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É facil compreencler por que Warburg rinha tanta necessidade de uma teoria,
de uma antropologia do sínrbolo, fosse diante dos ír-rdios de Oraibi e seus
mor)tes de cobrrrs vivas, fosse diante tl<t Lqocoutilr,e suas intricações mlrrmó-
reas, ou diante da "ninfa" e seus drapeados em movimento. Ele contestav;1 que
a hisrória da artc só rivesse;l ver com "Éormas purxs". As "purrrs formas" nrio 1-
existem pâra quem faz da imagem uma questão uital. As formas só eristem
impuras, isto é, emaranhddas na rede de tudo aquilo a clue a filosofia acadê-
mica pretende opô-las: as "rnatérias", os "conteúclos", os "sentidos", as "ex-
pressões", as "funções"... Tuclo isso e investido nas forrnas.r ponto c1e se
fundir confusar-nente com elas, como as cobras nir boca do índio ou em volta
do corpo de Laocoonte, como o vento em cada dohra dos drapeados da lriinfa.
Aqr-ri, mais urna vez, IüTarburg compartilha os pressuposros cle Robert Vis-
cher, quarrdo este rejeitou. opondo-se a Herbart, ir "forma pnra" lreinc Form)
kantiana. Não há formas sem conteúdos (e a emparia nos ensina, além clisso,
que não há formas sem conteúdos antropomórficos). Ora, a misteriosa urrida-
de dessas duas cclisas, abstratzrmente opostas, mas concretamente intricadas,
foi chamada por Vischer de "simbólicir formal" IFormsymbolik).3e1
'Warburg
também compreendeu, desde 1893, que a teoria da Einfühh.rng
permitia repensar inteiramente a ideia de símbolo. para além do que outrora
haviar-u postulado Kant e. tnilis târde, Hegel: o sírnbolo é bem diferente da
pobre "apresentilção indireta de um conceito", bern diferente do estágio "pri-
mitivo" e "ambíguo" do sinal em que "a ideia ainda busca suâ expressão ar-
tística".ler Mas, clesse "símbolo" repensado nos processos de incorporrtção l6-
psíquica ern qlle o ser faltrnte e imaginador o constitui, Robert Vischer não deu '
nenhuma definição erplícita. É que se referia implicitamente ilos trabalhos cio
pai, Friedrich Theodor Vischer, de quen-r encontranros a exposição mais sinté-
tica sobre essa qllestão num rexto publicado em 1887 e sobriamente intitulzrdo
de O símbolo.""
No dizer de Edgar \ü7ind, esse texto foi, para 1ü7arburg, "uma espécie de
breviário", constrrntemente "lido e relido": nada menos que seu "quadro con-
ceitual" fcctncepturtl frameu.,ork] cie partida.3'* É compreensível que ele tenha
retido instantaneamente a atenção de Warburg, pois, justamente, não "enqua-
>l >l )l
Georges Didi-Hubernran
DiÕl'F-*- '
j.i6 Georges
Vf-7r'/|ffi.-. I
,\las eonvenr dizer que. assim como o renrpo acrescenta rnuita santidade aos
símbolos, em sLla marcha ele também acaba por gastá-los, e até por lhes
roubar o caráter sagrado; os símbolos, como todas as vestimentas rerrenas,
envelhecem. A epopeia de Homero não deixou de ser verdadeira, mas já não
é a nossa epopeia; brilha ao longe, cada vez mais luminosa, sem dúvida, mas
também cada vez menor, como uma estrela que se distancia. É preciso o
telescópio da ciência, é preciso reinterpretá-la lit needs to be reinterpretedl
e reaproximá-la artificialmente de nós, simplesmente pârâ podermos saber
que ela já foi um sol. (...) Infelizmente, onde quer que vamos, porventura
não há nesta feira de trapos qr.re é o Mundo fthis ragfair of a'Worldl, em
toda parte, pâra nos enganar, nos deter, nos atrapalhar, uma barafunda de
trapos, de farrapos de símbolos gastos e ultrapassados, os quais, se não lhes
passarmos a vassoura, ameaçam acumular-se a ponto de levar à asfixia?arl
OT
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ti-
n.t
CY
1.1
Para além das polaridades suportadas, abre-se um terceiro ceminho, o único
para se escapar da alienação do símbolo religioso e da alienação do sintoma
a- histérico. É ,, p.r-rtrn-rento. Trata-se de consegr.rir criar a partir do não saber
Georges Drdr-Hubernran
experiência empática e "cliferenci ado" fdifferenziertl como urr saber lógico,
"assimilador" larryleichend] como uma imagern onírica e "comparador" fuer-
gleichcnd) como um sinal c1e distinção.ra1
Toda a teoria warburguiana das "polaridades dinân-ricas" veio dessa refle-
xão fundamental sobre ir condição "oscilante" e pulsátil dos símbolos. Na
época dos estuclos sobre Botticelli, por volta de 1993, essa condição era ex-
prcssa em termos de irnobilismo apolíneo e movimentos dionisíacos. Na época
dos estudos sobre o retrato florentino, por volta de 1902, §íarburg fazizr osci-
larern o preserlte cristão (solene, realista, setentrional) e as sobrevivências pa-
gãs (patéticas, clássicas, rneridionais). A mesma clialética estaria subjacente a
toders as pesquisas sobre a astrologia: cleuses do Olimpo clássico com demô-
nios orientais (por volta de 1912), conquista racional dos asrros com sobrevi-
r,êr-rcia demoníaca dos monstros (por volta de 1920).1+'
Então, os símbolos seriam provas de'uma vitória da cultura sobre a natureza,
da razào sobre a pulsão? Sem dúvida. Mas a sobrevivência trabalha neles. Por
eles se lembrarem daquilo que conjuram, a despeito de si mesrnos, e por "sofre-
rem de reminiscências", Y/arburg só pôde considerá-los ern termos dialéticos e
sintomáticos: o clue eles utilizarn teve de ser cienominado de uma "dupla força
estranhamente contrâditória" lunheimlich entgegengesetxtc Doppehndcht) da
- ir-nagem lBildl e do sinal lZeichen).aa" Em sumir, o símbolo só revela sr.ra própria ;'
força e suir genealogiil - sua complexidade temporal, sua densidacle de sobrevi-fl
vências, sua ancoragern corporal - ao sobrevir na história como sintonto. {
i
Àntcs rnesmo de rer cluerido caraçterizer toda a cultrrra s.,e,und,i o paradig-
ma psicopatológico da esquizofrenia, da psicose maníaco-depressiva ou da
melancolia,ra- Warburg já imaginava toda a condição humana, na época de
*Ê, Kreuzlingen) corno un.ra espécie de clança: uma dançd com o m(»$tro,la qual
o hourem, alternaclamente, "segura" o nnt oiu mãoJ-clieiaíluin moJo de se /
unii a ele, empaticamente, pntàlogicà-ente) e o "cornpreende" (um rnorlo de
mantê-lo à distancia, de representá-lo conceitualmente). Essa dança é r,ital,
interna a toda a cultura. Chega a se assemelhar a.seus bertinientos cardíacos:-'
Georges Didi-Huberman
/
e o semiótico em toda Form»nnboiiÀ. lü/arburg concluiu esse raciocínio afir- ', ,,"
manclo que o "processo ârtístico" situa-se "entre a mímica e o sarber" lr*t, v-
schen Mimik wd W'issenschaftl, isto é, entre o páthos vivenciado e o log,xj
elaborado. A algumas páginas desse ponto, ele também se queixou de nâo ter
à mão os livros de Freud...r].'Rgcgrdo es19 d-e1a!]5_aperas para_siturr ocont
,1"j=o_gr!.ot1ítiço em que essa-h1páteses gerais sobre-.o símbol.a àiibararn '--*--\
por se exprimir. Em 1923, a oscilação entre o Greifen e o Begreife,T era enten-
dida por \íarburg numa relação direta Ç0111 o modelo psicanalítico do "trau-
ma do nascimento":
nicos (fig. 83), como aproíecid aparece como urn desejc.t em estado de sobre-
vivência, um desef o que não diz seu nome. Freud havia esclarecido esse pro-
cesso em 1901,ao enunciar que as superstições fornecern "a indicação de um
I
I
saber inconsciente, deslocado para o exterior".at-r É assim que nossos ntonstr()s
I mais íntimos continuam a percorrer seu caminho e a desenhar tão belas cons-
telações no éter dos astros celesres. 1 \it
Uma coisa continua certa: a cornpreensão warburguiana dos símbolos nun- /-" s"
li.\ : ca poderia ter-se desenvolvido sem uma energética da incorporação psíquica e
de sua "tradr:ção em linguagem motora". Quer essa energética tenha sido
compreendida por Nietzsche como páthos dionisíaco, por VischeÍ como e?n-
patia, ou por Freud e Binsu,anger como sinroma de uma psicopatologia, rom-
peu-se, de qualquer modo, a unidade sintética com a qual se costuma conceber
a ideia de símbolo. Que consequências acarretâ esse despedaçamenro, no pre-
sente, para o próprio estatuto de toda história cultural e, a fr>rtiori, de toda
história da arte?
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