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Para cá do Sol posto,

onde a luz tarda em


chegar
20 DE FEVEREIRO DE 2019 - 10:08
Em pleno século XXI, ainda há famílias sem electricidade,
em montes isolados no Alentejo. Pelos trilhos da serra de
Serpa e das planícies de Ourique, a reportagem TSF foi
ver como se vive sem energia eléctrica.
Moinho de vento no monte Vale de Mós, Funcheira

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Cristina Lai Men



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A água escorre das mãos frias e gretadas de Arlinda. Sob um precário
telheiro erguido pelo marido, os baldes, alguidares e bidões de água
amontoam-se junto à pedra que usa para esfregar a roupa. Apesar da
manhã cinzenta de inverno, Arlinda dispensou as luvas de borracha, na
tarefa diária de lavagem manual da roupa.
Ouça a reportagem TSF "Para cá do Sol posto, onde a luz tarda em chegar." Um
trabalho de Cristina Lai Men, com sonoplastia de Luis Borges.
"É o meu desporto", afirma quem vive há mais de 30 anos sem energia
elétrica, num monte isolado na serra de Serpa, a poucos quilómetros do
Pulo do Lobo, em pleno Parque natural do Vale do Guadiana. Aqui, não
há vestígio da estrada de alcatrão. Não existem placas a indicar o
caminho, o GPS e a rede de telemóvel nem sempre funcionam e os
socalcos marcados pela passagem dos tractores exigem um veículo com
carroçaria alta.
Lavagem manual da roupa
"As condições são as mesmas dos meus antepassados", descreve João
Afonso, o marido de Arlinda. A lenha e a água são transportadas monte
fora, enquanto para beber, vai-se a um poço, junto às canas. A única
diferença é que "antes era com um burro e agora, venho num
tractorecozico velho".

João e Arlinda contam com a energia captada por um painel solar,


suficiente para carregar o telemóvel, mas em caso de necessidade, o
aparelho é ligado ao carro. Sem máquinas de lavar ou outros
electrodomésticos, Arlinda e João sentem-se sozinhos, presos no tempo.
"Há dias que só se ouvem os pássaros cantar. É o meu penar", lamenta
ela. "Aqui não há nada. Quem tem luz, pode ter todas as condições, como
um ferro de engomar. Mas também já não é como dantes". No passado, a
família usava um ferro a carvão. Nos dias de hoje, evoluiu para um ferro a
gás.

João e Arlinda, Serra de Serpa


O monte perdido na serra de Serpa é um dos que deverá receber
electricidade até 2020. Mas Arlinda nem sonha como a vida pode mudar.
"Nunca experimentei, nunca tive (luz). Quando diziam isto está em crise,
eu não achei diferença. A minha vida foi sempre em crise, eu estive
sempre em crise. Porque quando o Sol nasce, deve ser para todos, mas
não é. Às vezes não é".

Painel solar no monte de João e Arlinda, Pulo do Lobo


No concelho de Serpa, serão beneficiados 25 montes, enquanto em
Ourique, a luz deve chegar no final do ano, a 38 locais. Em Santa Luzia,
no concelho de Ourique, Paulo Brito vive sozinho no monte da Corte
Preta, que herdou dos pais. Ao contrário de João e Arlinda, este professor
aposentado, de 63 anos, escolheu mudar-se da cidade para o casarão,
onde os quartos se sucedem ao longo de um corredor que encontramos
na penumbra.

Paulo Brito, chaminé do monte da Corte Preta


Paulo gosta de ler sentado à janela por onde entra a luz do dia. Quando a
noite cai, e só se ouvem os cães a ladrar, acende um pequeno candeeiro
com lâmpadas LED - "gastam muito pouco", explica. Quatro painéis
solares garantem a energia que não chega para alimentar o frigorífico.
"Tenho um frigorífico, mas não funciona, porque não há rede eléctrica. A
televisão trabalha 10 minutos e depois é preciso ligar o gerador". Paulo
prefere ligar o rádio a pilhas, que muitas vezes o acompanha na cama.

"É uma companhia excepcional. Não preciso de usar os olhos. Fico só a


ouvir". Nas noites mais frias, acende uma fogueira na chaminé pintada de
manchas escuras. O problema é que "se acender o lume, faz muito fumo.
Então, tenho de abrir uma janela. Se tivesse luz, podia ter um ventilador",
lamenta Paulo, que quando quer lavar-se, aquece a água no fogão a gás.
"Não temos condições para tomar banho. No Verão, é com água fria. De
resto, aquece-se a água nuns tachos".
Paulo Brito, monte da Corte Preta, Santa Luzia
Paulo Brito levanta-se cedo para cuidar dos animais. Além das 300
ovelhas, comprou recentemente dois cavalos, a quem dá de beber com a
água armazenada num grande depósito com capacidade para 10 mil
litros. Para encher o depósito, necessita de um potente gerador, uma vez
que não pode ter uma bomba eléctrica para captar água do poço.

"Estas pessoas ainda vivem como há 40 ou 50 anos. Praticamente no


meio da nada, ainda vivem da agricultura familiar, com fracos recursos e
fracos acessos", afirma Joaquim Falé, antigo militar da Marinha, que
anseia pela chegada da energia eléctrica. Foi com esse objectivo que
nasceu em 2017, a Associação de moradores da Neta e do Pulo do Lobo,
da qual é presidente. No monte Vale do Linho, Joaquim tem painéis
solares e energia eólica. "Remedeia, mas não é suficiente nem fiável".

A manutenção fica cara e "sem luz nem vento, é preciso ligar o gerador a
gasolina. Quem diz que as pessoas do campo têm as mesmas condições,
é mentira", protesta Joaquim, apaixonado pela serra de Serpa, onde quer
ficar até ao fim dos seus dias.

Aqui, não há crianças

A estação da Funcheira, no concelho de Ourique, enche-se no Verão, por


alturas do Festival Sudoeste. No Inverno, é ponto de encontro para os
homens da terra, que esticam a conversa à mesa do café. É a partir da
estação de comboios que nos embrenhamos pelos terrenos sem fim à
vista, atrás de José Luís Nobre, em direcção ao monte Vale de Mós.

Junto à casa, um imponente moinho de vento, hoje desactivado, lembra


"os moinhos dos cowboys". Ninguém mora aqui, mas José Luís tem um
sonho antigo: voltar à casa onde cresceu. "Com a luz, estou a pensar
arranjar o monte para vir para cá morar. Sou muito feliz aqui. Quando vou
a Lisboa, estou desejando despachar-me para me vir embora. Aqui,
ouvem-se os passarinhos, o gado, o vento. Ouve-se tudo e gostamos do
que ouvimos."
Moinho de vento no monte Vale de Mós, Funcheira
Os três filhos de José Luís dedicam-se à terra, mas o agricultor não
esconde o desabafo "o campo e o interior são muito esquecidos. Vive-se
muito em função de Lisboa e das grandes cidades. Os mais velhos vão
ficando, mas os mais jovens vão abandonando".
Funcheira, Ourique
A escola primária de Cabeceiras de Vale Queimado, na serra de Serpa,
está fechada há mais de 30 anos. É usada por caçadores e para
convívios da Associação de moradores da Neta e do Pulo do Lobo. O
vice-presidente, António Manuel Alves, mostra-nos as antigas salas de
aula, onde os quadros de giz resistem ao tempo.

"Acabou-se. Agora, já não há nada. Aqui não há adultos, quanto mais


crianças", queixa-se António. "Se não forem criadas condições para se
habitar, é muito difícil. Por isso, é que a luz é uma mais-valia". Com 75
anos, António produz vinho, no monte da Corga dos Cardos, depois de ter
investido quase 10 mil euros em baterias e painéis solares. "Tenho uma
ocupação, porque se ficarmos sentados no sofá, depressa se morre".

Serra de Serpa
Um dos primos de António, Raul Afonso, vive também da exploração
agrícola num pequeno monte onde a luz ainda não chegou. Sozinhos,
Raul e a mulher Irene Palma, cuidam de centenas de ovelhas, cabras,
porcos, patos e galinhas. A guardá-los, 16 cães, alguns de grande porte,
a fazer jus ao nome de Leão ou Tarzan.
Irene Palma, Raul Afonso e Leão
Nos montes, todos têm cães, explica Joaquim Falé, "por causa dos
predadores, raposas, saca-rabos, que atacam as crias". O dia começa
cedo, com a ordenha, e só termina 15 a 18 horas mais tarde. Quando o
trabalho se prolonga, Raul e Irene dormem numa caravana velha. "Isto
não é viver, é sobreviver", lamenta o primo António. "Isto é tudo para
vender", conclui Irene, enquanto Joaquim vaticina "se não criarem
condições para os jovens, quando acabar esta geração, a agricultura na
serra morre".
Irene e Raul, Serra de Serpa
Sozinhos no escuro

A EDP Distribuição é responsável por 85% do investimento que vai levar


a luz aos concelhos de Ourique e Serpa. "É um esforço grande de
investimento, para situações muitos dispersas, de grande isolamento",
salienta Luís Freitas, o responsável das redes e clientes da empresa, no
distrito de Beja. A partir de Julho, as máquinas estarão no terreno, em
Ourique, para construir 17 quilómetros de média e baixa tensão e 11
postos de transformação.
"Não são projectos que se fazem num mês. Podem levar um ano ou mais,
desde o levantamento das necessidades, planeamento e identificação
dos materiais de construção". No terreno, estará uma equipa permanente
de 30 pessoas, com máquinas, camiões, sendo necessário abrir "covas
para colocar apoios de betão com alturas de 18 a 20 metros. O processo
não pode ser muito acelerado, para garantir a segurança das pessoas",
avisa Luís Freitas. A EDP Distribuição conta que "até ao final do ano,
todos tenham energia" em Ourique. No concelho de Serpa, o processo
deverá estar concluído em 2020.

"Se for para o ano, já não é mau", ri-se Almerindo Pereira, recordando os
atrasos na primeira fase de electrificação. Proprietário de uma das
maiores explorações agrícolas do concelho de Ourique, Almerindo está a
tratar dos bezerros, na Quinta da Zorra, em Panóias.
Almerindo Pereira, Quinta da Zorra
Nos 200 hectares da herdade, produz milho, tomate, borregos e bezerros.
Em anos bons, a produção de tomate ultrapassa as 120 toneladas, mas
entre máquinas, tractores, alfaias agrícolas, recolhedoras e motores de
rega, Almerindo gasta mais de mil litros por dia em gasóleo. São os
geradores espalhados pela quinta que substituem a energia eléctrica.

Contas feitas, são mais de cem mil euros por ano em gasóleo. Almerindo
sente-se esquecido, mas aos 74 anos, mantém o ânimo. "Nem que tenha
de vender vacas", vai arranjar os 12 mil euros necessários para fazer
chegar a luz à propriedade. "A gente não pode é ficar às escuras. Onde
não há luz, estamos às escuras, não é assim?"

A nova geração

Nem só de idosos vivem a agricultura e as habitações onde a luz ainda há


de chegar. No monte Vale das Romeiras, em Panóias, Isaque Martins, 39
anos, cria vacas e ovelhas. Foi na casa sem energia eléctrica que
cresceu, quando a família veio de Moçambique. Partilha memórias com a
irmã, dos tempos em que brincavam às escondidas, com desenhos e os
trabalhos da escola eram feitos à luz da vela. "Nesse tempo, nem
(tínhamos) telefone, quanto mais computador! Agora, poder carregar num
botão e acender uma luz é uma diferença muito grande".
Isaque Martins, Panóias
Isaque estudou em Beja, mas a verdade é que o coração nunca saiu
daqui. Foi sempre um filho da terra. "Ao fim de semana, queria era vir
para o monte com o meu pai. Sempre tive uma doença pela agricultura.
Apanhava todos os bocadinhos, para vir a caminho do monte. Sempre
gostei do campo e dos animais e quem faz o que gosta, é meio caminho
para se ser bom naquilo que se faz".

Desde que lhe roubaram 47 ovelhas, Isaque dorme mais vezes numa das
duas casas em Panóias. Uma delas foi electrificada há cerca de três
anos. "Agora, consigo ter um frigorífico. Foi um dos eletrodomésticos mais
importantes para ter na exploração". A casa acolhedora também está
equipada com micro-ondas, torradeira, televisão e computador. "Hoje
estamos aqui, mas estamos ligados ao mundo", declara com um sorriso
confiante. "Custou, mas já me sinto no século XXI".

A segunda casa de Isaque, o monte onde cresceu, será uma das


contempladas na fase que vai fechar o ciclo de electrificação em Ourique.
E o agricultor já tem planos. "Havendo luz, estou a pensar num projecto
de turismo rural, para não deixar o monte estragar-se. Porque aquele
monte tem uma história de vida, foi ali que fui criado". Com a chegada da
luz, Isaque espera criar 10 postos de trabalho no investimento de turismo
rural. "Se correr bem, já vai ser um Natal com projectos para o futuro".

Outro filho da terra, Paulo Marques, 42 anos, foi emigrante na Suíça. Aí


tentou a sorte, depois de uma infância iluminada por candeeiros a
petróleo e gás. "Brincava-se na rua, com pedrinhas. Não chegámos a ter
brinquedos, mas nem pensávamos nisso", recorda sem arrependimentos.

As saudades encurtaram a experiência no estrangeiro e hoje, com uma


empresa de terraplanagem, Paulo não pensa sair do Alentejo. O monte
onde ainda vivem os pais foi electrificado recentemente. "Comprámos um
frigorífico, uma arca. Fizemos uma casa de banho com água quente". A
energia eléctrica acabou com um mundo de sombras, em particular para
os pais. "Há 20 ou 30 anos que falavam nisso e pensavam que iam
embora (sem electricidade), mas conseguiram ver a luz e ficaram todos
contentes".
O isolamento dos montes atrai cada vez mais estrangeiros, como a suíça
Daria Boom. Já trabalhava com cavalos e trouxe 9 animais bem
treinados, a pensar num projecto de hipoterapia na serra de Serpa.
"Gosto muito de estar isolada. Dá-me calma, para fazer o meu trabalho e
as minhas coisas espirituais. Posso viver muito bem aqui. Estamos aqui
há um mês e com electricidade é mais fácil", conta risonha.

Quando se mudou para o Alentejo, Daria começou por viver num monte
sem luz. Agora, no novo espaço, basta entrar em casa para se sentir a
diferença. A lareira elétrica e a voz de Luciano Pavarotti, que se solta da
aparelhagem de som, aquecem a sala de estar iluminada. "Agora posso
ouvir música clássica o dia todo", conta Daria. No outro monte, "precisava
sempre de um gerador e não é a mesma coisa ouvir música com um
gerador em fundo", afirma bem-disposta. "Gosto de estar aqui. Sinto-me
mesmo em casa, pela primeira vez na vida".

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