Вы находитесь на странице: 1из 12

t

Da empatia ao símbolo: Vischer, Carlyle, Vignoli

É facil compreencler por que Warburg rinha tanta necessidade de uma teoria,
de uma antropologia do sínrbolo, fosse diante dos ír-rdios de Oraibi e seus
mor)tes de cobrrrs vivas, fosse diante tl<t Lqocoutilr,e suas intricações mlrrmó-
reas, ou diante da "ninfa" e seus drapeados em movimento. Ele contestav;1 que
a hisrória da artc só rivesse;l ver com "Éormas purxs". As "purrrs formas" nrio 1-
existem pâra quem faz da imagem uma questão uital. As formas só eristem
impuras, isto é, emaranhddas na rede de tudo aquilo a clue a filosofia acadê-
mica pretende opô-las: as "rnatérias", os "conteúclos", os "sentidos", as "ex-
pressões", as "funções"... Tuclo isso e investido nas forrnas.r ponto c1e se
fundir confusar-nente com elas, como as cobras nir boca do índio ou em volta
do corpo de Laocoonte, como o vento em cada dohra dos drapeados da lriinfa.
Aqr-ri, mais urna vez, IüTarburg compartilha os pressuposros cle Robert Vis-
cher, quarrdo este rejeitou. opondo-se a Herbart, ir "forma pnra" lreinc Form)
kantiana. Não há formas sem conteúdos (e a emparia nos ensina, além clisso,
que não há formas sem conteúdos antropomórficos). Ora, a misteriosa urrida-
de dessas duas cclisas, abstratzrmente opostas, mas concretamente intricadas,
foi chamada por Vischer de "simbólicir formal" IFormsymbolik).3e1
'Warburg
também compreendeu, desde 1893, que a teoria da Einfühh.rng
permitia repensar inteiramente a ideia de símbolo. para além do que outrora
haviar-u postulado Kant e. tnilis târde, Hegel: o sírnbolo é bem diferente da
pobre "apresentilção indireta de um conceito", bern diferente do estágio "pri-
mitivo" e "ambíguo" do sinal em que "a ideia ainda busca suâ expressão ar-
tística".ler Mas, clesse "símbolo" repensado nos processos de incorporrtção l6-
psíquica ern qlle o ser faltrnte e imaginador o constitui, Robert Vischer não deu '
nenhuma definição erplícita. É que se referia implicitamente ilos trabalhos cio
pai, Friedrich Theodor Vischer, de quen-r encontranros a exposição mais sinté-
tica sobre essa qllestão num rexto publicado em 1887 e sobriamente intitulzrdo
de O símbolo.""
No dizer de Edgar \ü7ind, esse texto foi, para 1ü7arburg, "uma espécie de
breviário", constrrntemente "lido e relido": nada menos que seu "quadro con-
ceitual" fcctncepturtl frameu.,ork] cie partida.3'* É compreensível que ele tenha
retido instantaneamente a atenção de Warburg, pois, justamente, não "enqua-

A imagem sobrevivente lt5


drava", não esquemat|zava nada. Ao contrário, partia da própria intricrtção
apresentada por toda formação simbólica: os símbolos, escreveu Vischer, são
um "Proteu multiforme" lein gestaltwechselnder Proteusl; se de início eles le-
vantarâm uma questão que pârece simples - trata-se, com efeito, da questão
da "conerã o fVerknüpfuzg] entre urna imagem fBild] e um conteúd o flnhdltl
por interrnédio de um ponto de cclmparação lVergleichwngspunkl]" -, as res-
postas que oferecem são de uma complexidade que desafia os nossos quadros
conceituais costumeiros. l"j
+ O problerna reside na inatlequação c<tnsÍitutiva do símbolo. Mas, onde
' Hegel via uma falha ou uma condição privativa, Visclrer veria uma oporruni-
I .lnd. heurística: uma conclição cle multiplicidade, exuberância, invenção, en'r
suma, de estilo e historicidade. A intricação e a inadequação desafiam o con-
ceitcr, nras devem ser pensadas, justamente, como a própria força dos símbo-
los.-'et'Basta não mais sr-rjeitá-los à regra comum da verdade como ttdaeqr,Xe.
rei et intelleclas. Assim, Vischer reivindica urn "pensanrento de Llm-no-Outro" '.
[[neinanderdenken): intricações e polaridades que ele tenta esclarecer, distin-'
guindo - como faria §íarburg, mais tarde - diferentes destinos da "conexão í-
',i
entre a imagern e o sentido" fVerbindung zwischen Bild trnd Sinn]: assimrlatr-
vo-associativo ou comparativo-dissociativo, por exemplo.ret
Essa simples polaridrrde já permite transformar a "inadequação", a ambi-
guidade por princípio dos símbolos, no reconhecimenro de uma verdadeira
,'"capacidade energénca de produzir imagens" lEnergie des Bilduermôgensl.
, seja na linguagem, no mito, no rito ou na arte.res Os exemplos dados por Vis-
cher - notaclamente os c1o sacrifício pirgão e da eucaristia cristã - continuariam
, a fascinar V/arburg até o fin'r da vida.r"e Ora, todos eles têm em comunr inrpli- ,
-?) câr o corpo humano. diretarnente ) empdticslrtente, na formação dos símbolos: I
mesmo quando usAmos a linguagern abstrata da "espiritualidade", diz Vischer,
nranipulamos um símbolo que se refere ao spiritus latino e, para além dele, a
urna ideia do sopro baseada na erperiência íntima de nossa própria respira-
ção: "Esse âto em claro-escuro [dunkelhell), livre e não livre ptnfreifrei], é esse
o simbólico."aoo
,: Nesse "claro-escuro" e nesse estatuto "livre-não livre" do símbolo pode-
mos reconhecer a substância das inquietações warburguianas a respeito da
imagern e da cultura em geral. Vischer havitr compreendido bem que os sím-
boios mais "livres" da arte clássica permanecem irremediavelmente "presos"
-.ê aos fundos obscuros da incorporação mágrca ou da projeção mítica.a01 Expres-
sâ en1 termos temporais e psíquicos, essa interpretação equivale a dizer que a
sobreuit'ência e a empatia srto cctustittttit'as dos símbolos conlo /dls: sua "ina-
dequação", sna "ambiguidade", bem como suir variedade e exuberância, se-

rt6 Georges Didr-Huberman


riam apenas o indício de "restos vitais" incorporados, que sempre farão deles
sinais mzrculados, sinais em claro-escuro.
C) que nos catiutt empaticamente em toda imagem - "livre", "artística" oLr
"moderra" - seria uma força de âtração vinda de sua própria obscuridade,
ou seja. da per:duração dos símbolos que trabalham nela. Não for à toa qr.re
Vischer dedicou todo o final de seu ensaio sobre o símbolo ao conceito de
emparia.{()r A Fonttsynrbolik so surge reaimenre numa experiêncirr de L,infiib-l
lung, e os símbolos, inici:rlmente, só visarn - como no sonho - "cor-rferir alma" I
às coisas inorgânicas. Afinal, a Nladona Sistina de Rafael não é apenas urr-r
grande pedaço de tela sern vida? N'[as o caráter "vital" de sua eficácia sim-
1
bólica emerge na conjunção de uma Einfühlung (ou seja, uma experiência es- 4r-
i tetica vivid-a n-o E:esgnte) com uma llachleben (ou seia, um retorno do imemr>-
'rial: a "nrãe divina", c) "eterno feminino", como cleseja expressar-se Vischer
' n.rr. porrto).a0]Não nos admira que a palavra I'lachfiiblung, n-rais uma vez,
possâ ser parte integrante de todo esse vocabtriário (rransrnitido, a títtil<r
excepcional, do filho para o pai)."'*
Seja como for, cabe desde então compreender a experiência empáticir - esse
momento sintomático - como Llm "contâto" com os símbolos. apreendidos en-r
sua densidade temporal e seu poder de r.>bsedar e de reaparecer. O que Victor
Basch já havia enunciado no puro níl,,el individual - "O sentinrento [c1e ernpxt
tia] é, em última análise, e reuiuescência de umestaclo afetivo por intermedio de)
arla apresentctção"ats - teve c1e ser pensirdo, nesse morrento, em termos histó-
ricos e antropológicos. Ora, isso er:r iustâmente o que V/arburg contavâ fazer,
desde o início: postr.rlar a empatia como iorçd formadora do estilct equivalie. no
{
mes[ro movimento, â perrsar nela cclmo f<trça sobret,iuente dos símbolos. ]

>l >l )l

Portanto, desde a juventude, Warburg fez seu o procedimento reivindicado por


Friedrich Theodor Vischer em sell ensaio de 1887: em oposição ao kantismo
da "forma pura", tratava-se cle restituir ao conceito rotl1ântico de símbolo a
consistência de urn instrumenro analítico, de um instrumento científico à es-
cuta das disciplinas psicológic:r e antropológica, as quais, nesse final do séculcr
XIX, estavam sendo muito profundamente reformuladas.106
No lado "romântico" existe Goethe, é claro. Mas há trrmbern Thomas Car-
lyle, cujo livro extravagante, publicado em 1833-1834 sob o título de Sartor
Resdrtus [O trlfaiate recosturado], fascinou Warburg durante toda a vida.a"-
Trata-se de um livro inscrito numa linhagen-r intelectual que vai de Jonathan
Swift e Laurence Sterne até o conterrrporâneo de §íirrburg que foi James Jo,vce.

A imàgem sobrevivente i-57


5
Seu herói, o professor Teufelsdrôckh, tem o hábito de mergulhar na leitura
do Weissrticbtruo'scbe Anzeiger, «ru seja, "O indicador do não sei onde".at's
É provável que §7arburg, cientista louco e giaiide'especialista em chistes, os
quais seus próprios far,riliares chamavam de "warburguismos",a0' tenha-se
dt reconhecido facilmente no personagem descrito por Carlyle:
a'
u Em suma, o professor Teufelsdrôckh não é um escritor elegante. Nove déci-
mos de suas frases, talvez mais, mantêm-se aprumados; as outras têrn pos-
I turas esquisitas, são mantidas em pé por escoras de parênteses e tral'essôes,
e são sempre complicadas por uma ou outra erpressão parasita, pendurada
neles como urn farrapo ftc,ith this ctr tbe otber tagritg battging frotn themf1
algurnas até se esparramâm ao abandono por toc1o lado, com toda a estru-
tura partida, complettrmente desrnembradas. No entanro, mesmo em seus
piores aspectost ele conserva um âtrâtivo singular. Um diapasão selvagem
domina o seu verbo (...), ora se forçando corÍro num cântico espiritual, ora
como uma risada agudíssima de demônios.a10

|Jessa dialética esfarrapada, onde quase poderíamos reconhecer uma des-


crição física dos manuscritos de'Warburg, alicerçou-se o projeto autêntico de
um pensamento: uma dialética dos farraltos, precisamente. No comeÇo, o
professor Têufelsdrôckh foi o herói de uma filosofia dos acessórios em movi-
rlrento, herói numa busca - alegórica - do "tecido" dos seres e das coisas.arl
Que o homem ranto fosse um "animal vestido" quanto r.rm animal falante, era
isso, aos olhos de Carlyle, que introdLizia a inanidade de toda coisa em si, de
toda pureza ontológica: a textura dos seres não passa do desfiar interminável
de um vasto tecido polimórfico. Nada de núcleo: apenás cobcrrrrras. dobras
infindáveis (modelo da cebola), opondo-se umas às outrâs e enredadas umas
nas outras. Sempre haveria "uma mancha negra em nosso Sol" [a black spot
in our sunsbine) ontológico, um "Não eterno" ldn euerlastizg No] no "Sim
-:P
/eterno" let'erldsting Yeal, um protesto constante do caos em toda forma.arl
Í Ào olhar a "bela tapeçaria da vida humana" lthe fair tapestry of hurnan lifel,
o professor Teufelsdrôckh havia compreendido com clareza que só se acede ao
"superlativo" fsuperlatit,e] do pensarnento através de um "&g:glT:glir*9"
fdesc endentalisntl rervindicado de maneira melancólica e irônica.ari
A sua maneira, Warburg também foi um dialético dos farrapos. Só quis
apoderar-se de sua "ninfa superlativa" através da humildade - quase do ma-
teri:rlismo vil- das dobras de uma túnica de serva, pintada por um fabricante
de guirlandas para r-rm burguês do Quattrocenro (fig. 67). Compreendeu, antes
de Walter Benjamin, que o historiador só tinha chance de aceder às perdura-
ções da sobrevivência no olhar deslocado do "trapeiro" que ousa fazer histó-

Georges Didi-Hubernran

DiÕl'F-*- '

j.i6 Georges
Vf-7r'/|ffi.-. I

-.1 ria com os farrapos da história:ara o ex-voto "putrefato" de uma igreja de


Florença, em frente à obra-prima do museu dos Ofícios, as ricordanee de um
)5 banqueiro diante da Diuina comédia, os livretos baratos lchapbooksl norte-
-americanos frente à grande literatura,ar5 os folhetos de propaganda, horós-
copos, anúncios e selos postais frente a gravuras de Rembrandt...
Carlyle havia enunciado com muita exatidão os termos dessa problemática:
sua crítica da história, elaborada na mesma época do Sartor Resartus,al' le-
vou a uma filosofia dos símbolos... como "roupas" alternadamente susceptí-
veis ao esplendor dos brocados e à decadência dos farrapos. Ou como "meio"
obsidional, proliferativo: uns trinta anos antes de Baudelaire, Carlyle afirmou
que o homem caminhava pelo mundo como numa floresta de símbolos:

O homem, feliz ou miserável, é guiado e comandado por símbolos. Em toda


parte ele é cercado por símbolos, reconhecidos ou não como tais lhe euery
where finds himself encompassed with symbols, recognised as such or not
recognisedf .at'

:- Assim como as roupas são sempre mais ou menos inadequadas - frouxas


le ou apertadas demais - aos corpos que envolvem, os símbolos nào passam de i.u
(-) ambjguldades lógicaE situadas em algum ponto entre uma revelaçào e _um mis- | -
i tetiã, u.*lpaluury .3--r$io.ar8 No entanto, afirmava Carlfle,'conii"rir"-
do Kant e Hegel juntos, essa inadequação era a mesma que fazia o símbolo
'a aderir ao ser... dizendo-se isso, é claro, em virtude de uma preeminência tipi-
Ie camente romântica da imaginação em relação às outras faculdades:
:l
(...) não é a nossa faculdade lógica e mensuradora que nos rege, e sim a
1S
nossa faculdade imaginativa [imdginatiue ... faculty); ela é, eu diria, padre e
1S
profeta para nos guiar pelo lado do céu, feiticeira e necromante para nos
,t
guiar para o inferno. (...) Sem dúvida, o Entendiment.o [(Jnderstanding) é
t1
nossa janela, e é impossível torná-la clara demais. Porém, aFantasia lFan-
-
tasyl é nosso olho, com sua retina colorante, sadia ou enferma. (...) [Por
t. conseguinte,] é nos símbolos e através dos símbolos que, consciente ou in-
: conscientemente, o homem vive, trabalha e participa do ser: por isso, as
épocas que sabem reconhecer o valor dos símbolos e prezá-los como o que
há de mais elevado são vistas como as mais nobres. Afinal, porventura tudo
l5 não é símbolo para quem vê lto him who has er*es for it) (...)?4t' .-\
1-

:e O homem é um ser destinado aos símbolos porque nele a imagem rege -


]S e não para de deslocar, de fazer com que se mova - a exuberância dos sinais.
1- O esquema teórico só ficaria completo depois de Carlyle reconhecer que toda
)- a nossa relação com o tempo passa por essa economia do símbolo; assim, ele

A imagem sobrevivente 3-59


t

acabou por denominá-lo - como obriga a língua alemã, nessa paródia da


t
I seriedade filcrsófica por excelênciil - de "Imagem-tempo" fZeitbildl, ou, em
I inglês, "Figura-tempo" lTime-Figurel.a)o A partir dilí seria reconhecida a his-
i toricidade dos símbolos: slra capâcidade de ge-+renâlormar, mas também de
envelhecer, de se gastar, tal como um rico tecido acaba por se tornar, na poeira
díesquecimento, um trapo miserável:

,\las eonvenr dizer que. assim como o renrpo acrescenta rnuita santidade aos
símbolos, em sLla marcha ele também acaba por gastá-los, e até por lhes
roubar o caráter sagrado; os símbolos, como todas as vestimentas rerrenas,
envelhecem. A epopeia de Homero não deixou de ser verdadeira, mas já não
é a nossa epopeia; brilha ao longe, cada vez mais luminosa, sem dúvida, mas
também cada vez menor, como uma estrela que se distancia. É preciso o
telescópio da ciência, é preciso reinterpretá-la lit needs to be reinterpretedl
e reaproximá-la artificialmente de nós, simplesmente pârâ podermos saber
que ela já foi um sol. (...) Infelizmente, onde quer que vamos, porventura
não há nesta feira de trapos qr.re é o Mundo fthis ragfair of a'Worldl, em
toda parte, pâra nos enganar, nos deter, nos atrapalhar, uma barafunda de
trapos, de farrapos de símbolos gastos e ultrapassados, os quais, se não lhes
passarmos a vassoura, ameaçam acumular-se a ponto de levar à asfixia?arl

Poderíamos entrever nesse texto um duplo apelo à reinterpretação dc,ts sím-


bolos antigos, envelhecidos ou sobreviventes. Por um lado, o artista moderno
cleve "passar a vassoura" neles, ou melhor, exatamente como escreve Carlyle,
sacudi-los para longe como poeira lsbake aside). É assim que a arte se torna
capaz de reinterpretar os símbolos do mito ou da religião; observe-se aqui que
James Jo,vce tomaria Carlyle ao pé da letra, ao reinterpretar, como sabemos,
toda a epopeia de Ulisses. Por outro lado, Carlyle corrvoca o "telescópio da
ciência" para que sejarn reconhecidas, na poeira do presente, as sobrevivências
de antigos esplendores: §7arburg, o erudito "vidente", esrava ali para tomar
esse programa ao pé da letra.

Para isso, era necessário dar uma consistência "científica" ou "positiva" às


ideias de intagem e símbolo, reivindicadas pelo romantismo contra a lógica e
o esquema kantianos. Não bastava Baudeiaire ter desenhado - e com que ge-
nialidade - o programa desse conhecimento por meio da imagem:

A imaginação não é a fantasia; também não é a sensibilidade, en-rbora seja


difícil conceber um homem imaginativo que não seja sensível. A imaginação

360 Georges Didi-Huberman


é uma faculdade quase divina, que percebe antes de tudo, fora dos métodos *-'
I filosóficos, as relações íntimas e secretas das coisas. :1s correspondências e
' as analogias. As honrarias e as funções conferidas a essa faculdade dão-lhe
um valor tal (...) que um erudito sem imagirração já não parece senào um
falso erudito. ou. no mínimo. um erudito incompleto.ar2

Erudito cheio de imaginação - e que, além disso. buscava fundar um co-


'§Tarburg
nhecimento histórico da imaginação -, utilizirva qualquer recurso
para atingir as "relações íntimas e secretas das coisas, as correspondências e as
analogias" inerentes à sobrevivência, à perduração das imagens e dos símbo-
los, Gombrich revelou (mas subestilÍlou razoavelmente, sabernos por quê: para
que a psicanálise, mais uma vez) fosse mantida longe do pensamento warbur-
guiano) o papel incitador desempenhado por um obscuro positir,ista italiano
clramado Tito Vignoli: seu ]ivro Mito e scienza, com efeito, contém elementos
câpazes de reforçar o vínculo, 1á estabelecido pelos Vischeq pai e fiiho. entre
forças empáticas e formas simbólicas.ar3
Hermann Usener havia examinado esse livro em 1881, retendo dele a pos-
tuiação clucial do mito como "forma originária de pensamento". mas rejeita,r-
do a ideia, â seu ver muito vaga, do mito como "personificaÇão".+:+ O que
V/arburg pôde reter dessa tentativa foi, primeiro, a espécie de danvinismo
psicologizado con-r que Vignoli tentou estabelecer o modelo da emergência dos
símbolos. Num livro anterior, o autor havia formulado uma "gênese da facul-
dade psíquicâ em relação à econornia geral do leino orgânico".'[5 Como mui-
tos outros cientistas da época, explicou a formação das imagens psíquicas com .\/
base em sensações, associações. sinestesias e numa "objetivação cle si" que, na I

Alemanha, já-erá ctamra, aê ÉinfitLlrng.o*


Ora, Vignoli tinha uma concepção da empatia - e do que chanlava de "for-
ça psíquica" ern geral - apta a despertar o interesse de Warburg em pelo me-
nos dois planos. Em primeiro lugar, ele nâo hesitava em insistir na imanência '!r
dos símbolos, â ponto de reconhecer neles uma condição orgânica ou até ani-
mal das sociedades humanas.al Suas referências ao anirnisntr.t, tal como visto
por Tyloq quase desembocavam numa teoria da animalidade psíquica, na qual
o a priori kantiano era violentamente despedaçado por um ponto de vista
declarado "psico-orgânico".'128 Mais tarde, ele viria 11 opor uma "estética evo-
lucionista", na qual abundavam as análises da morfologia animal, a toda a
"estética transcendental" do idealismo filosófico.a:e
Com isso, Vignoli pretendia levar a seu extremo biológico o princípio
darrviniano da marca. Mas também desenvolr.,eu o princípio da antítese, e esta
segunda vertente viria a encontrar em Warburg um eco muito mais sonoro.

A inragem sobrevivente 361


csi
ro.
.1cr

OT

r.ri-

rrg
ti-
n.t

CY

li'l. Bertall, A últinu ór'13.2. (iravura ertraícla de Honoré de Balzac, Pall1a-<


Misàres de la úe conju,t.tlc, Paris, 1846, p. -33-5.

menter rnantém numa espécie de "eterna gangorra" (cf. fig.25). De repente,


a imagem do casal transforn-la-se na de duas n-rarionetes que brigarr - e se
debatem histericamente - entre ils mãos de uma sigt-lntescâ figura mefistofélica
(fig. 8,1).lrrEra eratirmente isso que Vignclli ch:rmava de "personificação", da
n1
qual \üTarburg teria recor-rhecido, como disse, o "papel curiosamente demoní-
't-
aco ern [seus] delírios febris".
1t.
Mas o processo inverso também existe e compõe um sistema com o ânterior:
Sil
o capítr.rlo das Pequenas misérias intitulado "As revelações brutais" trbria-se,
io
por sui.r \/ez, num close de ur]t olho arregalado por duas minúsculas criaturas
irr
demoníacas (fig. 85).ara Aí, portarrto, o pâvor se redllz - em vez de "se anrpliar"
n-
(l- - ao biomorfismo de um órgão que, visto r:io de perto, parece clesmesurado. Já
não é um grande símbolo rnaléfico religioso que brinca com marionetes huma-
nas, e sim um pequeno sintoma corporal maléfico que nos Íaz ver e chorar ao
l.t
mesmo tempo. A heurística do símbolo age em todas as escalas da enrpatia, tal
como a heurística da empatiir age em todos os registros do símbolo.
tlS
lo
.-l

1.1
Para além das polaridades suportadas, abre-se um terceiro ceminho, o único
para se escapar da alienação do símbolo religioso e da alienação do sintoma
a- histérico. É ,, p.r-rtrn-rento. Trata-se de consegr.rir criar a partir do não saber

A imagem sobrevrvente I Ér.l


8.5. Bertall, As rt,uelações brutttis. Ora'ttra ertraída de Honoré
de Balzac. Pctites ,V[iseres Cc la t,ie conjugale, P:rris, 18.{0, p. )-j.

que os símbolos carregJm enl si c do pavor quc os suscira ou ressuscirrl.


;1 E foriar para si, portanto - em contraposição iro Ih.rminismo, aos necessários
' "nrru,.,ço, da razão" -, uma teoria do demoníaco, noção que foi cara a'§7ar-
burg até o fim de sua yida, ainda rnais que BinswangeÍ fez dela, paralelamente,
um uso metapsicológico renovirdo.ai't
Depois do positivismo de Vignoli e antes da abordagem psicanalítica, \ü/ar-
burg encontrou olitro utensílio conceitual capaz de ajudá-1o no difícil esclare-
cimento das relirções entre símbolo e empatia f oi a lei da participação, formu-
lada por Lévy-Bruhl para explicar práticas sobre as quais, ern outro contexto)
'üTarburg ttrmbém se interrogava: a efígie, o culto dos mortos e a crença na
"sobrevida" deles, as genealogias míticas, as artitudes perante a doença, a adi-
vinhação, o manejo simbólico dos números, a interpretação nrtígica dos órgãos
do corpo humano etc.436
Para Lévy-Bruhl, trat,rva-se de clescrever, com a máxima exatidão possível,
os modelos de causalidade en-rpregados no pensamento m;igico e mítico -
'§flarburg
aquilo que chamava, corrlo estamos lembrados, de Urkawsalitiit-
fornf; -, e de analisar suas consequências no estatuto das "representações
coletivas".ar8 Reinterpretando a concepção de animismo segundo Tylor, Lévy-
-Bruhl pr()clrrou explicar a maneira desconcertante como cada coisir, nesse
pensamento que ainda era chamado de "primitivo". poclia ser diferente dela
mesma) estaÍ noutro lugrtr qlue não aquele em que se encolltravzr e ser mais
antiga que o tenlpo em que se apresentava:

Georges Drdr-Hubernran
experiência empática e "cliferenci ado" fdifferenziertl como urr saber lógico,
"assimilador" larryleichend] como uma imagern onírica e "comparador" fuer-
gleichcnd) como um sinal c1e distinção.ra1
Toda a teoria warburguiana das "polaridades dinân-ricas" veio dessa refle-
xão fundamental sobre ir condição "oscilante" e pulsátil dos símbolos. Na
época dos estuclos sobre Botticelli, por volta de 1993, essa condição era ex-
prcssa em termos de irnobilismo apolíneo e movimentos dionisíacos. Na época
dos estudos sobre o retrato florentino, por volta de 1902, §íarburg fazizr osci-
larern o preserlte cristão (solene, realista, setentrional) e as sobrevivências pa-
gãs (patéticas, clássicas, rneridionais). A mesma clialética estaria subjacente a
toders as pesquisas sobre a astrologia: cleuses do Olimpo clássico com demô-
nios orientais (por volta de 1912), conquista racional dos asrros com sobrevi-
r,êr-rcia demoníaca dos monstros (por volta de 1920).1+'
Então, os símbolos seriam provas de'uma vitória da cultura sobre a natureza,
da razào sobre a pulsão? Sem dúvida. Mas a sobrevivência trabalha neles. Por
eles se lembrarem daquilo que conjuram, a despeito de si mesrnos, e por "sofre-
rem de reminiscências", Y/arburg só pôde considerá-los ern termos dialéticos e
sintomáticos: o clue eles utilizarn teve de ser cienominado de uma "dupla força
estranhamente contrâditória" lunheimlich entgegengesetxtc Doppehndcht) da
- ir-nagem lBildl e do sinal lZeichen).aa" Em sumir, o símbolo só revela sr.ra própria ;'
força e suir genealogiil - sua complexidade temporal, sua densidacle de sobrevi-fl
vências, sua ancoragern corporal - ao sobrevir na história como sintonto. {

i
Àntcs rnesmo de rer cluerido caraçterizer toda a cultrrra s.,e,und,i o paradig-
ma psicopatológico da esquizofrenia, da psicose maníaco-depressiva ou da
melancolia,ra- Warburg já imaginava toda a condição humana, na época de
*Ê, Kreuzlingen) corno un.ra espécie de clança: uma dançd com o m(»$tro,la qual
o hourem, alternaclamente, "segura" o nnt oiu mãoJ-clieiaíluin moJo de se /
unii a ele, empaticamente, pntàlogicà-ente) e o "cornpreende" (um rnorlo de
mantê-lo à distancia, de representá-lo conceitualmente). Essa dança é r,ital,
interna a toda a cultura. Chega a se assemelhar a.seus bertinientos cardíacos:-'

O homem (...) existe entre a sístole e a diástole. Preensão e compreensão


lcreifen und Begreifen]. Ele corno que descreve Lrm arco de círculo, elevan-
do-se acin.ra do chão e tornando a descer ne[e. Quando se mantém na verti-
cirl. r,antagem que tem sobre os animais. no ápice dessa curva, ele vê clara-
mente os estados tr:rnsitórios entre a perda instintiva de si e a afirrnação
conscierrte de si.lt"
{---
O símbolo trabalha e "oscila" entre a preensào,' corporal.e a "corrpreen-
{:
.;
sào" e drstancir. t assim que sc choc,rm - se''tocaii e se opÕem - o/empático
._/

Georges Didi-Huberman
/
e o semiótico em toda Form»nnboiiÀ. lü/arburg concluiu esse raciocínio afir- ', ,,"
manclo que o "processo ârtístico" situa-se "entre a mímica e o sarber" lr*t, v-
schen Mimik wd W'issenschaftl, isto é, entre o páthos vivenciado e o log,xj
elaborado. A algumas páginas desse ponto, ele também se queixou de nâo ter
à mão os livros de Freud...r].'Rgcgrdo es19 d-e1a!]5_aperas para_siturr ocont
,1"j=o_gr!.ot1ítiço em que essa-h1páteses gerais sobre-.o símbol.a àiibararn '--*--\
por se exprimir. Em 1923, a oscilação entre o Greifen e o Begreife,T era enten-
dida por \íarburg numa relação direta Ç0111 o modelo psicanalítico do "trau-
ma do nascimento":

A categoria prirnitiva da forn.ra de pensamento causal ldie Ur-Kategorie


kausaler Denkfrtrml é o parto. Esse parro nos mostra que o enignra do
encadeamento lZusamntenh ang), materialmente constatável, está ligado
à catástrofe inconcebível fumbegreiflicbe Katastrophe) clue é a separaçã
" ^/
fLoslôsung] de urna das dr.ras criaturas da outra. O espaço de pensamenro I iK I
abstrato entre o sujeito e o objeto baseia-se na experiência vivida do corte t,, {
da ligação umbilical.ai"

É impossível ir mais ionge no questionamento das abstrações karntianas que


regem as relações entre sujeito e objeto. A antropologia da sobrevivência e ir
metapsicologia du menrória inconsciente tinhanr sido os instrumentos desse
ts- questionamento. Além disso, permitiram fundar toda essa compreensão sirtt<t-
matica - patética, empática e psicopatológica - dos símbctlo-s. 6sr1., não é de
admirar que \ü7arburg, em 1923, tenha desejado reler Totem e tabu: suas pró-
prias análises da magia e do "demoníaco" coincidiarr-r enr muitcls p()nros com
a "onipotência dos pensamentos" teorizada por Freud a parfir dâ estrutura
obsessiva.atlComo esquecer, por e-xemplo, que) para Freud, a situação para-
digmática da criação dos símbolos era aquela - complementar âo parto - do i
..sobreviventeemrelaçãoaolnorto,'[dieSituati<ltldesÜberlebenden8egen
. den Totenl? Não deve o sobreyir,ente, frente ao cadáver de seu semelhante, À -
. transfrlrmar a "catástrofe inconcebível da separação" n'unla ltg,rçio de pen-
'' t rr-.nro, e transformar a cnrpat;a da-siiuaçào numa dislárucla. numa "reprc-
' sentação primitiva da alma" da qual possàm decorrer todas as polaridades
simbólicas Ja'l
Por outro lado, a alta tecnicidade - ou simbologia - dos estudos warlrur-
guianos sobre a astrologia, contemporâneos do desmoronarnento psicótico e
da experiência psicanirlítica com Binswanger, não nos cleve fazer esquecer quer Y
/
\ quanto rnais alto nos elevantos no céu dos astros, mais baixo nos descobrimos ,(

\ n" materia dos "monstros". isto e, na imaginaçàg cle noss-glplo_p11o1 :1smos-


\iscerais. Nào apenas as constelações zodiacais são calcadas em campos orgâ-

A imàgem sobrevlvente 367


a-

nicos (fig. 83), como aproíecid aparece como urn desejc.t em estado de sobre-
vivência, um desef o que não diz seu nome. Freud havia esclarecido esse pro-
cesso em 1901,ao enunciar que as superstições fornecern "a indicação de um
I
I
saber inconsciente, deslocado para o exterior".at-r É assim que nossos ntonstr()s
I mais íntimos continuam a percorrer seu caminho e a desenhar tão belas cons-
telações no éter dos astros celesres. 1 \it

Uma coisa continua certa: a cornpreensão warburguiana dos símbolos nun- /-" s"
li.\ : ca poderia ter-se desenvolvido sem uma energética da incorporação psíquica e
de sua "tradr:ção em linguagem motora". Quer essa energética tenha sido
compreendida por Nietzsche como páthos dionisíaco, por VischeÍ como e?n-
patia, ou por Freud e Binsu,anger como sinroma de uma psicopatologia, rom-
peu-se, de qualquer modo, a unidade sintética com a qual se costuma conceber
a ideia de símbolo. Que consequências acarretâ esse despedaçamenro, no pre-
sente, para o próprio estatuto de toda história cultural e, a fr>rtiori, de toda
história da arte?

1bõ Georges Didi-Huberman

l
b---*_

Вам также может понравиться