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Cristina Lai Men
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A água escorre das mãos frias e gretadas de Arlinda. Sob um precário
telheiro erguido pelo marido, os baldes, alguidares e bidões de água
amontoam-se junto à pedra que usa para esfregar a roupa. Apesar da
manhã cinzenta de inverno, Arlinda dispensou as luvas de borracha, na
tarefa diária de lavagem manual da roupa.
Ouça a reportagem TSF "Para cá do Sol posto, onde a luz tarda em chegar." Um
trabalho de Cristina Lai Men, com sonoplastia de Luis Borges.
"É o meu desporto", afirma quem vive há mais de 30 anos sem energia
elétrica, num monte isolado na serra de Serpa, a poucos quilómetros do
Pulo do Lobo, em pleno Parque natural do Vale do Guadiana. Aqui, não
há vestígio da estrada de alcatrão. Não existem placas a indicar o
caminho, o GPS e a rede de telemóvel nem sempre funcionam e os
socalcos marcados pela passagem dos tractores exigem um veículo com
carroçaria alta.
Lavagem manual da roupa
"As condições são as mesmas dos meus antepassados", descreve João
Afonso, o marido de Arlinda. A lenha e a água são transportadas monte
fora, enquanto para beber, vai-se a um poço, junto às canas. A única
diferença é que "antes era com um burro e agora, venho num
tractorecozico velho".
A manutenção fica cara e "sem luz nem vento, é preciso ligar o gerador a
gasolina. Quem diz que as pessoas do campo têm as mesmas condições,
é mentira", protesta Joaquim, apaixonado pela serra de Serpa, onde quer
ficar até ao fim dos seus dias.
Serra de Serpa
Um dos primos de António, Raul Afonso, vive também da exploração
agrícola num pequeno monte onde a luz ainda não chegou. Sozinhos,
Raul e a mulher Irene Palma, cuidam de centenas de ovelhas, cabras,
porcos, patos e galinhas. A guardá-los, 16 cães, alguns de grande porte,
a fazer jus ao nome de Leão ou Tarzan.
Irene Palma, Raul Afonso e Leão
Nos montes, todos têm cães, explica Joaquim Falé, "por causa dos
predadores, raposas, saca-rabos, que atacam as crias". O dia começa
cedo, com a ordenha, e só termina 15 a 18 horas mais tarde. Quando o
trabalho se prolonga, Raul e Irene dormem numa caravana velha. "Isto
não é viver, é sobreviver", lamenta o primo António. "Isto é tudo para
vender", conclui Irene, enquanto Joaquim vaticina "se não criarem
condições para os jovens, quando acabar esta geração, a agricultura na
serra morre".
Irene e Raul, Serra de Serpa
Sozinhos no escuro
"Se for para o ano, já não é mau", ri-se Almerindo Pereira, recordando os
atrasos na primeira fase de electrificação. Proprietário de uma das
maiores explorações agrícolas do concelho de Ourique, Almerindo está a
tratar dos bezerros, na Quinta da Zorra, em Panóias.
Almerindo Pereira, Quinta da Zorra
Nos 200 hectares da herdade, produz milho, tomate, borregos e bezerros.
Em anos bons, a produção de tomate ultrapassa as 120 toneladas, mas
entre máquinas, tractores, alfaias agrícolas, recolhedoras e motores de
rega, Almerindo gasta mais de mil litros por dia em gasóleo. São os
geradores espalhados pela quinta que substituem a energia eléctrica.
Contas feitas, são mais de cem mil euros por ano em gasóleo. Almerindo
sente-se esquecido, mas aos 74 anos, mantém o ânimo. "Nem que tenha
de vender vacas", vai arranjar os 12 mil euros necessários para fazer
chegar a luz à propriedade. "A gente não pode é ficar às escuras. Onde
não há luz, estamos às escuras, não é assim?"
A nova geração
Desde que lhe roubaram 47 ovelhas, Isaque dorme mais vezes numa das
duas casas em Panóias. Uma delas foi electrificada há cerca de três
anos. "Agora, consigo ter um frigorífico. Foi um dos eletrodomésticos mais
importantes para ter na exploração". A casa acolhedora também está
equipada com micro-ondas, torradeira, televisão e computador. "Hoje
estamos aqui, mas estamos ligados ao mundo", declara com um sorriso
confiante. "Custou, mas já me sinto no século XXI".
Quando se mudou para o Alentejo, Daria começou por viver num monte
sem luz. Agora, no novo espaço, basta entrar em casa para se sentir a
diferença. A lareira elétrica e a voz de Luciano Pavarotti, que se solta da
aparelhagem de som, aquecem a sala de estar iluminada. "Agora posso
ouvir música clássica o dia todo", conta Daria. No outro monte, "precisava
sempre de um gerador e não é a mesma coisa ouvir música com um
gerador em fundo", afirma bem-disposta. "Gosto de estar aqui. Sinto-me
mesmo em casa, pela primeira vez na vida".