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Fichamento Escritos e Conferências 2

Daniel Frey - apresentação

- “Para Ricoeur, a hermenêutica é em primeiro lugar um método filosófico que ele procura
articular com outros.” (p. 7)

- “[...]. O sentido do famoso aforismo ‘O símbolo tem quer ser pensado’ deve ser
entendido como um desafio.” (p. 8)

- “[...] a hermenêutica é para ele um método filosófico que não poderia ser erigido em
método universal: ela só poderia ser aplicada onde se confirmasse como a mais pertinente,
ao fim de um processo de objetivação e de análise e como introdução a reflexões de
natureza mais ética e ontológica. A hermenêutica designa então um dos modos de
filosofar próprio de Ricoeur, cuidadoso – e nisso fiel a Kant – em estabelecer as condições
de validade dos diversos métodos articulados. A inclinação natural da hermenêutica,
definida como uma ‘teoria geral da interpretação’, é ligar-se escrupulosamente à
interpretação dos signos humanos, sejam eles símbolos, textos ou quase textos (ações)
[Do texto à ação p. 7]. Como tal, a hermenêutica apresenta-se como uma reflexão
distanciada e crítica sobre as operações de explicação e de compreensão em jogo na
interpretação, habitual ou erudita, das obras de cultura.” (p. 8)

- “Se, por um lado, em Paul Ricoeur a hermenêutica apresenta-se como um método


filosófico adaptado a alguns objetos linguageiros, não se pode deixar de constatar que ela
também designa o próprio estilo de sua filosofia, [acaba p. 8] na medida em que assume
a tarefa de conhecer o sujeito. Ora, o sujeito, como lembra o filósofo em Reflexão feita,
‘não se conhece diretamente, mas apenas através dos signos depositados em sua memória
e seu imaginário pelas grandes culturas’. Nesse aspecto, é a obra de Ricoeur como um
todo que traz a marca da ‘idade hermenêutica da razão’, para usar a expressão de Jean
Greish que o pensador aplicou a si mesmo [Ver l’age hermeneutique da raison e o prefácio
de soi même como um autre]. A hermenêutica é a aparência que a filosofia da reflexão
assume quando, para conhecer o sujeito, decide fazer um grande desvio pela interpretação
dos signos de sua existência. Com isso, ilustra uma firme convicção: o caminho de si a si
faz necessariamente o desvio por aquele que é outro que si. Ou, em outras palavras, a
intenção de se conhecer levaria prematuramente a si se, de certa maneira, não ocorresse
a escolha pelo roteiro dos signos que expressam o mundo. Em “Da interpretação”, ensaio
de 1983 no qual se posicionava em relação aos trabalhos até então, Ricoeur apresentava
a hermenêutica como aquilo que completa e corrige seu pertencimento a uma filosofia do
sujeito muitas vezes esquecida (principalmente em Descartes, depois em Husserl) das
mediações supostas pelo conhecimento de si [...].” (p. 8-9)

O problema da hermenêutica

1. Hermenêutica e simbolismo

- “[...] o que eu acho que é minha preocupação dominante: integrar antagonismos


legítimos e fazê-los trabalhar por sua própria superação.” (p. 18)

- “Para chegar ao concreto da vontade má, era preciso introduzir no círculo da reflexão o
longo desvio dos símbolos e dos mitos, enfim, a mediação, ela mesma ‘histórica’, do
mundo cultural. A Símbólica do mal (1960) originou-se nessa confusão metodológica: a
vontade, afirma-se aqui, só se reconhece má, se confessa culpada, meditando acerca dos
símbolos e dos mitos transmitidos pelas grandes culturas que instruíram a consciência
ocidental, para calar sobre as outras culturas que não fazem parte de minha memória
finita." (p.”18)

- “No entanto, é nessa investigação limitada à simbólica do mal ligada a uma definição
geral do símbolo que acontece a primeira abordagem do problema hermenêutico.
Denomino símbolo toda expressão caracterizada pelo fenômeno do duplo sentido,
segundo o qual a significação literal remete a um sentido segundo que só é acessível pelo
retorno do sentido primeiro ao sentido segundo. Esta segunda condição é essencial, pois
a diferença entre símbolo e alegoria vem daí; na alegoria, o desvio por uma expressão
figurada tem uma função puramente didática ou ornamental; sempre é possível dizer
diretamente o que é dito indiretamente com a única intenção de instruir ou de agradar;
com o símbolo autêntico a transferência do sentido literal ao sentido figurado é a única
via de acesso [...].” (p. 19)

- “Também se pode falar de outra expansão do simbolismo além da simbólica do mal.


Desde então, propunha uma definição geral do mito, como um símbolo desenvolvido em
forma de narrativa e articulado num tempo e num espaço não coordenáveis aos da história
e da geografia de acordo com o método crítico; por exemplo, o exílio é o símbolo primário
da alienação humana, mas a história da expulsão de Adão e Eva do Paraíso é uma
narrativa mítica de segundo grau que coloca em cena personagens, lugares, um tempo,
episódios fabulosos; no mito, é uma narrativa que desempenha o papel de sentido literal,
e é a transferência para um sentido segundo que faz do mito uma categoria de símbolo,
uma categoria narrativa.” (p. 20)

- “De qualquer forma, nesse primeiro estágio de minha investigação, a hermenêutica


recebeu uma definição limitativa que mais tarde eu iria expandir: existe hermenêutica, ou
seja, interpretação, lá onde existem expressões com duplo sentido, quando um sentido
segundo tiver que ser desenvolvido a partir de um sentido primeiro. Certamente, essa
definição era limitativa, mas dava ensejo a um desenvolvimento ulterior, inspirado na
frase com a qual concluía A simbólica do mal: ‘O símbolo faz pensar’. Nesse momento,
insistia em dois polos de expressão; o símbolo faz: ou seja, recorrendo ao arcaico, ao
noturno, ao onírico, a filosofia pode escapar das aporias do começo radical em filosofia;
uma meditação sobre os símbolos parte da linguagem que já aconteceu e na qual tudo já
foi dito de alguma maneira; não o pensamento sem pressuposições, mas o pensamento
com suas pressuposições. Mas o que o símbolo faz é pensar. O aforismo [acaba p. 20]
sugere que tudo já foi dito como enigma e, no entanto, sempre é preciso recomeçar na
dimensão do conceito. ‘O que precisamos agora’, dizia, ‘é de uma interpretação que
respeite o enigma original dos símbolos, que se deixe instruir por eles, mas, a partir daí,
promova o sentido, forme o sentido na plena responsabilidade de um pensamento
autônomo [O símbolo dá a pensar, p. 325]’. Mas em 1960 eu não sabia como articular o
pensamento crítico sobre uma repetição dos mitos e falava vagamente em ‘superar a
crítica com a crítica, com uma crítica não redutora, mas restauradora [p. 326]. E em
minhas súplicas pedia uma segunda inocência, de algum modo pós-crítica” (p. 20-21)

- “O duplo choque da psicanálise, depois do estruturalismo, deveria me colocar no


caminho dessa hermenêutica crítica e com isso mobilizar uma definição da hermenêutica
mais ampla que a decodificação das expressões com dois sentidos.” (p. 21)

- “O livro Da interpretação, Ensaio sobre Freud mostra como o problema hermenêutico


ganhou importância sob a influência de Freud. A interpretação praticada em A simbólica
do mal era naturalmente imaginada como uma interpretação amplificadora, ou seja, uma
interpretação atenta ao sentido suplementar que o simbolismo do mal continha
implicitamente e que só a reflexão levava à plenitude significante. Ora, essa interpretação
amplificadora opunha-se, sem dizer e sem mesmo saber, a uma interpretação redutora
que, no caso da culpabilidade, parecia perfeitamente ilustrada pela psicanálise freudiana.
Surgia diante de mim uma polaridade de gênero novo, anunciando o que eu iria denominar
O conflito das interpretações.” (p. 22)
- “Penetrando no confronto de Freud com a tradição, percebemos que se tratava de um
conflito entre duas hermenêuticas, uma amplificadora, no sentido citado acima, e outra
da suspeita, na qual Freud figurava ao lado de outros mestres da suspeita, Feuerbach,
Marx e principalmente [acaba p. 22] Nietzsche. Na nova fase de meu trabalho depois de
meu livro sobre Freud, a questão não se limitava a um conjunto simbólico particular, mas
abria-se para a estrutura simbólica como estrutura linguageira específica.” (p. 22-23)

- “Foi aí que o conflito com o estruturalismo teve um papel decisivo no desenvolvimento


do problema hermenêutico. O que se apostava no conflito? Nada menos que o destino da
questão do sujeito e da compreensão de si. Enquanto o estruturalismo se assemelhava a
uma apologia para um funcionamento anônimo, no sentido mais forte do termo, de
sistemas de signos sem ancoragem subjetiva, a dimensão do sentido parecia inseparável
do papel mediador exercido por esses sistemas em relação específica com a compreensão
de si [Do texto à ação, p. 29). Sem significância quando um sistema sincrônico de signos
não contribui para a diacronia, ou seja, para a historicidade da compreensão de si. Uma
vez mais, a história – história dos signos em particular – é a mediação indispensável para
a compreensão de si.” (p. 23)

- “[...] a dialética compreender/explicar. Um dos ensaios de Do texto à ação é justamente


sobre ela. Os três campos percorridos são a teoria do texto, a da ação e a da história. Em
cada um deles, o momento de compreensão caracteriza-se por uma apreensão intuitiva e
global do que é abordado nesse campo, por uma antecipação de sentido que roça a da
adivinhação, por um engajamento do sujeito conhecedor o momento da explicação, por
outro lado, é marcado pela predominância da análise, da subordinação do caso particular
a regras, leis ou estruturas, pelo distanciamento do objeto de estudo em relação a um
sujeito não implicado. O importante, a meu ver, é não separar a compreensão da
explicação e vice-versa, como fazem, de um lado, os descendentes da hermenêutica
romântica e, de outro, os herdeiros do positivismo. Em minha opinião, a interpretação
consiste precisamente na alternância de fases de compreensão com fases de explicação,
ao longo de um único ‘arco hermenêutico’.” (p. 24)

- “Na tríade considerada, a noção de texto tem um papel condutor [Do texto à ação, p.
137-182]. É aí, com efeito, que cai por terra a hipótese antiga de que a explicação apenas
reinaria nas ciências humanas da natureza, e as chamadas ciências do espírito [acaba p.
24] seriam governadas pela compreensão. Ora, no cerne destas últimas, mais
precisamente na semiótica, é que apareceram os novos modelos de explicação que se
adaptam exatamente ao império dos signos, ou seja, das operações de codificação e de
decodificação. Assim, fica mais difícil articular a compreensão e a explicação entre si, e
mais difícil dissociá-las pura e simplesmente. Pareceu-me que uma teoria do discurso
definido como o ato pelo qual alguém diz alguma coisa sobre algo a outro alguém poderia
servir como junção entre compreensão e explicação.” (p. 24-25)

- “Quanto à teoria da ação, que deveria retomar em meus trabalhos posteriores, sobre a
narrativa e também sobre a ética e a política, ela ilustra da seguinte maneira a dialética
explicar/compreender. A questão aqui é saber se o jogo de linguagem contendo termos
como intenção, motivo, fim, etc. deve ser radicalmente separado do jogo de linguagem
que fala de movimento, causa, acontecimento etc.. É muito tentador insistir sobre a
dicotomia aberta entre os dois jogos de linguagem, o que não deixa de ser uma forma de
voltar para a oposição entre compreender e explicar.”(p. 25)

- “Resumirei esses três debates numa mesma expressão: ‘Explicar mais é compreender
melhor’. Ou seja, se a compreensão precede, acompanha e envolve a explicação, esta em
troca desenvolve analiticamente a compreensão.” (p. 26)

- “Encerro aqui a revisão dos desenvolvimentos sucessivos pelos quais passou minha
concepção da hermenêutica desde O voluntário e o involuntário até o Conflito das
interpretações. Viu-se como a primeira definição da hermenêutica pelo desenvolvimento
do sentido segundo nas expressões com duplo sentido ou símbolos não foi substituída,
mas incluída na dialética da compreensão e da explicação. Amanhã [texto seguinte]
falarei dos novos problemas que trouxeram uma nova expansão, marcada principalmente
pela noção de ‘mundo do texto’, da problemática hermenêutica, e o que resultou dessa
expansão para a relação entre fenomenologia e hermenêutica que estava no ponto de
partida de meu trabalho reflexivo.” (p. 26)

Hermenêutica e o mundo do texto

1. Noção de texto

- “Primeiramente algumas palavras sobre a noção de texto [Do texto à acção, p. 137-139].
Três observações: (p. 27)

a) Como anunciei no primeiro estudo, noção de texto pressupõe uma concepção do


discurso que vai além da noção de palavra oposta [acaba p. 27] à de língua em Saussure
(a palavra como uso vs sistema). O discurso implica uma atividade sintética na qual se
enxertam as diferentes modalidades de inovação semântica que serão abordadas; o
discurso articula um sujeito de discurso, um conteúdo de discurso, um código
metalinguístico, uma referência extralinguística, um interlocutor. É o que resume a
fórmula: alguém diz alguma coisa sobre alguma coisa segundo regras comuns a outro
alguém; em outras palavras: um ‘locutor’, um ‘dizer’, um ‘dito’ (ou sentido), um ‘mundo’
(ou referente), regras (fonológicas, lexicais, sintáticas), uma ‘alocução’.” (p. 27-28)

- “b) Uma segunda pressuposição da noção de texto refere-se à distinção entre uso oral e
uso escrito do discurso. A passagem da palavra para a escrita marca muito mais do que
um mero fenômeno de fixação de inscrição aplicado a um discurso que poderia ter sido
expresso oralmente. Existe realmente escrita quando o discurso produzido nunca foi
pronunciado oralmente e principalmente nunca poderia ter sido. A escrita se anuncia
como impossibilidade da palavra; um novo instrumento de pensamento e de discurso
nasce com a escrita.” (p. 28)

- “Primeira consequência: surge uma alternativa que abre caminho para o que Starobinski
denomina ‘a fábula da crítica’; de um lado, o fenômeno da inscrição dá uma autoridade
especial ao que está escrito; do outro, a distância que assim se cria com a palavra viva
gera suspeita – e uma questão: como tal efeito de sentido pode ser produzido? Numa
palavra, nasce um conflito aberto entre autoridade e gênese.” (p. 28)

- “Segunda consequência: o fato de ser escrito faz do discurso o portador de uma história
que já não é a de seu autor. É fácil entender esse paradoxo: o sentido do que foi escrito
agora é distinto das eventuais intenções de seu autor e assim se subtrai a toda crítica
psicologizante. Aquilo que podemos chamar de autonomia semântica do texto faz que
este desenvolva uma história distinta da de seu autor [Do Texto à acção, p. 31]. A
ambiguidade da noção de significado reflete essa situação. Significar tanto pode querer
dizer o que significa o texto como o que o autor quis dizer [...]. Assim, essa disjunção
entre dizer e significar já constitui um fenômeno de produção, uma criação.” (p. 29)

- “Outra consequência: o discurso oral proporciona um cara a cara, um diálogo no sentido


próprio do termo, de forma que sempre será possível os interlocutores mostrarem um ao
outros os objetos de sua conversa; a referência aos objetos do mundo é, como se diz,
ostensiva. A escrita elimina justamente essa referência ostensiva: se leio num poema:
‘naquela noite’ etc., entendo que os dêiticos utilizados, aqui o demonstrativo, não indicam
nada que possa ser mostrado. Esse tipo de incerteza de todos os dêiticos esboça uma
mobilidade do texto em relação a toda espécie de realidade suscetível de ser mostrada.
Será com relação a esse eclipse da referência ostensiva que logo colocaremos a questão
se podemos dizer que a literatura, tanto na forma lírica como na forma narrativa, refere-
se a alguma coisa que ainda podemos denominar ‘mundo’ – mundo do texto.” (p. 29)

- “Última conquista ligada à escrita: o texto escrito estabelece outro tipo de cara a cara:
só o fato de o texto ser aberto, conforme as palavras de Gadamer, a quem quer que saiba
ler implica que o autor do discurso oral dê lugar a um leitor invisível e no limite a um
[acaba p. 29] auditório ilimitado e indeterminado; aqui começa a misteriosa aventura do
texto.” (p. 29-30)

- “c) A ideia de texto possui uma terceira pressuposição, comum à palavra oral e à escrita,
mas desenvolvida ao extremo, que se refere à composição – texto significa também
textura – que faz do texto uma obra. A partir do momento em que um autor se envolve
numa escrita, ele se dispõe a compor diferentemente do que faria numa troca de palavras
característica da relação dialogal. A autonomia semântica da escrita, da qual acabo de
falar, abre caminho a uma busca de regras de composição que a troca rápida das respostas
e das perguntas da conversação não dá tempo de desenvolver. A obra tem suas regras
específicas de composição que fazem dela uma narrativa, ou um poema, ou um ensaio
etc. E o problema da composição não depende da linguística, para qual a última unidade
é a frase, mas da poética, que incide precisamente sobre os modos de composição de um
discurso, frequentemente escrito (mas não necessariamente), cujas unidades são mais
extensas que a frase. O fenômeno de textura, de composição, oferece uma série de novas
alternativas: não mais entre autoridade e gênese, mas entre a consistência do texto como
uma coisa fortemente estruturada e a abertura do texto do lado do mundo e do lado do
leitor. É o problema da dialética do sentido e da referência, de um lado, da escrita e da
leitura, de outro. Vamos ver até que ponto os dois problemas estão intimamente ligados.”
(p. 30)

2. O ‘mundo’ do texto

- “Elaborei em A metáfora viva e Tempo e narrativa a noção de mundo do texto,


desenvolvendo uma reflexão sobre a função referencial de discursos [acaba p. 30] não
descritivos, tais como poemas e narrativas. A literatura, a meu ver, revela um enigma
importante da linguagem, que é a luta que se trava em seu interior entre duas orientações
divergentes já presentes na linguagem comum, mas que só se tornam manifestas no nível
das grandes unidades de composição que são os textos e as obras. De um lado a linguagem
parece se exilar fora do mundo, fechar-se em sua atividade estruturante e finalmente
exaltar a si mesma em sua solidão cheia de glória: o estatuto literário da linguagem ilustra
essa primeira orientação. De outro lado, contrariando essa tendência centrífuga, a
linguagem literária parece capaz de aumentar o poder de descobrir a de transformar a
realidade – e sobretudo a realidade humana – conforme se distancia da função descritiva
da linguagem ordinária da conversação. A bem dizer, essa dupla pulsação poderia ser
percebida mediante uma reflexão simples sobre a relação entre signo e coisa: enquanto o
signo não é a coisa, ele fica virtualmente no exílio; e no entanto não existe nada igual a
um mundo de signos; o signo está antes de tudo no sujeito do mundo. Na linguagem
ordinária, essa dupla pulsão – para fora do mundo, para dentro do mundo – acontece sem
problemas. A referência sempre compensa o distanciamento do sentido; é o princípio de
funcionamento de todo discurso diretamente descritivo. O mesmo já não acontece com a
literalidade, com o gênio da linguagem literária. De alguma forma, em seu exílio, o
discurso fica reforçado e consolidado pela própria atividade de composição que dá ao
texto uma existência autônoma, diríamos mesmo um poder de subsistência fora do
mundo. É assim que, opondo-se a esse exílio glorioso, a pulsão inversa atua, ‘derramando
a linguagem no universo’, na bela expressão de Gustave Guilaume.” (p. 30-31)

- “A dificuldade em A metáfora viva e em Tempo e Narrativa está no problema do retorno


do signo para a coisa no nível do enunciado metafórico.” (p. 32)

- “De onde ela vem? Ela vem do problema da inovação semântica, que na poesia e na
narrativa ficcional parece eclipsar o da referência ao mundo, a ponto de torná-la
supérflua, ou incongruente, não pertinente. Nos dois casos, realmente, a produção de um
sentido novo está ligada a operações de síntese que criam novos seres de discurso. No
caso da metáfora, a união inédita de dois campos semânticos incompatíveis conforme as
regras usuais da classificação criam a faísca de sentido constitutivo da metáfora viva. No
conhecido verso ‘A natureza é um templo em que vivas colunas [...]’ nenhuma palavra
em si mesma – ‘natureza’, ‘templo’ – é metafórica, mas [é] a combinação ‘vivas colunas’
que obriga a ver a vida como arquitetura e a arquitetura como vida [poema
correspondências de Baudelaire].” (p. 32)

- “A teoria da narrativa revela um fenômeno semelhante: armar uma intriga, além de ser
uma síntese do heterogêneo – pois a associação dos fatos numa história contada extrai de
acontecimentos esparsos um relato unificado -, ao mesmo tempo também associa
intenções, causas e acasos, e finalmente extrai uma configuração temporal de uma
sucessão de acontecimentos descontínuos.” (p. 32)

- “Minhas reflexões sobre o mundo do texto procedem da análise da inovação semântica


introduzida na obra dentro do discurso poético, graças à metáfora, e dentro do discurso
narrativo, com base na intriga. A contrapartida da inovação semântica atinge o ponto
máximo na poesia e na arte narrativa. É o poder de expansão maior da linguagem para o
mundo, como se a criatividade na linguagem exprimisse ao mesmo tempo um máximo de
referencialidade.” (p. 32)

- “No capítulo ‘Referência metafórica’ do primeiro livro, afirmo categoricamente que a


suspensão da referência de primeiro grau, a do discurso em sua função descritiva,
constitui apenas o contrário de um processo infinitamente mais importante, ou seja, a
emergência de uma referência de segundo grau que caracterizo como redescrição do
mundo, por comparação com o papel dos modelos no conhecimento científico. De bom
grado confesso hoje que o milagre da referência deixa sem resposta a questão de saber se
é a linguagem como tal que relata ou se é quem a profere, e portanto saber em que
condições pode alguém falando metaforicamente referir-se indiretamente ao mundo.” (p.
33)

- “Nesse estágio de perplexidade e de ambiguidade, Tempo e narrativa retoma o problema


da referência no contexto do uso literário do discurso. [...]. O problema tornou-se,
efetivamente, a passagem da configuração na arena do texto narrativo para refiguração
do mundo real do leitor fora do texto narrativo. Essa problemática ganha títulos de
nobreza da Poética de Aristóteles, que atribui ao mythos – à fábula, à intriga – uma função
mimética do ponto de vista do mundo da ação, da práxis. A linguagem narrativa, portanto,
não se fechou em si mesma, pois se refere à ação dos homens segundo uma relação sem
equivalentes –a mimese-, que não é uma mera imitação, no sentido de uma cópia, uma
réplica, uma duplicação, mas uma reorganização num nível mais elevado de significância
e de eficiência. A tese bem simples do poder de uma redescrição atribuído ao enunciado
metafórico como tal fica enriquecida pela associação de várias mediações que garantem
a transição entre configuração na narrativa e refiguração do mundo da práxis.” (p. 33)

- “Existem aproximadamente três estágios no caminho da configuração para a


refiguração. No fim do volume II [de Tempo e narrativa] desenvolvo inicialmente a ideia
de um texto literário em geral, um texto narrativo em particular, que projeta diante de si
um mundo-do-texto, mundo possível, sem dúvida, mas no entanto mundo, enquanto
estágio onde poderia me manter e morar para executar meus possíveis mais próximos.
Sem ser um mundo real, esse objeto intencional ambicionado pelo texto como seu texto
exterior constitui uma primeira mediação na medida em que um leitor pode se apropriar
de algo que não é a intenção perdida do autor atrás do texto, mas o mundo do texto diante
do texto. O segundo estágio no caminho da refiguração é uma longa investigação
consagrada às aporias da experiência do tempo. Como essa aporética pode ser interessante
para nosso problema? Na medida em que o texto narrativo se vê frente a frente não
simplesmente como a prática cotidiana, mas com outro discurso, produzido por nossas
perplexidades a respeito do tempo humano. Sem a articulação narrativa, com efeito, nossa
experiência do tempo é joguete de paradoxos insolúveis para a especulação sozinha;
pensemos somente na desproporção entre o breve tempo dos mortais e o grande tempo
dos movimentos siderais. Mas a desproporção não é apenas quantitativa, mas qualitativa,
entre um tempo com presente, futuro e passado – em outras palavras, um tempo
estruturado pela atenção, pela antecipação, pela memória – e um tempo sem presente,
constituído por uma sequência infinita de instantes que não passam de cortes virtuais na
continuidade da mudança. Essa aporética do tempo, como a denomino, constitui a meu
ver a transição mais importante da configuração interna da narrativa para a refiguração
da ação pela narrativa. Não que a narrativa à medida que se desenvolve resolva os
paradoxos do tempo. Pelo menos os torna produtivos. De onde o termo poético da
narrativa colocado defronte a aporética do tempo. [acaba p. 34]. Nisso a narrativa ‘imita’
a ação, oferecendo uma articulação narrativa a uma experiência do tempo que sem ela
ficaria entregue a paradoxos sem fim que podem levar a filosofia à sofística. O terceiro
estágio em direção à refiguração do campo prático pela narrativa é formado pelo ato de
leitura. Era o elo que faltava em A metáfora viva no capítulo da referência metafórica.
Quem designa, perguntamos em seguida? Ora, o leitor. É o personagem real que faz a
interseção do mundo (possível) do texto com seu mundo (real) de leitor.” (p. 34-35)

3. Semântica da ação e do agente

- “Antes de qualquer coisa é preciso delimitar a semântica, tal como ela é definida na
filosofia analítica, em relação à pragmática da linguagem. Em semântica, a insistência
maior está, de um lado, no sentido das proposições independentemente da posição dos
sujeitos do enunciado, de outro na [acaba p. 37] referência a entidades externas à
linguagem. Assim, a semântica responde a duas questões: O que se fala? Sobre o que se
fala?. Quanto à pragmática, ela intervém nas proposições quando a significação varia de
acordo com o uso feito pelo locutor e consequentemente pela posição desse locutor e de
sua perspectiva singular no mundo. Podemos dizer desde já que a semântica da ação pode
bastar para designar uma espécie de acontecimento do qual se fala, mas não basta para
designar sozinha o agente enquanto capaz de designar a si mesmo.” (p. 37-38)

1. O esquema conceitual da ação

-“A contribuição mais importante da semântica da ação para a filosofia prática é ter
orientado o olhar e aplicado a análise ao esquema conceitual no qual se inscrevem todas
as noções que, na linguagem ordinária, se referem à ação humana. Esse esquema
conceitual contém noções como circunstâncias, intenções, motivos, deliberação, moção
voluntária ou involuntária, passividade, opressão, resultados desejados ou não etc. O
caráter aberto dessa enumeração é menos importante que sua organização em rede. O que
importa, realmente, para a constituição de sentido de cada um desses termos é o fato de
pertencerem à mesma rede de todos os outros; assim, relações de intersignificação regem
seu próprio sentido, de forma que saber usar um deles é saber se servir de maneira
significante e apropriada da rede inteira. Trata-se de um jogo de linguagem coerente, no
qual as regras constitutivas que ditam o emprego de um termo formam sistema com as
que ditam o emprego de outro termo. Essa rede conceitual não deve ser considerada mero
inventário das expressões idiomáticas próprias de uma língua, por exemplo o inglês, mas
sim pelo transcendental de todo discurso sobre a ação: à diferença, com efeito, dos
conceitos empíricos, a função de toda a rede é determinar aquilo que ‘é considerado
como’ ação nas ciências psicológicas do comportamento e nas ciências sociais da
conduta. Uma forma eficaz de proceder nessa determinação mútua das [acaba p. 38]
noções pertencentes a essa mesma rede da ação é identificar a cadeia das questões
suscetíveis de ser colocadas ao sujeito da ação: quem faz ou fez o que, visando a que,
como, em quais circunstâncias, com quais meios e quais resultados? As noções-chave da
rede da ação deduzem seu sentido da natureza específica das respostas dadas a questões
específicas, cujos significados se entrelaçam: quem, o que, por que, como?” (p. 38-39)

2. O quê da ação

- “Uma ação não é algo que simplesmente acontece, um fato que acontece, mas alguma
coisa que fazem acontecer.” (p. 39)
- “Assim, sem observar, tenho ciência das ações feitas intencionalmente das quais
falaremos mais adiante, mas também da posição de meu corpo e de meus membros, e
ainda dos motivos que me fazem agir de certa maneira e sobre o quais dizemos que nos
levam a agir dessa ou daquela forma. Isso faz parte do saber-como e não do saber-o-que.
O saber do gesto está no gesto: ‘A ciência do que é feito é conhecimento prático’; ‘um
homem que sabe como fazer coisas tem o conhecimento prático delas’.” (p. 40)

3. O porquê da ação

- “A oposição entre motivo e causa parece aprofundar ainda mais o abismo lógico. Um
motivo – como se observou – é sempre um motivo de; como tal, fica logicamente
implicado na noção de ação, pois não se pode mencionar o motivo sem mencionar a ação
da qual é o motivo. A noção de causa, pelo menos no sentido humiano (pois nada indica
que esse sentido [acaba p. 40] esvazie o campo semântico, como se dirá mais adiante),
implica uma heterogeneidade lógica entre causa e o efeito, na medida em que posso
mencionar uma sem mencionar o outro (como palito de fósforo sem o incêndio). A
conexão íntima e lógica, característica da motivação, é exclusiva da conexão extrínseca e
contingente da causalidade. O argumento tem a pretensão de ser lógico e não psicológico,
pois é a força lógica da conexão motivacional que impede a classificação do motivo com
causa; o motivo se deixa interpretar melhor como ‘razão de’...” (p. 40-41)

- “Uma ação é, ao mesmo tempo, certa configuração de movimentos físicos e uma


realização possível de ser interpretada em termos de intenções e motivos. Ora, os dois
jogos de linguagem não estão justapostos, mas superpostos. A semântica da ação mostra
aqui uma categoria mista, a do desejo, que exige a fusão das categorias psíquicas,
exclusivamente reservadas às pessoas, com categorias físicas comuns a pessoas e coisas.
A pertinência dessa categoria mista foi esclarecida na análise anterior do motivo, na
medida em que esta foi tirada da dimensão da razão de..., portanto da justificação racional.
Escondeu-se assim a singularidade do desejo, ou seja, que ele acontece com um sentido
que pode ser mencionado na linguagem intencional e como uma força que pode ser
mencionada na linguagem da energia física.” (p. 41)

- “[...] intenções e motivos consideram também o lado do agente da ação, na medida em


que eles são os seus. Aparece aqui uma noção de pertencimento que obriga a passar da
ação ao seu agente.” (p. 43. Grifo do autor)

4. Semântica da ascripção
- “A relação da ação com seu agente é o problema, ao mesmo tempo antigo e novo, do
qual falávamos na introdução. Aristóteles, bem antes dos estoicos, dá a entender, sem no
entanto tratar tematicamente essa relação, que a ação depende do agente, num sentido
específico da relação de dependência.” (p. 43)

- “Problema antigo, a ascripção que liga a ação a seu agente passou a ser novo, na medida
em que se refinavam a teoria predicativa em geral e a semântica do discurso da ação em
particular.” (p. 43)

- “Gostaria de mostrar que a semântica da ação leva a ascripção a receber uma


significação distinta que transforma os casos particulares em exceções e põe no caminho
para a identidade a si-mesmo.” (p. 44)

- “Strawson, o autor de Individuals, observa que as características físicas e psíquicas


pertencem à pessoa, fazem parte dela. Dizemos que aquilo que pertence a alguém (owner)
lhe é próprio (own), em oposição ao que pertence a outro, que, por isso, lhe é alheio.” (p.
44)

- “É realmente notável observar que a ascripção marca o retorno de todos os termos da


rede conceitual da ação para seu pivô quem; ao contrário, determinamos a resposta à
questão quem fornecendo uma resposta à cadeia das questões o que, por que, como etc.
Observemos o que acontece com a questão o que e a questão por que.” (p. 44)

- “É sobre a própria ação, em primeiro lugar, que dizemos ser minha, sua, dele, que ela
depende de cada um, que ela está em seu poder. É ainda sobre a intenção que dizemos ser
‘a intenção de alguém’, e sobre alguém dizemos que ele tem ‘a intenção de...’. Podemos,
evidentemente, entender a intenção como tal; mas se a retirarmos de seu autor para
examiná-la a [acaba p. 44] devolveremos atribuindo-lhe como sua. [...]. A ascripção
consiste exatamente na reapropriação de suas próprias deliberações e preferências feita
pelo agente; decidir-se é resolver o debate fazendo sua uma das opções examinadas.
Quanto à noção de motivo, na medida em que ela se distingue da noção de intenção, por
exemplo, como backward-looking motives (Anscombe), o pertencimento ao agente faz
parte de suas significações tanto quanto sua ligação lógica com a própria ação, da qual
ele é a causa; é justificada a pergunta: ‘Por que A fez X?’, ‘O que levou A a fazer X?’.
Mencionar o motivo é também mencionar o agente.” (p. 44-45)

5. Ascripção e poder de agir


- “O agente é o possuidor de suas ações que assim são as suas. Assim, dizemos: cabe a
alguém fazer isso em vez de fazer aquilo.” (p. 46)

§4. Implicação ética da teoria da ação

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