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Uma Vida Iluminada: trajetórias sociais de pessoas e objetos na reconstrução da memória, Magda Ribeiro.

Revista Proa, n°02, vol.01, 2010.


http://www.ifch.unicamp.br/proa

Uma Vida Iluminada: trajetórias sociais de


pessoas e objetos na reconstrução da
memória
Everything is Illuminated, Direção: Live Schreiber, Roteiro: Liev
Schreiber, baseado no livro “Everything is Iluminated” (2002) de
Jonathan Safran Foer. EUA, 2005, 100 minutos.

Magda Ribeiro
Magda dos Santos Ribeiro (magdaribeiro@usp.br) cursa mestrado em
Antropologia Social no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade
de São Paulo (PPGAS/USP) e tem sua pesquisa financiada pela FAPESP.

“Embora os homens pareçam ser os agentes na definição


do valor das conchas, na verdade, sem as conchas, eles
não podem definir seu próprio valor, quanto a isso,
homens e conchas são agentes recíprocos na definição do
valor de um e de outro”

Nancy Munn, Gawan Kula 1983:283

O filme aqui resenhado, “Uma Vida Iluminada” (100 minutos, 2005), ajudou a
compor a programação do ciclo O cinema sob o olhar das Ciências Sociais, organizado
pelo GESTA – Grupo de estudos de Antropologia e Arte, realizado em Novembro de
2009, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP.

Baseado no romance homônimo de Jonathan Safran Foer, personagem que


protagoniza o filme, “Uma vida iluminada” narra a história de um jovem americano
judeu que viaja para a Ucrânia na busca por encontrar a mulher que salvou seu avô da
perseguição nazista, durante a Segunda Guerra Mundial. Neste percurso, Jonathan
conta com a ajuda de Alexander Perchov, um tradutor bastante inexperiente, e do avô

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de Alexander, um senhor que se diz cego e que trabalha como guia especializado em
judeus procurando por rastros de seus antepassados na Ucrânia.

Muito embora a temática central gire em torno da reconstrução de memórias


que nos remetem ao Holocausto, a narrativa permanece leve e bem humorada, com
belíssima fotografia de Matthew Libatique.

O filme, assim como o texto literário no qual se inspira, é construído a partir de


três narrativas distintas, as quais, desenvolvidas de forma paralela, produzem um
efeito ao mesmo tempo histórico – ligado ao passado do protagonista e às memórias
de sua família – e vivencial – ligado ao presente do protagonista e aos novos laços
afetivos que passa a estabelecer. Esse movimento atribui dinamismo e precisão à
narrativa, oferecendo ao espectador diferentes pontos de vista acerca dos mesmos
fatos.

Por um lado, Alexander Perchov – a quem o filme é dedicado – narra as


experiências que vivenciou ao auxiliar Jonathan em sua busca pelo passado da família.
Jonathan, por sua vez, narra as próprias experiências, ao procurar por Trachimbrod –
onde viveu e de onde fugiu seu avô – a partir dos objetos que coleciona. E, num
terceiro plano, a narrativa é fruto do diálogo entre os dois: Jonathan escreve um livro
contando de sua viagem à Ucrânia e Alexander comenta o livro, por meio de cartas
enviadas a Jonathan. O efeito é uma gradativa desmistificação da alteridade, colocada
inicialmente entre judeus e não-judeus e, posteriormente, entre americanos e
ucranianos. O filme é marcado pela alternância entre tensão e conciliação das
diferenças, abertura e fechamento ao Outro, exibindo as nuances dos vínculos
formados a partir deste encontro.

A legitimidade da análise fílmica como campo de interesse antropológico já foi


apontada por diversos pesquisadores, como Satiko (1998), que abordou a relação
especular entre antropologia e cinema: o cinema é a magia da técnica, ou o real
chamuscado na imagem? O cinema é também lugar de reflexão sobre a realidade, as
relações, os laços e entrelaçamentos que se produzem nas imagens em movimento.

A leitura que proponho fazer nessa resenha, fruto também do debate ocorrido
após a exibição do filme no Ciclo acima referido, tem um recorte bastante particular:
localiza os objetos como importantes protagonistas no processo de revolvimento das
camadas da memória e da construção das trajetórias sociais das personagens. Os
objetos remetem, ao mesmo tempo, a uma trajetória singular – descrita pelo autor do
livro e remontada pelo diretor do filme – e também a uma história coletiva, que diz

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respeito ao Holocausto e às inúmeras mudanças de rotas sociais realizadas durante


este período.

Na literatura sobre cinema, a importância dos objetos na composição dos


espaços e relações foi problematizada, por exemplo, por Béla Balázs (1983, p. 89),
que mostrou como o olhar da câmera é capaz de captar seres e objetos diminutos que
passariam despercebidos a olhos nus. A câmera nos transporta visualmente para o
interior das coisas, não apenas para sua superfície, mas para sua face, revelando suas
expressões mais sutis.

Em “Uma vida Iluminada”, Jonathan observa atentamente cada detalhe dos


objetos de sua coleção, os contornos dados pela vivacidade das coisas que
cuidadosamente protege.São os objetos, por fim, que retraçam os cenários de outrora
à luz do presente e funcionam como feixes de histórias, condensando as diversas
possibilidades de uma trajetória, simultaneamente, possível e passada. Jonathan diz
que quer conhecer Trachimbrod, pela possibilidade de saber onde ele próprio estaria se
a guerra não tivesse acontecido. Com efeito, sua busca é por conhecer uma vida
potencial, aquela que ele teria tido se as histórias, trajetórias e rotas de sua família
tivessem sido outras – e que é atestada justamente pelos objetos de quem viveu
naquela época, naquela região.

No filme de Liev Schreiber, as coisas habitam, assim como nós, um mundo


social e existe uma relação indissociável entre o mundo material e os seres humanos,
de modo que o inseparável universo que contém pessoas e coisas é pensando na
dialética destas relações: as coisas não podem existir sem nós – que as criamos e
guardamos – do mesmo modo que nós não nos configuramos plenamente sem as
materialidades. Esta, de fato, não é uma idéia completamente nova ao pensamento
antropológico. Desde Mauss (1923), as coisas são tratadas como portadoras de
trajetórias e agentes de circulação social.

Tal idéia tem adquirido cada vez mais notoriedade em diversas pesquisas
antropológicas, cujo foco na circulação e na biografia dos objetos acaba por elucidar os
contextos humanos e sociais de sua existência, tornando-os poderosas fontes de
informação. É o que indicam as análises perspicazes e pioneiras de Arjun Appadurai,
Igor Kopytoff, Marylin Strathern e Alfred Gell, entre outros, investigadores daquilo que
podemos chamar de “agência social” ou “biografia cultural” das coisasi .

O entendimento antropológico acerca do como e por que razão atributos


humanos são investidos em objetos não-humanos deriva de um interesse corrente que

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sempre esteve presente em nossa disciplina. Quase como encantado pelos objetos de
que trata, o discurso antropológico acaba tendendo para o objetivismo, mesmo quando
descreve as propriedades subjetivas das coisas.

O risco iminente, ao circunscrevermo-nos em análises que separam dádivas de


mercadorias, razão de emoção, visibilidade de invisibilidade, modernidade de pré-
modernidade é o de reduzir os objetos, e também os sujeitos, a signos culturais, isto
é, meros emblemas de uma época ou de uma sociedade, retirando deles toda
vivacidade e agenciamentos que produziram no decorrer de sua existência

O convite que o filme “Vida Iluminada” faz ao espectador é o de refletir sobre


como os vários significados das coisas e das experiências humanas sucessivamente
avançam e recuam no decurso da vida social e da prática cotidiana. O filme revela uma
vida onde as pessoas e as coisas são igualmente significativas É o que percebemos
quando Jonathan chega em Trachimbrod. Na cidade há apenas uma casa, sua única
habitante convive com os inúmeros objetos e fragmentos que desenterrou e guardou
ao longo dos anos, todos devidamente classificados e identificados em caixas de papel.

O significado das coisas está contido, não necessariamente em suas formas,


mas nos modos como nos relacionamentos com elas e, sobretudo, nas diversas
posições sociais que ocupam em nossas trajetórias e vidas.

Tal visão implica desviarmos a atenção acerca do como os significados dos


objetos são construídos ou representados socialmente para o modo como os objetos
são determinantes na vida diária, de forma que não podemos mais negar que os
objetos sejam também possuidores de uma vida social. Como nos sugeriu Appadurai
(1986, p. 17) as coisas, assim como as pessoas, possuem uma biografia cultural e
social.

A biografia é apropriada para coisas específicas, enquanto passam por mãos,


contextos e usos diferentes, acumulando, assim, uma biografia específica ou
um conjunto de biografias (APPADURAI, 1986, p. 52).

O personagem Jonathan, ao partir para a Ucrânia, está em busca de seu próprio


pertencimento social e de sua história familiar, que conhece apenas pelo relato de seu
avô e pelos diferentes objetos “encontrados” e colecionados pelo protagonista ao longo
de sua vida. Óculos, dentaduras, pingentes, fotografias e uma variedade de artefatos
fazem com que Jonathan persiga as coisas em suas histórias, seus usos e suas
trajetórias sociais, a fim de constituir sua própria.

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Se concordamos com Appadurai (1986) que objetos circulam em diversos


regimes de valor, tais regimes, portanto, acontecem em diferentes circunstâncias no
tempo e no espaço, ou seja, as coisas ao circularem em ambientes culturais e
históricos específicos acabam por acumular os elementos simbólicos e históricos dessa
circulação. É o que acontece em uma das cenas marcantes do filme, onde o avô de
Alex – senhor ucraniano que finge ser cego – encontra vestígios de um dos tanques
usados durante a Segunda Guerra. A imagem deste objeto não apenas o remete ao
passado, como também acaba por influenciar o seu presente e o seu futuro, já que ele
entra em contato com sua identidade judaica e de sobrevivente de um massacre que
escondeu por toda a vida – daí talvez a metáfora da cegueira.

O filme nos traz a oportunidade de olharmos os objetos para além de uma


tradição epistemológica que considera o mundo das coisas como inerte e mudo,
movido apenas pelo intermédio de pessoas. Ainda que nossa abordagem esteja
condicionada pela idéia de que as coisas não têm significado afora os que lhes
conferem as motivações humanas, do ponto de vista antropológico, essa verdade
formal não lança qualquer luz sobre a circulação e o valor das coisas no mundo
concreto.

A possibilidade, do ponto de vista metodológico, é seguir as coisas, pois seus


significados estão inscritos em suas formas, seus usos, seus diversos percursos sociais.
O impacto desta delicada e bem realizada narrativa fílmica evidencia o quanto a
circulação de certos objetos é capaz de elucidar contextos sociais. As imagens
projetadas no écran nos questionam sobre quais são os cálculos e transações humanas
que dão vida às coisas. Em Uma vida Iluminada, é potencialmente, a relação com os
objetos que faz emergir a humanidade, a experiência e a história.

A prática antropológica observa as relações entre pessoas e ali encontra a


presença de coisas. Entretanto, ao olharmos para o mundo não-humano – o qual inclui
objetos - encontramos também o mundo humano e social.

A partir daquilo que Appadurai chamou de rotas e desvios, podemos pensar que
o fluxo das coisas, em qualquer situação, é sempre um acordo oscilante entre rotas
socialmente reguladas e desvios motivados. Fica claro, em “Uma vida Iluminada”, que
existe a prescrição de uma rota para as coisas e também para as pessoas –
especialmente ao considerarmos o período de perseguição e extermínio de judeus
retratado no filme. Nesse sentido, são os acontecimentos históricos, sociais e as

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motivações humanas que permitem certos desvios, capazes de traçar novas histórias,
tanto para as coisas, como para as pessoas.

A idéia vigorosa de Kopytoff de que as coisas possuem também biografias


sociais nos ajuda a entender que a fase mercantil não exaure a história e a trajetória
dos objetos, ou seja, as coisas não existem apenas enquanto mercadorias. A questão
principal é que a mercadoria não é uma essência permanente das coisas, mas apenas
uma fase na vida de algumas coisas. Esse fato levanta, acima de tudo, a possibilidade
de repensarmos as barreiras colocadas entre dádivas e mercadorias.

O desafio é compreender por que atribuímos valores humanos a objetos e de


que maneira esse processo gera um laço intenso e vívido, entre homens e coisas e
entre os próprios homens por meio das coisas.

Jonathan, ao conhecer a história da mulher que salvou a vida de seu avô,


recebe uma caixa, e nela está escrito: “em caso de...”. Dentro da caixa Jonathan
encontra uma aliança. Sem entender, pergunta por que a dona do anel o guardou
quando soube que seria morta, “seria para provar sua existência? Uma forma de ser
lembrada?” Interroga Jonathan. “Não”, responde Augustine, “A aliança não está aqui
para você, mas você está aqui por ela”.

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Referências Bibliográficas

APPADURAI, Arjun. Introdução: Mercadorias e a política de valor. In: A vida social das
coisas, as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: EDUFF, 2008 [1986]

BALÁZS, Béla. A Face das coisas. In: A experiência do Cinema: antologia. Ismail Xavier
organizador. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983.

FOER, Safran Jonathan. Everything is Illuminated. Penguin Books Group, 2002.

HIKIJI, Rose Satiko Gitirana. Imagem-Violência, mímesis e reflexividade em alguns


filmes recentes. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em
antropologia Social USP. Primavera, 1998.

KOPYTOFF, Igor. A biografia cultural das coisas: a mercantilização como processo. In:
A vida social das coisas, as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: EDUFF,
2008 [1986]

MUNN, Nancy. Gawan Kula: spatiotemporal control and the symbolism of influence. In:
Leach, E. The Kula: New perspectives on Massin exchange. Cambridge University
Press, 1983.

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Como citar esse texto


RIBEIRO, M. Uma vida iluminada: trajetórias sociais de pessoas e objetos na
reconstrução de memórias pós holocausto. IN: Proa – Revista de Antropologia e
Arte [on-line]. Ano 02, vol.01, n. 02, nov. 2010. Disponível
em: http://www.ifch.unicamp.br/proa/ResenhasII/magda.html , acesso em:
dd/mm/aaaa.

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Notas

i
Sobre essa abordagem, me refiro às seguintes obras destes autores:
Appadurai, A. A vida social das coisas: Mercadorias sob uma perspectiva cultural,
1986; Kopytoff, I. A biografia cultural das coisas: a mercantilização como processo. In:
A vida social das coisas, as mercadorias sob uma perspectiva cultural, 1986;
Strathern, M. O Gênero da Dádiva, 1988; Gell, Alfred. Art and Agency, 1998.

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