


Plantas no Continente Americano. Inicialmente, identificamos
o fenômeno nos planaltos mexicanos, entre 7.000 e 4.000 a.
C. Na área andina a agricultura não foi significativa antes de
4.000 a. C.

A domesticação é percebida pelo aumento da proporção


de plantas em relação aos animais, nos vestígios encontrados
em cavernas secas. Esse aumento no consumo de plantas
está na faixa de 30 e 66%. Destes, 14% são de espécies
domesticadas. Entre as principais plantas domesticadas po-
demos citar:

América do Sul: Mandioca, Inhame, Abacaxi, Tabaco, Ba-


tata doce, Batata, Pimentão, Amendoim, Feijão de lima, Abó-
bora, Algodão.

América Central: Feijão fava, Abóbora, Tomate, Feijão tre-


padeira, Milho, Cacau, Abacate.

América do Norte: abóbora, Girassol.


Capítulo 2    Pré-história Americana: Arcaico e Formativo    25

Figura 3  Distribuição da cerâmica na América (Adaptado de MEGGERS,


1979).

Um comentário importante faz-se necessário sobre o milho,


importante recurso alimentar para as populações americanas.
O milho foi a base da alimentação em boa parte do Novo
Mundo. A informação mais completa sobre ele vem do Vale
do Tehuacán (México), onde a sua domesticação teve inicio
por volta de 5.000 a. C. e produziu mudanças sensíveis, com
muitas variedades diferentes, para os diferentes ambientes e
condições de solo e umidade. Mudanças essas que chega ao
ponto de inviabilizar reprodução sem o auxilio do homem.
26    História da América Colonial e Independente

Na América do Sul, especialmente na região amazônica,


a ênfase foi dada para a produção da Mandioca, através na
sua transformação em farinha, que vai ser torrada como uma
grande massa fina.

Uma questão importante é o fato dos novos recipientes que


serão incorporados ao enxoval cotidiano, ao ponto de ser con-
siderado um dos melhores marcadores culturais: a cerâmica.
Os recipientes utilizados neste método de preparação come-
çaram a aparecer em sítios arqueológicos na costa norte da
Colômbia, por volta de 1.000 a.C. Esta é, obviamente, uma
data limite, representando a culminância de muitos milênios
de experimentação bem sucedida.

Por volta de 3.000 a.C. aparecem estruturas monumen-


tais, denotando uma mudança importante na organização so-
cial, fruto de uma base agrícola sólida. Essa possibilidade de
subsistência a partir de recursos estáveis – representado pela
agricultura – seguramente representou um passo importante
no desenvolvimento das culturas Americanas. A partir desse
momento, podemos observar uma crescente complexificação
que redunda em sociedades organizadas ao redor de uma
chefia que pode, inclusive, ter sob sua responsabilidade outras
aldeias.

Com isso, estamos na fronteira do fenômeno que conhece-


mos como Estado.
Capítulo 2    Pré-história Americana: Arcaico e Formativo    27

Referências bibliográficas

FIDEL, Stuart J. Prehistoria de America. Barcelona: Crítica,


1996.

MEEGERS, Betty. América Pré-Histórica. Rio de Janeiro: Paz


e Terra, 1979.

Steward, Julian Haynes. Theory of Culture Change: The


Methodology of Multilinear Evolution. University of Illinois
Press, 1955.

Atividades

1. Sobre o Período que conhecemos como Arcaico é lícito


afirmar:

I – descreve uma etapa de evolução das culturas ame-


ricanas;

II – refere-se a populações agricultoras americanas;

III – tem nas vasilhas cerâmicas seu principal artefato


guia.

Sobre as afirmações acima podemos considerar:

a) Somente I está correta.

b) Somente II está correta.

c) Somente III está correta.


28    História da América Colonial e Independente

d) Todas as alternativas estão corretas.

e) Todas as alternativas estão erradas.

2. Ainda sobre o Período Formativo podemos afirmar:

I – No Planalto brasileiro desenvolve-se uma importante


tradição lítica, conhecida como Itaparica;

II – A tradição Itaparica caracteriza grupos caçadores/


coletores, portadores de uma tecnologia lítica baseada
em lascas unifaciais;

III – ocupando abrigos e grutas que serão intensamente


decorados com desenhos em suas paredes.

Sobre as afirmações acima podemos considerar:

a) Somente I está correta.

b) Somente II está correta.

c) Somente III está correta.

d) Todas as alternativas estão corretas.

e) Todas as alternativas estão erradas.

3. Considere as afirmações a seguir:

I – “O Período Formativo marca o início da domestica-


ção de plantas no Continente Americano. Inicialmente,
identificamos o fenômeno nos planaltos mexicanos, en-
tre 7.000 e 4.000 a. C. Na área andina a agricultura
não foi significativa antes de 4.000 a. C.”
Capítulo 2    Pré-história Americana: Arcaico e Formativo    29

II – “A domesticação é percebida pelo aumento da pro-


porção de plantas em relação aos animais, nos vestígios
encontrados em cavernas secas”

III – “O Milho foi um dos menos importantes cereais do-


mesticados no continente americano.

Sobre as afirmações acima podemos considerar:

a) Somente I e II estão corretas.

b) Somente I e III estão corretas.

c) Somente II e III estão corretas.

d) Todas as alternativas estão corretas.

e) Todas as alternativas estão erradas.

4. Considerando a cerâmica um importante produto cultural


das populações pré-coloniais, é lícito afirmar:

I – Que a cerâmica não foi significativa na arqueologia


americana.

II – Que a cerâmica produzida na América ficou restrita


as populações que se desenvolveram na porção norte
do continente.

III – Que as populações do período arcaico produziam


uma cerâmica finamente decorada, mas utilizada unica-
mente para fins cerimoniais

Sobre as afirmações acima podemos considerar:

a) Somente I e II estão corretas.


30    História da América Colonial e Independente

b) Somente I e III estão corretas.

c) Somente II e III estão corretas.

d) Todas as alternativas estão corretas.

e) Todas as alternativas estão erradas.

5. Marque com V – Verdadeiro ou F – Falso se as plantas a


seguir foram domesticadas no continente americano.

(  ) Arroz

(  ) Pera

(  ) Mandioca

(  ) Cevada

(  ) Tabaco

(  ) Batata doce

(  ) Café

(  ) Tomate

(  ) Milho

(  ) Cacau

Gabarito

1 (E), 2(D), 3(A), 4(B), 5 A(F)- B(F)- C(V)- D(F)- E(V)- F(V) – G(F)
– H(V) – I(V) – J(V) -
Marcus Vinicius Beber1

Capítulo 3

Pré-história Americana
– o Clássico e o
Pós-clássico

1
  Doutor em História. Professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNI-
SINOS.
32    História da América Colonial e Independente

Introdução

Dando continuidade aos nossos estudos sobre Pré-história


Americana, vamos agora da uma olhada nos Períodos Clássi-
co e Pós-Clássico.

Se você lembra, o Período Clássico corresponde aos pri-


meiros centros urbanos com um desenvolvimento dos sistemas
agrícolas, dos sistemas de irrigação e todos os fenômenos daí
decorrentes, como crescimento populacional e estruturas com-
plexas de organização social.

O processo

Parte do fenômeno se explica pelas transformações ambientais


que atingiram o Continente Americano em função do recuo da
geleiras e o avanço de um clima mais quente, fenômeno que
ocorre a partir dos últimos 15 mil anos. Com isso as popula-
ções fixam-se ao redor das desembocaduras dos rios, onde os
recursos de acumulavam, uma vez que o litoral andino estava
cada vez mais árido.

Do ponto de vista social, observamos o crescimento das


populações ao redor desses locais e, especialmente, a emer-
gência de lideranças que serão conhecidas como Chefaturas,
que segundo Fidel (1986):

As populações das chefaturas contavam geralmente com


dezenas de milhares de pessoas. Existia usualmente uma
comunidade central, maior que o resto, onde vivia o che-
Capítulo 3    Pré-história Americana – o Clássico e o Pós-clássico    33

fe, seus parentes e agregados. Este lugar central também


contava com um espaço cerimonial onde os sacerdotes
faziam seus trabalhos com os deuses. (FIDEL, 1996, p.
258)

Serão as chefaturas os embriões dos futuros estados e pos-


teriormente os impérios, tais como o Inca, os Maias e Astecas.
Mas, diferente dos estados, a posição do Chefe, não se dava
em função de seu monopólio do poder da força (ou seja, con-
trole do estado e do exército), mas antes pela suas qualidades e
sua ascendência genealógica. Quando mais próximo dos heróis
fundadores, mais prestigio e importância ante a comunidade.

Em teoria, a população de uma chefatura variava de


status segundo sua distância genealógica em relação a
linha de descendência de uma linhagem central. Como
próximos ao Chefe, poderiam esperar ser tratados com
generosidade na retribuição por suas alianças e tributos.
A maioria da população residia em pequenas aldeias o
casebre e visitavam os centros cerimoniais apenas para
as festas e cerimônias nos quais os chefes dispensavam
sua generosidade. Cada uma das pequenas comunida-
des poderiam ter um chefe menor, subordinado ao chefe
principal. (FIDEL, 1996, p. 258)

Em termos de tamanho, algumas chefaturas poderiam ter


até três níveis de organização, com chefes locais, regionais e
distritais. A autoridade dessas lideranças, estava alicerçada na
relação que esses indivíduos mantinham com os espíritos.

Uma característica importante dessas culturas está no apa-


recimento de sítios cerimônias e estruturas funerárias de gran-
34    História da América Colonial e Independente

de porte, os Mounds do Vale do Rio Mississipi, os Tesos na Ilha


de Marajó, as Casas Subterrâneas no Planalto Sul-Brasileiro,
os Sambaquis no Litoral Centro Sul Brasileiro, os Olmecas na
América Central, a Cultura de Monte Albán no Vale do Oaxa-
ca, e Teotiuacán na zona central do México.

Para uma abordagem mais objetiva, trataremos o desen-


volvimento em termos geográficos, iniciando pela América
Central e Posteriormente os Andes.

3.1 América central

Uma das primeiras culturas tipicamente Clássicas na América


central é a cultura Olmeca, depois temos Monte Alban e Teo-
tihuacan, a Península de Yucatam com os Maias e as culturas
pós-clássicas, os Astecas.

A Cultura Olmeca instala-se na costa do Golfo do Méxi-


co, a partir de 1200 a.C. e extende-se até cerca do início da
Era Cristã, próximo a atual Cidade de Vera Cruz. Seus sítios
principais são San Lorenzo (entre 1200 – 900 a.C.), La Venta
(900 – 500 a.C.) e Tres Zaopotes (500 a.C. – 1 d.C.). Chama
especialmente atenção as Grandes cabeças humanas feitas
em pedra que podem atingir cerca de 3m de altura.

Seus assentamentos estão localizados próximos à desem-


bocadura dos rios, onde tinham terras férteis para o cultivo do
milho, com uma técnica relativamente simples, baseado na
roça e queima.
Capítulo 3    Pré-história Americana – o Clássico e o Pós-clássico    35

Nas terras altas Mexicanas chama atenção a emergência


do Sítio de San José Mangote, no vale do Oaxaca por volta
de 700 – 500 a.C. Este sítio possuía uma grande extensão
geográfica se comparado aos seus predecessores, algo como
15 vezes maior. Tratava-se de um importante centro cerimonial
que englobava um conjunto de cerca de 19 aldeias satélites.
Por volta de 400 a.C., foi superado por outro assentamento, o
sítio Monte Alban que pode ter atingido alcançado uma popu-
lação de cerca de 5.000 habitantes.

Nas paredes talhadas em pedra do Sítio de Monte Alban


identifica-se um sistema de calendário circular de 52 anos,
que será usado e aperfeiçoado em períodos posteriores. O
crescimento dessa cultura é impressionante:

No trascurso de vários séculos, Monte Alban cresceu até


torna-se um ienor centro cerimonial e residencial da elite.
As ladeiras das partes mais altas estavam cobertas com
mais de 2.000 terraços. Já no período I, Monte Alban se
colocava por cima de uma hierarquização de sítios de
quatro tamanhos diferentes, o que sugere que existia um
sistema administrativo a nível estatal Durante o período II
(200 a 300 a.C.) se constituíram os primeiros palácios,
com canchas de jogo de pelota e templos com duas ha-
bitações, que implicava em um sacerdócio organizado.
(...) Sua expansão imperial se deteve depois de 300 d.C.,
quando enfrentaram a competição de Teotihuacán. A po-
pulação de Monte Alban pode ter sido de 25-30.000
pessoas no se apogeu durante o Período III (300 – 750
d.C.). Foi um núcleo de um complexo de edificações pú-
36    História da América Colonial e Independente

blicas, terraço e residências que cobriu mais de 40 km².


(FIDEL, 1996, p. 303)

O centro urbano de Teotihuacan localizada no altiplano


mexicano, situa-se atualmente a nordeste da atual capital me-
xicana. É, seguramente, uma dos mais impressionantes sítios
arqueológicos da América Central.

Sua importância na bacia do México inicia-se por volta de


300 a.C quando observa-se um crescimento demográfico,
muito em função de sua localização privilegiada, em uma am-
pla área de terrenos aluviais muito propícios para agricultura.

O sítio arqueológico de Teotihuacan, no seu auge possuía


uma grande avenida, a calçada dos mortos, que terminava
em um amplo pátio, em ante a grande Pirâmide do Sol, isso
por volta do Século II da Era Crista. Suas dimensões são 210
m² na base e uma altura de 64 metros. No lado oposto da
calçada foi construída outra grande pirâmide, não tão grande
como a do Sol, devotada a Lua. Ao longo de todo a calçada,
várias pirâmides menores foram construídas.

Por volta de 450 a.D. a cidade de Teotihuacan teria uma


população de cerca de 125.000 habitantes, onde dois terços
seriam agricultores e os demais artesãos, mercadores e buro-
cratas do estado (Fidel, 1996).

Sua decadência se dá por volta do século VI quando per-


cebe-se a ascensão da Cultura Maia, localizada na península
de Petén.
Capítulo 3    Pré-história Americana – o Clássico e o Pós-clássico    37

3.2 Os Maias

A Cultura Maia desenvolve-se em outro cenário geográfico,


distante do Golfo do México ou do Altiplano mexicano que
tratamos até aqui. Nosso espaço geográfico agora, se volta
para a área de selva tropical, nas terras baixas que hoje co-
nhecemos como Belize e Guatemala.

Diferente do que vimos até aqui, os Maias parecem ter-


-se organizados em centros cerimoniais com uma população
dispersa em pequenas aldeias ao redor desses. Não há con-
senso que seus sítios mais importantes são El Caracol, Tikal,
Palenque, Copán, Chichén Itzá, não parecem ter conformado
cidades propriamente ditas, mas antes, centros cerimoniais,
com poucos moradores, muito provavelmente sacerdotes e
administradores.

A escassez de recursos naturais, como o sal e tantas maté-


rias-primas, é o cenário dentro do qual um povo voluntario-
so estava designado não somente a sobreviver ao longo de
muitos séculos, mas também a moldar uma dessas conquistas
coletivas do espírito humano que se chama civilização.

Segundo Paul Gendrop (2005) os Maias não dispunham


de nenhum animal de tração e não tinham conhecimento do
uso da roda e do torno. Permaneceram até o final do período
clássico sem conhecimento do trabalho em metais. Ultrapassa-
ram condições muito adversas, tanto naturais como essenciais
às suas próprias limitações tecnológicas, revelando-se como
um dos povos mais bem dotados para a astronomia, como
38    História da América Colonial e Independente

também para certos ramos da matemática, sem contar suas


competências artísticas.

Esses povos possuíam dois calendários desde os primeiros


séculos de nossa era, dos quais se serviam respectivamente;
um calendário solar, “vago” ou civil, de 365 dias e um calen-
dário ritual de 260 dias divididos em 13 grupos de 20 dias.

Como intérprete da vontade dos deuses está o Halach-


-Uinic, no topo da pirâmide social, incorporando um poder às
vezes alternado, de uma nobreza hereditária que distribui en-
tre si os demais cargos religiosos, administrativos, comerciais
ou militares. Os guerreiros, “burocratas”, artistas e artesãos
especializados na produção de objetos do culto ou de arti-
gos santuários estão diversos degraus mais abaixo na escala
social. A seguir, os camponeses e o povo miúdo designado
a tarefas distintas (servidores, carregadores etc.); e enfim os
escravos, retirados geralmente dentre os prisioneiros de guer-
ra ou subtraídos do tributo conferido às regiões conquistadas
(GENDROP, 2005).

Algumas regiões especializam-se na manufatura de tecidos


bordados e na cultura do algodão, enquanto outras se distin-
guem pela elegância e categoria de sua cerâmica policroma-
da. Entre os mais valorizados objetos de luxo está o cacau,
consumido apenas por membros da casta dirigente sob a for-
ma de bebida, servindo correntemente como moeda de troca.

Parte da riqueza deriva da manufatura de objetos de luxo


e da rede de trocas comerciais; entretanto, o essencial para a
subsistência precisa ser garantido pela exploração de recursos
locais (muito escassos) e pela racionalização da agricultura.
Capítulo 3    Pré-história Americana – o Clássico e o Pós-clássico    39

Devemos acrescentar a importância progressiva do jogo de


bola, tanto em seu aspecto ritual e tão divinatório quanto, tal-
vez, em seu caráter de espetáculo.

Cada região soube acrescentar sinais particulares. Piedras


Negras ocupa lugar de destaque na arte Maia graças princi-
palmente à sua escultura. É a única a ter esculpido sem inter-
rupção, durante mais de 200 anos entre 608 e 810 da nossa
era, estrelas marcando o fim de cada hotún ou período de
1.800 dias (GENDROP, 2005).

Situada a sudoeste de Yaxchilán, a modesta “Acrópole”


de Bonampak ocupa lugar singular dentro do cenário da arte
maia, tanto pela beleza de suas pinturas murais, quanto pelo
valor documental.

Palenque está situada nos contrafortes iniciais da serra de


Chiapas e apresenta uma localização inusitada, dominando
do alto de suas imensas esplanadas artificiais a planície de
Tabasco, ao norte. O que não fora até a metade do século
VI mais que um aglomerado sem importância, no espaço de
alguns decênios despertará bruscamente, tornando-se um dos
mais fervilhantes centros de arte maia.

Escultores e arquitetos empreendem em Palenque, desde


fins do século VII, profunda revisão dos elementos tradicionais
maias sob a influência de soberanos esclarecidos, dentre os
quais Pacal21, aos quais darão um aspecto renovado, muitas
vezes “revolucionário”.

Copán ocupou desde cedo o primeiro lugar no domínio da


astronomia maia (e mesoamericana em geral), do ponto de
40    História da América Colonial e Independente

vista científico. Durante o século VIII foi repetidamente centro


de congressos de astronomia que reuniam representantes de
outra cidades.

Segundo Gendrop (2005) apesar das diferenças aponta-


das quanto aos modos de expressão entre uma região e outra,
às vezes mesmo de uma cidade para outra, se fez sentir dentro
dessa área central Maia certa unidade cultural. Concede-se
uma importância primordial à construção recorrente de mo-
numentos datados que, no plano artístico, seja independente
da arquitetura ou nela incorporada, encontram sua expressão
de prioridade na escultura em alto-relevo e principalmente em
baixo-relevo.

É exatamente em relação à maneira de idealizar a arquite-


tura que se confirmam com maior magnitude estas duas face-
tas da arte maia: uma oferecendo os contornos ligeiramente
arredondados e flexíveis, enquanto a outra tende a simplificar
os volumes, produzindo certo rigor à alternância de superfícies
planas e partes esculpidas.

As causas do declínio Maia são sem dúvida múltiplas e


complexas, mas entre as hipóteses mais plausíveis entre todas
formuladas até o presente podemos citar os flagelos naturais,
como epidemias, secas, inundações, terremotos, furacões,
mudanças climáticas radicais etc. Nesse desastre, apenas al-
gumas cidades sobreviverão: Uxmal e Chichén Itzá, no norte,
Barton Ramie, a leste, Cotzumalhuapa, ao sul, e, fora da área
maia, El Tajín, em Veracruz, Xochicalco, no vale do Morelos,
Cholula e Cacaxtla, em Puebla.
Capítulo 3    Pré-história Americana – o Clássico e o Pós-clássico    41

3.3 Astecas

Os Astecas são então resultado de todo esse processo de evo-


lução que percebemos na América Central. Suas raízes cultu-
rais estão ancoradas nas populações que ocuparam o Planalto
Central Mexicano, desenvolveram na região uma agricultura
eficiente que permitiu um adensamento populacional sem pre-
cedentes.

A atual Cidade do México, capital do País, está sobre as


ruínas da antiga Cidade de Tenochtitlan, que era uma ilha no
antigo Lago Texcoco, que acabou sendo todo aterrado para
dar lugar a atual Cidade do México.

Os Astecas propriamente dito, são tribos adventícias que


chegam ao Vale do México por volta do inicio do Século XIII,
vindos do norte, possivelmente em busca de melhores condi-
ções de vida. Assentaram-se em uma pequena ilhota no então
Lago Texcoco, e gradualmente expandiram sua influência para
além de sua Ilha.

Foi na ilha que em 1325 um mito se criou e justificou a


necessidade de se fixarem em um local tão difícil. Fazendo
assim, que através da religiosidade, um povo ora oprimido por
terceiros, unir-se e iniciar o impossível: erguer construções em
meio a um lago.

[...] segundo a tradição, Uitzilopochtli falou ao grande


sacerdote Quauhcoatl (“Serpente-Águia”). Revelou-lhe
que seu templo e sua cidade deveriam ser construídos
“em meio ao bambuzal”, sobre uma ilha rochosa na qual
se veria “uma águia devorando alegremente uma ser-
42    História da América Colonial e Independente

pente”. Quauhcoatl e os demais sacerdotes puseram-se


à procura do sinal prometido pelo oráculo; e viram uma
águia pousada sobre uma figuieira-do-inferno (tenochtli)
tendo no bico uma serpente. Lá foi erigida uma simples
cabana de bambus, primeiro santuário de Uitzilopochtli
e núcleo da futura cidade de Tenochtitlán. (SOUSTELLE,
2002, p. 16).

Os Astecas nessa época viviam uma vida anfíbia, sobrevi-


vendo principalmente da pesca e da caça de pássaros aquá-
ticos. As aldeias simples estendiam-se sobre ilhotas dentro do
lago e ali mesmo, no lodo acumulado sobre jangadas, criaram
jardins flutuantes. Porém devido a conflitos iniciais encontrados
para se estabelecerem, os Astecas viram-se necessitados em
defender-se de agressores e aliaram-se a outras tribos. For-
mando uma tríplice aliança, onde os Astecas predominaram
no papel militar.

Ao se fixar no vale do México, a tribo asteca apresen-


tava-se como uma sociedade homogênea e igualitária,
essencialmente guerreira; seus membros-soldados e cul-
tivadores (ou caçadores e pescadores) não reconheciam
qualquer outra autoridade senão a dos sacerdotes, eles
próprios guerreiros e intérpretes dos oráculos de Uitzilo-
pochtli. (SOUTELLE, 2002, p. 29.)

Celebram uma aliança com outras duas importantes cida-


des, Texcoco e Tlacopán em uma batalha contra a cidade de
Atzcapotzalco. A partir de então, essa aliança expande seu
poder militar conquistando outras cidades, ao ponto de no
Século XV, as vésperas da chegada dos Espanhóis, controlam
todo o Lago Texcoco e no início do XVI todo o México central,
Capítulo 3    Pré-história Americana – o Clássico e o Pós-clássico    43

a região do Golfo e a Costa do Pacífico, configurando então


um grande império.

Em sua maioria, as cidades pagavam tributos de uma a


quatro vezes por ano, sendo que funcionários do estado man-
tinham esses registros para controle. As cidades que sediavam
os exércitos astecas, não precisariam pagar tributos, mas de-
veriam manter os militares com seus recursos que eram em
geral grãos e peixes:

Como todos os indígenas agricultores do México, os as-


tecas, ao se tornarem sedentários, alimentavam-se es-
sencialmente de milho (em cozidos, bolos, ou pequenos
pãezinhos cozidos no vapor, os tamalli), feijão, abóbora,
pimenta e tomate. Os grãos de huauhtli (amaranto) e de
chian (sálvia) eram usados em minguais. No México em
torno do lago, consumiam-se peixes, crustáceos, batrá-
quios e até insetos aquáticos. (SOUSTELLE, 2002, p. 47).

O universo da guerra para esse povo era sagrado:

[...] era preciso garantir ao Sol, à Terra e a todas as di-


vindades a “água preciosa”, sem a qual a engrenagem
do mundo deixaria de funcionar: o sangue humano. Des-
sa noção fundamental decorrem as guerras sagradas e
a prática de sacrifícios humanos. (SOUSTELLE, 2002 p.
71).

Mas também:

A guerra, como a entendiam os astecas, tinha sem dúvi-


da finalidades positivas para o seu estado, como a con-
quista de territórios, a imposição de tributos e o direito
44    História da América Colonial e Independente

de livre-passagem para seus comerciantes. Mas devia


também – ou sobretudo – garantir-lhes prisioneiros para
os sacrifícios. (SOUSTELLE, 2002, p. 71).

O aspecto mais impressionante da cultura Asteca foi a


característica de sua religião depender fortemente de sacri-
fícios humanos. As cenas descritas pelos primeiros europeus
que chegam ao império, de sacerdotes, no alto das pirâmides,
retirando o coração das vítimas ainda pulsando para oferece
aos Deuses, era uma prática chocante aos olhos dos europeus
cristãos.

O ritual canibal utilizado pelos astecas era nitidamente


utilizado também para alimentação da população como um
todo, dado às pesquisas de registros em que quando em épo-
cas relativamente ruins para pesca ou plantio, os rituais e sa-
crifícios aumentavam consideravelmente.

Na conquista espanhola, chegando ao contato com os As-


tecas, Hernán Cortez descobriu a imensidão e riqueza daquele
povo, ao ponto que também percebera o ódio que tinham
as outras culturas subjugadas pelos Astecas, utilizou desse co-
nhecimento para articular diversas revoltas e uma crise interna
Asteca. Daí inicia-se diversos ataques espanhóis ao enfraque-
cido e desmoronado estado do líder Montecuhzoma, sendo
ele inclusive capturado e mantido em cativeiro.

O grande desenvolvimento da cultura Asteca acabou sen-


do interrompida no seu auge, especialmente pela chegada de
outra população ao Vale do México, os Espanhóis, ávidos pelo
ouro, mas isso trataremos em outro capítulo.
Capítulo 3    Pré-história Americana – o Clássico e o Pós-clássico    45

3.4 América Andina

O desenvolvimento cultural na América Central é realmente


impressionante, entretanto, a América Andina não deixa em
muito a desejar. Além disso, os traços fundamentais seguem
na mesma direção.

Os primeiros assentamentos em que observamos o surgi-


mento de uma agricultura estabelecida e sendo a base alimen-
tar para as populações humanas ocorre em Kotsh, (1.500 a.C)
La Florida e Rio Seco (1.800 a.C.). Nesses sítios, identificamos
os primeiros indícios de uma chefatura, especialmente pela
existência de pirâmides de tijolos secos.

Entretanto, o marco definitivo dessa nova forma de organi-


zação social típica do período Clássico é a Civilização Chavin.

Segundo Fidel:

Chavín de Huantar está situado aproximadamente 3.200


m sobre o nível do mar, no vale de Mosna nos Andes
Setentrionais. O sítio consiste em um centro cívico, com
muros de contenção e terraços que cobre 6 hectares. E
uma grande zona residencial próxima, que abarca 50
hectares. (FIDEL, 1996, p. 358)

O que mais chama a atenção na cultura de Chavín:

A Civilização Chavin que perdurou durante todo o I milê-


nio, parece ter sido produto da influência desses centros.
Ela correspondia a uma das variedades de cultura local
identificada por um estilo artístico, associado a um novo
culto que se difundiu, provavelmente pelos Andes intei-
46    História da América Colonial e Independente

ros. A imagem do jaguar ou da puma, em trono da qual


se cristalizava esse culto, expandiu-se muito rapidamente
a partir de 900 a.C.

(...) Ela aparece com graus diversos de estilização, gravada


em pedra, modelada em argila, pintada sobre construções ou
impressa em lâminas de ouro, em lugares separados entre si
por várias centenas de quilômetros. (FAVRE, 1998, p. 8)

A cultura Chavin torna-se assim uma das primeiras ma-


trizes culturais sedimentadas na história da América Andina.
Logo depois vemos o surgimento de dois importantes impérios
regionais as margens do Lago Titicaca, estamos falando do
estado de Tiahuanaco e Huari por volta do Século VIII da nos-
sa era.

O primeiro expande-se para o sul e o segundo em direção


norte. No sítio central de Tiahuanaco destaca a Porta do Sol,
uma grande construção em pedra, entalhada em um bloco
único de andesita. Além da Porta do Sol, identifica-se uma
grande quantidade de imponentes edificações voltadas para
administração, cerimônias religiosas, cujos seus blocos de ro-
cha que o compõe podem pesar até 100 toneladas (Favre,
1998).

A expansão de Huari processou-se um pouco mais tarde,


por volta do Século IX, mas nesse momento, já havia recebido
uma forte influência de seu estado vizinho, Tiahuanaco, de
tal forma que acabaram por propagar uma mesma cultura
básica.
Capítulo 3    Pré-história Americana – o Clássico e o Pós-clássico    47

Segundo Favre (1998, p. 11), “Não é menos verdade, po-


rém, que durante dois ou três séculos elas foram as capitais de
grandes Estados andinos, antecipando-se como precursoras
dos vastos Impérios Chimu e Inca.”

O império Chimu por sua vez, inicia sua expansão a par-


tir da cidade de Chan Chan, localizada no norte do Vale do
Rio Moche por volta do Século VIII. O sítio arqueológico de
Chan Chan possuía uma área de 6 km² onde encontramos um
grande conjunto de estruturas, e especialmente uma pirâmide
escalonada que servia como plataforma sepulcral.

Deslocando-se para leste, o imperialismo Chimu estava


condenado a se chocar com o imperialismo Inca, que se
exercia paralelamente ao longo das depressões internas
das cordilheiras. O choque dos dois imperialismos deve-
ria ser fatal a mais brilhante de todas as civilizações ja-
mais surgidas sob o sol dos Andes. (FAVRE, 1998, p. 13)

3.5 Império Inca

Quando tratamos do Império Inca nos impressionamos com


a dimensão e a magnitude do maior império do Continente
Americano – o Tahuantinsuyo. Em termos de dimensões, en-
globa parte dos atuais estados: Peru, Bolivia, Argentina, Chile
e Bolivia.

Sua organização econômica estava assentada na agricul-


tura e especialmente na forma de organizar a força de traba-
48    História da América Colonial e Independente

lho, através de unidades relativamente autônomas chamadas


de Ayllu.

Os Ayllu eram unidades familiares a partir das quais se


organizava a obtenção dos recursos alimentares, uma vez que
cada Ayllu tinha sua própria área de cultivo e pastagens, es-
tando essas últimas localizadas nas regiões mais altas e frias,
onde a agricultura dificilmente seria realizada. O principal ani-
mal domesticado nesse tempo eram as Lhamas e Alpacas.

Cabe salientar ainda a organização centralizada e eficien-


te do Império incaico. Ainda que tenha sido o único império
conhecido que não possuía um sistema de escrita, todo o con-
trole estatal, dos armazéns e da produção, era feito através
de um instrumento conhecido com o quipo, semelhante a um
ábaco.

Outra grande característica dos Incas foi o impressionante


sistema de comunicação criado. Através de estradas, permi-
tam a troca de mensagens de um lado a outro do império em
poucos dias, uma vez que os mensageiros contavam com es-
tradas em boas condições, e postos de descanso em intervalos
regulares onde os mensageiros eram substituídos e a mensa-
gem passada adiante.

E como isso iniciou?


Segundo o autor Henri Favre (1998) no início da conquista
Chimu, ao fim do século XIII uma pequena tribo chegava às
entranhas dos Andes no Peru. A localidade na qual primei-
ramente se estabelece o agrupamento que então podemos
chamar de Incas, já está povoada por outros três grupos hu-
Capítulo 3    Pré-história Americana – o Clássico e o Pós-clássico    49

manos, mas pelo que as prospecções arqueológicas confir-


mam, a própria mitologia de surgimento e criação creditada
pelos povos da região a ser ocupada também pelos Incas, será
modificada para a aceitação dos novos habitantes da região.
Ou seja, será da crença geral daqueles moradores dos Andes,
que todos os quatro povos, no início dos tempos, saíram da
mesma gruta onde, sem pai, nem mãe, nem terras, saíram
quatro irmãos que dariam origem então a esses grupos. Esse
mito seria interesse dos quatro perante a situação vigente de
inferioridade dos grupos dos Andes em comparação às demais
sociedades na região.

A Confederação Cuzquenha se dividiu em duas metades,


Hanan, a metade “forte”, constituída pela parte de cima, com
os ocupantes iniciais daquela região fazendo às vezes políticas
e religiosas da confederação e Hurin representando a metade
“fraca”, de baixo, constituída pelos Incas, controlando princi-
palmente o militarismo e a belicosidade da organização. Os
chefes incas eram denominados Sinchis (chefes de guerra) e
garantiam o culto ao deus Inti por parte dos Incas, mas ainda
dependiam ritualmente das autoridades da metade oposta.

Os sucessos militares na expansão da confederação defi-


niram muito bem a importância da posição Incaica na federa-
ção Cuzquenha. Ou seja, a relação de forças entre os aliados
foi consideravelmente mudada em favor aos Incas, e o Sinchi
Inka Roka, no início de seu exercício como chefe de guerra,
derrubou pela violência as autoridades de Hanan, tomando
para si também as funções da metade de cima, o controle
político e religioso na confederação.
50    História da América Colonial e Independente

Ainda segundo Favre (1998) o Inka Roka é o primeiro que


podemos chamar de soberano Inca, chefiando sozinho todo o
estado Incaico, comandou diversas expansões e anexou inú-
meras aldeias. Exatamente isso fez com que se tornasse frá-
gil tudo àquilo que ele edificara, causando diversas revoltas
e golpes de estado. Por fim, Wiraqocha Inka subiu ao poder
e conseguiu neutralizar a situação anárquica em que se en-
contrava o estado Inca. Mais tardiamente, ele direcionou os
interesses de estado para o acesso ao planalto, incorporando
ali também diversos grupos.

O Estado Inca tornou-se forte e poderoso, mas o poder do


soberano Wiragocha Inka alcançava no máximo 40 quilôme-
tros além de Cuzco, muito pouco comparado ao que os Incas
alcançariam ainda com outros Imperadores. Muitas das ques-
tões do seu expansionismo e da sua magnificência vem do
caráter imperialista do estado Incaico, justificado pelos seus
líderes como a tentativa de levar a civilidade e a verdadeira
religião aos povos “bárbaros” e não civilizados. Diversas con-
quistas se seguiram, até mesmo os Chimu seriam então facil-
mente anexados, pois a sua maior característica era também
sua principal fraqueza, a dependência das obras hidráulicas.

Em 1532, na chegada dos espanhóis ao Peru, os Incas já


haviam dominado o planalto e a planície costeira dos Andes.
O Império Incaico cobria as regiões do norte da Colômbia até
Cuzco, e no sul, até Argentina e o Chile. Utensílios e ornamen-
tos foram transportados até o Panamá e praias Atlânticas do
Brasil. Enquanto toda a América do Sul vivia ainda em rela-
ções tribais, os Incas haviam criado um estado Imperial, forte,
enorme e soberano (FAVRE, 1998).
Capítulo 3    Pré-história Americana – o Clássico e o Pós-clássico    51

Em sua menor unidade, a sociedade Inca dividia seus “pro-


dutores” e alicerces econômicos em Ayllus, que eram comuni-
dades agro-pastoris que produziam sob chefia de um Kuraka,
ou chefe, que muitas vezes era o fundador daquele aglome-
rado social. Esses Ayllu podiam ser enormes, composto por
muitas famílias ou minúsculos. O interessante a ressaltar é o
sentimento de coletividade e direito de participação do todo,
que cada habitante tinha, assim como a ajuda mútua entre os
Ayllus. Não que isso fosse um interesse estatal, mas sim uma
necessidade de sobrevivência de cada unidade, o um precisa-
va do todo.

A economia dos Incas era basicamente agropastoril, suas


aldeias estendiam-se até uma altitude muito elevada, o que
dificultava as construções e a agricultura, portanto era preciso
de técnicas para aproveitar ao máximo esse ambiente. Como
o autor relata:

As aldeias eram construídas sobre elevações, sobre ro-


chas ou no topo de montanhas. As casas, com muros
de pedras grosseiramente colocadas, distribuíam-se sem
plano aparente, em função de uma topografia sumaria-
mente corrigida. As vezes se alinhavam sobre patamares
estreitos, outras vezes se aglutinavam em torno de pe-
quenos pátios, formando alvéolos separados por estrei-
tas ruelas. Certas aldeias compreendiam muitas centenas
de construções, enquanto outras não contavam mais que
algumas dezenas. A maioria delas era protegida, em dois
ou três lados, por um despenhadeiro a pique, e, no lado
pelo qual se fazia o acesso, por espessas muralhas dis-
postas em zigue-zague. (FAVRE, 1998, p. 25)
52    História da América Colonial e Independente

A atividade do pastoreio era de fundamental importância,


e visto que ela só tenha sido praticada nos Andes, e nenhum
outro lugar. Para isso cada família dispunha de pastagens (es-
tepes), “ali cresciam em tufos uma gramínea curta apropriada
para a alimentação de rebanhos, cuja guarda era confiada a
crianças e adolescentes” (FAVRE, 1998, p. 27).

O pastoreio baseava-se na domesticação de dois came-


lídeos, a alpaca, de onde se usava a lã para o artesanato
familiar de tecelagem, e a lhama que era utilizada como besta
de carga, pois podia atingir a velocidade de 30 km em curtas
distâncias. Além disso as carnes eram cortadas em fatias finas
e depois secas ao sol, e transformada em charki, a pele era uti-
lizada na confecção de sandálias, correias e bolsas, ainda os
ossos, eram importantes para a fabricação de agulhas e outros
utensílios, até mesmo os excrementos tinham aproveitamento,
pois eram usados como combustível nas regiões em que erma
escassos os arbustos.

Os incas souberam aproveitar ao máximo seu ambiente


hostil, com condições extremamente rigorosas, chegaram a
tornar produtivas cerca de 40 espécies vegetais, por via de
seleção e especialização, onde as principais são: batata, ki-
noa, milho, vagem, pimenta, batata-doce, abobora, cabaça,
mandioca, amendoim, abacate e algodão.

Utilizavam todo o território, desde as terras frias de elevadas


altitudes até os vales baixos e cálidos das planícies, faziam isso
com a criação dos terraços (terraplanagem), com uma surpre-
endente tecnologia de irrigação, de modo que todo o terreno
ficasse próprio para o plantio, dessa forma conseguiam maior
Capítulo 3    Pré-história Americana – o Clássico e o Pós-clássico    53

aproveitamento do solo e das condições climáticas necessá-


rias para cada espécie. Mesmo com tamanha tecnologia no
campesinato, o clima era extremamente rigoroso, o que po-
dia arruinar com a plantação, por isso foi preciso desenvolver
meios que permitissem a estocagem de alimentos, através da
desidratação de tubérculos, dessa forma poderiam ser guarda-
dos por um longo período.

O arroz andino, que cresce nas matas, trazia para um re-


gime alimentar pobre em sais minerais os elementos que
lhe faltava. Quanto ao milho, conhecido e apreciado de
longa data em todo o território, era cultivado nos con-
trafortes, sobre os flancos dos vales, em lugares bem ex-
postos porém bem abrigados dos ventos e do gelo, que
criavam microclimas favoráveis. (FAVRE, 1998, p. 29).

Com tamanha dificuldade com o cultivo do milho, esse era


consumido em momentos especiais, em rituais, na fabricação
de bebida para as festas, e a farinha que era utilizada para
oferendas e sacrifícios. O crescimento da produção do milho
foi paralelo a expansão do império e a edificação da estrutura
do estado.

Em cada região existia um Ayllu dominante, onde o Kuraka


tinha poder de fiscalizar e comandar os outros Ayllus de sua
região, sendo esse então, o Kuraka maior (FAVRE, 1998). A
taxação e pedidos diretos de porcentagem na produção dos
Ayllus, só irá surgir com a presença espanhola, antes disso, a
forma de subserviência se dará em forma de corveia. Ou seja,
na forma de fornecimento de mão de obra dos Ayllus sub-
servientes ao Kuraka maior, e esse ao Imperador. Lideranças
54    História da América Colonial e Independente

locais eram mantidas e tinham como mais importantes aqueles


que mais tinham mão de obra disponível.

Cada imperador mantinha o poder por si só, ele era o po-


der e somente ele o garantiria. Tal poder não era estendido a
um filho, ou garantido por uma dinastia. Em cada fim de era
imperial, o estado Inca entrava em um ritmo anárquico, onde
na ausência de poder, diversos golpes de estado surgiam, e
somente pela força um novo Imperador podia surgir. O novo
imperador vencedor então era investido por um sacerdote com
o poder e como o filho do Sol, vindo da violência, o poder
também só se mantinha através dela. Isso talvez tenha sido um
dos principais colaboradores para a conquista espanhola nos
Andes.

Segundo Henri Favre (1998) os Incas não parecem ter tido


escrita, apesar de diversas teorias acerca dos desenhos nos
ornamentos e tecidos, nenhuma delas chegou a um resultado
que provasse que esses seriam grifos ou ideogramas lógicos,
que expressariam linguagens padronizadas, formulando uma
escrita de comunicação.

Como não havia um sistema de escrita, para gerir o impé-


rio eram utilizados os kipu, constituídos por um cordão a que
se liga a cordões menores de diferentes cores. Que segundo
o autor:

O Kipu era constituído por um cordão medindo alguns


centímetros a mais que um metro de comprimento. Desse
cordão pendiam diversos cordõezinhos com nós, torções
e cores variadas. Cada cordãozinho assim singularizado
correspondia a objetos de mesma natureza, enquanto os
Capítulo 3    Pré-história Americana – o Clássico e o Pós-clássico    55

nós que ele compreendia exprimiam o valor numérico


desses objetos. Um nó simples representava o número 1.
Nós cada vez mais grossos representavam os números
de 2 a 9. O conceito de zero era subentendido. (FAVRE,
1998, p. 68).

Através do Kipu, os incas mantinham estatísticas atualiza-


das do império, como número de habitantes, tributos pagos e
quantidade de armas. Entre as práticas medicinais dessa civi-
lização, que até hoje intrigam os pesquisadores, está o proce-
dimento cirúrgico conhecido como trepanação, ou perfuração
no crânio, feito geralmente em adultos.

Os mitos dos quais temos acesso vêm então de relatos


orais a compiladores europeus. Mesmo nessa ótica iletrada da
cultura Inca, é importante notarmos que apesar de não regis-
trarem grifamente os estudos sobre os astros e o céu, a astro-
nomia não era ignorada por essa civilização, sendo que cada
mês do ano, tinha atividades rituais características, referidas a
astros como a Lua e o Sol.

Na arquitetura os Incas realizaram maravilhas, edificaram


cidades nos altos de montanhas, utilizando enormes pedras
transportadas e extraídas de pedreiras próximas. As paredes
das construções possuíam então essas grandes rochas, per-
feitamente cortadas, enquanto os tetos eram feitos de palha
e madeira. A principal característica na arquitetura Inca era a
forma de trapézio, que tinham as aberturas das construções.

Também produziam tecidos ricamente coloridos e decora-


dos, assim como uma diversidade enorme de vasilhames de
cerâmica, tigelas, pratos fundos, grandes recipientes e etc. Em
56    História da América Colonial e Independente

geral o vasilhame eram muito finos, bem polidos e com pro-


porções harmônicas.

No uso dos metais, ignoraram o ferro, mas tinham grande


prática e sabedoria no domínio do ouro, da prata e do cobre.
Sabiam inclusive fazer a liga de estanho para obter o cobre e a
extração da platina. Esses objetos foram encontrados inclusive
na Amazônia e nos Pampas, uma prova do poderio Inca, que
levou a todo continente sul-americano sua magnitude, esse
que ainda talhava e polia a pedra.

Referências bibliográficas

FAVRE, Henri. A civilização Inca. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

GENDROP, Paul. A civilização Maia. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

SOUSTELLE, Jcques. A civilização Asteca. Rio de Janeiro: Zahar,


2002.

FIDEL, Stuart J. Prehistoria de America. Barcelona: Crítica,


1996.

Atividades

1. O texto a seguir: (...) contavam geralmente com dezenas


de milhares de pessoas. Existia usualmente uma comuni-
dade central, maior que o resto, onde vivia o chefe, seus
parentes e agregados. (Fidel, 1996: 256)
Capítulo 3    Pré-história Americana – o Clássico e o Pós-clássico    57

Refere-se a:

a) Sociedades autônomas e auto suficientes economica-


mente.

b) Grupos de caçadores-coletores especializados.

c) Grupos agricultores marginais.

d) Sociedades manufatureiras.

e) Chefaturas.

2. Sobre a Cultura Olmeca é correto afirmar:

I – Estava localizada na costa do pacífico centro-ame-


ricano.

II – Possuía uma organização social simples, típica dos


grupos caçadores-coletores.

III – Possuíam grandes cabeças monumentais esculpidas


em pedra.

Sobre as afirmações acima podemos considerar:

a) Somente I está corretas.

b) Somente II está corretas

c) Somente III está corretas.

d) Todas as alternativas estão corretas.

e) Todas as alternativas estão erradas.


58    História da América Colonial e Independente

3. A Pirâmide do Sol.

a) Está localizada na cidade de Tikal.

b) Está localizada na cidade de Teotihuacan.

c) Está localizada na cidade de Monte Alban.

d) Está localizada na cidade de Tiuhanaco.

e) Está localizada na cidade de Vera Cruz.

4. Considere a afirmação a seguir sobre o Império Asteca:

“Suas raízes culturais estão ancoradas nas populações que


ocuparam o Planalto Central Mexicano, desenvolveram na re-
gião uma agricultura eficiente que permitiu um adensamento
populacional sem precedentes”.

a) Está parcialmente correta.

b) Está parcialmente errada.

c) Não refere-se aos Astecas como sugere o enunciado.

d) Esta correta.

e) Está errada.

5. As culturas: Chavin, Tiuahanaco e Chimu. São predeces-


soras do Império Incaico.

A afirmação acima:

a) Esta completamente correta.

b) Está completamente errada.


Capítulo 3    Pré-história Americana – o Clássico e o Pós-clássico    59

c) Está parcialmente correta, pois a Cultura Chavin é pre-


decessora do Império Asteca.

d) Está parcialmente errada a Cultura Chimu não é pre-


decessora do Império Incaico

e) Está parcialmente errada pois a cultura Tiuahanco não


é predecessora do Império Incaico.

Gabarito

1 E, 2 C, 3 B, 4 D, 5 A.
Juliane Maria Puhl Gomes1

Capítulo 4

Diferentes Mundos Que


se Econtram

1
  Mestre em História. Professora da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA.
Capítulo 4    Diferentes Mundos Que se Econtram    61

Introdução

Nos capítulos anteriores vimos um pouco da história de alguns


grupos que ocupavam a América antes da chegada dos euro-
peus. Estes diversos povos “ameríndios” formavam um mosai-
co cultural riquíssimo, aliás muito maior do que temos regis-
tro, pois infelizmente muitos grupos foram dizimados deixando
apenas vestígios de sua cultura material. Perdemos cantos,
crenças, danças, mitos, dentre outras tantas coisas importan-
tes que nos diriam mais sobre estas populações. Muitas delas
foram registradas pelos recém chegados à América (os euro-
peus), que relataram o que viram, ouviram, bem como suas
percepções do “Novo Mundo” e suas “gentes”. Porém, temos
que ter cuidado com este olhar, pois ele é a visão “do outro”,
que naquele momento se vê como o portador de uma cultura
superior ante aos “selvagens”, sem lei, rei e fé... Será? Este ca-
pítulo tenta dar voz a estes povos que durante muitos e muitos
anos ficaram mudos dentro da história da América. Também
apresentamos o “outro”, ou seja, os homens de “além mar”
(europeus), os motivos que os trouxeram e como foi este en-
contro, ou seria desencontro?

4.1 Os homens de “além mar”

“Navegar é preciso, viver não é preciso!” (Pompeu)

Um dos aspectos importantes para iniciarmos as reflexões


acerca do processo de conquista da América é entender que
62    História da América Colonial e Independente

homens são estes que chegam do “além mar” e se encontram


(ou seria desencontram?) com as culturas americanas.

Muito estudamos, nas séries escolares, sobre o dia 12 de


outubro de 1492, ou seja, a chegada de Cristóvão Colombo e
seus homens na América, em suas famosas naus Santa Maria,
Pinta e Niña, pensando estarem aportando nas Índias Orien-
tais... Mas a questão é: que homens são esses?

A Espanha, neste período, já havia passado por várias situ-


ações internas que foram responsáveis pela formação de um
Estado Nacional com fortes bases cristãs. Esta base, em muito,
foi oriunda do longo processo de expulsão dos muçulmanos
do território espanhol, chamado de reconquista, que acabou
gerando um sentimento de pertencimento muito sólido entre
os espanhóis, que já chegam à América com o sentimento de
“eu” e do “outro” consolidados.

Muitos dos espanhóis que aqui chegaram haviam sido sol-


dados na reconquista. Como definem Wasserman e Guazzelli
(1996, p. 30), homens duros e experimentados nos comba-
tes, com lealdades pessoais solidamente constituídas, para os
quais a guerra era uma maneira legítima de ganhar a vida
e quem sabe fazer fortuna. Amparados pelas armas e pela
Igreja.

Se os aventureiros que fizeram a guerra buscavam pres-


tígio e riquezas, a contrapartida para a Igreja eram as
milhares de almas à espera da salvação, ainda que esta
não fosse desejada pelos infiéis ou gentios e que os mé-
todos de conversão fossem por demais coercitivos: o
catolicismo ampliava seu universo espiritual, o que por
Capítulo 4    Diferentes Mundos Que se Econtram    63

certo não veio desacompanhado de vultuosos bens ma-


teriais (WASSERMAN; GUAZZELLI,1996, p. 31),

Para Lopes (1999, p. 65),

A religião conferiu uma aura de respeitabilidade cristã


às extorsões do colonizador e mistificou o genocídio em
nome de uma suposta ‘missão civilizadora’, condicionan-
do o indivíduo à obediência passiva às estruturas vigentes.

Homens que viviam em um Estado unificado, que lutava


para manter religião, língua e cultura comuns, e que vinham
de uma sociedade em que o capital mercantil começava a se
tornar dominante, em um processo de transição da economia
feudal para a capitalista. Que viviam em locais com centros
urbanos já estruturados, mesmo que a maioria ainda vivesse
no campo. A herança muçulmana em muitas localidades era
forte, principalmente nas artes e na arquitetura, com sua rique-
za de traçados, cores e movimentos. A tecnologia, muito em
função dos anos e anos de combate, também era diversificada
e estava em amplo desenvolvimento. Os ventos do Renasci-
mento já sopravam nas artes em geral.

Por mais simples que fossem os marinheiros que acompa-


nharam os fidalgos e religiosos na aventura das navegações,
eles já conviviam em um universo que estava se “modernizan-
do”, cujas novas ideias lhes chegavam, mesmo que indireta-
mente. Nas palavras de J.H. Elliott (1998) eram fruto de uma
sociedade intranquila e relativamente móvel, ao mesmo tempo
inquisitiva e aquisitiva. “Inquisitiva sobre o mundo que estava
além de seus horizontes imediatos e aquisitiva em seu desejo
de objetos de luxo e iguarias exóticos, e de ouro que permitisse
comprar esses artigos (...)” (ELLIOTT, 1998, p. 139).
64    História da América Colonial e Independente

Ao mesmo tempo que as mentalidades já estavam mudan-


do, ainda que com a presença forte do sentimento cristão,
muitas crenças medievais se mantinham, dentre elas a da exis-
tência de ciclopes e sereias... Mesmo Colombo, considerado
um “homem moderno” para seu tempo, afirma em seu diário
de bordo: “O Almirante diz que na véspera, a caminho do rio
do ouro, viu três sereias que saltaram alto, fora do mar. Mas
elas não eram tão belas quanto se diz, embora de um certo
modo tivessem forma humana de rosto” (09/01/1493, apud
TODOROV, 1999, p. 19)

Estes homens se depararam com uma realidade com a


qual não viviam nem imaginavam existir: comunidades onde
ainda havia uma forte sociedade orgânica, ou seja, que des-
conheciam a propriedade privada (ou não viam função nela)
e onde o trabalho ainda era coletivo em prol de uma vida co-
mum, com chefes que detinham poderes políticos que muitas
vezes se confundiam, ou fundiam, com os religiosos e morais.
Andavam nus e não tinham vergonha de “suas vergonhas”.
Moravam em casas simples, muitas vezes coletivas, e dividiam
alimentos, tarefas e bens.

Não é difícil de entender o estranhamento que estes povos


causaram nos recém chegados europeus!

Mesmo quando eles adentraram o continente, sob lideran-


ça de Hernan Cortez, quase vinte anos depois de aportarem
em San Salvador, encontrando um império estruturado, bem
diferente das comunidades das ilhas, se sentiram culturalmente
diferentes e superiores.
Capítulo 4    Diferentes Mundos Que se Econtram    65

Viam nos índios apenas “os outros”, o caminho para o


ouro, terras, riquezas, glórias... Ficaram admirados com a or-
ganização e limpeza dos centros urbanos, com a educação do
gentio, principalmente daqueles que entendiam como súditos
dos imperadores. Na segunda carta que Hernan Cortez enviou
ao Rei da Espanha ele descreveu maravilhado a cidade de Te-
nochtitlán, edificada sobre o lago, e sua convivência com Mon-
tezuma, a quem descreveu como muito educado e receptivo.

Procurarei dar, mui poderoso senhor, um pequeno relato


das grandezas, maravilhas e estranhezas desta grande
cidade de Tenochtitlán, de sua gente, seus ritos e costu-
mes, assim como da maneira ordeira que governam, o
que se dá da mesma forma nas outras cidades. Mas, cer-
tamente, tudo que direi será pouco para descrever o que
aqui existe. Mas, pode acreditar vossa majestade que, se
algum erro cometer, será por exclusão e não por excesso.
(CORTEZ, 1999, p. 62)

Este mesmo homem maravilhado com as edificações, ves-


tes, adornos e alimentos dos seus “anfitriões”, em outras pas-
sagens os define como selvagens, infiéis e manda queimar po-
voados inteiros de 2, 3 mil pessoas, com crianças, mulheres
e idosos... A dualidade do conquistador, amparado pela con-
cepção de que matar índios não é delito, e por uma Igreja que
absolve esses atos, pois os mortos não aceitaram a conversão
e morreram infiéis.

Homens de seu tempo sem dúvida. Mas mesmo naque-


le tempo já havia outros que narravam tais atrocidades com
horror. Dentre eles merece destaque o Frei Bartolomé de Las
66    História da América Colonial e Independente

Casas (O Paraíso Destruído: a sangrenta história da conquista


da América espanhola), “(...) porque a maldade não se cura
senão denunciando-a, e há muita maldade que denunciar, e
a estou colocando onde ninguém me possa negá-la” (LAS CA-
SAS apud COLL, 1986, p. 144).

Um dos relatos mais conhecidos de Las Casas narra a che-


gada dos espanhóis na Ilha Hispaniola (atual São Domingos)
em 1502 (LAS CASAS, 2001). Segundo o Frei assim que che-
garam na ilha a matança dos homens já começou, bem como
a tomada de suas mulheres e crianças para servir aos capri-
chos dos conquistadores. Um dos aspectos ressaltados por
Las Casas é o mal uso dos alimentos obtidos pelos indígenas
e esbanjados pelos espanhóis por não entenderem, nem se
preocuparem com a dificuldade de sua obtenção. Segundo o
relato, “o que pode bastar durante um mês para três lares de
dez pessoas, um espanhol o come ou destrói em um só dia”
(2001, p.).

Aos poucos os índios vão se dando conta da exploração


e dos abusos, vendo que este povo que veio de fora não é
“divino” como pensaram em um primeiro momento. Alguns
tentam esconder seus alimentos, outros suas mulheres e filhos,
e muitos, que conseguem, fogem para terras distantes.

Os espanhóis lhes davam bofetadas, socos e bastonadas


e se ingeriam em sua vida até deitar a mão sobre os
senhores das cidades. E tudo chegou a tão grande teme-
ridade e dissolução que um capitão espanhol teve a ou-
sadia de violar pela força a mulher do maior rei e senhor
de toda esta ilha. Cousa essa que desde esse tempo deu
Capítulo 4    Diferentes Mundos Que se Econtram    67

motivo a que os índios procurassem meios para lançar os


espanhóis fora de suas terras e se pusessem em armas:
mas que armas? São tão fracos e de tão poucos expe-
dientes que suas guerras não são mais que brinquedos
de crianças que jogassem com canas ou instrumentos
frágeis. Os espanhóis, com seus cavalos, suas espadas e
lanças começaram a praticar crueldades estranhas; en-
travam nas vilas, burgos e aldeias, não poupando nem
as crianças e os homens velhos, nem as mulheres grávi-
das e parturientes e lhes abriam o ventre e as faziam em
pedaços como se estivessem golpeando cordeiros fecha-
dos em seu redil. Faziam apostas sobre quem, de um
só golpe de espada, fenderia e abriria um homem pela
metade, ou quem, mais habilmente e mais destramente,
de um só golpe lhe cortaria a cabeça, ou ainda sobre
quem abriria melhor as entranhas de um homem de um
só golpe. Arrancavam os filhos dos seios da mãe e lhes
esfregavam a cabeça contra os rochedos enquanto que
outros os lançavam à água dos córregos rindo e caçoan-
do, e quando estavam na água gritavam: move-te, corpo
de tal?! Outros, mais furiosos, passavam mães e filhos a
fio de espada. Faziam certas forcas longas e baixas, de
modo que os pés tocavam quase a terra, um para cada
treze, em honra e reverência de Nosso Senhor e de seus
doze Apóstolos (como diziam) e deitando-lhes fogo, quei-
mavam vivos todos os que ali estavam presos. Outros, a
quem quiseram deixar vivos, cortaram-lhes as duas mãos
e assim os deixavam; diziam: Ide com essas cartas levar
as notícias aos que fugiram para as montanhas. Dessa
maneira procediam comumente com os nobres e os se-
68    História da América Colonial e Independente

nhores; faziam certos gradis sobre garfos com um peque-


no fogo por baixo a fim de que, lentamente, dando gritos
e em tormentos infinitos, rendessem o espírito ao Criador.
Eu vi uma vez quatro ou cinco dos principais senhores
torrando-se e queimando-se sobre esses gradis e penso
que havia ainda mais dois ou três gradis assim aparelha-
dos; e pois que essas almas expirantes davam grandes
gritos que impediam o capitão de dormir, este último or-
denou que os estrangulassem; mas o sargento, que era
pior que o carrasco que os queimava (eu sei seu nome e
conheço seus parentes em Sevilha), não quis que fossem
estrangulados e ele mesmo lhes atochou pelotas na boca
a fim de que não gritassem, e atiçava o fogo em pessoa
até que ficassem torrados inteiramente e a seu bel prazer.
Eu vi as cousas acima referidas e um número infinito de
outras; e pois que os que podiam fugir ocultavam-se nas
montanhas a fim de escapar a esses homens desumanos,
despojados de qualquer piedade, ensinavam cães a fazer
em pedaços um índio à primeira vista. Esses cães faziam
grandes matanças e como por vezes os índios matavam
algum, os espanhóis fizeram uma lei entre eles, segundo
a qual por um espanhol morto faziam morrer cem índios.
(LAS CASAS, 2001, p. 34-36)

O relato acima é apenas um recorte do que aconteceu


em toda a América. Descrevemos aqui os espanhóis, mas da
mesma forma tivemos atrocidades cometidas por portugueses,
franceses, ingleses, dentre outros tantos grupos que aqui apor-
taram em busca de soluções aos problemas que assolavam a
Europa.
Capítulo 4    Diferentes Mundos Que se Econtram    69

Houve muita resistência por parte destes grupos que tive-


ram seu espaço invadido. Vários relatos narram homens, mu-
lheres e crianças pegando em armas, a destruição de aldeias
e roças ante a aproximação de europeus famintos, a fuga para
regiões mais distantes e inacessíveis, o aborto provocado por
mulheres desesperadas ante a escravidão e a fome que espe-
ravam seus filhos, os suicídios coletivos, dentre outras tantas
práticas (COLL, 1986).

4.2 Os que falam com voz própria

Já vimos como se deu o contato no período da conquista da


América e agora iremos dar voz aos próprios povos indígenas.
Algumas obras são resultado da compilação de discursos ou
cartas produzidas pelos próprios índios. Dentre elas se des-
tacam as organizadas por Dee Brown (Enterrem meu Cora-
ção na Curva do Rio: Índios contam o massacre de sua gente,
1970; recentemente adaptada ao cinema em filme de mesmo
título, 2007); Josefina Oliva de Coll (A Resistência Indígena:
Do México à Patagônia, a história da luta dos índios contra
os conquistadores, 1986); e T.C. McLuhan (Pés Nus Sobre a
Terra Sagrada: Um impressionante auto-retrato dos índios ame-
ricanos, 1994). Outra obra importante é a coletânea de fotos
de Edward S. Cutis (Los Indios de Norte-América: las carpetas
completas, 2003) que reúne cerca de 2200 fotografias de po-
vos indígenas tiradas entre os anos de 1907 e 1930.

Alguns relatos se perderam, outros nem chegaram a ser


feitos, pois como já vimos os grupos foram dizimados.
70    História da América Colonial e Independente

Só ocasionalmente foi ouvida a voz de um índio e, então,


mas frequentemente, não foi registrada pela pena de um
homem branco. O índio era a ameaça negra dos mitos
e, mesmo se soubesse escrever em inglês, onde encon-
traria um impressor ou editor? (BROWN, 1970, p. 13)

Existe um número razoável de discursos e escritos de índios,


principalmente da América do Norte, entre os séculos XVI e XX
que contam seu ponto de vista da ocupação por grupos não
indígenas (brancos como eram chamados até pouco tempo).
Grande parte deles apresenta a forte relação destas comuni-
dades com a natureza, com seu grupo, suas crenças e a ma-
neira com que viam o contato com não índios.

Dentre os vários pontos específicos de cada relato, há um


em comum, a relação com o meio. É “Impossível separar, sem
grandes perdas, a identidade cultural dos índios do seu lugar
e do modo como viviam.” (MCLUHAN, 1994, p. 7). E a autora
ainda complementa:

Os índios não consideravam virtuoso impor sua vontade


sobre o ambiente: para eles, a posse privada, quase sem
exceção, levava ao empobrecimento, não à riqueza. O
significado de suas vidas transparecia no relacionamento
com os outros e com a terra natal, cujas profundidade e
ressonância eram cultivadas pela memória. (MCLUHAN,
1994, p. 7-8).

No intuito de dar voz a estes grupos ilustrando a estreita re-


lação destes com o meio, compilaremos alguns trechos destas
falas, contextualizando seus autores e períodos.
Capítulo 4    Diferentes Mundos Que se Econtram    71

O discurso abaixo foi proferido pelo chefe Weninock, da


tribo Yakima (EUA) em 1915, perante a Corte Suprema du-
rante o julgamento que pleiteava a manutenção de parte das
terras deste grupo, que haviam sido cedidas aos Estados Uni-
dos. O grupo ganhou a causa, mantendo seu direito de posse
e também a liberdade de pescar em um dos rios a que eram
acostumados desde sempre, ponto mais importante da argu-
mentação.

Deus criou o país índio e foi como se estendesse um


grande cobertor. Pôs os índios ali. Neste país verdadei-
ramente justo os índios foram criados. Houve um tempo
que este rio começou a correr. Então Deus pôs o peixe no
rio e o veado na montanha, fazendo as leis que permi-
tissem aumentar a pesca e a caça. Então o Criador nos
deu a vida de Índios. Saíamos caminhando e, assim que
víamos o veado e o peixe, compreendíamos que tinham
sido feitos para nós. Para as mulheres, Deus mandou que
colhessem as raízes e os grãos. E os índios foram cres-
cendo e se multiplicando como um povo.

Quando fomos criados, recebemos nossa terra para vi-


ver, e datam desse tempo nossos direitos. Tudo isso é ver-
dade. Tínhamos peixe antes dos missionários chegarem,
antes do homem branco chegar. Fomos postos aqui pelo
Criador e esse direito é tão antigo como a lembrança do
meu avô. Era o alimento de que vivíamos. Minha mãe
colhia grãos, meu pai pescava e caçava o veado. Estas
palavras são minhas e são verdadeiras. Minha força vem
do peixe, meu sangue vem do peixe, das raízes e dos
grãos. A caça e a pesca são a essência da minha vida.
72    História da América Colonial e Independente

Não fui trazido nem cheguei aqui de um país estranho.


Fui posto aqui pelo Criador.

Não tínhamos gado, nem porcos, apenas raízes, frutos,


caça e pesca. Jamais pensamos que haveríamos de ter
problemas por causa disso e digo, e acredito, que não
estamos errados em querer esta comida. Quando chega
a época de buscarmos o alimento, elevo preces de agra-
decimento ao Criador por sua generosidade.

Quero que este tratado mostre à Corte o que eram nos-


sos direitos à pesca. (...) (WENINOCK apud MCLUHAN,
1994, p. 16-17)

Esta relação forte com a Terra e o entendimento dela como


parte orgânica do grupo, é descrita em várias passagens de
cartas e discursos de diferentes grupos indígenas. A maior par-
te deles aponta para o fato dos não índios não entenderem,
nem ouvirem o clamor da Terra. Os índios não entendiam a
relação de exploração dos recursos para comércio. Também
questionavam o fato de que estes recursos eram levados da
América sem serem renovados depois disso, fato que os pre-
ocupava muito, pois entendiam que recursos não renovados
significaria sérios problemas às futuras gerações, que seriam
privadas dos mesmos.

O homem branco jamais se preocupou com a terra, nem


com o veado, nem com o urso. Quando nós índios ma-
tamos um animal, comemos ele todo. (...) Não derru-
bamos as árvores. Usamos apenas madeira morta. Mas
os brancos reviram a terra, arrancam as árvores, matam
tudo. A árvore diz: “Não! Eu sou sensível. Não me fira”.
Capítulo 4    Diferentes Mundos Que se Econtram    73

Mas eles a derrubam e a cortam em pedaços. O espírito


da terra os odeia. Eles destroem as árvores e as puxam
pelas entranhas. Eles serram as árvores. Isto as fere. Os
índios nunca ferem nada, enquanto que os brancos des-
troem tudo. (...) Como é que o espírito da terra pode
gostar do homem branco?... Onde o branco põe a mão
há sofrimento.” (Fala de uma velha Wintu religiosa, re-
gistrada pela antropóloga Dorothy Lee, apud MCLUHAN,
1994, p. 19).

Tatanga Mani (Búfalo Andarilho), um índio da tribo Sto-


ney (Canadá) foi adotado por um missionário não indígena
e educado em escolas formais, mas nunca deixou sua cultura
original. Quando adulto viajou pelo mundo representando os
povos indígenas. Em 1957, aos 87 anos proferiu um discurso
em Londres, no qual declarou:

Montanhas são sempre mais belas que edifícios de pe-


dra, vocês sabem. Viver na cidade é uma existência artifi-
cial. Quantas pessoas jamais sentiram o solo real sob os
pés, ou viram uma planta crescer a não ser em vasos, ou
se afastaram o suficiente da iluminação urbana para sur-
preender o encanto de uma noite estrelada. Quando as
pessoas vivem longe das paisagens criadas pelo Grande
Espírito, logo acabam por esquecer suas leis.

Éramos um povo sem lei, mas nos dávamos muito bem


com o Grande Espírito, criador e legislador de tudo. Vo-
cês, brancos, diziam que éramos selvagens. Vocês não
entendiam nossas preces. Nem procuravam entender.
74    História da América Colonial e Independente

Quando cantávamos para o sol, a lua ou o vento, di-


ziam que estávamos adorando ídolos. Sem compreender
nos condenavam como almas perdidas, só porque nossa
forma de adoração era diferente da de vocês. Víamos
a obra do Grande Espírito em quase tudo: sol, lua, ár-
vores, vento e montanhas. Às vezes nos aproximávamos
Dele através dessas coisas. Havia algum mal? Acho que
temos uma crença verdadeira no ser supremo, uma fé
mais forte que a maioria dos brancos que nos chamam
de pagãos... Vivendo junto à natureza e do seu criador,
os índios vivem na escuridão.

Vocês sabiam que as árvores falam? Pois é verdade. Fa-


lam entre si, e falarão com você se quiser escutar. O pro-
blema é que os brancos não escutam. Não aprenderam
a escutar os índios, e assim não creio que possam ouvir
vozes na natureza.

Mas eu aprendi um bocado com as árvores: às vezes


sobre o tempo, às vezes sobre os animais, às vezes sobre
o Grande Espírito.” (TATANGA MANI apud MCLUHAN,
1994, p. 25-26).

Um dos discursos indígenas mais conhecidos é o do Che-


fe Seattle (tribo Duwamish, em algumas obras aparece como
Suquamish), ao governador Isaac Stevens (1855), quando teve
que entregar suas terras no Tratado de Port Elliot, dando ori-
gem à cidade com seu nome (Seattle).

Hoje somos poucos. Meu povo se assemelha às árvores


dispersas em uma planície varrida pelos ventos... Houve
um tempo em que cobríamos a terra como as ondas de
Capítulo 4    Diferentes Mundos Que se Econtram    75

um mar agitado sobre as conchas da praia. Mas esse


tempo há muito se foi levando a grandeza das tribos, de
que resta hoje apenas uma triste memória... Para nós, as
cinzas de nossos antepassados e o seu lugar de descan-
so são sagrados. Vocês vagueiam longe das sepulturas
de seus antepassados e aparentemente não se importam
com isso. A religião de vocês foi escrita em tábuas de
pedra pelo fogo de Deus para que não esquecessem.
O Homem Vermelho jamais poderá compreender isso.
Nossa religião são as tradições dos antepassados – os
sonhos dos velhos, revelados nas horas solenes pelo
Grande Espírito, e as visões de nossos chefes. Ela está es-
crita no coração do povo. Os mortos de vocês cessam de
amar a terra em que nasceram assim que ultrapassam os
portais do túmulo e viajam para além das estrelas. São
logo esquecidos e não mais retornam. Nossos mortos
nunca esquecem o belo mundo que os trouxe à vida...
Quando o último índio houver perecido e a memória de
minha tribo se tornar um mito entre os brancos, estas
praias estarão repletas com os nossos mortos invisíveis. E
quando os filhos dos filhos de vocês se acharem sozinhos
no campo, no mercado, no trabalho ou no silêncio dos
bosques, eles não estarão sozinhos... À noite, quando as
ruas das aldeias e cidades estiverem silenciosas e todos
pensarem que estão desertas, estarão apinhadas de espí-
ritos de índios que um dia habitaram e ainda amam esta
bela terra. O Homem Branco nunca estará sozinho. Que
ele seja justo e trate bem meu povo, porque os mortos
não são desprovidos de poderes. Eu disse mortos? Não
existe morte. Apenas mudança de mundos. (SEATTLE
apud MCLUHAN, 1994, p. 28-29).
76    História da América Colonial e Independente

Ainda no mesmo discurso o Chefe Seattle toca em alguns


pontos muito importantes e que vemos em várias falas dos
europeus, a questão da suposta superioridade cultural euro-
peia. Os europeus viam os índios como selvagens sem cultura,
sem lei, rei ou fé. Sentiam-se superiores por terem tais quesi-
tos, além de tecnologia mais elaborada que as dos indígenas.
Os grupos de cultura nativa não entendiam a degradação do
meio ambiente em prol do crescimento urbano como algo
bom à sociedade e aos homens.

Seu apetite [homem branco] vai exaurir a terra, deixando


atrás de si só desertos.

Isso eu não compreendo. Nosso modo de ser é comple-


tamente diferente do vosso. A visão de vossas cidades faz
doer aos olhos do Homem Vermelho. Talvez seja porque
o Homem Vermelho é um selvagem e como tal nada pos-
sa compreender.

Nas cidades do homem branco não há um só lugar onde


haja silêncio e paz. Um só lugar onde ouvir o farfalhar
das folhas na primavera, o zunir das asas de um inseto.
Talvez seja porque sou um selvagem e não possa com-
preender. (...)

O ar é precioso para o Homem Vermelho, pois dele to-


dos se alimentam. Os animais, as árvores, o homem,
todos respiram o mesmo ar. O homem branco parece
não se importar com o ar que respira. Como um cadáver
em decomposição, ele é insensível ao mau cheiro. (...)
Capítulo 4    Diferentes Mundos Que se Econtram    77

Os homens brancos também passarão; talvez mais cedo


do que todas as outras tribos. Contaminai a vossa cama,
e vos sufocareis em uma noite em meio de vossos pró-
prios excrementos. Mas no vosso parecer, brilhareis alto,
iluminados pela força do Deus que vos trouxe a essa terra
e por algum favor especial vos outorgou domínio sobre
ela e sobre o homem vermelho. Este destino é um mis-
tério para nós, pois não compreendemos como será no
dia em que o último búfalo for dizimado, os cavalos sel-
vagens domesticados, os secretos recantos das florestas
invadidos pelo odor do suor de muitos homens e a visão
das brilhantes colinas bloqueada por fios falantes. Onde
está o matagal? Desapareceu. Onde está a águia? De-
sapareceu. O fim do viver e o início do sobreviver. (SEAT-
TLE apud PINSKY et al., 1994, p. 39; 41)

Dentro desta mesma linha de pensamento, e de forma ain-


da mais enfática, temos o discurso do Chefe Gaspesian, tribo
Micmac (Canadá), de 1676, respondendo a um grupo de ca-
pitães franceses que argumentavam a superioridade cultural
europeia, e da França em especial, sobre as culturas nativo
americanas.

Vocês nos censuram injustamente, alegando que nosso


país é um pequeno inferno na terra em contraste com a
França, um paraíso terrestre, já que possui – como di-
zem – todo tipo de provisão em abundância. Também
afirmam que somos os mais miseráveis e infelizes
dos homens, vivendo sem religião, sem educação,
sem honra, sem ordem social, como os animais dos
bosques e florestas, privados de pão, vinho e uma infi-
78    História da América Colonial e Independente

nidade de outros confortos que são comuns na Europa.


Bem, irmãos, se ainda não sabem o que os índios real-
mente pensam de vosso país e das vossas nações, eu vou
dizer agora.

Peço que acreditem – por mais que pareçamos miserá-


veis aos olhos de vocês – que nos julgamos mais felizes,
porque nos contentamos com o pouco que temos. Vocês
se decepcionarão enormemente se pensam em nos con-
vencer de que vosso país é melhor do que o nosso. Se
a França fosse um paraíso terrestre como estão dizendo,
seria sensato deixá-la? Por que abandonariam mulheres,
filhos, parentes e amigos? Por que arriscariam a vida e as
propriedades? E por que se entregariam, com todos es-
ses perigos, às tempestades e tormentas no mar, a fim de
chegar a uma terra estranha e bárbara que consideram
a mais pobre e menos afortunada do mundo?

Quanto a nós, que estamos convencidos do contrário,


dificilmente iríamos à França, pois temos boas razões
para acreditar que lá encontraríamos pouca satisfação,
visto que os próprios franceses a abandonaram para vir
enriquecer em nossas praias. Além disso, acreditamos
que vocês são incomparavelmente mais pobres que nós,
e não passam de simples operários, criados, servos e es-
cravos, ainda que aparentem ser grandes senhores e ca-
pitães, (...) vem pescar conosco o bacalhau para encon-
trar sustento e o conforto à miséria e à pobreza que os
oprime. (...) Percebemos que vocês vivem, de um modo
geral, apenas do bacalhau que pescam. Eternamente ba-
calhau. A tal ponto que, se querem comer algo melhor, é
Capítulo 4    Diferentes Mundos Que se Econtram    79

às nossas custas. Pois vocês são obrigados a recorrer aos


índios, que tanto desprezam, e a acompanhá-los nas ca-
çadas, das quais tiram proveito. Agora digam-me apenas
isso, se ainda possuem bom senso: qual dos dois é mais
sábio e o mais feliz – o que trabalha sem cessar e só con-
segue, com muito esforço, o bastante para sobreviver, ou
aquele que descansa na tranquilidade e tem tudo o que
precisa no prazer da caça e da pesca?

(...) Saibam, portanto, de uma vez por todas, quero abrir


meu coração a vocês, irmãos: não há um índio sequer
que não se considere infinitamente mais feliz e mais
saudável que os franceses.” (CHEFE GASPESIAN apud
MCLUHAN, 1994, p. 41-43, grifo nosso).

Os remanecentes destes povos indígenas vivem em reser-


vas e centros urbanos em toda América. Resistiram à conquis-
ta, às mudanças impostas por culturas diferentes das suas e
continuam lutando, 522 anos depois, pelo reconhecimento de
seus direitos.

Fechamos este capítulo com um provérbio indígena brasi-


leiro2,

Roubaram nossos frutos, arrancaram nossas folhas, cor-


taram nossos galhos, queimaram nossos troncos, mas
não deixamos arrancar nossas raízes. Por isto ainda estou
aqui! Raízes indígenas que afundam na memória dos an-

2
  Provérbio indígena recitado na palestra de inauguração do Núcleo de Estudos
Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI) da ULBRA Canoas, proferida pelo Cacique
Kaingang Zaqueu Key Claudino (maio 2014).
80    História da América Colonial e Independente

cestrais, no sonho de viver em terras demarcadas, livres


para dançar, celebrar e festejar a terra que é mãe.

Referências bibliográficas

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Capítulo 4    Diferentes Mundos Que se Econtram    81

MCLUHAN, T.C. Pés Nus Sobre a Terra Sagrada: Um im-


pressionante auto-retrato dos índios americanos. 2.ed. Por-
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São Paulo: Contexto, 1991.

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outro. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

WASSERMAN, Cláudia; GUAZZELLI, Cesar B. História da


América Latina: Do descobrimento a 1900. Porto Alegre:
Editora da Universidade/UFRGS, 1996. [Síntese Universitá-
ria, 52/53].

Atividades

1. Os europeus já chegam à América com uma forte identi-


dade. Isto se deve ao fato de que:

I – O processo de formação do Estado Nacional espa-


nhol já estava muito adiantado;

II – A guerras de reconquista já haviam colaborado para


o entendimento do “eu” e do “outro”;

III – A forte base cristã da Espanha, justificava a conquis-


ta e de certo modo a “superioridade” dos espanhóis em
relação a outros povos não cristãos;

a) As alternativas I e III estão corretas.


82    História da América Colonial e Independente

b) As alternativas I e II estão corretas.

c) }As alternativas II e III estão corretas.

d) A alternativa II é correta.

e) Todas as alternativas estão corretas.

2. O autor H. Elliott afirma que os espanhóis eram fruto de


uma sociedade intranquila e relativamente móvel, ao mes-
mo tempo inquisitiva e aquisitiva.

O autor justifica essa afirmação explicando que:

I – A sociedade espanhola era inquisitiva sobre o mundo


que esta além de seus horizontes imediatos;

II – Era aquisitiva em seu desejo de objetos de luxo e


iguarias exóticos, e de ouro que permitisse comprar es-
ses artigos;

III – A sociedade espanhola era inquisitiva sobre as


questões de religiosidade, tanto que a Igreja deu todo
suporte para que viajassem para além de seus horizon-
tes imediatos;

IV – Era aquisitiva, pois a doutrina mercantilista da épo-


ca estimulava o acumulo de moedas e metais.

a) As alternativas I, II e IV estão corretas.

b) As alternativas I, II e III estão corretas.

c) As alternativas II, III e IV estão corretas.

d) As alternativas I e II estão corretas.


Capítulo 4    Diferentes Mundos Que se Econtram    83

e) As alternativas III e IV estão corretas.

3. Podemos até entender o estranhamento que os grupos in-


dígenas causaram nos espanhóis, mas como vimos neste
capítulo, alguns homens contemporâneos à conquista, de-
monstraram horror frente às atrocidades cometidas con-
tra as populações que aqui viviam. “Faziam apostas sobre
quem, de um só golpe de espada, fenderia e abriria um
homem pela metade, ou quem, mais habilmente e mais
destramente, de um só golpe lhe cortaria a cabeça, ou ain-
da sobre quem abriria melhor as entranhas de um homem
de um só golpe.” O autor deste relato é:

a) Dee Brown (Enterrem meu Coração na Curva do Rio:


Índios contam o massacre de sua gente).

b) Bartolomé de Las Casas (O Paraíso Destruído: a san-


grenta história da conquista da América espanhola).

c) Josefina Oliva de Coll (A Resistência Indígena: Do Mé-


xico à Patagônia, a história da luta dos índios contra os
conquistadores).

d) T.C. McLuhan (Pés Nus Sobre a Terra Sagrada: Um im-


pressionante auto-retrato dos índios americanos).

e) Edward S. Cutis (Los Indios de Norte-América).

4. Houve muita resistência por parte dos grupos que já viviam


na América. Algumas das práticas conhecidas eram:

I – Entregar as crianças aos espanhóis para que entendessem


a cultura indígena.
84    História da América Colonial e Independente

II – O roubo de crianças europeias para que fossem educadas


dentro das concepções indígenas.

III – A destruição de aldeias e roças ante a aproximação dos


grupos de europeus famintos.

IV – O aborto provocado por mulheres desesperadas ante a


escravidão e a fome que esperavam seus filhos nas mãos
dos europeus.

V – Os suicídios coletivos.

a) As alternativas I, II, III e IV estão corretas.

b) As alternativas I, II, III e V estão corretas.

c) }As alternativas II, III, IV e V estão corretas.

d) As alternativas III, IV e V estão corretas.

e) Todas as alternativas estão corretas.

5. Algumas obras apresentam a compilação de cartas, de-


poimentos e discursos indígenas. Podemos afirmar que
grande parte destas falas:

a) Apresenta a forte relação destas comunidades com a


natureza, com seu grupo, suas crenças, e a maneira
com que viam o contato com não índios.

b) Apresenta um inventário de bens culturais destruídos


pelos europeus.

c) É dirigida aos próprios grupos indígenas, no intuito de


arregimentar forças e lutar contra os não indígenas.
Capítulo 4    Diferentes Mundos Que se Econtram    85

d) Não corresponde de fato ao que ocorreu historica-


mente, pois apresenta uma visão parcial da conquista,
distorcendo a verdade histórica dos fatos.

e) indica o quanto os índios não estavam preparados


ante a superioridade cultural dos euorpeus.

Gabarito

1. E; 2.D; 3.B; 4.D; 5.A.


Juliane Maria Puhl Gomes1

Capítulo 5

A Colonização da
América: um Mecanismo
de Conquista do
Território

1
  Mestre em História. Professora da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA.
Capítulo 5    A Colonização da América: um Mecanismo...    87

Introdução

No capítulo anterior estudamos de que forma se deu o contato


entre os europeus e os grupos indígenas da América. Também
vimos o choque entre mundos muito diferentes a partir deste
contato.

Neste capítulo estudaremos os primeiros desdobramentos


da chegada à América, bem como os mecanismos da conquis-
ta espanhola e o início do processo de colonização das terras
americanas.

5.1 O declínio dos impérios

Uma das perguntas mais frequentes em relação à conquista da


América e a queda dos Impérios Asteca e Inca é, como? Como
foi possível que grupos tão organizados e numericamente su-
periores fossem dominados pelos europeus recém chegados?

Não existe uma explicação única! A resposta para esta


questão está na soma de diversos aspectos, muitos deles ante-
riores a chegada dos europeus.

A autora Marianne Mahn-Lot (1990) inicia a análise destas


questões por um dos argumentos muito utilizados: a superio-
ridade dos armamentos, ou seja, espadas, lanças, arcabuzes
e principalmente as balestras (cujas pontas agudas ultrapassa-
vam facilmente as túnicas de algodão dos guerreiros indíge-
nas), contra flechas e frondas dos índios. Segundo esta autora,
não podemos superestimar este fator, pois apesar das armas
88    História da América Colonial e Independente

de fogo causarem terror e pânico entre os indígenas que não


conheciam a pólvora, ela se deteriorava com rapidez com a
umidade natural do clima, além do que, as batalhas não eram
ordenadas o suficiente para que as armas fossem tão eficien-
tes. Os arcabuzes demoravam para ser carregados, e os cava-
los, assim como a pólvora, tinham um efeito mais psicológico
(numericamente eram poucos), pois não eram conhecidos na
América.

As balestras foram mais eficientes, principalmente no cor-


po a corpo, a não ser dentro da selva, onde eram de pou-
ca utilidade. Nestes ambientes os cachorros, treinados para
despedaçar os inimigos, eram muito eficientes. Os espanhóis
que mais tiveram sucesso nestas investidas foram aqueles que
haviam sido instalados nas Antilhas, onde treinaram nas cha-
madas “batalhas de pacificação”, e aprenderam a conhecer
os índios e seus mecanismos de defesa.

Mahn-Lot (1990, p. 19) salienta que um fator importante


foi o trauma.

A principio de ordem biológica: só a chegada dos euro-


peus, mesmo antes de qualquer ataque, provocava um
choque microbiano e viral que se traduzia por epidemias
assustadoramente assassinas para os índios.

Assim como as doenças, o choque mental também foi ex-


tremamente forte. A própria experiência de encontrar homens
vindos do mar em naus, com roupas estranhas, couraças, bar-
budos, armados com fogo que explodia, tinha algo de aterro-
rizante e ao mesmo tempo fascinante.
Capítulo 5    A Colonização da América: um Mecanismo...    89

Os Astecas, e o próprio imperador Montezuma ficaram en-


cantados com a chegada dos europeus, a ponto de considerá-
-los como mensageiros do deus Quetzalcoatl, cuja volta ao
mundo dos mortais estava anunciada. Os Incas viram neles
Viracochas (os anunciadores do deus civilizador).

Ao invés da volta de um deus que derrubaria as dinastias


reinantes e restauraria uma ordem antiga, os indígenas
constatavam que se lhes anunciava uma religião com-
pletamente nova, que rejeitava categoricamente suas
divindades ancestrais. Essa “morte dos deuses” se tra-
duziu por um enfraquecimento de qualquer resistência”
(MAHN-LOT, 1990, p. 20).

Outro choque foi o trabalho excessivo imposto aos ven-


cidos, e o desconhecimento da cultura original destes povos,
com regras próprias que englobava os indivíduos em um sis-
tema coerente. O trabalho compulsório empregado fora do
contexto cultural indígena tornou esses grupos oprimidos e de-
sarraigados.

Estes mecanismos funcionaram principalmente com os im-


périos organizados, onde a substituição do soberano (asteca e
/ou inca) pelo rei representou o uso da estrutura de Estado já
existente. Nas tribos nômades, ao contrário, onde a organiza-
ção política e social era menos complexa, a conquista foi mais
difícil e a imposição do trabalho forçado era quase impossível.

Um dos fatores mais importantes para entendermos o su-


cesso da conquista europeia, e que podemos considerar como
um consenso entre os autores, foi o auxílio/uso/exploração de
grupos indígenas rivais contra os antigos opressores.
90    História da América Colonial e Independente

A queda do império inca, por exemplo, começou com a


morte de Wayna Kapaq, em 1528, isso fez com que a luta pelo
poder entre seus dois filhos (de mães diferentes), desestabili-
zasse o Império. Ataw Wallpa desfrutava de alta popularidade
no norte, onde passara a infância e a adolescência, Waskarr
dispunha de sólido apoio no sul, entre as antigas chefias in-
caizadas, e no seio na etnia Inca. A sucessão deu início a uma
guerra civil.

De acordo com Favre (1998, p. 84):

Se o Império inca não estivesse atravessando naquele


momento mais uma das crises cíclicas que se desencade-
avam com a morte de cada soberano, os espanhóis não
teriam certamente se assenhoreado dele com tanta faci-
lidade. Essa constatação foi feita pelo próprio secretário
de Francisco Pizarro, Pedro Sancho da La Hoz, bem como
por seu primo e pajem, Pedro Pizarro. “Se esta terra não
estivesse destroçada pelas guerras de Ataw Wallpa e de
Waskarr, não teríamos podido pôr o pé aqui para con-
quistá-la”, escreveu o último na Relação da descoberta e
da conquista dos reinos do Peru que nos deixou.

Aproveitando-se dessa instabilidade, os colonizadores eu-


ropeus empreenderam um violento processo de dominação.
Além disso, os espanhóis dispunham de armas, cachorros e
cavalos treinados para batalhas. Outros fatores importantes
são os aspectos culturais dos indígenas, que lutavam somente
a luz do dia,

após terem longamente desafiado seus inimigos por


meio de gritos e chocalhos de conchas. Elas não estavam
Capítulo 5    A Colonização da América: um Mecanismo...    91

absolutamente preparadas para revidar os combates no-


turnos, os ataques bruscos e os golpes ardilosos a que se
viram expostas (...)(FAVRE, 1996, p. 84).

Quando Pizarro, o conquistador espanhol, chegou ao Peru


com a autorização do próprio Rei da Espanha, Carlos V, o im-
pério Inca vivia um interlúdio anárquico, ilustrado pela guerra
entre os irmãos Waskaír e Ataw Wallpa pelo trono. Após con-
solidar alianças com os partidários de Waskaír, Pizarro dirigiu-
-se a Ataw Wallpa e com uma emboscada sangrenta apode-
rou-se do líder Inca. Tal aprisionamento não interrompeu a
continuidade da ofensiva do exercito do norte contra os alia-
dos de Waskaír, ele foi capturado e os membros de sua sessão
foram dizimados. Waskaír estava subjulgado por Ataw Wallpa
e esse por Pizarro. Ainda nessa posição, Pizarro fomentou e
incentivou a rebelião das chefias que constituíam o Império, e
esses Kuraka, aliados dos espanhóis percebiam a preposição
de Pizarro em libertar Ataw Wallpa, então difundiram o boato
de que o líder Inca, de seu cárcere, deu ordem a seus fiéis
exércitos para se apoderarem de Cajamarca e aniquilarem to-
dos os brancos.

Cada dia que se passava, novos boatos de movimentos


de tropas imaginárias eram inventados. Em 29 de agosto de
1533, o líder europeu condenou Ataw Wallpa à morte por
fratricídio e usurpação, tomando como desculpa de semanas
atrás, o assassinato de Waskaír. Sem poder realmente afirmar
se fora devido à pressão que os Kuraka exerceram sobre o
chefe espanhol ou sobre seus próprios interesses, esse impasse
histórico sobre a decisão de Pizarro aqui se oportuniza (FAVRE,
1996).
92    História da América Colonial e Independente

Sem o chefe político-religioso Inca, a empreitada dos es-


panhóis pela conquista do Império Incaico estava mais fácil
e perto do que nunca. Pizarro adotou a estratégia de apro-
veitar as disputas internas entre os incas, apoiando diversos
grupos e incentivando o conflito e a desavença. Porém houve
também desavenças dentro da própria conquista por parte
da Espanha, Amargo (membro da empreitada espanhola) e
Pizarro passaram a não concordar nas atitudes que deviam
ser tomadas. As desavenças com Amargo ajudaram a dividir
e enfraquecer as linhas espanholas, o que colaborou com a
resistência Inca contra os espanhóis. Porém como se sabe,
ninguém seria capaz de se opor tanto tempo às fortes esto-
cadas do reino da Espanha. E assim estava fadado à des-
truição, um dos maiores impérios que já tivemos registros na
História, o Império Inca.

Da mesma forma Cortez não teria conseguido conquistar o


México sem seus aliados Tlaxcaltecas.

Em todas as operações de exploração e pacificação, os


auxiliares índios constituíam, e de longe, o grosso das
tropas. Não apenas lutavam com obstinação mas, nas
regiões onde não havia animais de carga, eram eles
quem traziam as provisões, encaminhavam as peças de
artilharia etc. (MAHN-LOT, 1990, p. 21).

Com os índios dominados a colonização pode ser iniciada.


Capítulo 5    A Colonização da América: um Mecanismo...    93

5.2 Conquistar ou colonizar?

As primeiras autorizações reais foram dispensadas no intuito


de “descobrir” (explorar), as segundas foram para povoar (co-
lonizar). Será que podemos separar essas duas ações?

“Sem colonização não há uma boa conquista, e se a terra


não é conquistada, as pessoas não serão convertidas. Portan-
to, o lema do conquistador deve ser colonizar”. (GÓMARA
apud ELLIOTT, 1998, p. 135).

Este pequeno trecho de Francisco López de Gómara, um


dos primeiros historiadores das Índias, reflete extremamente
bem a filosofia de Hernan Cotez, considerado, juntamente com
Francisco Pizarro, um dos maiores conquistadores da América.

O autor J. H. Elliott (1998) afirma que no contexto dos


séculos XV e XVI, conquistar podia significar assaltar, saquear
e seguir adiante. Mas também, podia significar colonização.
No primeiro sentido concebia a riqueza de uma forma dinâ-
mica, ou seja, mais relacionada à posse de objetos e bens
fáceis de transportar como pilhagens, metais preciosos, gado,
e também o domínio sobre outros grupos (vassalos), mas não
a posse da terra em si. Já no segundo sentido dava primazia à
ocupação e exploração da terra.

Em uma sociedade cujas estruturas estão em transição,


saindo de laços feudais, temos que levar em conta um fator
muito importante: a possibilidade de ascensão social. “Mobi-
lidade implicava aventura, e aventura em uma sociedade mi-
litar aumentava enormemente as oportunidades de elevar a
própria posição aos olhos de seus iguais” (ELLIOTT, 1998, p.
94    História da América Colonial e Independente

138). A espada, muito mais que a enxada, permitia conquistar


honras e “valer más”.

A América era o lugar ideal para realização de tais ideais,


pois aqui, “embora houvesse alguns fidalgos, todos eram ago-
ra ‘por presunção’ fidalgos, porque ‘toda fidalguia se origina
por natureza em atos de serviço ao rei’” (CARRANZA apud
ELLIOTT, 1998, p. 138).

A empresa ultramarina estava dando certo, e o comércio


com o Oriente ainda era o objetivo maior a ser alcançado,
mas ao mesmo tempo, ao final do século XV o modelo de
colonização portuguesa em Madeira e ao longo da costa da
África já dava resultados bons o suficiente para inspirar a ten-
tativa de implantação de uma colônia permanente nas Anti-
lhas. Porém, as antigas tradições castelhanas da reconquista
ainda eram fortes e tendiam a afirmar-se, incentivadas pelo
fato de que o mundo recém conquistado parecia densamente
povoado por uma população não cristã, possuidora de ouro.

Em meio à diversidade de opções que estavam a seu al-


cance, Castela caminhava para uma que significava uma
conquista em larga escala a tradição peninsular medie-
val – a afirmação da soberania, o estabelecimento da fé,
a imigração e colonização, e um domínio amplo da terra
e do povo (ELLIOTT, 1998, p. 148).

Para dar continuidade a empreitada foi necessário o esta-


belecimento de uma série de tratativas (Bulas Inter coeteras;
Eximiae devotionis; Dudum squidem) entre as Coroas Ibéricas,
tendo a Igreja como mediadora. Foi assinado o Tratado de
Tordesilhas em 1494, que regulamentou a “partilha do mun-
Capítulo 5    A Colonização da América: um Mecanismo...    95

do” entre Portugal e Espanha, definindo que aos primeiros per-


tenceriam as terras situadas aquém de um meridiano traçado
de polo a polo e passando a 370 léguas a oeste das Ilhas de
Cabo Verde; aos segundos ficariam as terras localizadas além
do referido meridiano.

As outras nações não aceitaram caladas estas divisões.


O Rei da França, Francisco I, teria dito: “Gostaria que espa-
nhóis e portugueses me mostrassem onde está o testamento de
Adão, que divide o mundo entre Espanha e Portugal” (PINSKY
et al, 1998).

A assinatura do Tratado de Tordesilhas evitou, por um tem-


po, o conflito entre as monarquias ibéricas, permitindo o pros-
seguimento da expansão ultramarina, e a segunda expedição
à América.

5.3 Colonização de hispaniola: um


exercício para o continente

As primeiras ilhas conquistadas por Colombo se tornaram uma


espécie de “escola de aplicação” do sistema de colonização
espanhol na América. Porém, mesmo optando-se pela coloni-
zação, ainda estava muito longe de ser decidido qual das duas
formas: conquistar e colonizar; ou conquistar e seguir adiante,
viria a prevalecer.

Em 1501 Nicolás de Ovando foi outorgado pela Coroa


como Governador das Índias (Antilhas) e veio para adminis-
trar Hispaniola (São Domingos), e muitas de suas tentativas de
96    História da América Colonial e Independente

colonização da Ilha se tornaram o modelo seguido no império


espanhol.

Um dos primeiros problemas enfrentados era o de como


impor estabilidade em um mundo em transição? Recentemente
invadido, o paraíso dos indígenas já dava sinais de colapso: as
doenças, a falta de alimentação e consequentemente de mão
de obra. Uma realidade bem conhecida pelos homens euro-
peus, que fugiam de situação muito semelhante na Europa.

A possibilidade de acumular riquezas, aliada ao desejo de


conquistar honras, acabou por tornar a colonização da Amé-
rica espanhola muito mais complexa do que a Coroa havia
pensado. Para Elliott (1998) lidar com a indisciplina “endêmi-
ca” de um bando de espanhóis cujo único pensamento era a
riqueza fácil, mostrou ser uma tarefa árdua aos representantes
dos reis aqui na América.

Duas frentes de ocupação haviam sido lançadas: a primei-


ra delas, fixa, para colonizar as ilhas e estabelecer um ponto
de partida para o continente; e a outra, dinâmica, para reco-
nhecer, conquistar terras, ouro e as gentes, ou seja, a base da
dominação espanhola.

Segundo Jaime Pinsky et al. (1994, p. 42) a dominação


espanhola estabeleceu-se a partir da extração mineral, secun-
dada por uma agricultura de subsistência e de um complexo
comercial que permitia a chegada dos minerais à Espanha e
dos produtos europeus à América colonial.

Depois de encerrados os processos de conquista dos terri-


tórios, principalmente dos Estados Asteca e inca, e das popu-
Capítulo 5    A Colonização da América: um Mecanismo...    97

lações que os ocupavam, estabeleceu-se um relacionamento


entre a Espanha e a América que ficou conhecido como siste-
ma colonial mercantilista.

O princípio desta colonização não foi fácil. O grupo de


espanhóis, incumbido de iniciar o processo de ocupação das
novas terras ficou extremamente revoltado por ter arriscado a
vida para trabalhar na terra, pois tinham vindo para a América
no intuito de obter riquezas de maneira fácil. Quanto mais
indignados, mais exploravam os indígenas, que aos poucos
perderam a “boa vontade” em auxiliar os intrusos.

Os espanhóis haviam voltado às Antilhas com um objetivo


muito claro: procurar ouro. As primeiras tentativas de instala-
ção não deram certo...

Na tentativa de reestabelecer a colonização foi proposto


que os colonos construiriam uma cidade, plantariam suas
culturas, criariam seu gado e instalariam uma cadeia de
armazéns bem defendidos, nos quais os índios – agora
submetidos à influência enaltecedora do cristianismo –
depositariam docilmente grandes quantidades de ouro
(ELLIOTT, 1998, p. 149)

Mas o projeto não saiu conforme o esperado e o sonho se


diluiu em um mar de desilusão. Um dos problemas centrais da
colonização já ficava evidente: a falta de mão de obra.

A resposta a esta questão foi a escravização dos índios.


Porém, os indígenas foram considerados pela Igreja e pela
rainha Isabel como pagãos e não como infiéis, e portanto não
poderiam ser escravizados, pois eram “livres e não sujeitos a
98    História da América Colonial e Independente

escravidão” a não ser se fossem aprisionados em uma “guerra


justa”.

E então as “guerras justas” iniciaram tanto nas Ilhas como


no continente... O resultado extremo deste processo foi a total
extinção de muitos grupos que ocupavam a costa do México,
deixando algumas ilhas completamente despovoadas.

Tentativas de substituir o trabalho escravo pelo voluntário


pago não deram certo, como era de se esperar em uma so-
ciedade que desconhecia totalmente o conceito europeu de
trabalho (ELLIOTT, 1998). E em 1503 a Coroa aprovou um sis-
tema de trabalho forçado, pelo qual o governo teria liberdade
para distribuir a mão de obra indígena, sendo pago salários
aos que recebessem essa consignação.

O repartimiento, distribuição dos índios aos concessioná-


rios, trazia uma série de obrigações para com a coroa, dentre
elas a responsabilidade de cuidar dos índios e instruí-los na fé
cristã. Este sistema lembrava a encomienda2, porém não in-
cluía a distribuição de terras ou de arrendamentos. Era, segun-
do Elliott (1998), simplesmente uma concessão pelo Estado,
de mão de obra compulsória, vinculada a responsabilidades
específicas dos encomenderos, que para receber tal concessão
deveriam ter propriedades com uma residência urbana.

Era uma forma de incentivar a instalação de espanhóis em


pequenas comunidades urbanas, sob o olhar atento do seu

2
  Prática de distribuir povoações mouras a membros de ordens militares na Espa-
nha medieval (ELLIOTT, 1998)
Capítulo 5    A Colonização da América: um Mecanismo...    99

cabildo (conselho da cidade). Só tinha direito ao repartimiento


os vecinos, ou seja, cidadãos com plenos direitos.

Além dos índios destinados à encomienda, outros eram


destinados ao serviço nas casas das famílias espanholas, os
naborías (muitos dos quais de origem nobre dentro das tribos
indígenas).

Segundo Elliott (1998, p. 152), para Nicolás de Ovando,


governado de Hispaniola, o estabelecimento da encomienda
e dos servos domésticos a serviço dos espanhóis, garantiria:

Uma sociedade em que a comunidade indígena e a espanhola


coexistiam sob a estrita supervisão do governador real e onde
os índios eram introduzidos nos benefícios da civilização cristã
e em troca forneciam a mão-de-obra, que era tudo o que ti-
nham a oferecer.

Outra medida tomada por Ovando em Hispaniola foi o


incentivo da produção da cana-de-açucar (sucesso nas co-
lônias portuguesas) e a criação de gado. Para ele, tais medi-
das afastariam os homens da busca incessante pelo ouro e os
amarraria a terra.

Aos poucos o projeto de Ovando foi dando certo e a Ilha


de Hispaniola passou de entreposto para colônia. Porém, as
“guerras justas” para obtenção de mão de obra para a enco-
mienda acabou por dizimar a população de várias ilhas do en-
torno, levando os “colono” a ir cada vez mais longe atrás dos
índios, levando consigo esse processo destrutivo de captura,
exploração e extinção. Cada vez chegavam mais imigrantes e
a situação piorava a olhos vistos.
100    História da América Colonial e Independente

A solução para este novo/velho problema, que era a falta


de mão de obra, foi solucionado trazendo africanos escravi-
zados para a América espanhola. Tal medida, em um primeiro
momento não trouxe os resultados esperados, mas proporcio-
nou o estabelecimento de uma nova e lucrativa atividade: o
tráfico de escravos.

Com os africanos escravizados trabalhando nas atividades


antes indígenas, a base da economia das ilhas estava manti-
da, o que liberou os conquistadores para uma nova emprei-
tada, a preda e captura dos índios no continente. E que vasto
continente era aquele!!

O “período insular” (1492-1519) chegava ao fim e estava


fadado ao esquecimento. Porém, o modelo estava formado,
os erros e acertos bem conhecidos. O preço da experiência de
Hispaniola foi a destruição de sua população e recursos, em
prol do ganho imediato e desenfreado.

Hispaniola ficava como um aviso assustador e funesto aos


conquistadores: a conquista matava a fonte de renda. Sem a
associação entre conquista e colonização a América morreria,
assim como havia acontecido com as ilhas caribenhas.

Referências bibliográficas

ELLIOTT, J.H. A Conquista Espanhola e a Colonização da


América. In.: BETHELL, Leslie (Org.). História da América
Latina: A América Latina Colonial. V.1, 2.ed. São Paulo:
Editora da USP, 1998. [p. 135-194].
Capítulo 5    A Colonização da América: um Mecanismo...    101

FAVRE, Henri. A civilização Inca. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

MAHN-LOT, Marianne. A Conquista da América Espanho-


la. Campinas: Papirus, 1990.

PINSKY, Jaime et al. História da América através de textos.


São Paulo: Contexto, 1991.

SOUSTELLE, Jcques. A civilização Asteca. Rio de Janeiro:


Zahar, 2002.

Atividades

1. Muitas são as explicações de como foi possível que gru-


pos tão organizados e numericamente superiores fossem
dominados pelos europeus. Mas dentre elas a que merece
maior destaque sem dúvida é:

a) A qualidade dos armamentos (mosquetes, arcabuzes,


pistolas e canhões);

b) O uso de armamentos defensivos (couraças, capace-


tes e escudos) feitos em aço;

c) O uso de cavalos e cães treinados para o ataque;

d) A colaboração de grupos indígenas rivais contra os


antigos opressores;

e) Os mitos e crenças dos indígenas que por vezes che-


gavam a divinizar os espanhóis.
102    História da América Colonial e Independente

2. A autora Marianne Mahn-Lot, na obra “A Conquista da


América Espanhola”, apresenta a ideia de que um dos im-
portantes fatores da conquista espanhola foi o “trauma” e
os “choques”. Segundo a autora estes poderiam ser:

I – Biológicos e mentais.

II – Materiais e intelectuais.

III – Psicológicos e de trabalho excessivo.

IV – Cultural e monetário.

Assinale a alternativa correta:

a) Todas as alternativas estão corretas.

b) As alternativas I e II estão corretas.

c) As alternativas I e III estão corretas.

d) As alternativas II e IV estão corretas.

e) As alternativas I e IV estão corretas.

3. O autor J. H. Elliott afirma que durante o contexto da con-


quista espanhola da América, o termo conquistar podia
significar assaltar, saquear e seguir adiante. Mas também,
podia significar colonização. Para o autor:

I – Conquista concebia a execução de um projeto do


Estado de expansão da Espanha para sanar problemas
econômicos e sociais pelos quais passava;

II – Conquista concebia a riqueza de uma forma dinâmi-


ca, ou seja, mais relacionada à posse de objetos e bens
Capítulo 5    A Colonização da América: um Mecanismo...    103

fáceis de transportar como pilhagens, metais preciosos,


gado, e também o domínio sobre outros grupos (vassa-
los), mas não a posse da terra em si.

III – Conquista concebia um projeto de entidades priva-


das apoiadas pela Igreja.

IV – Colonização dava primazia à ocupação e explora-


ção da terra.

V – A colonização foi um dos mecanismos de conquista.

Assinale a alternativa correta:

a) Todas as alternativas estão corretas.

b) As alternativas I, II e III estão corretas.

c) As alternativas I, IV e V estão corretas.

d) As alternativas II, IV e V estão corretas.

e) As alternativas III, IV e V estão corretas.

4. A conquista poderia proporcionar aos homens a oportuni-


dade de conquistar honras e “valer más”. Isto significava
que na América estes homens poderiam ter:

a) Fortalecimento religioso com as honras alcançadas


em nome da fé.

b) Possibilidade de ascensão social.

c) Obter títulos de nobreza.

d) Crescer moralmente ante aos iguais.


104    História da América Colonial e Independente

e) Fortalecimento religioso e moral a partir das tentativas


de conversão dos indígenas.

5. O repartimiento dos índios, além de uma estratégia para


solucionar os problemas da produção na América, foi
também:

a) Uma forma de incentivar a instalação de espanhóis em


pequenas comunidades urbanas, sob o olhar atento
do seu cabildo (conselho da cidade).

b) O primeiro mecanismo de conquista espanhola.

c) Uma estratégia para parar com a escravização dos ín-


dios.

d) A forma com que a Coroa encontrou para se fazer


presente na América.

e) Um mecanismo religioso, tendo em vista que os enco-


menderos eram responsáveis pelo cuidado e conver-
são dos índios sob sua tutela.

Gabarito

1. C; 2.D; 3.D; 4.B; 5.A.


Juliane Maria Puhl Gomes1

Capítulo 6

A América Espanhola no
Período Colonial

1
  Mestre em História. Professora da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA.
106    História da América Colonial e Independente

Introdução

Nos capítulos anteriores estudamos o processo de conquista e


o início das tentativas de colonização da América pelos espa-
nhóis.

O ouro é o metal mais sublime e mais admirado que a


terra produz... Entre outras virtudes que a natureza lhe
conferiu, uma é singular: a de confortar a fraqueza do
coração e provocar alegria e magnanimidade, afastar a
melancolia e clarear os olhos na escuridão... (VILLAFAÑE
(1572) apud BAKEWELL, 1999, p. 99)

Nas palavras deste ouvires espanhol vemos o que o ouro


representava aos homens do século XVI. Mas muito mais do
que o desejo ou cobiça dos aventureiros, a busca por metais
preciosos representa a base do Estado espanhol deste período.

Como vimos no Capítulo 4, a expansão marítimo-comer-


cial foi uma das tentativas de sanar os problemas econômi-
cos e sociais que afligiam os países europeus após a crise
do século XIV. Não apenas a necessidade de metais preciosos
impulsionava o Estado, mas também a carência de alimentos
(principalmente o trigo, base da alimentação), a falta de mão
de obra, de terras e o interesse pelas especiarias asiáticas.

Os “vazios” que haviam lançado os homens ao mar em


busca de soluções aos problemas europeus, estavam grada-
tivamente sendo preenchidos com a conquista da América. A
Europa se encontra em transição do feudalismo para o capita-
lismo e novas estruturas vão surgindo, mesmo que mantendo
Capítulo 6    A América Espanhola no Período Colonial    107

heranças e traços medievais, formando as bases do que cha-


mamos de “época moderna”.

Na medida em que os povos americanos foram dominados


estabeleceu-se o sistema colonial mercantilista, os mecanis-
mos administrativos e a nova configuração social, que agora
vamos estudar.

6.1 Estruturas sócio-econômicas

O autor Ciro Flamarion Cardoso (1988, p. 19) ao escrever so-


bre o sistema colonial mercantilista, afirma que “a colonização
da América foi uma extensão, uma consequência da expansão
marítima e comercial europeia”.

Não podemos esquecer que o século XVI foi marcado pelo


aparecimento dos Estados Nacionais absolutistas, apoiados
economicamente pela burguesia. E que burguesia é essa?
Neste período o burguês poderia ser, simultaneamente, mer-
cador, banqueiro, dono de manufaturas, ou seja, tinham muito
interesse e possíveis vantagens com a expansão comercial.

Cardoso (1988) afirma que a associação entre os interes-


ses privados de diversos tipos (de comerciantes, de aventurei-
ros e de nobres com elevados cargos burocráticos) e interesses
públicos (as Monarquias Nacionais) lançaram as bases para a
conquista de um mercado mundial que possibilitava a acumu-
lação de riquezas e o fortalecimento dos Estados.
108    História da América Colonial e Independente

A necessidade de mobilizar recursos importantes; os


riscos consideráveis implicados na expansão marítima,
na colonização e na defesa das colônias; a inexistên-
cia – pelo menos no início – de formas de organização
empresarial que permitissem concentrar os enormes re-
cursos exigidos e enfrentar os riscos mencionados: tudo
isso levou à associação do capital mercantil e financeiro
com os Estados, no sentido de empreender a expansão
marítima e colonial (CARDOSO, 1988, p. 20).

A estrutura do sistema colonial estava fortemente ligada


ao processo de transição do feudalismo para o capitalismo,
e assim a partir das bases lançadas na conquista, as relações
entre a metrópole e a colônia, passaram a ser regidas pelo sis-
tema de monopólio ou exclusivismo comercial (WASSERMAN;
GUAZZELLI, 1996).

Apesar dos monarcas se apoiarem na iniciativa privada,


logo que o processo de conquista iniciou trataram de impor a
sua autoridade, normatizando as práticas econômicas, total-
mente controladas pelo Estado.

As práticas econômicas mercantilistas, que tinham por ob-


jetivo enriquecer o Estado, envolviam protecionismo alfande-
gário, cobrança de impostos, balança comercial favorável e
monopólio ou exclusivismo comercial.

O mecanismo do monopólio colonial2 permitia que a me-


trópole manipulasse os preços dos produtos importados e ex-

2
  O autor Ciro Flamarion Cardoso (1988) afirma que o termo “pacto colonial”,
ainda visto em muitos livros, é incorreto tendo em vista que “pacto” implica em
bilateralidade, que nesse caso não existia.
Capítulo 6    A América Espanhola no Período Colonial    109

portados pela população das colônias, aumentando assim a


riqueza e acumulação do comércio europeu. Também favore-
cia muito o Estado na medida em que facilitava a fiscalização
do comércio e a cobrança de taxas e impostos, sem contar
que o próprio Estado detinha o monopólio da venda de vários
produtos. Havia a proibição do desenvolvimento de setores
produtivos na colônia que fizessem concorrência aos da me-
trópole. Segundo Cardoso (1988) isto levou à especialização
da economia colonial em certas produções: metais preciosos
e artigos tropicais.

O monopólio se tornou um ótimo negócio para as bur-


guesias europeias ou metropolitanas. Monopolizar os
mercados e produtos significava garantir a exploração
da compra e venda de mercadorias nas colônias. Através
de produtos e comércio favorecidos, transferia-se grande
quantidade de riqueza para as metrópoles. No fundo, a
América representava para a Europa, em termos comer-
ciais, a segurança de obter sempre um saldo favorável
em seu comércio internacional. Para a burguesia signi-
ficava o controle comercial e para o Estado o contro-
le fiscal, garantindo a continuidade do sistema colonial
(PRODANOV, 1998, p. 56).

Mas não enriqueciam somente as metrópoles diretamente


ligadas às colônias, pois o comércio ilícito e a pirataria foram
importantes práticas econômicas neste período.

Ciro Flamarion Cardoso (1988) ao analisar economica-


mente o significado de “colônias ibéricas”, destaca três aspec-
tos importantes:
110    História da América Colonial e Independente

1. Estas regiões tiveram uma economia “deformada” pela hi-


pertrofia de certos setores produtivos ligados à exportação,
em contraste aos de abastecimento do mercado interno,
que eram secundários e em alguns casos, como já vimos,
proibidos para que não fizessem concorrência com o mer-
cado da metrópole3.

2. Eram zonas periféricas e dependentes, que sofriam de ma-


neira direta as consequências das mudanças de tendência
que ocorriam no mercado mundial, tendo em vista que a
economia colonial era voltada ao mercado externo.

3. A organização comercial sempre era favorável à metrópo-


le e não às colônias, na qual os produtos coloniais eram
mantidos a preços relativamente baixos, enquanto que os
que vinham da metrópole eram caros e muitas vezes de
qualidade inferior.

Segundo Bakewell (1999) no século XVI o setor de mine-


ração, em especial da prata e do ouro, se tornou a atividade
econômica básica do império hispano-americano e permitiu
a manutenção da economia metropolitana e da posição in-
ternacional espanhola em meio às demais nações da Europa
ocidental.

Os elevados rendimentos proporcionados pela mineração


permitiram à Espanha sustentar sua hegemonia na Europa no

3
 “Estanco era a designação do processo através do qual a Coroa reservava para si
o direito de proibir o desenvolvimento de certas atividades produtivas nas colônias,
evitando assim a concorrência entre estas e sua própria produção” (WASSERMAN;
GUAZZELLI, 1996, p. 68).
Capítulo 6    A América Espanhola no Período Colonial    111

século XVI e montar a máquina político-administrativa de suas


colônias na América.

Como vimos no capítulo anterior, o impulso da mineração


estimulou a colonização de algumas regiões, expandindo o
espaço de ocupação e levando à construção de núcleos urba-
nos, e à diversificação econômica colonial.

Segundo Ronaldo Vainfas (1984) paralelamente à monta-


gem de uma estrutura administrativa, eram promulgadas leis
que criavam as condições para o funcionamento das ativida-
des produtivas coloniais. Dentre os exemplos de produção
tropical, o autor destaca a cochonilha (corante vermelho) e
o açúcar no México desde o século XVI, o anil na América
Central, de algodão na costa peruana, de cacau na Venezuela
e de tabaco na Colômbia.

Outras regiões dedicaram-se a atividades primárias como


a criação de gado e a agricultura de subsistência, considera-
das fundamentais para suprir a demanda dos núcleos expor-
tadores.

Em relação a temática, Wasserman e Guazzelli (1996) afir-


mam que a estrutura e dinâmica do sistema colonial deveria
garantir a execução de pressupostos mercantilistas através de
uma estrutura legal e da violência exercida pelos Estados Na-
cionais. Ainda segundo estes autores (1996, p. 67):

Do ponto de vista político-administrativo, a Espanha


montou uma complexa organização destinada a defen-
der o patrimônio régio, aumentar o poder fiscal da mo-
narquia, defender a soberania espanhola em relação aos
112    História da América Colonial e Independente

estrangeiros interessados nesses territórios e organizar


processos de trabalho que pudessem responder à lógica
do sistema mercantil da época.

Ao descrever o aparato de governo na América, a maioria


dos autores (a grosso modo), sistematiza a organização em
duas instâncias: na Espanha e na América. Na Espanha temos:

ÂÂConselho das Índias (Consejo Real y Supremo de Indias)


– criado por Carlos V (1524), suprema autoridade sob
todas as questões coloniais, responsável pelas questões
judiciais, legislativas, militares e eclesiásticas.

ÂÂCasa de Contratação – responsável pelo comércio (ór-


gão de apelação).

ÂÂJuízes de residência e visita – que faziam inspeções even-


tuais ou sistemáticas e sindicâncias dos órgãos burocrá-
ticos na América. Podia ser específica ou geral. No pri-
meiro caso a visita se dava em local específico de uma
província, no segundo caso compreendia a inspeção de
um Vice-Reino ou uma Capitania Geral.

Já na América:

ÂÂVice-Reino – espalhados pelos territórios de ocupação


espanhola na América, principalmente nas regiões de
grande valor econômico, tinham poderes amplos subor-
dinados à metrópole. O do México (ou Nova Espanha)
incluía o México e regiões da América Central e atuais
Estados Unidos; o do Peru (ou Nova Castela) engloba-
va o Peru e partes da Bolívia e do Equador; o de Nova
Granada compreendia a Colômbia, o Panamá e parte
Capítulo 6    A América Espanhola no Período Colonial    113

do Equador; e o do Rio da Prata, que abrangia a Argen-


tina, Uruguai, Paraguai e parte da Bolívia. Seus dirigen-
tes supremos (Vice-Reis) possuíam poderes amplos, mas
estavam sujeitos à fiscalização das audiências.

ÂÂAudiência – ouvidores nomeados pelo Rei, com funções


vitalícias. Poder judiciário, podendo até substituir os Vi-
ce-Reis em seus impedimentos.

ÂÂCapitanias Gerais (governadorias) – situadas em locais


ainda não “pacificados” ou nos estrategicamente impor-
tantes. As principais foram Cuba, Guatemala, Venezue-
la, Chile e Flórida.

ÂÂCabildos (Ayuntamientos) – espécie de câmara muni-


cipal, poder local com funções judiciárias de primeiro
grau, que eram o único órgão composto por residentes
na América. Integrados pelos regedores, eleitos anual-
mente pelo sistema cooptativo (os que terminavam seus
mandatos elegiam os sucessores).

Segundo Elliott (1998) os Cabildos regulavam a vida dos


habitantes e fiscalizavam as propriedades públicas (terras co-
munais, florestas e pastagens, galerias de rua, tendas e co-
mércio). “Os Cabildos, como se poderia esperar do padrão
de governo municipal na Espanha metropolitana, eram, ou
logo se tornaram, oligarquias constituídas pelos cidadãos mais
abastados que se autoperpetuavam” (ELLIOTT, 1998, p. 295).

Outra estrutura de grande poder na América espanhola foi


a Igreja Católica, intimamente ligada ao Estado espanhol, que
114    História da América Colonial e Independente

auxiliava na manutenção do domínio sobre muitas sociedades


através das reduções.

A construção de um aparato político-administrativo co-


lonial que tentava controlar o contrabando, impor ativi-
dades produtivas, coibir o desenvolvimento de produtos
similares aos metropolitanos e, também, a montagem de
um sistema de portos únicos, de frotas ou galeões foram
alguns dos mecanismos através dos quais a Coroa espa-
nhola tentou manter as colônias como sua principal fonte
de recursos (WASSERMAN; GUAZZELLI, 1996, p. 68).

Porém, apesar te toda a tentativa de controle por parte da


Coroa, o território era muito vasto, e maior ainda era a di-
versidade de recursos e de economias deles decorrentes em
toda a América. Muitos representantes da Coroa, que faziam
parte do sistema político colonial, nunca estiveram no territó-
rio americano. Além disso, a grave depressão demográfica e
econômica da Espanha no século XVII afetou a capacidade es-
panhola de fazer-se obedecer, de impor o monopólio colonial
rigidamente. Outro problema foi a incapacidade de abastecer
o vasto território, de tal modo que a prata da Nova Espanha
(entre 1680 e 1760) circulou dentro da própria América, fruto
das trocas intercoloniais.

Ciro Flamarion Cardoso (1988, p. 23) define estes fatores


como limites do sistema colonial mercantilista. O autor atenta
também para o fato de que na América Latina se formaram
verdadeiras sociedades: “coloniais, sim, e politicamente su-
bordinadas; mas com estruturas específicas de classes e, em
especial, com classes dominantes às vezes poderosas, cujos
Capítulo 6    A América Espanhola no Período Colonial    115

interesses nem sempre levavam a pior no choque com os inte-


resses metropolitanos”.

A sociedade colonial possuía uma rígida hierarquia que


praticamente inviabilizava a mobilidade social. Um dos traços
mais marcantes era o status privilegiado dos indivíduos bran-
cos, nascidos na Espanha ou na própria América. Em contra-
partida, os não brancos, mesmo os mestiços, eram desprovi-
dos de privilégios e utilizados como mão de obra controlada
pela minoria branca.

Elliott (1998) descreve a divisão social entre:

ÂÂChapetones – brancos nascidos na Espanha, aos quais


normalmente cabiam as altas funções dirigentes da ad-
ministração, da justiça, da Igreja e das forças militares.

ÂÂCriollos – brancos bem nascidos na América. Classe dos


grandes proprietários de terras, arrendatários de minas,
comerciantes internos e pecuaristas. Na administração,
Igreja, justiça e forças militares só executavam funções
subalternas aos chapetones.

ÂÂMestiços – principalmente entre brancos e índios. Ocu-


pavam funções intermediárias entre a aristocracia bran-
ca e a massa de índios e negros.

ÂÂEscravos negros – africanos escravizados. Trabalhavam


em várias atividades, mas principalmente na produção
agrícola.
116    História da América Colonial e Independente

ÂÂIndígenas – segmento mais numeroso. Base de susten-


tação da economia colonial, através do trabalho com-
pulsório.

6.2 Trabalho compulsório e escravo

No Capítulo 5 vimos o como se deu o processo de estabeleci-


mento do repartimiento dos índios, atendendo às necessidades
dos “colonizadores” e também uma forma de vinculá-los à
terra.

Todo sistema colonial só seria possível se tivesse mão de


obra disponível para executar as atividades econômicas, ou
seja, precisavam produzir uma grande quantidade de exce-
dentes com alto valor comercial na Europa, obtidos aqui na
América a custos relativamente baixos.

A primeira tentativa de trabalho compulsório na América


foi a encomienda. Porém, em 1542 ela foi proibida, pois esta-
va favorecendo um processo de “feudalização” e de formação
de uma aristocracia colonial, além de não render tributos à
Coroa. Em alguns locais, de forma pontual, ela existiu até o
século XVIII (principalmente na América do Sul).

Para sanar o problema da mão de obra, agravado pela


crise demográfica decorrente da conquista e das primeiras ten-
tativas de encomienda, foi estabelecido o repartimiento dos
índios. Neste sistema a comunidade indígena, por intermédio
de suas chefias devia fornecer um número variável de homens
adultos para as atividades coloniais.
Capítulo 6    A América Espanhola no Período Colonial    117

Estes eram sorteados para o trabalho conforme a disponi-


bilidade total de homens da própria comunidade, cuidando
para que o grupo pudesse se manter durante a ausência dos
homens destinados aos serviços junto à elite colonial.

Criollos pobres, em geral, encarregavam-se de distribuir


os índios afastados compulsoriamente de suas comu-
nidades aos interessados em seus serviços (nas minas,
haciendas e nos serviços públicos). A essa atribuição
dedicava-se o juiz repartidor (WASSERMAN; GUAZZELLI,
1996, p. 71).

Esta modalidade de trabalho assumiu grande diversidade


de formas na América, dentre elas a mita (Peru) que perdurou
até o século XIX. Em locais onde não havia comunidades in-
dígenas perto das minas, os mineradores acabavam pagando
o partido (percentual do metal produzido) aos trabalhadores.
Porém, muitos destes trabalhadores acabavam se endividando
nas tiendas de raya, armazéns que vendiam os produtos a pre-
ços exorbitantes, que acabavam sendo consumidos por falta
de opção, pois as comunidades eram distantes e os homens
não tinham condições de produzir para seu próprio sustento
tendo em vista que trabalhavam muitas horas na mineração.
Segundo Wasserman e Guazzelli (1996), este sistema também
foi responsável pelo surgimento de laborios, trabalhadores for-
malmente livres e desenraizados de suas comunidades, que
devido ao processo de endividamento, permaneciam ligados a
uma situação de dependência que se aproxima da escravidão.

A escravização africana também supriu a falta de mão de


obra nos locais com baixas populacionais maiores, mas na
118    História da América Colonial e Independente

América espanhola não foi tão significativa quanto no Bra-


sil e sul dos Estados Unidos. Cardoso afirma que, “onde as
condições eram propícias à produção de gêneros tropicais ex-
portáveis ou de metais preciosos, a intensa importação de ne-
gros africanos deu origem progressivamente à Afro-América”
(1988, p. 41).

6.3 Atividades rurais

Apesar da mineração ter sido a atividade econômica domi-


nante, as atividades agropecuárias foram majoritárias no mun-
do colonial. Abasteciam minas, cidades e produziam gêneros
exportáveis, em áreas que a mineração havia sido esgotada
ou por sua inexistência.

As atividades rurais se davam em diferentes estruturas: a


produção pelas comunidades indígenas, e pelas fazendas (ha-
ciendas).

A hacienda é definida por Ciro Cardoso como,

uma grande propriedade rural, possuída por um pro-


prietário autoritário, explorada mediante o emprego de
mão-de-obra dependente, exigindo pouco capital para
seu funcionamento e produzindo para um mercado res-
trito (local, regional, entre zonas de uma mesma colônia,
ou quando muito intercolonial (1988, p. 46).

As causas prováveis de seu surgimento estão relacionadas


com a queda da população indígena e a crise da mineração
Capítulo 6    A América Espanhola no Período Colonial    119

no século XVII. Neste período, as grandes propriedades conso-


lidaram-se no México, Peru, Bolívia, Equador e Chile, às custas
da usurpação e apropriação das terras indígenas.

Além da pecuária, muitos produtos apreciados pelos eu-


ropeus foram introduzidos, como trigo, videiras, arroz, frutas
cítricas, e atendiam ao mercado interno. Outras como a ca-
na-de-açúcar tinham como objetivo atender à demanda eu-
ropeia por esses produtos. “O cultivo da cana-de-açúcar na
América espanhola foi responsável pela formação das grandes
haciendas, dando origem às unidades mais típicas do período,
o latifúndio” (WASSERMAN; GUAZZELLI, 1996, p. 77).

O incremento da produtividade era dado pela capacida-


de de absorção da mão de indígena e aumento da área das
haciendas, já que as técnicas de produção eram rudimenta-
res e havia muita vulnerabilidade da produção às intempéries
climáticas. A economia das haciendas se inseria nos círculos
mercantis. O fazendeiro obtinha capital através de créditos
concedidos por comerciantes e sobretudo pela Igreja.

Uma das características das haciendas era a autossuficiên-


cia, ou seja, além de produzir para o mercado, também fun-
cionava uma atividade de subsistência realizada pelos peões
da grande propriedade.

Segundo Wasserman e Guazzelli (1996, p. 80), a escas-


sez de moeda no mundo colonial rural determinava as trocas
entre as haciendas, sem envolver dinheiro efetivamente. Mes-
mo quando hacendados vendiam seus produtos aos grandes
comerciantes de Lima e da Cidade do México, recebiam em
troca os produtos manufaturados europeus.
120    História da América Colonial e Independente

Nas haciendas pertencentes às ordens religiosas dissemi-


nou-se a existência de oficinas ou obrajes.

Estas unidades de produção (haciendas) fomentavam o


comércio intercolonial, articulando as diferentes regiões da
América, não as deixando tão dependentes em relação aos
sistemas produtivos europeus.

6.4 Atividades urbanas: artesanato e


comércio

No Capítulo 4 vimos que a construção e colonização de His-


paniola foi um modelo para os demais núcleos urbanos da
colônia espanhola. Eles surgiram em meados do século XVI
e tinham como finalidade, além de consolidar a conquista,
defender o território, abrigar as estruturas administrativas e,
quando possível, servir de ponto intermediário para o comér-
cio com a metrópole.

Outras cidades surgiram no entorno das minas, onde se


produzia uma série de artefatos necessários à manutenção da
atividade de mineração e de sues trabalhadores, dentre estas
atividades destacam-se o artesanato e as manufaturas.

No item 6.1 deste mesmo capítulo vimos que o Estado


proibia as atividades manufatureiras, porém a Espanha não
tinha condições de abastecer a colônia de produtos manufa-
turados europeus devido ao alto custo e à ineficiência do frete
marítimo. Sendo assim, alguns produtos de baixa qualidade
destinados às camadas pobres da população, eram produzi-
Capítulo 6    A América Espanhola no Período Colonial    121

dos na América. Um dos fatores que colaborava para a baixa


qualidade era a falta de tecnologia e ferramentas adequadas
para a elaboração dos artefatos.

Claudia Wasserman e Cesar Guazzelli (1996) afirmam que


dentre estas atividades desçamos os obrajes destinados à pro-
dução de tecidos de lã (Puebla, Quito, Tucumán e Queréta-
ro). A fabricação de cigarros, charutos e rapé (o fumo é uma
planta americana e foi muito apreciada pelos europeus) se
desenvolveu principalmente na Cidade do México. Ainda elen-
cam a construção de navios no Panamá, Guaiaqui, Havana e
Cartagena.

Em todas essas atividades a mão de obra era baseada no


trabalho compulsório indígena e africano. As condições eram
muito difíceis e a remuneração, quando existia, era extrema-
mente baixa, geralmente paga em espécie.

A principal atividade urbana, se não de todo o sistema,


era o comércio. A atividade comercial é que dava sentido
à colonização: era através dela que se fazia a sucção
da riqueza produzida nas colônias. Além disso, o comér-
cio de produtos alimentícios, de animais, de transporte
e o translado de metais preciosos e produtos europeus
vinculava as cidades americanas entre si (WASSERMAN;
GUAZZELLI,1996, p. 80-81).

Staley e Stein (apud PINSKY, 1994) afirmam que todo o


processo de estabelecimento de um núcleo urbano gerava a
necessidade de comércio. Não era apenas a necessidade de
ferramentas em si, mas estes trabalhadores, bem como seus
encarregados e o próprio sistema administrativo, precisavam
122    História da América Colonial e Independente

de alojamentos, armazéns, igrejas, tavernas etc. As minas pre-


cisavam de escoras para os poços, de alvenaria, de escadas, e
de uma grande quantidade de couro. Também precisavam de
cavalos e mulas para transporte das mercadorias, bem como
sacos de pano ou cestos para carregá-las. Sem contar louças,
roupas, sapatos etc.

Apesar das proibições, as manufaturas e o artesanato iam


aos poucos suprindo as necessidades internas e enriquecendo
categorias sociais que nem sempre eram parte dos criollos.

Em meados do século XVII começou a decair a quantidade


de metais preciosos levados para a Espanha, apesar da pro-
dução continuar a mesma. Ronaldo Vainfas (1984, p. 74) faz
a seguinte pergunta: “se apesar das “crises” de produção os
metais continuaram a ser produzidos, por que não iam para
Sevilha?” A crise pelo qual passava a Espanha (peste, fome,
crise demográfica, ruína da produção manufatureira, insolvên-
cia da monarquia, derrotas militares), aliada a balança comer-
cial deficitária em relação aos países norte europeus, reduziu
a entrada de metais no pais, o que agravou ainda mais o
défcit. Segundo o autor, os metais estavam sendo destinados
à pirataria e demais comércios ilícitos, e também ao comércio
dentro da própria colônia, que tentava suprir a falta de abas-
tecimento de produtos pela metrópole com alternativas não
convencionais.

A crise espanhola estimulou, sem sombra de dúvidas, o


crescimento econômico na América colonial, e a aproxi-
mação comercial das colônias com mercadores estran-
Capítulo 6    A América Espanhola no Período Colonial    123

geiros. As rigorosas normas do “exclusivo” espanhol não


passavam, então, de letra morta (VAINFAS, 1984, p. 77).

O contrabando não era apenas uma forma de receber os


produtos necessários, mas também de vender ou trocar mer-
cadorias produzidas aqui na América. Isto dinamizou e diversi-
ficou as economias regionais, diminuindo em médio prazo, a
dependência do abastecimento metropolitano.

A crise também permitiu a consolidação de um importante


grupo social: a aristocracia criolla. Esta elite passou a confi-
gurar uma nova relação com os grupos de “colonos”, con-
siderados “da terra”, e os “peninsulares”, representantes da
metrópole nas colônias, que gradativamente passam a ter seu
poder questionado.

As bases econômicas, administrativas e sociais dão sinais


de “rachaduras” abrindo espaço para novas estruturas.

Referências bibliográficas

BAKEWELL, Peter. A Mineração na América Espanhola Colo-


nial. In.: BETHELL, Leslie (Org.). História da América La-
tina: A América Latina Colonial. V.2. São Paulo: Editora da
USP, 1999. [p. 99-150].

CARDOSO, Ciro Flamarion S. O Trabalho na América La-


tina Colonial. 2.ed. São Paulo: Ática, 1988. [Série Princí-
pios].
124    História da América Colonial e Independente

ELLIOTT, J.H. A Espanha e a América nos Séculos XVI e XVII.


In.: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: A
América Latina Colonial. V.1. 2.ed. São Paulo: Editora da
USP, 1998. [p. 283-338].

PINSKY, Jaime et al. História da América através de textos.


São Paulo: Contexto, 1991.

PRODANOV, Cleber Cristiano. O Mercantilismo e a Améri-


ca. 5.ed. São Paulo: Contexto, 1998. [Repensando a His-
tória Geral].

VAIFAS, Ronaldo. Economia e Sociedade na América Espa-


nhola. Rio de Janeiro: Graal, 1984.

WASSERMAN, Cláudia; GUAZZELLI, Cesar B. História da


América Latina: Do descobrimento a 1900. Porto Alegre:
Editora da Universidade/UFRGS, 1996. [Síntese Universitá-
ria, 52/53].

Atividades

1. A associação entre os interesses privados e interesses pú-


blicos:

a) Lançaram as bases para a conquista da América.

b) Lançaram as bases para a conquista de um mercado


mundial que possibilitava a acumulação de riquezas e
o fortalecimento dos Estados.

c) Possibilitaram a ascensão dos regimes totalitários.


Capítulo 6    A América Espanhola no Período Colonial    125

d) Inviabilizaram a produção de manufaturas nas colô-


nias espanholas.

e) Proporcionaram o surgimento da monarquia.

2. O autor Ciro Flamarion Cardoso afirma que o termo “pac-


to colonial” é incorreto tendo em vista que o termo “pacto”
implica em bilateralidade, que no caso das relações me-
trópole x colônia não se aplicaria. Para o autor o termo
mais correto seria:

a) Pacto colonial, pois mesmo o termo não sendo total-


mente correto já está consolidado.

b) Sistema colonial.

c) Monopólio colonial.

d) Economia colonial.

e) Opressão colonial.

3. O impulso da mineração estimulou a colonização de algu-


mas regiões, expandindo o espaço de ocupação e levando
à construção de núcleos urbanos, e à diversificação eco-
nômica colonial. Isto se deu por quê?

I – O processo de mineração exige determinadas ferramentas


e também transporte para o escoamento da produção;

II – Os trabalhadores das minas precisavam de alimentos, alo-


jamento, dentre outras coisas.

III – As minas precisavam de escoras para os poços, escadas,


alvenaria, dentre outros materiais;
126    História da América Colonial e Independente

IV – O Estado espanhol abriu os portos às nações amigas,


como a Inglaterra e a França;

Analise as afirmações acima e marque a alternativa correta:

a) As alternativas I, II e IV estão corretas;

b) As alternativas I, III e IV estão corretas;

c) As alternativas I, II e III estão corretas;

d) As alternativas II, III e IV estão corretas;

e) As alternativas II e IV estão corretas;

4. Quando estudamos a rígida hierarquia social na América


espanhola, vemos no topo da pirâmide social os:

a) “Chapetones” – brancos nascidos na Espanha, aos


quais normalmente cabiam as altas funções dirigentes
da administração, da justiça, da Igreja e das forças
militares.

b) “Criollos” – brancos bem nascidos na América.

c) “Chapetones” – Classe dos grandes proprietários de


terras, arrendatários de minas, comerciantes internos e
pecuaristas.

d) “Criollos” – Na administração, Igreja, justiça e forças


militares executavam funções de sobreposição aos
“chapetones”.

e) “Criollos” – brancos nascidos na Espanha, aos quais


normalmente cabiam as altas funções dirigentes da ad-
ministração, da justiça, da Igreja e das forças militares.
Capítulo 6    A América Espanhola no Período Colonial    127

5. Todo sistema colonial só seria possível se tivesse mão de


obra disponível para executar as atividades econômicas,
ou seja, precisavam produzir uma grande quantidade de
excedentes com alto valor comercial na Europa, obtidos
aqui na América a custos relativamente baixos. A solução
para esta questão foi:

a) Trazer a população de baixa renda da Europa para


trabalhar aqui na América.

b) A escravização de africanos, base do trabalho na


América espanhola.

c) O trabalho assalariado de mestiços pobres.

d) O trabalho compulsório indígena, base das atividades


econômicas na América espanhola.

e) O assentamento de colonos ingleses, que implanta-


ram um sistema de unidades autossustentáveis, as ha-
ciendas.

Gabarito

1. B; 2.C; 3.C; 4.A; 5.D;


Juliane Maria Puhl Gomes1

Capítulo 7

A Igreja na América
Espanhola e a Crise do
Sistema Colonial

A Igreja na América
Espanhola... 1

1
  Mestre em História. Professora da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA.
Capítulo 7    A Igreja na América Espanhola...    129

Introdução

Nos capítulos anteriores vimos o processo de conquista da


América espanhola, bem como o estabelecimento das estrutu-
ras de suporte ao sistema colonial.

Este capítulo é divido em duas partes. Já vimos como se


deu a organização político-administrativa, as questões econô-
micas e a configuração da sociedade colonial, agora iremos
estudar uma importante estrutura de poder, que juntamente as
mencionadas, deu suporte à conquista e ao sistema colonial:
a Igreja Católica. Veremos o papel da Igreja no contexto his-
tórico colonial, bem como sua atuação religiosa e econômica
na América.

Na segunda parte do Capítulo 7 iremos estudar a crise do


sistema colonial. Já vimos que a Crise pela qual a Espanha
passou em meados do século XVII, deixou algumas lacunas na
América espanhola, que aos poucos foram sendo preenchidas
pela diversificação da economia interna e fortalecimento dos
poderes locais, os criollos. O “afrouxamento” do controle na
colônia, os crescentes poderes locais e as inspirações vindas
de países próximos, fez com que novos “ares” soprassem sobre
as colônias... vem mudanças por ai! Vamos estudá-las?
130    História da América Colonial e Independente

7.1 A igreja católica na américa colonial


espanhola

A Igreja Católica se fez presente na América desde a chegada


dos primeiros conquistadores. Ela desenvolveu um papel mar-
cante na colônia espanhola, introduzindo a cristianização, que
acabou se tornando um mecanismo de dominação espiritual
dos indígenas.

Para entendermos como esta Instituição se tornou tão forte


junto ao Estado espanhol, precisamos voltar um pouco mais
em nossos estudos. Com o processo de Reconquista ocorrida
na Península Ibérica, houve um estreitamento dos laços entre a
Igreja e o Estado espanhol, até mesmo por interesses políticos
e econômicos das partes.

O Estado começou a participar mais das decisões eclesiás-


ticas, tendo certa autoridade para efetuar vetos e nomeações.
O Padroado Régio2 centralizava seus interesses evangelizado-
res e ao mesmo tempo conferia legitimidade ao Estado diante
das conquistas territoriais, como se fosse uma “troca de favo-
res”, cada um legitimando as ações do outro.

À Igreja, fora conferida a missão de “apressar a submis-


são e a europeização dos índios e pregar a lealdade à Coroa
de Castela” (BARNADAS, 1998, p. 521), enquanto a Coroa

2
 “Acordo entre a Igreja Católica e os Reinos de Portugal e Espanha no qual os
poderes eclesiásticos eram delegados aos respectivos monarcas daqueles reinos
que, administrando suas colônias, tinham a instituição religiosa sob suas ordens.
Assim, os reis nomeavam os padres e os bispos que eram aprovados pelo Papa”.
(SILVEIRA, 2014).
Capítulo 7    A Igreja na América Espanhola...    131

nomeava pessoas aos cargos eclesiásticos, pagava salários e


efetuava obras em prol da própria Igreja, dando assim certa
notoriedade à Instituição Religiosa. A Igreja espanhola neces-
sitava de certa forma, do “apoio” da Coroa para financiar
suas expedições ao Novo Mundo para propagar sua fé, até
mesmo por falta de recursos e por acreditarem ser mais viável
obter a “ajuda” da própria Coroa do que a do Papa, que es-
tava longe, em Roma.

O fato de os espanhóis chegarem a territórios na América


e se depararem com povos de estruturas sociais complexas fez
com que a Igreja percebesse “a dimensão da tarefa de evan-
gelização que agora se exigia dela no Novo Mundo.” (BARNA-
DAS, 1998, p. 524). Por isso, foi necessário que os espanhóis
primeiramente conquistassem militar e politicamente os povos
indígenas para que depois fosse possível a missão evangeliza-
dora da Igreja Católica.

Segundo Barnadas (1998, p. 524), na segunda metade do


século XV, “a Península Ibérica foi palco de movimentos re-
formistas de grande intensidade”, que tinham como objetivo
restabelecer a ordem e a prática cristã no território. A partir
de tais ideais, muitos acreditavam que na colônia espanhola
dever-se-ia estabelecer o “cristianismo puro”, isento dos erros
do velho continente, restaurando assim a Igreja primitiva. Te-
mos como exemplo a Companhia de Jesus – os jesuítas – fruto
da ação da contra reforma, que tinha por objetivo inserir uma
religião cristã no Novo Mundo.

A própria companhia de Jesus, fundada em 1540, era


fruto do ideal reformador. Assim também foi sua inter-
132    História da América Colonial e Independente

venção na América. Os jesuítas viajaram leves, livres da


bagagem do passado. Procuraram implantar um cristia-
nismo isento dos erros que desfiguraram a Fé na Europa.
Seu impulso utópico acabou por florescer plenamente
no século XVII, com suas chamadas Reduções jesuíti-
cas (principalmente no Paraguai) (BARNADAS, 1998, p.
525).

Ainda dentro das medidas religiosas de Contra Reforma


citamos o Concílio de Trento (1545-1563), que não chegou
a marcar a evangelização na América, mas que teve algu-
mas medidas negativas a esta prática, como a ratificação de
posturas mais ortodoxas como a liturgia que continuara a ser
professada em latim, o que restringia muito o entendimento e
portanto, o acesso dos fiéis à palavra de Deus.

As estruturas eclesiásticas foram consolidadas, e a vida


da Igreja continuou em grande parte nas mãos do clero
– uma situação que, na América, foi agravada pelo com-
plexo de superioridade racial que determinava o com-
portamento da maioria dos colonos, leigos ou clérigos
(BARNADAS, 1998, p. 526).

As práticas religiosas, condenadas por Lutero e não prati-


cadas pelos Protestantes na Europa, tiveram de certa forma um
acirramento na América. Dentre elas as procissões, veneração
de santos, as devoções em nome das almas do purgatório e
as indulgências.

A Igreja no Novo Mundo era, assim, o resultado da con-


fluência de duas correntes. Uma foi a transladação das
características da Igreja da Península Ibérica na era dos
Capítulo 7    A Igreja na América Espanhola...    133

descobrimentos; a outra foi a ratificação dessas carac-


terísticas pelo Concílio de Trento (BARNADAS, 1998, p.
526).

Dessa forma, para administrar a profissão da crença, a


Igreja se organizou no Novo Mundo em Bispados, tendo como
autoridade o próprio bispo, que pertencia ao clero secular e
exercia certa autoridade sobre o clero regular (padres e eclesi-
ásticos que tinham maior contato com os indígenas). Dioceses
foram criadas a partir de conquistas militares para atuarem
como centro administrativo autônomo, sendo responsáveis
“pela obra missionária, pela legislação dentro do sínodo dio-
cesano e pela instrução dos padres nos seminários.” (BARNA-
DAS, 1998, p. 528). Também foram instituídas paróquias e
seminários, este último sendo um órgão da diocese e tendo
como principal função servir de colégio para estudantes uni-
versitários e de seminário para formar o clero. Já a paróquia
foi responsável por “transplantar e proteger a Verdadeira Fé na
comunidade espanhola” (BARNADAS, 1998, p. 529).

Quatro grandes ordens mendicantes foram responsáveis


pela evangelização na América Latina, sendo elas: os francis-
canos, os dominicanos, os agostinianos e os mercedários. Na
segunda metade do século XVI os jesuítas se juntaram a tais
ordens, que serviam como, “reserva estratégica da Igreja, for-
necendo homens para a obra missionária na linha de frente,
onde quer que fossem abertas novas áreas de colonização.”
(BARNADAS, 1998, p. 530). Os jesuítas além da evangeliza-
ção ainda atuavam na formação educacional.

No século XVII, a ordem jesuítica acabou por receber várias


autorizações da Coroa Espanhola para que pudessem enviar
134    História da América Colonial e Independente

sacerdotes ao Novo Mundo para atuarem nas missões evange-


lizadoras, sendo patrocinados pela própria Coroa. Na Penín-
sula Ibérica, foram criados centros de educação missionários
para que pudessem receber jovens religiosos que estivessem
interessados em trabalhar nas colônias ibéricas.

Segundo Joseph Barnadas (1998) os índios na América


eram excluídos das ordens religiosas, pois a maioria dos fra-
des missionários eram etnocêntricos e acreditarem que os ín-
dios não tinham aptidão para o sacerdócio católico. Ainda
segundo o autor, os mestiços também eram, em grande parte,
excluídos da ordenação pelo fato de que seus nascimentos
eram considerados ilegítimos. Posteriormente, no século XVIII,
teremos grandes números de índios e mestiços sacerdotes en-
caixados em dioceses, mas eram considerados como “clero de
segunda classe”, por terem poucas perspectivas de ascensão.

Também havia as ordens religiosas femininas (carmelitas,


franciscanas, agostinianas), que eram compostas de mulheres
da elite crioula, e nos níveis mais inferiores de mestiças. As or-
dens não tinham o objetivo missionário nem educativo, como
muitas das masculinas. A maioria era de vida contemplativa a
muitas eram relacionada a obras de caridade. Os conventos
femininos desempenharam um papel importante na vida das
filhas da elite crioula, pois ao evangelizá-las, elevavam-nas
culturalmente, preparando-as para realizarem bons casamen-
tos. As que não casavam por opção, ou não podiam casar,
também eram bem recebidas e tinham uma elevação cultural
e social através da vida religiosa e das obras sociais das quais
participavam. Neste intuito muitas mulheres criolas e mesti-
ças transformavam suas casas em conventos e se dedicavam à
Capítulo 7    A Igreja na América Espanhola...    135

oração e às obras de caridade. Josep Barnadas (1998) afirma


que as mestiças ocupavam níveis inferiores dentro dos conven-
tos, e as indígenas eram aceitas, mas executavam atividades
de limpeza e serviços gerais. A maioria das mestiças e indíge-
nas se tornavam beatas.

Com esse processo de transformações que acabou ocor-


rendo na colônia espanhola, a Igreja Católica acabou sendo
transplantada da Península Ibérica para a América e a partir
dos investimentos que foram feitos desde o século XVI na co-
lônia, a Igreja então iniciou seu processo de consolidação já
no século XVII. Com a fundação de universidades pelas ordens
religiosas e pelo episcopado para difundir, principalmente, os
conhecimentos teológicos e filosóficos no clero, a Igreja vol-
tava o ensino para conferir legitimidade ao sistema colonial.

No século XVII houve a fundação de várias Universidades


relacionadas às ordens religiosas masculinas, representando
significativo crescimento intelectual e cultural da colônia. Mui-
tas delas eram destinadas ao próprio clero e ofereciam apenas
filosofia e teologia. Raríssimas, mesmo no século XVIII ofere-
ciam ensino de medicina ou ciências naturais.

As universidades da América espanhola colonial pouco


realizaram em termos de ensino e pesquisa originais, e
pouco ofereceram no campo da apreciação crítica da
sociedade. Como a Igreja que as mantinha, sua função
social era conferir legitimidade ao sistema colonial (BAR-
NADAS, 1998, p. 539)

No século XVII houve um acirramento da Igreja em relação


às questões religiosas. No século XVI havia um certo respeito
136    História da América Colonial e Independente

em relação à religiosidade das comunidades de cultura nativa,


e até certo ponto, o ideal das igrejas locais foi muito mais de
manter um diálogo intercultural do que a pregação do evan-
gelho em si. Porém, no século XVII a sobrevivência destas cul-
turas religiosas nativas, pareceu à Igreja o sinônimo do fracas-
so missionário. A “idolatria” de deuses pagãos, principalmente
nos Andes, passou a ser perseguida e controlada com rigidez.

A inquisição nas colônias espanholas foi uma das reações


da Igreja para tentar corrigir falhas anteriores em seu sistema
evangelizador. Foram impostas medidas contra as práticas de
idolatria que ainda eram vistas na sociedade colonial, como
o “aprisionamento, a destruição física de todo símbolo con-
siderado idólatra e duros castigos aos chamados feiticeiros”
(BARNADAS, 1998, p. 539). Com a destruição destas repre-
sentações, a Igreja adotou medidas de cristianização através
do estímulo a adoração de imagens cristãs. Essa medida fez
com que fossem substituídas as representações de deuses pa-
gãos por imagens cristãs, estas sendo consideradas as “verda-
deiras”, e que foram aos poucos tomando o lugar das outras
nos templos indígenas (GRUZINSKI, 1992).

A proposta da Igreja era de cristianizar também o imaginá-


rio indígena, dando aos índios toda uma caracterização oci-
dental em padrões europeus, ou seja, uma nova visão mun-
dana diferente de seus costumes a partir de representações de
imagens cristãs. Segundo Gruzinski (1992), as imagens eram
mais que uma construção ideológica, sendo uma maneira da
sociedade produzir e representar sua própria realidade, “trans-
formando o real que a circundava” (1992, p. 204). A partir
disso, houve uma apropriação e uma reinterpretação por parte
Capítulo 7    A Igreja na América Espanhola...    137

do índio das figuras cristãs, adaptando-as à sua realidade, fa-


zendo um sincretismo do mundo indígena e do mundo cristão-
-ocidental. As imagens cristãs cumpriam seu papel e deixavam
de ser meras representações e transformaram-se em objeto
de culto, ligando assim o mundo indígena ao mundo ociden-
tal europeu. Segundo o autor, ainda hoje podemos perceber
cultos católicos presentes em certos países latino-americanos
dotados de heranças de religiões indígenas pré-hispânicas, fa-
zendo com que possamos compreender o hibridismo entre as
religiões que houve no período colonial e que ainda é muito
presente na sociedade latino-americana.

Esta medida também tinha por objetivo inibir as práticas


protestantes e judaicas. Muitos dos judeus chegavam à colônia
espanhola via Brasil, pois quando estes foram expulsos da Es-
panha na criação do Estado espanhol, se refugiaram em Por-
tugal. Com a colonização portuguesa na América, os judeus
acabaram indo para o Brasil sendo que de lá partiam para
as colônias espanholas, muitos “convertidos” (cristãos novos)
e muitas vezes acabavam sendo reprimidos pela inquisição.
Por isso, bastava-se ser português para atrair suspeitas de se-
rem judeus. No século XVI e XVII, em alguns locais os termos
“português” e “judeu” era considerado sinônimo. Muitos eram
multados e tinham que pagar em dinheiro a sua regularização
na colônia, outros tinham seus bens confiscados (VAINFAS,
1984). A coroa espanhola recorreu inúmeras vezes a este re-
curso para auxiliar em suas frequentes crises financeiras. Os
luteranos chamados pela Inquisição eram na maioria estran-
geiros (ingleses, holandeses, franceses, belgas e alemães) e
mesmo naquele período não havia clareza se os motivos eram
138    História da América Colonial e Independente

de fato religiosos ou políticos, tendo em vista que quase todos


eles eram vinculados à pirataria e ao contrabando.

Os negros escravizados também eram perseguidos e ob-


servados com atenção para que não praticassem sua religio-
sidade, considerada prática supersticiosa. Muitos criaram me-
canismos de burlar este controle e continuar com suas práticas
religiosas, sob um verniz de cristandade. Segundo Barnadas
(1998, p. 542): “Numerosas confrarias formadas exclusiva-
mente por negros proporcionavam oportunidades de formas
de expressão religiosa nas quais podiam exercer as práticas
sincréticas”.

As paróquias seculares e as ordens religiosas adquiriram


várias propriedades e grandes fortunas provindas de testa-
mentos que colonos muitas vezes deixavam após morrerem
em nome da Instituição em troca de “serviços espirituais” a se-
rem prestados pelo falecido. “A Igreja secular possuía também
um patrimônio agrário” e, além disso, “arrecadava dízimos
dos brancos e mestiços e mesmo, em certo grau, dos índios”
(BARNADAS, 1988, p. 542). Com isso, acumulava cada vez
mais bens e propriedades e se tornava uma instituição com
um considerável poder econômico e financeiro. As dioceses se
destacaram na hierarquia da Igreja por conseguirem arreca-
dar um montante considerável de dízimos, que posteriormente
seria pago por alguns em uma quantia em dinheiro. Como
vimos no capítulo anterior, com toda essa estrutura financeira,
o bispado se tornaria a principal instituição de crédito, em-
prestando dinheiro a terceiros e cobrando juros dos devedores
(CARDOSO, 1988).
Capítulo 7    A Igreja na América Espanhola...    139

Dentre as ações missionárias mais sistemáticas e duradou-


ras na América estão as Reduções jesuíticas. As que melhor
representam esta prática são as da margem dos rios Paraná e
Uruguai, distribuídas nas regiões de Entre-Rios, Paraguai, Rio
Grande do Sul e Turumá. Algumas chegaram a abrigar cer-
ca de 1500 famílias indígenas Guarani. As Reduções também
tiveram importante papel nas economias regionais (abasteci-
mento interno) e com alguns produtos de exportação, como
o chá de erva mate. Produziam praticamente tudo que consu-
miam. Os indígenas além dos ensinamentos religiosos, eram
alfabetizados, tinham aulas de música, canto e marcenaria.
Em 1768, com a expulsão dos Jesuítas da América pelos Bour-
bons, entraram em declínio, e foram atacadas pelos comer-
ciantes de índios (lusos e espanhóis).

Durante as últimas décadas do domínio espanhol a Igreja


era mais dependente do Estado e subordinada a ele como ja-
mais fora. Quando começaram a eclodir as revoltas contra o
sistema colonial, a Igreja ficou ao lado da Coroa, raros foram
os clérigos que ficaram ao lado dos rebelados. Isso foi ainda
mais evidente quando as rebeliões eram formadas por grupos
indígenas, mestiços ou africanos escravizados. A Igreja ficava
ao lado junto à minoria branca e se deixou usar pelo poder
civil repressor como “instrumento de pacificação”. “A profun-
didade da divisão entre os dois lados serviu indícios adicionais
de que a Igreja estava lá para servir muito mais o Estado colo-
nial do que aos índios” (BARNADAS, 1998, p. 550).

Com a crise final do sistema colonial, a Igreja perdeu mui-


tos privilégios, bens e influência. Por sua atuação sempre con-
junta à Coroa, não foi totalmente aceita pelas novas lideran-
140    História da América Colonial e Independente

ças criollas. Assim como a autoridade da Coroa estava sendo


questionada, a da Igreja também foi, porém, ao contrário da
primeira, sobreviveu enquanto Instituição às guerras de inde-
pendência, com bens e autoridade reduzidos.

7.2 Crise do sistema colonial espanhol

A crise do Estado absolutista espanhol iniciou no século XVII


com a Guerra de Sucessão Espanhola. Os conflitos esgotaram
os tesouros e a economia do Império, além da baixa popula-
cional, despovoamento, da pestilência e a invasão. “Tornava-
-se inevitável que a colcha de retalhos dos patrimônios dinás-
ticos se desfizesse: as revoltas de Portugal, da Catalunha e
de Nápoles foram um atestado da fraqueza do absolutismo
espanhol” (ANDERSON, 1998, p. 80). As sucessivas guerras
foram enfraquecendo e sucateando o exército, e fazendo com
que a classe hidalga fosse perdendo o gosto pelas batalhas,
tão característico aos espanhóis...

O Estado acabava por não suprir as necessidades da co-


lônia, que cada vez mais achava soluções para sanar a falta
de abastecimento pela metrópole, seja através do contraban-
do, ou com o comércio intercolonial. Mesmo que houvesse a
proibição da produção manufatureira na colônia, a falta de
abastecimento, de fiscalização e de controle por parte da Co-
roa, abriu precedentes para a implementação da manufatura
de alguns produtos e gêneros.
Capítulo 7    A Igreja na América Espanhola...    141

Com isso, o envio de metais preciosos à Espanha também


diminuiu, pois aumentou a circulação dentro da própria co-
lônia. A produção agrícola na Espanha caiu drasticamente
com a baixa populacional, e a manufatura – que nunca foi
significativa, estava totalmente estagnada. Assim, os recursos
que vinham da colônia acabavam por ser repassados a outros
Estados europeus, como a Inglaterra e a França.

No século XVII a Espanha experimentou a mais “negra


depressão econômica do século, com a paralisação das
indústrias, o colapso da moeda, o retorno à troca di-
reta, a escassez de alimentos e os motins da fome. (...)
Por volta do final do século, o Estado Habsburgo esta-
va moribundo: em todas as chancelarias estrangeiras
aguardava-se a sua extinção, na figura de seu espectral
governante Carlos II, como o sinal de que a Espanha
se tornaria o espólio da Europa (ANDERSON, 1998, p.
80-81).

Portugal, Holanda e Itália estavam perdidos. O absolutis-


mo de Madri havia sido reforçado e uma nova dinastia fran-
cesa foi instalada, a monarquia Bourbon. Importaram a expe-
riência e técnicas mais avançadas do absolutismo francês e
aos poucos a administração, o exército, e a gerência das colô-
nias foram sendo remodelados, organizados e aprimorados. A
administração das colônias foi arrochada e reformulada. “Os
Bourbons demonstraram que a Espanha poderia gerir o seu
império americano de forma competente e lucrativa” (ANDER-
SON, 1998, p. 81).
142    História da América Colonial e Independente

Porém, mesmo com todas estas reformulações, a crise so-


cial e demográfica continuava tendo reflexos na economia,
agravados pela falta de manufaturas eficientes. Estes proble-
mas econômicos eram decorrentes da sistematização da ex-
ploração colonial, com grande ênfase ao entesouramento de
metais precisos. Mesmo com a descoberta de novos veios de
prata no México, em um período em que se esgotavam os
filões na Europa Central, os metais não ficavam na Espanha,
pois eram destinados para pagar os produtos comprados de
outras Nações europeias. “O baixo custo do metal (trabalho
compulsório) gerou um incontrolável processo inflacionário,
causando a dependência do abastecimento externo e a fuga
dos capitais da Espanha” (VILAR apud WASSERMAN; GUA-
ZZELLI, 1996, p. 85). Os autores também afirmam que, além
disso, havia outra questão importante agravava este quadro,
a tendência de que os poucos empresários, enriquecidos pela
exploração colonial, investissem em propriedades senhoriais,
em um processo de “refeudalização”, prejudicando ainda mais
o desenvolvimento da produção primária e das atividades ma-
nufatureiras.

Com o reconhecimento da legitimidade ao trono pelos


Bourbon, a Espanha terá que lidar com as reivindicações da
Inglaterra, que alegava estar sendo prejudicada pelo aumento
das influências francesas.

A Espanha fez várias concessões aos ingleses no Tratado


de Utrecht (1713): cedeu alguns enclaves, como o es-
tratégico rochedo de Gibraltar, que guardava a entrada
do Mediterrâneo, permitindo ainda a abertura das suas
colônias americanas aos asientos (fornecimento de es-
Capítulo 7    A Igreja na América Espanhola...    143

cravos africanos) e permisos (comercialização de pro-


dutos manufaturados). Isto representava uma quebra no
monopólio colonial, com consequências graves para a
economia da metrópole espanhola (WASSERMAN; GUA-
ZZELLI, 1996, p. 84).

Desta forma a Espanha estava subordinada a duas poten-


cias europeias, a França (politicamente) e a Inglaterra (econo-
micamente).

Durante o século XVIII a Espanha tentou se recuperar das


inúmeras perdas, retomou o crescimento das atividades agrí-
colas e manufatureiras, tentou reestabelecer o controle adu-
aneiro dos portos espanhóis, recuperando o monopólio co-
lonial perdido e revertendo algumas concessões comerciais
feitas aos ingleses.

Porém, mesmo com todos os esforços para garantir o de-


senvolvimento destes setores, não conseguiam alcançar a
Inglaterra na oferta de manufaturados, nem eliminar o con-
trabando com esta, já institucionalizado em muitos locais da
colônia.

Como vimos no capítulo anterior, a crise econômica do


século XVII permitiu a diversificação da economia da colônia
(tabaco, cochonilha, cacau, açúcar), não mais centrada ex-
clusivamente na produção de metais. Segundo Wasserman e
Guazzelli (1996, p. 85): “Os latifúndios, voltados para a pro-
dução de exportação, tornaram-se uma tendência em várias
regiões americanas, dependendo sua eficiência de um ade-
quado controle de mão-de-obra compulsória, fosse a servidão
indígena, fosse a escravidão africana”.
144    História da América Colonial e Independente

Ao final do século XVIII, a Espanha dominava a maior parte


do continente americano: na América do Norte sua colônia do
México englobava também o território que ia do Texas à Cali-
fórnia; na América Central possuía todas as terras continentais
e a maior parte das Antilhas; e na América do Sul, somente
o Brasil e as Guianas não lhe pertenciam. Um vasto império
para cuidar e dominar...

Paralelo às mudanças econômicas, temos as mudanças ad-


ministrativas. Uma delas foi o desdobramento dos vice-reina-
dos originais (Nova Espanha e Peru) em outros vice-reinados
e capitanias, em uma tentativa de recuperação do monopólio
comercial. Esta iniciativa fez com que houvesse necessidade
da ampliação de novos centros urbanos, aumentando o nú-
mero de órgãos destinados a arrecadação de impostos. As de-
cisões mais importantes continuavam sendo centralizadas na
metrópole. Esta centralização já incomodava os criollos, que
se sentiam pouco representados, e agora era agravada pelo
acirramento do monopólio comercial, após um período de pe-
quenas aberturas, suficiente para vislumbrarem as possibilida-
des de enriquecimento no mundo colonial. O único espaço
político da aristocracia criolla continuava sendo os cabildos.
Segundo Wasserman e Guazzelli (1996, p. 87):

Devido aos entraves burocráticos, passaram a tomar


para si questões relativas à organização produtiva, como
no caso da apropriação de rebanhos e terras no Prata,
ou mesmo militares, como nas invasões inglesas do Rio
da Prata, no início do século XIX. Manifestava-se assim
uma contradição entre a classe dominante colonial, que
controlava as atividades produtivas, e os representantes
Capítulo 7    A Igreja na América Espanhola...    145

da metrópole, que, apesar de não participarem da pro-


dução, detinham os cargos dirigentes e exerciam o poder
em nome da Espanha.

Aos poucos estava se formando a ideia da metrópole como


incomoda ao progresso da colônia. Além disso, os monopó-
lios comerciais fazia com que os criollos ficassem alheios a
situação do mercado econômico, impedindo um cálculo de
valor real do que produziam. Estas questões foram a base para
o desejo de quebrar os vínculos coloniais, pois seria a única
solução para os anseios da elite criolla. A Inglaterra, desejosa
de novos mercados, não apenas estimulava como instrumen-
talizava as ideias de insurreição contra a metrópole. Wasser-
man e Guazzelli (1996, p. 87):

No entanto, no processo de formação de uma consci-


ência favorável à Independência entre os criollos foram
fundamentais os movimentos sociais libertários dos que
realmente eram submetidos no mundo colonial: as revol-
tas indígenas e dos africanos escravizados representavam
uma ameaça para as vidas e propriedades dos produ-
tores criollos, que temiam agitações que repercutissem
entre as massas de trabalhadores compulsórios.

O Império se mantinha grande, mas as condições políticas


quase não haviam mudado e a administração era pouco efi-
ciente e morosa. A supremacia política e econômica continua-
va nas mãos dos “metropolitanos” que monopolizavam cargos
administrativos no governo, na Igreja, na justiça e no exército.

A classe dominante colonial desejava manter o sistema de


opressão aos trabalhadores, mas com liberdade comercial e
146    História da América Colonial e Independente

representação nas decisões políticas, sem interferência da me-


trópole. E os ventos das mudanças continuam a soprar...

Referências bibliográficas

ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. 3.ed.


São Paulo: Brasiliense, 1998.

BARNADAS, Joseph. “A Igreja católica na América espanhola


colonial”. In.: BETHELL, Leslie (Org.). História da América
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Editora da USP, 1998. [p. 521-551].

CARDOSO, Ciro Flamarion S. O Trabalho na América La-


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GRUZINSKI, Serge. A guerra das imagens e a ocidentalização


da América. In.: VAINFAS, Ronaldo (org.). América em
tempo de conquista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1992.
[p. 198-207].

SILVEIRA, Patrícia Ferreira dos Santos. O Padroado Régio e a


Igreja no Brasil Colonial no Século XVIII. Disponível em:
http://territoriopress.com.br/7400/palestra-o-padroado-regio-no-brasil-
-colonia-do-seculo-xviii/. Acessado em: jun.2014.

VAIFAS, Ronaldo. Economia e Sociedade na América Espa-


nhola. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
Capítulo 7    A Igreja na América Espanhola...    147

WASSERMAN, Cláudia; GUAZZELLI, Cesar B. História da


América Latina: Do descobrimento a 1900. Porto Alegre:
Editora da Universidade/UFRGS, 1996. [Síntese Universitá-
ria, 52/53].

Atividades

1. A criação da Companhia de Jesus representa uma das


ações da chamada “Contra Reforma”. Na América, esta
Ordem representava:

I – O estabelecimento do “cristianismo puro”, isento dos erros


do velho continente, restaurando assim a Igreja primitiva.

II – A inserção sistemática de uma religião cristã no Novo Mundo.

III – A abertura religiosa cristã após o Concílio de Trento.

IV – O sincretismo com as religiões indígenas que acabaram


acarretando na expulsão dos jesuítas da América no século
XVII.

A partir das afirmações acima, marque a alternativa correta:

a) As alternativas I e II estão corretas.

b) As alternativas II e III estão corretas.

c) As alternativas II e IV estão corretas.

d) As alternativas I e III estão corretas.

e) As alternativas I e IV estão corretas.


148    História da América Colonial e Independente

2. A Igreja no Novo Mundo era, assim, o resultado da con-


fluência de duas correntes:

a) Uma foi a transladação das características Concílio de


Trento na era dos descobrimentos; a outra foi a rati-
ficação dessas características ortodoxas trazidas pela
Igreja Ibérica.

b) Uma foi a criação de mecanismos da Contra Reforma


como a implantação dos bispados; a outra foi a im-
plantação das Reduções jesuíticas.

c) Uma foi a transladação das características da Igreja


da Península Ibérica na era dos descobrimentos; a ou-
tra foi a ratificação dessas características pelo Concílio
de Trento.

d) Uma foi a criação de mecanismos da Contra Reforma


como a implantação das Reduções jesuíticas; a outra
foi a implantação dos bispados.

e) Uma foi a criação de mecanismos da Contra Reforma


como a Ordem Jesuíta; a outra foi a implantação dos
conventos femininos.

3. Quando começaram a eclodir as revoltas contra o sistema


colonial, a Igreja ficou ao lado:

I – Da Coroa, raros foram os clérigos que ficaram ao lado dos


rebelados.

II – A Igreja ficava ao lado, junto à minoria branca e se deixou


usar pelo poder civil repressor como “instrumento de pacifica-
ção”.
Capítulo 7    A Igreja na América Espanhola...    149

III – Do Estado, pois a profundidade da divisão entre os dois


lados serviu indícios adicionais de que a Igreja estava lá para
servir muito mais o Estado colonial do que aos índios.

Analise as afirmações acima e marque a alternativa correta:

a) A alternativa I é correta.

b) A alternativa II é correta.

c) A alternativa III é correta.

d) As alternativas I e II são corretas.

e) Todas as alternativas são corretas.

4. Quais fatores abaixo são importantes para entendermos a


crise do sistema colonial espanhol?

I – A Guerra de Sucessão Espanhola.

II – A estagnação da manufatura na Espanha.

III – A baixa populacional devido às pestes, fome e guerras.

IV – A falta de controle e abastecimento nas colônias.

V – Algumas concessões feitas à Inglaterra e sua gradativa


aproximação e negociação com as colônias.

Analise as alternativas acima e marque a opção correta:

a) As alternativas I, III e V estão corretas.

b) As alternativas II e IV estão corretas.

c) As alternativas I, II e III estão corretas.


150    História da América Colonial e Independente

d) As alternativas I, II, III e IV estão corretas.

e) Todas as alternativas estão corretas.

5. Os Criollos desejavam manter o sistema de opressão aos


trabalhadores (mestiços, indígenas e africanos escraviza-
dos):

I – Mas com liberdade comercial.

II – Mas com liberdade de livre cambio.

III – Mas com representação nas decisões políticas, sem inter-


ferência da metrópole.

IV – Mas com representação nos Reinos das Indias.

Analise as alternativas acima e marque a opção correta:

a) As alternativas I, III e IV estão corretas.

b) As alternativas II e IV estão corretas.

c) As alternativas I, II e III estão corretas.

d) As alternativas I e III estão corretas.

e) Todas as alternativas estão corretas.

Gabarito

1. A; 2.C; 3.E; 4.E; 5.D


Juliane Maria Puhl Gomes1

Capítulo 8

A Ocupação Inglesa da
América

1
  Mestre em História. Professora da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA.
152    História da América Colonial e Independente

Introdução

Nos capítulos anteriores tratamos da conquista, colonização e


crise do sistema colonial espanhol. Não falamos da conquista
portuguesa porque ela será temática da disciplina de História
do Brasil Colônia. Mas a América não teve apenas colônias
ibéricas. Ela foi ocupada por ingleses, franceses e holandeses.
Este capítulo apresenta a ocupação inglesa da América do
Norte. O contato entre povos de cultura nativa e os europeus
já oi tratado no Capítulo 4.

8.1 Navegações de nações não ibéricas

A conquista da América abriu novos horizontes às Nações eu-


ropeias, muitas ainda em formação. Os metais preciosos, os
produtos exóticos e, principalmente a possibilidade de novas
redes comerciais, atraíram ingleses, franceses e holandeses à
América.

A consolidação do Estado Nacional posterior a da Espanha


e Portugal, acabou por retardar a expansão marítima, princi-
palmente dos ingleses, cujo interesse inicial, assim como fora
aos ibéricos, era encontrar uma rota que os levasse às Índias.
Como os espanhóis e portugueses já estavam dominando as
rotas do Atlântico Sul, e tinham estabelecido tratados que lhes
garantiam as posses das terras conquistadas, as outras nações
acabaram se concentrando mais no Atlântico Norte, que ainda
não havia sido incorporado ao poderio ibérico.
Capítulo 8    A Ocupação Inglesa da América    153

Como não eram, por tais tratados, considerados como


“proprietários oficiais”, foram considerados pelos ibéricos
como piratas! Coisa que aos olhos das populações de cultura
nativa, todos eles eram...

Na Inglaterra a pirataria foi oficializada, desde que os lu-


cros dos saques fossem divididos com o governo inglês. Os
piratas oficiais eram chamados de corsários, enquanto que
aqueles que não repartiam seus lucros com o governo eram
simplesmente piratas, os ilegais, perseguidos pela coroa britâ-
nica. Muitos filmes retratam as ações de pirataria aos navios
espanhóis, que voltavam da América carregados de metais
preciosos e eram interceptados pelos navios piratas ingleses.
A série de filmes deste gênero mais conhecida no momento é
“Piratas do Caribe”.

As tentativas inglesas de chegar a Índia iniciaram após o


término da Guerra dos Cem Anos(1453) e a Guerra das Duas
Rosas (1485), quando a dinastia Tudor (1485-1603), apli-
cando as políticas econômicas mercantilistas após, estimula
a ida de expedições à América do Norte, autorizando os na-
vegadores a fundar estabelecimentos coloniais nas terras que
descobrissem. Mas isso não pode ser considerado um projeto
colonizador e sim ações de expansão comercial.

Um dos fatores que alavancou este processo foi a implan-


tação do Absolutismo, pela dinastia Tudor, fortalecido pelos os
reflexos da Reforma religiosa na Inglaterra. Segundo Karnal
(2010, p. 32):

Usando como justificativa sua intenção de divórcio, o rei


Henrique VIII rompeu com o papa e fundou o anglicanis-
154    História da América Colonial e Independente

mo, tornando-se chefe da Igreja na Inglaterra e confis-


cando as terras da Igreja Católica.

Os dois maiores limites ao poder real eram os nobres e a


Igreja Católica. Graças À reforma e a fraqueza da nobre-
za inglesa, esses limites foram eliminados ou diminuídos
durante a dinastia Tudor.

Tal ato simboliza a construção de um novo paradigma, pois


ao criarem uma nova Igreja, desenvolvem também uma nova
visão de mundo, a ruptura com o tradicional ante ao novo, o
moderno (KARNAL, 2010).

A Inglaterra se tornou um Estado centralizado e forte, orga-


nizado internamente, que agora poderia pensar nas políticas
de expansão e colonização fora da Europa.

A partir deste novo contexto um novo inimigo se colocava


como entrave aos projetos expansionistas ingleses: a Espanha
de Felipe II. Uma ameaça forte, que só é neutralizada após
a vitória sobre a “Invencível Armada da Espanha” em 1588,
após tentativa de ocupação espanhola do território da Ingla-
terra. Essa vitória calou alguns descontentamentos internos em
relação ao rei, e fortaleceu sobremaneira o nacionalismo in-
glês.

Segundo Aquino et al. (2000), em 1603 os ingleses esta-


vam fortalecidos, livres da ameaça da Espanha, e com uma
nova dinastia no poder (os Stuart). Retomaram suas investidas
coloniais na América.

A conjuntura inglesa era agora favorável – não obstante


as conturbações políticas. Senhora dos mares, a Ingla-
Capítulo 8    A Ocupação Inglesa da América    155

terra e sua crescente burguesia dispunham de condições


para reativar negócios coloniais. Assim, o rei Jaime I con-
cedeu a duas companhias – a Cia. de Londres e a Cia.
de Plymounth – parte do litoral norte-americano. Entre os
paralelos 34º e 38º e 41º e 45º, tiveram as companhias
de Londres e Plymouth, respectivamente, seus espaços
de atuação, resguardando-se a faixa territorial entre eles
para evitar disputas (JUNQUEIRA, 2013, p. 8).

Como afirma Leandro Karnal (2003), ao contrário da Amé-


rica ibérica, a América inglesa define-se por uma colonização
de empresa, e não de Estado. Ainda segundo o autor, nes-
ta faixa territorial neutra entre as concessões, os holandeses
aproveitaram para fundar colônias, das quais a mais famosa
daria origem ao que hoje é o centro de Nova York.

O autor Lucas Junqueira (2013) transcreve o pensamen-


to do inglês Walter Raeligh (que deu início à colonização da
Virgínia), citado por Marc Ferro, que ilustra perfeitamente a
reflexões econômicas do início do século XVII: “Quem coman-
da o mar comanda o comércio; quem comanda o comércio
comanda a riqueza do mundo, e por conseguinte o próprio
mundo...” (FERRO apud JUNQUEIRA, 2013, p. 13).

8.2 Os “Colonizadores”

No início do século XVII a Inglaterra passava por muitas trans-


formações, dentre elas o crescimento demográfico (a popula-
ção quase dobrou de 1525 a 1601), e a Revolução Agrícola e
as manufaturas começava a gerar frutos. O processo de cerca-
156    História da América Colonial e Independente

mentos (enclosures) era mais e mais intensificado, diminuindo


as áreas comunais e campos abertos, fundamentais à sobrevi-
vência dos camponeses, para aumentas a criação de ovelhas.
“O capitalismo avançava sobre o campo e o desenvolvimento
da propriedade privada excluía muitos trabalhadores. Para di-
versos camponeses, o fim das terras comuns foi também o fim
da vida no campo.” (KARNAL, 2010, p. 35).

Em toda a Inglaterra o êxodo rural cresce assustadoramen-


te, fazendo com que as cidades inglesas não consigam com-
portar o número de pessoas que chegam até ela em busca
de recursos e novas oportunidades. O número de pobres fica
cada vez maior. Muitos deles formarão parte do contingente
que emigrou para a América em busca de uma vida melhor e
mais oportunidades. Fato aprovado pelas autoridades ingle-
sas, que viam na ida destes grupos de despossuídos para a
América, a solução de muitos de seus problemas.

O contexto histórico da Inglaterra do século XVII é con-


turbado. Uma série de acontecimentos políticos e religiosos
aumenta a pressão e o clima de instabilidade nos centros ur-
banos, dando origem a uma série de deslocamentos dentro da
própria Inglaterra e para fora dela (FURTADO apud PINSKY,
1991). A colônia, aos olhos das autoridades, serviria para re-
ceber estes indivíduos “inadaptados” seja por questões religio-
sas, políticas ou econômicas. Nas palavras de Leandro Karnal
(1992, p. 29):

A colônia serviria assim como receptáculo de tudo que a


metrópole não desejasse. A ideia tradicional de um gru-
po seleto de colonos altamente instruídos e com capitais
Capítulo 8    A Ocupação Inglesa da América    157

abundantes é, como se vê, uma generalização incorreta.


(...) A Inglaterra faria da colonização um meio de des-
carregar no Novo Mundo tudo o que não fosse desejável
no Velho.

Assim como já havia ocorrido nos países ibéricos, os órfãos


foram levados para a América e muitas mulheres eram trans-
portadas pelas companhias e praticamente leiloadas no Novo
Mundo, pois esposas brancas eram “artigo raro” na América...

E como esses grupos despossuídos compravam suas pas-


sagens para a América? Junqueira (2013) e Karnal (1992;
2003; 2010) descrevem a “indenturent servant”, ou seja, uma
nova forma de servidão, que consistia em prestar alguns anos
de trabalho gratuito (em média 7 anos) a quem se dispusesse
a pagar a passagem do imigrante. Este tipo de mão de obra
incorporou a maioria absoluta de trabalhadores no século XVII
nas colônias inglesas (70%). Este tipo de trabalho incentivou o
rapto de crianças na Inglaterra para vendê-las como emprega-
das na América (KARNAL, 2010).

Os trabalhadores assinavam um contrato concordando


com os termos de quem lhes pagasse a passagem, mas a falta
de condições, os maus tratos e muitas vezes as situações cria-
das para aumentar o tempo de serviço, fez com que houvesse
uma série de rebeliões.

Outra frente de emigrantes foram os peregrinos religiosos


(pilgrims) que fugiam da instabilidade religiosa que já men-
cionamos. Segundo Junqueira (2013), católicos, huguenotes,
quakers e puritanos, dentre outros, imigram para a América
(Nova Inglaterra) na tentativa de fugir de conflitos e persegui-
158    História da América Colonial e Independente

ções. Ainda segundo o autor, os puritanos acabaram entrando


para a história dos EUA como núcleo original de sua cultura.
Em 1620 um destes grupos de pilgrims, chega a Massachuset-
ts a bordo do navio Mayflowers, liderados por John Robinson,
William Brester e William Bradfot (os pilgrim fathers – pais pe-
regrinos).

Ainda a bordo do navio que os trazia, esses peregrinos


firmaram um pacto estabelecendo que seguiriam leis
justas e iguais. Esse documento é chamado “Mayflower
Compact” e sempre é lembrado pela historiografia norte-
-americana como um marco fundador da ideia de liber-
dade, ainda que o documento dedique longos trechos à
glória do rei James da Inglaterra. (KARNAL, 2010, p. 46)

Estes “pais peregrinos” não são “pais” de todos, apenas da


parte denominda por Leandro Karnal (2010) de “WASP” – Whi-
te anglo-saxon protestant (branco, anglo-saxão e protestante).
Ainda segundo o autor, consagrar os peregrinos como modelo
de colonização dos EUA é reforçar uma parte do processo
e ignorar outras, pois na verdade neste grande contingente
populacional do século XVII misturam-se aventureiros, órfãos,
membros de seitas religiosas, mulheres sem posses, crianças
raptadas, negros africanos, índios, degredados, comerciantes
e nobres (KARNAL, 2010, p. 47).

O primeiro navio de africanos escravizados chegou à Virgi-


nia em 1619. E em 1624 nasce o primeiro afro-americano dos
EUA, William Tucker. Vinte anos depois da chegada do primei-
ro navio, a escravidão já estava presente em todas as colônias.
Capítulo 8    A Ocupação Inglesa da América    159

O nigeriano Gustavus Vassa, trazido à América como escravo,


descreve a sua chegada:

Conduziam-nos imediatamente ao pátio... como ovelhas


em um redil, sem olharem para idade ou sexo. Como
tudo me era novo, tudo o que vinha causava-me assom-
bro. Não sabia o que diziam, e pensei que esta gente es-
tava verdadeiramente cheia de mágicas... Ao um sinal de
tambor, os compradores corriam ao pátio onde estavam
presos os escravos e escolhiam o lote que mais lhes agra-
dava. O ruído e o clamor com que se azia isso e a an-
siedade visível nos rostos dos compradores serviam para
aumentar muito o terror dos africanos... Dessa maneira,
sem escrúpulos, eram separados parentes e amigos, a
maioria para nunca mais voltarem a se ver (VASSA apud
KARNAL, 2010, p. 64).

Assim como na América ibérica, são inúmeros os registros


de crueldades contra os escravos, bem como punições às ten-
tativas de rebeldia. Porém, da mesma forma, inúmeras foram
as formas de resistência destes grupos escravizados.

8.3 População e vida cotidiana

No início do século XVIII as Treze Colônias já contam com


250 mil habitantes. Dentre eles muitos alemães, escoceses e
irlandeses, recém chegados. Além destes, ao final do sécu-
lo XVIII temos uma grande leva de franceses protestantes que
migram para as colônias inglesas. Uma grande diversidade
160    História da América Colonial e Independente

cultural vai, gradativamente, afastando a população da Amé-


rica da metrópole, constituindo valores e hábitos diferentes dos
ingleses.

A maior parte da população morava na zona rural, mas os


centros urbanos eram fortes e comercialmente ativos.

A estrutura familiar na América não diferia muito da ingle-


sa. Famílias de 7 a 8 filhos, mortalidade infantil altíssima, a fi-
gura masculina central no seio da casa, todos trabalhavam. As
mulheres casavam cedo e viviam a sombra dos seus maridos.

As mulheres tinham trabalho dentro e fora de casa. Por


suas mãos a família se vestia, comia e obtinha ilumina-
ção, tendo em vista que tecidos, alimentos e velas eram
geralmente produção caseira (KARNAL, 2010, p. 67).

As casas eram pequenas, com poucos móveis, camas com-


partilhadas por várias crianças, as roupas confeccionadas em
casa, poucos enfeites; os banheiros ficavam no exterior das
residências (na rua).

A maior parte das atividades era de trabalho, poucas de


lazer. Mesmo as atividades conjuntas tinham alguma função:
construir um celeiro, por exemplo, e depois comer um lanche
coletivo.

Havia uma grande preocupação com a educação e em


quase todas as localidades havia os professores. Tal preocupa-
ção se devia à necessidade de conhecerem a Bíblia.
Capítulo 8    A Ocupação Inglesa da América    161

8.4 Colônias do Norte

Devido ao clima, extremamente frio, as colônias ao norte man-


tiveram uma economia baseada na policultura (milho, aveia
e trigo), no intuito de abastecimento do mercado interno. A
criação de ovelhas, porcos e gado também era forte. A mão
de obra era familiar, mas também a de servidão por dívidas e
a escravizada. Nas colônias mais ao norte havia, também, a
produção de navios.

Diversos autores falam do comércio triangular, ou seja,


compra de cana e melado das Antilhas, transformados em
rum, levado para a África e trocado por africanos escraviza-
dos, que eram trazidos para as Antilhas, ou colônias do sul,
para serem vendidos. E assim reiniciava o processo.

Este comércio triangular também se dava com a Europa,


para onde o açúcar das Antilhas era levado e de lá vinham
produtos manufaturados.

Outra atividade das colônias do norte foi a pesca e a ven-


da de peles.

8.5 Colônias do Sul

Um dos produtos que se destacou desde o início da coloniza-


ção foi o tabaco (planta nativa da América), que exigia gran-
des contingentes de mão de obra, aumentando assim a servi-
dão por dívidas e a escravização de africanos.
162    História da América Colonial e Independente

Ao contrário das colônias do norte, as do sul tinham a eco-


nomia voltada às necessidades da Europa. Os grandes lati-
fúndios, de monocultura para exportação, ficaram conhecidos
como plantations. Além do tabaco, produziam algodão e linho
de excelente qualidade. A manufatura era pouco desenvolvida
nas colônias do sul.

A estrutura social das colônias do Sul advinha de sua or-


ganização econômica. Os latifúndios das plantations es-
cravistas conformavam uma sociedade polarizada entre
uma aristocracia fundiária ávida por terras e uma massa
de escravos negros, assim como uma parcela de servos
brancos (JUNQUEIRA, 2013, p. 10).

O sul escravista era muito mais ligado à metrópole do que


as colônias do norte, e por isso um bastião do mercantilismo e
do conservadorismo na América inglesa.

Referências bibliográficas

AQUINO, Rubim Santos de et al. História das Sociedades


Americanas. 7.ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.

JUNQUEIRA, Lucas. F. História da América II: Licenciatura


História. Salvador: UNEB/GEAD, 2013.

KARNAL, Leandro. Estados Unidos: Da Colônia à Indepen-


dência. 2.ed. São Paulo: Contexto, 1992.

_______________. Estados Unidos: A Formação da Nação.


2.ed. São Paulo: Contexto, 2003.
Capítulo 8    A Ocupação Inglesa da América    163

KARNAL, Leandro et al. História dos Estados Unidos: das


origens ao século XXI. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2010.

PINSKY, Jaime et al. História da América através de textos.


São Paulo: Contexto, 1991.

Atividades

1. Os piratas, quando dividiam espólios com governo inglês


era chamados de:

a) Conquistadores.

b) Corsários.

c) Comissários.

d) Piratas;

e) Flagelo.

2. O início da expansão marítima inglesa, mesmo que tardio


em relação às nações ibéricas, teve como intuito inicial:

a) O contrabando.

b) O corso.

c) A pirataria.

d) Encontrar um caminho às Índias.

e) Criar colônias de colonização.


164    História da América Colonial e Independente

3. A criação do anglicanismo simbolizou:

I – A construção de um novo paradigma.

II – A estruturação de uma nova visão de mundo.

III – A ruptura com o tradicional ante ao novo, o moderno.

IV – O reforço do papel do cristianismo junto ao Estado.

Analise as alternativas acima e marque a correta:

a) Todas as alternativas estão corretas.

b) As alternativas I, II e IV estão corretas.

c) As alternativas I e IV estão corretas.

d) As alternativas I, II e III estão corretas.

e) As alternativas I, III e IV estão corretas.

4. A população da América inglesa era formada por:

I – Despossuídos economicamente.

II – Grupos religiosos.

III – Órfãos.

IV – Africanos escravizados.

Analise as alternativas acima e marque a correta:

a) Todas as alternativas estão corretas.

b) As alternativas I, II e IV estão corretas.

c) As alternativas I e IV estão corretas.


Capítulo 8    A Ocupação Inglesa da América    165

d) As alternativas I, II e III estão corretas.

e) As alternativas I, III e IV estão corretas.

5. As colônias voltadas à economia da Europa e, portanto


mais conservadoras eram as do:

a) Norte.

b) Sul.

c) Do Norte e do Sul.

d) Centro-sul.

e) Oeste.

Gabarito

1. B; 2.D; 3.D; 4.A; 5.B.


Juliane Maria Puhl Gomes1

Capítulo 9

Independência dos
Estados Unidos

1
  Mestre em História. Professora da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA.
Capítulo 9   Independência dos Estados Unidos   167

Introdução

Vimos no Capítulo 8 como se deu a ocupação das Treze Co-


lônias da Inglaterra aqui na América, bem como o processo e
as relações coloniais decorrentes do estabelecimento destas.
Uma das características mais marcantes da política inglesa em
relação às suas colônias foi a “Negligencia Salutar”, ou seja,
a falta de um projeto de ocupação e exploração efetivos, que
levou a metrópole a dar certa autonomia aos colonos. Porém,
alguns acontecimentos marcantes do século XVIII fizeram com
a Inglaterra tentasse rever essa postura, acirrando o controle
sobre as possessões coloniais, fato que gerou uma série de
reações coloniais e em consequência ações metropolitanas,
que mudariam a configuração destas relações.

9.1 O contexto da independência das


treze colônias

Antes de estudarmos os movimentos de independências na


América, é necessário entender o cenário internacional do fi-
nal do século XVIII e início do XIX (1775-1825). Na Europa
este foi o período de muitos conflitos, alguns países passaram
por atritos internos (entre nobreza e burguesia) e outros exter-
nos (entre Nações).

Na Inglaterra, por exemplo, havia constantes atritos entre


a burguesia, classe dominante deste o início do século XVIII,
cujos anseios articulavam-se com os do Estado liberal, e a
nobreza, que ainda defendia políticas mais restritivas. “Não
168    História da América Colonial e Independente

foi por acaso que na Inglaterra se fizeram ouvir as primeiras


vozes defendendo as liberdades de produção, de comércio e
navegação, a abolição do tráfico de escravos...” (AQUINO,
2000, p. 63).

Já na França a classe feudal era dominante, mesmo a bur-


guesia mercantil sendo forte, foi necessária a articulação com
outras categorias sociais e uma Revolução para derrubar a
nobreza.

Espanha e Portugal ainda mantinham estruturas predomi-


nantemente feudais, e como já vimos no Capítulo 8, o setor
mercantil não era muito desenvolvido, tanto que a maioria
dos produtos manufaturados vinha da Inglaterra ou da Fran-
ça. Além disso, este setor dependia totalmente do Estado, não
tendo autonomia.

Em relação aos conflitos entre as Nações europeias, Karnal


(2003) salienta que desde o início do século XVIII a Inglaterra
e a França intensificaram seus atritos, com reflexos diretos nas
suas colônias americanas.

Alguns destes conflitos com reflexo na América foram:


Guerra da Rainha Ana (Sucessão Espanhola, 1703-1713),
Guerra da “Orelha de Jenkins” (1739-1742), Guerra da Su-
cessão Austríaca (1740-1768) – conhecida na América como
Guerra do Rei Jorge. Segundo Karnal (2003) cada um destes
conflitos deixou marcas na América, aumentando gradativa-
mente o sentimento de abandono ou preterimento em relação
à Inglaterra. Muitos dos tratados que finalizaram estas guer-
ras não beneficiavam de modo algum os colonos americanos,
Capítulo 9   Independência dos Estados Unidos   169

que haviam representado a metrópole na América, muitas ve-


zes investindo dinheiro nas empreitadas.

A fase final destes conflitos do século XVIII foi marcada, na


Europa, pela Guerra dos Sete Anos (1756-1763), e nas co-
lônias da América pela Guerra Franco-Índia, que iniciara em
1754, na tentativa de obter o Vale de Ohio (áreas indígenas).

Aquino (2000) expõe que tanto franceses como ingleses


contavam com aliados indígenas. Porém, os franceses sem-
pre tiveram mais prestígio entre os índios americanos do que
outras Nações. Para tentar minimizar este prestígio, o Conse-
lho Comercial britânico, “convocou um congresso de repre-
sentantes das colônias inglesas e chefes indígenas, reunidos
em Albany (Nova York), em 1754, onde foram apresentadas
sugestões aos problemas indígenas, remetidas a Londres”
(AQUINO, 2000, p. 167). O autor ainda afirma que o mesmo
Congresso fez uma proposta conhecida como “Plano de União
de Albany”, desenvolvido por Benjamin Franklin, que estabele-
cia um governo central nas colônias, e que seria responsável
por decidir sobre importantes assuntos, como taxações, defesa
e povoamento. A Inglaterra não se agradou da ideia de união
das colônias. Da mesma forma o plano foi rejeitado pelos co-
lonos, pois o interesse era manter a descentralização político-
-administrativa.

A Inglaterra sai vitoriosa da Guerra dos Sete Anos e, em


processo inicial da Revolução Industrial, precisava de merca-
dos para os seus produtos. As colônias francesas mais impor-
tantes (parte da Índia, Canadá, Vale do Alto Mississipi e parte
170    História da América Colonial e Independente

das Antilhas) passaram para o domínio inglês (Paz de Paris,


1763).

O que em um primeiro momento parecia ser a solução


para o escoamento dos produtos ingleses, em um segundo
momento mostrou ser a ampliação de vários problemas. A in-
corporação das antigas colônias francesas, apresentou várias
questões que precisavam de atenção: diversidade cultural e
religiosa, defesa, administração, manutenção do sistema co-
lonial, dentre outros. Além disso, os cofres da coroa não es-
tavam muito bem em vista da recente guerra com a França.
Leandro Karnal (2010) afirma que para sanar esta questão, a
coroa precisou de uma nova política financeira, concretizada
em aumentar a tributação das Treze Colônias e reforçaras po-
líticas de monopólio comercial.

De muitas formas a Guerra dos Sete Anos é a mais im-


portante de todas as guerras do século XVIII. Deixou evi-
dente o que já aparecera em outras guerras: os interesses
ingleses nem sempre eram idênticos aos dos colonos da
América (KARNAL, 2010, p. 70).

Como o território havia sido muito ampliado, o controle


sobre o mesmo também o deveria ser. Deste modo a Inglaterra
nomeou a administração, implicando em redução da autono-
mia das Treze Colônias.

Como exposto no Capítulo 8, a conquista e colonização


das Treze Colônias não teve um projeto elaborado. Muitas
colônias, principalmente do Norte, praticamente não tinham
vínculos de dependência com a Inglaterra. Segundo Aquino
(2000), muitos centros urbanos, das colônias do Norte, tinham
Capítulo 9   Independência dos Estados Unidos   171

intensa vida intelectual, alguns dos quais com certa influência


de pensamento do movimento Iluminista. Junqueira (2013)
afirma que a emigração havia parado no século XVII, assim
97 a 98% da população já era nascida na América, criando
um modo de vida próprio, adaptado à realidade americana.

A política de governo inglesa até meados do século XVIII


havia sido a “Negligência Salutar”, que permitia certa auto-
nomia às colônias. Porém, após a Guerra dos Sete Anos, esta
realidade mudou. A Inglaterra estava mais fortalecida e com
grande estabilidade política (monarquia parlamentar). Os bur-
gueses estavam participando do poder, promovendo grande
desenvolvimento econômico. “Os séculos XVIII e XIX na Ingla-
terra, ao contrário da França, serão de relativa paz interna,
favorecendo a expansão e o controle do Império Colonial”
(KARNAL, 2010, p. 71). Ainda segundo o autor, tal controle
foi favorecido em função das tropas inglesas que haviam fica-
do na América após a Guerra Franco-Índia. A Coroa decidiu
manter um exército regular na América, a um custo de 400 mil
libras por ano, pago pelo aumento de tributação aos colonos,
que seriam policiados pelos militares ingleses.

Outra questão importante deste pós guerra, foi a intenção


dos colonos em expandir seus territórios para áreas tradicio-
nais indígenas (entre os montes Apalaches e o Rio Mississipi).
Tal intento deu início a várias batalhas entre colonos e indí-
genas, nas quais até mesmo doenças como a varíola foram
utilizadas para exterminar os índios, que foram derrotados.

Apesar da vitória dos ingleses o Rei Jorge III proibiu, em


1763, o acesso dos colonos a várias áreas pretendidas pelos
172    História da América Colonial e Independente

mesmos, reconhecendo a soberania indígena sobre elas. Afir-


mava o Rei:

Considerando que é justo e razoável e essencial a nosso


interesse e à segurança de nossas colônias que as diversas
nações ou tribos de índios como as que estamos em contato,
e que vivem sob nossa proteção, não sejam molestadas ou in-
comodadas na posse das ditas partes de nossos domínios [...]
(apud KARNAL, 2003, p. 72).

Leandro Karnal (2010) afirma que esta declaração do Rei


Jorge III é extremamente relevante ao processo de indepen-
dência das Treze Colônias, e muito pouco trabalhado pela his-
toriografia. Além de impedir as ideias expansionistas dos co-
lonos, principalmente os do Norte, ela marca o início de uma
política de interferência nos assuntos internos, algo inédito nas
Treze Colônias até então.

9.2 As leis que antecedem a ruptura

Todos os autores que trabalham a temática da independência


dos Estados Unidos, descrevem as leis que compõe este pro-
cesso de ruptura. Estas leis precisam ser entendidas como fruto
do contexto apresentado no item 9.1.
Capítulo 9   Independência dos Estados Unidos   173

Apresentaremos as leis em uma tabela cronológica, para


facilitar sua compreensão:

LEI ANO MEDIDA

LEI DO 1764 Reduzia a metade o melaço importado das


AÇUCAR Antilhas não inglesas. Estabelecia impostos
American adicionais sobre o açúcar, artigos de luxo,
Revenue Act vinhos, café, seda, roupas brancas.
ÂÂCausou uma série de insatisfações e
reações entre os colonos, dentre eles o
boicote à produtos ingleses.

LEI DA MOEDA 1764 Proibindo na América a emissão de papéis


de crédito, que até então eram usados como
moeda. Isto restringia a autonomia das
colônias.

LEI DA 1765 Determinava que os colonos fornecessem


HOSPEDAGEM apetrechos e alojamento às tropas inglesas,
em casas particulares. Tal medida diminuía
as despesas da coroa na manutenção das
tropas.

LEI DO SELO 1765 Taxação de contratos, jornais, cartazes e


documentos públicos. Que a partir de então
deveriam apresentar o selo da metrópole.
ÂÂCausou uma série de protestos. É
considerada a primeira resistência
organizada das Treze Colônias. Culminou
no Congresso da Lei do Selo, que decidiu
parar temporariamente o comércio com
a Inglaterra. Após as diversas reações,
algumas bem violentas, a coroa volta atrás
e revoga a Lei do Selo em 1766.
174    História da América Colonial e Independente

ATOS 1767 Conjunto de Leis que taxavam diversos


TOWNSHEND produtos (vidro, corantes e chá), e criavam
os Tribunais Alfandegários, que auxiliavam
a reprimir o contrabando e aumentava a
fiscalização.
ÂÂNovos protestos e boicotes, duramente
reprimidos. A reprimenda mais violenta
ficou conhecida como Massacre de Boston
(1770). As leis foram revogadas.

LEI DO CHÁ 1773 Garantia o monopólio do comércio do chá


para a Companhia das Índias Orientais (que
estava a beira da falência).
- A primeira reação foi substituir o chá por
café e chocolate. Depois houve o ataque a
navios em Boston, e o chá foi todo atirado
ao mar, ato conhecido como Boston Tea
Party (Festa do Chá de Boston). A reação do
Parlamento inglês foi o decreto de várias leis,
chamadas pelos colonos de Leis Intoleráveis.

LEIS 1774 Interditavam o Porto de Boston até que o


INTOLERÁVEIS prejuízo do chá jogado ao mar fosse pago;
Ou Leis transformava Massachusetts em colônia
Coercitivas real, dando plenos poderes ao governador
indicado pelo Rei; restringia o direito a
reuniões.

ATO DE 1774 Impedia que as colônias de Massachusetts,


QUEBEC Virgínia, Connecticut e Pensilvânia,
ocupassem terras a oeste.

Fonte: AQUINO, 2000; KARNAL, 2010; JUNQUEIRA, 2013.

A reação esperada pela coroa era de controle e subor-


dinação por parte dos colonos, porém o resultado foi bem
Capítulo 9   Independência dos Estados Unidos   175

diferente. Estas medidas, aliadas ao contexto já descrito an-


teriormente, intensificaram o processo de independência das
Treze Colônias.

9.3 Independência dos Estados Unidos

Mapa das Treze Colônias

A independência das Treze Colônias não foi apenas uma


reação mecânica às leis que descrevemos no item anterior.
Ela foi influenciada por muitos pensadores do movimento ilu-
minista, que criticavam o poder dos reis e a exploração colo-
nial. Dentre estes pensadores, Aquino (2010) e Karnal (2003;
2010) destacam John Locke. Este pensador defendia a ideia
176    História da América Colonial e Independente

de um Estado de base contratual, que estabeleceria um con-


trato entre governantes e governados, com autonomia entre os
poderes do Estado, e direito à revolta (entendida como um dos
pontos básicos da liberdade humana). “Quando a Inglater-
ra começou sua política mercantilista, os colonos americanos
passaram, de forma crescente, a protestar contra esses fatos”
(KARNAL, 2003, p. 81).

Os colonos não estavam se sentindo representados pelo


Estado e também privados de poderem se manifestar. Os mo-
nopólios impostos pela coroa, bem como o fim do desenvol-
vimento das manufaturas na colônia, privavam a burguesia
colonial. Os grandes fazendeiros do sul estavam sobrecarre-
gados de taxações e endividados para manter o sistema im-
posto. As camadas médias estavam prejudicadas pelos altos
impostos, falta de produtos, opressão civil e religiosa, insta-
bilidade na segurança, e oprimidos pela crise econômica e
conflitos constantes.

Interesses diferentes com um único ponto comum: o senti-


mento antibritânico. Não havia a ideia de uma unidade, nem
mesmo havia uma cultura, ou forma de organização comum
às Treze Colônias. Nem mesmo o desejo de independência era
comum a todos. Mas o sentimento antibritânico sim, e somado
a ele havia o medo de uma rebelião de escravos e pobres, a
partir do entendimento de que os ideais de liberdade poderiam
ser aplicados a eles também.

Como as reuniões estavam proibidas, assim como o direito


às revoltas e rebeliões, uma das soluções encontradas foi a
criação das Sociedades Secretas. Dentre elas a mais conheci-
Capítulo 9   Independência dos Estados Unidos   177

da foi “Os Filhos da Liberdade”. Faziam leituras teóricas que


lhes auxiliavam na formulação de teses e argumentos, muitos
dos quais embasados nas ideias de Locke.

Houve, também, uma série de grupos femininos que cria-


vam estratégias de boicote a produtos de luxo ingleses, ao
hábito de tomar chá e incentivavam o consumo de produtos
caseiros, evitando comprar os oriundos da Inglaterra. Um des-
tes grupos, na Carolina do Norte, criou um documento (Pro-
clamação Edenton) que exigia o direito à participação políti-
ca feminina. Quando as lutas de independência começaram,
muitas mulheres ficaram a frente dos negócios da família, ge-
renciando fazendas e comercio enquanto os pais, maridos e
filhos estavam na guerra.

Em 1774 os colonos organizaram o Primeiro Congresso


Continental, na Filadélfia, onde se reuniram os representantes
de todas as colônias, com exceção da Geórgia, pedindo a
revogação de todas as medidas tomadas pela coroa. Mas ao
final do documento, juravam fidelidade ao Rei, mostrando que
a ideia de independência ainda não era consenso. A reação
inglesa foi de pensar em regalias aos colonos, mas ao mesmo
tempo aumentaram significativamente o número de soldados
na América.

O aumento dos militares acabou por criar mais conflitos,


dando início às lutas armadas. Neste contexto ocorreu o Se-
gundo Congresso da Filadélfia, que incluía também a Geór-
gia. Chegara a hora de unificar as dissidências para exigir
que seus pleitos fossem atendidos, e foram entendidos como
rebeldes pelo rei.
178    História da América Colonial e Independente

O Segundo Congresso contou com a participação de


destacados líderes como Samuel Adams, Thomas Jefferson e
Benjamin Franklin. Aprovaram a “Declaração das Causas e
Necessidades de Pegar em Armas”, nomeando George Wa-
shington (grande proprietário rural) como comandante-em-
-chefe das tropas.

Enquanto estas ideias eram debatidas, um folheto intitula-


do “Commom Sense” (Senso Comum), de autoria de Thomas
Paine, circulava entre os presentes e deu base às ideias e pro-
testos antibritânicos. Dizia o folheto:

A Inglaterra é, apesar de tudo, a pátria mãe, dizem al-


guns. Sendo assim, mais vergonhosa resulta sua conduta,
porque nem sequer os animais devoram suas crias nem
fazem os selvagens guerras a suas famílias; de modo que
este fato volta-se mais para a condenação da Inglaterra
[...]

Europa é nossa pátria mãe, não a Inglaterra. Com efeito,


este novo continente foi asilo dos amantes perseguidos
da liberdade civil e religiosa de qualquer parte da Europa
[...] a mesma tirania que obrigou aos primeiros imigran-
tes a deixar o país, segue perseguindo a seus descenden-
tes (PAINE apud KARNAL, 2003, p. 84)

Em 4 de julho de 1776 foi redigida a Declaração de Inde-


pendência das treze Colônias. Os Estados declaram-se livres e
independentes da Grã-Bretanha. Estava declarada a guerra de
independência dirigida por George Washington.
Capítulo 9   Independência dos Estados Unidos   179

Aquino (2000) chama atenção para um importante com-


ponente da Declaração de Independência: a filosofia de liber-
dade (individual), que posteriormente teve influência marcante
na federação estadunidense e também nos movimentos eman-
cipacionistas das colônias francesas e ibéricas (que trataremos
no Capítulo 10).

A Declaração foi muito bem recebida pela grande maioria


dos colonos. Iniciam desde pequenas ações, como a derruba-
da da estátua do rei Jorge III em Nova York, como os grandes
conflitos que duraram quase seis anos.

Uma das características de muitos conflitos foi a da au-


todefesa, criando assim os Minutemen (cidadão em armas),
homens que estavam sempre prontos a defender-se a qualquer
minuto (fato que mais tarde, na Constituição, deu direito ao
cidadão de andar armado, preservado até hoje).

Muitos colonos se tornaram dissidentes da causa e foram


para o lado inglês. Mas a violência dos ingleses ao atacar
pequenas cidades, matando e esquartejando mulheres e crian-
ças, acabou por unir ainda mais os colonos na luta contra a
Inglaterra.

As lutas se estenderam e as Nações inimigas da Inglaterra,


como a Holanda, França e a Espanha, acabaram por auxiliar
os colonos. As invasões de antigos territórios ingleses por essas
Nações, fez com que a coroa tivesse que se dividir na defesa
de seus territórios.

Em 1881, na batalha de Yorktown na Virgínia a vitória é


obtida encerrando os conflitos.
180    História da América Colonial e Independente

Iniciaria agora um novo longo processo na história estadu-


nidense: a consolidação da Nação, temática que será estuda-
da na disciplina de América Contemporânea.

9.4 Os reflexos da independência

Os primeiros reflexos da independência se fizeram sentir na In-


glaterra, que teve sérias consequências econômicas e também
políticas, pois o rei Jorge III ficou extremamente desacreditado
entre seus pares.

Uma repercussão interessante foi a dos soldados franceses


que lutaram na independência em prol das Treze Colônias (ou
seria contra a Inglaterra?), e voltaram à França embasados
com ideais de liberdade e República. Ora, haviam lutado con-
tra a monarquia a favor da república e agora voltavam para
casa, cujo poder se mantinha nas mãos fortes de um monarca
absolutista. As incoerências do sistema começam a surgir ante
a seus olhos.

Por outro lado, assim como acontecera com a Inglaterra


após a Guerra dos Sete Anos, os tesouros do monarca francês
haviam se esvaído na guerra contra a Inglaterra e na tomada
de territórios. As vantagens obtidas pelo Tratado de Paris (no
qual a Inglaterra teria que arcar com muitas das despesas de
guerra) não foram suficientes para saldar as vertiginosas dívi-
das. Só havia um modo de diminuir este problema: aumentar
os impostos, deixando a burguesia descontente e a população
ainda mais pobre.
Capítulo 9   Independência dos Estados Unidos   181

Treze mais tarde, em 1789, embasados pelos ideais Ilumi-


nistas e o exemplo estadunidense, os franceses desencadea-
riam seu próprio conflito interno, com reflexos em todo o mun-
do: a Revolução Francesa.

Para as colônias ibéricas a independência dos Estados Unidos


serviu de exemplo, e a Revolução Francesa deu o suporte teórico
e prático de que os anseios de liberdade poderiam dar certo.

Os princípios iluministas, que também influenciavam a Amé-


rica Ibérica, demonstraram ser aplicáveis em termos concre-
tos. Soberania popular, resistência à tirania, fim do pacto
colonial; tudo isto os Estados Unidos mostravam às outras
colônias com sua independência (KARNAL, 2003, p. 94)

Para os grupos indígenas, principalmente dos Estados Uni-


dos, a independência foi negativa, pois sem as leis restritivas a
expansão e ocupação do oeste foram autorizadas, dizimando
milhares de índios e desalojando outros tantos.

O exemplo das Treze Colônias começou a ser estudado


e aplicado nos demais países da América, como veremos no
próximo capítulo.

Referências bibliográficas

AQUINO, Rubim Santos de et al. História das Sociedades


Americanas. 7.ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.

JUNQUEIRA, Lucas. F. História da América II: Licenciatura


História. Salvador: UNEB/GEAD, 2013.
182    História da América Colonial e Independente

KARNAL, Leandro. Estados Unidos: Da Colônia à Indepen-


dência. 2.ed. São Paulo: Contexto, 1992.

_______________. Estados Unidos: A Formação da Nação.


2.ed. São Paulo: Contexto, 2003.

KARNAL, Leandro et al. História dos Estados Unidos: das


origens ao século XXI. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2010.

PINSKY, Jaime et al. História da América através de textos.


São Paulo: Contexto, 1991.

Atividades

1. O “Plano de União de Albany”, desenvolvido por Benjamin


Franklin:

I – Estabelecia um governo central nas colônias que seria res-


ponsável por decidir sobre importantes assuntos.

II – Dava autonomia ao governo central das colônias para


estabelecer taxações, organizar a defesa do território e pensar
em uma política de povoamento.

III – Não foi bem aceito pela Inglaterra, que não se agradou
da ideia de união das colônias.

IV – Não foi bem aceito pelos colonos, pois o interesse era


manter a descentralização político-administrativa.

Analise as alternativas e responda:

a) As alternativas I, II e III estão corretas.


Capítulo 9   Independência dos Estados Unidos   183

b) As alternativas I, II e IV estão corretas.

c) As alternativas I, III e IV estão corretas.

d) As alternativas II, III e IV estão corretas.

e) Todas as alternativas estão corretas.

2. A política do governo inglês até meados do século XVIII


havia sido a:

a) Common Sense.

b) Negligência Salutar.

c) Common Salutar.

d) Literum Common.

e) Negligência Comum.

3. Algumas medidas inglesas para reafirmar o domínio colo-


nial foram:

I – Aumentar a taxação de produtos importados.

II – Proibir a expansão para o oeste (terras indígenas).

III – Proibir a manufatura de produtos que concorriam com os


da metrópole.

IV – Iniciar relações comerciais com as colônias Ibéricas via


Treze Colônias, em detrimento das francesas.

Analise as alternativas e marque a opção correta:

a) As alternativas I, II e III estão corretas.

b) As alternativas I, II e IV estão corretas.


184    História da América Colonial e Independente

c) As alternativas I, III e IV estão corretas.

d) As alternativas II, III e IV estão corretas.

e) Todas as alternativas estão corretas.

4. Dentre as leis e decretos que marcam o início do processo


de independência dos Estados Unidos, podemos destacar
o mais conhecido e simbólico:

a) Lei do Selo.

b) Lei do Açúcar.

c) Lei da Moeda.

d) Lei do chá.

e) Leis Intoleráveis.

5. Pode ser considerado como um dos documentos que auxi-


liaram a embasar a Declaração de Independência:

a) Common Sense.

b) Negligência Salutar.

c) Common Salutar.

d) Literum Common.

e) Negligência Comum.

Gabarito

1. A; 2.B; 3.A; 4.D; 5.A.


Capítulo 10

Processos de
Independência da
América Latina
186    História da América Colonial e Independente

Uma compreensão adequada acerca dos processos de in-


dependência política que constituiu as nações latino america-
nas, implica, necessariamente, na articulação de uma série de
eventos, que afetaram profundamente a política e a economia
mundial, com especial destaque a crise do sistema colonial,
já devidamente conhecido em razão da leitura do Capítulo 7.

Devemos salientar ainda que, foram significativos, os es-


forços ibéricos no sentido de tentar manter os pressupostos do
antigo sistema colonial, com especial destaque às reformas
Ilustradas, também tratada nos capítulos anteriores.

No que tange aos seus desdobramentos políticos, que não


podem ser descolados de questões de ordem econômica, os
mesmos implicaram na constituição de uma nova hegemonia
internacional, marcadamente britânica durante todo o sécu-
lo XIX, salvo a emergência estadudinense na América central
no último quartel do XIX, provocando o que denominamos de
uma nova Divisão Internacional do Trabalho – DIT, que atribui
papeis outrora coloniais aos Estados recém independentes.

Estávamos diante de uma importante transformação do


capitalismo, que rompera por definitivo com os entraves do
sistema colonial, marcadamente mercantilista, de tal sorte a
consolidar-se efetivamente como um capitalismo industrial
para o qual o mercado de produção de materiais primas e de
consumo de produtos industrializados não mais subordina-se
ao controle Ibérico, já em franco declínio pelas razões ante-
riormente expostas.

Ademais a estreita e um tanto espúria relação entre os inte-


resses ingleses e elites crioulas, historicamente desqualificadas
Capítulo 10    Processos de Independência da América Latina    187

diante das elites peninsulares, também contribuiu para deses-


tabilizar as relações políticas entre coloniais e metropolitanos
que identificavam, nos processos de independência, uma pos-
sibilidade de acessar espaços sócio-políticos até então privilé-
gio dos peninsulares.

Feitas estas considerações preliminares informamos que a


complexidade das experiências de independência política na
America Latina, não poderia ser contemplada de forma satisfa-
tória apenas um capitulo, de tal sorte que acabamos por fazer
uma escolha no sentido de identificar os casos mais paradig-
máticos e que de alguma forma, com maior ou menos inten-
sidade, permitem a compreensão do processo como um todo.

Neste sentido destacaremos a independência do Haiti, in-


dependência do Vice Reinado do Rio da Prata, identificada
com o caso argentino e paraguaio; a independência do Mé-
xico, e a independência de Cuba, cabendo informar que a
independência do Brasil, será estudada em História do Brasil,
também se coloca como paradigmática para a América Latina.

10.1 Independência do Haiti

Compreender a independência do Haiti (1804), também co-


nhecida como Revolução Haitiana, ou Revolta de São Domin-
gos (1791-1804), tem sido um desafio importante, ainda que
pouco tratado pela historiografia americana. O período do
conflito na colônia  de  Saint-Domingue, protagonizado pela
população negra escrava, foi marcado por lutas brutais. A do-
188    História da América Colonial e Independente

minação francesa na região foi marcada por opressão e vio-


lência contra negros e mestiços cujo trabalho era utilizado na
produção da cana de açúcar, constituindo um rígido sistema
de castas, representado pelos colonos brancos   (conhecidos
como blancs), negros ou mestiços livres (denominados de gens
de couleur libre) e a população negra escrava, vítima da mais
intensa exploração. Como vimos no Capítulo 5, isto ocorreu
porque a população indígena desta região havia sido dizima-
da depois das primeiras tentativas de estabelecimento do pro-
cesso de colonização no início do século XVI, e a solução foi o
repovoamento com africanos escravizados.

Em 1789, quando da Revolução Francesa, Saint Domin-


gue produzia aproximadamente 40% do açúcar consumido no
mundo, sendo a colônia francesa mais rentável que, em razão
da queda do Antigo Regime, perdeu a capacidade adminis-
trativa, que combinada a tensão social extremamente latente,
viabilizou a explosão de uma revolta sem precedentes. Todo
este processo foi agravado pelo fato que a proporção entre
brancos e negros era de aproximadamente 1 para 10.

Neste contexto cabe reiterar o que já foi dito em capítulo


anterior acerca da influência da Revolução Francesa na região,
inegavelmente mais significativo que no restante do continente
onde é possível identificarmos uma influencia ideológica, re-
sultante das ideias iluministas de tradição francesa.

Em 22 de agosto de 1791, os escravos de Saint Domingue


se revoltaram e deram início a uma guerra civil extremamente
violenta, assumindo o controle de toda a região, exterminaram
Capítulo 10    Processos de Independência da América Latina    189

grande parte da população branca e a destruíram centenas de


plantações de açúcar e engenhos.

Um dos mais importantes comandantes negros desta revol-


ta foi Toussaint Louverture, filho de escravos domésticos, auto-
didata, pregava disciplina dos corpos militares além de propor
a redução da violência, tendo liderado uma ação militar que
libertou os escravos na vizinha Saint Domingue, propondo uma
aliança com os franceses desde que os mesmo concordassem
em aceitar a autonomia da ilha. Isto foi aceito em um primeiro
momento, porém, na sequência as tropas napoleônicas pren-
deram Louverture que acabou morrendo na prisão.

Um dos mais importantes aliados de Toussaint Louverture,


era Jean-Jacques Dessalines, que em 01 de janeiro de 1804
declarou a independência da região denominando-a de Haiti.
Este foi um golpe bastante duro para o império colonial fran-
cês, pois esta foi a primeira independência latino americana, e
ainda teve a singularidade de ter sido protagonizada por uma
rebelião de escravos bem sucedida.

A independência do Haiti entrou para o imaginário lati-


no americano, principalmente brasileiro, como uma grande
ameaça potencial, considerando o contingente de escravos
existentes no Brasil, proporcionalmente muito maiores que a
população branca.

Corroborando a afirmação anterior, devemos destacar


que tão logo o Haiti se tornou independente, o temor que a
rebelião se expandisse para outras regiões, acabou por can-
celar acordos comerciais importantes com parceiros america-
nos, impactando profundamente a economia interna do país,
190    História da América Colonial e Independente

fato agravado pelo pagamento de uma grande indenização à


França.

A independência do Haiti trouxe consequências significati-


vas para o império francês na América. Mesmo com a manu-
tenção de duas pequenas possessões – Martinica e Guadalupe
-, o golpe foi grande em razão da importância econômica que
o Haiti tinha para a França. É preciso ressaltar, no entanto, que
os conflitos sociais fomentados quando da dominação política
e especialmente os decorrentes da escravidão se perpetuaram
na região.

Além de ter que pagar uma quantia altíssima de indeniza-


ção para a França, o Haiti sofreu uma grave crise econômica,
principalmente após a morte de Dessalines, em 1806. Além
disso, muitos autores salientam a falta de um projeto de gover-
no dos grupos que assumiram o Haiti após a independência,
precoce ante aos demais colônias.

Sinteticamente destacamos a precocidade e singularidade


do processo de libertação nacional do Haiti e a repercussão
internacional, sobretudo nas Américas, como as principais ca-
racterísticas deste processo.

10.2 Independência das Províncias


Unidas do Rio da Prata: Argentina e
Paraguai

O Vice Reinado do Rio da Prata, foi o último a ser criado no


arcabouço administrativo dos domínios espanhóis na América
Capítulo 10    Processos de Independência da América Latina    191

(1776), o que se deve a sua condição periférica no que tange


ao potencial econômico da região, basicamente identificada
com a pecuária, contrastando com o Vice Reinado da Nova
Espanha, na região do México, rica em ouro e com uma eco-
nomia altamente dinâmica, assim como o Vice Reinado do
Peru que notabilizou-se pela mineração da prata.

Este tardio interesse da Espanha na região, o que se explica


pela vitalidade do mercantilismo metalista na economia es-
panhola, acabou por ocasionar dois desdobramentos impor-
tantes, um mais distante e outro mais recente temporalmente
falando, que devem ser considerados quando dos processos
de independência política, quais sejam: a forte presença e tra-
dição jesuítica na região, prioritariamente a Companhia de
Jesus na Província do Paraguai desde o século XVI, até os sig-
nificativos interesses ingleses na região de Buenos Aires, que
informalmente era pertencente ao Império Britânico, tão inten-
sa era a presença inglesa na região, fato ainda hoje perceptí-
vel, vide o caso das Ilhas Malvinas ou Falklands a ser tratada
em América contemporânea.

10.2.1 Argentina
Em 1806, em pleno contexto europeu de expansão napoleô-
nica sob o território espanhol, tivemos uma expedição militar
inglesa não oficial chegando em Buenos Aires, que foi forte-
mente combatida pelos colonos buenairenses, auxiliados pela
Banda Oriental (futuro estado do Uruguai), sem o auxilio espa-
nhol, pois a metrópole estava envolvida nos litígios europeus.
192    História da América Colonial e Independente

O combate aos ingleses acabou por provocar um crescen-


te sentimento de pertença e identidade, reforçado pelo fato
de  Napoleão Bonaparte tomar o trono espanhol em 1808.
A crise se instalou no Vice-Reino do Rio da Prata, pois cada
província passou a buscar seu próprio caminho rumo à inde-
pendência.

Buenos Aires tentava manter o controle da região como um


todo, porém as elites locais perceberam que, mesmo diante da
ausência do poder metropolitano, a região via crescer um es-
pírito independentista entre os colonos do Rio da Prata, fazen-
do com que as milícias de voluntários se organizassem como
tropas locais, independentes e contrárias à Espanha.

As inúmeras rebeliões identificadas na região tiveram início


em 25 de maio de 1810, na chamada ‘Revolução de Maio’.
Uma Junta de Governo foi formada em Buenos Aires, com o
apoio das milícias de voluntários das guerras contra os ingle-
ses. Mesmo tendo jurado fidelidade ao rei deposto, a junta
buenairense não reconhecia o governo provisório da Espanha,
o que, na prática, significava a declaração de independência.

As pretensões da Junta de Buenos Aires incluíam o controle


de todas as regiões do vice-reino, substituindo o domínio es-
panhol. Tal pretensão provocou um descontentamento entre as
diferentes regiões da província que temiam a subordinação à
Junta portenha.

A Banda Oriental, com a Junta de Montevidéu se declarou


a favor da Junta de Sevilha, rivalizando com a Junta de Buenos
Aires; O Paraguai e o Alto Peru se mantiveram à parte, não
enviando representantes à Junta de Buenos Aires.
Capítulo 10    Processos de Independência da América Latina    193

Na Banda Oriental destacamos, além da rivalidade com


Buenos Aires, os interesses portugueses e brasileiros de anexa-
ção do território, que acabou ocorrendo em 1821, quando a
região foi incorporada ao domínio português transformando-
-se na Província Cisplatina.

No interior da atual Argentina, várias regiões se rebelaram


contra a Junta de Buenos Aires, mas foram submetidas pelas
tropas portenhas, ainda que as lutas pela autonomia local te-
nham continuado por muito mais tempo.

Foi somente no ano de 1816, com a definitiva proclama-


ção de independência, surgiu o país denominado Províncias
Unidas do Rio da Prata, no qual as províncias estavam vincu-
ladas por laços federalistas.

Buenos Aires ainda tentava manter o controle sobre a Bo-


lívia e suas ricas minas de prata (Potosí), tendo enviado um
importante militar argentino – San Martin – que apesar de ter
derrotado as tropas espanholas na região, não foi capaz de
manter a Bolívia sob o controle de Buenos Aires, pois as lutas
locais haviam atingindo uma dimensão muito expressiva.

Neste contexto devemos destacar a que o centralismo de-


fendido pelos portenhos saiu derrotado e as Províncias Unidas
do Rio da Prata desapareceram, dando lugar à Argentina que
conhecemos hoje, tendo Buenos Aires como a capital.

Acerca dos conflitos conhecidos como guerras da inde-


pendência da América do Sul dos domínios espanhóis, além
da figura de San Martin, militar argentino que teve um papel
importante, destacamos outro militar: Simon Bolívar, que tam-
194    História da América Colonial e Independente

bém lutou e contribuiu para a independência de regiões que


compunham o Vice Reinado do Rio da Prata.

Bolívar é reconhecido como herói da independência de


cinco países sul-americanos do domínio espanhol: Venezuela,
Colômbia, Bolívia, Peru e Equador, sendo um profundo admi-
rador da experiência política federalista dos EUA, imaginava
que esta experiência pudesse ser repetida na América do Sul,
o que notabilizou-se como o projeto bolivariano.

Em 1826, no Congresso do Panamá, Simon Bolívar propôs


a união dos territórios da América espanhola em um só país
republicano e independente, configurando o primeiro exemplo
de proposta de pan-americanismo do continente, tema bastan-
te em alta nos dias atuais.

Apesar dos países formados a partir das colônias espa-


nholas da América terem adotado o sistema republicano de
governo, o bolivarismo fracassou, principalmente pelas diver-
gências de interesses das elites criollas das diferentes regiões
da America do Sul, associado ao fato de que um projeto desta
natureza iria contrariar interesses ingleses e norte americanos
que temiam o fortalecimento da região.

10.2.2 Paraguai
O Paraguai obteve sua independência no dia 15 de maio de
1811, independência esta, declarada quando a região não
enviou representantes para a Junta de Buenos Aires. A partir de
então é possível afirmarmos que o Paraguai inicia um processo
de isolamento das demais nações sul-americanas.
Capítulo 10    Processos de Independência da América Latina    195

Cabe destacar que a forte presença jesuíta na região, nos


séculos anteriores, deixou profundas marcas naquela socieda-
de, com especial destaque a uma tradição produtiva coletivis-
ta e um respeito a autoridade identificado com uma tradição
autoritária, cujos desdobramentos até hoje são perceptíveis
naquele país. Exemplo disso são as famosas Estancias de la
Patria que utilizavam não só o trabalho de camponeses, mas
também de escravizados de origem africana e de prisioneiros,
especialmente na produção de erva mate, tabaco e madeira.

O período que se segue imediatamente após a indepen-


dência foi de acirradas disputas entre as elites paraguaias,
tendo chegado ao governo (em 1814), José Gaspar Rodrí-
guez Francia, que não sem resistência permaneceu até sua
morte em 1840, quando o país passou a ser governado por
Carlos Antonio López. Lopez foi responsável pela significativa
industrialização do pais com pesados investimentos em infra-
estrutura, um exemplo foi a construção da primeira ferrovia na
América do Sul.

Em 1862, seu filho Francisco Solano López, assumiu a pre-


sidência do Paraguai e pretendendo expandir suas atividades
econômicas e comerciais, declarou guerra ao Brasil, Argenti-
na e Uruguai, na busca por territórios com saída para o mar.
Conflito denominado no Brasil como Guerra do Paraguai1
(1865 a 1870). As consequências desse conflito para os pa-
raguaios foram extremamente danosas, pois além da derrota
militar, aproximadamente 50% da sua população morreu, e

1
  No Paraguai é denominado de Guerra da Tríplice Aliança. Este conflito será estu-
dado mais profundamente na disciplina de História do Brasil Império.
196    História da América Colonial e Independente

houve a destruição de grande parte da infraestrutura local,


além de perdas territoriais, fatos que prejudicaram – e ainda
prejudicam – o desenvolvimento econômico do país. Desde a
derrota paraguaia, o país, ainda que formalmente indepen-
dente, se manteve, até meados da década de 70 do século XX,
dependente do Brasil ou da Argentina, os principais vitoriosos
daquele conflito.

10.3 Independência do México

Também em razão da reconfiguração política e econômica


decorrente do esgotamento do Antigo Sistema Colonial (que
estudamos no Capítulo 7), a região do Vice-Reino da Nova
Espanha era a mais rica e populosa colônia espanhola, sendo
alvo de um controle excessivo por parte da metrópole. Como
acontecera em todo o continente, a região vê surgir um mo-
vimento de emancipação que ganhou força e pressionou a
metrópole colonizadora por sua liberdade, em decorrência de
divergências políticas e religiosas que haviam se agudizado.

Ao tratar sumariamente do processo de independência me-


xicano, devemos referir dois momentos distintos, sendo que o
primeiro teve início em 1810 quando o padre Miguel Hidalgo
y Costilla liderou um levante indígena camponês denominado
de Grito de Dolores,  em defesa do México, solicitando do
a realização de profundas reformas, incluindo a extinção da
escravidão, devolução de terras arbitrariamente retiradas dos
indígenas, a igualdade de direitos e o fim dos privilégios das
elites.
Capítulo 10    Processos de Independência da América Latina    197

Nesta primeira fase cabe destacar as motivações de ordem


religiosa no conflito, porém, com o tempo, outras questões
são incorporadas, além do fato da demanda ter uma origem
popular, diferentemente do que ocorria no restante da América
Latina onde as elites criollas protagonizavam este processo.

José Maria Morelos y Pavón foi quem deu continuidade


ao movimento independentista depois da morte de Hidalgo,
tendo viabilizado a Independência no dia 6 de novembro de
1813. O descontentamento provocado pelo perfil das lideran-
ças nesta fase resultou no assassinato de Morelos em 1815
com a anulação da independência. Iniciou-se um período de
intensos conflitos entre as elites e os segmentos populares.

Em 1821, processo denominado pela historiografia como


segundo momento da independência mexicana, o país final-
mente torna-se independente a partir da articulação das elites
criollas, que apoiam Augustín de Iturbide (coronel) que, ne-
gociando alianças com todos os grupos2, reconhecia o Mé-
xico como nação independente. Logo em seguida, Iturbide se
auto-proclamou imperador, com o título de Augustín I, sendo
duramente combatido pelos movimentos republicanos até ser
deposto e assassinado em 1824, quando o México tornou-se
uma república presidida pelo general Guadalupe Vitória. 

Mesmo diante da forte presença popular no movimento in-


dependentista mexicano, após a independência foram as elites
que estabeleceram o domínio sobre a região intensificando o
processo de pobreza e exclusão de camponeses e indígenas,

2
  Acordo conhecido como Tratado de Córdoba.
198    História da América Colonial e Independente

que acabou por provocar, no início do século XX a Revolução


Mexicana. 

10.4 Independência de Cuba

A independência cubana é identificada como representativa


de um momento específico da conjuntura continental, da se-
gunda metade do século XIX, onde a influência e hegemonia
estadunidense já dava sinais evidentes da configuração geo-
política que marcou todo o século XX, vindo até os dias atuais.
Acerca deste processo citamos Saiani (2012, p. 31) que afirma
que:

A história da independência cubana é a mais longa da


América, e uma das mais dramáticas: Cuba chegou tarde
à independência, em comparação com os outros países
hispano-americanos, e mesmo assim não a conseguiu
por completo, já que ficou por um longo período sobre a
tutela política dos Estados Unidos.

Os levantes para a independência cubana podem ser iden-


tificados em três momentos distintos:

Guerra dos 10 anos, entre 1868 a 1878 – marcou o pri-


meiro levante significativo contra o domínio espanhol em
Cuba, tendo a peculiaridade de ter mobilizado importantes
forças políticas e intelectuais cubanas, com especial destaque
à participação de José Martí – importante poeta cubano, e
mártir da independência, que morreu nos primeiros confron-
tos, e o organizador do levante o advogado Carlos Manuel de
Capítulo 10    Processos de Independência da América Latina    199

Céspedes. A longa duração do conflito evidencia o interesse


espanhol em manter Cuba sob seu controle.

Guerra Chiquita, entre 1879 e 1880: segundo período do


processo de independência, liderada por Calixto García, sen-
do rapidamente desmobilizada pelas tropas espanholas, sem
muito esforço. 

Guerra de 95, entre 1895 e 1898: últimos levantes que


precederam a independência cubana, sendo conhecida como
a Guerra Hispano-Americana, pois os EUA lutaram contra o
decadente império espanhol, após uma suposta sabotagem
de um navio do país e, em razão, da recusa da Espanha em
ceder a independência a Cuba. É importante destacar os in-
vestimentos vultosos de estadunidenses no território cubano,
especialmente no setor açucareiro, o que acabou por provo-
car a cessão do controle de Cuba aos estadunidenses com a
assinatura do Tratado de Paris, em 1898.

Desta forma, Cuba ficou independente em razão da ação


militar de outra nação americana o que provocaria peculiares
relações diplomáticas entre estes dois países, cujo desfecho
final ocorreu quando da Revolução Cubana, em 1959.

Referências

BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: da Inde-


pendência até 1870. São Paulo: Edusp, 2001.
200    História da América Colonial e Independente

DONGHI, Tulio Halperin. História contemporânea de Amé-


rica Latina. Madrid: Alianza, 2004.

DORATIOTO, Francisco. Espaços Nacionais na América


Latina: da utopia bolivariana à fragmentação. São Paulo:
Brasiliense, 1994.

_________. Maldita guerra: nova história da Guerra do Para-


guai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

LOPEZ, Luís Roberto. História da América Latina. Porto Ale-


gre, Mercado Aberto, 1986.

PRADO, Maria Lígia Coelho. América Latina no século XIX:


tramas, telas e textos. São Paulo: Edusp, Bauru: Edusc,
1999.

SAIANI, Renato Cesar Santejo. A guerra no papel: o processo


de independência cubana nas páginas de O Estado de S.
Paulo (1895-1898), In.: Revista Angelus Novus, n.3, p.
31-49, maio.2012. Disponível em: http://www.usp.br/ran/
ojs/index.php/angelusnovus/article/viewArticle/127 Aces-
sado em maio 2014.

Atividades

1. Quando estudamos o processo de independência das na-


ções americanas vemos que a maior parte deles parte:

a) Dos anseios da população por melhor qualidade de


vida e atendimento às necessidades básicas.
Capítulo 10    Processos de Independência da América Latina    201

b) Das ordens religiosas que depois de expulsas do con-


tinente americano continuaram articulando, da metró-
pole, o processo de independência das colônias.

c) Das elites criollas, que a partir das novas conjunturas


europeias, articulam-se em prol de seus anseios políti-
cos e econômicos.

d) Das monarquias falidas, que não querem mais o ônus


de manter as colônias.

e) Dos EUA recém independente, que fomenta as demais


independências em prol do início do processo imperia-
lista.

2. A independência do Haiti representou:

I – Motivo de anseio para as camadas sociais populares.

II – Uma grande ameaça potencia para as elites.

III – Uma esperança para grupos de escravizados.

Analisando as alternativas, podemos afirmar que:

a) Apenas a alternativa I é correta.

b) Apenas a alternativa II é correta.

c) Apenas a alternativa III é correta

d) Apenas as alternativas II e III são corretas.

e) Todas as alternativas são corretas.


202    História da América Colonial e Independente

3. O Vice Reinado do Rio da Prata, foi o último a ser criado


no arcabouço administrativo dos domínios espanhóis na
América (1776), o que se deve:

a) A sua ocupação tardia pelos espanhóis.

b) A sua condição periférica no que tange ao potencial


econômico da região, basicamente identificada com a
pecuária.

c) A forte influência jesuíta na região.

d) As disputas constantes entre as coroas ibéricas por esta


região.

e) A independência precoce do Haiti que mobilizou as


forças hispânicas para outras regiões.

4. A independência do México é constituída por dois momentos:

I – O primeiro teve início em 1810 quando o padre Miguel


Hidalgo y Costilla liderou um levante indígena camponês de-
nominado de Grito de Dolores,  em defesa do México.

II – O primeiro momento tinha anseios da realização de pro-


fundas reformas, incluindo a extinção da escravidão, devolu-
ção de terras arbitrariamente retiradas dos indígenas, a igual-
dade de direitos e o fim dos privilégios das elites.

III – O segundo momento da independência mexicana, quan-


do o país finalmente torna-se independente a partir da articu-
lação das elites criollas.

IV – O segundo momento consolida a independência, mas dá


continuidade aos problemas sociais reivindicados pelas cama-
das populares.
Capítulo 10    Processos de Independência da América Latina    203

Analisando as alternativas, podemos afirmar que:

a) Apenas as alternativas I e III são corretas.

b) Apenas as alternativas II e III são corretas.

c) Apenas as alternativas I e IV são corretas.

d) Apenas as alternativas II e IV são corretas.

e) Todas as alternativas são corretas.

5. Os levantes para a independência cubana podem ser


identificados em três momentos distintos:

a) Guerra dos 10 anos (1868 a 1878); Guerra Chiquita


(1879 e 1880); Guerra de 95 (1895 e1898).

b) Guerra dos 10 anos (1879 e 1880); Guerra Chiquita


(1868 a 1878); Guerra de 95 (1895 e1898).

c) Guerra dos 10 anos (1879 e 1880); Guerra de 95


(1895 a 1959); Guerra Chiquita (1895 e1898).

d) Guerra dos 10 anos (1879 e 1880); Guerra de 95


(1895 a 1959); revolução cubana (1895-1959).

e) Guerra dos 10 anos (1889 e 1889); Guerra Chiquita


(1868 a 1878); Guerra de 95 (1895 e1898).

Gabarito

1. C; 2.E; 3.B; 4.E; 5.A.

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