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Marília Velardi1
Universidade de São Paulo
Abstract: In this article the proposal is to raise initial reflections, rather than
bring answers, that lead us to think collectively about what we aim for when
we look for foundations for research in the field of the Arts. By relying on
previously established methods, although coined in the field of the Arts, we
assume not only a way of doing, but especially modes of being and thinking.
How do we think? How do we want to think?
1Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política da Escola de Artes, Ciências e Humanidades
da Universidade de São Paulo.
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Marília Velardi
Temos buscado modos de pesquisar em Artes. algumas surgidas nos últimos 30 anos no
Como pessoas do tempo presente, imersas nos campo das pesquisas nas Artes, e que estão
programas de pós-graduação nas organizadas em dois movimentos, ambos os
Universidades brasileiras, temos nos deparado quais bastante proclamados na Europa: a
com modos de investigação que exigem Pesquisa Artística e a Pesquisa baseada na
posturas e métodos acadêmicos capazes de Prática.
garantir que a nossa pesquisa se vinculará à
Um dos importantes pesquisadores
seriedade e à confiabilidade garantidas pelas
responsáveis pela primeira proposta é Henk
fórmulas consagradas de fazer Ciência. Ao
Borgdorff, professor de Teoria da Pesquisa nas
mesmo tempo, não é incomum que os estudos
Artes e pesquisador da Universidade de Leiden,
sobre as pesquisas acadêmicas nas Artes
na Holanda onde, segundo afirmam, os artistas
resvalem em reflexões sobre o quanto se
são estimulados a fazerem pesquisa dentro e
distanciam ou devem se distanciar das
através da prática artística. As suas reflexões e
pesquisas científicas e tecnológicas.
posicionamentos redundaram na criação de
Há inúmeros textos e discursos nos quais as disciplinas voltadas para a Teoria e Prática de
comparações e distanciamentos são traçados e Pesquisa em Artes na universidade onde
parece que aquilo o que motiva os escritos leciona e também noutras, em centros da
critica a hegemonia do modo de fazer pesquisa Finlândia, Reino Unido, Canadá, Austrália e
acadêmica do tipo que outorga valor ou África do Sul (BORGDORFF, 2017).
desvalor àquilo que tradicionalmente se faz
As questões postas pelo pesquisador não são
como processo investigativo nas Artes. Isso
completamente diversas de muitas das quais
leva muitas pessoas que escrevem sobre as
nos movem aqui, nos espaços acadêmicos
pesquisas em Artes a buscarem os motivos
brasileiros. Para o autor, pesquisar nas Artes e
pelos quais a pesquisa artística é, geralmente,
sobre as Artes deve ter o mesmo valor e, além
colocada à margem dos estudos considerados
disso, para ele não parece ser possível pensar
relevantes ou essenciais para a Universidade
num único método para a pesquisa artística. No
moderna.
entanto, deve-se considerar que o
Os critérios científicos de validade conhecimento artístico seria acessado pela
interna e externa não nos cabem. pesquisa artística. Nas suas reflexões e
Não formulamos hipóteses a priori. posicionamentos consta:
Estamos demasiadamente mergulhadas
em nossos contextos. A relação comum entre prática artística e
Precisamos pensar em formular um reflexão teórica é que ambas se
relacionam ao mundo existente. Mas o
conjunto de métodos de pesquisas cunhadas conhecimento artístico também está
no campo das Artes. sempre incorporado em forma e matéria.
Todos os processos criativos, práticas
Essa última afirmação tem guiado muitos artísticas e obras de arte incorporam
estudos que, por sua vez, orientam modos e conhecimento que simultaneamente dá
métodos que operacionalizam as pesquisas em forma e expande os horizontes do mundo
existente – não discursivamente, mas de
Artes na Academia. Para tomar exemplos, maneira auditiva, visual e tátil,
recorro a duas expressivas formulações dentre esteticamente, expressivamente e
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Questionamentos e propostas sobre corpos de emergência:
reflexões sobre investigação artística radicalmente qualitativa
afirma quão necessário é rompermos com o que não teriam direito à voz caso não falassem
hábito de corrermos para metodologias de por si.
pesquisa preexistentes e, ao invés disso,
Essas reflexões também nos colocam frente à
seguirmos as provocações que vêm de toda
perspectiva de como os diários de campo, os
parte no desafio que é viver e escrever. As
cadernos de artistas, as anotações dos
pesquisas qualitativas geradas na escola de
processos e intuições que lhes atravessam ,
Chicago de Sociologia já nas primeiras décadas
assim como as imagens fora de foco, os vídeos
do século vinte descolaram-se do modelo
com ruídos, as conversas fora de hora são,
disciplinar e se deslocaram para as pessoas
algumas vezes, mais interessantes do que os
que fazem as pesquisas. A chamada terceira
relatórios produzidos. E isso marca uma
geração das pesquisas qualitativas norte-
posição contrária à crença de que os discursos
americanas assume que, mais importante do
sensíveis e impressões afetivas levam à perda
que a disciplina a qual a pesquisadora está
da objetividade ou seriedade da pesquisa.
vinculada, é essencial que quem faz pesquisa
seja uma pessoa comprometida não só com Há, na atualidade, inúmeros discursos e
uma área, mas com o campo da investigação, práticas investigativas que nos permitem
suas histórias e contextos. E nessa perspectiva, compreender que quando despertamos para o
ser do campo, estar mergulhada nele e saber fato de que é possível nos basearmos naquilo
quem se é como pessoa e pesquisadora que vivemos como cerne da nossa organização
desse/nesse campo é uma exigência, uma e produção, nós podemos perceber que já
necessidade, uma responsabilidade radical sabemos algo. E que não chegamos assim tão
(ST.PIERRE, 2017). cruas em relação a nossa capacidade de
construir pesquisa.
Essas reflexões aparecem num tempo em que
persiste e segue fundamental o As pessoas artistas sabem da riqueza dos
questionamento sobre os lugares de fala, processos, do quanto envolvem de ordenação
especialmente sobre quando alguém está seguida de caos, seguida de ordenação... e de
falando por outro alguém. É pertinente também caos. De fluxo, fluência, estancamentos,
nos colocarmos diante da crítica sobre a paradas. Renúncias, descartes e
ausência das histórias humanas contadas nas incorporações. De como são alterados no
pesquisas como experiências e não como percurso e do quanto, muitas vezes, estes são
fragmentos. Um tempo em que precisamos mais interessantes do que os resultados a da
resgatar a importância das contações de forma final. Cuidar dos percursos, valorizar os
histórias a partir do ponto de vista da pessoa processos e narrá-los detalhadamente, erros e
pesquisadora, que também é sujeita às acertos: essa é talvez a mais importante
experiências que narra. E que pensa, reflete, premissa daquelas pessoas pesquisadoras que
critica, revê, rememora, desdobra o que viveu apostam os no fato de que as formas de
enquanto conta para si as suas histórias. É, investigação dentro e fora das Artes podem ser
também, uma posição colocada para valorizar inspiradas por artistas em seus processos, e
as ausências e os silêncios daquelas pessoas não só por epistemologias consagradas ou
teoria a priori. Isso especialmente se a proposta
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for investigar experiências vivas, postas no nós traremos à tona desse mergulho, afinal, um
mundo em movimento. E elaborarmos uma método de investigação e assim, criativamente,
narrativa que seja coerente com isso tudo - e a poderemos inventar e reinventar o mundo (ST.
trazermos para a Academia - parece mais do PIERRE, 2017b).
que uma tarefa, uma urgência. Para as Artes,
Nessa perspectiva somos, essencialmente,
mas também para a Ciência e a Tecnologia.
metodologistas. E para que isso se instaure é
A despeito da digitalização, da globalização e preciso que declaremos como nós pensamos,
das generalizações típicas do nosso tempo, é como nos organizamos, como tropeçamos, o
preciso encontrarmos caminhos particulares que descartamos, como estamos fazendo para
que nos permitam percursos e encontros locais, investigar e narrar ou comunicar ou trazer à
experiências construídas por pessoas que a tona aquilo o que investigamos. Contar para as
presentificam, sob epistemologias criadas ali, pessoas como estamos fazendo, falar das idas
com base naquilo que se é. Uma relação clara e voltas, performar os diálogos e que
e assumida entre o transitório, o impermanente, estabelecemos, as linhas que traçamos, as
o urgente, o imediato e a ancestralidade. malhas que tecemos.
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Questionamentos e propostas sobre corpos de emergência:
reflexões sobre investigação artística radicalmente qualitativa
às situações e seus campos e vai se discussão, mas permitem que uma história seja
modificando. Eu aprendi a me inspirar na contada.
pesquisa qualitativa que surge a partir dos
Com Ron Pelias, professor de estudos da
estudos da escola de Chicago de Sociologia,
performance na Universidade Southern Illinois,
especialmente quando li os trabalhos de
inspiro-me a buscar uma forma de escritura que
Charles Wright Mill, A imaginação sociológica
promulgue “um método do coração, uma forma
de 1959 e, antes dele, Robert Ezra Park, A
que escute o coração, consciente de que as
cidade e outros ensaios de ecologia urbana.
histórias são as verdades que não se aquietam”
E essa pesquisa qualitativa que hoje está sendo (PELIAS, 2004, p. 171, tradução nossa).
conduzida por uma quarta geração de
Sem vergonhas, sem medos, respaldadas por
pesquisadores se alarga e, sob ataque da
comunidades que criaremos e que nos
ditadura da Ciência e dos mecanismos
ajudarão a trazer encarnação para as nossas
neoliberais de patrulhamento da investigação
divagações, alterando o tradicional critério de
acadêmica e artística, coloca-se na direção de
validade externa para o de representatividade e
pensar métodos que sejam não métodos.
credibilidade: “meu caminho é o de volta para
Fluidez. Pede-se fluxo na fluidez da
casa, de minha própria descoberta. Encontrar
investigação. Façamos aquilo que, como
um modo de escrever que pareça eu mesmo
pessoas criadoras de formas de pensar o
escrevendo e não apenas alguém jogando
mundo, nos permita resgatar a humanidade nas
jogos acadêmicos.” (INGOLD, 2012, p. 10).
pesquisas sobre as vidas e seus fluxos. Senão
resgatar, radicalmente, instaurar. Aqui pensei em falar não sobre o que é, mas sobre o
que pode vir a ser. Não sobre como deve ser, mas
Certas de que toda escolha de dados e de
sobre como pode ser. Não apenas, mas também.
formas de análise é mais uma interpretação do
Insurgências. Insubordinações. Transitoriedades.
que um olhar frio e distanciado da pessoa
Impermanência.
pesquisadora como entidade imparcial a
serviço do avanço do conhecimento, é preciso
Recebido em: 12/05/2018
que saibamos, crítica e conscientemente, como
nós pensamos. Isso nos permitirá trazermos Aceito em:29/05/2018
para a escrita acadêmica não apenas os dados
que elucidam um problema de pesquisa e que Referências Bibliográficas
foi estruturado na observação focal de um
BORGDORFF, H. O conflito das faculdades:
objeto ou campo super delimitado, ou as
sobre teoria, prática e pesquisa em academias
respostas às hipóteses (seriam conjecturas?);
profissionais de artes (tradução de Daniel Lemos
mas, que nos permitiria trazer aquilo que
Cerqueira). Opus, v. 23, n. 1, p. 314-323, abr.
tradicionalmente foi considerado objeto e dado,
2017.
desta feita, imersos e vivos nas histórias que
podemos contar tendo-os como p r o t a g o n i BORGDORFF, H. The Conflict of the Faculties:
s t a s. Perguntas, dados, objetos, hipóteses Perspectives on Artistic Research and
não são, necessariamente, os pontos da
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